Alfabetização: Lições Da Fronteira

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ALFABETIZAÇÃO:

Lições da Fronteira
Tamara Cardoso André (Org.)

Cleonice Marçal, Filipe Augusto da Veiga


Nahla Yatim, Soraia Cristina Weidman Baltruk

maça
gato

nuvem
limão
Esta obra é licenciada por uma Licença Creative Commons: Atribuição-Não Comercial-Sem
Derivações 4.0 Internacional - (CC BY-NC-ND 4.0). Os termos desta licença estão disponíveis
em: <https://creativecommons.org/licenses/>.

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)

A385

Alfabetização: lições da fronteira / Tamara Cardoso André (Organizadora). – São


Paulo: Pimenta Cultural, 2023.

Livro em PDF

ISBN 978-65-5939-660-3
DOI 10.31560/pimentacultural/2023.96603

1. Alfabetização. 2. História - Teoria. 3. Literatura. 4. Educação infantil. I. André,


Tamara Cardoso (Organizadora). II. Título.

CDD 370.115

Índice para catálogo sistemático

I. Alfabetização

Janaina Ramos – Bibliotecária – CRB-8/9166


Alfabetização: Lições da Fronteira

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO 02
Tamara Cardoso André

Capítulo 1
Teoria Histórico-Cultural e Alfabetização 04
Tamara Cardoso André

Capítulo 2
O ensino das relações entre letras e sons
no processo de alfabetização e as contribuições
da linguística 10
Tamara Cardoso André

Capítulo 3
Literatura surda e letramento 24
Nahla Yatim e Filipe Augusto da Veiga

Capítulo 4
O cotidiano na educação infantil –
Relato de experiência 29
Cleonice Marçal

Capítulo 5
Alfabetização e musicalidade no
ensino fundamental 37
Soraia Cristina Weidman

Conclusão 52

Referências 53

Anexo 1
Alfabeto ilustrado

Anexo 2
Modelo de atividade
Anexo 3
Caixa do alfabeto
Anexo 4
Lista de livros de literatura infantil de
autoria de Cleonice Marçal
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Alfabetização: Lições da Fronteira

INTRODUÇÃO
Tamara Cardoso André

Precisamos começar afirmando, honestamente, que este livro não é receita


para ensino de qualidade, mas sim reflexão teórica sobre certos elementos
da prática. Sabemos que professoras e professores no Brasil não recebem
o suficiente pelo trabalho que exercem. Segundo relatório da Organização
para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (OCDE), a média sala-
rial docente no Brasil é a mais baixa dentre os quarenta e um países pesqui-
sados pela OCDE (OECD, 2021)1. A média anual do salário docente no Brasil
equivale a menos da metade da média da OCDE. Ou seja, o Brasil investe
pouco em educação. Além disso, a realidade das escolas brasileiras é trans-
passada pela miséria que assola nosso país. Dados do “2º Inquérito Nacio-
nal sobre Insegurança Alimentar no Contexto da Pandemia da Covid-19 no
Brasil” (VIGISAN, 2022) apontam que no ano de 2022 somente quatro (4) de
cada dez (10) domicílios brasileiros apresentavam situação de segurança
alimentar, ou seja, conseguiam manter acesso pleno à alimentação. A pan-
demia no Brasil obrigou que escolas fossem fechadas. Não foi apresentado
pelo governo um programa visando dirimir as desigualdades educacionais,
como, por exemplo, distribuição de cestas básicas para alunos e alunas das
escolas públicas e inclusão digital.

A crueza da realidade pode naufragar ótimas ideias pedagógicas. Como


garantir um bom ensino no interior de cada sala de aula, quando o contex-
to social é precário? Definitivamente, o presente livro não tem respostas. O
objeto aqui não é o conjunto dos problemas políticos que assolam a edu-
cação no país; como as reformas que tiram direitos da classe trabalhadora
e reduzem investimentos do Estado com direitos sociais e as políticas que
privatizam a educação e tentam assemelhar escolas a empresas. O objeto,
muito mais modesto, é a didática da alfabetização. Parte-se do pressuposto
de que fundamentar a prática com a teoria serve para manter um horizonte
pelo qual lutar. Assim, este livro é um horizonte; visto a partir da articulação
entre teoria e experiência em sala de aula.

O primeiro capítulo, de autoria de Tamara Cardoso André, discorre sobre


as contribuições da teoria histórico-cultural para a compreensão do de-
senvolvimento da escrita e da alfabetização. Dando sequência, o segundo
capítulo trata das contribuições da linguística para o processo de ensino e
aprendizagem da leitura e da escrita em contexto de diversidade linguísti-

1 Países com média salarial anual mais da OCDE, em ordem decrescente: Luxemburgo, Alemanha, Suíça, Dinamarca, Espanha, Austrá-
lia, Áustria, Países Baixos, Suécia, Estados Unidos, Islândia, Noruega, Bélgica (Flandres), Finlândia, Canadá, Bélgica (Valônia), Irlanda.
Países cuja média salarial anual é mais baixa que a dos países pesquisados pela OCDE, em ordem decrescente: Portugal, Itália, França,
Nova Zelândia, Coréia, Inglaterra, Japão, Turquia, Eslovênia, México, Lituânia, Estônia, República Checa, Chile, Israel, Colômbia, Grécia,
Hungria, Letônia, República Eslovaca, Costa Rica, Brasil.
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Alfabetização: Lições da Fronteira

ca. Tamara é pedagoga e doutora em educação. Já foi professora de escola


pública na cidade de Porto Alegre, nos anos iniciais do ensino fundamen-
tal, em classes de alfabetização. Posteriormente, tornou-se professora na
Universidade Estadual do Oeste do Paraná (Unioeste), situada na cidade de
Foz do Iguaçu, onde realiza pesquisas sobre alfabetização no contexto de
fronteira nos programas de pós-graduação stricto sensu em Ensino e em
Sociedade, Cultura e Fronteira.

A discussão sobre alfabetização em contexto de diversidade linguística re-


quer compreender o acesso da leitura e da escrita pelas pessoas surdas.
Diante dessa necessidade, o terceiro capítulo discute a importância da lite-
ratura surda no processo de letramento de estudantes surdos. O artigo foi
produzido por Nahla Yatim e Filipe Augusto da Veiga. Nahla Yatim é pro-
fessora universitária de Língua Brasileira de Sinais (Libras), graduada em
Letras Libras e mestra em Estudos da Tradução pela Universidade Federal,
ambas as formações obtidas na Universidade Federal de Santa Catarina
(UFSC). Filipe Augusto da Veiga é professor universitário de Libras, formado
em Letras Libras pela UFSC e especialista em Libras pela Unicentro.

O quarto capítulo traz um relato teórico e prático sobre a inserção da litera-


tura na organização do espaço e do tempo na educação infantil. A autora,
Cleonice Marçal, é professora de um Centro Municipal de Educação Infantil
de Foz do Iguaçu, escritora de literatura infantil e mestre em Ensino pela
Universidade Estadual do Oeste do Paraná.

Na mesma linha de relato de experiência, o quinto capítulo contribui para a


reflexão sobre a importância da música, da musicalidade e da oralidade no
processo de alfabetização. A autora, Soraia Cristina Weidman Baltruk, é pia-
nista formada em música, pedagoga e professora de ensino fundamental
da rede municipal de Foz do Iguaçu.

As autoras e o autor deste livro têm em comum a experiência de ensino de


língua em contexto de fronteira, pois vivem em Foz do Iguaçu, cidade bra-
sileira que forma tríplice fronteira com Paraguai e Argentina. Tal contexto
acarreta em especificidades relativas ao maior trânsito de pessoas falantes
de espanhol e guarani. Entretanto, a diversidade linguística é uma caracte-
rística do Brasil, conforme será observado ao longo do livro. A localização
geográfica na fronteira apenas ajuda no que tange à reflexão teórica sobre
a prática da alfabetização em contexto de diversidade linguística, preocu-
pação que permeia o presente livro.

Assim, o presente livro é destinado principalmente a professoras e pro-


fessores que alfabetizam. Trata-se de uma síntese dos fundamentos da
alfabetização que sustentaram práticas pedagógicas. As contribuições da
linguística para a alfabetização, a pedagogia das variações linguísticas e a
teoria histórico-cultural são alguns dos fundamentos que sustentam os ar-
gumentos expostos.
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Alfabetização: Lições da Fronteira

CAPÍTULO 1

TEORIA HISTÓRICO-CULTURAL
E ALFABETIZAÇÃO
Tamara Cardoso André

A teoria histórico-cultural sucita reflexões e hipóteses sobre o desenvolvi-


mento da escrita. Alexei Leontiev (1903-1979), Alexander Luria (1902-1977),
Daniil Elkonin (1904-1984) e Vasily Vasilovich Davydov (1930-1998) são al-
guns dos pesquisadores russos que trabalharam no desenvolvimento da
teoria histórico-cultural, legado do psicólogo russo Lev Vygotsky (1896-
1934). Segundo Rubtsov (2016), ao longo dos anos a teoria histórico-cultural,
desenvolvida originalmente por Vygotsky, foi gradativamente sendo am-
pliada e modificada por seus seguidores.

Pode-se inferir dos escritos de Vygotsky, principalmente sobre o desenvol-


vimento das funções psicológicas superiores (1931/2000), que seu método
se sustenta em cinco princípios:

1. Pessoas se diferenciam de animais porque são capazes de transformar o meio e a si, o


que fazem por meio do trabalho, necessário à garantia da subsistência humana. Este
processo de trabalho transformador desenvolve as funções psicológicas superiores,
que são os instrumentos internos e externos utilizados para a realização de atividades.
Atenção, memorização e percepção são funções psicológicas superiores internas. Por
sua vez, a capacidade de ler e escrever é função psicológica superior interna e externa.

2. Cada função psicológica superior precisa ser compreendida a partir de análise históri-
ca, considerando a história do indivíduo e da humanidade, o que requer entender, por
exemplo, como a criança aprende a escrever e, também, como a escrita foi historica-
mente desenvolvida pela humanidade.

3. As funções psicológicas superiores também precisam ser estudadas considerando-se


as contradições e interrupções, ou seja, como se desenvolvem em indivíduos que apre-
sentam alguma deficiência.

4. As análises são feitas a partir de uma unidade indivisível, que contenha em si todas
as propriedades da totalidade. Por exemplo, estuda-se a capacidade de memorização
para compreender a psicologia humana. O objeto de análise, como a memorização, não
é estudado de modo estático, mas sim dinâmico, investigando-se seu desenvolvimen-
to e história. Assim, a abordagem de Vygotsky é dialética porque busca a história e as
mudanças de cada objeto de análise.

5. Nessa perspectiva, é importante investigar a relação entre ambiente e desenvolvimen-


to. Segundo Vygotsky (1935/1994), durante o processo de desenvolvimento infantil o
ambiente passa por mudanças graduais e se torna mais amplo. Em cada idade escolar
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CAPÍTULO 1 Alfabetização: Lições da Fronteira

o ambiente é organizado de modo diferente. Mesmo que o ambiente não mude de fato,
o desenvolvimento biológico, mental e psicológico da criança permite novos significa-
dos para o mesmo ambiente.

6. Tudo que um indivíduo é capaz de fazer com ajuda externa pode ser seu próximo está-
gio de desenvolvimento. No método histórico-cultural pode-se observar a forma como
os problemas são resolvidos com mediação, visando determinar a “Zona de Desenvo-
mento Próximo”, que é tudo aquilo que um indivíduo não é capaz fazer sozinho, mas
pode realizar com mediação e ajuda externa. Assim, a criança que consegue ler uma
palavra com ajuda de uma pessoa que já saiba ler e lhe informe os sons de cada letra,
provavelmente será capaz de, em breve, aprender a ler com autonomia.

Do processo da Zona de Desenvolvimento Próximo infere-se que as intera-


ções e o meio são importantes fatores do desenvolvimento. Segundo Vere-
sov (2016), o fator essencial que explica a influência do ambiente no desen-
volvimento psicológico da criança é a experiência emocional, que Vygotsky
denominou “perezhivanie”, termo russo sem tradução para o português. A
perezhivanie explica como as crianças são influenciadas pelo ambiente e
suas próprias experiências de vida, considerando-se que os mesmos even-
tos e ambientes podem ser apropriados e internalizados de modo diferente
em cada pessoa, pois as reações individuais são singulares. Sendo assim, a
Perezhivanie é um conceito que permite levar em conta as relações entre as
experiências emocionais e o meio, ou contexto social.

No que se refere à escrita, pode se afirmar que, por viver em um ambiente


repleto de interações escritas, em uma sociedade letrada, a criança é capaz
de entender o que é ler e escrever antes mesmo de ser alfabetizada. Nesse
sentido, Luria (1928) criou um experimento para investigar o desenvolvi-
mento da escrita por crianças, utilizando, para isso, o método experimental.
O método experimental, no caso em questão, fundamentou-se na criação
de situações que permitiram observar como indivíduos resolvem proble-
mas específicos.

O experimento consistiu em pedir para que crianças não alfabetizadas rea-


lizassem a tarefa de lembrar de um grande número de enunciados, incen-
tivando-as a grafá-los no papel do modo que lhes fosse possível. Para isso,
Luria deu a cada criança uma folha de papel e a tarefa de anotar os enuncia-
dos apresentados. A partir do experimento, o autor descobriu três fases no
desenvolvimento da escrita.

1. Fase dos rabiscos, pré-escrita ou pré-instrumental: as crianças não conseguem usar a


escrita como ferramenta e significado para registrar enunciados.

2. Fase topográfica: as crianças criam um sistema de memória técnica, usando marcas


topográficas representando números de elementos e suas relações, os quais ajudam
na memorização.
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CAPÍTULO 1 Alfabetização: Lições da Fronteira

3. Rudimentos da alfabetização: as crianças passam a utilizar dispositivos simbólicos,


que ajudam no processo de memorização.

Luria concluiu que a história da escrita no desenvolvimento infantil começa


antes do aprendizado das letras. Antes de dar sentido à escrita, as crianças
podem elaborar métodos primitivos, usando dispositivos simbólicos para
simplificar o ato de gravar. Portanto, a função mnemônica seria a pré-histó-
ria da escrita no desenvolvimento infantil.

Vygotsky (1931/2000) também afirma que a função mnemônica originou a


escrita na história da humanidade. Segundo o autor, a compreensão de que
coisas podem ser usadas para representar outras coisas é tão importante
na pré-história da escrita quanto no desenvolvimento da escrita pela crian-
ça. Disso decorre que são importantes, para o desenvolvimento infantil da
escrita, todas as formas de representação, como gestos, desenhos e jogos.
Portanto, jogos, brincadeiras e atividades de representação contribuem
para o desenvolvimento da escrita.

Segundo Elkonin (1976/2009), o desenvolvimento da atividade de brincar


não ocorre de forma espontânea, mas é influenciado pela educação e inte-
rações sociais. Portanto, o desenvolvimento da escrita é precedido por todas
as formas de representação envolvendo desenhar e brincar. Tais atividades
representativas são aprendidas socialmente, sendo a escola um ambiente
privilegiado para isso. Mas a escrita em si é também uma forma de repre-
sentação, pois trata-se de um sistema gráfico que representa a fala.

No entanto, Vygotsky (1931/2000) afirma que a escrita é mais do que um


sistema mnemônico. A escrita é uma forma de linguagem e exerce papel
importante na cultura humana, possibilitando diversas interações e ativi-
dades, como enviar mensagens de texto e comunicar-se com as pessoas
para obter informações e prazer. A aprendizagem da escrita não ocorre
como mera atividade motora que requer apenas reconhecimento e imita-
ção de letras. A escrita é linguagem, função cultural e sistema de signos e
instrumentos. É graças ao uso planejado de instrumentos na realização de
atividades que as pessoas transformam seus ambientes e a si. A escrita é
um desses instrumentos. O desenvolvimento da escrita é mediado por fun-
ções psicológicas superiores especiais, que são capacidades internas hu-
manas, como a memória e a percepção, mas, além disso, a escrita amplia as
possibilidades de interação e atividade humana. A representação, ou seja,
a capacidade de entender que uma coisa pode ser representada por outra,
da mesma forma como letras representam sons, é uma importante função a
ser desenvolvida previamente ao processo de alfabetização. Para Vygotsky
(1931/2000), a primeira forma de escrita desenvolvida pela criança é o gesto
de apontar para obter um objeto. O gesto é uma forma de escrita no ar. A
criança inicialmente se projeta em direção ao objeto que deseja. O outro,
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CAPÍTULO 1 Alfabetização: Lições da Fronteira

ao alcançar o objeto para a criança, contribui para a internalização do sig-


nificado do ato de apontar, ou seja, para a compreensão de que se trata de
atividade voltada a atingir determinado objetivo. Portanto, segundo a Teoria
Histórico-Cultural a aprendizagem ocorre a partir da interação, que se dire-
ciona do significado atibuido junto com o outro (processo interpsicológico)
para a internalização de determinado conhecimento (processo intrapsico-
lógico).

A escola é o principal ambiente onde ocorre a transmissão da escrita para


as crianças. Delacroix (1926 apud L. S. Vygotsky 1931/2000) argumenta que a
peculiaridade do sistema de escrita é o fato de representar primeiro os sons
das palavras, antes de indicar o significado. A compreensão de que a escrita
representa sons requer capacidade representacional, cujo desenvolvimen-
to se dá por meio do brincar, do desenho e do gesto.

Vygotsky sugere que o ensino na escola seja mediado por brincadeiras e


atividades que façam as crianças sentirem necessidade de aprender a ler e
escrever, evitando treinos de escrita mecânica sem nenhum sentido. O au-
tor critica a pedagoga italiana Maria Montessori, cuja abordagem considera
concentrar-se apenas no desenvolvimento motor da escrita. Em sua pes-
quisa sobre a relação entre pensamento e linguagem, Vygotsky (1933/1983)
sugere a importância da leitura silenciosa. Numa primeira fase do desen-
volvimento da escrita, a pessoa em início do processo de alfabetizçação
pensa nos sons das letras antes de compreender o significado da escrita. A
leitura silenciosa ajuda a ler com fluência, ascendendo mais diretamente ao
significado e possibilitando a libertação da necessidade de repetir mental-
mente os sons das letras.

Assim, da teoria histórico-cultural pode-se inferir algumas recomendações


de atividades que contribuem para a aprendizagem e o ensino da leitura e
da escrita.

Atividades envolvendo gesto, desenho e jogo

A escrita é uma forma de representação. Assim, a criança precisa entender que coisas
podem ser usadas para representar outras coisas, a fim de que possa entender o meca-
nismo da leitura e da escrita.

Nessa perspectiva, são ideias de atividades que podem ser realizadas: ilustrar uma his-
tória, poema ou sentença dita por outra pessoa; representar profissões, animais ou ou-
tras coisas por meio de mímica, para que a turma adivinhe o significado; brincar e re-
presentar utilizando fantoches ou dedoches; assistir representações teatrais; construir
cenários e personagens utilizando material reciclado.
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CAPÍTULO 1 Alfabetização: Lições da Fronteira

Atividades que simulem situações reais


do uso da leitura e da escrita

A escrita é necessária nas culturas letradas, razão pela qual o engajamento da criança
no processo de alfabetização requer que sinta necessidade de ler e escrever, o que pode
começar desde a educação infantil, por meio do contato com a diversidade de gêneros.

Segundo Bakhtin (1953/2003) gêneros são formas relativamente estáveis de


enunciados, utilizados nas interações. Os gêneros do discurso podem ser
orais ou escritos e suas variedades são infindáveis. Os gêneros primários do
discurso são mais simples, trazendo marcas da oralidade. Os gêneros se-
cundários são mais complexos e aparecem em contexos culturais que exi-
gem maior domínio de regras. Cada gênero tem certas características que
podem ser destacadas. Por exemplo, uma mensagem em rede social pode
ser mais simples, escrita de modo coloquial, geralmente sendo aceitável
que contenha erros de digitação. A carta, por seu turno, exige certas regras,
como a presença de um cabeçalho contendo a cidade de onde foi remetida
e a data, dados do destinatário, assunto, saudações, corpo, despedida e as-
sinatura. Embora a carta seja geralmente um gênero mais secundário, pode
conter características de gênero primário, como, por exemplo, uma forma
mais coloquial.

Os gêneros se incluem em uma pedagogia que considera a necessidade do


letramento, que seria, segundo Soares (2001), a capacidade de incorporar a
leitura e a escrita nas práticas sociais da sociedade letrada. Não necessa-
riamente o indivíduo precisa estar alfabetizado para apresentar conheci-
mentos letrados. Caprino, Pessoni e Aparício (2013) afirmam a necessidade
de que a escola traga para as aulas o virtual e o cibercultural, por meio de
textos digitais, a fim de abordar os multiletramentos. Chats, entrevistas em
meio virtual, posts de redes sociais e e-mails são exemplos de textos virtu-
ais que precisam ser ensinados na escola.

Considerando-se que na perspectiva da Teoria Histórico-Cultural o proces-


so de apropriação da escrita requer a necessidade de ler e escrever, não
basta o ensino das características de cada gênero. O mais importante é en-
volver estudantes em situações de interação, como, por exemplo:

1. Interagir por meio de cartas, bilhetes e mensagens em redes sociais;


2. Fruir e sentir prazer com textos literários;
3. Ler notícias, artigos, textos instrucionais, reportagens e entrevistas para sanar dúvidas,
obter conhecimentos e informações;
4. Escrever para expressar ideias;
5. Produzir jornal mural na escola;
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CAPÍTULO 1 Alfabetização: Lições da Fronteira

6. Organizar um canto de leitura na sala de aula;


7. Manter a hora da leitura em voz alta para a turma como parte da rotina escolar;
8. Realizar pesquisas coletivas;
9. Aproveitar festas da escola para escrever convites e divulgações em redes sociais.
10. É preciso considerar que estudantes necessitam de boas experiências envolvendo lei-
tura e escrita, o que pode ser feito a partir de alguma atividades:
11. Ouvir leitura em voz alta de poemas e livros de literatura infantil;
12. Participar de brincadeiras e contação de histórias em bibliotecas;
13. Visitar feiras de livros;
14. Ler jornais, revistas e histórias em quadrinhos.

Entende-se, aqui, que o ensino sistemático das relações entre letras e sons
no processo de alfabetização precisa ocorrer apenas quando estudantes
tiverem consciência sobre o que é ler e escrever. Entretanto, existem pes-
soas que, a despeito de terem desenvolvido capacidade de representação
e compreensão sobre a importância da leitura e da escrita, não conseguem
completar o processo de alfabetização, devido à falta de domínio das rela-
ções entre letras e sons.

Conclusões sobre as contribuições da Teoria Histórico-Cultural para a


compreensão do processo de ensino da leitura e da escrita

As pesquisas de Luria e Vygotsky ajudam a concluir sobre a importância da


atividade representativa para a aprendizagem da leitura e da escrita, razão
pela qual o gesto, o desenho e o jogo devem fazer parte do cotidiano desde a
mais tenra infância. Além disso, o ensino da leitura e da escrita é facilitado
quando precedido da necessidade de envolvimento em interações na socieda-
de letrada. De tais pressupostos se infere que a alfabetização tem seu início na
educação infantil, não necessariamente no que tange ao ensino das relações
entre letras e sons, mas, sobretudo, no desenvolvimento da capacidade de re-
presentação e compreensão das funções sociais da escrita. Depreende-se da
teoria de Vygotsky a importância do ensino das relações entre letras e sons
para o processo de aprendizagem da escrita, temática do próximo capítulo.
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Alfabetização: Lições da Fronteira

CAPÍTULO 2

O ENSINO DAS RELAÇÕES ENTRE


LETRAS E SONS NO PROCESSO DE
ALFABETIZAÇÃO E AS CONTRIBUIÇÕES
DA LINGUÍSTICA
Tamara Cardoso André

Alfabetizadoras e alfabetizadores sabem da importância de ensinar o alfa-


beto e os sons e nomes das letras. Existe uma divergência, entretanto, sobre
a forma mais efetiva de ensinar o domínio do sistema de escrita, se pela
apresentação das sílabas ou dos sons das letras isoladamente.

Defende-se, aqui, que o ensino parta do pressuposto das características do


sistema alfabético de escrita, no qual cada letra ou dígrafo representam um
som, em acordo com a perspectiva de Cagliari. Ou seja, saber os sons que
podem ser representados por cada uma das letras do alfabeto, ou dígrafo,
possibilita decodificar qualquer texto.

No entanto, vale mais uma vez lembrar o primeiro capítulo deste livro. Nem
sempre a codificação de sons em letras e a decodificação de letras em sons
provocam a aprendizagem da leitura e da escrita. Se a pessoa for ensinada
apenas a codificar e a decodificar, sem entender os sentidos da leitura e da
escrita, poderá vir a não compreender aquilo que lê.

Por outro lado, também pode ocorrer de a pessoa entender que a leitu-
ra serve para o prazer, para a aquisição de informações e para a interação
em uma sociedade letrada, e, ainda assim, não aprender a ler e escrever,
devido a problemas relativos ao domínio do código. O objetivo deste capí-
tulo não é esgotar todas as dificuldades que podem ocorrer no processo de
alfabetização, mas sim refletir sobre os desafios impostos pela diversidade
linguística.

Várias pesquisas têm mostrado que o Brasil não é um país monolíngue. Po-
demos citar os trabalhos de Bortoni-Ricardo (2003), Cavalcanti (1999), Save-
dra e Lagares (2012) e Santos (2017).

Santos (2017) afirma que o termo “superdiversidade”, cunhado por Vertotec


(2007), ajudar a entender que a diversidade não é um problema a ser resol-
vido, mas sim uma característica do mundo globalizado, onde as tecnolo-
gias ajudam a romper fronteiras culturais e linguísticas.
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CAPÍTULO 2 Alfabetização: Lições da Fronteira

Apesar da diversidade, o português é a língua oficial da República Fede-


rativa do Brasil, de acordo com a Constituição Federal de 1988. A língua
brasileira de sinais, utilizada pelas pessoas surdas, foi reconhecida pela lei
10.436/2002 e pelo decreto 5.626/2005, devendo ser utilizada em institui-
ções públicas, como hospitais e escolas. Existem, no entanto, outras línguas
faladas no Brasil, conforme mostra o Guia Nacional de Línguas produzido
pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN, 2016). O
guia do IPHAN registra mais de 100 línguas no Brasil, divididas em línguas
de imigrantes, línguas crioulas, línguas indígenas, línguas afro-brasileiras
e línguas de sinais.

Na fronteira a diversidade é inevitável. O contato entre português e espa-


nhol nas escolas brasileiras demanda práticas específicas, pois ambas são
línguas irmãs, ou seja, resultantes de diferentes evoluções de uma língua
materna. (J. DUBÔIS, M. GIACOMO, L. GUESPIN, J. B. MARCELLESI & J. P.
MEVEL, 1973). Português e espanhol são as línguas irmãs latinas mais se-
melhantes. Há frases inteiramente iguais tanto em espanhol como em por-
tuguês (A. NASCENTES, 1936). Fortes, Tallei, Camargo, Oliveira, Pessini, Fon-
seca e Murakami (2021, p. 968) afirmam a existência do “Portunhol” como
“espaço de enunciação fronteiriço Brasil, Paraguai”.

Abstraindo das línguas de fronteira, e das línguas autóctones, é preciso con-


siderar as variações linguísticas de uma mesma língua. Sobre esse assunto,
Barbosa (2015) explica que os padrões normativos são fixações artificiais,
pois todas as línguas apresentam variações. O autor propõe uma pedagogia
que leve isso em conta: a pedagogia da variação linguística. Ao pesquisar o
cotidiano das aulas em uma classe de alfabetização, André (2014) presen-
ciou várias diferentes pronúncias de sons das letras pelas crianças enquan-
to a professora ensinava o alfabeto. Em certa ocasião, um aluno repetida-
mente pronunciava o som /z/ aludindo à letra J. O estudo foi realizado na
cidade brasileira de Foz do Iguaçu, situada na fronteira com a Argentina e o
Paraguai e sugere a importância de considerar as variações linguísticas no
processo de alfabetização.

Como afirma Faraco (2016), uma palavra só tem uma grafia, mas as pronún-
cias são diversas. Para facilitar o processo de alfabetização, é preciso pro-
blematizar tal relação com quem está em processo de alfabetização.

Bagno (2007, 2014) afirma que a “norma padrão”, aquela correspondente ao


exposto nas gramáticas normativas, é uma criação artificial, que não cor-
responde às diversas formas de falar. Segundo o autor, a não aceitação so-
cial de certas variantes da língua portuguesa se constitui como preconcei-
to linguístico. São justamente as formas de falar das classes sociais mais
desfavorecidas que não são aceitas socialmente. Nem mesmo as pessoas
consideradas cultas dominam o que é determinado como norma padrão.
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11
CAPÍTULO 2 Alfabetização: Lições da Fronteira

Portanto, o preconceito linguístico expressa, na verdade, um preconceito


social. O modelo idealizado de língua correta é a norma padrão, que não
corresponde a nenhuma variedade de fala autêntica, mas apenas às nor-
mativas contidas nas gramáticas. A fala culta, por sua vez, é aquela do fa-
lante com mais prestígio socioeconômico, que, embora não corresponda
exatamente às normas gramaticais padronizadas, é aceita socialmente.
Bagno representa o ideário da sociolinguística, segundo o qual a não acei-
tação das formas linguísticas das classes menos abastadas ocorre devido
ao preconceito social.

Porém, certos distanciamentos da norma padrão na fala podem dificultar o


processo de alfabetização, conforme sugerem os estudos de André (2014).
Para que a criança possa aprender a letra J, é preciso que observe seu som e
emprego correto. É relativamente fácil explicar para uma criança que onde
empregamos a letra E podemos, por vezes, pronunciar o som representado
pela letra I, por exemplo, no final da palavra ONDE. O mesmo ocorre com a
letra O, utilizada onde muitas vezes lemos como sendo U. No entanto, nas
falas mais afastadas da norma padrão, podem ocorrer maiores dificuldades,
como no caso do aluno que empregava o som /z/ no lugar de /j/, e que
falava ZACARÉ, ao invés de JACARÉ. A pedagogia precisa considerar tais
variações linguísticas.

Bortoni-Ricardo (2003) diferencia estilo coloquial e monitorado. O estilo co-


loquial é aquele que se distancia mais das regras padronizadas. Por seu tur-
no, nos estilos mais monitorados, há um maior planejamento da expressão.

Os estudos de Bortoni-Ricardo (2003) sugerem que, em contextos educa-


tivos nos quais se busca o ensino de estilos mais monitorados da língua, é
necessária uma pedagogia culturalmente sensível. O termo “culturalmente
sensível” foi proposto por Erickson (1989) e significa pautar as interações
na compreensão do outro. Bortoni-Ricardo (2003) propõe que tais intera-
ções ocorram por meio de andaimes, conforme proposta de Bruner (1983).
Nessa perspectiva, quem ensina deve ajudar as crianças a desenvolverem a
aprendizagem da língua, o que pode ser feito de diversas formas:

1. Repetindo o uso adequado das palavras que as crianças pronunciam em desacordo


com a norma;

2. Facilitando o emprego de determinada palavra;

3. Promovendo as interações entre pares;

4. Incentivando o encontro de termos mais adequados para expressar determinada ideia;

5. Mostrando as diferenças entre estilos mais monitorados e coloquiais de fala;

6. Expressando as substituições possíveis;

7. Fornecendo modelos em língua padrão.


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12
CAPÍTULO 2 Alfabetização: Lições da Fronteira

Embora seja possível exercer uma andaimagem, levando crianças ao do-


mínio dos estilos mais monitorados, para que a alfabetização proceda de
uma forma mais tranquila, é preciso lembrar que uma criança só pode ser
alfabetizada na sua língua materna, como indica Cagliari (2003). Segundo o
autor, para ser alfabetizada, a criança precisa conhecer a língua na qual são
escritas as palavras. No entanto, o que dizer das crianças bilingues?

Em seu tempo, Vygotsky (2000/1931) já havia percebido a importância de


escolas bilingues. Além disso, o autor também trouxe importantes contri-
buições para a compreensão dos processos de aprendizagem das crian-
ças surdas e cegas, as quais são válidas ainda hoje. Vygotsky (2000/1931)
admite que aprender a ler e a escrever pelo sistema alfabético requer ver e
ouvir, pois as letras são visuais e representam sons. Por isso, o autor afirma
que cegos e surdos precisam de outra forma de desenvolver a escrita, uma
via colateral. O sistema Braille, adequado ao ensino das pessoas cegas, usa
pontos em relevos que podem ser lidos pelos dedos. Por seu turno, os sur-
dos podem aprender a escrever por meio da língua de sinais. Tais premissas
do autor ainda são importantes, ainda que produzidas no século XX.

A diversidade linguística mostra o quanto podem ser ineficazes as receitas


prontas para o ensino da leitura e da escrita. Os contextos são diferencia-
dos, o que exige abordagens diferenciadas. A adoção rígida de um método,
desprovida da compreensão dos fundamentos da alfabetização, pode con-
dicionar quem ensina a não prestar atenção nas interações em sala de aula
e nas relações entre fala e escrita. Os princípios da linguística podem ajudar
no melhor entendimento sobre o processo de alfabetização.

Ou seja, o ensino das relações entre letras e sons é importante no processo


de alfabetização. Entretanto, tal premissa não implica na necessidade de
adoção de livros didáticos, cartilhas e receitas prontas, pois a padronização
não combina com a diversidade. Quem ensina, ou já ensinou, sabe que po-
dem coexistir diferenças em uma mesma sala de aula, inclusive linguísticas,
por exemplo, relativas às pronúncias. Vale reiterar: é pouco provável que se
consiga alfabetizar uma pessoa em idioma que ela não domine. Conhecer a
língua na qual são escritas as palavras é condição inalienável do processo
de alfabetização, de onde advém a importância das escolas bilíngues, onde
as crianças imigrantes ou indígenas possam ser alfabetizadas em língua
materna. No entanto, há variantes dentro de um mesmo idioma que devem
ser consideradas. Por exemplo, há crianças que não pronunciam o som /R/,
conforme a variante culta da palavra RATO.

Segundo Faraco (2016), a escrita não é transcrição literal da fala. Algumas


crianças podem sentir dificuldade de compreensão leitora justamente por-
que a escrtia se difere da fala. Por exemplo, escrevemos OITO com O no
final, mas, geralmente, pronunciamos um U, /oi’tu/.
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13
CAPÍTULO 2 Alfabetização: Lições da Fronteira

Quando se criou o sistema gráfico da língua portuguesa, certa variedade da


língua foi tomada como referência. Por esse motivo, existe proximidade en-
tre a grafia e algumas pronúncias. Essa proximidade é relativa, de um lado
devido à memória etimológica do sistema, e, de outro, porque as formas
de pronunciar se alteram ao longo do tempo, enquanto a grafia se mantém
mais constante. Nas relações biunívocas entre letras e sons há uma corres-
pondência entre unidade sonora e unidade gráfica. A unidade gráfica só
representa uma unidade sonora e a unidade sonora só é representada por
uma unidade gráfica. Trata-­se do caso da relação entre a letra P e o som /p/.

Nas relações cruzadas uma unidade sonora tem mais de uma representa-
ção gráfica possível, ou uma unidade gráfica representa mais de uma uni-
dade sonora. Entretanto, no que se refere à fala, nem mesmo as relações
biunívocas são simples. Na sala de aula, cabe repetir, diferentes formas de
falar podem coexistir. Por exemplo, há quem troque o som /b/ pelo som /p/
. Por isso, quem alfabetiza não pode se pautar apenas em normas de orto-
grafia. É preciso prever as dificuldades prestando atenção ao modo como
as pessoas em processo de alfabetização falam.

O modo de falar pode influenciar na compreensão do emprego do alfabeto


na escrita das palavras. A alfabetizadora, ou o alfabetizador, que compreen-
der as relações entre fala e escrita, poderá intervir melhor diante das difi-
culdades que surgem na escrita para todos os usuários do mesmo idioma.
A leitura de textos mais significativos pode ser um importante meio de le-
var aprendizes a compreenderem as relações entre letras e sons. Entretanto,
nem toda leitura pode ser compreendida pelo contexto. Por exemplo, se a
palavra “PEIXE” estiver escrita seguida do desenho do peixe, ou em um tex-
to de fácil compreensão, quem costuma trocar o /b/ pelo /p/ poderá inferir o
sentido. No entanto, quem faz muitas trocas poderá apresentar dificuldades
na leitura de textos maiores, o que inclusive servirá, potencialmente, como
um desestímulo à leitura. Pessoas que se tornam demasiado dependentes
do contexto para obterem a compreensão leitora provavelmente enfrentarão
maiores dificuldades quando estiverem diante de textos mais afastados da
oralidade ou desacompanhados de ilustrações.

Após aprender os possíveis sons de cada uma das 26 letras do alfabeto, a


norma de que antes das letras P e B emprega­-se apenas M, por exemplo,
torna-­se contextual. Mas a regra da relação entre a letra P e seu som pode
ser arbitrária para alfabetizandos que, na fala, empregam o som /p/ em
palavras que são ditas na língua culta com o som /b/ e são escritas com
a letra B. Existe uma única forma de escrever e várias formas de falar, o
que complexifica o ensino das relações entre letras e sons. Nem mesmo a
fala de acordo com as normas padronizadas nos tratados de gramática têm
correspondência 100% biunívoca na escrita. Por essas razões é que defen-
de-se, aqui, que a aprendizagem da língua culta na fala provavelmente
tornará mais acessível o código escrito.
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14
CAPÍTULO 2 Alfabetização: Lições da Fronteira

Entretanto, não se pode esquecer que na fala padrão, ou mesmo na fala cul-
ta, as relações entre certas letras e seus sons são biunívocas ou contextu-
ais. Segundo Bresson (2009) , nossa escrita se baseia no alfabeto e constitui
uma codificação da linguagem oral. A aquisição de uma língua no curso
dos primeiros meses de vida implica o contato com a palavra do outro,
mas não precisa ser explicitamente organizada e dirigida. Em relação à
leitura e à escrita não ocorre o mesmo. O simples contato com o escrito
não é suficiente para transmitir a leitura e a escrita, que não podem ser ad-
quiridas por procedimento instantâneo. O problema da escrita alfabética,
que tem mais sons do que letras para representá-­los, é diferente que o
problema da escrita silábica, que comporta várias centenas de grafismos.
A escrita alfabética codifica os sons da língua. Não são os grafismos que
portam o sentido da escrita, mas a língua que eles codificam. A dificulda-
de do ensino e da aprendizagem da escrita alfabética é que há mais sons
do que grafismos para representá-­los. Mesmo assim, há sons que podem
ser representados por mais de um grafismo, assim como há grafismos que
representam mais de um som. O conhecimento inicial da língua materna
por cada indivíduo é oral, de modo que o saber pode apoiar-­se em som e
sentido. Ao falarmos e compreendermos, operamos com som e sentido. Na
escrita operamos com grafismo, som e sentido.

A escrita é pouco natural, de modo que sua aquisição requer ensino siste-
mático. Por essa razão, defende-se, aqui, que quando o alfabetizando apre-
senta fala demasiadamente distante da escrita, de modo que as relações
biunívocas e contextuais se tornem arbitrárias, torna-se necessário o ensi-
no da norma culta na fala, a fim de que a compreensão leitora seja facilitada.

O ensino da fala culta, na perspectiva que aqui se defende, deve ocorrer


quando o aprendiz troca, na fala, sons cujas relações com as letras que os
representam na escrita sejam biunívocas ou contextuais em relação à lín-
gua culta. Nesses casos, o ensino da fala deve ocorrer simultaneamente ou
mesmo preceder o ensino da leitura e da escrita. Assim, se é lícito ensinar
que se escreve ONDE, mas se diz ONDI, uma vez que a letra E representa
os sons /e/ e /i/, o mesmo não se pode dizer, por exemplo, do P e do B. O
que se escreve com a letra P se diz com o som /p/ e o que se escreve com a
letra B se diz com o som /b/. A escola é o lugar privilegiado para o ensino
da escrita e da língua culta. O não ensino da língua culta na fala pode acar-
retar dificuldades na aprendizagem da leitura e da escrita, uma vez que a
maior distância entre fala e escrita torna mais numerosa a ocorrência de ar-
bitrariedades do sistema de escrita para alfabetizandos. Assim, alfabetizar
requer diferenciar as relações biunívocas e contextuais entre letras e sons, a
fim de realizar interações que permitam dirimir as dificuldades.

Importante partir da leitura na alfabetização inicial, e não da escrita. É o en-


sino dos sons das letras, e não os exercícios de ortografia, que desenvolverá
a capacidade leitora.
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CAPÍTULO 2 Alfabetização: Lições da Fronteira

Segue abaixo quadros sintetizando, com a utilização de símbolos para


transcrição fonética do Alfabeto Fonético Internacional, as relações biuní-
vocas e cruzadas entre letras e sons. O objetivo não é tratar do ensino da or-
tografia, mas sim da leitura e da escrita no processo inicial da alfabetização.
No que se refere ao ensino da ortografia ocorrem diversas arbitrariedades,
como o emprego do H em início da palavra e o emprego do S ou do Z entre
vogais. As letras D e T podem ser consideradas biunívocas, apesar de terem
dois sons possíveis.

QUADRO 1 • Relações Biunívocas

Letras B D F M N P T V
Sons /b/ /d/ /f/ /m/ /n/ /p/ /t/ /v/
BOLA DADO FOCA MAR NADA PÉ TUDO VIDA
/dᴣ/ /tʃ/
DIA TIA
Fonte: Quadro sinóptico elaborado pela autora a partir do trabalho de Cagliari (2008)

QUADRO 2 • Vogais

A E I O U
/a/ /e/ /i/ /o/ /u/
AMOR ELE ILHA OVO UVA
/ã/ /З/ /ĩ/ /u/ /ũ/
ANA ELA INFÂNCIA OVO UM
/i/ /Ͻ/
ONDE OVOS
/ē/ /õ/
ENSINO ONTEM
Fonte: Quadro sinóptico elaborado pela autora a partir do trabalho de Cagliari (2008)

QUADRO 3 • Relações Cruzadas

C G J L R S X Z H
/k/ /g/ /ᴣ/ /l/ /R/ /s/ /ʃ/ /z/ H
CASA GATO JEITO LUA RUA SAPO XALE ZEBRA MUDO
/c/ /ᴣ/ /u/ /r/ /z/ /ks/ /s/ NH
CEDO GENTE SOL CARO CASA TÁXI PAZ /ŋ/
/x/ /z/ NHOQUE
MAR EXEMPLO LH
(carioca) /s/ /ʎ/
/ɹ/ TEXTO OLHO
GIRL /ʃ/
PERTO CHUVA
(caipira)

Fonte: Quadro sinóptico elaborado pela autora a partir do trabalho de Cagliari (2008)

Segundo Blanche-Benevides (2004) o Alfabeto Fonético Internacional tem


o objetivo de representar cada unidade sonora com um sinal gráfico. Este
tipo de alfabeto certamente não deve ser ensinado no processo de alfabe-
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16
CAPÍTULO 2 Alfabetização: Lições da Fronteira

tização. Seu emprego, aqui, é para ajudar professoras e professores na re-


flexão sobre as relações entre letras e sons, a fim de que possam melhor
observar como falam os alunos e alunas e prestar ajuda mais qualificada no
processo de ensino. Antes de ensinar os sons que as letras representam é
importante observar como o aluno fala. Embora se possa afirmar aos es-
tudantes que se diz OVU com U mas se escreve OVO com O, o mesmo não
ocorre com outros tipos de relações. Não ensinar a falar de modo mais
aproximado da norma culta pode criar dificuldades a mais no sistema
de escrita, prejudicando o processo de leitura. Por esta razão, defende­-se
aqui que é necessário, concomitante, ou mesmo anteriormente ao ensino
da escrita, apresentar a fala culta, tornando o sistema de escrita o mais
contextual possível.

Infelizmente, no ano de 2018 foi aprovado um currículo nacional, a Base Na-


cional Comum Curricular (BNCC), que apresenta proposta de alfabetização
não pautada na sensíbilidade às diferenças.

A BNCC é um currículo nacional, aprovado no ano de 2018 após passar por


consulta pública. A formulação de um currículo nacional já era prevista na
Constituição Federal de 1988 e na LDB 9.3.94/1996, a Lei de Diretrizes e Ba-
ses da Educação Nacional. (BNCC, 2018). A consulta pública prévia à apro-
vação da BNCC, no entanto, se deu sobre um documento já formatado, não
sendo possível a modificação de sua estrutura, fundamentada na pedago-
gia das competências. Grupos empresariais, especialmente o “Movimento
pela Base Nacional Comum (MBNC)” patrocinado pela Fundação Lemann,
exerceram forte influência na elaboração da BNCC. Segundo Spring (2018),
a pedagogia das competências aplica à educação os mesmos princípios da
economia. Laval (2004) afirma que a pedagogia das competências desinte-
lectualiza o currículo e tem como único objetivo a formação para o mercado
de trabalho.

As competências na BNCC (2018) são divididas nas seguintes áreas: Lingua-


gens e suas Tecnologias, Matemática, Ciências da Natureza e Ciências Hu-
manas. A área de linguagens abrange Língua Portuguesa, Educação Física,
Língua Inglesa e Artes. A alfabetização está contida nos três primeiros anos
do ensino fundamental, dentro da Língua Portuguesa. No texto da BNCC
(2018) acerca do processo de alfabetização, admite-se que o domínio do sis-
tema de escrita requer compreender que o alfabeto neutraliza na escrita as
variações do português falado no Brasil, o qual é marcado por diferenças
regionais e sociais. Ou seja, o texto da BNCC admite que é preciso observar,
no processo de alfabetização, as variedades da língua oral falada no Brasil.
O texto também afirma que o processo de alfabetização exige conhecimen-
to das relações fono-ortográficas, ou seja, relações entre os fonemas (sons)
do português oral no Brasil e os grafemas (letras).
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CAPÍTULO 2 Alfabetização: Lições da Fronteira

Embora mencione a importância do ensino dos sons das letras e as diferen-


ças entre fala e escrita, a BNCC (2018) pauta as habilidades a serem desen-
volvidas na alfabetização no processo de silabação. No primeiro e segundo
anos do ensino fundamental as habilidades tratam da observação da seg-
mentação da fala e das palavras escritas em sílabas. A BNCC contrasta com
os estudos de Cagliari (2008), para quem a estrutura do português brasileiro
não é silábica e a relação entre letras e sons não deveria ser ensinada com
foco nas sílabas, mas apenas nos sons de cada letra.

Portanto, as premissas deste livro são contrapostas ao que está exposto na


BNCC. Isso não implica, no entanto, na impossibilidade de seguir algumas
ideias práticas aqui apresentadas para o ensino das relações entre letras e
sons.

Entretanto, é preciso em primeiro lugar admitir que enquanto não existirem


mais escolas bilíngues, será difícil a democratização do acesso à leitura e à
escrita. Conhecer a língua na qual são escritas as palavras é pré-requisito
essencial para a alfabetização. Um simples exercício de imaginação pode
corroborar esta tese. Como uma pessoa, falante de língua portuguesa, po-
deria ser alfabetizada na língua inglesa antes de ser alfabetizada na língua
materna ou aprender a língua inglesa falada? Tal premissa também vale
para as populações indígenas e a comunidade surda.

Para as populações indígenas há um aparato legal, o “Decreto Nº 6.861, de


27 de maio de 2009, que dispõe sobre a Educação Escolar Indígena, define
sua organização em territórios etnoeducacionais, e dá outras providências”.
O decreto estabelece que escolas indígenas deverão se localizar em terras
habitadas por indígenas, servindo unicamente ao atendimento, em língua
materna, da comunidade indígena, com organização curricular própria.

A comunidade surda, por seu turno, tem direito à educação bilíngue para
surdos, que passou a ser considerada modalidade da educação escolar a
partir da aprovação da lei 14.191/2021, que “Altera a Lei nº 9.394, de 20 de
dezembro de 1996 (Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional), para
dispor sobre a modalidade de educação bilíngue de surdos”. Entretanto, a
escola bilíngue para surdos, onde a instrução ocorre por meio da Língua
Brasileira de Sinais (Libras), é opcional, de modo que não há garantia de
vagas em escolas dessa modalidade para todas as pessoas surdas.

Defender escolas bilíngues não é segregação, uma vez que tendo apren-
dido a leitura e a escrita, por meio da própria língua materna, as crianças
estarão mais aptas a adquirirem a língua portuguesa como segunda língua
e a frequentarem escolas regulares e universidades. Alguns trabalhos de-
monstraram que é mais fácil aprender a escrever em uma língua familiar
(CAGLIARI, 2008). O ensino em escolas bilingues requer um corpo docen-
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18
CAPÍTULO 2 Alfabetização: Lições da Fronteira

te qualificado, com conhecimentos acerca de comunicação intercultural,


aquisição de segunda língua, necessidades educacionais especiais e pluri-
linguismo. (RAUD & OREHHOVA, 2012).

Pessoas surdas provavelmente não irão obter benefícios do ensino das re-
lações entre letras e sons, uma vez que não têm acesso aos sons. Aproxima-
damente 95% das crianças surdas nascem em famílias ouvintes, onde en-
frentam, logo nos primeiros meses de vida, dificuldades de compreensão
de interação (SVARTHOLM K., 2014). Assim, crianças surdas podem desen-
volver atraso no desenvolvimento da linguagem caso não tenham acesso à
língua de sinais logo nos primeiros meses de vida.

Segundo Svartholm (2014), na educação bilíngue para pessoas surdas a pri-


meira língua ensinada deve ser a língua de sinais. A escola tem a função de
ensinar a língua de sinais para as pessoas surdas, cujo acesso à língua ofi-
cial do país onde vivem se dará na modalidade escrita, a ser adquirida por
meio da língua de sinais. Portanto, a língua de instrução para crianças sur-
das deve ser a língua de sinais. Este livro não se destina ao ensino da leitura
e da escrita para pessoas surdas. Sugere-se a leitura de Quadros e Schmiedt
(2006), que apontam várias sugestões para o ensino da língua portugue-
sa para pessoas surdas, considerando que a aprendizagem irá ocorrer pelo
meio visual e que a Libras é uma língua visual-espacial.

Snoddon e Murray (2019) explicam que as políticas da “Declaração de Sala-


manca e Marco de Ação sobre Necessidades Educacionais Especiais” pro-
puseram um modelo de educação inclusiva ao invés da educação especial
e reconheceram que a língua de sinais é essencial na educação de surdos.
No entanto, as organizações de defesa dos surdos vêm reivindicando mu-
danças nas políticas de educação para a inclusão porque a escola costuma
excluir os alunos surdos. Apesar disso, a importância da língua de sinais na
educação de surdos é consensual.

Portanto, este livro parte da premissa de que o ensino das relações entre
letras e sons deve ocorrer na língua materna. Dito isso, seguem algumas
ideias práticas para o ensino das relações entre letras e sons no processo de
alfabetização.

Atividades para o desenvolvimento da fala culta

Antes de alfabetizar é importante o ensino das formas mais monitoradas da fala, a fim de
reduzir as diferenças entre fala e escrita. Como já dito anteriormente, embora se possa
ensinar facilmente como a letra O por vezes tem som /u/, o mesmo não se pode aplicar
quando há trocas mais arbitrárias na fala, por exemplo, a troca dos sons /p/ e /b/ na fala.
Tais trocas poderão provocar dificuldade na compreensão leitora.
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19
CAPÍTULO 2 Alfabetização: Lições da Fronteira

Atividades envolvendo cantar, declamar e memorizar falas para peças de


teatro podem ser muito úteis para o desenvolvimento da fala culta. Por
exemplo, a criança que troca o /b/ pelo /p/ poderá se beneficiar da de-
clamação de rimas e trava-línguas que repetem esses sons, por exemplo
“Enquanto a pia pinga o pinto pia”. O ritmo musical também pode aju-
dar no desenvolvimento da pronúncia correta. Cantar primeiro, para depois
declamar pausadamente a letra de uma música, pode ajudar na atenção às
formas mais monitoradas de pronúncia. Importante não fazer correções de
modo a humilhar. Uma boa tática é repetir, de acordo com a norma culta,
o que foi dito pelos alunos em desacordo com as formas mais monitora-
das. Outra tática é elencar os desacordos mais comuns praticados em sala
de aula e trabalhar ativamente com eles, envolvendo a turma em canções,
poemas, teatros e jogos, ou mesmo estabelecendo um acordo, como, por
exemplo, “Quando todo mundo estiver falando CLARO, ao invés de CRA-
RO, sem que haja briga entre colegas, vamos fazer pipoca”. Importante
explicar que falar CRARO não é um erro, e sim uma forma coloquial, mas
que na escola é preciso aprender a falar mais de acordo com a norma culta.

Atividades para o ensino das


relações entre letras e sons

Na alfabetização, desde o primeiro dia de aula é importante ter um alfabeto com letras
e desenhos afixados nas paredes da sala de aula. Além do alfabeto, sugere-se que, aos
poucos, sejam disponibilizadas, aos alunos, fichas para o estudo dos sons de cada
letra ou dígrafo, conforme modelo no ANEXO 1 (um). As fichas podem ser apresenta-
das separadamente, uma a cada dia, a fim de promover a reflexão sobre todos os possí-
veis sons de cada letra ou dígrafo.

O ensino das letras e seus respectivos sons pode começar pelas vogais,
apresentando os possíveis sons de cada uma e juntando-as em palavras,
como, por exemplo, AI, EI, UI. A seguir, pode-se inserir uma consoante
biunívoca, com a qual seja possível formar palavras com as vogais, como
o F, formando FOI, AFIA, dentre outras. Sugere-se ater-se ao som de cada
letra, e não às sílabas. Após, pode-se inserir uma letra que não seja biuní-
voca, mas ajude a formar palavras com encontros consonantais, como a
letra R. Nesse exemplo, com o grupo de letras A, E, I, O, U, F, R, poderão ser
formadas várias palavras que já desenvolvam a compreensão leitora dos
encontros consonantais, como: RAIO, RIA, RIO, FRIO, FEIRA, FORA, dentre
outras.

Para isso podem ser utilizados alfabetos móveis e atividades de montar pa-
lavras, como as do ANEXO 2 (dois). O alfabeto móvel pode fazer parte da
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20
CAPÍTULO 2 Alfabetização: Lições da Fronteira

rotina. Os alunos podem ser colocados em grupos de quatro. Cada grupo


recebe uma quantidade de letras e deve selecionar um grupo delas para
formar palavras, que inclusive podem ter relação com o contexto do que
está sendo trabalhado em aula. Por exemplo, após trabalhar com o trava-
-língua “O RATO ROEU A ROUPA DO REI DE ROMA E O REI DE RAIVA
ROEU O RESTO”, pode-se utilizar as letras do alfabeto móvel para formar
palavras com a letra R.

Outra ideia é a caixa de alfabeto. Trata-se de uma caixa com alguns bura-
cos na tampa, conforme modelo no ANEXO 3 (três), contendo no interior
as letras em palitos de picolé, a serem utilizadas para formar palavras. Nos
períodos entre uma atividade e outra, aqueles que finalizam os afazeres pri-
meiro podem ser incentivados a montarem palavras na caixa.

O importante é que desde o início da alfabetização sejam apresentados os


encontros consonantais, para não condicionar leitores iniciantes a decifra-
rem somente palavras formadas por sílabas com estrutura consoante e vogal.

O ensino sistemático das relações entre letras e sons é parte integrante do


processo de alfabetização. Toda sala de aula de alfabetização deve ter um
alfabeto, mas isso não é suficiente. É preciso que a leitura das letras e de
todos os seus possíveis sons seja feita cotidianamente em sala de aula.

Atividades com pares mínimos

A partir das variantes linguísticas presentes na sala de aula, o professor ou professo-


ra poderá criar jogos, como memória e cruzadinhas, contendo pares mínimos, ou
seja, palavras que na escrita só se diferenciam pelo emprego de uma letra. Nos pares
mínimos poderão ser enfatizadas as principais trocas, como P e B; D e T; V e F, dentre
outras. Segue abaixo um quadro de pares mínimos.

B -V B–P V–F
BIA-VIA BATO-PATO VACA-FACA
BEM-VEM BIA-PIA VOZ-FOZ
BOTA-VOTA BINGO-PINGO VERA-FERA
BELA-VELA BULA-PULA VALA-FALA
BOA-VOA BODE-PODE VAZIA-FAZIA
BALA-VALA BASTA-PASTA FOTO-VOTO
BAZAR-VAZAR BOTE-POTE INVERNO-INFERNO
BASTA-VASTA BENTA-PENTA
G-C D-T R-L
GOSTA-COSTA DIA-TIA RUA-LUA
GOMA-COMA DEU-TEU LEI-REI
GRAVA-CRAVA DADO-TATO CARRO-CALO
GOLA- COLA DOMAR-TOMAR VARA-VALA
ANDA- ANTA
MANDA- MANTA
NADA-NATA
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21
CAPÍTULO 2 Alfabetização: Lições da Fronteira

Atividades envolvendo leitura silenciosa

Um dificultador comum no processo de ensino e aprendizagem da leitura e da escrita


é exigir apenas cópia. Crianças e adultos em processo de alfabetização são plenamen-
te capazes de aprenderem a copiar textos do quadro sem que tenham aprendido a ler.
Mas essa não é uma aprendizagem desejável. Alguns exercícios não incitam a leitura,
por exemplo quando se pede para completar palavras com a mesma letra. Esse tipo de
atividade faz com que a letra possa ser reproduzida sem o acompanhamento da leitura.

No processo inicial de alfabetização, é comum precisar oralizar as palavras a


fim de conseguir produzir os sons das letras. A leitura silenciosa ajuda a des-
prender-se aos poucos dessa necessidade e desenvolver a leitura fluente.

Defende-se, aqui, que exercícios de escrita e cópia não desenvolvem a ca-


pacidade leitora. Para que a capacidade leitora seja desenvolvida é preciso
realizar leitura diária. Ou seja, a leitura, mais do que a escrita, precisa ser
incentivada todos os dias em sala de aula. Pode-se começar com a leitura
de pequenos textos, entregues para que alunos tentem ler individualmente
antes de ser feita a leitura em voz alta para toda a turma. Existem algumas
táticas para obrigar a ler, como, por exemplo:

1. Sortear uma palavra para cada aluno ler em voz alta para a turma, podendo pedir ajuda
caso não consiga;

2. Entregar para cada aluno um pequeno texto em desordem, a fim de que precise ler
para colocar na ordem correta;

3. Fazer um ditado de leitura, no qual o aluno deve ler e desenhar o que está escrito.

A leitura deve ser um exercício diário em sala de aula, fazendo parte da roti-
na. Recomenda-se que o ensino da letra cursiva tenha início apenas quan-
do a turma já tiver dominado a leitura. Além disso, para o ensino da letra
cursiva não basta exigir a cópia, mas ensinar como o traçado é realizado,
sempre de cima para baixo e sem tirar o lápis do papel.

Mais uma vez é importante enfatizar a importância de que o ensino da codi-


ficação e da decodificação seja precedido de atividades que desenvolvam a
necessidade de ler e escrever, o que começa na educação infantil.
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22
CAPÍTULO 2 Alfabetização: Lições da Fronteira

Alfabetização na fronteira

Tendo em vista que o Brasil é um país marcado pela diversidade linguística,


não se pode afirmar que os estudos apresentados até aqui só tenham valida-
de no contexto em que foram realizados: a fronteira entre Brasil, Paraguai e
Argentina. Muito ainda há por pesquisar sobre como as variantes linguísticas
interferem no processo de alfabetização, e, ainda, sobre a importância de a
formação docente incluir conhecimentos da área da linguística e da sociolin-
guística. Relatos de experiências pedagógicas podem ajudar neste campo de
estudos.

Nos próximos três capítulos deste livro, serão apresentados relatos de expe-
riência e ideias de práticas pedagógicas para a educação infantil e anos ini-
ciais do ensino fundamental.

23
Alfabetização: Lições da Fronteira

CAPÍTULO 3

LITERATURA SURDA E LETRAMENTO


Nahla Yatim
Filipe Augusto da Veiga

O papel mediador da literatura surda ainda precisa ser vastamente discuti-


do. É fundamental que o professor ou a professora repasse conhecimentos
a seus alunos, ajudando a entenderem a literatura surda e com ela se re-
lacionarem. (KLEIN & ROSA, 2009). A formação de professores focada nas
áreas da literatura surda ocorre principalmente no curso superior de Letras
Libras, ou na pós-graduação em Literatura.

Segundo Bahan (2006, p.2): “As crianças surdas na Escola Americana de Sur-
dos transmitiram habilidades de contar histórias desde 1900. Também con-
tam histórias de fantasmas, cenas de filmes, experiências surdas, piadas,
brincadeiras e histórias do ABC”. Há também os chamados sinalizadores
suaves, que criam histórias em língua de sinais e fazem traduções teatrais e
interagem com o público, suscitando grande interesse.

Neste presente texto, apresentaremos problemas da literatura surda, e, tam-


bém, as devidas conclusões obtidas sobre o tema.

A literatura possui um papel importante para os alunos surdos. É através


dela que se pode construir a formação da identidade e da cultura surda. As-
sim como a literatura apresenta ramificações, o mesmo ocorre na literatura
surda, que pode ser dividida em literatura produzida em Libras e literatura
adaptada da Língua Portuguesa para a Libras.

Ainda há falta de interesse da comunidade com a literatura surda, que ra-


ramente faz está presente no cotidiano. Isso ocorre, em parte, porque em
muitas famílias apenas os filhos são surdos. É importante, além de ensinar
as crianças surdas, conscientizar as famílias para que difundam com filhos
surdos a literatura surda. Há necessidade de criação de histórias surdas
originais, bem como de outros materiais literários que propiciem o ensino
através da literatura, pois, conforme aponta Strobel (2008), a literatura surda
é fonte de letramento.

Entretanto, existem alguns problemas que a literatura surda enfrenta, como


a sinalização seguindo a estrutura do português escrito, o uso da datilolo-
gia, as variações regionais e a sinalização rápida, fatores esses que acabam
por dificultar a compreensão. Segundo Klein e Rosa (2009), na contação de
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24
CAPÍTULO 3 Alfabetização: Lições da Fronteira

literatura surda é preciso prestar atenção em vários fatores: qualidade da


sinalização, incorporação dos personagens, adequação da história à idade,
características do público-alvo, cenário e figurino.

É preciso compreender que as línguas de sinais são ágrafas, ou seja, não


possuem um sistema de escrita convencional, como o português escrito.
Apesar disso, na realidade brasileira já existem editoras que disponibilizam
literatura ao público surdo, conforme mostra Mourão (2012, p. 03):

Por exemplo, materiais da Editora Arara Azul como Alice no país das ma-
ravilhas (2002); Iracema (2002); O Alienista (2004) caracterizam-se como
traduções para a Libras de clássicos da literatura. Tais materiais contribuem
para o conhecimento e divulgação do acervo literário de diferentes tempos
e espaços, já que são traduzidos para a língua utilizada pela comunidade
surda.

Entretanto, ainda há poucos registros de literatura surda. A literatura surda


é repassada de geração para geração nas família surdas, porém, é desco-
nhecida quando apenas filhos são surdos. A única forma de a criança surda,
nascida em família ouvinte, ter acesso à literatura surda, é através de grava-
ções de vídeos. Segundo Karnopp (2008, p.2): “Assim estamos privilegiando
a literatura surda contemporânea, após o surgimento da tecnologia, da gra-
vação de histórias através de fitas, VHS, CD, DVD ou de textos impressos que
apresentam imagens, fotos e/ou traduções para o Português”.

A literatura surda teve a possibilidade de registro principalmente após o


reconhecimento da lei de Libras, lei n° 10.436 de 24 de Abril de 2002, e o
desenvolvimento da tecnologia possibilitadora do registro de forma visual
dos sinais.

A tecnologia e o surdo estão interligados. Antes os surdos só participavam


de encontros presenciais, e, agora, há uma grande mudança devido ao
avanço da tecnologia, que propicia múltiplos encontros virtuais. O formato
digital da literatura surda precisa se encaixar com o público alvo, conside-
rando-se o nível de desenvolvimento da Libras, a região e a Idade. (KLEIN
& ROSA, 2009).

Analisando o passado e o presente da literatura surda, podemos observar


que no passado não havia o registro da literatura surda em Libras, devido
à falta de tecnologia necessária para isso, mas também ainda não existia a
lei de Libras. Então as crianças eram obrigadas a oralizar. Nem sequer era
permitido expressar-se através do idioma. Com a criação das legislações
e das redes sociais, essa divulgação se tornou muito rápida, entretanto, só
para aqueles que possuem rede de internet. Atualmente, no processo de
ensino, pode-se observar que os alunos gostam mais de interação quando
há tecnologia envolvida.
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25
CAPÍTULO 3 Alfabetização: Lições da Fronteira

No começo da criação dos materiais para literatura surda, existiam apenas


adaptações da literatura em língua portuguesa à Libras. Posteriormente,
passou a ocorrer uma produção de literatura surda, ou seja, elaborada em
Libras.

Depois de alguns anos da criação da lei de Libras, em 2002, surgiu o cur-


so de Letras Libras, em 2006, com a disciplina de literatura surda em seu
currículo (QUADROS e STUMPF, 2014). Foi a partir dessa disciplina que se
tornou conhecida a literatura surda, as histórias e piadas mais famosas den-
tro da comunidade surda, e, também, a criação de materiais, não mais só
adaptações ou traduções. Ainda existem poucos materiais produzidos em
literatura surda, embora seja possível encontrar no Youtube algumas histó-
rias, piadas e poemas criados em Libras e que expressam o conhecimento
e a identidade surda2. De fato, a criação de materiais didáticos de literatura
surda requer uma produção cada vez maior de livros, vídeos, histórias, ani-
mações, quadrinhos e poemas.

Na escola é preciso despertar o interesse das crianças surdas através de ati-


vidades multidisciplinares. Com base em nossas experiências de ensino,
podemos observar que quanto mais interação e ludicidade e quanto mais
estética for a sinalização não convencional; alternando velocidade, uso de
espaço e configurações de mão; maior o interesse do aluno em aprender e
participar. Através da interação são quebradas as barreiras individualistas e
é fortalecido o elo da comunidade surda.

A Literatura Surda traz histórias de comunidades surdas, os processos


sociais e as práticas discursivas relacionadas que circularam em diferen-
tes lugares e em diferentes tempos. O envolvimento que as comunidades
surdas compartilham, não é somente interno à comunidade, mas também
externo, com comunidades ouvintes, através da participação tanto de sujei-
tos ouvintes quanto de sujeitos surdos. Os sujeitos surdos reconhecem mo-
delos e valores históricos através de várias gerações de surdos, com artistas
plásticos ou outros profissionais. Eles têm narrativas surdas como piadas e
anedotas, conhecimentos de fábulas ou conto de fadas através da família,
até adaptações em vários gêneros como romance, lendas e outras manifes-
tações culturais, que se constituem a partir do conjunto de valores e ricas
heranças culturais e lingüísticas. (MOURÃO, 2011, p.50)

A formação de professores em Libras, como o curso de Letras Libras, favo-


rece a quebra da barreira limitadora. Dentro das disciplinas do curso, tra-
balhar o processo de interação literária e obter o conhecimento em Libras
favorece o ensino e o aprendizado.

2 Por exemplo: A árvore surda. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=FQdRkZ3fdCY Acesso em 20 nov. 2022
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26
CAPÍTULO 3 Alfabetização: Lições da Fronteira

É possível criar várias estratégias para as produções de literatura em Libras.


Para as crianças se desenvolverem melhor, é preciso interações e media-
ções que contribuam para uma metodologia de ensino pautada no visual.

O ensino de literatura deve estar condicionado a cotidianidade dos leitores


e ao entendimento que se faz do termo literatura. Conhecer a literatura é
fundamental para o desenvolvimento do ensino, além de contribuir para a
formação efetiva de leitores. (APOLINÁRIO, 2005, p. 24).

Além disso, é de suma importância que os alunos assistam peças teatrais,


narrativas, contos, poesias e filmes em Libras, pois isso, além de exercitar o
visual, auxilia a obter o conhecimento literário da sua cultura e a construir
sua identidade.

Professores de crianças surdas precisam propiciar o conhecimento da li-


teratura surda. Para isso, podem incentivar as crianças surdas a montarem
peças de teatro e contarem histórias em línguas de sinais, visando gravar e
mostrar às pessoas ouvintes.

Até alguns anos atrás os surdos não se sentiam completos, devido à falta
de informação. Os textos escritos são muito difíceis para alguns surdos en-
tenderem. Embora saibamos que a língua portuguesa, na modalidade es-
crita, é a segunda língua dos surdos, faz pouco tempo que os surdos estão
começando a acessar a internet, onde podem assistir a vídeos e procurar
informações. As mídias ajudam. Graças a elas o surdo está visualizando
e contextualizando seu aprendizado. Em algumas mídias há informação
em Libras, e, além disso, os surdos acessam diferentes sites e redes sociais,
complementando o conhecimento.

Infelizmente, a gravação em vídeo o e acesso às mídias ainda não é aces-


sível a todos os surdos, principalmente devido às condições financeiras de
muitas famílias brasileiras.

Ao afirmarmos que os surdos são membros da cultura surda, não significa


que todas as pessoas surdas no mundo fazem parte da mesma cultura, só
porque não ouvem. Os surdos brasileiros são membros da cultura surda
brasileira, igualmente como os surdos norte-americanos são membros da
cultura surda norte-americana. Ambos os grupos usam línguas diferentes e
compartilham experiências distintas. Entretanto, há alguns valores e expe-
riências que os surdos, independentemente do local onde vivem, compar-
tilham: todos são pessoas surdas, vivendo em uma sociedade dominada
pelos ouvintes.

Assim, é imprescindível uma ação rápida e eficiente da comunidade surda


para a solução das barreiras enfrentadas pelos surdos na sociedade domi-
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27
CAPÍTULO 3 Alfabetização: Lições da Fronteira

nada por ouvintes. A luta da comunidade surda, para a superação das bar-
reiras, simplifica-se quando cada um faz a sua parte, incluindo familiares
e professores de surdos e comunidade em geral, e não apenas as pessoas
surdas.

O Papel Docente

O papel docente é fundamental nesse processo de letramento das crianças


surdas, para o qual a literatura surda contribui enormemente. Além disso, a
escola precisa ter acesso a material em Libras e literatura surda, como apos-
tilas e vídeos.

Dentro das escolas e faculdades é preciso trabalhar o processo de interação li-


terária envolvendo a literatura surda. É necessário que alunos assistam peças
teatrais, narrativas, contos, poemas e filmes em Libras, pois isso, além de exer-
citar o visual, auxilia na obtenção do conhecimento literário da sua cultura.
Também é importante o acesso a vídeos em Libras com legendas em língua
portuguesa, pois tal multimodalidade ajuda o surdo a relacionar e aprender
melhor a língua portuguesa e a Libras. Nesse processo, docentes têm a tarefa
de agir como agentes multiplicadores da literatura e da cultura surda.

28
Alfabetização: Lições da Fronteira

CAPÍTULO 4

O COTIDIANO NA EDUCAÇÃO INFANTIL:


RELATO DE EXPERIÊNCIA
Cleonice Marçal

A trajetória histórica que constituiu a construção da Educação Infantil em


Foz do Iguaçu perpassou por três momentos, os quais vivenciei. O primeiro
foi marcado pelo cunho social e assistencialista, com a criação da Secretaria
de Ação Social e as creches. No segundo momento foi criada a Secretaria
da Criança. Por fim, foram construídos os Centros Municipais de Educação
Infantil (CMEIS), objetivando o atendimento das crianças entre seis meses e
cinco anos de idade.

Devido ao tempo em que a educação infantil foi ramo da assistência so-


cial, ainda recaem preconceitos sobre os CMEIS, como a ideia de que são
lugares apenas para as crianças brincarem e serem cuidadas enquanto as
famílias ou responsáveis estão trabalhando. Essa ideia já não se sustenta.
O processo de ensino e aprendizagem na educação infantil se estrutura na
intencionalidade pedagógica da intrínseca relação entre cuidar e educar,
cujo importante elemento é a organização do espaço, conforme apontam
Barbosa e Horn (2001).

A organização do espaço na educação infantil

Na educação infantil a organização do espaço também apresenta intencio-


nalidade pedagógica. A chegada ao CMEI, o momento das refeições e da
higiene e todas as atividades que compõem a rotina podem apresentar or-
ganização com objetivos pedagógicos e procedimentos didáticos que co-
meçam a se materializar no ambiente.

Tudo que está no CMEI possui propósito e utilidade para propiciar o fazer
pedagógico e a assimilação e apropriação de conhecimentos pela criança.
Por exemplo, os armários atendem ao objetivo de socializar objetos de uso
coletivo, servindo também para guardar os materiais utilizados durante a
aula. O balcão contém os materiais utilizados durante o andamento peda-
gógico, devendo ser de acesso fácil às crianças. A mesa da professora ou
do professor precisa ser acessível às crianças, visando ser lugar para acon-
chegar e conversar e sendo usada como extensão das classes. As cortinas
podem apresentar estampas com temáticas de interesse das crianças e pro-
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29
CAPÍTULO 4 Alfabetização: Lições da Fronteira

piciar um ambiente aconchegante. A identificação do banheiro contribui


para a compreensão de que seu uso é individual, embora compartilhado
socialmente. A porta de entrada identificada, propicia entendimento sobre
a importância do registro gráfico do número e período da turma e nome
da professora. A lixeira indica a correta separação dos resíduos orgânicos
e recicláveis. O relógio na parede favorece o entendimento sobre o registro
numérico e a construção da noção do tempo. O quadro negro deve estar
disponível para as crianças desenharem e a professora fazer registros. O
cantinho do livro torna acessíveis diversos títulos de material com quali-
dade literária e gráfica.

Ou seja, no espaço escolar da Educação Infantil tudo é planejado para aten-


der intencionalidades pedagógicas: cores, livros, tabela para afixar os cra-
chás com os nomes das crianças, varal de exposição das atividades, tabela
do tempo, calendário, suporte de bolsas, tatame e tabelas com as regras de
convivência.

Segue, abaixo, lista dos materiais que


podem ser utilizados na rotina escolar e suas
formas de organização:

• Crachás individuais contendo registro do nome de cada criança em letra caixa


alta;
• Painel ao alcance da turma para pendurar os crachás;
• Potes confeccionados com garrafa PET para disponibilizar materiais, como giz
de cera, lápis de cor, lápis preto, massa de modelar, palitos de picolé e tinta;
• Sacola de fantasias, contendo roupas de diferentes tamanhos para jogos de
faz-de-conta e dramatização;
• Caixa de brincadeiras contendo materiais não estruturados, como bolas e cor-
das, para realização de brincadeiras diversas;
• Lixeiras feitas com caixas de papelão para separar lixo orgânico, papel, metal e
vidro;
• Sacola de literatura infantil contendo livros de contos, poesias, cantigas e
fábulas;
• Caixa organizadora contendo materiais recicláveis para confecção de brinque-
dos e artesanatos, como tampas e embalagens;
• Fita colorida, adesivando o chão da sala de aula, para elaborar jogos de amare-
linha e queimada;
• Caixas de giz de quadro disponíveis para as crianças desenharem no chão do
pátio;
• Colchonetes.
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30
CAPÍTULO 4 Alfabetização: Lições da Fronteira

Os materiais permitem elaborar jogos e brincadeiras que desenvolvam a lu-


dicidade, a sociabilidade, a assimilação de regras e a coordenação motora.

Conforme Chaves (2015), a organização do espaço e do tempo na educação


infantil devem ajudar no desenvolvimento da emancipação das crianças. O
próprio espaço educativo incorpora certa concepção de didática, de modo
que sua organização exige preparo e planejamento adequados à faixa etá-
ria das crianças e às especificidades da comunidade local onde o CMEI está
localizado.

A turma deve ser chamada a ajudar na organização do espaço escolar. É im-


portante proporcionar momentos para que as crianças se sintam parte da
sala de aula e responsáveis pela organização da rotina. Para isso, é preciso
chamá-las à participação, requisitando ajuda na organização e distribuição
de materiais.

Atividades na educação infantil

A mediação docente pode oportunizar a construção da autonomia e o desenvolvimento


da oralidade e da escrita desde a educação infantil. É importante que a criança possa
falar, se movimentar e desenhar; tendo potes de giz de cera e papel sulfite sempre à
disposição.

Na educação infantil todas as atividades fazem parte do ensino e da apren-


dizagem, não apenas aquelas ligadas à realização de trabalhos escolares.
O tempo livre para o brincar espontâneo e as ações rotineiras ligadas ao
sono, à higiene e à alimentação, são, também, atividades educativas. Neste
sentido, Chaves (2015) enfatiza que tudo é igualmente importante na edu-
cação infantil, não há hierarquia. Ou seja, os momentos de sono são tão
importantes quanto as atividades pedagógicas mais dirigidas pelo adulto
a toda a turma. Assim, o planejamento do cotidiano na educação infantil
pode ser amparado na organização do Cronograma Semanal, que destaca
as atividades principais desenvolvidas nos diferentes espaços destinados
às crianças nos momentos em que permanecem aos cuidados do CMEI:
sala de aula, pátio, parquinho, bairro ou outros, conforme o exemplo abaixo:
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31
CAPÍTULO 4 Alfabetização: Lições da Fronteira

Cronograma Semanal:

Segunda-feira: aula dirigida, cama elástica, parque, modelagem;

Terça-feira: aula dirigida, solário, horta, jogo teatral e música, jogo de montar;

Quarta-feira: aula dirigida; parque, passeio na praça, quebra-cabeça;

Quinta-feira: aula dirigida, cama elástica, visita ao bosque, jogo cantado;

Sexta-feira: aula dirigida, parque, jardinagem, dia do brinquedo (quando as crianças


levam ao CMEI um brinquedo de casa para brincarem e compartilharem com colegas).

Estrutura de Aula:

• Acolhimento na entrada da escola: recepção afetiva das crianças, brincadeira com


massa de modelar ou folhas de papel sulfite e lápis de cor até a hora do lanche;

• Lanche: tornar a refeição momento agradável de convivência e ajudar as crianças


ensinando o uso dos talheres e a mastigação correta;

• Música: “Ginástica da Minhoquinha”, que trabalha a contagem numérica;

• Contagem do número de crianças no quadro negro a partir das questões: quantas


crianças vieram? Quantas faltaram? Quantas meninas e quantos meninos vieram?

• Calendário: ensino das funções sociais dos números e da noção do tempo, mos-
trando o dia da semana, o mês, o dia e o ano;

• Tabela do tempo: varal onde se coloca a figura do sol, da chuva e das nuvens, para
indicar o tempo e o clima de cada dia;

• Contagem de balões colados no teto;

• Música, dança, recitação de poema ou parlenda;

• Roda de conversa e contação de histórias;

• Atividade a ser registrada, como desenho, pintura ou colagem;

• Atividade com material concreto, como jogo de montar, quebra-cabeças, massa


de modelar ou material reciclável para confeccionar brinquedos;

• Organização da exposição das atividades em varal na sala de aula;

• Recreação: jogo cantado, brinquedos, parquinho ou brincadeiras diversas, como


amarelinha, cambalhota, ovo-choco, passa-anel, cabra-cega, dentre outros;

• Organização da sala de aula: arrumação coletiva do espaço após as atividades, de-


senvolvendo a cooperação, a solidariedade e a autonomia.
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CAPÍTULO 4 Alfabetização: Lições da Fronteira

Faz parte do cotidiano da educação infantil o ensino voltado ao desenvol-


vimento da autonomia, que ocorre em todos os momentos nos quais as
crianças permanecem no CMEI. Guardar os materiais, organizar a sala de
aula, amarrar os calçados, fazer a própria higienização, utilizar corretamente
a lixeira e organizar os próprios materiais são atividades que precisam ser
acompanhadas de processos educativos e mediações pedagógicas.

Professoras e professores de educação infantil mediam a apropriação do


conhecimento, o que pode ser feito de modo lúdico. A ação lúdica desperta
a atenção e o interesse, favorecendo a interiorização do conhecimento, cuja
apropriação ocorre a partir das interações sociais, envolvendo afetividade,
que requer conhecer e compreender as crianças, seus familiares e contexto
social.

Escutar histórias de literatura infantil é uma forma de interação afetiva que


deve fazer parte do cotidiano na escola. Histórias, poemas e cantigas devem
ser lidos e contados por terem valor em si, não sendo meros pretextos para
desenvolvimento de tarefas escolares. A criança, que é um dos maiores es-
cutadores da realidade que a circunda, pode, por intermédio de contação de
histórias, escutar a vida nas suas formas, sons, cores; aprendendo a escutar
os outros, adultos e pares. A criança é capaz de perceber que a escuta é um
ato de comunicação que reserva maravilhas, alegrias, surpresas, entusias-
mos, paixões e fantasias (CHAVES, TULESKI, LIMA e GIROTTO, 2014, p. 136)

Na organização do espaço e do tempo na educação infantil, é importante


a forte presença da literatura. Contar e ler histórias para as crianças deve
fazer parte da rotina diária. A partir da contação de histórias, é possível de-
senvolver atividades de releitura de obras, envolvendo a criação artística
materializada em pinturas, dobraduras, colagens e dramatizações, confor-
me exemplo abaixo.

A Caixa Maluca de Luluca

O desenvolvimento de um trabalho pedagógico envolvendo o texto “A Caixa Maluca de


Luluca” começa com a organização de uma roda de conversa. Ao ler um livro de literatu-
ra infantil é importante começar mencionando quem escreveu e ilustrou a obra. Após a
leitura da obra, pode-se fazer alguns questionamentos sobre as ideias principais, mas,
também, sobre as percepções mais subjetivas das crianças.

A seguir o texto na integra, de autoria de Cleonice Marçal e ilustração de


Jéssica Ribeiro Franco. No ANEXO 4 (quatro) desta obra consta a lista de
títulos de obras de literatura infantil da autora, bem como seu e-mail para
quem se interessar em comprar exemplares.
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33
CAPÍTULO 4 Alfabetização: Lições da Fronteira

A Caixa Maluca de Luluca


Texto de Cleonice Marçal
Ilustração de Jéssica Franco Ribeiro

Na Caixa Maluca de Luluca


Cabe de tudo

Na Caixa Maluca de Luluca


De tudo tem

Na Caixa Maluca de Luluca


Cabe de tudo
De tudo tem

Luluca de Maluca
Não tem nada

A Caixa Maluca de Luluca


Sabe contar
1-2-3-4-5
6-7-8-9-10

Nos dedinhos das mãos


A Caixa Maluca de Luluca
Cabe de tudo
De tudo tem
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CAPÍTULO 4 Alfabetização: Lições da Fronteira

A Caixa Maluca de Luluca


Sabe ler na ponta da língua
a-e-i-o-u
E fazer letras também

Na Caixa Maluca de Luluca


Cabe de tudo
De tudo tem

A Caixa Maluca de Luluca


Sabe pintar o mundo de
Azul- amarelo- verde- vermelho-
branco e preto
Tão bem

Na Caixa Maluca de Luluca


Cabe de tudo
De tudo tem

Luluca de Maluca
Não tem nada

Aprenda você também


A contar,
A ler,
A escrever
E a pintar
Com a Caixa Maluca de Luluca
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CAPÍTULO 4 Alfabetização: Lições da Fronteira

“Escrever para criança é pisar no


Mundo mágico da imaginação.
Antes de começar a escrever
comecei a ler,
no encanto com as gravuras
e as cores.
Aprendi a decifrar, a soletrar e a formar as primeiras letras.”
Cleonice Marçal

A caixa maluca de Luluca é um texto que pode ser compreendido como “po-
esia para criança”, que, segundo Coelho (1993), aborda sentimentos e ideias
com ritmo e musicalidade. Trata-se, ainda, de um texto classificado por As-
sumpção (2001), como Mnemonia, que é um tipo de poema utilizado para o
ensino, como, por exemplo, dos números e das letras. O livro “A Caixa Ma-
luca de Luluca” possibilita o ensino da diferenciação entre letras e números,
da contagem, da quantidade e do reconhecimento das cores primárias e
secundárias.

Após a leitura, pode-se incentivar o manuseio do livro pelas crianças e a


instrumentalização do texto poético. Algumas perguntas podem ser reali-
zadas, visando levar as crianças a localizarem informações no texto e reve-
larem interpretações subjetivas: Quem é a Luluca? O que é a Caixa Maluca?
O que a Caixa Maluca tem? A Luluca é maluca? O que podemos aprender
com a Caixa Maluca de Luluca?

As crianças podem ser incentivadas a levarem os livros para casa, como


empréstimo da escola. Assim, poderão recontar a história para seus familia-
res e amigos ou pedirem para que outros adultos a leiam em voz alta.

Como atividade de recriação, é possível propor algumas atividades:

1. Desenhar a história. O desenho pode ser mediado por perguntas sobre o poema: como
é a Luluca? O que tem na caixa maluca? O que você mais gostou do poema?

2. Confeccionar fantoches com meia ou palitos de picolé (palitoches) para representar a


personagem Luluca;

3. Confeccionar uma caixa para guardar letras, números e artefatos escolares;

Na educação infantil é preciso abrir as portas e as janelas das salas de aula


para a manifestação artística, importante fator para o desenvolvimento da
escrita, que começa desde a tenra infância.
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36
Alfabetização: Lições da Fronteira

CAPÍTULO 5

ALFABETIZAÇÃO E MUSICALIDADE NO
ENSINO FUNDAMENTAL
Soraia Cristina Weidman Baltruk

Imagino que todo estudante de Pedagogia já ouviu falar de práxis, que, a


grosso modo, é o movimento que se faz da prática para a teoria, e novamen-
te da teoria para a prática, sendo sempre permeado pela reflexão. Pois bem,
minha experiência com alfabetização começou muito antes de eu conhe-
cer esse conceito de práxis. Veja: minha primeira experiência de alfabetizar
crianças se deu com meus próprios filhos. Concluí o Magistério em 1988,
mesmo ano em que meu primeiro filho nasceu. Então, era professora, mas
exerci essa função apenas dentro de casa. Meus três filhos aprenderam a
ler comigo, quase “sem querer”. Foram alfabetizados por mim. Foi a práti-
ca. Lembro-me muito bem da caçula, que quando estava nesse processo,
conhecendo a mãe muito bem, vinha com o gibi na mão e falava assim:
“Mãe, que letra é essa?” Mostrava a letra tampando o resto da palavra. “Eu
quero saber só a letra, senão você fala a palavra toda”. Porque o adulto tem
essa mania, não é? De responder o que a criança não perguntou, e eu, além
de falar a letra, acabava lendo a palavra toda, para ajudar. Mas ela queria
ler sozinha, apenas precisava daquela letra específica. E assim, meus filhos
foram para o primeiro ano sabendo ler muito bem.

Muitos anos depois, quando esses filhos estavam com respectivamente 23,
20 e 18 anos, comecei a trabalhar no município de Foz do Iguaçu, como pro-
fessora do Ensino Fundamental, anos iniciais. A primeira turma que recebi,
situada em uma comunidade de periferia com muitos problemas sociais,
era um segundo ano, já no mês de maio, com vários alunos fora da idade e
com problemas de disciplina. Bem, o que posso dizer é que o meu Magis-
tério de 1988, minhas experiências com os filhos... não resolveram os pro-
blemas de alfabetização daquela turma. Eu tinha uma teoria antiga, uma
prática limitada a um ambiente ideal, e nenhuma reflexão. Foi um ano de
BÁ-BE-BI-BÓ-BU. Famílias silábicas na parede, repetições no caderno, uso
de apostila sem encaminhamento e tentativa de método fônico (CAPOVILLA
& CAPOVILLA, 2005) sem nunca ter ouvido falar nele antes.

Não preciso dizer que foi um ano sofrido, e que foi fundamental o apoio
da coordenação pedagógica da escola, que sempre foi muito pedagógica
com os professores também, ensinando, apoiando, aconselhando. Lamento
dizer que alguns alunos dessa turma prosseguiram os estudos com muita
dificuldade na leitura e na escrita. Saíram desse segundo ano sem adquirir
habilidades de leitura e escrita.
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37
CAPÍTULO 5 Alfabetização: Lições da Fronteira

Ensinar uma criança a ler e a escrever deve ser um processo rápido. Ensinar
uma turma na escola, a ler e escrever, nem sempre é. Exige técnica, preparo,
planejamento, conhecimento, intencionalidade, teoria, reflexão. Por que en-
sinar meus filhos foi tão fácil, quase automático, e ensinar aquela turma foi
tão difícil? E aí é preciso buscar a teoria. Vigotski explica muito bem o que
acontece aqui.

Deixe-me dizer que só conheci Vigotski depois de iniciar esse percurso


como professora. Até então, não havia embasado a minha prática. Vigot-
ski (2000) explica que existe uma área de potencial em cada criança, entre
o que ela já sabe e o que ela pode aprender, com a ajuda de alguém mais
experiente que ela, ou seja, a zona de desenvolvimento próximo. Ora, se
esse aprendizado depende de um mediador mais experiente, com o qual
a criança convive, inclusive antes de entrar na escola, quem é esse media-
dor, na maior parte do tempo dessa criança? Veja, aí começaram as minhas
reflexões sobre a prática. Não é possível alfabetizar as crianças da escola
como alfabetizei meus filhos, pois não são crianças que possuem os mes-
mos contextos de mediação para desenvolvimento de suas zonas de de-
senvolvimento próximo. Todas possuem esse potencial, mas nem todas
recebem mediação ideal durante seu desenvolvimento. Meu primeiro ano
como alfabetizadora foi com uma teoria ultrapassada, uma prática limitada
a um ambiente ideal, implantação de um método (fônico) sem treinamento,
levados para uma sala de aula real.

Ao longo da minha experiência, lecionei para segundos, terceiros e quar-


tos anos. Digo que alfabetizei em todos. Claro, mais especificamente nos
segundos anos. Que diferença voltar para a prática depois de estudar a te-
oria! Nesse percurso, fiz a graduação em Pedagogia, na Unioeste de Foz do
Iguaçu, e fui confrontada com muitos autores e suas teorias, que trouxeram
o embasamento para as novas práticas em sala de aula.

Meu primeiro problema: alfabetizar sem o BÁ-BE-BI-BO-BU, conforme os


ensinamentos de Cagliari (2003). Abandonar velhas fórmulas, velhas práti-
cas, é sempre mais difícil do que construir um aprendizado. Confesso que
tive cartaz de silabário por um tempo ainda em sala de aula e trabalhei o
encadeamento tradicional: primeiro as sílabas simples, depois, as dificul-
dades, como manda o método fônico de Capovilla e Capovilla. Também tra-
balhei os minitextos para leitura, nessa mesma ordem: com sílabas simples,
depois, algumas dificuldades pré-determinadas, para então entrar com as
outras dificuldades. Tudo bem planejado, dentro de um cronograma.

Lembro-me de que no primeiro ano de implantação do método fônico pela


Secretaria Municipal de Educação em Foz do Iguaçu, o segundo ano tinha
uma apostila para uso em sala de aula. Durante uma das visitas da equipe
da Secretaria Municipal de Educação (SMED) na minha sala de aula, para ve-
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38
CAPÍTULO 5 Alfabetização: Lições da Fronteira

rificarem como eu estava aplicando o método exigido, coloquei no quadro,


com letra bastão, um pequeno texto que constava na apostila, para cópia
no caderno e posterior atividade de responder perguntas sobre o texto. No
final da aula, na devolutiva que a equipe fez da visita, fui elogiada. Disseram
que eu “levava jeito para alfabetizar”, mas que o texto proposto no quadro
era inadequado para aquele momento. Estranhei e argumentei que retirei
da própria apostila (já tinha feito isso justamente para não correr o risco de
fazer alguma escolha errada, sabendo que seria visitada). A resposta foi de
que o texto constava na apostila para ser apenas lido (no caso pela profes-
sora), pois continha fonemas que ainda não tinham sido aprendidos pelos
alunos. A letra da vez que eu estava ensinando era o F. A palavra em ques-
tão era ‘fantasma’, que contém supostas dificuldades, como FAN e TAS, que
não haviam sido estudadas. Então, o texto não deveria ser usado como base
para cópia e atividades naquele momento. Pois é! As crianças ainda não
estavam prontas para se depararem com fantasmas!

O que quero demonstrar aqui é que foi todo um percurso de práxis real-
mente para aprender como se dá a alfabetização e a importância de res-
peitar o aluno nesse processo. Ler os autores, entender o contexto de suas
pesquisas, compreender a teoria e voltar para a prática com um novo olhar.
Nunca, antes, havia me dado conta de que a letra A não tem som apenas
de A! Para mim, sempre foi muito evidente que A é de AVIÃO e pronto. Mas
minha aluna Ana não encontrava a letra inicial de seu nome no alfabeto da
sala...

No cotidiano, uma das primeiras descobertas práticas que fiz foi de que os
alunos não sabiam o nome de seus colegas. Parece tão óbvia a ideia de que
eles se conhecem, principalmente numa comunidade como a minha, em
que estão juntos desde a Creche. Mas percebi que alguns só sabiam o ape-
lido e outros não sabiam pronunciar o nome do colega, ou, se precisassem
escrever, não faziam ideia de como o colega se chamava. Fiz um cartaz bem
grande com os nomes, em ordem alfabética, em letra bastão, com a primei-
ra letra de cada nome em cor diferente, e colei na parede ao lado do quadro.
Os nomes eram numerados conforme a chamada.

Esse pequeno recurso material foi de um enriquecimento incrível no pro-


cesso de alfabetização daqueles alunos! Primeiramente, eles se reconhece-
ram como uma turma. Bem no alto, numeral ordinal: “2º ano A”. A letra A bem
definida, em situação real, cujo significado a turma compreendia: identida-
de da classe. Depois, a numeração cardinal, com a qual podiam quantificar
a turma. Agora sabiam quantos alunos eram, contavam as carteiras, con-
tavam os faltosos, mesmo quando ainda não conheciam todos os colegas.

Outra situação, a de meninos e meninas. Nessa idade, as crianças fazem


uma separação simbólica entre meninos e meninas, principalmente para
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39
CAPÍTULO 5 Alfabetização: Lições da Fronteira

quantidade e fins de competição. Com a lista, começaram a identificar as


meninas pelos nomes. Tudo isso foi acontecendo simultaneamente, no co-
tidiano. Mas o mais importante foi a identificação das letras iniciais. Eu sei
que se costuma fazer o trabalho com crachás. Mas o painel trouxe a pos-
sibilidade de todos olharem os nomes de todos e durante a aula fazerem
reflexões sobre a escrita. Alguns começaram a consultar a lista para chamar
o colega, para lembrar o nome (uso social da escrita!) outros, para dedurar
o colega para a professora. Olhavam na lista para dizer o nome. E, para es-
crever palavras, algumas letras começaram a ter como referencial o nome
do colega: J de João.

A prática também resolveu um outro problema: onde fica, no alfabeto, a le-


tra inicial do nome da Ana? Por que a Helena está depois do Gabriel e não
depois do Davi? Por que a professora escreveu diferente os nomes das co-
legas Isabely e Izabele? Por que o João Vitor está depois do João Pedro, se
ele é mais velho? Veja, muitas questões, algumas fônicas, são levantadas
numa lista de nomes dos alunos da classe. Essas reflexões são feitas pelos
próprios alunos durante o ano letivo. E quando um aluno vai embora, como
fica a lista? Eu aprendi, durante os anos, a fazer uma lista com nomes remo-
víveis, por causa do grande trânsito que temos de alunos nessa região. A
minha lista teve que ser refeita várias vezes nesse ano, por idas e vindas de
alunos. Então passei a fazer a lista de nomes com velcro atrás, para rema-
nejar conforme a necessidade. Faço, ainda, outros usos desse cartaz: para
organizar o ajudante da sala, para decidirmos como fica quando entra um
aluno novo: vai para o fim da lista, como na chamada, ou inserimos na or-
dem alfabética? E o aluno que sai e retorna? Com o tempo os próprios alu-
nos passam a colocar os nomes dos colegas com autonomia em situações
diversas: trabalhos em grupo, produção de texto e cartaz e nomeação de
personagens. Também instituo a ordem “desalfabética”, no segundo semes-
tre, quando passo a chamar os alunos de baixo para cima para fazer fila, por
exemplo, e eles precisam de concentração para obedecer a ordem inversa
do alfabeto.

Em um dos meus segundos anos, quando a prefeitura entregou uniformes


gratuitamente para todos os alunos, tive um exemplo de como esse recurso
é proveitoso. Foram duas funcionárias na minha sala para tirar medidas dos
alunos para o fornecimento dos uniformes. Sentaram-se bem atrás e dis-
seram aos alunos que iam chamando um por um. Começaram a chamar, e
depois de uns três alunos, eles mesmos começaram a ir logo em seguida do
colega, sem precisar chamar. Uma das moças perguntou: “Como você sabe
que é a sua vez? Eu não chamei ainda.” O aluno respondeu: “Você está cha-
mando por ordem alfabética, e nós sabemos a ordem pelo cartaz!” E mos-
trou com o dedo o cartaz na parede! Claro que fiquei orgulhosíssima! Elas
ficaram muito impressionadas, pois era uma turma de segundo ano. Já ti-
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CAPÍTULO 5 Alfabetização: Lições da Fronteira

nham estado em outras salas, e era a primeira em que isso acontecia. Desde
então, faço esse cartaz em todas as turmas, mesmo de alunos maiores, pois
é importante para cada um ter seu nome escrito corretamente.

Essa prática, de lista de nomes, ajuda inclusive a entender que os sons


que ouvimos podem ser escritos de formas diferentes algumas vezes. Vou
exemplificar: um nome recorrente na minha comunidade é Quétlin. Tenho
certeza que é possível ler com o som correto, mas muitos leitores irão torcer
o nariz pelo fato de ser escrito com QU. Pois é! Nesses anos, já vi: Quétlyn,
Quétlin, Ketlyn, Kathleen, Katllyn, Kétlyn. Todos pronunciados igualmente.
Também tive Arthur e Artur, e outras variações de nomes. Para o ouvido,
esses sons são iguais. Mas, na escrita, podem ser diferentes. E isso é um
problema a ser resolvido para o aluno em processo de alfabetização. Um
problema real e imediato, que não pode esperar “chegar nas dificuldades”
para resolver.

Preciso dizer que também já fui professora de música. Nessa ótica, dou
muita importância para um sentido que às vezes deixamos de lado na prá-
tica docente diária: a audição. Quando vamos ensinar canto para uma pes-
soa, principalmente aquela considerada desafinada, que não “pega a nota
de jeito nenhum”, não adianta ficar insistindo com a voz da pessoa. O racio-
cínio é o seguinte: quem manda na voz? Quem vai passar o comando para
a voz sair na tonalidade certa? O cérebro. E como o cérebro vai saber qual
é essa tonalidade certa? Ouvindo. Então, quando vamos ensinar canto para
alguém com dificuldade de encontrar a nota certa, a primeira coisa que de-
vemos ensinar para essa pessoa é a ouvir.

Também na alfabetização a audição é um sentido importante a ser desen-


volvido durante a prática pedagógica. Primeiramente, é fundamental en-
tender que há uma riqueza de variações linguísticas, espero que isso já seja
evidente (lembram-se da teoria?). Então, nem todas as pessoas vão falar de
igual modo, e tudo certo! Mas a pronúncia correta das palavras é importante
para que a criança saiba o que ela quer falar e escrever e para entender o
que está lendo. Por exemplo: lendo a palavra “gulicinha” bem rápido, algu-
mas vezes, é possível saber o que é? Talvez uma criança tenha uma facilida-
de maior que a minha, mas eu sofri para entender o que meu aluno estava
falando. Isso ocorreu em conversa com um aluno de quarto ano. Estávamos
falando de coisas das quais gostamos muito, e fiz ele repetir várias vezes
essa palavra, porque eu simplesmente não entendia o que ele gostava tan-
to. Ele ficou com vergonha. Percebeu que eu não conseguia entender. De
repente, ao repetir a palavra em voz alta, fez-se a luz: linguicinha! Ele estava
me dizendo que gostava muito de linguicinha! Lembrei-me da zona de de-
senvolvimento próximo e da importância do mediador. Então, essas crian-
ças têm como mediadores pessoas que pronunciam as palavras conforme
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CAPÍTULO 5 Alfabetização: Lições da Fronteira

ouvem, e, assim, reproduzem cada vez mais adaptadas de acordo com a


memória. Uma criança que fala “gulicinha” para dizer “linguicinha”, como
vai entender quando ler a palavra “linguicinha”? Como vai escrever corre-
tamente uma lista de compras? Uma prática importante na alfabetização
é o trabalho de instrumentalizar as crianças com vocabulário correto das
palavras. Não no sentido de corrigir variações linguísticas, mas de saber a
forma correta da palavra para identificá-la e poder fazer uso dela quando
necessário em condições de interação.

A comunidade onde minha escola está inserida surgiu a partir de ocupa-


ção e foi formada principalmente por sacoleiros na época de grande movi-
mento na Ponte da Amizade. É constituída por famílias não tradicionais, no
sentido de que, às vezes, são vários filhos de pais diferentes, ou vários avós/
tios/irmãos casados que moram todos na mesma casa, gerando uma situ-
ação de instabilidade emocional e dificuldades financeiras pronunciadas.
Também temos várias situações de pais “guardados”, segundo as crianças,
que na verdade são pais presidiários. Falo isso para contextualizar como
o meio onde vivem os meus alunos é muito diferente do meio onde meus
filhos viviam e foram alfabetizados.

Evidentemente que a mediação não é a mesma, e a dificuldade com o vo-


cabulário é muito maior. Por isso insisto que no processo de alfabetização
é preciso prestar atenção em como a criança fala as palavras. Não se pode
presumir que ela sabe aquela palavra ou aquele significado, simplesmen-
te porque todo mundo sabe. Se um menino tem o nome João, mas ele se
apresenta para você como Jom, é muito difícil que entenda como seu nome
deve ser escrito. As crianças com as quais trabalho não têm dificuldades
somente porque têm patologias, muitas vezes falta apenas um trabalho di-
ferenciado para melhorar essa mediação que não tiveram em outros mo-
mentos.

No início dos segundos anos adotei o uso de algumas músicas, retiradas


de livro de musicalização infantil (ASSIS, 1996), para trabalhar dicção, ritmo,
coordenação e as vogais. Saber pronunciar bem as vogais abertas, exage-
rando o movimento, ajuda muito a criança a desenvolver consciência fo-
nológica e a conhecer como os sons se formam na cavidade oral. Ajuda a
aprender a ouvir os sons produzidos, o que é muito importante para a lei-
tura em voz alta e também ajuda na superação da timidez e vergonha de ler
para a professora, o que é cobrado nesse período de alfabetização, como
forma de avaliação.

Uma das canções que utilizo nas minhas turmas é Trula-Birula, cuja pauta
está no livro “A criança e a música” (ASSIS, 1996), que tem o seguinte trecho:
“Trula-birula (3x) ha ha ha ha ha. Dorme Acorda (3x) há há há há há. Trula-
-birula (3x) há há há há há.”
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CAPÍTULO 5 Alfabetização: Lições da Fronteira

Eu utilizo a música da seguinte maneira: ensino o trava-línguas “trula-biru-


la” apenas falando, brincamos várias vezes, até estar bem apropriado pelas
crianças. Nesse momento, vou um por um, pedindo que fale trula-birula, e
aí já identifico algumas dificuldades. Depois, ensino cantando, com melodia
e ritmo. Nesse momento, aproveito para trabalhar várias outras áreas, uma
delas a respiração. Peço que coloquem a mãozinha na barriga e na hora do
há, há, há, há, há, empurrem a barriga para fora. É uma maneira de treinar o
diafragma, a respiração e a consciência corporal. Brinco que é a risada do
palhaço. Depois de aprendida a canção, na hora do há, há, há, trocamos por
cada uma das vogais, tendo o cuidado de exagerar na articulação, convi-
dando as crianças a fazerem mesmo caretas para emitirem o som: há, há,
há... he, he, he... hí, hí, hí... hó, hó, hó... hú, hú, hú.

Na última rodada canta-se apenas com palmas, sem o som da boca, para
treinar ritmo. Com o tempo, as crianças dominam a canção e a atividade
passa a ser um divertimento. Até hoje, todos gostaram!

Outra canção que utilizo do mesmo livro (ASSIS, 1996), tem o seguinte tre-
cho: “Periquito, quito, quito. Na janela, nela, nela”. A partir desta canção,
trabalho a dicção e a repetição das sílabas, o que abre a possibilidade de
desenvolver rimas e a criatividade. Também substituo o final apenas por
palmas, para treinar ritmo e percepção auditiva.

E, por último, a minha preferida, também do mesmo livro, intitulada “A bola


levada”, que tem o seguinte trecho: “Uma bola bem levada foi à porta e fu-
giu”. Esta música trabalha a repetição da última sílaba de algumas palavras,
o que pode parecer fácil, mas não é para a criança que está aprendendo a
segmentar as palavras. Por isso a música é muito útil para a percepção da
segmentação, sem a necessidade do ensino formal do conceito. Nessa can-
ção eu me divirto, porque faço com diversos andamentos, variando o modo
de cantar, de vagaroso para rápido. Ao cantar devagar, estendo a vogal “A”
da palavra “caiu” por todo o tempo da respiração, gerando grande expecta-
tiva por parte das crianças! Nas sílabas repetidas, com o tempo, acrescento
palmas ou batidas na mesa.

O uso dessas canções traz inúmeros benefícios, muito além da alfabetiza-


ção, é lógico. A música faz bem para muitos aspectos do desenvolvimento
humano, especialmente o infantil. Mas, especificamente nessas turmas de
alfabetização, utilizo música para trabalhar as vogais, a projeção do som das
vogais, a dicção, a consciência corporal, criação de vínculo afetivo entre alu-
nos e professora, criação de clima de descontração quanto ao erro, facilitan-
do, assim, o caminho da aprendizagem da leitura e da escrita.

Acredito que outro assunto bem conhecido de quem se dedica à Pedagogia


seja o ambiente repleto de materiais escritos, possibilitando o letramento
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CAPÍTULO 5 Alfabetização: Lições da Fronteira

(SOARES, 2001). Algumas crianças estão imersas em um mundo letrado an-


tes mesmo de ingressarem na escola, outras não. Segundo Vygotsky (2000),
para que uma criança aprenda a ler e a escrever, é necessário que queira ler
e escrever. Que ela entenda a necessidade, utilidade desses conhecimen-
tos e queira fazer uso deles no cotidiano. No caso dos meus filhos, isso era
“natural”. Eles viam a mãe lendo o tempo todo, (eu tenho paixão por leitura),
preparando receitas utilizando um caderno de receitas manuscrito, viam o
pai trabalhando com computador, usando a escrita para registrar os atendi-
mentos e para se comunicar com clientes, dentre tantas outras atividades,
como fazer lista de mercado, etc. Mas no caso de meus alunos, quais os usos
que eles conhecem da leitura e da escrita e que trazem para a escola, como
incentivo para a aprendizagem?

No meu primeiro ano trabalhando na escola, naquele segundo ano onde


entrei em maio, quando refleti sobre este aspecto da necessidade de o alu-
no querer aprender, fiz uma enquete em sala de aula, perguntando para
eles, o que achavam de aprender a ler, escrever, o que pretendiam fazer no
futuro, qual a importância de saber ler e escrever, enfim. Me marcou pro-
fundamente algumas respostas, porque era uma turma difícil e completa-
mente desmotivada. Um dos alunos me disse que não precisava saber ler.
Que ele ia ao mercadinho e falava o que queria comprar, e como o dono já
conhecia a mãe dele, não iria roubar no troco. Quanto a pegar ônibus, ele
conhecia o motorista do bairro, e, se precisasse, perguntava para alguém o
nome do ônibus. Outro aluno fez a seguinte pergunta: “Professora: o que eu
preciso estudar para ser traficante?” Provavelmente o aluno entendia que
o traficante do bairro era a pessoa mais bem sucedida dali, com a melhor
casa e carro, e que ajudava a comunidade. É preciso entender que quando
essa criança chega numa escola com paredes nuas, sala de aula fria, apenas
com caderno – lápis – borracha – quadro – professora, ela não vê sentido
em aprender a ler e a escrever. Ver sentido na escrita é um importante pas-
so para o processo de alfabetização. É preciso criar todo um ambiente de
letramento, que às vezes não é encontrado no cotidiano, fora da escola. O
ambiente da sala de aula precisa ser acolhedor e convidativo à leitura.

Um dos itens obrigatórios em todas as minhas salas de aula é o Cantinho


da Leitura. É o espaço onde mais me dedico, todo início de ano, quando
organizo a sala de aula. Nem sempre ele é um sucesso, preciso dizer. Já tive
turmas totalmente envolvidas com a leitura por causa desse cantinho. Já
tive turma totalmente indiferente, e já tive turma que utilizava para bagunça
mesmo, inclusive danificando os livros daquele espaço, me fazendo quase
desistir de manter o cantinho na sala. Os alunos não são iguais, as turmas
não são iguais, apesar de a professora ser a mesma!

Na primeira turma onde trabalhei as crianças amavam o cantinho da lei-


tura, era como uma praça. Adoravam ler depois que terminavam a tarefa
do caderno. Foi um pouco difícil, no começo, entenderem ser um espaço
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CAPÍTULO 5 Alfabetização: Lições da Fronteira

destinado somente à leitura, pois confundiam com brincar ou conversar li-


vremente, o que atrapalhava a atividade dos outros colegas que ainda es-
tavam fazendo as tarefas. Também é preciso ensinar a criança a ler o livro,
mesmo que ainda não domine a leitura fluente das palavras, pois muitas
têm o hábito de pegar um livrinho, folhear e dizer: já li. Então aí fazemos
uma intervenção. O que você leu? Do que se trata a história do livro? Por que
você escolheu este livro, especificamente? Qual é o personagem principal?
O que acontece com ele? Veja bem, o aluno, nesse momento, provavelmen-
te não deu conta de ler realmente todas as palavras, mas aqui a professora
está indicando que ele pode fazer uma leitura de imagens, de sequência de
acontecimentos, e pode, sim, ler algumas palavras, como as da capa, por-
que a professora seleciona para esse cantinho obras adequadas ao nível
da turma. Com o tempo, as crianças passam a gastar mais tempo com cada
livro, querendo compartilhar a história lida, efetivamente, mesmo antes de
dominar a decodificação das palavras. Isso cria um vínculo de prazer com a
leitura e com a professora, quebrando a vergonha de ler em voz alta poste-
riormente, quando for necessário. No cantinho da leitura eu acrescento um
caixote com volumes de enciclopédias e livros antigos da biblioteca, algo
que faz muito sucesso em todos os anos. Os alunos gostam de folhear as
enciclopédias, pois descobrem coisas curiosas, através de figuras e peque-
nas legendas, às vezes pedindo para que eu leia e explique. O que pensa-
mos ser ultrapassado, para eles é uma novidade! Também incluo diversos
dicionários ilustrados. É uma oportunidade para as crianças folhearem com
calma esse tipo de literatura e conhecerem como está organizada e para
que serve. É lindo ver o encantamento quando encontram uma palavra co-
nhecida, com a ilustração e o significado.

Outro item de muito sucesso são os gibis e as revistinha de receitas, aquelas


compradas em banca de revista, com fotos coloridas e modo de preparo.
Vários alunos pedem para levar para casa. E não somente meninas! Tam-
bém deixo um tapete e almofadas coloridas à disposição, para que fiquem
confortáveis na hora da leitura.

Sempre incluo em sala de aula um alfabeto posicionado acima do quadro,


bem na frente da sala de aula. Há escolas em que o alfabeto já vem pintado
na parede, fixo, padronizado. A orientação é que possua os quatro tipos de
letra (maiúsculas e minúsculas, de imprensa e cursiva), para que a criança,
desde o começo, se acostume com essas diferenças, mesmo que no início da
alfabetização utilizemos prioritariamente a imprensa caixa alta. Para os três
primeiros anos, os alfabetos utilizados têm uma figura associada ao som ini-
cial da palavra. Para o quarto ano, o alfabeto não tem mais essa necessidade.
Na minha prática pedagógica utilizo alguns modelos diferentes de alfabeto
de parede, porque na minha escola cada professor pode trocar, se quiser. E
isso, que parece um detalhe, é muito importante, pois trata-se de uma fonte
de consulta para o aluno alfabetizando nessa fase tão importante.
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CAPÍTULO 5 Alfabetização: Lições da Fronteira

Anteriormente já falei sobre uma aluna, Ana, não encontrar no alfabeto a


letra necessária para escrever o seu nome. Existe uma letra A no alfabeto da
sala. Mas esse A é de AVIÃO, ABELHA ou ÁRVORE. E o nome dela não come-
ça com A! Não se chama ÁNA. Começa com ÃN. Esse é um dos problemas
que ocorrem durante a alfabetização e que muitas vezes não nos damos
conta no início da carreira. Apenas não sabemos por que é tão difícil para os
alunos serem alfabetizados!

Em uma das vezes que trabalhei com o segundo ano, precisei trocar de sala
logo no começo do ano. Essa outra sala havia sido usada no ano anterior,
por outra professora, que escolheu o alfabeto com o tema Disney. Algumas
letras estavam acompanhadas do desenho e do nome de um personagem
da Disney.

Com o passar dos dias, acompanhando as crianças mais individualmente,


sentei ao lado de um aluno com dificuldade para concluir uma atividade
chamada ditado mudo, onde há uma figura e a criança deve escrever a pa-
lavra. A figura era DADO. Esse menino, que no caso se chamava Davi, não
conseguia escrever a palavra. Então, num processo de auxílio, ajudei a des-
cobrir o som que ele precisava para iniciar a palavra, justamente utilizando
a correspondência com o nome dele, se ele percebia a semelhança. Perce-
beu. Segue-se o diálogo:

Professora: - E qual é a letra do seu nome, Davi?

Davi: - É o “D”.

Professora: - Muito bem! Escreve, então, D!

Davi: - Mas eu não sei qual é o D.

Professora: - Vamos olhar no alfabeto, certo?

Nesse momento ele foi incapaz de encontrar a letra D no alfabeto da sala,


que deveria servir como apoio. Junto com ele, fomos ler o alfabeto, desde a
primeira letra, na sequência, para que encontrássemos a letra “D” e eis que
Davi leu da seguinte forma:

Davi: - A-B-C-P.

Professora: - Não, Davi! Como é a sequência do alfabeto? Você já sabe,


o que vem depois do C? Vamos de novo! A, B, C, o que vem agora?

Davi: - D

Professora: - Então! Por que você falou P quando leu o alfabeto?

Davi: - Porque ali é um pato! Então é a letra P.


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CAPÍTULO 5 Alfabetização: Lições da Fronteira

Expliquei para ele que no alfabeto estava o Donald, mas ele me disse que o
nome certo seria Pato Donald, então o certo era PATO, com a letra P.

Durante toda a semana eu tive diálogos parecidos sobre o alfabeto da Dis-


ney. A letra E era Carta, o P era Tio Patinhas, então era o T. O foguete era nave
espacial, então era N. Os livros pareciam cadernos. O notebook parecia es-
tojo de maquiagem. A torta era um docinho e a xícara nenhum deles identi-
ficou como xícara mesmo.

Veja bem, não estou criticando a estética do alfabeto, nem sua funcionalida-
de em outras turmas. Mas para uma turma de alfabetização, especialmente
no meu contexto, esse tipo de alfabeto não serve. E isso faz parte da reflexão
da prática baseada na teoria, que volta para a prática, ou seja, a práxis, com
a qual comecei este capítulo. Eu aprendi que a letra A tem mais de um som
para ser representado no alfabeto quando fiz a graduação em Pedagogia.
Antes disso, nunca tinha pensado na dificuldade que as crianças têm de
entender os sons que as letras podem representar. A partir daí, o alfabeto
continuou sendo tradicional em cima do quadro, por alguns motivos. Mas
acrescentei sobre algumas letras, ou na lateral da sala, cartazes com outras
figuras e palavras para essas letras, por exemplo: anjo para a letra A.

Só então me atentei para a importância de saber como o aluno pensa. Como


ele entende o que está sendo falado, lido, escrito, explicado. Nem sempre
o que é óbvio para os adultos é óbvio para a criança. Nem sempre o que
consideramos cotidiano para a criança, é realmente cotidiano para ela, e faz
parte de seu vocabulário, seu universo de conhecimento. Trago mais exem-
plos para a reflexão. Em outro desses segundos anos, apareceu na avaliação
do município um pequeno texto que falava de uma ratinha que corria atrás
de uma avelã.

Após a maioria dos alunos errar as questões acerca do texto, foi feita a re-
tomada dos conteúdos e uma revisão. Eu trouxe o texto novamente para a
aula, li para a turma e fiz novamente as perguntas, porém de forma oral, na
certeza de que assim o resultado seria diferente. Para minha surpresa, eles
não sabiam responder, estavam confusos. Qual foi a explicação que eles me
deram? Que quem corria atrás de lã era o gato, e não o rato! Percebe? Essas
crianças não faziam a menor ideia do que seria uma avelã. Nunca viram
nem ouviram falar. São crianças de periferia, baixa renda, sem acesso a uma
cultura letrada, o mais próximo que conseguiram associar ao que leram foi
a palavra conhecida “lã”. E no arcabouço de conhecimentos acumulados por
eles, a informação estava errada, pois o animal que conhecidamente gos-
ta de brincar com lã é o gato! Naquela época a Nutella ainda não era tão
conhecida, como creme de avelã, e mesmo assim, não é acessível a esses
alunos, na maioria.
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CAPÍTULO 5 Alfabetização: Lições da Fronteira

Aprendi nessa ocasião que não posso inferir que o entendimento é auto-
mático, óbvio para a criança. Como em outra situação, essa mais recente:
estava auxiliando um aluno de segundo ano em uma avaliação, e ele preci-
sava escrever palavras que iniciassem com a letra A. Após as comuns, dis-
poníveis na sala, AVIÃO, ABELHA, ABACAXI, faltava uma e não havia meio
de ele lembrar. Eu não podia dar a resposta, então, comecei a dar dicas, e
minha ideia foi para ele pensar em algo que se come todos os dias no al-
moço, que era branquinho... mesmo assim, ele não conseguiu pensar em
nenhuma palavra que começasse com A. Fiquei preocupada, já pensando
em várias dificuldades que ele poderia ter, encaminhamentos para fonoau-
diologia, etc. Insisti um pouco, então resolvi perguntar de forma diferente.
Perguntei o que ele almoçava todos os dias, o que ele comia no almoço. A
resposta: lanche. Ou seja, a dificuldade não era de associar o som da letra
A com o alimento arroz, que era o meu raciocínio, mas que ele não comia
arroz com feijão no almoço, como eu supus que todas as pessoas fazem.
Algumas vezes não é a criança que tem dificuldade para ser alfabetizada. A
professora ou o professor é que não sabe como alfabetizar aquela criança.

No contexto de fronteira onde trabalho, muitas vezes tenho alunos de ori-


gem paraguaia. Além de uma timidez imensa para fazer qualquer leitura
em voz alta, há a dificuldade com a língua portuguesa e algumas trocas de
letras, como no caso das letras V e B. É fundamental ter conhecimento sobre
como cada criança pensa, fala, percebe a língua, para que se alcance os re-
sultados esperados na alfabetização.

Mais um aspecto importante a mencionar é que a alfabetização é muito


mais do que ler os sons das letras e escrever os sons da fala. É necessário
que haja o letramento. No meu contexto de trabalho, esse é um dos aspec-
tos mais complicadores, pois a escola acaba precisando compensar o que o
ambiente extraescolar não oferece aos alunos, qual seja, variedade dos usos
sociais da leitura e da escrita. Tem sido um trabalho lento envolver nossas
crianças nesse universo, pois muitas famílias não têm, devido às injustiças
sociais, acesso a uma cultura diversificada e à cultura erudita. Alguns alu-
nos já me perguntaram se, quando eu fui buscar meu marido no aeroporto,
eu pude ver os aviões de perto. Isso mostra a distância, não apenas geográ-
fica, que há entre um bairro de periferia com o restante da cidade. É mais
difícil o letramento quando o horizonte das famílias é limitado ao trabalho
precarizado, ao lazer praticamente inexistente, ao analfabetismo de pais/
avós, à necessidade de as crianças cuidarem dos irmãos mais novos. Faze-
mos o trabalho de mandar livros de literatura para casa (a mala viajante, por
exemplo), mas já aconteceu de mãe me pedir que não mandasse mais “es-
sas coisas de livros” para a casa dela, que não queria a filha lendo pela casa.
A esperança é que vamos ensinando os filhos dos nossos alunos, conforme
passa o tempo, e, depois, os filhos desses filhos, então, se fizermos um bom
trabalho, devemos ter melhores resultados daqui pra frente!
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CAPÍTULO 5 Alfabetização: Lições da Fronteira

Quanto à organização do trabalho pedagógico em sala de aula, preciso di-


zer que demorei um pouco para adquirir uma rotina diária. Nos primeiros
anos aconteceu muitas vezes de acabar o horário e as crianças ainda es-
tarem com os cadernos, concluindo atividades. Eu tinha uma ideia de que
devia mantê-los ocupados o máximo de tempo possível, e sempre fazendo
alguma coisa, ou não estaria dando uma boa aula. Paulo Freire, com sua
sabedoria, adverte sobre a educação bancária, não é? Bem, eu fazia gran-
des depósitos diários naquelas cabecinhas, mas nem sempre obtinha re-
sultados. Conforme fui fazendo as minhas reflexões, com o apoio da equipe
pedagógica da escola, me organizei com a rotina diária, que, aprendi, é im-
portante para as crianças.

De novo, a questão de pensar do ponto de vista do aluno. Para o professor,


a escola é muito lógica, já está organizada em uma rotina pré-determinada
de que sempre será daquele jeito. Mas para a criança dos primeiros anos
do Ensino Fundamental não é assim. Tudo é novidade, mesmo no segundo
ano. A criança faz uma troca de professor, de sala de aula, tudo é novo. Pre-
cisa organizar o caderno de forma diferente do primeiro ano, vai escrever
mais, ler mais, a sala terá cartazes com mais palavras, e para ela tudo isso
é novidade. O professor chega ali sabendo exatamente o que vai encontrar
e para que serve cada elemento da sala de aula. O aluno, não. Tudo é novo.
Então, a rotina traz uma tranquilidade para o ambiente de aprendizagem,
que é muito importante para a sala de aula.

Na alfabetização, recebemos orientações quanto à rotina que devemos im-


plantar diariamente, variando conforme a equipe que está na Secretaria de
Educação, mas, em geral, as instruções são semelhantes, fazendo a leitura
do alfabeto, famílias silábicas, palavras e pequenos textos diariamente na
chegada em sala. Já durante a semana, uso do calendário, leitura dos nu-
merais, roda de conversa e contação de histórias diariamente e, depois, o
uso do caderno, apostila e livro didático.

Na minha rotina consegui organizar o dia de forma que sempre encerro a


aula entregando a tarefa de casa (diariamente), arrumando o material e or-
ganizando a sala de aula. Os minutos finais reservo para a leitura de um li-
vro tirado do Cantinho da Leitura. Reforço aqui a palavra leitura. Atualmente
está em moda a contação de histórias, que é um momento muito agradável
e proveitoso para as crianças, sem dúvida. Existem variados recursos para a
contação, como aventais, caixas, latas, murais, fantoches, dedoches, e mui-
tos outros. Mas eu falo da leitura de livro. Considero importante que a crian-
ça tenha contato com um adulto que leia em voz alta para que ela perceba
como um livro pode ser atraente. Já aconteceu muitas vezes de um livrinho
ficar lá, no Cantinho, sem ninguém se interessar por ele, e, depois de lido
por mim no final da aula, haver um rodízio entre os alunos para levá-lo para
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49
CAPÍTULO 5 Alfabetização: Lições da Fronteira

casa, a fim de contar a história para familiares, porque acharam legal. Por
que insisto na leitura e não na contação? Porque nessa fase é importante
que a criança encontre no livro, depois de lido, exatamente as mesmas pala-
vras que a professora leu. Que ela perceba que o texto está ali, que depende
da entonação, da pontuação, do ritmo, da interpretação, mas que o texto
está ali, do mesmo jeito, e que ela pode reproduzir, sim, o que a professora
leu. A criança, ao ouvir a leitura de um livro, aprendendo a ler, pode imitar
a professora na entonação, e, assim, aprender como dar vida àquele texto
do livro que está lendo. Por isso considero importantíssimo esse tempo do
final da aula para a leitura de um livro, e sempre um livro que já esteja à
disposição das crianças no Cantinho da Leitura, para que percebam que as
histórias estão lá, disponíveis, basta descobri-las. Depois de um tempo, dei-
xo que elas mesmas escolham o livro que será lido no dia, e é interessante
notar a variação de interesses, pois alguns livros chamam a atenção pela
capa e, como ainda não dão conta de ler a história, esperam ansiosas para
que eu leia.

Tudo isso que narro aqui faz parte da alfabetização. Não é a receita de bolo,
de como chegar numa sala de aula e executar uma receita para que todos
os alunos estejam lendo e escrevendo ao mesmo tempo e corretamente.
Inclusive, como dá para perceber, alguns alunos precisam de muito auxílio,
ainda, para reconhecer letras no segundo ano, e outros já sabem ler nessa
mesma fase. São turmas heterogêneas, e o trabalho precisa ser diversifica-
do. O que quero mostrar é a importância de pensar o trabalho de alfabe-
tização. Práxis. Toda a ação pedagógica precisa ter uma intencionalidade,
precisa ser pensada, embasada teoricamente e refletida após a ação. Tam-
bém é necessário entender como a criança pensa, qual é o raciocínio por
trás daquela dificuldade aparente. É preciso prover um ambiente acolhedor,
alfabetizador, onde o aluno tenha prazer de ler, que ele sinta vontade de
aprender a ler. Em todos esses anos, tive alunos com déficit de atenção, de-
ficiência de processamento auditivo, baixa visão, hiperatividade e paralisia
cerebral. Mas o maior obstáculo na aprendizagem de um aluno sempre foi
a falta de vontade de aprender, quando ele não vê a necessidade disso, ou
não se vê capaz de aprender. E esse obstáculo só é vencido no dia a dia, ali,
com a professora, que é a mediadora capacitada para reverter essa situa-
ção, às vezes inclusive com a família.

Para finalizar, quero compartilhar um projeto que fiz na minha escola du-
rante o estágio obrigatório na minha graduação em Pedagogia, e que in-
felizmente só ocorreu naquele período, mas que eu creio que deveria fazer
parte de todas as escolas, ser natural, por assim dizer. Durante meu estágio,
minha proposta foi levar a leitura para a hora do recreio, um tapete colorido
com almofadas coloridas e uma caixa de papelão encapada cheia de livri-
nhos da biblioteca, cada dia uma seleção diferente. Eu me sentava ali, no
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50
CAPÍTULO 5 Alfabetização: Lições da Fronteira

chão, num cantinho do pátio, lendo. As crianças se aproximavam de mim


se quisessem, e pediam para que lesse um ou outro livro. Depois, ou ela fi-
cava ali, ou ia embora para brincar. Foram momentos muito preciosos com
crianças de todas as idades. Não são todos os alunos que se interessam.
Tem os que precisam aproveitar o tempo para jogar bola, correr, pular cor-
da. Mas, com o tempo, surge a curiosidade. Tem aquele dia que o amigo
não foi, ou que ele está meio triste, quer ficar mais quieto, e daí vem sentar
e ouvir a leitura. E tem os menores, que amam ouvir, porque ainda não sa-
bem ler um livro inteiro! Eu imagino um espaço fixo, com uma cadeira de
balanço, tipo dona Benta, sabe, num canto mais silencioso, porque chegou
uma hora que a competição sonora ficou impossível de aguentar, mas que
as crianças soubessem que sempre teria alguém ali, para ler um livro. Acre-
dito, realmente, que seria um caminho para conquistar novos leitores, levar
a biblioteca da escola para o recreio, para fora das paredes. Não continuei
com o projeto. Preciso do intervalo para descansar, preciso cuidar do recreio
interativo na minha escola, e, principalmente, não dou conta de competir
com o barulho e com as pessoas passando no lugar que eu tenho para ficar,
ali no pátio da minha escola. Mas essa ideia está guardada, e quero voltar
a colocar em prática, porque creio firmemente que só formaremos leitores
lendo para as crianças, especialmente em comunidades onde esse hábito
não está presente em casa.

Na minha realidade, algumas vezes a alfabetização se dá até o quinto ano,


como aquisição de habilidade mesmo de leitura e escrita, concomitante
com o letramento. Temos dificuldades em alfabetizar, nossos alunos são fi-
lhos de uma classe trabalhadora precarizada, desvalida, com crianças que
muitas vezes têm como refeição principal a merenda escolar, e para quem
um livro pode não parecer importante. Algumas crianças não fazem as tare-
fas porque têm que cuidar dos irmãos mais novos, ou limpar a casa, mesmo
sendo tão novos, com sete ou oito anos de idade. Dizer que a dificuldade
dos tempos atuais é que essa geração não sai da frente das telas, é imaginar
que existe uma igualdade de acesso às tecnologias, o que evidentemente
não acontece e foi ainda mais perceptível durante a pandemia que vivemos
nos últimos dois anos. Mas a escola pode alfabetizar como Paulo Freire en-
sina: com a leitura de mundo precedendo a leitura do texto. Ouvir e enten-
der os alunos que atendemos. Esse é o primeiro passo.
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51
Alfabetização: Lições da Fronteira

CONCLUSÃO
Tamara Cardoso André

O livro trouxe recomendações, experiências e fundamentos teóricos, não


receitas. Na vida concreta, cada sala de aula e cada indivíduo apresentam
peculiaridades que interferem na prática cotidiana. Nos últimos anos, as
políticas neoliberais de retirada de direitos da classe trabalhadora, o de-
sinvestimento na educação, as salas de aula lotadas devido à política de
fechamento de escolas, o aumento da miséria, a falta de merenda escolar
nutritiva em parte das escolas e o excesso de carga horária de trabalho do-
cente, dentre tantos outros problemas, têm se tornado impeditivos cada vez
maiores para uma educação de qualidade. Porém, é preciso ter horizontes.
A escrita faz parte das nossas interações, e o acesso democrático a ela é um
horizonte do qual não se pode abrir mão quando vivemos em uma socie-
dade letrada.

Esperamos que a didática não seja uma forma de apagar a realidade con-
creta e dizer que tudo ficará bem se a prática pedagógica for adequada.
Mas que também as más condições de trabalho não desencoragem práticas
pedagógicas cientificamente fundamentadas.

Precisamos, ainda, lembrar das avaliações em larga escala, que interferem


no cotidiano da escola. Na pesquisa do meu doutorado (ANDRÉ, 2014), ob-
sevei que a necessidade de preparar as crianças para a Prova Brasil levava
as professoas a terem que dedicar tempo das aulas a atividades sem sen-
tido. Infelizmente, na cidade de Foz do Iguaçu até mesmo a educação in-
fantil está sendo invadida por provas de avaliação externa, para as quais as
crianças precisam ser preparadas. A leitura e a escrita deveriam primeiro se
tornarem acessíveis por meio de literatura, música e atividades significati-
vas. Na atualidade, o que se percebe é uma tendência a ensinar letras para
crianças de três anos de idade que nem ao menos sentem necessidade de
ler e escrever. Infelizmente, nem sempre as condições concretas permitem
a materialização de boas ideias. Mas, quando isso acontece, é preciso não
abrir mão de refletir. É preciso, nesses casos, refletir sobre as razões pelas
quais a realidade concreta não permite avanços, a fim de tentar, assim, in-
terferir nas causas.

A dialética é um movimento em espiral, que vai da prática para a teoria e à


prática retorna. A prática vivida trona-se prática pensada. E, então, a prática
pensada torna-se impulso de transformação. Muitos estudantes de peda-
gogia afirmam que a teoria não tem aplicação prática. Ocorre que a prática
não é idêntica à teoria. A teoria é mediação e ferramenta de compreensão.
A prática é imediata e por si só não leva a compreensão alguma. Já a teoria,
amplia horizontes e aponta caminhos, mas apenas para quem tem espe-
rança de melhoras.
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52
Alfabetização: Lições da Fronteira

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56
Alfabetização: Lições da Fronteira

ANEXO 1

ALFABETO ILUSTRADO

57
Aa Aa

AVIÃO
avião
Alfabetização: Lições da Fronteira

ANZOL, BANANA,
PÃO, ANDAR
B b Bb

BOLA
bola
Alfabetização: Lições da Fronteira

COBRA, BIBLIOTECA,
BRONZE, BRINCAR
C c Cc

COPO
copo
Alfabetização: Lições da Fronteira

CUIA, CIRCO, CEBOLA,


CROCODILO, CAMINHAR
Ç ÇÇç

CORAÇÃO
coração
Alfabetização: Lições da Fronteira

AÇAÍ, MAÇÃ,
DANÇAR, CRIANÇA
Dd Dd

DADO
dado
Alfabetização: Lições da Fronteira

DINOSSAURO, PEDRA,
DÁLMATA, DANÇAR
Ee Ee

ELEFANTE
elefante
Alfabetização: Lições da Fronteira

PENTE, ÉGUA,
JANELA, ENTRAR
Ff Ff

FOCA
foca
Alfabetização: Lições da Fronteira

FRALDA, FLAUTA, FECHAR


Gg Gg

GATO
gato
Alfabetização: Lições da Fronteira

GIRAFA, GRILO, RÉGUA,


CARANGUEJO, GOSTAR
Hh Hh

HIPOPÓTAMO
hipopótamo
Alfabetização: Lições da Fronteira

CH – CHAVE, NH – MINHOCA,
LH – ILHA, CHAMAR
Ii Ii

ILHA
ilha
Alfabetização: Lições da Fronteira

INDÍGENA, AÇAÍ, COMI, IMITAR


Jj J j

JACARÉ
jacaré
Alfabetização: Lições da Fronteira

VEJAM, JEJUM, JUNTAR


K k Kk

karaokê
KARINA, KEVIM
KARAOKÊ
Alfabetização: Lições da Fronteira
Ll Ll

LIMÃO
limão
Alfabetização: Lições da Fronteira

ALTO, MEL, PULGA,


PLUMA, LER
Mm Mm

MAÇÃ
maçã
Alfabetização: Lições da Fronteira

CAMA, CAMPO,
MANTA, MEXER
Nn Nn

NUVEM
nuvem
Alfabetização: Lições da Fronteira

CANTA, NÃO, NAVEGAR


Oo Oo

ovo
OVO
ÓCULOS, OVOS, OLHAR
Alfabetização: Lições da Fronteira
Pp Pp

PEIXE
peixe
Alfabetização: Lições da Fronteira

PATO, PRATO, PLANTAR


Qq Qq

queijo
QUADRO, QUERER
QUEIJO
Alfabetização: Lições da Fronteira
Rr Rr

RATO
rato
Alfabetização: Lições da Fronteira

RUA, CARRO, PRATO,


BARATA, HONRAR
Sp Ss

SAPO
sapo
Alfabetização: Lições da Fronteira

CASA, SAIR, ASSIM,


ASSINAR, SABER
Tt Tt

trem
TREM
TATU, TIGRE, TENTAR
Alfabetização: Lições da Fronteira
Uu Uu

uva
UVA
UMBIGO, UIVAR
Alfabetização: Lições da Fronteira
Vv Vv

VACA
vaca
Alfabetização: Lições da Fronteira

VOVÓ, VOVÔ,
PALAVRA, VOAR
Ww Ww

Wilma
WENDY, WI-FI
WILMA
Alfabetização: Lições da Fronteira
Xx Xx

XÍCARA
xícara
Alfabetização: Lições da Fronteira

EXÉRCITO, TEXTO,
TÁXI, XERETAR
Yy Yy

Yvã
YVÃ
YONE, YAKISOBA, YOGA
Alfabetização: Lições da Fronteira
Zz Yy

ZEBRA
zebra
Alfabetização: Lições da Fronteira

ZINCO, AZUL, ZUMBIR


Alfabetização: Lições da Fronteira

ANEXO 2

MODELO DE ATIVIDADE

RECORTAR AS LETRAS E COLAR NO CADERNO PARA FORMAR PALAVRAS

A A A A A A A A A A A
E E E E E E E E E E E
I I I I I I I I I I I
O O O O O O O O O O O
U U U U U U U U U U U
T T T T T T T T T T T
T T T T T T T T T T T
R R R R R R R R R R R
R R R R R R R R R R R |

58
Alfabetização: Lições da Fronteira

ANEXO 3

FICHA DE LEITURA

59
E F G H I
ELEFANTE FOCA GATO HELICÓPTERO ILHA
A B C Ç D
AVIÃO BOLA CASA CORAÇÃO DADO
J K L M N
JACARÉ KARAOKÊ LIMÃO MAÇÃ NUVEM
O P Q R S
OVO PEIXE QUEIJO RATO SAPO
T U V W X
TREM UVA VACA WILMA XÍCARA
Y Z
YVÃ ZEBRA
Alfabetização: Lições da Fronteira

ANEXO 4

LISTA DE LIVROS DE LITERATURA INFANTIL DE AUTORIA


DE CLEONICE MARÇAL
E-mail para obter os livros: [email protected]

COLETÂNEA CONSCIENTIZAÇÃO AMBIENTAL:


• Enfatizam a conscientização ambiental, com a proposta do conhecer e cuidar da natureza de
forma simples e lúdica.
• Os pequenos Jardineiros
• A história de uma planta
• O mistério da sementinha

COLETÂNEA HISTÓRIAS PARA CONTAR:


• Trabalham as letras, numerais e cores, de modo lúdico e poético
• A caixa Maluca de Luluca,
• Bolha, Bolhão, Bolhinhas de sabão
• Nosso Mundo no Papel

CONTOS:
• A Menina de Lá no Mundo de Cá: aventura de seis amigos e um cachorrinho que vivem na
periferia da cidade e vão conhecer o grande centro urbano. Retrata a amizade, a solidarieda-
de, as brincadeiras infantis antigas e tematiza a preocupação com a questão ambiental.
• Mira, Mirabel: uma Cobrinha Embolada: relata a vida de uma cobrinha que mora no Parque
Nacional do Iguaçu.
• Tem alguém aí: explora a ludicidade por meio da curiosidade infantil e a brincadeira com
bola.
• A Nuvem Chorona: Ensina o ciclo da água.
• A Zebrinha Zezé: trata das quatro estações do ano e o vestuário adequado para cada época e
clima.
• O Pastor de Pedras: conta a história de um menino que cuida das ovelhas e, para não perder
nenhuma, utiliza sacola contendo uma pedrinha para representar cada ovelha.
• O Amigo Zé do Ponto: brinca com a coordenação motora fina a partir das aventuras do Zé do
Ponto, transformando pontinhos em formas geométricas, linhas, boneco surpresa, caracol,
palito de sorvete, relâmpago e um barco.

LIVRO DE POESIA:
• Doce como Ler: incentivo à leitura.
• Hoje Tem Circo? Tem Sim Senhor!: ilustra o universo circense, as apresentações, emoções,
risos, aplausos e o encantamento do circo.
• Quando Voa o Passarinho: retrata a vida de um filhote de pássaro ao sair do ninho e apren-
der a voar.

LIVRO DE ILUSTRAÇÕES:
• Papel de bala: explora as diversas formas que um simples papel de bala pode propiciar:
casa, bola, bala, pipa, carro, foguete, árvore, flor, menino, menina, prédio, barco, estrela, sol e
uma barra de chocolate.
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