O Papel Das Representações Sociais Na Construção Da Identidade Docente

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O PAPEL DAS REPRESENTAÇÕES SOCIAIS NA CONSTRUÇÃO DA IDENTIDADE DOCENTE

Mayara Aparecida Pereira Menezes, Augusta Boa Sorte Oliveira Klebis, Raimunda Abou Gebran

Universidade do Oeste Paulista – UNOESTE, Presidente Prudente, SP. E_mail: [email protected],


[email protected], [email protected]

RESUMO
O presente artigo se constitui parte de uma pesquisa intitulada “Ser professor no século XXI: as
representações sociais de alunos ingressantes e concluintes de um curso de pedagogia”, com apoio do
PIBIC/CNPq/UNOESTE. Trata-se, nessa primeira fase, de uma pesquisa bibliográfica que se propõe trazer
para o debate o papel das representações sociais na construção da identidade docente e de como a
formação inicial pode contribuir nesse processo. Faz-se necessário discutir a influência das representações
sociais no processo de construção da identidade docente, devido ao papel que estas exercem na orientação
de condutas e de práticas sociais. Ademais, o estudo das representações sociais pode ser um caminho
promissor para atingir os propósitos educacionais. Pretende-se assim, ressaltar a importância da formação
inicial para a construção da identidade e profissionalidade docente, de modo a possibilitar um diálogo
permanente com a realidade do espaço escolar, em especial da escola básica pública.
Palavras-Chave: Formação de Professores. Identidade Docente. Representações Sociais. Formação Inicial

THE ROLE OF SOCIAL REPRESENTATIONS IN CONSTRUCTION OF IDENTITY TEACHER

ABSTRACT
This article is part of a research entitled "Being a teacher in the XXI century: the social representations of
students entering and graduating from a course in pedagogy", with support from PIBIC / CNPq / UNOESTE.
It is in this first phase, a literature that aims to bring to the debate the role of social representations in the
construction of teacher identity and how the initial training can contribute to this process. It is necessary to
discuss the influence of social representations in the teaching identity construction process, due to the role
they play in guiding behavior and social practices. Furthermore, the study of social representations may be
a promising way to achieve educational purposes. The aim is to, emphasize the importance of initial
training for the construction of identity and the teaching profession in order to facilitate an ongoing
dialogue with the reality of the school environment, in particular the basic school.
Keywords: Teacher Education. Teacher identity. Social Representations. Initial formation

INTRODUÇÃO um grande desafio da atualidade tornar a


Torna-se cada vez mais evidente o profissão docente mais atrativa, seja na entrada,
desestímulo dos jovens à escolha do magistério seja durante o seu percurso.
como profissão futura e a desmotivação dos Por outro lado, várias pesquisas apontam
professores em exercício para buscarem que a exigência de uma educação de qualidade é
aprimoramento profissional. Esse quadro é fator prioritário para o desenvolvimento
consequência, sobretudo, das más condições de econômico e social de um país e que tal exigência
trabalho a que são submetidos os docentes, com não pode estar dissociada de um processo de
baixos salários, jornada de trabalho excessiva, valorização docente. Processo esse que implica
planos de carreira não condizentes com as em pensar em uma formação inicial e
necessidades atuais ou até a sua inexistência e, continuada, que permita aos professores se
em especial, com relação ao desprestígio social e apropriarem de competências e saberes
a imagem depreciativa veiculada pela mídia. imprescindíveis a uma atuação profissional
Nesse contexto, Imbérnon (2009) coloca como transformadora.

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Dessa forma, torna-se relevante o não é um dado pronto ou cristalizado, ela é


compromisso das políticas públicas e das processo, é metamorfose que tende à
instituições formadoras em qualificar um grande emancipação.
número de educadores e futuros profissionais da Contudo, observa-se que ao tentar
educação para uma população escolar crescente, compreender a natureza do trabalho docente nos
que apresenta sérias defasagens em relação aos deparamos com as representações que a
conhecimentos básicos necessários á sua sociedade possui a respeito da escola e do
emancipação social. professor, estimuladas, em muitos casos, por
Não podemos desconsiderar ainda que o representações engendradas por políticas
momento histórico impõe aos docentes, educacionais e econômicas, com a finalidade de
conforme ressalta Morgado (2005, p. 67) o construir uma identidade docente reprodutora
grande desafio “de desenvolver uma educação das aspirações desse sistema.
multicultural e antidiscriminatória, que permita a Nesse sentido, esta pesquisa busca
integração de valores, ideias, tradições e discutir o papel das representações sociais na
costumes muito distintos, que atenda à construção da identidade docente e como a
diversidade e pluralidade dos cidadãos e estimule formação inicial poderá contribuir para o
e reflexão crítica e a tolerância”. fortalecimento desse processo, rumo a uma
Requer, portanto, uma formação docente profissionalidade que atenda aos desafios atuais
ampliada, que vá além das competências da docência.
historicamente atribuídas aos professores, ou
seja, que a complexidade da ação docente se 2 A Teoria das Representações Sociais:
encontre atrelada às exigências da atual Fundamentação Teórica
sociedade. As representações sociais estão presentes
Nesse sentido, cabe aqui ressaltar a em nosso meio comum, tanto no cotidiano em
importância da formação inicial para a que interagimos e nos relacionamos, como
construção da identidade e profissionalidade também na mídia que lemos, olhamos, ouvimos.
docente, de modo a possibilitar um diálogo Deste modo, as representações sociais mantidas
permanente com a realidade do espaço escolar, fortemente pelas influências sociais da
em especial da escola básica pública. comunicação formam as realidades de nossas
Vale lembrar que a identidade docente é vidas, além de contribuírem como principal elo
uma construção social, pois se constitui na para estabelecer conexões pelas quais nós nos
relação dialética entre as dinâmicas das relações relacionamos e interligamos uns aos outros.
sociais e a experiências de vida de cada indivíduo. Segundo Moscovici, “as representações
Trata-se de uma construção articulada na sociais são entidades quase tangíveis. Elas
subjetividade e na objetividade de suas relações circulam, se entrecruzam e se cristalizam
sociais. continuamente, através duma palavra, dum
Assim, pode-se afirmar que a formação gesto, ou duma reunião, em nosso mundo
inicial atua como um processo identitário, cotidiano” (2015, p.10). Elas nos guiam na forma
quando possibilita, ao futuro docente, construir como nomeamos e definimos em conjunto os
conhecimentos relativos à profissão e vivenciar, diversos aspectos de nossa realidade, bem como
por meio do estágio supervisionado, o contato no modo de interpretar, de entender, de ter um
com a escola básica, em um processo da ponto de vista e defendê-lo.
articulação que lhe permitirá produzir sentidos O autor considera que as representações
sobre a profissão docente, bem como refletir e sociais são teorias do senso comum que são
agir sobre ela. produzidas coletivamente nas interações sociais,
Entender o processo de constituição da sujeito-sujeito e sujeito-instituição, cada qual no
identidade docente, passa pela compreensão de seu tempo, cultura e espaço específico, a fim de
que ela foi sendo constituída por múltiplos transformar o que é estranho em familiar, para
contextos: sociais, históricos, culturais e políticos, assim compreender a realidade. Salienta que é
dentre outros. É necessário considerar que esse por meio das interações com o mundo e com os
processo de identificação com uma profissão por sujeitos que elaboramos o conhecimento,
um determinado grupo é um fenômeno histórico, fortalecemos nossa socialização, construímos
portanto, como tal, está sujeito a valores e nos apropriamos de ideias que circulam
transformações. Para Ciampa (2007) a identidade

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na sociedade (MOSCOVICI, 1978 apud GEBRAN; objeto. Não há


TREVIZAN, 2017, no prelo) representação sem objeto
Do mesmo modo, na definição de Jodelet (2001, p.22).
(2001), as representações sociais são fenômenos
complexos que sempre estão ativos e atuando Nesse sentido, representação se
em nossa vida cotidiana. Para a autora, as configura como a representante mental do
representações sociais são identificadas como objeto que reorganiza, simbolicamente. Por outro
sistemas de interpretação, os quais orientam lado, leva a marca do sujeito e de suas ações.
nossas relações com o mundo e com as pessoas, Assim, as atitudes do sujeito dizem respeito ao
de tal modo que direciona e coordena as caráter construtivo, criativo, autônomo da
condutas e as comunicações sociais, além de representação que contém uma parte de
interferir em diversos processos, como na reconstrução, de interpretação do objeto e de
transmissão e assimilação de conhecimentos, nas expressão do sujeito.
transformações sociais, no estabelecimento de Conforme Jodelet (2001), as
identidades pessoais bem como sociais e representações sociais com toda sua riqueza,
expressões grupais. fazem emergir diversos elementos constituintes
Ademais, Jodelet (2001, p. 22) suscita que da vida social, os quais podem ser informativos,
as representações sociais: ideológicos, cognitivos, normativos, valores,
como fenômenos crenças, atitudes, opiniões, imagens etc., tais
cognitivos, envolvem a elementos são sempre organizados como uma
pertença social dos espécie de saber que diz alguma coisa sobre o
indivíduos às implicações estado da realidade.
afetivas e normativas, com Ainda complementando essa ideia,
as interiorizações de Moscovici (apud JODELET, 1993, p. 4-5) expõe
experiências, práticas, que a representação social “é uma forma de
modelos de conduta e
conhecimento, socialmente elaborado e
pensamento, socialmente
inculcados ou transmitidos
compartilhado, que tem um objetivo prático e
pela comunicação social, concorre para a construção de uma realidade
que a ela estão ligados. comum a um conjunto social”. Ressalta também
que é um ‘saber do senso comum’, ‘saber
Nesta perspectiva, tal estudo contribui ingênuo’, distinguindo-se assim do conhecimento
significativamente para a compreensão de que a científico.
vida intelectual, individual e coletiva se Resultado da interação e comunicação, as
encontram interligadas. Para a autora, as representações sociais se formam e se
representações sociais são abordadas ao mesmo configuram a qualquer instante, como
tempo, como produto e como processo de uma consequência do equilíbrio específico dos
atividade de apropriação da realidade exterior ao processos de influência social. Nesse sentido,
pensamento e da elaboração psicológica e social Moscovici define-as como:
da realidade. Um sistema de valores,
De acordo com Jodelet: ideias e práticas, com uma
representar ou se dupla função: primeiro,
representar corresponde a estabelecer uma ordem
um ato de pensamento que possibilitara às
pelo qual o sujeito se pessoas orientar-se em
reporta a um objeto, seu mundo material, e
quanto a uma pessoa, social e controlá-lo; e em
quanto uma coisa, um segundo lugar, possibilitar
acontecimento material, que a comunicação seja
psíquico ou social, um possível entre os membros
fenômeno natural, uma de uma comunidade,
ideia, uma teoria etc.; fornecendo-lhes um
pode ser tanto real quanto código para nomear e
imaginário ou mítico, mas classificar, sem
é sempre necessário. Não ambiguidade, os vários
há representação sem aspectos de seu mundo e

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da sua história individual e nenhuma mente está livre


social (2015, p. 21). dos efeitos de
condicionamentos
Duveen (2015) comenta que, se por um anteriores que lhes são
lado as representações podem ser produtos da impostos por suas
comunicação, por outro, sem a representação representações,
linguagem ou cultura. Nós
não seria possível a comunicação. E que, devido a
pensamos através de uma
essa interligação, as representações podem linguagem; nós
alterar a estabilidade de sua organização e organizamos nossos
estrutura, dependendo da coerência, pensamentos, de acordo
credibilidade e tratamento dos padrões de com um sistema que está
comunicação que as mantem. Ainda condicionado, tanto por
complementa dizendo que “a mudança dos nossas representações,
interesses humanos pode gerar novas formas de como por nossa cultura.
comunicação, resultando na inovação e Nós vemos apenas o que
emergência de novas representações” (2015, p. as convenções subjacentes
nos permitem ver e nós
22).
permanecemos
Moscovici argumenta que “o propósito inconscientes dessas
de toda representação é tornar algo não familiar, convenções (2015, p. 35).
ou a própria não familiaridade em familiar”
(2015, p.20). A familiaridade é um processo Entretanto, há a possibilidade de
construtivo de ancoragem e objetivação, pelo conscientização a respeito do aspecto
qual, o não familiar passa a ocupar um lugar em convencional da realidade, para desviarmos de
nosso mundo já familiarizado. certas exigências que ela impõe em nossa mente.
Diante disso, se as representações sociais Moscovici (2015) comenta que melhor do que
servem para familiarizar o não familiar, o evitar todas as convenções, uma melhor
primeiro trabalho que deve ser realizado em um estratégia apontada, seria descobrir e mostrar
estudo científico das representações é fazer com uma única representação. Assim, em vez de
que o não familiar se torne familiar, para que negar tais convenções e preconceitos, essa
assim, possam ser compreendidas como estratégia nos permitirá o reconhecimento de
fenômenos e descritas por meio de técnicas que as representações formam um tipo de
metodológicas adequadas a cada situação realidade. Deste modo, não vamos negar as
(DUVEEN, 2015). Neste aspecto, “a teoria das convenções e os preconceitos, mas sim, perceber
representações sociais fornece o referencial que as representações formam para nós, um tipo
interpretativo tanto para tornar as de realidade.
representações visíveis como para torná-las A segunda função é a prescritiva. As
inteligíveis como formas de prática social” (p.25). representações são prescritivas, pois se impõem
sobre nós, com uma força dominante. Tal força
2.1 A natureza das representações sociais provém tanto da estrutura social como de uma
De acordo com Moscovici (2015) as tradição que determina o que deve ser pensado,
representações possuem duas funções: antes mesmo de começarmos a pensar, para
convencional e prescritiva. A primeira função é tudo se encontra uma resposta pronta.
convencionalizar objetos, pessoas, ou Ademais, o autor nos revela que,
acontecimentos que encontrar. Elas os moldam, e "enquanto essas representações que são
gradualmente os ajustam como modelo de partilhadas por tantos penetram e influenciam a
determinado tipo, distinto e compartilhado por mente de cada um, elas não são pensadas por
um grupo de pessoas. Tais convenções nos eles; melhor, para sermos mais preciosos, elas
permitem identificar o que representa o quê. Nos são repensadas, recitadas e reapresentadas”
ajudam ainda a solucionar a questão de saber o (MOSCOVICI, 2015, p. 37). Pode-se assim
momento de interpretar uma mensagem como perceber, que a representação que temos de
importante, ou quando um acontecimento é algo, não está relacionada diretamente a nossa
insignificante ou casual. Diante disso, Moscovici, maneira de pensar, isso porque nosso modo de
salienta que: pensar depende de tal representação, que é
imposta, transmitida e é produto de uma série de

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mudanças ocorridas no decorrer do tempo, e de objeto. Para Jodelet (1986) apud Guimarães
diversas gerações. Nesta perspectiva: (2005, p. 38), na representação, existem cinco
todos os sistemas de características essenciais:
classificação, todas as  Sempre é a
imagens e todas as representação de um
descrições que circulam objeto;
dentro de uma sociedade,  Tem um caráter de
mesmo as descrições imagem e a propriedade
cientificas , implica um elo de poder modificar o
de prévios sistemas e sensível e a ideia, a
imagens, uma percepção e o conceito;
estratificação na memória  Tem um caráter
coletiva e uma reprodução simbólico e significante;
na linguagem que,  Tem um caráter
invariavelmente, reflete construtivo;
um conhecimento anterior  Tem um caráter
e que quebra as amarras autônomo e criativo;
da informação presente
(2015, p. 37). Segundo Moscovici (2015), há dois
processos fundamentais que mostram como o
Por serem elaboradas e compartilhadas social transforma o conhecimento em
socialmente, as representações exercem forte representação e como esta, por sua vez,
influência na forma como os grupos sociais e transforma o social. Através de tais processos,
também os indivíduos observam a realidade, se emergem as representações sociais. São eles, a
comunicam e agem (GUIMARÃES, 2005). As ancoragem e a objetivação.
representações exprimem como um grupo de O primeiro mecanismo
pessoas interagem com um determinado objeto tenta ancorar ideias
social, como direcionam e orientam a estranhas, reduzi-las a
comunicação e as relações com o mundo e com categorias e imagens
os indivíduos. Ademais, oferecem referencias comuns, colocá-las em um
para a interpretar a realidade, além de favorecer contexto familiar [...] O
a construção de valores, necessidades, interesses objetivo do segundo
mecanismo é objetivá-los,
de um mesmo grupo.
isto é, transformar algo
Conforme a autora, grupos diferentes abstrato em algo quase
interpretam um mesmo objeto segundo diversas concreto, transferir o que
perspectivas, cada qual à sua maneira. Nesse está na mente em algo
sentido, em cada grupo, “o objeto apreendido que exista no mundo físico
passa a fazer parte das conversas e aparece na (MOSCOVICI, 2015, p. 60-
forma de frases, visões, jargões, ditados, 61)
preconceitos, estereótipos, soluções, etc, tendo
um efeito de realidade para o indivíduo” A ancoragem “é o processo que
(GUIMARÃES, 2005, p. 35). transforma algo estranho e perturbador, que nos
De acordo com Moscovici (2015) as intriga, em nosso sistema particular de categorias
representações não são criadas por um indivíduo e compara com um paradigma de uma categoria
de forma isolada, as pessoas e os grupos vão que nós pensamos ser apropriada” (MOSCOVICI,
criando as representações no decorrer da 2015, p. 61). De acordo com o autor, ancorar é
convivência e da comunicação. Após criadas, tais classificar, dar nomes às coisas. Algo sem
representações ganham vida própria, circulam, se classificação e sem nome é considerado, pelas
entrecruzam e possibilitam o surgimento de nossas estruturas de pensamento, estranhas e
novas representações, enquanto as velhas inexistentes. Nós apresentamos certa resistência,
desaparecem. distanciamento do que não é familiar. Somente a
As representações orientam as ações, partir do momento em que avaliamos,
enquanto reconstroem os componentes do meio categorizamos dado objeto, podemos reproduzi-
no qual o comportamento surge, incluindo-o a lo como uma cópia de um modelo que
uma série de significações em que pertence o consideramos familiar. Assim, “a representação é

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fundamentalmente, um sistema de classificação e que nós nos percebemos, nos vemos e queremos
de denotação, de alocação de categorias e que nos vejam.
nomes” (p.62). Em síntese, dois aspectos De acordo com Pimenta (1997, p. 6), “a
importantes da ancoragem das representações identidade não é um dado
são classificar e atribuir nomes. imutável. Nem externo, que possa ser adquirido.
Segundo Guimarães, o processo de Mas, é um processo de construção do sujeito
ancoragem configura-se pela “constituição de historicamente situado”. Para a autora:
uma rede de significações em torno do objeto, Uma identidade
relacionando-o a valores e práticas sociais. Trata- profissional se constrói,
se da inserção de um conhecimento em um pois, a partir da
pensamento já elaborado” (2005, p. 40). Para a significação social da
profissão; da revisão
autora, a ancoragem é o processo de atribuição
constante dos significados
de sentido, deste modo, os valores sociais sociais da profissão; da
influenciam fortemente na criação dessa rede de revisão das tradições.
significados ao redor do objeto. Como, também, da
Articulando-se diretamente com a reafirmação de práticas
objetivação, a ancoragem, articula três funções consagradas
básicas: a função cognitiva de integração das culturalmente e que
novidades, função de interpretação da realidade permanecem
e orientação de condutas e relações sociais significativas. Práticas que
(JODELET apud GUIMARÃES, 2005, p.40). resistem a inovações,
porque estão prenhes de
Adicionalmente, “a objetivação une a
saberes válidos às
ideia de não familiaridade com a de realidade, necessidades da realidade.
torna-se verdadeira essência da realidade” Do confronto entre as
(MOSCOVICI, 2015, p. 71). O autor aponta que teorias e as práticas, da
objetivar é descobrir a qualidade exata de uma análise sistemática das
ideia; é reproduzir um conceito em uma imagem. práticas à luz das teorias
De acordo com Guimarães, o processo de existentes, da construção
objetivação caracteriza-se "pela transformação de novas teorias, constrói-
de conceitos e ideias para esquemas ou imagens se, também, pelo
concretas, ou seja, trata-se da construção formal significado que cada
professor, enquanto ator e
de um conhecimento” (2005, p.39),
autor confere à atividade
transformando aquilo que é abstrato em algo docente no seu cotidiano a
concreto para o sujeito. partir de seus valores, de
seu modo de situar-se no
3 Identidade e representações sobre a profissão mundo, de sua história de
docente vida, de suas
representações, de seus
Atualmente evidencia-se no cenário saberes, de suas angústias
acadêmico, na sociedade e na mídia, uma grande e anseios, do sentido que
discussão a respeito da identidade docente. Uma tem em sua vida: o ser
professor (PIMENTA, 1997,
vez que entender o processo de constituição da
p. 7).
identidade docente é uma tarefa muito
complexa, e que passa pela compreensão de que
Nesta perspectiva, é necessário entender
ela foi sendo constituída por múltiplos contextos:
o conceito de identidade profissional como uma
sociais, históricos, culturais, políticos, dentre
realidade, por meio do qual espera-se que o
outros. Deste modo, é necessário considerar que
profissional docente evolua e se desenvolva,
esse processo de identificação com uma profissão
tanto pessoal como coletivamente. Há que se
por um determinado grupo, é um fenômeno
considerar, portanto, que identidade é um algo
histórico, portanto, como tal está sujeito a
que se desenvolve durante toda a vida, e que
transformações.
ocorre no campo da intersubjetividade,
Para Marcelo (2009), a reflexão sobre
constituindo-se como um processo em evolução,
identidade profissional docente é muito
relevante, pois, é por meio de nossa identidade,

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de interpretação de si próprio como pessoa Nesta perspectiva, tais representações podem


dentro de algum contexto. funcionar como estereótipos, a respeito do que
Do mesmo modo, Marcelo (2009) citando os professores devem fazer, enquanto as razões e
Lasky (2005), discorre que a identidade críticas permanecem ocultas, bem como as
profissional, é uma construção do “si mesmo”, verdadeiras justificativas políticas e ideológicas
que no decorrer da carreira evolui, podendo ou de suas ações.
não se influenciar pela escola, pelas reformas ou Dubar (2005) mostra que a identidade
por contextos políticos. Compreende ainda o humana não é dada no nascimento, pelo
compromisso, a disposição para aprender a contrário, ela é construída na infância, devendo
ensinar, as crenças, os valores, o conhecimento desde então, ser reconstruída no decorrer da
dos conteúdos e do ensino, e também a vida. Da mesma forma, Nóvoa (1992) explica que
vulnerabilidade profissional. a identidade envolve um lugar de lutas, de
Sabe-se que a profissão docente não é conflitos, onde são construídas as maneiras de
inata, mas sim construída e reconstruída ser e de estar na profissão. Diante disso, é
constantemente. Tal construção comporta necessário refletir sobre o papel das
vivências e saberes pertencentes a cada pessoa, e representações sociais na construção da
que se estende durante toda a formação. Diante identidade docente e como a formação inicial
disso, pressupõe-se que nesse processo há poderá contribuir nesse processo.
reconstrução das representações que a todo o Adorno (1995) citado por Trevisan e
momento se confrontam com as expectativas e Gebran (2017, no prelo), ressalta que uma
necessidades, refletindo assim os medos, formação inicial sólida, baseada no exercício
inseguranças, angústias frente a prática docente contínuo de uma visão humanística, entendida
(PETRENAS; MOKWA; GONINI, 2009). como um processo que possibilita aos sujeitos o
Em sua trajetória, o curso de Pedagogia convívio em sociedade, permite o
apresentou avanços e retrocessos no processo de desenvolvimento da consciência crítica e, assim,
profissionalização docente1, e influenciou, de de adquirir maior autonomia. Por conseguinte,
forma expressiva, na constituição da identidade promove o fortalecimento da identidade
docente. Dessa forma, se configura também profissional
como espaço de construção e reconstrução de Diante disso, as autoras suscitam que o
representações sociais, processo esse que pode processo de construção da identidade do
ainda se refletir no exercício da futura profissão. profissional docente, relaciona-se com a
De acordo com Trevisan e Gebran (2017, autoimagem, a autobiografia, e com as
no prelo), muitas pesquisas mostram a representações que os professores fazem de si
confirmação de que não é possível alcançar mesmos e dos outros, em seu ambiente laboral.
mudanças na educação, se a forma como os Afirmam que “é na interação com o mundo e com
professores pensam for ignorada, assim como a os parceiros que o sujeito elabora o conhecimento
forma como atuam, como representam seu crítico-ideológico e vai se socializando,
trabalho e como as condições desse trabalho lhes construindo valores e se apropriando das ideias
permitem se posicionarem, criticamente, diante que circulam na sociedade” (p. 9).
das práticas educativas propostas pelas reformas. Deste modo, na busca por explicações
Ademais, as autoras discorrem, que para a realidade que nos envolve, e por respostas
quando os sujeitos não têm consciência de suas a questões que envolvem a humanidade, criamos
representações, atuam guiados por práticas as representações sociais. Configurando-se assim,
formadas culturalmente e historicamente, sem, como formas de explicar não somente a realidade,
no entanto, reconhecerem ou identificarem seus mas também os objetos sociais, mediada pela
efeitos de sentido e de pertinência na sociedade. linguagem.
Madeira (1998) apud Guimarães (2005)
1
afirma que tomar as representações sociais como
O Movimento de profissionalização docente é complexo e envolve
grupos e entidades diversificadas, incluindo a participação ativa de categoria de análise dos estudos no meio
entidades sindicais e associações estudantis e científicas. Exige ainda educacional, atribui relevância teórica e histórica,
políticas públicas adequadas em consonância com as demandas
em um sentido social e político, se o que se quer é
formativas dos docentes e com as necessidades da escola e as
exigências da cultura contemporânea. Para saber mais consultar: descobrir, conhecer, explicar de modo que
TREVISAN, Zizi; DIAS, Carmen Lúcia (org). Profissionalização: desapareçam as certezas já estabelecidas.
construção do conhecimento e da identidade docente. 1 ed.
Curitiba, PR: CRV, 2012.

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Mazzotti (2008) expõe que a intenção de Funções de orientação: as


promover mudanças por meio da educação exige representações sociais
a compreensão dos processos simbólicos que guiam os comportamentos
ocorrem na interação educativa. Ou seja, para e as práticas. Elas
intervêm na definição da
que a pesquisa educacional tenha maior impacto
situação. Produzem
sobre a prática educativa, ela deve adotar “um também sistemas de
olhar psicossocial”, que ora, preenche o sujeito antecipação e de
social com um mundo interior, ora, restitui o expectativa que orientam
sujeito individual ao mundo social (MOSCOVICI, a seleção e filtragem de
1990 apud MAZZOTTI, 2008). informações e
Desse modo, o autor observa no estudo interpretações,
das representações sociais um caminho conformando a realidade à
promissor para atingir os propósitos representação. A
educacionais. Surge então, a necessidade de representação prescreve
comportamentos ou
investigar como se formam e como funcionam os
práticas obrigatórias e
sistemas de referência que os sujeitos utilizam normatiza as ações.
para classificar pessoas e grupos e para Funções justificatórias:
interpretar os acontecimentos da realidade. representações sociais
Devido às relações com a linguagem, a ideologia permitem que as tomadas
e com o imaginário social e, sobretudo, devido ao de posição sejam
papel na orientação de condutas e das práticas explicadas e justificadas
sociais, as representações sociais compõem após sua ocorrência (grifos
elementos fundamentais à análise dos nossos) (ABRIC 1998, apud
mecanismos que interferem na construção da GUIMARÃES, 2005, p. 53-
54).
identidade docente bem como na eficácia do
processo educativo.
Tais funções das representações sociais
Abric (1998) apud Guimarães (2005),
podem proporcionar aos formadores
propôs quatro funções para as representações
informações que orientarão a escolha dos
sociais. A compreensão de tais funções pode
conteúdos, das metodologias, bem como das
orientar a análise do que acontece com o
práticas pedagógicas e de avaliação, pelas quais
processo de ensino-aprendizagem quando entra
os alunos serão submetidos no processo de
em confronto com as informações e/ou situações
ensino-aprendizagem. Ademais, Guimarães
que vão contra o que temos de referência. A
(2005), discorre que as funções permitem a
saber:
Funções do saber: a
compreensão e o conhecimento de meios para
compreensão e explicação intervir da forma mais pertinente e adequada
da realidade: possível durante o processo de (trans)formação
conhecimentos são de atitudes, valores e crenças nos educandos,
adquiridos e integrados ao visando o objetivo de constituir a função
que é assimilável e educativa da educação.
compreensível, De acordo com Marcelo (2009), os
coerentemente ao seu futuros professores não são como ‘vasos vazios’
funcionamento cognitivo e quando ingressam na instituição de formação
seus valores, facilitando a
inicial docente, possuem suas ideias e crenças já
comunicação social.
Funções identitárias:
estabelecidas a respeito do que é ensinar e
definem a identidade e aprender. Deste modo, observa-se que as crenças
protegem a especificidade são como premissas que os indivíduos mantem
dos grupos. Isso permite em relação ao que é considerado como verdade.
que os indivíduos e grupos Tais crenças desempenham duas funções no
formem identidade processo de ensino-aprendizagem: a) influenciam
pessoal e social no modo como os professores aprendem; b)
compatível com sistemas interferem nos processos de mudança que os
de normas e valores social professores possam tentar (RICHARDSON, 1996
e historicamente
apud MARCELO, 2009).
determinados.

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Nesta perspectiva, os professores que que as instituições formadoras considerem essas


entram nos cursos de formação, arraigados por representações, de ordem social e pessoal,
suas crenças pessoais em relação ao ensino, possibilitando ainda que os futuros docentes
fazem uma imagem de si mesmo como professor conheçam melhor a si próprios e a realidade da
a partir das experiências de quando era aluno. profissão que irão assumir.
São crenças e imagens que dificilmente são Conforme Penin; Roberti (2013) a
alteradas, perpassam a formação e reflete na formação para docência deve favorecer um
prática pedagógica. A esse respeito, Feiman movimento de discussões para reelaboração dos
(2001) apud Marcelo (2009), explica que as conhecimentos “que requer a aceitação das
imagens e crenças que os professores em crenças e representações que os alunos têm do
formação carregam ao iniciarem a formação ensino, bem como de suas vivências na formação
inicial agem como filtros através dos quais eles inicial e anteriores a ela, como constituintes do
"dão sentido aos conhecimentos e experiências saber profissional” (p. 168).
com que se deparam. Mas também podem atuar Cabe considerar ainda, segundo Jodelet
como barreira à mudança, limitando as ideias que (2001), que as representações sobre o trabalho
os alunos podem vir a desenvolver sobre o docente que os professores ou futuros
ensino" (p. 117). professores possuem, podem coexistir com os
Mazzotti (2007) concorda quando conhecimentos que receberam (ou recebem) em
Perrenoud (1999) afirma que a realidade da sua formação inicial, como também se
educação não se modifica somente por meio de constituírem em obstáculos ou mecanismos de
boas ideias, mas sobretudo através de mudanças resistência para novos conhecimentos. Essas
das representações, atitudes, valores e da própria mesmas representações podem impedir
identidade dos indivíduos que permeiam todo o mudanças mais efetivas, ficando apenas na
processo educativo. Deste modo: superfície, sem possibilitar que haja uma
o conhecimento das transformação capaz de atender as atuais
representações sociais do demandas formativas e educacionais (ABRIC,
professor como um 1998, 2000).
conjunto organizado de Em razão disso, considerar e refletir sobre
julgamentos, atitudes e
o papel das representações sociais no processo
informações elaborados a
respeito de um objeto
de construção da identidade docente dos
social com o objetivo de professores em formação, é um tema que precisa
orientar e justificar ser mais debatido.
práticas - assume
relevância para orientar 4 CONSIDERAÇÕES FINAIS
políticas voltadas para a Numa sociedade na qual o conhecimento
formação inicial e é um dos principais valores, assume relevância o
continuada do professor nível de formação de seus cidadãos, bem como a
(MAZZOTTI, 2007, p. 581). capacidade de inovação e empreendedorismo
que possuem. No entanto, esse conhecimento
Assim, é possível considerar que o não é pronto e acabado, ou seja, implica na
conhecimento das representações sociais necessidade de cidadãos e profissionais em geral
possibilita analisar como se desenvolve o atualizarem, constantemente, suas competências
processo educativo nos sistemas de ensino, não e saberes, em um processo de formação
somente esclarecendo e/ou levantando permanente.
expectativas, mas também fornecendo Nesse quadro, o professor assume
elementos para que se reflita sobre as condições relevância, uma vez que, evidencia-se, cada vez
do trabalho docente, e as políticas públicas que o mais, o papel fundamental que possui na
regulam. qualidade da educação e, portanto, como
Como já mencionado, desde a formação elemento essencial para a sociedade do
inicial, os futuros docentes trazem consigo conhecimento. Esse fato, deverá se configurar
próprias representações e de alguma as processa. como um peso muito grande na constituição da
Tais representações estão fincadas nos diversos identidade docente e passa, impreterivelmente,
momentos vivenciados no processo de pela necessidade da valorização docente, tanto
escolarização. Para Nóvoa (1999), é fundamental

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pelos diversos segmentos da sociedade civil como DUBAR, C. A socialização: construção das
pelo poder público. identidades sociais e profissionais. São Paulo:
Diante disso, é possível afirmar que Martins Fontes, 2005.
necessitamos políticas públicas sérias e efetivas
para que a formação inicial, aliada à formação DUVEEN, Gerard. Introdução: O poder das ideias.
continuada do profissional docente, assegure o In: MOSCOVICI, Serge. Representações sociais:
desenvolvimento de competências e saberes que investigações em psicologia social. 11. ed.
irão necessitar em sua trajetória profissional, Petrópolis: RJ: Vozes, 2015.
considerando o grau de complexidade dos
desafios que, certamente, irão se deparar. Há que TREVIZAN, Zizi; GEBRAN, R. A.. As representações
se considerar que a sociedade carece de bons sociais na construção da identidade profissional e
professores, cuja prática profissional esteja de do trabalho docente. Revista Acta Scientiarum.
acordo com os padrões profissionais de Education, 2017. No prelo.
excelência, capazes de garantir o compromisso
em relação ao direito que os alunos têm de GUIMARÃES, C. M. Aplicabilidade das
aprender com qualidade (MARCELO, 2009). Representações Sociais ao Estudo de Fenômenos
Além disso, cada setor sociocultural tem Educacionais - mudar as práticas de formação
um sistema de representação sobre os diferentes para mudar as práticas educativas do profissional
aspectos da vida. Em nosso meio de educação infantil. In: GUIMARÃES, C. M. (org)
socioprofissional e acadêmico, não é diferente, Perspectivas para educação infantil. Araraquara:
também construímos nossas próprias Junqueira & Marin, 2005.
representações e por meio delas, construímos as
práticas e impomos aos alunos formas de IMBERNÓN, F. Formação permanente do
aprendizagem, partindo do pressuposto que professorado: novas tendências. São Paulo:
sabemos o que é melhor para eles. No entanto, é Cortez, 2009.
fundamental considerar as representações sociais
dos nossos alunos, de suas famílias e as nossas JODELET, Denise. Representações Sociais: um
próprias, sobre os conhecimentos e valores domínio em expansão. In: JODELET, D. (Org.). As
veiculados na escola, no sentido de superar os representações sociais. Ed. UERJ. Rio de Janeiro,
problemas educacionais e caminharmos para 2001. Disponível em:
uma maior valorização docente. https://pt.scribd.com/doc/61566294/Representa
Desta forma, um dos grandes desafios coes-Sociais-Cap-01-Jodelet. Acesso em: 19 de
que se coloca hoje é tornar os cursos de abr. 2015.
formação inicial um espaço propício à
constituição de uma identidade docente MARCELO, Carlos. A identidade docente:
transformadora, ou seja, que assuma o constantes e desafios. Revista Formação Docente
compromisso de pertencimento a uma profissão, Belo Horizonte, v. 1, n. 1, p. 109-131, ago./dez.
que almeja a emancipação social e humana de 2009. Disponível em
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