A Educação Infantil À Luz Da Pedagogia Histórico-Crítica

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A EDUCAÇÃO INFANTIL À LUZ DA PEDAGOGIA HISTÓRICO-CRÍTICA

Wanessa Raylla de Albuquerque Ferreira


[email protected]
Ana Carolina Galvão Marsiglia
Grupo de Pesquisa “Pedagogia histórico-crítica e educação escolar”
Núcleo de Educação Infantil (NEDI)
Universidade Federal do Espírito Santo – UFES

INTRODUÇÃO E OBJETIVOS

O presente texto é proveniente de um projeto de pesquisa em


andamento para um trabalho de conclusão de curso (Pedagogia) que tem
como objetivo refletir sobre a prática pedagógica na educação infantil,
principalmente de crianças de zero a três anos, tomando como base o
referencial teórico da pedagogia histórico-crítica, a qual se fundamenta no
materialismo histórico dialético, isto é, na “[...] compreensão da história a partir
do desenvolvimento material, da determinação das condições materiais da
existência humana” (SAVIANI, 2008, p.88).
Apresentaremos uma breve análise dos documentos oficiais: Referencial
Curricular Nacional para a Educação Infantil – RCNEI (BRASIL, 1998),
Parâmetros Nacionais de Qualidade para a Educação Infantil (BRASIL, 2006a),
Política Nacional de Educação Infantil: pelo direito das crianças de zero a seis
anos à Educação (BRASIL, 2006b), Resolução nº 05, de 17 de dezembro de
2009 (Resolução CNE/CEB 5/2009) e Diretrizes Curriculares Nacionais para a
Educação Infantil (BRASIL, 2010), e em seguida faremos algumas
considerações a respeito das contradições destes documentos em relação à
pedagogia histórico-crítica.
A partir da Constituição de 1988, a Educação Infantil foi reconhecida
como dever do Estado garantindo o acesso a creches e pré-escolas como
direito social das crianças. Diante deste novo cenário, surgiram várias
discussões a respeito da concepção de criança e de infância, bem como das
práticas pedagógicas relacionadas à sua educação em espaços coletivos.
No Referencial Curricular Nacional para a Educação Infantil – RCNEI
(BRASIL, 1998) a criança é considerada como um sujeito histórico e social, que
constrói conhecimentos por meio dos processos de criação, significação e
ressignificação utilizando diferentes linguagens e é capaz de agir e pensar o
mundo por si mesma. A criança saudável é aquela capaz de desenvolver seu
potencial emocional, biológico e cognitivo. O cuidado e o ensinar estão
integrados em uma relação de comprometimento, considerando as
necessidades individuais de cada criança e as diferentes realidades
socioculturais, entendendo a criança como um ser detentor de saberes
próprios. Nesse documento, o educar está pautado no desenvolvimento das

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relações interpessoais, favorecendo o cuidado, a brincadeira e a integração.
Destaca ainda que o trabalho educativo deve atentar-se para: a interação entre
crianças da mesma idade e de idades diferentes; os conhecimentos prévios
que as crianças já possuem; a individualidade e a diversidade; a resolução de
problemas como forma de desafios propostos que retratem as práticas sociais,
buscando situações que reproduzam contextos cotidianos.
Os Parâmetros Nacionais de Qualidade para a Educação Infantil
(BRASIL, 2006a) estabelecem padrões de qualidade para a organização e o
funcionamento das Instituições de Educação Infantil. Concordam com o RCNEI
no que tange a concepção de criança, a qual sofre influências do meio social
em que está inserida, mas também o influencia, produzindo história e cultura,
se desenvolvendo humanamente pela interação social. De acordo com os
Parâmetros, os profissionais de Educação Infantil devem ter pleno
conhecimento acerca da faixa etária que trabalham a fim de subsidiar suas
ações, lembrando que as crianças devem ser auxiliadas em atividades que não
são capazes de fazer sozinhas e serem supridas em suas necessidades físicas
e psicológicas.
O documento Política Nacional de Educação Infantil: pelo direito das
crianças de zero a seis anos à Educação (BRASIL, 2006b), visa a
implementação das políticas públicas para crianças de zero a seis anos e
define a criança baseando-se em concepções que apontam a criança como um
ser sócio-histórico, sujeito de direitos, capaz de estabelecer múltiplas relações,
produtora de cultura e dela participante. Direciona o trabalho pedagógico
baseando-se na indissociabilidade entre o cuidar e o educar e a superação da
visão adultocêntrica que concebe a criança apenas como um vir a ser. O texto
desse documento destaca a valorização dos profissionais de Educação Infantil
bem como seu acesso a programas de formação e a prática pedagógica como
produtora de saberes relacionados ao cotidiano dos sujeitos envolvidos no
processo ensino-aprendizagem: professores, crianças, pais e comunidade.
Segundo o Art.4º da Resolução nº 05, de 17 de dezembro de 2009, que
fixa as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Infantil (Resolução
CNE/CEB 5/2009) é a concepção de criança e de seu processo de
desenvolvimento que deve orientar as propostas pedagógicas. Nesse sentido,
assim como em outros documentos, a criança é vista como um sujeito histórico
e de direitos, devendo ser considerados todos os conhecimentos adquiridos por
ela antes de seu ingresso na escola, pois, é por meio das interações sociais
cotidianas que ela constrói sua identidade, internalizando os sentidos e
produzindo cultura, ou seja, conhecimento sobre si e sobre o mundo em sua
volta.
As instituições de Educação Infantil, no entendimento da Resolução nº
05/2009, devem acompanhar o trabalho pedagógico, bem como avaliar o
desenvolvimento das crianças sem o objetivo de seleção, promoção ou
classificação garantindo a não retenção das crianças na Educação Infantil e a

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continuidade no processo de aprendizagem sem antecipação dos conteúdos a
serem trabalhados no Ensino Fundamental. Entende-se ainda, que as práticas
pedagógicas devem ter como eixos norteadores as interações e a brincadeira,
garantindo experiências sensoriais, expressivas e corporais; desenvolvendo a
linguagem; possibilitando interação com os diferentes gêneros textuais;
socialização; elaboração da autonomia; vivência de valores e o conhecimento
da diversidade; incentivo à curiosidade; contato com as diversas manifestações
da arte e da cultura popular e o conhecimento da biodiversidade e da
sustentabilidade.
As Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Infantil (BRASIL,
2010) consideram o aluno como criança e não a criança como aluno.
Considerar o aluno como criança é, para as Diretrizes, entender que embora a
escola seja um espaço de formação, ela tem o compromisso ético da
alteridade, respeitando a infância e a singularidade de cada criança,
favorecendo as interações, a criatividade e a imaginação. Cada aluno da
Educação Infantil é uma criança carregada de subjetividade, de história de vida
e de cultura. Assim, o respeito à infância na Educação Infantil caracteriza-se
não somente no trabalho pedagógico, mas também na estrutura física das
instituições. Portanto, o ambiente das instituições de Educação Infantil é
organizado e personalizado levando em conta a imaginação, inventividade e
ludicidade da criança proporcionando a interação e a troca de experiências
entre as crianças, enriquecendo essas trocas pelo contato com os adultos. O
professor da Educação Infantil se constitui em observância à concepção de
criança e às propostas pedagógicas para o trabalho docente na Educação
Infantil, entendendo que o cuidado é indissociável do processo educativo
(Art.8º,§1º, inc.I), respeitando as crianças como sujeitos de direitos,
promovendo sua autoestima, não se impondo sobre as necessidades das
crianças, trabalhando valores, cuidando para que seja garantida a proteção e
segurança da criança, criando uma relação respeitosa e cuidadosa em uma
convivência saudável e trocas afetivas, estimulando a brincadeira e atuando
como mediadora nas interações sociais das crianças.
Segundo Saviani (apud MARSIGLIA, 2011 p. 27) “[...] a especificidade
do trabalho educativo é o ato de produzir direta e intencionalmente, em cada
indivíduo singular, a humanidade que é produzida histórica e coletivamente
pelo conjunto dos homens.” Tal definição constitui a base teórica da pedagogia
histórico-crítica, cuja proposta inspira-se no marxismo, em sua concepção de
homem e de mundo. Marx diferencia o ser humano dos animais pelo trabalho,
que para ele é a atividade humana fundamental, capaz de transformar a
natureza e assim, responsável pela evolução da sociedade humana - evolução
esta que não se dá por fatores biológicos, mas pela apropriação da cultura
transmitida historicamente através das gerações. Portanto, a escola deve ter o
compromisso com a transmissão-assimilação do saber sistematizado, a fim de

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produzir a humanidade nos indivíduos. Neste sentido Saviani destaca as
características da pedagogia histórico-crítica:

Uma pedagogia articulada com os interesses populares


valorizará, pois, a escola; não será indiferente ao que
ocorre em seu interior; estará empenhada em que a
escola funcione bem; portanto, estará interessada em
métodos de ensino eficazes [...] Serão métodos que
estimularão a atividade e iniciativa dos alunos sem abrir
mão, porém, da iniciativa do professor; favorecerão o
dialogo dos alunos entre si e com o professor, mas sem
deixar de valorizar o diálogo com a cultura acumulada
historicamente; levarão em conta os interesses dos
alunos, os ritmos de aprendizagem e o desenvolvimento
psicológico, mas sem perder de vista a sistematização
lógica dos conhecimentos, sua ordenação e gradação
para efeitos do processo de transmissão-assimilação dos
conteúdos cognitivos (SAVIANI apud MARSIGLIA, 2011,
p. 22).

Marsiglia (2011, p. 31) relaciona três itens importantes que a pedagogia


histórico-crítica defende: uma educação que proporcione aos alunos a
ampliação de sua cultura, em oposição a uma educação que se baseia apenas
em seu cotidiano, resultando em alienação produzida pela cultura de massas;
uma educação que desenvolva nos alunos novas possibilidades e
necessidades de progresso, em oposição a uma educação que satisfaça as
necessidades básicas de seu cotidiano alienado; uma educação que transmita
os conhecimentos válidos universalmente pois foram construídos por seres
humanos em momentos históricos específicos e por isso tornam-se mediadores
indispensáveis na compreensão da realidade social e natural, em oposição a
uma educação que se apoia em concepções do conhecimento humano como
algo fragmentado, particularizado, subjetivo, relativo e parcial negando o
acesso a um conhecimento objetivo.

METODOLOGIA
Trata-se de uma pesquisa teórico-conceitual, que propõe uma análise
crítica acerca da educação infantil que visa, por um lado, desvelar as
implicações para a formação humana contidas nos documentos oficiais e por
outro, propor caminhos para a prática pedagógica emancipadora, com base na
pedagogia histórico-crítica. O método é o materialismo histórico e dialético,
que visa a compreensão ontológica do real a partir de seu desenvolvimento
histórico, partindo da análise da prática social, a fim de identificar suas

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contradições, com o objetivo de intervir de forma crítica para promover sua
transformação. Para isso, buscaremos subsídios por meio das leituras e
também por entrevistas com profissionais como pediatras, nutricionistas,
fonoaudiólogos, psicólogos e pedagogos a fim de contribuir para o
direcionamento de conteúdos a serem desenvolvidos com as crianças
pequenas para que haja a superação das práticas cotidianas espontaneístas e
a valorização da educação escolar.

DISCUSSÃO E CONSIDERAÇÕES FINAIS


Podemos perceber contradições entre os documentos oficiais analisados
que tratam da Educação infantil com o referencial teórico da pedagogia
histórico-crítica. Os documentos valorizam o cuidado, a brincadeira e
integração, sendo estes, portanto, fundamentais para o trabalho pedagógico na
educação infantil, articulados com situações que reproduzam contextos
cotidianos. Para a pedagogia histórico-crítica o que promove o
desenvolvimento humano do indivíduo é o acesso à humanidade que é
produzida histórica e coletivamente pelo conjunto dos homens por meio da
transmissão do saber sistematizado (SAVIANI, 2008), em oposição a uma
educação que apenas reproduza o cotidiano. Os documentos citam também
que o profissional que trabalha na Educação infantil deve ter pleno
conhecimento acerca da faixa etária da criança a fim de subsidiar suas ações,
considerando o aluno como criança e não a criança como aluno a fim de
favorecer as interações, a criatividade e a imaginação, promovendo sua
autoestima, não se impondo sobre as necessidades das crianças. Assim, o
professor é um mero facilitador das relações sociais entre as crianças e deve
valorizar suas atividades espontâneas em detrimento de uma diretividade do
ensino. O professor deve dar voz à criança, articulando os conhecimentos
prévios com a prática do dia-a-dia proporcionando assim que ela mesma
construa conhecimento, desprezando dessa forma os conteúdos
sistematizados e reforçando a ideia de que a creche é um local destinado mais
ao convívio coletivo do que à educação como processo de humanização.
Tais considerações representam o que Martins (2009) cita como
pedagogia da espera, ou seja, a ideia segundo a qual pouco há que se fazer
até que as crianças cresçam, e por isso o trabalho com os pequenos está
pautado apenas nos cuidados básicos. Segundo a autora, para superar as
práticas espontaneístas, o professor precisa ter conhecimento das ações que
interferem de modo indireto e direto no desenvolvimento da criança. A
interferência indireta é feita por meio dos conteúdos de formação operacional
que cria novas habilidades na criança e se relaciona, além dos cuidados
básicos, também aos saberes sociológicos, psicológicos, filosóficos etc que
devem pautar a organização do ensino por parte do professor. A interferência
direta é feita por meio dos conteúdos de formação teórica que promovem a
apropriação do conhecimento sistematizado. Percebemos portanto a

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importância da diretividade do ensino em oposição ao espontaneísmo, pois, o
ser humano se desenvolve como tal a partir da apropriação da cultura
transmitida por meio de conteúdos de ensino específicos fundamentados aos
pressupostos teóricos do desenvolvimento da criança.

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