O Tratamento Fluidoterapico Do Centro Espirita Irma Scheilla Uma Analise Socioantropologica - Compressed
O Tratamento Fluidoterapico Do Centro Espirita Irma Scheilla Uma Analise Socioantropologica - Compressed
O Tratamento Fluidoterapico Do Centro Espirita Irma Scheilla Uma Analise Socioantropologica - Compressed
VIÇOSA – MG
Julho/2017
UNIVERSIDADE FEDERAL DE VIÇOSA – UFV
VIÇOSA – MG
Julho/2017
Regina Barud de Carvalho
Aprovada em:
____________________________________________________
Orientadora: Profª Dra. Raquel dos Santos Sousa Lima
Colégio de Aplicação Cap Coluni – UFV
____________________________________________________
Prof. Dr. Douglas Mansur da Silva
Departamento de Ciências Sociais – UFV
Examinador
____________________________________________________
Prof. Dr. Fabrício Roberto Costa Oliveira
Departamento de Ciências Sociais – UFV
Examinador
____________________________________________________
Profª Dra. Marine Lila Corde
Departamento de Ciências Sociais – UFV
Suplente
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO ........................................................................................................................ 9
ANEXOS ................................................................................................................................. 70
LISTA DE SIGLAS E ABREVIATURAS
Figura 2 - Planta baixa com indicação das salas de avaliação e reuniões mediúnicas………...29
Figura 3 - Folhetos entregues a quem está “chegando à casa espírita” no dia do tratamento, pela
primeira vez…………………………………………………………………………………...32
This work analyzes the spiritual fluid therapy treatment of the Spiritualist Sister Scheilla Center,
located in Viçosa - MG. The research is carried out from the anthropological and sociological
perspectives of religion, involving, in this case, the relationship between health and religiosity.
The peculiar aspects of the Fluid Therapy Treatment, as well as one of its fundamental
presuppositions, the prayer, show the complexities connected in an event that mobilizes a
significant number of incarnated people and disincarnated spirits. The fluid involves ritualistic
dimensions and a proposal of spiritual healing instead of material healing and aims, above all,
self-healing, with a proposal of intimate reformation to the individual, seeking the renewal of
attitudes and the change of habits. From the fieldwork, which involved observation, data
collection and interviews, attempts are made to understand the motivations that lead someone
to seek Fluid Therapy Treatment, as well as to analyze the results of such treatment. In this
sense, It was possible to perceive that among the motivations of those attending the face-to-face
treatment are complaints such as depression, anguish, sadness and discomfort in the face of
delicate life situations, and that the treatment is most often effective, as in the case X, a
particular case that is presented below.
INTRODUÇÃO
De acordo com o CEI, o Movimento Espírita é “o conjunto das atividades que têm por
objetivo estudar, divulgar e praticar a Doutrina Espírita” contida nas obras básicas de Allan
Kardec, colocando-a ao alcance e a serviço de toda a Humanidade e, ainda, dar amparo às
pessoas com “problemas espirituais, morais e materiais”. As atividades que compõem o
Movimento Espírita são realizadas por pessoas, isoladamente ou em conjunto, e por
“Instituições Espíritas”, ou seja, grupos, centros ou sociedades espíritas3.
1
De acordo com o espiritismo, Scheilla nasceu na Alemanha e desencarnou por ocasião do primeiro bombardeio
da RAF em Berlim, na 2ª Grande Guerra Mundial, soterrada em pleno desempenho de sua função de enfermeira,
em um abrigo de crianças. Ao se reposicionar no mundo espiritual, optou por atuar no Brasil, onde se encontravam
seus afins, inclusive o médium Peixotinho. Através deste, o espírito Scheilla, com sua figura caridosa, se
materializou pela primeira vez em 1948. Disponível em:
http://www.autoresespiritasclassicos.com/Chico%20Xavier/Biografia%20do%20Espiritos/Scheilla/Esp%C3%A
Drito%20de%20Scheilla.htm Acesso em: julho/2017.
2
Disponível em: < http://www.fec.pt/website/conselho_espirita_internacional/> Acesso em maio/2017.
3
Disponível em: <http://www.espirito.org.br/portal/artigos/cei/movimento.html > Acesso em janeiro/2017.
10
Conforme diz Cavalcanti, diferentes atividades podem compor a rotina de uma casa
espírita, tanto em variedade como em periodicidade. Desta maneira é possível pensar que cada
casa espírita pode apresentar um ou mais “vieses” de ação específico. Algumas tendo como
foco principal o estudo doutrinário, outras a atividade assistencial, a atividade mediúnica ou o
tratamento espiritual.
Assim que iniciei a pesquisa junto ao Irmã Scheilla, e me inteirei das atividades
realizadas, chamou-me atenção o Tratamento Fluidoterápico que acontece nas noites de quinta-
feira. O tratamento, de acordo com o folheto explicativo fornecido pelo centro a quem o
procura, é composto dos seguintes procedimentos4:
4
Estes procedimentos serão explicados detalhadamente no segundo capítulo.
5
O uso de aspas a partir deste ponto do trabalho indicará as falas dos entrevistados.
6
Com exceção de Mazzarello e Brandão - por serem dois dos “fundadores” do Irmã Scheilla, por eles já terem
sido citados em Santos (2016) e por não terem sido entrevistados neste trabalho - os nomes dos tarefeiros foram
trocados, e, em alguns momentos, me refiro aos mesmos apenas pela letra maiúscula que adotei para designá-los.
7
De acordo com a classificação do Livro dos Médiuns, “todo aquele que sente, num grau qualquer, a influência
dos Espíritos é, por esse fato, médium. Essa faculdade é inerente ao homem; não constitui, portanto, um privilégio
exclusivo. Por isso mesmo, raras são as pessoas que dela não possuam alguns rudimentos. Pode, pois, dizer-se que
todos são, mais ou menos, médiuns. Todavia, usualmente, assim só se qualificam aqueles em quem a faculdade
mediúnica se mostra bem caracterizada e se traduz por efeitos patentes, de certa intensidade, o que então depende
de uma organização mais ou menos sensitiva. É de notar-se, além disso, que essa faculdade não se revela, da
mesma maneira, em todos. Geralmente, os médiuns têm uma aptidão especial para os fenômenos desta, ou daquela
ordem, donde resulta que formam tantas variedades, quantas são as espécies de manifestações. As principais são:
11
mais antigos daquela casa espírita e dos principais estruturadores desse procedimento de “cura
espiritual” . Ele consta de uma “avaliação” feita por espíritos desencarnados8, ou seja, de
pessoas mortas, por intermédio de alguns médiuns que “trabalham” no CEIS, e que prescrevem
o tratamento. Esta prescrição varia de acordo com a necessidade de cada pessoa, mas quase
sempre envolve a ida delas àquele centro durante um determinado número de quintas-feiras
para fazerem uma prece, receberem um passe e a água fluidificada, como será detalhado nos
capítulos seguintes. Os aspectos peculiares do tratamento, assim como um de seus pressupostos
fundamentais, a prece, evidenciam as complexidades imbricadas num acontecimento que
mobiliza significativo número de pessoas, “encarnadas” e “desencarnadas”, nesta que é uma
das mais procuradas e frequentadas atividades da casa espírita em questão.
a dos médiuns de efeitos físicos; a dos médiuns sensitivos ou impressionáveis; a dos audientes; a dos videntes; a
dos sonambúlicos; a dos curadores; a dos pneumatógrafos; a dos escreventes, ou psicógrafos. (KARDEC, 2011,
p. 211, 212) (grifos do autor).
8
De acordo com um dos livros fundamentais da Doutrina Espírita, o Livro dos Espíritos, os “desencarnados” são
espíritos de pessoas que já morreram e por isso estariam “fora da carne”. Consequentemente, as pessoas vivas são
designadas como “encarnadas”, já que para o espiritismo “os seres materiais constituem o mundo visível ou
corpóreo, e os seres imateriais, o mundo invisível ou espírita, isto é, dos Espíritos. ” (KARDEC, 1987, p. 23).
12
(RJ). Uma delas disse que na outra cidade o tratamento era diferente da fluidoterapia do CEIS
e por isso ela não gostou muito e o abandonou; a outra disse que “era diferente, mas bem
parecido”. Como se observa, o tipo de tratamento realizado neste centro espírita viçosense não
se encontra isolado na prática da cura espiritual, já que é oferecido em outros lugares, como
demonstrado por Aureliano (2012) e Pietrukowicz (2001), mas é importante indagar por que,
em Viçosa, ele é específico do Centro Irmã Scheilla. Uma das pistas é que, conforme será
tratado no próximo capítulo, a orientação para a implantação da fluidoterapia foi “recebida”, de
um espírito desencarnado pelo tarefeiro M, médium referido anteriormente e que já frequentava
o centro antes da existência do tratamento. Ele teria ouvido sugestões vindas do “plano
espiritual”9 para sua efetivação.
De início, mostro como a pesquisa foi construída e faço uma apresentação geral do
Centro Irmã Scheilla. Em seguida, descrevo o Tratamento Fluidoterápico, partindo da
explicação de sua gênese para, então, relatar os procedimentos básicos que ele envolve – prece,
passe e água fluidificada e a forma em que é realizado. Posteriormente, analiso as motivações
que levam as pessoas a buscarem o tratamento, a partir do ponto de vista dos “tarefeiros” ou
“trabalhadores” – como são chamadas as pessoas que atuam voluntariamente nas atividades do
centro- e a partir dos assistidos. Na parte final do TCC, a fim de refletir a eficácia do tratamento,
9
De acordo com o Livro dos Espíritos, o plano espiritual se refere ao mundo dos Espíritos, ou mundo espírita, ou
das inteligências incorpóreas, sendo este um mundo à parte, fora daquele que vemos, que preexiste e sobrevive a
tudo. Os Espíritos por sua vez “Estão por toda parte. Povoam infinitamente os espaços infinitos. […] Nem todos,
porém, vão a toda parte, por isso que há regiões interditas aos menos adiantados.” (KARDEC, 1987, p. 82,83).
13
apresento, além das narrativas dos assistidos em tratamento presencial10, uma descrição que
surgiu como uma espécie de estudo de caso durante o trabalho de campo, a qual chamo de “o
caso X”. Nas considerações finais, tento recuperar as posições apreendidas das entrevistas com
os assistidos, tarefeiros, coordenadores do tratamento e com a mãe deste assistido.
10
Há um tratamento feito à distância para pessoas necessitadas mas impossilitadas de irem ao centro, por estarem
doentes e acamadas, ou por morarem em outras cidades, ou por estarem presas, etc.
14
Ao começar a pesquisa, uma questão se colocou: como evitar a armadilha dos interesses
ligados à pertença religiosa? O sociólogo Pierre Bourdieu argumenta que:
Neste texto o autor discute “os sociólogos da crença e a crença dos sociólogos”, e chama
atenção para os obstáculos que podem se apresentar ao tentar adentrar na subjetividade de uma
crença quando cientistas sociais pesquisam campos religiosos aos quais pertencem. Tenho
ciência dos riscos de trabalhar com algo de interesse religioso pessoal, ou seja, sei que há um
envolvimento particular com aquilo que estou pesquisando nesta monografia, mas sinto-me
inclinada a admitir, assim como Gilberto Velho (1978, p.36) registrou, que isso não se traduz
em algo ruim, desde que seja problematizado pelo pesquisador. Este antropólogo afirma que “o
que sempre vemos e encontramos pode ser familiar, mas não é necessariamente conhecido e o
que não vemos e encontramos pode ser exótico mas, até certo ponto, conhecido” (1978, p. 39).
Velho sugere que o familiar seja transformado em exótico, para que o antropólogo possa tentar
11
Trata-se da disciplina CIS 418 – Tópicos Especiais de Sociologia I, ministrada pelos professores Fabrício
Oliveira e Raquel Lima.
15
“desnaturalizar” aquilo que lhe é familiar, de modo que ele tenha condições de fazer uma análise
mais crítica.
Nesse sentido, apesar deste Centro Espírita já ser um ambiente de certa forma conhecido
para mim, pude verificar, no decorrer da pesquisa, que o mesmo estava longe de estar totalmente
apreendido e compreendido. Como Salati afirma, “toda religião é sempre, com efeito, um
evento singular, particularíssimo, imprevisível e inesperado, que continua pelo menos de início,
enigmático também para aquele que nela está envolvido diretamente” (SALATI apud
RODRIGUES, 2012). Empenhada em tentar fazer do familiar algo exótico, como sugerido por
Gilberto Velho, pedi dispensa da tarefa no passe domiciliar no qual atuo para realizar o trabalho
de campo, acompanhando a movimentação no CEIS todas as quintas-feiras, desde antes das
18h30min até o término, às 21h. Meu objetivo era ampliar ao máximo minhas possibilidades
de desnaturalizar tudo aquilo que observava.
No trabalho de campo procurei frequentar todas as atividades oferecidas pelo CEIS para,
acompanhando a rotina, tentar apreender o maior número de informações e construir questões
a partir delas. Meus principais locais de observação foram a entrada do CEIS; o salão principal
no segundo andar, onde acontece o Tratamento Fluidoterápico; a cozinha (sala dos florais) -
onde são manipulados os florais; a biblioteca – onde é feita a triagem das fichas dos assistidos
que estão em tratamento à distância; a sala no andar térreo onde se realiza o Evangelho no Lar;
e, também no andar térreo, a sala onde ocorre o trabalho de irradiação. As entrevistas foram
realizadas nos corredores e salas do CEIS, na rua, nas residências e locais de trabalho de todos
12
Os roteiros com as questões das entrevistas semi-estruturadas utilizadas com os assistidos e com os tarefeiros
do Tratamento Fluidoterápico encontram-se nos anexos 4 e 5, respectivamente.
16
13
A entrevista, mais do que uma coleta de dados, é “sempre uma relação na qual as informações dadas pelos
sujeitos podem ser profundamente afetadas pela natureza desse encontro” (MINAYO, 2010, p.210), ou seja, ela
pode se configurar em oportunidade de novos aprendizados devido à interação entre o antropólogo e o entrevistado.
17
importância para tentar traçar um perfil sociológico dessas pessoas e, principalmente, para
responder à pergunta-chave que move a presente pesquisa, qual seja, o que levava as pessoas a
buscarem o tratamento. No entanto, devido ao próprio caráter “invasivo” de uma entrevista e à
necessidade de ter delicadeza para abordar alguém que pode já estar sensibilizado pelo próprio
problema que o fez buscar um tratamento espiritual, procurei uma trabalhadora da casa, com a
qual tenho uma relação de amizade, para que ela me ajudasse no contato com algumas pessoas.
Ao entrevistá-la (como tarefeira que é) ela, ao final da entrevista, sabendo que eu também tinha
grande interesse nas entrevistas com os assistidos, prontamente se dispôs a intermediar o
contato com todos as pessoas em tratamento, com as quais ela mantinha algum relacionamento
de amizade, conhecimento ou camaradagem. Assim sendo, esta conhecida, se caracterizou
como um agente extremamente dinâmico e eficaz na tentativa de concretização da etapa
“entrevista aos assistidos”, já que possibilitou minha aproximação com pessoas totalmente
desconhecidas, às quais, muito provavelmente, eu não teria acesso.
pautada pela retidão moral, pela prática da caridade e a dedicação aos estudos doutrinários,
conforme se poderá observar mais adiante neste trabalho.
No que diz respeito ao espiritismo em Viçosa, é importante registrar que ela é uma
cidade de maioria católica, como comprovam os dados do Instituto Brasileiro de Geografia e
Estatística - IBGE15. A religião espírita se apresenta como a terceira mais citada no Censo 2010,
corroborando os dados relacionados ao Brasil como um todo. Como descreveram
respectivamente Lewgoy (2011) e Teixeira (2014) sobre os dados do Censo 2000 e os de 2010,
o “crescimento vigoroso” do espiritismo, que no Censo de 2010 apresentou “expressivos 2%”
da população brasileira, se aproxima dos 1,85% em Viçosa. É pertinente ressaltar que Camargo
(1961), fazendo referência aos dados do IBGE de 1950, já classificava de “fenômeno” o “surto
extraordinário das religiões mediúnicas no Brasil. ”
14
Fundada por Augusto Elias da Silva no Rio de Janeiro, em 02 de janeiro de 1884, a FEB – Fundação Espírita
Brasileira tem por missão: “oferecer a Doutrina Espírita ao ser humano por meio do seu estudo, prática e difusão,
pela união solidária dos espíritas e unificação das instituições espíritas, contribuindo para a formação do homem
de bem. ” Disponível em: http://www.febnet.org.br/blog/geral/conheca-a-feb/missao/ Acesso em maio/2017.
15
População residente: religião católica apostólica romana - 58.718 pessoas; religiões evangélicas – 8.404; religião
espírita – 1.338. Disponível em:
http://cidades.ibge.gov.br/xtras/temas.php?lang=&codmun=317130&idtema=16&search=minas-
gerais|vicosa|sintese-das-informacoes Acesso em junho/2017
19
Por outro lado, na busca sobre comunicação mediúnica e seu uso como auxiliar na cura,
encontrei etnografias e pesquisas que abarcam este universo da comunicação entre o plano
visível e o plano invisível do mundo, como, por exemplo, Cavalcanti (2008) e Leão e Neto
(2007). Sendo estes últimos médicos psiquiatras, seus artigos apresentam os resultados “de
práticas espirituais na evolução clínica e comportamental de pacientes portadores de deficiência
mental internados em instituição de saúde”. Foi com a leitura deste material que compreendi o
significado do termo healing19 usado pelo tarefeiro M em nossa entrevista.
Soares (2009) apresenta a crise da medicina convencional pelos seus altos custos e pelos
seus fracassos em lidar com algumas doenças. Sendo uma dessas doenças o desequilíbrio
mental, Alexander Jabert (2008) mostra como na primeira metade do século XX a orientação
kardecista já se colocava como uma alternativa de tratamento “da loucura e do louco”. Por fim,
Pietrukowicz (2001) nos mostra o papel dos espaços religiosos como auxiliares no
enfrentamento dos problemas de saúde e constata que a Associação Espírita Francisco de Assis
16
A homeopatia é um tratamento médico criado por Christian Friedrich Samuel Hahnemann, médico alemão que
viveu de 1755 a 1843. Apesar de ser profissionalmente conceituado, Hahnemann se sentia insatisfeito com os
resultados obtidos pela medicina tradicional, que realizava seus tratamentos utilizando-se de técnicas terapêuticas
desagradáveis e invasivas, frequentemente com o recurso de sangrias, purgantes e vomitórios. (CORRÊA et al
apud JABERT, 2008).
17
A fitoterapia ou terapia pelas plantas é uma das mais antigas práticas terapêuticas da humanidade. Ela remonta
há cerca de 8.500 a.c. e apresenta origens tanto no conhecimento popular (etnobotânica) como na experiência
científica (etnofarmacologia). Disponível em: < http://www.ufjf.br/proplamed/atividades/fitoterapia/> Acesso em
junho/2017.
18
As essências florais são extratos líquidos naturais e altamente diluídos de flores, plantas e arbustos, que se
destinam ao equilíbrio dos problemas emocionais. O objetivo da terapia floral é o equilíbrio das emoções do
paciente buscando a consciência plena do seu mundo interior e exterior. Problemas de saúde frequentemente têm
suas origens nas emoções; sentimentos que foram persistentemente reprimidos irão emergir, primeiro como
conflitos mentais e depois como doença física. Disponível em: < https://www.monas.com.br/o-que/> Acesso em
junho/2017.
19
Healing refere-se ao processo enquanto tratamento e, neste sentido, envolve o conceito de melhora; cure é mais
empregado para se referir a curas pontuais, estando muitas vezes associado ao conceito de milagre. (LEÃO e
NETO, 2007, p.59).
20
– entidade objeto de sua pesquisa – realiza um trabalho que se traduz na “expressão do apoio
social. ”
Por fim, (CAMURÇA, 2012) traz reflexões importantes sobre o conceito de “eficácia
simbólica” na tentativa de interpretar as terapias de cura no espiritismo kardecista brasileiro,
citando, entre outros autores, Cândido Camargo (1961) e o “continuum” mediúnico em relação
ao kardecismo e a umbanda. Além desses autores, consultei um trabalho de conclusão de
disciplina intitulado “análise da produção acadêmica brasileira de teses e dissertações sobre o
espiritismo”, feito por Paz e Albuquerque (2010), a fim de me interar do que já se produziu
sobre Espiritismo no país.
O Centro Espírita Irmã Scheilla (CEIS) está localizado à Rua Araponga, 476 – bairro
Santo Antônio – Viçosa – MG (Figura 1). Sua sede abrange três pavimentos – térreo, primeiro
e segundo andares, sendo que no térreo e no primeiro andar funciona também a Creche Pingo
de Luz20. De acordo com Santos (2016, p.19-20), o CEIS iniciou suas atividades no ano de
1976, “na casa de Maria Amélia e José Paulo”. Posteriormente, essas atividades passaram a
acontecer na residência número 50 da Vila Giannetti, onde moravam Maria Mazzarello e seu
marido, José Brandão Fonseca, então professor da UFV. Cerca de um ano depois, este casal se
mudou para uma casa no bairro Clélia Bernardes, para onde foram levadas também as reuniões
do CEIS. A primeira reunião formalmente datada foi a ocorrida em 07 de outubro de 1977,
20
Centro de Educação Infalntil Pingo de Luz, creche mantida pelo CEIS e que atende atualmente cerca de 50
crianças de 6 meses a 3 anos e 9 meses.
21
sendo que neste ano, além das reuniões mediúnicas e de estudos, iniciaram-se também
atividades de caridade.
Figura 1 – Mapa de localização do Centro Espírita Irmã Scheilla em Viçosa – MG. Fonte: Disponível em:
<https://www.google.com.br/maps/place/Centro+Esp%C3%ADrita+Irm%C3%A3+Scheilla/@-20.7465652,-
42.8669913,18z/data=!4m5!3m4!1s0xa36789b2254661:0xe19fb63e09dd3893!8m2!3d-20.7465702!4d-
42.8658916?hl=pt-br> Acesso em maio 2017.
Durante a pesquisa, verifiquei que o Irmã Scheilla possui atividades que contemplam
as diretrizes sugeridas pelo Conselho Espírita Internacional: reuniões de estudo da Doutrina
Espírita; de explanação do Evangelho à luz da Doutrina Espírita; de estudo, educação e prática
da mediunidade, de evangelização espírita para crianças e jovens, de estudo do Evangelho no
Lar; aplicação de passes e atendimento fraterno através do diálogo; trabalho de divulgação da
Doutrina Espírita; serviço de assistência e promoção social espírita; atividades que têm por
objetivo a união dos espíritas e das Instituições Espíritas e a unificação do Movimento Espírita;
e atividades administrativas.
No primeiro sábado de cada mês, das 14h às 18h, acontece o Estudo Minucioso do
Evangelho de Jesus (EMEJ). Este estudo é comandado por um colaborador do CEIS que é
membro do ME de Ubá (MG), e é direcionado principalmente aos trabalhadores do Scheilla,
tendo como um de seus objetivos formar “multiplicadores”, neste caso específico,
multiplicadores do Evangelho. Todos os sábados, das 7h30min às 8h30min, há distribuição de
cestas básicas para as famílias assistidas pelo Scheilla, e às 15h acontece a Campanha do Quilo,
na qual uma equipe de voluntários do CEIS se dirige à uma localidade previamente determinada
21
No decorrer do trabalho explicarei a função de alguns trabalhadores.
22
Em algumas palestras públicas é comum acontecer de o palestrante ultrapassar um pouco o tempo da palestra,
às vezes devido ao próprio tema da palestra ser mais “extenso” ou ter gerado um pouco mais de dúvidas e,
consequentemente, mais explicações. Nestes dias o passe é coletivo e se desenrola durante a prece final.
23
As urgências podem se caracterizar, por exemplo, em casos relacionados à tentativa de suicídio, que, segundo o
espiritismo, seria uma das maiores transgressões da “Lei de Deus”, por isso a urgência em atender a pessoas que
pensam em e/ou tentam se matar.
23
na cidade de Viçosa para pedir alimentos “de porta em porta”. Os alimentos conseguidos
servirão para ajudar a compor a alimentação das crianças da Creche Pingo de Luz, assim como
para a assistência às famílias necessitadas. Antes dos trabalhadores saírem para recolher os
mantimentos, eles se reúnem no Scheilla e fazem uma prece. Já durante o trabalho, ao
receberem a doação, eles também deixam nesta residência uma mensagem impressa em um
pequeno pedaço de papel.
O Irmã Scheilla faz também, a cada dois meses, um bazar de roupas, sapatos, móveis e
utensílios variados usados, com a finalidade de angariar recursos para a casa e para a Creche.
A realização desta tarefa mobiliza um expressivo número de trabalhadores que se empenham
no recebimento das doações e arrumação do salão para o bazar, assim como no trabalho de
venda das mercadorias no domingo em que ele ocorre. Seus tarefeiros contam ainda com os
encontros da Semana da Família Espírita e os das juventudes espíritas de Viçosa e região,
viagens para participar de eventos espíritas, como congressos e seminários. O CEIS possui
uma biblioteca que empresta e comercializa literatura espírita, sendo que seu horário de
funcionamento é o mesmo em que acontecem as reuniões públicas aos domingos e terças-feiras.
Vinculado à casa, há ainda um grupo de arte espírita, o Transformai, que encena peças de teatro
com temáticas religiosas e espíritas. Houve ainda, alguns anos atrás, um grupo de apoio às
famílias de pessoas com distúrbios mentais e Transtorno do Espectro Autista, o qual se reunia
às sextas-feiras à noite.
Por fim, e o que nos interessa mais, todas as quintas-feiras, das 20h às 21h, o CEIS
oferece o Tratamento Fluidoterápico ou Fluidoterapia, atividade que reúne o maior número de
pessoas, entre assistidos, espíritas, encarnados e desencarnados24, sobre a qual falaremos a
seguir.
24
Em uma conversa entre trabalhadores do CEIS, tomei conhecimento que as casas espíritas que trabalham com
atividades mediúnicas, mais especificamente reunião mediúnica aberta, psicografia, pintura mediúnica e
tratamento espiritual, costumam atrair um público bastante numeroso em razão do fenômeno mediúnico em si
mesmo, fazendo com que determinadas atividades se “sobreponham” às outras tarefas em um centro espírita, o
que parece ser o caso também do Irmã Scheilla. Neste, é a fluidoterapia que mais atrai as pessoas.
23
M contou que no final daquele dia ele foi a um centro espírita que costumava frequentar
naquela cidade, antes de voltar para Viçosa. Ao assistir a uma palestra, por mais que tentasse
prestar atenção, foi tomado por uma irresistível sonolência, e teria conseguido se manter “de
olho aberto” com muito custo. Ele disse que mesmo “de olho aberto” começou a ver25 um
“espírito alto, magro, barbudo, vestido num hábito marrom, o qual se apresentou a ele pelo
nome de Alexandre. Ele veio com folhas de papel e disse o seguinte para M: “bom, então a
nossa reunião terá o seguinte formato”, começando, em seguida, a ditar exatamente as sessões
que iriam compor a reunião. O Espírito Alexandre informou que a reunião de fluidoterapia teria
como fundamentos a oração, o passe e a água fluidificada, determinando, ainda, que o
tratamento seria composto das seguintes partes:
25
M pode ser classificado na categoria de médium vidente que, de acordo com o Livro dos Médiuns: “são dotados
da faculdade de ver os Espíritos. Alguns gozam desta faculdade em estado normal, quando perfeitamente
acordados, e conservam lembrança precisa do que viram. […] Na categoria dos médiuns videntes se podem incluir
todas as pessoas dotadas de dupla vista.” (KARDEC, 2011, p. 219). Ou, ainda como um médium ostensivo ao
dividir-se a mediunidade entre discreta e ostensiva. “Na primeira ela é leve e pode se confundir com fenômenos
apenas psicológicos e no segundo ela é escandalosa, clara provocando a admiração daqueles que a presenciam. ”
Disponível em: <http://correioespirita.org.br/categoria-de-materias/mediunidade-espiritismo/869-eu-sou-
medium-ostensivo> Acesso em maio/2017.
24
1ª) O passe aos assitidos – “Deveria ser dado por, no mínimo três pessoas com perfis
complementares. Que é a questão da energia complementar. ”26
2ª) A irradiação – “Visa fazer prece pelo ambiente doméstico/domiciliar e o ambiente
de trabalho de todas aquelas pessoas que nos buscam; é para que o plano espiritual
visite esses ambientes e retire de lá as vibrações desequilibradas que dificultam o
restabelecimento e equilíbrio das pessoas. ”
3ª) A reunião mediúnica associada27 – “Por que a pessoa que vai à casa espírita
buscando socorro, ela leva os seus acompanhantes espirituais, então à medida que
esses acompanhantes forem sendo convencidos, forem sendo esclarecidos melhor
dizendo, eles serão tratados via reunião de desobsessão e serão socorridos. ”
4ª) O Passe domiciliar – “Para aquelas pessoas com dificuldade de locomoção, a casa
vai ter que disponibilizar equipes que irão aplicar o passe e ao retornar de lá, trarão
também os espíritos acompanhantes para serem assistidos pelo Scheilla. ”
5ª) Reunião de avaliação – “Que visa fazer uma avaliação perispiritual28 da pessoa,
onde, mediante a orientação vinda do mentor, do espírito guia de cada um, essa pessoa
vai receber uma orientação mínima durante o tempo em que ela ficará para fazer o seu
tratamento. ”
6ª) Reunião de atendimento aos suicidas – “Na época, nós demoramos a implementar
essa reunião. Ela, paralela à reunião de desobsessão, vai atender especificamente às
pessoas que são, é… que praticam, melhor, que não valorizam a vida. Quer seja por
meio do suicídio, ou drogas, ou qualquer outra energia em desequilíbrio”.
7ª) Reunião do Evangelho no Lar – “Ele é parte da terapêutica. Então, o demonstrativo
e o explicativo do culto do Evangelho no Lar. […]. Principalmente quando tem
criança, ela (responsável pela criança) aprende a fazer o culto e aí ela faz o tratamento
em casa, à distância. Hoje nós temos mais gente no tratamento à distância do que no
presencial. […] Ela aprende a métrica do culto no lar e aí ela faz o tratamento em casa.
Como? Ela faz o culto no lar e fica naquele ambiente de prece entre oito e nove horas
com os seus filhos ”.
Logo após receber essas orientações, o tarefeiro M comentou esse fato com sua esposa,
a tarefeira N, que também é espírita; depois eles foram até Mazzarello e explicaram os
princípios da reunião de fluidoterapia. Com a aceitação de Mazzarello, já foi feita a divulgação
(dentro do CEIS) e naquele mesmo ano de 2003 o Tratamento Fluidoterápico teve início. Este
26
As falas contidas entre aspas nas sessões enumeradas de 1 a 7 no corpo do texto são do médium e tarefeiro M,
as quais se referem às instruções que ele relata ter recebido do espírito Alexandre, conforme explicado
anteriormente.
27
Tanto a reunião mediúnica associada quanto a reunião de atendimento aos suicidas são reuniões fechadas (não
abertas ao público) e são compostas, cada uma delas, de cinco a seis pessoas, sendo três a quatro médiuns
comunicantes e um a dois doutrinadores ou dialogadores. Também conhecidos estes últimos como médiuns
esclarecedores, são mantidos sob a condução e inspiração dos benfeitores espirituais, tendo como um dos ítens
fundamentais de seu trabalho: “cultivar o tato psicológico, evitando atitudes ou palavras violentas, mas fugindo da
doçura sistemática que anestesia a mente sem renová-la, na convicção de que é preciso aliar raciocínio e
sentimento, compaixão e lógica, a fim de que a aplicação do socorro verbalista alcance o máximo rendimento. ”
(VIEIRA & XAVIER, 2010, p. 101,102).
28
De acordo com o Livro dos Espíritos, “há no homem três componentes: 1º, a alma, ou Espírito, princípio
inteligente, onde tem sua sede o senso moral; 2º, o corpo, invólucro grosseiro, material, de que ele se revestiu
temporariamente, em cumprimento de certos desígnios providenciais; 3º, o perispírito, envoltório fluídico,
semimaterial, que serve de ligação entre a alma e o corpo” (KARDEC, 1987, pág.79). O perispírito, “ou corpo
fluídico dos Espíritos, é um dos produtos mais importantes do fluído cósmico; é uma condensação desse fluído ao
redor de um foco de inteligência ou alma. […] Os Espíritos haurem o seu perispírito no meio onde se encontrem,
quer dizer que este envoltório é formado de fluídos ambientes (KARDEC, 2008, p. 180-185).
25
não se iniciou já com todas as etapas porque não havia pessoas treinadas ou com disponibilidade
para todas as atividades. Além disso, entre as orientações do espírito Alexandre está a de outra
etapa, que ainda falta ser implementada, à qual M chama de “Scheilla by net”– atividade que
tem por finalidade o atendimento espiritual virtual para mais pessoas, que estão em outras
cidades e em outros países, e que não tenham vínculos com os assistidos ou trabalhadores
daquela casa espírita. Este tarefeiro destaca que o “plano espiritual” tem colocado para eles que
a tarefa irá “começar mesmo” no dia em que eles pararem de atender pessoas apenas do círculo
de amizades do CEIS, pessoas conhecidas, já que hoje o grande veículo de divulgação do
Tratamento Fluidoterápico é a propaganda “boca a boca”.
2.2- OS TAREFEIROS
O tratamento, como foi dito, é realizado às quintas-feiras e, antes dele começar, às 19h,
acontece a reunião do Evangelho no Lar, a qual é frequentada principalmente pelos assistidos,
ou seja, pelos que já estão sendo tratados. A quinta-feira absorve grande contingente de
“trabalhadores mediúnicos”, por isso a fluidoterapia demanda a colaboração de uma equipe de
“tarefeiros”, que hoje se aproxima de setenta pessoas. Os tarefeiros que atuam nesta atividade
se dividem em tarefas variadas como, por exemplo, o atendimento fraterno, a irradiação, a
avaliação, o grupo Evangelho no Lar, os passes no salão e o domiciliar, as reuniões mediúnicas.
Há ainda trabalhadores que atuam como assistentes em algumas destas tarefas, e por isso eles
ficam circulando pelo Centro Irmã Scheilla na noite do tratamento, para ajudarem conforme a
necessidade. Para ser tarefeiro é desejável que a pessoa tenha feito pelo menos o Estudo
Sistematizado da Doutrina Espírita, que tenha frequência em um ou mais de um grupo de
estudos que o CEIS oferece, além, é claro, de “ter boa vontade” como pré-requisito. Essas
recomendações têm sido apresentadas inclusive para os médiuns.
Dos atuais 68 tarefeiros da quinta-feira, consegui entrevistar 45, número que representa
66,1% do total dos trabalhadores. Foi constatado um número maior de mulheres (32 ao todo)
em relação ao de homens (13); faixa etária acima de 35 anos (36 pessoas contra 9 abaixo dessa
26
idade). A análise do grau de instrução mostra que entre os tarefereiros 1 tem ensino
fundamental; 6 têm ensino médio ou superior incompleto; 21 o superior completo; 5 fizeram
mestrado e 12 trabalhadores têm Doutorado, ou seja, eles têm níveis maiores de escolaridade.
A partir desses dados, torna-se relevante pensar na relação que Lewgoy (2011) estabeleceu
entre o “espiritismo kardecista” e o nível intelectual de seus praticantes e simpatizantes. Sem
tentar argumentar com este autor a respeito de suas colocações sobre uma espécie de dominação
pautada por categorias como branco, europeu, cristão e científico, foi possível constatar que a
grande maioria dos trabalhadores do CEIS possuem, no mínimo, nível superior completo.
Além disso, as informações coletadas nas entrevistas com os tarefeiros revelam que
metade dessas pessoas que trabalham na fluidoterapia do Irmã Scheilla tem ligação direta com
a Universidade Federal de Viçosa, seja como docentes, discentes ou servidoras. Ao perguntar
o motivo que justificaria essa relação a uma tarefeira que é professora naquela instituição, soube
que “deve ser porque em Viçosa os mais letrados estão na UFV e geralmente os espíritas estão
entre os mais letrados”, como médicos e professores. Ao indagar o mesmo para um docente,
ele argumentou que não era só o CEIS que mantinha ligação com a UFV, já que o mesmo
ocorreria com espíritas de outros centros da cidade, como o Camilo Chaves, a Casa do Caminho
e a Aceak. Este professor comentou que sua impressão, como alguém que se mudou de outra
cidade para Viçosa, era a de que “como o espiritismo é uma doutrina que preza pelo estudo e
pela compreensão das coisas (a fé raciocinada), talvez tenha sido natural que muitas pessoas
ligadas à UFV se ‘enfronhassem’ no movimento espírita em Viçosa”.
Esta “ligação” também é percebida por trabalhadores daquela casa espírita que não são
da UFV, como vemos na seguinte fala: “os dirigentes do centro, desde o Professor Brandão,
sempre foram ligados à UFV, então isso se torna uma referência para as pessoas”. Esta pessoa
ainda disse que “no Camilo Chaves, também, o Professor Y sempre amparou muito os
estudantes”. Este é um dado que apareceu na fala de outra pessoa, esta dos quadros da UFV,
que explicou: “o Camilo Chaves atrai mais estudantes pela facilidade de acesso ao centro da
cidade. Os professores e pesquisadores vão para o Scheilla pelo caráter de estudo que o CEIS
estimula”. Uma das explicações para a relação com a vida universitária é, na opinião dessa
entrevistada, que “a doutrina espírita, por ser muito racional, atrai pessoas do meio acadêmico”.
A partir desses depoimentos, torna-se interessante pensar se essa “ligação” com a
27
Foi possível verificar que mais de um terço dos tarefeiros (16 de 29 deles) que hoje
trabalham nesta atividade de “cura espiritual” na quinta-feira chegaram à casa pelas portas da
fluidoterapia, ou seja, são pessoas que haviam chegado ao centro procurando tratamento por
diferentes motivos”30 e que, depois, acabaram se tornando espíritas. Ou seja, o tratamento é não
só uma “terapia espiritual”, mas um procedimento que tem uma potência de conversão religiosa
que não pode ser desconsiderada. Como salienta Rodrigues,
Como as entrevistas demonstram, mais de 80% das pessoas que chegaram ao tratamento
naquele centro acabaram se tornando espíritas, o que permite afirmar que a fluidoterapia, para
além de ser uma prática de cura espiritual é, ainda, uma atividade aglutinadora recrutadora de
pessoas para o Irmã Scheilla e para o espiritismo em geral.
29
Desde que iniciei minha graduação no ano de 2013, constatei que existia uma propaganda impressa, fixada em
uma espécie de cavalete de madeira na entrada do Pavilhão de Aulas I (PVA) na UFV, na qual constavam
informações sobre os horários das reuniões públicas do CEIS, assim como, das reuniões da Mocidade Espírita.
Estas propagandas, assim como outras, foram proibidas pela UFV e retiradas do local devido ao acúmulo de
material impresso dos mais variados assuntos, o que causava um aspecto de desorganização devido à grande
quantidade de cavaletes à entrada do PVA.
30
No próximo capítulo tratarei das motivações que levam as pessoas a buscarem tratamento.
28
Com a chegada dos trabalhadores às 18h30min (que vestem uma espécie de colete sem
mangas com o nome do Centro, o nome do trabalhador e a pergunta “posso ajudar?”), começam
a aparecer também as outras pessoas, em tratamento ou não, pois aquelas que já estão sendo
assistidas devem procurar estar no CEIS até as 19h25min, para que possam se acomodar
tranquilamente, visando uma concentração para o tratamento, que se inicia às 20h. Já aquelas
que pretendem uma avaliação devem procurar chegar às 18h30min para tentar conseguir uma
ficha pois a demanda para o Tratamento Fluidoterápico é grande.
vezes, consecutivas ou não, seu nome é retirado da lista dos assistidos do tratamento e sua vaga
é passada para outra pessoa. Caso este assitido retorne, ele deverá reiniciar todo o processo,
partindo de uma nova avaliação. Às 19h40min esta tarefeira sobe até o segundo andar e se dirige
ao fundo do salão, pois é ali que as pessoas que estão aguardando uma vaga para iniciarem o
Tratamento Fluidoterápico esperam, e avisa o número de vagas disponíveis para o início da
fluidoterapia, chamando (cronologicamente) os nomes das pessoas que ocuparão essas vagas.
Essas, então, passarão a ocupar um lugar específico no salão (à frente nas laterais) junto às
outras pessoas que já estão em tratamento, para que possam receber os passes.
Figura 2 – Planta baixa com indicação das salas de avaliação e reuniões mediúnicas.
A tarefeira S tem como instrumento de trabalho uma lista impressa com os nomes de
todas as pessoas que estão em tratamento – cerca de 70. Nesta lista, consta também a indicação
daqueles que farão reavaliação no dia. Em uma das quintas-feiras, observando-a, seu trabalho,
e aqueles que chegavam, pude acompanhar duas pessoas que desejavam fazer avaliação. Um
homem e uma moça aparentando, respectivamente, 30 e 20 anos. Esta moça estava
acompanhada de duas outras que pareciam ser suas amigas e que já eram frequentadoras do
Scheilla, pois ambas já estavam em tratamento. Essa moça estava em busca da avaliação, no
entanto, seu objetivo era o tratamento à distância porque a mesma estuda à noite.
30
Primeiramente a tarefeira S entrega uma ficha com um número (que pode ser de 1 a 20)
para a pessoa e pergunta se a mesma sabe como se dá o tratamento e se é a primeira vez que ela
está vindo à casa espírita. De acordo com as respostas da pessoa, esta tarefeira já fornece
algumas explicações. Logo após, ela orienta a pessoa a subir a escada em frente à porta de
entrada, virar à direita, e entrar na primeira porta à direita e procurar pela tarefeira R, que, há
muitos anos, é encarregada de recepcionar aqueles que chegam em busca de avaliação ou
reavaliação.
Após o término da avaliação ou reavaliação a ficha menor poderá ser encaminhada para
a sala dos florais caso haja a indicação destes. A ficha maior será entregue à pessoa para que
esta tome conhecimento de tudo o que foi prescrito para ela. A tarefeira R também entrega dois
folhetos explicativos (figura 3), um deles intitulado “Chegando à Casa Espírita”. Seu conteúdo
se resume a trechos de uma mensagem mediúnica, e tem algumas perguntas e respostas que
visam o esclarecimento de possíveis dúvidas quanto ao intercâmbio entre o plano físico e o
plano espiritual. O outro folheto contém informações sobre o Tratamento Fluidoterápico, em
particular sobre os conceitos de “fluidoterapia”, “passe” e “água fluidificada.
Após entregar os folhetos, a tarefeira R indica uma cadeira para que a pessoa se sente e
recomenda a leitura dos mesmos, como uma forma de favorecer uma concentração, para que a
pessoa possa ir mentalizando naquilo que a trouxe à casa espírita; no que a pessoa está
buscando. Ela costuma brincar dizendo que lá (no CEIS) “não há varinhas de condão, nem
mágicas, e que o tratamento depende do comprometimento da pessoa”. Ela informa ainda a
todos os presentes que às 19h30min um dos trabalhadores explicará detalhes sobre o
Tratamento Fluidoterápico.
Figura 3 – Folhetos entregues a quem está “chegando à casa espírita” no dia do tratamento, pela primeira vez.
Ela informa ainda, que “desde que as pessoas chegam à casa espírita elas ‘já estão
sendo tratadas’, pois a espiritualidade trabalhadora da casa32 já está socorrendo a todos em
necessidades que, muitas vezes, as pessoas nem sabem que têm. Mas, por sermos muito ligados
às coisas materiais pensamos que somente com a imposição das mãos sobre nós é que estaremos
recebendo o passe”. Esclarece ainda que muitas pessoas estão em tratamento e não conseguem
receber os fluídos do passe e da água fluidificada por não estarem aptas aos mesmos, sendo que
o que torna as pessoas aptas ao recebimento destes fluídos é algo imprescindível, a prece. J
informa, ainda, que a avaliação poderá indicar algum recurso complementar ao Tratamento.
Mais uma vez a centralidade da prece na questão religiosa, sobre a qual falarei
detalhadamente adiante, nos reporta a um relevante conceito para a antropologia, o da eficácia
(MAUSS, 1974, p. 217). Sem ter-se a necessidade de um instrumento para a realização desta
técnica, já que aqui ela será concretizada mentalmente, a mesma parece estar longe de se
apresentar como um “ato de ordem mecânica, física ou físico-química, como sustenta o autor,
31
Consideram-se doenças kármicas, “as escolhidas ou induzidas no plano do progresso espiritual. Antes da nova
encarnação, o espírito escolhe ou é constrangido a aceitar a situação em que vai nascer. Entre os característicos de
sua nova vida terrena, incluem-se as provações kármicas, que podem ser doenças que servirão ao processo de
redenção de faltas passadas” (CAMARGO, 1961, p. 101).
32
De acordo com a Doutrina Espírita as casas espíritas possuem seus mentores espirituais: “as aglomerações de
indivíduos, como as sociedades, as cidades, as nações, têm Espíritos protetores especiais pelas razões de que esses
agregados são individualidades coletivas que, caminhando para um objetivo comum, precisam de uma direção
superior. ” (KARDEC, 1987, p. 265)
34
haja vista a evidente dificuldade de se manter em prece relatada por todos os entrevistados
assistidos pelo Tratamento Fluidoterápico.
2.4- O TRATAMENTO
Após a prece, cada tarefeiro se dirige a sua tarefa. O trabalhador que irá conduzir a
reunião da noite sobe para o salão no segundo andar, assim como os trabalhadores que irão
aplicar passes no salão e aqueles que irão trabalhar na manipulação dos florais, atividades que
acontecem ao mesmo tempo em diferentes lugares no mesmo andar. Alguns trabalhadores
permanecem no andar térreo, pois lá acontece o trabalho de irradiação dos nomes (que estão
escritos no caderno, nas fichas e os que estão nos pedaços de papel), assim como a avaliação e
reavaliação daqueles que estão em tratamento à distância. Certos tarefeiros, por possuírem
dificuldade de locomoção, ficam no andar térreo.
33
Durante o trabalho de campo, foi possível verificar que, aparentemente, não existe uma “escala” para a função
de fazer a prece dos tarefeiros, ou a prece de abertura ou de encerramento no salão no segundo andar. Ao longo da
pesquisa pude presenciar, pelo menos, nove trabalhadores diferentes fazendo a prece.
34
Expressão usada ao final das preces proferidas pelos espíritas e possui o mesmo significado de “amém”, usada
pelos católicos.
36
Em outras épocas todos os tarefeiros subiam ao salão no segundo andar para que
participassem da prece junto com as outras pessoas que estivessem na casa e depois seguiam
para suas tarefas. Efetuava-se, então, uma prece de abertura e uma de encerramento. No entanto,
esse procedimento, além de deixar o salão muito cheio, causava muito burburinho quando, ao
término da prece, os tarefeiros começavam a se movimentar para se dirigirem às suas tarefas.
Por conta disso, houve a implantação de um sistema de caixa de sons que transmite a prece feita
no microfone do segundo andar para outros andares, de modo que todos os trabalhadores
possam participar da prece estando em qualquer lugar daquele prédio. Assim que a prece
termina, são dadas recomendações para todos “ficarem em silêncio” e “em prece” e os tarefeiros
se dirigem aos seus trabalhos no maior silêncio possível.
Os trabalhadores que sairão para o passe domiciliar se reúnem do lado de fora do CEIS
a fim de se juntarem as “trincas de passistas”, isto é, três pessoas treinadas para dar o passe, e
se dirigirem às residências. De acordo com o médium e tarefeiro M, os passes são aplicados por
três “passistas”, tanto no tratamento presencial como no domiciliar35, devido às diferenças
energéticas que emanam destes passistas, os quais têm energias distintas, mas que se
“complementariam”. A identificação destas características dos médiuns também é feita através
de avaliação mediúnica, ou seja, pelos espíritos desencarnados.
35
É importante registrar que em outros momentos, como nos dias de palestra pública no CEIS, o passe é aplicado
por apenas um passista. (Figura 6).
37
Quando os assistidos chegam ao salão, este já está na penumbra, com uma música
ambiente instrumental suave e tocando bem baixinho, a qual só é retirada quando se inicia a
prece. O lugar é, então, preparado para receber os assistidos e para facilitar o estado de
concentração e silêncio, o qual, segundo meus interlocutores, seria uma condição essencial para
o início do trabalho por “trazer paz, harmonia e concentração”. Assim, percebe-se a importância
da preparação do ambiente para que o tratamento “dê certo” numa dinâmica própria deste
contexto (KONDO apud LIMA, 2014).
O tratamento em si começa quando um tarefeiro se dirige ao microfone, acende-se uma
luz focalizada especificamente para que ele possa fazer a prece e este coordenador começa a
sua fala reforçando a indicação da necessidade da prece. Em seguida, abre um caderno e informa
que lerá os nomes de companheiros que estão muito necessitados de ajuda (neste caderno são
colocados apenas nomes de pessoas que estão passando por situações muito graves ou
delicadas, como, por exemplo, alguém que sofreu um acidente ou precisou realizar uma
cirurgia, ou está correndo algum tipo de risco, e não pode ir até à casa espírita). Ao término
destes nomes é feita a leitura de uma página mediúnica36 que pode ter sido escolhida ao acaso
ou propositalmente, apaga-se a luz e é pronunciada uma prece espontânea.
36
Esta página normalmente é “retirada” de um dos livros da coleção Fonte Viva, que foi psicografada por Francisco
Cândido Xavier, de autoria de Emmanuel (orientador espiritual do médium). A coleção é formada pelas seguintes
obras: Caminho, Verdade e Vida (1948); Pão Nosso (1950); Vinha de Luz (1951); e Fonte Viva (1956). Cada obra
é composta de 180 pequenos capítulos que tecem comentários e reflexões em torno dos ensinamentos do
Evangelho.
39
Esta ênfase dada ao “exercício da prece” e “ao estado de prece” em que todos devem
procurar se manter, se configura como um preceito da Doutrina Espírita desde a primeira obra
codificada por Allan Kardec em 185737. De acordo com este, a prece se apresenta como um ato
de adoração, por meio do qual a pessoa se aproxima de Deus. Utilizada para louvar, pedir e
agradecer, a prece fortalece aquele que ora com fervor e confiança, se for um pedido de socorro
jamais é recusado, se pedido com sinceridade. (KARDEC, 1987, p. 319).
No Livro dos Espíritos percebe-se uma relação entre a expressão “um estudo de si
mesmo” e a “renovação íntima” ou “reforma íntima” tão recomendada pela Doutrina, porque
tornaria o ser humano melhor. A mudança de postura e de comportamento contribuirão,
segundo os tarefeiros entrevistados, para a cura, e a prece seria uma ferramenta imprescindível
neste processo. Ou seja, esta “cura” se originará na própria pessoa, com, e além de todos os
tratamentos dos quais esse indivíduo lança mão para a conquista da melhora física, mental ou
espiritual. Isso condiz com o que Rodrigues (2005, p. 169) argumenta sobre o fenômeno da
cura:
Disponível em:
<http://www.autoresespiritasclassicos.com/Chico%20Xavier/Serie%20Fonte%20Viva/Chico%20Xavier%20Livr
o%20Esp%C3%ADritas%20Gr%C3%A1tis%20-%20Cole%C3%A7%C3%A3o%20Fonte%20Viva.htm>
37
No capítulo II da parte terceira do Livro dos Espíritos, que trata sobre a Lei de adoração, há informações mais
detalhadas sobre a prece, as quais apresento no anexo 2.
40
Após a prece, ainda com as luzes apagadas, o coordenador pede que todos participem
do exercício respiratório para a doação de ectoplasma, que seria, de acordo com explicação
dada por um dos coordenadores do tratamento, “uma substância invisível aos olhos daqueles
que não são médiuns videntes, mas necessária ao socorro e tratamento de encarnados e
desencarnados”.38 Este exercíco consiste em inspirar profundamente puxando o ar pelo nariz,
retê-lo um pouco nos pulmões e expirar soltando o ar pela boca. Deve ser feito quatro vezes por
pessoa, “cada uma em seu ritmo”. Este exercício para a doação de ectoplasma, enquanto uma
“técnica corporal”, carrega em si aquilo que Mauss (1974, p. 215) designou de “imitação
prestigiosa” já que todos os ali presentes o executam pela confiança na “autoridade” e “noção
de prestígio da pessoa que torna o ato ordenado, autorizado e provado, em relação ao indivíduo
imitador”. Conforme Mauss (1974, p. 231), assim como as pessoas “devem saber ou aprender
aquilo que devem fazem em todas as condições”, há também técnicas específicas relacionadas
aos momentos de oração, as quais precisam ser aprendidas.
38
De acordo com a Doutrina Espírita, seria ainda uma “substância que emana do corpo de um médium capaz de
produzir fenômenos de efeitos físicos ou aparições à distância. Trata-se de uma exalação fluídica, sensível ao
pensamento, visível ou invisível, plástica, inodora, insípida, originalmente incolor, que tem a semelhança de uma
massa protoplasmática”. Disponível em: http://www.paginaespirita.com.br/ectoplasma.htm Acesso em
maio/2017. Explicações sobre o tratamento também são apresentadas periodicamente em seminários ministrados
pelo Scheilla aos seus tarefeiros. Parte do material utilizado nestes seminários encontra-se no Anexo 3.
39
Este é um termo usado pelo Centro Irmã Scheilla em um material que me foi repassado por eles. Neste mesmo
material consta toda a organização administrativa do CEIS, tanto de funções propriamente burocráticas quanto das
atividades religiosas institucionais.
41
Figura 6 - Imagem ilustrativa do passe - apostila do curso de passes oferecido pelo Irmã Scheilla.
A imagem acima, ilustrativa da apostila de um curso oferecido pelo CEIS, nos ajuda a
compreender, para usar um termo de Mauss, a “técnica corporal” que envolve a aplicação do
passe. Conforme é observado, tem-se o assistido, sentado, recebendo o passe, o médium, em pé
à sua frente, e um benfeitor espiritual atrás do médium. Neste caso, como diz a apostila, “o
passe é uma transmissão conjunta, de fluídos magnéticos – provenientes do médium -, e de
fluídos espirituais – oriundos dos benfeitores espirituais, não devendo ser considerada uma
simples transmissão de energia animal (magnetização)” (SEMINÁRIO – TERAPIA PELOS
PASSES – CEIS, 2013). Sendo o médium um doador de fluídos, espera-se dele uma conduta
pautada pela estabilidade, seja na alimentação, na abstenção de todo tipo de vícios, assim como
na conduta sexual equilibrada, para que os fluídos que emanem de si não sejam deletérios. Essas
condições físicas fundamentais daquele que ministra o passe podem ser pensadas como “ritos
de purificação”, no sentido dado por Van Gennep (1977, p. 37), de a pessoa se preparar se
lavando, se impando, se mantendo o mais “pura” possível, só que não apenas na hora da
aplicação do passe, mas na conduta da vida cotidiana como um todo.
42
Ainda de acordo com a apostila do CEIS, há vários tipos de passes. No entanto, há uma
técnica que se apresenta como o “passe padrão” devido à sua simplicidade e funcionalidade, a
qual é mostrada na figura a seguir.
Figura 7 - Imagem ilustrativa da técnica do passe - apostila do curso de passes oferecido pelo Irmã
Scheilla.
Agora que o leitor pode ter uma ideia mais próxima do que seja o “passe”, voltemos à
sua aplicação no Centro Irmã Scheilla. Apesar destes passes estarem sendo “aplicados” nos
assistidos que estão em tratamento, é informado que todas as pessoas presentes estão sendo
assistidas pela espiritualidade, ou seja, pelos espíritos desencarnados, independentemente de
estarem em tratamento ou não.
Das pessoas que estão no salão, mas não estão em tratamento, algumas dormem, outras
ficam apenas de olhos fechados e outras observam o trabalho dos médiuns. Enquanto fazia
43
Enquanto isto ocorre, algum trabalhador da casa sobe com um pedaço de papel na mão,
contendo prescrições de florais que serão doados para as pessoas que estão sendo avaliadas ou
reavaliadas e o entrega na sala onde os mesmos são preparados. Lembrando que as avaliações,
como foi dito anteriormente, são feitas no andar de baixo, enquanto no andar de cima aqueles
que já foram avaliados aguardam ou são tratados. Para entrar nesta sala é necessário bater à
porta, pois a mesma é mantida fechada o tempo todo. No salão, tem-se a impressão de que há
mais pessoas que dormem entre aquelas que só participam ou que estão aguardando tratamento
do que entre os assistidos. Talvez para aqueles que já se encontram em tratamento a
concentração seja mais “fácil” pois ao terem passado, possivelmente, por um período de espera
pelo tratamento, essa espera pode ter funcionado como um “treinamento” para que a pessoa
consiga se concentrar, mantendo-se acordada porém em prece, já que “manter-se em estado de
prece” parece ser um desafio.
A partir das 20h35min aproximadamente, os médiuns que saíram para o passe domiciliar
começam a retornar e procuram se acomodar no salão ou no andar térreo para aguardarem o
encerramento. Por volta das 20h45min, um dos tarefeiros do Scheilla sai da cozinha com uma
caixa de sapatos nas mãos contendo os florais que foram preparados naquela noite para que
sejam entregues no primeiro andar às pessoas que fizeram avaliação ou reavaliação nesta noite
e que receberam prescrição dos mesmos.
sua presença, ele se lança pelo espaço e entra em relação mais direta com os outros Espíritos.”
(grifos do autor).
Nas duas explicações, é recomendado a todos que, após saírem do Scheilla, voltem
direto para suas casas e procurem se deitar para dormir antes das 23h, e que evitem discussões,
brigas, ou qualquer situação que possa causar algum tipo de desequilíbrio. Caso seja necessário
fazer alguma refeição antes de dormir, que esta seja composta de alimentos “leves” e de “fácil
digestão”. As pessoas devem evitar, ainda, assistir televisão e, caso o façam, que evitem
programas com conteúdo violento ou sensual, além de se absterem do uso de álcool, cigarros
ou qualquer tipo de droga. As recomendações também valem para todos os tarefeiros. Também
é oferecida água fluidificada, nas duas saídas do salão, em copinhos descartáveis pequenos para
todos que quiserem. Lembremos que esta água é, de acordo com o que se mencionou no capítulo
anterior, especial, já que é “energizada por fluídos revitalizadores” que produziriam bem-estar
no corpo e no espírito. Ao pensarmos na conduta “recomendada” pela fluidoterapia é possível
verificar a relação direta destas diretrizes com um estado de bem-estar físico que pode ser
alcançado por quem quer que seja que as pratique, estando esta pessoa em tratamento ou não.
Como foi dito, este tratamento envolve dias determinados pela prescrição da espiritualidade, e
que ao final a pessoa deve retornar ao CEIS para fazer uma reavaliação, a fim de saber se ela
deverá continuar a fluidoterapia.
Para uma pessoa que chega à casa espírita pela primeira vez, ou para aquela que participa
de alguma atividade, como por exemplo assistir às palestras públicas, mas que está se dispondo
ao tratamento de fluidoterapia sem saber de fato como o mesmo se processa, atitudes como a
da tarefeira S, explicando como a pessoa deverá proceder ao chegar à sala de espera para
avaliação, parecem ser pontuais para transmitir “normalidade”. Da mesma maneira que esta
recepção parece promover uma desmistificação a esta chegada, assim como a recomendação da
leitura dos folhetos feita por R (como um modo de se iniciar uma concentração) pode
proporcionar um estado de pré-prece já que, num movimento de estranhamento ou de
curiosidade, esta pessoa talvez encontre maior dificuldade de concentração. Apresentando
comportamentos diferenciados após a chegada à sala de espera para avaliação, a moça e o rapaz
que acompanhei neste primeiro contato deles com a casa espírita se comportaram de forma
45
peculiar, pois enquanto este tentou esclarecer suas dúvidas em relação ao tratamento, aquela se
manteve quieta, lendo e observando sem nada perguntar.
Questionei então à própria R sobre quantas fichas de avaliação eram distribuídas a cada
quinta-feira e ela me disse que depende do número de reavaliações que serão feitas no dia.
Desta forma, como o número total de pessoas que aguardam na sala para avaliação e reavaliação
é de 20 pessoas, se houver 12 para serem reavaliadas, serão distribuídas 8 fichas para avaliação.
que estão em tratamento trazem consigo uma ou mais garrafas de água (identificadas com seus
nomes) para que estas sejam fluidificadas e a pessoa posa fazer uso desta água durante a semana.
O CEIS recomenda que todos tragam novamente sua garrafa de água na próxima quinta-feira,
e que repitam o procedimento, pois a água fluidificada é uma das prescrições do tratamento
(esta é uma recomendação transmitida na hora da explicação às 19h30min).
Em se tratando das propriedades que podem ser conferidas à água, Soares (2009, p.141)
relata como a então presidente da Associação Médico-Espírita do Brasil – AME-Brasil, Dra.
Marlene Nobre (falecida em 2015), e outros médicos espíritas, citavam trabalhos de cientistas
das mais diversas áreas que defendem a visão do ser humano de forma holística, bem como a
apresentação de pesquisas que podem indicar a “possibilidade de abertura da comunidade
científica para ‘realidades’ que até então eram desconsideradas como objeto de especulação ”40.
40
Entre as pesquisas citadas, está Messages from the water, do cientista japonês Massuro Emoto. Disponível em:
< https://www.youtube.com/watch?v=epoTVejvpEI> Acesso em junho/2017.
47
trabalho […] eu sou médium de reunião mediúnica? Eu vou, se precisar eu vou. Mas a minha
afinidade é muito maior com o trabalho de avaliação.” Seu perfil é parecido com o do médium
e tarefeiro M. O esclarece que a tarefeira P, por exemplo, já tem mais “afinidade pessoal” com
a reunião mediúnica. Segundo ela, a mediunidade “é um exercício mesmo”, requer “treino”.
A sala em que acontece a avaliação é “mais ou menos escura pra facilitar a concentração
e ficar em prece”, e por meio da imposição das mãos tem-se o contato com o perispírito desta
pessoa. Na percepeção desta tarefeira, neste momento é uma “mediunidade mais de intuição”
do que de vidência, de audiência ou de comunicação. Às vezes o médium avaliador “vê cenas”,
às vezes “escuta”, mas ele consegue “perceber o sentimento que está ligado àquela pessoa e às
vezes esse sentimento, por exemplo, é uma ideia suicida. E aquilo vai te mostrar o
encaminhamento que você vai dar”. (ANEXO 6)
A tarefeira O explica que muitas vezes ela “dá pistas” para a pessoa que está sendo
avaliada, fazendo, entre outras coisas, “um acolhimento mais verbal”, por exemplo, falando
uma passagem “evangélica” que lhe venha à cabeça. Ela deixa claro que a espiritualidade não
diz ao médium para passar “tudo para o paciente”, como dizer para a pessoa que ele está
“vendo” que ela está pensando em se matar. Ao contrário, a mediunidade “dá pistas para a
pessoa pensar, direcionar o tratamento dela para algo”. Esta tarefeira disse que em casos mais
graves o assistido pode receber, “de cara”, vinte semanas de tratamento, lembrando que essas
prescrições são mediadas pelo espírito protetor ou espírito guia da pessoa que está sendo
avaliada. Ao discorrer sobre os recursos complementares que podem ser prescritos na avaliação,
O enfatiza que, para ela, o atendimento fraterno é “uma das atividades mais bonitas do centro”,
pois é a hora em que “você realmente se coloca para acolher a pessoa […] é uma conversa,
então a gente recebe pessoas aqui, eu acho isso muito interessante. A gente recebe pessoas de
todas as religiões, e com todo tipo de sofrimento inimaginável”. A conversa enquanto uma
ferramenta para o acolhimento do assistido pode ser melhor compreendida a partir da
interpretação dada no trecho a seguir:
Os florais são feitos a partir da diluição de tinturas-mães42, em água e Brandy (um tipo
de licor). Todo o material e os recipientes usados na manipulação dos florais ficam guardados
em um armário com chave. Atualmente, usa-se vidros novos, mas também se recicla os vidros
que os assistidos devolvem ao CEIS, após terminarem de tomar os florais. H, uma das tarefeiras
da casa que também manipula os florais, é a pessoa que se encarrega da higienização destes
vidros, assim como da esterelização dos mesmos em autoclave.
41
Casa de Promoção e Caminho Bezerra de Menezes. Para maiores detalhes ver Santos (2016, p. 31 a 33).
42
As tinturas-mães são obtidas através da extração do princípio ativo de plantas, flores, alguns brotos, folhas e
ramos tenros; seguindo os mesmos métodos do criador dos remédios florais, o médico inglês Dr. Edward Bach.
(SILVA, 1958, p. 26).
49
na cozinha e que elas incluirão a modificação na iluminação. Nesta primeira vez em que estive
na observação na sala dos florais cheguei à sala junto com F antes das 19h30min e perguntei se
poderia colocar minha bolsa sobre a mesa, ao que ela me respondeu que “não”. Perguntei então
se era por causa do tipo de objeto que era (uma bolsa) se poderia deixar o local de alguma forma
“impuro”, e ela me disse que sim, mas não da maneira como eu estava pensando, mas sim no
sentido literal da palavra pois a mesa já havia sido esterelizada.
F, assim como G e H foram “treinados” para trabalharem com os florais pela tarefeira
que manipulava os florais antes deles. Por isso eles conheceriam o processo de preparação desde
o início, inclusive quando é necessário colher alguma espécie de planta ou flor e desta extrair o
princípio ativo, até a “finalização” dos florais. Indagada sobre a existência de uma
especialização para esta tarefa, F destaca a necessidade de um “treinamento” e também de uma
determinada “energia”, pois “tem certas pessoas que fazem o floral azedar”, caso o manipulem.
Para exemplificar, ela fez uma associação com os elementos da natureza, dizendo que uma
pessoa com “muita energia” não é adequada, já que este tipo de trabalho pediria alguém com
“uma energia mais serena”, ou seja, que fosse uma pessoa mais “calma”.
K de 8 anos, filha de F, costuma ficar com a mãe na cozinha enquanto esta está
manipulando os florais, e às vezes se acomoda em um colchonete no chão, mas também realiza
pequenas tarefas dadas por sua mãe. No dia em que acompanhei o trabalho nesta sala, F pediu
que K descesse e se informasse no primeiro andar quantas pessoas ainda restavam para serem
avaliadas e reavaliadas. Esse pedido servia para que F se orientasse quanto à demanda de mais
manipulações. Assim que terminam as manipulações, eles retiraram seus aventais e demais
materiais descartáveis e G desce com os florais dentro da caixa de sapatos para que sejam
entregues às pessoas por outros tarefeiros que auxiliam nesta atividade.
Ao fazer observação na sala dos florais em outro dia, percebi que as reformas que
haviam sido comentadas por F na vez anterior já haviam acontecido, não somente naquela sala,
que ganhou novos armários de parede e duas bancadas, como também no salão, que teve uma
parede interna removida. Trata-se exatamente do fundo do salão, à esquerda, onde estão os
bancos de madeira nos quais ficam as pessoas que aguardam uma vaga para a fluidoterapia.
Nesta oportunidade, perguntei à tarefeira F e à tarefeira H (que era a pessoa que auxilliava F
nesta noite) se a água usada para os florais era fluidificada. Ela me respondeu que sim, mas que
era uma água mineral comprada no mercado e, como esta água fica armazenada no armário na
sala de florais, ela “sabe” que a água foi fluidificada pela espiritualidade apenas por ter ficado
ali. Nesta noite, F e H terminaram as manipulações e H desceu com a caixa com os florais antes
50
que terminassem as prescrições, isso porque há uma recomendação do plano espiritual para que
as manipulações se encerrem às 20h50min. Então, questionei o que aconteceria se chegassem
mais prescrições depois disso, e elas me disseram que ficariam para a semana seguinte, porque
os florais são mais para “abrir os caminhos”, e não uma parte “fundamental” do tratamento.
Esta atividade no CEIS começa quando um dos coordenadores faz uma prece
espontânea que é finalizada com a expressão “assim seja”. Logo em seguida, lê-se um trecho
do Evangelho Segundo o Espiritismo, leitura que pode ser feita por qualquer um dos presentes.
Depois de ler, a pessoa poderá fazer um comentário, uma reflexão ou ainda expor alguma
dúvida sobre o trecho que foi lido. Dependendo do tempo utilizado para os esclarecimentos,
pode-se ler outro trecho no mesmo estudo. Ao final, é feita a prece de encerramento, e um dos
coordenadores da reunião convida a todos a voltarem na semana seguinte, e pede, ainda, que
todos façam silêncio ao sair, evitando conversas do lado de fora.
No que se referre ao trabalho de irradiação, este começa após a prece dos tarefeiros, no
primeiro andar. As mesinhas de madeira da creche são dispostas no centro da sala na qual será
realizada a atividade, e sobre elas são colocados diversos papéis com nomes e/ou endereços das
51
pessoas que devem receber irradiação (são os mesmos papéis que as pessoas escrevem quando
chegam ao CEIS na portaria)43. Esses papéis são dispostos de maneira que nenhum deles fique
por cima do outro, “tampando” os nomes. A identificação daqueles que receberão a irradiação
é necessária, para que o espírito desencarnado vá em seu auxílio.
Assim como no passe, na irradiação também se utiliza as duas mãos para a execução
desta técnica. Isto é interessante pois Hertz (1980), em um estudo sobre a polaridade entre as
mãos direita e esquerda, afirma que a maioria dos atos religiosos são marcados pela
“preeminência da mão direita”. No entanto, a partir das análises no CEIS, pode-se perceber que
a maioria das práticas espíritas são realizadas com as duas mãos, o que mostra um significativo
distanciamento das colocações apresentadas por Hertz.
43
Tentei ter acesso às fichas dessas pessoas, mas fui informada “que a espiritualidade não liberou”, já que o
conteúdo das mesmas é de “caráter confidencial”, e que era preciso manter “ a privacidade dos pacientes”.
52
mesma forma como acontece nas avaliações, com a diferença que o assistido não se encontra
presente. E elas também estão de posse de fichas que contém as informações sobre os assistidos
que estão em tratamento à distância.
3.1- AS MOTIVAÇÕES
Este “grande móvel” descrito pelo tarefeiro M lembra o que Le Breton (2007, p. 84)
falou a respeito da alma e do corpo:
A retórica da alma foi substituída pela do corpo sob a égide da moral do consumo.
Um imperativo de prazer impõe ao ator, à revelia, práticas de consumo visando
aumentar o hedonismo de acordo com um jogo de marcas distintivas. O corpo é
promovido ao título de “significante de status social”.
estas pessoas chegarem depois que as luzes estão apagadas e irem embora antes que as luzes
sejam acesas.
relatos dos assistidos fizeram alusão a uma sensação de “agonia” que os incomodava antes do
tratamento, e que teria “passado” a partir de seu início, entre outros motivos, porque os passes
recebidos os “acalmaram”.
Boa parte dos entrevistados que buscam o Tratamento Fluidoterápico, o fazem por
estarem “depressivos” ou “em vias de se tornarem”, já que a “sensação de agonia” foi uma das
mais citadas, seguida pela “sensação de ansiedade”. Outros buscam o tratamento presencial
devido a doenças variadas, como “câncer”; “Alzheimer”; “distúrbios” mentais; além de
“síndromes” e “transtornos” diversos, que não necessariamente são concebidos pela medicina
como doença, como é o caso do “autismo”, que veremos a seguir. Muitas queixas se referem à
“depressão” e à sintomas emocionais o que se aproxima das definições de “sofrimento difuso”
e “pacientes somatizadores” (PIETRUKOWICZ, 2001, p. 22).
Zuleika44, uma das entrevistadas, disse que gostaria que na avaliação recebesse
“respostas mais objetivas” e que, por ser ansiosa queria, mesmo achando que não vai obter, que
o Espiritismo a ajudasse de forma “mais direta, mais concreta”. Esta assistida já era espírita e
começou o tratamento por duas vezes e parou, sendo esta sua terceira tentativa. O que a trouxe
ao tratamento foram as melhoras observadas em sua mãe, que sofre da Doença de Alzheimer e
está acamada, sendo assistida no tratamento à distância, e recebendo o passe domiciliar. Sua
fala nos remete às colocações da tarefeira R para aqueles que buscam o Tratamento
Fluidoterápico, quando ela diz que não há “mágicas” nem “varinhas de condão”. Ou seja, é
preciso que as pessoas tenham paciência até que o tratamento comece a fazer efeito, o que
parece difícil nos casos de ansiedade.
44
Os nomes de todos os assistidos entrevistados foram trocados para preservar a privacidade dos mesmos.
56
Além de Vander, outros três entrevistados disseram ser católicos, o que nos remete à
interessante caracterização sobre o universo religioso das religiões mediúnicas: “se no
catolicismo é possível ser sem participar, nas religiões mediúnicas é possível participar sem
ser.” (BRANDÃO apud GIUMBELLI, 2011, p. 236). Nilton, o único entrevistado que não
terminou o tratamento e também não tentou recomeçá-lo, diz que é “alcoólatra em
recuperação”, que está com a “depressão sob controle” e que o Espiritismo o “ajudou nisso”.
Ele “se considera espírita”. As outras oito pessoas entrevistadas “atravessavam momentos de
angústia” ou “incerteza em suas vidas”, sendo que algumas sabiam a “causa”, mas outras não.
Todas elas afirmaram que melhoraram após iniciarem o tratamento. Algumas pessoas
contaram que já haviam feito o tratamento anteriormente, quando estavam “deprimidas e
tristes”, e que se sentiram “tão bem” depois, que de vez em quando elas voltam para repetí-lo,
por se sentirem em “paz”. Outros interlocutores disseram que se sentem “bem melhor quando
estão em tratamento”; pessoas que estavam se sentindo “perdidas”, “sem saber explicar o que
eu estava sentindo”, argumentaram que o tratamento “me ajudou muito, está me ensinando
muito”, ou ainda, “passei por momentos difíceis vindo à casa em busca de ajuda e para mim
houve uma grande melhora”. Houve ainda quem dissesse que “na fluidoterapia você aprende a
se conectar com o mais alto”. Interessante perceber que o significado de “melhorar”, nesse caso,
é múltiplo, e engloba tanto o aspecto físico de “curar” uma “depressão”, quanto o emocional,
de apenas “se sentir bem”.
a “cura” em qualquer aspecto em que esta se concretize como se verifica no caso apresentado a
seguir.
3.3- O “CASO X”
Durante meu segundo dia de trabalho de campo, ocorreu um fato curioso. Entrei na
biblioteca do CEIS (perto da sala onde ficam as pessoas que aguardam a avaliação ou
reavaliação), e sentei-me em uma poltrona que fica bem em frente à porta para fazer algumas
anotações em meu caderno. Aproximadamente uns cinco minutos depois, X, há anos
diagnosticado por diferentes médicos como “autista severo”, chegou à porta da biblioteca e
voltou, entrou em outra sala ao lado da sala de espera para as avaliações e virou-se novamente
para a bilbioteca. Começou, então, a emitir sons mais altos e a andar nervosamente, de um lado
para outro. Num primeiro momento não estranhei seu comportamento pois, por frequentar o
CEIS antes mesmo de começar a pesquisa, sei que ele transita pelo Scheilla em dias de quinta-
feira, e é conhecido de todos os trabalhadores. No entanto, fui surpreendida logo depois pela
tarefeira R, que veio ao meu encontro e pediu para eu “dar licença da poltrona” em que estava
sentada, pois aquele era o “lugar do X”. Imediatamente me levantei e saí da biblioteca, enquanto
X entrou naquele lugar, puxou a poltrona um pouco para frente, e se acomodou nela como se
estivesse a esperar por algo ou por alguém.
Surpresa com a atitude dele, perguntei a tarefeira C o que eu havia feito de errado (ao
ocupar um lugar que não era meu), e me desculpei. Ela me tranquilizou e disse que não havia
“problema algum”, que eu não teria como saber que “o lugar era dele” e que todas as quintas
ele vinha “para trabalhar”. Estranhei a informação e perguntei: “trabalhar como? ” Então ela
me informou que, atualmente, X é considerado o “médium” que mais “doava ectoplasma” para
os “trabalhos de quinta-feira”, o que me fez recordar que o encontro com o inesperado faz parte
da busca etnográfica (LAPLANTINE, 2003, p. 122-123).
O que acontece com o X é o seguinte, ele é uma criança, não é? Ele está com 19 ou
20 anos (a tarefeira N pondera: Não, ele tá com 23 ou 24), mas é autista, e vai ter
comportamento exatamente como uma criança. Então o que é que nós observamos?
Nós observamos que X é um grande doador de ectoplasma, e ele doa isso em grande
quantidade; é uma montanha de doação de energia. Então o que é que nós fazemos
com ele? Ele se deixou treinar, ele foi muito passivo até nessa história. Então quando
ele senta ali, ele fica doando ectoplasma e ele doa ectoplasma não só para a avaliação
que acontece naquela sala, mas também para as outras salas.
Segundo o relato da mãe dele — a tarefeira F—, depois que ele começou a trabalhar e
fazer essas doações de ectoplasma, “inclusive a demanda de remédio dele reduziu muito, ele
ficou muito mais calmo e especialmente no dia que ele doa ectoplasma, ele chega em casa, deita
e dorme a noite inteira, sem remédio algum”. Neste sentido, é possível pensar que esta “doação
de fluídos” tem se caracterizado eficaz para X, já que implica uma melhora, evidenciando, como
apontado por Pietrukowicz (2001, p. 33), que “melhora” “para os portadores de doenças ligadas
ao emocional, significa vida melhor, ou seja, melhora no bem-estar dos indivíduos. ”
Ao considerarmos tanto a doação de fluídos feita por X (espontânea, individual,
constante e em grande quantidade) quanto a doação das pessoas no salão do segundo andar
(coletiva, conduzida, mecânica e pontual), é possível relacionarmos as duas com as colocações
de Mauss (2004) sobre a dádiva. Esta, enquanto um sistema que implica dar-receber-retribuir,
talvez não seja pensada pelos seus agentes como uma obrigação, mas como um favor mútuo,
capaz de gerar um “vínculo espiritual”. Se “tudo é matéria de transmissão e de prestação de
contas”, pode-se perceber uma sutil conexão com os preceitos da Doutrina Espírita, já que as
coisas relacionadas no texto como “matéria de transmissão” –alimentos, mulheres, filhos, bens,
talismãs, solo, trabalho, serviços, ofícios sacerdotais e funções–, são compreendidas pela
doutrina espírita como bens transitórios, pois
a alma nada leva consigo deste mundo? Nada, a não ser a lembrança e o desejo de ir
para um mundo melhor, lembrança cheia de doçura ou de amargor, conforme o uso
que ela fez da vida. Quanto mais pura for, melhor compreenderá a futilidade do que
deixa na Terra. (KARDEC, 1987, p.112).
59
45
O Carbolitium® (carbonato de lítio) é indicado no tratamento de episódios maníacos nos transtornos bipolares;
no tratamento de manutenção de indivíduos com transtorno bipolar, diminuindo a frequência dos episódios
maníacos e a intensidade destes quadros; na profilaxia da mania recorrente; prevenção da fase depressiva e
tratamento de hiperatividade psicomotora.
Quando dado a um paciente em episódio maníaco, o Carbolitium®(carbonato de lítio) pode normalizar os
sintomas num período que varia de 1 a 3 semanas. Disponível em:
http://www.medicinanet.com.br/bula/1175/carbolitium.htm Acesso em junho/2017.
60
A mãe relatou que, quando ele era pequeno, “nunca gostou de barro”, e que, agora, ele
“pulava no barro”; disse que ele ia ao galinheiro, corria atrás das galinhas, se sujava todo,
gritava, pulava, jogava as coisas fora e “quebrava tudo”. X teria passado a não dormir à noite,
e sua mãe também não. Segundo esta, ele mesmo “se batia”, “se machucava”. Se antes desta
fase ele tomava pouca medicação, atualmente tudo tinha sido alterado, pois recomeçaram às
idas aos médicos numa “peregrinação improdutiva” já que, apesar dos vários profissionais
consultados e de uma enorme quantidade de remédios, nada era “suficiente para fazê-lo dormir
ou se acalmar”.
X começou a emagrecer, pois naquele estado ele não conseguia comer, e só aceitava pão
de queijo como alimento, e, segundo ela, era “praticamente impossível” de manter um “estoque
de pão de queijo” em casa. “Insegura” e “desesperada” diante da situação que vivia e “cansada”
da incerteza dos variados pareceres médicos, assim como da “ineficácia dos tratamentos” e
fármacos, ela se viu sendo encaminhada à uma casa espírita por uma amiga sua que ficou
profundamente abalada quando a viu sentada e chorando na escada da Escola de Estudos
Superiores de Viçosa – ESUV, instituição na qual cursava direito.
F sempre frequentou a Igreja Presbiteriana e, por isso, sua amiga nunca havia lhe
indicado que buscasse auxílio em uma casa espírita. No entanto, ao presenciar a “agonia” de F,
sua amiga teria sugerido que ela fosse ao “atendimento fraterno no Centro Espírita Camilo
Chaves” para ver o que estava acontecendo. A mãe de X conta que a essa altura ela já não
frequentava aquela igreja havia algum tempo, e que seu afastamento teria se dado justamente
pelo posicionamento dos seus pastores, que teriam dito que X “está incorporado, com o capeta
no corpo, e tem que expulsar”. Isso foi um dos motivos que fizeram F “parar de ir na
evangélica”, pois, “se ele estava desse jeito e os pastores não acolhiam e achavam que eu tinha
que expulsar, como é que eu ia cuidar do meu filho achando que ele tinha algo ruim dentro do
corpo?” Esse relato ilustra o que Leão e Neto (2007, p. 55) colocam sobre os efeitos negativos
da religiosidade, ou seja, quando a religião leva à exclusão ou à negação de condutas médicas
ou à “interpretação distorcida de preceitos religiosos”. Nesse caso, X não era percebido pelos
pastores como “autista”, mas, a partir do enquadramento religioso, como alguém que tinha o
“capeta” no corpo.
Mesmo não conhecendo nada além do que fosse a religião evangélica e a católica, que
sua avó praticava, e sem acreditar no espiritismo pela visão que possuía desta religião, “de que
lá tinha um demônio, de que lá era o capeta”, além de ideias associadas à “macumba”, devido
61
às colocações feitas pelos pastores, F se dispôs à ida ao Camilo Chaves. Ela disse que, num
primeiro momento, seu pensamento foi o de “acertar as contas com o capeta” e que, se o centro
espírita era a “casa dele” como ela “cansou de ouvir”, era chegada a hora então de “dar de cara
a cara com ele e falar: aqui ó, agora vem cá, vamos nós dois acertar no braço, porque já que
você está dentro do meu filho aí, você mora dentro da minha casa. Agora eu estou na sua casa
para te encarar frente a frente”.
F conta que foi “muito bem acolhida” no Camilo Chaves pelo professor W, e que
começou fazendo atendimentos em grupo e, logo depois, lhe sugeriram ir para o Irmã Scheilla,
pois lá estavam “iniciando um tratamento que era específico para cura”. Isso ocorreu em 2004,
e havia mais ou menos um ano que a fluidoterapia se iniciara. Chegando ao Scheilla, F
conversou com tarefeiro M, a quem explicou sua situação, e este sugeriu que ela levasse X
“para tomar o passe todas as quintas-feiras”, e que levasse ainda um litro de água “para ser
fluidificada”. Foi indicado também que ela fizesse o Evangelho no Lar todos os dias. F havia
se mudado para perto do CEIS havia pouco tempo. A dificuldade relatada por ela em relação
ao apoio dos médicos e a comparação que faz sobre o acolhimento recebido no Camilo Chaves
é semelhante ao que Pietrukowics (2001, p. 101) apresenta sobre o apoio e o conforto que “a
medicina e os centro de saúde não proporcionam”, enquanto os espaços religiosos dariam
“conforto, solidariedade e apoio social”, que podem “repercutir no bem-estar e no sentido para
a vida”. Neste sentido, verifica-se que esta pessoa está em busca de algo que a medicina
convencional não lhe proporcionou (QUEIROZ apud SOARES, 2009, p. 140).
Ela narrou que na primeira vez que foi levar X lá, ele não queria ir de forma alguma. F
e seu marido tiveram que amarrá-lo num lençol. Ao chegarem ao Scheilla ele não queria entrar,
e necessitaram da ajuda de uma pessoa que estava à porta. Com grande dificuldade, já que X se
debatia muito, foi colocado para dentro e recebeu o passe. Essa situação se repetiu várias outras
vezes nos primeiros momentos, mais precisamente, por vários meses. Após esses primeiros
meses de passe “na marra” e após “terem sido afastados um pouco dos companheiros” ou
“espíritos obsessores”46, M orientou F para que ela conversasse com X sobre a importância do
tratamento, mas que, caso ele não quisesse, que ela o deixasse à vontade. À esta altura X já
havia “aberto o entendimento” e foi por isso que M falou: “agora você pode deixar ele escolher”.
Desde então, X nunca mais deixou de comparecer ao Irmã Scheilla.
46
De acordo com o Livro dos Médiuns, “a obsessão, isto é, o domínio que alguns Espíritos logram adquirir sobre
certas pessoas. Nunca é praticada senão pelos Espíritos inferiores, que procuram dominar. Os bons Espíritos
nenhum constrangimento infligem. Aconselham, combatem a influência dos maus e, se não os ouvem, retiram-se.
Os maus, ao contrário, se agarram àqueles de quem podem fazer suas presas. Se chegam a dominar algum,
identificam-se com o Espírito deste e o conduzem como se fora verdadeira criança. (KARDEC, 2011, p. 317).
62
Ao perguntar para F quais foram as primeiras mudanças que ela notou em X, ela disse
que “ na verdade, num primeiro momento”, não houve mudança, mas sim uma “piora
significativa”, porque vários “companheiros” (espíritos que obsidiavam X) não queriam que ele
saísse daquela situação. F esclarece que o tarefeiro M lhe passava algumas informações sobre
a realidade espiritual de X, leia-se, algumas “revelações sobre faltas cometidas em outras
encarnações”, e que estas informações eram necessárias para que ela, tomando conhecimento
de determinados fatos, compreendesse a importância da continuidade do trabalho com seu filho
na casa espírita.
Ela descreveu: “parece que ele foi um líder, então ele tinha muitos amigos e muitos
inimigos também”, por isso, “em várias encarnações X veio, usou a inteligência e o poder, e
falhou”. Esta fala remete a um dos pontos fundamentais do espiritismo, a Lei de Causa e Efeito
(RODRIGUES, 2012, p.222), segundo a qual as causas das mazelas humanas estariam em ações
realizadas “em existências anteriores, de um passado distante”, e que nem sempre são
compreendidas pela consciência dos encarnados. F se refere às “companhias” que seu filho
trazia consigo como “legiões” formadas por um grupo muito grande de (espíritos de) homens e
mulheres, mas que estas não tinham permissão ainda para entrar no Scheilla. Os Espíritos dos
homens então foram sendo socorridos e, quando não foi possível mais socorrê-los, e X precisava
de um tratamento mais específico, estes Espíritos foram “compulsoriamente afastados” e
“colocados para dormir” por meio do tratamento espiritual. Somente após este afastamento é
que houve permissão para que entrasse no Scheilla o grupo dos Espíritos das mulheres, do qual
K, filha de F “na presente encarnação”, participava.
F explica a “obsessão” de X a partir do detalhamento de sua ligação com o “espírito de
K”, sua atual irmã, em encarnações pregressas. A descrição das intervenções espirituais
realizadas nele e nos espíritos desencarnados47 que o acompanhavam demonstram alguns
acanhados aspectos de “uma situação muito complicada”, e se configuram cada um deles em
extensa matéria para novas pesquisas. De acordo com F, quando o Espírito de K foi “socorrido
e afastado”, X piorou novamente, pois não conseguia mais ver a “antiga companheira”.
47
Vale registrar que relatos sobre o uso de doutrinação espiritual, água fluidificada, passes e sessões de
desobsessão como recursos terapêuticos para o tratamento de alienados mentais no Sanatório de Uberaba na década
de 1930, são apresentados por Jabert (2008), além dos fatos importantes relacionados aos médicos-espíritas desde
o final do século XIX até a primeira metade do século XX.
63
Somente após o nascimento de K, ou sua “reencarnação”48, para usar um termo espírita, pouco
mais de um ano depois do socorro ao espírito da mesma, X, então com aproximadamente 16
anos, voltou a se acalmar e, segundo a mãe, “reconheceu K assim que a viu”, começando “uma
fase de melhora”.
Esta melhora no quadro clínico de X é atribuída, por sua mãe, ao tratamento ao qual ele
foi submetido no Centro Irmã Scheilla, e à posterior participação dele como “trabalhador” nas
atividades daquela casa espírita. Hoje em dia ela nem o leva mais aos psiquiatras, pois, segundo
conta, “foi dando homeopatia” e, à medida que ele foi melhorando, ela foi diminuindo os outros
medicamentos por conta própria. Atualmente ele toma, por dia, menos que 50 mg de um
calmante que se chama neosine49 porque, segundo ela, ele “está com o cérebro viciado”. Mesmo
sendo o único medicamento que ele toma, sua mãe está tentando tirar dele também. Segundo
ela, “esse calmante altera, fecha a mediunidade de X”. Em seus estudos, inclusive buscando as
publicações de médicos que são espíritas, F conseguiu descobrir e adequar o neosine a uma
quantidade mínima para que X fique bem durante o dia todo.
Este relato da mãe de X coincide com a informação dada por M, sobre a desnecessidade
da medicação nos dias em que X trabalha doando ectoplasma na fluidoterapia. Ela informa que
às vezes ele não precisa de medicação nem no dia seguinte. Ela informou que levou X à
Caxambú – MG para doar ectoplasma e, assim, auxiliar no tratamento de pessoas com câncer50,
e também lá ele não precisou tomar medicação. Nos dias em que X não trabalha doando
ectoplasma, caso ele fique sem a medicação, ele apresenta “crise de abstinência” o que, do
ponto de vista de F, parece comprovar que o trabalho no Irmã Scheilla exerce um efeito
terapêutico positivo sobre ele.
Esta relação de tarefeira F e, principalmente de X, com o Centro Espírita Irmã Scheilla,
nos mostra que “a procura pelo centro espírita se dá porque ela vai além da busca da cura, ela
se constitui na busca do alívio. Este se dá no âmbito do apoio social, independente da ação
48
A doutrina da reencarnação, fundamental no espiritismo, “consiste em admitir para o Espírito muitas existências
sucessivas, é a única que corresponde à ideia que formamos da justiça de Deus para com os homens que se acham
em condição moral inferior; a única que pode explicar o futuro e firmar as nossas esperanças, pois que nos oferece
os meios de resgatarmos os nossos erros por novas provações. A razão no-la indica e os Espíritos a ensinam”.
(KARDEC, 1987, p. 122).
49
Neozine® apresenta um vasto campo de aplicação terapêutica. Está indicado nos casos em que haja necessidade
de uma ação neuroléptica, sedativa ou antiálgica. Disponível em:
http://www.medicinanet.com.br/bula/3658/neozine.htm Acesso em junho/2017.
50
As informações sobre esta ida à Caxambu se referem a um trabalho também de cura espiritual em
desenvolvimento na outra casa espírita que F trabalha, a Casa do Caminho.
64
médico curativa. ” (PIETRUKOWICZ, 2001, p. 98). F diz que a partir dos dezesseis anos foi
que X começou a melhorar mais, a ficar mais consciente e, segundo ela, hoje ele está
“totalmente consciente”. Ela conta que, quando “olha no olho” dele e pergunta se ele é autista,
ele responde que “não”, e ela mesma reforça, dizendo que “hoje ele não é mais autista num
sentido metafísico, apenas no biológico”, pois quando ele “se desprende do corpo”, já é um
“Espírito consciente”. Ela afirma que X sabe a importância que o tratamento de quinta-feira
tem em sua vida. Se a “cura espiritual” é algo que, ao final de tudo, se processa pela ação do
próprio indivíduo num movimento de “olhar para dentro de si mesmo”, de reforma íntima, como
explicar a mudança de comportamento e as melhoras físicas, mentais e espirituais apresentadas
por X já que o mesmo, anteriormente, não possuía consciência, nem nenhum tipo de
entendimento dos ensinamentos e orientações ministrados pela casa?
Em um artigo interessante, Camurça (2012) traz à tona a discussão sobre a “eficácia
simbólica” como forma de interpretar a terapia de cura no espiritismo kardecista brasileiro e
aponta a pluralidade de interpretações nativas e acadêmicas concorrentes como um
“complicador” deste empreendimento. Ao fim, ele afirma a necessidade de “novas
experimentações” nos “estudos de religiões nas Ciências Sociais brasileiras”. Certamente uma
nova experimentação, em se tratando da questão “doença e cura espírita”, possa envolver
estudos de caso como o “caso X”.
Segundo sua mãe, a melhora apresentada por X após ter sido submetido ao Tratamento
Fluidoterápico “dependeu diretamente do afastamento dos espíritos que o obsidiavam” os quais,
por meio do “diálogo”51, aceitaram ajuda. Esse contato ou diálogo com os espíritos foi realizado
através de reunião mediúnica orientada pelos padrões da doutrina espírita.
51
Como demonstrado no procedimento seguido na pesquisa sobre ciência e religião realizada na Instituição Centro
Espírita Nosso Lar Casas André Luiz – Cencal, “em todas as reuniões mediúnicas, adotava-se o procedimento do
diálogo que passava por três fases ou momentos. No primeiro momento, o diálogo tinha por objetivo acalmar
angústias, rancores, cóleras, entre outros sentimentos, e com isso proporcionar bem-estar. O segundo momento
visava a estabelecer um vínculo de confiança entre o sujeito comunicante e o orientador da sessão. Em seguida,
adotavam-se técnicas sugestivas de valorização da vida, conforto e aconselhamento moral. (LEÃO e NETO, 2007,
p. 57).
65
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Num movimento de tentar desnaturalizar tudo que pensava que sabia sobre o
Tratamento Fluidoterápico, deparei-me com situações inesperadas e com relatos emocionados.
Empenhei-me em observar e tentar descrever, o mais objetivamente possível, tudo que estava
ao meu alcance e pude perceber, além da “paz” que o ambiente inspira, e da “concentração”
esperada de todos, que existem “tensões”, muito sutis às vezes, porém não imperceptíveis, tanto
da parte de algum assistido quanto da parte de algum trabalhador da casa. Não poderia deixar
de destacar também, que o reduzido número de entrevistas com os assistidos pela fluidoterapia
não me permitiu apreender a que ponto esses assistidos, de fato, aderem ao tratamento, por não
conseguir relatos que me apontassem, para além do que eles dizem fazer, aquilo que eles na
verdade não “cumprem”.
66
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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Filosofia e Religião nos escritos de Allan Kardec. 2014. 288 f. Tese (Doutorado em Ciência
da Religião) – Programa de Pós-Graduação em Ciência da Religião da Universidade Federal
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1978. (Coleção Os Pensadores).
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LIMA, Raquel Santos Sousa. É Como se Fosse Santa Rita: Processos de simbolização e
transformações rituais na devoção à santa dos impossíveis. 2014. 271 f. Tese (Doutorado em
Antropologia Social) – Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social, Museu
Nacional, da Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro. 2014.
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______. Ensaio sobre a dádiva. Forma e razão da troca nas sociedades arcaicas. In: ______.
Sociologia e Antropologia. São Paulo: Cosac Naify, 2004, p. 183-314.
PIETRUKOWICZ, Maria Cristina Leal Cypriano. Apoio Social e Religião: Uma forma de
enfrentamento dos problemas de saúde. 2001. 129 f. Dissertação (Mestrado em Saúde
Pública) – Escola Nacional de Saúde Pública Fundação Oswaldo Cruz, Rio de Janeiro. 2001.
RABELO, Miriam Cristina M. Religião, ritual e cura. In: Alves e Minayo. (Orgs.). Saúde e
doença: um olhar antropológico. Rio de Janeiro: Fiocruz, 1994. p. 47-56.
RODRIGUES, José Carlos. Os Corpos na Antropologia. In: Minayo e Coimbra Jr. (Orgs.).
Críticas e Atuantes: ciências sociais e humanas em saúde na América Latina. Rio de Janeiro:
Fiocruz, 2005. p. 157-181.
SANTOS, Ronan José Nunes dos. A História do Movimento Espírita Viçosense. Viçosa.
2016.
SILVA, Breno Marques da. As Essências Florais de Minas: Síntese para uma Medicina das
Almas. Belo Horizonte: Luzazul Editorial, 1994. p. 26-28.
ANEXOS
ANEXO I
71
ANEXO 2
“A prece é sempre agradável a Deus, quando ditada pelo coração, pois para ele, a
intenção é tudo. Assim, preferível lhe é a prece do íntimo à prece lida, por muito bela que seja,
se for lida mais com os lábios do que com o coração. Agrada-lhe a prece, quando dita com fé,
com fervor e sinceridade. Mas, não creiais que o toque a do homem fútil, orgulhoso e egoísta,
a menos que signifique, de sua parte, um ato de sincero arrependimento e de verdadeira
humildade.” (KARDEC, 1987, p. 319)
660) a)__ Como é que certas pessoas, que oram muito, são, não obstante, de mau caráter,
ciosas, invejosas, impertinentes, carentes de benevolência e de indulgência e até, algumas
vezes, viciosas?
“O essencial não é orar muito, mas orar bem. Essas pessoas supõem que todo o mérito
está na longura da prece e fecham os olhos para os seus próprios defeitos. Fazem da prece uma
ocupação, um emprego do tempo, nunca, porém, um estudo de si mesmas. A ineficácia, em tais
casos, não é do remédio, sim da maneira por que o aplicam.” (KARDEC, 1987, p. 319)
663. Podem as preces, que por nós mesmos fizermos, mudar a natureza das nossas
provas e desviar-lhes o curso?
“As vossas provas estão nas mãos de Deus e algumas há que têm que ser suportadas até
ao fim; mas, Deus sempre leva em conta a resignação. A prece traz para junto de vós os bons
Espíritos e, dando-vos estes a força de suportá-las corajosamente, menos rudes elas vos
parecem. Hemos dito que a prece nunca é inútil, quando bem feita, porque fortalece aquele que
ora, o que já constitui grande resultado. Ajuda-te a ti mesmo e o céu te ajudará, bem o sabes.
Demais, não é possível que Deus mude a ordem da natureza ao sabor de cada um, porquanto o
que, do vosso ponto de vista mesquinho e do da vossa vida efêmera, vos parece um grande mal
é quase sempre um grande bem na ordem geral do Universo. Além disso, de quantos males não
se constitui o homem o próprio autor, pela sua imprevidência ou pelas suas faltas? Ele é punido
naquilo em que pecou. Todavia, as súplicas justas são atendidas mais vezes do que supondes.
Julgais, de ordinário, que Deus não vos ouviu, porque não fez a vosso favor um milagre,
enquanto que vos assiste por meios tão naturais que vos parecem obra do acaso ou da força das
coisas. Muitas vezes também, as mais das vezes mesmo, ele vos sugere a ideia que vos fará sair
da dificuldade pelo ‘vosso próprio esforço’.” (KARDEC, 1987, p. 320,321)
72
ANEXO 3
]
73
ANEXO 4
QUESTÕES PARA ENTREVISTA COM OS ASSISTIDOS PELO TRATAMENTO
FLUIDOTERÁPICO
Nome
Idade
Sexo/gênero
Grau de Instrução
Profissão/ocupação
Bairro em que reside
Por que você buscou o tratamento da fluidoterapia?
Como ficou sabendo do tratamento?
Qual sua religião?
Alguém o trouxe para o tratamento?
Você já fez algum tratamento espiritual antes?
Há alguma coisa no tratamento que você não goste?
Há quanto tempo você está em tratamento?
Você notou alguma diferença/mudança após iniciar o tratamento?
Você frequenta o Scheilla algum outro dia/atividade além da 5ª feira?
74
ANEXO 5
QUESTÕES PARA ENTREVISTA COM OS TAREFEIROS
Nome
Idade
Sexo/gênero
Grau de Instrução
Profissão/ocupação
Bairro em que reside
Há quanto tempo frequenta o CEIS?
Há quanto tempo é trabalhador no CEIS?
Como chegou ao CEIS?
Sempre foi espírita?
Qual outra religião já professou?
75
ANEXO 6
Imagem ilustrativa retirada de apostila do curso de passes oferecido pelo Irmã Scheilla.