Brunomarcelino, 1112
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Revista Latinoamericana de Estudios en Cultura y Sociedad | Latin American Journal of Studies in Culture and Society 1
V. 05, ed. especial, abr., 2019, artigo nº 1112 | claec.org/relacult | e-ISSN: 2525-7870
Jésica Hencke 2
João Alberto da Silva3
Resumo
O ensino de arte na Educação Básica brasileira configura-se por um sistema de avanços e retrocessos
presenciados nos currículos escolares e nas leis que tangenciam ao ensino. Há poucas décadas obteve abertura
para suas múltiplas formas de expressão: artes visuais, dança, teatro, música; na atualidade o que está em voga é
a discussão da ambígua e reducionista BNCC – Base Nacional Comum Curricular – que apresenta o cinema, a
performance e a literatura, como meios artísticos. Investiga-se de forma sumária e inicial quais os entraves,
dilemas, possibilidades e perdas curriculares do ensino de artes visuais no Brasil, entre a faculdade de Belas
Artes e a proposição da BNCC, de forma a gerir uma escrita genealógica das transformações curriculares até
investigar os primeiros respingos e transformações educacionais provenientes da BNCC e seu viés científico-
técnico-matemático. Neste sentido, no movimento de escrita se apresentou um panorama geral das
transformações curriculares no Brasil, de forma a caminhar a um processo de proposição e pensamento da
BNCC e o quanto está lei pode minorar o papel social conquistado pela arte. Pode-se destacar que a arte age na
formação cidadã, no aprimoramento estético-cultural, investindo no saber sensível, ético e social do humano.
Resumen
La enseñanza de arte en la Educación Básica brasileña se configura por un sistema de avances y retrocesos
presenciados en los currículos escolares y en las leyes que tienden a la enseñanza. Hace pocas décadas obtuvo
apertura para sus múltiples formas de expresión: artes visuales, danza, teatro, música; en la actualidad lo que está
en boga es la discusión de la ambigua y reduccionista BNCC - Base Nacional Común Curricular - que presenta
el cine, la performance y la literatura, como medios artísticos. Se investiga de forma sumaria e inicial cuáles son
los obstáculos, dilemas, posibilidades y pérdidas curriculares de la enseñanza de artes visuales en Brasil, entre la
facultad de Bellas Artes y la proposición de la BNCC, para gestionar una escritura genealógica de las
transformaciones curriculares hasta investigar las primeras salpicaduras y transformaciones educativas
provenientes de la BNCC y su sesgo científico-técnico-matemático. En este sentido, en el movimiento de
escritura se presentó un panorama general de las transformaciones curriculares en Brasil, de forma a caminar a
un proceso de proposición y pensamiento de la BNCC y cuánto está ley puede mitigar el papel social
conquistado por el arte. Se puede destacar que el arte actúa en la formación ciudadana, en el perfeccionamiento
estético-cultural, invirtiendo en el saber sensible, ético y social de lo humano.
1
BNCC – Base Nacional Comum Curricular.
2
Mestre em Artes Visuais pela UFPEL - Universidade Federal de Pelotas; Pelotas; RS; Brasil;
[email protected]
3
Doutor em Educação pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul-UFRGS; Porto Alegre; RS; Brasil;
[email protected]
Histórico do artigo:
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Abstract
The teaching of art in the Brazilian Basic Education is configured by a system of advances and setbacks
witnessed in the school curricula and laws that relate to teaching. A few decades ago he was open to his multiple
forms of expression: visual arts, dance, theater, music; at present, what is in vogue is the discussion of the
ambiguous and reductionist BNCC - National Curricular Common Base - that presents cinema, performance and
literature, as artistic means. The obstacles, dilemmas, possibilities and curricular losses of the teaching of visual
arts in Brazil, between the Faculty of Fine Arts and the proposal of the BNCC, are investigated in a summary
and initial way in order to manage a genealogical writing of the curricular transformations until investigating the
first spills and educational transformations coming from the BNCC and its scientific-technical-mathematical
bias. In this sense, the writing movement presented an overview of the curricular transformations in Brazil, in
order to move to a process of proposition and thought of the BNCC and how much this law can reduce the social
role conquered by art. It is possible to emphasize that art acts in the citizen formation, in the aesthetic-cultural
improvement, investing in the sensitive, ethical and social knowledge of the human.
1. Introdução
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Vivemos num mundo social onde novas identidades culturais e sociais emergem, se
afirmam, apagando fronteiras, transgredindo proibições e tabus identitários, num
tempo de deliciosos cruzamentos de fronteiras, de um fascinante processo de
hibridização de identidades (...). Paradoxalmente, vivemos, entretanto, também num
tempo de desespero e dor, de sofrimento e miséria, de tragédia e violência, de
anulação e negação das capacidades humanas (...). Vivemos num tempo de
afirmação da identidade hegemônica do sujeito otimizador do mercado, num mundo
onde zelosos guarda-fronteiras tentam conter a emergência de novas e de renovadas
identidades e coibir a livre circulação entre territórios – os geográficos e os
simbólicos. É uma desgraça, é uma danação, é uma tristeza, viver num tempo como
esse, num tempo assim... (SILVA, 2010, p. 7-8).
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(SACRISTÁN, 1999, p. 12). Acontecer, segundo o autor, significa o momento atual em que
vivemos e as transformações que ocorrem neste plano geográfico, social e cultural no qual se
está imerso.
As presentes mudanças produzem “ruídos” (SACRISTÁN, 1999), formando fissuras
no ideal moderno das certezas, realidade, ordem, progresso, saberes universais e
inquestionáveis, respingando na elaboração do currículo escolar e abalando a estática (o não
movimento, a fixidez e a rigidez conceitual), na qual a “grade” curricular encontra-se
alicerçada.
O que move a educação? A reprodução?! A imposição governamental?! As “grades”
curriculares?! Sim, mas, não somente. Existe uma infinidade de possibilidades quando se
pensa em processos e não em produtos. Enquanto processo analisa-se tempos e espaços
percorridos, caminhos marcados por incertezas, entusiasmos, erros, quedas, conquistas,
infelicidades, alegrias, movimentos e trajetórias que são suspensas e que dão espaço à
existência de outros encontros, outras possibilidades, novas aprendizagens.
O currículo, embebido no modelo, na regra, no padrão, é “dogmático”, “assentado”
(CORAZZA, SILVA, 2003) construído de forma a gerir e organizar o processo metodológico
de ensino e impossibilita perceber o aprender que existe no entre, no instável, no inusitado e
na relação. Embasa-se em conteúdos e disciplinas escolares pensadas de forma fragmentada,
hierárquica, correspondendo a um determinado modelo de sociedade.
O currículo dogmático demarca modos de aprender e de ensinar, ampara-se na
representação do saber, na recognição dos conceitos e na recuperação das informações
transmitidas pelos professores. O espaço educacional não é inerte, nem neutro, ele é
disjuntivo, descontínuo, formado por rupturas, alterações e sensações, que abalam a estrutura
curricular.
As práticas curriculares convencionais, presas como estão em paisagens
extremamente tecnicistas e estéreis, raramente permitem que sejam feitas questões
além daquelas relacionadas com utilidade, competência e medição [...]. Elas geram
um espaço pré-fabricado que tende a ser estéril, uma vez que a percepção, no seu
interior, continua sob o domínio da profunda superstição platônica da mente
concebida como um espelho que reflete a realidade [...]. Como resultado, sobre uma
tal superfície, a aprendizagem é vista como recuperação de um mundo que existe lá
fora. (ROY, 2002, p.93, grifos do autor).
Roy (2002) apresenta o olhar assumido por muitas escolas na atualidade: rejeitar o
novo, o diferente, recusar-se a assumir a heterogeneidade, a pensar a educação como um
plano potencial de inovações, de criações e desafios, ao restringir-se à repetição e reprodução
ininterrupta do mesmo, o igual, o conhecido e aceito como verdade consolidado por uma
vertente educacional estruturalista, amparado em metanarrativas. O currículo outorgado e
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Nesta teia de sentidos, que vai formando tessituras do saber, se mostra necessário
perguntar: o que a escola e seu currículo ensinam em artes visuais? É possível ensinar?
Enlameado pela técnica aborda-se a linguagem visual, materiais, formas, movimentos
artísticos, desdobramentos entre luz e sombra, tonalidades, cor, desenho geométrico,
perspectiva, figura-fundo, história da arte, leitura e releitura de imagens.
A arte-educação contemporânea, não precisa ser eterna, permanente, imutável, pode
ser constituída pela miscigenação de materiais, tornando-se permeável, porosa, efêmera,
penetrável, angustiante, questionadora, desestabilizadora. Dentro do contexto educacional o
efêmero pode ser experimentado através de performances, instalações, inquietações,
questionamentos que modificam as percepções.
Viver a arte, enquanto vida e obra não é apenas contemplar, observar e apreciar
pinturas, esculturas, alto e baixo relevo, por exemplo, ações respeitadas e valorizadas na Idade
Média. Na Idade Moderna entra em cena o espectador, de forma tímida e sutil ao desenvolver
suas faculdades mentais e apreciar o belo e o sublime. Na arte contemporânea a ação critica
flui, necessita-se sentir o ato de criar, permitir que a obra infiltre-se no imaginário do
espectador-ator-participante levando-o ao questionamento, a dúvida, a um diálogo permanente
entre o saber, quase saber, tentar saber, não-saber, o sentir, quase sentir, tentar sentir, não-
sentir, o ver, quase ver, tentar ver, o não-ver tudo ao mesmo tempo, sem hierarquias. A arte
apresenta-se num fluxo vital, o inesperado, torna-se vida, arte, ação, criação e pensamento.
Ferraz e Fusari destacam que as práticas educativas “surgem de mobilizações políticas,
sociais, pedagógicas, filosóficas, e, no caso da arte, também de teorias e proposições artísticas
e estéticas” (FERRAZ e FUSARI, 2009, p. 37). Inebriado por esta gama de variantes, o
âmbito escolar torna-se prenhe de potencialidades para a criação, que, deveras, é acachapada
sob a égide da “grade curricular”, das disciplinas prático-científicas, da necessidade de
produzir informações e viver experimentos, não experiências.
O currículo de Artes Visuais se apresenta como um patchwork de teorias inacabadas e
sobrepostas, modelos provenientes de Portugal, França, Inglaterra, Espanha, Alemanha, Suíça
e Estados Unidos. Séculos que se confundem, imposições que desrespeitam as construções
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tal postura estava alicerçada nos estudos de Smith “[...] o fim é aprender a ver, a descobrir, a
conservar, e recordar, a reproduzir, a criar, em suma, ou, para dizer tudo numa só palavra, o
fim é instruir, é educar” (BARBOSA, 2009, p. 50), formando mão de obra apta a impulsionar
o desenvolvimento tecnológico-industrial do país.
O ensino do desenho popularizou-se por ser considerado subsídio preparatório para o
design, a criação de peças industriais, o desenvolvimento financeiro e social do país, sendo
mais fácil a um médico desenhar o instrumento que poderá auxiliar em sua prática cotidiana,
ao invés de explicá-lo ao artesão que irá produzi-lo, por exemplo. As ideias de Walter Smith,
através dos estudos e elaboração do parecer do ensino secundário por Rui Barbosa, ecoaram
no ensino da Arte por quase três décadas e, antes mesmo da publicação do Parecer sobre o
Ensino Primário redigido pelo mesmo autor com ideias mais amplas, originais e pessoais
embasado numa filosofia da educação, Abílio César Pereira Borges publicou o primeiro
manual de desenho geométrico intitulado “Geometria Popular”, cujo livro teve reconhecido
destaque e repercussão, chegando a 1959 sua 41ª edição (BARBOSA, 2009).
“O estudo era iniciado pelas linhas retas, vertical, horizontal, oblíquas, inclinadas,
paralelas e, a seguir, vinham os ângulos, triângulos, retângulos, numa gradação conteudística”
(BARBOSA, 2009, p. 56), modelo presente na abordagem tradicional de ensino, que trata das
menores partículas a serem ensinadas e vai se tornando complexo à medida que o conceito é
apreendido.
A influência do positivismo na república brasileira não passou despercebida pelos
currículos escolares, o aperfeiçoamento intelectual era considerado condição basilar para o
desenvolvimento político e social, e a arte vista como “um poderoso veículo para o
desenvolvimento do raciocínio desde que, ensinada através do método positivo” (BARBOSA,
2009, p. 67), subordinava a imaginação às leis que regem as formas científicas.
Foi com Benjamim Constant, durante a Primeira República, que ocorreu a reforma
positivista e influenciou a evolução do ensino secundário, o qual passou a ser centrado no
ensino das ciências; o desenho aparecia no currículo apenas como auxiliar deste processo.
Nesta proposta curricular os conteúdos de geometria eram extensos e seu estudo excessivo,
sendo pré-requisito para ascender a cursos superiores em nível Jurídico e/ou de Médico
Cirúrgico, por exemplo.
Com a morte de Benjamim Constant ocorreu inúmeras modificações em sua Reforma
Educacional, surgindo assim o Código Fernando Lobo. “Segundo esta lei o currículo passou a
se orientar em direção à preparação do aluno para a escola superior, limitando-se os objetivos
formativos ao simples desenvolvimento do raciocínio” (BARBOSA, 2009, p. 74), talvez este
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processo tenha tornado submissa à arte como criação, visto que o único objetivo curricular era
possibilitar a ascensão a cursos superiores. Imerso nesta concepção formativa os positivistas
“imprimiram ao ensino da Arte um excessivo rigorismo, baseado na ideia do princípio de
ordenação das formas e na ideia de que o individual, enquanto elemento de expressão e
composição, passa a ser insignificante para o próprio indivíduo” (BARBOSA, 2009, p. 74).
O Código Fernando Lobo, foi substituído pelo Código Epitáfio Pessoa que, entre os
anos de 1901 e 1910 deixou de forma descoberta o ensino primário e valorizou o secundário,
acarretando ao país uma grande perda no que tange à aprendizagem básica. Neste código
educacional há uma articulação entre o liberalismo e o positivismo. Segundo a lei, o ensino do
desenho deverá ter por base a morfologia geométrica, valendo-se de modelos naturais ao
invés da reprodução de cartões impressos. A ênfase mantinha-se na existência da geometria
descritiva, cujo ensino estava defasado em função das reformas educacionais e a falta de
professores capacitados para seu desenvolvimento, assim, de forma simplificada o estudo do
desenho geométrico apresentou-se nos currículos de Artes (BARBOSA, 2009).
[...] o primeiro ano deveria compreender: desenho de mão livre com aplicação
especial ao ornato geométrico plano; o segundo ano, estudo de sólidos geométricos
acompanhados dos princípios práticos de execução das sombras e ornatos em relevo;
no terceiro ano, desenho linear geométrico, elementos de perspectiva prática e vista;
no quarto ano, elementos de desenho geometral ou da representação real dos corpos
(BARBOSA, 2009, p. 80).
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(BARBOSA, 2009, p. 87). Foi a partir desta lei que surgem os exames de admissão para
acesso à escola secundária que perduraram até 1971 e, instituíram-se também os exames de
admissão para o curso superior, através de provas de vestibular presente até os dias atuais
(com menor ênfase), perdendo gradativamente espaço para o ENEM (Exame Nacional do
Ensino Médio).
Em 1915, a Reforma Carlos Maximiliano, que vigorou por uma década, manteve a
autonomia administrativa das instituições escolares, mas reestabeleceu a responsabilidade do
Estado e a ação fiscalizadora do Governo Federal no que tange à formação e fiscalização dos
currículos no ensino primário e secundário, avaliando os cursos superiores. A disposição do
governo era “moralizar o ensino” (BARBOSA, 2009, p. 91).
Foi nesta reforma que o desenho perdeu seu valor régio, e o professor de desenho
passa a ser considerado inferior e desnecessário ao círculo das relações escolares. Segundo a
lei: “A nota obtida em exame de desenho visa estimular os estudantes, não influi para a
passagem dos alunos para o ano imediato; basta-lhes para a promoção exibir atestado de
frequência subscrito pelo professor” (BARBOSA, 2009, p. 92). Assim, pode-se dizer que
desde 1915 o ensino da Arte no Brasil começa a apresentar sua decadência, sendo considerado
sem importância para ascender aos cursos superiores. Todavia, houve um jogo de interesses
para recuperar o status do desenho no âmbito escolar ao aproximá-lo com maior ênfase da
geometria desde o ensino primário, visto que para a admissão ginasial, realizava-se uma prova
que envolvia conhecimentos geométricos elaborados.
Este movimento de aproximação entre o desenho artístico e a geometria pode ser visto
no fragmento que segue, retirado do currículo de Artes Visuais, em pleno ano de 2015,
pertencente a uma instituição estadual de ensino, correspondente ao oitavo ano do Ensino
Fundamental:
a. Traçado e uso das linhas em desenho geométrico;
b. Elementos básicos: pontos, reta e plano;
c. Reta: semirreta, segmentos de reta, posição absoluta, posição relativa,
coincidentes, concorrentes, oblíquos, perpendiculares, construção de retas [...]
(Instituto Estadual de Ensino, Currículo de Artes Visuais, 8ª ano, 2015).
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Em 1969 a arte fazia parte dos currículos das escolas particulares seguindo uma linha
metodológica de variabilidade técnica, entretanto, eram raras as escolas públicas que
desenvolviam um trabalho de arte. Entre 1968 e 1972 as escolas especializadas no ensino de
arte, começam a relacionar o desenvolvimento de processos mentais envolvidos na
criatividade com a teoria fenomenológica da percepção, bem como o desenvolvimento da
capacidade crítica ou da abstração (BARBOSA, 1998).
Em 1971 a Educação Artística torna-se componente curricular obrigatório com a
promulgação da lei 5.692/1971 (Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional), a mesma
estabelece a prática da polivalência, ou seja, um mesmo professor deveria possuir
conhecimentos de artes visuais, artes cênicas, artes musicais e desenvolver trabalhos voltados
a todas estas linguagens artísticas. Para qualificar os docentes, em 1973 foram criados cursos
de graduação em Educação Artística e Licenciatura em Artes Plásticas com duração de dois
anos, preparando de forma aligeirada professores aptos a ensinar tudo ao mesmo tempo. Ao
findar este período, o professor poderia escolher uma habilidade específica (artes plásticas,
desenho, artes cênicas, música) e continuar seus estudos, rumo à licenciatura plena
(BARBOSA, 1998).
A década de 80 (oitenta) foi turbulenta, com diversos movimentos em prol da escola
pública de qualidade, alicerçada numa pedagogia sociopolítica. Na Universidade de São Paulo
é criado o primeiro curso de pós-graduação (Mestrado e Doutorado) na linha de pesquisa em
Arte/educação sob a orientação de Ana Mae Barbosa, que a partir da década de 90 (noventa)
sistematiza a Proposta/Abordagem Triangular para o ensino de Artes Visuais. Pode-se dizer
que há uma transição do movimento moderno ao pós-moderno caracterizado pela entrada da
imagem, sua decodificação e interpretação na sala de aula, junto à expressividade outrora já
conquistada (BARBOSA, 1998).
Richter (2000), em sua tese de doutorado, escreve sobre este campo perigoso que
envolve a necessidade de uma ruptura paradigmática entre o ensino de arte moderno focado
na forma e processo (reprodução, imitação, cópia do modelo, arte como linguagem),
valorizando apenas o ensino da história da arte em detrimento de uma arte contemporânea.
Neste enfoque a linguagem artística assume uma nova postura, os elementos aparecem como
meios e não como o próprio conteúdo. “A ênfase é dada aos temas, ideias, aspectos sociais,
literatura e narrativa. Aspectos como ironia, paródia, metáfora também são levantados”
(RICHTER, 2000, p. 36).
Para esta nova arte-educação propõe-se um processo de interpretação da obra de arte,
através de seu processo de criação, crítica e compreensão das condições sociais, culturais e
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históricas dos indivíduos que a analisam. Este movimento de análise entre o ensino de arte
moderno e pós-moderno ganha ressonância quando se pretende compreender a efervescência
das relações atuais, enquanto que o modernismo considera a arte como um fenômeno único
descomprometido da experiência estética, o “pós-modernismo vê a arte como uma forma de
produção e reprodução cultural, que só pode ser compreendida dentro do contexto e dos
interesses das suas culturas de origem e apreciação” (RICHTER, 2000, p. 38).
Enquanto o modernismo trabalha com a gramática visual, a excelência estética e a
reprodução de modelos, a arte pós-moderna está aberta às experiências conectadas com a
vida, desmanchando as fronteiras entre a arte e o contexto cultural (RICHTER, 2000).
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seres humanos. Comunicação refere-se a uma forma de avisar, informar, notificar, participar
de um saber, transmitir, criar correspondências e possibilitar a interação social.
Nos PCNs a arte torna-se conhecimento e a experiência é desmembrada em níveis, não
hierárquicos, e pode acontecer independente da ordem, envolvendo processos como fazer,
fruir e investigar. O conhecimento é visto como um movimento de aquisição de informações,
o fazer artístico resume-se à apropriação poética dos materiais pictóricos, “desenvolvimento
de potencialidades: percepção, intuição, reflexão, investigação, sensibilidade, imaginação,
curiosidade e flexibilidade” (BRASIL, 1998, p. 37), restringe-se à comunicação e a obra de
arte como a produção de signos culturais.
Apesar das limitações deste olhar, os PCNs têm a intenção de tornar vivo o ensino de
artes em suas "múltiplas linguagens" (plásticas, teatrais, musicais, dança), contribuindo para a
compreensão da LDBN4 nº. 9.394/1996, valorizando a formação dos professores, a cultura
como subsídio da prática educativa, sendo-a um critério à seleção dos conteúdos: arte como
cultura, compreensão das manifestações culturais e artísticas, valorização dos eixos da
aprendizagem – fazer, apreciar e contextualizar (BRASIL, 1998).
Para sua elaboração os PCNs partem do ideal de uma escola sócio-interacionista-
construtivista alicerçada nos estudos de Piaget (epistemologia genética e desenvolvimento
sócio-biológico), Vygostsky (escola sócio-histórica e valorização das relações estabelecidas
culturalmente) e Ausubel (aprendizagem significativa, compreensão do que se aprende e qual
sua importância na vida diária). Na década de 90 (noventa) a ênfase recai sobre a cultura, os
métodos e estratégias de aprendizagem, as múltiplas formas de assimilação dos conteúdos,
incluindo: “fatos, conceitos, princípios, procedimentos, valores e atitudes” (IAVELBERG,
2003, p. 35).
Os PCNs apresentam, como conteúdos gerais e indispensáveis a todas as linguagens
artísticas, a arte como expressão e comunicação, técnicas, procedimentos, elementos básicos
de cada linguagem, criação em arte, produtos da arte (bens culturais e bens de consumo),
concepção estética e histórica da arte, arte na sociedade (artistas, manifestações, produções,
documentações, preservação e espaço artísticos). Pode-se pontuar que há uma mudança de
foco que outrora se dedicava apenas ao desenho geométrico e industrial (BRASIL, 1998).
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LDBN – Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional.
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Submetido em:03/01/2019– Aceito em: 10/03/2019
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Estudar pode ser apaixonante, agradável, instigante e desafiador. Para contribuir com o
processo de ensino em artes visuais, os PCNs apresentam-se como balizas que podem ser
ultrapassadas, de maneira a problematizar os conceitos artísticos, questionar a arte como
linguagem e comunicação, perceber que a experiência não pode ser mensurada e prevista, ela
acontece.
Apesar dos PCNs pontuarem a metodologia alicerçada em projetos de ensino, os
conteúdos ainda se organizam em “etapas sequenciais”, valorizam a exploração de “técnicas”
artísticas a partir de uma abordagem didático-pedagógica. Ao transformar a arte em
linguagem é possível criar estratégias avaliativas, demarcar os caminhos a percorrer, limitar o
processo do aprender.
A incompreensão prática dos PCNs, fizeram emergir no Rio Grande do Sul, nos anos
de 2009 a 2012 outra proposta curricular para embasar a prática docente. O referencial
curricular “Lições do Rio Grande” aproxima a arte das linguagens, tecnologias e educação
física e critica os PCNs por seu caráter ambíguo. Filia-se ao desenvolvimento de
competências e habilidades.
Nos anos finais do ensino fundamental é delegado ao ensino de artes duas horas/aula
semanais. O ensino de artes visuais está alicerçado na tríade: ler, escrever e resolver
problemas. Ler é atribuir sentido à imagem, interpretá-la, decifrá-la, produzir um discurso
gráfico, visual e verbal alicerçado em elementos basilares da linguagem visual. Escrever
associa-se ao ato de criar, elaborar uma poética visual própria ao representar vivências
pessoais ou grupais, criação de portfólios, textos e pesquisas sobre a história da arte. Resolver
problemas inclui solucionar os desafios de produção apresentados pelo professor, na
necessidade de contextualizar a proposta de trabalho com os recursos disponíveis e pensar
artisticamente (RIO GRANDE DO SUL, 2009).
Para tornar possível o desenvolvimento da leitura, escrita e resolução de problemas, o
referencial curricular sistematiza a aprendizagem de artes visuais em temas estruturantes,
como apresentado na imagem abaixo:
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proposta de recriar o criado, reviver o vivido, sem gerar pensamentos. Imerso nesta
conjuntura, cabe questionar: como criar em arte ao se viver um espaço escolar com tempos
reduzidos e normas sistematizadas?
A primeira dimensão da BNCC já se mostra problemática, em seguida propõe a ação
crítica, o que instiga o estudante a questionar, ler a imagem de forma sociocultural, envolver-
se num processo de percepção e existência estética. Por outro lado à lei propõe a descrição das
impressões, o estabelecimento de relações por meio de estudo e pesquisa da obra e visa à
existência de um pensamento propositivo. Como propor sem a existência de um embasamento
teórico? A obra de arte vale por si mesma, é um ser em si - destaca Deleuze e Guattari (2010),
por que torná-la linguagem? Sensações fazem parte da arte que é composta por perceptos e
afectos, um conjunto de percepções e sensações que se tornam independente do artista,
independente da crítica vazia, mas dependente do espectador que participa da obra
(DELEUZE, GUATTARI, 2010).
A estesia é apresentada como outra dimensão e um avanço qualitativo em relação às
leis curriculares precedentes, talvez a mais impactante e dinâmica de todas, pois em um
mundo formado pela indiferença, individualidade, solidão e anestesia, colocar o corpo em
funcionamento e provocar um saber vibrátil é fascinante. O corpo mostra-se como
protagonista da experiência, provoca-se a existência do “eu corpo”, corrompe-se a dicotomia
cartesiana entre corpo e alma, intelecto e carnalidade. A estesia é a vivência completa do ser.
“A estesia é como uma poética da dimensão sensível do corpo que suscita em absoluta
singularidade uma experiência sensível com objetos, lugares, condições de existência, seres,
comportamentos, ideias, pensamentos, conceitos” (PICOSQUE, MARTINS, p. 35, 2012).
Para tornar-se viável a presente dimensão será preciso aprimorar os saberes docentes,
tornando-os conhecedores de seu corpo, eis um desafio para o desenvolvimento desta ótica
curricular.
Todavia na esteira do pensamento destaca a expressão que pode ser um complemento
do ato de criação, ou uma forma reducionista de ver as artes como linguagem. A base
curricular destaca o expressar como uma forma de manifestar a subjetividade através da
linguagem artística, usurpando o processo de criação que ocorre envolto por um agir estésico.
Se a expressão é apenas a criação/reprodução material da arte, não se mostra necessário o
processo de apreensão contextual e vivência artística.
A fruição é vista em uma ótica reducionista de prazer ou dispor-se a conhecer a cultura
e as múltiplas artes. Finaliza as dimensões com o termo reflexão, o ato de olhar a si mesmo e
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3. Considerações Finais
Será que há possibilidades de aprender artes visuais, com o currículo escolar que a
escola apresenta? É possível viver experiências, no processo de aprendizagem em artes
visuais, alicerçado no currículo dogmático que defende o ensino do desenho geométrico, dos
ângulos, da perspectiva cônica e linear, do reconhecimento dos sólidos geométricos e sua
planificação?
Ou melhor, pensar o momento atual no qual os conteúdos escolares estão alicerçados
na BNCC, o que gera infindáveis dúvidas. Será mais uma forma de minimizar a potência do
aprender? Uma estratégia de desvalorizar o processo investigativo e formativo? Ou pode
tornar-se um instrumento que impulsiona o ato criador a romper com o modelo proposto
levando a instigar, desafiar e usufruir do conhecimento como veículo para transformar o
âmbito social?
O Brasil vivenciou um patchwork de normativas e leis curriculares, de forma a
tangenciar um ensino que pudesse servir para algo, colocando a arte no plano da
funcionalidade. Vale destacar que está enormidade de mudanças curriculares foram
compreendidas de forma parcial e provisória por muitos educadores, ação que acarretou a
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promulgação da BNCC (documento que estava sendo gestado desde a década de 80), todavia
ele absorve e destaca um perfil restrito e difuso para o ensino de artes e suas linguagens.
Com a Ditadura Militar e a promulgação da Lei 5.692/1971 o ensino de artes passou a
compor o currículo, o ensino era voltado à técnica e ao processo de profissionalização, sendo
obrigatório aos discentes. Neste período a Sociologia e a Filosofia haviam sido removidas do
currículo e a Arte assumiu o desafio de provocar a ação crítica e o pensamento. O ensino era
formado por listas de conteúdos a serem ministradas, impedindo qualquer possibilidade de
autonomia docente, fazendo desaparecer a intenção de provocar o senso crítico.
Das Belas Artes as Artes Visuais, passando pela Educação Artística e a Artes
Plásticas, destaca-se que o ensino de artes percorreu caminhos tortuosos, desde o desenho
geométrico, a cópia de fichas de desenhos, até o laissez-faire (deixar fazer). A busca pela
valorização e reconhecimento das artes envolveu romper com a lógica do “dom inato”, com a
consideração da arte como uma atividade de lazer, momento de descanso, ocupação sexista,
entre outras formulações pejorativas.
A formação do docente ocorria de forma aligeirada, evidenciando uma
despreocupação com o ensino e o valor das artes, neste contexto a história da arte, apreciação,
fruição, viver experiências e experimentar a estesia não estavam presentes, nem estava em
questionamento promover o pensamento do alunado e sua ação crítico-social.
Vale destacar que o lugar hierárquico da disciplina de Artes ainda se mantém aquém
em relação às disciplinas de linguística, Matemática e Ciências. Na rede pública de ensino
visualiza-se um contínuo processo de desvalorização da imagem, do som, do movimento, da
percepção estética como fontes de conhecimento educacional e pessoal. O desenvolvimento
das Artes mantém-se por solavancos e imposições legais, ação que dificulta o processo de
aprimoramento e desenvolvimento de um saber estético, por outro lado, vale lembrar que o
ensino de Artes ocorre imerso em lutas políticas, negociações, disputa por espaços, sentidos,
tempos, valores o que garantiu algumas conquistas vivenciadas pelos arte-educadores.
Pode-se dizer que a BNCC é mais uma estratégia governamental para tolher e limitar o
processo de criação de um ensino embasado na ação crítica, processo criador e habilidade
comunicativa através da produção de sentidos. Neste contexto a interferência do poder
privado nas relações governamentais e formulações curriculares pode vir a suplantar o
caminho trilhado e as conquistas dos arte-educadores, tornando a lei apenas uma forma de
mascarar os ditames e imposições de um sistema governamental retrógrado.
A ideia de uma base nacional comum curricular não contempla a diversidade e inibe a
compreensão cultural de cada região, o processo de valorização das diferenças, bem como não
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