Clássicos e Modernos

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Universidade Federal Fluminense – UFF

Departamento de Letras Clássicas e Vernáculas – GLC


Literatura Brasileira II – Profa. Claudete Daflon

Primavera – Ode de Anacreonte (séculos VI e V a.C.) Nênia (canto fúnebre da antiguidade) – P. B. Shelley
(1792-1822)
Vê como, ao rebrilhar da primavera,
As Graças se vestiram só de rosas! Áspero vento, que lamentas alto
Essa onda no mar, vê, considera, Dor muito triste para ser cantada,
Que branda, toda, às brisas cariciosas!... Vento bravio, quando a escura nuvem
Olha os patos selvagens que mergulham!... Dobra ao longo da noite consternada;
Atenta nesses grous que estão voando!
O sol, simples Titã, no céu fulgura, Bosques despidos, cujos galhos se contorcem,
Leves sombras de nuvens voluteando! Triste tormenta, de prantear tão infecundo,
A força dos mortais esplende, grande; Fundas cavernas e medonho mar,
A terra engendra os pomos seus, remotos; Chorai pela injustiça deste mundo.
Na oliveira o grão surge, promissor;
O regato de Baco a vinha expande
E, em tudo, sob as folhas, sob os brotos,
O fruto vem surgindo – inda na flor!

Lira I (Marília de Dirceu parte I – Tomás Antonio Gonzaga)

Eu, Marília, não sou algum vaqueiro, Teu lindo corpo bálsamos vapora.
Que viva de guardar alheio gado; Ah! Não, não fez o Céu, gentil Pastora,
De tosco trato, d’ expressões grosseiro, Para glória de Amor igual tesouro.
Dos frios gelos, e dos sóis queimado. Graças, Marília bela,
Tenho próprio casal, e nele assisto; Graças à minha Estrela!
Dá-me vinho, legume, fruta, azeite;
Das brancas ovelhinhas tiro o leite, Leve-me a sementeira muito embora
E mais as finas lãs, de que me visto. O rio sobre os campos levantado:
Graças, Marília bela, Acabe, acabe a peste matadora,
Graças à minha Estrela! Sem deixar uma rês, o nédio gado.
Já destes bens, Marília, não preciso:
Eu vi o meu semblante numa fonte, Nem me cega a paixão, que o mundo arrasta;
Dos anos inda não está cortado: Para viver feliz, Marília, basta
Os pastores, que habitam este monte, Que os olhos movas, e me dês um riso.
Com tal destreza toco a sanfoninha, Graças, Marília bela,
Que inveja até me tem o próprio Alceste: Graças à minha Estrela!
Ao som dela concerto a voz celeste;
Nem canto letra, que não seja minha, Irás a divertir-te na floresta,
Graças, Marília bela, Sustentada, Marília, no meu braço;
Graças à minha Estrela! Ali descansarei a quente sesta,
Dormindo um leve sono em teu regaço:
Mas tendo tantos dotes da ventura, Enquanto a luta jogam os Pastores,
Só apreço lhes dou, gentil Pastora, E emparelhados correm nas campinas,
Depois que teu afeto me segura, Toucarei teus cabelos de boninas,
Que queres do que tenho ser senhora. Nos troncos gravarei os teus louvores.
É bom, minha Marília, é bom ser dono Graças, Marília bela,
De um rebanho, que cubra monte, e prado; Graças à minha Estrela!
Porém, gentil Pastora, o teu agrado
Vale mais q’um rebanho, e mais q’um trono. Depois de nos ferir a mão da morte,
Graças, Marília bela, Ou seja neste monte, ou noutra serra,
Graças à minha Estrela! Nossos corpos terão, terão a sorte
De consumir os dois a mesma terra.
Os teus olhos espalham luz divina, Na campa, rodeada de ciprestes,
A quem a luz do Sol em vão se atreve: Lerão estas palavras os Pastores:
Papoula, ou rosa delicada, e fina, “Quem quiser ser feliz nos seus amores,
Te cobre as faces, que são cor de neve. Siga os exemplos, que nos deram estes.”
Os teus cabelos são uns fios d’ouro; Graças, Marília bela,
Graças à minha Estrela!
O lenço dela (Álvares de Azevedo 1831-1952) Arraiada (Mario de Andrade – Ritmo Sincopado /1923-1926)

Quando a primeira vez, da minha terra Manhãzinha


A italiana vem na praia do ribeirão.
Deixei as noites de amoroso encanto,
Vem derreada e com a sombra do sono no canto dos olhos.
A minha doce amante suspirando
Volveu-me os olhos úmidos de pranto.
Põe a trouxa de roupas na lapa
E erguida fica um momentinho assim no Sol.
Um romance cantou de despedida, A narina dela mexe que nem peito de rolinha
Mas a saudade amortecia o canto! Mastiga a boca sem lavar
Lágrimas enxugou nos olhos belos... Que tem um visgo de banana e de café.
E deu-me o lenço que molhava o pranto... Respira
Afinal se espreguiça
Quantos anos contudo já passaram! Erguendo pros anjos o colo criador.
Não olvido porém amor tão santo!
Guardo ainda num cofre perfumado
O lenço dela que molhava o pranto...

Nunca mais a encontrei na minha vida,


Eu contudo, meu Deus, amava tanto!
Oh! quando eu morra estendam no meu rosto
O lenço que eu banhei também de pranto!

Sentimental (C. Drummond de Andrade – Alguma Oswald de Andrade – Primeiro caderno do aluno de poesia
Poesia 1930) Oswald de Andrade 1927

Ponho-me a escrever teu nome amor


com letras de macarrão.
No prato, a sopa esfria, cheia de escamas
Humor
e debruçados na mesa todos contemplam
esse romântico trabalho.

Desgraçadamente falta uma letra,


uma letra somente
para acabar teu nome!

– Está sonhando? Olhe que a sopa esfria!

Eu estava sonhando...
E há em todas as consciências um cartaz amarelo:
"Neste país é proibido sonhar."

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