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Teresina, Ano 25, n. 46, set./dez. 2020.


ISSN 2526-8449 (Eletrônico) 1518-0743 (Impresso)

LINGUAGEM E CONCEITOS MATEMÁTICOS: O QUE REVELAM OS GUIAS DO


PNLD PARA OS ANOS INICIAIS DO ENSINO FUNDAMENTAL?
EDILSON DE ARAÚJO DOS SANTOS
Graduado em Pedagogia (2017) pela Universidade Estadual de Maringá (UEM). Mestre em Educação (2020)
pelo Programa de Pós-Graduação em Educação (PPE/UEM). Doutorando em Educação no Programa de Pós-
Graduação em Educação (PPGEdu) da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto, vinculada a
Universidade de São Paulo (FFCLRP/USP). Professor na rede municipal de educação de Maringá-PR.
E-mail: [email protected]
ORCID: https://orcid.org/0000-0002-6430-0489
MARIA ANGÉLICA OLIVO FRANCISCO LUCAS
Graduada em Pedagogia pela Universidade Estadual de Maringá (1987), mestre em Educação também pela
Universidade Estadual de Maringá (1999) e doutora em Educação pela Universidade de São Paulo (2009).
Realizou estágio de pós-doutoramente na Faculdade de Educação da Universidade de Sào Paulo (FEUSP).
E-mail: [email protected]
ORCID: https://orcid.org/0000-0003-1568-9341
SILVIA PEREIRA GONZAGA DE MORAES
Doutora em Educação pela Universidade de São Paulo (2008). Mestre em Educação pela Universidade Federal
de Santa Catarina (2000). Graduada em Ciências pela Fundação Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de
Jandaia do Sul, com complementação em Matemática pela Faculdade de Filosofia Ciências e Letras de
Mandaguari. Graduada em Pedagogia pela Fundação Faculdade de Filosofia Ciências e Letras de Jandaia do Sul
E-mail: [email protected]
ORCID: https://orcid.org/0000-0003-0937-5581.

RESUMO
Em razão da crescente discussão acerca dos novos rumos que a produção do livro didático no Brasil
deverá tomar, devido à aprovação da Base Nacional Comum Curricular (2017), trazemos para reflexão,
neste artigo, os Guias do Programa Nacional do Livro e do Material Didático (PNLD), da disciplina de
Matemática. Objetivamos analisar a concepção de linguagem matemática apresentada nos Guias de
livros didáticos avaliados pelo PNLD nos três ciclos trienais de 2010 a 2019. Para isso, realizamos uma
pesquisa documental fundamentada nos pressupostos do Materialismo Histórico Dialético e da Teoria
Histórico-cultural. Os resultados da investigação estão dispostos em três partes: inicialmente
apresentamos a concepção de linguagem defendida pela Teoria Histórico-cultural, visto que essa
perspectiva teórica considera a linguagem fundamental para o desenvolvimento psíquico dos sujeitos.
Em seguida, discorremos sobre o significado, objetivos, finalidade e concepção de linguagem do PNLD
– Área de Matemática. Por fim, expomos a análise dos guias com base em duas categorias de análise,
que são: linguagem clara e uso social da matemática. A investigação demonstrou que a secundarização
da linguagem matemática nas tarefas pode levar a erros conceituais e que a aproximação dos conceitos
matemáticos em seu uso cotidiano se mostrou simplista. Dado os limites de um artigo, não pretendemos
dissertar sobre todos os aspectos que envolvem a temática. Todavia, esperamos com este estudo
contribua para que docentes pensem sobre as contradições existentes em determinadas concepções de
ensino que são materializadas em livros didáticos tais como os distribuídos pelo PNLD.
Palavras-chave: Guias do PNLD. Concepção de Matemática. Linguagem Matemática. Teoria
Histórico-cultural. Organização do Ensino.

LANGUAGE AND MATHEMATICAL CONCEPTS: WHAT DO THE PNLD GUIDES


REVEAL FOR THE EARLY YEARS OF FUNDAMENTAL EDUCATION?

ABSTRACT
Due to the growing discussion on the new directions that the production of textbooks should take in
Brazil, due to the approval of the Common Core National Curriculum (2017), we bring to reflection, in
this article, the National Program Guidelines of the Book and Teaching Material (PNLD), of the
discipline of Mathematics. Our objective is to analyze the conception of the mathematical language
presented in the Textbook Guides evaluated by PNLD in the three triennial cycles from 2010 to 2019.
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To do this, we carried out a documentary investigation based on the assumptions of dialectical historical
materialism and historical theory- cultural. The results of the research are organized in three parts:
initially, we present the conception of language defended by historical-cultural theory, since this
theoretical perspective considers the language fundamental to the psychic development of the subjects.
Next, we discuss the meaning, objectives, purpose, and design of the PNLD language - Mathematics
Area. Finally, we present the analysis of the guides based on two categories of analysis, which are: clear
language and social use of mathematics. The research showed that the secondary importance of
mathematical language in tasks can lead to conceptual errors and that the approximation of mathematical
concepts in their daily use turned out to be simplistic. Given the limits of an article, we do not intend to
talk about all the aspects that involve the topic. However, we hope that this study will help teachers
think about the contradictions that exist in certain teaching concepts that materialize in textbooks such
as those distributed by PNLD.
Keywords: PNLD Guides. Conception of Mathematics. Mathematical language. Historical-cultural
theory. Teaching Organization.

LENGUAJE Y CONCEPTOS MATEMÁTICOS: ¿QUÉ REVELAN LAS GUÍAS


PNLD PARA LOS PRIMEROS AÑOS DE EDUCACIÓN FUNDAMENTAL?

RESUMEN
Debido a la creciente discusión sobre las nuevas direcciones que debe tomar la producción de libros de
texto en Brasil, debido a la aprobación del Currículo Nacional de Base Común (2017), traemos a la
reflexión, en este artículo, las Guías del Programa Nacional del Libro y el Material Didáctico (PNLD),
de la disciplina de Matemáticas. Nuestro objetivo es analizar la concepción del lenguaje matemático
presentado en las Guías de libros de texto evaluadas por PNLD en los tres ciclos trienales de 2010 a
2019. Para ello, realizamos una investigación documental basada en los supuestos del materialismo
histórico dialéctico y la teoría histórico-cultural. Los resultados de la investigación se organizan en tres
partes: inicialmente, presentamos la concepción del lenguaje defendida por la teoría histórico-cultural,
ya que esta perspectiva teórica considera el lenguaje fundamental para el desarrollo psíquico de los
sujetos. Luego, discutimos el significado, objetivos, propósito y diseño del lenguaje del PNLD - Área
de Matemáticas. Finalmente, exponemos el análisis de las guías en base a dos categorías de análisis, que
son: lenguaje claro y uso social de las matemáticas. La investigación demostró que la importancia
secundaria del lenguaje matemático en las tareas puede conducir a errores conceptuales y que la
aproximación de los conceptos matemáticos en su uso diario resultó ser simplista. Dados los límites de
un artículo, no tenemos la intención de hablar sobre todos los aspectos que involucran el tema. Sin
embargo, esperamos que este estudio ayude a los maestros a pensar sobre las contradicciones que existen
en ciertos conceptos de enseñanza que se materializan en libros de texto como los distribuidos por
PNLD.
Palabras clave: Guías PNLD. Concepción de las Matemáticas. Lenguaje matemático. Teoría histórico-
cultural. Organización de la enseñanza.

INTRODUÇÃO

Para quem estuda a Educação de modo geral, e, também a Educação Matemática é


consenso entre professores, pesquisadores e, quiçá, entre os próprios estudantes, seja os da
educação básica ou do ensino superior – que o ensino de matemática vai mal! Em cada artigo,
em cada proposta de ensino, em cada tarefa realizada, um sentimento uníssono parece
atormentar aqueles que estão envolvidos com esta área do conhecimento.
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Essa realidade é retratada nas diferentes avaliações nacionais e internacionais, como


apontou Lacanallo (2011) ao descrever os resultados destas avaliações, demonstrando que eles
estão abaixo das metas estabelecidas. Isto significa que gerações de alunos estão passando pela
educação escolar, mas não têm se apropriado dos conhecimentos básicos de matemática.
Diante disso, perguntamos: como superar esta situação? Antes de mais nada, urge
entender o problema, investigando os elementos que corroboram para estes resultados, tais
como os recursos didáticos presentes no cotidiano escolar. Dentre eles, o livro didático é
destacado por Boian (2018) por ser o recurso mais utilizado pelos professores. A autora afirma
que há nos estudos acadêmicos uma quantidade vasta de trabalhos envolvendo a temática do
livro didático. Reconhecemos, como posto por Lajolo (1987), que se trata de um “velho tema,
revisitado”, o que demanda novas pesquisas sobre o assunto. Assim, consideramos que os
resultados das avaliações mencionadas impõem a necessidade de refletir sobre a função dos
livros didáticos no processo de ensino e aprendizagem de matemática. Nestas reflexões
destacamos a concepção de matemática presente nos Guias de livros didático de matemática
em que são expostas as avaliações feitas sobre as obras didáticas aprovadas do PNLD. Refletir
sobre essas questões é fundamental para se compreender a organização do ensino desta
disciplina.
Formulamos este artigo tendo como base estudos do Materialismo Histórico Dialético
e da Teoria Histórico-Cultural (THC), a qual defendem o papel fundamental da linguagem no
desenvolvimento psíquico dos sujeitos. Deste modo, objetivamos nesta investigação analisar a
concepção de linguagem matemática presente nos Guias de livros didáticos avaliados no PNLD
de 2010 a 2019. A exposição dos resultados da investigação está disposta em três tópicos que
se complementam. Inicialmente apresentamos a concepção de linguagem defendida pela THC.
Em seguida, discorremos sobre o significado, os objetivos, a finalidade e a concepção de
linguagem presentes no PNLD – Área de Matemática. Por fim, com base no referencial teórico
apontado, expomos a análise dos Guias de livros didáticos do PNLD com base em duas
categorias: linguagem clara e uso social da matemática. Para exemplificar nossos argumentos
ao leitor, em cada categoria demostramos tarefas retiradas dos livros recomendados pelos guias
do PNLD.

LINGUAGEM E DESENVOLVIMENTO DO PSIQUISMO


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Vygotski (1979), ao caracterizar os aspectos da conduta humana, dispõe hipóteses sobre


como os conceitos foram elaborados no curso da história humana e como se desenvolvem na
história de cada indivíduo. Um dos problemas discutido pelo autor é: “[...] qual é a natureza da
relação entre o uso de ferramentas e o desenvolvimento da linguagem?” (VYGOTSKI, 1979,
p. 15). Para responder a essa complexa questão, ele justifica a necessidade de aprofundar as
pesquisas, pois, naquele período não havia estudos que a detalhassem.
O psicólogo soviético exemplifica com experimentos e aponta elementos em resposta à
indagação apresentada. Os experimentos descritos por Vygotski (1979) distinguem a diferença
entre a inteligência prática das crianças e a dos animais e, diante dos resultados, o autor afirma
que a linguagem não apenas facilita a manipulação efetiva dos instrumentos (foco do
experimento), mas, também, “[...] controla o comportamento do pequeno. Assim, pois, com a
ajuda da linguagem, como diferença dos macacos, as crianças adquirem a capacidade de ser
sujeitos e objetos de sua própria conduta” (VYGOTSKI, 1979, p. 15, grifos do autor).
As investigações realizadas por Vigotski (1979) revelaram que o fator principal da
relação das raízes genéticas do pensamento e da linguagem reside nas mudanças que ocorrem
no processo do desenvolvimento do sujeito. Nas palavras do autor: “[...] a evolução da
linguagem e o pensamento não é paralela nem uniforme. Suas curvas de crescimento se juntam
e separam repetidas vezes, se cruzam, durante determinados períodos se alinham em paralelo e
chegam mesmo a fundir-se em algum momento [...]” (VYGOTSKI, 1979, p. 91).
O autor explica que, apesar de a linguagem e o pensamento, em determinados momentos
do desenvolvimento humano, se fundirem, elas possuem raízes genéticas distintas. Quem
também apontou esta distinção foi Rubinstein (1973), ao descrever nos estudos da Psicologia
como a linguagem é vista em relação ao pensamento. Para ele a linguagem está, de fato,
diretamente ligada ao pensamento, visto que:

[...] a palavra exprime uma generalização enquanto forma de existência do


conceito do pensamento. Na história evolutiva, a linguagem surge ao mesmo
tempo que o pensamento no processo de trabalho social. No decurso da
evolução histórico-social da humanidade, a linguagem desenvolveu-se como
unidade do pensamento. Todavia, a linguagem ultrapassa os limites de uma
simples vinculação ao pensamento. Desempenham também uma função
significativa na linguagem os aspectos emocionais: a linguagem encontra-se
em relação com a consciência como um todo. (RUBINSTEIN, 1973, p. 9).

Ao tratar mais especificamente da linguagem, corroboramos com a afirmação da


Rubinstein (1973, p. 10) ao afirmar que “Mediante a linguagem a consciência de um indivíduo
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torna-se acessível ao outro”. Deste modo, perante a incorporação das relações práticas, ou seja,
valendo-se da linguagem, o indivíduo penetra na consciência do outro. Luria (2005, p. 110), ao
tratar do papel da linguagem no desenvolvimento cognitivo, aponta que “O homem assimila a
linguagem oral e graças a ela pode assimilar a experiência do gênero humano, construída
através de milhares de anos de história”. Ao apropriar-se deste instrumento, o sujeito
desenvolve uma das principais funções da linguagem – a generalização. Luria (1991, p. 17-18)
afirma que o pensamento faz uso da linguagem, ou seja, é mediado por ela, permitindo:

“[...] descriminar os elementos mais importantes da realidade, relacionar a


uma categoria os objetos e fenômenos que, na percepção imediata, podem
parecer diferentes, identificar aqueles fenômenos que, apesar da semelhança
exterior, pertencem a diversos campos da realidade; ele permite elaborar
conceitos abstratos e fazer conclusões lógicas, que ultrapassam os limites da
percepção sensorial; permite realizar os processos de raciocínio lógico e no
processo deste raciocínio descobrir as leis dos fenômenos que são inacessíveis
à experiência imediata; permite refletir a realidade de maneira imediatamente
bem mais profunda que a percepção sensorial imediata e coloca a atividade
consciente do homem numa altura incomensurável com o comportamento do
animal”.

Leontiev (2005, p. 72) descreve que o aprendizado da linguagem é uma exigência para
o desenvolvimento mental porque “[...] o conteúdo da experiência histórica do homem, a
experiência histórico-social, não está consolidada somente nas coisas materiais; está
generalizada e reflete de forma verbal na linguagem”. E assim, de acordo com o referido autor,
a criança assimila o conhecimento humano e os conceitos sobre o mundo circundante.
Rubinstein (1973, p. 24) aponta para a existência de diferentes tipos de linguagem, tais
como “[...] a linguagem dos gestos e a dos sons; a linguagem escrita e linguagem verbal; a
linguagem interna e a externa”. De certa forma, todas então intimamente ligadas ao
pensamento. Elaboramos o seguinte quadro síntese, na tentativa de expor como Rubinstein
(1973, pp. 24-31) caracteriza os tipos de linguagem, recorrendo para isso a suas próprias
palavras:

QUADRO 1: Tipos de linguagem, segundo Rubinstein (1973)


“Complementa a linguagem” (p. 24);
“Proporciona uma força particular expressiva ou inclusive
confere novo colorido ao conteúdo significativo da dicção
GESTOS
verbal” (p. 24);
“Pouco apropriada para a transmissão de conteúdos abstratos”
(p. 24).
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“Tem como premissa uma evolução superior do pensamento”


(p. 25);
Composto pelos órgãos fonéticos (os pulmões, a laringe, as
SONS
cavidades aéreas);
“[...] o pensamento abstrato mais generalizado necessita da
linguagem fonética para expressar-se” (p. 25).
“[...] não é apenas uma tradução alfabética da linguagem
falada” (p. 26);
“[...] é uma linguagem comercial ou científica” (p. 27);
“[...] usa-se frequentemente na comunicação de um conteúdo
mais abstrato” (p. 27);
ESCRITA “[...] uma estrutura do discurso superiormente desenvolvida,
outra forma de exposição do conteúdo do pensamento. Nas
exposições escritas devem exprimir-se diretamente todos os
pensamentos essenciais” (p.27);
“[...] garante a continuidade histórica necessária à evolução do
pensamento teórico” (p. 28).
“[...] utilizada mais frequentemente como linguagem usual, na
VERBAL conversação” (p. 26-27);
“[...] surge, a maior parte das vezes, na vivência direta” (p. 27).
“[...] não se destina ao outro” (p. 30);
“[...] possui caráter conceitual (p. 30);
INTERNA “[...] forma de trabalho interno (p. 30);
“[...] está, com frequência, muito carregada emocionalmente”
(p. 31).
“[...] falada de viva voz” (p. 30);
EXTERNA “[...] decorre de condições diferentes e fica sujeita por isso a
certas transformações” (p. 30).
Fonte: Organizado pelos pesquisadores (2020).

O modo pelo qual se optou em dispor o quadro foi para elencar de maneira didática
como Rubinstein (1973) explicitou os tipos de linguagem ao longo de seus estudos. Em
determinados pontos das citações selecionadas o autor afirma que todas as linguagens têm
caráter social; em outros, referindo-se especificamente a linguagem verbal e a linguagem
escrita, salienta que as particularidades (de cada tipo de linguagem) devem unir-se. Portanto,
de certo modo, todos os tipos de linguagem descritos pelo referido autor estão interligados. Por
isso Rubinstein (1973) afirma que a linguagem e pensamento devem possuir um caráter de
unidade, tendo em conta que:

O pensamento não pode ser reduzido à linguagem, nem os dois fenômenos


considerar-se idênticos, pois a linguagem só existe como tal graças à sua
relação com o pensamento. [...] A linguagem é a expressão do pensamento,
dando-lhe forma sem lhe alterar a natureza. A linguagem, a palavra, não serve
apenas expressar um pensamento e fazer com que este pareça externamente,
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para transmitir aos outros o pensamento já formulado e ainda não expresso.


Na linguagem não formulamos o pensamento e é ao formulá-lo que o
formamos. A linguagem é algo mais que instrumento externo do pensamento.
(RUBINSTEIN, 1973, p. 33, grifo do autor).

Com tais afirmações, o autor mencionado direciona suas reflexões para a defesa dos
fenômenos como unidade e não como processos idênticos. Deste modo, com base nos
apontamentos feitos pelo autor podemos considerá-los como processos interdependentes.
A partir de tais contribuições acerca da apropriação da linguagem ao desenvolvimento
psíquico advindas da THC, a qual forneceu elementos para a análise dos Guias e, também, das
tarefas apresentadas nas obras didáticas do PNLD de matemática.

GUIAS DO PNLD DE MATEMÁTICA

Neste tópico são apresentadas história e estrutura do Programa Nacional do Livro e do


Material Didático (PNLD). O nosso estudo enfoca os Guias de livros didáticos de matemática
para os anos iniciais do Ensino Fundamental dos ciclos trienais de 2010, 2013, 2016 e 2019.
Os ciclos trienais do PNLD são alternados, por exemplo, o PNLD de 2019 corresponde os anos
de 2019, 2020 e 2021, o qual o edital para inscrição das obras pelas editoras, avaliação das
obras, a publicação do Guia e a escolha pelas unidades escolares é feita no intervalo entre os
ciclos.

O que é o PNLD?

De acordo com os dados fornecidos no site que abriga os materiais do PNLD, este é o
mais antigo dos programas voltados à distribuição de obras didáticas para estudantes, apesar de
o nome do referido programa ter sido diferente ao longo do tempo. Iniciou com o Decreto-Lei
nº 93, de 21 de dezembro de 1937, com a denominação de Instituto Nacional do Livro e,
somente em 1985, recebeu o nome de PNLD. A partir do Decreto nº 9.099, de 18 de julho de
2017, houve uma fusão entre os programas de distribuição dos livros didáticos, a qual passa a
ser chamado de Programa Nacional do Livro e do Material Didático (PNLD). Assim, este
programa teve seu propósito ampliado, contando com a “[...] inclusão de outros materiais de
apoio à prática educativa para além das obras didáticas e literárias: obras pedagógicas,
softwares e jogos educacionais [...]” (BRASIL, 2019, s/p).
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O referido programa tem por objetivo a compra e distribuição de materiais didáticos


destinados aos alunos e professores das escolas públicas de educação básica no Brasil.
Entretanto, estas são as últimas etapas de um longo percurso que envolve: Adesão das
instituições de ensino, Editais, Inscrição das editoras, Triagem/Avaliação; Guia do Livro;
Escolha; Pedido; Aquisição; Produção; Análise da qualidade física; Distribuição; Recebimento.
No Artigo 10 do Decreto nº 9.099, de 18 de julho de 2017, consta que a avaliação pedagógica
dos materiais didáticos do PNLD é coordenada pelo Ministério da Educação (MEC), o qual
elege professores/pesquisadores para a avaliação dos materiais.
Em virtude do tempo necessário para cumprimento de todas estas etapas, existe uma
alternância entre os níveis de ensino que são contemplados no PNLD, os chamados ciclos
trienais, isto é, a cada três anos, um nível de ensino. Oliveira (2009) conta que o PNLD é
financiado pelo Fundo Nacional da Educação (FNDE), bem como financia outros programas,
como o Programa Nacional do Livro para o Ensino Médio (PNLEM) e o Programa Nacional
do Livro Didático para a Alfabetização de Jovens e Adultos (PNLA). Encontramos nos sites do
MEC outros programas semelhantes, como o PNLD exclusivo para o Pacto Nacional para a
Alfabetização na Idade Certa (PNAIC).
Tendo em conta, os aspectos históricos e legais da organização do PNLD, discutimos
no próximo tópico sobre a organização dos Guias do PNLD. Destacamos que pela quantidade
de Guias existentes nossa análise se limitou apenas aos materiais cujo conteúdo retratava os
livros de Matemática.

Guias de Matemática do PNLD

Estabelecemos alguns critérios para a seleção dos materiais que abordamos neste artigo,
em virtude da quantidade de edições já realizadas pelo PNLD. São eles: a) Guias de
Matemática; b) destinados aos anos iniciais do Ensino Fundamental. Justificamos a definição
desses critérios em razão do objeto de nossa investigação: a concepção de linguagem
matemática presente nos Guias de livros didáticos. Ao eleger estas especificações obtivemos
como resultado quatro Guias, especificamente os divulgados em 2010, 2013, 2016 e 20191.
Os Guias de 2010, 2013 e 2016 seguem estrutura semelhante, apresentando, no início,
os avaliadores da edição e os objetivos para o ensino de Matemática nos anos iniciais do Ensino

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Não incluímos nas fontes documentais deste estudo os Guias do PNLD de matemática destinados a EJA e a
Educação do Campo, dada a especificidade das modalidades.
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Fundamental. Em seguida, dividem-se em dois blocos: o da Alfabetização Matemática e o da


Matemática, no Guia de 2010 o primeiro bloco foi composto por materiais destinados aos
alunos do 1º e 2º ano e o segundo para os estudantes do 3º ao 5º ano. Essa divisão foi modificada
nos anos de 2013 e 2016, quando o primeiro bloco passa a comportar do 1º ao 3º ano e o segundo
passa a referir-se aos 4º e 5º anos. Isso se justifica em virtude de o Pacto Nacional pela
Alfabetização na Idade Certa (PNAIC) ampliar o período de alfabetização para até o 3º ano. No
guia de 2019 não há essa divisão, as obras são apresentadas sequencialmente. Entretanto, não
é explicitado na referida edição o motivo pela nova estrutura que fora utilizada.
Os Guias de 2010, 2013 e 2016 descrevem considerações gerais sobre o ensino de
Matemática (A matemática no mundo hoje; Educação matemática; e Resolução de problemas).
No Guia de 2019 também há esses textos introdutórios, todavia, estão relacionados com as
competências e habilidades presentes na Base Nacional Comum Curricular (BNCC), lançada
em 2017. Isto acontece porque há em cada documento uma descrição particular que se ancora
em uma legislação. Os editais do PNLD estabelecem que um dos critérios na avaliação das
obras didáticas é a incorporação das demandas postas nos documentos oficiais. Como por
exemplo, no Guia de 2010 é enfatizado o Ensino Fundamental com nove anos de duração e nele
transparece a necessidade de que tanto as obras quanto os professores devem considerar tal
especificidade.

Qualquer proposta metodológica para o trabalho com crianças do primeiro ano


deve levar em conta que a passagem da educação infantil para o ensino
fundamental seja a mais suave possível. Nesse contexto, vale lembrar que,
entre aquelas que iniciarão o 1º ano, certamente haverá alunos com cinco anos
e meio de idade. (BRASIL, 2010, p. 20)

Diante destes exemplos, observamos que os Guias estão vinculados às exigências das
legislações educacionais, as quais, por sua vez, visam suprir demandas de organismos
internacionais. Isto significa que os Guias do PNLD para a escolha de livros de didático, em
específico os de Matemática, não são somente um instrumento de suporte para a escolha do
material didático pelo docente, mas de reforço e alinhamento com as políticas internacionais
para os países periféricos, sobre isso Furtado e Gagno (2009) discorrem que:

O caráter político sobre a produção do livro didático evidenciou-se em toda a


sua significação com as regras estabelecidas pelos organismos internacionais
para a educação, demonstrando a poderosa influência do capital estrangeiro
nos alicerces educacionais. O Banco Mundial fornecia base financeira para o
sustento da educação básica de países periféricos de modo a garantir interesses
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estrangeiros diversos relacionados à globalização. (FURTADO; GAGNO,


2009, 11220)

Assim, tendo conhecimento da estrutura dos Guias do PNLD de Matemática,


discutiremos no próximo tópico, a análise da concepção de linguagem matemática presente nos
Guias do PNLD de Matemática, na qual elencamos duas categorias que revelam o fenômeno
em estudo.

ANÁLISE DOS GUIAS DO PNLD DE MATEMÁTICA

Colocar em evidência as concepções de linguagem matemática presentes nos Guias de


livro didático requer um método de investigação, ou seja, um modo pelo qual possamos
desvelar as avaliações das obras didáticas realizadas pelos pesquisadores sugeridas pelos Guias.
Os pressupostos metodológicos que utilizamos neste estudo advêm do Materialismo Histórico
Dialético. Justificamos a escolha por este método por identificamos nele a possibilidade de
explicitar a totalidade do fenômeno, a fim de compreender as suas particularidades, ou seja,
olhar o fenômeno em suas múltiplas determinações.
Para evidenciar as múltiplas determinações do fenômeno em estudo houve a
necessidade de definirmos categorias de análise. De acordo com Kopnin (1978, p. 121), as
categorias, bem como as leis, “[...] se constituem como método de interpretação da realidade
objetiva, situada fora da consciência do homem, ou do próprio pensamento enquanto atividade
subjetiva voltada para o conhecimento das coisas [...]”. Assim, a realidade objetiva, capturada
por meio da investigação do objeto, deve ser exposta em forma de categorias, as quais
evidenciem, especificamente no estudo apresentando neste artigo, as particularidades que
envolvem o uso e a apropriação da linguagem matemática.
Martins e Lavoura (2018, p. 228-229) afirmam que é preciso retirar do objeto as
determinações que o constituem. Uma forma de realizar este processo é a formulação de
categorias, as quais são “[...] elaborações lógicas do sujeito pensante, configurando-se como
expressão lógica da realidade, por isso são categorias ontológicas”.
A partir destes pressupostos, formulamos duas categorias para a presente análise:
linguagem clara e uso social da matemática. Antes, registramos duas ressalvas: a exposição do
fenômeno pelas categorias não desmerece a qualidade das avaliações feitas pelos
pesquisadores; a análise do material abre espaço para a elaboração de outras categorias,
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entretanto, dado aos limites de um artigo e as necessidades do objeto ao qual nos propomos a
investigar, nos deteremos apenas a essas duas.

Linguagem Clara

Como suporte para a análise das obras didáticas, os pesquisadores escolhidos pelo MEC
recebem uma ficha de avaliação, sendo os aspectos relacionados à clareza e adequação da
linguagem um dos pontos nela tratados. Com isso, espera-se que o avaliador identifique no
livro: a) se a linguagem é adequada à faixa etária a qual se destina; b) se há clareza na
apresentação dos conteúdos; c) se há adequação da linguagem matemática; e, d) se há utilização
de diferentes gêneros textuais.
Ao realizar a leitura de todas as avaliações feitas das obras didáticas, constatamos que
os avaliadores permaneceram fiéis em identificar esses quesitos, a ponto de algumas avaliações
serem idênticas. Nas avaliações observamos que os avaliadores abordam a necessidade de se
articular a linguagem materna (ou do cotidiano) com a linguagem matemática. No entanto, nos
Guias de livros didáticos não encontramos detalhadamente os motivos que justificam e
caracterizam essa separação. O que mais se aproximou da discussão foi o Guia de 2016, que ao
tratar dos conceitos de semelhança e diferença, descreve que:

A relação entre a linguagem do cotidiano e a linguagem matemática é uma


das “pedras no caminho” mais instigantes no ensino fundamental. Por um
lado, é necessário utilizar os significados dados a palavras e expressões da
linguagem na esfera do cotidiano. Por outro lado, é indispensável construir a
linguagem na esfera técnico-científica. Não se pode acreditar que a passagem
de uma para outra esfera se faça de modo inteiramente suave. (BRASIL, 2015,
p. 37)

Consideramos pertinentes as inquietações dos autores do referido guia. Todavia, a


insistente tentativa de aproximar/transpor/adequar a linguagem técnica da linguagem materna
(cotidiana), em muitos casos, poderá permanecer na empiria dos conceitos científicos, ou seja,
não incorporar os conhecimentos pertencentes à matemática. Nesta situação há a possibilidade
de o escolar, ao se referir a determinado conceito, se limitar apenas a linguagem cotidiana.
Vejamos um exemplo relacionado ao ensino da geometria. Ao ensinar sólidos
geométricos utiliza-se de representações do cotidiano nos livros didáticos: uma esfera pode ser
uma bola de futebol; um paralelepípedo pode ser uma caixa de remédios; e assim em diante.
Tal aproximação é importante, todavia, limitar-se a ela não é suficiente para a formação de
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conceitos científicos. Estas manifestações, pautadas em aspectos do cotidiano, permanecem em


caráter perceptual. Contudo, Smirnov e Menchinskaya (1960) afirmam que o conhecimento não
se delimita a aspectos externos, ou seja, ligados a sensação, percepção ou recordação sobre o
que o sujeito já percebeu. Para os autores, “a vida coloca o homem em situações que são
impossíveis de resolver por meio da percepção direta dos objetos e fenômenos que o rodeia ou
a memória do que foi percebido anteriormente” (SMIRNOV; MENCHINSKAYA, 1960, p.
232). Deste modo, ter no campo da percepção uma determinada gama de conhecimentos não é
garantia de uma aprendizagem que promova o desenvolvimento das funções psíquicas
superiores nas suas máximas capacidades, ou seja, permanecer na linguagem cotidiana,
tentando sempre fazer a ligação direta com imagens visuais dos conceitos, compromete o
desenvolvimento qualitativo das funções mentais.
Outro ponto a ser destacado na categoria clareza e adequação da linguagem é a
progressão na utilização da linguagem matemática (utilização de símbolos, nomenclaturas) no
decorrer dos anos escolares. Acreditamos que essa progressão não deve ocorrer somente com a
quantidade de simbologias ou nomenclaturas técnicas abordadas. Davydov (1987) classifica
esse modo de compreender o encadeamento das aprendizagens como um princípio da escola
tradicional2, que chamou de “caráter sucessivo da aprendizagem”, para o qual os conteúdos
devem ser ampliados em volume quantitativo de conhecimentos. A fim de incorporá-lo por
superação, Davydov (1987) sistematiza o princípio do “caráter científico”, segundo o qual deve
haver a necessidade de formar nas crianças, desde tenra idade, as bases do pensamento teórico.
Em suas palavras:

[...] em todo ensino deverá haver a vinculação e a “sucessão” dos


conhecimentos, mas se deverá tratar de uma ligação entre estágios
qualitativamente diferentes do ensino, diferentes tanto pelo conteúdo como
pelos procedimentos utilizados para se fazer chegar esse conteúdo às crianças
[...] A quantidade deve ser substituída pela qualidade. (DAVYDOV, 1987, p.
150)3

Com base no exposto, consideramos que as avaliações de livros didáticos devem ir além
da identificação acerca da clareza da linguagem utilizada, bem como do adequado avanço no
decorrer da escolarização. Pois, o que torna uma linguagem clara? Como dosá-la pensando no
processo de ensino e aprendizagem de conceitos matemáticos?

2
Ao utilizarmos a nomenclatura Escola Tradicional, a partir de Davýdov, não estamos nos referindo a divisão feita
por Saviani (1984).
3
Todas as traduções contidas neste artigo são de responsabilidade dos autores.
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Segundo a Associação Internacional de Linguagem Simples4, linguagem clara é “[...]


quando o texto, a estrutura e o design são tão claros que o público-alvo consegue encontrar
facilmente o que procura, compreender o que encontrou e usar essa informação” (PLAIN, 2019,
s/p.). Considerando tal definição, trazemos para reflexão duas tarefas de ensino propostas em
livros didáticos e em seus respectivos Guias (2010 e 2013) as quais classificamos como tendo
linguagem clara e sendo adequada a idade dos alunos para os quais se destinam - primeiro ano
de escolarização. Ambas pertencem ao eixo matemático5 grandezas e medidas, explorando,
mais especificamente, a temática medidas de massa. Vale ressaltar que as tarefas compõem a
introdução da referida temática, ou seja, trata-se do primeiro contado explícito que a criança
terá com conceitos afetos a esse conteúdo presente no livro didático.

FIGURA 1: Imagem base da tarefa sobre FIGURA 2: Imagem base da tarefa sobre
medidas de massa medidas massa

Fonte: Souza (2000, s/p.) Fonte: Souza (2002, s/p.)

Na figura 1 observamos que o personagem Chico Bento está em uma pescaria, e, a seguir
da imagem, há a questão: “Na sua opinião, o peixe que Chico Bento pescou é leve ou pesado?”
(GARCIA, 2011, p. 189). Pelo fato de a imagem do peixe representar um animal grande, espera-

4
A Plain Language Association International (PLAIN) reúne apoiadores e profissionais de linguagem simples de
todo o mundo, com sede no Canadá a associação tem como um de seus objetivos “Aumentar a conscientização
pública da linguagem simples como um meio de tornar as comunicações do governo, negócios, indústria,
profissões (incluindo as profissões médica, jurídica, de gerenciamento de informações, educação e comunicação)
e organizações comunitárias acessíveis internamente e para um público amplo e público”
5
Nos guias de 2010, 2013 e 2016 são descritos como eixos matemáticos: Números e operações; Geometria;
Grandezas e medida; e Tratamento da Informação. No guia de 2016, além desses, é inserido, também o eixo
Álgebra.
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se que as crianças respondam que o peixe, tem mais massa, por isso é “pesado”. Todavia, para
determinar se um objeto é leve ou pesado, faz-se necessário que se compare a outro objeto, e,
em nossa opinião, essa possibilidade de interpretação não consta na questão formulada a partir
da imagem.
Na figura 2 constatamos que existem vários personagens brincando em uma gangorra,
havendo a possibilidade de fazer uma comparação entre as grandezas. Entretanto, as questões
para análise da imagem pela criança são insuficientes quanto às possibilidades de exploração
conceitual. Eis as questões:

O que está acontecendo na cena da página anterior? Você conhece todos os


personagens que aparecem nessa imagem? Quantas crianças Jotalhão
conseguiu levantar na gangorra? Você acredita que as crianças vão conseguir
erguer o Jotalhão na gangorra? Quantos quilogramas você imagina que um
elefante tem? E você, quanto quilogramas tem? (TOSATTO; TOSATTO; e
PERACCHI, 2011, p. 224)

Considerando estas questões, nos indagamos: em nível qualitativo, o que os alunos do


1º ano do ensino fundamental avançam em termos de aprendizagem? Ou ainda, essas questões
mobilizam para a necessidade da aprendizagem de conceitos científicos? Sforni e Galuch (2006,
p. 153) afirmam que, ao ingressar na instituição de ensino, o escolar domina o saber espontâneo
“[...] adquirido nas experiências vividas em diferentes situações e espaços sociais”. No entanto,
as autoras advertem que

A escola trabalha com o conhecimento científico e, ao transmitir determinado


conteúdo, transmite também, formas de pensar, analisar, reelaborar e agir. É
importante ressaltar, ainda que para se posicionar conscientemente diante de
qualquer fato, fenômeno ou conceito, é imprescindível o saber sistematizado.
É difícil, por que não disse impossível, o aluno emitir opiniões que
ultrapassem o conhecimento empírico, imediato, se os conceitos, que ele
adquiriu em sua vida cotidiana, forem tomados como pontos de partida e de
chegada. (SFORNI; GALUCH, 2006, p. 153)

Ao realizar a defesa de que na escola se ensina o conceito científico e que a omissão da


linguagem matemática acarreta possíveis equívocos nas elaborações conceituais realizadas
pelas crianças, passaremos no próximo tópico a discorrer sobre a segunda categoria que
abordamos nesta análise.

Uso social da matemática


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Por qual motivo elegemos como categoria de análise o “uso social da matemática” em
um estudo sobre linguagem? O uso cotidiano dos conceitos matemáticos se dará em decorrência
– espera-se – da mediação dos signos e símbolos da matemática, sendo a linguagem, portanto,
contemplada nesta categoria. Nossa preocupação reside no fato da materialização em livros
didáticos de propostas pedagógicas advindas de abordagens como a do numeramento,
letramento matemático, alfabetização matemática e outras, que têm, em nossa concepção,
secundarizado os conceitos matemáticos.
Moretti e Souza (2015, p. 21) ao abordarem essas nomenclaturas em seu estudo afirmam
que estes aparecem em pesquisas e documentos oficiais com diferentes significados, ou seja,
“o seu uso e o sentido que lhes é atribuído não é consenso”. Todavia, as autoras reforçam que
para além nas nomenclaturas abordadas para o ensino de matemática na infância é fundamental
a compreensão sobre os processos humanos de significação dos conceitos matemáticos
elementares. Assim, mais do que a nomenclatura nosso estudo se dirige ao resultado dessas
proposições as tarefas de matemática nos anos iniciais do Ensino Fundamental.
No edital de convocação e nos Guias do PNLD são apresentadas as competências a
serem desenvolvidas no ensino de matemática referente ao seu uso social. Em tais documentos
é posto, dentre outras competências, que o escolar deve “interpretar matematicamente situações
do dia-a-dia ou de outras áreas do conhecimento, bem como usar independentemente o
raciocínio matemático para a compreensão do mundo que nos cerca” (BRASIL, 2014, p. 59).
Não discordamos a respeito da relevância do desenvolvimento destas capacidades
intelectivas. Entretanto, chama-nos a atenção a materialização de propostas de ensino que visam
contemplar tais habilidades, pois, como dito no tópico anterior, para que o aluno utilize dos
instrumentos simbólicos em seu contexto social é necessário o domínio destes conceitos
científicos.
Para Castro (2017), a elaboração dos termos numeramento, letramento matemático e
alfabetização matemática criou condições para que educadores e pesquisadores direcionassem
o olhar à necessidade de (re)pensar as práticas de ensino e que essas correspondessem as
demandas sociais. Knijnik (2004) relata que o direcionamento sobre os aspectos sociais para o
ensino de matemática surge a partir dos estudos de Ubiratan D’Ambrosio, o qual intitulou de
etnomatemática. Sobre a proposta pedagógica desta abordagem dos estudos da Educação
Matemática, é posto que:

A proposta pedagógica da etnomatemática é fazer da matemática algo vivo,


lidando com situações reais no tempo [agora] e no espaço [aqui]. E, através
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da crítica, questionar o aqui e agora. Ao fazer isso, mergulhamos nas raízes


culturais e praticamos dinâmica cultural. Estamos, efetivamente,
reconhecendo na educação a importância das várias culturas e tradições na
formação de uma nova civilização, transcultural e transdisciplinar. [...] eu vejo
a etnomatemática como um caminho para uma educação renovada, capaz de
preparar as gerações futuras para construir uma civilização mais feliz.
(D’AMBROSIO, 2011, p. 86-87)

Respeitamos os objetivos do pesquisador quanto à necessidade de reconhecer a


matemática como parte da cultura. Entretanto, nos preocupa a materialização destas propostas
pedagógicas que têm secundarizado a necessidade da formação de conceitos científicos. Pois,
como afirmam Sforni e Galuch (2006, p. 155)

[...] desvincular o desenvolvimento do pensamento crítico do domínio do


conhecimento científico implica o esvaziamento do conteúdo da própria
crítica e, consequentemente, da possibilidade de desenvolvimento cognitivo
presente na aprendizagem escolar. [...] É preciso oferecer-lhes conhecimentos
que os façam entender as implicações de suas atitudes. A crítica pressupõe
entendimento, reflexão e análise e sua qualidade está diretamente relacionada
à qualidade do conteúdo trabalhado na escola, pois só há análise quando se
tem conhecimento.

Assim, o domínio das práticas sociais da matemática não é garantia da compreensão dos
conceitos científicos que nelas estão envolvidos. Tal crítica não significa que postulamos que
o caminho seja inverso – primeiro os conceitos e em seguida as práticas sociais. Decorrente de
nossos estudos sobre o Materialismo Histórico Dialético Teoria Histórico-Cultural
compreendemos que este processo de ensino, como os demais, deve ocorrer de modo dialético,
ou seja, de forma que as práticas sociais e os conceitos matemáticos não se sobreponham, mas
se interliguem.
A título de exemplo, faremos o mesmo movimento feito na categoria anterior, ou seja,
traremos uma tarefa selecionada a partir dos livros que foram avaliados e sugeridos pelos Guias
do PNLD. Nosso objetivo com a análise de tarefas é identificar as manifestações do discurso
do numeramento, letramento matemático e da alfabetização matemática no material didático.
Reafirmamos que os apontamentos feitos sobre as tarefas não desmerecem a totalidade do livro
do qual se originam.
Nas unidades do livro Projeto Coopera, Editora Moderna (2014), para o 3º ano do
Ensino Fundamental, há em cada capítulo uma sessão nomeada Mundo Plural. No capítulo
destinado ao estudo de medidas de capacidade é discutido o uso da água, como pode-se observar
a seguir:
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Água: Sabendo Usar, não vai faltar!


Você sabia que o planeta Terra também é chamado de planeta água? Ele
também recebe esse nome porque a maior parte de sua superfície é coberta
por água.
Mas atenção! Atualmente, a falta de água é um problema mundial. E parte
desse problema ocorre devido a algumas ações das pessoas. Como o
desperdício de água e a poluição de rios, lagos, lagoas...
É necessário cuidado para não desperdiçar água e assim contribuir para a
preservação do meio ambiente. (REAME; MONTENEGRO, 2014, p. 184-
185)

Após o texto, é apresentado um quadro sobre a quantidade de litros de água consumida


em virtude do tempo que uma torneira ou chuveiro permanece aberto (Figura 3) e uma imagem
retirada de um quadrinho da Turma da Mônica que também aborda a temática. É fato que
vivemos uma crise sobre o consumo de água. Entretanto, no referido livro didático apenas o
consumo doméstico é responsabilizado por tal crise. A Agencia Nacional de Águas (ANA) 6
afirma que, do total de água potável disponível, 70% é utilizado em irrigação, ou seja, no
agronegócio, 10% em atividades domésticas e 20% no setor industrial. Não estamos propondo
que se desperdice água, apenas fazemos uma observação quanto o direcionamento dado nas
propostas e a quem elas possivelmente correspondem.

FIGURA 3: Imagem base da tarefa sobre consumo doméstico de água.

Fonte: (REAME; MONTENEGRO, 2014, p. 185)

6
Criada pela lei nº 9.984 de 2000, a Agência Nacional de Águas (ANA) é a agência reguladora dedicada a fazer
cumprir os objetivos e diretrizes da Lei das Águas do Brasil, a lei nº 9.433 de 1997. Mais informações em:
https://www.ana.gov.br/acesso-a-informacao/institucional
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Após e leitura do texto e do quadro sobre o consumo de água há cinco questões para
serem discutidas entre o professor e os alunos:
1) Qual a importância da água em nosso planeta? 2) No quadrinho da página
ao lado, por que o a personagem Mônica está olhando com expressão de
braveza para a moça? 3) Quantos litros de água podem ser economizados se
um banho de 15 minutos for reduzido par 5 minutos? 4) Compare o consumo
de água ao escovar os dentes, por 5 minutos, com a torneira fechada e com a
torneira aberta. O que você pode concluir? Que outras atitudes podemos tomar
para economizar água no dia a dia? Converse com seus colegas. (REAME;
MONTENEGRO, 2014, p. 184-185)

Reconhecemos a importância de colocar em evidência tal temática por meio das


questões acima apontadas, entretanto, o que a discussão feita nestas duas páginas amplia ou
problematiza em relação aos conceitos afetos ao conteúdo matemático medidas de capacidade?
Retomamos o que Sforni e Galuch (2006, p. 155) pontuam: “[...] A crítica pressupõe
entendimento, reflexão e análise e sua qualidade está diretamente relacionada à qualidade do
conteúdo trabalhado na escola, pois só há análise quando se tem conhecimento”.
Assim, por meio da análise, constatamos que há fragilidade no encaminhamento de
propostas que visam o uso social dos conceitos matemáticos, além do reforço ao discurso
ideológico do capitalismo pós-moderno que responsabiliza o indivíduo sobre questões que
permeiam um contexto social mais amplo. O material analisado, além de representar de maneira
simplista a manifestação social dos conceitos matemáticos, também desvincula o trabalho até
então feito pela escola acerca do conteúdo medidas de capacidade, não ampliando e nem
aprofundando os conceitos já estudados.
Na análise de outras tarefas verificamos que o mais importante é a temática que está
sendo tratada, conscientização e o trabalho propriamente dito sobre os conceitos matemáticos
revelando suas relações essenciais não aparecem, isto é, são secundarizados fragilizando o
processo de apropriação do mesmo e seu emprego como instrumento do pensamento na prática
social.
Como síntese das duas categorias elencadas para a análise da concepção de linguagem
matemática presente nos Guias de livros didáticos de matemática, a qual trazemos a articulação
entre as duas categorias listadas (linguagem clara e uso social) para compreender o fenômeno.
Como unidade da concepção de linguagem matemática por nós compreendida, constatamos que
em ambas as categorias à redução dos conceitos científicos, isto é, os conceitos científicos são
secundarizados nas tarefas do livro didático.
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Há nos Guia de 2016 a preocupação com a aproximação da linguagem materna e a


linguagem científica, contudo, a mesma preocupação presente nos guias não é revelada nas
avaliações, em que obras são aprovadas secundarizam a linguagem científica em relação a
linguagem materna (clara), tais práticas são justificadas (como vimos na análise) em uma
perspectiva do letramento matemático (numeramento ou alfabetização matemática), no qual
além de uma linguagem clara necessita ser próxima as vivências dos estudantes.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Compreendemos em Vigotsky (1991, p. 107) que “O aprendizado é uma das principais


fontes de conceitos da criança em idade escolar, e é também uma poderosa força que direciona
o seu desenvolvimento, determinando o destino de todo o seu desenvolvimento mental”. Deste
modo, limitar-se ao uso da linguagem materna ou a redução de conceitos científicos em
detrimento dela é inviável para a aprendizagem de conteúdos escolares. Neste sentido,
concordamos com Sforni (2016) ao apontar que:

Os conteúdos escolares, de modo especial, os conceitos de diferentes áreas do


conhecimento, são, essencialmente, mediadores culturais que permitem a
formação e o desenvolvimento do pensamento teórico. Como ato do
pensamento e da linguagem, um conceito não é apenas uma denominação
mais complexa par aos fenômenos ou objetos que nos cercam; ele implica
uma nova forma de percepção e organização do real, um modo de ação
mental que permite tornas presente o que fisicamente está ausente. (SFORNI,
2016, p. 55, grifo nosso)

Assim, constatamos que a linguagem tem um papel fundamental na aprendizagem dos


conceitos. Os estudos do numeramento, do letramento matemático e da Alfabetização
Matemática trazem importantes reflexões para o contexto escolar, todavia, como mostraram os
resultados da investigação, a materialização destas concepções de matemática em tarefas
escolares tem levado a erros conceituais e a não avanço qualitativo em relação à aprendizagem
da linguagem materna.
Diante do exposto, verificamos que a omissão ou o uso inadequado dos conceitos
matemáticos pode levar a possíveis equívocos na aprendizagem da linguagem matemática.
Acreditamos que seja impossível dissertar sobre todos os assuntos envolvendo a temática
‘linguagem e conceitos matemáticos’ em um artigo, entretanto, esperamos com este estudo
contribuir para que professores dos anos iniciais do ensino fundamental (re)compreendam as
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contradições que envolvem a utilização de determinados termos na cultura escolar, bem como
o emprego de certas nomenclaturas relacionadas a concepções de ensino que não produzem os
efeitos esperados em termos de desenvolvimento psíquico dos escolares.

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