O Desejo Asfixiado Bernard Stiegler
O Desejo Asfixiado Bernard Stiegler
O Desejo Asfixiado Bernard Stiegler
Edição - 30 | Brasil
por Bernard Stiegler
3 de janeiro de 2010
Embora Freud fale sobre a fotografia, o gramofone e o telefone, ele não evoca o
rádio nem o cinema – então utilizados por Mussolini e Stalin, e posteriormente por
Hitler – um senador americano afirmava já em 1912 que “trade follows films5” –
“o comércio seguirá o cinema”. E ele nem imaginaria o poder da televisão. Os
nazistas experimentaram uma primeira transmissão pública em abril de 1935.
Enquanto isso, o alemão Walter Benjamin examinava o que chamou de “narcisismo
de massa”: o controle dessas mídias pelos poderes totalitários. Mas parece que ele
também não conseguiu avaliar, para além de Freud, a dimensão funcional – em
todos os países, inclusive nos democráticos – das emergentes indústrias culturais.
Por outro lado, Edward Bernays, sobrinho de Freud, teorizou amplamente sobre
o tema. Ele explora as vastas possibilidades de controle daquilo que seu tio já havia
chamado de “economia libidinal”. Bernays estuda o desenvolvimento das relações
públicas e técnicas de persuasão inspiradas pelas teorias do inconsciente que ele
coloca a serviço do fabricante de cigarros Philip Morris em 1930 – enquanto Freud
sente aumentar na Europa a pulsão de morte contra a civilização e pouco se
importava com o que acontecia na América.
Esse também é o caso da atividade dita “de tempo livre” que, dentro da esfera
hiperindustrial, estende-se a todo comportamento human
o compulsivo e mimético do consumidor: tudo deve se transformar em bem de
consumo – educação, cultura e saúde, da mesma forma que roupa e goma de mascar.
Mas a ilusão que se deve ter para alcançar esse objetivo só pode causar frustação,
descrédito e instintos destrutivos. Só na frente da minha TV posso afirmar que me
comporto individualmente, mas a realidade é que faço como centenas de milhares
de espectadores que assistem ao mesmo programa.
Essas últimas também podem ser seleções: não retenho tudo que possa ser
retido9. Dentro do fluxo do que aparece, a consciência trabalha as seleções que são
as próprias retenções: se escuto duas vezes em seguida a mesma música, minha
consciência sobre o objeto muda. E essas seleções se fazem através dos filtros no
qual consistem as retenções secundárias, ou seja, as lembranças das retenções
primárias anteriores, que conservam a memória e que constituem a experiência.
Ruína do narcisismo
As retenções terciárias são as que, tais como o alfabeto, dão suporte ao acesso
dos fundos pré-individuais de toda a individuação psíquica e coletiva. Existem em
todas as sociedades humanas. Condicionam a individuação, como
compartilhamento simbólico que possibilita a exteriorização da experiência
individual através dos vestígios da memória. Quando se tornam industriais, as
retenções terciárias passam a tecnologias de controle que alteram
fundamentalmente a troca simbólica: repousando sobre a oposição dos produtores
e dos consumidores, permitindo a hipersincronização dos tempos das consciências.
Tais consciências tornam-se cada vez mais tramadas pelas mesmas retenções
secundárias e tendem a selecionar as mesmas retenções primárias, e a se parecer
com todos: constatam que não têm mais muitas coisas a dizer e se encontram cada
vez menos. Estão novamente jogados &agr
ave;s suas solidões, diante de suas telas, onde podem de vez em quando se dedicar
ao lazer – isto é, um tempo livre de qualquer coerção.
A questão da singularidade