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FORMAÇÃO E TRAJETÓRIA DO
PCR EM ALAGOAS DURANTE
A DITADURA MILITAR
(1966-1973)

-3-
DIREÇÃO EDITORIAL: Willames Frank
DIAGRAMAÇÃO: Jeamerson de Oliveira
DESIGNER DE CAPA: Jeamerson de Oliveira
IMAGEM DE CAPA: https://www.pexels.com
O padrão ortográfico, o sistema de citações e referências bibliográficas são
prerrogativas do autor. Da mesma forma, o conteúdo da obra é de inteira e
exclusiva responsabilidade de seu autor.
Todos os livros publicados pela Editora Phillos estão sob os direitos
da Creative Commons 4.0
https://creativecommons.org/licenses/by/4.0/deed.pt_BR

2020 Editora PHILLOS


Av. Santa Maria, Parque Oeste, 601.
Goiânia-GO
www.editoraphillos.com
[email protected]
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)

S192p
SILVA, Magno Francisco da
Formação e trajetória do pcr em Alagoas durante a ditadura militar (1966-
1973) [recurso digital] / Magno Francisco da Silva. – Goiânia-GO: Editora
Phillos, 2020.
ISBN: 978-65-5071-028-6
Disponível em: http://www.editoraphillos.com
1. Sociologia. 2. Partido Político. 3. Ciência Política. 4. Comunismo.
5. Socialismo. I. Título.
CDD: 320

Índices para catálogo sistemático:


1. 320 Ciência Política

-4-
MAGNO FRANCISCO DA SILVA

FORMAÇÃO E TRAJETÓRIA DO
PCR EM ALAGOAS DURANTE
A DITADURA MILITAR
(1966-1973)

-5-
Direção Editorial
Willames Frank da Silva Nascimento

Comitê Científico Editorial


Dr. Alberto Vivar Flores
Universidade Federal de Alagoas | UFAL (Brasil)

Drª. María Josefina Israel Semino


Universidade Federal do Rio Grande | FURG (Brasil)

Dr. Arivaldo Sezyshta


Universidade Federal da Paraíba | UFPB (Brasil)

Dr. Dante Ramaglia


Universidad Nacional de Cuyo | UNCUYO (Argentina)

Dr. Francisco Pereira Sousa


Universidade Federal de Alagoas | UFAL (Brasil)

Dr. Sirio Lopez Velasco


Universidade Federal do Rio Grande | FURG(Brasil)

Dr. Thierno Diop


Université Cheikh Anta Diop de Dakar | (Senegal)

Dr. Pablo Díaz Estevez


Universidad De La República Uruguay | UDELAR (Uruguai)

-6-
Dedico este trabalho para todas as
pessoas que lutam por um mundo
livre e sem exploração.

-7-
AGRADECIMENTOS

Após um período de grande aprendizado e troca de


experiências chegamos ao momento final desta pesquisa.
Muitas pessoas foram determinantes para o êxito do
presente trabalho. Em primeiro lugar, gostaria de expressar
meu profundo agradecimento e admiração por minha
orientadora, professora Michelle Macedo, sua dedicação
iluminou vários caminhos que percorri e possibilitou a
ampliação dos meus conhecimentos e a compreensão do
papel do historiador. Agradeço também ao Centro Cultural
Manoel Lisboa na pessoa do seu presidente Edval Nunes
Cajá, que permitiu o acesso ao acervo da instituição,
colaborando bastante com a pesquisa. Agradeço ao
professor José Vieira, agora vice-reitor da UFAL, por ter
me incentivado a fazer a seleção do Mestrado. O historiador
Geraldo Magella e os jornalistas Edberto Ticianeli e Olga
Miranda pela imensa contribuição, dando dicas e
possibilitando o acesso aos depoimentos da Comissão da
Verdade de Alagoas. Quero agradecer aos meus colegas de
mestrado: Osnar, Vitor, Gustavo e Rodrigo. Eles
proporcionaram grandes momentos de amizade e
enriquecimento cultural, dentro e fora da sala de aula. Por
fim, outra pessoa essencial neste trabalho foi a minha amiga
Fernanda Lins, que como um anjo normatizou esta
dissertação, transformando o caos em organização.

-8-
“A história de toda a sociedade até aqui é
a história da luta de classes”
(Karl Marx e Friedrich Engels –
Manifesto do Partido Comunista)

“Esse é tempo de partido, tempos de


homens partidos”
(Carlos Drummond de Andrade – Nosso
tempo)

-9-
LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

PCR Partido Comunista Revolucionário


PC do B Partido Comunista do Brasil
PCB Partido Comunista Brasileiro
CMTC Companhia Municipal de Transporte
Coletivo
UEE/SP União Estadual dos Estudantes de São Paulo
COSIPA Companhia Siderúrgica Paulista
UESA União Estadual dos Estudantes
Secundaristas
PCUS Partido Comunista da União Soviética
MRT Movimento Radical Tiradentes
JUC Juventude Universitária Católica
AP Ação Popular
PTB Partido Trabalhista Brasileiro
PSB Partido Socialista Brasileiro
DCE Diretório Central dos Estudantes
ARENA Aliança Renovadora Nacional
MDB Movimento Democrático Brasileiro
OBAN Operação Bandeirantes
IML Instituto Médico Legal

- 10 -
SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ............................................................... 12
1. A ORIGEM DO PCR: A DÉCADA DE 1960, GOLPE
MILITAR E FRAGMENTAÇÃO DA ESQUERDA ...... 15
1.1 A gênese do PCR: a trajetória dos seus fundadores ... 15
1.2 A Esquerda antes do Golpe ........................................ 39
1.3 O governo Jango, o Golpe Militar e a fragmentação da
esquerda. .......................................................................... 56
2. A CONCEPÇÃO PROGRAMÀTICA DO PCR: A
ESCOLHA DO NORDESTE COMO ÁREA PRINCIPAL
DA REVOLUÇÃO BRASILEIRA .................................. 67
2.1 A influência das Ligas Camponesas na formação do
PCR .................................................................................. 67
2.2 A ruptura com o PC do B ........................................... 80
2.3 A concepção programática do PCR: o Nordeste como
área principal da revolução .............................................. 93
3. ANÁLISE DA ATUAÇÃO DO PCR ........................ 105
3.1 A atuação do PCR em Alagoas ................................ 105
3.2 Ações armada do PCR ............................................. 119
3.3 A Ditadura Militar persegue o PCR ........................ 134
CONCLUSÃO ............................................................... 174
REFERÊNCIAS ............................................................. 177
ANEXOS ....................................................................... 189

- 11 -
INTRODUÇÃO

O ano de 2014 marcou os 50 anos do Golpe Militar.


Diante desta data, os debates sobre os diversos aspectos da
Ditadura Militar se intensificaram no país, influenciando de
maneira decisiva na escolha do Partido Comunista
Revolucionário (PCR) como objeto de estudo da presente
pesquisa.
A criação da Comissão Nacional da Verdade, através
da Lei 12528/11, instituída em 16 de maio de 2012, com o
objetivo de investigar as violações aos direitos humanos
entre 18 de setembro de 1946 e 5 de outubro de 1988,
impulsionou também as pesquisas dentro e fora da
Academia sobre a Ditadura Militar.
Dessa maneira, multiplicaram-se Comissões da
Verdade nos Estados, municípios, universidades e
sindicatos, ampliando-se em grande medida o debate sobre
o período. Documentos das organizações que participaram
deste momento histórico, documentos dos órgãos de
repressão, depoimentos de personagens atuantes neste
período e acervos particulares começaram a tornarem-se
acessíveis e a integrar os arquivos públicos.
A presente pesquisa também integra esse
movimento de ampliação das pesquisas sobre a Ditadura
Militar. O acesso à várias informações fundamentais para
este trabalho só foi possível devido às pesquisas realizadas
pela Comissão Nacional da Verdade e as Comissões da
Verdade de Pernambuco e de Alagoas.

- 12 -
Apesar do aumento da produção acadêmica em
torno do tema da Ditadura Militar no Brasil, poucas
pesquisas tratam da história do Partido Comunista
Revolucionário. Na Universidade Federal de Alagoas,
apenas uma pesquisa trata da história do PCR. Trata-se do
livro A Mitologia Estudantil, do professor José Alberto
Saldanha de Oliveira, que analisa o movimento estudantil
universitário da UFAL durante a Ditadura Militar e aborda
a atuação do PCR entre os estudantes universitários.
O PCR foi uma organização política surgida durante
a Ditadura Militar, que apresentou uma característica muito
peculiar, limitou sua área de atuação ao Nordeste brasileiro
e compreendia que era exatamente essa região, o Nordeste,
a área principal da revolução brasileira, de onde se deveria
partir o movimento de derrubada da Ditadura Militar. É
possível que por este motivo, por não ter atuado
principalmente no eixo Rio – São Paulo, a sua trajetória
tenha sido pouco estudada na academia brasileira.
O Partido Comunista Revolucionário é uma das
poucas organizações políticas criadas durante a Ditadura
Militar que não foram liquidadas e mantém sua atuação até
os dias atuais. O fato de ser uma organização política que
sobreviveu à Ditadura Militar e mantém a sua atuação,
apesar do assassinato de vários de seus dirigentes, é outro
aspecto que acrescenta valor a esta pesquisa.
Somado a isto, o mais conhecido dirigente do PCR
era o alagoano Manoel Lisboa de Moura, assassinado em
1973. Apesar de toda a sua importância para o Partido, não
há nenhuma pesquisa sobre a sua trajetória de vida, exceto
as que tratam de alguma maneira do PCR, e como já

- 13 -
abordamos aqui, são poucas.
A trajetória dos indivíduos, movimentos, grupos e
partidos que se opuseram à Ditadura Militar constitui um
valioso objeto de pesquisa. Especialmente pelo fato de que
as formas de luta para derrubar o poder militar e reconstruir
a democracia foram diversificadas e, em muitos momentos,
as divergências ideológicas e políticas provocaram
conflitos acirrados.
Ao realizar esta pesquisa sobre a formação e a
trajetória do PCR em Alagoas, pretendemos contribuir para
preencher esta lacuna, mas também acrescentar elementos
que possibilitem, cada vez mais, iluminar esse passado
recente da nossa história.
O presente trabalho está dividido em três capítulos.
O capítulo 1, A década de 1960, Golpe Militar e
fragmentação da esquerda, tem como objetivo debater a
conjuntura política da década de 1960 no Brasil, buscando
elementos para uma compreensão dos eventos que
antecederam o Golpe Militar de 1964, assim como analisar
os efeitos da implementação da Ditadura Militar. O estudo
da década de 1960, inclusive trazendo elementos da
conjuntura internacional, possibilita uma investigação dos
motivos que levaram a fragmentação da esquerda brasileira.
Esse capítulo traz também para a pesquisa um olhar sobre a
trajetória dos fundadores do PCR, todos imersos no fervor
do acirramento das contradições políticas no Brasil durante
a década de 1960. O entendimento da trajetória de cada um
dos fundadores do PCR indica elementos que influenciaram
na fundação do partido.

- 14 -
O capítulo 2, A concepção programática do PCR:
a escolha do nordeste como área principal da revolução
brasileira, tem como centro a busca de elementos que
motivaram o PCR a formular que a área principal da
revolução brasileira seria o Nordeste. Algo que destoava de
todo o restante da esquerda. Neste sentido, foi feito um
balanço da trajetória das Ligas Camponesas e de sua relação
com militantes que fundaram o PCR. No capítulo também
há um estudo das razões que provocaram a ruptura com o
PC do B. Todos estes elementos foram analisados também
sob a ótica dos efeitos dos eventos internacionais para a
esquerda brasileira.
O capítulo 3, Análise da atuação do PCR, traz uma
investigação sobre a trajetória do Partido, principalmente
em Alagoas, observando o seu papel na resistência à
Ditadura. O capítulo também traz um balanço das ações
armadas do PCR e a relação entre orientação programática
e ação militante. Além disso, este capítulo dá ênfase na ação
repressora da Ditadura Militar contra o PCR e busca
compreender como se deu a morte dos dirigentes do Partido
e as prisões dos militantes.

1. A ORIGEM DO PCR: A DÉCADA DE 1960, GOLPE MILITAR E


FRAGMENTAÇÃO DA ESQUERDA

1.1 A gênese do PCR: a trajetória dos seus fundadores

Em maio de 1966, um grupo de militantes


dissidentes do Partido Comunista do Brasil (PC do B)1,

1
O V congresso do PCB, realizado em 1960, alterou o nome do partido

- 15 -
liderados pelo experiente revolucionário Amaro Luiz de
Carvalho, e composto pelos jovens militantes Ricardo
Zarattini, Manoel Lisboa de Moura, Selma Bandeira e
Valmir Costa fundaram o Partido Comunista
Revolucionário (PCR).
Amaro Luiz de Carvalho, conhecido como
Capivara, nasceu em 04 de junho de 1931, em Joaquim
Nabuco – PE. Filho de camponeses trabalhou como
cambiteiro2, iniciou sua militância bastante jovem, aos 15
anos, no Partido Comunista do Brasil (PCB). Já como
operário liderou greves entre os trabalhadores têxteis de
Pernambuco, sendo essa a causa de sua primeira prisão em
1953. Com a perseguição policial, o PCB transferiu Amaro
para São Paulo, onde trabalhou como cobrador de bonde da
Companhia Municipal de Transporte Coletivo (CMTC).
Quando as perseguições diminuíram, retornou a
Pernambuco e passou a atuar junto às Ligas Camponesas 3,
afastando-se do PCB4.
Essa aproximação com as Ligas Camponesas já era
reflexo das primeiras crises existentes no PCB diante dos
debates que sucederam o XX Congresso do Partido

para Partido Comunista Brasileiro. O objetivo era conseguir a


legalização, tendo em vista que a justiça brasileira acusava o PCB de
ser um partido internacional, impedindo o seu registro eleitoral.
<https://www.pcb.org.br/portal/docs/historia.pdf> acesso em 12 de
agosto de 2017.
2
Função comum no corte da cana, trata-se do trabalho de carregar os
lombos dos burros de cana para levar aos engenhos e usinas.
3
As Ligas Camponesas foram fundadas em 1945 sob a influência do
PCB, durante o governo de Getúlio Vargas. A repressão contra o PCB
também atingiu as Ligas, que só voltaram a se organizar em 1954.
4
DEL ROIO, 2006, p. 46

- 16 -
Comunista da União Soviética, onde Krushev apresentou
um relatório condenando o “autoritarismo” de Stálin5, mas
principalmente, considerava reformista a política do
Partido, expressada na Declaração de Março de 19586.
Através de sua atuação nas Ligas Camponesas,
Amaro Luiz foi um dos primeiros brasileiros a receber
noções de guerrilha em Cuba7. Quando retornou,
incentivado por Clodomir de Morais8, buscou montar um
foco guerrilheiro na região de Dianópolis, em Goiás. A
tentativa não prosperou e Amaro voltou a sua atuação para

5
Sobre o Relatório Kruschev e suas acusações contra Stálin,
compreendo que trata-se de dois tipos de revisionismo por parte de
Krushev: político e historiográfico. Para melhor compreensão ler:
SILVA, 2018.
6
Disponível em: <https://www.marxists.org/portugues/tematica/
1958/03/pcb.htm>. Acesso em: 10 maio 2017.
7
DEL ROIO, 2006, p. 46
8
“Jornalista, escritor, advogado, PhD em Sociologia e professor
universitário, ele foi líder das Ligas Camponesas no Pernambuco, base
que o elegeu deputado estadual ainda na década de 1950. Foi preso
político antes de 1964, em pleno governo João Goulart. Em 1962, ele
havia ido ao Rio de Janeiro em nome das Ligas pra buscar uma
encomenda perigosa, quando foi apanhado numa blitz de trânsito em
um fusca repleto de armas e munições. Governador do Estado, o
ultrarreacionário Carlos Lacerda achou ótimo, e o manteve preso por
vários meses. No golpe de 1964, já de volta ao Pernambuco, teve seus
direitos políticos cassados e seu nome era o 12º na primeira lista de
prisões da Junta Militar. De novo na cadeia, dividiu uma pequena cela
com o educador Paulo Freire, até conseguir asilo na embaixada do
Chile, que então funcionava no Rio de Janeiro. Exilado, virou professor
da Universidade do Chile, mas logo foi contratado pela Organização
das Nações Unidas (ONU) e trabalhou em mais de uma dezena de
países, como consultor em desenvolvimento agrário. E lecionou em
outras universidades mundo afora e no Brasil”. Disponível em:
<http://www.vermelho.org.br/coluna.php?id_coluna_texto=7653&id_
coluna91>. Acesso em: 10 maio 2017.

- 17 -
os trabalhadores rurais, se tornando dirigente do Sindicato
Rural de Barreiros, em Pernambuco9.
A experiência internacional e militar de Amaro Luiz
era considerável. Além da experiência em Cuba e da
tentativa de Guerrilha em Dianópolis, antes de romper com
o PC do B, também realizou um curso político-militar na
China10.
Por conta de sua origem humilde, aprendeu a ler
sozinho. Escreveu o livro As Quatro Contradições da Zona
Canavieira de Pernambuco, trabalho pelo qual procurava
orientar a atuação sindical do PCR entre os trabalhadores
rurais de Pernambuco, além de, junto com Ricardo
Zarattini, produzir a Carta de 12 Pontos, documento basilar
de fundação do PCR.
Em 1970, quando estava preso pela última vez,
Amaro Luiz de Carvalho teve seu nome incluído na lista de
presos políticos que seriam trocados pelo embaixador suíço
Giovanni Enrico Bucher, sequestrado pela Vanguarda

9
JORNAL A Verdade. O Covarde Assassinato de Amaro Luiz de
Carvalho, agosto de 2012. Disponível em: <http://averdade.org.br/
2012/08/o-covarde-assassinato-de-amaro-luiz-de-carvalho/>. Acesso
em: 12 mar. 2016.
10
Como demonstra o relatório do Ministério da Aeronáutica
Informação 094/SISA-RJ de fevereiro de 1970, o curso foi realizado
em cinco meses, sendo dividido em duas partes: a) Política da
Revolução Chinesa, onde era estudado: luta contra o revisionismo, o
movimento camponês, frente única, formação do partido, trabalho
secreto e movimento de massas; b) História Militar da Revolução, onde
era estudado: revolução popular, formação de exército, tática e
estratégia da guerra popular chinesa, bases de apoio, engenharia militar
e manejo com armas. Também foram realizadas aulas práticas sobre
armas e artefatos explosivos. O curso político foi ministrado em Pequim
e o militar em Nanquim.

- 18 -
Popular Revolucionária – VPR11 em 07 de dezembro e
liberado em 16 de janeiro de 1971. Porém, como faltavam
apenas alguns meses para que sua pena acabasse, pediu que
seu nome fosse substituído por outros militantes. A
grandeza da sua atitude não foi suficiente para garantir-lhe
a vida, foi assassinado por envenenamento antes da sua
libertação pouco tempo depois da realização do referido
sequestro12.
As divergências no PCB e o fracasso da Guerrilha
de Dianópolis o fizeram ingressar no PC do B, que havia
sido fundado em 1962, após ruptura com o PCB. O PC do
B nasceu sob a liderança de João Amazonas, Maurício
Grabois e Diógenes Arruda, e apresentava como elemento
central de sua propaganda a denúncia do reformismo do
PCB e a defesa da luta armada.
Após o curso que realizou na China, já após o Golpe
Militar, em 1966, Amaro se convenceu da necessidade de

11
Vanguarda Popular Revolucionária (VPR), A VPR surgiu em 1968 da
fusão do setor majoritário da Organização Revolucionária Marxista –
Política Operária (Polop) com grupos de militares originários do
Movimento Nacionalista Revolucionário (MNR). No ano seguinte, a
VPR surgida dessa fusão somou forças com o Comando de Libertação
Nacional (Colina), dando origem então à Vanguarda Armada
Revolucionária Palmares (VARP). Três meses depois, como
consequência de divergências políticas no novo grupo há uma nova
divisão. A VARP racha e a VPR ressurge. Disponível em:
<https://www.documentosrevelados.com.br/repressao/comunicados-
da-vanguarda-popular-revolucionaria-vpr-uma-das-organizacoes-da-
resistencia-as-ditadura/>. Acesso em: 12 mar. 2016.
12
Amaro Luiz de Carvalho. Compromisso com a Revolução Brasileira.
Disponível em: <http://averdade.org.br/2016/08/amaro-luiz-de-
carvalho-compromisso-com-revolucao-brasileira/>. Acesso em: 08
mar. 2017.

- 19 -
fundar um novo Partido. A justificativa era que o PCB
apresentava uma linha política reformista e que o PC do B
não estava levando a cabo a pregação de desenvolvimento
da Guerrilha para derrotar a Ditadura. Assim, iniciou os
contatos para a formação de um novo Partido Comunista,
que se diferenciasse dos outros.
Amaro já havia estabelecido anteriormente uma
aproximação política com o engenheiro Ricardo Zarattini13,
que trabalhava para o grupo Máquinas Moreira, que
produzia produtos agrícolas. Para representar a empresa que
trabalhava, Ricardo foi enviado para o Nordeste com a
missão de construir silos, secadoras e controlar obras no
interior do Maranhão, Ceará e Pernambuco. A ida de
Ricardo Zarattini ao Nordeste tornou possível a
aproximação com muitos ativistas, entre eles Amaro Luiz
de Carvalho14.

Ricardo entre a construção de um silo e


outro, acompanhava Amaro pelos
engenhos, organizando sindicatos
camponeses. Amaro discutia e comentava
com insistência os documentos que
chegavam do Partido Comunista Chinês
com o “guevarista” Zarattini. (DEL ROIO,
2006, p. 50)

13
Ricado Zarattini, hoje no Partido dos Trabalhadores - PT, militou em
outras organizações após o seu rompimento com o PCR em 1969, como
a Tendência Leninista, o Movimento Revolucionário 8 de Outubro –
MR8 e retornando ainda ao Partido Comunista Brasileiro, antes de
ingressar no PT. Foi candidato a deputado federal pelo PT, ficando na
suplência, assumindo o mandato apenas em 2004.
14
DEL ROIO, 2006, p. 52

- 20 -
Esse contato de Ricardo com Amaro, atuando no
movimento sindical rural, lendo os documentos do Partido
Comunista Chinês, revelou-se no processo de fundação do
PCR de grande significado para escolha do Nordeste como
área principal de atuação do Partido, e ponto de partida da
revolução brasileira.
Ricardo, que também iniciou sua militância bastante
cedo, teve uma destacada atuação no movimento estudantil,
participando ativamente da campanha O Petróleo é Nosso15.
Estudante da Escola Politécnica de São Paulo, Zarattini
tornou-se, em 1957, vice-presidente da União Estadual dos
Estudantes de São Paulo (UEE/SP).16 A Poli, como era
chamada a Escola Politécnica de São Paulo, era uma
referência educacional e gerou importantes quadros
políticos. Mário Covas e Paulo Maluf eram colegas mais
velhos de Zarattini. Já José Serra, quando calouro sofreu
trote (tradicional brincadeira de recepção aos novos
estudantes) nas mãos de Ricardo17.
Ricardo Zarattini, que se considerava um
guevarista18, teve a oportunidade de conhecer Fidel Castro
ainda no primeiro ano da Revolução Cubana. Em 1959,
Fidel Castro esteve no Brasil, recebido com festa, foi visitar
a Casa do Nacionalista, construção existente na Praça da Sé,
em São Paulo, que marcou importantes manifestações
naquele período. Convidado, Fidel foi visitar a Casa, onde

15
Campanha desenvolvida por comunistas e nacionalistas, que
culminou com a criação da Petrobrás.
16
DEL ROIO, 2006, p. 33.
17
DEL ROIO, 2006, p. 32
18
Palavra que significa adepto das ideias do revolucionário argentino
Ernesto Che Guevara.

- 21 -
Ricardo, que tinha sido um dos inspiradores do local,
encontrou o líder cubano pela primeira vez. O reencontro
só aconteceu dez anos depois, tendo Zarattini a condição de
exilado político19.
A primeira prisão de Ricardo Zarattini se deu em
1961, após uma querela com Carlos Lacerda20, que José
Luiz Del Roio assim descreveu:

O Jornalista Carlos Lacerda, janista de


primeira hora, passou à oposição e
começou uma campanha para derrubar o
presidente. Foi a São Paulo, dois dias antes
da renúncia de Janio, participou de um
programa de televisão no Canal 9 – TV
Excelsior. O público presente, assim que
ele iniciou a discursar, vaiou e continuou a
vaiar. Os minutos se passavam, e os apupos
cresciam. Lacerda com sua potente voz
desafiou o auditório a escolher alguém
para subir ao palco para debater com ele.
Fez-se um silêncio meio embaraçoso.
Alguém notou que Zarattini encontrava-se
presente e propôs seu nome. Em pouco
tempo, todos gritavam Zara! Zara! Quando
ele aclamado dirigia-se a mesa, Lacerda
pediu para esperar um pouco, dizendo que
pretendia fazer uma introdução ao debate e
começou a falar. O tempo corria e Lacerda
continuava sua oração. Os presentes
perderam a paciência e recomeçaram a
gritar. Zarattini pula sobre o palco e tenta
chegar até a mesa. Vários seguranças o
agarram, começa o empurra-empurra e é

19
DEL ROIO, 2006, p. 35
20
Membro da União Democrática Nacional (UDN), Carlos Lacerda era
um político alinhado as ideias conservadoras, fez oposição a João
Goulart e apoiou o Golpe Militar de 1964.

- 22 -
derrubado do palco. Os que assistiram a tal
espetáculo ficam indignados, instaurando-
se um grande tumulto, que obrigou
Lacerda a ser retirado do local. Interveio à
polícia, e Ricardo com mais alguns
companheiros foram presos e levados ao
Departamento de Ordem Política e Social
– DEOPS. (DEL ROIO, 2006, p. 35)

O entrevero entre Zarattini e Carlos Lacerda na TV


Excelsior revelava o prestígio do ainda jovem estudante
Zarattini, bem como da sua disposição para enfrentamentos
políticos.
Ricardo Zarattini, após trabalhar em alguns
escritórios de engenharia conseguiu emprego na
Companhia Siderúrgica Paulista (COSIPA), em Santos –
SP. Apesar de engenheiro, se filiou ao Sindicato dos
Metalúrgicos. Neste período se aproximou do PCB e iniciou
seu contato mais íntimo com a literatura marxista. Foi
demitido da COSIPA após apoiar uma greve dos
metalúrgicos pelo pagamento do 13º salário.
Quando o Golpe Militar se abateu, Zarattini
encontrava-se em São Paulo. Todavia, como o contato
político com Amaro Luiz de Carvalho havia sido marcante,
decidiu deixar o estado de São Paulo e partir rumo a Recife
para restabelecer contato com Amaro.
Em Pernambuco, Zarattini teve muitas dificuldades
de retomar o contato com Amaro Luiz, pois o Golpe Militar
havia desarticulado a ligação do PC do B com os militantes
do Nordeste. Após alguns meses, Ricardo Zarattini
conseguiu encontrar Amaro, que estava sem recursos,

- 23 -
documentos e ligações com o PC do B.21 Esse despreparo
do PC do B diante do Golpe Militar, revelado pela situação
em que Zarattini encontrou Amaro Luiz de Carvalho,
contribuiu para a escolha futura de Amaro e Zarattini em
romper com o PC do B e fundar o PCR. Duas razões
indicam isso: a) ausência de capacidade de resposta diante
do Golpe; b) um distanciamento do Nordeste, ou seja, a
falta de contato da direção do PC do B com Amaro fazia
parecer que a região era secundarizada pela direção do
Partido,
Após o reencontro, em 1966, Ricardo e Amaro
partiram para Niterói, no Rio de Janeiro, onde o contato
com a direção do PC do B foi restabelecido. Somente após
esse processo que o PC do B propõe a Amaro Luiz fazer um
curso militar na China. Em meio a tudo isso, começava a
ser elaborada entre Amaro e Ricardo a tese de desenvolver
a luta armada no Nordeste.
Diante da experiência de Amaro Luiz de Carvalho
com as lutas desenvolvidas pelas Ligas Camponesas, os
vários contatos políticos estabelecidos na região canavieira
de Pernambuco e o conhecimento da região, Ricardo
sugeriu a Amaro o retorno para o Nordeste, para iniciar o
processo de construção da guerrilha de maneira imediata.
Amaro negou a sugestão, aceitou a proposta do PC do B de
fazer o curso militar na China e ainda solicitou a Zarattini
que passasse a integrar o PC do B22.
Ricardo Zarattini acatou a orientação de Amaro e
passou a integrar uma célula de intelectuais do PC do B.

21
DEL ROIO, 2006, p. 52
22
DEL ROIO, 2006, p. 53

- 24 -
Demitido da empresa Máquinas Moreiras, acabou
processado em 1965 pela atuação na greve da Companhia
Siderúrgica Paulista (COSIPA). Enquanto aguardava o
retorno de Amaro da China, Zarattini procurou estabelecer
uma rede de contatos, inclusive indo a Montevidéu, no
Uruguai, onde fez uma reunião com o trabalhista Leonel
Brizola, para apresentar o projeto guerrilheiro no Nordeste.
Brizola descartou a proposta, tinha outros planos e
depositava muita confiança na Brigada Militar do Rio
Grande do Sul.
A procura de Ricardo Zarattini por Brizola
provavelmente é reflexo da força política apresentada na
Campanha da Legalidade23, na relação com as Ligas
Camponesas e pelo fato de Brizola ser uma das vozes mais
contestadoras contra o Golpe Militar de 1964.
Sobre a Campanha da Legalidade, José Paulo Netto,
assim a descreve:

23
Realizada em 1961, foi um movimento civil-militar comandado por
Brizola, então governador do Rio Grande do Sul, para garantir a posse
de João Goulart, também conhecido como Jango que era vice presidente
do país e encontrava-se na China, quando da renúncia do presidente
Jânio Quadros. Forças políticas conservadoras, lideradas pela UDN de
Carlos Lacerda, queriam impedir a posse de João Goulart, a quem
acusavam de comunismo. Brizola então se destacou organizando uma
resistência que envolvia a Brigada Militar do Rio Grande do Sul e o
povo que recebeu armas para lutar. Após vários momentos de tensão
envolvendo as organizações políticas de esquerda e direita e setores do
exército, em setembro definiu-se que João Goulart poderia assumir a
presidência, desde que o país passasse para um sistema parlamentarista
e seus poderes fossem limitados pelo Congresso. Disponível em:
<http://www.legalidade.rs.gov.br/2011/08/a-campanha-da-legalidade-
uma-mobilizacao-civil-militar-em-defesa-da-posse-de-joao-goulart/>.
Acesso em: 08 ago. 2017.

- 25 -
No seu centro esteve Leonel Brizola, então
governador do Rio Grande do Sul –
Brizola, corajosamente, convocou os
brigadistas (a Brigada Militar, polícia
estadual), distribuiu armas ao povo e, com
o apoio da posição legalista do general
Machado Lopes, tornou Porto Alegre a
capital da legalidade; em Goiás, o
governador Mauro Borges seguiu-lhe o
exemplo. A mobilização popular irradiada
em Porto Alegre galvanizou o país –
formou-se uma cadeia de radiodifusão, a
rede da legalidade, que levava a todo o
Brasil a posição combatente de Brizola – e,
nela, o movimento sindical teve
protagonismo central. As Forças Armadas
se dividiram: setores legalistas (inclusive
Lott, na reserva) pronunciaram-se contra o
golpe. Diante da reação popular e de
dissenções nas Força Armadas, o núcleo
golpista recuou parcialmente e aceitou
negociações com representantes políticos.
Destas negociações (cujo líder civil foi o
deputado Tancredo Neves, do PSD
mineiro) surgiu um acordo: João Goulart
tomaria posse se o regime presidencialista
fosse substituído pelo parlamentarismo.
(…)
Instituiu-se às pressas o regime
parlamentar e João Goulart, regressando
ao país, tomou posse a 7 de setembro de
1961. (NETTO, 2014, p.30)

A força de Brizola, especialmente após a Campanha


da Legalidade, o catapultava como um possível substituto
de João Goulart.
Amaro Luiz de Carvalho retornou do curso militar
na China entusiasmado com a experiência vivida e ainda

- 26 -
mais convencido da necessidade de instalar uma guerrilha
no Brasil. Sendo assim, passou a pressionar o PC do B para
dar início ao processo de construção da luta armada.
Porém, a direção do partido lançou um documento
em 1966, denominado União dos Brasileiros para Livrar o
País da Crise, da Ditadura e da Ameaça Neocolonialista
no qual pregava que o objetivo era conquistar uma
assembleia nacional constituinte. Amaro ficou indignado,
acusou o Comitê Central do PC do B de desvios reformistas
e recusa da luta armada, desligando-se do Partido. Decidiu
se entender com Zarattini e criar um partido que fosse mais
determinado.24
Amaro Luiz de Carvalho e Ricardo Zarattini
elaboraram a Carta de 12 Pontos, e com o documento em
mãos procuraram novos contatos para a formação do novo
partido.
Entre os aliados construídos durante o período que
Amaro estava na China, Zarattini aproximou-se de Joaquim
Câmara Ferreira25, que inclusive disponibilizou o material
necessário para a sua nova identificação. Assim, Ricardo
Zarattini Filho passou a se chamar Rivaldo Mercadante
Filho. No caso de Amaro, sua nova identificação foi obtida
através de sua contratação. Com a imigração muitos
nordestinos chegavam a São Paulo sem identificação;
bastava que diante de um juiz fizessem um juramento que

24
DEL ROIO, 2006, P. 35
25
Veio a se tornar um dos principais dirigentes da Aliança Libertadora
Nacional – ALN. Participou do comando militar do sequestro do
embaixador Charles Elbrick, em 1969. Mais informações consultar:
<http://memoriasdaditadura.org.br/biografias-da-resistencia/joaquim-
camara-ferreira/index.html>. Acesso em 20 de março de 2017

- 27 -
era lavrado a certidão de nascimento. Desta maneira,
Amaro Luiz de Carvalho tornou-se Antônio Nunes
Capivara26.
Após ingressar definitivamente na clandestinidade,
Amaro e Zarattini, agora Rivaldo e Capivara, conseguiram
uma cobertura legal para suas atividades como
representantes de vendas de carrinhos de mão, através de
um contato de Zarattini que fabricava o produto para a
construção civil27. A partir de então, estabeleceram uma
relação política com os alagoanos Manoel Lisboa de
Moura, Selma Bandeira e Valmir Costa.

Lembro-me quando Palmeira (Amaro Luiz


de Carvalho, que depois ficou conhecido
como Capivara) e eu nos reunimos pela
primeira vez num aparelho clandestino, no
bairro de Bebedouro, em Maceió, com
Manoel. Creio que foi ele mesmo que
sugeriu o nome de Miguel para usar na
clandestinidade
Miguel – Manoel Lisboa de Moura – já
antes de 64 exercia reconhecida liderança
na juventude, não só em Alagoas, como
também em Pernambuco. Tinha a seu lado
companheiros da mais alta qualidade
revolucionária, como Valmir Costa, Selma
Bandeira e outros tantos de igual valor,
mas que a ausência na memória me leva à
injustiça de não citá-los nominalmente.
Miguel se revelou notável organizador,
recrutando valiosos companheiros não só
entre a juventude de Alagoas, de
Pernambuco e de outros Estados, como no
Rio Grande do Norte, apressando, dessa

26
DEL ROIO, 2006, P. 63
27
IBIDEM.

- 28 -
forma, a fundação, organização e
estruturação do PCR28.

Os contatos alagoanos eram do PC do B também, o


que facilitou a aproximação de Amaro e Zarattini, pois já os
conhecia.
Entre os novos contatos destacava-se Manoel
Lisboa, que viria a se tornar o principal dirigente do PCR.
Nascido em 21 de fevereiro de 1944, o jovem estudante de
medicina da Universidade Federal de Alagoas, iniciou sua
militância bastante jovem, aos 16 anos, ingressando no
PCB. Quando estudante do Lyceu Alagoano atuou no
grêmio da Escola e foi diretor da União dos Estudantes
Secundaristas de Alagoas (UESA). Enquanto estudante
universitário encenou peças do Centro Popular de Cultura
da União Nacional dos Estudantes (UNE), realizando
apresentações nos bairros pobres e fábricas29.
A sua destacada atuação no movimento estudantil
rendeu-lhe a primeira prisão, ainda em 1964, sob a acusação
de vender livros subversivos. Neste período Manoel Lisboa
já havia ingressado no PC do B e os livros que ele vendia
eram documentos propagandísticos do Partido Comunista
Chinês. O escritório onde os livros foram encontrados,
provavelmente, localizava-se no conhecido Edifício Breda,
no Centro de Maceió.
A edição do Jornal Gazeta de Alagoas de dia 10 de
abril de 1964 traz a seguinte notícia:

28
Zarattini. PCR. A vida e a Luta do Comunista Manoel Lisboa. Recife:
Edições Manoel Lisboa 2005, p. 34.
29
PCR. Manoel Lisboa de Moura (Galego) Disponível em:
<http://pcrbrasil.org/manoel-lisboa/>. Acesso em: 12 mar. 2016.

- 29 -
Figura 1 -

Fonte: Arquivo Público de Alagoas, 1962.

A repressão ditatorial o expulsou do curso de


Medicina na UFAL30. Manoel mudou de estado e passou a
morar em Pernambuco e trabalhar com o irmão na
Companhia de Eletrificação Rural do Nordeste (CERNE)31.

30
No dia 08 de maio de 2003, Rogério Moura Pinheiro, então reitor da
Universidade Federal de Alagoas (UFAL), reintegra oficialmente
Manoel Lisboa como estudante de medicina. O ato póstumo fez parte
das cerimônias referentes à chegada dos restos mortais de Manoel
Lisboa a Maceió, que foi enterrado no mesmo dia no Cemitério Parque
das Flores. O Ato de reintegração e a cerimônia de homenagem a
Manoel Lisboa estão disponíveis em:
<https://www.youtube.com/watch?v=MT0RtZMfaXI>. Acesso em: 25
fev. 2017.
31
O irmão de Manoel Lisboa, Carlos Cavalcanti era capitão do exército.
Quando Carlos Cavalcanti soube da prisão e assassinato do irmão, em
1973, pediu baixa imediatamente do Exército, conforme revela Alfredo
Lisboa, sobrinho de Manoel Lisboa para o documentário Manoel
Lisboa: Herói da resistência a Ditadura, lançado em 2016 e dirigido
pelo cineasta argentino Carlos Pronzato. Participei como colaborador
da produção do referido Documentário.

- 30 -
Em 1965 sofreu nova prisão, agora acusado pelo
atentado ao Ditador Costa e Silva, no Aeroporto dos
Guararapes. No momento e hora do atentando, Manoel
encontrava-se trabalhando e como a repressão ditatorial não
conseguiu reunir provas contra ele acabou liberando-o
depois de quatro dias preso. Em seguida, percebendo que já
não poderia desenvolver suas atividades, Manoel entrou por
iniciativa própria na clandestinidade.
Manoel também havia rompido com o PCB em
1962, aderindo ao PC do B. Concordava com a análise de
Amaro sobre o PCB. A adesão ao PC do B era a esperança
de reorganizar o movimento comunista a partir do que eles
consideravam como uma perspectiva revolucionária e não
reformista.
Entretanto, após a Golpe Militar de 1964, Manoel
Lisboa passou a identificar no PC do B os mesmos erros
encontrados no PCB. Não concordava com a falta de
atenção do Partido com o trabalho no Nordeste, bem como
com a ausência de liberdade de crítica interna. O contato
entre Manoel Lisboa e os demais militantes alagoanos com
Amaro e Zarattini estabelece a identidade de análise em
relação ao PCB e ao PC do B.
Essa análise de Manoel Lisboa, segundo a qual não
havia liberdade de crítica no PC do B é decorrente da
própria luta política e ideológica que havia no partido. Dito
de outro modo, possivelmente, Manoel não encontrava
espaço para um debate franco sobre a tática do Partido.
Críticas a este tipo de postura também eram comuns contra
o PCB, mesmo após os efeitos do XX Congresso do PCUS
repercutirem no funcionamento do Partido e os espaços de

- 31 -
debate sobre a política do partido fossem anunciados como
“abertos”.
Manoel Lisboa, Valmir Costa e Selma Bandeira32
sempre atuaram juntos, desde a época do PCB. Valmir
Costa, codinome Gomes33, amigo pessoal de Manoel e
Selma Bandeira, também se tornou um importante dirigente
do PCR.

O Manoel Lisboa de Moura, que foi meu


amigo de Infância e convivemos juntos até
o momento em que ele foi preso em 1973.
Nós convivemos um longo tempo, fomos
amigos. Eu considero ele como o grande
amigo pessoal da minha vida. (COSTA,
Fernando. Depoimento a Comissão da
Verdade de Alagoas. 19 de novembro de
2013.)

Além da influência de Manoel Lisboa, Valmir viveu


um processo de formação política no seio da própria
família, seu pai era uma pessoa de esquerda e foi por meio
dele que pode conhecer o conceito de injustiça e simpatiza-
se com as ideias socialistas.

Tudo começou quando disseram: — Vai ter


um golpe militar contra João Goulart.
Aqui, em Maceió, o Miguel Arraes era
esperado, vindo de Recife para participar

32
Selma Bandeira se tornou deputada estadual pelo PMDB em 1983-
86, vindo a falecer em um acidente de carro no dia 07 de setembro de
1986, quando voltava de um comício durante campanha para deputada
federal.
33
Como explica José Nivaldo Júnior no seu depoimento para o livro, A
vida e a Luta do Comunista Manoel Lisboa. 2005. p. 68

- 32 -
de um comício, mas interrompeu a viagem
no meio do caminho. Naquele momento,
houve uma manifestação de protesto na
Petrobras (Sindicato dos Trabalhadores da
Petrobras), e eu participei, quase que
ingenuamente, achando que estava
fazendo uma coisa boa, que era defender o
governo democrático de João Goulart, um
governo que tentou implantar as reformas
de base no País. Ele cometeu esse pecado,
para a direita do País, para os defensores
do retrocesso e dos privilégios sociais, e
por isso foi derrubado e se implantou uma
Ditadura Militar no País.
Quando a Ditadura foi instaurada, minha
casa foi invadida — por conta do meu pai
e da sua militância antes da Ditadura — e
eles encontraram alguns livros que eu já
começava a ler. Eu sempre gostei muito de
literatura russa e tinha livro de
Dostoiévski, Tolstói. Quando a polícia
entrou, disse: — É tudo comunista. Olha
aqui, está comprovado: Dostoiévski,
Tolstói. Pode levar que isso aqui é um
perigo. Eu me lembro disso, que me
revoltou muito. Esse episódio serve para
mostrar a minha formação, o início da
minha revolta e a quebra da minha
inocência, graças à Deus, que inocência
não leva a nada (IBDEM)

Com a ida de Manoel Lisboa para Recife, Valmir


também se transfere para lá, ingressando na Universidade
Federal Rural de Pernambuco (UFRPE), no curso de
medicina veterinária. Responsável pelo trabalho
universitário do Partido, Valmir escreveu o livro Sobre o
Movimento Estudantil, onde traça as orientações políticas

- 33 -
para o trabalho do partido entre os estudantes34.
Eleito presidente do Diretório Acadêmico nos anos
de 1967 e 1968, Valmir Costa liderou uma greve estudantil
que durou 34 dias. A reivindicação estudantil era o acesso
gratuito ao restaurante universitário, que estava ameaçado
de privatização.35.
Comandou uma greve num período em que a
contestação significava prisão ou até morte. Por esse
motivo sentiu a necessidade de entrar na clandestinidade.
Apesar da perseguição ele só foi preso em abril de 1978,
junto com Selma Bandeira em Recife36.
Selma Bandeira, também integrante do núcleo
fundador do PCR, nasceu no Sertão de Alagoas, na cidade
de Delmiro Gouveia. Estudou em Maceió no Colégio
Moreira e Silva e atuou no movimento estudantil através da
União Estadual dos Estudantes Secundaristas (UESA).
Também desenvolveu atividades no movimento estudantil
universitário e foi vice-presidente do Diretório de Medicina
na UFAL. A sua militância na universidade a credenciou

34
O seu lançamento se deu em agosto de 1968, publicado pelo PCR por
meio do editorial A LUTA, publicação N° 02. O livro foi reedito pelo
PCR em abril de 2005, desta vez pelas Edições Manoel Lisboa.
35
Depoimento de Valmir Costa a Comissão da Verdade Jayme Miranda,
dia 09 de dezembro de 2013
36
Em 1978 ocorreram uma série de prisões contra os dirigentes do PCR.
Após esse período o PCR realiza uma fusão com o Movimento
Revolucionário 8 de Outubro (vamos tratar desse assunto com mais
profundidade mais a frente). Valmir e Selma optam por não acompanhar
esse movimento de unificação. Porém, apenas Selma segue atuando
politicamente e ingressa no PMDB. Em 1982 é eleita deputada estadual.
Selma falece no dia 07 de setembro de 1986, após um acidente
automobilístico, que ocorre após retornar de um comício na sua
campanha para deputada federal.

- 34 -
como delegada ao XXX Congresso da UNE, o famoso
Congresso de Ibiúna. Enquanto se formava, chegou a
lecionar biologia no Colégio Estadual de Alagoas37.
Após concluir o curso de medicina na Universidade
Federal de Alagoas, Selma transferiu-se para Recife, onde
estagiou no Instituto de Medicina Integral Professor
Fernando Figueira - IMIP38. Desta maneira, todo o núcleo
de fundação do PCR passou a comandar o Partido a partir
da cidade de Recife, concentrando-se lá, como local de
moradia.
Selma Bandeira, até então, namorada de Manoel
Lisboa, casou-se com ele. Como médica, a principal tarefa
de Selma era desenvolver o trabalho legal do Partido e
cuidar das finanças. A convivência da nova família ainda
vai receber Lauro Bandeira, irmão mais jovem de Selma,
que tinha acabado de ingressar na UFRPE39.
Além deste núcleo de fundação do PCR, outros dois
militantes foram recrutados e incorporados ao trabalho de
direção do Partido ainda na sua fase inicial: o estudante de
sociologia Emmanuel Bezerra e o camponês Manoel
Aleixo.
Emmanuel Bezerra dos Santos, nascido em São
Bento do Norte, no Rio Grande do Norte, em 17 de junho
de 1947, foi estudar em Natal, onde se tornou liderança
estudantil, sendo eleito em 1967/1968 presidente da Casa

37
A Revolucionária Selma Bandeira. Disponível em: <
http://www.historiadealagoas.com.br/revolucionaria-selma-
bandeira.html>. Acesso em: 25 fev. 2017.
38
Depoimento de Lauro Bandeira, irmão de Selma Bandeira, para o
livro A vida e a Luta do Comunista Manoel Lisboa. 2005, p. 97.
39
IBDEM

- 35 -
do Estudante de Natal.
Também era poeta e produzia críticas literárias para
jornais de Natal. Perseguido pela Ditadura esteve preso na
base naval de Natal, em 1968, onde escreveu:

Às gerações futuras40
Eu vos contemplo
Da face oculta das coisas.
Meus desejos são inconclusos,
Minhas noites sem remorsos.
Eu vos contemplo,
Pelas grades insensíveis.
Meu sonho,
É uma grande rosa.
Minha poesia,
Luta.
Eu vos contemplo
Da virtual extremidade.
Minha vida (pela vossa).
Meu amor,
Vos liberta.
Eu vos contemplo
Da própria contingência.
Mas minha força
É imbatível
Porque estais
À espera.
Eu vos contemplo
Pelo fogo da batalha.
Meus soldados
Não se rendem.
O grande dia
Chegará.
Eu vos contemplo
Gerações futuras,
Herdeiros da paz e do trabalho.
As grades esmaecem
Ante meu contemplar.

40
BEZERRA, 2010, p. 49

- 36 -
Antes de ingressar no PCR, em 1968, havia militado
no PCB e depois no PC do B. Em 1970, Emmanuel assumiu
a tarefa de dirigir o trabalho do PCR em Alagoas, tendo
também participado de viagens internacionais para
estabelecer contatos de apoio para o Partido. Em 1973,
quando havia sido enviado ao Chile, foi preso pela polícia
de Sérgio Paranhos Fleury,41 sendo barbaramente
assassinado pelo aparelho repressor da Ditadura42.
Manoel Aleixo, conhecido como Ventania, chegou
ao PCR em 1967, através de Amaro Luiz de Carvalho.
Nascido em 04 de junho de 1931, em São Lourenço da Mata
– PE, Manoel Aleixo trabalhou no campo desde a infância;
sua tarefa no PCR era organizar o trabalho clandestino dos
assalariados agrícolas da Zona da Mata de Pernambuco e
Alagoas43.
Devido a sua atuação foi preso em 1969, sendo
posto em liberdade apenas em 1970, quando retomou suas
atividades no PCR. Como Amaro Luiz de Carvalho
encontrava-se preso neste período44, passou a assumir a

41
Sergio Fernando Paranhos Fleury, delegado do Departamento de
Ordem Política e Social- DOPS, durante a Ditadura Militar. Acusado
pela morte de várias pessoas que atuaram contra a Ditadura Militar,
além dos crimes de sequestro e tortura de outras tantas pessoas.
42
Editorial do Jornal A Luta, órgão oficial do PCR durante a Ditadura
Militar, dezembro de 1974
43
IBDEM.
44
Amaro Luiz de Carvalho não saiu mais da prisão, foi assassinado
através de envenenamento em 1971. A imprensa assim divulgou sua
morte “Coração trai Capivara a dois meses da liberdade” (Diário da
Noite, 24.08.71). Ou mesmo comemorou sua morte: “Fim do Terror”
(Diário de Pernambuco, 24.08.71). ALVES, Luiz. O Covarde
assassinato de Amaro Luiz de Carvalho. Disponível em
<http://averdade.org.br/2012/08/o-covarde-assassinato-de-amaro-luiz-

- 37 -
responsabilidade de acompanhar todo o trabalho no campo
que o Partido desenvolvia. Em 1973, assim como Manoel
Lisboa e Emmanuel Bezerra, Manoel Aleixo também foi
preso e assassinado pela Ditadura Militar45.
Além dos cinco fundadores do PCR, Amaro Luiz de
Carvalho, Ricardo Zarattini, Manoel Lisboa, Valmir Costa
e Selma Bandeira, são incorporados posteriormente a esse
primeiro núcleo dirigente do Partido: Emmanuel Bezerra e
Manoel Aleixo. A partir daí o PCR iria tentar desenvolver a
sua tática de realizar uma guerrilha rural a partir do
Nordeste do Brasil.
A compreensão da gênese do PCR a partir da
trajetória de seus fundadores e componentes do primeiro
núcleo dirigente, indica que “a modernização conservadora
usurpou a identidade recém-constituída de camadas sociais
que haviam ascendido nas cidades, do pós-guerra até 1964,
à condição de sujeito de direitos, de cidadãos integrais”
(RIDENTI, 2005, p. 237).
Dito de outro modo, a guerrilha rural e a exaltação
do homem do campo expressavam uma negação da cidade,
mas também uma negação da modernização conservadora,
caracterizada pela eliminação das liberdades democráticas.
Negação do Golpe Militar e da Ditadura estabelecida com
ele.

de-carvalho/> Acesso em 12 de março de 2016.


45
Em 1973, a repressão da Ditadura Militar promoveu uma grande
perseguição contra o PCR, sendo presos e assassinados neste ano
Manoel Lisboa, Emmanuel Bezerra e Manoel Aleixo, além de dezenas
de prisões.

- 38 -
Além disso, a análise da trajetória de cada integrante
do primeiro núcleo dirigente do PCR é fundamental para
compreender as formulações programáticas que o Partido
adotou, principalmente a escolha do Nordeste como área
fundamental para a revolução que o partido planejava
realizar.

1.2 A Esquerda antes do Golpe

As décadas de 1960 e 1970 foram marcadas em todo


o mundo pela fragmentação da esquerda. No Brasil não foi
diferente, a particularidade brasileira consiste na existência
da Ditadura Militar como cenário desse processo. Com o
fim das liberdades democráticas, as divergências na
esquerda brasileira se tornaram ainda mais acentuadas e o
seu processo de fragmentação se intensificou.
De acordo com Araújo, em A Utopia Fragmentada,
essa experiência brasileira pode ser organizada em três
eixos:

A crítica ao marxismo oficial – e a seus


desvios representados no cenário
internacional pela URSS e, internamente,
pelos partidos comunistas – PCB e PC do
B); a incorporação de novas ideias e novas
práticas sugeridas pela experiência política
internacional da esquerda a partir de 1968;
pela conjugação desse esforço de
renovação aplicado à luta contra a ditadura
militar no contexto de pós-autocrítica da
luta armada. (ARAUJO, 2000, p.17)

- 39 -
Dos três eixos apresentados por Araújo, interessa-
nos para compreender o surgimento do PCR os dois
primeiros. Quando trata da crítica ao marxismo oficial, é
preciso levar em conta os efeitos da crise do movimento
comunista provocada após o XX Congresso do Partido
Comunista da União Soviética (PCUS), em 1956. As
acusações apresentadas por Krushev, então secretário
político do PCUS, contra Stálin, contribuíram bastante para
a legitimação das críticas já existentes ao marxismo
soviético e a elaboração de novas formulações teóricas no
campo da esquerda e mesmo dentro do movimento
comunista.
Dessa maneira, o embate entre PCB e PC do B, e
entre estes dois partidos e as demais organizações que
surgem ao longo desse processo de fragmentação,
apresentam uma carga razoável dos efeitos da crise do
movimento comunista provocada pelas dissenções surgidas
após o XX Congresso do PCUS.
No Brasil foi profundo o impacto do Relatório
Krushev. Para Gorender, o informe de Kruschev provocou
perturbações em todo o movimento comunista mundial e o
PCB figurou entre os partidos mais abalados46.
Como explica Segatto, a maior parte dos militantes
e dirigentes do Partido Comunista Brasileiro – PCB
acreditavam que o Relatório era uma invenção do
imperialismo. Apenas seis meses após a realização do XX
Congresso do PCUS, em agosto de 1956, é que o comitê
central do PCB se reúne para debatê-lo47.

46
GORENDER, Jacob. 1987, p. 25.
47
SEGATTO, 1989, P. 88

- 40 -
As divergências existentes no âmbito internacional
também se revelaram entre os comunistas brasileiros. O
campo liderado por Luiz Carlos Prestes48, que apoiava as
posições de Kruschev, saiu vitorioso, o que provocou uma

48
Comandante de uma famosa marcha pelo Brasil, a Coluna Prestes, e
líder do Partido Comunista Brasileiro (PCB) por mais de 50 anos, Luís
Carlos Prestes foi uma das figuras da América Latina mais perseguidas
do século XX. Cursou a Escola Militar do Rio de Janeiro e depois foi
transferido para o Rio Grande do Sul, onde liderou uma revolta
tenentista contra o governo de Arthur Bernardes em 1924, composta por
jovens oficiais do Exército. Os “tenentes” pretendiam levantar a
população contra o poder da oligarquia governante e, por meio da
revolução exigir reformas políticas e sociais, como a renúncia de
Bernardes, a convocação de uma Assembleia Constituinte e o voto
secreto. Os integrantes da Coluna Prestes realizaram uma marcha pelo
interior do país, percorrendo, a pé e a cavalo, cerca de 25 mil
quilômetros. A marcha terminou em 1927, quando os revoltosos se
exilaram na Bolívia. Lá ele conheceu Astrojildo Pereira, um dos
fundadores do PCB. Convertido ao marxismo, viajou para Moscou (ex-
URSS) em 1931. Retornou clandestinamente ao Brasil em 1935, casado
com a comunista judia alemã Olga Benário. Depois de comandar o
fracassado golpe conhecido como Intentona Comunista, em 1935, com
o intuito de derrubar o então presidente Getúlio Vargas e instalar um
governo socialista, foi preso e sua mulher entregue grávida à Gestapo,
polícia política nazista. Na Alemanha, ela morreu num campo de
concentração, em 1942. A filha de ambos, Anita Leocádia Prestes,
nascida na prisão na Alemanha, foi resgatada pela avó paterna. Após
ser solto em decorrência do processo de redemocratização, em 1945,
Prestes se elegeu senador pelo PCB, com mais de 160 mil votos. Com
a cassação do registro do partido, em 1947, teve a prisão preventiva
decretada e foi obrigado a retornar à clandestinidade. Sua prisão
preventiva foi revogada em 1958, mas, com o golpe militar de 1964, o
líder comunista voltou a ser perseguido. Em 1971, exilou-se na URSS
onde permaneceu até 1979, ano em que retornou ao Brasil após a anistia
política. Em 1980 rompeu com o Partido através da sua “Carta aos
Comunistas”. Dez anos depois, faleceu no Rio de Janeiro, aos 92 anos
de idade. Disponível em: <http://memoriasdaditadura.org.br/
biografias-da-resistência/luis-carlos-prestes>

- 41 -
série de mudanças internas no PCB, incluindo a nova
orientação política de Moscou expressa na Declaração de
Março de 1958.

Neste mesmo ano de 1957, o Comitê


Central modifica a composição da
Comissão Executiva, afastando dos cargos,
os dirigentes ligados ao passado stalinista
do partido e que não aceitavam a mudança
(Diógenes Arruda Câmara, João
Amazonas, Maurício Grabois e Sérgio
Holmos). O complemento político desta
medida do Comitê Central é a aprovação
em março de 1958 de uma Resolução
Política, que marcava o sepultamento
definitivo da linha política estabelecida na
Declaração de Agosto de 50, reiterada pelo
IV Congresso em 1954. (SILVA,1987, p.
80)

As novas diretrizes políticas de Moscou, que


indicavam a necessidade da coexistência pacífica entre os
países socialistas e capitalistas e a defesa da transição
pacífica do capitalismo ao socialismo, refletiram-se na
Declaração de Março de 1958 do PCB.
O documento manteve uma leitura de que o Brasil
era um país semicolonial, e que sendo assim, a principal
contradição no Brasil seria entre Nação e Imperialismo; e o
caráter da Revolução Brasileira não seria socialista, mas
antifeudal, nacional e democrática. Até aí nada de novo na
formulação do PCB sobre a realidade brasileira. A novidade
é que para cumprir essa estratégia, a Declaração indica a
opção pela via pacífica de transição do capitalismo para o
socialismo, a defesa da legalidade democrática e

- 42 -
constitucional, e uma política de reformas que vai encontrar
lugar através da participação do PCB no governo de João
Goulart49.
Como explica Araújo (2000), a proposta do PCB
veio a ser difundida como a luta pelas “reformas de base” -
e permitiu ao PCB não apenas mobilizar e aglutinar um
grande conjunto de forças sociais, mas sobretudo voltar a
participar da vida pública nacional50.
É necessário apresentar que antes do Golpe Militar
de 01 de abril de 1964, o Brasil vivia uma conjuntura
política extremamente acirrada, em que dois grandes polos
disputavam um projeto de país. Como explica José Paulo
Netto:

De fato, entre 1961 e 1964, a conjuntura


política indicava uma crescente
polarização das forças políticas e sociais
brasileiras: havia um campo progressista,
com um projeto de reformas
democratizantes e nacionalistas, e um
campo que pretendia travar esse projeto,
promovendo mudanças que não
implicassem a ampliação da participação
política das classes subalternas nem
afetassem as relações das classes
possuidoras com os centros imperialistas.
Nenhum dos dois campos se apresentava
como um conjunto homogêneo: eram
constituídos por vetores heterogêneos e
compósitos. O campo nacional-reformista
envolvia alguns setores burgueses,

49
Comitê Central do Partido Comunista do Brasil (PCB). Declaração
sobre a política do PCB. Disponível em <https://www.marxists.org/
portugues/tematica/1958/03/pcb.htm>. Acesso em: 11 mar. 2016.
50
ARAÚJO, 2000, p. 77

- 43 -
pequeno-burgueses, trabalhadores e
proletários; tinha suas bases no movimento
operário e sindical, nas ligas e sindicatos
camponeses e em entidades estudantis;
expressava-se sobretudo através do PTB,
alguns segmentos do PSD e minimamente
a UDNE e de partidos menores da
esquerda (dos quais o que ganhava maior
audiência era, sem dúvida, o ilegal PCB) –
e trazia em seu bojo um leque de tensões e
contradições. Também o campo
conservador-direitista não constituía um
bloco homogêneo: aglutinava os grandes
proprietários fundiários, o grosso do
empresariado, os banqueiros, estratos da
pequeno-burguesia, pequenos
proprietários e as empresas imperialistas
atuantes no país; no entanto, unificava-se
mais rápida e solidamente, na medida em
que seus interesses coincidiam em frear o
processo de democratização e suas
consequências econômicas. (NETTO,
2014, P.53)

Nessa conjuntura política bastante polarizada do


início dos anos 1960, o PCB integrou o bloco nacional-
reformista. Em que pese as divergências decorrentes das
polêmicas em torno do Relatório Krushev e as posições
políticas do PCUS a partir do seu XX Congresso, a nova
linha política do PCB se encaixava de maneira adequada
para que o partido pudesse constituir esse bloco progressista
e apoiar o governo de João Goulart.
Todavia, essa opção do PCB acelerou a crise política
e ideológica dentro do partido, que passou a ser acusado por
frações internas, futuras cisões, como reformista e submisso
politicamente ao que era compreendido como burguesia

- 44 -
nacional; sendo João Goulart o representante desse setor da
burguesia e liderança política desse bloco nacional-
reformista.
A opção pelo caminho reformista desfaz o mito de
que o PCB se preparava para uma ruptura com a legalidade
ou planejava um caminho insurrecional. Todavia, a
dissolução dessa possibilidade estava apenas na
mentalidade das organizações de esquerda, pois o bloco
conservador continuava se unificando especialmente sob a
égide do discurso anticomunista.

Mas há uma característica da esquerda no


Brasil que merece ser destacada. Na
Europa e nos Estados Unidos, quase
sempre os movimentos de minorias
surgiram como antagonistas da esquerda
tradicional. Na Europa, esse antagonismo
ficava ainda mais claro: os jornais
feministas franceses, por exemplo, se
voltavam contra o Partido Comunista
Francês, acusando-o de nunca haver
percebido a importância da organização
independente das mulheres. No Brasil esse
conflito não se deu exatamente da mesma
forma. Pelo menos não durante a década de
1970. O principal motivo era, sem dúvida,
a existência de uma conjuntura adversa – a
ditadura militar- que atenuava o conflito
entre as esquerdas. Ao longo daquela
década, o rompimento político e teórico
com o marxismo não foi a questão mais
importante para os grupos e movimentos
de que estamos falando. Ao contrário, seu
esforço de formulação teórica e política se
pautava pela tentativa de incorporar à
cultura marxista as novas questões que
estavam sendo levantadas. (…) No Brasil,

- 45 -
portanto, os movimentos de novo tipo não
enfatizaram, pelo menos num primeiro
instante, o rompimento com a tradição
marxista nem com a esquerda mais
tradicional; embora tenha havido uma
tensão constante entre eles. (ARAÚJO,
2000, p. 19)

As divergências com as formulações políticas do


PCB começaram a gerar as primeiras dissidências em 1961,
quando nasceu a Organização Revolucionária Marxista, que
editava o periódico denominado Política Operária,
tornando-se conhecida por isso como POLOP.
A POLOP reunia um pequeno número de militantes,
sendo alguns dissidentes do PCB51 e jovens intelectuais
como Moniz Bandeira, Emir Sader e Eder Sader, Ruy
Mauro Marini. De amplo mosaico teórico, a POLOP tinha
inspiração nas ideias de Trotsky, Rosa Luxemburgo,
Bukharin e Talheimer.
Antes do Golpe Militar a POLOP realizou três
congressos nos anos 1961, 1963 e 1964, e desenvolveu
grande crítica ao nacionalismo e ao reformismo,
difundindo-se bastante no meio universitário, porém com
presença reduzida no movimento de massas52. Em seu
programa político a POLOP afirmava o caráter socialista da
revolução brasileira, contestando a concepção etapista
defendida pelo PCB e depois por PC do B, PCR e PCBR.
Em virtude da nova opção política, formulada na

51
MEYER, Victor. Frágua Inovadora: o tormentoso percurso da
POLOP. Disponível em: <http://centrovictormeyer.org.br/polop/>.
Acesso em: 11 mar. 2016.
52
GORENDER, Jacob, 1987, p. 35-36.

- 46 -
Declaração de Março de 1958, o PCB passou a priorizar a
obtenção da sua legalização. Buscando atender a legislação
eleitoral, o PCB realizou em 1961 uma Conferência
Nacional quando foi aprovado um novo estatuto, alterando
o nome de Partido Comunista do Brasil para Partido
Comunista Brasileiro53.
Antes, porém, em 1960, o V Congresso do PCB
havia sido realizado e com ele a permanência da luta
política, ainda decorrente dos debates de 1956/1957. Nele
as teses da Declaração de Março de 1958 são reafirmadas e
o agrupamento considerado stalinista, liderado por João
Amazonas, Diógenes Arruda, Maurício Grabois é excluído
do Comitê Central do Partido, ascendendo a importantes
postos de comando Jacob Gorender e Mário Alves54.
A mudança de nome foi o estopim para que o grupo
liderado por João Amazonas e Diogenes Arruda Câmara e
Maurício Grabois convocasse uma “Conferência
Extraordinária”, onde se aprovou a eleição de um novo
Comitê Central, mantendo o nome de Partido Comunista do
Brasil, porém com a sigla PC do B

53
Como explica Gorender, o PCB conquistou o registro eleitoral em
1945, porém, sob a acusação de que não era um partido brasileiro, mas
internacional, em 07 de maio de 1947 a justiça eleitoral colocou
novamente o PCB na ilegalidade. Quando em 1961 a direção do PCB
resolve alterar o nome de Partido Comunista do Brasil para Partido
Comunista Brasileiro o objetivo era esvaziar a argumentação que
cassou o registro partidário em 1947. Porém, apesar da mudança, o PCB
não obteve a legalização. GORENDER, Jacob, 1987, p. 21.
54
GORENDER, Jacob, 1987, p. 31. 32

- 47 -
(SEGATTO,1989, p.105)55.

Expulsos, os dissidentes realizam em


fevereiro de 1962, a Conferência Nacional
Extraordinária. Surge – ou como querem
seus militantes – reorganiza-se o Partido
Comunista do Brasil – assumindo-se como
Partido Comunista fundado em 1922,
portador das tradições stalinistas que
significavam a continuidade do marxismo
leninismo(...) A partir de então, temos dois
partidos comunistas no Brasil: o PCB e o
PC do B. Cada um deles se proclamando o
Partido Comunista fundado em 1922.
(SILVA, 1987, p. 89)

Como explica Silva, a opção pela via pacífica, a


mudança de nome do Partido, o processo de
“desestalinização” do PCB, que é resultado dos impactos do
Relatório Kuschev, são os elementos fundamentais para o
nascimento do PC do B.
Neste cenário de conflito e em meio ao cisma sino-
soviético, o PC do B se aproxima dos comunistas chineses,
passando a assumir a posição de representante oficial do
pensamento Mao Tse-tung no Brasil. Como explica Del
Roio:

Para complicar ainda mais, em 1959


começara uma série de divergências entre
o Partido Comunista da União Soviética,
que pregava a coexistência pacífica entre o
socialismo e o capitalismo em escala
planetária e o Partido Comunista da

55
Até os dias atuais a polêmica permanece, tanto o PCB como o PC do
B reivindica a sua fundação em 25 de março de 1922.

- 48 -
República Popular Chinesa, que
hostilizava esta posição. Assim foi que o
PCB apoiou as posições soviéticas e o PC
do B as posições chinesas. Os dois partidos
passariam ainda por muitas vicissitudes,
conflitos e rompimentos. (DEL ROIO,
2006, p. 48)

A Conferência Nacional Extraordinária que criou o


PC do B lançou o documento intitulado Manifesto
Programa, onde estão contidas estas divergências e indica a
necessidade de um Governo Popular Revolucionário.
Porém, é necessário esclarecer que do ponto de vista
da leitura da realidade brasileira havia uma convergência
entre PCB e PC do B. Como explica Gorender, o PC do B
manteve a concepção das duas táticas da Revolução, o que
o identificava ao PCB, por mais que se detestassem56. Para
ambos, o Brasil era um país semicolonial, e que sendo
assim, a principal contradição no Brasil seria entre Nação e
Imperialismo e a Revolução Brasileira seria antifeudal,
nacional e democrática em transição para o socialismo.
A questão era como essa política deveria ser
desenvolvida. Enquanto o PCB adotava o caminho da luta
pacífica, da transição para o socialismo através das
reformas, o PC do B defendia em seus documentos a luta
armada, através da guerra popular, além de criticar o PCB
por subordinar os interesses da classe operária aos
interesses da burguesia.

56
GORENDER, 1987, p. 34.

- 49 -
É importante destacar também a influência da
Revolução Cubana para os comunistas e a esquerda em
geral, especialmente na América Latina. A vitória do
Movimento 26 de Julho, através da tática da guerra de
guerrilhas, sob a liderança de Fidel Castro, em janeiro de
1959, indicava que a Revolução era possível e que o
caminho da luta armada era o correto.

É impossível falar daquela época sem se


levar em consideração o que representou
para a minha geração a Revolução Cubana.
O que havia de busca da utopia que
chegava até nós. O jovem que não
participasse era um imbecil imperdoável.
Havia, inclusive, o aspecto teatral da
Revolução Cubana, aquela coisa
fascinante. Os uniformes, ver Fidel Castro
a meio metro como eu vi na Avenida
Atlântica, sujeito de dois metros por cinco
e meio de largura, charuto enorme... E a
barba, aquela farda... (MORAES, 1989,
p.22)

É o caso das Ligas Camponesas, movimento que


nasceu em 1955, no Engenho Galileia, em Vitória de Santo
Antão, região da Zona da Mata pernambucana, sob o nome
de Sociedade Agrícola e Pecuária dos Plantadores de
Pernambuco – SAPPP. A imprensa conservadora e os
políticos conservadores chamaram esse movimento de
Liga, com receio de uma reedição das ligas que haviam
existido em Pernambuco entre os anos 1945-1947, sob a
influência do PCB57.

57
História das Ligas Camponesas. Disponível em:
<http://www.ligascamponesas.org.br/?page_id=99>. Acesso em: 01

- 50 -
O sucesso da Liga da Galileia na defesa dos direitos
dos camponeses tornou o advogado Francisco Julião sua
principal liderança e permitiu que em pouco tempo as Ligas
se expandissem e passassem a agregar camponeses em mais
de dez estados do país, consolidando de maneira nacional
as Ligas Camponesas.
Em 1961, Francisco Julião viajou a Cuba e
estabeleceu contato com os líderes da Revolução Cubana.
Retornou da Ilha convencido da possibilidade de
desenvolver um processo revolucionário semelhante no
Brasil. Desta maneira, modificou a maneira de atuação das
Ligas, que até então tinha um caráter legalista e passou a
preparar um movimento guerrilheiro58.

Na verdade, desde que a direção das Ligas


incorporou a experiência da revolução
cubana e a teoria da guerra de guerrilhas,
as Ligas já tinham reelaboradas as suas
concepções sobre a revolução brasileira,
negando o seu caráter pacífico e a
viabilidade política de se conquistarem
reformas estruturais sem um confronto
direto com o bloco industrial-agrário. As
contradições com o PCB advinham dessa
visão, e as Ligas se preparavam para, a
longo prazo, criar uma forte organização
camponesa em toda a área rural do país,
que permitisse um enfrentamento armado,
no momento em que as contradições entre
as classes dominadas e dominantes
passassem do terreno político para o
confronto militar. (AZEVEDO, 1982,
p.92)

mar. 2017.
58
GORENDER, 1987, p. 38

- 51 -
A mudança de tática de Francisco Julião e a
possibilidade de desenvolver um movimento guerrilheiro
no Brasil atraíram militantes do PCB descontentes com as
mudanças políticas na linha do Partido, entre eles Clodomir
de Morais59 e Amaro Luiz de Carvalho; que depois viria ser
fundador do PCR60. Além do PCB, o PC do B, a POLOP, e
vários outros grupos menores, incluindo facções
trotsquistas atuavam por dentro das Ligas, compondo o seu
Conselho Nacional61.

59
Nasceu na Bahia. Formou-se em Direito, em Recife - PE. Ingressou
nas Ligas Camponesas, organização que marcou profundamente a
história dos movimentos populares de nosso país. Ali, Clodomir Morais
tornou-se assessor e organizador das Ligas que, da década de 50, até
serem destruídas pela contra-revolução de 01 de abril de 1964, foi um
dos movimentos de massa mais combativos no Brasil. Por 15 anos,
Clodomir Morais, que teve seus direitos políticos cassados, conheceu o
exílio. No entanto, durante todo esse período, foi conselheiro regional
da ONU para a América Latina em assuntos da reforma agrária e
desenvolvimento rural. Também para a ONU, através de algumas de
suas agências, dirigiu projetos de capacitação e organização em
Honduras, México, Nicarágua e Portugal, outras vezes consultor para
missões técnicas na Europa, América Latina, África e Ásia, tendo
voltado o todo o seu rabalho para a questão camponesa. Nas
universidades de Rostock, na Alemanha, foi professor residente. Em
Berlim, por onde passou quatro anos, atuou como professor
conferencista e fez o curso de doutorado em sociologia. Foi Deputado,
em Pernambuco, pelo Partido Comunista Brasileiro (PCB). Autor de
mais de 20 livros, que têm como temas centrais a reforma agrária e a
geração de emprego e renda. Clodomir dos Santos Morais, Dicionário
Político.Disponível em: < https://www.marxists.org/
portugues/dicionario/verbetes/m/morais_clodomir.htm>. Acesso em:
01 mar. 2017.
60
Amaro Luiz de Carvalho teve papel de destaque nesse movimento
guerrilheiro, foi comandante dos campos de treinamento, substituindo
Joaquim Ferreira. AZEVEDO, 1982, p. 93.
61
AZEVEDO, 1982, p. 92.

- 52 -
Francisco Julião, que segundo Gorender, tornou-se
talvez o primeiro a defender a principalidade dos
camponeses na Revolução Socialista62, temendo perder o
comando político das Ligas, fundou em 21 de abril de 1962,
em Ouro Preto, Minas Gerais, o Movimento Radical
Tiradentes (MRT)63. A partir daí passou a comprar fazendas
e estabelecer campos de treinamento militar em Goiás, na
cidade de Dianópolis64.
No Manifesto de Fundação do MRT, Francisco
Julião declarou:

Defendo a gloriosa revolução de Fidel


Castro e te recomendo companheiro e
compatriota, que leias e sigas os
ensinamentos da II Declaração de Havana,
proclamada a 04 de fevereiro deste ano,
naquela cidade livre, perante um milhão e
quinhentas mil pessoas. Essa declaração é
alta como os Andes, corajosa como
Tiradentes, pura como a face da liberdade
e generosa como o seio materno. É a
constituição dos povos latino-americanos
para esta fase de sua história e de suas lutas
pela emancipação econômica. (JULIÃO,
1982, p .94)

A tentativa guerrilheira de Julião e do MRT


fracassam. Em dezembro de 1962, os órgãos de segurança
descobriram o campo de treinamento, muitos militantes
foram presos e armas apreendidas. Vinte e quatro pessoas
tiveram o pedido de prisão preventiva pelas autoridades

62
GORENDER, 1987, p. 38
63
AZEVEDO, 1982, p. 94.
64
GORENDER, 1987, p. 47.

- 53 -
policiais, entre elas, Clodomir Morais e Amaro Luiz de
Carvalho. Ainda em dezembro, Clodomir foi preso na
Guanabara pela polícia de Carlos Lacerda65 e junto com sua

65
Nasceu na cidade do Rio de Janeiro em 30 de abril de 1914. Jornalista,
escritor e empresário, fundador do jornal Tribuna da Imprensa e da
editora Nova Fronteira. Iniciou-se na política como marxista e, em 23
de março de 1935, participou da fundação da Aliança Nacional
Libertadora (ANL), que se propunha ser uma frente popular contra o
integralismo, o imperialismo e o latifúndio. Rompeu com o comunismo
em 1939, publicando artigo que levou seus ex-correligionários a
acusarem-no de traidor. Em 1945, filiou-se à União Democrática
Nacional (UDN) e, em 1947, foi eleito Vereador do Rio de Janeiro,
então Distrito Federal, renunciando ao mandato no mesmo ano, em
protesto contra a aprovação pelo Senado da diminuição das
prerrogativas da Câmara Municipal. Opositor ferrenho do segundo
Governo de Getúlio Vargas, foi uma das vítimas (escapou com um
ferimento no pé) do Atentado da Toneleros, em 5 de agosto de 1954, o
qual desencadeou a crise que levaria Vargas ao suicídio. Eleito
Deputado Federal em outubro seguinte com a maior votação do Distrito
Federal, participou em 1955 da conspiração que visava impedir a
eleição e posse de Juscelino Kubitschek e de seu vice João Goulart na
Presidência da República. Na Câmara, foi Líder da UDN (1957-1958)
e, após se reeleger, sendo de novo o Deputado mais votado, tornou-se
Líder da Minoria (1959), representada pelo bloco UDN e PL (Partido
Libertador). Eleito em outubro de 1960 governador da Guanabara,
Estado então recém-criado, renunciou ao mandato parlamentar para
assumir o governo estadual (1960-1965), à frente do qual removeu
favelas e realizou importantes obras viárias, de abastecimento de água
e de esgotamento sanitário. Por diversas vezes, entrou em choque com
o Presidente Jânio Quadros (jan.-ago./1961) e fez oposição sistemática
a João Goulart (1961-1964). Apoiou o Golpe de 1964 e em novembro,
já divergindo dos militares que haviam tomado o poder, lançou-se
candidato pela UDN à Presidência da República. Contudo, teve suas
pretensões frustradas pelo Ato Institucional no 2 (AI-2), de 27 de
outubro de 1965, que acabou com a eleição direta para Presidente da
República. Em 1966, com o apoio de Kubitschek e Goulart, que se
encontravam exilados, articulou a Frente Ampla, pregando a união das
forças políticas democráticas em torno da necessidade de
redemocratização do País. Em abril de 1968, a Frente foi banida e, em

- 54 -
esposa é submetido a sessões de tortura66.
Na década de 1960 surgiu também a Ação Popular
(AP), em 1962, um movimento oriundo da Juventude
Universitária Católica (JUC), que atuava principalmente no
movimento estudantil universitário. Em 1964, a AP já havia
se desvinculado da JUC, mas defendia a criação de uma
alternativa política que não fosse capitalista, nem
comunista, inspirada num humanismo cristão mesclado
com influências da Revolução Cubana (RIDENTI, 2005, P.
28).
Integravam também o campo das organizações de
esquerda o Partido Operário Revolucionário Trotsquista
(PORT), o Partido Trabalhista Brasileiro (PTB) e o Partido
Socialista Brasileiro (PSB).
Nascido em 1953 o PORT era um partido ligado a J.
Posadas, codinome do argentino Homero Cristali,
reconhecida liderança trotskista internacional, que
inclusive, esteve no Brasil em 1963, para um congresso
nacional do POR (T), que tinha militantes em São Paulo,
Rio de Janeiro, Pernambuco e Paraíba. O POR (T)
desenvolveu ações de aproximação com Leonel Brizola e o
brizolismo67.

14 de dezembro seguinte, um dia após a edição do AI-5, Lacerda foi


preso. Conseguiu ser libertado após uma semana de greve de fome, mas
daí a poucos dias teve seus direitos políticos suspensos por dez anos.
Morreu no Rio de Janeiro em 22 de maio de 1977. Disponível em:
<http://www2.camara.leg.br/atividade-
legislativa/plenario/discursos/escrevendohistoria/discursos-em-
destaque/serie-brasileira/decada-1950-59/biografia-carlos-lacerda>.
Acesso em: 12 mar. 2016.
66
GORENDER, 1987, ´p. 47-48.
67
GORENDER, 1987, p. 35

- 55 -
O PTB e o PSB existiam já desde a década de 1940,
fundados em 1945 e 1947, respectivamente. Destaque para
o PTB, que nasceu ligado à figura de Getúlio Vargas, dentro
do que ficou conhecido como queremismo, movimento
Queremos Getúlio, que defendia uma Assembleia
Constituinte com Getúlio na presidência do país68.
Deste cenário de diversos partidos no campo da
esquerda, e de dois rachas dentro do PCB surge um
conjunto de outras organizações após o Golpe Militar de
1964.

1.3 O governo Jango, o Golpe Militar e a fragmentação da


esquerda.

João Goulart assumiu a presidência do país em 07


de setembro de 1961, após um acordo que tornou o país um
regime parlamentarista. O seu esforço em implementar um
projeto reformista para o país encontrou a resistência de um
congresso conservador, disposto a sabotar o Governo.
As medidas mais significativas de João Goulart até
janeiro de 1963 - quando o povo pode votar nas propostas
de o país continuar em um regime parlamentarista ou no
retorno ao presidencialismo - foram: cancelar em outubro
de 1961 as concessões de exploração mineral concedidas
em 1955, no quadrilátero ferrífero de Minas Gerais à
empresa norte-americana Hanna Minning Co; estender aos
trabalhadores rurais vários direitos que já existiam para os
trabalhadores urbanos através do Estatuto do Trabalhador

68
MACEDO,2015

- 56 -
Rural; adotar uma política externa independente dos EUA,
restabeleceu relações com a URSS e se posicionou de
maneira contrária à intervenção estadunidense em Cuba.
O regime parlamentarista durou até 06 de janeiro de
1963, quando 80% da população votou a favor do
presidencialismo; na prática, um voto a favor de João
Goulart. Os principais nomes desse segundo momento do
governo de João Goulart foram o economista Celso
Furtado, que assumiu o Ministério do Planejamento e San
Tiago Dantas no Ministério da Fazenda.
João Goulart trabalhava para implementar o Plano
Trienal de Desenvolvimento Econômico e Social,
conhecido como Plano Trienal, elaborado por Celso
Furtado. O Plano Trienal tinha como objetivo principal
“combater a inflação por meio de um rígido controle do
déficit público, operando ainda um corte nos subsídios, um
teto para aumentos salariais e um realinhamento de preços
e tarifas”. (NETTO, 2014, P. 57)
A proposta inicial de João Goulart era desenvolver
um projeto reformista com um amplo leque de alianças e,
com isso, obter estabilidade para governar. Todavia, as
forças políticas do campo progressista, incluindo aí o PTB
e o PCB, rechaçaram o Plano Trienal, de maneira que ele se
tornou inviável, e passaram a exigir a implementação de um
programa de reformas de base.
Tentando preservar sua proposta inicial de
manutenção de um amplo arco de alianças, João Goulart
concedeu em 1963, um reajuste para o salário mínimo de
56,25%, ao tempo que substituiu San Tiago Dantas do
Ministério da Fazenda, colocando um político conservador,

- 57 -
o ex-governador paulista Carvalho Pinto.
A partir do segundo semestre de 1963 as tensões se
acirraram ainda mais. A esquerda, o PTB, o PCB e as Ligas
Camponesas, tendo a frente Leonel Brizola, passaram a
enfrentar o novo ministro da fazenda, organizar greves e
exigir de maneira mais forte as reformas de base. A direita,
liderada por Carlos Lacerda e apoiada pelo governo
estadunidense, também passou a pressionar João Goulart e
exigir abertamente a sua deposição69.

Em dezembro de 1963, ficou claro para


João Goulart que estava esgotado o seu
projeto de proceder as reformas de base
contando com suportes constitucionais e
institucionais. E, em termos imediatos, o
principal problema não residia na pressão
americana, apesar de todo o seu peso –
consistia na impossibilidade de vincular
com alguma consistência forças políticas
nacionais capazes de uma espécie de pacto
social que superasse os entraves ao
crescimento econômico sem exigir a
penalização excessiva dos trabalhadores
nem restrições democráticas. (NETTO,
2014, p. 61)

Essa constatação de João Goulart, apresentada por


José Paulo Netto, ajuda a esclarecer o giro à esquerda que o
seu governo realizou, se apoiando no campo progressista e
encampando definitivamente as reformas de base, agora
sem levar tanto a cabo a política de manutenção de um
amplo arco de alianças.

69
NETTO, 2014, P 58 – 60.

- 58 -
No dia 13 de março de 1964, a opção de João
Goulart ficou mais evidente do que nunca, ele aceitou o
convite do movimento sindical e realizou um comício em
frente à estação ferroviária Central do Brasil. Sobre esse
episódio, Netto (2014) escreve:

(…) fez a crítica do caráter restrito da


democracia política vigente, afirmou a
necessidade de uma revisão constitucional
que a ampliasse e permitisse as reformas
necessárias para um desenvolvimento
econômico sem privilégios para as
minorias e para os monopólios nacionais e
internacionais. Informou que assinara
pouco antes dois decretos: um que, embora
sem levar a uma reforma agrária efetiva,
uma vez que respeitava os limites da
Constituição vigente, desapropriava as
terras situadas às margens das rodovias
federais e dos açudes para entregá-las aos
trabalhadores rurais; e outro que,
fortalecendo a Petrobras, encampava as
refinarias de petróleo particulares.
Responsabilizou as forças
antidemocráticas e antinacionais pelas
implicações que poderiam advir da sua
resistência à emancipação do povo
brasileiro. No dia seguinte, assinou outro
decreto, tabelando os aluguéis e
desapropriando aqueles que estavam
desocupados em nome da utilidade social.
(NETTO, 2014, p. 65)

O discurso de João Goulart em defesa de um projeto


nacional-reformista ao tempo em que representava uma
ousadia, também era a expressão de uma ausência de saída
conciliatória. A direita, unificada em torno do

- 59 -
anticomunismo, vai aproveitar o contundente comício de
João Goulart para fortalecer a sua mobilização pela sua
deposição.
Os novos partidos surgidos na década de 1960, PC
do B e POLOP, vão passar por esse período, certamente um
dos mais acirrados do ponto de vista da luta de classes,
isolados do centro da luta política, resultado da ausência de
base social e da não integração ao bloco progressista
nacional-reformista.
Chama a atenção neste aspecto a análise de
Gorender:

No livro O caminho da revolução


brasileira, escrito no final de 1962, o
dirigente polopista Moniz Bandeira
afirmou que o dever das vanguardas era o
de preparar as massas para o levante
armado, para a insurreição e a tomada do
poder. No seu contexto teórico e em termos
práticos, naquela conjuntura, a palavra de
ordem só podia ganhar a forma concreta de
derrubada do Governo Goulart.
Exatamente neste sentido já se orientavam
os golpistas de direita.
Algo semelhante se dava com o PC do B,
em 1963 e começos de 1964. O
quinzenário A Classe Operária concentra
o fogo sobre Goulart e prega sua derrubada
pela violência. (GORENDER, 1987, p. 50)

A análise de Gorender nos leva a entender que a


POLOP e o PC do B contribuíram indiretamente, por um
erro de compreensão do momento político, com o Golpe
Militar. Seria forçado chegar a essa conclusão, que reflete a
posição de Gorender enquanto dirigente do PCB na época,

- 60 -
mas é fato que a esquerda crítica ao PCB não teve
capacidade de oferecer resposta em qualquer aspecto para a
conjuntura política que antecedeu ao Golpe.
Na noite de 31 de março, as tropas militares
comandadas pelos generais Carlos Luiz Guedes e Olímpio
Mourão Filho foram para as ruas dar início ao Golpe
Militar. O dispositivo militar de João Goulart se mostrou
passivo diante da situação. O general do II Exército,
Amaury Kruel apresentou um ultimato ao presidente,
exigindo que rompesse com a esquerda para se manter no
governo. Goulart negou a proposta de Kruel, tentou
articular uma resistência por parte das forças armadas, mas
sem sucesso. A esquerda ligada a Jango, que contava com a
resistência de setores das forças armadas tentou convocar
uma greve geral, mas logo sucumbiu. Sem capacidade de
enfrentamento, João Goulart saiu do país e o Golpe Militar
se consolidou no dia 01 de abril de 196470.
Ridenti apresenta dessa maneira o cenário da
esquerda logo após o Golpe Militar:

Os nacionalistas, a POLOP e outros


grupos, que já advertiam para a
necessidade de resistência armada a um
golpe de direita, praticamente nada
fizeram para levar adiante a resistência,
enquanto o PCB e outras forças reformistas
assistiam perplexos à demolição de seus
ideais. (RIDENTI, 2005, p. 29)

70
NETTO, 2014, P. 66,67,68.

- 61 -
Ao mesmo tempo em que as diversas expressões da
esquerda brasileira buscavam recuperar-se das feridas
abertas com o Golpe Militar, do ponto de vista internacional
uma série de eventos vão colocar em xeque os modelos
tradicionais de organização da esquerda.
A Revolução Cubana71, a resistência vietnamita
contra a invasão estadunidense72, a Revolução Cultural na
China73, a Rebelião Estudantil na França, em Maio de
196874 e a Primavera de Praga também em 1968 na
Tchecoslováquia75 marcaram profundamente esse período e

71
A Revolução Cubana foi um movimento guerrilheiro liderado por
Fidel Castro e o Movimento 26de Julho, que culminou com a derrubada
do ditador Fulgencio Batista no dia 1 de janeiro de 1959.
72
A Guerra do Vietnã começou em 1959 e terminou em 1975 com a
vitória dos comunistas, que pretendiam expulsar os invasores franceses
e estadunidenses e unificar o país. A batalha pode ser compreendida sob
o contexto da Guerra Fria. Enquanto o Vietnã do Norte era comandado
pelos comunistas, sob a liderança de Ho Chi Minh, apoiado pela URSS,
o Vietnã do Sul recebia o apoio dos Estados Unidos, que invadiu o país,
mas teve que retirar suas tropas em 15 de agosto de 1973. A ausência
de apoio interno da sua população e sucessivas derrotas militares
levaram Richard Nixon, então presidente dos EUA a tomar essa
decisão.
73
Desencadeada pelo líder comunista Mao Tse Tung, então presidente
da China, tinha como objetivo oficial combater a burocracia, a distância
entre os dirigentes partidários e o povo e permitir a ampliação política
da população, especialmente os jovens. Esse processo foi bastante
questionado, sob a acusação de se tratar de uma disputa interna pelo
poder e promover o culto a personalidade de Mao Tse Tung.
74
O evento que ficou conhecido como Maio de 1968, foi uma rebelião
estudantil iniciada em Paris, na França, contra uma reforma educacional
promovida pelo presidente Charles de Gaulle. A rebelião estudantil
contagiou os operários, que realizaram no período a maior greve geral
da Europa, envolvendo nove milhões de pessoas.
75
A Primavera de Praga foi um movimento liderado por Alexander
Dubček, que havia chegado ao poder em agosto de 1968. Ele prometia

- 62 -
como reflexo passaram a ser referências para uma nova
esquerda que vinha surgindo no mundo e também no Brasil.
Diferentemente do que ocorreu em outros países, onde
nasceram esquerdas avessas ao marxismo, no Brasil, de
maneira predominante, os novos partidos e movimentos de
esquerda eram marxistas ortodoxos ou heterodoxos. Como
explica Ridenti, os setores da esquerda brasileira divergiam
entre si em torno de três aspectos: o caráter da revolução
brasileira, a forma de luta para chegar ao poder e o tipo de
organização necessária à revolução. (RIDENTI, 2005, p.32)

Os grupos e organizações dissidentes dos


anos 1960 eram críticos em relação aos
partidos comunistas e socialistas.
Acusavam-nos de imobilismo,
reformismo, cautela excessiva,
burocratização, stalinismo etc. Mas ainda
se mantinham dentro dos paradigmas
gerais do marxismo. Buscavam inspiração
em outras fontes: Trotski, Rosa
Luxemburgo, Gramsci, Mao. Eram críticos
de Stálin, do comunismo soviético e, até
mesmo da tradição leninista. Mas
procuravam suas referências dentro da
cultura marxista. Por isso mesmo, tais
grupos e organizações se auto-intitulavam
“Nova Esquerda” (tomando emprestado a
expressão dos Estados Unidos e da
Inglaterra). (ARAÚJO, 2000, p. 99)

fazer reformas liberais, se contrapondo ao modelo soviético de


socialismo. O governo soviético não aceitou as reformas de Dubček e
enviou tropas para invadir a Tchecoslováquia. Diante da invasão
soviética, Dubček renunciou e as reformas foram canceladas.

- 63 -
O termo Nova Esquerda utilizado por Maria Paula
Nascimento Araújo em A Utopia Fragmentada (2000) para
classificar essa nova esquerda surgida na década de 1960 e
1970, também foi utilizado por Daniel Aarão Reis Filho e
Jair Ferreira de Sá no livro Imagens da Revolução (1985).
Todavia, alguns partidos no Brasil que mesmo surgindo na
década de 1960 não se encaixam no perfil do que ficou
entendido como Nova Esquerda, pois reivindicavam a
tradição comunista, seu modelo organizativo e as
experiências socialistas. PC do B, PCR, Ala Vermelha e
PCBR, todos surgidos na década de 1960 parecem estar
muito mais adequados à tradição comunista marxista-
leninista, mesmo que incorporando elementos das novas
experiências revolucionárias, especialmente da China e de
Cuba, do que de uma proposta fora dos padrões da tradição
comunista.
Daniel Aarão Reis Filho e Jair Ferreira de Sá
explicam a fragmentação da esquerda brasileira em cinco
troncos:

O primeiro é formado pela ORM - POLOP


e pelas organizações que se formaram sob
sua inspiração ou derivadas de suas cisões
e dissidências: o Comando de Libertação
Nacional (COLINA); a Vanguarda Popular
Revolucionária (VPR), que integraria
também elementos provenientes do
Movimento Nacionalista Revolucionário
(MNR) inspirado pela corrente política do
então Deputado Leonel Brizola; o Partido
Operário Comunista (POC) resultante da
fusão da ORM - POLOP com a Dissidência
Comunista do Rio Grande do Sul,
originária do PCB. Do POC, abalado por

- 64 -
golpes da repressão e por dissenções
internas, surgiria a Organização de
Combate Marxista-Leninista Política
Operária (OCML-PO), da qual, se
destacaria pouco a Fração Bolchevique, e
a tendência Combate do POC, formada no
exterior e que não conseguiria êxito em
suas tentativas de implantação no Brasil.
Da Ação Popular – AP – surgiria o Partido
Revolucionário dos Trabalhadores (PRT).
A AP perderia muitos militantes no
processo de sua conversão em organização
marxista-leninista, o que se consumaria
com a fundação da Ação Popular Marxista-
Leninista (AP-ML). Um pouco mais tarde,
a maioria dos seus quadros se integraria no
Partido Comunista do Brasil (PC do B).
O PC do B seria formado a partir da luta
política no interior do PCB, constituindo
um tronco próprio, do qual seriam
provenientes a Ala Vermelha do PC do B
(PC do B – AV), e o Partido Comunista
Revolucionário – PCR. Da primeira
originar-se-ia o Movimento
Revolucionário Tiradentes – MRT.
As divergências no interior do PCB,
posteriores a 1964, provocariam o
surgimento de um novo tronco,
subdividido ainda no processo de luta
interna em duas seções: as Dissidências e a
Corrente. As Dissidências gerariam várias
organizações regionais. Registramos as
mais significativas: A do Rio Grande do
Sul se integraria à ORM-POLOP para
formar o POC; a de São Paulo ingressaria
na Ação Libertadora Nacional (ALN); a da
Guanabara formaria a Dissidência da
Guanabara – DI-GB, que, mais tarde,
assumiria o nome de Movimento
Revolucionário 8 de Outubro (MR-8); a do
Rio de Janeiro formaria o Movimento

- 65 -
Revolucionário 8 de Outubro, liquidado
pela repressão em 1969 e que teria seu
nome retomado pela DI-GB. A Corrente
daria origem ao Partido Comunista
Brasileiro Revolucionário – PCBR e à
Ação Libertadora Nacional (ALN), da qual
surgiria o Movimento de Libertação
Popular – MOLIPO.
Registramos ainda mais um tronco,
representado pela corrente que
reivindicaria o legado do trotsquismo, e
cuja expressão organizada é o Movimento
Estudantil 1º de Maio, mais tarde
convertido em Organização Comunista 1º
de Maio.
Restaria mencionar as experiências do
Movimento de Ação Revolucionária
(MAR), formado por militantes
provenientes do PCB e do MNR e da
Vanguarda Armada Revolucionária
Palmares – VAR-PALMARES – resultante
da fusão de organizações, grupos e
militantes da ORM – POLOP, MNR, AP e
PCB (REIS FILHO; SÁ, 1985, p. 13-14).

Exceto o PCB, todos os partidos e correntes da


esquerda, sejam consideradas da nova esquerda ou esquerda
tradicional, defendiam a luta armada. Era uma questão
basilar para todos os agrupamentos que pretendiam ocupar
o espaço deixado pelo desmoronamento do PCB.
A fragmentação da esquerda brasileira, seja por
influência dos eventos internacionais, seja por conta das
derrotas sofridas com o Golpe Militar, não contribuiu para
derrotar a Ditadura Militar, tampouco as divisões
contribuíram para a construção de um novo projeto de
nação com algum grau de disputa pela hegemonia social.

- 66 -
2. A CONCEPÇÃO PROGRAMÀTICA DO PCR: A ESCOLHA DO
NORDESTE COMO ÁREA PRINCIPAL DA REVOLUÇÃO
BRASILEIRA

2.1 A influência das Ligas Camponesas na formação do PCR

Amaro Luiz de Carvalho, no seu artigo O


Surgimento do Partido Comunista Revolucionário, escrito
em 1968, por ocasião do seu informe para a reunião da
direção do PCR que aprovou os estatutos e o programa do
Partido76, deixa evidente a influência das lutas sociais no
Nordeste, a experiência das Ligas Camponesas
(especialmente após o contato com a Revolução Cubana)
como fatores determinantes para o surgimento do PCR:

Durante o movimento de massas ocorrido


no período de 1950 a 1964, aclarava-se
cada vez mais o movimento operário e o
monolitismo tradicional do Partido ia se
tornando impossível, pois certos elementos
egressos das discórdias surgidas diante da
política capitulacionista do Partido
partiram para a organização das massas
assalariadas do campo e obtiveram pleno
êxito no trabalho de agitação. Acordando-
as do sono em que estavam mergulhadas.
A Revolução Cubana vitoriosa no “quintal
do imperialismo” veio lançar a última pá
de terra sobre a concepção de que só
podiam fazer a revolução os Partidos
Comunistas tradicionais.

76
Amaro Luiz de Carvalho – Compromisso com a Revolução
Brasileira. Disponível em: < http://averdade.org.br/2016/08/amaro-
luiz-de-carvalho-compromisso-com-revolucao-brasileira/>. Acesso
em: 08 mar. 2017.

- 67 -
O fracasso desse grupo heterogêneo de
organizadores do campo, as Ligas
Camponesas, em virtude de não possuírem
um programa definido de ação e ficarem
simplesmente na agitação pela agitação,
proporcionou a diversos elementos
verificarem a inconsequência, a
propagação de ideias confusas e
contraditórias, além da crescente onda de
oportunismo existente no movimento
comunista e que se confirmou quando do
golpe de abril de 1964.
Após este fato, algumas pessoas que ainda
se passavam por revolucionárias
começaram a mostrar a sua verdadeira
face.
Surgia, para a constatação dessas
qualidades das direções do Partido
Comunista Brasileiro e do Partido
Comunista do Brasil e de seus programas,
a desagregação por completo do
movimento revolucionário; grupos e
subgrupos que se digladiavam entre si,
apareceram e, todos eles, como “vinhos da
mesma pipa” não afirmavam uma linha
política, com tática e estratégia
revolucionária, nem retomavam uma
posição capaz de construir a coesão da
direção, pois suas ideias e seus esquemas
estavam poluídos dos mesmos erros do
passado e as divergências realmente
políticas possuíam caráter secundário.
Deste combate ideológico e orgânico
nasceu o PCR, como o que de melhor havia
no movimento operário do país.

Amaro deixa claro que apesar do PCR se


caracterizar por uma influência maoísta, a narrativa da
Revolução Cubana se faz necessária como legitimação da
existência do partido, sobretudo em três aspectos: 1) A

- 68 -
Revolução Cubana não contou com a direção de um partido
comunista tradicional; 2) A Revolução Cubana foi
expressão de uma luta guerrilheira e fortalecia o discurso da
luta armada no Brasil; 3) A experiência da Revolução
Cubana representava uma alternativa de referência dentro
do movimento comunista, especialmente porque o PCB
esteve vinculado aos comunistas soviéticos e o PC do B aos
comunistas chineses.
A tradição marxista da época também pregava a
necessidade de existir apenas um único e verdadeiro partido
comunista. Desse modo, era comum nos documentos
partidários procurar se criar uma narrativa de autoafirmação
e desqualificação de outros partidos que disputavam os
mesmos espaços. O PCR não fugiu a regra. O PC do B, na
avaliação do PCR era mesma coisa que o PCB,
diferenciava-se na proposição da luta armada. Já o PCB era
um “saco de pancadas” da esquerda, praticamente todas as
organizações o caracterizavam como reformista e por conta
da sua passividade responsável pela derrota imposta pelo
Golpe Militar de 1964.

As raízes da derrota política não devem ser


buscadas só nos "erros" dos partidos, nem
apenas na ação, ou falta de ação, dos que
neles se representam. Se isso for correto, a
derrota em 1964 não pode ser atribuída só
à ação das esquerdas, nacionalistas e
comunistas, ou apenas à "passividade do
povo". A derrota foi de um projeto político
de representação que envolveu e iludiu a
todos, as massas populares e as esquerdas,
representados e representantes, que foram
tragados, no mesmo processo, pela roda-

- 69 -
viva da História, cujo devir também
dependia da ação das classes dominantes e
da dinâmica objetiva do capitalismo
brasileiro. (RIDENTI, 2005, p. 243)

O fato é que tanto a esquerda estava errada acusando


o PCB de responsável pelo Golpe por conta de um
“apassivamento”, como a direita que por crença ou má-fé,
precisava manter o discurso de que os comunistas e
especialmente o PCB representavam uma ameaça.
A derrota foi de fato de um projeto político, como
explica Ridenti. Antes do Golpe já existiam outras
organizações políticas no campo da esquerda, incluindo os
brizolistas, as Ligas Camponesas, POLOP, PC do B,
assumindo um discurso mais radical e de enfrentamento,
mas que não conquistaram amplos setores da sociedade
com suas ideias.
É preciso dizer que essa necessidade de
autoafirmação das organizações de esquerda da época
baseava-se em grande medida numa grande ilusão de
representatividade. Mesmo que no curso da construção
partidária se ganhasse lideranças, a própria dinâmica da
clandestinidade proporcionada pela luta armada isolava
essas lideranças de suas bases.
Analisando ainda a citação de Amaro Luiz de
Carvalho sobre o surgimento do PCR, quando ele faz
referência às Ligas Camponesas, da sua ação guerrilheira
em Dianópolis, que por sinal era bastante referenciada na
experiência da Revolução Cubana, procura demonstrar que
o motivo da derrota da Guerrilha foi a diversidade de grupos
conduzindo o movimento, sem um programa claramente

- 70 -
definido. A análise de Amaro apresenta grande fundo de
verdade, seu objetivo principal é demonstrar que o fracasso
da Guerrilha de Dianópolis foi resultado da ausência da
hegemonia de um partido revolucionário no comando do
processo.
A trajetória das Ligas estão bastante associadas à
parte da trajetória de Amaro Luiz de Carvalho, o que gera
grande influência na sua concepção expressada nos
documentos que formulou para o PCR.
As décadas de 1950 e 1960 são marcadas por
grandes agitações sociais no país. O Nordeste brasileiro,
especialmente a Zona Canavieira de Pernambuco é palco de
um efervescente movimento camponês, capitaneado pelas
Ligas Camponesas e pela radicalização das greves
convocadas pelos sindicatos rurais.

Foi nessa estreita faixa litorânea,


especialmente na Zona da Mata sul
pernambucana, onde se travaram as lutas
mais renhidas e duras entre o movimento
camponês e os grandes proprietários de
terra (chamados, ao nosso ver
apropriadamente, de “barões do açúcar”),
e que terminou por transformar a imagem
de um nordeste da seca e dos retirantes,
vítima da inclemência do tempo, em um
Nordeste subitamente transfigurado num
“barril de pólvora”, prestes a explodir com
a violência das tensões sociais, segundo as
inúmeras reportagens realizadas na época
pela imprensa nacional e internacional.
(AZEVEDO, 1982, p.44)

- 71 -
O crescimento das mobilizações sociais no Nordeste
revelavam as contradições existentes na região. O Nordeste
passava a perder a imagem fatalista da miséria provocada
pela seca. Intelectuais como Josué de Castro, Manoel
Correia de Andrade e Celso Furtado vão ganhar destaque
desenvolvendo estudos sobre a realidade nordestina.
Em 1955, realiza-se em Recife o Congresso de
Salvação do Nordeste, que reuniu 1600 delegados de nove
estados da região, e obteve a participação de parlamentares,
partidos, industriais, líderes sindicais, escritores e
militantes das Ligas Camponesas. Este evento, além de
marcar a defesa da reforma agrária, iria cumprir um papel
muito importante em Pernambuco, selar a aliança entre
setores populares e frações mais liberais da burguesia
industrial do açúcar e dos setores têxtil e alimentício, que
elegeu, em 1958, Cid Sampaio (UDN77) e Pelópidas da
Silveira (PSB78), derrotando as oligarquias ligadas aos
interesses dos coronéis do Agreste e Sertão79.
Esta vitória eleitoral foi muito importante para dar
um alívio à atuação das Ligas Camponesas, que passavam
por um processo de grande perseguição desenvolvida pelo
governo estadual oligárquico de Cordeiro Farias,
denominado por Francisco Julião, como o “quadriênio do
terror”.
De fato, apenas em 1956, foram registradas 630
prisões políticas, seis vezes mais que em todo o país. Com

77
UDN – União Democrática Nacional. Partido conservador fundado
em 1945.
78
PSB – Partido Socialista Brasileiro, fundado em 1947.
79
AZEVEDO, 1982, p. 68.

- 72 -
um governo mais democrático, os setores populares tiveram
um clima mais favorável para se organizar e os setores
progressistas se fortaleceram, contribuindo inclusive para a
eleição de Miguel Arraes, em 196280.
A vitória de Miguel Arraes para o governo de
Pernambuco, em 1962, contou com 47,98% dos votos pelo
Partido Social Trabalhista (PST), apoiado pelas Ligas
Camponesas, o PCB e o Partido Social Democrático (PSD),
derrotando João Cleofas (UDN), candidato que
representava as oligarquias canavieiras de Pernambuco.
É interessante identificar aqui a mudança de
movimento da UDN, que em 1958 se posicionou num bloco
mais à esquerda, enfrentando as oligarquias canavieiras;
porém, quatro anos depois, o seu candidato, João Cleofas
era justamente o candidato das oligarquias canavieiras. Na
verdade, a UDN era um partido conservador, mas abrigava
frações distintas das elites.
O governo de Miguel Arraes foi taxado de esquerda,
pois estabeleceu que os usineiros e donos de engenho da
Zona da Mata do Estado pagassem o salário mínimo aos
trabalhadores rurais e facilitou a criação de sindicatos
rurais.
As Ligas intensificaram suas ações e em 1959 já
eram 25 delegacias em Pernambuco. A influência das Ligas
chegou à Paraíba, onde surge a Liga de Sapé, sob a
liderança de João Pedro Teixeira, que com 10 mil filiados
se tornou a maior do país81.

80
AZEVEDO, 1982, p.69
81
Disponível em: < http://memoriasdaditadura.org.br/trabalhadores-
rurais/>. Acesso em: 08 mar. 2017.

- 73 -
Diante do novo quadro político, as Ligas passaram
a desenvolver grande campanha pela desapropriação do
Engenho Galiléia. Em 1959, o deputado em exercício
Carlos Luiz de Andrade (PSB), suplente de Francisco
Julião, apresentou o projeto de desapropriação do Engenho
Galileia, que foi aprovado na Assembleia Legislativa82.
Esse processo ganhou enorme repercussão nacional,
sendo noticiado pelos principais órgãos da imprensa e
provocando um grande debate ideológico na sociedade
entre os setores conservadores e progressistas. A conquista
das Ligas pavimentou o caminho para a construção nacional
das Ligas Camponesas, que em 1961 funda o seu Conselho
Nacional com representação em 13 estados83.
Apesar da conquista da desapropriação do Engenho
Galileia, esse tipo de medida estava distante de resolver os
problemas referentes à questão agrária e camponesa de
Pernambuco. A própria Constituição Federal da época
impedia a realização da reforma agrária e a conquista no
caso do Engenho Galileia só foi possível porque era uma
reivindicação que reunia condições excepcionais. A partir
dessa experiência tornou-se mais claro para a direção das
Ligas que a bandeira da reforma agrária precisava
radicalizar-se devendo ser conquistada na “na lei ou na
marra”.
A adoção de uma postura mais radical na luta pela
reforma agrária é fundamentada na defesa de que a terra
deve pertencer a quem nela trabalha. Dessa maneira, as

82
AZEVEDO, 1982, p. 71.
83
Disponível em: < http://memoriasdaditadura.org.br/trabalhadores-
rurais/>. Acesso em: 08 mar. 2017.

- 74 -
Ligas passaram a resistir ordens judiciais de despejos e
ocupar novos engenhos e fazendas. As ocupações dos
engenhos Pindobal, Cova da Onça, Catanduba, Manassu e
Camassari ganharam notoriedade na imprensa nacional
incluindo definitivamente o campesinato na vida política do
país, encerrando a “paz agrária”, que durante décadas havia
garantido o controle das oligarquias e a burguesia industrial
sobre os camponeses e os trabalhadores rurais84.
É necessário esclarecer que as Ligas Camponesas
não tinham um comando homogêneo e havia sérias disputas
sobre as decisões políticas e a direção do movimento. Essas
disputas, que expressavam as diferentes concepções
partidárias existentes, resultantes das diferentes análises
sobre a realidade brasileira e dos efeitos da crise do
movimento comunista internacional, interferiram
diretamente na trajetória e destinos das Ligas Camponesas.
Até 1962 as Ligas ocuparam uma posição
hegemônica no movimento camponês. Todavia, com a
legalização dos sindicatos rurais, o PCB que dirigia a União
dos Lavradores e Trabalhadores Agrícolas do Brasil
(ULTAB) e era aliado do presidente João Goulart, passou a
ter preferência pela liberação das cartas sindicais
(documento que legaliza os sindicatos diante do Ministério
do Trabalho). Setores da Igreja também receberam
prioridade na legalização dos sindicatos que dirigiam. Era
uma intervenção do Estado no sentido enfraquecer a
influência das Ligas Camponesas.

84
AZEVEDO, 1982, p. 98, 99.

- 75 -
As cartas sindicais, liberadas pelo
Ministério do Trabalho, seriam concedidas
prioritariamente ao PCB e aos setores da
Igreja que atuavam na área rural, e
resultariam na segmentação ideológica e
política dos camponeses e dos
trabalhadores rurais, deslocando assim a
liderança das Ligas e isolando-as
politicamente. Estas por sua vez, ao
radicalizarem a sua visão política e ao
tentarem criar uma estrutura nacional que
disputasse o papel de contrapeso à ação da
ULTAB, e ao deslocarem do Nordeste os
seus melhores militantes, enfraquecem-se
regionalmente. (AZEVEDO, 1982, p. 99).

Esse processo iniciou um conflito duro entre as


Ligas Camponesas e o PCB. Enquanto as Ligas defendiam
a radicalização da reforma agrária, realizando ocupações de
engenhos e fazendas, o PCB priorizava a luta por melhorias
salariais e melhores condições de trabalho, defendendo uma
reforma agrária a partir da desapropriação baseada no valor
fiscal da terra. O desenvolvimento desse conflito
expressava projetos políticos distintos para o país. A
aproximação de Francisco Julião com a Revolução Cubana
influenciava diretamente as Ligas Camponesas, que
passaram a defender um projeto de revolução socialista para
o Brasil, intensificando o choque com o PCB, que ao
defender o caráter nacional-democrático da revolução
brasileira submetia a luta pela reforma agrária aos interesses
da aliança com a chamada burguesia nacional85.

85
AZEVEDO, 1982, p. 87.

- 76 -
A posição do PCB sobre a reforma agrária e a defesa
da aliança com a burguesia nacional vai explicar a
preferência recebida por parte do governo de João Goulart
na liberação de cartas sindicais. Porém, o partido não estava
unificado nessa posição. Parte da direção estadual de
Pernambuco, que atuava no movimento camponês passou a
realizar questionamentos e se aproximar da postura mais
radical das Ligas Camponesas.
Esse grupo de militantes do PCB, denominado de
maneira pejorativa pelos adversários de “anti-partido”,
comandado por Clodomir Morais, integrado também por
Amaro Luiz de Carvalho, compreendia que o campesinato
era a principal força revolucionária do movimento social do
campo. Também não concordavam com a subordinação da
questão agrária à aliança com a burguesia nacional,
expressada pela defesa do caráter nacional democrático da
revolução brasileira e acusavam a formulação do PCB sobre
a reforma agrária de tecnicista, pois limitava-se a defender
as desapropriações apenas dos latifúndios improdutivos.86.
As teses do chamado grupo “anti-partido” foram
derrotadas no V Congresso do PCB, realizado em 1960,
porém tornaram-se hegemônicas nas Ligas Camponesas. A
ruptura definitiva de Clodomir, seus companheiros e das
Ligas com o PCB só aconteceu em novembro de 1961, por
conta da realização do I Congresso Nacional de Lavradores
e Trabalhadores Agrícolas, convocado pela ULTAB, que
era dirigida pelo PCB. O Congresso reuniu 1400 delegados,
a maioria ligada aos sindicatos vinculados a ULTAB e uma

86
AZEVEDO, 1982, p. 89

- 77 -
parcela reduzida ao Movimento dos Agricultores Sem Terra
(MASTER), que atuava apenas no Rio Grande do Sul. A
bancada das Ligas Camponesas era de apenas 215
delegados. Apesar de minoritária, a defesa da Reforma
Agrária na Lei ou na marra empolgou os camponeses e
trabalhadores rurais presentes no Congresso e as teses do
PCB foram derrotadas87.

A partir desse momento, a ruptura entre as


Ligas e o PCB torna-se definitiva,
quebrando a unidade de ação tática do
movimento social agrário, e seria expressa
pela ação paralela, com orientações
divergentes no campo da esquerda entre os
sindicatos rurais que surgiriam em fins de
1962, controlados pelos comunistas, e as
Ligas, que atuam em faixa própria, embora
passem a disputar o controle político dos
sindicatos com os comunistas e a igreja88.

Após a ruptura definitiva com o PCB, as Ligas


passam a preparação do seu projeto revolucionário para o
país, que diferente da via pacífica do PCB, identificava a
inviabilidade da conquista de mudanças estruturais sem um
confronto com o bloco-industrial-agrário.
Diante dessa análise, a direção das Ligas
Camponesas decidiu criar o seu dispositivo militar, e passou
a transferir os seus melhores quadros para os campos de
treinamento guerrilheiro, localizados no Nordeste de Goiás,
nas cidades de Dianópolis e Almas-Natividade89.

87
AZEVEDO, 1982, p. 90.
88
AZEVEDO, 1982, p. 90.
89
AZEVEDO, 1982, p. 90.

- 78 -
O comando dos campos de treinamento teve a
direção no início de Joaquim Ferreira, que depois seria
substituído por Amaro Luiz de Carvalho90, o que
demonstra a importância política daquele que viria a ser o
impulsionador do surgimento do PCR.
Além da iniciativa militar, as Ligas passaram a
desenvolver um trabalho legal na região, com o objetivo de
conquistar novos militantes. Então foi criada a Associação
Goiana de Trabalhadores do Campo, que rapidamente
expandiu-se através de 17 delegacias, atuando próximo aos
campos de treinamento91.
O funcionamento orgânico das Ligas Camponesas
era descentralizado, o que diante da diversidade de
organizações, causava dificuldade de unidade política,
provocando disputas na direção política e no comando
militar. Francisco Julião já havia realizado uma tentativa de
unificar a direção das Ligas Camponesas, fundando o
Movimento Radical Tiradentes (MRT), em 1961. Porém, a
eleição de 1962 gerou uma grande tensão entre o setor
militar e o setor político, culminando com a expulsão de
Francisco Julião, que teria concentrado os recursos das
Ligas na eleição para a Assembleia Legislativa, priorizando
a luta eleitoral em detrimento da luta armada92.
Toda esta situação enfraqueceu as Ligas
Camponesas e o seu dispositivo militar. A implementação
de campos de treinamento guerrilheiro teve vida breve,
sendo desmantelado totalmente em 1962. Com o isso o

90
AZEVEDO, 1982, p. 90.
91
AZEVEDO, 1982, p. 90.
92
AZEVEDO, 1982, p. 94.

- 79 -
MRT foi extinto, restando para as Ligas a reativação do seu
Jornal A Liga, e a rearticulação de suas bases mais fortes:
Pernambuco, Paraíba, Rio Grande do Norte, Paraná, Acre e
Distrito Federal, tendo em vista que nos demais estados
havia acontecido uma desarticulação.
Amaro Luiz de Carvalho e outros militantes que
viriam a ingressar no PCR como: Manoel Aleixo e Amaro
Félix (ambos assassinados pela Ditadura Militar)
vivenciaram de maneira direta toda essa trajetória política
das Ligas Camponesas, do seu nascimento e auge até a sua
decadência.
Assim, toda a intensidade das lutas sociais
desenvolvidas no Nordeste nas décadas de 1950 e 1960, as
ações desenvolvidas pelas Ligas Camponesas e os
sindicatos rurais, especialmente na Zona Canavieira de
Pernambuco, o debate ideológico entre os diferentes
partidos políticos, que atuavam no campo através das Ligas
Camponesas (especialmente o conflito entre as Ligas e o
PCB), foram fatores decisivos para o surgimento do PCR, e
influenciaram diretamente as suas formulações,
especialmente a escolha do Nordeste como área principal
de atuação e a Zona Canavieira como região onde deveria
ser iniciada a luta armada por meio da Guerra Popular.

2.2 A ruptura com o PC do B

Durante o início de 1966, Amaro Luiz de Carvalho


ainda militante do PC do B, desembarcou no Brasil após
realizar um curso militar na China, estava convencido da
necessidade de organizar um processo de luta armada no

- 80 -
país, através da formação de uma guerrilha rural a partir do
Nordeste brasileiro.
A formação militar que recebeu no país de Mao
TseTung confirmou na sua consciência o plano guerrilheiro
que já vinha sendo debatido por ele e Ricardo Zarattini. A
própria trajetória política de Amaro Luiz de Carvalho como
liderança rural em Pernambuco, a atuação nas Ligas
Camponesas e a sua participação no comando militar da
Guerrilha de Dianópolis, somado à crise no PCB e a
polarização internacional do movimento comunista,
pavimentaram o caminho para a convicção do plano que
vinha sendo amadurecido.
José Luiz Del Roio, em seu livro Zarattini Uma
Paixão Revolucionária, indica que caso Amaro Luiz de
Carvalho soubesse da preparação da Guerrilha do Araguaia,
o PCR não seria criado, tendo em vista que a principal
crítica de Amaro e dos demais militantes que romperam
com o PC do B e fundaram o PCR consistia exatamente que
o PC do B falava em organizar uma guerrilha, mas não
levava a cabo essa proposta.

Existe uma ironia neste episódio. Um


núcleo restrito da direção do PC do B, em
grande segredo, já havia decidido preparar
o terreno para desencadear a guerra
revolucionária, que realmente aconteceria
entre 1972 e 1974 no sul do Pará e que
ficou conhecida como “as guerrilhas do
Araguaia”. Provavelmente, sendo um
quadro camponês e treinado militarmente,
Amaro teria sido um dos primeiros
deslocados para aquela área. (DEL ROIO,
2006, p. 62).

- 81 -
A reflexão de Del Roio faz sentido. Mas sendo
Amaro um quadro tão experiente e preparado, que motivos
levaram o PC do B a esconder de Amaro o plano
guerrilheiro? A pergunta não tem resposta definitiva, mas
uma indicação de resposta parece residir nas dificuldades
orgânicas da direção do PC do B em acompanhar e dirigir a
atuação do Partido no Nordeste.
Segundo Ridenti:

Desde 1966 o Partido já tinha militantes


vivendo na região. A partir de 1967,
especialmente depois da promulgação do
AI-5 em dezembro de 1968, foram
chegando novos "moradores" do PCdoB
ao local, geralmente pessoas muito
procuradas nas cidades pela polícia, por
vinculação ao movimento estudantil.
Teoricamente, o PCdoB discordava do
foquismo inspirado na Revolução Cubana,
era crítico dos grupos de esquerda que
negavam a ideia do partido na condução da
guerrilha rural, bem como das atividades
da guerrilha urbana. O não envolvimento
do PCdoB com as ações armadas nas
cidades permitiu que a organização se
preservasse relativamente das investidas
policiais, o que lhe deu melhores
condições de realizar o sonho de tantos
outros grupos: deflagrar a guerrilha rural.
(RIDENTI, 2005, p. 225)

Sem saber da preparação da Guerrilha, Amaro


passou a pressionar o PC do B para iniciar o processo de
construção da guerrilha. Quando o PC do B, em 1966,
decidiu lançar o documento União de todos os brasileiros
para livrar o país da crise, da ditadura e da ameaça

- 82 -
neocolonialista, propondo a convocação de uma
Assembleia Constituinte como instrumento para derrotar a
Ditadura Militar, Amaro se convenceu de que o Partido não
iria levar adiante a proposta de desenvolver uma guerrilha
rural, que o partido seguiria o mesmo caminho reformista
do PCB.
Segundo Daniel Aarão Reis Filho e Jair Ferreira de
93
Sá , esse Documento teria sido o estopim para o
surgimento dos rachas no PC do B, o PCR e a Ala Vermelha.
Gorender apresenta a mesma opinião, destacando as
contradições na formulação política do PC do B:

Numa cópia quase sem retoques na linha


do PCCH durante a guerra antijaponesa, a
direção do PC do B formula a tática da
união dos patriotas. Portanto, uma frente
amplíssima para a qual se oferece um
programa de reformas. Ferozmente hostil à
luta pelas reformas de base ao tempo do
Governo João Goulart, o PC do B
recomenda reformas assemelhadas sob o
Governo de Castelo Branco. O que se
compõe com a luta por um governo
democrático, representativo de todas as
forças patrióticas, e a convocação da
Assembleia Constituinte livremente eleita.
Embora se fale em derrubar a ditadura
militar, é inequívoco o caráter eleitoral da
saída apontada. (GORENDER, 1987, p.
108)

93
REIS FILHO; SÁ, 1985.

- 83 -
Essa cópia quase irretocável que Gorender crítica
não é exclusividade do PC do B. Na realidade vamos ver
essa transposição de modelos em praticamente todas as
organizações de esquerda que surgiram nesse período,
inclusive no próprio PCBR de Gorender, que mantinha em
seu programa uma concepção etapista da revolução
brasileira, apenas parcialmente diferente do que já diziam
PCB, PC do B e PCR.
Como explica Ridenti (2005, p. 236), essa
adequação de modelos e experiências internacionais à
realidade brasileira é resultado de lacunas políticas
resultantes da limitação analítica não apenas da esquerda,
mas também dos teóricos das universidades acerca da
sociedade brasileira.
Também descontentes com a demora do PC do B em
desencadear a luta armada, militantes do Centro-Sul do
país, São Paulo, Minas Gerais, Rio Grande do Sul, Espírito
Santo, Brasília e Maranhão, aglutinados em torno de
dirigentes partidários que, assim como Amaro Luiz de
Carvalho, haviam realizado curso militar na China e atuado
anteriormente nas Ligas Camponesas94, passaram a
pressionar o partido para acelerar o processo de início da
luta armada. Tal como os militantes que fundaram o PCR,
os militantes que posteriormente fundaram a Ala Vermelha
também acusavam o PC do B de falta de democracia interna
e criticavam os métodos de direção. Uma parte deles foi

94
SANTANA, Cristina de Soares: O Maoísmo na Esquerda Brasileira:
A trajetória do Partido Comunista do Brasil – Ala Vermelha. Disponível
em: < http://www.cedema.org/uploads/Soares_Santana.pdf>. Acesso
em: 02 fev. 2017.

- 84 -
expulsa do Partido, se juntaram aos demais descontentes do
Centro-Sul e criaram em 1967 a nova organização
denominada PC do B – Ala Vermelha95.
Nota-se que o envio de delegações do PC do B para
a realização de cursos militares na China em 1964, 1965 e
196696 resultou na ampliação da tensão interna para a
efetivação do prometido processo de construção da
guerrilha no Brasil. Assim se deu com os militantes do
Nordeste que fundaram o PCR e com os militantes do
Centro-Sul que criaram o PC do B – Ala Vermelha97.

Nas academias chinesas todos haviam


apreendido sobre a necessidade da
presença de condições objetivas e
subjetivas para a deflagração da luta
armada, sem as quais se tornava inviável
qualquer expectativa de ações
revolucionárias para a tomada do poder.
Estudaram também a importância de um
partido comunista forte e democrático
respaldado pela classe operária, pelos
camponeses e pela população geral. Era
uma questão essencial para a condução da
guerra popular prolongada, a qual deveria

95
GORENDER, 1987, p 109, 110.
96
SANTANA, Cristina de Soares: O Maoísmo na Esquerda Brasileira:
A trajetória do Partido Comunista do Brasil – Ala Vermelha. Disponível
em: < http://www.cedema.org/uploads/Soares_Santana.pdf>. Acesso
em: 02 fev. 2017.
97
Apesar de desenvolverem críticas semelhantes ao PC do B e
receberem grande influência do maoísmo, PCR e Ala Vermelha não se
unificam. O PCR opta pelo caminho de desenvolver a guerrilha no
Nordeste, e a Ala Vermelha, como explica Gorender (GORENDER,
1987, p. 110) vai estabelecer como ação o foquismo, participando de
ações armadas em São Paulo, como o assalto ao carro pagador do Banco
Lavoura, em Mauá.

- 85 -
ser travada a partir de áreas densamente
povoadas, que apresentassem um vigoroso
enraizamento partidário entre os
camponeses, o qual se refletiria em um
considerável grau de politização – o que
exigia um elevado nível ideológico dos
próprios quadros partidários. (SILVA,
2006, p.162).

A análise realizada por Daniel Aarão e Jair Ferreira,


segundo a qual, a posição de lançar uma campanha
convocando uma Assembleia Constituinte é o estopim para
os rachas no PC do B, se confirma através do referido
editorial do Jornal A Luta, que classifica o documento
União de todos os brasileiros para livrar o país da crise,
da ditadura e da ameaça neocolonialista, como
“abertamente reformista, em que um resto de fraseologia
revolucionária não conseguiu encobrir a adesão às teses
cardeais do revisionismo”, afirmando que “alguns
comunistas prevendo esse desenlace se rebelaram contra a
direção antiproletária do PC do B”98.
Parecia haver um descompasso no PC do B entre o
que se falava da luta armada e a possibilidade real de
desenvolvê-la. A grande propaganda em defesa de uma
Guerra Popular como método de luta e a própria relação
com a China atraiu muitos jovens e militantes experientes
que tinham divergências com o PCB, mas a dificuldade de
dar respostas a todo esse anseio tornou inevitável à
fragmentação do partido.

98
Revista LUTA IDEOLÓGICA, 1971, p 32. A Revista Luta Ideológica
era produzida pelo PCR e reunia os principais editoriais do Jornal A
Luta, também produzido pelo PCR.

- 86 -
O editorial do Jornal A Luta99 nº 05, de abril de
1968, lançado quando Amaro Luiz de Carvalho ainda
estava vivo, intitulado PC do Brasil: grupelho
contrarrevolucionário que vive da revolução apresenta de
maneira clara essa crítica:

No primeiro período, a plataforma


programa do PC do B, elaborada hábil e
demagogicamente por seus dirigentes ao
preconizar a luta armada, fazia com que
muitos verdadeiros comunistas e
revolucionários procurassem o PC do B. A
ilusão desses elementos veio aumentar
ainda mais quando Amazonas e seus
asseclas, apesar de na plataforma
programa de 62 terem elogiado a União
das Repúblicas Socialistas Soviéticas
(URSS), aderirem ao PC da China nas
divergências sino-soviéticas, posição
fixada com o artigo “Resposta a
Kruschev”100, com o qual passaram a ter
total apoio do PC da China.
Até o golpe, puderam assim aumentar seu
prestígio entre os revolucionários de nossa
Pátria e, não fosse o sectarismo e
isolacionismo que punham a nu o seu
oportunismo de “esquerda”, aliado à total
incapacidade de direção e organização de
que são dotados, teriam tido uma
influência ainda maior. (LUTA
IDEOLÓGICA, p. 31, 32)

99
Jornal do PCR durante a Ditadura Militar
100
PC do B. Resposta a Kruschev. Disponível em:
<https://www.marxists.org/portugues/tematica/1963/07/27.htm>
Acesso em: 12 mar. 2016.

- 87 -
As críticas que os fundadores do PCR faziam ao PC
do B não se restringiam ao debate sobre a luta armada e a
dilação para preparação da guerrilha popular, apesar desta
ser a questão central da polêmica. É importante lembrar que
todos os fundadores do PCR eram militantes do PC do B no
Nordeste, exceto Zarattini, que era de São Paulo, mas que
também dedicou grande parte da sua atuação madura junto
a Amaro Luiz de Carvalho, em Pernambuco. Assim, parte
dos problemas que os fundadores do PCR apresentavam
contra o PC do B são resultados das dificuldades orgânicas
entre a direção do partido e os militantes da região.
O editorial nº 05 do Jornal A Luta segue revelando
as críticas aos problemas de organização verificados no PC
do B:

Assim é que a organização do PC do B no


Nordeste resultou única e exclusivamente
do espírito de iniciativa e de uma exigência
concreta dos comunistas daqui mesmo. Os
dirigentes do PC do B, não se deslocaram
para o Nordeste e as visitas esparsas e por
curto período que um assistente da direção
aqui fazia, criava mais problema do que
resolvia os que já existiam.
Os métodos tradicionais e burocráticos de
trabalho desses dirigentes, em combinação
com a política de “segurança absoluta”,
levavam-os a uma total separação das
massas e principalmente dos elementos de
vanguarda. Esses dirigentes passaram a ter
relações tão somente com os elementos do
aparelho partidário em que depositavam
maior confiança. Passaram em realidade a
uma vida de seita, encerrados quase que
permanentemente em casas ou
apartamentos, tendo em vista o resguardo

- 88 -
pessoal, sendo que a compreensão do
mundo exterior vinha tão somente da
leitura das publicações e jornais burgueses.

Del Roio narra um episódio que torna pertinentes as


criticas dos fundadores do PCR com relação ao trabalho de
organização do PC do B no Nordeste. Quando os militares
deram o Golpe, em 01 de abril de 1964, Ricardo Zarattini
estava no interior de São Paulo. Após ir à capital paulista e
verificar os sindicatos invadidos pelo exército, decidiu
retomar o contato com Amaro Luiz de Carvalho em
Pernambuco, com quem já havia estabelecido relação nos
anos anteriores. Porém,

Passou alguns meses nesse processo.


Conseguiu contatar Amaro, que se
encontrava em graves dificuldades,
perseguido, sem recursos, nem
documentos, e havia perdido as ligações
com o seu partido, o PC do B. Para ajudá-
lo a reatar essas relações decidiram ir ao
Sul, onde Zarattini conhecia alguns
dirigentes daquele partido, como Lincoln
Cordeiro Oest e Carlos Nicola Danielli,
além de João Amazonas, que seria mais
tarde secretário geral do partido. Através
de dois antigos simpatizantes do PCB,
Ivete Sitta e Prudente MacKinight,
localizaram esses dirigentes e com eles
conversaram em Niterói. (DEL ROIO,
2006, p. 52).

A situação em que Ricardo encontrou Amaro após o


Golpe expressa a dificuldade de ligação que a direção do
PC do B tinha com o trabalho partidário no Nordeste.
Apesar de todos os problemas possíveis para construir um

- 89 -
partido comunista em meio a uma Ditadura Militar, o
abandono de militantes em situação de risco revela a
ausência de preparação para uma conjuntura de falta de
liberdades democráticas e indica que o PC do B - apesar de
criticar o apassivamento do PCB diante do Golpe de 1964 -
também não estava em nada preparado para aquela nova
conjuntura política.
E ainda neste aspecto da ausência de preparação
para um golpe, residiam mais críticas dos fundadores do
PCR. Primeiro, por prometer uma resistência a partir dos
militares que não existiu:

A covardia diante da ditadura recém-


instalada, a constatação de mentiras, como
aquela em que apregoavam uma direção
militar sobre grupos de sargentos e
marinheiros que nunca tiveram, além da
existência de grupos armados do PC do B,
cuja localização por ser “segredo militar”
não era revelada, mas que em verdade
nunca existiram, faziam com que se
tornasse evidente aos militantes de maior
consciência revolucionária o
apodrecimento de seus dirigentes. (LUTA
IDEOLÓGICA, 1971, p. 33-34).

Segundo, pelo isolamento de contato com outras


forças políticas:
Outro exemplo que atesta bem a
incapacidade política desses dirigentes e o
grau de isolacionismo em que se
encontravam é o fato de que somente na
última semana que antecedeu ao golpe é
que foi adotada a resolução de se entrar em
contato, como Partido, com os políticos
progressistas da burguesia nacional, entre

- 90 -
eles Brizola, substituindo os encontros
isolados que alguns dirigentes mantinham,
vistos sempre com suspeição esquerdista.
(LUTA IDEOLÓGICA, 1971, p. 33-34).

É interessante a caracterização que o PCR apresenta


Brizola, como representante do setor progressista da
burguesia nacional. O PCR, assim como todos os demais
partidos de tradição comunista que surgiram no período pré
e durante a Ditadura Militar, vai compreender a Revolução
Brasileira de maneira etapista, sendo necessária na primeira
etapa uma aliança com a burguesia nacional para derrotar o
imperialismo.
Para finalizar, mesmo tendo influência chinesa nas
elaborações programáticas e políticas, o PCR acusa o PC do
B de seguidismo em relação ao PC da China, inclusive
condenando um suposto apoio material que o PC do B
recebia dos chineses.

A esse grupelho contrarrevolucionário, de


vida fácil e burguesa, não interessa à
revolução. Em verdade ele sobrevive
política e materialmente dela. Política,
porque somente quando o processo
revolucionário se manifestar de modo
estável e permanente, através da luta
armada, é que esses senhores se
desmoralizarão por completo.
Materialmente, sua morte vai ocorrer
quando o PC da China fizer autocrítica e
deixar de fornecer auxílio a esse grupelho
que não tem nenhuma base social para
sobreviver a partir das forças internas de
nosso país. (LUTA IDEOLÓGICA, 1971,
p. 35)

- 91 -
É interessante perceber que apesar de não ter
relação, nem concordância com a linha política do PCUS
após o seu XX Congresso, o PCR não estabeleceu uma
condenação por tabela ao PC Cubano, que mantinha
relações com o PCUS. Nota-se assim duas questões:
primeiro, o exercício do PCR em ter autonomia na política;
segundo, o reconhecimento do prestígio da Revolução
Cubana, que por ter sido conquistada através de uma luta
guerrilheira tinha a simpatia do PCR.101
A dilação em relação à luta armada como carro
chefe, acrescida pelos problemas organizativos do partido
no Nordeste e a ausência de preparação para resistir ao
Golpe Militar foram as razões apresentadas por Amaro Luiz
de Carvalho e Ricardo Zarattini para romper com o PC do
B, iniciar uma busca por outros militantes descontentes e
fundar o PCR.
É necessário colocar uma importante ironia da
história. Apesar das acusações de descompromisso com a
construção de uma guerrilha rural, o que levou à ruptura
tanto do PCR, quanto da Ala Vermelha. O PC do B foi a
única organização política do Brasil que segundo Ridenti
(2005, p. 225) construiu uma experiência de luta armada
que pudesse ser chamada de guerrilha rural, a Guerrilha do
Araguaia.

101
José Luiz Del Rio, na biografia de Ricardo Zarattini, um dos
fundadores do PCR, inclusive o classifica como “guevarista”. DEL
ROIO, 2006, P. 50

- 92 -
2.3 A concepção programática do PCR: o Nordeste como área
principal da revolução

A Carta de 12 Pontos aos Comunistas


Revolucionários, escrita em maio de 1966, por Amaro Luiz
de Carvalho e Ricardo Zarattini, foi o documento que
lançou a plataforma política para a construção do PCR,
tornando-se o principal documento do Partido neste período
da Ditadura Militar. A Carta também subsidiou o Programa
do PCR, que junto com os Estatutos foram lançados em
fevereiro de 1968102.
Jacob Gorender, explicando a influência do Partido
Comunista Chinês e das ideias maoístas no Brasil, afirma
que a partir de 1966, exemplares do folheto Salve a Vitória
da Guerra Popular, de Lin Biao, até então comandante do
exército popular chinês, passaram a circular de mão em mão
contribuindo para forjar a atmosfera militarista da esquerda
brasileira no final dos anos 60103.
Segundo Del Roio, é justamente esse material que
Amaro Luiz de Carvalho trouxe consigo da China neste
mesmo ano, quando retornou da sua participação do curso
de formação militar, integrando uma delegação de 10
militantes enviados pelo PC do B104.

102
Nos documentos do PCR que tivemos acesso sempre encontramos a
denominação da referida Carta como Carta de 12 Pontos aos
Comunistas Revolucionários, diferente da denominação de Daniel
Aarão Reis Filho e Jair Ferreira de Sá no livro Imagens da Revolução,
cujo documento é apresentado com a denominação de Carta de 12
Pontos aos Comunistas Universitários.
103
GORENDER, 1987, P. 82, 83.
104
DEL ROIO, 2006, P. 62

- 93 -
O folheto de Lin Biao procura explicar o que veio a
ser conhecido como Pensamento Mao Tse-Tung, e tinha por
objetivo exportar a experiência chinesa para outros países
considerados atrasados, comumente coloniais ou
semicoloniais. O texto, além de apresentar o camponês
como classe revolucionária decisiva, consistia em defender:
a) A Guerra Popular Prolongada como tática internacional;
b) A defesa da tática da Frente Única; c) contradição
principal entre nação e imperialismo; d) defesa da
revolução agrária; e) defesa da revolução democrático
nacional em transição ao socialismo; f) formação do
exército popular; g) tática do cerco da cidade pelo campo;
h) apoiar-se nas forças do próprio povo.105
A observação sobre as formulações contidas no
folheto de Lin Biao é importante para identificar a
significativa influência destas formulações na Carta de 12
Pontos aos comunistas revolucionários e no Programa do
PCR, principais documentos do Partido.
Apesar da influência chinesa no PCR, não há
registro na Carta de 12 Pontos nem em seu Programa,
tampouco em outros documentos como o Estatuto, as
edições do Jornal A Luta e a Revista Luta Ideológica, de
referências ao chamado Pensamento Mao Tse-tung.
Isso chama a atenção, especialmente porque foi
exatamente nos primeiros anos de existência do PCR que se
desenvolveu na China a chamada Revolução Cultural, que
repercutiu em todo o mundo e promoveu a massificação da

105
BIAO, Lin, Viva el Triunfo de la guerra popular! Disponível em:
<https://www.marxists.org/espanol/lin/1965/guerrapop.htm>. Acesso
em: 11 mar. 2016.

- 94 -
influência chinesa e do chamado Pensamento Mao Tse
Tung. Foi nesse período que o Livro Vermelho, contendo
citações de Mao Tse Tung foi amplamente difundido na
China e nos demais países.
Havia uma preocupação do PCR em não ser
considerado correia de transmissão do PCUS ou do PCCH,
diferenciando-se do PCB e do PC do B. O editorial do
Jornal A Luta de setembro de 1967, chamado “Nossas
ideias, nossos objetivos”, apresenta uma elaboração que
reforça a condenação do apoio material recebido pelo PCB
e PC do B do PCUS e do PCCH, respectivamente:

Nesse sentido, repelimos o


“internacionalismo” das direções que
usurpam o nome de Partido, utilizando-o
mercenariamente junto a certas nações
socialistas. Essas direções são corpos
estranhos em relação ao nosso povo, não
tem responsabilidades para com ele, dele
vivem separados, e o seu dever não é fazer
a Revolução, mas sim fazer a propaganda
e a defesa daquelas nações que a
subsidiam. (LUTA IDEOLÓGICA, 1971,
p. 13-14).

De acordo inclusive com a orientação contida no


famoso panfleto de Lin Biao, o PCR advogou a tese de que
a revolução deveria ser realizada a partir dos esforços do
próprio povo, a partir do desenvolvimento da luta de classes
do próprio país.

- 95 -
O Ponto 11 da Carta diz o seguinte:

11 - Os revolucionários e marxistas-
leninistas têm como ponto de honra para
suas atividades se apoiarem nos seus
próprios esforços. Em nossa Pátria o
desenvolvimento de uma autentica
revolução exige que ela surja como
exigência das forças internas do país.
Revolução não se importa e nem se
exporta. O auxílio que os países que já se
libertaram do imperialismo ianque possa
nos dar deve ter um caráter essencialmente
político. O principal, o mais importante é
que a revolução exige que ela surja como
exigência das forças internas. Aliás, a
aplicação desse princípio é o requisito
básico para que a guerra popular venha se
processar. (LUTA IDEOLÓGICA, 1971, p.
05).

Essa formulação de construir materialmente o


Partido e o processo revolucionário a partir do apoio
popular, criticando o apoio externo, não poderia deixar de
ser considerada como uma atitude ousada, especialmente
porque o PCR era um partido pequeno e com baixa
capilaridade social. De toda forma, a opção indicava um
caminho que exigia do partido construir uma relação de
ligação com a base social que se pretendia conquistar os
operários e camponeses.
O ponto 01 da Carta de 12 Pontos identifica que no
Brasil a contradição principal era entre os interesses da
nação e os interesses do imperialismo. Esta formulação
denuncia ainda a participação direta dos Estados Unidos e
de setores da alta burguesia nacional no Golpe Militar

- 96 -
apoiada internamente na burguesia nacional e nos
latifundiários contra João Goulart e no estabelecimento de
uma Ditadura Militar.

1. A contradição principal que se manifesta


em nossa sociedade é aquela entre o
imperialismo norte-americano e nosso
povo. A natureza agressiva do
imperialismo exige uma constante
aplicação de sua política de dominação e
exploração, em virtude desse fato, o
imperialismo ianque dirigiu e executou por
intermédio dos militares reacionários, os
gorilas, o golpe de 1º de abril de 1964.
Estabeleceu uma ditadura militar apoiada
internamente na burguesia nacional e nos
latifundiários. (LUTA IDEOLÓGICA,
1971, p. 01)

Essa compreensão que o PCR apresenta é


denominada etapista, pois dividia o processo revolucionário
de superação do capitalismo em etapas. Segundo a qual, a
primeira etapa consistia numa revolução democrática para
libertar a nação do jugo do imperialismo, não se diferencia,
em que pesem outras divergências, da definição
programática estabelecida pelo PCB, PC do B, PCBR,
ALN.
O que diferenciava as organizações políticas que
defendiam esse ponto de vista era a tática adotada para
derrotar a Ditadura Militar: se seria a luta armada ou não,
se seria guerrilha urbana ou rural, o entendimento sobre o
que seria a burguesia nacional e seu papel na revolução
democrática, a proposta organizativa do Partido.

- 97 -
No Programa do PCR a caracterização da Ditadura
Militar é mais aprofundada, denunciando o caráter de classe
do Golpe. O documento estabelece a relação entre os
militares, a alta burguesia nacional e os monopólios
internacionais.

Depois do golpe de 1º de abril de 1964 se


estabeleceu em nossa Pátria uma ditadura
militar em que os “gorilas” com o poder
político nas mãos puderam melhor cumprir
o repugnante papel de guarda-costas e
lacaios, verdadeiros cães de fila.
1) dos grupos monopolistas norte-
americanos que atuam no Brasil, os
“trusts”.
2) dos grupos monopolista e financeiros
brasileiros que são agentes de interesses
estrangeiros e exploram o povo, os
conhecidos “testas de ferro”, os
“tubarões”, açambarcadores e agiotas.
3) dos latifundiários, conhecidos no
interior do país como “senhores de
engenho”, “coronéis” etc. (PROGRAMA
DO PARTIDO COMUNISTA
REVOLUCIONÁRIO, 1968).

Diante de uma Ditadura Militar estabelecida com a


participação direta do governo estadunidense, num cenário
mundial marcado pela Guerra Fria, é compreensível que
não apenas o PCR, mas também outras organizações
defendessem que a contradição principal no Brasil era entre
nação e imperialismo. Dessa maneira, o PCR também
chegou a conclusão que setores da burguesia nacional
sofriam com a intervenção imperialista no país, que
portanto, caberia aos revolucionários a adoção de uma

- 98 -
tática que unificasse o proletariado urbano e rural com os
setores progressistas da burguesia nacional para enfrentar o
imperialismo, constituindo assim uma frente única.

Nesse particular, nosso Programa é


decididamente pela frente única, não de
palavras ou conversações, mas aquela que
resulta de lutas concretas. Ainda mais:
quaisquer que sejam as posições equívocas
ou as incompreensões de setores ou
elementos autenticamente nacionais da
burguesia, nosso Programa será cumprido
na prática, porque reflete uma exigência
básica da atual etapa de nossa revolução,
que é democrático nacional e não
socialista. (PROGRAMA DO PARTIDO
COMUNISTA REVOLUCIONÁRIO,
1968).

Aqui começam a surgir divergências de como


conduzir essa frente única. Na avaliação do PCR havia uma
divisão da burguesia brasileira em duas frações: a) a alta
burguesia, comprometida com os interesses do
imperialismo, que dava sustentação à Ditadura Militar; b) a
burguesia nacional, que era vacilante diante das imposições
imperialistas, procurando sempre o caminho da conciliação,
mas que sofria com as investidas dos grandes monopólios
internacionais e passava a ter contradição com os interesses
imperialistas106.
Para que a tática da frente única lograsse êxito, o
PCR entendia no seu Programa e na Carta de 12 pontos as
seguintes necessidades: a) A existência de um partido

106
LUTA IDEÓLOGICA, 1971, p 11

- 99 -
revolucionário107; b) Desenvolver a aliança operária
camponesa e atuar com as massas fundamentais da
revolução108; c) A construção de um exército popular109.
Influenciado pela tática da Revolução Chinesa, a
Guerra Popular Prolongada, que indicava como formulação
a constituição de um exército popular, para promover o
cerco da cidade pelo campo, o PCR estabelecia como tarefa
para conduzir a frente única e o processo revolucionário de
libertação nacional à criação de um exército popular,
considerada a forma mais elevada de organização das
massas e principal forma de luta do Partido.
O local escolhido pelo PCR para iniciar o cerco da
cidade pelo campo, a guerrilha rural e a constituição do
exército popular é o Nordeste brasileiro, pois, como era
apresentado na Carta de 12 Pontos, era a região do país onde
a contradição entre os interesses da nação e do imperialismo
se expressavam de maneira mais contundente; e onde, do
ponto de vista nacional, representava o campo brasileiro.
Sendo assim, essa era a região do país onde o Partido
deveria priorizar sua atuação.

4. Onde se manifesta de modo mais agudo


a contradição entre o imperialismo norte-
americano e nosso povo? Nossa resposta é
o Nordeste. Região com mais de 20
milhões de habitantes tem sido fonte de
matérias-primas e produtos agrícolas para

107
LUTA IDEOLÓGICA. Carta de 12 Pontos aos Comunistas
Revolucionários, 1971, p. 03
108
Programa do PCR, 1968
109
LUTA IDEOLÓGICA. Carta de 12 Pontos aos Comunistas
Revolucionários, 1971, p. 04

- 100 -
o sul do país e para o exterior, em
compensação quase todos os produtos
manufaturados que consome importa do
sul do país, onde se encontram de fato os
grandes grupos econômicos, notadamente
os da alta burguesia nacional e do
imperialismo norte-americano. Nessas
condições o Nordeste é a região mais
explorada do país e o seu desenvolvimento
teria como consequência a perda de um
mercado e de uma fonte de matérias-
primas para os referidos grupos
econômicos. Além disso, uma classe
dominante de latifundiários e usineiros
controla a principal atividade econômica
do nordeste, a deficitária indústria do
açúcar, cujos prejuízos descarregam sobre
a imensa massa de assalariados agrícolas
que exploram.
5. Por isso o Partido da classe operaria
deve elaborar sua estratégia e aplicá-la
onde se reflete de modo mais agudo a
contradição principal. Ai desenvolver, com
profundidade, a aliança operária
camponesa, através do deslocamento para
o campo dos elementos mais avançados da
classe operária, dos intelectuais e
estudantes com ideologia do proletariado
para criar as bases de apoio rurais.
6. (…) Nas atuais circunstâncias, dentro de
um ponto de vista regional as grandes
cidades e capitais do Nordeste são "cidade"
enquanto que o resto é "campo". De um
ponto de vista nacional, a área industrial de
São Paulo, compreendendo as cidades
satélites do ABC, Santos e Rio de Janeiro
formam o conjunto que podemos chamar
de "cidade", sendo o restante "campo".
(LUTA IDEOLÓGICA, 1971, p. 2-4)

- 101 -
Os conceitos de cerco da cidade pelo campo, guerra
popular prolongada, guerra de guerrilhas e prioridade da
atuação no campo estão presentes na Carta de 12 pontos e
no Programa do PCR; elementos característicos das teses
chinesas na elaboração teórica do Partido.
Ridenti explica:

Quando se esfacelou o projeto de


revolução pacífica e democrática do PCB
em 1964, com a crise geral em que
submergiram as esquerdas, era de se
esperar que os comunistas dissidentes
buscassem modelos vitoriosos em outros
países como fontes de inspiração para a
revolução brasileira - e esses modelos, em
geral, privilegiavam a luta armada pela
guerrilha rural. Castro, Guevara, Debray,
Gunder Frank, Fanon, Mao, Lin Biao, Ho
Chi Minh, Giap, dentre outros teóricos da
revolução política, econômica, cultural e
militar a partir do campo no "Terceiro
Mundo", eram fonte de inspiração
obrigatória das esquerdas nos anos 1960.
(RIDENTI, 2005, p. 236).

É importante relembrar que a própria trajetória de


Amaro Luiz de Carvalho, principal idealizador do Partido,
como líder camponês, dirigente de sindicato rural em
Pernambuco, somado a sua atuação nas Ligas Camponesas
e o seu contato com a China explica a escolha do PCR pelo
Nordeste como área principal de atuação.
Além disso, o núcleo de fundação do PCR é
fundamentalmente nordestino, dos cinco fundadores,
apenas Ricardo Zarattini é de São Paulo; Manoel, Valmir e
Selma são alagoanos e Amaro pernambucano. Dessa

- 102 -
maneira, do ponto de vista da própria construção orgânica
do Partido também fazia todo o sentido a escolha do
Nordeste como ponto de partida para a revolução brasileira.
Reproduzimos as propostas do PCR elaboradas no
seu Programa, com destaque para a proposta número 5, que
prevê o pluripartidarismo e a anulação das cassações dos
direitos políticos realizadas pela Ditadura Militar:

O GOVERNO REVOLUCIONÁRIO
1) denunciará todos os acordos firmados
com o imperialismo norte-americano e
confiscará todas as suas empresas;
O GOVERNO REVOLUCIONÁRIO
2) confiscará todos os bens dos “testas de
ferro” ligados as empresas norte-
americanas, bem como todos os bens dos
“tubarões” e “atravessadores” que
exploram o povo;
3) confiscará todos os bens dos capitalistas
nacionais e pequenos e médios
proprietários rurais que durante a guerra
patriótica colaborem com os inimigos do
povo;
4) confiscará as terras dos grandes
latifundiários e as distribuirá aos
trabalhadores sem-terra, onde o
arrendamento seja a forma de exploração
dominante e formará cooperativas
coletivas de produção onde o assalariado
predomine;
O GOVERNO REVOLUCIONÁRIO
5) permitirá a existência de partidos ou
associações políticas de novo tipo, desde
que suas ações não contrariem o presente
Programa e seus elementos dirigentes não
tenham colaborado com os inimigos
durante a guerra patriótica, declarando
nulo todos os atos de cassações de

- 103 -
mandatos e suspensões de direitos
políticos, bem como serão abolidas todas
as medidas através das quais a ditadura
persegue e oprime os patriotas;
6) garantirá a liberdade de todos os cultos
religiosos sem discriminações;
O GOVERNO REVOLUCIONÁRIO
7) garantirá aos trabalhadores das cidades
e dos campos a direção das empresas e
bens confiscados, bem como a direção da
Previdência Social;
8) garantirá aos estudantes de nível
superior a sua participação na direção de
escolas e faculdades;
9) garantirá aos intelectuais e artistas plena
liberdade de pensamento e criação,
proporcionando-lhes todos os recursos
materiais, especialmente aos que devotem
ao desenvolvimento da cultura nacional.
O GOVERNO REVOLUCIONÁRIO
10) Dirigirá a economia nacional,
ampliará e fará cumprir a legislação
trabalhista e promoverá a extensão do
ensino, estabelecendo a gratuidade em
todos os níveis para todo o povo.
(PROGRAMA DO PARTIDO
COMUNISTA REVOLUCIONÁRIO,
1968).

O PCR se diferenciou das demais organizações de


esquerda que surgiram durante a Ditadura Militar por
formular um programa que adotou como área principal de
atuação o Nordeste brasileiro110. No que diz respeito ao
seu programa, a escolha do Nordeste é a principal diferença

110
O Programa do PCR hoje é completamente distinto do que fora
preconizado no período da Ditadura Militar. Um síntese encontra-se em,
PCR.O caráter socialista da revolução. Disponível em:<
http://pcrbrasil.org/pcr/revolucao/> Acesso em: 12 mar. 2016.

- 104 -
em relação ao PC do B.
Esta concepção programática fundamentada numa
influência teórica das teses chinesas e na trajetória dos
militantes que fundaram o partido provocou dentro de um
cenário de fragmentação da esquerda, a acusação de
regionalismo e dificultou, apesar das conversações, a
possibilidade de unificação com outras organizações
políticas na época; como a Ala Vermelha, e a Corrente,
depois PCBR.

3 ANÁLISE DA ATUAÇÃO DO PCR

3.1 A atuação do PCR em Alagoas

Manoel Lisboa e Valmir Costa iniciaram os


recrutamentos para o PCR em Maceió logo após os
primeiros contatos com Amaro Luiz e Ricardo Zarattini. Os
primeiros núcleos organizados por eles eram compostos
predominantemente por estudantes111. Existia um espaço
vazio na esquerda alagoana, pouca coisa restava do PCB
após o Golpe Militar de 1964. Então o PCR se desenvolveu
ocupando esse espaço112.
Porém, a perseguição política nesse período já era
grande, especialmente contra Manoel Lisboa. “Rubens

111
DEL ROIO, 2006, P. 66.
112
O PC do B, que foi organizado em 1962, iniciou sua atuação em
Alagoas a partir do mesmo núcleo que fundou o PCR. Manoel Lisboa,
Selma Bandeira, Valmir Costa integravam o PC do B, antes de
fundarem o PCR. Dessa maneira, apenas na década de 1970 o PC do B
vai se reoganizar em Alagoas.

- 105 -
Quintella113 tinha uma sede de pegar Manoelzinho”, relata
Iracilda Lisboa, mãe de Manoel. Quintela esteve perto de
conseguir seu intento; certa vez Manoel teve que escapar
pelas portas dos fundos da residência da mãe114.
Diante disto, a assistência política do PCR em
Alagoas ficou sob a responsabilidade de Emmanuel
Bezerra, conhecido pelos militantes alagoanos como
Flávio. Todavia, Manoel Lisboa, já como principal
dirigente do PCR, sempre vinha a Alagoas, tanto para
acompanhar o funcionamento do Partido, como para visitar
sua mãe, Iracilda Lisboa, que morava no bairro do Farol.

Periodicamente, o Manoel Lisboa vinha à


Maceió e mantinha alguns contatos. Mas
aqui em Maceió era com o Emmanuel
Bezerra, que era um militante de uma
dedicação à causa extraordinária. Era uma
pessoa de uma vida humilde, franciscana.
Ele usava roupas usadas que a gente dava
para ele. Ele tinha uma coisa engraçada.
Algumas vezes ele foi lá em casa. Nessa
época, quando eu me casei, morava no
Jardim Acácia, e algumas vezes ele ia lá.
Por coincidência, tinha uma empregada
doméstica nossa que conhecia ele de uma
vila, que ele morava lá no Vergel. E ficava
aquela conversa dele com ela. Ele era uma
pessoa tão humilde, que ele morava nessa
vila. Realmente foi um militante
extraordinário, juntamente com Manoel

113
Rubens Quintela era delegado responsável pela perseguição aos
comunistas durante a Ditadura Militar.
114
Depoimento prestado no documentário Manoel Lisboa, um
comunista revolucionário. Disponível em<
https://www.youtube.com/watch?v=Ke4m219-Svw>. Acesso em: 14
mar. 2014.

- 106 -
Lisboa, que era outro grande militante
(J.COSTA, 2013)

O espírito abnegado de Emmanuel Bezerra, descrito


por Jefferson Costa, também se verificava na conduta de
Manoel Lisboa, que abriu mão da carreira de médico para
desenvolver atividades revolucionárias, sem contar que sua
família era rica, o que lhe garantiria uma vida sem
dificuldades econômicas.
Alfredo Lisboa, sobrinho de Manoel, explica no
documentário Manoel Lisboa, herói da resistência a
Ditadura115, que a família de Manoel era representante da
cervejaria Antártica. Sua avó, conta Alfredo, mãe de
Manoel Lisboa era amiga do proprietário de uma empresa
de ônibus que fazia a linha Maceió – Recife. Para impedir
que Manoel fosse preso, o proprietário dava ordem ao
motorista que parasse o ônibus na porta da casa da mãe de
Manoel, garantindo assim uma chegada e partida mais
segura. Isso evitou que a Ditadura novamente prendesse
Manoel Lisboa em Maceió, como relata Fernando Costa, se
referindo ao período que esteve preso pela Ditadura:

Num desses dias, tive um momento de


muita apreensão, porque me chegou à
informação de que eles estariam levando o
companheiro Flávio para a Praça Lions,
onde haveria um encontro com o Manoel
Lisboa, que era membro, também, do PCR
e militava em Pernambuco. Já foram com
a seguinte recomendação, depois de
amarrarem umas tábuas na perna dele: —

115
PRONZATO, Carlos. Manoel Lisboa: herói da resistência a
Ditadura. La Mestiza, 2016.

- 107 -
Na hora que ele aparecer, se jogue no chão
porque a bala vai comer e Manoel Lisboa
não sairá vivo desse encontro. Por sorte,
Lisboa vinha no ônibus e teve a
informação de que havia tido essas prisões
aqui. Então, no Farol (bairro) mesmo, ele
desceu e procurou se esconder. Escapou
dessa. (F. COSTA, 2013)

Em Alagoas, o PCR contava com militantes


metalúrgicos, funcionários dos Correios116, médicos,
engenheiros, economistas117. É possível, por conta do
trabalho desenvolvido entre os camponeses da Zona
Canavieira, que envolvia Alagoas, Pernambuco e Paraíba,
que o PCR também contasse com militantes camponeses.
O Jornal Luta Operária, órgão do PCR para o
trabalho sindical, edição número 10, de agosto de 1973,
indica que o Partido desenvolvia atividades nas Fábricas
Brandini e Socôco, localizadas em Maceió, ambas do ramo
da indústria alimentícia. A referida edição do Jornal traz
uma matéria denunciando a exploração na Brandini. Pelo
detalhamento da denúncia e a linguagem apresentada, trata-
se de um militante ou um contato do PCR que trabalhava na
empresa, eis um trecho:

A maioria dos operários não recebe nem o


salário mínimo completo, muitos recebem
somente 40 cruzeiros por semana e outros
somente 25 cruzeiros. São obrigados a
fazer extraordinário nas noites, nos

116
DEL ROIO, 2006, P. 66.
117
O documento 0051/CISA – ESC RCD do Ministério da Aeronáutica,
datado de 03 de outubro de 1973 traz uma lista com o nome e codinome
de vários militantes do PCR, junto com a sua descrição física.

- 108 -
sábados e domingos sem receber
remuneração extraordinária por estes
serviços a não ser uma gratificação que
fica muito distante do pagamento por
serviços extraordinários. Além disto,
existe uma tal de dona Dina que vive
notificando os operários que por cansaço
param de trabalhar alguns minutos. Estes
minutos são descontados no salário dos
companheiros. (LUTA OPERÁRIA,
1973).

O mesmo Jornal traz um depoimento denunciando o


gerente da fábrica Socôco por assédio sexual e tentativa de
estupro.

O gerente da fábrica, José Amaro, só paga


extraordinário para as operárias que
aceitam as cantadas dele. Em dezembro do
ano passado, uma operária foi botada pra
fora porque reagiu quando José Amaro
tentou forçá-la sexualmente. Quando os
familiares das operárias vão saber porque a
operária saiu da fábrica, o defensor e
balançador de José Amaro, um tal de
Mário, inventa muitas mentiras e defeitos
contra as operárias. (LUTA OPERÁRIA,
1973).

Apesar de ter militantes trabalhadores, a frente


estudantil foi a que mais notabilizou a atuação do PCR em
Alagoas. Cumpriu um papel importante no
desenvolvimento dessa frente do PCR o engenheiro
Ronaldo Lessa118, que havia participado ativamente do

118
Após a redemocratização, Ronaldo Lessa foi eleito vereador,
deputado, prefeito de Maceió e Governador de Alagoas.

- 109 -
movimento estudantil, vindo a integrar o Diretório de
Ciências Humanas e Extras da UFAL e também atuado em
atividades da UNE, se fazendo presente no Congresso
Regional de Salvador, em 1969. No período de organização
da frente estudantil do PCR, Ronaldo trabalhava como
professor do colégio Moreira Silva, lecionando a disciplina
de Desenho.
Por conta da sua atuação estudantil, Ronaldo Lessa
foi preso em 1969, mas solto três meses depois. Só depois
da sua prisão conheceu o PCR e ingressou no Partido. A
experiência de Ronaldo ajudou a consolidar o PCR como
uma força política importante no movimento estudantil de
Alagoas durante o início da década de 1970. Como explica
Regis Cavalcante119:

Foi nesse momento que conhecemos


pessoas como Ronaldo Lessa, que, naquela
ocasião dos estudos secundários, lecionava
Desenho no colégio Moreira e Silva e já
trazia na bagagem toda uma experiência de
militância no movimento estudantil. Ali,
em 1968, compreendemos a importância
da organização e da mobilização na escola,
mesmo que se limitasse ao bebedouro ou a
uma área de lazer, pois lá fazíamos
exercícios num barreiro, por trás do CEPA.
(CAVALCANTE, 2014. p. 21)
Então houve intensa articulação para
retomar a direção do DCE da UFAL.
Nessa engenharia para a organização de
forças e a costura da unidade, Dênis
tornou-se candidato e ganhou a eleição
para presidente da entidade. Nesse

119
Regis Cavalcante atuou no PCR até 1973. Depois ingressou no PCB
e hoje é presidente do PPS em Alagoas.

- 110 -
momento, o Partido Comunista
Revolucionário, o PCR, atuou no processo
e apoiou sua candidatura. Pelo Partido,
Ronaldo Lessa desempenhou papel
importante, articulando candidatos aos
cargos de direção. (CAVALCANTE, 2014,
p. 50)

O trabalho de divulgação das ideias do PCR entre os


estudantes secundaristas e universitários se dava por meio
de panfletagens realizadas nas escolas e na UFAL. Como
explica Regis Cavalcante:

Os próprios agentes da ditadura chamavam


nossa atenção para os jornais partidários
clandestinos circulavam como “A Voz
Operária” e o “Luta Estudantil”, este do
PCR que já circulava nas escolas, mas nós
não tínhamos conhecimento. Na ânsia de
obter informações dos “jovens
subversivos” secundaristas, eles acabavam
passando informações sobre as atividades
partidárias na clandestinidade, pouco
conhecidas por nossa turma.
(CAVALCANTE, 2014, p. .21)

E Fernando Costa, que era uma das lideranças


estudantis do PCR na UFAL:

Na Ufal, tínhamos o jornalzinho ‘DCE’ e,


no PCR, mantínhamos o ‘Luta Estudantil’.
Portanto, eu, o Dênis e outros colegas do
PCR escrevíamos nos dois veículos, o que
terminou por dar pistas a repressão, que
associou os textos e identificou estilos”.
Lembra Fernando Costa, que também
atuou como uma das lideranças
universitárias do PCR. (CAVALCANTE,
2014, p. 53)

- 111 -
Com o crescimento do Partido entre os estudantes,
especialmente na UFAL, o PCR assumiu a tarefa de
reorganizar o movimento estudantil universitário, que
estava desarticulado por conta das dificuldades impostas
pela repressão da Ditadura Militar.

Esse início coincidiu com o meu início


também no curso de História na Ufal. Eu
me elegi para o diretório e começamos um
trabalho de reestruturação do movimento
estudantil. Inicialmente no diretório do
Instituto de Filosofia e Ciências Humanas,
na época. Estruturamos o diretório e, a
seguir, entrei no DCE, Diretório Central
dos Estudantes, juntamente com o Denis
Agra, Breno Agra, Fernando Costa, meu
irmão, Denisson Menezes. (J. COSTA,
2014).

De acordo com Jefferson Costa, que foi presidente


do DCE na gestão 1972/1973, o caminho adotado pelo PCR
para reorganizar o movimento estudantil na UFAL passava
por colocar em primeiro plano as reivindicações mais
sentidas pelos estudantes, priorizando pôr em
funcionamento os diretórios estudantis que estavam
fechados e logo em seguida dar vida ao Diretório Central
dos Estudantes (DCE).

Conseguimos estruturar, me parece, treze


diretórios estudantis. Eles nos
acompanhavam não pela questão política
de esquerda, mas pela correção da política
que nós adotávamos, pelo trabalho que nós
fazíamos, que era sempre ligado às
aspirações dos estudantes. Por exemplo,

- 112 -
era a luta contra o ensino pago que estava
começando a ser implantado, por exemplo,
cobrando taxa na Residência Universitária,
já cobravam uma taxa de matrícula,
inicialmente de cinco cruzeiros — não me
lembro da moeda da época —, de repente,
no ano seguinte já passavam a cobrar 19
cruzeiros. Gradativamente, eles estavam
implantando o ensino pago. A nossa luta
principal no movimento estudantil foi essa.
Conseguimos fazer com que os treze
diretórios funcionassem, todos eles tendo
um jornalzinho, fazendo promoções. O
DCE, por exemplo, praticamente mantinha
a FADU [Federação Alagoana dos
Desportos Universitários], porque, na
época, tinha muito dinheiro para esporte,
mas dinheiro para as entidades que
seguissem o... mas não era o caso aqui de
Alagoas, onde a FADU, na época dirigida
pelo Ronaldo Lessa, não recebia
praticamente nada da reitoria da Ufal. O
DCE, com o dinheiro das carteiras de
estudante, sustentava a FADU, ajudava
ainda aos treze diretórios. Os diretórios
recebiam uma ajuda da Reitoria, mas era
uma coisa muito insignificante.
Ressuscitamos o Teatro Universitário.
Promovemos novos festivais de música,
tinha o Festival de Música Popular do
Nordeste, várias peças sob a direção do
Denisson Menezes. (J. COSTA, 2014).

De acordo com o historiador Alberto Saldanha, as


principais lideranças do PCR na UFAL eram: Dênis Agra
(presidente do DCE na gestão 1971/1972); Jefferson Costa
(presidente do DCE na gestão 1972/1973); Breno Agra
(presidente do D.A de Engenharia na gestão 1972/1973);
Denisson Menezes (presidente do Teatro Universitário

- 113 -
Alagoano na gestão 1972/1973); Fernando Costa e Norton
Sarmento, além desses o vice-presidente do DCE na gestão
de 1969, Flávio Lima120.
A política ampla que o PCR desenvolveu, levando
em consideração de maneira prioritária as principais
reinvindicações estudantis, tornou possível a reestruturação
do movimento estudantil no início dos anos 1970. Como
explica Jefferson Costa:

A gente fazia um esforço muito grande


para separar a atuação no DCE da
militância clandestina do PCR. Nosso
trabalho no movimento estudantil era
dentro da legalidade, de resgate do
movimento universitário e de apoio às
entidades. (CAVALCANTE, 2014, p. .53)

Segundo Eduardo Bonfim, militante estudantil na


década de 1970 e atual dirigente do PC do B: “No final de
60 e início dos anos 70, havia duas organizações
hegemônicas em Alagoas: O PCR e o PC do B, ambos
partidos clandestinos”.
Essa composição da esquerda também estava
presente na UFAL. Assim, a luta contra a Ditadura Militar
e o processo de reorganização do DCE tornou possível uma
aliança entre PCR e PC do B. Apesar das divergências, essa
aliança revela um entendimento da importância do
movimento estudantil como forma de enfrentar o inimigo
principal, a Ditadura Militar.

120
OLIVEIRA, 1994, P. 155.

- 114 -
A força do PCR se consolidou na composição das
chapas. Tanto na eleição para a gestão de 1971/1972, como
na gestão 1972/1973, o PCR indicou o presidente.

Dênis fora eleito presidente do DCE por


uma evidente articulação das tendências
políticas de esquerda. Eduardo Bonfim,
que se destacaria na vida política alagoana
como líder do PC do B e constituinte de
1988, ocupou o cargo de secretário – geral
na composição com Dênis.
(CAVALCANTE, 2014, p. 51).

Os militantes estudantis do PCR não se limitavam à


atuação nas escolas e universidades. Na verdade, todo o
partido se envolvia em atividades gerais, especialmente
pichações e panfletagens nos bairros pobres e portas de
empresas. A orientação adotada pelo Partido era formar
novos quadros na cidade e levá-los ao campo, onde a
guerrilha popular deveria se instalar. Dessa maneira, o
Partido adotava ações de propaganda ousadas para um
cenário de forte repressão ditatorial, como a realização de
uma panfletagem em pleno desfile militar, em 07 de
setembro de 1972.

Tendo como principio fundamental “a


cidade é uma formadora de quadros, pois a
revolução começa pelo campo”, os
integrantes do PCR passaram a
desenvolver uma série de ações. Além do
trabalho no interior do M.E realizavam
pichações de paredes e panfletagens nos
bairros pobres de Maceió. Foram
realizadas também panfletagens nos Jogos
Universitários Alagoanos e na passeata de

- 115 -
7 de setembro de 1972. (OLIVEIRA, 1994,
p. 157)

Regis Cavalcante completa:

As ações consistiam em panfletagens e


pichações do tipo “abaixo a ditadura”.
Todo dia o sistema apagava, mas a gente
insistia em espalhar pela cidade. Nos
muros, criticávamos a instituição dos
prefeitos “biônicos”. Era o mecanismo de
que dispúnhamos para alertar a sociedade
acerca do que ocorria no país.
(CAVALCANTE, 2014, p.23)

As panfletagens e pichações comumente


aconteciam nas madrugadas. É interessante destacar a
originalidade dos militantes do PCR na realização das ações
de propaganda. Os panfletos, por exemplo, eram
embrulhados em forma de presentes e deixados nas portas
das casas nos bairros ou em locais de grande movimentação
de pessoas.

Dênis costumava ressaltar a forma original


com que o PCR atraía a atenção das
pessoas para o material que distribuía: os
panfletos eram elaborados, impressos no
velho mimeógrafo e embrulhados em
diminutos pacotinhos em forma de
presentes. O militante do PCR, por
exemplo, se dirigia ao cinema e espalhava
vários “presentinhos” em lugares
especiais, como no balcão da pia do
banheiro. O embrulho chamava a atenção
e a curiosidade pelo que poderia existir em
seu interior, fazendo com que as pessoas
recolhessem aquela surpresa.
(CAVALCANTE, 2014, p. 62)

- 116 -
Nesse período os prefeitos e governadores eram
chamados de biônicos, pois assumiam esses cargos sem o
crivo do sufrágio universal, mediante imposição do alto
escalão das Forças Armadas, que comandavam o poder
central do país. Uma dessas panfletagens realizadas pelo
PCR causou grande repercussão, pois questionava a fama
do prefeito biônico de Maceió, João Sampaio. Como
explica Joaldo Cavalcante:

No movimento popular, o partido havia


conseguido impor uma dinâmica positiva,
mesmo considerando as limitações
impostas pela vigilância ostensiva dos
órgãos de segurança do regime. Uma das
ações mais comuns era a distribuição de
panfletos com a população.
Frequentemente, acontecia nas altas horas
da madrugada... Numa dessas operações
do PCR de distribuição de mensagens de
contestação ao regime, que se referia ao
então prefeito João Sampaio marcou a
memória de Dênis. Sampaio, primeiro
prefeito “biônico” da Capital, nomeado
por Afrânio Lages, que inaugurou a lista de
governadores “biônicos” de Alagoas pós-
ditadura de 1964, explorava com
competência a fama de administrador
ousado e destemido, a ponto de ser
propalado por seus correligionários o
epíteto “João Sem Medo”. Como estava
executando uma grande obra de
urbanização na praia de Pajuçara, Sampaio
passou a ser acusado de estar priorizando a
área nobre de Maceió em detrimento dos
bairros periféricos, carentes de obras
públicas. Apropriando-se do fato, o PCR
então distribuiu grande quantidade de
panfleto que denunciavam o prefeito. De

- 117 -
grande repercussão, o título do material era
“João Sem Pai”, numa alusão ao
tratamento que Sampaio destinava a
população carente. (CAVALCANTE,
2014, p. 62)

Apesar da realização de ações ousadas, o


funcionamento do Partido exigia regras de segurança. As
reuniões não aconteciam de maneira coletiva. Geralmente,
escolhiam-se praças ou alguma praia distante. Nestes
pontos previamente combinados, se encontravam o
militante de base e o responsável pelo acompanhamento de
suas tarefas diante da direção do Partido. Como relata Regis
Cavalcante:

Quem me apresentou o Emmanuel foi


Ronaldo Lessa, que militava no PCR e
estava de malas prontas para se fixar no
Rio de Janeiro. O chamado “ponto” foi
marcado na praça Oswaldo Miranda, no
Poço. (CAVALCANTE, 2014, p. 22)

E Fernando Costa, referindo-se aos encontros que


realizava com Manoel Lisboa:

Eu me lembro dele sempre em algumas


ocasiões, quando falavam o nome dele, eu
me emocionava muito, porque tivemos
uma convivência, muito embora curta, mas
toda vez que ele vinha a Maceió, ele
promovia um encontro nosso na Praia da
Guaxuma. Na época, era uma praia muito
deserta. Era um meio dele não ser
descoberto pelos órgãos da repressão. (F.
COSTA, 2013).

- 118 -
Mesmo levando em consideração tais medidas de
segurança, a partir de 1973 a Ditadura Militar, através do
Departamento de Operações de Informação – Centro de
Operações de Defesa Interna, DOI-CODI, iniciou uma
perseguição ao PCR visando destruir o Partido. Em
Alagoas, vários militantes do Partido foram presos, entre
eles todas as suas lideranças estudantis. Os principais
dirigentes do Partido, incluindo Manoel Lisboa e
Emmanuel Bezerra foram sequestrados e assassinados.
Dessa forma, durante a Ditadura Militar, o PCR não mais se
organizou em Alagoas.

3.2 Ações armada do PCR

Conforme já apresentado, entre outras questões, a


luta armada foi o ponto central para a ruptura com o PC do
B do grupo de militantes que fundou o PCR. O PCR havia
estabelecido como tarefa na Carta de 12 Pontos aos
Comunistas Revolucionários e no seu Programa, a
organização de uma guerrilha popular a partir do Nordeste,
visando derrotar a Ditadura e abrir caminho para uma
revolução nacional-democrática.
Apesar da defesa da luta armada como único
caminho possível para derrotar a Ditadura, o PCR não
apresentou em sua trajetória um caráter militarista, ou seja,
um partido com característica exclusivamente militar, ou
que priorizava as ações armadas em detrimento da atuação
no movimento de massas.

- 119 -
Valmir Costa explica a compreensão militar do
PCR:

O PCR era claramente contra o terrorismo.


Inclusive, tem um trabalho meu, que a
Polícia Federal apreendeu, e me
parabenizou, na ironia, me mostrando e
perguntando se era meu. Confirmei que
sim. O trabalho dizia que Lenin e todos os
grandes teóricos do marxismo não
apoiavam o terrorismo pelo terrorismo,
que só se justificava, como fazia Mao Tse
Tung — que foi um teórico e um grande
líder —, numa guerra plena. Então, o EUA
invade o Vietnam, e lá ele não pode
reclamar do terrorismo. Talvez ali haja
uma necessidade de terrorismo. Fora disso,
numa guerra aberta, com um exército
poderoso, não é producente a autorização
dessa conduta. Então, eu defendi isso e é
uma pena que eu não tenha mais esse
trabalho. Eles deram os parabéns e tive a
vontade de mandar eles colocarem
naquele... devido lugar. (V. COSTA, 2013)

A expressão terrorismo é carregada de significado


político e foi bastante utilizada pela Ditadura Militar para
descredibilizar as organizações políticas que adotaram a
tática da Luta Armada como forma de combate aos militares
no poder. A julgar pelo entendimento de Valmir Costa
apresentado na citação acima, o PCR compreendia o
terrorismo como ações armadas de grande impacto, mas
isolada ou sem apoio popular. Isso justifica a preocupação
de Valmir Costa em se desvencilhar de qualquer
possibilidade do PCR ser acusado de praticar terrorismo,
mas também revela o peso que a expressão significava no

- 120 -
período em que se desenvolveu a luta armada.
Essa concepção política da luta armada é
importante, pois a Ditadura Militar tentou acusar o PCR
pelo atentado no Aeroporto dos Guararapes, em Recife, no
dia 25 de Julho de 1966. O objetivo seria atingir o general
Costa e Silva que chegaria à capital pernambucana para um
evento no prédio da SUDENE121. Ricardo Zarattini e
Ednaldo Miranda, esse do PCBR, foram presos em 10 de
dezembro de 1968 sob essa acusação. O Jornal do
Comércio de Pernambuco produziu uma matéria
investigativa em 1995 que indicava a inocência de ambos,
tese que foi reafirmada pela Comissão da Verdade de
Pernambuco122.
Então, conforme apontado nos seus documentos
programáticos, o PCR tomou a iniciativa de organizar uma
guerrilha urbana a partir da Zona Canavieira de
Pernambuco. A constituição de uma guerrilha não se
efetivou por completo, porém o partido iniciou a sua
preparação. Sob o comando de Amaro Luiz de Carvalho, o
PCR montou um aparelho no campo para treinamento
militar e a organização de ações políticas, chamado Sítio
Borboleta, na cidade de Palmares – PE. Nesse local foram
ministrados cursos de tiro com camponeses, bem como
partiram dali ações de sabotagem contra os usineiros como

121
Superintendência do desenvolvimento do Nordeste ( SUDENE),
criada em 1959 com o objetivo de promover o crescimento industrial
do Nordeste brasileiro e diminuir a disparidade econômica em relação
ao centro-sul do país.
122
Disponível em: <
http://www.unicap.br/webjornalismo/estilhacosdaverdade/site/?p=88>
acesso em: 30 mar. 2017.

- 121 -
a queima de canaviais123.

Então, em 1969, quando o companheiro


Amaro Luiz de Carvalho foi preso, em
Palmares, que era uma das bases
importantes do trabalho do PCR, era a
capital da Zona Canavieira, havia quatro
usinas nessa cidade, e o partido tinha um
aparelho no campo, chamado Sítio
Borboleta, dentro do Engenho
Constituinte. Então arrendou, a gente não
chegou a comprar, arrendou esse terreno,
um sítio, do tamanho de uma família poder
sobreviver com ele, com o seu plantio, e ali
instalou o aparelho do partido para ser uma
base de operação do partido nessa área.
(CAJÁ, 2013).

Porém, para levar a cabo a tarefa de organização de


uma guerrilha popular nos moldes que havia estabelecido,
o PCR necessitava desenvolver ações que oferecessem ao
partido capilaridade social através da realização de greves
entre os camponeses, uma intervenção significativa no
movimento estudantil universitário e a atuação entre os
operários das principais fábricas das cidades.
Del Roio explica o estágio embrionário da guerrilha
e a realização de greves entre os camponeses:

A preparação para a guerrilha foi limitada.


Apenas houve a participação de alguns

123
Essa informação consta na breve biografia de Amaro Luiz de
Carvalho, produzida pela Comissão Especial sobre Mortos e
Desaparecidos Políticos. Disponível em:
<http://cemdp.sdh.gov.br/modules/desaparecidos/acervo/ficha/cid/183
>. Acesso em: 30 mar. 2017.

- 122 -
camponeses em treinamento de tiro.
Maiores resultados foram obtidos em
1967/1968 com greves por reinvindicações
salariais. Um movimento pelo pagamento
de diárias teve sua origem na Usina Tiuma
e se espalhou rapidamente pelo norte do
estado de Pernambuco. Algum tempo
depois se repetiu a façanha com muito
mais força no sul do estado, onde era maior
o número de assalariados. Desta feita, os
objetivos foram os engenhos e as grandes
usinas de Palmares, Água Preta e
Barreiros. Foi uma ação de valor, pois
representou as primeiras greves
consistentes debaixo da ditadura e
antecederam aquelas operárias de Osasco
no Estado de São Paulo e Contagem em
Minas Gerais. (DEL ROIO, 2006, p.68)

Para dificultar a ação da repressão e escapar da


perseguição por parte dos usineiros, os militantes do PCR
que mantinham contato com os camponeses passavam por
um processo de adaptação às condições de vida e de
trabalho no campo,
Como explica Edval Cajá:

Então o companheiro da cidade que ia se


entrosar com o campo precisa se mimetizar
com o homem do campo, viver na palha da
cana, trabalhar na cana, cultivar a cana, e
ter as mãos calejadas, superar aquelas
mãozinhas finas. E o corte da cana, o pelo
que ela tem, dá uma característica
essencial para definir quem é um homem
da cana e quem é um homem urbano.
Então, os companheiros passavam por esse
processo, para poder se adaptar melhor,
para poder falar numa assembleia de usina

- 123 -
ou dos engenhos, que eram muitos, nas
preparações das campanhas salariais, e não
ser tão identificado muito rapidamente,
porque senão eliminavam muito
facilmente, como Jeremias, como foi o
caso do Jeremias. O Jeremias era um
estudante aqui de São Paulo, do PORT,
Partido Operário Revolucionário
Trotskista, e construiu o PORT, já tinha
outras pessoas ligadas a ele lá, e foi se
dedicar a esse trabalho no campo. E lá, em
pouco tempo, ele foi identificado e
trucidado, ainda em 1963, antes do golpe
militar, ainda no Governo de Arraes, no
engenho de Itambé, uma cidade divisória
com a Paraíba. (CAJA, 2013)

Valmir Costa, responsável pelo trabalho de


mobilização estudantil do PCR, relata a realização de
greves estudantis organizadas sob a direção e influência do
Partido em Pernambuco:

Fui escolhido presidente do Diretório, e


liderei, junto com outros companheiros,
uma greve que durou 34 dias,
reivindicando o acesso gratuito ao
restaurante, porque já começava a política
da ditadura de privatizar, política que hoje
continua. Fizemos uma greve quando era
um pecado capital falar em fazer greve, e
nós fizemos, com uma reivindicação
puramente estudantil, por restaurante
gratuito em uma Universidade em que a
maioria dos estudantes eram pobres do
interior. Era uma causa justa. O governo
tentou reprimir, tentou acabar com a greve,
mas não conseguiu. Ela revê adesão
unânime em toda a Universidade Rural,
inclusive se espraiando para todas as

- 124 -
universidades de Pernambuco, provocando
uma Greve Geral de 48 horas, de
solidariedade. (V. COSTA, 2013)

Em Maceió, onde o Partido tinha menos militantes


em relação a Recife, não há registros que o PCR houvesse
realizado alguma ação de caráter militar. As ações
limitaram-se à atuação nas escolas, universidades, bairros e
fábricas.

Então nós desenvolvemos um trabalho sob


a orientação do PCR, mas era um trabalho
todo voltado para o movimento estudantil.
Além desse trabalho no movimento
estudantil, o que nós fizemos, e fazíamos
muito, era panfletagem nos bairros de
Maceió. Nunca tivemos nenhuma ação
armada. Sempre nessa base, da politização.
Outra coisa importante: o Emmanuel ia na
frente. Nunca ficou lá atrás mandando os
outros. O que fosse, pichação, ele sempre
ia na frente. (J. COSTA, 2014)

Regis Cavalcante confirma a existência de uma


escola de treinamento militar em Pernambuco e o
depoimento de Jefferson Costa sobre a não realização de
ações militares em Maceió:

Quanto à luta armada, é bom frisar que


esse recurso nunca foi praticado por nós.
Nunca sequer fomos convidados a
participar de alguma atividade armada,
com esse nível de confronto. Nossas ações
eram circunscritas à propaganda de rua, à
denúncia do sistema e à formação de novos
quadros, embora tivéssemos conhecimento

- 125 -
da existência de uma escola de formação
para guerrilha, em Pernambuco, onde
ocorria aprendizagem sobre atividade
armada; mas tudo era incipiente no PCR
(CAVALCANTE, 2014, p. 25)

José Emilson, que iniciou sua atividade política na


Paraíba, passando pelo PCBR e pela ALN, ingressando no
PCR posteriormente, relata que o Partido chegou a
desenvolver um trabalho de agitação política e
recrutamento em 16 fábricas em Pernambuco. Num período
de total repressão militar, constituía-se num grande feito
para um partido que estava na clandestinidade.

As pessoas trabalhavam uns meses numa


fábrica e eram dispensadas. Mas quando
esse operário ia para outra fábrica eu ia
atrás e lá montava uma célula. E assim
começamos um trabalho e chegamos a ter
uma penetração em 16 fábricas e, em
várias fábricas alcançamos as
reinvidicações. (EMILSON, 2012)

O método de trabalho do PCR no movimento


sindical urbano tinha a mesma característica do método
adotado no campo. Tratava-se de se aproximar ao máximo
do modo de vida dos operários, aprender sua linguagem e
sob essa perspectiva se produziam os jornais do Partido.

Os nossos panfletos eram escritos com as


gírias do operário, com as palavras que eles
utilizavam no dia a dia. Criamos um
jornalzinho e distribuíamos. E nesse jornal
a gente discutia porque a gente encontrava
muito operário revoltado, mas não sabia o

- 126 -
que fazer e nós orientávamos. (EMILSON,
2012)

Reproduzimos aqui um dos artigos do Jornal Luta


Operária, órgão do PCR para o movimento sindical, onde
as denúncias dos problemas dos operários são apresentadas
numa aproximação com a linguagem dos trabalhadores:

Fábrica ABC – Um dos diretores telefonou


para a clínica de Boa Viagem, avisando
para que os médicos não atestem dia de
licença para os companheiros dessa
fábrica, dizendo que o que elas tem é
preguiça de trabalhar. Enquanto isto, outro
chefe disse que detesta quando uma
companheira fica doente e exige que elas
voltem da enfermaria para trabalhar,
mesmo quando as companheiras ainda não
estão em condições de assumir o trabalho.
Desta maneira os capitalistas fazem tudo
para não perder o menor espaço de tempo
de trabalho das companheiras, mesmo
quando elas tem necessidade de se afastar
do trabalho por motivos de doença que
arranjaram dentro do próprio trabalho que
executam sem as devidas condições.
Enquanto as operárias dessa fábrica
estiverem desorganizados, continuarão
sendo explorados sem limites e sendo
humilhadas e roubadas até no que a própria
burguesia diz através da lei, que os
operários têm direito. SÓ A UNIÃO É
QUEM NOS DÁ FORÇA PARA EXIGIR
O QUE PRECISAMOS E O QUE
QUEREMOS. (LUTA OPERÁRIA, 1973)

Na realidade, o trabalho no movimento de massas e


de organização política de qualquer partido de esquerda

- 127 -
existente naquele período carecia de algum grau de trabalho
militar, mesmo que o objetivo central das ações não fosse
militar, mas uma panfletagem ou até mesmo a cobertura de
um ponto para transmissão de instruções políticas.
Geralmente, os militantes participavam armados de
situações assim ou com a cobertura armada feita por outros
militantes. José Nivaldo Júnior, que nunca foi militante do
PCR – era apenas um aliado – relata sua entrada na luta
armada:

A resistência armada começou para mim.


Vou dar o meu depoimento quando foi que
eu peguei em armas contra a ditadura?
Peguei em armas contra a ditadura no dia
que quis fazer uma panfletagem contra a
visita de Rockfeller ou alguma coisa assim,
ou fazer um discurso contra o Ato
Institucional 5. Isso era uma ação armada
porque você corria risco de morte.
Distribuir um panfleto, fazer um discurso
em porta de fábrica, dizer aos operários
que eles estavam sendo oprimidos pelo
regime era um ato de luta armada, porque
se não fôssemos armados podíamos ser
mortos ou presos, e tínhamos o direito de
resistir. (NIVALDO JUNIOR, 2013)

O PCR então desenvolveu um método de


panfletagem que era realizado através de pequenas bombas,
que ao explodir lançavam centenas de panfletos em locais
de grande aglomeração de pessoas.

(...) Então, nós desenvolvemos um outro


sistema, de bombas de panfleto, que eram
explodidas na porta das fábricas. Eram

- 128 -
bombas que explodiam sem ferir ninguém.
Era toda fabricada por nós, colocada uma
bomba, o estopim de fora, quando o
estopim explodia todo mundo ouvia e para
isso nós colocávamos...tem que ser
criativo... o sentinela, aquela para
muriçoca, quem não fumava, naquele dia
tinha que fumar e eu levava o pessoa para
dentro da mata do Curado para treinar o
tanto que levava, tantos milimetros de... e
a gente ficava na porta da fábrica, um
operário dessa fábrica ia para outra fábrica,
ficava no meio do povo lá, aquele
pacotezinho ali, quando chegava a hora
que ele achava que ia tocar a sirene, ele
pegava o cigarro e acendia o boa noite. E
quando o boa noite tava queimando, se
aproximando do estopim, ele entrava,
atravessava a rua, se misturava noutro
bocado de operários e o pacote estava lá.
Quando estourava subia aquele tanto,
descia um cogumelo de 200 panfletos e os
operários entravam com os panfletos
legalmente na fábrica, gritando
efusivamente.
Esse mesmo sistema foi utilizado próximo
as eleições de 70 e pouco defendendo o
voto nulo. Explodiram no Recife 16
bombas de panfletos em locais estratégicos
denunciando “o partido do Sim e o partido
do Sim senhor” (EMILSON, 2012)

José Emilson ao se referir ao Partido do Sim e ao


Partido do Sim Senhor, está tratando respectivamente da
Aliança Renovadora Nacional (ARENA), e do Movimento
Democrático Brasileiro (MDB). A ARENA foi fundada em
1965 com o objetivo de sustentar politicamente a Ditadura
Militar. Já o MDB foi fundado em 1965, sendo, portanto, o
que poderia ser considerada uma oposição consentida.

- 129 -
Edval Cajá em depoimento à Comissão da Verdade
da Assembleia Legislativa de São Paulo explica como eram
produzidas as bombas de panfleto:

Então, descobrimos uma forma, um


panfleto, porque se ficasse entregando já
estava preso, mesmo o grupo armado que
a gente fazia, a gente viu que estava dando,
os caras estavam chegando rápido, com
muita rapidez. Então, descobrimos essa
tecnologia. Fazia uma bomba. Pegava uma
lata de leite Ninho, pegava sacos de papel
do "Bom Preço", que era papel, não
plástico como é hoje, e fazia uma cruz,
depois de colar eles um no outro, e fazia
uma cruz de papel, com a lata de leite
Ninho aqui, depois puxava a lata e ficava o
formato, botava no fundo dela um
compensado de madeira, para servir de
fundo, uma camada de pólvora, criava um
pavio no canto, com aquele alumínio de
pasta dental, botava o pavio para não
queimar o papel antes do tempo, e enchia
de panfleto dobradinho. Cabia uns 200 a
250 panfletos em cada lata dessas. Lembro
que soltei a minha na Conde da Boa Vista,
onde tinha o Itaú e o Bradesco, com a Sete
de Setembro, e ali foi facílimo. Foi uma
alegria muito grande para a gente, porque
a gente se poupou, o risco ficou menor.
Então, estavam aquelas 60, 80 pessoas
esperando os ônibus, nós sentávamos ali
naquela calçada, com aquela sacolinhas de
plástico do Bom Preço, acendia um
cigarro, pronto. Quem não fumava, nesse
dia era obrigado a fumar. Acendia um
cigarro. E como quem estava descansando,
colava ali no pavio, que tinha um fósforo,
e quando acendia você saia para o outro
lado da rua para apreciar, como dizia a

- 130 -
música de Chico Buarque, apreciar o
vendaval do outro lado, porque às vezes o
pavio não ia até o final, não alcançava a
pólvora e você tinha de ir buscar para não
perder a sacola. O nosso medo era que
alguém pegasse, então a gente ficava
vigiando um pouco a certa distância. E aí
era um sucesso. Lembro que quando eu
soltei a primeira, bum! Primeiro, chamou a
atenção de todo mundo. Segundo, a chuva
de panfletos. Todo mundo vai querer pegar
aquela mensagem que, por uma bomba,
vinha derramando lá de cima. E com isso
eles ficaram loucos. Foi aí que eles
disseram: "que partidinho de merda é esse,
só tem no nordeste e está querendo
desmoralizar, assaltando quartel? Vamos
resolver esse problema". Então, Fleury se
deslocou e fizeram essa ação aí. (CAJÁ,
2013)

Dessa maneira o PCR realizou várias panfletagens


nas portas de fábrica, em bairros pobres, denunciando a
situação de pobreza, exploração e os crimes promovidos
pela Ditadura Militar:

Teve, no mesmo período atrás, uma


panfletagem, o Médici tinha passado lá e o
partido tinha feito uma panfletagem muito
ofensiva. O Médici, o General Médici,
Presidente da República, tinha feito lá, ia
inaugurar uma obra em Recife, e aí o
partido preparou um panfleto, e foi um
panfleto, o primeiro que tive uma ação
mais além do que um militante de base
tinha. Então, nós fizemos várias ações
importantes com esse panfleto. Chamava
"Um Carrasco Pisou os Céus de Olinda".
Era até romântico o título do nosso

- 131 -
panfleto. "Um Carrasco Pisou os Céus de
Olinda e Recife". Era um panfleto, uma
folha ofício dobrada em quatro páginas, e
vinha descrevendo os horrores que a gente
chamava Garrastazu, "Carrascazu"
Médici. O partido sempre dizia o
"Carrascazu" Médici. Aí esse panfleto foi
largamente, em Alagoas, Pernambuco, Rio
Grande do Norte, Recife, nas fábricas, em
escolas, e como estavam nos perseguindo
muito, a gente descobriu uma tecnologia
diferente, que foi o panfleto bomba. Então,
descobrimos uma forma, um panfleto,
porque se ficasse entregando já estava
preso, mesmo o grupo armado que a gente
fazia, a gente viu que estava dando, os
caras estavam chegando rápido, com muita
rapidez. (CAJÁ, 2013).

Todavia a principal ação militar do PCR, talvez a


mais significativa no Nordeste, foi o assalto ao Posto Alto
Coruja, localizado na divisão de suplemento do Parque da
Aeronáutica de Recife, no dia 20 de março de 1973, onde
sob o comando militar de Manoel Lisboa, um destacamento
do PCR rendeu os soldados da aeronáutica e levou um fusca
cheio de armas e munições. Participaram diretamente desta
ação além de Manoel Lisboa de Moura, José Emilson
Ribeiro da Silva, Juáres José Gomes, Moises Domingos
Sobrinho e José Nivaldo Júnior124.
José Nivaldo Júnior, que era um aliado do PCR, foi
o motorista improvisado dessa operação militar. Quem
deveria ser o motorista era Juáres José Gomes, mas ele se

124
Informações presentes na denúncia do MP e anexadas ao prontuário
18.815, referente à prisão de José Emilson Ribeiro da Silva, militante
do PCR, parte do processo 117/73.

- 132 -
envolveu num acidente pouco antes da operação, então
Manoel Lisboa entrou em contato com o aliado José
Nivaldo, codinome Alfinete, que relata como foi convocado
para a ação:

Houve um acidente, e o acidente levou


Juáres ao hospital. Ele conseguiu, apesar
de gravemente ferido, abalroou com um
ônibus em alta velocidade, numa via
preferencial, ele atravessou o sinal no
caminho para a ação e foi atropelado por
um ônibus. Gravemente ferido, conseguiu
limpar o carro, deixou o carro em
condições, e aí Manoel Lisboa foi à minha
casa e me colocou a seguinte situação:
"companheiro, está acontecendo isso, os
companheiros estão na rua, é uma ação que
envolve outras pessoas, têm várias pessoas
na rua cumprindo as suas tarefas, e o carro,
que é o elemento fundamental para
transportar armas, aconteceu isso. Nós
temos o carro, não temos quem dirija. Quer
dizer, alguém legal, em condições de
chegar ao local. A escolha é sua". A
escolha vocês já sabem qual foi, não vou
demorar contando. Fui, fizemos a ação,
muito bem-sucedida. (NIVALDO
JUNIOR, 2013).

O êxito da ação do PCR no assalto ao quartel da


aeronáutica passou pelo planejamento minucioso da
operação. Os militantes do Partido conseguiram
fardamentos da aeronáutica, inclusive idênticos aos dos
oficiais, o que facilitou o acesso ao Posto de suplementos.
Chegando lá, renderam os soldados e concluíram a ação
sem disparar nenhum tiro.

- 133 -
Foi de uma simplicidade tão grande, que o
último mais recente assalto a um quartel
militar americano no Afeganistão bem
sucedido foi feito usando exatamente a
mesma estratégia que Manoel Lisboa
concebeu para invadir a base da
Aeronáutica. Exatamente. Fardas
militares, carros que não chamassem a
atenção, pessoas que circulassem com
naturalidade e a surpresa, o elemento
surpresa. Com o elemento surpresa,
oficiais do exército entrando numa base
aérea, os guardas não sabiam o que fazer,
se batiam continência, se apresentavam
arma ou se exigiam documento, e na hora
da troca da guarda, exatamente na hora da
troca da guarda, onde os que estão saindo
estão morrendo de sono e os que estão
chegando também estão morrendo de
sono. Quer dizer, naquele momento em
que há um descuido geral. Estudado, eles
entraram, dominaram a guarda,
aprisionaram a guarda e expropriaram os
armamentos. (NIVALDO JUNIOR, 2013)

Após esta ação, a Ditadura aumentou o cerco contra


o PCR. Sérgio Paranhos Fleury, delegado do Departamento
de Ordem Política e Social – DOPS, de São Paulo foi
destacado para comandar a prisão, tortura e assassinato dos
principais militantes do PCR. O objetivo era encerrar por
completo a atuação do Partido. O ano de 1973 marca,
portanto, a fase de maior perseguição ao PCR.

3.3 A Ditadura Militar persegue o PCR

Desde sua fundação o PCR sempre foi um partido


muito perseguido pela Ditadura Militar. Além das

- 134 -
perseguições a Manoel Lisboa em Alagoas, motivo pelo
qual teve que ir morar em Recife, assumindo uma vida
clandestina, Ricardo Zarattini e Amaro Luiz de Carvalho
sofreram fortemente com as prisões e torturas, ainda na fase
inicial do partido, sendo Amaro assassinado em 1971.
Em 10 de dezembro de 1968, conforme relata Del
125
Roio , Ricardo Zarattini retornava de mais um dia de
reuniões com camponeses, quando decidiu descansar na
casa do amigo Ednaldo Miranda, engenheiro elétrico e
militante do PCBR. A polícia invadiu a casa de Ednaldo e
prendeu os dois. O objetivo da prisão era encontrar Manoel
Lisboa e Amaro Luiz de Carvalho, que junto com Zarattini
desenvolviam um trabalho de organização política entre os
camponeses da Zona Canavieira de Pernambuco.
Há um tempo, a polícia estava no encalço de
Zarattini, tinha prendido o camponês Severino Arruda, que
diante da morte, passou algumas informações que
facilitaram o trabalho policial126. Depois de seguidos dias
de tortura, o delegado Moacir Sales desenvolveu a tese de
que Zarattini e Ednaldo eram responsáveis pelo atentado no
Aeroporto dos Guararapes, em Recife, no dia 25 de Julho
de 1966. A argumentação da acusação se baseava no fato
que ambos eram engenheiros.

Depois de alguns dias de prisão no Quartel


Dias Cardoso, o delegado Moacir Sales,
fascista e desequilibrado, elaborou uma
teoria. Se Zarattini e Ednaldo eram
engenheiros, deviam entender tudo de

125
DEL ROIO, 2006, p. 73-74.
126
DEL ROIO, 2006, p. 79.

- 135 -
explosivos, atuavam no Nordeste, logo,
eram os responsáveis pelo atentando ao
Aeroporto dos Guararapes. Era uma
mentira deslavada, mas causaria grandes
transtornos a eles, que arrastaram esta
acusação por muito tempo, embora nunca
tenha existindo o mínimo indício de que
tivessem alguma ligação com aquele
fato127.

Em janeiro de 1969, alguns militantes da Vanguarda


Popular Revolucionária – VPR128 foram presos em
Itaperica da Serra – SP; um deles Hermes Batista Camargo
passou a colaborar com a polícia e entre as pessoas que dizia
conhecer, estava Zarattini.
Essa prisão aconteceu antes de uma ação de
expropriação de armas, realizada pela VPR, sob o comando
de Lamarca, no dia 24 de janeiro de 1969. Quando essa
situação chegou a Recife, Zarattini voltou a ser torturado,
agora para dar conta do funcionamento da VPR129.
Diante desta situação Zarattini decide fugir da
prisão. As condições para a sua fuga passa por um fato
curioso: o quartel onde estava preso precisou passar por
algumas reformas, para diminuir os gastos e o exército
decidiu utilizar o serviço do próprio Zarattini, que era
engenheiro. Zarattini preparou o serviço e, dessa maneira,
tinha o mapa do quartel na cabeça.

127
DEL ROIO, 2006, p.75.
128
A VPR era uma organização política fundada por intelectuais
marxistas e militantes nacionalistas. Carlos Lamarca foi um dos seus
principais dirigentes.
129
DEL ROIO, 2006, P.80

- 136 -
Del Roio descreve sua fuga:

No quartel havia uma parte não murada,


onde corria uma cerca de arame farpado,
que se adentrava num pântano. Não era
coberto pela área de visão das guaritas.
Pela manhã do dia 09 de abril de 1969,
arrastou-se por debaixo do arame farpado
e mergulhou no aguaceiro, vestido apenas
com um calção. Levava sobre a cabeça um
embrulho com camisa, calça, alpargatas e
um pouco de dinheiro. Era tudo que
possuía para enfrentar a nova situação. A
primeira parte da fuga correu bem.
Contava ter algumas horas de vantagem
antes que fosse dado o alerta do seu
desaparecimento. Vestiu suas poucas
roupas, conseguiu um taxi e foi até o bairro
da Torre, onde pretendia ir até a casa de
Ciano, sobrinho de Miguel Arraes, que
havia colaborado com ele. Ao descer do
táxi deparou com um tenente do quartel
que arregalando os olhos exclama: “Zara,
o que você faz aqui?” O coração do
fugitivo quase saiu pela boca. Era azar
demais. Nervoso, colocou a mão debaixo
da camisa, simulando possuir uma arma e
respondeu: “Não tenho nada contra o
senhor, mas é melhor que desapareça
rapidamente e não conte nada a ninguém”.
E assim sucedeu130.

Após a fuga, por intermédio do arquiteto Frank


Svenson e Dom Hélder Câmara, Zarattini conseguiu abrigo
no Colégio das Dorotéias, um convento da Igreja Católica.
Restabeleceu contato com Manoel Lisboa e juntos

130
DEL ROIO, 2006, P.82

- 137 -
decidiram pela impossibilidade de permanecer em
Pernambuco. Zarattini deveria ir para São Paulo, onde seria
recepcionado por Joaquim Câmara Ferreira, da Aliança
Libertadora Nacional - ALN131.
Manoel Lisboa então ficou responsável por garantir
documentos falsos para Zarattini. O PCR tinha uma
pequena gráfica clandestina que contava com mimeógrafos
e máquinas de escrever. A administração da gráfica era do
alagoano de Porto de Pedras, Bartolomeu Mendes, que
tinha como tarefa imprimir os documentos do Partido e
produzir documentos “frios” 132.
Com os documentos em mãos, Manoel Lisboa
viabilizou a partida de Zarattini, que saiu de Recife para São
Paulo em maio de 1969. Chegando lá, Zarattini estabelece
contato com Carlos Marighella, que o aconselhou a sair do
país. Porém, Zarattini recusou a proposta e decidiu ficar no
Brasil para seguir combatendo a Ditadura. Então,
Marighella sugeriu o seu ingresso na ALN e apresentou a

131
A Aliança Libertadora Nacional (ALN), fundada em 1967, após a
participação de Carlos Marighella na Organização Latino-Americana
de Solidariedade em Havana - OLAS, que marcou a ruptura de
Marighella com o PCB. Marighella considerava a linha política do PCB
reformista e pacifista, aproximou-se da concepção desenvolvida pelos
cubanos e decidiu criar uma organização política revolucionária para
desenvolver a luta armada contra a Ditadura.
132
Bartolomeu Mendes foi preso em 24 de agosto de 1973. Antes de
ingressar no PCR havia militado no PC do B. Era funcionário da VASP.
Foi recrutado por Manoel Lisboa e tinha exclusivamente a tarefa de
impressão dos materiais do Partido. Essas informações contam no
prontuário da Secretaria de Segurança Pública de Pernambuco 19.907,
referente à sua prisão. Segundo José Nivaldo Júnior, em depoimento à
Comissão da Verdade da Assembleia Legislativa de São Paulo, no dia
06 de setembro de 2013.

- 138 -
proposta de organização de uma guerrilha rural no norte de
Goiás. Ricardo Zarattini, que tinha bastante experiência
com o trabalho camponês, aceitou a proposta e passou a
estabelecer contato com Jeová de Assis Gomes, um dos
responsáveis pela tarefa de construção da guerrilha em
Goiás133.
Zarattini sequer chegou a Goiás. Na ânsia de ajudar
a nova organização política, decidiu estabelecer contato
com amigos e conhecidos para abrigar militantes que
chegavam de um curso de treinamento militar em Cuba.
Como mancava de uma perna, resultado de uma
esteomielite, foi rapidamente identificado pela polícia da
Operação Bandeirantes (OBAN)134, que cercou a loja de
um dos contatos que havia se disposto a ajudar Zarattini e
efetuou sua nova prisão no dia 26 de Julho de 1969135.
No dia 04 de setembro de 1969 aconteceu o famoso
sequestro do embaixador estadunidense Charles Burke
Elbrick. A ação foi planejada por um grupo de estudantes
que militava no PCB, mas que tinham divergências com a
direção do Partido. Devido a isso, fundaram um
agrupamento chamado Dissidência. Entre os principais
nomes da Dissidência estavam Daniel Aarão do Reis Filho,
Franklin de Souza Martins e Claudio Torres da Silva.
Decididos a realizar o sequestro, entraram em contato com
a ALN para realizar a operação e mudaram o nome do

133
DEL ROIO, 2006, P.99.
134
A Operação Bandeirantes nasceu em 29 de junho de 1969. Reunia
soldados do exército, da marinha e da aeronáutica, além de membros
especializados da Polícia Militar.
135
DEL ROIO, 2006, p.101.

- 139 -
agrupamento para Movimento Revolucionário 08 de
Outubro (MR8), para confundir a polícia e fazer referência
a um grupo de revolucionários que tinham sido mortos em
Niterói. No dia 07 de setembro de 1969, o embaixador
estadunidense foi trocado por uma lista de 15 presos
políticos, entre eles Ricardo Zarattini.
O avião Hercules 56 que levava os 15 presos
políticos tinha destino para a cidade do México. Após a
recepção em terras mexicanas, os presos políticos tomaram
rumos diferentes. Zarattini passou 21 meses em Cuba, em
seguida Coreia do Norte e diversos países da Europa, onde
procurou estabelecer contato com outros exilados da ALN,
até que em 1971 se estabeleceu no Chile136.
Na medida em que estabelecia contato com exilados
da ALN, Ricardo Zarattini organizava um agrupamento
chamado Tendência Leninista, cujo objetivo era combater o
militarismo que tinha tomado conta de diversas
organizações políticas que surgiram durante a Ditadura,
principalmente da ALN, e promover uma reorganização
política a partir de uma atuação no movimento de massas.
Essa informação é muito importante, pois o PCR ao receber
informações da presença de Ricardo Zarattini no Chile
iniciou um movimento de reaproximação e de tentativa de
unificação. Foi exatamente retornando de uma dessas
tratativas que Emmanuel Bezerra dos Santos, também
encarregado da direção do PCR pelos contatos
internacionais, foi preso, no dia 16 de agosto de 1973.

136
DEL ROIO, 2006, p.153 – 155.

- 140 -
O Emmanuel era um estudante de Natal, e
quando nós estávamos no Chile, eu me
lembro bem, nós conseguimos fazer um
contato com ele. E ele teve o encontro, não
comigo, mas com um outro companheiro
nosso Dario Canale, que infelizmente
morreu, mas o Dario esteve com ele, houve
uma dificuldade, por nós tínhamos
mudado algumas ideias, principalmente...
praticamente uma: a ideia de que nós
tinhamos que começar a Revolução, a
Guerra de Guerrilhas como eu falo, pela
zona canavieira do Nordeste, e deveríamos
ter um partido regional.
(...)Esse companheiro teve contato com o
Manoel e não chegamos a nenhum acordo.
Pelo que depois eu soube, porque ai nós
entramos pro Brasil clandestinamente, no
ano de 74, e aí por volta de 75/76 entramos
em contato, também, com o PCR, do qual
eu já estava afastado, em função dessa
divergência. (ZARATTINI, 2013)

Zarattini havia iniciado um processo de revisão da


luta armada. Diante do recrudescimento da Ditadura, das
prisões e assassinatos de centenas de militantes. Essa
posição era incompatível com a proposta do PCR, por isso
esse reencontro entre Ricardo Zarattini, agora na chamada
Tendência Leninista e o PCR não se efetivou numa aliança
ou unificação.
Assim como Ricardo Zarattini, Amaro Luiz de
Carvalho sofreu com a perseguição promovida pela
Ditadura Militar. Sua última prisão aconteceu na cidade de

- 141 -
Palmares – PE, no dia 22 de novembro de 1969137, sob a
acusação de subversão, agitação no campo e incêndios de
canaviais.
Amaro foi julgado no dia 29 de outubro de 1970,
sendo condenado a dois anos de prisão, cumprindo pena na
Casa de Detenção de Recife. Todavia, faltando pouco
tempo para sua libertação, no dia 22 de agosto de 1971 foi
assassinado. A versão da Ditadura Militar conta que Amaro
havia sido envenenado, responsabilizando outros
companheiros de cela, que supostamente tinham
desavenças com Amaro, conforme relatório 2282 da
delegacia do 1º Distrito da Capital, encaminhando ao DOPS
de Recife.
Todavia, o relatório da Comissão Nacional da
Verdade (CNV), reforçando a tese apresentada pela
Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos Políticos
(CEMDP), contraria a versão da Ditadura Militar.

O laudo da Perícia Tanatoscópica e o laudo


da Análise Toxicológica, feitos nas
vísceras da vítima e nas duas garrafas de

137
Conforme o ofício 228 da Secção Administrativa do Departamento
de Ordem Social da Secretaria de Segurança (DOS) de Pernambuco,
datado de 02 de dezembro de 1969, o diretor do DOS, Moacir Sales de
Araújo, informa que Amaro Luiz de Carvalho fora preso no dia 22 de
novembro de 1969. Com ele foram encontradas as seguintes
publicações do PCR: Sobre o Movimento Estudantil, As Quatro
Contradições da Zona Canavieira de Pernambuco, Contribuição Inicial
para Teorizar Nossas Opiniões Sobre a Guerra Revolucionária no
Nordeste, Roteiro de Trabalho a Seguir, Normas Essenciais à Segurança
do Partido. Neste mesmo dia, além de Amaro, foram presos junto com
ele: Nurembergue Borja de Brito, estudante de engenharia no Rio
Grande do Norte e Maria das Dores Gomes da Silva.

- 142 -
refrigerantes que estavam no local onde o
corpo foi encontrado, constatou que
Amaro não ingeriu veneno. Além disso, de
acordo com a certidão de óbito, a morte foi
causada por “hemorragia pulmonar
decorrente de traumatismo do tórax por
instrumento contundente”. Esses
elementos permitiram a desconstrução da
falsa versão divulgada, de morte por
envenenamento. (COMISSÃO
NACIONAL DA VERDADE, 2014).

Seguindo a cadeia de comando a CNV aponta os


seguintes agentes do Estado como responsáveis pelo
assassinato de Amaro Luiz de Carvalho: Governador do
estado de Pernambuco, Nilo de Souza Coelho; Secretário
estadual de Segurança Pública de Pernambuco, Armando
Hermes Ribeiro Samico; Diretor do DOPS/PE, Ordolito
José Barros de Azevedo; Delegado do DOPS/PE, José
Oliveira Silvestre; Delegado do DOPS/PE, Redivaldo
Oliveira Acioly; Diretor da Casa de Detenção, coronel da
PM, Olinto Ferraz.
Outro militante do PCR que foi perseguido,
torturado e assassinado pela Ditadura Militar foi o
camponês Amaro Felix. Apenas em 2003 a CEMPDP
reconhece seu nome entre os mortos e desaparecidos
políticos da Ditadura Militar.
Amaro Felix era um importante dirigente camponês
do PCR, que atuava principalmente no Sindicato Rural de
Barreiros – PE. Segundo o relatório da CNV, Amaro foi
preso no dia 16 de abril de 1964, acusado de praticar
atividades subversivas em Pernambuco. Sua prisão foi
marcada pela invasão de sua residência, onde sua esposa

- 143 -
que estava gestante foi violentada a ponto de perder o filho
que carregava no ventre. Amaro foi liberado desta primeira
prisão apenas no dia 07 de maio de 1964.
Em 1966 o PCR havia decidido participar da eleição
do Sindicato Rural de Barreiros. Amaro encabeçaria a
chapa, todavia foi proibido de participar das eleições, sob a
alegação que estava fora do prazo estabelecido. Diante da
situação, Amaro inicia uma campanha para denunciar a
falta de democracia no Sindicato. Foi preso no dia 04 de
maio e liberado no dia 07 maio, sendo também demitido da
Usina Barreiros, o que revela o conluio entre a direção do
Sindicato, os usineiros e a Ditadura.
Novamente foi preso no dia 29 de novembro de
1969, no sítio Borboleta, aparelho138 do PCR no campo.
Solto em seguida, Amaro Felix foi preso pela última vez no
dia 20 de Janeiro de 1970, condenado a um ano de prisão
pela Lei de Segurança Nacional.
Após cumprir a sentença na Casa de Detenção de
Recife, de acordo com o relatório da CNV, Felix foi
sequestrado pela Ditadura entre 1971 e 1972 na região de
Rio Formoso. Há algumas versões para o seu
desaparecimento:

Uma versão para a morte e


desaparecimento de Amaro, baseada na
declaração de Elzir Amorim de Moraes,
em 19 de setembro de 2002, no Processo

138
Assim era chamada uma estrutura clandestina que dava suporte a
atuação das organizações políticas perseguidas durante a Ditadura
Militar. Era utilizada para treinamentos, esconder militantes, guardar
armas, realização de reuniões e etc.

- 144 -
da CEMDP, é de que teria sido vítima dos
funcionários da Usina Central de
Barreiros. Segundo o depoimento: Amaro
“foi barbaramente espancado e morto
segundo evidências da época, pelos
funcionários da Usina, os quais não
podendo serem (sic) identificados por
razões obvias. Adiantamos que suas
afirmativas de ser perseguido e ameaçado
de morte foram objetivadas”.
Por seu turno, declaração prestada por
Apolônio Monteiro de Araújo, em 07 de
agosto de 2002, incluída no requerimento
da família à CEMDP, confirmou as
ameaças de morte sofridas por Amaro, que
teria lhe revelado “antes de ser morto, que
estava sendo perseguido e ameaçado de
morte, acusado de exercer atividades
Subversivas”.
Pedro Bezerra da Silva, trabalhador rural
que esteve preso com a vítima, declarou ter
informações de que Amaro Felix foi visto
pela última vez em um jipe de placa
branca, deitado debaixo do banco, já
falecido, amarrado por correntes, sendo
escoltado por policiais.
Declaração de Elias, o filho mais velho de
Amaro, descreveu perseguições e ameaças
de morte sofrida por Amaro. Elias declarou
também ter sido preso e agredido por
policiais e por funcionários da Usina
Central de Barreiros. De acordo com ele, a
família ouviu relatos de que o corpo de
Amaro teria sido jogado dentro da caldeira
da usina ou no rio Una, na região de
Barreiros em Pernambuco. (COMISSÃO
NACIONAL DA VERDADE, 1972).

Amaro Felix foi declarado anistiado político post


mortem pela Comissão de Anistia, em julgamento realizado

- 145 -
no dia 21 de novembro de 2007, nos termos da Lei nº.
10.559/2002 (Requerimento 2003.01.19201, Portaria
publicada em 05 de janeiro de 2009).
Apesar da forte perseguição aos dirigentes do PCR
desde os primeiros passos do partido139, incluindo prisões,
torturas e assassinatos, o ano de 1973 marca o momento em
que aparelho repressor da Ditadura Militar jogou toda sua
energia na destruição do partido.
Para o aparelho repressor da Ditadura Militar, que já
havia conseguido praticamente destruir a ALN e outras
organizações políticas do Sul e Sudeste, restava exterminar
o PCR, que apesar da morte de dirigentes, continuava
desenvolvendo ações em Alagoas, Pernambuco, Rio
Grande do Norte e Paraíba.
Para a Ditadura, o estopim foi a ação de
expropriação de armas que o PCR organizou ao suplemento
do Parque da Aeronáutica de Recife, no dia 20 de março de
1973. A ofensiva contra o PCR reuniu o DOPS/SP,
comandado por Sérgio Paranhos Fleury, o DOI-CODI de
São Paulo e Pernambuco, além do comando do II Exército
e IV Exército.

Por que Fleury queria destruir o PCR?


Porque já estava destroçada grande parte
da esquerda armada, e o PCR, no Nordeste,

139
Em 23 de Janeiro de 1970 é expedido um mandato pelo Dr. Antônio
Carlos de Seixas Telles, auditor da 7ª Circunscrição Judiciária Militar,
contra Amaro Luiz de Carvalho (que já estava preso), Nuremberg Borja
de Brito (que foi preso junto com Amaro Luiz de Carvalho), Manoel
Aleixo da Silva, Amaro Felix, Ricardo Zarattini Filho, Valmir Costa,
Manoel Lisboa de Moura, Severino Antônio Barbosa. Todos esses
atuavam organizando camponeses na Zona Canavieira de Pernambuco.

- 146 -
não estava destroçado ainda. Eles
destroçaram uma parte, mas não
conseguiram aniquilar. Foi um grande feito
da gente, importante nas nossas vidas e do
qual me orgulho também. (V. COSTA,
2013)

Como indica o historiador José Alberto Saldanha de


Oliveira140, provavelmente essa ação de desmantelamento
do PCR começou na Paraíba, onde havia acontecido um
Ativo do Movimento Estudantil, reunião dos principais
militantes estudantis do PCR, que contou com a presença
de delegações de todos os estados onde o partido atuava.
Iniciada a Operação da Ditadura contra o PCR, as
prisões começaram a acontecer em vários estados. Em
Alagoas o primeiro a ser preso foi Fernando Costa no dia
28 de Julho de 1973. No momento da prisão, Fernando
conversava com uma amiga na Praça da Faculdade.
Segundo seu depoimento na Comissão da Verdade de
Alagoas, estava passando instruções para que ela indicasse
a ajuda do advogado José Costa para os pais de Fernando.
Não houve tempo, ambos foram presos.

Então na tarde do dia 28, na Praça Afrânio


Jorge, mais conhecida como Praça da
Faculdade, eu já sentindo o cerco
apertando, conversava com uma
companheira na hora que chegaram.
Coincidentemente eu estava orientando a
mesma para que no momento em que eu
fosse preso — sabia que não passava
daquela tarde —, que ela procurasse meu
pai e recomendasse a ele procurar o Zé

140
OLIVEIRA, 1994, p. 157.

- 147 -
Costa, que era um advogado de renome e
parente nosso, no sentindo de que ele
agisse para tentar, o mais rápido possível,
me localizar. Eu sabia que eles não iam me
tratar a pão-de-ló, não. A surpresa foi que,
além deles me prenderem, prenderam a
minha companheira também, que não tinha
participação praticamente nenhuma. (F.
COSTA, 20013).

Cada prisão era acompanhada de tortura, cujo


objetivo era obrigar os militantes a entregar informações
sobre a atuação de seus companheiros. Em Alagoas, os
presos políticos eram levados para as câmaras de tortura,
que ficavam instaladas nos galpões da Petrobrás,
localizados onde hoje é terreno da Universidade Federal de
Alagoas. Relata Fernando Costa:

Abriram um álbum com fotografias. Eu me


lembro de uma das figuras que eles
perguntaram muito se eu conhecia, era o
Ricardo Zarattini, irmão do Carlos Zara.
Eu, primeiro, não era medalhão do partido,
nem nunca tinha sabido que o Ricardo
Zarattini tinha pertencido ao PCR e,
depois, eu não tinha tido convivência.
Mostraram outras e mais outras fotos, e eu
percebi que aquele era o motivo para
iniciar as torturas. A essa altura,
evidentemente, que eram respostas nada
satisfatórias. O cidadão ser jogado no pau
de arara e ao mesmo tempo levando
choque elétrico. Utilizavam uma
maquininha, não sei se é pimentinha que
chamam, mas lá eu sabia que era chamada
de telefone de campanha, onde eles
acionavam aquela manivela e aplicam
choques. A corrente dá para imaginar,

- 148 -
ultrapassava essa normal de 220. Não
matava, certamente porque era uma
corrente alternada, não era contínua. Então
eu percebia que eles voltavam a manivela.
E nessas ocasiões, na maioria das vezes, eu
tinha a sensação de que, a cada minuto, eu
perdia os sentidos e recobrava. Resultado
da coisa: chega um momento que você não
tem forças mais para se manter ali, e, no
entanto é obrigado a se manter. Você perde
totalmente o controle das forças. Quando,
depois de certo tempo, eles tiravam do pau
de arara e me colocavam numa sala
molhada, onde continuava a sessão de
choques elétricos. A fora, também, a
pancadaria. Achando pouco, a partir daí,
também me colocavam sobre duas latas,
dessas latas de óleo de um litro e com as
bordas afiadas, em pé sobre as duas latas e
recebendo choques. Eu lembro que, em
uma das vezes, eu fui jogado, bati na
parede e caí no chão sem sentidos. Então
esse era o trato que eles davam. Isso no
primeiro dia. (F. COSTA, 20013).

No dia seguinte a prisão de Fernando Costa, seu


irmão e também militante do PCR, Jefferson Costa, foi
preso. Para ampliar a pressão, uma das características da
Ditadura Militar também era a tortura psicológica. Dessa
maneira, os pais de Fernando e Jefferson também foram
presos, assim como seu irmão mais novo, Giovani Costa,
além de Paulo, que era primo deles e se encontrava na
residência no momento da operação policial.

Eu peguei um ônibus, que eu morava no


Farol, e saltei na Praça Deodoro, e peguei
um táxi. Porque nós já desconfiávamos que

- 149 -
seríamos presos porque sabíamos que o
DOI-CODI estava em Maceió, e eles
vieram direcionados para a gente. No táxi,
quando eu dobrei na rua do IML [Instituto
Médico Legal], minha mãe morava ali,
tinha uma Veraneio parada na porta. Eu
desconfiei e mandei o táxi passar direto. Só
que tinha uma pessoa dentro e me viu.
Tinha uma construção no final da rua.
Quando chegou lá, eu desci do táxi e o táxi
seguiu, e eu vi quando a Veraneio foi atrás
do táxi. Eu fui em casa. Quando eu
empurrei a porta, a casa estava cheia de...
Fui recebido por vários homens armados
de metralhadora. Me deram voz de prisão.
Já estava lá numa cadeira, Giovani, meu
irmão, que tinha passado a noite fora e
chegou no outro dia. Prenderam ele e
Paulo, um primo meu. Então nós fomos
sequestrados. Nos botaram na Veraneio,
que já tinha voltado para a porta, nos
cobriram com um cobertor e nos levaram.
Quando chegou num determinado local,
eles botaram um capuz e desceram com a
gente, quando começou a sessão de
espancamento e tortura. Fernando já estava
lá. Tinha sido preso na sexta-feira à tarde.
Eu cheguei e eles me torturam
barbaramente, nesse primeiro dia. Depois
foram prendendo, por exemplo, o Breno,
Flávio, o Denis estava viajando. O Flávio,
que tinha sido do movimento estudantil,
mas na época não era mais. E prenderam
também uma menina que namorava com o
Fernando, que era menor de idade, de
quinze anos. Nos deixaram lá sendo
torturados e quando não estávamos sendo
torturados, ficávamos ouvindo os gritos
dos companheiros que estavam sendo
torturados em outras dependências. Nesse
local estavam minha mãe e meu pai. Eles

- 150 -
passaram dois dias ouvindo essas
barbaridades, os gritos. (J.COSTA, 2014)

Logo após as prisões de Fernando e Jefferson, Breno


Agra também foi preso. Um dos objetivos da Ditadura era
por as mãos em Dênis Agra, que tinha bastante visibilidade
política por ter sido presidente do DCE.
Entretanto no momento dessas prisões, Dênis se
encontrava no Rio de Janeiro, tinha ido visitar o amigo José
Braga. Quando soube das prisões em Alagoas, Dênis
preferiu não comprometer o amigo do Rio de Janeiro; então
decidiu pedir ajuda ao professor de medicina Samuel
Pessoa, que residia em São Paulo. Antes de chegar a São
Paulo passou uma semana no bairro de Santa Tereza, no Rio
de Janeiro, hospedado com o amigo de infância, Auréo
Torres, que também estudava medicina e era seu
conterrâneo de Viçosa/AL141.
Porém, atendendo aos apelos de seu pai, Mário
Agra, Dênis retornou à Maceió e decidiu se apresentar à
Polícia Federal. Havia a promessa que responderia em
liberdade, todavia a decisão da Polícia Federal foi prendê-
lo e encaminhá-lo para o DOPS em Recife onde foi
torturado, assim como os demais militantes alagoanos do
PCR142.

Inicialmente passou 23 dias isolados numa


cela. Depois, fez companhia a um
camponês do Rio Grande do Norte, que
também era militante do PCR. Havia

141
CAVALCANTE, 2014, P. 71-73.
142
IBDEM

- 151 -
muitos prisioneiros naquele departamento
obscuro do Exército. O DOI-CODI fora
abarrotado de pessoas, a maioria das quais
possuía algum nível de vinculação com o
PCR. Seja em movimentos do campo, seja
nas atividades estudantis e populares nos
centros urbanos das capitais nordestinas,
notadamente.
(...) Depois da sessão, encarceravam
Dênis, que permanecia isolado por quatro
a cinco dias, sob total esquecimento. Fazia
parte do ritual macabro. Depois
reiniciavam todas as técnicas de tortura,
com choque e, em seguida, novo
isolamento... Dênis passou o período todo
de cueca e urinava numa garrafinha...
Raramente permitiam a saída dele até o
chuveiro, e o acesso ao banheiro era
esporádico... O retorno para Maceió
ocorreu pelo fato de o serviço de
informação ter descoberto sua pouca
influência na direção do PCR no nordeste.
Era, na verdade, um militante convicto e
disciplinado.(CAVALCANTE, 2014, p.
82,83)

O único deputado alagoano de oposição, Vinicius


Cansanção, do MDB denunciou as prisões arbitrárias,
exigindo uma providência, inclusive do Ministério da
Educação143.
Além de Fernando e Jefferson Costa e Dênis Agra,
foram presos Breno Agra, irmão de Dênis, Denisson
Cerqueira Menezes, que havia sido do exército, Flávio
Lima da Silva, Hélia Mendes, Luiz Nogueira, Paulo
Newton, José Mário, Norton de Morais Sarmento, Vera

143
CAVALCANTE, 2014, p.75.

- 152 -
Costa, Lauro Mendes Filho, Maria das Graças Bandeira
Mendes e Sônia Maria Mendes Bandeira, os três últimos
irmão de Selma Bandeira144, que só viria a ser presa numa
nova investida da Ditadura contra o PCR, em 1978.
Fernando Costa, Jefferson Costa, Dênis Agra, Breno
Agra e Norton de Morais Sarmento ficaram presos por sete
meses no presídio São Leonardo, onde responderam ao
processo correspondente ao inquérito 19/73 da Polícia
Federal. Atuaram em defesa dos estudantes, os advogados
José Costa, Mércia Albuquerque e Benjamim Neves. Foram
condenados nos itens III, IV e VI do Decreto Lei Nº 477 de
26 de julho de 1969.
É importante destacar que a todo o momento a
reitoria da UFAL, que tinha a frente o professor Nabuco
Lopes, colaborou com a Ditadura, como revela esse
episódio acontecido com Dênis Agra, narrado pelo
jornalista Joaldo Cavalcante:

Certa feita, ele estava assistindo à aula de


Medicina Legal, quando chegou o
motorista do reitor Nabuco Lopes. O
portador trazia um “convite” para Dênis o
acompanhar até a reitoria imediatamente,
onde se encontraria com o reitor. A
explicação para tanta pressa é que desejaria
conversar antes de passar um mês em
viagem pelos Estados Unidos.
O convite era irrecusável, em se tratando
da maior autoridade do campus
universitário. E assim seguiu com o
motorista. Chegando à reitoria, que à época
funcionava a avenida Duque de Caxias,

144
Inquérito 19/73 DPF/AL

- 153 -
Dênis foi surpreendido ao adentrar na sala
do reitor Nabuco Lopes, a que se fazia
acompanhar do coronel Pires, chefe da
segurança da Universidade. Eles, então,
ligaram um gravador e procederam um
verdadeiro interrogatório de quase duas
horas. Em todos os momentos, a inquirição
insinuava ligações entre os integrantes do
DCE e militantes de partidos clandestinos.
(CAVALCANTE, 2014, p.66)

Em processo sumário pela portaria Nº 01/UFAL de


07 agosto de 1973 eles foram impedidos de estudar na
UFAL por três anos. A decisão foi assinada pelo seu vice-
reitor Everaldo de Oliveira Castro.

Não tivemos chance de defesa. A Ufal


mandou o advogado Jouber Scala os ouvir.
Ele presidia o inquérito instaurado pela
instituição. Do jeito que estávamos
sofrendo, até foi positivo recebe-lo.
Conversamos muito à vontade, mas
sabíamos que era um jogo de cartas
marcadas mesmo. Não sei dizer até que
ponto ele teve influência no desfecho
desfavorável dessa apuração.
(CAVALCANTE. 2014, p. 85)

As prisões seguiam acontecendo, a Ditadura


pretendia colocar as mãos no principal dirigente do PCR, o
alagoano Manoel Lisboa de Moura. Antes de atingir o seu
intento, a Ditadura assassinou Manoel Aleixo, responsável
pela direção do trabalho camponês do PCR após a morte de
Amaro Luiz de Carvalho.
O relatório da Comissão Nacional da Verdade
aponta que Manoel Aleixo foi preso no dia 28 de agosto de

- 154 -
1973 e assassinado no dia seguinte com um tiro nas costas
por agentes do DOPS/PE. A versão da CNV contesta a
versão apresentada pela Ditadura, segundo a qual Manoel
Aleixo teria sido morto no município de Ribeirão/PE, após
reagir à prisão e trocar tiros com a polícia.

Quanto à atribuição de responsabilidade


pela morte de Manoel Aleixo, há pelo
menos três indicações possíveis. Em
primeiro lugar, o policial Jorge Francisco
Inácio assumiu a autoria do disparo que
atingiu fatalmente Manoel, conforme o
auto de resistência lavrado pelo próprio
agente. Por sua vez, em telegrama enviado
ao Diretor do Departamento de Polícia
Interior de Recife, no dia 29 de agosto de
1973, o Delegado de Polícia de Ribeirão,
Odon de Barros Dias, comunicou que
aproximadamente às 8 horas daquele dia,
“o Sgt Pm Oscar Egito da Silva que se
achava a serviço secreto do exército
assassinou a tiros de revólver o popular
Manoel Aleixo da Silva”. Há ainda uma
terceira hipótese baseada no depoimento
prestado pelo ex-delegado do DOPS/ES,
Cláudio Guerra, à CNV e à Comissão
Estadual da Memória e Verdade Dom
Helder Câmara (CEMVDHC), em que o
agente declarou ter ido a Pernambuco para
matar Manoel Aleixo e descreveu as
circunstâncias em que se desenrolou a
operação (Relatório da Comissão Nacional
da Verdade, Dezembro de 2014).

Edval Nunes da Silva Cajá, que tinha uma reunião


com Manoel Aleixo marcada para um dos dias em que
estava preso, confirma em depoimento à Comissão da

- 155 -
Verdade da Assembleia Legislativa de São Paulo, a tese da
impossibilidade de ter havido o tiroteio:

Saí com aquele frio na barriga, aquela


carga assim, aquele impacto. Desci lá,
rígido e com a mão aqui já para pegar o
meu revólver. Desci a escada, sem fazer...
fui descendo, não apareceu nada. Passei a
feira, olhei ali, nada. Nasci aqui. Fomos
para frente. Mas até a hora, o medo não era
tanto, porque não tinha publicado ainda.
Não havia publicação. No dia seguinte sai
no jornal: "Manoel Aleixo morto num
tiroteio na cidade de Ribeirão". Onde era
ponto. "Morto num tiroteio quando os
órgãos de segurança foram dar voz de
prisão". Deram o nome do soldado que
atirou. Tenho o nome dele lá. Que atirou
por não acatar, sacou a arma, e o agente da
segurança então, numa autodefesa, em
legítima defesa, sacou a arma primeiro, e
lá ele morreu. Uma farsa, porque não
entregaram o corpo. Fomos à delegacia,
nunca houve tiroteio naquele dia. E,
portanto, no dia que eu fui, que era o ponto,
ele estava sendo torturado, ainda não
estava morto. Fiquei, dia 27, num sábado,
27 de agosto de 1973, esperando ele, e ele
estava sendo torturado no DOI-Codi.
Trincou os dentes, não deu uma
informação, uma só informação. Então,
estou falando, insistindo nisso, porque era
outra farsa que foi dita, que está no livro do
Cláudio Guerra, que esse homem foi
escalado para ir lá matá-lo, na cidade do
Recife. (Depoimento de Edval Nunes da
Silva Cajá a Comissão da Verdade da
Assembléia Legislativa de São Paulo, 09
de março de 2013)

- 156 -
Todavia, Cajá contesta a versão de que Manoel
Aleixo tenha sido morto por um tiro nas costas.Segundo
Cajá, Manoel Aleixo foi assassinado por consequências de
métodos brutais de tortura:

Então, estava com um ponto marcado com


ele, essa queda do Manoel Aleixo foi no
dia 26 de agosto de 1973, fazia as ligações.
Então, em 16 de agosto caiu Emmanuel.
Esse aí foi preso no dia 29, Manoel Aleixo
é preso, sequestrado da sua casa, da sua
casa, não foi esse cara, esse mentiroso
desse Cláudio Guerra, que disse que pegou
um avião do Rio, pegou uma passagem,
chegou, foi encontrar, apontaram quem era
ele e foi lá e deu um tiro e matou o Manoel
Aleixo. Ele foi sequestrado da sua casa, às
quatro e meia da manhã, por quatro
homens armados, numa Veraneio verde,
que, segundo a sua esposa, que era uma
mulher analfabeta, do canavial, cortadora
de cana, disse que era um carro verde, mas
tão verde quanto as canas-de-açúcar, como
o verde da cana.
E levaram ele, disseram que eram amigos
dele, que não se preocupasse que ele
voltava já. Portanto, levaram para Recife,
para o DOI-Codi, esse tempo, porque era
dirigente, já tinha sido preso em 1969,
quando Amaro tinha sido preso, já tinha
sido preso. Então, levaram para o DOI-
Codi para a cadeira do dragão, tortura,
empalamento, e o mataram em pouco
tempo. No dia 29 ele já estava morto.
Mataram ele dia 29. Sua cabeça, esse
Emilson, que é um delator e não gosto
muito de citar delator, porque ali ele disse
sob coação, mas disse depois que saiu,
disse que viu a cabeça de Manoel, os
miolos batendo na parede. Bateram de

- 157 -
cacete, porque, de tão indignados que um
cara que não tinha curso acadêmico, não
tinha, não conhecia o comunismo, e com
aquela, não dar uma informação, de
nenhum companheiro, então começaram a
sair da sofisticação e pegaram um cassetete
de madeira, grande, e começaram a bater
na cabeça dele que os miolos estouravam
na parede. Os miolos do cérebro, a parte
mole do cérebro. Isso, no dia 29, em dois
dias fizeram isso com ele, em 1973. E
anunciaram no jornal, no dia 30, só no dia
30. (IBDEM)

De acordo com a cadeia de comando, a CNV


responsabiliza os seguintes agentes da Ditadura Militar pelo
assassinato de Manoel Aleixo: Governador de Pernambuco,
Eraldo Gueiros Leite; Secretario Estadual de Segurança
Pública, Armando Hermes Ribeiro Samico; Diretor do
DOPS/PE, José de Oliveira Silvestre e Delegado de Polícia
de Ribeirão, Odon de Barros Dias. Além destes, Jorge
Francisco Inácio assume ter efetuado o disparo que resultou
na morte de Manoel Aleixo e lavrou o auto de resistência
com a versão falsa de morte.
Finalmente, após dezenas de prisões e sessões de
torturas de militantes do PCR, no dia 16 de agosto de 1973
a Ditadura Militar prendeu Manoel Lisboa. No mesmo dia
também foi preso Emmanuel Bezerra dos Santos, que como
já apresentado, voltava de uma viagem ao Chile e
Argentina, onde tinha a missão de contactar o Movimiento
de Isquierda Revolucionário – MIR e Ricardo Zarattini para
uma aproximação com a Tendência Leninista.

- 158 -
A história é a seguinte. Tínhamos contato
para fazer no Chile, com o MIR. Tinha de
encontrar companheiros exilados, entre
eles o Zarattini, que estava na Argentina.
Então, a viagem, era a segunda viagem que
nós fazíamos. (Depoimento de Edval
Nunes da Silva Cajá à Comissão da
Verdade da Assembléia Legislativa de São
Paulo, 09 de março de 2013)

Segundo relatório da CNV, Emmanuel Bezerra e


Manoel Lisboa foram presos juntos, em Recife, na praça Ian
Fleming. Depois de serem levados para a sede do
DOPS/PE, foram transferidos para o DOPS/SP, onde teriam
sido torturados e assassinados pelo delegado Sergio
Paranhos Fleury.
A versão da Ditadura Militar é que Manoel e
Emmanuel foram mortos após troca de tiros com a polícia
no Lago da Moema em São Paulo, no dia 04 de setembro
de 1973. Segundo os militares, Manoel havia informado à
Polícia da chegada de Emmanuel Bezerra do Chile. Então,
os militares teriam armado uma emboscada para prender
Emmanuel. Quando os policiais deram voz de prisão,
Emmanuel reagiu e os policiais atiraram nos dois. Para
confirmar a versão, os médicos do IML/SP Harry Shibata e
Armando Cânger Rodrigues reafirmaram a tese dos
militares nos exames necroscópicos.
Para Cajá, Emmanuel foi preso, torturado e
assassinado em São Paulo, numa ação da Operação
Bandeirantes, que tinha vinculação com os aparelhos de
repressões de outros países que também viviam governos
ditatoriais.

- 159 -
Emmanuel Bezerra, nem a casa onde ele
morava, ele tinha um aparelho em Maceió,
ele morava em Maceió na época, era
assistente do Estado, em Maceió, foi
capturado, foi torturado aqui em São
Paulo, nem a cidade onde ele estava
morando eles não souberam. O Emmanuel
Bezerra. O DOI-Codi não soube onde ele
estava, não só o aparelho, de onde era, ele
não deu uma informação. O que sabiam era
que era filho do Rio Grande do Norte, era
procurado e estava vindo ao encontro de
um terrorista. Não deu uma informação.
Não viu nenhum dos companheiros do
partido. Quer dizer, aí montaram a farsa de
que ele morreu num tiroteio. (IBDEM)

José Emilson confirma o comportamento de


Emmanuel Bezerra na prisão e relata as atrocidades
cometidas contra ele na prisão:

E Emmanuel Bezerra, a despeito do livro


Guerra Suja dizer que ele teve uma atitude
negativa, que teria dado informações para
a repressão, isso é mentira porque
Emmanuel morreu com os vinte dedos
arrancados a alicate, inclusive o umbigo. O
pênis e os testículos foram cortados à faca
peixeira. Ele morreu escorado numa
parede, num rio de sangue, nem o nome do
pai dele, ele disse. (Depoimento de José
Emilson à Comissão da Verdade de
Pernambuco, 13 de dezembro de 2012)

Cajá ainda afirma que Manoel Lisboa foi preso,


torturado e assassinado em Recife, sendo trazido para São
Paulo já morto, como forma de despistar a família.

- 160 -
Então, para mim, afasto qualquer
possibilidade de Manoel ter vindo para cá.
Veio morto, numa rede, numa estopa, e
tanto que estava na cova, a estopa estava
lá. Ninguém traz alguém enrolado numa
estopa. E tiramos os restos mortais, está lá
a estopa.(IBDEM)

Amelia Teles da Comissão Especial sobre Mortos e


Desaparecidos Políticos – CEMDP, em audiência
promovida pela Comissão da Verdade da Assembleia
Legislativa de São Paulo, realizada no dia 06 de setembro
de 2013 para investigar as mortes de Emmanuel Bezerra e
Manoel Lisboa, explicou como foi possível encontrar os
restos mortais de Emmanuel Bezerra e Manoel Lisboa. Ela
também contesta a versão da Ditadura Militar, porém,
discorda de Cajá no que diz respeito à prisão de Emmanuel.
Para Amélia Teles, nem Emmanuel, nem Manoel foram
presos em São Paulo. Todavia, sustenta que provavelmente
ambos tenham vindo para São Paulo mortos, apenas para
serem enterrados clandestinamente.

E nós vamos ver o seguinte, que esse, no


caso deles, eles são tão, eu falo que eles são
os desaparecidos da transição, porque está
tendo a transição, a mudança da estratégia.
Transição em termos de estratégia de
repressão política. Aí eles estão com o
nome deles verdadeiro. Eles não puseram
nome falso. Porque era muito comum eles
colocarem um nome falso, tem um T, fica
o nome falso, não põe o nome verdadeiro,
põe como causa mortis sempre aquela, o
histórico da morte, desculpa, é sempre

- 161 -
terrorista morto em tiroteio, ou foi
atropelado, ou suicidou-se. Mais é
terrorista morto em tiroteio. Onde morrem
os dois, os dois chamados terroristas e não
morre outra pessoa, não acontece nada. E
no caso deles, geralmente com nome falso,
muitos deles com nomes falsos, e esses aí,
a repressão é tão descarada que põe o nome
deles verdadeiro, põe o nome verdadeiro
Como eles não foram, no meu modo de
ver, nenhum foi preso aqui em São Paulo.
Pode ser por paulistas, pelos órgãos
paulistas de repressão, mas não aqui na
cidade. Então, você vai pegar, e é
interessante, primeiro que a gente olha e
fala: nós sempre denunciamos a morte
desses dois, o nome deles está aqui,
igualzinho, e nós vimos que eles estavam
enterrados no Campo Grande, que também
é um cemitério que fica na zona sul da
cidade, que foi pouco usado pela repressão,
pelo menos que a gente tinha
conhecimento. Porque Perus a gente já
sabia. Vila Formosa e Perus eram os mais
mencionados na época. Então, o que a
gente, o que acontece? Nós vamos lá no
cemitério de Campo Grande e fomos ver se
isso era verdade mesmo, porque está
escrito no documento, tinha número da
sepultura. Se vocês olharem todo o
documento, vocês vão ver que tem
informações. E quando chegamos lá, não
só estava tudo certinho, a tal da sepultura e
tal. Como nós fazíamos parte da Comissão
de Investigação das Ossadas de Perus, ela
tinha já uma articulação com os legistas da
Unicamp. Então, nós fomos lá ao cemitério
com a turma da Unicamp para fazer a
exumação das ossadas. Aí que você vê que
eles não foram presos em São Paulo,
porque o Manoel tinha aquela sandalinha,

- 162 -
a sandalinha do nordestino, aquela famosa,
de couro. E lá está falando que eles eram
nordestinos. Olha, essa sandalinha tem a
ver. Porque aquilo que envolve aquele
esqueleto conta muita história para a gente,
dá muita informação. Aí nós falamos:
"poxa, esse aí veio do nordeste? Será que
trouxeram para cá? Veio? Não sei. Porque
ele tinha a sandalinha". Depois vejo ele
contando que ele nem tinha condições de
ficar em pé, ou seja, eles montaram a farsa,
puseram até a sandalinha. E o Emmanuel
tinha uma blusa pesada, de peruano,
chileno. Quer dizer, ele veio de outro país.
Ele não estava aqui. E um país que fazia
muito frio. Você via, porque aquela roupa,
porque o cemitério de Campo Grande é
muito diferente dos outros cemitérios. Ele,
inclusive, é todo revestido, cada sepultura
é revestida de tijolos. Então, a preservação
dessa ossada e dessas roupas é muito mais
garantida. Vocês não imaginam. A gente
vai aprendendo nesse processo, de tanto ir
a cemitério para verificar. Então, quer dizer
que foi ali que nós identificamos os dois.
Na época nós até pensamos "o que
aconteceu com eles?". A gente já vinha
descobrindo, por uma série de razões, que
a versão policial era mentirosa.
(Depoimento de Amélia Teles à Comissão
da Verdade da Assembleia Legislativa de
São Paulo, 09 de março de 2013)

O fato é que tanto a CNV quanto Edval Cajá e


Amélia confirmam que a versão da Ditadura Militar não se
sustenta. Mais duro porém, é o depoimento de José Nivaldo
Júnior, que esteve preso e declarou ter visto Manoel Lisboa,
seu amigo e companheiro, em estado físico bastante crítico
devido às torturas:

- 163 -
Era um corte grande. Era um corte que,
naquele momento, não posso dizer que
expunha vísceras, mas que era capaz. O
corte em si. Além do mais, uma figura
ensanguentada, coberto de sangue. Isso
que eu percebi foi muito, quer dizer, tudo
isso num segundo, dois segundos, que o
cara evidentemente tirou para eu ver, fez
questão que eu visse, como se dissesse:
"está vendo aí, filho da mãe, o que a gente
faz?" Ou, enfim, um recado, dando um
recado para que eu visse a situação em que
se encontrava o meu líder, o meu chefe,
meu amigo, enfim. E posso dizer,
Presidente, que aquele ser humano não
tinha a menor condição de ficar em pé,
quanto mais de participar, de calçar sapato.
É uma brincadeira imaginar isso, apertar
um cinturão para segurar uma calça. É uma
brincadeira de mau gosto, segurar um
revólver ou uma carteira ou qualquer coisa
com aquelas mãos. É impossível. Não
posso dizer que tivesse osso quebrado, não
sei, mas as condições físicas não
permitiam sequer que ele ficasse em pé,
quanto mais que participasse de tiroteio. E
estava agonizante. Eu não posso garantir
que ele faleceu no Recife. Não posso
garantir, eu. Alguns companheiros,
companheiras, ouviram os gritos e as
ameaças finais, e a sentença final de um
torturador que disse: "desse, vocês não vão
ter mais nunca". "Desse que se foi, vocês
não vão ter mais nunca".
Eu estou dando o meu testemunho, e meu
testemunho é que aquele ser humano, no
início do mês de setembro, não tinha
condições de ficar em pé, de se deslocar,
de exercer qualquer atividade normal,
nenhuma condição.
Portanto, é absolutamente impossível que

- 164 -
ele tenha participado de qualquer
atividade, muito menos uma atividade
militar, que levasse a tiros e mortes.
(Depoimento de José Nivaldo Júnior à
Comissão da Verdade da Assembleia
Legislativa de São Paulo, 09 de março de
2013).

Cajá ainda relata que a família de Manoel Lisboa


veio a São Paulo no período de sua morte e descobriu que
não houve qualquer tiroteio, que o corpo veio para São
Paulo para atrapalhar as investigações da família e dos
militantes do PCR que sobreviveram.

Para cá veio o irmão de Emmanuel, veio a


mãe de Emmanuel, na Vila Moema,
percorreu todos os barzinhos, não houve
tiroteio nenhum. Não houve tiroteio.
Podiam ter dado com bala de festim, e nem
isso tiveram o trabalho de fazer. O irmão
perdeu a farda porque foi exigir, antes do
corpo dele estar morto, quer dizer,
informação sobre ele. "Você pode perder a
farda". "Que perca, eu quero meu irmão,
quero saber de meu irmão, estou aqui com
minha mãe".
(...)Então quer dizer, por isso era
importante a farsa de botar o sepultamento
aqui, porque o tiroteio que morreu foi aqui,
porque desviava a família, era mais longe,
a família era de Alagoas, ficavam entre
Alagoas e Pernambuco. Então, dificultava
ao partido, dificultava à família, para poder
ficar o lance, não ficar com tanta sede ali.
(Depoimento de Edval Nunes da Silva
Cajá à Comissão da Verdade da
Assembleia Legislativa de São Paulo. 09
de março de 2013)

- 165 -
Edval Cajá apresenta uma versão de como, após
seguidas prisões na Paraíba e em Alagoas, a polícia
conseguiu prender Manoel Lisboa:

Então, as ordens eram que quatro horas


encerra qualquer panfletagem, de fábrica
etc., porque às quatro e meia, cinco horas,
começa o movimento das Forças Armadas
no quartel, soldado entrando e saindo. Aí
pegaram dois companheiros, inclusive
armaram, e desobedeceram o horário e
foram, prosseguiram a panfletagem. Então,
pegaram esses dois companheiros, eram
secundaristas, mas muito jovens, um deles
hoje é Deputado Estadual, lá na Paraíba, o
Anísio, que tem um discurso dele nos
jornais de ontem homenageando Manoel
Lisboa, grande homem, aprendi tudo que
sei com ele. É um desses. Então, pegaram
esses dois, levaram para o exército, para o
Batalhão de Engenharia que tem lá em
João Pessoa, e deram um cacete muito
grande, e um deles, não foi o Anísio, foi o
outro, que disse que pegava as instruções
nas praças de Recife. Então, pegaram a
informação de Maceió, pegaram a
informação de Recife, que as praças de
Recife, e algumas delas, diziam, "eu acho
que numa praça tal e tal". Então esse cara
foi preso, os dois, e o que deu essa
informação, depois conseguiu ter acesso a
uma gilete e cortou o punho, tentou se
suicidar lá, cortou o punho para, com a
culpa de ter feito a informação.
(Depoimento de Edval Nunes da Silva
Cajá à Comissão da Verdade da
Assembleia Legislativa de São Paulo, 09
de março de 2013)

- 166 -
Manoel Lisboa foi preso quando se dirigia a um
encontro com a operária Fortunata. Na realidade o encontro
seria com a operária Maria do Carmo, mas como ela era
fiscal de um setor na fábrica Torre, o seu chefe havia dado
ordem para ela fazer hora extra, então escalou a operária
Fortunata, que havia entrado há pouco tempo no PCR, para
o encontro com Lisboa.
Em entrevista realizada para a tese de mestrado de
Neusah Maria Cerveira145, Maria do Carmo relata:

- E você foi presa?


- Eu fui presa na Fábrica Torre, quando eu
estava entrando para trabalhar. Porque o
Manoel Lisboa foi preso e foi preso com
uma operária que fui eu que fiz a ponte
dele com ela.
-Quem era essa operária?
- Era Fortunata

Na mesma entrevista Maria do Carmo também


defende a tese de que a queda de Manoel Lisboa foi
resultado de delações decorrentes de prisões na Paraíba e
em Alagoas:

- Ela foi encontrar com ele nesse ponto?


- É, nesse ponto ele foi preso... porque
estava havendo muitas prisões... Paraíba,
Maceió... a gente imagina que essa prisão
dele foi consequência dessas outras,
alguém falou... a gente tem que admitir que
havia liberalismo, entende? E se
encontravam muitos deles num canto só. E
quem tava preso que tava falando... e ele

145
CERVEIRA, 2001, p. 125-126.

- 167 -
era era uma pessoa profundamente
procurada.
- E havia possibilidade dessa Fortunata...
só tô pensando aqui?
- Não. Levantaram essa possibilidade,
porque ela tinha um cunhado que era da
polícia, mas eu não acho que havia de jeito
nenhum essa possibilidade.
- Não? Você a conhecia bem?
- Eu a conhecia bem. E ele era daqueles
“caras policial burro”, entendeu? É, só eu
acho que o partido muitas vezes atribuiu
assim (a culpa a Fortunata) porque não
tinha nada mais concreto.

José Nivaldo Júnior contesta essa versão e defende


que a prisão de Manoel Lisboa se dá por conta da suspeita
levantada pelo policial casado com a irmã de Fortunata:

Uma operária da fábrica da Torre estava


sendo recrutada para o PCR, mas morava
na casa da irmã, que era casada com um
policial. E o policial desconfiou e
passaram a seguir a moça e, simplificando,
chegaram a Manoel Lisboa, num encontro
com ela. E ele foi preso na Praça Fleming,
no dia 16 de agosto. (Depoimento de José
Nivaldo Júnior à Comissão da Verdade da
Assembleia Legislativa de São Paulo, 09
de março de 2013)

Edval Cajá apresenta um relato da operação para a


prisão de Manoel Lisboa:

Por isso que a praça, na hora que ele estava


sentado, ele ficou cerca de uns 15 minutos
aguardando, andando, quando ele sentou,
porque são 5 minutos de espera e

- 168 -
tolerância máxima 15, e quando ela
chegou, ele achou estanho o movimento.
Engraxate pra caramba na praça, um
caminhão descarregando Coca-Cola às
sete da noite, num bar, e a Coca-Cola
ficava perto desse local, e um caminhão
entregando, cheio de funcionários em cima
do caminhão, mas atrás das caixas estava
tudo cheio de fuzil, e não se percebia. Foi
na hora, porque acharam que era ele. Na
hora que chegou a companheira Laura,
com esse bilhete, quando ele abriu o
bilhete, namorado beija na boca, eles não
se beijaram na boca, naturalmente, porque
o partido tem suas, você não, disse que
entraram com Manoel, para se fazer de
namorada, mas também tem limite. Não dá
para você posar que é casal e ficar nessa
situação. Então, beijou no rosto, entregou
a carta, ele abriu a carta e começou a olhar
a carta. Ele não terminou a carta, usava
uma 45 e atirava muito bem, e a 45 era
privativa das Forças Armadas, não deu
tempo de puxar, porque quando ele estava,
naquilo passou um... Os casais de
namorados eram tantos, que atrás dele
sempre tinha gente passando, e um desses
foi o que deu a gravata nele aqui, passando
atrás, menos de meio metro atrás do banco,
aquele banco de praça, está de costas, e
passando as pessoas, transitando. Então,
ele foi capturado nessa situação. Quando
ele botou a mão aqui, não deu, porque
foram uns cinco, seis ou sete em cima dele.
Botaram num carro diferente, uma
Veraneio diferente, a menina, e ele noutro.
A menina chegou lá maluca, ela
enlouqueceu no dia seguinte. Não foi só o
companheiro telegrafista que enlouqueceu.
A Laura também enlouqueceu. Ela
também enlouqueceu. E começaram a

- 169 -
torturar Manoel. O choque elétrico
começou dentro dessa Veraneio, na Praça
do Rosarinho, a Praça Ian Fleming. Ali
começaram a torturá-lo. E a moça ficou
espantada com tamanha violência, era uma
militante operária nova, de pouco tempo
no partido, mas já estava no partido e
estava indo porque a outra não pôde ir. No
outro dia, a do Carmo é presa, e ela
informou o que sabia. O que ela disse? No
espancamento que ela teve, até chegar no
outro dia, ela disse que era da fábrica Torre
e que Maria do Carmo era dirigente dela,
chefe de seção e chefe política dela. Ela
informou isso. No outro dia botaram um
aparato, capturaram Manoel dessa
maneira. (Depoimento de Edval Nunes da
Silva Cajá à Comissão da Verdade da
Assembléia Legislativa de São Paulo, 09
de março de 2013)

O relatório da CNV ainda reafirma o depoimento da


operária Fortunata, que foi presa junto com Manoel Lisboa,
para o Dossiê Ditadura: Mortos e Desaparecidos Políticos
no Brasil, segundo o qual, o policial Luiz Miranda, de
Pernambuco, e o delegado paulista Sérgio Paranhos Fleury
foram responsáveis pelas prisões. Manoel foi algemado,
arrastado para um veículo e levado ao DOI-CODI do IV
Exército. Segundo denúncia de Selma Bandeira Mendes,
que havia sido casada com Manoel e que esteve no DOI do
IV Exército no mesmo período que Manoel, ele foi
torturado pela equipe de Luiz Miranda.
A CNV, seguindo a escala de comando,
responsabiliza os seguintes agentes do Estado pelos
assassinatos de Emmanuel Bezerra e Manoel Lisboa:
Presidente da República, general de Exército Emílio

- 170 -
Garrastazu Médici; Ministro do Exército, general de
Exército Orlando Beckmann Geisel; Comandante do II
Exército, general de Exército Humberto de Souza Mello;
Chefe do Estado Maior do II Exército, general de Brigada
Mário de Souza Pinto; Chefe do DOI, major Carlos Alberto
Brilhante Ustra; Comandante do IV Exército, general de
Exército Valter de Menezes Paes; Chefe do Estado Maior
do IV Exército, general de Brigada Everaldo José da Silva;
Comandante da 7ª Região Militar, general de Divisão
Carlos Alberto Cabral Ribeiro; Chefia da 2ª seção
(Informações) e responsável pelo DOI, coronel Antônio
Cúrcio Neto.
Ainda segundo o relatório da CNV, comandaram as
prisões e sessões de tortura, Sergio Paranhos Fleury,
delegado do DOPS/SP, e Luiz Miranda do DOPS/PE.
Valmir Costa – que foi preso somente 1978, numa segunda
investida da Ditadura contra o PCR, que continuou
existindo e atuando apesar do forte abalo das prisões e
assassinados contra seus dirigentes em 1973 – afirmou
sobre a participação de Fleury nessa operação:

O senhor Sérgio Paranhos Fleury, que foi o


principal torturador — ele e a sua equipe
— de Manoel Lisboa, Juarez José Gomes,
Zé Nivaldo e tantos outros, veio a
Pernambuco e Alagoas para prender a mim
e a Selma. Não conseguindo nos prender,
eles prenderam a família da Selma,
torturam o Lauro Bandeira durante 30 dias
no DOI-CODI. Torturaram a irmão do
Lauro, minha esposa, Maria das Graças
Bandeira e também a Sônia Bandeira. Eles
foram levados para Pernambuco,

- 171 -
encapuzados, num veículo em que eram
pisoteados e maltratados. Em Recife,
foram submetidos a todas as torturas que
vocês imaginam. Eles não eram militantes
políticos como a gente era, do partido.
... Naquele momento, o PCR sobreviveu à
prisão de grande parte de sua direção e
continuou o seu trabalho. O PCR ainda
hoje existe. Sobre a vinda do Fleury, não
tenho como dizer se ele veio
exclusivamente para desbaratar o PCR,
mas, com certeza, o fator principal foi
desbaratar o PCR. Eles já tinham prendido
o Manoel e alguns outros companheiros, e
queriam aniquilar completamente o
partido. Graças ao comportamento na
tortura, principalmente do Manoel Lisboa,
mas também de outros, eles não
conseguiram obter as informações que
levariam à nossa prisão. Nós continuamos
o trabalho, mesmo depois da morte do
Manoel Lisboa e de outros companheiros.
(Depoimento de Valmir Costa à Comissão
da Verdade de Alagoas, 09 de dezembro de
2013)

Então, Fleury veio para o Nordeste com a tarefa de


comandar as ações de extermínio do PCR. Fazia questão de
visitar os presos e se exibir, como relata José Nivaldo
Júnior:

Fleury eu reconheci. Me lembro muito


bem de no segundo dia que eu estava no
DOI-Codi, ele com uma camisa listrada,
por dentro da calça, com aquela barriga,
chegou: "Finete" – que era meu nome de
guerra – "levanta, filha da puta". Aí eu
levantei. "Vem aqui”. Cheguei perto. "Olha
para a minha cara. Está me conhecendo?"

- 172 -
"Não, senhor". "Não está me conhecendo,
filha da puta?" Falei: "não, senhor". Ele
disse, eu não lembro o nome que ele disse:
"eu sou o Dr. Barreto". Exatamente. "Eu
sou o Dr.Barreto"
Aí fez algumas ameaças que não vou tentar
repetir literalmente porque realmente
naquela hora eu não estava preocupado em
gravar palavras literais. Ele fazia questão
de mostrar a cara. Ele era exibido. Era o
único dos doutores, porque todos se
chamavam doutores na tortura, são os
professores de futebol hoje, os técnicos, e
os doutores da tortura, que fez questão de
mostrar a cara, se fazer reconhecer, como
uma forma, não sei, de vaidade, de
intimidação. As intenções, não sei. Eu sei
que isso ele fez comigo e com muitos
outros. Não digo com todos, porque não
posso afirmar. Mas, com vários outros sim.
Ele ia cela por cela, e de vez em quando ele
fazia uma visitinha, passava.(Depoimento
de José Nivaldo à Comissão da Verdade da
Assembleia Legislativa de São Paulo, 09
de março de 2013)

Edsel Magnotti foi o delegado responsável por


assinar requisição de exame necroscópico. O documento
encontra-se sem o nome da vítima, com um “T” de terrorista
grafado e com a causa da morte alterada. Harry Shibata e
Armando Cânger Rodrigues, ambos do Instituto Médico
Legal (IML) de São Paulo, foram os médicos que
produziram exames necroscópicos com laudos falsos.
Os corpos de Emmanuel Bezerra e Manoel Lisboa
foram enterrados no cemitério de Campo Grande. Segundo
o Relatório da CNV, os restos mortais de Manoel Lisboa e
Emmanuel Bezerra foram exumados e identificados em

- 173 -
1991 e 1992, respectivamente.
Em 12 de Julho de 1992, Dom Evaristo Arns
celebrou missa na Catedral da Sé, em São Paulo, em
homenagem a Emmanuel Bezerra e a outros dois militantes
políticos que também tiveram o mesmo destino que
Emmanuel: Helber José Gomes Goulart e Frederico
Eduardo Mayr. Após a missa, a ossada de Emmanuel foi
enviada para Natal e em seguida, recebida com festa na
cidade em que nasceu, São Bento do Norte/RN, onde foi
finalmente sepultado com dignidade.
Assim como Emmanuel, Manoel Lisboa pode
regressar à sua terra natal e ser sepultado dignamente. Seus
restos mortais foram recebidos em Maceió em cortejo
aberto, com caminhão do corpo de bombeiros e batedores.
Também foi realizada uma cerimônia que contou com a
presença do governador de Alagoas na época, Ronaldo
Lessa, que havia sido militante do PCR durante a Ditadura,
e o então reitor da UFAL, Rogério de Moura Pinheiro, que
simbolicamente o readmitiu como estudante de medicina da
UFAL. Manoel Lisboa foi sepultado no cemitério Parque
das Flores no dia 08 de maio de 2003.

CONCLUSÃO

Os primeiros anos da década de 1960 no Brasil, mas


especialmente durante o governo João Goulart, são
marcados por uma conjuntura política bastante polarizada
entre o amplo campo nacional-reformista e os campos
conservadores, também diversos entre si. Após o Golpe
Militar– preparado por setores da burguesia nacional,

- 174 -
partidos de direita, as forças armadas e o governo dos
Estados Unidos– se verificou a consolidação de uma
modernização conservadora, marcada por profunda
repressão e perseguição política a qualquer um que ousasse
desafiar a Ditadura.
Do ponto de vista internacional, durante a década de
1960, além da ressaca dos efeitos da crise do movimento
comunista, que se desenvolveu após o XX Congresso do
PCUS, em 1956; eventos, como a Revolução Cultural
Chinesa, a Primavera de Praga, o Maio de 1968 em Paris
influenciaram o surgimento de uma Nova Esquerda em todo
o mundo.
No Brasil também surgiu uma Nova Esquerda,
todavia, apesar de também receber influência internacional,
as novas organizações de esquerda no Brasil apresentavam
uma característica bastante particular, especialmente
porquê a intensificação dessa fragmentação se deu após o
Golpe Militar de 1964. Dessa maneira, a fragmentação da
esquerda brasileira durante a década de 1960 deve ser
compreendida em dois momentos: antes e depois do Golpe
Militar de 1964.
O PCR é um partido fundado após o Golpe Militar,
ele surgiu da cisão de um outro partido, o PC do B –
fundado um pouco antes do Golpe Militar, em 1962– que
por sua vez, também é a cisão de um outro partido: o PCB.
Que desde o princípio dos anos 1960, no contexto da intensa
polarização política antecedente ao Golpe Militar, era
taxado de reformista por seus adversários na esquerda e
taxado de revolucionário por seus adversários na direita.

- 175 -
Desta maneira, o PCR nasceu com o objetivo de
fazer uma guerrilha rural a partir do Nordeste brasileiro,
disposto a ser uma alternativa revolucionária diante do PCB
e demonstrar mais ação que o PC do B, que também tinha
em seu programa a realização de uma guerrilha rural. Do
ponto de vista internacional, o PCR foi bastante
influenciado pela Revolução Chinesa, mas verifica-se nos
seus documentos da época, que se identificava com os
vários aspectos da tradição comunista, então, apesar de ser
uma nova organização de esquerda, seria forçado classificá-
lo dentro do conceito que ficou conhecido como Nova
Esquerda.
O PCR foi um partido bastante ativo no Nordeste
brasileiro, destacou-se nesta região como uma força política
significativa na resistência à Ditadura. Apesar do desejo de
seus líderes, não chegou a estabelecer uma guerrilha rural e
suas ações armadas foram poucas. Por outro lado, buscou
ganhar penetração na sociedade, organizou ações entre os
camponeses, teve pouca influência entre o operariado
urbano, mas conseguiu uma notável intervenção no
movimento estudantil. Aparentemente, na medida em que a
realidade se desenvolveu, apesar de não estar declarado em
nenhum documento, a influência da revolução chinesa no
PCR se expressou cada vez menos.
Após 40 anos de fundação do Partido Comunista
Revolucionário, as poucas pesquisas sobre esta organização
política, as dificuldades na pesquisa das fontes em que pese
o crescimento do acervo sobre as organizações de esquerda
que atuaram durante a Ditadura Militar, tornaram esta
pesquisa uma tarefa exaustiva.

- 176 -
A importância desta pesquisa está em somar-se ao
conjunto de estudos sobre a Ditadura Militar no Brasil,
principalmente devido à importância da atuação do PCR na
resistência à Ditadura no Nordeste e, em especial, em
Alagoas. Assim como, contribuir para sanar a lacuna
existente na produção acadêmica alagoana nesta área. De
igual modo, atenuar a escassez de pesquisas sobre o PCR
em Alagoas e em todo o país.
A não existência de pesquisas sobre o PCR em
Alagoas se tratava de uma injustiça histórica, tendo em vista
que três dos cinco fundadores do PCR eram alagoanos,
inclusive o seu principal dirigente, Manoel Lisboa de
Moura. Entretanto, a contribuição mais significativa desta
pesquisa é possibilitar uma análise da importância do PCR
na resistência à Ditadura em Alagoas, especialmente
durante os primeiros anos da década de 1970, quando foi
fundamental para a reorganização do movimento estudantil
na UFAL.

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- 188 -
ANEXOS

- 189 -
ANEXO I - Militantes do PCR perseguidos na
Ditadura que receberam indenização
Após entrar em vigor da Lei estadual de
Pernambuco 11.773/00, que tinha por objetivo indenizar os
presos políticos e suas famílias, várias vítimas da Ditadura
entraram com processo exigindo seu direito, que significava
o reconhecimento do Estado pelos seus crimes praticados.
Abaixo a relação dos militantes do PCR que foram
indenizados:
Dênis Jatobá Agra (falecido): Processo 453/01
Ouvidoria Geral do Estado de Pernambuco. Indenizado em
R$ 27.000,00, valor dividido entre a esposa e filhos.
Norton de Morais Sarmento: Processo 496/01
Ouvidoria Geral do Estado de Pernambuco. Indenizado em
R$ 29.000,00.
Bartolomeu Mendes Cunha: Processo 164/01
Ouvidoria Geral do Estado de Pernambuco. Indenizado em
R$ 29.000,00.
Albano Ferreira Cruz: Processo 026/01 Ouvidoria
Geral do Estado de Pernambuco. Indenizado em
R$ 28.000,00.
Amaro Felix Pereira (falecido): Processo 249/01
Ouvidoria Geral do Estado de Pernambuco. Indenizado em
R$ 30.000,00, valor dividido entre esposa e filhos.
Amaro Luiz de Carvalho (falecido): Processo
053/01 Ouvidoria Geral do Estado de Pernambuco.
Indenizado em R$ 30.000,00, valor dividido entre esposa e
filhos.
Edval Nunes da Silva Cajá: Processo 509/01
Ouvidoria Geral do Estado de Pernambuco. Indenizado em

- 190 -
R$ 25.000,00.
Edilson Freire Maciel: Processo 028/01 Ouvidoria
Geral do Estado de Pernambuco. Indenizado em
R$ 26.000,00.
Edmilson Freire Maciel: Processo 029/01 Ouvidoria
Geral do Estado de Pernambuco. Indenizado em
R$ 27.000,00.
Edilson Romariz Machado: Processo 030/01
Ouvidoria Geral do Estado de Pernambuco. Indenizado em
R$ 24.000,00.
José Emilson Ribeiro da Silva: Processo 101/01
Ouvidoria Geral do Estado de Pernambuco. Indenizado em
R$ 29.000,00.
José Moura e Fontes: Processo 094/01 Ouvidoria
Geral do Estado de Pernambuco. Indenizado em
R$ 26.000,00.
José Nivaldo Barbosa de Souza Júnior: Processo
472/01 Ouvidoria Geral do Estado de Pernambuco.
Indenizado em R$ 26.000,00.
Juáres José Gomes: Processo 049/01 Ouvidoria
Geral do Estado de Pernambuco. Indenizado em
R$ 28.000,00.
Leci de Moura Maciel: Processo 249/00 Ouvidoria
Geral do Estado de Pernambuco. Indenizado em
R$ 28.000,00.
Leia Emília de Moura Lustosa: Processo 258/00
Ouvidoria Geral do Estado de Pernambuco. Indenizado em
R$ 28.000,00.
Maria Aparecida dos Santos: Processo 010/01
Ouvidoria Geral do Estado de Pernambuco. Indenizado em

- 191 -
R$ 29.000,00.
Maria do Carmo Tomaz: Processo 027/00 Ouvidoria
Geral do Estado de Pernambuco. Indenizado em
R$ 30.000,00.
Nilson Lustosa e Silva: Processo 085/00 Ouvidoria
Geral do Estado de Pernambuco. Indenizado em
R$ 26.000,00.
Ricardo Zarattini Filho: Processo 304/01 Ouvidoria
Geral do Estado de Pernambuco. Indenizado em
R$ 30.000,00.
Selma Bandeira Mendes (falecida): Processo 369/01
Ouvidoria Geral do Estado de Pernambuco. Indenizado em
R$ 28.000,00, valor destinado à sua mãe, Alexandrina
Bandeira Mendes.
Valmir Costa: Processo 415/01 Ouvidoria Geral do
Estado de Pernambuco. Indenizado em R$ 28.000,00.

- 192 -

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