Artigo Academia Edu - O Princípio Constitucional (-) Da Função Social Da Empresa À Luz Do Estado Socioambiental de Direito.

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O Princípio Constitucional (?

) da função social da empresa à luz do


Estado Socioambiental de Direito.

Lauber Vinicius Antonio Ferreira Santos atua


como advogado, e é pós-graduado em Direito
Constitucional do Curso de Direito Constitucional
da Academia Brasileira de Direito Constitucional
(ABDCONST), e, pós-graduando em Direito
Processual Civil na Escola Superior do Ministério
Público de São Paulo (ESMP/SP).

RESUMO

O presente artigo visa desenvolver um raciocínio técnico jurídico a respeito


do adequado entendimento da função social da empresa enquanto legítimo princípio
constitucional na contemporaneidade, levando em consideração a dialética existente
entre uma concepção de Estado sustentável e de uma Ordem Econômica derivada
do sistema capitalista.
Para isso, a pretensão desenvolvida se valeu de conceituações e
delimitações necessárias a respeito do tema, tendo em vista que o mesmo traz em
seu bojo questões atinentes a uma aparente contrariedade entre o legítimo exercício
da atividade econômica em um Estado socioambiental de Direito inaugurado na
Constituição de 1988.
Palavras-chave: Empresa. Ordem Econômica. Função Social. Estado
Socioambiental. Constituição Federal.

ABSTRACT

This article aims to develop a legal technical reasoning regarding the


adequate understanding of the social role of business as a legitimate constitutional
principle in contemporary times, taking into account the dialectic between the
creation of a sustainable State and an Economic Order derived from the capitalist
system.
For this, a pretension developed was based on possible concepts and
delimitations on the subject, considering that it brings in its bulge issues related to an
apparent to the legitimate of economic activity in a socio-environmental State of Law
in the Constitution of 1988 .

Key words: Business. Economic Order. Social Role of Businesses.


Socioenvironmental State. Federal Constitution.

INTRODUÇÃO

Sinteticamente, no presente artigo discutimos alguns dos aspectos que


marcam a interconexão entre Direito, Ordem Econômica e Estado, perpassando por
necessárias conceituações que imbricam em um entendimento sobre como a função
social da empresa, na atualidade, ganha uma nova roupagem se analisada sob a
perspectiva do Estado Socioambiental de direito.

Desta forma, temos como objetivo apresentar uma concepção


contemporânea e constitucionalmente adequada da função social da empresa
enquanto princípio constitucional exsurgente do Art. 170 da Constituição Federal da
República de 1988 que estabelece os fundamentos da Ordem Econômica brasileira,
e que, ao mesmo tempo, inaugura uma nova concepção de Estado, denominada de
Estado Socioambiental de Direito, de modo a compreender melhor referido instituto
jurídico em seu sentido autêntico na contemporaneidade.

ESTADO, DIREITO E ORDEM ECONÔMICA CONCEITOS


FUNDAMENTAIS E INTERCONEXÕES.

O mercado é uma instituição jurídica. Nesse sentido, Gilberto Bercovici


leciona que “ o mercado, em essência, é um lugar no qual se organiza o sistema de
trocas, das relações econômicas básicas” 1, e que, esse sistema, no capitalismo -
que é o modelo econômico adotado pelo Brasil - , não é algo meramente fático e
econômico, ele é um sistema eminentemente jurídico. 2

Em outras palavras, o mercado é uma instituição jurídica: o mercado não é


um lugar etéreo que está pairando no ar, que existe desde sempre para sempre,
mas, pelo contrário, são relações sociais historicamente determinada:

“Cada sociedade tem seu mercado, tem suas relações


econômicas e sociais de alguma forma. Isso não significa que todos
os mercados são iguais, pois cada um é estruturado eminentemente
não por leis econômicas (que os economistas têm o costume de
chamar de leis naturais e que existem desde sempre e para sempre),
mas por fenômenos sociais que variam com o tempo e de acordo
com cada sociedade. As leis que formam os mercados não são,
deste modo, universais”.3

Apesar de existirem setores do pensamento econômico que diminuem o


papel do direito e qualquer outro tipo de relação não propriamente econômica na
estruturação das relações econômicas, não há como vislumbrar o conceito de
ordem econômica sem que antes seja feito uma breve excursão a respeito da
intrínseca relação entre esta, o Estado e o Direito.

1 BERCOVICI, Gilberto. Economia, Direito e Desenvolvimento: Aula 01: As Relações entre Direito e
Economia. Apostila da Pós-graduação EAD em Direito Constitucional da Academia Brasileira de
Direito Constitucional. Curitiba, Paraná.2020.
2 Ibidem.
3 Ibidem.
O ESTADO

O Estado moderno4, atual concepção de Estado5, teve seu início a partir da


segunda metade do Século XV na França, na Inglaterra e na Espanha 6.

De acordo com as lições de Lênio Streck e José Bolzan de Morais em obra


conjunta:

“A primeira característica do Estado Moderno é essa


autonomia, essa plena soberania do Estado, a qual não permite que
sua autoridade dependa de nenhuma outra autoridade. A segunda é
a distinção entre o Estado e a sociedade civil, que vai evidenciar-se
no séc. XVII, principalmente na Inglaterra, com a ascensão da
burguesia. O Estado se torna uma organização distinta da sociedade
civil, embora seja a expressão desta. Uma terceira característica
diferencia o Estado em relação àquele da Idade Média. O Estado
medieval é propriedade do senhor, é um Estado patrimonial. O
senhor é dono do território e de tudo o que nele se encontra (homens
e bens). No Estado Moderno, pelo contrário, existe uma identificação
absoluta entre o estado e o monarca, o qual representa a soberania
estatal. Mais tarde, em fins de 1600, o rei francês afirmava “L’etat
c’est moi”, no sentido de que ele detinha o poder.”7

Com Burdeau, os autores argumentam que o Estado, nessa sua nova feição,
procura ligar o Poder a uma função e “para que se formasse o conceito de Estado
era necessário que a potência, que é a possibilidade de ser obedecido, se
reforçasse com a autoridade, que é uma qualificação para dar a ordem.” 8 Dito de
outro modo:

“[...]o novo modo de produção em gestação (capitalismo)


demandava um conjunto de normas impessoais/gerais que
desse segurança e garantias aos súditos (burguesia em

4 “o nome Estado é um novo nome para uma realidade nova: a realidade do Estado precisamente
moderno, a ser considerado como uma forma de ordenamento tão diverso dos ordenamentos
precedentes que não podia mais ser chamado com os antigos nomes. Assim, diz o mestre italiano, o
nome Estado deve ser usado com cautela para as organizações políticas existentes antes do novo
ordenamento centralizador, institucionalizado, denominado por Maquiavel de Estado.“ STRECK,
Lenio Luiz. BOLZAN DE MORAIS, Jose Luis. Ciência Política & Teoria do Estado. 8.ed.rev. e
atual.3.tir. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2019. p.40.
5 “naquilo que se passou a denominar de Estado Moderno, o Poder se torna instituição (uma
empresa a serviço de uma ideia, com potência superior à dos indivíduos). É a ideia de uma
dissociação da autoridade e do indivíduo que a exerce. O Poder despersonalizado precisa de um
titular: o Estado. Assim, o Estado procede da institucionalização do Poder, sendo que suas condições
de existência são o território, a nação, mais potência e autoridade. Esses elementos dão origem à
ideia de Estado. Ou seja, o Estado Moderno deixa de ser patrimonial. Ao contrário da forma estatal
medieval, em que os monarcas, marqueses, condes e barões eram donos do território e de tudo o
que nele se encontrava (homens e bens), no Estado Moderno, passa a haver a identificação absoluta
entre Estado e monarca em termos de soberania estatal. L’État c’est moi.” Ibidem. pp. 42-43.
6 Ibidem.p.40.
7 Ibidem.p.40.
8 Ibidem. p.42.
ascensão), para que estes pudessem comercializar e produzir
riquezas (e delas desfrutar) com segurança e com regras
determinadas. Assim, enquanto no medievo (de feição
patrimonialista) o senhor feudal era proprietário dos meios
administrativos, desfrutando isoladamente do produto da cobrança
de tributos, aplicando sua própria justiça e tendo seu próprio exército,
no Estado centralizado/institucionalizado, esses meios
administrativos não são mais patrimônio de ninguém. É esta, pois, a
grande novidade que se estabelece na passagem do medievo para o
Estado Moderno.”9 [grifos nossos].

O Estado Moderno se constituirá e se desenvolverá a partir de 4 (quatro)


elementos: a) concentração do poder; b) supressão, ao nível societário, das
associações e comunidades intermediárias, bem como, no âmbito do próprio
complexo estatal, das instituições e poderes de nível intermediário dotados de
alguma autonomia; c) redução da população, quaisquer que sejam seus
estamentos, classes ou estratos, a uma massa indistinta, anônima, uniforme e
indiferenciada de súditos, isto é, à igualdade abstrata de sujeição comum a um
poder direto e imediato; e, enfim, d) um movimento em virtude do qual este poder, o
Estado, se destaca, separa e isola da sociedade 10, possuindo, ainda, diversas
facetas no decorrer de sua evolução ao longo da história.

Dentre as facetas do Estado moderno, atualmente, o Brasil, a partir de sua


constituição de 1988 , adotou o modelo de(nominado) Estado Democrático de
Direito (podendo se falar, com Sarlet, como sinônimo de Estado Constitucional),
sendo este o ambiente propício para o surgimento do paradigma Socioambiental 11,
conforme exploraremos mais detalhadamente em capítulo vindouro.

O DIREITO

9 Ibidem.p.44.
10Ibidem. pp.44-45.
11 Sob o rótulo de Estados Constitucionais, é possível identificar determinados modelos, que, em
termos gerais e de acordo com difundida tipologia, podem ser reunidos em pelo menos três grupos,
designadamente, o Estado Constitucional Liberal (Estado Liberal de Direito), o Estado Constitucional
Social (o Estado Social de Direito) e o Estado Democrático de Direito, que, para o autor mencionado,
assume a feição de um Estado também Social e Ambiental, que pode, mediante uma fórmula-
síntese, ser também designado como um Estado Socioambiental, ou mesmo um Estado
Socioambiental e Democrático de Direito. Nesse sentido, ver: MITIDIERO, Daniel. SARLET, Ingo
Wolfgang. MARINONI, Luiz Guilherme. Curso de direito constitucional [livro eletrônico]. 10. ed. São
Paulo: Saraiva, 2021. E-book. ISBN: 9786555593402. Disponível em:
https://app.saraivadigital.com.br/leitor/ebook:754447. Acesso em: 03/10/2021.
Já a origem do Direito tem, em si, uma complexidade derivada dos diversos
termos e significados que podemos atribuir a este fenômeno, podendo se falar em
seu conceito etnológico, historicista-etimológico, jusnaturalista, juspositivista, e pós-
positivista.

Sendo o Direito um fenômeno complexo, seu desenvolvimento no decorrer


da história da (nossa) civilização ocidental, perpassou por uma série de teorias e
entendimentos filosóficos que foram moldando a existência dos homens em
sociedade, se tornando, portanto, um fenômeno social com a função de regular as
relações humanas de modo a contribuir com o progresso humano e seu bem-estar
social.

Assim sendo, verifica-se que, por regular e ordenar as relações sociais, o


exercício do direito tem como consequência compor conflitos sociais, satisfazendo,
em certo sentido, as necessidades sociais.

O Direito gestado dentro do Estado Moderno passa por se relacionar com o


poder e com o signo da violência. Nesse raciocínio, os professores Georges
Abboud, Henrique Garbellini e Rafael Tomaz de Oliveira, lecionam, de forma
esclarecedora, que “indubitavelmente, desde sua gênese, o direito encontra-se em
relação estreita com o poder, tão estreita que muitas vezes pode se encontrar quem
o reduza às relações de poder.”12

Portanto, muitas vezes, direito e poder parecem se confundir ou se reduzir


mutuamente, a ponto de um se tornar completamente o outro. A conclusão é de que
o processo civilizatório do ocidente foi marcado profundamente pela relação entre o
direito e o poder, havendo uma extrema importância no asseguramento pelo direito
do exercício político-jurídico do Estado, pois, enquanto o direito é uma forte
ferramenta do Estado, este não pode dele se valer daquele para fins não legítimos,
cabendo ao direito funcionar como limitador do exercício político do Estado. 13

12 ABBOUD, Georges. CARNIO, Henrique Garbellini. OLIVEIRA, Rafael Tomaz de. Introdução à
teoria e à Filosofia do Direito.3.ed.rev., atual e ampl. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais,
2015.p.92. E ainda: “Por fim, projetando-se de forma histórica a análise, chegar-se-ia à figura do
Estado Moderno e todo sua configuração política-jurídica, o que ocasiona outro tipo de reducionismo,
metodologicamente dizendo, pois reduz a política e o próprio direito a uma forma jurídica de exercício
do poder.” Ibidem.p.92.
13 Ibidem.p.128.
A ORDEM ECONÔMICA

A Ordem Econômica é um conjunto de normas que tratam sobre a atividade


econômica dentro de um determinado país.14

A ideia de um direito econômico propriamente dito é reflexo das mudanças


profundas que a sociedade ocidental sofreu com a industrialização que se
aprofundou durante a Primeira Guerra Mundial 1516:

“A expressão "ordem econômica" é incorporada à linguagem


dos juristas, sobretudo — mas também do direito — a partir da
primeira metade deste século. Sob esse uso, de expressão nova,
repousa, indiscutida — e como se fora indiscutível — a afirmação de
que a ordem econômica (mundo do ser) do capitalismo foi rompida.
Para tanto contribui, com enorme eficácia, a Constituição de Weimar,
de 1919. Entre nós, a referência a uma "ordem econômica e social",
nas Constituições de 1934 até a de 1967, com a Emenda n. 1, de
1969 — salvo a de 1937, que apenas menciona a "ordem
econômica" — e a duas ordens, uma "econômica", outra "social", na
Constituição de 1988, reflete de modo bastante nítido a afetação
ideológica da expressão. O que se extrai da leitura despida de
senso crítico, dos textos constitucionais, é a indicação de que o
capitalismo se transforma na medida em que assume novo
caráter, social [grifos nossos].”17

Segundo André Ramos Tavares, o capitalismo é o sistema econômico no


qual as relações de produção estão assentadas na propriedade privada dos bens
em geral, especialmente dos de produção, na liberdade ampla, principalmente de

14 Para Eros Grau, a ordem econômica é o: “conjunto de normas que define, institucionalmente, um
determinado modo de produção econômica. Assim, ordem econômica, parcela da ordem jurídica
(mundo do dever-ser), não é senão o conjunto de normas que institucionaliza uma determinada
ordem econômica (mundo do ser).” GRAU, Eros Roberto. A Ordem Econômica na Constituição de
1988. 12.ed. São Paulo: Malheiros Editores LTDA. 2007.p.72
15 Segundo Gilberto Bercovici: "A população deixa o campo e passa a morar nos centros urbanos, o
que demandou soluções de logísticas, transporte, energia, dentre outros. Com efeito, o comércio se
intensifica e origina novos problemas regulatórios. O direito do trabalho se fortalece no afã de
solucionar as questões laborais, pois o direito privado tradicional não mais conseguia suprir as
demandas sociais. É neste cenário, localizado temporalmente na Primeira Guerra, que o direito
econômico é pensado: a princípio, como ramo provisório, no pós-guerra se afirmou como domínio
que pensa a organização do sistema econômico, mas também leva em consideração os serviços
públicos, a infraestrutura dos Estados, a organização industrial, o planejamento da economia, enfim,
todas as relações econômicas e sociais que estruturam o sistema de geração, produção e
distribuição de riquezas.” BERCOVICI, Gilberto, op.cit.
16 “o século XX propiciou o processo de ampliação da participação popular, do direito de voto nas
sociedades europeias e americanas. Mencionamos a Constituição alemã, de Weimar, por figurar
como um texto constitucional que influenciou o processo de feitura das demais cartas europeias. Ela
não previa apenas as estruturas dos poderes e direitos individuais, indo além ao garantir também
direitos sociais e instrumentos para a sua garantia, demandando que o Estado alemão atuasse nas
esferas econômica e social. A única exceção ocidental anterior à Constituição de Weimar foi a
Constituição do México, de 1917, que também é fruto de um contexto específico (revolução
mexicana).”Ibidem.
17 GRAU, Eros Roberto, op.cit., p.66.
iniciativa e de concorrência e, consequentemente, na livre contratação de mão de
obra18. O modelo capitalista pressupõe a liberdade (liberalismo econômico) e a
propriedade dos bens de produção. O regime jurídico, portanto, deverá assegurar
esses dois pressupostos com que trabalha o sistema capitalista de economia, sendo
certo que esse núcleo normativo comporá (ao lado de outros elementos) o Direito
econômico19.

No Brasil, a Ordem Econômica Constante na Constituição Federal de 1988,


advém desta capitalismo transformado por uma dimensão social 20. Localizada no
Título VII (Da Ordem Econômica e Financeira), capítulo I do diploma constitucional,
donde, de cara, é possível extrair os princípios que regem a regulação da atividade
econômica pátria:

Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do


trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a
todos existência digna, conforme os ditames da justiça social,
observados os seguintes princípios:

I - soberania nacional;

II - propriedade privada;

III - função social da propriedade;

IV - livre concorrência;

V - defesa do consumidor;

VI - defesa do meio ambiente, inclusive mediante


tratamento diferenciado conforme o impacto ambiental dos
produtos e serviços e de seus processos de elaboração e
prestação; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº
42, de 19.12.2003)

VII - redução das desigualdades regionais e sociais;

VIII - busca do pleno emprego;

18 TAVARES, André Ramos. Curso de Direito Constitucional Econômico. 3. ed. São Paulo: Método,
2011.p.34.
19 Ibidem.p.36.
20 De acordo com André Ramos Tavares: “O capitalismo praticado pelas nações do planeta não é
mais essencialmente liberal-individualista, tendo inclusive, pois, agregado notas próprias do
socialismo, sem que para este pretenda caminhar. É o caso da adoção de valores como o respeito à
função social da propriedade e a defesa de investimentos estatais em políticas sociais de educação,
saúde e saneamento, sem se falar da própria ampliação interventiva do Estado.” Ibidem. p.43.
IX - tratamento favorecido para as empresas de pequeno
porte constituídas sob as leis brasileiras e que tenham sua sede e administração no País.
(Redação dada pela Emenda Constitucional nº 6, de 1995).

Segundo Fábio Ulhoa Coelho derivado do “princípio” da função social da


propriedade21, a função social da empresa se apresenta quando esta gera :

“[...] empregos, tributos e riqueza, ao contribuir para o


desenvolvimento econômico, social e cultural da comunidade em
que atua, de sua região ou do país, ao adotar práticas
empresariais sustentáveis visando à proteção do meio ambiente e
ao respeitar os direitos dos consumidores, desde que com estrita
obediência às leis a que se encontra sujeita.” 22

Referido autor assevera ainda que:

“A Constituição Federal reconhece, por meio deste princípio


implícito, que são igualmente dignos de proteção jurídica os
interesses metaindividuais, de toda a sociedade ou de parcela desta,

21 De acordo com o magistério de Nelson Nery Jr e Georges Abboud “o moderno conceito de


propriedade pode ser sintetizado como o direito individual exclusivo de usar e dispor de coisas
materiais. Em nosso Estado Constitucional, é a Constituição que fundamenta o regime jurídico da
propriedade. E a nossa atual Carta Magna assegura o direito de propriedade (CF 5.° XXII), uma vez
que cumpra sua função social (CF 5.° XXIII). Não se pode fugir ao sentido de que apenas se garante
o direito de propriedade que atenda sua função social. Ou seja, a propriedade não poderá ser
exercida levando-se em conta apenas a vontade do próprio dominus, mas também deverá estar
harmonizada com o interesse coletivo, sendo a função social da propriedade a capacidade de impor
“um poder-dever ao proprietário sancionável pela ordem jurídica”. A introdução do princípio da função
social ocorre pela primeira vez no artigo 113, inciso XVIII da Constituição Federal de 1934, que,
apesar de garantir o direito de propriedade de maneira absoluta, impossibilita o proprietário de
exercê-lo de forma ilimitada, devendo, então, apreciar a função socioeconômica do bem. O princípio
anteriormente citado fora suprimido pela Constituição Federal de 1937, todavia, ressurge na
Constituição de 1946, de maneira contínua até os tempos atuais. Esta Constituição, em seu artigo
141, §16, determinava o condicionamento da propriedade ao interesse social, com possibilidade de
desapropriação do imóvel por interesse social. Na mesma linha, a Constituição Federal de 1967
manteve o citado princípio, agora positivado no artigo 157, inciso II. A própria Emenda Constitucional
n° 01, de 16.10.69, conservou o princípio já mencionado, em seu artigo 160, inciso III. A atual
Constituição também positivou o princípio supra aludido (CF 5.° XXIII), porém, com uma diferença
considerável em relação à Carta Magna de 1967, pois, nesta, tal princípio estava redigido no capítulo
referente à ordem econômica e social, em contrapartida, na Constituição vigente, está consagrado
nos direitos e garantias fundamentais e também como um dos princípios de ordem econômica (CF
170 II e III), principal relevância disso está na sua compreensão como um dos instrumentos
destinados à realização da existência digna de todos e da justiça social, bem como instituto
indispensável para a construção da sociedade justa, livre e solidária. Esse é o sentido em se
determinar o cumprimento de função social à propriedade. Trata-se do espraiamento dos direitos
fundamentais nas relações privadas. Tal qual o contrato, a propriedade não pode ser usada de
maneira abusiva e puramente potestativa, do contrário seu uso desatenderá a função social
insculpida no artigo quinto de nossa Constituição. Destarte, em nosso modelo constitucional,
propriedade é função e sua funcionalização precisa ser consentânea com a principiologia
constitucional.” NERY JR, Nelson. ABBOUD, Georges. Curso de Direito Constitucional Brasileiro
[livro eletrônico]. 2. ed.. São Paulo: Thomsom Reuters, 2019.E-book. ISBN: 978-85-5321-319-1.
Disponível em: https://proview.thomsonreuters.com/launchapp/title/rt/monografias/123448227/v2/
page/RB-2.23. Acesso em: 07/01/2022. Page RB-2.23.
22 COELHO, Fabio Ulhoa. Curso de direito comercial, volume 1: direito de empresa: empresa e
estabelecimento: títulos de crédito.24.ed.rev.e atual. São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2021.
p.73.
potencialmente afetados pelo modo com que se empregam os bens
de produção.”23

Portanto, ao Estado imputa-se a responsabilidade de agente normativo e


regulador da atividade econômica, exercendo as funções de fiscalização,
incentivo e planejamento, sendo este determinante para o setor público e
indicativo para o setor privado 24, sendo, desta forma, incontestável que a relação
entre Estado, Direito e Ordem Econômica possui uma complexidade profunda e
intrínseca.

A FUNÇÃO SOCIAL DA EMPRESA NO ESTADO SOCIOAMBIENTAL DE


DIREITO: POR UM SENTIDO CONSTITUCIONALMENTE ADEQUADO DA
FUNÇÃO SOCIAL DA EMPRESA NA CONTEMPORANEIDADE

Como vimos, a Ordem Econômica é constituída dentro de uma determinada


comunidade e em um determinado momento histórico, levando em consideração
questões morais, políticas e econômicas que, juntas, formam esta parte da ordem
jurídica dentro do todo legislativo25.

No Brasil, no ano de 1988, com a aprovação da Constituição Federal da


República, foi possível observar o surgimento daquilo que Ingo Sarlet Wolfgang e
Tiago Fensterseifer denominam (adequadamente) de “Estado Socioambiental de
Direito”26, sendo este o resultado das conquistas do Estado Liberal e do Estado
Social, bem como da convergência necessária da tutela dos direitos sociais e dos
direitos ambientais num mesmo projeto jurídico-político para o desenvolvimento

23 Ibidem. p.73.
24 Art.174 da Constituição Federal da República de 1988.
25 Mas, conforme alerta a professora Ana Frazão Vieira de Mello: “a própria ideia de Estado de
Direito traz em si a impossibilidade de que os instrumentos fundamentais da integração social sejam
o dinheiro ou o poder político. Com efeito, o Estado de direito implica a estruturação da sociedade a
partir do direito, de forma que a política e a economia é que devem ajustar as suas racionalidade ao
direito e não o contrário, pois o direito possui como característica a possibilidade real da integração
social por meio de normas e princípios, motivo pelo qual não pode renunciar à sua pretensão de
normatividade, sob pena de a econômica e a política subtraírem-se por completo à sua regulação,
transformando-o em um fenômeno periférico.” MELLO, Ana Frazão Vieira de. Direito da concorrência
[livro eletrônico]. São Paulo: Saraiva, 2017. E-book.202 ISBN: 9788547219604. Disponível em:
https://app.saraivadigital.com.br/leitor/ebook:621064. Acesso em: 13/11/2021.
26 Discorrem os autores: “Assim, tendo em conta os novos desafios gerados pela crise ecológica e
pela sociedade tecnológica e industrial, a configuração de um novo modelo, superando os
paradigmas antecedentes, respectivamente, do Estado Liberal e do Estado Social, passou a assumir
um lugar de destaque. Entre outras denominações, registram-se as seguintes nomenclaturas para
designar a nova “roupagem ecológica” incorporada pelo Estado Democrático de Direito na
atualidade, especialmente no âmbito ocidental e tal qual também consagrado pela Constituição
Federal de 1988: Estado Pós-social, Estado Constitucional Ecológico, Estado de Direito Ambiental,
Estado de Direito Ecológico , Estado Socioambiental , Estado do Ambiente, Estado Ambiental,
Estado de Bem-Estar Ambiental , Estado Verde , Estado de Prevenção e Estado Sustentável.”
KRELL, Andreas Joachim [et al.]; SARLET, Ingo Wolfgang, org. Estado socioambiental e direitos
fundamentais. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2010. pp.15-16.
humano em padrões sustentáveis, inclusive pela perspectiva da noção ampliada e
integrada dos direitos econômicos, sociais, culturais e ambientais (DESCA). 27
Deste modo:

“O Estado de Direito, a fim de promover a tutela da dignidade


humana frente aos novos riscos ambientais e insegurança gerados
pela sociedade tecnológica contemporânea, deve ser capaz de
conjugar os valores fundamentais que emergem das relações
sociais e, através das suas instituições democráticas, garantias
aos cidadãos a segurança necessária à manutenção e proteção da
vida com qualidade ambiental, vislumbrando inclusive, as
consequências futuras resultantes da ação de determinadas
tecnologias.”28

Da mesma forma, o Direito Brasileiro via surgir uma nova Ordem


Econômica, carregadas de princípios e regras que apresentavam uma nova faceta
sobre como as relações econômicas deveriam se dar a partir de então,
contemplando, em seu bojo questões sociais e ambientais típicas de um Estado
Social, mas que não se confundiam com este estágio anterior de Estado,
conciliando, também, vieses do sistema econômico capitalista (Estado Liberal).

Portanto, é possível afirmar que ambos os conceitos coexistem no sistema


jurídico pátrio de forma harmônica, pois, no que pese os diversos elementos
advindos da tradição do Estado Liberal e do Estado Social que foram inseridos na
extensão do Art. 170º da CF, de modo a, em uma primeira leitura, fazer com que o
intérprete do direito levante dúvidas quanto a compatibilidade ou não dos referidos
preceitos, entendemos, com lastro na doutrina retromencionada, que é justamente
a junção de referidas regras e princípios dentro do mencionado artigo que faz com
que o Brasil dê um salto paradigmático em sua organização político-constitucional,
de modo a trazer força normativa para princípios como do da função social da
empresa.

Nessa linha de raciocínio, e a nos fornecer o sentido constitucionalmente


adequado da função social da empresa neste novo paradigma estatal
denominado pela doutrina aqui seguida de socioambiental de direito, são os
ensinamentos da professora Ana Frazão, que discorre com maestria a respeito da
autenticidade do referido princípio e de sua inserção neste cenário
socioambiental:

27 Ibidem. p.13.
28 Ibidem. p.17
“A função social da empresa é importante princípio e vetor para o
exercício da atividade econômica, tendo em vista que o seu sentido
advém da articulação entre os diversos princípios da ordem
econômica constitucional. Longe de ser mera norma interpretativa e
integrativa, traduz-se igualmente em abstenções e mesmo em
deveres positivos que orientam a atividade empresarial, de maneira a
contemplar, além dos interesses dos sócios, os interesses dos
diversos sujeitos envolvidos e afetados pelas empresas, como é o
caso dos trabalhadores, dos consumidores, dos concorrentes, do
poder público e da comunidade como um todo. Dessa maneira, a
função social da empresa contém também uma essencial função
sistematizadora do ordenamento jurídico, sendo adensada por
intermédio de normas jurídicas que têm por objetivo compatibilizar os
diversos interesses envolvidos na atividade econômica ao mesmo
tempo em que se busca a preservação da empresa e da atividade
lucrativa que assim a qualifica.”29

Mas, atenção. A função social não tem por fim aniquilar liberdades e
direitos dos empresários e tampouco de tornar a empresa mero instrumento para
a consecução de fins sociais. Como bem elucida Ana Frazão, “a função social tem
por objetivo, com efeito, reinserir a solidariedade social na atividade econômica
sem desconsiderar a autonomia privada, fornecendo padrão mínimo de
distribuição de riquezas e de redução das desigualdades.” 30

29 MELLO, Ana Frazão Vieira de. Função social da empresa. In: TOMO Direito Comercial. São
Paulo: Enciclopédia Jurídica da PUCSP, 2018. Disponível em:
<https://enciclopediajuridica.pucsp.br/verbete/222/edicao-1/funcao-social-da-empresa>. Acesso em: 1
out. 2021. E ainda, essa renomada professora nos ensina que: “ o art. 170 traz diversos princípios
que orientam e direcionam o exercício da livre iniciativa empresarial, a exemplo da livre concorrência,
da proteção dos empregados, da defesa do consumidor e do meio ambiente, da redução das
desigualdades e do tratamento diferenciado à empresa de pequeno porte. A função social, nesse
sentido, mantém relação com todos esses princípios, procurando destacar que o fim da empresa é o
de proporcionar benefícios para todos os envolvidos diretamente com a atividade e, ainda, para a
coletividade. Não é por outra razão que há considerável ação do legislador nos assuntos descritos
pelo art. 170, com vistas a concretizar tais princípios em regulação jurídica específica. É o que se
verifica, por exemplo, nas normas de proteção da concorrência e de repressão estatal sobre atos
praticados por detentores de poder econômico, que adensam o princípio da livre concorrência (CF,
art. 170, IV), ao promover seu objetivo de garantir nível de competitividade que tanto possibilite a
liberdade dos agentes econômicos que pretendam ingressar ou permanecer no mercado, quanto
assegure aos consumidores menores preços advindos da liberdade de escolha e da difusão do
conhecimento econômico. No mesmo sentido, o princípio da defesa do consumidor (CF, art. 170, V)
concede proteção diferenciada aos destinatários finais de produtos e serviços, o que se concretiza
por intermédio do Código de Defesa do Consumidor, aplicável a todas as atividades empresariais.No
que diz respeito à proteção dos trabalhadores, consubstanciada pela busca ao pleno emprego (CF,
art. 170, VIII) e pelos direitos fundamentais dos trabalhadores previstos pelo art. 7º da Constituição
de 1988, a função social age no sentido de legitimar ou promover a implementação de mecanismos
para a distribuição dos resultados da atividade empresarial e a viabilização de iniciativas de co-
gestão. Importa, ainda, destacar que a proteção ao meio ambiente (CF, art. 170, VI) mantém
importante vinculação com a função social da empresa, na medida em que impõe à atividade
empresarial vários deveres positivos em prol de tal objetivo, limitando em grande medida seu âmbito
de atuação com vistas a preservar os recursos naturais e promover o desenvolvimento econômico
sustentável.” Ibidem.
30 Ibidem. Nessa mesma linha de raciocínio, Ana Frazão expõe que: “Por essa razão, o debate entre
contratualismo e institucionalismo ainda mantém relevância, ainda que sob nova roupagem. É o que
se verifica na oposição entre o modelo clássico (shareholder-oriented), direcionado à proteção dos
interesses dos sócios, personagens centrais no regime de governança corporativa das empresas; e o
O que ocorre em razão da função social da empresa é o aumento
exponencial desses conflitos, que deixam de se referir apenas aos acionistas e aos
gestores, posto que os interesses dos sócios, embora importantes, não são os
únicos que merecem tutela, sendo igualmente dignos de proteção os interesses dos
trabalhadores, dos consumidores, do poder público e da própria coletividade. 31

Mas, em razão do abarcamento do interesses destes grupos na concepção


de interesse social32, é necessário ressaltar que o interesse da empresa é maior do
que o de qualquer grupo envolvido, devendo ser preservada sua estrutura privada e
destinada ao lucro33, pois:

“Com efeito, qualquer que seja a dimensão que se atribua à função


social da empresa, deve ser ela compatibilizada com o princípio da
manutenção da empresa, na medida em que a subsistência rentável
da sociedade empresária é pressuposto para a realização de
qualquer outro interesse. Consequentemente, a manutenção da
empresa não pode ficar sujeita à vontade ou aos interesses de
determinados sócios ou credores ou qualquer outro grupo, diante da
magnitude de interesses que dependem da atividade empresarial
para serem atendidos. A correta compreensão do âmbito de
incidência da função social da empresa requer que se considerem os
diversos interesses que compõem o “interesse social” e da
preservação da empresa como parâmetros interpretativos das regras
existentes sobre diversas disputas societárias.”34

modelo de proteção a stakeholders (stakeholder-oriented), alternativa por meio da qual serão


também sujeitos relevantes no regime de governança corporativa todos aqueles que estejam de
alguma maneira ligados à atividade em questão, sejam empregados, credores, consumidores, o
poder público, entre outros.” Ibidem. Adiante, continua em sua exposição: “É necessário que se
busque equilíbrio entre contratualismo e institucionalismo: partindo-se do pressuposto de que o
interesse social não pode ser redutível apenas ao interesse dos sócios ou acionistas, há que se
admitir a consideração dos interesses dos stakeholders.” Ibidem.
31 Ibidem.
32 Assim sendo: “O interesse social é o parâmetro que conforma os fins e os meios pelos quais tal
atividade deve ser exercida, diante dos valores ou objetivos maiores que justificam a existência da
própria sociedade. Dessa maneira, o interesse social é a baliza estrutural e valorativa da gestão das
sociedades empresárias, estando seus desdobramentos filosóficos e técnico-operacionais em
constante interpenetração. A noção de interesse social, contudo, foi elaborada de maneiras diversas
ao longo dos tempos, destacando-se o embate entre concepções contratualistas e institucionalistas.
A abordagem contratualista do interesse social, estruturada no século XIX, parte do pressuposto de
que o interesse social corresponderia ao interesse dos próprios acionistas. Com a derrocada do
Estado Liberal, foram dados os primeiros passos para a construção de uma abordagem
institucionalista do interesse social, a partir de perspectiva que considera as pessoas jurídicas como
“núcleos sociais autônomos destinados a atender finalidades socialmente úteis em torno das quais os
indivíduos se unem e criam uma organização”. Uma das consequências da nova abordagem, que
passou igualmente pela influência da função social da empresa, foi a de considerar que o interesse
social deve abranger interesses outros que não apenas os dos acionistas e que “a racionalidade
empresarial precisa direcionar-se igualmente para o atendimento de padrões mínimos de justiça”,
ainda que haja dúvidas sobre como compatibilizar os interesses contrapostos que se projetam sobre
a sociedade.” Ibidem.
33 Ibidem.
34 Ibidem.
Sendo assim, percebe-se que a função social da empresa é princípio que
vincula a atividade empresarial à realização da justiça social, de maneira a
modificar a noção de interesse social para abarcar todos os sujeitos que, de
alguma forma, sejam afetados pela atividade empresarial, interna ou
externamente35, uma vez que:

“Além de projetar seus efeitos sobre a atividade empresarial para


criar deveres positivos a serem observados por seus gestores, a
função social da empresa apresenta também importante dimensão
negativa ou passiva, direcionada à proibição do exercício de direitos
subjetivos e liberdades que, por mais que estejam em aparente
conformidade com o direito, sejam contrários às finalidades e
princípios maiores do ordenamento jurídico. Por essa razão, a
dimensão negativa da função social da empresa está intimamente
relacionada à cláusula geral de vedação ao abuso de direito,
traduzindo-se em crítica ao formalismo e ao absolutismo da
concepção liberal dos direitos subjetivos.”

Dessa maneira, o compromisso dos acionistas com o interesse social se


traduz nos deveres de cuidado e proteção que necessariamente deverão orientar
o exercício do direito de voto, sobretudo no que diz respeito à tutela de valores
constitucionalmente protegidos.3637

“Por conta disso, o ideal é que a função social da empresa


seja implementada por meio de deveres claros e objetivos, e não
cláusulas excessivamente abertas, de modo que se verifique em
que medida tais regras serão eficazes, de que maneira ocorrerá
seu enforcement e quais serão seus impactos do ponto de vista
econômico, tendo em vista que somente se pode cogitar de
efetividade da função social da empresa se o princípio da
preservação da empresa for também posto em evidência.” 38

Destarte, a função social da empresa não tem por objetivo tolher o âmbito de
atuação dos empresários por intermédio de normas extremamente abarcantes, mas
sim de oferecer tratamento adequado ao correto equilíbrio entre poder e
responsabilidade39.
35 Ibidem.
36 Ibidem.
37 “Importa rememorar, portanto, que embora diversos interesses sejam merecedores de tutela, o
interesse da empresa deve prevalecer sobre o de qualquer grupo envolvido, enquanto que a função
social da empresa, enquanto consequência direta da articulação dos princípios da ordem econômica
constitucional, tem o condão de ampliar o rol de destinatários da atividade empresarial, sendo
forçoso reconhecer que de tal norma geral é possível deduzir normas imperativas a serem
observadas pelos gestores.” Ibidem.
38 Ibidem.
39 “A dimensão de limitação do exercício de direitos e liberdades mantém também, importante
relação com o princípio da boa-fé objetiva, na medida em que o exercício de direitos subjetivos ou
competências administrativas na gestão empresarial deverá observar os limites qualitativos e
quantitativos que tal princípio impõe, especialmente diante de interesses constitucionalmente
CONCLUSÃO

O Estado Socioambiental de Direito, longe de ser um Estado "Mínimo", é


um Estado regulador da atividade econômica, capaz de dirigi-la e ajustá-la aos
valores e princípios constitucionais, objetivando o desenvolvimento humano e
social de forma sustentável.

A ordem econômica contemplada na Constituição Federal brasileira se


presta a desmistificar a perspectiva de um capitalismo liberal-individualista em
favor da sua leitura à luz dos valores e princípios constitucionais socioambientais,
como evidenciamos ao longo do presente artigo.

Portanto, e à guisa de conclusão, a ordem econômica constitucionalizada


no Art. 170 da Carta da República, com base também nos demais fundamentos
constitucionais que lhe constituem e informam, expressa uma opção pelo que se
poderia designar de um capitalismo socioambiental capaz de compatibilizar a livre
iniciativa, a autonomia e a propriedade privada com a proteção ambiental e as
justiças ambiental e social, tendo a empresa, na esteira das funções social e
sustentável que lhe são inerentes, um importante papel na concretização e
proteção de direitos fundamentais, uma vez que deve se ater, dentro da
perspectiva positiva e negativa por nós exposta, a tutela dos interesses da
comunidade e do Estado em que estiver inserida.

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protegidos. A boa-fé objetiva, na verdade, representa parâmetro de aferição do abuso de direito, uma
vez que serve para delinear o alcance das liberdades dos gestores no que diz respeito às relações
com terceiros interessados na atividade empresarial em questão. Assim, o princípio da boa-fé – para
além de produzir deveres positivos e de realçar o dever de cuidado – impõe que as decisões sejam
tomadas por intermédio de procedimento razoável e bem informado. Essa dimensão negativa da
função social da empresa igualmente não se resume a enunciados normativos gerais, mas encontra
densificação em diversas regras que têm por objetivo a limitação do exercício dos direitos e
liberdades empresariais em prol do atendimento do interesse social.” Ibidem.
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