Descubra A Cultura Portuguesa
Descubra A Cultura Portuguesa
Descubra A Cultura Portuguesa
COLEÇÃO CULTURA 5
CENTRO DE ESTUDOS EM LETRAS
UNIVERSIDADE DE TRÁS-OS-MONTES E ALTO DOURO
Ensaios
Ficha Técnica
Autor:
Fernando Alberto Torres Moreira
Título:
Cultura Portuguesa – Ensaios
Coleção
CULTURA 5
Edição
CEL – Centro de Estudos em Letras
Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro
© Copyright
Fernando Alberto Torres Moreira e CEL, 2011
Paginação:
José Barbosa Machado
ISBN
978-989-704-053-5
Cultura Portuguesa
Ensaios
Coleção CULTURA 5
Nota Introdutória
Os treze estudos aqui arrumados em livro, uns inéditos e outros
já publicados em várias revistas científicas, actas de congressos ou em
capítulos de livros, fornecem aos leitores a possibilidade de contactar
com autores, obras e temas variados no âmbito da cultura portuguesa.
O critério de arrumação seguido obedeceu a um cariz cronológico
no que respeita à época a que os estudos respeitam, percorrendo este
trabalhos um itinerário que se estende do século XVI ao século XXI,
iniciados por estudos sobre as crónicas do rei D. Manuel I efectuadas
por Damião de Góis e Jerónimo Osório, uma incursão pela poesia de
D. Francisco Manuel de Melo que tão bem expressa um certo senti-
mento religioso e uma forma particular de encarar a morte no século
XVII, três estudos sobre o século XVIII que se reportam ao período
final da Inquisição portuguesa, à visão que um anónimo viajante
francês apresenta sobre Portugal e à figura de homem de cultura que
foi D. José Maria de Sousa, Morgado de Mateus; os restantes artigos
reportam-se a questões de identidade portuguesa envolvendo aspectos
ligados à importância dos Media no contexto actual, ao fenómeno da
globalização e ao modo como foi perspectivado o culturalismo e iden-
tidade portuguesa no filme LISBOETAS de Sérgio Tréfaut, rematando
com uma reflexão muito particular sobre ser português hoje.
Este livro é, assim, o resultado da confluência de artigos realiza-
dos na esfera da linha de investigação da área da Cultura do Centro
de Estudos em Letras (CEL) da Universidade de Trás-os-Montes e
Alto Douro e também de outros trabalhos executados na sequência da
actividade docente enquanto professor de Cultura Portuguesa. Talvez
por isso esta publicação interesse, em primeira mão, aos estudantes
universitários dos vários ciclos, mas acredita-se que possa também me-
recer a atenção de um naipe de leitores mais alargado, particularmente
aqueles que se interessam pela Cultura Portuguesa.
O autor
Cultura Portuguesa – Ensaios 9
Preâmbulo
3
Os documentos identificados como forais e cartas de foro pertencem ao fundo
bibliográfico do Mosteiro e são um conjunto de documentos a justificar um estudo e
edição cuidados.
4
Os estudos deste autor a que nos referimos são respectivamente: a sua
dissertação de mestrado – O mosteiro de Santa Maria de Bouro: propriedades e
rendas (1655-1775). Porto: Ed. do autor, 1989; e a sua tese de doutoramento – O
senhorio cisterciense de Santa Maria de Bouro: património, propriedade, exploração
e produção agrícola (1570-1834). Porto, 2000.
12 Fernando Alberto Torres Moreira
Enquadramento geográfico
Enquadramento histórico
[...] desde o tempo de El Rei D. Sancho para cá que foi achado em verdade
o dito Mosteiro estava em posse pacífica por si e seus dons Abades e Convento te-
rem e lograrem e possuírem os ditos lugares de Santa, Comba, Benlhevai, Valbom,
Trindade, e do padroado da igreja como de coisa sua própria, isenta livre que era
sem nenhuma contradição e à face de todo o mundo e dos reis destes reinos e
seus oficiais de justiça na Comarca de Trás-os-Montes”( A.D.B. – CI – 106 – Doc.
425, fl.6.).
Conclusão
Referências bibliográficas
I – Fontes manuscritas
II – Fontes impressas
2
Este princípio reafirma-o no decorrer da Crónica como, por exemplo, quando
escreve «[...] que no discurso desta sua Chronica, trabalharei de dar ho mais verdadei-
ro testimunho que poder». (Góis 1962:11)
3
Cf. Ob. Cit..
4
Vide PRESTAGE, Edgar – Crítica contemporânea da Crónica de D. Manuel,
in Arquivo Histórico Português, IX, 1914. O documento inclui, para além das críticas
do Conde de Tentúgal à Crónica, as respostas de Damião de Góis.
Cultura Portuguesa – Ensaios 27
5
Osório, Jerónimo (1944): Da vida e feitos de El-Rei D. Manuel. (trad. do Pe.
Francisco Manuel do Nascimento, org. e prefácio de Joaquim Ferreira) Porto: Livraria
Civilização Editores.
28 Fernando Alberto Torres Moreira
Para maior facilidade minha serviu muito ter já dantes Damião de Góis
tirado com muita indústria, desvelo e fadiga de muitas cartas e memórias o que me
deixou escrito, que sem vagar sobejo me fora improbo averiguar (Ibidem)7
discursiva dos dois cronistas, matéria que outros mais capacitados que
nós já abordaram.8 Diremos tão somente que a dinâmica histórica da
Crónica de Góis remetia para um texto mais recheado de pormenores
enquanto o estilo romanceado de Osório, apoiado no carácter vetusto
da língua latina, tornou a sua prosa a um tempo mais condensada e
mais enxuta.
Talvez seja incorrecto falar-se de crónica quando nos referimos
à obra de Osório, designação que usamos por comodidade e que o
próprio não coloca no título; mais acertadamente seria falarmos, não
de uma simples tradução (o que também seria redutor e inadequado)
mas de uma versão livre do texto de Damião de Góis – e já veremos
de qual. Até porque, como bem observou Joaquim Ferreira, Osório
«achou a obra já perfeita na Crónica do Felicíssimo Rei D. Manuel e
vazou-a na língua universal dos humanistas – nesse latim ciceroniano
que poucos escreveram como ele, e que iria transportar aos confins
do mundo sábio as portentosas vitórias da Lusitânia.» (Osório 1944:
XIV)
A ser assim, chegamos a um aspecto no mínimo intrigante: se o
texto de Osório é uma versão do de Góis porquê o pedido do Cardeal
D. Henrique? Que outras razões teria Jerónimo Osório para atender a
esse pedido para lá das aventadas no prólogo e por nós já aqui aduzidas?
Qual o resultado prático desta outra encomenda?
A tradição das crónicas dos reis remetia para uma escrita em
vernáculo o que se instituía como obstáculo óbvio a um dos propósitos
do Cardeal-Infante – a universalização dos feitos pátrios no reinado
manuelino. Mas não seria Góis capaz de verter para latim, língua franca
da comunidade escolarizada e das relações inter-países, o seu texto? A
competência era-lhe amplamente reconhecida, não desmerecendo das
qualidades de excelência então atribuídas, nesse domínio, ao Bispo
8
Sobre Damião de Góis ver estudo do prof. Amadeu Torres intitulado Damião
de Góis nas crónicas em português: reexame de uma sintagmática e giro periodal
subsidiários da “latinitas” renascentista, pp. 37-54, in Ao Reencontro de Clio e de
Polímnia, Braga, Universidade Católica Portuguesa, 1998; sobre o discurso de Jeróni-
mo Osório ver Introdução de Joaquim Ferreira à tradução de De rebus Emmannuelis
gestis feita pelo Pe. Francisco Manuel do Nascimento por nós já citada neste estudo.
Cultura Portuguesa – Ensaios 31
9
Vide Manuel, Rei D. (1995): Livros Antigos Portugueses. Braga: APPA-
CDM, Tomo II, 140. A primeira versão portuguesa (feita a expensas de D. João VI,
que não pagou a encomenda e cujo texto usamos neste estudo) só viria a ser publicada,
em três volumes, nos anos de 1804-06, tendo sido feita pelo Pe. Francisco Manuel
do Nascimento a partir do original latino e também, segundo Inocêncio Silva, com
o auxílio da versão francesa de Goulard; esta tradução seria reeditada em 1944 por
Joaquim Ferreira. A título de curiosidade refira-se que a Crónica de Góis conheceu até
à edição de Martins de Carvalho e David Lopes, em 1926, apenas quatro reedições:
Lisboa, 1617; Lisboa, 1749; Coimbra, 1790; Lisboa, 1909-11.
10
A este propósito escreveu Damião de Góis: «[...] há qual Senhora [ D. Leo-
nor] foi causa única delle [D. Manuel] ficar nomeado na suçessam destes Regnos por-
que a vontade, & desejo delrei dom João foi sempre de deixar ho Regno a dõ George
seu filho bastardo, & vivendo houve entre elle, & ha Rainha sobre este negóçio muitos
desgostos». (Góis 1926: 8)
Cultura Portuguesa – Ensaios 33
Osório manteve o que Góis excluiu, afirmando ter sido «[...] não sem
suspeita que el-rei se ia minando pela peçonha lenta que impróvido
bebera» (Idem: 14)13.
Góis assinala, em contradição com o disposto no testamento
de D. João II, as mercês concedidas à casa de Bragança – o regresso
dos exilados e a restituição dos bens confiscados – excluindo do texto
definitivo a causa pela qual os herdeiros estavam fora do reino; Osório
vai mais longe apontando a liberalidade de D. Manuel contra os per-
seguidos por D. João II, as causas da perseguição – «[...] tinham sido
suspeitos por traição» – e as reacções a esse acto do Venturoso:
Magnificência foi esta, em que muitos acharam que arguir; nem faltou
quem dissesse que era indigno honrar inconsideradamente com tantas mercês e
restituir por inteiro os bens aos filhos dos que foram enviscados da infâmia de
traidores. (Ibidem: 25)
E para mais urgência a Senhora D. Beatriz, sua mãe, com rogos como a
monarca, e com autoridade como a filho, lhe instava quisesse desiliminar e fazer
mercês a parentes tão conjuntos [dizendo] [...] Não a ti só sobreveio a herança das
Monarquia, mas a tua mãe e tuas irmãs também, e a teus parentes, e a quantos
enfim tinham depositado em ti as suas esperanças. (Idem)15
13
Osório acrescenta em nota: «Ou diferente motivo oculto na história».
Veja-se que, concordando com D. Manuel, Osório reafirma a culpabilidade
14
[...] nem legítimo foi este procedimento, nem foi cristão: Como assim! Tu
ânimos rebeldes e não adjurados a isso por algum vínculo da religião, obriga-los a
crer o que afincadamente menosprezam e rejeitam? Tomares sobre ti de pôr empeço
à liberdade do alvedrio e deitar peias a desbocados entendimentos? O que nem é
possível nem o consente o Santíssimo Nome de Jesus Cristo que dos homens só re-
quere voluntário sacrifício, não obrigado, nem de força que nunca mandou violentar
ânimos, mas afeiçoar vontades e convida-las ao trato do cristianismo. (Idem: 31)
que Osório aponta também os pedidos dos Reis Católicos para D. Manuel autorizar os
Bragança a regressarem ao reino.
36 Fernando Alberto Torres Moreira
que pedia, mas antes assentou de ho fazer vir pêra ho Regno». (Góis
1926: III, 246-7)
O arrependimento do monarca perante a injustiça cometida
chegaria tarde de mais como fora de tempo chegou, porque não
reparada inteiramente, para Duarte Pacheco, que o rei, após magnífico
cortejo em sua honra pelos serviços prestados, dando ouvidos a falsas
acusações o mandou colocar a ferros numa prisão onde esteve largo
tempo e de onde saiu desgostoso e pobre vivendo e a sua família de
esmolas até ao fim da vida.16
As desavenças de D. Manuel com Fernão de Magalhães são
testadas diferentemente pelos dois autores; Góis limita-se a registar a
decisão do rei de não atender ao pedido do navegador, a posterior oferta
deste dos seus préstimos aos reis de Espanha e os seus argumentos para
provar que algumas terras ocupadas pelos portugueses seriam pertença
de Castela. Osório segue também o facto histórico mas aproveita para
fazer uma crítica impiedosa ao homem e português Magalhães,
20
Ao relatar as circunstâncias do casamento de D. Manuel com D. Isabel e
referindo a comitiva de fidalgos que foi ao encontro da Infanta de Castela, Jerónimo
Osório fala assim de D. Jorge: «[...] D. Jorge, filho de el-rei D. João, em quem, (posto
que menino) se cravavam os olhos de toda a gente que, despertada com a parecença
do filho, celebravam o nome de seu pai com gratos elogios». (Osório 1944: I, 38-39.)
Ambos os cronistas, em momentos importantes da governação de D. Manuel desta-
cam a presença de D. Jorge.
21
Veja-se, por exemplo, a denúncia que Osório faz – vol. II, p. 131 – do mau
uso de uma bula pontifícia cujos proventos deveriam reverter para quem se envolvera
em sagradas batalhas, mas que acabaram por entrar nos bolsos errados por via dos
ofícios invejosos e cobiçosos dos embaixadores que alteraram o sentido original dessa
benesse papal: «Francas assim as portas à sofreguidão dos homens, caíram as rendas
da Igreja nos bolsos de homens riquíssimos que não viram nunca a cara ao inimigo,
mas que em lhes falando na guerra de África estremeciam».
Cultura Portuguesa – Ensaios 39
Referências bibliográficas
Realidade e Providencialismo
nas Crónicas de Góis e Osório1
“[...] por confiar de mĩ ho mais substançial que no screver das
Chronicas se requere, que he com verdade dar a cada hũ ho
louvor ou reprehensam que mereçe”.
“[...] em muitas cousas admiráveis é visível a Mão Divina que as administrou que
entrara em suspeita de ímpio e pérfido quem lhes refutasse crença”.
3
A expressão é de Amadeu Torres que atribui a Góis a defesa da ideologia ofi-
cial da mundialização do cristianismo. Sobre este assunto ver Torres, Amadeu, 2002;
“Damião de Góis no V Centenário do seu Nascimento: erasmismo e «Philosophia
Christi»”. Revista Portuguesa de Filosofia, T. 50, Fasc. 4, 944-5.
5
Isto prova que o documento de Góis foi publicitado antes de publicado e de-
monstra que Jerónimo Osório conhecia muito bem essa formulação inicial.
6
Daí o nosso acordo total com a conclusão retirada por António Guimarães
Pinto (Braga 2003: 316) que, no seu trabalho comparativo entre os textos de Góis e
Osório emite o seguinte parecer: «[...] nem no De rebus as adições pessoais são tão
copiosas como Osório assevera, nem o trabalho deste é uma mera tradução. [...] a mais
justa definição do De rebus é a de uma condensação ou versão abreviada em latim
do texto da Crónica Goisiana.» Acrescente-se que este estudo de António Guimarães
Pinto constitui uma alavanca essencial para qualquer investigação que tenha por base
estes textos de Góis e Osório.
Cultura Portuguesa – Ensaios 47
[...] tive por arrazoado emprego descrever costumes tão selvagens e tão
ferinos, para que entender-se possa quanta aluvião de errores investe com a mísera
humanidade, se destituída se acha do conhecimento das ciências; e o que funesto
inda mais é, do presídio da nossa santa fé; e se compreenda também com quanta
benignidade o Clementíssimo Rector do Universo olhou para esta misérrima gente,
quando pela arribada dos Lusitanos naquelas praias, lhes grangeou conversação e
familiaridade com Cristãos, e com homens religiosos da Companhia de Jesus, que
àquelas partes mandaram os Reis de Portugal. (Osório 1804-06: I, 155-6),
48 Fernando Alberto Torres Moreira
gente que em todalas outras, sem dos nossos morrer nenhum, cousa
que evidentemente se pode crer ser milagrosa» (Góis 1926: I, 193);
Osório envereda por um providencialismo irrestrito, emoldurando
a vitória portuguesa num apelo desesperado de Duarte Pacheco à
intervenção divina num momento em que tudo parecia estar perdido
para os cristãos: «Pacheco neste caso considerando o seu total destroço,
recorreu com grandes vozes ao amparo Divino, e com efeito viu como
lhe acudiu logo o favor da Divindade.» (Osório 1804-06: I, 300)
Vencida a batalha, conclui o bispo de Silves sobre o papel
divino cometido aos Portugueses em terras do Oriente, «donde bem
se reconhece, que Mão Divina entrava nesta guerra toda; que só Deus
pode com um aceno Seu destruir os inimigos, ele que nunca desam-
parou os seus; e todo aquele, a quem isto pareça incrível [...] mostra
não reconhecer de quantas posses é senhora a vera Religião» (Osório
1804-06: I, 301) e a missão providencial de que estavam investidos
enquanto guerreiros da fé cristã:
E ora muito relevava ser assim num tempo mas que tudo, em que o nome de
Jesus Cristo não era ainda acatado entre aqueles pagãos, para por aqueles milagres
virem mais facilmente os homens ao conhecimento de Deus, e lançarem os Lusitanos
com roboradas forças os cimentos dum império, por meio do qual pudessem as
gentes, que demoram ao Sol nascente ser esclarecidas pelos resplendores da celeste
disciplina; o que (como vemos) se verificou depois, e mais manifestamente esperamos
virá a ser com o tempo. (Osório 1804-06: I, 302)
Português ter perecido: «Dos nossos (pela graça de Deos) posto que
muitos fossem feridos, nam morreo ninhum.» (Góis 1926: I, 198)
Referências bibliográficas
A poesia religiosa de
D. FranciscoManuel de Melo1
Numa singela leitura da Obras Métricas de D. Francisco Manuel
de Melo, o leitor apercebe-se de como, de forma mais nítida ou menos
evidente, a matriz religiosa atravessa a extensa antologia dessa sua pro-
dução poética, seja em língua portuguesa, seja na língua castelhana. É,
portanto, possível rotular um conjunto da sua criação poética como
sendo poesia religiosa que o próprio D. Francisco designa, se não a
totalidade pelo menos uma boa parte, como “sacra”. Tentemos, por
isso, através do estudo dos textos de D. Francisco Manuel de Melo,
uma aproximação ao muito numeroso e complexo universo da poesia
religiosa do século XVII português2 que, por razões óbvias, também
é espanhol. Lembraremos o homem religioso que foi D. Francisco
Manuel, que não raro exprime sentimentos de desamparo pessoal que
o levam a virar-se para a protecção divina; procuraremos estabelecer
circunstâncias de tempo e de lugar atinentes à sua poesia religiosa e re-
flectir sobre questões que se colocam em torno desse mesmo corpus.
1
Artigo publicado na edição das Obras Métricas de D. Francisco Manuel de
Melo feita em 2006 (Braga, APPACDM) sob o patrocínio do Ministério da Cultura e
do Instituto Português do Livro e da Bibliotecas.
2
Sobre este assunto conferir Silva, Victor Manuel Aguiar e (1971): Manei-
rismo e Barroco na poesia lírica portuguesa. Coimbra: Imprensa da Universidade;
e Belchior, Maria de Lourdes (1971): Os Homens e os Livros. Séculos XVI e XVII.
Lisboa: Editorial Verbo, em que são reunidos estudos sobre Frei Agostinho da Cruz,
D. Manuel de Portugal e Frei António das Chagas, entre outros.
54 Fernando Alberto Torres Moreira
9
Antologia dos Cem melhores Poetas Religiosos de Língua Portuguesa, César
Frias, Lisboa, Liv. Ed. Guimarães, 1932: não tem qualquer poema de D. Francisco Ma-
nuel; A Poesia Religiosa na Literatura Portuguesa, Augusto C. Pires de Lima, Porto,
Domingos Barreira, 1942: “Pó da Terra” de As Segundas Três Musas, pp. 104-5; An-
tologia de Poesias Religiosas desde o século XV, Guilherme Faria, Lisboa, Ed. Gama,
1947:”Mundo incerto”; Na Mão de Deus. Antologia de Poesia Religiosa Portuguesa,
José Régio e A. De Serpa, Lisboa, Portugália, 1958: “Antes da Confissão”, p. 171; A
Paixão de Cristo na Poesia Portuguesa, A. Salvado, Polis, 1969: não tem qualquer
poema de D. Francisco.
10
1634 é a data que Astrana Marin propôs para este soneto (in Francisco Que-
vedo, Obras Completas, Madrid, 1943, p. 958) que integra a Harpa de Melpomene e
tem o nº 36, de acordo com o texto fixado por D. Francisco Manuel nas suas Obras
Métricas, Lyon, 1665.
56 Fernando Alberto Torres Moreira
o período da vida do poeta em que parece ter sido escrita, fazem dela
um corpus autónomo no conjunto da sua produção poética. É uma
poesia que se integra em algumas áreas da espiritualidade da época,
não demonstrando qualquer atracção por outras, como vimos.
Cristo – o seu nascimento, a sua paixão e morte – tem um lugar
primordial na sua poesia sacra. É um Cristo que surge por referência
ao seu “eu” pecador e sofredor. D. Francisco Manuel, perante Deus,
apresenta-se sempre como culpado, situação diversa à que assume pe-
rante os homens reclamando sempre a sua inocência. É este posiciona-
mento que confere à sua poesia religiosa um carácter dramático muito
particular levando-o a exteriorizar o seu mundo interior e a interiorizar
o seu mundo exterior. Em função disso, desse processo de intensifica-
ção do seu drama, D. Francisco Manuel escolheu maioritariamente a
paráfrase para trabalhar textos, figuras, situações evangélicas, salmos
e orações, pois lhe permitia inscrever os acontecimentos sob o duplo
registo do humano – uma identificação muito sua com a situação do
texto parafraseado – e do divino, que lhe permitia dar à sua situação
uma dimensão espiritual: afinal o objectivo era a sua salvação.
Referências bibliográficas
dicação não surge nos sonetos em castelhano, o que não deixa de ser
curioso e que poderá ser indício (porque não?) de um maior cuidado
na classificação da vertente portuguesa. Curioso também o facto de
surgirem dois sonetos (LXIV da “Tuba de Calíope” e XVII da “Lira de
Clio”) dedicados à morte de uma mesma pessoa, o infante D. Duarte,
diferentes não só na forma como abordam o assunto, mas também na
língua em que estão escritos.
Como antes ficou expresso, os sonetos de D. Francisco abran-
gem as mais variadas temáticas, que vão desde a simples composição
amorosa até uma reflexão aturada sobre a morte. Na sequência de
uma prática comum aos escritores barrocos, encontramos também
na sua obra vários sonetos de pendor panegírico tendo como tema
o falecimento de determinada personalidade (mais frequentemente
feminina) exprimindo um sentimento de pesar e melancolia perante
a fugacidade da vida a que os áulicos não se furtam e que isso mesmo
documentam com o maior e mais dramático esplendor.
É precisamente esta temática, indissociável da problemática da
morte, que nos propomos abordar, seguindo uma proposta de análise
preconizada pelo professor Pina Martins que, no seu livro Cultura
Portuguesa, refere a fidelidade do autor de O Fidalgo Aprendiz a um
«ideal de sinceridade humana, o seu fino cepticismo, amargo e lúcido,
o seu pessimismo antropológico [...] tal como parece deduzir-se das
Cartas Familiares» (Martins 1974: 100)
Comecemos precisamente por estas.
de sus venturas. Y las del nascer, sin falta, cerimonia son con que la
Naturaleza le da posesion de las del vivir». Contudo, para ascender
ao gozo eterno, necessita regressar ao seu estado de pureza iniciático,
o que conseguirá quando o poder divino lhe conceder a purificação
(o prémio) final – a morte.
Regressemos agora aos sonetos do Melodino.
SONETO XXXXII
SONETO XXXXIII
SONETO XXXXIV
y se la vida es viento,
Como desculparás aventurarte
Por la fragilidad de tu elemento? (vv. 9/10/11)
SONETO XXXXV
Tal como aponta a epígrafe (En las dos muertes juntas de madre,
y hermana), o soneto é motivado pela morte concreta de duas pessoas.
Para além da personificação da morte, «Cerca an dado los tiros de la
Muerte» (v. 5), o que parece mais saliente é a submissão da morte (já
referenciada em relação a outro soneto) à Providência Divina, que
trai um sistema antropológico-cosmológico (e escatológico) sem as
tenções visíveis no final da Idade Média, onde a autonomia da morte
corresponde a um teor elevado de incerteza quanto ao desfecho do
Juízo Final.
Aqui todos os problemas da perdição/salvação parecem resol-
vidos satisfatoriamente, o que está, sem dúvida, relacionado com o
problema, que D. Francisco aflora em vários poemas, de eficácia da
graça divina.
Analisemos, por último, o soneto LXXXI, Apólogo da Morte,
pertencente à “Tuba de Calíope”:
Referências bibliográficas
que estas exibições desumanas eram vergonhosas aos olhos da Europa (Southey
2007: 20).
Referências bibliográficas
1
Texto apresentado como lição de síntese das provas de agregação em Cultura
Portuguesa.
2
Nas citações das Cartas seguimos a versão original.
92 Fernando Alberto Torres Moreira
O meu fim foi utilizar aos meus patrícios, cujos defeitos estão aqui tão de-
ligentemente notados, dar-lhes um claro espelho, em [que] vissem estas manchas,
[que] afeião a sua natural formosura. [...] queira o Céu, que n’este tom, em que eu
lhes offereço estas CARTAS, as queirão elles acceitar e que tirem d’ellas o fructo
que eu muito sinceramente lhes desejo. (p. 4)
[...] vamos a falar num gravíssimo defeito desta nação, do qual não há quási
pessoa, por mais polida que seja, que esteja isenta. É este a demasiada presunção,
que esta nação (ainda mais que a castelhana) tem de si, e o sumo desprezo, e enjoo,
com que trata os outros. (Carta 3.ª)
«[...] a cega opinião, em que estão [os portugueses], de que tudo o que é
estrangeiro, vence incomparavelmente as obras nacionais. Só porque um pano,
um vidro, etc., é filho de Portugal tem perdido metade do seu valor, ao mesmo
tempo que adquire um outro tanto, se é fabricado em França, Itália, Inglaterra,
etc..» (Carta 12.ª)
concluindo:
«Não posso concordar esta mal fundada opinião com a grande estimação
que de si e de tudo o que é seu fazem os portugueses e com a desmedida presunção,
que de si têm». (Carta 12.ª)
toda a parte povos espantados, fervem as esmolas, e triunfam muitas vezes os falazes
impostores, que deram voz, e carreira a este pseudo-milagre.
Porque uma beata nos seus misteriosos raptos, e imaginários êxtases, creu sen-
tir uma voz interna, que a avisava da morte de um grande, do castigo de uma cidade,
da perda de uma negociação: e porque tão facilmente, como creu este aviso, fruto
de uma imaginação exaltada, o confiou ao seu confessor, presumptuoso ignorante,
corre este logo a divulgá-lo; treme o povo aterrado, venera-se a devota profetisa, é
invocada em todas as necessidades, qual outro Elias; e em pouco tempo são citadas
as suas decisões, como as de um S. Francisco de Paula, ou Vicente Ferrer.
Porque uma pobre donzela, cruelmente tiranizada pelos bárbaros pais, vê
embaraçado o casamento desejado e entra em convulsões, e desatinos, é crida logo
possuída do demónio; é exorcizada, guardada, e ida ver como um miserável ludíbrio
do espírito infernal, quando ela só é uma triste vítima do amor. Porque um miserável
enfermo padece uma febre lenta, e desconhecida aos médicos (que são muito igno-
rantes neste país) uma moléstia teimosa, e rebelde aos medicamentos, prontamente
se recorre às armas da Igreja: têm feitiços, os bons clérigos, que o benzem; quási se
atrevem a jurar, em que espécie do comer lhos deram, ou se os lançaram no mar.
Inda isto não seria o peior: muitas vezes corre-se a consultar uma nova pitonisa
de Endor, alguma bruxa, ou velha impostora, que à conta da sua infernal ciência
desfruta amplamente os pais, ou parentes do padecente. (Carta 4.ª)
Apenas huma mulher quer neste Reino elevar-se acima das suas compa-
nheiras, aplicando-se às Artes e Sciências quando logo se conspiram contra ella
102 Fernando Alberto Torres Moreira
vozes, não só das outras, porém mesmo dos homens que a conhecem. Começam a
proclamá-la ironicamente com o título de doutora e a dizer que he huma soberba,
huma ocioza e que o tempo que gasta sobre os livros, melhor fora que o gastasse
em sua roca, e no governo da sua casa (Carta 18: 89).
As portuguesas são em geral muito belas e airosas. A sua cor nem é tão alva
como a das mulheres do Norte, nem tão fusca como as espanholas meridionais.
Quási todas são muito coradas, e quási todas têm excelentes cabelos pretos. Os seus
olhos são vivíssimos, bons dentes e excelentes vozes muito engraçadas. Nada deixou
a natureza para adornar estas belas europeias. (Carta 18.ª)
Mas foi mais longe o autor, não se ficando por aquilo que, nos
viajantes estrangeiros em geral, mais não é do que a expressão de ob-
jecto de desejo que quase nunca pode ser concretizado; procurou, este
Cultura Portuguesa – Ensaios 103
Concluindo:
Referências bibliográficas
Cartas de hum viajante francez a hum seu amigo residente em Pariz: s. / l.,
1784. (Ed. manuscrita existente na B. N.).
Beckford, William (1988): Diário de William Beckford em Portugal e em
Espanha. Lisboa: Biblioteca Nacional.
Elísio, Filinto (1817-19) Obras Completas, 11 vols: Paris, A. Bobée.
Gorani, Giuseppe (1989) Portugal (A Corte e o País nos anos de 1765 a 1767):
Lisboa, Lisóptima Edições.
Moreira, Fernando (2000): Filinto Elísio: o exílio ou o regresso impossível.
Braga: APPACDM.
Ruders, Carl Israel (1981): Viagem a Portugal. 1798-1802. Lisboa: Biblio-
teca Nacional.
Sanches, A. N. Ribeiro (1922): Cartas sobre a educação da mocidade. Coim-
bra: Imprensa da Universidade.
Vernei, Luís António (1746): Verdadeiro Método de Estudar. Valença: Oficina
de António Balle.
Vicente, Ana (2001): As Mulheres portuguesas vistas por viajantes estrangeiros:
séculos XVIII, XIX, XX. Lisboa: Gótica.
Cultura Portuguesa – Ensaios 107
1
Os itálicos são do próprio autor.
Cultura Portuguesa – Ensaios 121
2
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A aceitação da existência de uma cultura europeia é assunto que tem mere-
cido opiniões muito variadas embora nos pareça pacífico que a diversidade cultural
europeia assenta numa matriz civilizacional comum visível num conjunto de valores
partilhados – liberdade, democracia, religião, estado de direito, dignidade humana,
etc., – que enformam a construção de uma identidade comum futura, tomando como
alicerce elementos culturais transversais.
124 Fernando Alberto Torres Moreira
Referências Bibliográficas
Que andamos nós, jornalistas, a escrever nos jornais, a dizer nas rádios, a
mostrar nas televisões, para que se tenha chegado ao Big Brother, Acorrentados e
quejandos? Que andou a fazer a democracia com reformas pedagógicas, modificações
de currículos, promoção a Ministério da Cultura governativa? Que andaram os
criadores da cultura, os escritores, os pintores, os músicos a fazer ao longo das
últimas décadas para enfrentarmos hoje tais padrões? (Diário de Notícias 2001:
Fevereiro)
televisiva do início dos anos setenta que foi o ZipZip1, feito apesar
da censura, exultarmos com a qualidade extra da Visita da Cornélia2
da segunda metade da mesma década e chegarmos, em 2001, a um
programa “do outro mundo”, de seu nome Noites Marcianas3, de
qualidade rasca, mas um e outros tendo como responsável, como rosto
principal a mesma pessoa, Carlos Cruz, que, por sinal, é tido como
uma boa referência da locução televisiva?
Tudo isto exige reflexão e pretendemos dar algum eco a estas
perguntas. É evidente que hoje muita gente se interroga e busca respon-
sáveis pela degradação das instituições com responsabilidades culturais
e comportamentos da chamada sociedade civil (e também da classe
política, excelente reflexo da mesma). Falamos não só de programas
televisivos degradantes (e agora que a casa foi arrombada anda-se à
procura da tranca para a fechar) mas também de outros factores sociais,
exemplos de um dado estado cultural como a violência nas escolas, a
insegurança pública, os problemas da justiça, a mortandade nas estra-
das ou o culto da irresponsabilidade que, apesar de alguns, permite à
culpa continuar a morrer solteira.
Poderá parecer abusivo, mas não julgamos ser possível separar
a actual situação do Panorama Audiovisual Português e, portanto, de
programas como o Big Brother ou o Bar da TV4, de um contexto geral
onde se inserem os exemplos apresentados e, necessária e infelizmente,
muitos outros. Parece-nos óbvio que a questão não deve colocar-se só
do lado desses programas (mas também, claro), mas sim nos níveis de
popularidade e adesão que suscitam: há muitos mais portugueses que
identificam os residentes da “casa mais famosa de Portugal”, (assim
1
Programa de entretenimento da RTP, da responsabilidade de Carlos Cruz,
Fialho de Gouveia e Raúl Solnado, com uma forte componente cultural e por onde
passou, entre outros, o escritor e pintor Almada Negreiros.
2
Programa de entretenimento da responsabilidade dos mesmos autores do Zip-
Zip, feito já depois do 25 de Abril e com grande impacto a nível de audiências..
3
Programa de entretenimento (?) da SIC.
4
Reality Shows das estações de televisão TVI e SIC, respecti-
vamente.
Cultura Portuguesa – Ensaios 129
5
É a opinião manifestada por Miguel Sousa Tavares nas páginas do jornal
Público, 18/05/2001.
130 Fernando Alberto Torres Moreira
O que fazer então? O que fazer para evitar que a maioria dos
Portugueses continue a deleitar-se com subprodutos televisivos, os
coloque no topo de audiências e, desse modo, a mediocridade continue
a imperar como lei? O que fazer para evitar a prossecução desta cultura
de irresponsabilidade, de acriticismo reinante, para não descobrirmos
que o fundo que pensávamos ter atingido com o lixo televisivo afinal
está mais além?
Precisamos, naturalmente, de mobilizar uma opinião activa em
Portugal, resolver o problema do nosso desajustamento cultural. Ora,
isso implica uma mudança radical, uma melhoria substancial da cultura
científica e social dos portugueses. É preciso patrocinar uma escola
que propicie como escreveu o prof. Mariano Gago (Público 2001:
17 de abril), uma mudança fria, assente, sobretudo, numa ética de
estudo e de trabalho, e na responsabilidade. É que não há mudança
possível sem a escola; não uma escola qualquer ou sequer aquela que
temos, expressão lídima de reformas sucessivas inconsequentes, mas
uma escola que, parafraseando o prof. Carlos Reis, seja
Portugal não teve uma revolução industrial e, se nos rasparem, por baixo
de cada um de nós – trabalhador, empresário ou intelectual – há um camponês
ou merceeiro manhoso. Precisamos de muito tempo e muitos desgostos, para nos
civilizarmos. (Diário de Notícias 2001: 24 de março)
Certamente!...
Referências bibliográficas
6
Concorrente vencedor do primeiro programa televisivo Big Brother.
Cultura Portuguesa – Ensaios 135
[...] perguntar quem é um dos nossos, de quem ou de quê se pode dizer que
é “um”, é entrar numa questão infinitamente mais complexa e crepuscular do que
o “coração das trevas”. Uma cultura fechada, auto-referenciada, é cada vez mais um
corpo estranho no contexto ético de um encontro permanente com a diferença; a
noção de cultura transformou-se, passou de uma cultura de valores (durante sécu-
los “naturalmente” eurocêntricos, hoje americanos) para uma cultura dos direitos,
que pressupõe a diferença num contexto global de negociação. (Barrento, 2002:
p. 129).
Cultura Portuguesa – Ensaios 137
1
A este respeito ver Anthony Smith, A Identidade Nacional, Lisboa, Gradiva
1997.
Cultura Portuguesa – Ensaios 139
Referências bibliográficas
Livros:
Jornais:
Referências bibliográficas
Alexandre O’Neil
Guerra Junqueiro
um eufemismo de lei.
Temos futuro? Quem tem um passado como Portugal tem sem-
pre um futuro à sua espera. O problema dos portugueses foi sempre
o presente não assumido, decerto porque, como dizia o recentemente
desaparecido historiador Vitorino Magalhães Godinho, em entrevista
ao Jornal de Letras, Artes e Ideias, «os políticos são sobretudo ignoran-
tes».
Fica a esperança, que também era a de Vitorino Magalhães
Godinho, de que as inquietações do presente nos levem a reflectir na
pergunta inevitável – que rumo para Portugal? – e tentar resolver essa
questão que temos connosco apaziguando esse remorso de todos nós.
Referências bibliográficas
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