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RESUMO
A partir da Constituição Federal de 1988 verifica-se que a busca pela efetivação do direito à
saúde por meio da prestação jurisdicional é crescente, o que contribuiu para o processo de
judicialização da saúde, na medida em que exigiu dos juízes manifestar-se sobre questões
tradicionalmente de competência da esfera política. Ao apreciar as controvérsias desta
natureza submetidas ao Poder Judiciário, verificou-se a prática do ativismo judicial, que
afeta a previsibilidade dos contratos de planos de saúde privados e do Sistema Único de
Saúde, aumentando os custos de transação que incidem, inclusive, sobre o orçamento
1 Doutoranda em Direito Econômico pela PUC/PR, Curitiba/PR, Brasil (Bolsa CAPES). Mestre em Direito
Econômico e Socioambiental pela PUCPR, Curitiba/PR, Brasil (CNPQ). Editora-Geral RDEmp. Advogada. E-
mail: [email protected]
2 Graduanda em Direito pela Universidade Estadual de Maringá/PR. E-mail: [email protected]
on the right to health, of its utility in order to arrive at the emergence of the judicialization
of politics. The purpose of this paper is to demonstrate the practice of judicial activism in
judging demands that involve access to health and its direct consequence on transaction
costs, which results in losses to consumers by increasing the cost of the service, It public or
private. In the end, considerations will be woven on the understanding set forth in SRs
566.471 and 657.718 and their consequences for the evolution of the jurisprudence of the
Federal Supreme Court regarding the judicialization of health and judicial activism.
Key-words: Judicialization of health; Judicial Activism; Supreme Court; Transaction Costs;
Contracts.
1 INTRODUÇÃO
A Constituição de 1988 trouxe em seu Título II, “Dos Direitos e Garantias
Fundamentais”, o rol dos direitos sociais, compreendidos pelos direitos de todos os
cidadãos cuja efetivação é dever primordial do Estado. Estabeleceu diversas diretrizes e
normas para a sua efetivação que, contudo, dependem de ações positivas por parte do
Estado para serem concretizadas. Vale dizer, os direitos sociais, caracterizados como
direitos prestacionais, exigem considerável dispêndio financeiro por parte do Estado, o que
representa um óbice à sua efetivação no plano prático, seja pela insuficiência na
arrecadação, pela escolha pública ou pelo desvio de verbas e má gestão dos recursos
públicos.
No que se refere ao direito à saúde, a Constituição Federal previu na Seção II que as
ações e serviços públicos de saúde integram uma rede regionalizada e hierarquizada e
constituem um sistema único financiado com recursos do orçamento da seguridade social,
da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios além de outras fontes.
No art. 199, previu que a assistência à saúde é livre à iniciativa privada, podendo as
instituições privadas participarem de forma complementar do sistema único de saúde,
segundo as diretrizes deste e mediante contrato de direito público ou convênio.
Para regulamentar este permissivo constitucional foi sancionada em 1998 a Lei n.
9.656, que dispõe sobre os planos e seguros privados de assistência à saúde e prevê que as
entidades privadas previstas na lei estão subordinadas à regulamentação e fiscalização da
Agência Nacional de Saúde Suplementar, para qualquer modalidade de produto, serviço e
contrato. Desta forma, os planos de saúde privados devem seguir as orientações da Lei n.
9.656/1988 e as regulamentações da ANS para a elaboração de seus contratos e oferta de
produtos e serviços aos beneficiários. Contudo, em que pese estas previsões e a oferta de
serviços de acesso à saúde pelo Estado, pelo Sistema Único de Saúde, e pelas entidades
privadas, compreendidas pelos planos de saúde e operadoras, não raro os cidadãos
consideram o acesso à saúde insuficiente ao atendimento das suas necessidades,
recorrendo ao Poder Judiciário visando a obtenção de prestações adicionais.
A busca pelo Poder Judiciário para a efetivação dos direitos sociais, em especial do
direito à saúde, é perceptível, principalmente, pelos pleitos que objetivam a concessão de
medicamentos, a autorização para a realização de procedimentos, cirurgias ou ainda, o
pagamento de próteses, conforme será estudado neste artigo. Trata-se da judicialização da
saúde, agigantada com a promulgação da Constituição Federal de 1988, que abre espaço
para o ativismo judicial. Esta prática, na forma como levada a efeito no Brasil nas lides que
envolvem o acesso à saúde tem o condão de desvirtuar o previsto nos contratos de saúde
público e privados, aumentando os custos de transação e onerando, ao final, aquele que
visava beneficiar, seja pelo aumento da carga tributária destinada à manutenção do sistema,
seja pelo aumento do preço do plano de saúde privado.
Tecidas estas considerações, o presente estudo tem como objetivo a análise da
evolução da jurisprudência do Supremo Tribunal Federal no que se refere ao acesso à
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saúde, até as decisões proferidas nos REs 566.471 e 657.718 que representam uma ruptura
no paradigma jurisprudencial da Suprema Corte, estabelecendo novas diretrizes a respeito
da obrigação de fornecimento de medicamentos de alto custo pelo Estado. A escolha do
tema decorre da sua relevância e atualidade pois, conforme se demonstrará, a demanda
judicial pela efetivação do direito à saúde é expressiva.
Para o desenvolvimento deste artigo, empregou-se o método hipotético-dedutivo
para que, a partir da percepção de uma lacuna nas possíveis soluções ao ativismo judicial
que permeia as decisões sobre o direito à saúde, fosse formulada uma hipótese e, por meio
do processo dedutivo, testar a predição da ocorrência da possível resposta ao problema.
Instrumentalizou-se a pesquisa com a análise comparativa do histórico
jurisprudencial do Supremo Tribunal Federal nas questões relativas às prestações do
direito à saúde, expondo as alterações apresentadas ao longo dos anos e suas possíveis
consequências aos jurisdicionados. Para dar embasamento teórico ao presente estudo,
aplicou-se o método de pesquisa bibliográfica, como tentativa de explicar o caráter
prestacional dos direitos sociais e os fenômenos da judicialização e do ativismo judicial,
através de teorias publicadas em obras do mesmo gênero, bem como pesquisa legislativa e
jurisprudencial.
2 O DIREITO À SAÚDE
como cidadão não mais seria suficiente para evitar a destruição do homem pelo próprio
homem, sendo necessário pensar nos homens também como indivíduos3. Logo em seguida
ao final da Segunda Guerra, concluiu-se, em 1948, a Declaração Universal dos Direitos
Humanos, fonte de inspiração para o Direito Constitucional contemporâneo de vários
países. A nova missão do direito, então, passou a ser a transformação social e o “Welfare
State”, ou Estado de bem estar social, foi incluído nos textos constitucionais.4 E é nesse
contexto que uma espécie de direitos humanos e fundamentais, os direitos sociais, foram
incluídos em nossa Constituição republicana.
Mais especificamente no Brasil, destaca-se também que a Constituição da República
Federativa de 1988 (CF/88) foi promulgada em momento de transição de um regime
militar autoritário, intolerante e violento para um Estado Democrático de Direito5, em uma
conjuntura, portanto, de busca de defesa e realização de direitos fundamentais individuais e
coletivos, nas mais diversas áreas, mediante reivindicações populares.6 Conforme mais
detalhadamente explica Ana Claudia Vergamini Luna, os direitos sociais foram inseridos no
Título dos Direitos Fundamentais da CF/88 devido à forte participação popular em
movimentos sociais que pressionaram a Assembleia Nacional para que se incluísse no texto
constitucional suas reivindicações, que posteriormente formariam as diretrizes do Estado
Social.7
3 ALVES, Thiago Romagnolo; SEGATTO, Antônio Carlos. DITADURA DE TOGA? Aspectos do ativismo judicial no
STF e a expansão de seus efeitos. In: IV ENCONTRO CIENTÍFICO DE DIREITOS FUNDAMENTAIS E SOCIEDADE
POLÍTICA, 2013.
4 STRECK, Lenio Luiz. Matar o gordinho ou não? O que as escolhas morais têm a ver com o direito? Revista
possibilidades. 2012. Dissertação – Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo. São Paulo, 2012.
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10 SARLET, A eficácia dos direitos fundamentais, 1998. p. 185-186, apud BRANCO, Paulo Gustavo Gonet.
MENDES, Gilmar Ferreira. Curso de direito constitucional. 10 ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2015. P. 637.
11 JÚNIOR, Dirley da Cunha. Curso de Direito Constitucional. 2. ed. rev., ampl. e atual. Salvador: Editora
Encontro Preparatório para o Congresso Nacional do CONPEDI, 2008, Salvador. Anais XVII Encontro
Preparatório para o Congresso Nacional do CONPEDI, 2008. P. 5.
13 COMPARATO, Fábio Konder, apud JÚNIOR, Dirley da Cunha. Curso de Direito Constitucional. 2. ed. rev., ampl.
das políticas públicas apresentadas pelos poderes legislativo e executivo. In: Âmbito Jurídico, Rio Grande, XV, n.
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para tutela de interesses judiciais nesse sentido e à introdução de novas ações para a
garantia dos direitos sociais à população.17
Especialmente pela previsão constitucional dos direitos sociais verificou-se uma
maior atuação do Poder Judiciário no deferimento de políticas públicas de caráter social,18
devido à expansão do entendimento de que, conforme explicam Carneiro e Amilcar,19 o
Estado como um todo – incluindo-se os Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário - tem o
dever de interferir na realidade social, efetivando os comandos emergentes na Constituição
e adotando uma postura proativa de efetivação de direitos e garantias fundamentais
peculiares ao Estado Democrático de Direito.
E é exatamente desse processo que decorre a judicialização da política, segundo
ensina o autor. A partir da previsão constitucional dos direitos sociais, diante da prestação
insuficiente pelos Poderes Legislativo e Executivo, houve o aumento das demandas que
buscam a efetivação de direitos sociais como a saúde, por exemplo, através do fornecimento
de medicamentos, liberação de exames ou procedimentos cirúrgicos etc., diante da crise
brasileira de efetividade dos direitos fundamentais20. Isso exigiu dos magistrados a tomada
efetividade das políticas públicas apresentadas pelos poderes legislativo e executivo. In: Âmbito Jurídico, Rio
Grande, XV, n. 107, dez 2012. Disponível em: <http://www.ambito-
juridico.com.br/site/?n_link=revista_artigos_%20leitura&artigo_id=12526>. Acesso em 26/08/2015. P. 4.
19 JÚNIOR, Carneiro; ARAÚJO, Almicar. A contribuição dos precedentes judiciais para a efetividade dos direitos
fundamentais/Almicar Araújo Carneiro Júnior; coordenadora Ada Pelledrini, Grinover, Petronio Calmon –
Brasília, DF: Gazeta Jurídica, 2012. P. 2.
20 SEGATTO, Antonio Carlos. ABATI, Leandro. A jurisdição constitucional: instrumento para mudança da
realidade de inefetividade e violações dos direitos fundamentais frente à inoperância dos poderes representativos
estatais. In FACCHIN, Zulmar; SILVA, Deise Marcelino Da. Temas de Direito Constitucional contemporâneo. São
Paulo, SP: Boreal, 2013. P. 22 – 45.
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de decisões que por vezes traduzem-se em fiscalização de escolhas políticas,21 pelo que o
professor Streck sustenta que “os juízes tem responsabilidade política”.22
Sob esse mesmo viés Luís Roberto Barroso explica que uma consequência da
promulgação da CF/88 foi justamente a ascensão institucional do Judiciário a partir da
previsão constitucional de direitos prestacionais, os quais podem ser exigidos, pelos
cidadãos, de seus governantes. Juízes passaram a exercer um papel político junto dos
Poderes Executivo e Legislativo, fenômeno que gerou a judicialização de assuntos políticos
e sociais que, a partir de então, tiveram nos Tribunais Superiores (especialmente no
Supremo Tribunal Federal e no Tribunal Superior do Trabalho) sua instância decisória
final.23
Magalhães explica que a partir desse processo o Poder Judiciário infere de forma
relevante nas conjunturas da ação política, pelo que passou a exercer cada vez mais
frequentemente suas atribuições atípicas.24
Evidentemente, o processo de judicialização da política gera a expansão da influência
do Poder Judiciário no contexto político-decisório,25 cenário esse no qual se encontra o
Brasil atualmente. Essa ampliação da atuação judiciária, contudo, pode levar a outro
Constitucional no Brasil). Revista Eletrônica sobre a Reforma do Estado (RERE), Salvador, Instituto
Brasileiro de Direito Público, nº. 9, março/abril/maio, 2007. Disponível em:
<http://www.direitodoestado.com.br/rere.asp>. Acesso em 26/08/2015.
24 MAGALHÃES, Daniella Santos. A judicialização dos direitos sociais como consequência da falta de
efetividade das políticas públicas apresentadas pelos poderes legislativo e executivo. In: Âmbito Jurídico, Rio
Grande, XV, n. 107, dez 2012. Disponível em: <http://www.ambito-
juridico.com.br/site/?n_link=revista_artigos_%20leitura&artigo_id=12526>. Acesso em 26/08/2015. P. 8.
25 DI VECCHIA NETO, Berardino. A judicialização da política: o Poder Judiciário e a definição de políticas
nacionais. 2014. 158f. Dissertação (Mestrado) - Faculdade de Direito, Universidade de São Paulo, São Paulo,
2014. P. 8.
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26 ROCHA, Lara Bonemer Azevedo da. O desenvolvimento econômico pelo acesso à justiça. 1. ed. Birigui, SP:
Boreal Editora, 2015. P. 85.
27 STRECK, Lenio Luiz. Verdade e Consenso: constituição, hermenêutica e teorias discursivas. 4. ed. São Paulo:
problema do custo social", escrito em 1960, que aborda as ações das business firms que
geram efeitos prejudiciais a terceiros.31
Mas foi Williamson quem, a partir de 1971 e com base nos trabalhos de Coase e de
Kenneth Arrow, deu início ao estudos pioneiro de generalização da abordagem sobre a
questão dos custos de transação no contexto dos mercados e hierarquias. No ano de 1985
Williamson publicou o livro "The economic institutions of capitalism", que dedica o capítulo
inicial ao exame dos custos de transação na economia.32
Em suas publicações, Williamson defende que as instituições econômicas do
capitalismo têm como principal propósito e efeito economizar os custos de transação. Nesse
sentido, explica que os custos de transação são aqueles que analisam os custos ex ante e ex
post, de modo que os primeiros são os custos de redigir, negociar um acordo; Os segundos,
aqueles que acontecem após o contrato e podem estar ligados ao não cumprimento da
avença, à posição da justiça sobre o tema e etc. 33
Deste modo, tem-se que, ao celebrar um contrato, as partes tendem a buscar,
inicialmente, o máximo de certeza possível quanto ao total cumprimento do mesmo.
Almejam, de início, formular um contrato que se poderia denominar completo.
Contudo, esta completude contratual não se conforma à realidade, haja vista a
impossibilidade de previsão, pelas partes, de todos os acontecimentos que podem ocorrer
no decorrer do contrato. Ademais, há certas situações em que as próprias partes desejam
que restem algumas lacunas contratuais, porque o cumprimento do acordo pode estar
ligado a algum fato futuro ou incerto.
Ainda assim, é importante aos contratantes obter o mínimo de previsibilidade de que
as cláusulas contratuais serão observadas por ambos, conforme o pactuado. No caso de
31 COASE, Ronald. H. O problema do custo social. In: The Latin American and Caribbean Journal of Legal Studies,
Vol. 3, Issue 1, Article 9, University of Chicago, 2008. P. 1-35.
32 WILLIAMSON, Oliver E. The Economic Institutions of Capitalism. New York: The Free Press, 1985, P. 14.
33 Ibid. P. 14 e 18.
efetivação do direito à saúde através dos planos de saúde, o consumidor decide arcar com o
pagamento de determinado valor monetário a fim de obter melhores prestações de
tratamentos e medicamentos. Em contrapartida, o plano de saúde oferece várias opções de
contratos que abarcam, em maior ou menor proporção, tratamentos variados, opções
diferenciadas de leitos, coberturas cirúrgicas e etc.
É claro que, optando por um plano mais completo – ou seja, que abarque maiores
opções de procedimentos e acomodações, por exemplo -, o consumidor acaba por
concordar em arcar com um custo mais elevado por estes benefícios. Caso considere que
não pode se desprender de determinado valor monetário ou que não necessita de todos os
benefícios oferecidos, poderá optar por contratos que envolvam menos opções de
tratamentos, ou até mesmo por manter-se segurado do Sistema Único de Saúde (SUS),
oferecido gratuitamente pelo Estado.
Portanto, a partir da contratação de determinado plano de saúde assume-se que o
indivíduo tenha concordado com os benefícios oferecidos em seu contrato pessoal,
satisfazendo-se com tais ofertas.
Ocorre, contudo, que no momento em que determinada enfermidade ou acidente
mais grave acomete os dependentes, estes, muitas vezes, pleiteiam o pagamento de seu
tratamento dos planos de saúde particulares ou até mesmo do SUS, ainda que não conste
em seu contrato a previsão de cobertura daquele procedimento específico de que o enfermo
necessita.
Assim, acabam por buscar o Poder Judiciário a fim de conseguir tratamentos ou
medicamentos não cobertos pelo SUS ou pelos planos particulares, e é nesse momento, no
que se refere à efetivação do direito à saúde, que por vezes percebe-se o comportamento
ativista dos magistrados.
É que, apesar de os tratamentos ou remédios solicitados não se enquadrarem no rol
de prestações oferecidas pelos planos de saúde particulares ou pelo SUS, alguns juízes
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escolhem ignorar os contratos e, com base no direito fundamental à saúde, decidem atender
ao pleito judicial.
Essa atitude, contudo, em muito prejudica não só o Poder Público, que estabelece seu
plano de gastos, separando o montante que será destinado à saúde, para todo um ano, mas
também os planos de saúde particulares, que confiando no cumprimento das cláusulas
contratuais, haviam cobrado menores valores de seus clientes devido à ausência de
cobertura de certos procedimentos que, posteriormente, estariam sendo deferidos pelo
Judiciário, invalidando-se, assim, as disposições do contrato.
Deste modo, os custos de transação na formulação dos contratos de plano de saúde
acabam por sofrer aumento gradativo, o que é certamente repassado ao consumidor como
uma espécie de seguro contra possíveis decisões ativistas. Afinal, vale lembrar que os
planos de saúde são empresas que visam lucro, conforme relembra Rocha acerca dos
contratos de planos de saúde:
34ROCHA, Lara Bonemer Azevedo da. O desenvolvimento econômico pelo acesso à justiça. 1. ed. Birigui, SP:
Boreal Editora, 2015. P. 93.
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Para averiguar o ativismo judicial que influencia nos custos de transação dos planos
de saúde, tanto particulares quanto o próprio SUS, a seguir analisar-se-á a evolução
jurisprudencial do Supremo Tribunal Federal acerca da efetivação do direito à saúde.
35PRIMO, Laís de Araújo. Ativismo judicial e direito à saúde: análise crítica da evolução da jurisprudência do
Supremo Tribunal Federal. Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 2016. Disponivel em:
<http://www.conteudojuridico.com.br/?artigos&ver=2.55658&seo=1>. Acesso em: 02/11/2016.
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direcionar seus recursos financeiros por meio de políticas públicas, o que não ocorreu nesse
caso em comento, pois teve de se adequar à ordem judicial.
No mesmo sentido, Primo menciona a decisão proferida no Recurso Extraordinário
nº. 195.19237 que admite, em face do Poder Público, igual dever de conceder remédios a
criança que sofria de doença rara, destacando um trecho do voto do relator, o Ministro
Marco Aurélio, que “traduz fielmente o espírito da Suprema Corte naquele momento”:
O Estado deve assumir as funções que lhe são próprias, sendo certo,
ainda, que problemas orçamentários não podem obstaculizar o
implemento do que previsto constitucionalmente (...).38
39 Suspensão de Segurança. Agravo Regimental. Saúde pública. Direitos fundamentais sociais. Art. 196 da
Constituição. Audiência Pública. Sistema Único de Saúde - SUS. Políticas públicas. Judicialização do direito à
saúde. Separação de poderes. Parâmetros para solução judicial dos casos concretos que envolvem direito à
saúde. Responsabilidade solidária dos entes da Federação em matéria de saúde. Fornecimento de
medicamento: Zavesca (miglustat). Fármaco registrado na ANVISA. Não comprovação de grave lesão à ordem,
à economia, à saúde e à segurança públicas. Possibilidade de ocorrência de dano inverso. Agravo regimental a
que se nega provimento. (STA 175 AgR, Relator(a): Min. GILMAR MENDES (Presidente), Tribunal Pleno,
julgado em 17/03/2010, DJe-076 DIVULG 29-04-2010 PUBLIC 30-04-2010 EMENT VOL-02399-01 PP-00070)
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A decisão do STF a pouco comentada foi tida como parâmetro para os Tribunais no
julgamento dos pedidos de efetivação do direito à saúde. Ainda assim, houve juízes que
decidiram não observá-la.
É o caso do fornecimento de medicamentos experimentais, como ocorreu
recentemente com a droga fosfoetalonamina sintética, que era produzida pelo Instituto de
Química da USP de São Carlos. O juízo da Vara da Fazenda Pública de São Carlos
determinou, na sentença do processo º 1010266-58.2015.8.26.0566, proferida aos 22 de
janeiro de 2016, a concessão desse medicamento à Requerente, acometida de câncer, ainda
que não autorizada pela ANVISA a distribuição do mesmo.
Em sentido diverso, o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo indeferiu, aos 30 de
março de 201640, o fornecimento do mesmo remédio, sob o argumento de que se tratava de
droga experimental.
Inegável, a partir do conhecimento desses posicionamentos judiciais, a insegurança
jurídica que sofre o jurisdicionado quando busca a efetivação de seus direitos sociais, face a
decisões ativistas que ora atentam-se a um posicionamento doutrinário, ora a outro
completamente inverso.
Também em relação aos planos de saúde encontram-se decisões ativistas. No estudo
da jurisprudência do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná, percebeu-se que, mesmo que
expressamente excluído do plano de saúde o procedimento demandado pelo cliente, este
ajuíza ação contra o plano de saúde para exigir a prestação desse procedimento e os
julgadores, em repetidas decisões, decidem relativizar os contratos e determinar que os
planos de saúde arquem com as custas de tratamentos não pactuados.
Esse é o posicionamento empregado pelas 8ª41, 9ª42 e 10ª43 Câmaras Cíveis do
Tribunal de Justiça do Estado do Paraná, cuja competência especializada envolve as ações
decorrentes de planos de saúde44, e referendado pelo Superior Tribunal de Justiça.45
41 BRASIL. Tribunal de Justiça do Estado do Paraná. Apelação Cível 1161880-3. 8ª Câmara Cível. Relator: Des.
José Laurindo de Souza Netto. Julgado em: 29/05/2014. DJ 20/08/2014. Disponível em:
http://portal.tjpr.jus.br/jurisprudencia/j/11722252/Ac%C3%B3rd%C3%A3o-1161880-
3#integra_11722252. Acesso em: 29 out. 2014; BRASIL. Tribunal de Justiça do Estado do Paraná. Apelação
Cível 1067673-0. 8ª Câmara Cível. Relator: Des. Jorge de Oliveira Vargas. Julgado em: 3/10/2013. Publicado
em: 13/12/2013. Disponível
em:http://portal.tjpr.jus.br/jurisprudencia/j/11578793/Ac%C3%B3rd%C3%A3o-1067673-0. Acesso em: 29
out. 2014; BRASIL. Tribunal de Justiça do Estado do Paraná. Apelação Cível 1126367-3. 8ª Câmara Cível.
Relator: Des. José Laurindo de Souza Netto. Publicado em: 25/11/2013. Disponível em:
http://portal.tjpr.jus.br/jurisprudencia/j/11566634/Ac%C3%B3rd%C3%A3o-1126367-3. Acesso em: 29
out. 2014; BRASIL. Tribunal de Justiça do Estado do Paraná. Apelação Cível 1142896-9. 8ª Câmara Cível.
Relator: Des. José Laurindo de Souza Netto. Julgado em: 08/05/2014. Publicado em: 04/05/2014. Disponível
em: http://portal.tjpr.jus.br/jurisprudencia/j/11710201/Ac%C3%B3rd%C3%A3o-1126367-3. Acesso em:
29 out. 2014.
42 BRASIL. Tribunal de Justiça do Estado do Paraná. Apelação Cível 1179529-0. 9ª Câmara Cível. Relator: Juiz de
Dto. Subst. em 2º Grau Sérgio Luiz Patitucci. Publicado em: 15/04/2014. Disponível em:
http://portal.tjpr.jus.br/jurisprudencia/j/11660333/Ac%C3%B3rd%C3%A3o-612737-5. Acesso em: 29 out.
2014; BRASIL. Tribunal de Justiça do Estado do Paraná. Apelação Cível 612737-5. 9ª Câmara Cível. Relator:
Des. Francisco Luiz Macedo Junior. Julgado em: 04/03/2010. Publicado em: 29/03/2010. Disponível em:
http://portal.tjpr.jus.br/jurisprudencia/j/1925366/Ac%C3%B3rd%C3%A3o-612737-5. Acesso em: 29 out.
2014; BRASIL. Tribunal de Justiça do Estado do Paraná. Apelação Cível 1114170-9. 9ª Câmara Cível. Relator:
Des. Francisco Luiz Macedo Junior. Julgado em: 24/04/2014. Publicado em: 21/05/2014. Disponível em:
http://portal.tjpr.jus.br/jurisprudencia/j/11674381/Ac%C3%B3rd%C3%A3o-1114170-9. Acesso em: 29
out. 2014; BRASIL. Tribunal de Justiça do Estado do Paraná. Apelação Cível 1131247-9. 9ª Câmara Cível.
Relator: Des. Francisco Luiz Macedo Junior. Julgado em: 03/07/2014. Publicado em: 21/05/2014. Disponível
em: http://portal.tjpr.jus.br/jurisprudencia/j/11664527/Ac%C3%B3rd%C3%A3o-1063035-4. Acesso em:
29 out. 2014.
43 BRASIL. Tribunal de Justiça do Estado do Paraná. Apelação Cível 1122762-2. 10ª Câmara Cível. Relatora:
Juíza de Dto. Subst. em 2º Grau Elizabeth Nogueira Calmon de Passos. Julgado em: 15/04/2015. Publicado em:
18/06/2014. Disponível em: http://portal.tjpr.jus.br/jurisprudencia/j/11680355/Ac%C3%B3rd%C3%A3o-
1122762-2. Acesso em: 29 out. 2014; BRASIL. Tribunal de Justiça do Estado do Paraná. Apelação Cível 898846-
1. 10ª Câmara Cível. Relator: Des. Luiz Lopes. Julgado em: 17/05/2012. Publicado em: 31/05/2012.
Disponível em: http://portal.tjpr.jus.br/jurisprudencia/j/11282393/Ac%C3%B3rd%C3%A3o-898846-1.
Acesso em: 29 out. 2014; BRASIL. Tribunal de Justiça do Estado do Paraná. Apelação Cível 1108878-3. 10ª
Câmara Cível. Relatora: Des. Elizabeth Nogueira Calmon de Passos. Julgado em: 10/04/2014. Publicado em:
REVISTA DIREITOS SOCIAIS E POLÍTICAS PÚBLICAS (UNIFAFIBE)
DISPONÍVEL EM: WWW.UNIFAFIBE.COM.BR/REVISTA/INDEX.PHP/DIREITOS-SOCIAIS-POLITICAS-PUB/INDEX
“Art. 90. Às Câmaras Cíveis serão distribuídos os feitos atinentes a matéria de sua especialização, assim
classificada:
[...]
IV - à Oitava, à Nona e à Décima Câmara Cível:
[...]
c) ações relativas a contrato de seguro de qualquer natureza, inclusive as execuções dele derivadas e as ações
decorrentes de plano de saúde;
45 BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial nº 962.980/SP. 4ª Turma. Relator: Min. Luís Felipe
46SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. Pedido de vista adia julgamento sobre acesso a medicamentos de alto custo
por via judicial. Disponível em: <
http://www.stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=326275>. Acesso em: 30 set. 2016.
48Conforme aditamento voto do ministro do Supremo Tribunal Federal, relator Marco Aurélio, no julgamento
do Recurso Extraordinário 566.471/RN, proferido aos 28 set. de 2016. Disponível em:
REVISTA DIREITOS SOCIAIS E POLÍTICAS PÚBLICAS (UNIFAFIBE)
DISPONÍVEL EM: WWW.UNIFAFIBE.COM.BR/REVISTA/INDEX.PHP/DIREITOS-SOCIAIS-POLITICAS-PUB/INDEX
Na mesma data, o ministro Luís Roberto Barroso exprimiu seu voto-vista, no qual
priorizou a questão da judicialização da matéria, afirmando que “o Poder Judiciário não é a
instância adequada para a definição de políticas públicas de saúde”, defendendo que a
justiça somente intervenha em casos extremos.
Afirmou que o papel do Judiciário é tão somente “efetivar as políticas públicas já
formuladas no âmbito do SUS” e que o Estado não pode ser obrigado a fornecer
medicamentos não garantidos pelo SUS.
O ministro sugeriu, então, cinco condições cumulativas a serem analisadas pelo
Poder Judiciário para o deferimento de prestação relativa à saúde:
Por fim, o ministro Edson Facchin votou pelo provimento parcial do RE 566.471, ao
afirmar que configura-se em ofensa a direito individual líquido e certo a falha em sua
prestação, sempre que, injustificadamente, verifique-se a demora em sua implementação,
pelo que sugeriu também cinco critérios para que seja demandado do Poder Judiciário o
fornecimento e pagamento por drogas ou tratamentos de saúde, quais sejam:
51 Conforme aditamento voto do ministro do Supremo Tribunal Federal Edson Facchin no julgamento do
Recurso Extraordinário 566.471/RN, proferido aos 28 set. de 2016.
52 Conforme aditamento voto do ministro do Supremo Tribunal Federal Edson Facchin no julgamento do
5 CONCLUSÃO
demonstrando a intenção do Tribunal em conter esses fenômenos nos casos que envolvem
a prestação do direito à saúde.
Espera-se de forma otimista que esse mesmo processo de desenvolvimento do
pensamento seja empregado nas demandas judiciais que visam procedimentos não
previstos pelos contratos de planos de saúde, em preservação à segurança jurídica
contratual e contenção do aumento dos custos de transação, em ação para diminuir a
judicialização da política e conter o ativismo judicial no Brasil.
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