Aula 1 - Realismo Naturalismo

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Realismo e Naturalismo

 Realismo: contexto histórico e cultural


O Realismo nasceu em uma Europa em plena Revolução Industrial. O crescimento da indús-
tria exigiu um consequente desenvolvimento científico, que influenciou no surgimento de novas
teorias, como:
ƒƒ a seleção natural, de Charles Darwin, segundo a qual o ambiente seleciona os organismos mais aptos;
ƒƒ o cientificismo, tendência intelectual em que se tentava aplicar as leis universais da natureza às so-
ciedades humanas;
ƒƒ o positivismo, de Auguste Comte, que propunha o desenvolvimento natural de uma sociedade am-
parada no saber científico.
Os artistas e escritores realistas expunham questionamentos sobre o poder de instituições, como a
Igreja e a aristocracia, e tiveram grande importância na divulgação dos ideais republicanos e liberais.
Esse contexto também acarretou o crescimento da classe trabalhadora; os operários passaram a se orga-
nizar em sindicatos, que se radicalizaram após o surgimento do socialismo científico. Essa doutrina
do filósofo alemão Karl Marx criticava a exploração dos operários e defendia o fim do capitalismo, além
do uso da ciência a favor do ser humano, e não da indústria.
Seguindo a tendência da época, as obras do Realismo propunham a observação direta da realida-
de e criticavam os hábitos e crenças burguesas. Tendo por modelo os cientistas, os autores investiga-
vam os indivíduos para, a partir deles, explicar o funcionamento da sociedade. Para isso, promoviam
análises psicológicas, examinando dilemas e desequilíbrios emocionais. O Realismo criou a figura do
anti-herói, uma personagem que refletia o ser humano comum, apresentando imperfeições de cará-
ter e de comportamento.

 Realismo em Portugal
O Realismo em Portugal se iniciou na década de 1860, quando um grupo de jovens, em conso-
nância com o que ocorria no restante da Europa, decidiu repensar a economia, a política e a so-
ciedade portuguesa. Esses jovens condenavam as instituições da Igreja e da Monarquia, além da
economia ainda ruralista do país. Tiveram grande contribuição na implantação da República em
Portugal, em 1910.
Nesse processo de renovação, vários autores se dispuseram a produzir obras que retratassem a
realidade. Na poesia, por exemplo, em que se destacaram Antero de Quental e Cesário Verde, há a
presença do universo científico e da paisagem urbana, a observação da vida das classes populares e
a defesa de reformas políticas e sociais.
A renovação, contudo, não ocorreu sem embates. Os jovens escritores enfrentaram o grupo ultrar-
romântico, liderado pelo poeta Antonio Feliciano de Castilho, na polêmica conhecida como Ques-
tão Coimbrã.

Eça de Queirós
Eça de Queirós foi o escritor com maior importância na prosa realista, com uma vasta produção de
contos e romances. Eça acreditava que a literatura deveria ser um espelho da sociedade e se basear nas
ciências que estudavam o comportamento humano.
Com feição crítica, O crime do padre Amaro, seu primeiro romance, tem caráter claramente anticleri-
cal, denunciando o comportamento dos homens da Igreja e das beatas. A cidade e as serras expõe uma
visão política, segundo a qual a emancipação das classes subalternas dependeria da intervenção das
classes superiores.

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Em O primo Basílio, seu romance mais conhecido, o autor desenvolve o tema do adultério. No
trecho a seguir, a protagonista Luísa revela seu caráter volúvel, típico da sociedade lisboeta que
o autor critica nesse romance. Estão em foco os comportamentos amorais e os relacionamentos
por conveniência social.

Tinham passado três anos quando conheceu Jorge. Ao princípio não lhe
agradou. Não gostava dos homens barbados; depois percebeu que era a pri-

Realismo e Naturalismo
meira barba, fina, rente, muito macia decerto; começou a admirar os seus
olhos, a sua frescura. E sem o amar sentia ao pé dele como uma fraqueza,
uma dependência e uma quebreira, uma vontade de adormecer encostada
ao seu ombro, e de ficar assim muitos anos, confortável, sem receio de nada.
Que sensação quando ele lhe disse: “Vamos casar, hein!” Viu de repente o
rosto barbado, com os olhos muito luzidios, sobre o mesmo travesseiro, ao
pé do seu! Fez-se escarlate. Jorge tinha-lhe tomado a mão; ela sentia o calor
daquela palma larga penetrá-la, tomar posse dela; disse que sim; ficou como
idiota, e sentia debaixo do vestido de merino dilatarem-se docemente os Glossário
seus seios. Estava noiva, enfim! Que alegria, que descanso para a mamã!
merino: tecido feito com a lã de um tipo de
Queirós, Eça. O primo Basílio. Disponível em: <http://www.dominiopublico.gov.br/download/ carneiro da Espanha
texto/ua00087a.pdf>. Acesso em: 26 jul. 2012. quebreira: fadiga

 Realismo no Brasil
No final do século XIX, destacam-se importantes acontecimentos políticos e sociais do país,
como a Abolição da Escravatura, o término da Monarquia e o início da República.
A crítica literária e os estudos históricos ganharam relevância, adotando, muitas vezes, um
viés em que a cultura serve como referência para a análise do indivíduo e da sociedade.
As ideias liberais vindas da Europa acirraram o debate no Brasil, país que ainda se pauta-
va por um governo monárquico e cuja força de trabalho era majoritariamente escrava. Esse
conflito foi explorado de maneira crítica pelos escritores realistas, que denunciavam o desacor-
do entre o liberalismo estrangeiro e os desmandos escravocratas.

Machado de Assis
Além de ser um celebrado romancista, Machado de Assis escreveu poemas, peças de teatro,
contos e crônicas. Nestas últimas, constrói um panorama vivo da sociedade brasileira do período,
com seus costumes e valores, algo que é retomado e enriquecido com profunda análise da alma
humana nos contos.
Os primeiros romances machadianos apresentavam características românticas, com enre-
dos envolvendo histórias de amor que procuravam emocionar e divertir o leitor.
Em 1881, a publicação de Memórias póstumas de Brás Cubas marca uma guinada nessa ten-
dência e o início do Realismo brasileiro. O romance evidencia a opção do autor por usar episó-
dios aparentemente banais para revelar visões de mundo e, por meio delas, criticar o modo de
pensar burguês. Leia o famoso episódio “A borboleta preta”.

A borboleta preta
No dia seguinte, [...] entrou no meu quarto uma borboleta, tão negra como a outra, e muito maior
do que ela. [...] A borboleta, depois de esvoaçar muito em torno de mim, pousou-me na testa. Sacudi-a,
ela foi pousar na vidraça; e, porque eu a sacudisse de novo, saiu dali e veio parar em cima de um ve-
lho retrato de meu pai. Era negra como a noite. O gesto brando com que, uma vez posta, começou a
mover as asas, tinha um certo ar escarninho, que me aborreceu muito. Dei de ombros, saí do quarto;
mas tornando lá, minutos depois, e achando-a ainda no mesmo lugar, senti um repelão dos nervos,
lancei mão de uma toalha, bati-lhe e ela caiu.
Não caiu morta; ainda torcia o corpo e movia as farpinhas da cabeça. Apiedei-me; tomei-a na
palma da mão e fui depô-la no peitoril da janela. Era tarde; a infeliz expirou dentro de alguns se-
gundos. Fiquei um pouco aborrecido, incomodado.
— Também por que diabo não era ela azul? disse comigo.

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E esta reflexão, – uma das mais profundas que se tem feito, desde a invenção das borbo-
letas, – me consolou do malefício, e me reconciliou comigo mesmo. [...] Suponho que nunca
teria visto um homem; não sabia, portanto, o que era o homem; descreveu infinitas voltas
em torno do meu corpo, e viu que me movia, que tinha olhos, braços, pernas, um ar divino,
uma estatura colossal. Então disse consigo: “Este é provavelmente o inventor das borbole-
tas.” A ideia subjugou-a, aterrou-a; mas o medo, que é também sugestivo, insinuou-lhe que
o melhor modo de agradar ao seu criador era beijá-lo na testa, e beijou-me na testa. Quando
enxotada por mim, foi pousar na vidraça, viu dali o retrato de meu pai, e não é impossível
que descobrisse meia verdade, a saber, que estava ali o pai do inventor das borboletas, e voou
a pedir-lhe misericórdia.
Pois um golpe de toalha rematou a aventura. Não lhe valeu a imensidade azul, nem a ale-
gria das flores, nem a pompa das folhas verdes, contra uma toalha de rosto, dois palmos de
linho cru. Vejam como é bom ser superior às borboletas! Porque, é justo dizê-lo, se ela fosse
azul, ou cor de laranja, não teria mais segura a vida; não era impossível que eu a atravessasse
com um alfinete, para recreio dos olhos. Não era. Esta última ideia restituiu-me a consolação;
uni o dedo grande ao polegar, despedi um piparote e o cadáver caiu no jardim. Era tempo; aí
vinham já as próvidas formigas... Não, volto à primeira ideia; creio que para ela era melhor
ter nascido azul.
Machado de Assis, J. M. Memórias póstumas de Brás Cubas. In: Obra completa. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 1992. v. 1. p. 552-553.

A morte do inseto por ser negro “como a noite”, mesmo reverenciando seu criador, revela
uma crítica a mazelas como a desigualdade social e a segregação racial.
O episódio mostra, ainda, o procedimento de manipulação do leitor pelos narradores ma-
chadianos. Essa técnica será ainda mais explorada em Dom Casmurro, romance que propõe uma
dúvida sobre o adultério que Capitu teria cometido ao se relacionar com Escobar, melhor amigo
de seu marido Bentinho. A ambiguidade de Capitu ao longo do romance e a constituição pouco
confiável do narrador Bentinho sustentam a trama e sua proposta.

Raul Pompeia
Autor de poemas, crônicas e outras narrativas curtas, Raul Pompeia tornou-se reconhecido
por seu romance O Ateneu: uma crônica de saudades, publicado em 1888 e considerado um dos
exemplares do Realismo no Brasil.
O livro é narrado em primeira pessoa e conta as memórias de Sérgio quando aluno no colé-
gio Ateneu. Uma característica realista especialmente evidente nessa obra é a análise psicoló-
gica que revela os aspectos mais duros e cruéis das personagens e, por extensão, da sociedade.
Por volta de 1890, na mesma época em que se configurava o Realismo nas artes e na literatura,
o médico austríaco Sigmund Freud divulgava ao mundo suas pesquisas sobre a psique huma-
na. A luta entre a vontade individual e a moral que reprimia a realização dos desejos, estudada
por Freud, é uma marca de muitos dos personagens realistas.

 Naturalismo no Brasil
A crescente industrialização e o notável progresso científico da segunda metade do século
XIX produziram efeitos opostos na sociedade da época. De um lado, havia um claro otimismo
com essas conquistas e a esperança de um futuro melhor, no qual a ciência resolveria grande parte
dos problemas humanos. Do outro, os avanços tecnológicos no campo e na cidade produziam
um contingente de pessoas que se submetia a condições degradantes nas indústrias, vivendo
e trabalhando precariamente.
As conquistas da ciência também levaram os intelectuais a analisar a sociedade e o compor-
tamento humano por essa ótica. Nesse sentido, a doutrina que influenciou claramente o Natu-
ralismo foi o Determinismo, que propunha ser o homem o resultado de três fatores: o meio, a
raça e o momento histórico.
No Brasil, a Escola do Recife foi especialmente importante para a disseminação do Naturalis-
mo. Liderado por Tobias Barreto (1837-1889), esse grupo de intelectuais contribuiu para ampliar

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o debate nas ciências humanas e incentivar tendências ideológicas como o abolicionismo e o re-
publicanismo, e influenciou autores como Domingos Olímpio, autor de Luzia-homem, e Inglês
de Sousa, autor, entre outras obras, de O missionário.

Aluísio Azevedo
Ao aplicar os princípios do método científico à produção de romances, os escritores natura-
listas promovem uma radicalização do Realismo e apresentam o ser humano como produto do

Realismo e Naturalismo
meio em que vive, enfatizando o papel dos instintos como motor de suas ações.
Aluísio Azevedo (1857-1913) é o autor brasileiro de maior destaque no Naturalismo. Em
obras como O mulato, Casa de pensão e O cortiço, evidenciam-se a objetividade nas descrições,
o caráter distanciado e analítico do narrador em terceira pessoa, a organização do enredo de
forma a comprovar uma tese e a presença do cenário como uma personagem que afeta a vida
de todos.
Em O cortiço, seu romance mais importante, o cenário que dá nome ao livro costuma ser con-
siderado como a personagem principal da obra.

O cortiço
Eram cinco horas da manhã e o cortiço acordava, abrindo, não os olhos,
mas a sua infinidade de portas e janelas alinhadas.
Um acordar alegre e farto de quem dormiu de uma assentada sete horas de
chumbo. [...]
A roupa lavada, que ficara de véspera nos coradouros, umedecia o ar e
punha-lhe um farto acre de sabão ordinário. As pedras do chão, esbranquiça-
das no lugar da lavagem e em alguns pontos azuladas pelo anil, mostravam
uma palidez grisalha e triste, feita de acumulações de espumas secas.
[...]
Daí a pouco, em volta das bicas era um zum-zum crescente; uma aglo-
meração tumultuosa de machos e fêmeas. Uns, após outros, lavavam a cara,
incomodamente, debaixo do fio de água que escorria da altura de uns cinco
palmos. O chão inundava-se. As mulheres precisavam já prender as saias
entre as coxas para não as molhar; via-se-lhes a tostada nudez dos braços
e do pescoço, que elas despiam, suspendendo o cabelo todo para o alto do
casco; os homens, esses não se preocupavam em não molhar o pelo, ao con-
trário metiam a cabeça bem debaixo da água e esfregavam com força as
ventas e as barbas, fossando e fungando contra as palmas da mão. As por-
tas das latrinas não descansavam, era um abrir e fechar de cada instante,
um entrar e sair sem tréguas. Não se demoravam lá dentro e vinham ainda
Glossário
amarrando as calças ou as saias; as crianças não se davam ao trabalho de lá
ir, despachavam-se ali mesmo, no capinzal dos fundos, por detrás da estala- acre: (cheiro) forte, penetrante
coradouro: local ao ar livre, onde se colore
gem ou no recanto das hortas. a roupa
Azevedo, Aluísio de. O cortiço. 4. ed. São Paulo: Moderna, 2004. p. 35-36. derradeira: final

No trecho, o cortiço é personificado com o fim de reforçar sua posição como “protagonista”,
já que é ele, meio em que vivem as personagens, que determina a vida de todos. Todos os mi-
seráveis que o habitam acabam se animalizando, devido às péssimas condições em que vivem,
confirmando, assim, a tese do Determinismo.
O romance também aborda a questão das classes sociais ao contrapor os endinheirados João
Romão, dono do cortiço, e seu vizinho, o comerciante Miranda, às demais personagens, pobres
e exploradas.
A influência do meio será vista em romances de outros autores, como Bom-crioulo, de Adolfo
Caminha, que aborda a questão da homossexualidade ao retratar um caso de amor entre dois
marinheiros como resultado do meio exclusivamente masculino em que viviam. A abordagem
do amor de maneira mais erótica estará, igualmente, em A carne, de Júlio Ribeiro, que provocou
controvérsia ao abordar temas como o divórcio e o amor livre.

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