Louise Bourgeois: Prática Artística Crítica Feminista
Louise Bourgeois: Prática Artística Crítica Feminista
Louise Bourgeois: Prática Artística Crítica Feminista
Runaway Girl
1938.
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Uma garota de cabelos compridos e alaranjados caminha
sobre as águas, segurando uma pequena mala. Ao longe, há
uma casa sendo deixada para trás – essa é a imagem que
vemos na obra Runaway Girl, de 1938. Ao ser questionada
sobre sua relação com essa personagem, a artista Louise
Bourgeois diz: “[...] a Runaway é a menina que fugiu de
casa; eu obviamente fugi de casa” (Bourgeois, 2008). Naquele
ano, ela saiu de Paris e mudou-se para Nova York, deixando
para trás uma situação familiar conflituosa. Histórias sobre
a infância ela repetiu inúmeras vezes ao longo da vida,
apresentando-as como inspiração para a construção de
várias de suas obras.
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Femme-Maison
1946-1947
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Femme-Maison
1946-1947
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Crítica à domesticidade
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madeira encaixados sobre uma barra de metal. Algumas Louise Bourgeois
levam o nome de Femme Volage (Mulher Inconstante, circa 1960
1951), pois, segundo sugere Mayayo, a figura espiral parece
submetida a torções em direções opostas, que podem
terminar fazendo com que ela perca as coordenadas de
referência e passe a girar sobre si (Mayayo, 2002: 20),
movimentando-se sem, no entanto, sair do lugar.
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Spiral Woman
2003
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Femme Maison,
2005
Spiral Woman
1984
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criação uma clara influência do feminismo. Desde os anos
1970, os movimentos feministas reivindicam o uso
de tecidos, de bordados e de tantas outras atividades
associadas ao feminino, que foram deixadas de lado pela
historiografia e pela prática artística masculina da arte.
Assim, de tarefa inferior no mundo das fábricas e prática
artesanal no da arte, a costura é colocada numa outra
dimensão: de um saber considerado feminino, utilizado para
o enfretamento da própria identidade Mulher.
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uma série de obras em torno dos temas gravidez e parto,
inúmeras vezes associados à dor e à imobilidade.
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As duas obras provocam a sensação de um corpo feminino
que, fragmentado, é identificado e pensado sempre em
relação à função da maternidade. Em caixas transparentes,
esses corpos estão expostos para serem observados
e analisados; nas mesas dos consultórios médicos e
laboratórios são manuseados e submetidos a experimentos.
Surge, então, a questão da medicalização dos corpos das
mulheres. A ideia de corpos observados, esquadrinhados e
produzidos pelo saber médico também se faz presente na
obra Arch of Hysteria (Arco de Histeria, 1993). Mas antes de
analisá-la, serão feitas algumas considerações.
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sob efeito de hipnose, experimentar fortes ataques de
histeria. As sessões chegavam ao fim quando os corpos das
pacientes, por estarem tão tencionados, formavam um arco,
sendo este o sinal do fim da crise histérica (Mayayo, 2002:
65). A histeria, nessa obra, não figura o feminino, e sim o
masculino, produzindo uma crítica à noção dessa doença
como sendo intrinsecamente produzida pelos úteros.
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permitiam, mas incitavam observações, as interrogações, as
experiências, com os corpos doentes (Rajchman, 1988:105-
106). Assim, na medicina moderna
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Parece haver, ainda, uma alusão aos órgãos enlouquecidos,
que, como animais enfurecidos, movimentam-se pelo corpo
dessa mulher. Como afirma Rago, os médicos do século
XIX apropriaram-se da concepção de Hipócrates, para
quem o útero seria um organismo vivo semelhante a um
animal dotado de certa autonomia e de possibilidade de
deslocamento. Ideia reforçada na modernidade
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As concepções que associam os órgãos femininos a animais
não parecem ter sido deixadas totalmente de lado. Basta
lembrar que animais peçonhentos são constantemente
evocados pela cultura popular para nomear o órgão sexual
feminino, na qual a aranha é o exemplo, por excelência.
A imagem da aranha compõe de maneira basilar a poética
visual de Bourgeois. Aranhas aparecem em desenhos e
gravuras, desde o final dos anos 1940 e proliferam em
esculturas a partir de 1994 (Herkenhoff, 1997:27). As
aranhas de Bourgeois são, segundo ela própria, uma
homenagem à sua mãe no poema intitulado “Ode a minha
mãe”.:
sem título
2001
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de bronze evocam a proteção. Afinal, quem ousaria enfrentar
um animal de tamanha proporção, com patas que podem
perfurar aqueles que se aproximarem, além de ser dotado
de veneno, de uma picada extremamente dolorida, capaz de
tombar um touro ou um leão? A aranha -protetora é evocada
pela artista em seu poema:
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De Darwin a Lombroso, passando pela literatura e pelas 3 Estas informações estão no
artes, fez-se extenso uso da aranha para mostrar os perigos relatório “Prevention of Mental
da sexualidade feminina materializados em figuras femininas Disorders. Effective Interventions
desviantes, das ninfomaníacas às tríbades, onanistas e and Policy Options”, produzido
lésbicas,todas consideradas histéricas, perversas e loucas pela Organização Mundial de
(Rago, 2013). Saúde, em 2004. Disponível em:
http://www.who.int/mental_
Nesse sentido, a aranha de Bourgeois evoca a seguinte health/evidence/en/prevention_
sensação: a mulher-aranha, da qual não se pode escapar; of_mental_disorders_sr.pdf
como não se pode escapar da fúria da “viúva negra” ou da
sedução da mulher fatal.
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Ressonâncias contemporâneas
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que fixamidentidades, que se hoje são aparentemente
multifacetadas, não deixam de produzir efeitos asfixiantes.
A poeta brasileira Angélica Freitas, com ironia, escreve:
Louise Bourgeois,
fotografada por Alex Van Gelder
2008-2010
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Referências bibliográficas
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Gabriela De Laurentiis
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