Tese Cristiane Landulfo

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UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA

INSTITUTO DE LETRAS
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM LÍNGUA E CULTURA

CRISTIANE MARIA CAMPELO LOPES LANDULFO DE SOUSA

CURRÍCULO E FORMAÇÃO INICIAL DOS PROFESSORES DE ITALIANO NO


BRASIL: CONSTATAÇÕES E REFLEXÕES

SALVADOR
2016
CRISTIANE MARIA CAMPELO LOPES LANDULFO DE SOUSA

CURRÍCULO E FORMAÇÃO INICIAL DOS PROFESSORES DE ITALIANO NO


BRASIL: CONSTATAÇÕES E REFLEXÕES

Tese apresentada ao Programa de Pós-graduação em


Língua e Cultura, do Instituto de Letras da Universidade
Federal da Bahia, como requisito parcial para a obtenção
do grau de Doutora em Língua e Cultura.

Orientadora: Profa. Dra. Márcia Paraquett

Salvador
2016
Sistemas de Bibliotecas - UFBA

Sousa, Cristiane Maria Campelo Lopes Landulfo de.

Currículo e formação inicial dos professores de italiano no Brasil: constatações e


reflexões / Cristiane Maria Campelo Lopes Landulfo de Sousa. - 2016.
340 f.: il.

Inclui anexos.
Orientadora: Profª. Drª. Márcia Paraquett.

Tese (doutorado) - Universidade Federal da Bahia, Instituto de Letras, Salvador, 2016.

1. Currículos. 2. Professores - Formação. 3. Língua italiana. 4. Linguística aplicada.


5. Interculturalidade. I. Paraquett, Márcia. II. Universidade Federal da Bahia. Instituto de
Letras. III. Título.

CDD - 375
CDU - 37.016
UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA
INSTITUTO DE LETRAS
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM LINGUA E CULTURA

Tese defendida em 01 junho de 2016 e aprovada pela Banca Examinadora constituída pelos
seguintes professores:

___________________________________________________________________
Profª. Drª. Márcia Paraquett
Universidade Federal da Bahia
Orientadora

___________________________________________________________________
Profª. Drª. Doris Cristina Vicente da Silva Matos
Universidade Federal de Sergipe
Examinadora Externa (Primeiro Titular)

___________________________________________________________________
Profª. Drª. Alessandra Paola Caramori
Universidade Federal da Bahia
Examinadora Externa (Segundo Titular)

__________________________________________________________________
Profª. Drª. Cristiana Cocco Carvalho
Universidade Federal da Bahia
Examinadora Interna (Primeiro Titular)

___________________________________________________________________
Profª. Drª Denise Chaves de Menezes Scheyerl
Universidade Federal da Bahia
Examinadora Interna (Segundo Titular)
E os seguintes suplentes:

___________________________________________________________________
Profª. Drª. Julia Morena Silva da Costa
Universidade Federal da Bahia
1ª Suplente Externo

___________________________________________________________________
Profª. Drª. Nair Floresta Andrade Neta
Universidade Estadual de Santa Cruz
2ª Suplente Externo

__________________________________________________________________
Profª. Drª. Fernanda Almeida Vita
Universidade Federal da Bahia
1ª Suplente interno

__________________________________________________________________
Prof. Dr. Domingos Sávio Pimentel Siqueira
Universidade Federal da Bahia
2º Suplente Interno
O sistema educacional sempre situou a formação do profissional da
educação, ou seja, a profissionalização docente, no contexto de um
discurso ambivalente, paradoxal ou simplesmente contraditório; de
um lado, a retórica da importância dessa formação; de outro, a
realidade da miséria social e acadêmica que lhe concedeu
(IBERNÓN, 2000, p. 50).

O que acontece na sala de aula está intimamente ligado a forças


sociais e políticas (ANTONIETA A. CELANI, 2000, p.u21).
Ensinar
é um exercício
de imortalidade.
De alguma forma
continuamos a viver
naqueles cujos olhos
aprenderam a ver o mundo
pela magia da nossa palavra.
O professor, assim, não morre
jamais.
RUBEM ALVES (2000, p. 4).
Professor tu és precioso
Também és batalhador
Cumpre jornada difícil
Sendo mais que um vencedor
Com coragem assumindo
A função de educador

Entre todas as profissões


Destaco a do professor
Pois todas as outras passam
Pelas mãos do educador
Seu trabalho é importante
De merecido valor.

Presta um grande trabalho


Merece maior atenção
Tem que ser valorizado
Por toda essa nação
Com estrutura e suporte
E maior remuneração.

Seu trabalho é incansável


Focando sempre os valores
Alfabetiza e ensina
E também forma doutores
Que muitas vezes nem lembram
Dos seus grandes professores.

Exercem bem seu papel


E cumprem a sua missão
São verdadeiros baluartes
Na área da educação
Tornando-se o arquiteto
Dessa grande construção.

Parabéns pelo o seu dia


Reconheço seu valor
Pois já fui um dia aluno
E agora sou professor
Sei que é grande o desafio
Ser hoje um educador.

Aos professores com estima


Pelo importante papel
Pra vocês caros colegas
Eu tiro o meu chapéu
Dedico com todo orgulho
A vocês esse cordel.

Juarês Alencar Perreira


Dedico este trabalho a:

Giovanna Landulfo, a minha filha querida que nasceu


junto com o meu sonho de fazer doutorado. Acompanhou,
ainda que inconsciente, o meu esforço e os meus estudos.
Mas, certamente, sentiu todas as minhas ausências.

Edval Landulfo, o meu marido, amigo e companheiro de


todas as horas. O meu maior incentivador e, sobretudo, o
meu amor e o pai sempre presente nos momentos em que
estive ausente.

Minha mãe, Célia Fátima Campelo Lopes (in memoria) e


minha tia Cezarina Lopes Cavalcante (in memoria).
AGRADECIMENTOS

- A Deus, pela constante presença em minha vida, protegendo-me e por me dotar de


inspiração, para que eu pudesse realizar este trabalho;

- A minha querida orientadora Profª Drª Márcia Paraquett, por ter compartilhado comigo tanta
sabedoria e humildade. Por ter me dado asas para voar e por ter sido sempre dócil em suas
palavras. Por ter me acolhido e me ensinado a dar voz aos meus pensamentos. Pela paciência
e atenção sem limite. Por fim, pela confiança depositada em mim e no meu trabalho. Pela
paciência e pelos doces abraços.

- Ao meu marido, que me encoraja em todos os momentos de dificuldade, por ser um pai
zeloso e um grande amigo. Por ser a pessoa que sempre me amparou nos momentos mais
difíceis. Por ser meu companheiro de tantos anos. Por ser o meu amor.

- A Giovanna, minha filha linda e amada. Por ter me ensinado a ser uma pessoa melhor a cada
dia. Por ter me mostrado o que é um amor puro e sincero. Por ser, ainda que tão pequena,
minha maior amiga. Por ter dormido nas horas certas, por ter pedido atenção e assim me
mostrado a importância do descanso. Por ser a pessoa que mais amo nesse mundo. Por ser a
melhor parte de mim.

- A meu pai, por quem cultivo o mais puro amor e uma enorme gratidão. Uma pessoa que
durante toda a vida foi meu amigo;

- À minha querida tia Maria, pelo carinho dedicado a mim e, sobretudo, pelo incentivo dado
em todos os meus empreendimentos. Por me ajudar e me ouvir sempre que precisei;

- Às minhas queridas irmãs, Celiane e Claudiane, por todos os momentos que vivenciamos
juntas e pelo amor recíproco que sempre cultivamos;

- A Alessandra Caramori, pelo exemplo de pessoa humana e por todo alento que sempre me
deu. Por ser minha amiga, por confiar em meu trabalho e por estar ao meu lado nas horas que
mais precisei. Por vibrar por minhas conquistas e torcer por elas.

- À professora Denise Scheyerl, que estendeu a sua mão, orientou-me no mestrado e me


ensinou que a doação ao trabalho é importante e necessária para que esse seja sempre bem
feito. Pelas palavras amigas e pelos doces abraços.
- A Socorro Rios, pelos ensinamentos transmitidos a mim durante toda a minha vida.

- À minha equipe de amigas: Kelly Barros, Roberta Peixoto, Júlia Vasconcelos, Leila Schultz
e Dóris Cristina. Amigas da vida acadêmica e de toda a vida. Pelos ouvidos emprestados, as
palavras amigas e por todos os cafés que bebemos e ainda vamos beber juntas.

- À minha grande amiga de uma vida toda Tereza Helena, pelo carinho e pelas conversas
esclarecedoras, pela amizade infinita e pelo amor mútuo.

- A Cristiana Cocco, pessoa que conheci há pouco tempo e que me mostrou que amizades
sinceras nascem em qualquer lugar.

- Ás meninas dos PROELE, pelo incentivo mútuo, pelo companheiro e pela admiração
reciproca;

- A Joziane Assis e a Patrícia Rosa, pelo carinho, pela solidariedade, pela amizade e pelas
contribuições no meu trabalho.

- A Elza que me ajudou muito, cuidando da minha filha com carinho e da minha casa em
todos os momentos que precisei.

- A Lys Santaché, por me apoiar em todos os momentos, por ser minha amiga querida;

- Ao professor Sávio Siqueira por ser um incentivador do meu trabalho, ainda que distante.

-Ao professor Mauro Porru pela torcida constante e pelo carinho recíproco.

- A minha amiga Viviane, pelas conversas animadoras, pela companhia diárias durante às
tardes e pelo ombro amigo;

- Às minhas amigas Nelmênia, Jamyle, Paulinha e Ilária, pelas conversas despretensiosas e


incentivadoras. Pelo carinho e pela confiança recíproca;

- Às meninas do italiano, Suzy, Cristiana, Cássia, Izabela, Claúdia e Adriana, por serem
grandes colegas de trabalho.

- A todos os meus alunos que me ensinaram que eu sempre terei muito para aprender.

- Aos colegas de profissão espalhados pelo Brasil que me apoiaram e me forneceram úteis
para este trabalho, Carolina Torquato, Karine Marielly, Paola Baccin, Paula Garcia, Fernanda
Ortale, Tatiana Mattos, Marize Soares, Sergio Romanelli.
- A todos os professores e coordenadores dos cursos de Licenciatura em Língua Italiana que
me forneceram os documentos que tanto precisei.

- A Roberto Alexandre pela revisão que tanto enriqueceu o meu trabalho.

- A todas aquelas pessoas que direta ou indiretamente contribuíram para a concretização deste
trabalho.

- À FAPESB, por ter me concedido uma bolsa de pesquisa para a realização deste trabalho.
RESUMO

Esta tese, situada na área da Linguística Aplicada (LA), é o resultado de uma investigação
realizada nas grades curriculares e nas ementas dos cursos de Licenciatura em língua italiana
de algumas universidades brasileiras. O seu principal objetivo foi averiguar se a composição
curricular desses cursos possibilita uma formação docente crítica e reflexiva em conformidade
com a perspectiva intercultural. Além disso, foi também investigado se as propostas
pedagógicas das ementas curriculares contemplam a pluralidade linguístico-cultural do
italiano. Trata-se, portanto, de uma pesquisa documental cujo corpus foi analisado sob o
enfoque qualitativo-interpretativista. O construto teórico escolhido para a fundamentação
desta investigação foi ancorado em quatro pilares: (1) currículo (2) pluralidade linguístico-
cultural do italiano, (3) formação de professores (4) perspectiva intercultural. A junção desses
pilares teóricos permitiu a reflexão sobre a formação de professores de italiano no contexto
brasileiro. A partir dos dados analisados, a tese constatou que o idioma italiano é, em alguns
cursos de Licenciatura previamente selecionados para esta pesquisa, ensinado a partir de um
viés monocultural e monolinguístico. Outrossim, a perspectiva intercultural ainda não é uma
realidade na maior parte desses cursos. Destarte, os resultados demonstraram a necessidade da
construção de novas práticas pedagógicas que possibilitem formar professores de italiano
críticos, reflexivos e capazes de atuarem em diferentes contextos educacionais, visando à
promoção da interculturalidade e à formação cidadã de seus alunos.

Palavras-chave: Currículo. Formação de professores. Língua italiana. Perspectiva


intercultural. Pluralidade linguístico-cultural.
ABSTRACT

This thesis, in the area of Applied Linguistics (AL), is the result of research on undergraduate
Italian language curricula and course syllabus in some Brazilian universities. Its main aim was
to establish whether the curricular makeup of these courses enables critical and reflective
education for teachers from an intercultural perspective. Moreover, the thesis also investigates
whether the educational proposals of curricular syllabus cover Italian language linguistic and
cultural plurality. Thus, the qualitative and interpretative approach herein is based on
documental research. The theoretical framework chosen for the reasoning behind our research
is anchored on four pillars: (1) curriculum (2) linguistic and cultural plurality of Italian, (3)
teacher education and, finally, an (4) intercultural perspective. Combined, these pillars
provide important reflection on Italian language teacher preparation in Brazil. From the data
analyzed, the thesis found that Italian is, in some undergraduate degree courses previously
selected for this research, taught with a monocultural and monolinguistic bias. Moreover, the
intercultural perspective is still not a reality in most of these courses examined herein. Thus,
the findings showed the need for building new pedagogical practices that provide Italian
teachers with a critical and reflexive education, enabling them to act in different educational
contexts aimed at promoting intercultural and civic awareness among students.

Keywords: Curriculum. Teacher education. Italian language. Intercultural


perspective.Linguistic and cultural plurality.
RIASSUNTO

Questa tesi, insita nell’area di Linguistica Applicata (LA), è risultante da una ricerca
realizzata sui contenuti curriculari e su quelli dei corsi di Laurea in lingua italiana di alcune
università brasiliane. Il suo obiettivo principale è stato quello di accertare se la composizione
curriculare di questi corsi renda possibile una formazione docente critica e riflessiva, in
accordo con la prospettiva interculturale. Inoltre, si è anche indagato se le proposte
pedagogiche prevedono la pluralità linguistico-culturale dell’italiano. Si tratta, quindi, di una
ricerca documentale il cui corpus è stato analizzato da un punto di vista qualitativo-
interpretativo. Il costrutto teorico scelto come base di questa indagine è stato fondato su
quattro pilastri: (1) curricolo (2) pluralità linguistico-culturale dell’italiano, (3) formazione
docente, (4) prospettiva interculturale. L’unione di questi pilastri teorici ha permesso la
riflessione sulla formazione di docenti di italiano nel contesto brasiliano. A partire dai dati
analizzati, la tesi ha constatato che la lingua italiana, in alcuni corsi di laurea precedentemente
selezionati per questa ricerca, viene insegnata seguendo una traiettoria monoculturale e
monolinguistica. Inoltre, la prospettiva interculturale non è ancora una realtà nella maggior
parte di questi corsi. In questo modo, i risultati hanno dimostrato il bisogno della costruzione
di nuove pratiche pedagogiche che rendano possibile la formazione di docenti di italiano
critici, riflessivi e capaci di agire in svariati contesti di istruzione, con lo scopo di promuovere
l’interculturalità e la competenza di cittadinanza dei loro studenti.

Parole-chiave: Curricolo. Formazione docente. Lingua italiana. Prospettiva interculturale.


Pluralità linguístico-culturale.
LISTA DE QUADROS

Quadro 1 Universidades selecionadas para a pesquisa 36

Quadro 2 Cursos de extensão que ofertam o ensino do italiano 59

Quadro 3 Crenças sobre a LI 83

Quadro 4 Organização das disciplinas por subcategorias I 86

Quadro 5 Organização das disciplinas por subcategorias II 151

Quadro 6 Disciplinas de Laboratório de Práticas Culturais 162

LISTA DE FIGURAS

Figura 1 Estados nos quais o italiano é ensinado nas escolas 52


básicas

Figura 2 Contextos de ensino e aprendizagem de italiano no 63


Brasil
LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

ACIRS Assistência Educacional do Rio Grande do Sul


ALCIS Associação de Língua e Cultura Italiana do Espírito Santo
CCI Centro de Cultura Italiana
CELIN Centro de Línguas e Interculturalidade
CL Centro de Línguas
CLAC Centro de Línguas Aberto à Comunidade
CLC Centro de Línguas para a Comunidade
CELEX Centro de Línguas Estrangeiras
CENEX Centro de extensão de línguas
CICOL Circolo Italiano de Colorado do Oeste

CNI Comunidade Nacional Italiana

IIC Institutos Italianos de Cultura


ID Italiano didático
IMPARH Instituto Municipal de Pesquisas, Administração e Recursos
LA Linguística Aplicada
LDB Leis de Diretrizes e Bases
L2 Segunda Língua
LE Língua Estrangeira
LI Língua Italiana
LICOM Línguas para a Comunidade
NELE Núcleo de Ensino de Línguas em Extensão
OCEM Orientações Curriculares Nacionais para o Ensino Médio
PCN Parâmetros Curriculares Nacionais
PICAI Patronato Ítalo-Canadense de Assistência aos Imigrantes
PELO Programme d’enseignement langue d’origine1
PNExt Plano Nacional de Extensão
PROLEM Programa de Línguas Estrangeiras Modernas
SNDMAE Sindacato Nazionale Dipendenti Ministero Affari Esteri
UERJ Universidade Estadual do Rio de Janeiro
UFBA Universidade Federal da Bahia

1
Programa de ensino de línguas de origem.
UFC Universidade Federal do Ceará
UFES Universidade Federal do Espírito Santo
UFF Universidade Federal Fluminense
UFG Universidade Federal de Goiás
UFMG Universidade Federal de Minas Gerais
UFPR Universidade Federal do Paraná
UFRGS Universidade Federal do Rio Grande do Sul
UFRJ Universidade Federal do Rio de Janeiro
UFS Universidade Federal de Sergipe
UFSC Universidade Federal de Santa Catarina
UnB Universidade de Brasília
UNESP Universidade Estadual Paulista
UNICAMP Universidade de Campinas
UNIOESTE Universidade Estadual do Oeste do Paraná
USP Universidade de São Paulo
SUMÁRIO

CAPÍTULO 1 – ONDE TUDO COMEÇA 20


1.1 Introdução 20
1.2 Motivação para a pesquisa 25
1.3 Problemática e perguntas de pesquisa 27
1.4 Justificativa 30
1.5 Objetivos da pesquisa 31
1.6 Percurso metodológico 32
1.6.1 Corpus da pesquisa 35
1.7 Organização da tese 37

CAPÍTULO 2 – ENSINANDO E APRENDENDO ITALIANO 39


2.1 Ensinando e aprendendo italiano no mundo 39
2.2 Ensinando e aprendendo italiano no Brasil 48
2.2.1 Ensinando e aprendendo italiano nas escolas básicas 52
2.2.2 Ensinando e aprendendo italiano nas extensões universitárias 57
2.2.3 Ensinando e aprendendo italiano nos cursos livres 60
2.3 Ensinando e aprendendo italiano nas universidades brasileiras 62

CAPÍTULO 3 – PLURALIDADE LINGUÍSTICO-CULTURAL DO 65


ITALIANO NOS CURRÍCULOS DOS CURSOS DE LICENCIATURA EM
LÍNGUA ITALIANA

3.1 Cultura, eis a questão 66


3.2 Currículo: conceitos e teorias 69
3.3 Italiano: da origem aos dias atuais 75
3.3.1 Variedades do italiano 80
3.3.2 Dialetos da Itália 84
3.3.3 Italiano: o seu lugar no mundo 88
3.4 Pluralidade linguístico-cultural do italiano nos currículos dos cursos de 95
licenciatura em língua italiana: uma realidade?

3.4.1 Disciplinas específicas de dialetos e variedades 97

3.4.2 Disciplinas da aprendizagem básica do italiano 99

3.4.3 Disciplinas específicas para o professor de italiano 109


3.4.4 Disciplinas de ‘cultura’ 111

3.4.5 Disciplinas de Literatura 114

3.4.6 Disciplinas de Linguística Aplicada 118

3.5 Síntese e assunções 122

CAPÍTULO 4 – FORMAÇÃO DE PROFESSORES E 127


INTERCULTURALIDADE
4.1 Formação de professores no Brasil: Contextualização e proposições 127
4.2 O que é interculturalidade? 137
4.3 Ensino de línguas na perspectiva intercultural 144
4.4 Formação de professores interculturais: perspectiva ou ilusão? 149
4.4.1 Disciplinas da aprendizagem básica do italiano 152
4.4.2 Disciplinas de ‘cultura’ 161
4.4.3 Disciplinas de Linguística Aplicada 167
4.4.4 Disciplinas de Literatura 174
4.5 Síntese e assunções 177

CAPÍTULO 5 – PALAVRAS CONCLUSIVAS 180


5.1 Respondendo às perguntas de pesquisa 181
5.2 Assunções 185

REFERÊNCIAS 187
ANEXOS 200
Anexo A E-mails dos professores que atuam como nas universidades 201
pesquisadas que ofertam a LI no curso de Letras Documentos -
Anexo B Universidade Federal da Bahia
Anexo C Documentos - Universidade Federal do Espírito santo
Anexo D Documentos - Universidade Federal Fluminense
Anexo E Documentos - Universidade de São Paulo
Anexo F Documentos - Universidade Federal de Santa Catarina
Anexo G Documentos - Universidade Federal do Ceará
Onde tudo começa | 20

1 ONDE TUDO COMEÇA

Ninguém começa a ser educador numa certa terça-feira às


quatro horas da tarde. Ninguém nasce educador ou é marcado
para ser educador. A gente se faz educador, a gente se forma
como educador permanente, na prática e na reflexão sobre a
prática (FREIRE, 1991, p. 58).

1.1 INTRODUÇÃO

Quando uma pessoa decide continuar os seus estudos e, assim, fazer um curso de
mestrado e doutorado na pós-graduação, ela também enfrenta o desafio de decidir o tema da
pesquisa que será desenvolvida. Geralmente, a escolha deve levar em consideração a
pertinência da temática e a sua relação com o futuro pesquisador. No meu caso, todavia,
dentre esses aspectos, considerei a importância do tema para a minha vida, mas, sobretudo, a
sua função social. Ou seja, queria empreender um estudo que pudesse me auxiliar como
professora-pesquisadora e que, também, contribuísse para a vida e para o trabalho de outros.
Assim, como sou graduada em Letras – Licenciatura em língua italiana (doravante
LI) e em Pedagogia, bem como leciono italiano há cerca de doze anos, não pude me eximir de
investigar a formação inicial de professores de italiano no Brasil, uma vez que compreendo
que a formação docente precisa ser investigada e discutida como parte do processo de
desenvolvimento de qualquer país.
Contudo, minha opção de pesquisar a formação profissional daqueles que atuarão no
magistério ainda não era um fato concreto, mas antes uma semente que precisava ser
fertilizada para germinar. O mais importante seria saber como eu iria pesquisar e por onde
deveria começar. Eis o momento de imprecisão quando as leituras e as releituras variadas que,
a priori, tanto nos desestabilizam, apontam os caminhos a serem seguidos e nos impulsionam
a concretizar as nossas escolhas.
Entre um texto e outro, deparei-me com um artigo, intitulado Aspectos políticos da
formação do professor de línguas estrangeiras, de Wilson Leffa, linguista aplicado e
professor de língua inglesa da Universidade Católica de Pelotas. Leffa (2001) ressalta a
necessidade de distinguir claramente entre a formação e o treinamento do professor. Embora
sua preocupação tenha sido extremamente pertinente, compreendi que, mais do que distinguir
essas duas acepções, já era chegada a hora de extinguir a ideia de treinamento, termo este que
Onde tudo começa | 21

me incomodava. Senti que os professores precisam antes receber uma formação sólida que
lhes permita enxergar o mundo com um olhar questionador e intransigente com as injustiças
sociais do que serem treinados ou ‘adestrados’.
Compreendo que o professor não deve apenas transmitir conteúdos e sim produzir
conhecimentos e provocar mudanças. Logo, formar não significa adquirir informações sobre
técnicas e/ou estratégias, mas promover uma ação que abranja diferentes dimensões do
ensino, incluindo, sobretudo, o aspecto político. Uso o termo ‘formação’ no sentido de uma
possibilidade que torne o graduado um sujeito capaz de atuar de modo crítico na vivência
social e em suas práticas pedagógicas. Desse modo, formar significa conferir os saberes
necessários aos professores para estes poderem se posicionar criticamente perante a sociedade
e, de maneira especial, diante de manifestações discriminatórias de raça, classe, gênero ou
nacionalidade.
Outros textos seminais que deram o ponta-pé inicial para meu trabalho foram:
Insegnare l’italiano o la pluralità dell’italiano?2 e Dove va l’italiano? Da Dante alla coca-
cola3, ambos do professor de didática das línguas modernas (especialmente italiano e inglês),
da Universidade de Padova, Matteo Santipolo. Este me revelou um mundo bem diferente
daquele retratado pela maior parte dos materiais didáticos de italiano. O autor, que também se
ocupa dos aspectos sociolinguísticos nas línguas, bem como de políticas linguísticas, alerta
que, em muitos contextos educacionais, o italiano é ensinado por um viés que não
corresponde à realidade dos fatos. No primeiro artigo, por exemplo, o autor descreve a
situação do idioma italiano na Itália, focalizando as suas variedades e complexidades,
enquanto no segundo, ressalta a influência do inglês no vocabulário contemporâneo da LI.
A essas e a tantas outras leituras sobre o professor intercultural (MENDES, 2007,
SIQUEIRA, 2008), o professor crítico-reflexivo (MILLER, 2013) e como nada substitui o
bom professor (NÓVOA, 2013), somaram-se às conversas com a minha orientadora, que além
de comungar com as minhas escolhas, defende uma formação de professores interculturais
que confira aos professores condições de exercerem com qualidade e, principalmente,
criticidade o seu trabalho (PARAQUETT, 2009).
Envolvida pelas palavras de estudiosos comprometidos com a educação e oriundos
de diferentes áreas do conhecimento, revi meu trajeto na memória. Primeiramente, como
aluna do curso de graduação em Letras e como professora em formação do curso de

2
Ensinar italiano ou a pluralidade do italiano. Disponível em http://www.initonline.it/, acesso em: 21/08/2014.
3
Para onde vai o italiano? De Dante a coca-cola. Disponível em http://www.initonline.it/ Acesso em:
21/08/2014.
Onde tudo começa | 22

graduação em Pedagogia, e, posteriormente, como professora com experiências em diferentes


contextos de ensino-aprendizagem. De volta ao passado, confrontei-me com questionamentos
chave que, de certo modo, norteiam este estudo:

• Por que o idioma para o qual estou licenciada para ensinar está presente em
pouquíssimos currículos das escolas brasileiras de ensino básico?
• Por que a prática de sala de aula não dialoga com o conteúdo das disciplinas do
meu curso de graduação em LI?
• Por que o material didático, que eu e outros colegas usamos, negligencia a
pluralidade linguístico-cultural do italiano?
• E ainda, por que percebo certa resistência em muitos professores para incluir nas
aulas de italiano, temas que possibilitem novas formas de produzir
conhecimento?

Acreditando que estas indagações se relacionam diretamente com a formação inicial


de professores de italiano no Brasil, uma vez que ela engloba tanto os professores formadores
como os futuros professores, concentrei-me naquilo que considero o ponto de partida para
uma formação sólida: o currículo escrito, o qual, segundo Goodson, (2013, p. 21) “nos
proporciona um testemunho, uma fonte documental, um mapa do terreno sujeito à
modificações; constitui também um dos melhores roteiros oficiais para a estrutura
institucionalizada da escolarização”, ainda que este não retrate verdadeiramente a realidade
em uma sala de aula.
Essa escolha me fez entender que a minha contribuição social seria, de fato, possível
pois, olhar para o currículo dos cursos de Licenciaturas em LI, reconhecendo, naturalmente,
os aspectos bem sucedidos, mas, principalmente, os problemáticos me possibilitaria sugerir
caminhos alternativos para o futuro, no qual, a palavra ‘treinamento’ seria abolida e
‘formação’ poderia, enfim, significar um projeto que engloba muitos e diferentes saberes.
Partindo dessa visão, abracei as palavras de Nóvoa (2013, p. 209) que afirma que é
preciso “articular a formação docente de professores com o debate sociopolítico,
desenvolvendo iniciativas no sentido da definição de um novo contrato social em torno da
educação”. Por isso, escrevo como uma professora e pesquisadora que muito refletiu e
discutiu os temas aqui expostos, e se opto pelo tom confessional e íntimo que só a primeira
pessoa no singular permite, é porque o entendo como uma forma de sublinhar meu
Onde tudo começa | 23

compromisso com a educação e o meu posicionamento. E minha voz ecoa as palavras do já


citado artigo de Leffa (2001, p. 333): “o homem não é apenas um animal político; é um
animal político que fala”. Como poderia ser diferente no meu caso?
Esta tese corrobora vários estudiosos que também buscam repensar a formação de
professores, tanto da Educação, como da Linguística Aplicada (doravante LA), área na qual
este trabalho está situado. Aqui, é importante destacar que a LA foi por muito tempo uma
ciência que esteve vinculada apenas ao ensino de línguas, mais especificamente, ao ensino de
inglês. No entanto, atualmente, após inúmeras pesquisas realizadas por estudiosos dessa área,
passou a ser compreendida como uma ciência social, híbrida, mestiça, indisciplinar (MOITA
LOPES, 2006) e transdisciplinar (CELANI, 1998), isto é, uma área imensamente fecunda que
gera uma pluralidade de campos de investigação, de novas linhas de pesquisa e de novas
concepções sobre o que é a ciência.
Desse modo, dialogando com várias outras áreas do conhecimento, tais como a
psicologia, a sociologia, a sociolinguística e a pedagogia, os estudos da LA se voltaram para
questões referentes à linguagem, como os problemas enfrentados socialmente pelos
participantes do discurso, dentro e fora do ambiente de ensino/aprendizagem. Dentro dessa
nova perspectiva, o sujeito passou a ser visto, portanto, como heterogêneo, múltiplo,
contraditório e construído dentro dos diferentes discursos (PENNYCOOK, 1998). A LA é,
portanto, “[...] uma disciplina que compreende as linguagens em uso e que está atenta às
diferenças e às semelhanças que nos constituem como sujeitos complexos e contraditórios
[...]” (PARAQUETT, 2012, p.238).
De acordo com Damianovic (2005), o linguista aplicado, hoje, é um pesquisador
mais sensível às questões sociais, culturais e políticas, que assume projetos pedagógicos e
políticos que possibilitem encontrar soluções para problemas do mundo real e, assim, buscar
“mudar as circunstâncias de desigualdade” (DAMIANOVIC, 2005, p. 13). No site da
Associação Internacional de Linguística Aplicada (AILA) é possível encontrar a seguinte
definição para essa área:

A linguística aplicada é um campo de pesquisa e de prática


interdisciplinar lidando com problemas práticos da linguagem e da
comunicação que podem ser identificados, analisados ou resolvidos com a
aplicação de teorias disponíveis, métodos e resultados da linguística ou
desenvolvendo novos arcabouços teóricos e metodológicos para lidar com
esses problemas. A linguística aplicada difere da linguística geral,
principalmente no que diz respeito à sua orientação explícita em direção à
prática, aos problemas do dia a dia relacionados com a linguagem e a
comunicação. Os problemas com os quais a linguística aplicada lida vão
Onde tudo começa | 24

dos aspectos da competência linguística e comunicativa do indivíduo,


tais como a aquisição de primeira ou segunda língua, letramento,
distúrbios de linguagem, etc. a problemas relacionados com linguagem e
comunicação nas sociedades e entre as sociedades como, por exemplo, a
variação linguística e a discriminação linguística, o multilinguismo, o
conflito linguístico, a política linguística e o planejamento linguístico
(AILA, 20144, grifo meu).

À vista disso, muitos pesquisadores da LA afirmam que uma ciência da linguagem


construída à margem dos anseios sociais não desempenha mais o seu papel como ciência. Isto
quer dizer que já não é possível esperar uma teoria que possa ser aplicada à prática e sim
reconhecer “que é a teoria que precisa ser moldada segundo as especificidades da prática”
(RAJAGOPALAN, 2006, p. 165). Isso significa que uma teoria que não valoriza o social
jamais terá sucesso num campo de prática social, já que os estudos contemporâneos visam a
focalizar a linguagem e observá-la em uso, como prática social ligada a fatores contextuais
(FABRÍCIO, 2006).
Por isso, as investigações de diversos linguistas aplicados, dedicados à formação de
professores de línguas, desde meados da década de 1980 e com maior intensidade na década
de 1990 no Brasil e no mundo, ressaltam que devemos deixar de lado “a racionalidade técnica
e a visão de ensino como transmissão de conhecimento” (VIEIRA-ABRAHÃO, 2010, p, 11) e
pensar na educação como um espaço onde os saberes devem ser redimensionados.
Diante do exposto, é importante informar que o arcabouço teórico que fundamenta
minha pesquisa inclui estudos dos seguintes autores: Gatti (2008, 2012, 2013) Libâneo
(2013), Candau (2012) e Nóvoa (2013), que apresentam reflexões sobre a formação de
professores; Celani (2000, 2008,2009), Mendes (2004, 2007), Magalhães (2004), Passarelli
(2008), Siqueira (2008), Vieira-Abrahão (2010) Pessoa (2011), Miller (2013) e Matos (2014)
sobre a formação de professores de línguas; pesquisadores como Mendes (2004, 2007, 2008),
Wash (2005), Candau (2008, 2012), Aguado (2008) e Paraquett (2010) sobre a
interculturalidade e a perspectiva intercultural no ensino de línguas; Silva (2005, 2007, 2009),
Goodson (2013) e Macedo ( 2013), sobre currículo e, finalmente, outros como Berruto (1987),
Santipolo (2001, 2005, 2006), Casini e Romanelli (2012), Santoro e Frangiotti (2013), Freitas,
Balthazar e Lunati ( 2015), sobre o idioma italiano e o seu ensino.

4
Informações disponíveis no site www.aila.info/ Acesso em: 28 de abril de 2014.
Onde tudo começa | 25

1.2 Motivação para a pesquisa

Ao apresentar ao leitor os motivos que me levaram à concretização desta pesquisa


focada na formação inicial dos professores de italiano no Brasil, é inevitável rememorar
minhas experiências e trajetória como professora em formação, professora de LI, e, mais
tarde, pesquisadora.
Minha preocupação com a formação docente parece ter nascido durante a minha
própria formação, ainda em 2000, no curso de Letras da Universidade Federal do Ceará, onde
comecei a ensinar Literatura Brasileira em uma escola pública do município de Fortaleza.
Como professora iniciante, considerei, em minha tímida concepção, que o curso que deveria
me preparar para o magistério tinha uma lacuna que a licenciatura em Pedagogia poderia
suprir. Por isso, iniciei o novo curso em outra universidade, pois estava certa de que a minha
formação como professora também era minha responsabilidade.
Em outro momento, enfrentei uma questão que, sem saber, guiaria os meus passos até
aqui. Certo dia, em uma aula da disciplina de Estágio Supervisionado I, do curso de Letras,
expus, diante de todos, certa antipatia por uma professora da instituição. Ao saber disso, o
docente-formador que ministrava a sua aula, interpelou-me, dizendo que a minha aversão a tal
professora era, possivelmente, devido a sua cor negra. Imediatamente, em tom de
desaprovação, ainda imatura, mas livre de preconceitos, neguei a sua afirmação ao informar-
lhe que eu namorava um negro, com quem me casei anos depois, e que, portanto, o racismo
não balizava as minhas ações. A informação que dei diante dos demais alunos e futuros
professores de língua serviu para que uma clara manifestação racista fosse presenciada por
todos que se encontravam naquela sala de aula. A frase proferida pelo professor-formador –
Como, você, uma menina tão bonitinha, pode namorar um negro”? – até hoje me inspira as
seguintes indagações: como um professor-formador pode realizar um discurso racista em uma
sala de aula onde estão presentes futuros professores que, posteriormente, serão responsáveis
pela formação de tantos outros estudantes? Que formação é essa que, ao invés de repensar os
discursos que marginalizam, estigmatizam, discriminam e hierarquizam, os reproduz como
uma verdade? Como teriam saído os outros colegas da sala de aula, naquele dia? Será que
esse discurso foi ou é repetido em outros ambientes educacionais?
Essa vivência pessoal exemplifica a centralidade da perspectiva intercultural nas
discussões apresentadas em meu trabalho, pois, fundamentalmente ela busca desconstruir o
conceito binário de cultura dominante e cultura subordinada, tratando de questões referentes
Onde tudo começa | 26

às desigualdades sociais, ao preconceito, à discriminação, ao racismo, à xenofobia e levando


os sujeitos a questionarem as relações de poder que criam privilegiados e excluídos.
O terceiro e mais recente acontecimento que motivou esta tese foi quando eu
elaborava minha dissertação de mestrado sob as crenças dos aprendizes de LI da Universidade
Federal da Bahia. Um sujeito-participante de minha pesquisa, cujo nome fictício é Antonello,
desabafou em seu diário de aprendizagem (um dos instrumentos de coleta de dados da
pesquisa) assim:
Confesso que a língua italiana possui muitos verbos que requerem mais
tempo para ser fixado [...] Confesso que aprendi a gostar da língua italiana
porque é muito rica culturalmente e, na verdade, o estudo de um idioma não
se restringe somente a uma sala de aula, é preciso praticar a oralidade e o
tempo é pouco para isso [...] [...] A forma como se pronunciam as palavras
não é muito fácil para mim. Gostaria de saber se para falar bem um
idioma é necessário dominar a gramática porque para mim é muito
doloroso estudar as regras (apud LANDULFO, 2012, p.138).

A leitura desse trecho desencadeou uma série de questionamentos que me levaram à


conclusão de que o ensino oferecido a esse aluno estava pautado no que, aqui, chamo de
abordagem do sofrimento. Ora, como é possível que o ensino e a aprendizagem de uma
língua, que deve ser conduzido sob diversos aspectos, possa ser compreendido apenas como
um exercício doloroso que envolve, apenas, o domínio de regras gramaticais? Nesse
momento, decidi continuar os meus estudos e realizar uma pesquisa que pudesse contribuir
para a formação de professores de línguas, porque compreendi que a prática docente ressoa
profundamente no desenvolvimento, na aprendizagem e na motivação dos alunos. O papel
decisivo do professor é tão inegável no sucesso do aprendiz quanto o da formação docente:
quando esta é deficiente, a aprendizagem dos alunos corre risco de fracassar.
Atribuo o nome Abordagem do sofrimento, visto que o aluno afirmou ser doloroso o
aprendizado das regras gramaticais. A minha conclusão é de que, em sua sala de aula,
prevalecia a visão de língua como estrutura. Certamente, esse aluno não teve contato com a
pluralidade linguístico-cultural do italiano e tampouco com a acepção de língua como cultura.
Eis porque abordo de forma tão premente e afirmativa a interculturalidade e a pluralidade do
italiano nesta tese cujo foco é a formação inicial de professores de italiano.
Devo dizer, ainda, que me sinto constantemente motivada ao concordar plenamente
com as palavras do renomado educador Paulo Freire (1996): “ensinar é um ato que exige
pesquisa, criticidade, risco, aceitação do novo e rejeição a qualquer forma de
discriminação, reconhecimento e assunção da identidade cultural, além de exigir bom
senso e respeito à autonomia do ser educando” (FREIRE, 1996, p. 7-8, grifo meu). Enfim, a
Onde tudo começa | 27

motivação para esta pesquisa nasceu do meu compromisso com o papel que entendo exercer
como professora e da minha relação com a educação.

1.3 Problemática e perguntas de pesquisa

A formação de professores constitui um campo fértil de investigação de estudiosos


de diferentes áreas do conhecimento. Na educação, Gatti (2008, 2012, 2013), Libâneo (2012),
Saviani (2006), Candau (2012) e Nóvoa (2013) têm questionado os moldes tradicionais da
formação docente no Brasil. Na agenda da LA, Celani (2001), Mendes (2004, 2007),
Magalhães (2004), Passarelli (2008), Siqueira (2008), Vieira-Abrahão (2010), Pessoa (2011),
Miller (2013), Matos (2014), dentre outros, também apresentam outros modelos para a
formação de professores de línguas, preconizando a necessidade de um novo olhar capaz de
preparar nossos docentes para construir uma sociedade mais justa e ética.
Há realmente muitas questões que se desdobram e que se repercutem em prol de uma
formação profissional que acompanhe as mudanças em uma sociedade, visivelmente e
naturalmente multicultural, onde as forças da globalização e do capitalismo atingem brutal e
particularmente as populações economicamente desfavorecidas. Isso sem falar das forças
provenientes do colonialismo que marginalizam todos aqueles que não se encaixam no
modelo europeu.
Uma questão particularmente problemática, a velha dicotomia teoria-prática,
preocupa autores como Gatti (2008, 2013), Gimenez (2005) e Johnson (2006), uma vez que a
teoria sempre esteve muito presente nos cursos de licenciaturas desde a sua origem. Basta
lembrarmos o modelo 3 + 1, uma graduação para bacharéis, na qual, acrescentava-se um ano
para as disciplinas da área de educação, e apenas um, para a licenciatura. Isto é, dividiu-se a
formação docente em três anos para as disciplinas específicas (teoria) ou “disciplinas de
conteúdo” e apenas um ano era dedicado à formação didática. O que leva diferentes
pesquisadores a questionar, por exemplo, se o professor licenciado em uma área especifica é
Matemático ou professor de Matemática, Geógrafo ou professor de Geografia? (GATTI e
BARRETTO, 2009). Segundo Kuramavadivelu (2003, apud VIERA-ABRAHÃO, 2010, p.
226), o resultado disso é que o professor acaba se tornando “um técnico passivo, aquele que
aprende um conjunto de conhecimentos produzidos pela academia e os transmite aos alunos”.
Destarte, trago para o debate uma pergunta feita por Libâneo (2013, p. 84): De que
saberes necessita o professor que irá ensinar nos anos iniciais da escola de ensino
Onde tudo começa | 28

fundamental? Esta pergunta refere-se especificamente ao ensino fundamental, mas por isso
mesmo, quero ampliá-la e trazê-la para o foco desta pesquisa:

• De que saberes os professores de italiano precisam para atuarem em diferentes


contextos educacionais, em especial, no ensino básico?
• De que saberes os professores de italiano precisam para atuarem em um mundo
no qual as mudanças sócio-políticas estão cada vez mais acentuadas?
• Quais são os saberes necessários para formar professores, capazes de atuar em
diferentes contextos educacionais e de se posicionar, de forma crítica, diante dos
acontecimentos do nosso mundo real, ainda que alguns prefiram permanecer
alheios?

O contexto sócio-econômico-cultural no século XXI é muito complexo e distinto do


passado. Logo, tornar-se professor de uma língua implica saber que, de uma forma e de outra,
somos responsáveis pelos discursos globais que ecoam e se repercutem em nossas sociedades.
Discursos nos quais, segundo Macedo (2006, p.107) “o poder colonial opera, repleto de
estereótipos que buscam fixar os sentidos, eliminar o outro”. Esse fator torna imprescindível
uma conscientização sobre a escolha de um tema ou material didático em detrimento de
outros ou a preferência de um disciplina a outras. Concomitantemente, isso implica nos
conscientizarmos (ou não) sobre o tipo de sujeito desejável para a nossa sociedade. Para tanto,
é importante compreendermos que:

[...] os espaços educacionais devem se comprometer com os grupos


marginalizados, que por causa de sua classe, raça, etnia, gênero e
sexualidade, têm sido excluídos do acesso aos discursos das economias e
culturas dominantes. [...] e é principalmente nos discursos que o
consentimento é atingido, as ideologias são transmitidas, e as práticas e os
sentidos, os valores e as identidades são ensinadas e aprendidas
(FAIRCLOUGH, 1995, apud PESSOA, 2011, p.32-33).

Compreendo que ser docente de línguas, sobretudo, atualmente, é assumir, ao lado de


meus colegas, diferentes responsabilidades, tais como: o compromisso com a aprendizagem
de nossos alunos; a produção de conhecimento sobre o nosso instrumento e objeto de trabalho
– a língua – que transcenda a ideia de que ela é apenas um conjunto de regras e estruturas
Onde tudo começa | 29

linguísticas a serem estudadas e memorizadas. Compreendo igualmente o compromisso


social que devemos cumprir enquanto educadores, pois ensinar equivale a educar5.
Todavia, para que o comportamento do educador de línguas reflita essa
conscientização e compreensão, é preciso antes olharmos os cursos de formação inicial de
professores para verificar quais são os saberes destacados e os valores (re) produzidos, pois,
conforme Gatti (2011), o histórico desses cursos vêm retratando, há mais de um século, uma
tradição inspirada em uma concepção oitocentista resistente à inovação.
Com isso, compreendo que, além de nossa preocupação em formar professores com
sólidos conhecimentos dos conteúdos didático-pedagógicos, onde a relação teoria-prática é
dialógica, devemos, sobretudo, encontrar novas formas de produzir conhecimento e formar
um professor a partir da perspectiva intercultural6. É assim que entendo o profissional capaz
de desenvolver práticas pedagógicas adequadas a cada situação, sempre pautadas na interação
dialógica com o aluno.
Além disso, esse profissional fornecerá os subsídios necessários para os seus
aprendizes poderem agir assumindo uma postura contra o preconceito, a discriminação e os
estereótipos, além de reconhecerem o valor de sua própria cultura sem inferiorizá-la diante
das outras. Na minha visão, somente o professor intercultural poderá contribuir para promover
uma sociedade mais justa e igualitária. Desse modo, torno minhas as palavras de Matos
(2014, p. 166) que em sua tese de doutorado sobre a formação intercultural de professores de
Espanhol defendeu que:

Formar professores de línguas estrangeiras no Brasil é, dentre outros


aspectos, fazer com que se rompa com a visão tradicional de ensino como
repositório de conteúdos e caminhar em direção a uma visão de ensino
como educação (grifo meu).

Diante do exposto, parece-me coerente afirmar que a problemática aqui descrita me


leva a pesquisar os cursos de Licenciaturas em LI no Brasil para ver se existe uma formação
docente capaz de preparar professores conscientes de seu papel social, aptos para desenvolver
práticas pedagógicas em diferentes contextos educacionais e atuar, de forma crítica e
reflexiva, a partir de uma perspectiva intercultural.
Na minha pesquisa para esta tese, busco, portanto, responder às seguintes perguntas
que reputo centrais:

5
Educar no sentido freiriano, o que significa educar para a autonomia, para a emancipação, para a libertação.
6
No quarto capítulo desta tese poderão ser encontradas informações sobre a perspectiva intercultural.
Onde tudo começa | 30

1) Qual é o espaço conferido à pluralidade linguístico-cultural do italiano nas


disciplinas dos cursos de formação de professores de italiano no Brasil?
2) De que modo as disciplinas dos cursos de licenciaturas em LI investigados
dialogam com a perspectiva intercultural?

1.4 Justificativa

Durante anos, a formação de professores no Brasil infelizmente vem contemplando


apenas a disciplina que corresponde à titulação dos professores, em detrimento de conteúdos
que promovem a realização de um trabalho docente mais consciente mediante, por exemplo,
matérias didáticas e metodológicas. Mesmo com ajustes nas propostas das novas diretrizes,
muitos cursos reservam pouco espaço para a formação pedagógica que, como destaca Gatti
(2013), será apenas exigida quando o licenciado se dedica ao magistério. Segundo a mesma
autora, várias pesquisas realizadas no Brasil sobre currículo evidenciam claramente o divórcio
entre as disciplinas que possibilitarão o conhecimento do conteúdo didático, e, as que
permitem ao professor saber “O que ensinar? Para que ensinar? Como ensinar e em que
condições ensinar?” (LIBÂNEO, 2013, p. 77), enquanto as teorias pós-críticas de currículo
defendem que o importante é saber por que ensinar.
Por essas e outras razões, desde meados da década de 1980 e mais intensamente na
década de 1990, a formação de professores de línguas passou a ser foco de diversos linguistas
aplicados no Brasil e no mundo e deixou de ser apenas uma preocupação dos estudiosos da
área da educação e da filosofia (STURM, 2008). A respeito, Celani (2000) afirma que a
reflexão sobre a relação entre a LA e a formação de professores é essencial e apresenta o
seguinte questionamento:

Até que ponto a Universidade está preparando os futuros professores para


lidarem de maneira efetiva com as questões ligadas ao entendimento da
linguagem como socialmente construída, elemento essencial no desempenho
de todas as atividades humanas, em seu trabalho futuro em sala de aula?
(CELANI, 2000, p 24 - 25).

Essas palavras servem para justificar minha pesquisa, pois investiguei as grades
curriculares, as ementas e os programas curriculares de alguns cursos de licenciaturas em LI
encarregados de formar professores de italiano. Ademais, de acordo com Miller (2012), a
pesquisa na área de formação de professores, à luz da LA, se justifica por quatro razões:
Onde tudo começa | 31

Como área de investigação, ela traz em primeira instância, fortalecimento


acadêmico para as práticas de formação de professores, já que ajuda a
aprofundar o entendimento dos processos de formação, tanto, inicial quanto
continuada. A segunda contribuição tem se manifestado no campo
metodológico, a partir do momento em que as investigações na área têm
desenvolvido inovações alinhadas com a pesquisa qualitativa e
interpretativista nas ciências sociais. A terceira contribuição da pesquisa é de
ordem política dentro da academia, já que ela tem alavancado o status
institucional dos formadores de professores, tanto no Brasil quanto no
exterior. A quarta contribuição da área, e talvez a mais significativa dentro
da LA contemporânea, é a que se relaciona a questões de transformação
social, de ética e de identidade dos diversos agentes envolvidos no processo
de formação de professores (MILLER, 2012, p, 100).

Compreendo, portanto, a necessidade de pensar em novas formas de atuação, pois,


assim como Celani (2001), acredito que o professor de línguas deve ser mais independente,
com maneiras próprias de pensar, e deve entender o ensino antes como desenvolvimento de
um processo reflexivo e contínuo do que uma simples transmissão de conhecimento. Isso quer
dizer que não é mais possível limitarmos o ensino de línguas à reprodução de conteúdos
gramaticais e, tampouco, aceitarmos professores que usam, como uma muleta para a sua ação
em sala de aula ou, pior, como o plano de curso a ser seguido, apenas um livro didático,
elaborado por editoras que desconhecem os mais diversos contextos de ensino/aprendizagem.
Este estudo ainda se justifica porque entendo que investigar o currículo de formação
de professores é extremamente importante, uma vez que esse é um construto cultural que
reflete as relações de poder que, certamente, cooperam para formar a identidade dos docentes.
Enfim, para repensarmos a forma de ensinar e de atuar destes, é necessário, primeiramente,
conhecermos como se realiza a sua formação.

1.5 Objetivos da pesquisa

Objetivo Geral

Analisar as grades curriculares, as ementas e os programas das disciplinas dos cursos


de Licenciatura em LI de algumas universidades brasileiras, visando averiguar se a
composição curricular desses cursos possibilita uma formação docente crítica e reflexiva em
conformidade com a perspectiva intercultural.
Onde tudo começa | 32

Objetivos específicos

a) Mapear as propostas pedagógicas das disciplinas dos cursos de Licenciatura em LI


selecionados a fim de identificar se a pluralidade linguístico-cultural do italiano é
contemplada;

b) Examinar se a perspectiva intercultural está presente nas disciplinas dos cursos de


Licenciatura em LI selecionados;

c) Contribuir para a reflexão sobre a formação de professores de italiano no Brasil a


partir de uma perspectiva intercultural.

1.6 Percurso metodológico

Geralmente, quando um pesquisador define seu objeto de estudo e seus objetivos, é


compelido a buscar uma metodologia de pesquisa que se encaixe em seus propósitos. Assim,
o tipo de pesquisa a ser realizado depende de fatores como a natureza do objeto, o problema
de pesquisa e a corrente de pensamento que orienta o pesquisador. A respeito, Goldenberg
(2002, p. 14) resume: “o que determina como trabalhar é o problema que se quer trabalhar: só
se escolhe o caminho quando se sabe aonde se quer chegar”.
Nessa mesma linha, Gil (2002) esclarece que uma pesquisa geralmente é classificada
com base em seus objetivos gerais e segue dizendo que em relação ao procedimento utilizado
para a coleta de dados, deve-se, primeiramente, identificar, o delineamento da pesquisa que,
segundo o referido autor, pode ser dividido em dois grandes grupos: o grupo que se vale de
informações impressas, provenientes de livros, revistas, documentos impressos ou eletrônicos,
e o grupo que utiliza informações colhidas por meio de pessoas ou experimentos. No primeiro
grupo destaca-se a pesquisa bibliográfica e documental. No segundo, estão presentes a
pesquisa experimental, a pesquisa ex-post facto, o levantamento, o estudo de caso, a pesquisa-
ação e a pesquisa participante.
Assim, tendo em vista que para a concretização dos objetivos desta pesquisa, lancei
mão de documentos, tais como as ementas e as matrizes e programas curriculares dos cursos
de Licenciatura em LI é que este estudo se enquadra em uma pesquisa documental de cunho
Onde tudo começa | 33

interpretativista, a qual conforme Gil (2002, p. 43) “vale-se de toda sorte de documentos7,
elaborados com finalidades diversas [...]” que serão estudados e analisados de forma
minuciosa. Nesse momento, o pesquisador descreve e interpreta o conteúdo das mensagens,
buscando encontrar as respostas para as suas perguntas de pesquisa.
Conforme Neves (1996), a pesquisa documental é, portanto:

[..] constituída pelo exame de materiais que ainda não receberam um


tratamento analítico ou que podem ser reexaminados com vistas a uma
interpretação nova ou complementar. Pode oferecer base útil para outros
tipos de estudos qualitativos e possibilita que a criatividade do pesquisador
dirija a investigação por enfoques diferenciados (NEVES, 1996, p.3, grifo
meu).

O material examinado pode ser, conforme Gil (2002, p.53), “toda sorte de
documentos, elaborados com finalidades diversas que serão estudados e analisados de forma
minuciosa”. Segundo Godoy (1995), uma das vantagens desse tipo de pesquisa é que
documentos constituem uma fonte não-reativa cujas informações permanecem inalteradas ao
longo do tempo. Ademais, podem ser considerados como uma fonte natural de informações,
uma vez que estas se referem a um determinado contexto histórico, econômico e social, além
de terem sido produzidas por alguém, ou por um grupo de pessoas que, naturalmente, inserem
em tais documentos suas percepções e visões de mundo.
Ainda segundo autores como Godoy (1995), um trabalho como este, que pretende
desenvolver-se com documentos, deve ser dividido em dois momentos: geração e análise de
dados. A coleta de documentos, que para alguns autores pode ser entendida como a fase de
pré-análise, é uma etapa importante para esse tipo de pesquisa e deve ser realizada de forma
criteriosa.
Daí que o primeiro momento desta pesquisa consistiu em obter os documentos, os
quais tive acesso por meio da colaboração direta dos professores e coordenadores dos cursos
de Letras que ofertam a Licenciatura em LI no Brasil, como por pesquisas da estrutura
curricular disponível em sites da internet dessas mesmas instituições.

7
Segundo Godoy (1995, p. 20-21 “A palavra documentos”, neste caso, deve ser entendida de uma forma ampla,
incluindo os materiais escritos (como, por exemplo, jornais, revistas, diários, obras literárias, científicas e
técnicas, cartas, memorandos, relatórios), as estatísticas (que produzem um registro ordenado e regular de vários
aspectos da vida de determinada sociedade) e os elementos icono-gráficos (como, por exemplo, sinais,
grafismos, imagens, fotografias, filmes). Tais documentos são considerados primários" quando produzidos por
pessoas que vivenciaram diretamente o evento que está sendo estudado, ou secundários", quando coletados por
pessoas que não estavam presentes por ocasião da sua ocorrência.
Onde tudo começa | 34

Minhas primeiras tentativas para obter as grades curriculares, as ementas e os


programas curriculares das disciplinas foram as buscas nos sites de todas as Universidade
onde existe o curso de Licenciatura em LI. Somente após essa primeira pesquisa, quando
constatei que nem todos os cursos disponibilizam as grades na internet, passei a procurar os
endereços eletrônicos8 dos professores e coordenadores a fim de solicitar-lhes o que eu
precisava. Somente após o envio dos e-mails e, enquanto aguardava o retorno, é que
determinei, com o auxílio da minha orientadora, os critérios (expostos na subseção 1.6.1.) que
definiriam o corpus da pesquisa.
A segunda fase do trabalho consistiu na análise dos dados, ou seja, das grades
curriculares, ementas e programas das disciplinas. Nessa etapa, estudei e analisei
minuciosamente os documentos para descrever e interpretar o conteúdo das mensagens,
buscando encontrar as respostas para minhas perguntas. Assim, a partir do arcabouço teórico
que fundamenta este estudo, dividi a análise dos dados em duas categorias, que discuto e
analiso em capítulos específicos, ambas relacionadas aos objetivos e às perguntas de pesquisa
desta tese.
Na primeira categoria, procurei verificar, tanto nas grandes curriculares como nas
ementas e nos programas, se as disciplinas do curso de Licenciatura em LI contemplam a
pluralidade linguístico-cultural do italiano e, na segunda, identificar se a perspectiva
intercultural está presente nas disciplinas dos cursos de formação de professores de italiano no
Brasil.
Analisei as grades, as ementas e os programas curriculares sob o enfoque qualitativo-
interpretativista, o que significa que busquei descrever e interpretar os conteúdos das
mensagens. Coloquei-me, portanto, no papel do pesquisador que tenta “entender ou
interpretar os fenômenos em termos dos significados que as pessoas a eles conferem”
(DENZIN; LINCOLN, 2006, p 17). Segundo Oliveira:

[...] ser qualitativo implica possuir uma partilha densa com as pessoas, fatos
e locais que constituem objetos de pesquisa, para extrair desse convívio os
significados visíveis e latentes. Após esse momento, o pesquisador interpreta
e traduz em um texto, zelosamente escrito, com perspicácia e competência
científica, os significados patentes ou ocultos do seu objeto de pesquisa
(OLIVEIRA, 2010, p.88).

Tendo isso em mente, passo a descrever agora o corpus que constituiu minha
pesquisa e seus critérios de seleção.
8
Esses e-mails se encontram nos anexos deste trabalho.
Onde tudo começa | 35

1.6.1 Corpus da pesquisa

Godoy (1995) explica que um dos aspectos a ser levado em consideração na pesquisa
documental é a escolha, que não pode ser feita aleatoriamente. Consequentemente, os
documentos principais que selecionei, organizei e analisei foram as grades curriculares dos
cursos de Licenciatura em LI, as ementas e os programas das disciplinas. As grades ou
matrizes curriculares, em geral, devem constar no Projeto Pedagógico do curso e somente é
aprovada se for verificada a sua consistência e coerência com o perfil pretendido do egresso.
Além disso, referem-se à composição global das disciplinas de um curso. As ementas, por sua
vez, são textos curtos que definem as diretrizes gerais que os professores devem seguir,
enquanto os programas especificam os seus conteúdos e os seus objetivos. Desse modo, é
importante destacar que quando um curso é planejado, um grupo de especialistas deve,
portanto, elaborar uma lista de disciplinas que os alunos deverão cursar. Nesse caso
específico, futuros professores de italiano.
Logo, após procurar nos sites pelos documentos e enviar e-mails aos coordenadores e
professores das universidades, para definir quais delas teriam os seus documentos analisados
nesta tese, procurei defini-las, a priori, por uma questão de espaço e escopo, a partir dos
seguintes critérios: categoria administrativa (pública estadual ou federal); localidades onde há
mais demanda de professores de italiano; localização por região (Norte, Nordeste, Sudeste e
Sul)9; e a relação entre oferta de italiano e a imigração italiana no Brasil. Contudo, procurei,
de maneira especial, respeitar a história de cada instituição, bem como a complexidade do
tema.
Desse modo, buscando contemplar todas as regiões brasileiras nas quais existe um
curso de Licenciatura em LI, selecionei as seguintes universidades para compor o corpus10
desta pesquisa: Universidade Federal da Bahia (UFBA), por estar localizada no nordeste e ser
a universidade onde a pesquisa está sendo desenvolvida; a Universidade Federal do Ceará
(UFC), também por estar no nordeste, mas, sobretudo, por ser o centro onde me formei; a
Universidade Federal do Espírito Santo (UFES), por ser a instituição que oferece o mais novo
curso de licenciatura em LI e se encontrar no sudeste; a Universidade Federal do Rio de
Janeiro (UFRJ), a Universidade Estadual do Rio de janeiro (UERJ) e a Universidade de São
Paulo (USP), por terem consolidado o ensino de italiano; e por fim, a Universidade Federal de

9
Considerei apenas as regiões onde existem cursos de Licenciatura em LI. Para tanto, recorri às informações
contidas em Landulfo (2012).
10
Todas as grades e ementas curriculares analisadas se encontram nos anexos deste trabalho.
Onde tudo começa | 36

Santa Catarina (UFSC), por ser uma instituição da região Sul, pela importante presença de
imigrantes italianos no estado e, sobretudo, pelo fato de nos municípios catarinenses Flores da
Cunha e Nova Erechim, o idioma talian11 ser considerado língua co-oficial desde 201512.
Todavia, enquanto desenvolvia a pesquisa, tive que excluir duas universidades
selecionadas a partir dos critérios estabelecidos e, em seguida, incluir outra instituição, pois,
não consegui obter nem nos sites e nem por meio de e-mails os documentos da UFRJ e nem
da UERJ. Foi aí que percebi que ainda existe tanto uma resistência em disponibilizar
documentos institucionais como o desconhecimento desses.
Entrementes, ao obter os documentos concedidos pela Universidade Federal
Fluminense, tomei a decisão de incluí-los nos corpora desta investigação. Assim, em posse
dos documentos de seis cursos de Licenciatura em LI, encerrei esta etapa para começar a
análise dos dados. Segue um quadro que sintetiza os cursos selecionados para esta
investigação:

Quadro 1 – Universidades selecionadas para a pesquisa

UNIVERSIDADE CATEGORIA REGIÃO


ADMINISTRATIVA
Universidade Federal do Ceará - UFC pública federal Nordeste
Universidade Federal da Bahia - UFBA pública federal Nordeste
Universidade Federal do Espírito Santo - UFES pública federal Sudeste
Universidade Federal Fluminense - UFF pública federal Sudeste
Universidade de São Paulo - USP pública estadual Sudeste
Universidade Federal de Santa Catarina- UFSC pública federal Sul
Fonte: a própria autora

11
As informações sobre o talian e as cidades onde esse idioma é língua oficial se encontram no terceiro capítulo
desta tese.
12
Essas informações podem ser vista no site http://www.floresdacunha.rs.gov.br/noticias/inicia-projeto-talian-
perspectivas-e-acoes-nas-escolas, acesso em 03 de junho de 2016.
Onde tudo começa | 37

1.7 Organização da tese

Esta tese está organizada em cinco capítulos. No primeiro, intitulado Onde tudo
Começa, faço uma breve introdução ao tema, apresento os motivos pelos quais escolhi essa
temática, explico porque esta se justifica, informo os objetivos e as perguntas de pesquisa que
nortearam esta investigação, descrevo a metodologia adotada para a coleta e análise dos
dados, especifico o corpus da pesquisa e concluo, então, com a presente seção referente à
organização da tese.
No segundo capítulo, Ensinando e aprendendo italiano, para compartilhar com o
leitor a posição da qual eu falo e onde eu me encontro, discorro sobre o ensino do italiano em
diferentes contextos educacionais no Brasil e no mundo, tais como as escolas de ensino
básico, as universidades públicas e os cursos livres. É ali onde questiono o fato da LI estar
pouco presente no ensino básico brasileiro e, em especial, o fato de instituições estrangeiras
promoverem uma ‘formação’ de professores de italiano em nosso país.
No terceiro, intitulado Pluralidade linguístico - cultural nos currículos dos cursos
de Licenciatura em língua italiana, informo, logo, na primeira seção, a concepção de língua e
cultura que alicerça este trabalho. Em seguida, na seção, 3.2, apresento um breve histórico
sobre currículo e explico as suas teorias. Posteriormente, discorro sobre a formação da língua
italiana e os lugares onde esse idioma é encontrado no mundo para desfazer um mito, dentre
outros, de que se aprende italiano apenas para ir à Itália. Na quarta e última seção, analiso o
corpus a partir do recorte discutido, isto é, a primeira categoria já mencionada referente à
pluralidade linguístico-cultural do italiano. Por fim, apresento às minhas conclusões parciais
sobre a análise.
No quarto capítulo, Formação de Professores e Interculturalidade, contextualizo a
formação de professores no Brasil, destacando algumas pesquisas acerca da formação
docente. Em seguida, na segunda seção, desenvolvo o conceito de interculturalidade. Na
seção seguinte, abordo o ensino de línguas sob uma ótica intercultural. Após esta explanação
conceitual, analiso o corpus à luz da segunda categoria referente à interculturalidade. Por fim,
na última seção, apresento às minhas conclusões parciais sobre a análise.
No último capítulo, Palavras conclusivas, respondo as perguntas de pesquisa,
exponho as minhas constatações e reflexões sobre a investigação e apresento recomendações
para pesquisas futuras, uma vez que entendo que a formação de professores é um tema que
deve ser sempre o foco no debate atual e pesquisas sobre professores.
Onde tudo começa | 38

As seções finais da tese incluem as REFERÊNCIAS consultadas para realizar a


pesquisa e os ANEXOS, com as grades curriculares, as ementas e os programas das
disciplinas dos cursos de Licenciatura em LI investigados, bem como os e-mails enviados
para os professores e coordenadores desses cursos durante a pesquisa.
A seguir, dou início à fundamentação teórica que alicerça este trabalho.
Ensinando e Aprendendo Italiano| 39

2 ENSINANDO E APRENDENDO ITALIANO

É sempre bom lembrar que lugar de aprender língua estrangeira


é na educação básica (Programa Nacional do Livro Didático,
2011, p.11).

Neste capítulo, dividido em três seções, discorrerei sobre o ensino do italiano em


diferentes contextos em âmbito nacional e internacional. Primeiramente, apresentarei dados e
informações sobre o ensino/aprendizagem do italiano em diferentes países. Em seguida,
concentro-me no Brasil, informando os diferentes contextos, tais como as escolas de ensino
básico, privadas e públicas, que incluem o idioma italiano no currículo escolar, as extensões
universitárias e os cursos livres. Na terceira e última seção, mapeio as universidades públicas
brasileiras, federais e estaduais, que possuem o curso de Letras com licenciatura em LI,
sendo, portanto, instituições responsáveis pela capacitação e formação de professores de
italiano no Brasil.

2.1 Ensinando e aprendendo italiano no mundo

As políticas públicas linguísticas abarcam uma gama de decisões que vão desde a
escolha de um determinado lugar onde uma língua deve ser falada e/ou ensinada, até questões
relativas ao ensino/aprendizagem de diferentes línguas. Ou seja, as ações dos professores são
determinadas pelas leis de diretrizes governamentais, pelos projetos de secretarias de
educação dos estados ou, ainda, em alguns casos, pelo trabalho das associações de
professores. Na verdade, é o Estado que tem o poder de instituir e planejar quais e como as
línguas deverão ser ensinadas. Devido a essas muitas ações, atualmente, o italiano é
considerado a quarta língua mais estudada no mundo, conforme declaram Casini e Romanelli
(2012), bem como a segunda mais estudada em países como a Hungria e a Rússia e a primeira
na Ucrânia (LANDULFO, 2012).
De acordo com dados fornecidos pelo Sindacato Nazionale Dipendenti Ministero
Affari Esteri (SNDMAE)13, publicados em 2012, a República Italiana possui em outros países

13
Sindicato Nacional de Dependentes do Ministério do Comércio Exterior. Informações disponíveis em:
<http://www.sndmae.it/files/riFar/riFarnesina_completo.pdf>. Acesso em: 4 de fevereiro de 2015.
Ensinando e Aprendendo Italiano| 40

oito escolas estaduais, reconhecidas pelo Ministério da Educação local e pelo governo
italiano, cujas disciplinas são ensinadas majoritariamente em italiano. Somado a essas, há 131
escolas paritárias, 27 escolas não paritárias14, 76 escolas estrangeiras bilíngues e 35 seções
italianas nas escolas europeias. Além disso, há 247 leitorados, o que significa a presença de
professores italianos das mais diferentes áreas em instituições públicas de outros países que
buscam a promoção e o ensino do idioma italiano, bem como 120 departamentos de
Italianística em diversas universidades do mundo15.

Hoje em dia, essas escolas são frequentadas, particularmente na América


Latina, Alemanha, Espanha, Turquia, Etiópia e Eritreia por alunos de origem
estrangeira, que muitas vezes só ouviram falar da Itália e que escolhem se
aproximar da língua-cultura italiana pelas mais diversas razões, que vão
desde a possibilidade oferecida por essas escolas de continuar os estudos na
Itália ou na Europa (em escolas que emitem o certificado do ensino
reconhecido tanto pelo governo local como italiano) ao interesse cultural ou
o desejo das famílias de oferecer a seus filhos uma educação bicultural16
(BUONO, 2003, p. 1, tradução minha).

Além do ensino em escolas e em universidades, aqueles que desejam aprender tal


idioma podem contar com 87 Institutos Italianos de Cultura (doravante IIC) e com 423
associações Dante Alighieri17 espalhadas pelo mundo que realizam cerca de 8.698 cursos de
italiano com mais de 195 mil alunos. Além disso, em cursos organizados por instituições
subsidiadas pelo Estado italiano, cujo objetivo é difundir o idioma oficial da Itália, nos termos
da lei nº 153/1971, é possível ter acesso ao ensino do italiano (SNDMAE, 2012).
Em 2010, uma pesquisa intitulada Italiano 2010. Lingua e cultura italiana
all’estero18, na qual participaram 89 IIC ativos de diferentes regiões do mundo, a saber: Leste
Europeu (Budapeste, Cracóvia, Kiev, Ljubljana, Varsóvia); Europa Ocidental (Hamburgo,
Barcelona, Innsbruck, Stuttgart); Norte da África (Rabat, Tripoli) e América Latina (Cidade

14
O princípio da liberdade de educação se realiza por meio das escolas estaduais, das reconhecidas escolas
paritárias e pelas escolas não paritárias. São escolas paritárias aquelas não estatais reconhecidas legalmente. As
escolas não paritárias são aquelas reconhecidas anualmente, mas seus certificados de estudos, embora não sejam
reconhecidos automaticamente, recebem assistência por parte do governo italiano.
15
Informações encontradas no site <www.sndmae.it/>. Acesso em: 2 de fevereiro de 2015. Esses dados poder
ser vistos diretamente no link: <http://www.sndmae.it/files/riFar/riFarnesina_completo.pdf>.
16
Al giorno d‟oggi tali scuole sono frequentate, soprattutto nell‟America Latina, in Germania, Spagna, Turchia,
Etiopia ed Eritrea da alunni di origine straniera, che molto spesso dell‟Italia hanno soltanto sentito parlare e che
scelgono di avvicinarsi alla lingua e cultura italiane con le motivazioni più varie, che vanno dalla possibiLItà
offerta da tali scuole di continuare i propri studi in Italia o in Europa (nelle scuole che rilasciano un titolo di studi
riconosciuto sia dal governo locale che da quello italiano) all‟interesse per la cultura o al desiderio delle famiglie
di origine di offrire al proprio figlio una formazione biculturale.
17
A sociedade Cultural Dante Alighieri foi fundada em 1889 com o objetivo de difundir a LI no mundo. Demais
informações disponíveis no site oficial dessa instituição: <http://ladante.it>. Acesso em: 05 de março de 2015.
18
Italiano 2010. Língua e cultura italiana no exterior.
Ensinando e Aprendendo Italiano| 41

da Guatemala, Montevidéu, Rio de Janeiro), demostrou que 6.429 cursos de italiano são
realizados por esses institutos em todo o mundo. Além disso, as informações encontradas
comprovam o progresso no ensino do italiano em cidades nas quais não havia sido verificada
a existência de nenhum curso, como por exemplo, na cidade de Kyoto, onde, atualmente,
foram encontrados 102 cursos de italiano.
No território esloveno, atualmente, existem escolas nas quais o italiano é ensinado
tanto como segunda língua (L2)19, quanto como língua estrangeira (LE), pois, o governo desse
país, considerando o fato de que o seu litoral é uma zona bilíngue, instituiu escolas italianas
com o propósito de promover efetivamente o bilinguismo. Assim, as possibilidades de
aprender o italiano passaram a ser múltiplas e oferecidas tanto pelas escolas públicas quanto
pelas escolas privadas. Nesse caso, a população de minoria italiana tem à sua disposição
escolas nas quais todas as matérias são ensinadas no idioma italiano desde os primeiros anos
da vida escolar. É importante informar que nessas escolas, ainda que o ensino seja
prevalentemente dirigido aos alunos de origem italiana, as aulas são abertas a todos.
Na Eslovênia existem algumas escolas maternas, três escolas elementares e três
escolas superiores de LI, situadas entre a Ístria, Piran e Izola. Além disso, o italiano como L2
é ensinado em 17 escolas regulares obrigatórias e em 7 escolas secundárias. Nas demais áreas
desse país, o italiano é considerado LE e é ensinado como matéria facultativa (ZERIALI,
2005). Além disso, conforme relata Zeriali (2005), o IIC situado na cidade de Liubliana,
organiza cursos de língua, eventos culturais, sessões de cinema italiano, concertos,
conferências e cursos de formação continuada para professores de italiano que ainda podem
optar por diversos cursos de graduação com licenciaturas em LI nas universidades eslovenas,
como a Universidade de Liubliana e a Universidade da Ístria, onde são ofertados cursos de
graduação com duração de quatro anos. Ademais, o Magistério de Ístria forma docentes para
atuar em escolas regulares das regiões pluriétnicas.
Como visto, as informações encontradas sobre a situação do idioma italiano nesse
país mostram a efetiva preocupação do Estado em ofertar tanto uma LE para estudantes em
idade escolar, quanto a proporcionar o ensino de uma L2 para aqueles que por razões diversas
encontram-se fora de sua pátria.

19
São muitas as explicações sobre o que é segunda língua e língua estrangeira. Por isso, para melhor,
entendimento dessa questão, sugiro a leitura do texto da professora da UFRGS, Karen Pupp Spinass: Os
conceitos Língua Materna, Segunda Língua e Língua Estrangeira e os falantes de línguas alóctones
minoritárias no Sul do Brasil, que aborda com mais especificidade tal tema. Contudo, é consonante informar
que segunda língua é aquela aprendida por um estrangeiro no país onde ela é falada por seus cidadãos. É uma
não-primeira-língua aprendida a partir da necessidade de comunicação. A LE, por sua vez, é aprendida sem que
o indivíduo saia do seu país de origem. Além disso, a LE não serve necessariamente à comunicação.
Ensinando e Aprendendo Italiano| 42

Na Alemanha, também é possível iniciar os estudos da LI a partir da escola materna,


conhecida no Brasil como jardim da infância. Em Berlim, por exemplo, de acordo com Donati
et al. (2002), as escolas infantis Asilo Italiano e Il Girasole são escolas ítalo-alemãs que
introduziram o bilinguismo e, especialmente, a educação intercultural como centro do
programa escolar proposto tanto para os alunos alemães quanto para os italianos. No triênio
de 1994-1997, duas escolas de Renânia do Norte-Vestfália, a GGS Vennhauser Allee, em
Dusseldórfia e a Meinolfschule, em Hagen, foram protagonistas de um projeto chamado
“abertura do curso de língua e cultura materna para a promoção e o desenvolvimento do
plurilinguismo da Europa”. Nessas escolas, as aulas de LI são abertas a todas as crianças,
sejam elas italianas ou não. É importante destacar que nas escolas elementares de Norte-
Vestfália, segundo Donati et al. (2002), a LI foi introduzida como “língua de encontro”, não
para o ensino linguístico propriamente dito, mas como uma atividade de sensibilização a uma
das línguas dos alunos estrangeiros presentes na sala de aula. Aqui, verifica-se uma atenção
em oferecer o idioma, mas, em especial, desenvolver nos alunos dessas escolas uma postura
intercultural, usando como porta de entrada a língua.
Donati et al. (2002) ainda explicam que um curso de Estudos Internacionais
(Deutsch-Italienische Studien)20 foi organizado na Universidade de Bonn, no semestre
invernal 1995-1996, como Magisterstudiengang (programa de mestrado), juntamente com a
Universidade de Florença, o qual se baseia na interculturalidade e competência europeia e tem
como objetivo formar especialistas em estudos ítalo-alemão. O curso é constituído pelas duas
matérias principais, italiano e alemão, e propõe fornecer conhecimentos interdisciplinares,
como história, geografia, história da arte e sociologia.
Ainda na Europa, várias iniciativas desenvolvidas nos últimos anos mostram um
crescente desenvolvimento do ensino da LI, mais precisamente na parte oriental e no sudeste
europeu, a chamada área balcânica ou península balcânica. Como, por exemplo, a presença de
um Departamento de Italianística da Faculdade de Filologia da Universidade de Belgrado, na
Sérvia, onde o ensino do italiano tem uma presença considerável. Além disso, em Belgrado
fica o polo universitário com a mais ampla oferta do ensino do italiano: um curso de quatro
anos de língua e literatura italiana, reservado aos estudantes da Faculdade de Filologia;
diversos cursos com duração de dois anos destinados aos estudantes de outros departamentos
e aos alunos dos cursos de mestrado; bem como um curso trienal, especificamente, para os
alunos de literatura comparada.

20
Estudos alemão-italiano.
Ensinando e Aprendendo Italiano| 43

No sudeste europeu, o ensino do italiano é significativamente presente também na


Macedônia, país no qual é muito difundido o ensino da literatura italiana, em particular na
cidade de Escópia, onde desde 1997 é realizado um curso quadrienal de língua e literatura
italiana. Já na Albânia, o ensino do italiano ocorre na Faculdade de Línguas Estrangeiras
desde o ano de 2001. No currículo de Italianística, com uma duração de quatro anos, estão
presentes disciplinas como o ensino da fonética do italiano, elementos de tradução, elementos
de cultura e estilística e, no final do curso, é emitido um certificado de professor de língua
italiana. Da mesma forma, na Universidade de Vlore, nesse mesmo país, desde 2002 existe
um setor de Estudos Italianos, no Departamento de Línguas Estrangeiras, que atua em
parceria com o Espaço Cultural Italiano – uma organização que coordena os cursos de LI em
Vlore e em territórios vizinhos.
A situação do ensino do italiano parece ser semelhante em algumas universidades da
Hungria. Na capital Budapeste, por exemplo, desde 1946 foi instaurado um curso de
graduação em língua e literatura italiana com duração de quatro anos que também prevê a
obtenção de graduação em Italianística, possibilitando ao graduado ensinar nas escolas
secundárias do país (ABBATICCHIO, 2004), onde o ensino da LI ocupa o segundo lugar
entre as línguas mais estudadas.
Mesmo sendo a Europa o continente onde existe um grande número de cursos de
italiano, é importante ressaltar que a Ásia, impulsionada pelo Japão, possui hoje cerca de 440
cursos de italiano nas duas sedes do IIC de Tóquio e Quioto, conforme revela a pesquisa
Italiano 2010, Zamborlin (2006) informa que a maior parte dos japoneses que se aproxima do
italiano é motivada pela curiosidade em relação a um país compreendido como “fascinante”,
tanto na esfera artística como paisagística, uma nação de grandes artistas e arquitetos.
De acordo com Zamborlin (2006), esses aprendizes são profissionais ou apenas
apaixonados por uma terra que desejam um dia visitar. Outra categoria de estudantes
encontrados no Japão abarca os indivíduos que necessitam desse idioma para o trabalho ou os
estudos, geralmente pessoas da área de gastronomia, música, moda e design. Contudo, de
acordo com o referido autor, nesse país há poucas universidades concentradas nas áreas de
Quioto e Osaka que possuem o Departamento de Italianística e ofertam cursos de graduação
em língua e literatura italianas.
Em 2004, foi realizado pela primeira vez na Mongólia um curso de graduação com
duração de quatro anos em LI na Universidade Nacional de Ulaanbaatar. O curso para o qual
se inscreveram 14 estudantes tem o objetivo de formar tanto intérpretes e tradutores, bem
como professores especializados e capazes de garantir o ensino do italiano nesse país. Nos
Ensinando e Aprendendo Italiano| 44

primeiros anos do curso, os aprendizes devem frequentar aulas de gramática, léxico, fonética,
conversação e composição, totalizando 16 horas semanais. Para atender aos interesses dos
alunos e melhorar suas perspectivas de emprego, foi proposto um curso opcional de italiano
comercial e italiano turístico (HAAS, 2008). Nesse país, conforme salienta Haas (2008), o
professor-leitor deve estar ciente da distância geográfica e, sobretudo, cultural que existe entre
esse país e a Itália. Desse modo, o sucesso ou o insucesso do ensino da LI na Mongólia é
condicionado pela preparação do leitor que deve estar ciente da sua capacidade de integração
cultural e, especialmente, das expectativas dos alunos, procurando um método de ensino que
estimule os alunos mongóis.
Do continente africano é possível citar Marrocos, onde em 1932, foi fundado o
primeiro Comitê da Sociedade Dante Alighieri, cujas principais atividades são a organização
de cursos de LI e a realização de manifestações promotoras dessa língua (BOUSETTA, 2006).
Somente em 1971, em Rabat, foram organizados os primeiros cursos de italianos pelo IIC, o
único em todo o território nacional. Nesse país, de acordo com dados apresentados por
Bousetta (2006), é possível encontrar universidades que ofertam cursos de língua e cultura
italiana, tais como: Universidade de Rabat, Universidade de Casablanca, Universidade de
Mohamed V. Ademais, o italiano é ensinado em diversas escolas privadas e em 20 escolas
superiores do Marrocos (BOUSETTA, 2006), sob a tutela do Estado.
Já em outro continente, mais precisamente na Austrália, país com o qual a Itália
firmou um acordo de emigração em 1951 e para onde se destinaram cerca de 6.736 cidadãos
de Abruzzo e de Molise (BENEDINI; ARQUILLA, 2015), o ensino da LI como LE foi
introduzido em 1968 por Joe Abiuso, mestre em línguas modernas pela escola secundária em
Nova Jérsei e coordenador adjunto sênior de línguas modernas na escola Fitzroy. Mas foi nos
anos 1980, como resultado da reviravolta no ensino de línguas nesse país, mais
especificamente quando o governo federal e os governos estaduais adotaram uma política de
abertura em relação a outros idiomas além do inglês (Languages Other Than English –
LOTE)21, que o italiano passou a fazer parte do currículo escolar com outras línguas mais
populares, tais como, a vietnamita, a francesa, a japonesa, a alemã, a chinesa-mandarim e a
grega. Como consequência dessa medida e graças aos esforços realizados nos âmbitos político
e educacional, a situação do ensino do italiano mudou completamente na Austrália, pois
atualmente essa é a língua mais falada depois do inglês (PECORELLI, 2004). O aumento do

21
Outros idiomas além do inglês.
Ensinando e Aprendendo Italiano| 45

ensino do italiano nesse país se deu como consequência de políticas linguísticas pensadas para
democratizar o ensino de línguas.
Em nível universitário, Pecorelli (2004) informa que na Austrália há 39
universidades, das quais 19 possuem um departamento de italiano e 12 são independentes,
não fazem parte do mesmo Departamento de outras línguas românicas. Em Melbourne
existem três universidades cujo ensino da LI é considerável: a Trobe University, a Monash
University e a University of Melbourne. Em Sydney, o departamento de Italianística exerce
um papel muito importante para o fortalecimento da LI nesse país. Segundo Pecorelli (2004),
houve um elevado número de estudantes de italiano na Austrália nos últimos tempos.
A América se tornou o destino natural de muitos emigrantes e para os Estados
Unidos e o Canadá foram aproximadamente, entre 1946 e 1960, mais de 500 mil cidadãos
peninsulares (BENEDINI; ARQUILLA, 2015). No primeiro país, os cursos de italiano
compreendem cerca de 80 mil inscritos, deixando esse idioma, após o alemão, na quarta
colocação entre os mais estudados no país. No âmbito universitário, tradicionalmente, o
ensino da LI é realizado nos departamentos de línguas ou de línguas modernas, claramente
divididos em cursos de línguas e de literatura (CESTARO; MORGAVI, 2008). Segundo
Cestaro e Morgavi (2008), o modelo língua/literatura não tem estimulado muito os alunos que
optam pelo idioma italiano, pois:

Esses estudantes são levados ao italiano por motivos de interesse pessoais e


intelectuais perfeitamente válidos (também, mas não exclusivamente
turísticos) porém, mais amplamente, por motivos culturais – língua, cultura,
literatura, música, história arte e atualidade – e não necessariamente apenas
literários. Impor a tais estudantes leitura e comentários críticos de uma
página de Manzoni (por mais que possa emocionar o docente) como o único
e principal resultado da aprendizagem pode ser redutivo 22(CESTARO;
MORGAVI, 2008, p. 7, tradução minha).

Em diversos municípios do Canadá, os alunos das escolas elementares têm a


possibilidade de aprender várias línguas estrangeiras, o que reflete uma ação real de
democratização do ensino de línguas. Na província de Québec, a LI é ensinada tanto nas
escolas públicas como nas escolas privadas, em horário regular. Além disso, são ofertados
cursos administrados pelo Patronato Ítalo-Canadense de Assistência aos Imigrantes (PICAI):
19 cursos realizados em escolas nos sábados pela manhã para estudantes de 4 a 16 anos e para

22
Questi studenti sono portati verso l‟italiano per motivi di interesse personale e intellettuale perfettamente
validi (anche ma non esclusivamente turistici) ma più largamente per motivi culturali – lingua, cultura,
letteratura, musica, storia, arte, attualità – e non necessariamente solo letterari. Imporre a tali studenti lettura e
commento critico di una pagina di Manzoni (per quanto possa emozionare il docente) come unico o principale
learning outcome può essere riduttivo.
Ensinando e Aprendendo Italiano| 46

adultos; 7 escolas nas quais ocorrem cursos vespertinos (extracurriculares) para estudantes de
4 a 12 anos, totalizando assim: 2.440 aprendizes de LI. A L’English Montreal School Board23
realiza, por meio do Programme d’enseignement langue d’origine24 (PELO), cursos de
italiano no horário escolar, totalizando três escolas com cerca de 1.500 estudantes.
Todavia, é importante informar que no Canadá, para ensinar essa língua não é
requerida nenhuma qualificação profissional, sendo relevante para as instituições apenas o
conhecimento da língua. Como consequência da falta de cursos de formação de professores de
línguas étnicas/internacionais, algumas entidades gestoras pagam por tais serviços. Assim,
frequentemente, com o propósito de realizar cursos de formação para os professores locais,
são convidados docentes de várias universidades italianas, como por exemplo, a Universidade
para Estrangeiros de Perugia e de Siena e a Universidade de Veneza.
A pesquisa Italiano 2010 revela, ainda, um aumento da oferta do ensino da LI na
América Latina, sobretudo quando comparados com os números da pesquisa realizada em
2000, que passaram de 22.073 para 67.772. No Uruguai, onde o processo de italianização foi
muito forte, a influência italiana teve um papel importante no desenvolvimento do país, seja
do ponto de vista artístico ou cultural. A forte conexão entre a Itália e o Uruguai é evidente
devido à presença de várias instituições, tais como a única sede da RAI (rede de televisão
italiana) em todo território sul-americano; 52 associações de tipo recreativo, político,
comercial, entre outras.
Diante dessa realidade, em 1941, o então presidente Alfredo Baldomir Ferrari
decretou que o ensino do italiano se tornasse obrigatório nas escolas superiores. Nos últimos
anos, após um pequeno intervalo entre 2006 e 2009 e graças a um projeto de política
linguística nas escolas públicas, desde 2010, o estudo do italiano voltou a ser adotado com o
francês e ao alemão, como terceira língua obrigatória após o inglês e o português.
No Uruguai, de acordo com as palavras de Torello (2010), as universidades abrem as
suas portas para a realização de cursos noturnos de LI para alunos de idades variadas, de 19 a
70 anos. Embora não exista uma Faculdade de Línguas e Literaturas Estrangeiras nem um
Departamento de Italianística, o Centro de Línguas Estrangeiras (CELEX) do Instituto de
Linguística da Faculdade de Ciências Humanísticas e da Formação da Universidade da
República Oriental se tornou, desde o ano da sua criação, em 1991, o ponto de referência mais
importante para os estudos de línguas estrangeiras: português, francês, inglês, alemão, grego,

23
Conselho Escolar de Inglês em Montreal .
24
Programa de ensino de línguas de origem.
Ensinando e Aprendendo Italiano| 47

catalão, basco, japonês e, por fim, o curso de italiano cujo responsável, desde 1998, é um
professor-leitor (TORELLO, 2010).
Na Argentina, sempre existiu um grande interesse por cursos de italiano desde o
início do século XX (ARREGHINI, 2006). Assim como no Brasil, o espírito italiano tornou-
se vivo na sociedade argentina como resultado da criação de associações que visam a
assegurar a assistência e a formação dos descendentes de italianos que ali residem. Desse
modo, desde o século XIX até os dias atuais, o número de associações Dante Alighieri é de
128 sedes em toda a Argentina. Em 1997, a Dante foi nomeada entidade gestora, conforme
um acordo estabelecido entre o governo italiano e a Secretaria de Educação de Buenos Aires,
o qual busca reforçar a presença da LI nas escolas públicas da cidade de Buenos Aires, bem
como promover cursos de formação para os professores de italiano que ensinam nas escolas
dessa cidade (ARREGHINI, 2006).
Em 9 de janeiro de 1900, conforme explica Arreghini (2006), foi sancionada pelo
governo argentino uma lei que versa sobre a introdução do italiano como matéria de ensino
obrigatória nas escolas estaduais. Atualmente, após alguns anos de crise do
ensino/aprendizagem da LI, existem muitas escolas públicas nas quais são inseridas
disciplinas de LI, bem como um grande número de docentes e um crescente aumento de
aprendizes.
Assim como em Buenos Aires, é possível encontrar o ensino/aprendizado do italiano
em 20 escolas de Córdoba. É importante ressaltar que o ensino do italiano na Argentina não se
restringe apenas às escolas públicas, pois há muitas escolas particulares que possibilitam o
acesso a esse idioma. Em Buenos Aires encontram-se: a Scuola Italiana Cristoforo Colombo,
a Edmondo de Amicis, a Escola Alessandro Manzoni, o Centro Culturale Italiano, o Instituto
de Cultura Italiana de La Plata. Em Mendonza, há a escola XXI Aprile. Ademais, os
argentinos podem contar com 10 professores-leitores em diversas universidades: Universidade
de Buenos Aires, de Bahia Blanca, Córdoba, La Plata, Mendonza, Rosário, Santa Fé e Mar del
Plata (ARREGHINI, 2006).
Após essa breve narrativa acerca do ensino do italiano no mundo, a partir da próxima
seção, concentro-me nos diversos contextos de ensino/aprendizagem situados em terras
brasileiras.
Ensinando e Aprendendo Italiano| 48

2.2. Ensinando e aprendendo italiano no Brasil

Como em outros países, o idioma italiano é ensinado em diversos estados brasileiros.


Entretanto, de acordo com Romanelli e Casini (2012), é mais frequente encontrar o ensino
dessa língua nos estados para os quais se dirigiram milhões de imigrantes italianos ao longo
dos séculos, tais como: São Paulo, Rio Grande do Sul, Espírito Santo e Santa Catarina.
Vale ressaltar que ao fazer uma pesquisa bibliográfica sobre a imigração italiana no
Brasil, é muito difícil encontrar alguma menção a uma experiência migratória em outras
regiões brasileiras. Contudo, a imigração italiana também ocorreu em outros estados do Norte
e Nordeste, como Bahia, Pernambuco, Pará e Amazônia. A verdade é que para a Bahia se
dirigiram muitos italianos provenientes principalmente do Abruzo. Eles se estabeleceram,
sobretudo durante o governo de Octávio Mangabeira, em colônias localizadas em Boa União,
Itiruçu, Jaguaquara e Rio Seco (BENEDINI; ARQUILLA, 2015).
Em Pernambuco também existiram colônias italianas nas cidades de São Lourenço
da Mata, Nazaré da Mata, Palmares, Garanhuns e Recife. Na capital pernambucana, a colônia
italiana passou a exercer forte influência na economia, principalmente na indústria e no
comércio (ZORZAN, 2014). Apesar de ter sido em número menor, a presença de italianos nas
regiões norte e nordeste é significativa, conforme elucida Aragón (2009):

A tentativa de estabelecer quatro colônias agrícolas no Pará com mão de


obra italiana (Benevides, Anita Garibaldi, Outeiro e Ianatema) estava
inserida dentro do projeto de colonização do Império e primeiros anos da
República, para suprir a escassez de mão de obra que produziu a abolição da
escravatura. Essas iniciativas foram efêmeras, e consideradas fracassadas;
mas mesmo assim sua contribuição é notada até hoje. Paralelamente a essa
imigração existiu outro segmento de italianos constituído fundamentalmente
de famílias que migraram de forma espontânea e que se dirigiram para as
cidades amazônicas e aqui se fixaram. Vieram da Itália setentrional, das
regiões do Veneto, Lombardia, Emilia Romagna, Piemonte e Ligúria; da
Itália central, da região do Lazio e da Toscana, e da Itália insular, da região
da Sicília. À diferença da grande migração que se dirigiu ao Sul do país
constituída majoritariamente por pobres e analfabetos, e cujo deslocamento
era subsidiado pelo Estado, o segmento que se dirigiu para as cidades
amazônicas era formado principalmente por pequenos proprietários e
artesãos que traziam pequenas economias e possuíam habilidades específicas
(sapateiros, funileiros, ourives, pintores) e algum grau de instrução
(ARAGÓN, 2009, p. 32).

Ainda que seja importante conhecer mais da história da imigração italiana no Brasil,
uma vez que aqui vivem muitos descendentes de italiano que possuem o direito de poder
Ensinando e Aprendendo Italiano| 49

estudar a sua língua de herança25, compreendo também que é preciso ultrapassar o “véu que
separa o italiano entendido como língua de imigrante do italiano entendido como língua do
mundo, entre as mais representativas do ponto de vista cultural” (ROMANELLI; CASSINI,
2012, p. 15)26. É necessário expandir o espaço linguístico italiano para além desse estereótipo
de língua de imigrantes27 (DE MAURO, 2007). Certamente, o caminho para a promoção do
italiano como língua de todos perpassa muitas esferas, tais como: o Estado (responsável maior
pelo planejamento linguístico de um país), as instituições de ensino, os docentes e
pesquisadores da área de Italianística, entre outros, pois, o acesso ao aprendizado de qualquer
língua deve ser direito de todo cidadão.
É importante recordar que no Brasil, atualmente, dois documentos vigentes
estabelecem os critérios para as ações educacionais em diversos níveis: os Parâmetros
Curriculares Nacionais (PCN) e a Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB) 28. Os PCN,
publicados em 1998, são referenciais elaborados pelo governo federal para orientar as equipes
escolares na execução de seus trabalhos, com diretrizes voltadas, sobretudo, para a
estruturação e reestruturação dos currículos escolares de todo o território brasileiro, sendo
obrigatórias para a rede pública e opcionais para as instituições da rede privada.
Voltados para o ensino fundamental e para o ensino médio, esse documento é
dividido, respectivamente, em seis volumes que apresentam as áreas do conhecimento, como:
língua portuguesa, matemática, ciências naturais, história, geografia, arte e educação física e
em três áreas – Linguagens, Códigos e suas Tecnologias, Ciências da Natureza, Matemática e
suas Tecnologias e Ciências Humanas e suas Tecnologias.
Logo nas primeiras páginas da seção voltada para o ensino de LE do terceiro e quarto
ciclos do ensino fundamental, verifica-se a menção à Declaração de Direitos linguísticos, ao
registrar que todo cidadão tem direito à aprendizagem de uma LE (BRASIL, 1998):

Primordialmente, objetiva-se restaurar o papel da Língua Estrangeira na


formação educacional. A aprendizagem de uma língua estrangeira,
juntamente com a língua materna, é um direito de todo cidadão,
conforme expresso na Lei de Diretrizes e Bases e na Declaração Universal
dos Direitos Linguísticos, publicada pelo Centro Internacional Escarré para
Minorias Étnicas e Nações (Ciemen) e pelo PEN-Club Internacional. Sendo

25
Língua de herança é a língua que é ensinada e utilizada pelo indivíduo, mas que não é própria do local onde
ele resida, como exemplo, o Português ensinado a filhos de brasileiros imigrados no exterior ou de filhos de
italianos que residem no Brasil.
26
Il velo che separa l‟italiano inteso come lingua degli immigrati dall‟italiano inteso come lingua del mondo, fra
le più rappresentative dal punto di vista” (tradução minha)
27
As línguas de imigrantes são compreendidas como línguas nacionais de outros países, presentes em território
brasileiro.
28
Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996.
Ensinando e Aprendendo Italiano| 50

assim, o distanciamento proporcionado pelo envolvimento do aluno no uso


de uma língua diferente o ajuda a aumentar sua autopercepção como ser
humano e cidadão. Ao entender o outro e sua alteridade, pela aprendizagem
de uma língua estrangeira, ele aprende mais sobre si mesmo e sobre um
mundo plural, marcado por valores culturais diferentes e maneiras diversas
de organização política e social. A Escola não pode mais se omitir em
relação a essa aprendizagem (...). (BRASIL, 1998, p. 19, grifo meu).

O referido documento relata o fato de nem sempre ser possível incluir no currículo
escolar mais que uma LE, apontando três fatores que podem servir como ponto de partida
para qual ou quais línguas estrangeiras incluir no currículo:

- fatores históricos – relacionados ao papel que uma língua específica


representa em certos momentos da história da humanidade fazendo com que
sua aprendizagem adquira maior relevância. A relevância é frequentemente
determinada pelo papel hegemônico dessa língua nas trocas internacionais,
gerando implicações para as trocas interacionais nos campos da cultura, da
educação, da ciência, do trabalho etc. O caso típico é o papel representado
pelo inglês, em função do poder e da influência da economia norte-
americana. ;

- fatores relativos às comunidades locais – a convivência entre


comunidades locais e imigrantes ou indígenas pode ser um critério para a
inclusão de determinada língua no currículo escolar

- fatores relativos à tradição – o papel que determinadas línguas


estrangeiras tradicionalmente desempenham nas relações culturais entre os
países pode ser um fator a ser considerado (BRASIL, 1998, p. 22).

Entre os fatores postulados pelos PCN, é importante refletir sobre o terceiro; Ou seja,
por que é relevante levar em consideração a tradição? Ela tem que ser mantida em qualquer
situação? Ora, a tradição precisa, em muitos casos, inclusive, ser modificada em virtude do
momento histórico e social no qual se encontram os indivíduos de uma determinada
sociedade. Além disso, sendo a tradição algo que perdura no tempo e que é transmitida de
geração em geração, como explicar o fato do latim que, durante muito tempo, foi a língua de
prestígio ensinada nas escolas públicas de todo o Brasil ter sido extinto dos currículos
escolares? Entendo, portanto, que os fatores históricos e os relativos às comunidades locais já
contemplam as razões que podem levar uma dada língua a ser escolhida em detrimento de
outra.
O outro documento, a LDB foi aprovada em dezembro de 1996 com o nº 9.394/1996
e é composta por 92 artigos que versam sobre os mais diversos temas da educação brasileira,
desde o ensino infantil até o ensino superior. Seu art. 36º, inciso III, traz uma importante
informação: “Será incluída uma língua estrangeira moderna, como disciplina obrigatória,
Ensinando e Aprendendo Italiano| 51

escolhida pela comunidade escolar, e uma segunda, em caráter optativo, dentro das
disponibilidades da instituição” (LDB, 1996, p. 11). Dito isso, é importante salientar que a
LDB não estabelece a LE que deve ser ensinada nas escolas, facultando a sua escolha às
comunidades.
Diante do exposto pelos documentos oficiais e rememorando as palavras de Zorzan
(2014), faço os seguintes questionamentos: por que o italiano não ocupa um espaço maior no
contexto do ensino público brasileiro, assim como outras línguas sob a tutela do Estado? Por
que, pelo menos, levando em consideração os fatores relativos às comunidades locais, as
línguas africanas não possuem maior espaço nas escolas baianas, cidade reconhecida como
aquela que possui muitos filhos da África? Por que a LI não é ofertada nas escolas das cidades
onde foram estabelecidas as colônias italianas, levando em consideração, ao menos, aquele
que pode ser um dos fatores para a escolha de uma língua ensinada nas escolas, os relativos às
comunidades locais?
Democratizar o acesso às línguas estrangeiras é trazer para a agenda escolar um tema
que vem adquirindo crescente importância na vida contemporânea: a diversidade cultural que
traz à tona discussões acerca de práticas racistas provenientes de preconceitos, estereótipos,
intolerância cultural e incapacidade de compreender as diferentes dinâmicas das diversas
culturas dos mais variados povos. Logo, ao abordar essas questões em sala de aula, dá-se o
primeiro passo para que se construa uma sociedade capaz de reconhecer e respeitar as
diferenças.
Dito isso, e deixando aqui uma reflexão, a partir deste ponto, discorro sobre as
muitas iniciativas que visam proporcionar o ensino do italiano em território nacional,
compreendendo, contudo, que muito precisa ser feito para se concretizar a democratização do
ensino de LE em nosso país. Pois, como bem lembra a Declaração Universal dos Direitos
Linguísticos, citada pelos PCN (1998), a aprendizagem de uma LE é direito de todo cidadão,
seja ela qual for: língua alemã, língua árabe, línguas africanas e indígenas. Ademais,
acrescento que a oferta dessas é dever do Estado, já que “a escola não pode mais se omitir em
relação a essa aprendizagem” (BRASIL, 1998, p. 19).
Ensinando e Aprendendo Italiano| 52

2.2.1 Ensinando e aprendendo italiano nas escolas básicas

Nos dias de hoje, ainda que por iniciativas de instituições privadas, é possível
encontrar em diversos estados brasileiros o ensino do idioma italiano nas escolas de ensino
básico. Assim, a fim de relatar em quais localidades brasileiras a pesquisa por mim realizada
encontrou esse ensino, apresento uma figura que mostra especificamente onde estão essas
escolas. Todavia, é importante esclarecer que esse mapeamento não esgota outras
possibilidade e que é importantes que outras pesquisas busquem investigar onde se ensina e
aprende italiano no Brasil, sobretudo, na rede básica. Pois, como é possível ver logo no inicio
deste capítulo, é sempre bom lembrar que “lugar de aprender LE é na escola básica” (PNLD,
2011, p. 11).

Figura 1 – Estados nos quais o italiano é ensinado nas escolas básicas

Fonte: a própria autora.

Uma das poucas iniciativas educacionais do governo italiano foi o Istituto Medio
Brasileiro Dante Alighieri, escola tradicional de São Paulo que até os dias de hoje é ativa.
Atualmente, além dessa escola, existe em São Paulo uma das duas escolas italianas29 bilíngues
e biculturais, reconhecidas pelos governos brasileiro e italiano: Sociedade Civil Educacional

29
A Eugenio Montale é uma escola reconhecida pelo governo brasileiro como uma escola italiana porque possui
títulos de estudo legalmente reconhecidos pelo governo italiano. Ou seja, segue os padrões de ensino exigidos
pelo governo da Itália. Por isso, é também considerada uma escola europeia.
Ensinando e Aprendendo Italiano| 53

Eugênio Montale, fundada em 1982 por pais italianos com o propósito de garantir aos
cidadãos italianos e aos seus descendentes o acesso à LI. Existe também, na capital paulista, o
Colégio Internacional Ítalo-Brasileiro, onde o italiano é ofertado como disciplina
extracurricular.
Ainda no Estado de São Paulo, o ensino da LI está presente em diversas escolas de
ensino básico. De acordo com os dados fornecidos por Zorzan (2014) – cuja dissertação traz
um mapeamento da presença do idioma italiano no ensino público do Brasil – no município
de Amparo, a LI foi implantada em 2006 e as aulas, com duração de uma hora e meia, são
realizadas duas vezes por semana, para alunos do 2° ao 5° ano do ensino fundamental de três
escolas da rede municipal de ensino; na cidade de Campos do Jordão, o ensino da LI é bem
mais recente, implantado somente em 2014. Zorzan (2014) informa que nesse município, as
aulas de italiano seguem a modalidade de oficina; em Jarinu, também em São Paulo, o ensino
desse idioma consta na grade curricular das escolas da rede municipal, desde 2004 e
atualmente existem 11 unidades escolares que propiciam o ensino do italiano para os alunos
do 2° ao 5° ano do ensino fundamental. Em Pedrinhas Paulista, cidade que em 1852 viu
nascer a Colônia de Pedrinhas e que recebeu, nesse período, o maior grupo de imigrantes
italianos (BENEDINI; ARQUILLA, 2015), a LI é inserida na grade curricular da única escola
municipal do munícipio (ZORZAN, 2014).
Ademais, nas escolas estaduais de São Paulo, o ensino da LI é realizado pelos 31
Centros de Estudos de Línguas (CEL) espalhados por todo o estado paulista. Segundo Zorzan
(2014), os municípios paulistas com unidades que oferecem o ensino do italiano são os
seguintes: Araçatuba, Araraquara, Assis, Avaré, Carapicuíba, Fernandópolis, Guarulhos,
Jales, José Bonifácio, Jundiaí, Marília, Osasco, São José do Rio Preto, São José dos Campos,
São Paulo, São Vicente, Suzano, Taquaritinga, Taubaté e Tupã.
Em Belo Horizonte, está presente a outra escola bilíngue reconhecida tanto pelo
governo brasileiro como pelo governo italiano: o Instituto Ítalo-brasileiro Bicultural,
Fundação Torino, criado em 1974, pela FIAT com os mesmos propósitos dos criadores da
Escola Eugenio Montale (LANDULFO, 2012). Além dessa escola privada, existe apenas uma
escola pública em Minas Gerais, na cidade de Belo Horizonte, que conta com o ensino da LI,
a Escola Municipal Marconi que tem um papel importante na história da imigração italiana
em Minas Gerais, pois foi fundada em 1937 por imigrantes italianos, ligados ao movimento
integralista (ZORZAN, 2014).
No Rio de Janeiro, Estado para a qual se dirigiram muitos imigrantes provenientes
das províncias de Cosenza, Potenza, Salerno, Reggio Calabria, Nápoles e Caserta (TRENTO,
Ensinando e Aprendendo Italiano| 54

1989), atualmente o ensino do italiano não consta no currículo escolar. Entretanto, Zorzan
(2014) informa existir uma única instituição da rede municipal desse Estado que funciona no
regime chamado de “Ginásio Experimental Carioca” que oferta o ensino da LI.
Para completar a região Sudeste, no Espírito Santo, atualmente, ainda conforme Zorzan
(2014), só existem duas cidades que propiciam o ensino do italiano em escolas regulares no
Estado: Domingos Martins e Santa Teresa. Todavia, devo ressaltar que em uma das cidades mais
italianas do Estado do Espírito Santo, Venda Nova do Imigrante, foi aprovada, em dezembro de
2009, a lei municipal 34 nº 867/2009, com a seguinte redação:

Art. 1º – Fica instituído no currículo das escolas municipais do ensino


fundamental, o ensino da língua italiana que deverá ser implantado em
caráter experimental pelo período de 01 (um) ano, para alunos do 2º até o 8º
ano do Ensino Fundamental.
Art. 2º – Para a implantação do ensino da língua italiana nas escolas
municipais, fica autorizado o Município através da Secretaria de Educação, a
firmar CONVÊNIO DE COOPERAÇÃO TÉCNICA E ECONÔMICA com
a ASSOCIAÇÃO DE LÍNGUA E CULTURA ITALIANA DO ESPÍRITO
SANTO, com sede na Rua José Farias, nº 98, Ed. Plena Center, sala 802,
Santa Luíza, Vitória, E. Santo, CNPJ Nº 39. 797.634/0001-52.

Sobre o que está explícito no artigo 2º, não posso deixar de questionar a posição do
referido município capixaba. Como é possível que as escolas públicas realizem convênios
com instituições civis a fim de fazer valer o que é direito de todo cidadão e, como já disse,
dever do Estado? Ainda que tais instituições possam contribuir para a ampliação do ensino do
italiano no Brasil, a responsabilidade da educação brasileira é do governo brasileiro e essa não
deve ser patrocinada por convênios, mas conduzida por aqueles que têm a função de garanti-
la: os municípios, os estados e o governo federal.
Entendo que o objetivo da Associação de Língua e Cultura Italiana do Espírito Santo
(ALCIS)30 seja promover o ensino do italiano neste estado brasileiro, isso para todo professor
de italiano é uma boa notícia. Contudo, o ensino público é responsabilidade do poder público
e não de entidades financiadas pelo governo italiano.
No Nordeste brasileiro, em Pernambuco, precisamente, na cidade de Vicência, há
apenas uma escola pública com ensino da LI em todo o Estado. Assim como em Venda Nova

30
A ALCIES – Associação de Língua e Cultura Italiana do Espírito Santo, fundada em maio de 1993, é uma
entidade sem fins lucrativos cujo objetivo máximo é difundir e promover a Língua e a Cultura Italiana neste
Estado, sob a égide do Artigo 636, do Decreto Legislativo italiano 297/94 (ex-Lei 153/71). Neste artigo, o
Estado Italiano compromete-se a promover cursos de Língua e Cultura Italiana onde existam filhos e
descendentes de italianos. Assim, o principal mantenedor da ALCIES é o Governo Italiano, através do
Ministério das Relações Exteriores da Itália e do Consulado Geral da Itália no Rio de Janeiro. Informações
encontradas no seguinte site: https://sites.google.com/site/alcieslinguaitaliana/home/historia-da-alcies. Acesso
em 03 de junho de 2016.
Ensinando e Aprendendo Italiano| 55

do Imigrante, nessa cidade foi promulgada, em 15 de dezembro de 2006, uma lei municipal
que institui a inclusão dessa língua na grade curricular das escolas do município, por meio de
uma parceria entre a Secretaria de Educação Municipal com o Centro Cultural Ítalo-Brasileiro
Dante Alighieri. Ou seja, mais uma vez, fica a questão: e o papel do Estado? A quais
interesses estão servindo?
O ensino de mais de uma língua nas escolas brasileiras é previsto na LDB, mas a
opção deve ser feita baseada nos fatores já expostos acima e não como resultado de convênios
ofertados por instituições estrangeiras. Além disso, nesse Estado não existe nenhum curso de
licenciatura em língua italiana. Logo, fica aqui, mais um questionamento: quem são os
responsáveis pela formação dos professores que ensinam italiano nas escolas públicas de
Vicência? O Centro Cultural Ítalo-Brasileiro Dante Alighieri? Associações estrangeiras?
Nesse sentido, é importante recordar que os cursos de licenciatura são os
responsáveis pela formação de professores no Brasil, conforme o artigo 62º da LDB que, em
seu inciso VI, determina que a formação de docentes para atuar na educação básica deve
ocorrer em nível superior, nos cursos de licenciatura de graduação plena, em universidades e
em institutos superiores de educação (ISEs) (BRASIL, 1996).
No Acre, também há uma única escola pública que oferta o idioma italiano,
localizada na cidade de Rio Branco. “O ensino da LI, nessa cidade, é direcionado aos alunos
do Colégio de Aplicação da Universidade Federal do Acre (UFAC)” (ZORZAN, 2014, p. 40).
Observa-se, nesse exemplo, uma iniciativa da universidade e não do Estado. Embora a
afirmação presente no Relatório final de investigação da prática pedagógica VIII, de que o
Colégio de Aplicação está à disposição das licenciaturas para atender os seus estagiários (os
professores em formação), na UFAC também não há licenciatura em LI.
Em Rondônia, ainda no norte do Brasil, mais uma vez o ensino do idioma italiano,
em escolas públicas do ensino básico foi promovido durante 8 anos com o apoio de uma
instituição civil, o Circolo Italiano de Colorado do Oeste (CICOL)31. Expandido para as
cidades como Cacoal, Cerejeiras, Pimenta Bueno, Pimenteiras do Oeste e Vilhena, atendeu
alunos a partir de 4 anos de idade, bem como aos estudantes da zona rural e de baixa renda.
Esse projeto, conforme relata Zorzan (2014), foi suspenso devido à falta de professores de
italiano, pois nesse Estado também não existe curso de licenciatura em LI.

31
CICOL foi fundado em 1999 com o objetivo de ampliar o ensino de língua e cultura italiana em Colorado do
Oeste e, posteriormente, em outros municípios do Estado. Além disso, graças a um intercâmbio com Consulado
Geral da Itália em São Paulo, o CICOL passou a ser um ponto de referência para os investidores italianos que
quisessem se instalar na região e assim contribuir para o seu desenvolvimento.
Ensinando e Aprendendo Italiano| 56

Em Goiás foi constatado que em Nova Veneza é ofertado o ensino do idioma italiano
também para crianças nas escolas públicas. Nesse Estado existe o “Projeto Italiano” que foi
implantado em 2008, no qual crianças do 3° ao 5° ano do ensino fundamental aprendem a LI
no horário escolar (ZORZAN, 2014).
Nos estados do Sul do Brasil, o ensino da LI é ofertado em diversas escolas. Em
Santa Catarina, por exemplo, a rede pública estadual mantém a oferta do idioma italiano em
pelo menos 14 escolas de 11 municípios, beneficiando cerca de 2.087 estudantes
(LANDULFO, 2012). No entanto, Zorzan (2014) descreve mais um acordo realizado com
instituições estrangeiras e prefeituras de cidades desse Estado. Em Santa Catarina, por
exemplo, o Centro de Cultura Italiana (doravante CCI) propicia o ensino gratuito do italiano a
milhares de crianças do Ensino Fundamental de diferentes cidades: Arroio Trinta, Laurentino,
Morro Grande Nova Veneza, Salto Veloso e Siderópolis, Balneário Camboriú, Concórdia,
Jaborá, Jaraguá do Sul, Joinville, Mafra e Massaranduba.
Mais uma vez, ressalto que embora seja importante a presença de instituições civis
que recebem contribuição do governo italiano promovendo o idioma italiano no Brasil, é
preciso que no ensino público se cumpra a LDB, cujo artigo 2º declara que a educação é dever
da família e do Estado (BRASIL, 1996). Ou seja, o ensino do italiano, do holandês, do
alemão, do russo, do inglês, do espanhol e de outros idiomas, precisa atender à demanda da
comunidade e ser regido pelas leis e documentos brasileiros, sem nenhuma interferência de
interesses empresariais ou nações estrangeiras. Além disso, dar a todos os estudantes a
possibilidade de aprender na própria escola o idioma que se deseja, é uma forma de deselitizar
o ensino de línguas no Brasil.
Mas essa realidade se perpetua em outro Estado: Rio Grande do Sul, onde diferentes
prefeituras firmaram um convênio com a Associação Beneficente e de Assistência
Educacional do Rio Grande do Sul (ACIRS) e passaram a oferecer o ensino da LI nas séries
iniciais do ensino fundamental, são elas: Antonio Prado, Aratiba, Caxias do Sul, Coqueiro
Baixo, Doutor Ricardo, Farroupilha, Imigrante, Nova Brescia, Porto Alegre, São Marcos e
Serafina Correa, Bento Gonçalves, Faxinal do Soturno, Nova Prata, Nova Roma do Sul, São
João do Polesine, Veranópolis e Vista Alegre do Prata (ZORZAN, 2014).
Diante do que foi relatado, ficou clara a interferência do estrangeiro sobre o nacional
em muitos munícipios brasileiros, bem como de instituições civis, além de uma postura de
subserviência que certamente não combina com a educação nacional. Como professora de
italiano, o fato de várias escolas do país terem incluído a LI nos currículos, deixa-me muito
satisfeita, pois, de certa forma, reflete o interesse dos estudantes por esse idioma, ou seja,
Ensinando e Aprendendo Italiano| 57

basta haver a oferta para que surja a procura. No entanto, não acredito que a oferta desse
ensino deva ser feita a qualquer preço e de qualquer modo. Por isso, finalizo esta seção, com
os seguintes questionamentos: Por que diferentes instituições são responsáveis pelo ensino da
LI em escolas públicas de diferentes municípios? De que modo essas instituições privadas
geridas com recursos estrangeiros estão preparando os professores para lecionarem a
disciplina de LI nas escolas de educação básica? Onde está o Estado que não exerce o seu
papel e não faz valer a sua própria Lei de Diretrizes e Bases da Educação?

2.2.2. Ensinando e aprendendo italiano nas extensões universitárias

As oportunidades de aprender línguas nos centros de línguas das universidades são


entendidas como suplementares à oferta de LE, no sentido de que outras línguas, além
daquelas incluídas na rede escolar, possam ser aprendidas. Foi em 1931, com o decreto do
“Estatuto da Universidade Brasileira”, que nasceu o compromisso social da universidade com
a comunidade, quando foram delineadas as chamadas atividades de extensão. Segundo Cunha
(1986, p. 204), a primeira instituição a oferecer experiências de extensão universitária no
Brasil foi a Universidade de São Paulo. Ainda nos dias de hoje, o conceito de extensão
universitária vigente é o mesmo produzido no I Encontro Nacional de Pró-Reitores de
Extensão das universidades brasileiras, ocorrido em 1987, que diz:

A Extensão Universitária é o processo educativo, cultural e científico que


articula o ensino e a pesquisa de forma indissociável e viabiliza a relação
transformadora entre a universidade e a sociedade. A Extensão é uma via de
mão dupla, com trânsito assegurado à comunidade acadêmica, que
encontrará, na sociedade, a oportunidade de elaboração da práxis de um
conhecimento acadêmico. No retorno à universidade, docentes e discentes
trarão um aprendizado que, submetido à reflexão teórica será acrescido
àquele conhecimento. Este fluxo, que estabelece a troca de saberes
sistematizados – acadêmico e popular, terá como consequência: a produção
de conhecimento resultante do confronto com a realidade brasileira e
regional; a democratização do conhecimento acadêmico e a participação
efetiva da comunidade na atuação da universidade. Além de
instrumentalizadora deste processo dialético de teoria/prática, a Extensão é
um trabalho interdisciplinar que favorece a visão integrada do social
(PNExt, 2000/2001).

Isso quer dizer que além dos cursos de graduação e pós-graduação, as IES podem
oferecer à comunidade em geral, constituindo-se em uma prestação de serviços que se
configuram como programas que envolvem ensino e pesquisa, projetos de caráter educativo,
Ensinando e Aprendendo Italiano| 58

social, cultural, científico e tecnológico, eventos (como congressos, seminários, debates),


atendimento jurídico, consultas médicas, clínicas psicológicas à comunidade, além de
diferentes cursos, como os de línguas.
O PNExt (2011) apresenta o conceito de extensão universitária, compreendendo-a
como um processo educativo, cultural e científico que associa o ensino à pesquisa, bem como
faculta a relação transformadora entre a universidade e a sociedade. Em seu artigo 3º, o
proferido documento descreve as diretrizes da extensão universitária, a saber:

I – inserção da dimensão acadêmica da extensão na formação dos


estudantes e na construção do conhecimento;

II – engajamento da universidade com a sociedade, mediado por uma


relação bidirecional de mútuo desenvolvimento;

III – criação de estrutura de financiamento pública e transparente para a


extensão universitária;

IV – relação autônoma e crítico-propositiva da extensão com as políticas


públicas, por meio de programas estruturantes capazes de gerar
desenvolvimento social;

V – comprometimento da universidade com os espaços geográficos nos


quais atua por meio da extensão;

VI – organização de universidades em consórcios e redes para atuação


regionalizada em locais prioritários;

VII – ampliação do espaço acadêmico da extensão e dos seus realizadores


(PNExt, 2011, p. 1, grifo meu).

Atualmente, muitas universidades brasileiras ofertam como extensão universitária


cursos de línguas à comunidade, visando a promover a relação da universidade com a
sociedade e, sobretudo, desenvolver projetos de pesquisa, bem como propiciar aos estudantes
dos cursos de Letras, nesse caso específico, professores de línguas em formação, um espaço
de conhecimento e desenvolvimento da prática pedagógica.
Na Universidade Federal do Pará (UFPR), por exemplo, uma unidade do Setor de
Ciências Humanas, Letras e Artes (SCHLA), criada em 1995, segundo informações do
próprio site, “é um espaço destinado à formação profissional e continuada para os alunos da
graduação do Curso de Letras da UFPR” (CELIN, 2015)32.

32
Informações disponíveis em: <http://www.ceLIn.ufpr.br/index.php/o-ceLIn/historia>. Acesso em: 17 de abril
de 2015.
Ensinando e Aprendendo Italiano| 59

Em 2012, nasceu o Núcleo Permanente de Extensão em Letras (NUPEL) da


Universidade Federal da Bahia (UFBA), que além de oferecer cursos de diversos idiomas –
italiano, inglês, alemão, LIBRAS, francês, grego, latim –, entre outras atividades, foi
instituído com o propósito de articular pesquisa e ensino. Para tanto, promove – com a
participação e contribuição dos docentes do curso de Letras da UFBA que exercem no
NUPEL o papel de orientadores pedagógicos – diversos seminários e oficinas voltados para a
formação de professores de escolas da educação básica (setor público e setor privado) e de ex-
alunos dos cursos de Letras e dos próprios professores em formação, que são estudantes dos
cursos de graduação e pós-graduação em Letras da UFBA.
A seguir, após a realização de uma pesquisa em sites e em trabalhos acadêmicos,
apresento um quadro que sintetiza alguns cursos de extensão e as suas respectivas
universidades públicas que ofertam o ensino da LI em território brasileiro. Vale ressaltar que,
na maioria dessas instituições, os professores são alunos dos cursos de Letras e, naturalmente,
professores de línguas em formação. As instituições de ensino superior sinalizadas a seguir
com asterisco, correspondem às universidades nas quais não existem cursos de licenciatura
em língua italiana, logo os professores não se configuram como docentes de italiano do curso
de Letras em formação.

Quadro 2 – Cursos de extensão que ofertam o ensino do italiano

UNIVERSIDADES CURSOS DE EXTENSÃO

Universidade Federal do Paraná Centro de Línguas e Interculturalidade


(CELIN)
Universidade Federal de Santa Catarina Cursos Extracurriculares de Línguas da UFSC
Núcleo de Estudos da Terceira Idade (NETI)
Universidade Federal do Rio Grande do Núcleo de Ensino de Línguas em Extensão
Sul (NELE)
Universidade Estadual do Oeste do Curso de Línguas do Programa de Ensino de
Paraná Línguas (PEL)
Universidade Federal de São Paulo Serviço de Cultura e Extensão Universitária
(SCE)
Universidade de Campinas* Centro de Ensino de Línguas (CEL)
Universidade Federal do Rio de Janeiro Centro de Línguas Aberto à Comunidade
Ensinando e Aprendendo Italiano| 60

(CLAC)
Universidade Federal Fluminense Programa de Línguas Estrangeiras Modernas
(PROLEM)
Universidade Estadual do Rio de Janeiro Línguas para a Comunidade (LICOM)
Universidade Federal de Minas Gerais Cursos de Línguas Clássicas e Modernas
(CENEX)
Universidade Federal do Espírito Santo Centro de Línguas para a Comunidade (CLC)
Universidade Federal de Goiás* Centro de Línguas (CL)
Universidade de Brasília* UnB idiomas
Universidade Federal da Bahia Núcleo Permanente de Extensão em Letras
(NUPEL)
Universidade Estadual da Bahia* Núcleo de Estudos Italianos (Nesti)
Universidade Federal do Pernambuco* Núcleo de Línguas e Culturas
Universidade do Estado do Amazonas Escola de Idiomas da Escola Superior de
Tecnologia
Universidade Federal do Ceará Casa de Cultura Italiana

Universidade Estadual do Ceará Núcleo de Línguas Estrangeiras (NLE)

Universidade Federal do Rio Grande do Instituto Ágora


Norte*
Fonte: A própria autora.

2.2.3. Ensinando e aprendendo italiano nos cursos livres

No contexto da legislação brasileira, curso livre é aquele que não é regido por lei
específica, como por exemplo, os cursos de dança, idiomas, reforço escolar, esportes e
informática, entre outros. Em todo o território brasileiro, existem muitas instituições privadas
que ministram cursos de italiano abertos ao público em geral. Vale salientar, que compreendo
ser nesse contexto de ensino/aprendizagem que podem atuar instituições estrangeiras, como o
Centro Cultural Ítalo-Brasileiro Dante Alighieri e o IIC.
De acordo com o Anuário Estatístico 2013, publicado pelo MAE, nas Américas
foram promovidos pelos IIC 2.250 cursos, 167 desses nos estados de São Paulo e Rio Janeiro.
Além disso, em São Paulo existe a Federação das Entidades Ítalo-Brasileiras do Estado de
São Paulo (FECIBESP), a Dante Alighieri de Itú, o Instituto Educacional Prof. Pasquale
Ensinando e Aprendendo Italiano| 61

Cascino, a Sociedade Brasileira “Amici d’Italia”33 de São José do Rio Preto, entre outros
(EMBAIXADA DA ITÁLIA, 1999).
Em Fortaleza, no Estado do Ceará, existe uma iniciativa do poder público que visa a
democratizar o ensino de línguas no município, oferecendo à comunidade o ensino de
diferentes línguas, o Centro de Estudo de Línguas do Instituto Municipal de Pesquisas,
Administração e Recursos Humanos (IMPARH).

O Centro de Línguas do IMPARH – CLI oferece cursos de português,


inglês, espanhol, italiano, francês e alemão para a comunidade. Criado
em 30 de agosto de 1973, o CLI teve início na Escola Municipal Filgueiras
Lima como um centro interescolar para complementar a grade curricular nas
línguas portuguesa e inglesa. Com a institucionalização da Fundação
Educacional de Fortaleza – FUNEFOR, hoje IMPARH, o CLI passou a
funcionar em suas dependências. Em maio de 1998, foi reconhecido pelo
Conselho Estadual de Educação através do parecer 306/98 integrando à
estrutura física e organizacional do IMPARH como um equipamento de
extensão subordinado à Diretoria de Cursos e Atividades de Extensão – DCE
atendendo diversas demandas voltadas para a qualificação da comunidade e
para o mercado turístico do Estado do Ceará (PREFEITURA DE
FORTALEZA, 2015, grifo meut)34.

Nessa instituição lecionam professores graduados em Letras, nas respectivas línguas,


que ingressam no serviço público por meio de concursos para o preenchimento do quadro
permanente ou contratação temporária.
Em Salvador, em várias escolas privadas de idiomas também é possível aprender o
italiano, como na Escola de idiomas Wizard, UPF idiomas e as reconhecidas Associação
Italia Amica a e Sociedade Civil Dante Alighieri – esta última também presente em outras
cidades brasileiras, como Brasília, Curitiba e Recife.
Em Santa Catarina, além das escolas públicas apresentadas na seção anterior, o
italiano pode ser estudado em várias outras instituições, como explica a professora de Italiano
em Criciúma e em Florianópolis, Luciana Lanhi Balthazar, em uma entrevista concedida ao
site Italiacatarinense:

Em Santa Catarina o maior ente a oferecer a língua italiana é o Centro de


Cultura Italiana PR/SC (CCI). Em 2007 o CCI atendeu um número
aproximado de 7.000 alunos, somente neste Estado. O CCI possui sua sede
principal em Curitiba (PR), e filiais em Criciúma, Joinville e Florianópolis.
Uma outra entidade é o Centro de Cultura e Língua Italiana Sul Catarinense
(CECLISC) que possui diversas escolas pelo Estado, inclusive em

33
Amigos da Itália.
34
Informações disponíveis em: <http://www.fortaleza.ce.gov.br/imparh/sobre-o-centro-de-linguas>. Acesso em:
19 de abril de 2015.
Ensinando e Aprendendo Italiano| 62

Florianópolis com o Círculo Ítalo-Brasileiro de Santa Catarina (CIB/SC).


Ambos os Centros (CCI e CECLISC) recebem uma contribuição financeira
do Governo Italiano. Além do CCI PR/SC e do CECLISC, o ensino da
língua italiana é oferecido, como já mencionado, por associações culturais
nos diversos municípios onde ocorreu a imigração italiana em SC, tais como
Criciúma, Siderópolis, Urussanga e Nova Veneza, visando manter as
tradições e a cultura dos antigos imigrantes. Em muitos casos, as associações
procuram se associar ao CCI PR/SC ou ao CECLISC para poderem assim
usufruir de sua estrutura. Porém, existem associações que são independentes
dessas entidades e que também atingem os objetivos estabelecidos pelo
Comitato Veneto di Santa Catarina (CONVESC), com sede em Criciúma,
que é um organismo de coordenação que visa dinamizar as associações
Vênetas com a região do Vêneto, sem tantas ligações com o poder central de
Roma (BALTHAZAR, 2009, p. 1)35.

Após apresentar as escolas de ensino básico, as extensões universitárias e os cursos


livres existentes no Brasil que ofertam o ensino do idioma italiano, encontrados durante esta
pesquisa, irei, portanto, na próxima seção, tratar do ensino do italiano nas universidades
brasileiras.

2.3. Ensinando e aprendendo italiano nas universidades

O idioma italiano está presente como disciplina (optativa ou obrigatória) nas


Universidades Federais de Goiás e de Brasília, na Universidade Estadual do Amazonas e na
Universidade Estadual de Campinas. Além disso, a Universidade de São Paulo (USP) e a
Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) possuem cursos de pós-graduação nos quais
as pesquisas estão, especificamente, voltadas para o ensino da língua e literaturas italianas.
Mas, falar do ensino do italiano nas universidades na última seção deste capítulo,
após retratar o ensino do italiano em diferentes contextos de ensino/aprendizagem, não foi
uma escolha aleatória. Pois, o que pretendo mapear, aqui, na verdade, são as Licenciaturas em
LI, cursos incumbidos de formar os profissionais para atuarem de 5ª à 8ª séries do Ensino
Fundamental e no Ensino Médio, conforme o artigo 62º da LDB e conforme os artigos 9º e
10º das novas Diretrizes Curriculares Nacionais para a formação inicial em nível superior
(cursos de licenciatura, cursos de formação pedagógica para graduados e cursos de segunda
licenciatura) e para a formação continuada, publicadas em 2015:

35
BALTHAZAR (2009, p. 1). Informações disponíveis em: <http://italiacatarinense.com.br/?q=node/81>,
Acesso em: 20 de abril de 2015.
Ensinando e Aprendendo Italiano| 63

Art. 9º Os cursos de formação inicial para os profissionais do magistério


para a educação básica, em nível superior, compreendem:
I - cursos de graduação de licenciatura
II - cursos de formação pedagógica para graduados não licenciados;
III - cursos de segunda licenciatura.

Art. 10. A formação inicial destina-se àqueles que pretendem exercer o


magistério da educação básica em suas etapas e modalidades de
educação e em outras áreas nas quais sejam previstos conhecimentos
pedagógicos, compreendendo a articulação entre estudos teórico-
práticos, investigação e reflexão crítica, aproveitamento da formação e
experiências anteriores em instituições de ensino (BRASIL, 2015, p. 3 e 8,
grifo meu).

No Brasil, as instituições de ensino superior que devem conceber a formação inicial


dos professores de italiano são: Universidade Federal da Bahia (UFBA); Universidade Federal
do Ceará (UFC); Universidade Federal do Espírito Santo (UFES); Universidade Federal de
Minas Gerais (UFMG); Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ); Universidade
Estadual do Rio de janeiro (UERJ); Universidade Federal Fluminense (UFF); Universidade de
São Paulo (USP); Universidade Estadual Paulista (UNESP) - Campus de Assis, Campus
Araraquara, Campus de São José do Rio Preto; na Universidade Federal do Paraná (UFPR);
Universidade Estadual do Oeste do Paraná (UNIOESTE); Universidade Federal de Santa
Catarina; (UFSC) Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS).
Os professores formados por essas instituições, de acordo com as seções anteriores,
podem atuar em diferentes contextos educacionais, como é possível verificar na figura abaixo:

Figura 2 – Contextos de ensino e aprendizagem de italiano no Brasil.

Fonte: A própria autora.


Ensinando e Aprendendo Italiano| 64

A partir desta imagem retratada acima, quero enfatizar que as Licenciaturas têm a
função de formar professores que sejam capazes de atuar em qualquer que seja a instituição de
ensino e em qualquer que seja o nível, mas em especial, na Educação Básica, onde, como
afirma a epígrafe deste capítulo, é o lugar de aprender uma LE, inclusive a italiana, embora o
inglês e o espanhol, por inúmeras razões, sejam as duas línguas mais escolhidas pelos estados,
munícipios e comunidades para compor os currículos escolares, já que a LDB ao mencionar a
inclusão de uma língua estrangeira moderna nas escolas, não a determina.
Um trecho de um documento publicado pela Associação Rio-grandense de
professores de italiano, intitulado ARPI: Uma história para contar, já apresentando em outro
trabalho, retoma a tese de que é necessário ampliar a oferta de cursos de graduação em Letras
nas Universidades Públicas do Brasil, a fim de oportunizar e, sobretudo, democratizar o
ensino da LI no Brasil. O referido trecho, diz o seguinte:

A UFRGS é a única Universidade no estado que oferece curso de licenciatura em


Letras, com habilitação em italiano, porém o número de professores diplomados por
ano seria insuficiente para a demanda. A falta de professores habilitados é o
problema evidenciado pelas autoridades escolares municipais para uma proposta de
política linguística pluralista e democrática [...] (ARPI, 2007, p, 3).

A citação acima deve ser uma questão debatida por todos aqueles envolvidos com o
ensino do italiano, em especial, os professores. Em função disso, devo enfatizar que muito
ainda tem que ser feito para ampliar a oferta do italiano no ensino brasileiro, seja nas escolas
básicas, seja nas universidades, visto que, apenas nove estados brasileiros possuem cursos de
graduação em LI, o que é, de fato, um número reduzido.
Diante desse contexto, retomo a pergunta que permeia este trabalho: os cursos de
Licenciatura em LI no Brasil estão preparados para formar professores críticos e reflexivos,
capazes de atuar em diferentes contextos, privilegiando a perspectiva intercultural?
Portanto, por entender que a preocupação docente deve ser foco de debate tanto em
eventos acadêmicos, como nas próprias Licenciaturas e nas pesquisas de cursos de pós-
graduação como esta, é que a partir do próximo capítulo, concentro-me nas duas categorias
escolhidas para proceder à análise das matrizes curriculares e das ementas do cursos de
Licenciaturas em LI selecionados. Para tanto, apresento, primeiramente, em cada capítulo, a
fundamentação teórica na qual me ancorei e que considero extremamente importante para que
se compreenda a formação de professores como uma teia complexa de saberes.
Pluralidade linguístico-cultural do italiano| 65

3. PLURALIDADE LINGUISTICO-CULTURAL DO ITALIANO NOS CURRÍCULOS


DOS CURSOS DE LICENCIATURA EM LÍNGUA ITALIANA

O que somos hoje é o resultado de mestiçagens tão antigas, tão


velhas e complexas que nem sempre lhes seguimos o rastro,
sendo essa mistura de misturas comum a toda humanidade. Se a
diversidade se manifesta dos mais diversos jeitos e maneiras, é
inegável que é através da linguagem que ela se concretiza de
forma mais contundente, onde língua(s) e cultura(s) encontram-
se e nutrem-se numa simbiose essencial que sustenta a nossa
capacidade de nos colocarmos no mundo (MIA COUTO, 2010,
p.63).

Este capítulo inicia a fundamentação teórica que embasará as análises das grades
curriculares e das ementas das disciplinas dos cursos de Licenciatura em LI. Já que,
compreendo a LA como um campo de investigação transdisciplinar, ou indisciplinar, como
prefere Moita Lopes (2006), dialogo com a antropologia36, o campo do currículo37 e a
sociolinguística38. Contudo, para melhor compreendermos o desenvolvimento deste capítulo,
é importante explicar, a priori, que escolhi seu título, mais uma vez, após a leitura de
Insegnare l'italiano o la pluralità dell'italiano, do professor Matteo Santipolo (2001). Nesse
artigo o autor fala sobre a situação linguístico-cultural da Itália, um tema que também abordo
aqui.
A partir dessa premissa, este capítulo está dividido em cinco seções. Na primeira,
apresento os respectivos conceitos de cultura e de língua que adoto neste trabalho e refletem o
título do capítulo. Na segunda seção, descrevo alguns conceitos sobre currículo e as suas
teorias e destaco a noção de currículo com a qual este trabalho coaduna. Na seção 3.3, visando
discorrer sobre a pluralidade linguístico-cultural do italiano, faço duas narrativas breves: a
primeira sobre a sua formação e a segunda sobre a atual situação desse idioma na Itália,
finalizando com uma relação dos outros países onde o italiano está presente, seja como língua

36
Segundo Hoebel e Frost (1981, p. 3-4), a antropologia é uma ciência cujo objeto de estudo é a humanidade
como um todo, compreendendo, desse modo, três dimensões básicas, tais como: biológica, sociocultural e
filosófica. Neste trabalho, detenho-me principalmente no seu aspecto cultural.
37
Segundo Roberto Sidnei Macedo (2013, p. 13), doutor em ciências sociais e líder do Grupo de Pesquisa de
Currículo: “o estudo do currículo se constitui num campo, ou seja, se edificou ao longo de ´uma´ história, e se
configura hoje num tema de estudo específico e num debate especializado” (aspas no original).
38
Área que estuda a língua em seu uso real, levando em consideração as relações entre a estrutura linguística e
os aspectos sociais e culturais da produção linguística. Para essa corrente, a língua é uma instituição social e,
portanto, não pode ser estudada como uma estrutura autônoma, independente do contexto situacional, da cultura
e da história das pessoas que a utilizam como meio de comunicação (VOTRE; CEZARIO, 2009, p. 141,).
Pluralidade linguístico-cultural do italiano| 66

oficial39, seja como L2. A quarta seção traz a análise da primeira categoria, a partir do recorte
discutido neste capítulo, que visa verificar se as propostas pedagógicas, das disciplinas
presentes nas grades curriculares dos cursos de Licenciatura em LI, contemplam a pluralidade
linguística-cultural do italiano. Na quinta e última seção, exponho as minhas conclusões
parciais referentes à analise do corpus.

3.1 Cultura, eis a questão.

Para entendermos a acepção de língua que permeia este trabalho, além dos demais
conceitos tratados aqui e no próximo capitulo, tais como currículo, multiculturalismo e
interculturalidade, é necessário, a priori, compreendermos o conceito de cultura, pois, por ter
recebido inúmeras definições ao longo do tempo, trata-se de um conceito que certamente
ainda é mal interpretado, sobretudo, nos contextos de ensino/aprendizagem de línguas.
A primeira definição de cultura surge no século XIX, à luz da Etnologia, ciência
voltada para a compreensão da diversidade humana e atribuída ao antropólogo britânico
Edward Brunett Tylor (1832-1917), considerado, posteriormente, o pai da Antropologia
moderna (CUCHE, 1996). Tylor unificou o termo germânico Kultur e a palavra francesa
Civilization em um único vocábulo inglês, Culture, e, assim, buscando mais descrever do que
apenas definir, explicou que, uma vez que cultura é antes adquirida do que transmitida, não
depende da hereditariedade genética. Para Tylor, cultura é:

[“...] todo complexo que inclui conhecimentos, crenças, arte, moral,


leis, costumes ou qualquer outra capacidade ou hábitos adquiridos
pelo homem como membro de uma sociedade” (TYLOR, apud,
LARAIA, 2011, p. 25).

Tylor considerava a cultura como uma entidade que resulta de uma soma de
elementos, os quais, uma vez separados, permitiam realizar comparações: mitos com mitos,
relações sociais com relações sociais, crenças com crenças, leis com leis, etc. Entendida como
uma noção universalizante de cultura, a descrição de Tylor sempre foi alvo de inúmeras
críticas. Contudo, o antropólogo é digno de muitos méritos, o primeiro dos quais seria,
segundo Cuche (1996), uma noção de cultura que, além de conferir a esta uma dimensão

39
É a língua de um Estado, aquela que é obrigatória nas ações formais do Estado, nos seus atos legais
(GUIMARÃES, 2007, p.64).
Pluralidade linguístico-cultural do italiano| 67

coletiva, anula as antigas definições limitantes e individualistas. Laraia (2011) assinala que
outro mérito de Tylor foi:

[...] ter superado os demais trabalhadores de gabinete, através de uma crítica


aguda e exaustiva dos relatos dos viajantes e cronistas coloniais. Em vez da
aceitação tácita dessas informações, Tylor sempre questionou a veracidade
das mesmas. Ao contrário de John Lubbock (1872), recusou aceitar a
afirmação de que diversos grupos tribais, entre eles os aborígines brasileiros,
eram desprovidos de religião. Tais afirmações, conclui Tylor, baseiam-se
"sobre evidências frequentemente erradas e nunca conclusivas”
(LARAIA, 2011, p. 35, grifo meu).

Sobre as muitas definições que se seguiram à de Tylor, Laraia (2011, p.33-34) aponta
que nelas predominava, equivocadamente, “a ideia de que a cultura desenvolve-se de maneira
uniforme, de tal forma que era de se esperar que cada sociedade percorresse as etapas que já
tinham sido percorridas pelas sociedades mais avançadas”. Ademais, Cuche (1996) explica
que diante disso, Franz Boas, considerado o inventor da Etnografia e um dos críticos do
ideário tyloriano, contrariou toda essa concepção de uniformidade, após participar como
geógrafo expedicionário para estudar os efeitos do meio físico sobre os esquimós. Como Boas
concluiu que a organização social destes era mais determinada pela cultura do que pelo
ambiente físico, decidiu dedicar-se à Antropologia e realizar pesquisas cujo objetivo era
estudar as culturas, agora no plural.

[...] cada cultura representava uma totalidade singular e todo seu esforço
consistia em pesquisar o que fazia sua unidade. Daí sua preocupação de
não somente descrever os fatos culturais, mas de compreendê-los
juntando-os a um conjunto ao qual eles estavam ligados. Um costume
particular só pode ser explicado e relacionado ao seu contexto cultural.
Trata-se assim de compreender como se formou a síntese original que
representa cada cultura e que faz a sua coerência. Cada cultura é dotada de
um “estilo” particular que se exprime através da língua, das crenças,
dos costumes, também da arte, mas não apenas desta maneira. Este
estilo, este "espírito" próprio a cada cultura influi sobre o comportamento
dos indivíduos (CUCHE, 1996, p. 45, grifo meu).

Com esse arcabouço conceitual, o referido autor inicia o chamado particularismo


histórico, segundo o qual toda e qualquer cultura percorre os seus próprios caminhos de
acordo com os diferentes acontecimentos históricos. E embora Boas fale em “cada cultura”,
como se existisse uma só “cultura brasileira”, “italiana” ou “suíça”, tomo as suas ideias como
o pontapé inicial para a concepção de que todo ser é um sujeito cultural. Eis a razão pela qual
considero importante empregar culturas, no plural, pois “os homens e as mulheres se
Pluralidade linguístico-cultural do italiano| 68

comportam de acordo com as suas culturas”, visto que “no mesmo contexto social, há
diferentes culturas que interagem entre si, determinando diferenças locais” (PARAQUETT,
2010, p. 139). Daí a existirem culturas particulares, diversas e diferentes em vez de uma
cultura universal, uma vez que cada sujeito tem a sua própria cultura e, por conseguinte, a sua
identidade cultural.
Já que a cultura reflete o modo de ver o mundo tanto socialmente quanto,
individualmente, concordo com as ideias de Mendes (2015) de que cultura, sobretudo nos
contextos de ensino/aprendizagem de línguas, deve ser entendida como:

a) [...] uma teia complexa de significados que são interpretados pelos


elementos que fazem parte de uma mesma realidade social, os quais a
modificam e são modificados por ela. Esse conjunto de significados inclui as
tradições, os valores, as crenças, as atitudes e conceitos, assim como os
objetos e toda a vida material;

b) não existe sem uma realidade social que lhe sirva de ambiente; ou seja,
é a vida em sociedade e as relações dos indivíduos no seu interior que vão
moldar e definir os fenômenos culturais, e não o contrário;

c) não é estática, um conjunto de traços que se transmite de maneira


imutável através das gerações, mas um produto histórico, inscrito na
evolução das relações sociais entre si, as quais se transformam num
movimento contínuo através do tempo e do espaço;

d) não é inteiramente homogênea e pura, mas constrói-se e renova-se de


maneira heterogênea através dos fluxos internos de mudança e do contato
com outras culturas;

e) está presente em todos os produtos da vivência, da ação e da interação


dos indivíduos; portanto, tudo o que é produzido, material e
simbolicamente, no âmbito de um grupo social é produto da cultura desse
grupo (MENDES, 2015, p. 218, grifo meu).

Nesta tese, compreendo cultura como algo instável e não uniforme para todos os
povos e tampouco igual para todos os cidadãos do mesmo país ou cidade. Entendo cultura, ou
melhor dizendo, culturas, como os diferentes modos de perceber social e individualmente o
mundo. Embora, dentro da mesma nação, existam raízes históricas e aspectos comuns
compartilhados e transmitidos por seus habitantes, é impossível encontrar ali uniformidade
religiosa, linguística ou comportamental até em cidades pequenas.
Nesse sentido, é fácil concluir, por exemplo, que somente por eu conhecer a cultura
de uma comunidade ou grupo, sei porque determinadas palavras de uma dada língua não
podem ser proferidas em determinados ambientes. Isso quer dizer que, para se
compreenderem, pessoas que integram o mesmo grupo cultural utilizam uma linguagem cujo
Pluralidade linguístico-cultural do italiano| 69

significado é comum a todos. Bruner (2001, p. 17) sustenta esta posição ao explicar que,
apesar dos significados estarem na mente, eles são apenas relevantes na cultura em que são
instituídos. É justamente a cultura que nos fornece os instrumentos para organizarmos e
compreendermos o mundo.
Destarte, é possível compreender que língua e cultura são indissociáveis, pois uma
equivale à outra. Já que “[...] tudo o que fazemos quando interagimos com o mundo através da
linguagem é um modo de produzir cultura” (MENDES, 2012, p. 375). Nessa acepção:

A visão de língua/linguagem como instrumento social de interação e


inserção do sujeito no mundo, e que inclui uma rede complexa de fatores
linguísticos e extralinguísticos. Língua que mais do que parte da
dimensão cultural, ela é a própria cultura, se confunde com ela. A essa
língua que não é uma abstração teórica e que não possui existência fora
do contexto social de uso pelos seus falantes, denominaremos língua-
cultura (MENDES, 2008, p.72, grifo meu).

Portanto, ao usar a expressão linguístico-cultural, trago à tona a concepção de língua


defendida nesta tese, pois, não concebo a língua como uma abstração teórica desligada de
questões sociais, políticas e ideológicas. Ela é, antes, uma expressão do mundo, a qual
alimenta a cultura e é alimentada por ela, daí que, “língua e cultura estão totalmente
relacionadas e indissociáveis, pois uma é a outra” (MATOS, 2014, p. 89).
Na próxima seção, apresento um breve histórico sobre currículo e as suas teorias e
destaco a noção de currículo que compartilho neste trabalho.

3.2 Currículo: conceitos e teorias.

Ao longo do tempo, o currículo vem atraindo a atenção de estudiosos que se


debruçam sobre o processo educativo. No entanto, embora já seja possível encontrarmos
orientações sobre a problemática do currículo a partir de 1920, é só após a Segunda Guerra
Mundial que constatamos inicialmente um número expressivo de educadores a se preocupar
enfaticamente com as questões curriculares, notadamente, nos Estados Unidos, onde o próprio
termo “currículo” se relaciona com um campo especializado de estudos.
Apesar de sua relevância e de um respeitável corpus de estudos a respeito, a noção
de currículo é antes plural do que unívoca, havendo tantas quantas as perspectivas adotadas.
Desse modo, muitos são os significados atribuídos a esse termo, desde os que conferem a
Pluralidade linguístico-cultural do italiano| 70

currículo o sentido de programa ou plano de instrução, os que se limitam tão-somente a


conteúdos e aos outros que o concebem, como um projeto de formação.
Macedo (2013, p. 25) afirma que geralmente o currículo é simplesmente visto na
educação como um “documento onde se expressa e se organiza a formação, ou seja, o arranjo,
o desenho organizativo dos conhecimentos, métodos e atividades em disciplinas, matérias ou
áreas, competências, etc.; como um artefato burocrático prescrito”. Aliás, ele ainda argumenta
que compreender currículo nesses moldes, ou ainda como “vida da escola” ou “tudo aquilo
que acontece no convívio escolar”, é aceitar perspectivas equivocadas, reducionistas e
mercantilizadas.
Consequentemente, há diferentes estudiosos do campo de estudos do currículo – tais
como Michael Apple, Henry Giroux, Ivor Goodson, Gimeno Sacristán, Michael Young,
Tomaz Tadeu da Silva, Antonio Flávio Moreira, Alice Casimiro Lopes, Elisabeth Macedo e
Carlos Eduardo Ferraço – que fogem dessas perspectivas e buscam apresentar visões
alternativas sobre o significado de currículo e como este deve ser percebido pelos educadores.
Apple (1995), por exemplo, declara que o currículo jamais é um conjunto neutro de
conhecimentos: antes, ele parte de uma tradição seletiva e é sempre resultado das escolhas de
alguém, e, portanto, reflete a visão de algum grupo que procura legitimar conhecimentos
específicos. Por sua vez, a afirmação de Young (1971) sobre o currículo como construto e
invenção social me inspira, enquanto educadora, a sempre analisar criticamente os valores e
interesses sociais que incluem e/ou excluem alguns conhecimentos em detrimento de outros.
E as palavras de um outro pesquisador, Silva (2007, p. 15‐16), reforçam mais ainda minha
própria posição no magistério:

o currículo é sempre o resultado de uma seleção: de um universo mais amplo


de conhecimentos e saberes seleciona‐se aquela parte que vai constituir,
precisamente, o currículo. As teorias do currículo, tendo decidido quais
conhecimentos devem ser selecionados, buscam justificar por que “esses
conhecimentos” e não “aqueles” devem ser selecionados. [...] Um
currículo busca precisamente modificar as pessoas que vão “seguir” aquele
currículo. [...] (grifo meu).

Silva (2005) ainda considera teoria como discurso ou texto político, já que uma
proposta curricular constitui um texto ou discurso político sobre o currículo pelas finalidades
estabelecidas por um grupo social específico. Esse autor reputa que o próprio discurso sobre
currículo produz fatalmente uma noção de currículo que consequentemente será seguida pelas
escolas, seu corpo docente, etc. Como ilustração, ao conceituarmos currículo simplesmente a
partir de seu sentido etimológico oriundo do latim, scurrere – que significa, caminho, jornada,
Pluralidade linguístico-cultural do italiano| 71

trajetória ou percurso a seguir – veremos claramente como o sentido do termo será


equivocadamente empregado no ensino/aprendizagem, pois, tratar-se-ia, apenas, de um
conjunto de conteúdos dispostos, sequenciados e ordenados, que educadores e educandos
“percorrem” ao longo de um curso.
Na verdade, ao pensarmos em currículo e sua elaboração, não devemos pensar em
uma definição específica, pois, conforme Silva (2010), esta não revela o que é, de fato, um
currículo, e sim o que as teorias pensam sobre ele. Inevitavelmente, estas se preocupam com
identificar o conhecimento que deve e merece ser ensinado, Trocando em miúdos, as teorias
projetam uma imagem da sociedade, prescrevem critérios de seleção de conteúdos e
determinam o tipo de sujeito que será formado para atuar naquela sociedade.
Por exemplo, ao final do percurso, uma noção de currículo ou um próprio currículo
elaborado a partir das teorias tradicionais de currículo, tenderia a formar indivíduos passivos
diante dos problemas sociais, já que na visão tecnicista delas, uma escola funciona como uma
fábrica. Em outras palavras, o aluno/cidadão tem que se enquadrar em padrões mais próprios
para poder atuar na sociedade. Ademais, nessa perspectiva, cultura, discutida na seção
anterior é percebida como algo estável, única e herdada. Assim, educar/aprender seria apenas
transmitir/receber conteúdos contidos no livro ou na cartilha, ou, segundo Silva (2009),
assimilar os saberes dominantes que, nessa perspectiva, não devem ser questionados. Eis
porque, antes de elaborar um currículo nesses moldes, se pergunta primeiramente “o quê”
ensinar, e, posteriormente, como ensinar esse conteúdo inquestionável. Ou seja, já que tenho
que fazê-lo, diga-me, apenas, como.
Essa lógica está crivada de uma percepção do ensino como uma espécie de
treinamento, onde o estudante tem que apenas memorizar os conteúdos para poder aplicá-los
na prática. Sob nenhuma hipótese nem estes e nem a nossa sociedade são questionados. Aqui
rememoro a ideia da chamada “educação bancária”, na expressão de Paulo Freire (1987), que
diz tratar-se de uma educação ou tipo de ensino em que o conhecimento é apenas transmitido
de professor para aluno, como um depósito em alguma conta bancária.
Nas teorias denominadas críticas, surgidas em meados dos anos 60 quando as
mudanças sociais em vários países interferiam na educação e, consequentemente, no
currículo, autores como Apple (1989 e 2006), Bernstein (1989 e 1996), Giroux (1986, 1992 e
2003), Forquin (1993) e Young (1998) assinalam que as instituições são dominadas, de fato,
pela elite e, portanto, elas acabam reproduzindo a desigualdade social, fruto de um modelo
capitalista que beneficia, notadamente, as classes dominantes.
Pluralidade linguístico-cultural do italiano| 72

Partindo de uma visão marxista que reconhece a luta de classes e as relações de


poder na sociedade capitalista, os citados autores postulam que o currículo acaba retratando a
sociedade e as tensões nela existentes, tais como a homogeneização cultural que favorece as
classes hegemônicas. A respeito, Silva (SILVA, 2007, p. 35) diz que:

O currículo da escola está baseado na cultura dominante: ele se expressa na


linguagem dominante, ele é transmitido através do código cultural
dominante. As crianças das classes dominantes podem facilmente
compreender esse código, pois durante toda sua vida elas estiveram imersas,
o tempo todo, nesse código. [...] Em contraste, para as crianças e jovens das
classes dominadas, esse código é simplesmente indecifrável (grifo meu).

Sob essa mesma ótica, vários estudiosos liderados por Apple e Giroux, passam a se
perguntar: “o que é que o currículo faz com as pessoas?” Entendo que essa pergunta levanta
um novo questionamento que deve ser sempre levado em consideração ao elaborarmos um
currículo: o que o currículo tem que fazer com e para as pessoas? Nessa lógica, a construção
do currículo passa a exigir, portanto, um conhecimento específico das classes e grupos
dominantes. Assim, o currículo deixa de ser visto apenas neutralmente como o veículo ideal
para formar operários de fábricas, e passa, agora, a ser percebido como um artefato que retrata
a sociedade, as suas forças dominantes, suas culturas e, principalmente, suas estruturas do
poder.
Daí a importância de uma formação que prepare o senso crítico de aprendizes e os
torne capazes de desvelar as injustiças, já não a partir da homogeneidade imposta senão da
heterogeneidade social e natural. Para Macedo (MACEDO, 2013, p.57) a: “formação
socialmente justa e aprendizagem com e pela diferença constituem as pautas que sintetizam a
proposta curricular crítica”.
Eis certamente o motivo pelo qual Sarup (1990) distingue a perspectiva crítica da
tradicional da seguinte forma:

A finalidade do currículo crítico é o inverso do currículo tradicional; este


último tende a “naturalizar” os acontecimentos; aquele tenta obrigar os
alunos(as) a questionarem as atitudes e comportamentos que considera
“naturais”. O currículo crítico oferece uma visão da realidade como
processo mutante e descontínuo, cujos agentes são os seres humanos, os
quais, portanto, estão em condição de realizar sua transformação. A função
do currículo não é “refletir” uma realidade fixa, mas pensar sobre a
realidade social; é demonstrar que o conhecimento e os fatos sociais são
produtos históricos e, consequentemente, poderiam ter sido diferentes (e que
ainda podem sê-lo) (SARUP 1990, apud SACRISTÁN, 2000, p. 157, grifo
meu).
Pluralidade linguístico-cultural do italiano| 73

É nessa exata linha de pensamento que Paulo Freire (1987) chama a atenção para a
necessidade dos oprimidos perceberem sua opressão e de se valerem do conhecimento para se
libertar. Nasce, assim, a figura do professor como intelectual transformador do social.
Assim como as teorias críticas, as teorias denominadas de pós‐críticas no campo do
currículo partilham a mesma preocupação com as questões de poder. Ambas não se limitam a
pensar “o quê ensinar?” senão em perguntar “porque ensinar determinado conteúdo e não
outro?” ou “por que privilegiar esse tipo de identidade e não outra?” Sob vários aspectos,
essas abordagens questionam esse “o quê”, tão revelador das relações entre significação,
identidade e poder, e evidenciam uma preocupação maior, durante a formação, com o tipo de
indivíduo desejável para a sociedade.
Segundo Macedo (2013), a grande novidade das teorias pós-críticas é o foco no
multiculturalismo que, por sua vez, toma as diferenças socioculturais como a sua
característica basilar, embora existam outras40. Nos debates, as teorias pós-críticas centralizam
o entendimento de que cultura não é estável e única e a realidade de vivermos em uma
sociedade multicultural que possui diferenças inerentes. Esta perspectiva abre espaço nos
currículos e, consequentemente, nas práticas escolares e formativas, para as diferenças
culturais, além de abordarem identidade e diferença, etnia, gênero e sexualidade (SILVA e
GONÇALVES, 1998; MOREIRA e MACEDO, 2002; MOREIRA e CANDAU, 2008), já que
todos aqueles que, por não integrarem a classe dominante, sempre estiveram à margem da
economia, da política e da educação. Por isso, um currículo, elaborado a partir das teorias
pós-críticas, visa construir uma sociedade democrática e busca destacar histórias esquecidas e
vozes silenciadas.
Essa exposição me permite destacar que, enquanto as teorias tradicionais são tidas
como neutras, científicas, desinteressadas, segundo as quais os problemas sociais são
problemas da sociedade, as críticas e pós-críticas, por outro lado, argumentam, não haver
neutralidade científica e desinteressada, haja vista que toda e qualquer teoria está implicada
em relações de poder. Nessa acepção, problemas sociais são problemas da sociedade e
mormente da escola. Essas teorias se preocupam, portanto, com as relações entre saber,
identidade e poder. À vista disso:

[...] não podemos mais olhar para o currículo com a mesma inocência de
antes. O currículo tem significados que vão muito além daqueles aos
quais as teorias tradicionais nos confinaram. O currículo é lugar, espaço,

40
Maiores Informações sobre o multiculturalismo e as suas feições podem ser encontradas no quarto capítulo
desta tese.
Pluralidade linguístico-cultural do italiano| 74

território. O currículo é relação de poder. O currículo é trajetória, viagem,


percurso. O currículo é autobiografia, nossa vida, curriculum vitae: no
currículo se forja nossa identidade. O currículo é texto, discurso,
documento. O currículo é documento de identidade (SILVA, T.T., 2009,
p.150, grifo meu).

Isto posto, entendo claramente que nós educadores estamos diretamente envolvidos
nas proposições curriculares que influenciam nosso desenvolvimento e personalidade. Já
vimos como o currículo compreende questões de poder nas relações, tanto as entre professor e
aluno, quanto todas as outras dentro e especialmente fora da escola. Já que a dinâmica do
social é assim, precisamos nos conscientizar de que nenhuma prática pedagógica é neutra e
saber, como educadores, que é possível que o posicionamento pedagógico que assumimos
esteja atrelado a uma teoria ou a uma tendência.
Evidentemente, apesar de o currículo não responder por tudo o que ocorre na sala de
aula, ele certamente propõe o que deve ser feito. Com isso em mente, fico com as palavras de
Silva (2010), pois nesta tese, cujo foco é a formação inicial dos professores de LI no Brasil,
compreendo que o currículo é o passo inicial dessa formação e, pensar em currículo equivale
a concebê-lo como o espaço formador significativo de identidades, uma vez que:

[...] o currículo também produz e organiza identidades culturais, de gênero,


identidades raciais, sexuais. Dessa perspectiva, o currículo não pode ser visto
simplesmente como um espaço de transmissão de conhecimento. O currículo
está centralmente envolvido naquilo que somos, naquilo que nos tornamos,
naquilo que nos tornaremos. O currículo produz, o currículo nos produz
(SILVA, 2010, p. 27).

Nessa acepção, é sempre oportuno lembrarmos que diferentes currículos produzem


pessoas diferentes. Daí a importância de termos em mente os seguintes questionamentos na
elaboração de qualquer currículo:

• O que será ensinado?


• Para quem será ensinado?
• Por que será ensinado?
• O que se espera que os alunos venham a ser ao final do curso? Ou seja, qual
o tipo de cidadão que se quer encontrar ao término do currículo?
• Qual é o tipo de professores que queremos? Um reprodutor de discursos
pré-fabricados ou um sujeito crítico capaz de se posicionar diante das
injustiças sociais?
Pluralidade linguístico-cultural do italiano| 75

Enfim, compreendo, o currículo como projeto de formação e vejo as teorias críticas e


pós-críticas como um modo de pensarmos o currículo enquanto artefato social permeado e
imbricado por relações de poder que visam silenciar e homogeneizar as pessoas. Donde,
minhas análises dos currículos aqui não podem deixar de levar em consideração os processos
de produção histórico-social engendrados.
Ademais, é importante destacar que existem diferentes nomenclaturas para o
currículo, tais como: “currículo oficial” e “currículo operacional” (GOODLAD, 1979);
“currículo prescrito” e “currículo em ação” (SACRISTÁN, 1988); “currículo pré-ativo” e
“currículo ativo” (GOODSON, 1995). Neste trabalho, proponho-me, portanto, a analisar os
currículos escritos, “pré-ativo” na concepção de Goodson (2013), o qual pode ou não se
concretizar em currículo ativo41.
A próxima seção aborda o idioma italiano e sua pluralidade linguístico-cultural a
partir de sua origem e formação.

3.3 Italiano: da origem aos dias atuais

Para entender a origem do italiano, precisamos voltar aos tempos antigos quando os
latinos, sob o comando de Roma, formaram uma liga das cidades latinas para conter a
dominação etrusca. Após constantes conflitos, o chamado povo romano, com um exército
muito bem preparado e equipado, dominou primeiro a península itálica para depois invadir
vários outros territórios como Cartago, Grécia, Egito, Macedônia, Gália, Germânia, Trácia,
Síria e Palestina.
O resultado foi o legado de língua e cultura que o gigantesco Império Romano
deixou nas regiões conquistadas, o que acabou transformando o latim, idioma presente no
Lácio, na língua de grande parte dos povos europeus. Posteriormente, durante muitos séculos,
o latim, já adotado como língua oficial, ou seja, como língua do Estado era utilizado,
sobretudo, para a comunicação escrita, tornando-se, desse modo, a língua dos cultos e dos
nobres, bem como concebida como uma língua clássica e de prestígio.

41
Currículo ativo é também chamado de currículo real ou em ação, pois informa o que, de fato, ocorre em uma
sala de aula. Young (2000) explica que se trata de como o conhecimento é produzido e não da estrutura do
conhecimento em si.
Pluralidade linguístico-cultural do italiano| 76

Entretanto, com a queda do Império e as sucessivas invasões barbáricas, o território


que ficou sob o longo domínio de Roma, fragmentou-se em diversos reinos, provocando
muitas mudanças, e uma delas, no campo linguístico, já que as diferenças entre o latim falado
e o latim escrito se tornavam ainda mais nítidas. O latim falado desapareceu de algumas
regiões como a África, a Europa central e a Inglaterra, enquanto em outros territórios, como
resultado da sua sobreposição sobre as outras línguas, surgiram as chamadas línguas
neolatinas ou românicas (italiano, português, francês, espanhol, galego, etc.), além dos
“dialetos”42 da Itália (DARDANO e TRIFONE, 1999).
É certo que o nascimento de uma língua não é um evento pontual, com data marcada.
A passagem do latim para as línguas românicas e, especialmente, para o italiano, ocorreu
durante alguns séculos devido a uma série de transformações na língua falada. O Indovinello
Veronese43, um breve texto em versos do século VII, sinaliza a presença de uma nova língua,
que ainda não é o italiano, mas já não é o latim. Posteriormente, duas obras do célebre escritor
do século XIII, Dante Alighieri, De vulgari Eloquentia e Convivio, já constatam a existência
de outras línguas além do reconhecido latim clássico-literário na península italiana:

Só a Itália aparece, pelo menos, diferenciada em quatorze tipos de línguas


vulgares. Ora, essas línguas vulgares por sua vez, também variam (como por
exemplo, os seneses e os aretinos na Toscana, os ferrareses e os piacentinos
na Lombardia); além disso, notamos certa mutação, como foi estabelecido
no capítulo anterior. Por isso, se quiséssemos contar as primeiras, segundas e
posteriores variações da língua vulgar na Itália, mesmo nesse pequeno
cantinho do mundo chegaríamos não só a mil, mas até a um número maior
de variedades linguísticas44 (DANTE, De vulgari eloquentia, libro 1,
capítulo X, tradução minha).

Nesta obra, Dante aborda a diversidade linguístico-cultural presente na Itália,


chamando a atenção para os fatores que impediam que um determinado “dialeto” se tornasse a
língua ilustre e fosse reconhecido como o italiano, língua nacional 45. O poeta florentino
explica, por exemplo, que apesar de a língua bolonhesa ser “suave” e “bem falada”, não
poderia se converter na língua ilustre, uma vez que os próprios poetas de Bolonha não

42
A seção 3.3.2 trata do conceito de dialeto.
43
Adivinhação de Verona.
44
“La sola Italia appare dunque differenziata in almeno quattordici volgari. Ora, anche questi volgari variano a
loro volta (come, per esempio, i Senesi e gli Aretini in Toscana, i Ferraresi e i Piacentini in Lombardia); abbiamo
inoltre notato che nella stessa città esiste un certo mutamento, come si è stabilito nel capitolo precedente.
Pertanto, se volessimo contare le prime, seconde e ulteriori variazioni del volgare d‘Italia, anche in questo
piccolissimo angolo del mondo ci toccherebbe di giungere non solo a mille, ma anche a unnumero maggiore di
arietà linguistiche”. Disponível em <http://www.classicitaliani.it/dante/prosa/vulgari_ita.htm>. Acesso em
23/01/2015.
45
Segundo Guimarães (2007, p.64) ‘língua nacional” é a língua de um povo, enquanto língua que o caracteriza,
que dá aos seus falantes uma relação de pertencimento a este povo.
Pluralidade linguístico-cultural do italiano| 77

escreviam como se falava nessa cidade. Ademais, o escritor deixa claro em sua obra que
percebia o latim (latim clássico) como uma língua artificial, criada pelos cultos e para o uso
literário.
Por sua preocupação com questões linguísticas, ou ainda como prefere Martins
(2012, p.1) por “sua sensibilidade para converter a questão poética em questão linguística e o
subsequente esforço na promoção do latim vulgar46”, Dante é considerado por muitos
estudiosos como o verdadeiro pai do italiano. Como um grande observador das línguas
faladas ao seu redor, o poeta da Divina Commedia mapeia linguisticamente a Itália de seu
tempo e inicia o debate sobre a necessidade de uma língua única capaz de ser compreendida
por todos na Itália. Para tanto, apresentou um modelo de língua que julgava ser o mais
coerente, fornecendo vocábulos que ainda são usados atualmente. Em outras palavras, Dante
preconiza o dialeto-toscano-fiorentino como o padrão ilustre a ser seguido, o que, de fato,
ocorre após o reconhecimento de sua obra poética.
Coelho (2003) e outros estudiosos afirmam que Dante inicia a chamada questione
della língua (questão da língua), discussão esta que perdura até hoje e será interminável
segundo a própria autora (2003). Presente na história do italiano desde a época de Dante, a
questão da língua é um debate secular sobre o modelo de língua comum, ou seja, sobre qual
modelo do italiano seguir. Durante o Renascimento, a questão se acirrou, uma vez que a
língua havia se expandindo de modo que se tornou necessário usar uma escrita que fosse
válida e compreendida por todos os escritores e leitores das diversas regiões italianas. Aqui,
concordo com Coelho, no sentido que o chamado debate sobre a “questão da língua” jamais
se esgotará, pois língua não é uma abstração teórica, usada a partir da imposição de um
modelo comum.
Quando a Itália foi finalmente unificada na segunda metade do século XIX, o
dialeto-toscano-florentino já era a língua reconhecida em toda e qualquer parte da península.
Nesse período, a Itália enfrentava graves problemas políticos, econômicos e sociais e, em
particular, linguísticos, já que apenas 10% da população italiana falava o idioma nacional e a
maioria dos italianos se comunicava em seus respectivos “dialetos” (CASTELLANI, 1982,
apud TRIFONE, 2010, p. 36).
No novo estado unitário italiano, era urgente a necessidade de formar cidadãos
capazes de ler e escrever a língua nacional. Assim, a questão era a de fornecer a todos os

46
Considero esse termo (“vulgar”) – equivalente a “vernáculo” – atualmente uma forma pejorativa de
desprestigiar a língua do povo. Sobre isso falarei mais adiante.
Pluralidade linguístico-cultural do italiano| 78

habitantes, fossem intelectuais ou não e independentemente da classe social e econômica, o


uso oficial, formal e informal do italiano escrito e falado. Naquele cenário, o papel da escola
era fundamental, já que os meios de comunicação em massa eram restritos, porque o rádio só
surge em 1924 e a televisão se torna acessível, somente, a partir de 1960.
Foi o ministro Emilio Broglio que, determinado a transformar o italiano na língua de
todos os habitantes de seu país, organizou em uma comissão, em 1868, integrada pelo
escritor Alessandro Manzoni e pelo pedagogo Rafaello Lambuschini. Estes deveriam propor
ações que possibilitassem aos italianos conhecerem “a notícia da boa língua e da boa
pronúncia” (DE BLASI, 2008, p. 74). Todavia, o relatório que Manzoni entregou ao ministro
constatava que a Itália no século IX enfrentava o mesmo problema que Dante, a saber: “Uma
nação onde existem vários idiomas em vigor e a qual aspira ter uma língua em comum,
encontra, naturalmente, nessa variedade um primeiro e potente obstáculo para o seu objetivo”
(MANZONI, 1868, p.102)47.
A partir do relato de Manzoni, Broglio perguntou qual seria a ação ideal para
difundir a almejada “boa língua”, ao que Manzoni respondeu, afirmando que o melhor
caminho seria encontrar meios que possibilitassem o conhecimento do uso real e atual da
língua viva. Tal constatação contrariava a opinião dos demais componentes da comissão, uma
vez que Lambruschini alegava que era preciso partir do italiano livresco, o que mais uma vez
trazia à tona a disputa entre a fala e a escrita, o certo e o errado e a língua do povo e a língua
literária (DE BLASI, 2008).
Em diversas obras48, Manzoni se preocupa com a questão da língua, mas foi, após
extensa pesquisa, que o escritor traz para I Promessi Sposi49 (1821, 1827) – considerado o
primeiro romance italiano – uma língua baseada na da região florentina. Na verdade, Manzoni
visava eliminar as diferenças crescentes entre a língua escrita e a falada, a cultura burguesa e a
popular. O resultado final passou a ser considerado como um novo modelo da língua italiana
nacional, levando muitos estudiosos a reconhecerem o romancista como o segundo pai do
italiano que, aparentemente, resolveu a famosa e complexa questão da língua.

47
“Una nazione dove siano in vigore vari idiomi e la quale aspiri ad avere una lingua in comune, trova
naturalmente in questa varietà un primo e potente ostacolo al suo intento”. Disponível em:
http://www.classicitaliani.it/ manzoni/unita_lingua.htm Acesso em: 25/04/16
48
A saber: Sentir messa (1835 -36); Sulla língua italiana (1846); Saggio sul vocabolario italiano secondo l’uso
di Firenze (1856); Della unità dela língua e dei mezzi per difonderla (1868); Intorno al libro “De Vulgari
Eloquentia de Dante (1868); Intorno al vocabolario (1868) e Lettere al Marchese Afonso della Valle di
casanova (1871).
49
Os Noivos na tradução em português. É importante salientar que I Promessi Sposi foi escrito duas vezes. Na
primeira edição, Manzoni usou palavras e construções milanesas que, na segunda edição, foram substituídas por
termos florentinos contemporâneos.
Pluralidade linguístico-cultural do italiano| 79

Chiarini (2005) argumenta que, na realidade, a população italiana, apropriou-se passo


a passo da língua de Dante, Petrarca e Bocaccio, adaptando-a e recriando-a segundo as suas
necessidades, enquanto Coelho (2003) afirma que o problema, inerente à criação unitária do
italiano, era muito mais complexo do que pensava Manzoni:

No fundo, ele pensava que fosse simples fazer a população adotar a língua
que falava o povo fiorentino. É claro que a solução que Manzoni procurou
dar à antiga questão da língua na Itália foi uma solução abstrata. Fazer um
vêneto, um siciliano, um pugliese o um lucano falarem a língua de Florença
era o mesmo que fazê-los falar o inglês, o francês, o alemão ou a língua que
falavam os literatos cultos italianos (COELHO, 2003, p. 121, tradução
minha).50

De fato, o empenho de Manzoni e as preocupações do governo não foram suficientes


para consolidar o italiano como língua de comunicação antes do século XX. Em sua obra
Storia linguística dell’Italia51 (1963), Tulio De Mauro – professor da Universidade de Roma e
grande estudioso das questões referentes à LI – enumera os reais fatores responsáveis pela
difusão do italiano entre falantes de “dialetos” tão diversos: a industrialização e urbanização,
o serviço militar obrigatório, a burocracia, a Primeira Guerra Mundial, a crescente
escolarização, a imprensa e, especialmente, o rádio, a televisão e o cinema.
Diante do apresentado, quero concluir ressaltando que, desde a sua origem, o italiano
foi sempre acompanhado pelo chamado preconceito linguístico devido à necessidade de
cotejar e hierarquizar norma e fala, língua popular e clássica/literária e língua e “dialeto”.
Com efeito, em diferentes épocas em toda parte, as comunidades de falantes convivem sempre
com diferentes modos de falar, ainda que as políticas públicas linguísticas imponham o
idioma oficial. Contudo, é impossível eliminar as diversas vozes e línguas. Prova disso é a
situação linguística da Itália, sempre marcada por uma grande diversidade e rica polifonia
linguística, onde cada região possui seu próprio “dialeto”, bem como tantas outras
variedades52 do italiano. E é exatamente sobre isso que tratarei nas próximas subseções.

50 “Ma il problema della creazione unitaria della lingua italiana era molto più complesso di quanto ritenesse il Manzoni. In
fondo egli pensava che fosse semplice fare adottare dalle polopazioni italiane la lingua che parlava il popolo fiorentino. È
chiaro che la soluzione che il Manzoni cercò di dare all‘annosa questione della lingua in Italia fu una soluzione astratta. Far
parlare ad un veneto o ad un siciliano o ad un pugliese o a un lucano la lingua che si parlava a Firenze era lo stesso che gli si
volesse far parlare l‘iglese o il francese o il tedesco o la lingua che parlavano i letterati colti italiani”.
51 História Linguística da Itália..
52 Uso o termo “variedade” e não “variação”, como é comum na sociolinguística, porque tomo como referência os estudos de

Gaetano Berruto (1987, 2003) e Francesco Sabatini (1985).


Pluralidade linguístico-cultural do italiano| 80

3.3.1 Variedades do Italiano

Na Itália, a atual paisagem linguístico-cultural e as recíprocas conexões entre língua


e ‘dialetos’ mudaram em relação ao passado, mas não por isso são mais simples, pois apesar
do 1º artigo da lei de nº 482 de dezembro de 199953 afirmar que o italiano é a língua oficial da
Itália, é um grave erro sustentar que todos os italianos falem somente o italiano. Marazzini
(2004, p. 431) sintetiza essa realidade linguístico-cultural claramente: “o italiano não é falado
de forma uniforme em todo o território nacional”.
Paralelamente à síntese de Marazzini, Berruto (2003) informa que o repertório
linguístico-cultural do italiano, isto é, o conjunto de variedades de línguas à disposição dos
ítalo-falantes, é composto, nesse espaço, por muitas variedades relevantes. Daí ser possível
afirmarmos que não existe apenas um italiano, senão muitas variedades em constante mutação
devido ao tempo, às situações, aos contextos sociais, e, principalmente ao espaço geográfico.
Por exemplo, o italiano falado em Milão não é o de Nápoles, da Sardenha, de
Veneza, e, muitos menos, da Suíça. Segundo Lorenzetti (2002), esses falares são geralmente
influenciados pelos “dialetos” locais. Mas quais são as variedades do italiano, língua nacional,
e quais são os diversos “dialetos” que compõem o complexo mosaico linguístico da Itália
contemporânea?
Na tentativa de responder, muitos estudiosos como Mioni (1985), Sabatini (1985) e
Berruto (1987), apresentaram uma diversidade de modelos sobre o repertório linguístico dos
italianos. Mioni (1985) apresenta um modelo que contempla sete variedades do italiano:
standard formal, standard coloquial-formal, italiano regional, italiano popular regional e três
para os dialetos da Itália54: dialeto formal, dialeto informal urbano e dialeto informal rural. Na
década de 80, Sabatini (1985) propôs um modelo com seis variedades: duas “nacionais” – o
italiano standard e o de uso médio – e quatro “regionais e locais” – o italiano regional culto, o
regional popular, além de dialeto regional, provincial e local.
Berruto (2003, p.14-15), também singulariza diversas variedades, dentre elas: o
italiano standard, neostandard, popular e regional. O italiano standard é considerado a
língua “padrão”, que engloba um conjunto de regras, normas e preceitos impostos como
“formas corretas” ou um modelo idealizado, sobretudo de tipo conservador (SOBRERO e
MIGLIETTA, 2006).

53 Disponível em http://www.gfbv.it/3dossier/diritto/482-99commenti.html Acesso em: 04 de dezembro de 2016.


54
De acordo com Avolio (2011, apud FREIRE et al, 2015, p. 756).), os dialetos não deveriam ser considerados
filhos do italiano, e sim seus irmãos. Dessa forma, seria impróprio falar de "dialetos italianos", mas, como sugere
o autor, seria mais oportuno o conceito de "dialetos ítalo-românicos" ou "dialetos da Itália".
Pluralidade linguístico-cultural do italiano| 81

Recentemente, a variedade do italiano que vem suplantando o italiano padrão é o


chamado neostandard (BERRUTO, 2003). Vale ressaltar, todavia, que não se trata de uma
variedade compacta, unificada e usada em todo o país, embora as suas características sejam
comuns em todo o território nacional. As palavras de Alberto Sobrero (1992) sintetizam o que
é essa variedade de língua:

O neo-standard é difundido nas classes médio-altas e na população


considerada mais culta. É mais usado na fala do que na escrita. O rótulo de
novo-padrão se refere ao fato de que neste nível, hoje em plena evolução,
encontramos um grande número de forma que, gradualmente, “sobressaem-
se” em relação aos níveis abaixo do padrão (sub-standard): antes relegadas
às formas “coloquiais” (ou como constava nos dicionários “triviais”) e que
atualmente se difundem e são aceitas na língua nacional. A norma assim,
alarga as suas próprias fronteiras (SOBRERO, 1992, p.5, tradução minha)55.

A citação acima resume uma nova dinâmica linguística que vai ganhando forma à
medida que é usada por seus falantes independentemente da língua oficial imposta.
Rememoro, portanto, as palavras de Brandão (1991), quando observa que o falante tem o
poder sobre a língua, pois é ele quem a utiliza e modifica.
Outra variedade no repertório linguístico e cultural dos italianos é o chamado italiano
regional, nome atribuído à vasta “gama de fenômenos compreendidos entre o italiano da
tradição literária e o dialeto” (BERRUTO, 1987, p.13-27). Segundo Berruto (1987), nessa
variedade é perceptível a influência do código dialetal em todos os níveis da escrita e da fala.
E como o próprio nome diz, é o italiano de cada região, pois em uma extensão territorial é
impossível uma língua se manter rigorosamente a mesma, ainda que existam aqueles que
insistam em pensar e sustentar teses contrárias. Santoro e Frangiotti (2013), sintetizam essas
variedades regionais:

No caso específico do italiano, as variedades regionais são divididas em três


grupos de variedades maiores: 1. O grupo setentrional, que é considerado por
muitos o mais próximo do standard e que goza, portanto, de maior prestígio;
2. o grupo toscano, que é tido como variedade de prestígio somente em seu
território de referência; 3. centro-meridional, que constitui o grupo dotado de
menor prestígio, sendo com frequência objeto de preconceito linguístico
(SANTORO e FRANGIOTTI, 2013, p. 229-230).

55
“Il neo-standard "è diffuso nelle classi medio-alte e nella parte più acculturata della popolazione, ed è
realizzato nel parlato più che nello scritto. L'etichetta di neo-standard si riferisce al fatto che su questo livello,
oggi in piena evoluzione, troviamo un gran numero di forme che via via "risalgono" dai livelli inferior (sub-
standard): prima relegate nell'area delle forme "colloquiali" (o, come dicevano i vocabolari, "triviali"), ora si
diffondono e sono accettate nella língua nazionale. Lo standard così, a sua volta estende i propri confini".
Pluralidade linguístico-cultural do italiano| 82

Existe ainda o italiano popular, denominação esta atribuída à língua das camadas
sociais com baixo nível de escolarização. Esta variedade se apresenta como uma forma de
língua “mal dominada” em relação ao italiano-padrão e com numerosos traços dialetais.
Geralmente, trata-se de um italiano estigmatizado e percebido somente como algo “incorreto
por ser a variedade falada pelas classes sociais economicamente menos favorecidas.
De acordo com Santoro e Frangiotti (2013), existem ainda outras variedades: o
italiano denominado de culto, empregado por falantes de nível sociocultural médio-alto e alto,
variedade muito próxima do italiano standard; o italiano dos jovens, que é a variedade usada
por indivíduos de 13 a 21 anos, recheada de gírias e itens lexicais típicos dos dialetos da
Itália; e, finalmente, as chamadas línguas especiais, empregadas em determinados setores, tais
como a medicina, a arquitetura, a engenharia, a biologia, entre outros.
Como professora do idioma italiano há quase 12 anos, venho refletindo sobre a
complexidade do tema e, devo confessar que me sinto preocupada quando um aluno diz
desejar falar o “italiano perfeito”, sem saber que está desprestigiando, ainda que
inconscientemente, os outros falares. Obviamente, isso acontece porque se desconhece o
debate anteriormente exposto que, provavelmente, não costuma ser foco de discussões dentro
da sala de aula e durante o processo de ensino/aprendizagem. Além disso, levou-se muito
tempo para se reconhecer que as línguas são, na verdade, construídas de variedades
linguísticas, e mais tempo ainda para considerá-las como partes indissociáveis da própria
língua.
A verdade é que sempre que um aprendiz pergunta sobre a pronúncia de algumas
palavras, inclusive, qual é a verdadeira pronúncia standard, o que para Berruto (1987) é um
produto de treinamento, percebo o quanto esse hábito é resultado de uma tradição de ensino
que apresenta a língua apenas como um conjunto de estruturas e conceitos. É uma formação
que desconsidera os contextos, os falantes, os aprendizes, as suas respectivas culturas e todos
os demais fatores sociais, históricos, culturais, políticas e ideológicas inerentes ao idioma
estudado.
Para não fazer afirmações generalizadas ou generalizantes, recorro à minha pesquisa
de mestrado que identificou as crenças de aprendizes de italiano sobre a LI e o seu
aprendizado. Os dados analisados comprovaram que os sujeitos de pesquisa, alunos do
italiano, estavam demasiadamente preocupados com a pronúncia, sem sequer terem uma
noção, ainda que mínima, da situação real desse aspecto relativa à LI.
Pluralidade linguístico-cultural do italiano| 83

Quadro 3 – Crenças sobre a LI

Fonte: Landulfo (2012, p. 139).

Como foi possível verificar, a grande preocupação de Marcos Alexandre foi, de fato,
a pronúncia. “O aluno afirma que, possivelmente, os falantes de italiano como língua
materna56 não o entenderiam caso ele não tivesse uma boa pronúncia” (LANDULFO, 2012, p.
139). O que ele não sabia é que o falar italiano não é uniforme em todo território nacional e
que é exatamente a pronúncia que evidencia as caraterísticas das variedades apresentadas
anteriormente. Obviamente, com isso não pretendo desprestigiar os estudos fonéticos, que são
importantes e, sem sombra de dúvida, devem ser abordados em uma sala de aula de línguas.
Todavia, compreendo que o ensino de língua é, dentre outras questões, também um diálogo
interdisciplinar com a sociolinguística, a pragmática e as políticas linguísticas, áreas que
certamente fornecerão subsídios para que alunos e professores possam compreender a língua
“como um objeto de ensino multidimensional e passível de variação” (SANTORO e
FRANGIOTTI, 2013, p. 225).
Evidentemente que os professores de línguas não vão ministrar aulas sobre esses
conteúdos. Todavia, estando conscientes de que essas áreas são relevantes para entenderem o
objeto de seu trabalho, será mais fácil compreender que a língua é permeada por diferenças
que não podem e não devem ser estigmatizadas e, muito menos, ignoradas. Essa perspectiva
oferece a possibilidade de criar uma atmosfera de abertura para os alunos que estão
aprendendo uma nova língua-cultura, sem traumas e sem a necessidade de copiar algo
inexistente. Ora, “o falar perfeito” será muito maior quando tanto professores quanto alunos
compreenderem que a língua, sendo um fenômeno dinâmico e essencialmente vivo, muda ao
ritmo do grupo social que a usa.
Finalizo esta seção ressaltando a importância de estarmos conscientes de que o
objeto de estudo – a língua – não é estanque e imune ao movimento sócio-histórico-cultural

56
A língua materna é compreendida pela maioria dos estudiosos como a primeira língua adquirida pelo
indivíduo. Para compreender melhor este conceito, sugiro a leitura do texto da professora da UFRGS, Karen
Pupp Spinassé: Os conceitos Língua Materna, Segunda Língua e Língua Estrangeira e os falantes de línguas
alóctones minoritárias no Sul do Brasil.
Pluralidade linguístico-cultural do italiano| 84

de um povo. Por isso, agora tratarei do outro componente que completa o repertório
linguístico-cultural do italiano: os dialetos da Itália, que, segundo Berruto (2003, p. 5), são
considerados as primeiras línguas de muitos italianos.

3.3.2 Dialetos da Itália

O início da terceira seção deste capítulo descreve que a Itália só foi unificada na
segunda metade do século XIX. Antes disso, o país estava dividido em diversos reinos, cada
um com seus próprios dialetos que, ainda hoje, são comumente empregados nas conversas
diárias, juntamente com o italiano. Segundo Berruto (2003), essa condição configura
bilinguismo endógeno ou endo-comunitário, o qual se caracteriza como fenômeno interno
devido a variações românicas dentro da própria comunidade e não a migrações externas.
Os dialetos (do grego diálektos) que, conforme Coseriu (1982, p. 10) configuram um
“modo de falar interindividual”, atualmente são usados em áreas geográficas bem específicas,
e assim recebem essa nomenclatura porque, diferentemente da língua nacional, possuem
regras morfológicas e sintáticas bem delimitadas, mas não gozam de um estatuto sociocultural
e político e não são reconhecidos pelo Estado. Segundo Renzi e Andreose (2009), essa
oposição nasce justamente na Itália, quando o latim clássico, a língua culta das camadas
superiores, perde espaço para o latim falado pelo povo. Assim, enquanto a língua clássica
sempre esteve ligada à norma escrita e à ideia de uma expressão superior, a língua do povo
sempre ficou restrita à fala, o que sempre deixou os dialetos em pé de inferioridade.
Para a linguística moderna, o status de língua e dialeto não é conferido apenas a
partir de critérios linguísticos, mas, é o resultado de um desenvolvimento histórico,
geográfico e, sobretudo, sócio-político e ideológico. Definir, ou distinguir, língua e “dialeto” é
sempre uma tarefa bastante complexa e difícil. Por isso, não pretendo discutir as extensas
definições sobre essa oposição, preferindo antes apresentar um trecho de uma obra de Marcos
Bagno, intitulada “A Língua de Eulália”, que além de refletir minha opinião sobre essa
questão, talvez resuma melhor o porquê dessa diferenciação entre o que é língua e o que é
“dialeto”:
— Tia, você disse que as variedades escolhidas para compor o padrão foram
escolhidas por ―diversas razões. Que razões são essas?
— Veja só, Vera, os motivos que levam determinadas variedades a servir de
base para o padrão não têm nada a ver com as qualidades intrínsecas,
internas, linguísticas destas variedades. O que estou tentando dizer é que
todas as variedades de uma língua têm recursos linguísticos suficientes para
Pluralidade linguístico-cultural do italiano| 85

desempenhar sua função de veículo de comunicação, de expressão e de


interação entre seres humanos. Mas por alguma razão, ou razões, só algumas
servem de base para o padrão.
— E eu volto a perguntar, tia, que razões são essas?
— Vamos ver alguns exemplos. Na Itália, a variedade que ganhou o título de
padrão e que hoje chamamos de italiano é a língua originária de uma região
chamada Toscana. Esta região teve uma importância muito política e
cultural. Florença foi um dos polos do Renascimento, o grande movimento
cultural europeu que revolucionou todos os gêneros artísticos e literários da
época. Lá trabalharam e viveram gênios como Leonardo da Vinci,
Michelangelo e Botticelli. E na língua da Toscana foram escritas algumas
das obras-primas da literatura mundial: a Divina Comédia de Dante
Alighieri, as Poesias de Petrarca, o Decamerão de Bocácio. Além disso, a
Toscana contava com uma moeda forte, o florim, que foi uma moeda
importante de comércio internacional durante mais de duzentos anos e em
torno do qual se havia organizado um sistema bancário muito evoluído para
a época. Tamanho prestígio fez com que o toscano se tornasse, pouco a
pouco, a língua de cultura de toda a Itália. E isso apesar de existirem naquele
país dezenas e dezenas de línguas diferentes, chamadas dialetos, falados por
milhões de pessoas e também veículos de importantes manifestações
culturais (BAGNO, 2006, p. 26-27).

Esse trecho reflete meu desejo de ilustrar o universo plurilinguístico e cultural da


Itália e tentar revelar o quanto essa rica diversidade é importante para entendermos o mundo
e, consequentemente, para compreendermos o ensino de qualquer língua. Devo ainda recordar
que os dialetos da Itália não são, como em muitos outros países, uma variedade do idioma
oficial senão sistemas autônomos de linguagem que apareceram, conforme expliquei na
primeira seção deste capítulo, muito antes da formação da língua nacional oriunda do dialeto-
florentino-toscano. Usarei, todavia, por diversas vezes, o termo língua e o termo ‘dialeto’
apenas porque assim eles são conhecidos mas, em hipótese alguma, para cotejá-los ou
hierarquizá-los.
Atualmente, diferentes filólogos divergem sobre a classificação dos dialetos da Itália,
embora abracem a tese de que estes são inúmeros e até incontáveis. Pellegrini (1975) se
baseia no conceito de dialetos ítalo-românicos, que, segundo o autor, são aqueles que
“escolheram” como língua-guia o italiano. Esses são divididos em cinco grupos concebidos
como fundamentais: 1. Dialetos setentrionais; 2. Friulano; 3. Toscano; 4. Dialetos centro-
meridionais (incluindo a Sicília) e 5. Sardo (PELLEGRINI, 1975, p. 56-57)57. Já Bassetto
(2001) traz a seguinte classificação:
Dialetos setentrionais ou galo-itálicos, que compreendem quatro grupos
divergentes: piemonteses, lombardos, lígures e emiliano-romanholos; os
dialetos vênetos, que também apresentam várias subdivisões: como o
veneziano, o veronês, o paduano o feltrino, etc.; os dialetos centro-

57
O sistema classificatório elaborado por ele não inclui o dialeto corso que tem como língua-guia o francês.
Pluralidade linguístico-cultural do italiano| 86

meridionais, divididos em três blocos: a) os falates de Marcas, da Úmbria e


do Lácio; b) os dos Abruzos, o da Apúlia, Campânia e Lucânia; c) os da
Península, Saletina, Calábria e Sicília. Os dialetos toscanos, divididos em
quatro grupos: fiorentino, pisano, piestoeise, senese e arentino (BASSETTO,
2001, p. 196-197).

No passado, os variados dialetos ocupavam uma posição privilegiada, pois durante


muito tempo a língua nacional era aprendida como L2. A pesquisa realizada pelo Istituto
Nazionale di Statistica Italiano (ISTAT)58 no final de 1995, a partir de uma amostragem de
21.000 famílias italianas, constatou que, embora o uso do italiano tivesse crescido em relação
ao passado, os dialetos continuavam sendo frequentemente usados. Posteriormente, uma
relação de 2007 do mesmo instituto informa que os dialetos estão presentes como a língua de
comunicação entre metade das famílias italianas e que, em regiões como a Calábria e Vêneto,
por exemplo, mais de 75% da população continuam usando dialeto. A respeito do Vêneto, as
palavras de Canepari (1986) retratam essa situação:

[...] mesmo nas secretarias estaduais e municipais, como na indústria,


comércio e bancos, muitas vezes se recorre ao italiano apenas se você tem
que fazer algo para os "estrangeiros" provenientes de outras regiões. Até
mesmo os profissionais e médicos usam o dialeto quando falam com os seus
clientes e pacientes, não somente para serem melhor compreendidos, mas
também - e não raramente - porque desse modo, todos ficam mais à vontade.
A relação parece ser mais cordial, mais sincera, mais verdadeira
(CANEPARI 1986, apud SANTIPOLO, 2004, p.20, tradução minha)59.

Uma pesquisa do ISTAT de 2012 também informa que na Itália, 53,1% das pessoas
entre 18 e 74 anos, falam prevalentemente a língua nacional em família e a porcentagem
aumenta (84,8%), quando a comunicação é entre pessoas desconhecidas. Já o uso do dialeto
em ambiente familiar é de 9% da população na faixa etária entre 18 e 74 anos. A mesma
porcentagem (9%) é verificada entre amigos e apenas 1,8% entre pessoas desconhecidas. De
1995 até 2012, o número de pessoas que faz uso do italiano, língua nacional, vem aumentando
constantemente, o que configura uma situação de bilinguismo.
Vale ressaltar que conforme aumenta a idade do cidadão italiano, menor é o uso da
língua nacional. As regiões onde o uso do italiano em família é predominante são: a Toscana
(83%) e a Ligúria (67,5%), enquanto aquelas onde os dialetos são mais usados em contexto

58
Instituto Nacional de Estatística Italiano.
59
“Anche negli uffici statali e comunali, come nell‘industria, nel commercio e nelle banche, spesso si ricorre
all‘italiano solo se si ha a che fare con dei ‘foresti‘, provenienti da altre regioni. Pure i professionisti e i medici
per lo più usano il dialetto, parlando coi clienti e i pazienti, non solo per farsi capire meglio, ma anche – e non
raramente – perché in questo modo tutti si trovano maggiormente a proprio agio. Il rapporto è sentito come più
cordiale, più sincero, più vero”.
Pluralidade linguístico-cultural do italiano| 87

familiar são: a província autônoma de Trento (43,6%), o Vêneto (42,6%), a Calábria (40,4%)
e a Sicília (32,8%).
Ao usar o dialeto que é a sua língua-cultura, o italiano traz consigo a sua história, a
sua autoidentificação e uma identidade cultural que jamais deve se tornar invisível por
determinações de políticas linguísticas, pois um decreto não apaga a história de um povo.
Ainda bem que recentemente na Itália vem sendo delineada uma nova situação que Berruto
(2006) define como uma risorgenza (ressurgimento) dialetal, pois, além do espaço que já
encontravam na literatura, os dialetos passaram a ser utilizados na publicidade, em programas
de televisão, nos jornais, nos filmes, no teatro e, inclusive, na internet.
Diante dessa realidade, defendo uma posição simples: que o rico mosaico linguístico-
cultural encontrado na Itália não seja desconhecido, negligenciado e muito menos
estigmatizado por professores, pesquisadores da área de Italianística e editores de material
didático de italiano. Sobretudo, porque como postula Santipolo (2001), nenhum curso de
italiano como LE/L2 é completo se não levar em conta essa situação, a qual se bem
compreendida por todos nós, evitará, dentre outras coisas, que muitos alunos e professores
busquem, mais uma vez, a suposta “pronúncia perfeita” própria do falante nativo.
Entretanto, preciso deixar claro novamente que minha defesa de um
ensino/aprendizagem plural de línguas significa somar, adicionar e não excluir, preparando os
aprendizes para se tornarem cidadãos do mundo, capazes de falar de si e da sua cultura em
diferentes contextos e de não serem meros reprodutores de uma língua descontextualizada e
aparentemente neutralizada. Ademais, reconhecer as diferenças e as variedades sociais,
culturais e linguísticas em qualquer contexto social é o primeiro passo para desenvolvermos e
expurgarmos de nossa sociedade preconceitos de qualquer tipo. Dessa forma, como nenhuma
cultura é melhor ou superior à outra, mas simplesmente diferente, as línguas, os diversos
falares, as muitas variedades linguísticas e, ainda, a velha, complexa e contraditória dicotomia
língua x dialetos, não devem ser percebidos em escalas de hierarquização, e sim como partes
complementares.
Em sala de aula, por exemplo, professores e alunos só têm a ganhar com a exposição
de vídeos e textos orais e escritos que mostram a rica polifonia linguística italiana, bem como
a leitura de obras de renomados escritores italianos, como Carlo Emilio Gadda 60, Pier Paolo
Pasolini61 e Andrea Camilleri62, cujas obras traduzem com maestria a pluralidade linguístico-

60
Sugiro a leitura de trechos da obra L’Aldagisa.
61
Sugiro a leitura das obras Ragazzi di Vita e Una vita violenta.
Pluralidade linguístico-cultural do italiano| 88

cultural que busco retratar aqui. Entendo igualmente que essas leituras podem servir como
ponto de partida para discussões mais abrangentes sobre a diversidade humana.
Dito isso, não posso deixar de observar que descuidar da pluralidade linguística-
cultural que o italiano incorpora é tão problemático quanto desconhecer as demais localidades
onde essa língua e seus dialetos são falados. A próxima subseção trata desses espaços
geográficos do italiano.

3.3.3 Italiano: o seu lugar no mundo.

O italiano é conhecido mundialmente como a língua oficial da península italiana.


Contudo, o que pouca gente sabe é que esse idioma não é a língua oficial apenas da Itália e,
muito menos, falado apenas nesse país. Esclareço, portanto, que:

O italiano é língua oficial na Itália, na Croácia, na Suíça, na Eslovênia, no


Vaticano, em San Marino. Além disso, o italiano é falado por parte
significativa da população, sendo, portanto, uma das línguas nacionais, na
Albânia, onde é a língua mais ensinada nas escolas; em Malta, na Córsega,
em Nice, no Principado de Mônaco, Eritréia (falada em nível de segunda
língua e como língua nacional), na Somália, na Líbia e na Etiópia. E em
menor escala, nas comunidades de descendentes de imigrantes italianos no
Brasil, Argentina, Uruguai, Venezuela, Austrália, México, Canadá, Estados
Unidos, Alemanha, França, Bélgica, Reino Unido e Luxemburgo35
(LANDULFO, 2012, p. 116)63.

A princípio, citando dados quantitativos, vale dizer que o italiano é falado por cerca
de 60 milhões de pessoas na Itália e 6,5 milhões falantes de outras partes do mundo, conforme
os dados da Sociedade Linguística Internacional64. Em Malta, por exemplo, essa língua é
falada e compreendida pela maior parte da população, especialmente, por causa da sua difusão
tanto na televisão quanto no ensino nas escolas e na universidade. Além disso, o italiano,
juntamente com o inglês, era a língua oficial nesse país até 1934. Atualmente, existe uma
comunidade em uma rede social, “Reintroduciamo ufficialmente la língua italiana a Malta”65,

62
Sugiro tanto a leitura de suas obras policiais como os filmes, baseados em suas obras, com o personagem
siciliano, o Comissário Montalbano.
63
Essas informações podem ser vistas nos seguintes sites: <http://www.cursoitaliano.net/ptitalian/facts.asp>;
http://www.linguagest.com/HTML/quem_somos/linguas_romanicas.htm.; <http ://italiano.forumdeidiomas.com.
br/2011/09/a-lingua-italiana-no-mundo>. E nos livros, La língua Italiana profilo Storico, de Claudio Marazzini,
Il Mulino, 1994, e Elementos de filologia românica de Bruno Bassetto, EDUSP, 2001.
64
Disponível em: http://www.sil.org Acesso em: 09/02/2015.
65
A comunidade do Facebook se chama, em português: “Reintroduzamos oficialmente a língua italiana em
Malta”.
Pluralidade linguístico-cultural do italiano| 89

que solicita novamente a adoção do italiano como língua oficial do país, pois segundo os
associados ou seguidores da comunidade virtual, os malteses são falantes reais desse idioma.
Em uma pesquisa sitiográfica, deparei-me com uma narrativa contada por uma
professora de italiano que ilustra a presença do idioma em outras partes do mundo:

[...] queria compartilhar com vocês uma experiência bem interessante que
tive quando comecei a estudar alemão aqui na Suíça. No primeiro dia,
quando entrei na sala de aula, percebi que havia um grupo de três mulheres
que falavam uma língua diferente, que logo conclui que deveria ser algum
dialeto africano, a julgar pela aparência e pelas roupas que elas usavam.
Fiquei muito curiosa, pois era a primeira vez que ouvia um dialeto africano
assim “in diretta”. Contudo, o mais curioso era que, em meio àquelas
palavras para mim completamente incompreensíveis, saltavam algumas
palavrinhas italianas do tipo “ecco”, “allora”, “va bene”. A minha
curiosidade foi tanta que não aguentei e me aproximei delas, tentando,
inicialmente, comunicar-me em inglês, mas nenhuma delas entendia. Nesse
meio tempo, chegou uma menininha bonitinha e chamou uma delas de
“mamma”, e ela lhe respondeu “dimmi, cosa vuoi?”, com um italiano,
digamos, “africanizado”, com uma cadência muito dura e bem diferente
do italiano falado na Itália, mas era italiano. Foi quando eu perguntei:
“come mai parli italiano?”, e ela, com muita propriedade, me respondeu “é
la lingua del mio paese”. O país era a Eritreia, que, para a minha total
surpresa e ignorância, naquele momento, eu nem sabia (ou não me lembrava)
em que parte da África ficava (LOPES, 2011, grifo meu).66

Como visto, essa situação mostra claramente que a LI é falada em muitas outras
partes do mundo, além daquelas conhecidas por todos, como a Itália e a Suíça, país no qual o
italiano é usado em toda a região de Cantoni Ticino e nos quatro vales da região de Grigioni.
Nesse caso, é muito importante ressaltar que se trata de uma língua nacional fora da Itália,
construída, também por suas variedades faladas e escritas (MORETTI, 2011).
Segundo um recenciamento de 2010, cerca de 550.000 mil pessoas declararam que o
italiano é uma das línguas principais da Suíça. Dessas, 347.000 são emigrantes e 110.000 mil
vivem na chamada Suíça Italiana. De acordo com os dados apresentados, os italófonos das
três regiões não italófonas constituem cerca de 292.000 mil,
Na chamada Suíça Alemã, o italiano também se destaca entre os trabalhadores
estrangeiros, especialmente após a segunda metade do século XX (MARELLO, 2009). Isso
ocorre, não somente por motivos ligados ao turismo, ao Made in Italy e à cultura italiana em
geral, mas principalmente por razões estreitamente profissionais, uma vez que esse idioma é
falado por muitos trabalhadores, especialmente emigrantes do setor terciário, como

66
Disponível em: < http://italiano.forumdeidiomas.com.br/2011/09/a-lingua-italiana-no-mundo/>. Acesso em:
13/03/2015.
Pluralidade linguístico-cultural do italiano| 90

açougueiros, profissionais liberais e médicos e em setores como a gastronomia, construção


civil e a indústria têxtil (SCHIMID, 1993).
O italiano disseminado em larga escala pelos portugueses, espanhóis e, em menor
proporção, pelos turcos, gregos e eslavos é denominado por Berruto (1991) de
Fremdarbeiteritalienisch, que significa italiano dos trabalhadores estrangeiros. Por essa razão,
o italiano presente em toda a Suíça vem sendo concebido como língua franca 67, já que é
utilizada, como importante instrumento de comunicação, por diversos emigrantes que lá
residem (SCHIMID, 1993).
Na primavera de 2012, esse foi o motivo que levou as autoridades locais a constituir
um grupo parlamentar chamado de italianità que visa a reforçar a presença do idioma italiano
em nível nacional e despertar o interesse pela cultura e pela LI nas atividades do Parlamento
Federal. No verão do mesmo ano, o Conselho do Estado de Cantoni Ticino convidou diversas
associações e grupos públicos e privados para promover e defender a LI no país (LÜDI,
2005).
Juntamente com os italianos da Eslovênia, os italianos residentes na Croácia
constituem a Comunidade Nacional Italiana (CNI) autóctone. Trata-se de uma comunidade
estruturada organicamente com numerosas instituições espalhadas em todo o território
nacional que, com as suas atividades, buscam manter viva a cultura, a língua e a identidade
italianas, transmitindo-as às novas gerações.
Na Eslovênia, mais precisamente nas cidades litorâneas de Ancarano, Piran, Izola e
Ístria, o italiano tem o status de L2 e é considerado também língua oficial. No território
istriano, por exemplo, esse idioma é a língua materna do grupo étnico italiano e língua do
ambiente social para outros cidadãos. Ademais, para favorecer o bilinguismo e fornecer aos
emigrantes italianos e seus descendentes um acesso ao aprendizado do idioma de seu país de
origem, as autoridades introduziram o ensino da LI tanto na escola infantil, quanto nas séries
mais elevadas. Além disso, revistas e jornais italianos na Eslovênia são distribuídos em
muitas lojas. Existe, ainda, um canal televisivo e radiofônico, o RTV Koper Capodistria, que
transmite programas em LI.

Para entender a complexa situação atual é preciso voltar no tempo. No


estado federativo iugoslavo, as repúblicas individuais possuíam amplas
autonomia em vários setores, dentre outros, no tratamento das minorias
étnicas residentes no próprio território, e a Eslovênia (em parte também a
Croácia) havia feito escolhas decisivamente progressistas. Para proteger a

67
São várias as acepções e definições para o termo língua franca. No entanto, Siqueira (2008, p. 15) a define
“como o idioma de contato e comunicação entre grupos ou membros de grupos linguisticamente distintos”.
Pluralidade linguístico-cultural do italiano| 91

pequena minoria italiana nos territórios definidos pluriétnicos – isto é nas


províncias de Ístria , Izola e Piran do litoral esloveno – e para bloquear a sua
precoce assimilação foram tomadas medidas legislativas, ainda hoje em
vigor. Assim, nessa área, a língua italiana tem o status de língua oficial, com
os mesmos direitos do esloveno [...]68 (MIKLIC; OZBOT, 2001, p. 115,
tradução minha).

Na Croácia, mais exatamente na região da Ístria croata, o italiano standard é a língua


nacional difundida na televisão, nos jornais, nas escolas e nas universidades, embora a
comunidade italiana e os falantes de LI como língua materna estejam diminuindo, conforme
os dados do Censo de 200169. Vale ressaltar, contudo, que os dialetos da Itália são bastante
falados nesse país, em especial o dialeto istroveneto, que para muitos italófonos da região é a
língua de família.
Embora a realidade croata comprove que o italiano é pouco usado pela comunidade
local, permanece em vigência o bilinguismo italiano/croata, pelo menos oficial e
institucionalmente, nas seguintes cidades: Buie, Cittanova, Dignano, Parenzo, Pola, Rovigno,
Umago, Valle d'Istria, Verteneglio, Fasana, Grisignana, Castellier-Santa Domenica,
Lisignano, Montona, Portole, Visignano, Visinada e Orsera. Em todo caso, a presença de
escolas italianas regulares e superiores é garantida em toda a região da Ístria.
Na França, o italiano é compreendido por boa parte da população Corsa, devido
principalmente a razões histórico-geográficas e às semelhanças entre a língua corsa e os
dialetos toscanos. O mesmo pode-se dizer do Principado de Mônaco, onde a comunidade
italiana corresponde a 21% da população e o italiano é L2 após o francês e o monegasco. Já
na Albânia, a difusão e o bom conhecimento desse idioma se dão graças aos meios de
comunicação. Além dessas cidades, o italiano foi disseminado, consequentemente, nas ex-
colônias italianas africanas: Líbia, Eritreia, Etiópia e Somália. Vale ressaltar que nesse último
país, o italiano foi língua oficial até 1963.
A imigração italiana no Brasil trouxe para as terras brasileiras uma nova língua-
cultura ou, melhor, os muitos falares, como os dialetos dos italianos de várias faixas etárias
oriundos de regiões diversas. Os imigrantes que aqui chegaram se instalaram em Estados

68
“Per capire la complessa situazione attuale bisogna andare un po‘ indietro nel tempo. Nello stato federativo
iugoslavo, le singole repubbliche disponevano di larghe autonomie in vari settori, tra l‘altro anche nel
trattamento delle minoranze etniche residenti nel proprio territorio, e la Slovenia (in parte anche la Croazia)
aveva fatto scelte decisamente progressiste. Per proteggere l‘esigua minoranza italiana6 nei territori definiti
plurietnici – cioè nei comuni di Koper (Capodistria), Izola (Isola) e Piran (Pirano) del Littorale sloveno – e per
bloccare la sua precoce assimilazione erano state prese varie misure legislative, tuttora in vigore. Così, in questa
zona, la lingua italiana ha lo status di lingua ufficiale, a pari diritto con lo sloveno [...]”.
69
Essas informações podem ser encontradas no documento La Minoranza Linguistica Storica italiana dell’Istria
croata. Disponível em: <https://bora.uib.no/bitstream/ handle/1956/ 6740/106623212. pdf?sequence=1> Acesso
em: 10/01/2015
Pluralidade linguístico-cultural do italiano| 92

como o Rio Grande do Sul, Santa Catarina, São Paulo, Espírito Santo, Bahia e Pernambuco.

Estima-se que a imigração vêneta no Brasil, entre 1876 e 1920, tenha sido de
quase um milhão de pessoas, o que representavam mais de um terço do total
das demais regiões da Itália. Em 1970, somente no Estado do Rio Grande do
Sul, de uma população de dez milhões de habitantes, 20% tinha sobrenome
italiano. Foram milhões, em quase 150 anos de história, praticamente outro
país, disseminado, longe, mas emocionalmente ainda ligado às origens
(MIAZZO, 2011, p. 35).

Segundo De Picol (2013), em 1875, quando chegaram os primeiros imigrantes,


inicia-se uma transformação cultural e linguística no Rio Grande do Sul (2013). Pois,
conforme elucidam Frossi et al. (2008, p. 144): “Não só a linguagem era italiana; o universo
cultural ali instaurado foi essencialmente italiano e assim se preservou durante várias décadas
da história regional”.
Uma realidade linguística notável no Brasil, ainda hoje conservada, foi a língua
trazida e transmitida de geração a geração que derivou para um idioma atualmente chamado
de “talian”, “veneto brasiliano” ou “dialeto vêneto sul-rio-grandense”. Esse amálgama
linguístico resultou do contato entre diferentes “dialetos”, trazidos pelos primeiros imigrantes
estabelecidos no sul do Brasil, e o português (MIAZZO, 2011). Segundo Miazzo (2011, p.
38), “o talian é um língua que tomou forma a partir da fusão dos dialetos provinciais vênetos
pertencentes aos primeiros imigrantes. Quase todos eram iletrados e o vêneto era a única gíria
do próprio arquivo familiar”.
Todavia, durante muito tempo, o falar italiano foi considerado de menor prestígio
pela própria população local, sobretudo porque as políticas linguísticas brasileiras proibiram,
durante o Estado Novo, o uso das línguas dos imigrantes em território nacional. Nessa época,
Lei de Nacionalização do Ensino fechou as escolas italianas existentes nas colônias e as
línguas dos imigrantes, entendidas como línguas nacionais de outros países, foram
juridicamente interditadas (PAYER, 2006).
Por outro lado, conforme ressalta Miazzo (2011), o talian é falado e compreendido
atualmente por cerca de um milhão de pessoas, dentre imigrantes, descendentes (filhos e
netos) e, por isso, é considerado a L2 mais falada do Brasil. Concebido como uma língua
neolatina, o talian deveria ter o total direito de figurar ao lado do italiano, francês, espanhol,
português, romeno, etc.
Falado em outros estados do Brasil, a saber, Santa Catarina, Paraná, Espírito Santo e
provavelmente em Minas Gerais, o talian é um idioma que faz parte do dia a dia dos
Pluralidade linguístico-cultural do italiano| 93

descendentes italianos e outros habitantes dessas regiões. Ademais, o talian não é apenas
falado, pois possui uma forma escrita, no jornal Correio Riograndense e na obra literária Vita
e storia de Nanetto Pipetta, de Aquiles Bernardi. Além disso, possui gramática e dicionário, a
exemplo da Gramática e Vocabulário do Dialeto Italiano Rio-Grandense, compilado por A.
W. Stawinski e publicado em Porto Alegre em 1977. Atualmente, já existe o Dicionário do
Dialeto Vêneto-Português-Italiano (MIAZZO, 2011).
Em Afinal, o que é Talian? (2011), Miazzo informa que a Associação dos Difusores
do Talian (ASSODITA) tramitou a solicitação, junto ao IPHAN (Instituto do Patrimônio
Histórico e Artístico Nacional), para o reconhecimento oficial desse idioma como Patrimônio
Cultural e Imaterial do Brasil. Mas foi só em 2014 que o talian recebeu o título de língua
Patrimônio Cultural Imaterial do Brasil, tornando-se, assim, a primeira língua dos imigrantes
no Brasil a receber essa titulação:

A Comissão Técnica do Inventário Nacional da Diversidade Linguística


(CT-INDL), que é formada por representantes do Ministério da Cultura, do
Planejamento, da Ciência, Tecnologia e Inovação, da Educação e da Justiça,
aprovou em reunião realizada no dia 9 de setembro de 2014, na sede do
IPHAN, em Brasília, a inclusão das línguas Asurini do Trocará, Guarani
Mbya e Talian no INDL.

O INDL, instituído pelo Decreto nº 7387 de 2010, é um instrumento de


identificação, documentação, reconhecimento e valorização das línguas
portadoras de referência à identidade e à memória dos diferentes grupos
formadores da sociedade brasileira. Objetiva contribuir na promoção da
diversidade linguística no Brasil, apoiando iniciativas de preservação
promovidas pelas comunidades linguísticas. As três línguas incluídas no
INDL foram inventariadas por meio de projetos-piloto apoiados pelo Iphan e
que foram executados entre 2008 e 2011.

O Asurini e o Guarani Mbya são, segundo a classificação de especialistas,


línguas indígenas do tronco Tupi, família Tupi-Guarani. Já o Talian é
falado por expressivo contingente de descendentes de imigrantes
italianos, sobretudo nos estados do sul do Brasil. A cerimônia oficial de
certificação dessas línguas, que será conduzida pela Ministra da Cultura
Marta Suplicy, ocorrerá no Seminário Ibero-Americano da Diversidade
Linguística, em Foz do Iguaçu/PR, entre os dias 17 e 20 de novembro de
2014. (DPI – IPHAN, 2014, grifo meu).

Como já informando neste trabalho, o talian é idioma oficial no município


catarinense de Flores da Cunha e Nova Erechim. Conforme informações encontradas tanto no
site70 da prefeitura como no site71 da Câmara dos vereadores de Flores da Cunha, o Projeto de

70
http://www.floresdacunha.rs.gov.br/noticias/inicia-projeto-talian-perspectivas-e-acoes-nas-escolas
71
http://www.camaraflores.rs.gov.br/noticias_detalhes.aspx?id=4498#.V1WHI-SYKTU
Pluralidade linguístico-cultural do italiano| 94

Lei nº014/2015, de autoria do vereador Jorge de Godoy, instituiu o talian como língua co-
oficial do referido munícipio. A promulgação dessa lei visa valorizar a herança linguística e
cultural como forma de salvaguardar um patrimônio imaterial do povo, incentivar o
conhecimento e a fala do talian, em especial nas famílias e com as novas gerações, bem como
propagar o talian nas escolas.
Em Nova Erechim, o prefeito Volmir Pirovano, no uso de suas atribuições estabelece
no dia 11 de agosto de 2015, o talian ou vêneto brasileiro como língua co-oficial do
munícipio. Dentre outros objetivos, o status de língua co-oficial permite ao Munícipio ensinar
nas escolas nas escolas públicas72.
Ademais, conforme relata a professora Mariza Moraes da Universidade Federal do
Espírito Santo, em seu o artigo Política linguística em prol da licenciatura em Italiano na
modalidade EAD, o talian, também, foi aprovado como língua co-oficial, ao lado do
português, no município de Serafina Corrêa no Rio Grande do Sul, por meio da Lei nº 14.951,
de 11 de novembro de 2009 (MORAES, 2014, p. 326).
No referido artigo, é possível encontrar informações sobre uma pesquisa que vem
sendo realizada para verificar a situação do italiano no Espírito Santo. Até o momento, os
dados mostraram que em Venda Nova do Imigrante, munícipio onde se encontra uma
comunidade composta por maioria ítalo-capixaba, existe também um caso de bilinguismo
italiano – português, embora infelizmente, por diversos fatores, os dados preliminares
apontem para o declínio progressivo da oralidade e da escrita entre os cidadãos.
Em outras nações, onde houve emigrações, existem importantes comunidades
italianas nas quais o idioma é falado pelas famílias de emigrantes, sendo, portanto, língua de
família, língua de comunidade, a saber: Estados Unidos, Argentina, México, Uruguai,
Austrália, Canadá, França, Bélgica e Alemanha.
Como é possível constatar, o italiano ultrapassou os muros da Itália e, atualmente,
está presente em diferentes partes do mundo, seja como L2 ou como patrimônio histórico-
cultural, língua de herança e de comunidade. Devo confessar, todavia, que durante a minha
trajetória como aprendiz e professora de LI, pouco ou quase nada me foi transmitido sobre a
realidade descrita neste capítulo. Claro que os meios contemporâneos como a Internet,
facilitaram meu acesso a essas informações negligenciadas, principalmente pelo material
didático73 existente que, para muitos, é o único elo entre o aprendiz e a língua-cultura alvo.

72
http://www.talianbrasil.com.br/sc/nova-erechim-cooficializa-o-talian
73
Até a conclusão deste capítulo, encontrei informações sobre essas localidades onde o italiano é falado, apenas
na coleção Expresso e Nuovo Espresso da editora Alma Edizioni.
Pluralidade linguístico-cultural do italiano| 95

Quero aqui, portanto, chamar a atenção para a responsabilidade, que o profissional na


área de ensino desse idioma tem, de estar informado sobre a geografia linguístico-
sociocultural da língua que leciona. No contexto brasileiro, é importante não desconhecer e/ou
ignorar que o talian, embora seja uma língua-irmã do italiano, é fruto da história
compartilhada pelos povos brasileiro e italiano. Enfim, é preciso começar a olhar para outros
lugares e trazê-los para a sala de aula.
Diante do quadro apresentado aqui, passo agora à análise das ementas das disciplinas
dos cursos de licenciatura em LI das universidades selecionadas para verificar se as propostas
pedagógicas contemplam a pluralidade linguística e cultural do italiano que este capítulo
retrata.

3.4 Pluralidade linguístico-cultural do italiano nos currículos dos cursos de Licenciatura


em língua italiana: uma realidade?

Inicialmente, esta seção rememora os PCN (1998), mais especificamente os trechos


que contêm informações sobre o estudo da variação linguística e da pluralidade cultural.

A questão da variação linguística em Língua Estrangeira pode ajudar não


só a compreensão do fenômeno linguístico da variação na própria língua
materna, como também do fato de que a língua estrangeira não existe só
na variedade padrão, conforme a escola normalmente apresenta. Aqui
não é suficiente mostrar a relação entre grupos sociais diferentes (regionais,
de classe social, profissionais, de gênero etc.) e suas realizações linguísticas;
é necessário também indicar que as variações linguísticas marcam as
pessoas de modo a posicioná-las no discurso, o que pode muitas vezes
excluí-las de certos bens materiais e culturais [...]. O tema transversal
Pluralidade Cultural merece um tratamento especial devido ao fato de o
ensino de Língua Estrangeira se prestar, sobremodo, ao enfoque dessa
questão. Esse tema pode ser focalizado a fim de desmistificar
compreensões homogeneizadoras de culturas específicas, que envolvem
generalizações típicas de aulas de Língua Estrangeira (BRASIL, 1998, p.47,
grifo meu).

Como visto, os PCN (1998) e a sociolinguística utilizam a expressão “variações


linguísticas”. No entanto, aqui lanço mão do termo “variedades”, uma vez que me baseio nos
estudos de Sabatini (1985) e Berruto (1987, 2003). Ademais, é importante ressaltar que os
documentos mencionados acima falam separadamente em “variação linguística” e
“pluralidade cultural”, as quais entendo como complementares e por isso, atribuo-lhes a
Pluralidade linguístico-cultural do italiano| 96

denominação “pluralidade linguístico-cultural”. Principalmente, porque ao associá-la ao


italiano, não me limitarei a falar somente das variedades, mas, também, dos dialetos da Itália e
dos outros lugares onde o italiano é falado ou como língua oficial ou L2.
Diante disso, para investigar se as propostas pedagógicas das ementas e dos
programas curriculares dos cursos de Licenciatura em LI selecionados para este estudo
contemplam a pluralidade linguístico-cultural do italiano, procedo à análise dos dados, à luz
do referencial teórico e metodológico já apresentado. Contudo, é importante destacar que as
disciplinas foram agrupadas de acordo com os seus títulos, descrições das ementas e,
conforme, os seus objetivos. Desse modo, a análise foi realizada seguindo tanto os critérios de
agrupamento das disciplinas como uma ordem pré-estabelecida, como é possível verifica na
tabela a seguir:

Quadro 4 – Organização das disciplinas74 por subcategorias I

1. Disciplinas específicas de dialetos e variedades


2. Disciplinas da aprendizagem básica do italiano
3. Disciplinas específicas para o professor de italiano
4. Disciplinas de ‘cultura’
5. Disciplinas de literatura
6. Disciplinas de Linguística Aplicada
Fonte: a própria autora

A escolha destas subcategorias acima foi feita após a leitura do corpus a fim de
estabelecer uma organização para a sua análise. Desse modo, chamei de “disciplinas
específicas de dialetos e variedades” aquelas cujos títulos já revelam que essas dimensões
serão contempladas. Na segunda subcategoria, reuni todas as disciplinas de caráter obrigatório
voltadas para o desenvolvimento das quatro habilidades linguísticas – ouvir, falar, ler e
escrever em LI, além daquelas, obrigatórias e optativas, cujo propósito seja desenvolver uma
dessas habilidades.
As disciplinas específicas para o professor de italiano são aquelas que visam
aprofundar os estudos de morfologia, fonologia e sintaxe. Enquanto que as disciplinas

74
É importante informar que os nomes das disciplinas variam de um curso para o outro e que nem todos os
cursos possuem todas as disciplinas elencadas. Além disso, por uma questão de escopo e limite, não serão
apresentadas as descrições de todas as ementas e objetivos das disciplinas, mas, apenas, aquelas que considerei
relevantes para esta análise.
Pluralidade linguístico-cultural do italiano| 97

agrupadas na subcategoria, “disciplinas de cultura”, são assim denominadas porque em seus


títulos contêm o termo “cultura”. O mesmo critério foi seguido para agrupar as disciplinas de
literatura. Todavia, juntei nas disciplinas de Linguística Aplicada, não só aquelas que assim já
se intitulam, mas também, as que cujos títulos dizem respeito à metodologia do ensino do
italiano e às de estágio. Feita essa premissa, inicio a análise.

3.4.1 Dialetos e variedades do italiano

Inicialmente, debruço-me sobre as disciplinas cujos títulos se referem, de algum


modo, aos dialetos e às variedades do italiano, tais como: “Italiano 7: níveis e registros”,
“Caminhos da Dialetologia”, “Estudos de Dialetos Italianos”, “Dialetologia Românica”, “A
Situação Atual das Língua Românicas”, “Introdução aos Estudos Dialetais” e “Metodologia
dos Estudos Dialetais”.
Vale ressaltar que a primeira e a segunda disciplinas estão presentes na grade
curricular do curso de Licenciatura em LI da UFES75 e que as cinco últimas constam no
currículo da UFBA76. Nos currículos das outras universidades, não encontrei, nos títulos das
disciplinas, nenhuma referência ao que aqui chamo de pluralidade linguístico-cultural do
italiano.
Em seguida, para identificar a relação entre a denominação das disciplinas e os
conteúdos propostos, concentrei-me na leitura das ementas das disciplinas do curso da UFBA:
“Dialetologia Românica”, “A Situação Atual das Línguas Românicas”, “Introdução aos
Estudos Dialetais” e “Metodologia dos Estudos Dialetais”. As descrições encontradas foram
as seguintes:

Estudo de alguns dialetos italianos visando ressaltar o bilinguismo e as


variedades regionais existentes na Itália (ESTUDO DE DIALETOS
ITALIANOS, UFBA, 200977, grifo meu).

Estudo dos sistemas linguísticos românicos, a partir da inter-relação entre


mudança linguística e crítica textual, com base nos fatos linguísticos
documentados em textos (DIALETOLOGIA ROMÂNICA, UFBA, 2009).

75
O curso da UFBA é denominado Letras vernáculas e italiano – Licenciatura.
76
O curso da UFES trata-se de uma Licenciatura dupla: Italiano português.
77
A data referente aos conteúdos das disciplinas corresponde à data que se encontra na grade curricular do da
publicação do currículo do curso de Licenciatura em LI da UFBA.
Pluralidade linguístico-cultural do italiano| 98

Visão geral dos sistemas linguísticos românicos, no tempo e no espaço,


considerando a situação dos mesmos como língua de comunicação (A
SITUAÇÃO ATUAL DAS LÍNGUAS ROMÂNICAS, UFBA, 2009).

Apresentação da fundamentação teórica para o desenvolvimento dos estudos


no campo da Dialetologia (INTRODUÇÃO AOS ESTUDOS DIALETAIS,
UFBA, 2009).

Apresentação crítica dos diferentes caminhos seguidos pela Dialetologia da


sua origem ao momento atual (METODOLOGIA DOS ESTUDOS
DIALETAIS, UFBA, 2009).

Evidentemente, cada descrição aqui tem as suas particularidades. Por exemplo, é


possível constatar na descrição da primeira a presença da pluralidade linguístico-cultural do
italiano, pois existe tanto a referência aos dialetos como às variedades regionais da Itália, bem
como a preocupação em evidenciar o bilinguismo descrito na seção 3.3.2. deste capítulo.
Contudo, não há total consonância entre o seu título e a sua descrição.
Nas demais disciplinas, embora não exista uma referência explícita aos dialetos que
serão estudados, entendo que sua presença na grade curricular do curso de Licenciatura em
LI, já demonstra a importância desses estudos para o profissional de Letras, sobretudo, o
professor de línguas. É notório que todas essas referidas disciplinas são optativas e fazem
parte do currículo de uma mesma instituição. Isso me leva a pensar que o futuro professor de
italiano terá, possivelmente, contato com os dialetos italianos em algum momento do percurso
formativo. E por isso que acredito que é muito difícil falar em “visão geral dos sistemas
linguísticos românicos” ou “fundamentação teórica para o desenvolvimento dos estudos no
campo da Dialetologia” sem se referir à situação italiana. O que de certo modo é um bom
começo.
Em seguida, analiso as disciplinas do curso da UFES: “Italiano 7: níveis e registros”
e em “Caminhos da Dialetologia” onde encontrei informações diferentes, como é possível
verificar nos trechos abaixo extraídos de suas respectivas ementas:

Aprofundamento morfossintático. Modelos de textos das diversas linguagens


setoriais (microlínguas): linguagem dos negócios, linguagem dos
profissionais: direito, arquitetura, artes plásticas, música (Italiano 7: Níveis e
Registros, UFES, 200878, grifo meu).

Fundamentos da dialetologia. Os estudos da dialetologia no Brasil. Os atlas


linguísticos do Brasil. O Atlas Linguístico do Espírito Santo (CAMINHOS
DA DIALETOLOGIA, UFES, 2008).

78
A data referente aos conteúdos das disciplinas do curso de Licenciatura em LI da UFES corresponde à data da
publicação do currículo dessa instituição.
Pluralidade linguístico-cultural do italiano| 99

A leitura desses trechos me permitiu constatar diferentes aspectos. O primeiro foi que
o foco desta investigação, a pluralidade do italiano, não estava sendo contemplado nem pela
primeira disciplina cujo título fala em “registros e níveis” e nem pela segunda. O segundo
aspecto importante é que a disciplina intitulada ‘Italiano 7: níveis e registros’ trata, na
verdade, do ensino do que Paolo Balboni (2000) chama de “microlínguas científico-
profissionais”, as quais, segundo o autor, são dirigidas a um estudante especialista que,
geralmente, não domina as variações cotidianas da língua estrangeira, mas domina o conteúdo
tratado na microlíngua. Ora, porque o professor de italiano em formação que não conhece os
termos específicos da advocacia e nem da arquitetura estudará essas microlínguas e não os
dialetos da Itália ou as variedades do italiano? Por que a opção por um conteúdo em
detrimento do outro?
Quanto aos “Caminhos da Dialetologia”, embora o curso de Licenciatura em LI da
UFES seja uma licenciatura dupla – português/italiano – é possível observarmos na descrição
da disciplina, apenas a referência aos estudos dialetológicos do Brasil e do Espírito Santo.
Entendo que, por se tratar de uma disciplina optativa, os elaboradores da disciplina tenham se
preocupado com a situação local, uma vez que esta envolve todos os alunos do curso de
Letras, independentemente da língua escolhida para os estudos. Entretanto, exatamente, por se
tratar de uma habilitação dupla, acrescento que poderia existir outra disciplina que pudesse
dar-lhe continuidade e que, dessa forma, contemplasse a situação italiana. Concluo, pois, que
os dialetos italianos estão sendo negligenciados.
Após as leituras das grades curriculares e a procura de disciplinas que expusessem
explicitamente o que, aqui, investigo, concentrei-me nas disciplinas agrupadas em outra
subcategoria.

3.4.2 Disciplinas da aprendizagem básica do italiano

As disciplinas que aqui serão analisadas são aquelas cujo foco é a aprendizagem
básica do italiano, tais como “Língua italiana I, II, III”, “Italiano 1”, “Italiano 2”, “Língua
italiana em nível básico”, “Língua italiana em nível intermediário”, “Italiano II: língua e
cultura”, “Leitura de Texto em Língua Italiana”, “Conversação do Italiano”, etc.
Nesse momento, percebi que alguns cursos negligenciam os diversos falares italianos
e as diversas comunidades falantes desta língua, conforme demostram os trechos abaixo:
Pluralidade linguístico-cultural do italiano| 100

Estudo de estruturas da língua Italiana que levem à comunicação oral e


escrita em nível básico (LÍNGUA ITALIANA EM NÍVEL BÁSICO, UFBA,
2009)

Estudo de estruturas da língua italiana que levem à comunicação oral e


escrita em nível avançado (LÍNGUA ITALIANA EM NÍVEL
AVANÇADO, UFBA, 2009, grifo meu).

Nas descrições das três disciplinas da UFBA79, não é possível identificar se a


pluralidade linguístico-cultural do italiano está presente. No entanto, a partir das informações
obtidas do programa, percebo que ela será apresentada aos alunos, futuros professores de
italiano, no terceiro semestre, conforme demonstra o fragmento abaixo:

O Passato remoto. O emprego dos tempos e dos modos verbais. As


particularidades de ci, vi e ne; As particularidades dos verbos. As
particularidades dos plurais; As particularidades na formação do feminino;
Os nomes alterados; As particularidades dos graus dos adjetivos; As
principais conjunções; Os principais advérbios; Frases idiomáticas mais
comuns; Conteúdos funcionais: 1. Propor, aceitar, recusar. Negociar. Tomar
uma decisão; 2. Relatar as palavras de alguém e caracterizar seu discurso; 3.
Dar explicações. Contar fatos vividos; 4. Evidenciar raciocínio lógico
utilizando relações de causa/efeito/hipótese [...] Habilidades linguísticas: 1.
Escuta/leitura de textos explicativos, informativos, argumentativos,
narrativos; 2. Escuta e relato de contos. Resumo oral e escrito; 3. Os
conectores lógicos, temporais, espaciais, os reformuladores. Indicadores da
cronologia; 4. Distinguir os níveis de língua: standard, italiano médio,
dialetto, gergo; 5. Leitura de textos literários. Escutar e relatar contos.
Resumo oral e escrito; 6. Escrever textos narrativos (LÍNGUA ITALIANA
EM NÍVEL AVANÇADO, UFBA, 2009, grifo meu).

Na UFES80, embora se perceba uma pequena evolução quando comparada às


descrições anteriormente reportadas, verificamos que se destaca a pronúncia “correta” e se
desconhecem outras comunidades de falas da LI, como é relatado a seguir:

Introdução ao estudo da língua italiana. Aquisição de estruturas de nível


elementar dos registros formal e informal da língua oral e escrita.
Recepção e produção do texto oral e escrito em nível elementar. Sistema
fonético e gráfico do italiano. Confronto com seus correspondentes no
português. Vocabulário referente a situações do cotidiano. Noções da
História e geografia da Itália. Leitura e discussão de textos literários e não
literários (ITALIANO 1, UFES, 2008, grifo meu).

79
O curso de Licenciatura em LI da UFBA oferta apenas três disciplinas específicas para o estudo do idioma
italiano.
80
Na UFES, existem quatro disciplinas específicas de LI. A partir do quinto semestre essas disciplinas passam a
enfocar um conhecimento específico, a saber: sintaxe, morfossintaxe, níveis e registros, tradução, fonética e
fonologia, verbo e estudos gramaticais.
Pluralidade linguístico-cultural do italiano| 101

Aquisição de estruturas de nível intermediário dos registros formal e


informal da língua oral e escrita. Ampliação do vocabulário básico
aprendido nos períodos anteriores. Ênfase na correção da pronúncia.
Desenvolvimento de competência comunicativa (oral e escrita).
Sistematização de aspectos da gramática italiana, os verbos e os pronomes.
Aprimoramento de habilidades de produção e compreensão oral e escrita,
através do estudo de vocabulário, estruturas linguísticas e funções
comunicativas de nível intermediário (ITALIANO 3, UFES, 2008, grifo
meu).

Estudo e análise contrastiva de estruturas em que ocorre a maior


interferência do português na aprendizagem do italiano. ênfase na correção
de desvios persistentes na produção em língua italiana nos níveis
ortográfico, oral (pronúncia), morfossintático e léxico) (ITALIANO 8:
ESTUDOS GRAMATICAIS AVANÇADOS I, UFES, 2008, grifo meu).

É bem verdade que os trechos grafados retratam uma certa preocupação em visitar
outros registros, “os informais’” na língua escrita e oral, o que sugere que outros falares, de
algum modo, devam ser visitados. Todavia, a “ênfase na correção da pronúncia”, é também
chamativa neste curso. Então pergunto: Por que o termo correção? Corrige-se a partir de qual
variedade da língua? Não seria mais interessante o (re) conhecimento das diferentes
pronúncias das comunidades falantes de LI?
A seção, 3.3.1 deste capítulo, por exemplo, descreve que o falar italiano não é
uniforme em toda a Itália e que, é exatamente na pronúncia que são mais evidentes as
caraterísticas de todas as variedades apresentadas aqui. Sobre isso, postulo que o importante é
fazer com que o aluno, futuro professor de italiano, seja capaz de interagir em diferentes
contextos de maneira inteligível. Fico, portanto, com as palavras de Moita Lopes (1996, p. 42-
43) quando afirma que “[...] a exigência de uma pronúncia perfeita não pode ter outro objetivo
senão o de domínio cultural. Tal atitude de imitação perfeita é o primeiro sintoma de
alienação a se detectar”.
Ademais, na descrição das ementas das disciplinas acima citadas, não existe
nenhuma referência às variedades regionais, aos dialetos e nem às comunidades falantes de
LI. Pelo contrário, logo no primeiro semestre, especificamente na disciplina “Italiano 1”,
onde o graduando deve ser apresentando ao universo que irá conhecer ao longo do curso é
conferido a ele, apenas, “Noções da história e geografia da Itália.”, quando, então, a discussão
poderia ser outra, tal como: onde está o italiano no mundo?
A partir dessas disciplinas no currículo de Licenciatura em LI da UFES, é possível
inferir que o futuro professor continuará ensinando o idioma italiano negligenciando a sua
Pluralidade linguístico-cultural do italiano| 102

pluralidade, sem olhar para os outros falares e tão pouco para os outros lugares onde o idioma
italiano está presente, isto é, para as outras diversas e diferentes línguas-culturas.
Infelizmente a percepção de uma suposta pronúncia correta, perfeita ou legítima está
presente, também, nas disciplinas do curso de Licenciatura em LI da UFF81, a saber:

Compreender a língua italiana padrão falada e escrita; falar em situações de


comunicação básica previstas no programa; ler e falar com entoação e
correção fonética; ler e Interpretar pequenos textos; escrever textos
inerentes ao programa; iniciar processo de reflexão e autoaprendimento
continuados para a formação de professores (LÍNGUA ITALIANA I,
UFF82, 201583, grifo meu).
Compreender a língua italiana padrão falada e escrita; falar em situações
de comunicação básica previstas no programa; ler e falar com entoação e
correção fonética; ler e interpretar textos de Média dificuldade; escrever
textos inerentes ao programa; dar seguimento à reflexão e ao
Autoaprendimento continuados para a formação de professores (LÍNGUA
ITALIANA II, UFF, 2015, grifo meu).

Compreender a língua italiana padrão falada e escrita; falar em situações de


comunicação básica previstas no programa; ler e falar com entoação e
correção fonética; ler e interpretar textos de Média dificuldade; escrever
textos inerentes ao programa; dar seguimento à reflexão e ao
Autoaprendimento continuados para a formação de professores (LÍNGUA
ITALIANA III, UFF, grifo meu).

Ampliar o léxico e os conhecimentos morfossintáticos da língua italiana


standard (padrão), pondo em prática uma análise contrastiva de usos
desta língua com a materna (LÍNGUA ITALIANA VI, UFF, grifo meu).

Na UFF, como é possível observar em um trecho grafado, existe também o propósito


de que o aluno reflita sobre o seu próprio aprendizado como um fator importante para a sua
formação docente. No entanto, o entendimento de que a língua estrangeira somente existe na
variedade padrão é explícito, o que, de certo modo, não fornece ao aluno a possibilidade de
refletir sobre as variedades da sua própria língua materna e compreender “que as variações
linguísticas marcam as pessoas de modo a posicioná-las no discurso” (BRASIL, 1998, p.47).
Essas descrições dessas disciplinas contínuas e complementares de duas instituições
diferentes, a UFES e a UFF, evidenciam que o futuro professor de italiano, após sair do curso

81
Na UFF existem nove disciplinas específicas de LI.
82
O curso de Graduação em Letras com Licenciatura em LI da UFF é, também, uma habilitação dupla:
Português-italiano.
83
A data referente às descrições das disciplinas da UFF corresponde ao Regulamento dos Cursos de Graduação
da Universidade Federal Fluminense – UFF, aprovado em 14 de janeiro de 2015, disponível em:
http://www.uff.br/sites/default/files/001-2015_regulamento_do_curso_de_graduacao_0.pdf, acesso em 23 de
abril de 2016. Uma vez, que não consta nem no cabeçalho das grades curriculares e nem nos títulos das ementas
a data específica dessas.
Pluralidade linguístico-cultural do italiano| 103

que o licenciará para o ensino desse idioma, possivelmente, terá sido apresentado, apenas, à
língua padrão ou às suas estruturas com “entonação e correção fonética”. Portanto, aqui, são
muitas as questões que devem ser ponderadas. Uma se trata de um currículo que retrata
claramente as culturas dominantes, uma vez que somente a variedade de língua considerada
de prestígio é contemplada. Somente a variedade imposta pelas políticas linguísticas é
estudada. E por isso, quero lembrar as palavras de Silva (2007, p. 35), quando diz que “o
currículo da escola está baseado na cultura dominante: ele se expressa na linguagem
dominante, ele é transmitido através do código cultural dominante.”
Não que essa não seja importante, mas a questão é por que um curso que deve formar
um professor de italiano crítico e reflexivo, além de ignorar, totalmente, a existência de
outros falares, enfatiza em todos as ementas e programas das disciplinas voltadas para o
estudo da LI, apenas a língua padrão, a língua de prestígio, com “entonação correta”? Sobre
isso, faço, portanto, uma nova indagação: qual é a entonação correta? A dos livros didáticos
que historicamente também negligenciam a pluralidade linguístico-cultural do italiano? É
sempre bom refletir sobre isso.
Na USP84, todavia, é possível verificar, nos trechos grafados, a presença da
pluralidade linguístico-cultural do italiano em suas disciplinas básica do aprendizado do
italiano, a saber:

Programa resumido: Esta disciplina visa a que o aluno entre em contato


com a língua italiana, considerando-a não como uma mera sequência de
palavras ou frases, mas como discurso com suas regras de organização.
Espera-se que, desde o início, o aluno desenvolva a habilidade de
comunicação na língua estrangeira durante interações em sala de aula e que
também, participe de situações virtuais de comunicação real na língua
italiana. Os fatos gramaticais serão, portanto, vistos em sua funcionalidade
discursiva para que o aluno possa perceber os mecanismos da língua e
seus efeitos de sentidos e, a partir disso, construir seu espaço linguístico-
discursivo e iniciar seu percurso de formação como professor,
especialista e pesquisador [...] Programa resumido: Programa Resumido
A disciplina visa a que o aluno entre em contato com a língua italiana,
seus mecanismos e seus efeitos de sentido, iniciando a compreensão e a
produção em língua estrangeira, falando de si mesmo e dos outros,
descrevendo ambientes e narrando acontecimentos passados. Além disso, o
aluno entrará em contato com breves textos de escritores
contemporâneos, que serão lidos e analisados em seus aspectos
linguísticos e literários e inter-relacionados com os fatores culturais da
época em que foram produzidos. (LÍNGUA ITALIANA I, USP85, 201586,
grifo meu).

84
Na USP, existem sete disciplinas de LI.
85
Na USP, conforme informações fornecidas pela monitora do curso de italiano, Tatiana Mattos, os alunos
prestam vestibular para o Bacharelado em Letras. No primeiro ano, cursam o Ciclo Básico, com matérias
Pluralidade linguístico-cultural do italiano| 104

O objetivo desta disciplina é oferecer condições para que o aluno reflita


sobre o próprio percurso de aquisição na língua italiana e que desenvolva, de
forma mais aprofundada, a capacidade de e interpretar o funcionamento
discursivo da língua italiana. Tal trabalho será desenvolvido com a
utilização de textos autênticos de diferentes gêneros, presentes nos meios
de comunicação virtual e em outras fontes (livros impressos, materiais
de áudio e imagens). Os elementos gramaticais serão vistos em sua
funcionalidade discursiva e constituirão objeto de análise sob duas
perspectivas: a diferenças entre a estrutura do português e do italiano, e as
estratégias de facilitação no processo de ensino-aprendizagem de tais
conteúdos (LÍNGUA ITALIANA II, USP, 2015, grifo meu).
O objetivo desta disciplina é oferecer condições para que o aluno continue
desenvolvendo a competência linguístico-comunicativa em italiano e que se
torne capaz de analisar registros, variações regionais e o papel social e
identitário dos dialetos na Itália contemporânea. Para tal fim, espera-se
que o aluno tenha oportunidades de explorar os recursos tecnológicos,
disponibilizados pela interconexão mundial de computadores, para ampliar
não apenas o seu universo linguístico e cultural, mas também o repertório
de estratégias de ensino e de aprendizagem de italiano como língua
estrangeira. O contato com a variada gama de insumos linguísticos,
presentes nos meios de comunicação digital, contribuirá para o
refinamento da proficiência oral e escrita em língua italiana,
instrumental essencial à prática como professor ou pesquisador [...]
(LÍNGUA ITALIANA V, USP87, 201588, grifo meu).

Na USP, é possível observar que em nenhum momento existe a ênfase na “pronúncia


correta” da língua padrão, e sim em fazer com que o aluno tenha acesso à textos de diferentes
fontes, de diferentes gêneros e, principalmente, a uma gama de insumos linguísticos, todos
compreendidos como instrumentos essenciais para a prática do professor de italiano. Nesse
curso, certamente, a pluralidade linguístico-cultural do italiano está presente.
Na UFSC89 assim, como na USP, reconhece-se que a LI é melhor compreendida a
partir da leitura de diferentes gêneros textuais, como é possível verificar abaixo:

introdutórias e, ao final do primeiro ano, eles podem escolher se querem cursar português e uma língua
estrangeira/ linguística, só português, só a língua estrangeira ou só linguística. Daí para frente, eles cursam a
habilitação escolhida. Posteriormente, durante o bacharelado, também, existe a opção de fazer ou não a
licenciatura e essa pode ser somente do português ou somente da língua estrangeira escolhida. O e-mail no qual
constam essas informações está no anexo deste trabalho.
86
As datas das disciplinas do curso de Licenciatura da UFES são diferentes porque cada ementa possui uma data
de ativação, conforme é possível verificar nas ementas que estão no anexo deste trabalho.
87
Na USP, conforme informações fornecidas pela monitora do curso de italiano, Tatiana Mattos, os alunos
prestam vestibular para o Bacharelado em Letras. No primeiro ano, cursam o Ciclo Básico, com matérias
introdutórias e, ao final do primeiro ano, eles podem escolher se querem cursar português e uma língua
estrangeira/ linguística, só português, só a língua estrangeira ou só linguística. Daí para frente, eles cursam a
habilitação escolhida. Posteriormente, durante o bacharelado, também, existe a opção de fazer ou não a
licenciatura e essa pode ser somente do português ou somente da língua estrangeira escolhida. O e-mail no qual
contam essas informações está no anexo deste trabalho.
88
As datas das disciplinas do curso de Licenciatura da UFES são diferentes porque cada ementa possui uma data
de ativação, conforme é possível verificar nas ementas que estão no anexo deste trabalho.
89
Na UFSC, também existem sete disciplinas específicas de LI.
Pluralidade linguístico-cultural do italiano| 105

Introdução à compreensão e produção oral e escrita de gêneros


textuais/discursivos em situações familiares e habituais (LÍNGUA
ITALIANA I, UFSC90, 201191).

Compreensão e produção de textos (orais e escritos) em língua italiana


através da exposição a diferentes gêneros textuais/discursivos
característicos de situações do cotidiano, do trabalho e da mídia
(LÍNGUA ITALIANA II, UFSC,2011, grifo meu).

Prática intensiva de língua oral em contextos variados com diferentes


níveis de complexidade. Revisão dos conteúdos linguísticos-comunicativos
praticados até o momento (LÍNGUA ITALIANA IV, UFSC, 2011, grifo
meu).
Aperfeiçoamento das habilidades linguísticas usando diferentes registros
da fala e escrita na abordagem de temas e com ênfase nos contextos
profissionais e acadêmicos (LÍNGUA ITALIANA V, UFSC, 2011, grifo
meu).

Como visto, no curso de Licenciatura em LI da UFSC, a língua não é percebida


apenas na sua forma padrão, mas apresentada a partir dos seus diferentes registros de fala com
diferentes níveis de complexidade e em gêneros diversos. O que me leva a inferir que a
pluralidade do italiano será, possivelmente, apresentada aos alunos em algum momento.
Em outra instituição cuja função é formar professores de italiano conscientes de que
a língua que ensina é permeada por diferenças linguísticas e culturais para atuar em diferentes
contextos educacionais, defrontei-me com perspectivas sobre o ensino do italiano que
reconhecem que o italiano está presente em outros lugares, além da Itália.

Introdução às situações prático-discursivas da língua italiana mediante o uso


de estruturas léxico-gramaticais de nível elementar para o desenvolvimento
das quatro habilidades comunicativas, sensibilizando o aluno para os
aspectos sócio-culturais e interculturais das comunidades falantes desta
língua (ITALIANO I: LÍNGUA E CULTURA, UFC92, 2007).

Estudo das situações prático-discursivas da língua italiana, mediante


estruturas léxico-gramaticais de nível intermediário para o desenvolvimento
das quatro habilidades comunicativas, sensibilizando o aluno para os
aspectos sócio-culturais e interculturais das comunidades falantes desta
língua (ITALIANO III: LÍNGUA E CULTURA, UFC, 2007, grifo meu).

Estudo de situações prático-discursivas da língua italiana, mediante


estruturas léxico-gramaticais de nível avançado para o desenvolvimento das
habilidades comunicativas, com ênfase nos aspectos sócio-culturais e

90
O curso de Licenciatura em LI da UFSC não é uma licenciatura dupla.
91
A data das ementas do curso de Licenciatura em LI da UFSC corresponde a data da Resolução Nº
12/CEG/2011, de 17 de agosto de 2011, conforme o projeto pedagógico do curso do curso Letras de Letras -
italiano dessa instituição, o qual se encontra em anexo.
92
O curso da UFC se trata de uma habilitação em língua portuguesa e língua italiana e respectivas literaturas.
Pluralidade linguístico-cultural do italiano| 106

interculturais das comunidades falantes desta língua e ampliação da


investigação de diferentes gêneros textuais (ITALIANO V: LÍNGUA E
CULTURA, UFC, 2007, grifo meu).

Estudo de especificidades e escolhas de natureza linguística, com ênfase


nos aspectos históricos, geográficos, sócio-políticos e culturais relativos às
comunidades falantes de língua Italiana (ITALIANO VIII: LÍNGUA E
CULTURA, UFC, 200793, grifo meu).

Na UFC94, a partir dos trechos reportados das ementas investigadas, bem como dos
próprios títulos das disciplinas, é notória a preocupação tanto com as variedades e dialetos
como com o reconhecimento de que existem outras comunidades falantes de LI. Além disso, a
disciplina “Italiano VIII: Língua e Cultura”, traz em sua descrição a seguinte citação:
“especificidades e escolhas de natureza linguística, com ênfase nos aspectos históricos,
geográficos, sócio-políticos e culturais”. Ou seja, confere aos alunos a oportunidade da
escolha, informando-lhes, acima de tudo, de que é preciso ter consciência de que essas
especificidades linguísticas são inerentes aos aspectos sócio-políticos, culturais e geográficos,
uma vez que a língua não existe apenas nos livros didáticos. Ou seja, como postulam os
próprios parâmetros curriculares para o ensino de LE, mencionados logo no início desta
seção, “[...] é necessário também indicar que as variações linguísticas marcam as pessoas de
modo a posicioná-las no discurso, o que pode muitas vezes excluí-las de certos bens materiais
e culturais” (BRASIL, 1998, 47).
É importante ressaltar que na UFC, também existe a ênfase no estudo da língua a
partir dos diferentes gêneros textuais. Ademais, em praticamente todas as descrições
encontradas nas ementas referentes ao ensino e a aprendizagem da LI, estão presentes as
seguintes frases: “comunidades falantes de língua Italiana”, “comunidades falantes desta
língua”. Isso significa que os diferentes lugares do italiano no mundo são, no meu entender,
reconhecidos e, consequentemente, apresentados aos alunos, a estes futuros professores de
italiano no Brasil.
Nas disciplinas focadas no desenvolvimento de uma habilidade específica, tais como
“Estudo de língua italiana para fins específicos”, “Língua italiana instrumental II”, “Tópico
Especial em Língua Italiana I”, “Tópico Especial em Língua Italiana II” ou “Redação e
Conversação em Língua Italiana”, procurei, também identificar a presença do ensino do
italiano por um viés plural.

93
A data referente as descrições das ementas do curso de Licenciatura em LI da UFC corresponde a data do
projeto pedagógico revisado em maio de 2007. Esse projeto está nos anexos deste trabalho.
94
Na UFC, existem oito disciplinas específicas de italiano: língua e cultura.
Pluralidade linguístico-cultural do italiano| 107

Nas disciplinas optativas de LI do curso da UFBA: “Ensino de Língua Italiana para


fins Específicos”, “Leitura de Textos em Língua Italiana”, “Redação e Conversação em
Língua Italiana”, é possível fazer interpretações diferentes a partir dos trechos a seguir:

A comunicação oral e a escrita em italiano no âmbito da profissão/


especialidade. Público especializado. O italiano não literário. O italiano dos
negócios, do direito, do comércio, do turismo, etc. (ENSINO DE LÍNGUA
ITALIANA PARA FINS ESPECÍFICOS, UFBA, 2009, grifo meu).

Aplicação de estratégias específicas que levem ao nível inicial de


compreensão de textos de natureza diversa em língua Italiana (LEITURA
DE TEXTOS EM LÍNGUA ITALIANA, UFBA, 2009, grifo meu).

Aspectos e situações mais significativas na vida quotidiana. A Itália e os


seus principais aspectos físicos. Leitura e interpretação de trechos escritos
por autores contemporâneos Exercícios de fixação e revisão do conteúdo
gramatical estudado anteriormente (REDAÇÃO E CONVERSAÇÃO EM
LÍNGUA ITALIANA, UFBA, 2009, grifo meu).

Quanto à disciplina “Ensino de língua italiana para fins específicos”, constatei que se
trata, como indica o título, precisamente de um ensino específico voltado para um grupo
especializado que por diferentes motivos precisa ter acesso ao vocabulário da LI referente à
sua área de atuação, ou seja, advogados, comerciantes, profissionais ligados ao turismo, etc.
Assim, é possível dizer que o título é apropriado e bem diferente daquele encontrado na
UFES, “Italiano 7: níveis e registros”, cujo foco é o mesmo da disciplina da UFBA. Ademais,
trata-se de uma disciplina optativa que, conforme verificado no currículo. pode ser escolhida
por estudantes que não serão, necessariamente, professores de italiano, enquanto na UFES, a
sua referida disciplina é obrigatória para os professores de italiano em formação.
É possível verificar no trecho de uma disciplina do curso da UFBA acima reportado,
que a descrição se refere a uma disciplina de conversação em LI. Todavia, nela serão
revisados os conteúdos gramaticais em vez de conversas que contemple a pluralidade
linguística ou cultural do italiano. Os conteúdos gramaticais são, como já disse, importantes e
devem ter o seu espaço resguardado. Mas porque a inclusão desses e a exclusão de outros
conteúdos em uma disciplina cujo título não faz nenhuma menção à gramática?
Nas disciplinas de “Língua italiana instrumental” do curso da UFF não encontrei
informações que me permitissem inferir que a pluralidade do italiano será contemplada,
conforme comprovam os excertos abaixo:

Leitura, compreensão e análise de textos básicos em língua italiana


(LINGUA ITALIANA INSTRUMENTAL I, UFF, 2015, grifo meu).
Pluralidade linguístico-cultural do italiano| 108

Leitura, compreensão e análise de textos intermediários em língua italiana


(LINGUA ITALIANA INSTRUMENTAL II, UFF, 2015, grifo meu).

As descrições das disciplinas da UFF trazem apenas uma referência aos textos
básicos e intermediários em LI. O que seriam textos básicos ou textos intermediários? Eles
descrevem a pluralidade linguístico-cultural do italiano? A descrição da ementa não informa.
Contrária a essa, é a descrição da disciplina “Introdução à Linguística Italiana” da
USP que demonstra que a pluralidade do italiano será considerada.

Esta disciplina visa a apresentar aos alunos aspectos da linguística italiana


por meio de uma seleção de textos de alguns dos principais linguistas
italianos. Programa: Momentos-chave da história da língua italiana; as
variedades do italiano contemporâneo; elementos de fonética/fonologia,
léxico, semântica e sintaxe; tópicos da sociolinguística italiana; italiano
standard e neo-standard (INTRODUÇÃO À LINGUÍSTICA ITALIANA,
USP. 2009, grifo meu).

Na disciplina da UFC cujo foco é compreensão de textos, também encontrei


informações que me possibilitam inferir que os futuros professores terão contato com a
pluralidade linguístico-cultural do italiano. Essa afirmação pode ser observada a seguir:

Visão abrangente dos principais elementos teóricos envolvidos no processo


de leitura com aplicação prática em material autêntico em língua italiana de
caráter pragmático e cultural. Análise dos diversos tipos de texto a partir
de reflexões teóricas sobre fatores discursivos, linguístico-pragmáticos e
cognitivos envolvidos na produção textual (COMPREENSÃO E ANÁLISE
DE TEXTOS EM LÍNGUA ITALIANA, UFC, 2007, grifo meu).

Como visto, a descrição da disciplina acima expõe mais uma vez o caráter cultural
como um fator relevante para a compreensão de textos em LI, trazendo, também, a
pragmática, que segundo Ellis (1994), é o estudo da língua em uso na comunicação, estudo
este que não se refere, especificamente, ao padrão de língua ensinado nos materiais didáticos.
Na UFSC, as disciplinas “Tópico Especial em Língua Italiana I” e “Tópico Especial
em Língua Italiana II” não evidenciam nenhuma habilidade específica, mas informam que as
questões linguísticas da LI serão abordadas, o que me leva a concluir, que a pluralidade
linguístico-cultural do italiano, apresentada neste capítulo, será o foco das aulas. Como é
possível verificar nos trechos abaixo.

Estudo de conteúdo específico relativo a questões linguísticas da língua


italiana a nível introdutório. (TÓPICO ESPECIAL EM LÍNGUA
ITALIANA I’, UFSC, 2011).
Pluralidade linguístico-cultural do italiano| 109

Estudo de conteúdo específico relativo a questões linguísticas de língua


italiana a nível intermediário e avançado. (TÓPICO ESPECIAL EM
LÍNGUA ITALIANA II, UFSC, 2011, grifo meu).

A próxima subcategoria analisa as disciplinas de “Fonética e Fonologia da Língua


Italiana”, “Morfologia do Italiano”, sintaxe e morfossintaxe.

3.4.2 Disciplinas específicas para o professor de italiano

Nas disciplinas da UFBA, é notório o reconhecimento dos dialetos, das variedades


regionais e dos diversos falares, como é possível verificar nos fragmentos a seguir:
Linguística e linguagem. As variações regionais. Ritmo e entoação.
Fonética e fonemas: os sons. O alfabeto fonético. A transcrição fonética.
Variantes livres e combinatórias. Do som à escrita. Os fonemas italianos. Os
tratti distintivi95. As vogais italianas. A pronúncia padrão. Variedades
regionais no vocalismo. Consoantes, semi-consoantes e semi-vogais.
Ditongo e hiato; ditongos móveis. Fonética sintática. Raddoppiamento
fonosintattico. Variedades regionais relativas a consoantes, semi-
consoantes, fenômenos fonosintáticos (FONÉTICA E FONOLOGIA DA
LÍNGUA ITALIANA, UFBA, 2009, grifo meu).

Realidade diferente da apresentada pela ementa referente à mesma disciplina do


curso de Licenciatura em LI da UFES.

Estudos dos fonemas do italiano e das principais regras fonológicas a eles


referentes. Confronto com o sistema fonológico da língua portuguesa
(ITALIANO 11: FONÉTICA E FONOLOGIA, UFES, 2008, grifo meu).

Diante dessa descrição, repito que os estudos fonológicos são importantes e, sem
sombra de dúvida, devem ser abordados especialmente em uma sala de aula de línguas onde
se encontram futuros professores. Todavia, compreendo que ensinar línguas, dentre outras
questões, é também dialogar com outras áreas do conhecimento, tais como, a sociolinguística
e as políticas linguísticas. Certamente, estas disciplinas informarão aos futuros professores
tanto sobre as variedades das línguas e o porquê de uma variedade ou um padrão ser ensinado
em detrimento do outro. Não seria mais interessante, portanto, confrontar tais regras com a

95
Traços distintivos são, segundo, Sabatini (1985), as características mais evidentes do italiano denominado pelo
próprio autor de italiano do uso médio, o qual Berruto chama de italiano neostandard. Esses traços se distinguem
do chamado italiano padrão e são mais perceptíveis na fala. A princípio Sabatini categorizou 35 traços
distintivos, mas atualmente, são, apenas, 14.
Pluralidade linguístico-cultural do italiano| 110

língua viva falada no dia a dia das comunidades falantes da LI? As diferenças regionais,
dialetais, etc., seriam um excelente ponto de partida para se discutirem as regras fonológicas.
Esse pensamento parece ser compartilhado pelos elaboradores da ementa dessa
mesma disciplina da UFC, a saber:

Estudo das técnicas de pronúncia e entonação da língua italiana padrão, com


atenção também aos aspectos regionais e dialetais característicos dos
seus diferentes elementos linguístico-culturais (FONÉTICA E
FONOLOGIA DA LÍNGUA ITALIANA, UFC, 2005).

Nessa instituição existe o claro entendimento de que, reservar um espaço para os


aspectos regionais e dialetais, não significa excluir os estudos referentes à pronúncia
conhecida como padrão, pois, é evidente que todos podem caminhar juntos. Obviamente, isso
significa que a pluralidade linguístico-cultural do italiano também está presente nesta
disciplina do curso de Licenciatura em LI da UFC.
Como nos outros cursos selecionados, não encontrei disciplinas específicas com
títulos e objetivos relativos a estudos fonéticos e fonológicos, chegou, portanto, a vez das
disciplinas de “Morfossintaxe da Língua Italiana”, “Sintaxe da Língua Italiana” e
“Morfologia da LI”, que constam nas grades curriculares dos cursos de Licenciatura.
Nesse momento, constatei percepções distintas em relação ao conteúdo que deverá
ser ministrado nessas disciplinas elencadas. Na UFBA, por exemplo, como é comum, a
disciplina é especificamente voltada para as estruturas das línguas e, consequentemente, para
os conteúdos gramaticais, como é possível verificar nos fragmentos a seguir:

Estudo de estruturas morfológicas da língua italiana [...] Conteúdo


programático: Substantivo – Gênero, número Adjetivo qualificativo; graus
comparativo e superlativo Os determinantes: artigos, adjetivos possessivos,
demonstrativos, indefinidos Os pronomes relativos, demonstrativos,
possessivos, indefinidos e sua colocação; A regência; Particularidades da
concordância do particípio; Principais advérbios e locuções adverbiais; As
conjunções e suas particularidades; Frases idiomáticas mais usadas;
Formação de palavras com sufixos e prefixos; Os coletivos; Formação dos
substantivos compostos; Verbo: conjugações e modos (MORFOLOGIA DA
LÍNGUA ITALIANA, UFBA, 2009, grifo meu).

Dessa vez, na disciplina de Sintaxe da UFES, foi possível verificar que há uma
preocupação em apresentar a língua a partir da perspectiva pragmático-discursiva e não
somente estrutural. O que me faz entender que, em algum momento, a leitura de diferentes
tipos de discursos poderão trazer possivelmente as variedades e os dialetos da Itália. Mas isso,
também, não é um dado certo.
Pluralidade linguístico-cultural do italiano| 111

Ampliação dos estudos de tópicos gramaticais mais relevantes em uma


perspectiva pragmático-discursiva. Estudo da sintaxe italiana. Análise de
estruturas complexas da língua italiana em um marco textual. Estudo das
estruturas sintáticas coordenadas e subordinadas. Estudo das conjunções.
Leitura e produção de textos descritivos e narrativos que visem aos
diferentes tipos de discurso: direto, indireto e indireto livre. Produção e
recepção de textos orais e escritos. Enfatizar-se-ão os aspectos contrastivos
entre o italiano e o português (ITALIANO 5: SINTAXE DA LÍNGUA
ITALIANA, UFES, 2008, grifo meu).

Embora a disciplina de “Morfossintaxe do Italiano” da UFC seja, prioritariamente


direcionada para os estudos gramaticais e para normas que devem ter o seu espaço
resguardado nos cursos de formação de professores de línguas, a descrição, ainda que pequena
da disciplina, chamou a minha atenção, pois nessa observei a seguinte frase “oração italiana
em seu uso atual”.
Visão teórico-prática das estruturas gramaticais e lexicais do italiano e das
relações que se estabelecem na oração italiana em seu uso atual
(MORFOSSINTAXE DA LÍNGUA ITALIANA, UFC, 2007, grifo meu).

Como visto nas seções anteriores, o uso atual do italiano abarca uma gama de
variedades, dentre elas, a chamada neostandard. Portanto, estudar o italiano a partir do uso
atual, é considerar, segundo Sabatini (1985), dentre outros aspectos, os traços distintivos
característicos desse novo italiano que obviamente são diferentes da norma padrão e da
gramática normativa. Segundo o autor, que prefere a denominação “italiano do uso médio” à
italiano neostandard, existem cerca de 14 traços distintivos que refletem o uso atual do
italiano. Sobre isso, Berreta (1998) explica que esses traços estão, de fato, presentes na
morfologia, na reorganização do sistema pronominal e no remodelamento do sistema verbal
italiano. Em função disso, posso inferir que a pluralidade linguístico-cultural do italiano
também se faz presente nesta disciplina da UFC.
Pois bem, volto agora o meu olhar, especificamente, para aquelas disciplinas cujo
título tem a palavra “cultura”.

3.4.4. Disciplinas de ‘cultura’.

Aqui serão analisadas as várias disciplinas cujo título traz a palavra cultura tais como
“Laboratório de práticas culturais: documentos oficiais: prática de língua italiana”, “Tópicos
em Cultura Italiana”, “Introdução à Cultura Italiana”, etc. Não com o objetivo de inferir o
Pluralidade linguístico-cultural do italiano| 112

conceito de cultura adotado e fomentado por esses cursos, mas de verificar se a pluralidade
linguístico-cultural do italiano está presente.
Inicio pela disciplina da UFBA intitulada “Estudos de Cultura Italiana”:

Os grandes vultos da literatura, da arte, da filosofia, da história, da


economia, da ciência, que atuaram na Itália, desde o século XIII aos nossos
dias. Curso ministrado em língua portuguesa. [...] Conteúdo programático:
A Itália: História, geografia, estrutura administrativa. Os dialetos e a língua
italiana. A arte clássica. A arte medieval. O Renascimento. O Barroco. O
século XVIII. O teatro. O século XIX. Romantismo e realismo. O século
XX. Elementos de cinema italiano (ESTUDOS DE CULTURA ITALIANA,
UFBA, 2009, grifo meu).

Como é possível observar na disciplina acima, ainda que os objetivos se refiram aos
grandes vultos na literatura, na economia e na história, especificamente, italiana, existe, uma
pequena referência aos dialetos, ainda que estes estejam expostos dicotomicamente, ou seja,
dialetos x língua italiana.
O currículo do curso de Licenciatura em LI da UFES tem inúmeras disciplinas cujos
títulos contêm a seguinte expressão: “Laboratório de Práticas Culturais”.96 De acordo com o
enfoque desta categoria de análise em curso, eu reportei apenas aqueles que se referiam ao
ensino da LI, ou de LE, como é possível verificar nos trechos abaixo:

Discussão sobre os PCN- LE: O conhecimento em língua estrangeira como


um direito de todo cidadão. Perspectiva plurilíngue para o ensino de
língua estrangeira. O aprendizado de língua estrangeira como estratégia
para conhecer e compreender o outro, superando assim os preconceitos, a
intolerância cultural e a incapacidade de compreender as diferenças.
Entendimento da língua estrangeira como acesso a outras culturas
(LABORATÓRIO DE PRÁTICAS CULTURAIS: DOCUMENTOS:
PARÂMETROS CURRICULARES NACIONAIS (LE), UFES, 2008, grifo
meu).

Nesse trecho específico, percebi uma grande contradição com tudo o que foi visto
nas outras disciplinas, sobretudo, as específicas de LI. Certamente, porque parece tratar-se de
um recorte dos documentos oficiais brasileiros acerca do ensino de LE – os PCN (1998) – os
quais ressaltam a importância de se considerar a pluralidade cultural e linguística e
compreender que aprender um idioma possibilita aos aprendizes o acesso a outras culturas.
A única disciplina do curso de Licenciatura em LI onde verificamos, de algum modo,
uma atenção aos outros falares do italiano é a seguinte:

96
Outras disciplinas cujo título traz essa expressão serão analisas sob o enfoque da próxima categoria.
Pluralidade linguístico-cultural do italiano| 113

Pesquisa das mudanças comportamentais e dos impactos culturais que


possivelmente ocorrem quando da aquisição de uma língua estrangeira.
Pesquisa sobre a perda ou continuidade dos dialetos italianos existentes
no Estado. A implementação da língua italiana (Convênio SEDU/Consulado
Geral da Itália/ALCIES) no circuito dos currículos das escolas do Espírito
Santo. Análise de um projeto piloto no âmbito do italiano (Progetto Parlare)
(LABORATÓRIO DE PRÁTICAS CULTURAIS: CURRÍCULO DO
ENSINO DE LÍNGUA ESTRANGEIRA, UFES, 2008, grifo meu).

Somente nessa disciplina, o curso de formação de professores de italiano da UFES


reconhece a existência de um universo que não se limita apenas à Itália. Percebo, portanto,
que nesta matéria os futuros professores em formação entrarão em contato com a pluralidade
linguístico-cultural do italiano.
Na USP, constato mais uma vez a ênfase dada aos aspectos geográficos, os quais
podem suscitar uma discussão sobre as variedades regionais e os inúmeros dialetos da Itália.
Ademais, língua padrão x dialetos é exposta de outro modo, uma vez que o padrão evidencia
o fato de os dialetos serem assim denominados, por não serem línguas oficiais e tampouco
padronizados, como é possível verificar no trecho abaixo:

Aspectos geográficos; as regiões; língua padrão e dialetos; festas e


folclore; indústria e artesanato; organização sindical; sistema escolar; esporte
e lazer; ecologia; cozinha e vinhos italianos (INTRODUCÃO À CULTURA
ITALIANA I, USP, 1993, grifo meu).

Na disciplina do curso da UFC, não existe uma menção explícita às variedades do


italiano e aos dialetos da Itália. No entanto, como já dito anteriormente, menciona, novamente
as comunidades falantes de LI. Ademais, a frase “Estudos de aspectos socioculturais” me faz
entender que existe a compreensão de que, ao ensinarmos e aprendermos uma LE, muitos
outros aspectos devem ser levados em consideração, dentre eles os socioculturais, nos quais,
possivelmente, está inclusa a pluralidade linguístico-cultural do italiano.

Estudos de aspectos socioculturais das comunidades falantes de língua


italiana (TÓPICOS DE CULTURA ITALIANA, UFC, 2007, grifo meu).

A seguir, analiso as disciplinas de “Literatura Italiana”.


Pluralidade linguístico-cultural do italiano| 114

3.4.5 Disciplinas de Literatura Italiana

Reconheço que as disciplinas de literatura têm as suas particularidades que envolvem


um determinado período e as correntes literárias específicas. Por essa razão, foram analisadas
as disciplina cujos conteúdos estão relacionados a esta categoria. Por essa razão, foram
analisadas as disciplinas cujos conteúdos estão relacionados a esta categoria.

Literatura volgare na Itália. O toscano: os primeiros textos em italiano


volgare. O volgare na produção de Dante Alighieri e suas teorias
linguísticas. A poesia da Scuola Siciliana e Il Dolce Stil Novo: Guido
Cavalcanti e Guido Guinizelli (ORIGENS DA LITERATURA ITALIANA,
UFES, 2008, grifo meu).

Naquela época, o “italiano vulgar” era a denominação dada à variabilidade e


diversidade de falares de grande parte do povo do Império Romano, desde os soldados aos
colonos e mercadores. Acredito, todavia, que após tantos séculos, essa terminologia “vulgar”,
que em muitos contextos atuais é considerada pejorativa e marginal, não deva mais ser
amplamente divulgada, sobretudo, em um contexto educacional, onde muitos professores
deverão ser formados. Seria, desse modo, continuar legitimando o fato de que a língua do
povo, em seu sentido pejorativo, é vulgar.
Entendo que se trata de uma tradição literária que sempre esteve presente,
principalmente, nos cursos de bacharelado e licenciatura de LI. Todavia, como já disse neste
trabalho, vivemos em contexto sócio-econômico-político-cultural extremamente diferente
daquele no qual surgiram os primeiros textos em língua italiana. Por essa razão, compreendo
que já está mais do que na hora de desconstruirmos os discursos discriminatórios,
inferiorizantes e marginalizantes. Afinal de contas, as tradições podem e devem ser revistas
para não continuarmos repetindo discursos cristalizados.
Apesar de existir a informação sobre o vulgar na descrição da disciplina USP, tal
palavra vem escrita entre aspas, sugerindo que se enfatiza um termo não necessariamente
relativo a uma verdade inquestionável. Ademais, como é possível verificar nos fragmentos
extraídos da ementa, existe uma referência a outros países de literatura italiana.

Estudar a produção dos países da literatura italiana, por meio da análise


de obras literárias, espera-se que o aluno desenvolva a habilidade de
interpretar textos clássicos e de reconhecer conexões entre as obras
abordadas, capacitando-o a utilizar tais conhecimentos para repensar a
importância do trabalho de interpretação textual de textos literários no
processo de aquisição de competência linguística em italiano e na futura
Pluralidade linguístico-cultural do italiano| 115

prática como pesquisador, tradutor e professor de literatura ou de língua


italiana. [...] Programa Resumido: A produção dos países da literatura
italiana. [...] Programa: Divina Commedia, marco fundamental da língua e
da literatura italiana. Petrarca, criador da lírica ocidental. A grande
realização petrarquiana: a fusão entre a cultura humanística e a cultura cristã.
As obras em "volgare": os Trionfi e o Canzoniere. Boccaccio e a criação da
prosa moderna. O Decameron: o realismo e a formação de uma nova
mentalidade cultural. (LITERATURA MEDIEVAL: DANTE, PETRARCA
E BOCCACCIO, USP, 2015, grifo meu).

Em outras descrições das disciplinas de literatura italiana da própria USP e de outros


cursos de Licenciatura em LI que são direcionadas para o mesmo período literário, percebi
uma feição diferente dessa descrita acima. Fala-se em “Proporcionar um panorama histórico
inicial sobre a Literatura Italiana” e em um “Panorama histórico inicial sobre a Literatura
Italiana”, e não nos primeiros textos em italiano vulgar, como é possível observar nos
fragmentos abaixo:
Enfoque das primeiras manifestações da literatura e da civilização
italiana por volta do ano 1200 à era Renascentista (LITERATURA EM
LÍNGUA ITALIANA IV, UFC, 2007, grifo meu).

A literatura italiana das origens até a primeira revolução burguesa


(LITERATURA ITALIANA DOS SÉCULOS XIII E XIV, UFBA, 2009)

Introdução aos estudos de literatura Italiana. Das origens ao século XIV


(Idade Média), com ênfase nos principais autores (LITERATURA
ITALIANA 1, UFSC, 2011, grifo meu).

Proporcionar um panorama histórico inicial sobre a Literatura Italiana.


Esse conteúdo formativo contribuirá para que o futuro profissional de
Letras reflita sobre possíveis formas de integrar o ensino de aspectos
linguísticos aos conhecimentos literários e artísticos na prática de sala
de aula. Programa Resumido Panorama histórico inicial sobre a
Literatura Italiana. [...] Programa: Origens da língua e da civilização
italiana: Dante, Petrarca e Boccaccio. A nova dimensão humana: o
Humanismo. Machiavelli, Ariosto e a Renascença italiana. Barroco e
Contra-Reforma. O novo discurso científico: Galileu. Vico e a Ciência nova
(TÓPICOS DE LITERATURA E CULTURA ITALIANAS I: DAS
ORIGENS À ILUSTRAÇÃO, USP, 2015, grifo meu).

Destes trechos, depreende-se uma grande diferença em relação aos expostos


anteriormente, pois, não existe a menção ao “italiano vulgar”. Percebo, então, que neste curso,
tal termo parece já ter sido abolido. Ademais, no curso da USP, existe uma explícita
preocupação entre a relação do conteúdo que será estudado e a formação docente: “Esse
conteúdo formativo contribuirá para que o futuro profissional de Letras reflita sobre possíveis
formas de integrar o ensino de aspectos linguísticos aos conhecimentos literários e artísticos
Pluralidade linguístico-cultural do italiano| 116

na prática de sala de aula”. Em meu entendimento, os aspectos linguísticos que estão


presentes no panorama inicial da Literatura Italiana refletem a pluralidade linguístico-cultural
do italiano. É importante recordar que foi exatamente nesse período inicial que Dante
Alighieri iniciou a “questão da língua”, debate este em andamento até hoje e que, conforme,
Coelho (2003), jamais será encerrada.
Da UFES, outra descrição da disciplina de literatura – que corresponde a outro
período literário – , também é muito importante para entendermos a pluralidade defendida
neste estudo:
O Romantismo e o Romanzo Storico, Alessandro Manzoni: reflexões sobre
o uso do toscano no Promessi Sposi. A questão da unificação italiana
(Risorgimento) (LITERATURA ITALIANA 4, UFES, 2008, grifo meu).

Ainda que eu possa considerar que o termo “reflexão” na descrição acima da


disciplina “Literatura Italiana 4” do curso de Licenciatura em LI da UFES é uma forma de
desencadear discussões sobre os inúmeros dialetos da Itália, entendo, contudo, que mais uma
vez, o curso traz à tona a ênfase na língua de prestígio – a elitizada língua literária e padrão e
da Itália. Dessa forma, “reflexões sobre o uso do toscano” se referem desse modo apenas a um
falar italiano.
Nas outras disciplinas de literatura da Licenciatura em LI que contemplam o mesmo
período, é possível percebermos que não há uma reflexão sobre toscano, nem tampouco sobre
as outras línguas existentes na Itália que não foram escolhidas como modelo literário italiano.
Além disso, estas disciplinas não trazem nenhuma referência sobre a chamada “questão da
língua”:
Ementa: O processo de renovação cultural: do Barroco ao Romantismo. [...]
Conteúdo programático: O Barroco: o Maneirismo e sua visão do mundo
como teatro; a “nova ciência”: a escola de Galileo Galilei; a Arcádia: Pietro
Metastasio e a reforma do melodrama; Carlo Goldoni e o nascimento da
comédia burguesa; Giuseppe Parini: a transformação da consciência civil;
Vittorio Alfieri: o culto da liberdade; Ugo Foscolo: o prefácio do
Romantismo: Alessandro Manzoni: o afirmar-se da Escola Romântica e o
seu compromisso com a História; Giacomo Leopardi: a mais alta expressão
da lírica romântica italiana. Giovanni Verga e a dolorosa reflexão sobre a
realidade do Sul da Itália. Giosuè Carducci e o repúdio do sentimentalismo
tardo-romântico e da retórica moralista (LITERATURA ITALIANA DOS
SÉCULOS XVII, XVIII E XIX, UFBA, 2009).

Ementa: Estudo panorâmico da literatura italiana no período compreendido


entre os séculos XVII e XXI. [...] Conteúdo programático: O Settecento:
Reformas no melodrama P. Metastasio: Reformas na comédia C. Goldoni; A
literatura Iluminista:Giuseppe Parini. Crise e declínio do
Iluminismo:Vittorio Alfieri. O Ottocento. Literatura e revolução: Ugo
Foscolo. Literatura romântica: Alessandro Manzoni. O classicismo de
Pluralidade linguístico-cultural do italiano| 117

Giacomo Leopardi. O Novecento: Gabriele D’Annunzio, Luigi Pirandello,


Alberto Moravia, Elsa Morante, Italo Calvino, Pier Paolo Pasolini, Umberto
Eco, Buzzati, Tabucchi, Camilleri , Tondelli (NOÇÕES DE LITERATURA
ITALIANA DO SÉCULO XVII AO SÉCULO XXI, UFBA, 2009).

Estudo panorâmico da literatura italiana do séc. XV ao séc. XVIII e de seus


principais autores (LITERATURA ITALIANA II, UFSC, 2011).

Nas disciplinas de literatura da UFF, constatei a ênfase dada à história da Itália, mas
não achei nenhuma referência às “modificações da língua italiana através de trechos e autores
italianos diversos” ou à questão da língua. Enfim, não há nenhuma alusão à pluralidade
linguístico-cultural do italiano.

Conhecer momentos significativos da história da península itálica e de sua


literatura (LITERATURA ITALIANA I, UFF, 2015).

Conhecer momentos significativos da história da península itálica e de sua


literatura (LITERATURA ITALIANA II, UFF, 2015).

Conhecer momentos significativos da história da península itálica e de sua


literatura (MATRIZES DA LITERATURA ITALIANA I, UFF, 2105).

Conhecer a literatura italiana através da análise de textos representativos.


(LITERATURA ITALIANA III, UFF, 2015).

Conhecer a literatura italiana através da análise de seus textos significativos


(LITERATURA ITALIANA III, UFF, 2015).

Nas de literatura da UFC, não existe dessa vez a referências às comunidade falantes
de LI. Tampouco encontrei, como na UFF, nenhuma alusão às “modificações da língua
italiana através de trechos e autores italianos diversos”.

Estudo das tendências literárias mais recentes na Itália, através da


identificação de autores do século XX e da análise e interpretação da obra
literária (LITERATURA EM LÍNGUA ITALIANA I, UFC, 2007).
.
Estudo da poesia, do teatro, da prosa de ficção e de outras manifestações da
literatura italiana do final do século XIX ao início do século XX
(LITERATURA EM LÍNGUA ITALIANA II, UFC, 2007).

Enfoque dos movimentos artístico-literários na Itália dos séculos XV a XIX


(LITERATURA EM LÍNGUA ITALIANA III, UFC, 2007).

Entretanto, constatei uma referência à pluralidade linguística-cultural do italiano na


disciplina de “Língua e Estilo na Literatura Italiana” da UFBA.
Pluralidade linguístico-cultural do italiano| 118

Modificações da língua italiana através de trechos e autores italianos


diversos. Estudo diacrônico de diversos autores da literatura italiana.
Conteúdo programático: Estudo comparativo dos verbos empregados e das
preposições. O emprego dos adjetivos. O emprego dos pronomes.
Expressões idiomáticas. Expressões dialetais. Neologismos e arcaísmos. O
uso da pontuação (LÍNGUA E ESTILO NA LITERATURA ITALIANA,
UFBA, 2009, grifo meu).

Percebe-se uma diferença na descrição dessa disciplina quando comparada com


outras. Enquanto a primeira enfatiza “o toscano”, esta última se refere às “modificações da
língua italiana através de trechos e autores italianos diversos”. Portanto, não existe uma ênfase
apenas em um falar senão a preocupação de expor, através dos textos literários, as mudanças e
instabilidades linguísticas.
Após essas disciplinas, concentrei-me nas de “Linguística Aplicada”, uma vez, que
essa ciência aborda muitas questões relacionadas à linguagem e à comunicação nas
sociedades e entre as sociedades como, por exemplo, a variação linguística e a discriminação
linguística, o multilinguismo, o conflito linguístico, a política linguística e o planejamento
linguístico (AILA, 2014).

3.4.6 Disciplinas de Linguística Aplicada

Inicio pela disciplina de LA da UFBA e da UFES, nas quais não encontrei nenhuma
referência às variedades do italiano, aos dialetos e tampouco aos outros lugares onde o
italiano é falado. Essa afirmação pode ser comprovada a seguir:

Estudo do desenvolvimento da Linguística Aplicada: conceitos, principais


métodos e abordagens de ensino de línguas, explorando resultados de
pesquisas na área (INTRODUÇÃO À LINGUÍSTICA APLICADA, UFBA,
2009, grifo meu).

Linguística como ciência. Estratégias de aprendizagem de segunda


língua. As fases da história da linguística aplicada ao ensino de segunda
língua. Análise contrastiva. Interlíngua. A análise de erros. Elaboração de
material didático (LINGUÍSTICA APLICADA AO ENSINO DE
ITALIANO COMO LÍNGUA ESTRANGEIRA, UFES, 2008, grifo meu).

Na UFF e na UFSC, todavia, compreendo que a pluralidade linguística irá ser foco
das atenções, pois, os trechos grafados, que serão vistos a seguir, mostram que as visões
contemporâneas e o estudo crítico das possíveis áreas de atuação da Linguística Aplicada
Pluralidade linguístico-cultural do italiano| 119

serão discutidos na sala de aula. Posso, portanto, inferir questões relacionadas à linguagem e à
comunicação nas sociedades e entre as sociedades, assim como a variação linguística, a
discriminação linguística, o multilínguismo, o conflito linguístico, a política linguística e o
planejamento linguístico. Esses são os temas destacados nas visões contemporâneas da LA.

Objetivos da disciplina: a) familiarizar o aluno à linguística aplicada e suas


pesquisas; b) levar o aluno a refletir sobre a articulação teoria-prática no
ensino/aprendizagem de línguas; c) levar o aluno a desenvolver uma visão
crítica em relação ao ensino/aprendizagem de línguas estrangeiras [...]
definição de linguística aplicada e pesquisas na área. Articulação entre
teorias linguísticas, teorias de aprendizagem e abordagens pedagógicas. A
sala de aula de língua estrangeira: visões contemporâneas.
(LINGUÍSTICA APLICADA AO ENSINO – ITALIANO, UFF, 2015, grifo
meu).

Estudo crítico das possíveis áreas de atuação da Linguística Aplicada como,


por exemplo, ensino/aprendizagem de línguas estrangeiras, análise do
discurso, produção e avaliação de material didático, política educacional
e uso de novas tecnologias (LINGUÍSTICA APLICADA I, UFSC, 2008,
grifo meu).

Estudo e avaliação dos suportes teóricos relacionados à formação de


professores de línguas estrangeiras com vistas ao desenvolvimento de
consciência crítica relativamente às práticas pedagógicas em diferentes
contextos de aprendizagem (LINGUÍSTICA APLICADA II, UFSC, 2008,
grifo meu).

Passo agora para as disciplinas de metodologias de Ensino, as quais demonstram que


a pluralidade linguístico-cultural do italiano será possivelmente contemplada, a saber:

Oferecer aos licenciandos uma reflexão sobre as concepções a respeito da


língua, bem como sobre o modo através do qual elas influenciam a prática
docente.2. Estabelecer bases metodológicas e práticas para o ensino da
língua em situações concretas de sala de aula, com enfoque específico para:
a) noções básicas a respeito da aquisição e aprendizagem de línguas; b)
abordagens e métodos de ensino de línguas; c) objetivos e processos de
ensino e aprendizagem; d) elaboração de currículos e programas;
3. Propiciar discussões sobre a legislação em vigor referente ao ensino
de línguas estrangeiras em geral e para o ensino do Italiano Língua
Estrangeira no Ensino Fundamental e Médio. 4. Analisar e discutir
objetivos, conteúdos e metodologia de ensino e aprendizagem identificadas
em aulas ministradas por outros professores de italiano língua estrangeira ao
longo do estágio de observação, desenvolvido nos programas de Educação
Básica (Ensino Fundamental e Médio) ( METODOLOGIA DO ENSINO DO
ITALIANO, USP, 2016, grifo meu)

1. Estabelecer bases metodológicas - teóricas e práticas que permitam ao


futuro professor selecionar, adaptar e avaliar situações de ensino e atividades
didáticas.2. Orientar e supervisionar o licenciando de modo a que ele
Pluralidade linguístico-cultural do italiano| 120

desenvolva: a) vivência no ensino de italiano como língua estrangeira, por


intermédio da observação e regência de aulas. b) capacidade de
planejamento, execução e avaliação de aulas e curso de italiano como língua
estrangeira; 3. Analisar, selecionar, organizar e avaliar os diferentes
conteúdos linguísticos, socioculturais, discursivos, estratégicos e
pragmáticos que integram e/ou devem integrar os programas curriculares dos
cursos de italiano . 4. Refletir sobre a importância e a contribuição das novas
tecnologias para o ensino e aprendizagem do italiano língua estrangeira.
5. Refletir sobre o ensino de línguas inclusivo: o portador de necessidades
especiais na aula de italiano língua estrangeira (METODOLOGIA DO
ENSINO DE ITALIANO II, USP, 2016, grifo meu).

Nesta última disciplina em particular, é importante ressaltar que um de seus objetivos é


exatamente “Analisar, selecionar, organizar e avaliar os diferentes conteúdos linguísticos,
socioculturais”. Daí, entendo que serão analisados e selecionados conteúdos que
contemplem a pluralidade linguístico-cultural do italiano. O mesmo posso inferir da
disciplina da UFSC.

O papel da Metodologia de Ensino na formação de professores. Abordagens


de ensino de línguas estrangeiras. Diretrizes curriculares para o ensino de
línguas estrangeiras. Práticas de ensino comunicativo. Teorias e práticas
para o desenvolvimento das habilidades linguísticas e da gramática. Estudo,
análise e produção de atividades para a aprendizagem de Língua Estrangeira
- Italiano e para a avaliação do desempenho. Planejamento de curso, de
unidade e de aulas para a Educação Básica (METODOLOGIA DO ENSINO
DO ITALIANO, UFSC, 2011).

O trecho gafado refere-se às diretrizes nacionais, as quais defendem, assim como este
trabalho, a importância de contemplar no ensino/aprendizagem de LE, a pluralidade
linguística e cultural.
Entretanto, nas disciplinas de Estágio, nas quais procurei localizar de que modo o
ensino e a pluralidade linguístico-cultural do italiano estavam associados, não encontrei
nenhuma referência importante.

Estudo de métodos e técnicas visando a capacitar o aluno para a construção


de práticas pedagógicas contextualizadas. [...] Conteúdo programático:
Apresentação e avaliação dos principais métodos de ensino/aprendizagem
Estratégias de ensino/aprendizagem. Planejamento de aulas. Avaliação.
Relação Professor/Aluno/Sala de aula. Questões interculturais na sala de
aula. Micro-aulas (ESTÁGIO SUPERVISIONADO I DE LÍNGUA
ITALIANA, UFBA, 2009).

Observação, vivência e análise crítica dos processos didático-pedagógicos


que ocorrem na escola e em outros especas educativos. A dimensão dos
processos de ensino-aprendizagem e a relação teórico-prática no cotidiano
Pluralidade linguístico-cultural do italiano| 121

escolar: concepção de currículo, seleção e organização de conteúdos;


metodologias de ensino; livro didático, considerando a análise crítica de seus
textos e o exame permanente da estruturação de seu conteúdo e avaliação da
aprendizagem. Ação docente, entendida como regência de classe, contendo a
elaboração e a operacionalização de projetos pedagógicos. Divididos os
Estágios Supervisionados I e II entre a orientação para o ensino fundamental
e para o ensino médio (ESTÁGIO SUPERVISIONADO 1 (ITALIANO,
UFES, 2008).

1-Investigar e analisar as práticas escolares. 2 - planejar e executar


atividades pedagógicas docentes. 3 - participar, em cooperação, das
atividades relativas à docência nas escolas de ensino básico (PESQUISA E
PRÁTICA DE ENSINO III, UFF, 2015)97.

1-Investigar e analisar as práticas escolares. 2 - planejar e executar


atividades pedagógicas Docentes. 3 - elaborar relatório final de caráter
monográfico (PESQUISA E PRÁTICA DE ENSINO IV, UFF, 2015).

Prática didático-pedagógica com base em métodos e técnicas específicas


utilizadas no ensino de italiano como língua estrangeira para o
desenvolvimento das habilidades de compreensão e expressão oral e escrita
(ESTÁGIO II EM ENSINO DE LÍNGUA ITALIANA, UFC, 2007).

Em nenhum dos trechos reportados, percebi explicitamente a referência à


pluralidade linguístico-cultural do italiano. Todavia, nas duas disciplinas da USP voltadas
especificamente para o ensino do italiano, encontrei uma menção explícita à pluralidade
linguístico-cultural do italiano. Sobretudo, porque em uma delas consta a referência à
legislação em vigor referente ao ensino de línguas, haja vista que os PCN (1998) afirmam a
importância de se contemplar, no ensino de qualquer língua, a pluralidade cultural e
linguística.

Discussão sobre as competências linguístico-comunicativa e didática do


professor de italiano como língua estrangeira; documentos oficiais que
orientam o ensino de línguas estrangeiras; elaboração de projetos, de
sequências didáticas e de planos de aula voltados para o ensino de italiano;
elaboração de materiais didáticos a serem aplicados em aulas para
diferentes faixas etárias e em diferentes contextos: institutos de idiomas e
escolas de Ensino Fundamental e Médio (ATIVIDADES DE ESTÁGIO:
ITALIANO, USP, 2013).

Na ementa da disciplina de estágio do curso da UFSC, pude constatar, assim como


na USP, que materiais didáticos são elaborados. Logo, como neste curso verifiquei a presença

97
Pesquisa e Prática de Ensino I e II refere-se ao estágio em língua portuguesa, pois como já mencionado a
Licenciatura em LI na UFF é dupla, português e italiano.
Pluralidade linguístico-cultural do italiano| 122

da pluralidade linguístico-cultural do italiano em algumas disciplinas, isso quer dizer que


talvez esses materiais, produzidos pelos professores em formação, possam contemplá-la;

Vivências docentes em escolas da rede pública e espaços pedagógicos


alternativos. Docência para a implementação e avaliação de atividades
complementares e diferenciadas de aprendizagem. Elaboração de materiais
didáticos. Aprofundamento teórico e metodológico (ESTÁGIO
SUPERVISIONADO I - ITALIANO, UFSC, 2011, grifo meu).

Após as leituras e a análise de todas essas disciplinas, a próxima seção sintetiza o


que nesta foi examinado e informa ao leitor minha posição sobre a questão debatida neste
capítulo.

3.5 Síntese e assunções

Infelizmente, pelo que verificamos na análise desta primeira categoria, a pluralidade


linguístico-cultural do italiano não é contemplada por todos os cursos de Licenciatura em LI
no Brasil. Ademais, com exceção da UFC e, parcialmente da USP e da UFES, todas as outras
universidades parecem desconhecer a existência de comunidades falantes de LI. Portanto,
para posicionar-me diante do que foi verificado na análise do corpus, assumindo o que, de
fato, considero importante para a formação dos professores de italiano no Brasil, concluo este
capítulo, rememorando alguns estudos que compreendo como uma união de vozes sobre o que
aqui foi discutido. Particularmente, os de Santipolo (2001) que me serviram com molas
propulsoras para realizar esta investigação.
De acordo com o referido autor (2001, 2010), em diferentes países o modelo seguido
para o ensino do italiano é quase exclusivamente o standard, língua padrão, ou, mais
recentemente, o neostandard, uma nova língua padrão. Quer seja pelo uso de material
didático que desconhece os diferentes e reais ambientes de ensino/aprendizagem e ignora os
demais países onde o italiano é falado, quer seja por professores que, por vários motivos,
dentre elas a própria formação, impossibilitam o acesso dos aprendizes à “língua viva” – tão
defendida por Manzoni desde o século XVIII – e à diversidade cultural.
Em razão disso, Santipolo (2010) declara que nenhum curso de italiano L2/LE pode
ser completo se não considerar a pluralidade linguístico-cultural desse idioma. Assim, o autor
defende que deve fazer parte dos objetivos de um curso de LI, o que ele chama de “a tomada
de consciência das diversas variedades de uma dada língua e a capacidade, mesmo que
Pluralidade linguístico-cultural do italiano| 123

parcial, de empregá-las” (SANTIPOLO, 2001, p. 190). E propõe, em seu artigo já


mencionado anteriormente aqui, o que ele chama de italiano didático (doravante ID) que,

[...] mesmo conservando o italiano neostandard como a sua referência


didática primária, deveria considerar as reais necessidades e exigências
dos discentes e o efetivo uso da gramática que os nativos fazem da língua.
Essa última consideração, necessariamente, conduz à inclusão no
curriculum das outras variedades diferentes do standard e do
neostandard, podendo, inclusive, abarcar os dialetos, onde esses forem
considerados apropriados com base nas características e habilidades do
público. O rótulo de italiano didático, longe de ter um significado
redutor e, ao contrário do que se pode pensar à primeira vista, de ser
uma simplificação da língua objeto de ensino, constituiria, todavia, a
melhor representação, devidamente, calibrada, do real repertório
linguístico dos italianos, entendido como a soma dos instrumentos
linguísticos (ou linguistic tools) à disposição dos italianos para se
comunicarem. Em outras palavras, o objeto de ensino não seria mais a
língua, como é entendida no sentido mais amplo do termo, mas o repertório
linguístico, com uma expansão significativa da ação de ensinar.98
(SANTIPOLO, 2001, p. 2, tradução minha, grifo meu).

Entendo que Santipolo (2001), ao mencionar o que ele denomina de ID, não busca
“criar” ou “inventar” uma nova língua senão alertar para o fato de que existe, como ele
mesmo assinala, um repertório linguístico amplo sob a escudo do italiano. O termo ID parece
traduzir, de certo modo, a pluralidade linguístico-cultural do italiano que deve ser retratada
nas salas de aula de línguas e jamais negligenciada. Segundo Balboni (1994 apud
SANTIPOLO, 2001), as vantagens de se adotar o ID são duas:

1. Benefícios de natureza educativo-formativa: referem-se à maturação


produzida no discente, de qualquer idade, a possibilidade de lidar com uma
realidade extremamente variada e, exatamente, por esse motivo muito
estimulante. A reflexão metalinguística e metacognitiva que pode resultar, se
devidamente guiada, do conhecimento/consciência dessa complexidade
representa indiscutivelmente um enriquecimento não só de natureza
puramente linguística, mas também cultural, no sentido antropológico
do termo, e, portanto, um instrumento para uma melhor compreensão da

98
[...] pur conservando l'italiano neostandard come suo riferimento primario, dovrebbe tenere conto delle real
necessità ed esigenze dei discenti e dell'effettiva grammatica dell'uso che i nativi fanno della lingua. Quest'ultima
considerazione, necessariamente, conduce all'inclusione nel sillabo anche delle altre varietà diverse dallo
standard o dal neostandard, potendosi spingere addirittura ai dialetti, ove ciò sia ritenuto opportuno in base alle
caratteristiche e alle competenze del pubblico. L'etichetta di italiano didattico, lungi dall'avere un significato
riduttivo e, al contrario di come si potrebbe pensare a prima vista, dall'essere una semplificazione della lingua
oggetto dell'insegnamento, costituirebbe invece la migliore rappresentazione, dovutamente calibrata, del reale
repertorio linguistico degli italiani, inteso come la somma degli strumenti linguistici (o linguistic tools) a
disposizione degli italiani per comunicare. In altre parole, oggetto dell'insegnamento non sarebbe più la lingua,
per quanto intesa nel senso più ampio del termine, bensì il repertorio linguistico, con un significativo
ampliamento del raggio d'azione della didattica.
Pluralidade linguístico-cultural do italiano| 124

realidade em estudo e a superação de estereótipos frequentemente


propagados.

2. Benefícios de natureza instrutivo-pragmática: referem-se ao fato de que o


conhecimento, embora passivo, da complexidade do repertório linguístico
da Itália possa realmente facilitar a comunicação, não só linguística, mas
também no nível sociocultural (BALBONI, 1994 apud SANTIPOLO, 2001,
p. 3, grifo meu).99

Vale ressaltar, contudo, que não defendo o ID, apresentado por Santipolo (2001) e
defendido por Balboni (1994), como uma língua nova que não existe, mas compreendo a sua
acepção como o primeiro passo, mas não o único, para que o aprendiz e todos aqueles
envolvidos no ensino/aprendizagem da LI tenham a “consciência da variação” e aprendam
que as línguas são permeadas por diferença e não são não, em hipótese alguma, algo estanque,
homogêneo e, principalmente, desprovido de cultura.
Desse modo, atentando para a ideia atribuída ao ID, o docente realizaria o seu
trabalho contemplando a heterogeneidade e a multiplicidade do italiano. Assim, o (re)
conhecimento dessa pluralidade, certamente, enriquecerá o aprendizado da língua-cultura alvo
escolhida pelo aluno, além de propiciar-lhe o ingresso a um mundo diferente da norma.
Nesse sentido, um importante artigo100 publicado recentemente por três professoras
de italiano da Universidade Federal do Paraná intitulado: Dialetos e língua padrão: a
educação linguística dos italianos em pátria e em contextos de imigração (1861-2015), cujo
propósito é apresentar a relação entre a língua italiana padrão e os dialetos da Itália na
educação linguística dos italianos aqui no Brasil e lá na Itália, corrobora o que foi dito até o
momento.
As autoras, Paula Freitas, Luciana Balthazar e Manoela Lunati, citam, inicialmente,
as ideias de Calvet (1996) sobre políticas linguísticas, uma vez que desejam enfatizar, assim
como fiz nas seções anteriores, o fato dos inúmeros dialetos conviverem com a língua oficial
da península italiana, mas serem negligenciados e, especialmente, marginalizados. À vista
disso, também reporto o comentário de Calvet (1996) sobre políticas linguísticas: [...] “são as

1.1. Vantaggi di natura educativo-formativa: si riferiscono alla maturazione prodotta nel discente, di qualsiasi
età, dalla possibilità di confrontarsi con una realtà estremamente variegata e proprio per questo motivo molto
stimolante. La riflessione metalinguistica e metacognitiva che può derivare, se ben guidata, dalla
conoscenza/consapevolezza di questa complessità rappresenta indiscutibilmente un arricchimento non solo di
natura prettamente linguistica, ma anche culturale, nel senso antropologico del termine, e quindi uno strumento
per una migliore comprensione della realtà oggetto di studio e il superamento di stereotipi spesso diffusi che la
riguardano 2. Vantaggi di natura istruttivo-pragrmatica: si riferiscono invece alla considerazione che una
conoscenza, seppure passiva, della complessità del repertorio linguistico d'Italia possa di fatto agevolare la
comunicazione, non solo di natura linguistica, ma anche a livello socio-culturale (SANTIPOLO, 2001, p. 3).
100
Disponível em: https://periodicos.ufsc.br/index.php/forum/article/view/1984-8412.2015v12n3p755, Acesso
em: 24 de outubro de 2015.
Pluralidade linguístico-cultural do italiano| 125

determinações das grandes decisões referentes às relações entre língua e sociedade e o


planejamento linguístico é a implementação de tais determinações” (CALVET, 1996, p. 11).
As autoras enfatizam o fato de que tais questões influenciam diretamente o contexto
escolar e que por isso, o que é feito em uma sala de aula, seja essa na Itália ou no Brasil é, de
algum modo, determinado por diretrizes e determinações que partem de “cima para baixo”.
Estas nunca são neutras e desinteressadas e, certamente, repercutem nas ações dos
professores, nas produções dos materiais didáticos e, por conseguinte, nos conteúdos
ensinados.
Nesse sentido é que Freitas et al (2015) afirmam que é no contexto escolar que a
relação entre o italiano, língua nacional, e os dialetos da Itália se torna ainda mais conflitante,
já que as propostas na Itália e no Brasil sempre objetivaram trabalhar com a norma padrão
sem abrir espaço para o diferente. Por essa razão, é que as autoras concluem o artigo
afirmando que:
Pela realidade brasileira e pelo pouco espaço no curriculum escolar
para a língua italiana, nossa opinião é a de que uma única disciplina
de língua italiana, que, porém, levasse em consideração os
aspectos sociolinguísticos locais e a realidade dialetal da região, já
seria suficiente para dar início ao resgate da italianidade contemplado
por Pertile (2009) e à manutenção das raízes italianas. Para tanto, seria
necessário, além do espaço na grade curricular destinada à língua
italiana, investir na formação de professores com conhecimentos
sociolinguísticos (FREITAS et al, 2015, p. 767, grifo meu).

Além dessas, as palavras de Pertile (2009) as quais se referem às autoras,


contemplam a ideia de que se pode ensinar outros falares, outras variedades de língua e não
somente a língua padrão, visto que não é necessária eliminar uma para que a outra sobreviva
(PERTILE, 2009, apud FREITAS et al, 2015). O que se espera, o que defendo nesta tese, é
que o ensino desse idioma passe a também abordar a pluralidade linguístico-cultural do
italiano. Não como a exclusão de uma ou de outra variedade, mas, entendendo que todas se
complementam. Ademais, em relação, especificamente, à formação de professores de italiano,
seria importante que essa pluralidade não se limitasse apenas a uma única disciplina.
Enfim, postulo que os cursos de formação de professores devem assumir outras
dimensões da língua, e não apenas em uma única disciplina como se esta fosse algo à parte
dos demais conhecimentos. Sobre isso, trago para o debate as palavras de duas outras
pesquisadoras brasileiras, ambas da USP, que cientes dessa multiplicidade, realizaram uma
pesquisa sobre a variedade linguística e ensino de LI que visava verificar se aprendizes
brasileiros de LI conseguiam identificar as variedades do italiano e os dialetos presentes em
Pluralidade linguístico-cultural do italiano| 126

seis cenas de um filme italiano. Após apresentarem seus resultados, as duas pesquisadoras
concluíram que, diante da complexidade do quadro linguístico da Itália contemporânea,

[...] seria desejável que os aprendizes aprendessem não apenas registros e


variedades “médias”, mas também que entrassem em contato com a
pluralidade de variedades regionais e de registros, além de desenvolver a
capacidade de reconhecer os dialetos como “outras” línguas. A Itália
linguística “real” é feita de tudo isso e aprender a (re)conhecer apenas uma
pequena parte de sua complexidade significaria perder a riqueza que a
constitui ( SANTORO e FRANGIOTTI, 2013, p. 245).

Concordo com as palavras de Santoro e Frangiotti (2013), todavia as complemento,


postulando que além de olhar para o quadro linguístico da Itália contemporânea, é preciso
olharmos para outras culturas e países onde o italiano está presente ou como L2 ou língua
oficial. Pois, segundo os PCN (1998), aprender línguas é uma oportunidade de conhecer
outras cultura, e dessa forma, é preciso inserirmos a pluralidade linguística e cultural nos
cursos de Licenciatura em LI no Brasil.
Enfim, retomarei essa discussão no último capítulo com o propósito de responder às
perguntas de pesquisa apresentadas logo no início deste trabalho. Por essa razão, no próximo
capítulo, concentro-me na formação de professores interculturais, foco da próxima categoria
de análise.
Formação de professores e interculturalidade| 127

4. FORMAÇÃO DE PROFESSORES E INTERCULTURALIDADE

As pessoas têm direito a serem iguais sempre que as diferenças


as tornarem inferiores; contudo, têm também direito a serem
diferentes sempre que a igualdade colocar em risco suas
identidades. (BOAVENTURA DE SOUZA SANTOS, 1997).

Como o capítulo anterior, este também está dividido em cinco seções. Na primeira,
contextualizo a formação de professores no Brasil e discuto algumas proposições postuladas
por diferentes estudiosos sobre a formação docente, dentre elas, a de professores
interculturais. Por essa razão, desenvolvo o conceito de interculturalidade na seção seguinte,
retomando, a priori, o multiculturalismo, posto que esses dois termos são, às vezes,
concebidos como sinônimos. Na terceira seção, discuto o ensino a partir da perspectiva
intercultural, dada a temática deste trabalho. Na quarta, procedo à análise do corpus à luz da
interculturalidade a fim de avaliar se a perspectiva intercultural está presente nos cursos de
Licenciatura em LI cujo propósito é formar professores para atuarem em diferentes contextos
educacionais, dentre eles, o ensino básico. Por fim, exponho as minhas conclusões parciais
na quinta e última seção.
É importante ressaltar que a categoria de análise realizada neste capítulo é a
perspectiva intercultural, uma vez que a compreendo como ponto de partida para a formação
de futuros professores interculturais.

4.1 Formação de professores no Brasil: contextualização e proposições.

O filósofo tcheco, Comenius, considerado o pai da didática moderna já postulara a


necessidade da formação docente no século XVII. Evidentemente, as concepções sobre a
formação de professores mudaram e se ampliaram desde então. Por exemplo, após a
Revolução Francesa no século XIX, a formação docente se tornou alvo de políticas públicas
em vários países devido à valorização da instrução popular. Como disse no primeiro capítulo,
o objetivo dessas medidas era mais a preparação de profissionais que transmitissem os
conhecimentos necessários à sociedade do que uma formação sólida. Em seu estudo sobre
escolarização pública e a imigração italiana, Maschio afirma que:
Formação de professores e interculturalidade| 128

No século XIX, qualquer cidadão que apresentasse a mínima noção de


leitura e escrita poderia lecionar após a realização de um exame de
habilitação ou através da abertura de escolas particulares, e ainda por
contrato. (MASCHIO, 2014, p.45)

Segundo Saviani, foram criadas nessa época as Escolas Normais, instituições


encarregadas de preparar professores de diferentes níveis:

A primeira instituição com o nome de Escola Normal foi proposta pela


convenção, em 1794 e instalada em Paris em 1795. Já a partir desse
momento se introduziu a distinção entre Escola Normal Superior para formar
professores de nível secundário e Escola Normal simplesmente, também
chamada Escola Normal Primária, para preparar os professores do ensino
primário (SAVIANI, 2009, p. 143-144).

Desde o início, percebe-se uma concepção polarizada de formação de professores: há


quem ensine adultos e há quem ensine crianças Certamente, até hoje essa divisão vem
contribuindo para que a formação docente voltada para o ensino fundamental e médio em uma
área específica, contemplem poucas disciplinas como as didáticas na área da educação. Por
essa razão, é que Gatti e Barreto (2009) afirma que esses professores acabam se tornando
especialistas em uma área e não educadores.
Até 1808, não há registro de nenhuma preocupação com a formação de professores
no Brasil colonial. Saviani (2009) declara que as propostas sobre formação em nosso país só
surgem com alguma intensidade após a Independência quando do início da instrução pública,
isto é, a partir da preocupação com algum agente transmissor/reprodutor dos conhecimentos
considerados necessários para outros poderem se tornar trabalhadores ou funcionários aptos.
O referido autor historia a formação de professores brasileiros em um esquema de
cinco períodos:

1. Ensaios intermitentes de formação de professores (1827-1890). Esse


período se inicia com o dispositivo da Lei das Escolas de Primeiras
Letras, que obrigava os professores a se instruir no método do ensino
mútuo, às próprias expensas; estende-se até 1890, quando prevalece o
modelo das Escolas Normais.

2. Estabelecimento e expansão do padrão das Escolas Normais (1890-


1932), cujo marco inicial é a reforma paulista da Escola Normal tendo como
anexo a escola-modelo.
Formação de professores e interculturalidade| 129

3. Organização dos Institutos de Educação (1932-1939), cujos marcos são


as reformas de Anísio Teixeira101 no Distrito Federal, em 1932, e de
Fernando de Azevedo102 em São Paulo, em 1933.

4. Organização e implantação dos Cursos de Pedagogia e de


Licenciatura e consolidação do modelo das Escolas Normais (1939-
1971).

5. Substituição da Escola Normal pela Habilitação Específica de


Magistério (1971-1996).

6. Advento dos Institutos Superiores de Educação, Escolas Normais


Superiores e o novo perfil do Curso de Pedagogia (1996-2006) (SAVIANI,
2009, p. 143-144, grifo meu).

A lei das Escolas das primeiras Letras mencionada por Saviani (2009) foi
promulgada em 15 de outubro de 1827, data esta escolhida para comemorar o Dia Nacional
do Professor. A lei visava criar as Escolas de Primeiras Letras em todas as cidades, vilas e
lugares mais populosos do Império cujo ensino seria baseado no chamado método mútuo ou
sistema monitorial, também conhecido como o método Lancaster103, o qual era controlado por
uma disciplina severa e escolhido após seu sucesso em escolas europeias.
Já podemos constatar que os modelos de ensino no Brasil na época, eram importados
e copiados da Europa, sem considerar o contexto social dos educandos. Eis o provável motivo
pelo qual Leffa (1999, p.14) denuncia uma “violação da nossa identidade”, ao se referir ao
fato de que muitas vezes o povo brasileiro é criticado por repetir em território local o que é
feito em outros países do mundo.
Segundo o artigo 4º da referida lei, os professores deveriam estar preparados para
ensinar os conteúdos reputados importantes pelo Império. Conforme é possível verificar no
artigo 6º da Lei de 15 de outubro de 1827:

Os professores ensinarão a ler, escrever, as quatro operações de aritmética,


prática de quebrados, decimais e proporções, as noções mais gerais de
geometria prática, a gramática de língua nacional, e os princípios de moral
cristã e da doutrina da religião católica e apostólica romana, proporcionados
à compreensão dos meninos; preferindo para as leituras a Constituição do
Império e a História do Brasil (BRASIL,1827, grifo meu)104

101
Jurista, escritor e educador brasileiro, (1900-1971).
102
Professor, educador e sociólogo brasileiro, (1894-1974).
103
Nesse método, o professor ensinava a lição a um grupo de meninos mais amadurecidos e inteligentes. Então,
todos os alunos, divididos em pequenos grupos, aprendiam a lição com o ajudante do mestre-escola. Um
professor-chefe poderia instruir muitas centenas de crianças. (EBY, 1978, p. 325).
104
Legislação Informatizada - Lei de 15 de Outubro de 1827 - Publicação Original. Disponível em:
<http://www2.camara.leg.br/legin/fed/lei_sn/1824-1899/lei-38398-15-outubro-1827-566692-publicacaooriginal-
90222-pl.html> Acesso em: 22/03/2015.
Formação de professores e interculturalidade| 130

É notório aqui que os objetivos não passavam de meras instruções de conteúdos a


serem simplesmente memorizados. E quando se fala em “gramática de língua nacional”, não
posso deixar de perceber a clara a intenção de transformar um país plurilíngue (desde sua
origem) em um monolíngue.
Além disso, Maschio (2014), ao se referir ao catecismo, explica que a aprendizagem
da doutrina católica era ensinada mediante perguntas e respostas, as quais deveriam ser
decoradas a fim de que fosse evitada qualquer tipo de interpretação, e, consequentemente,
questionamento. Tanto educadores como educandos eram peças na engrenagem da ordem
vigente estabelecida e nada ou pouco podiam fazer contra. O importante era que aquela
“verdade absoluta” fosse assimilada.
Após a publicação do Ato Adicional de 1834, que atribuiu a responsabilidade da
instrução primária às províncias brasileiras e se baseava no modelo europeu da Escola Normal
de Paris, ou seja, em um modelo europeu, a formação dos professores no Brasil passou a ser
responsabilidade das Escolas Normais, cujo currículo era constituído pelas mesmas matérias
ensinadas nas escolas de Primeiras Letras. Na prática, o professor aprendia somente aquilo
que deveria ensinar aos seus alunos, sem que houvesse algum cuidado com os conteúdos
didático-pedagógicos. Esse é o modelo emblemático do professor enquanto mero duplicador
de conteúdos.
As Escolas Normais foram estabelecidas e expandidas em 1890, a partir da reforma
da instrução pública do estado de São Paulo. Nessa ocasião, ainda que em passos lentos,
verificava-se maior preocupação com a formação docente, considerando-a como condição
primária para um processo bem-sucedido de ensino/aprendizagem. O Decreto nº 27, de 12 de
março de 1890 assinala que “sem professores bem preparados, praticamente instruídos nos
modernos processos pedagógicos e com cabedal científico adequado às necessidades da vida
atual, o ensino não pode ser regenerador e eficaz”.
Saviani (2009) destaca que a dita reforma foi marcada por dois pilares:
enriquecimento dos conteúdos curriculares e ênfase nos exercícios práticos de ensino, cuja
marca foi a concepção da Escola-Modelo vinculada à Escola Normal. Observo que nessa
ocasião, a reformulação incipiente das Escolas Normais inicia a concepção de teoria e prática
como saberes indissociáveis e complementares da formação docente.
Décadas depois, Anísio Teixeira iria reelaborar a Escola Normal sob o Decreto nº
3.810, de 19 de março de 1932, transformando-a em Escola de Professores. A meta de
Formação de professores e interculturalidade| 131

Teixeira seria as falhas existentes na composição curricular que enfocava o aprendizado em


conteúdos específicos do ensino básico. Eis as disciplinas no novo currículo:

1) biologia educacional; 2) sociologia educacional; 3) psicologia


educacional; 4) história da educação; 5) introdução ao ensino,
contemplando três aspectos: a) princípios e técnicas; b) matérias de ensino
abrangendo cálculo, leitura e linguagem, literatura infantil, estudos sociais e
ciências naturais; c) prática de ensino, realizada mediante observação,
experimentação e participação. Como suporte ao caráter prático do
processo formativo, a escola de professores contava com uma estrutura de
apoio que envolvia: a) jardim de infância, escola primária e escola
secundária, que funcionavam como campo de experimentação, demonstração
e prática de ensino; b) instituto de pesquisas educacionais; c) biblioteca
central de educação; d) bibliotecas escolares; e) filmoteca; f) museus
escolares; g) radiodifusão (SAVIANI, 2009, p.145-146, grifo meu).

É importante observar que as disciplinas iniciais do novo currículo apontam para


uma rota diferente que revela preocupação com uma formação preparatória de um professor
capaz de lidar com os conteúdos e não apenas transmiti-los. Disciplinas como Psicologia
Educacional, História da Educação e Introdução ao Ensino, são fontes de saber que
possibilitam ao professor maior consciência e entendimento de seu papel e de sua atuação
como condutor do ensino/aprendizagem. Como bem recorda Libâneo (2013, p. 75-76), “não
dá para ensinar disciplinas específicas sem o aporte da Didática105, que traz para o ensino
contribuições da Teoria da Educação, da Teoria do Conhecimento, da Teoria do
Desenvolvimento e da Aprendizagem, dos Métodos e Procedimentos de Ensino [...]”.
Seguindo o novo modelo das Escolas Normais, os Institutos de Educação pautados
na concepção da Escola Nova106 e “pensados e organizados de maneira a incorporar as
exigências da pedagogia, que buscava se firmar como um conhecimento de caráter científico”
(SAVIANI, 2009, p. 145), tornaram-se a base dos estudos superiores de educação ao serem
promovidos ao status de nível universitário. Assim, o Instituto de Educação de São Paulo foi
incorporado à Universidade de São Paulo (criada em 1934) e o Instituto de Educação do
Distrito Federal à Universidade do Distrito Federal (UDF). Esta última, organizada e fundada
um ano depois por Anísio Teixeira, atualmente é a conhecida UFRJ. E foi sobre essa base
que se constituíram os Cursos de Formação de Professores para as escolas secundárias,
generalizados para todo o país sob o Decreto-Lei n. l.190, de 04 de abril de 1939, que

105
A didática investiga as leis da aprendizagem, transformando-as em princípios didáticos comuns para o ensino
das disciplinas especificas, com a contribuição das demais ciências da educação e das próprias didáticas, além de
outros campos específicos (LIBÂNEO, 2013, p.75).
106
A proposta da Escola Nova determinava que todos os professores deveriam ter formação universitária.
Formação de professores e interculturalidade| 132

organizou oficial e definitivamente a Faculdade Nacional de Filosofia da Universidade do


Brasil (FIORIN, 2006).
A Universidade de São Paulo foi criada a partir do decreto 6.283, de 25 de janeiro de
1934, no qual se criava a Faculdade de Filosofia, dividida em três seções: a de Filosofia, a de
Ciências e a de Letras, essa última, subdividida em duas subseções: Letras Clássicas e
Português; e Línguas Estrangeiras (FIORIN, 2006). É em São Paulo na década de 30,
portanto, que nascem, os primeiros cursos de Letras no Brasil. Outros surgiram pouco depois
como a Universidade do Distrito Federal em 1935 e a Faculdade Nacional de Filosofia da
Universidade do Brasil, a Universidade de Minas Gerais e os primeiros cursos de
Licenciaturas.
Já assinalei anteriormente que o modelo de ensino para a formação de professores
nessa época ficou conhecido popularmente como “esquema 3+1”, adotado tanto nos cursos de
licenciatura como nos de Pedagogia. Há duas críticas principais contra esse modelo: o
divórcio entre teoria e prática na preparação profissional e a preferência da formação teórica à
prática.
Mais recentemente foi promulgada a Lei de Diretrizes e Bases para a educação no
Brasil, a LDB, (9.394/96) que segundo Saviani (2009), embora não tenha correspondido às
expectativas daqueles que ansiavam por uma mudança após o regime militar, ainda assim
suscitou algumas transformações. Nesse cenário, os Institutos Superiores de Educação
emergem como instituições de nível superior que oferecem uma formação de curta duração
para os professores ativos sem titulação universitária no ensino básico. No entanto, Saviani
(2009) mostra-se insatisfeito e afirma, inclusive, tratar-se de uma formação aligeirada e mais
barata. Embora não discorde dessa crítica, entendo que a criação desses cursos sinaliza, de
algum modo, que o magistério exige uma formação diferenciada só possível em cursos de
licenciaturas. Com isso, quero dizer que esses cursos, apesar de suas lacunas, começam a
assumir um certo grau de responsabilidade.
Em 2002, as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Formação de Professores
(Resolução CNE/CP nº 1/2002) foram promulgadas, e, posteriormente, aprovadas as
Diretrizes Curriculares para cada curso de licenciatura pelo Conselho Nacional de Educação
(CNE).
Art. 1º As Diretrizes Curriculares Nacionais para a Formação de Professores
da Educação Básica, em nível superior, em curso de licenciatura, de
graduação plena, constituem-se de um conjunto de princípios, fundamentos e
procedimentos a serem observados na organização institucional e curricular
de cada estabelecimento de ensino e aplicam-se a todas as etapas e
modalidades da educação básica.
Formação de professores e interculturalidade| 133

Art. 2º A organização curricular de cada instituição observará, além do


disposto nos artigos 12 e 13 da Lei 9.394, de 20 de dezembro de 1996, outras
formas de orientação inerentes à formação para a atividade docente, entre as
quais o preparo para:

I - o ensino visando à aprendizagem do aluno;

II - o acolhimento e o trato da diversidade;

III - o exercício de atividades de enriquecimento cultural;

IV - o aprimoramento em práticas investigativas;

V - a elaboração e a execução de projetos de desenvolvimento dos


conteúdos curriculares;

VI - o uso de tecnologias da informação e da comunicação e de


metodologias, estratégias e materiais de apoio inovadores;

VII - o desenvolvimento de hábitos de colaboração e de trabalho em equipe


(BRASIL, 2002).

Apesar de constatarem nessas diretrizes certa preocupação com pesquisas, com a


prática pedagógica, e, sobretudo, com a diversidade, na prática, Vieira-Abrahão (2010) e Gatti
(2011) sustentam que as licenciaturas continuam reproduzindo a formação docente
novecentista e oferecendo, portanto, disciplinas mais focados na área disciplinar específica do
que na formação pedagógica.
Certamente, por essa razão, são criados programas institucionais para ampliar a
formação dos docentes da educação básica, tais como: o Programa Institucional de Bolsa de
Iniciação à Docência (Pibid)107, o Programa Especial de Formação de Professores da Zona
Rural (Profir)108, Bolsa Estágio Formação Docente do Estado do Espírito Santo109 e o
programa Bolsa Formação – Escola Pública e Universidade, do Estado de São Paulo.
Para Gatti (GATTI, 2014, p. 41), embora programas como estes anunciem
oficialmente que sua finalidade é melhorar a qualidade da formação docente, na verdade, “são
programas sinalizadores de que as licenciaturas não estão oferecendo formação adequada aos

107
O Pibid foi criado pelo Decreto no 7.219, de 24 de junho de 2010.
108
O Acre desenvolveu um programa próprio de formação de professores – o Programa Especial de Formação de
Professores da Zona Rural (Profir) – que visa atuar, de modo dinâmico e atualizado, diretamente na formação
inicial de professores (GATTI, 2014, p. 42).
109
No Espírito Santo, o Programa Bolsa Estágio Formação Docente é destinado a estudantes de cursos de
licenciatura em estabelecimentos públicos estaduais de ensino. Foi instituído pelo Decreto no 2.563-R, de 11 de
agosto de 2010 (Governo do Estado do Espírito Santo, 2010). O programa tem o objetivo de “contribuir para a
formação profissional dos futuros professores, estreitando as relações entre teoria e prática, de modo a associar o
conhecimento do conteúdo com os conhecimentos didáticos e metodológicos necessários à educação básica”
(art. 3o) (GATTI, 2014, p. 42).
Formação de professores e interculturalidade| 134

futuros docentes”. Esta crítica também é discutida por diversos autores como Dewey (1958),
Schön (1992), Monteiro (2011), Pessoa (2011), Calvo e Freitas (2011), Pimenta (2002) e
outros.
Schön (1992), por exemplo, propõe eliminar uma formação docente nos moldes do
currículo normativo que apresenta primeiro a teoria e a ciência, depois sua aplicação e
finalmente o estágio onde os conhecimentos técnico-profissionais são postos em prática, o que
seria a repetição do mesmo paradigma de outrora. Para o autor, o profissional formado nesse
modelo não consegue dar respostas às situações que surgem no dia-a-dia. Schön recomenda
que essa formação supere, exatamente, a racionalidade técnica e propõe, então, a
racionalidade prática, a qual deve contemplar três modalidades de reflexão: reflexão na ação,
reflexão sobre a ação e a reflexão sobre a reflexão na ação.
Nesse sentido, para Schön a prática é extremamente importante, mas não qualquer
prática senão uma refletida, que possibilite aos futuros professores responder às situações
incertas que surgem em sala de aula. Ainda, os currículos de formação docente deveriam
estimular o educando a desenvolver sua capacidade crítica de refletir sobre a prática. Daí a
premência de a prática estar presente desde o início da formação, e não apenas ao final nas
disciplinas de estágio.
As ideias de Schön foram, todavia, alvos de críticas, uma vez que o referido
estudioso dá muita ênfase à prática em detrimento da teoria. Essas críticas motivaram
inúmeros estudos sobre a formação de professores, dentre eles, o de Pimenta (2002), para
quem as propostas de Schön estão centradas no individualismo. Considero importante
destacar duas propostas adicionais, de Pimenta, relativas à formação docente:

a) Da perspectiva do professor reflexivo ao intelectual crítico reflexivo;


ou: da dimensão individual da reflexão ao seu caráter público e ético;

b) Da epistemologia da prática à práxis; ou: da construção de


conhecimentos por parte dos professores a partir da análise crítica
(teórica) das práticas e da ressignificação das teorias a partir dos
conhecimentos da prática (práxis) ( PIMENTA, 2002, p.44).

Pessoa (2011), por sua vez, vem desenvolvendo pesquisas sobre o que chama de
“formação crítica de professores de LE”. Para ela, as relações sociais que privilegiam uma
pessoa em detrimentos de outras são reproduzidas justamente no contexto educacional e nos
alerta: os cursos de formação de professores de línguas ainda estão pautados em treinamento
de técnicas e fundamentadas em um método ou, pior, em um livro didático que, em muitos
casos é visto como o referencial da sabedoria. Eis a razão que leva a estudiosa a rememorar
Formação de professores e interculturalidade| 135

em seu artigo, Formação crítica de professores de línguas estrangeiras, as afirmações de


Pennycook de que nesse modelo de formação, os contextos de ensino/aprendizagem se
limitam a:
[...] naturalizar categorias como homem/mulher, rico/pobre, branco/preto,
nativo/não nativo, centro/periferia, eu/outro, professor/aluno, impedindo que
elas sejam vistas como dinâmicas e contingenciais. É como se o
conhecimento de uma língua ou a produção de um conhecimento não tivesse
relação com o modo como as pessoas vivem suas vidas cotidianas, com seus
sofrimentos, projetos políticos e desejos (PENNYCOOK, 2006, apud
PESSOA, 2011, p. 33).

Fica evidente, pois, que o papel dos professores de línguas, deve ser o de trabalhar
com os seus alunos objetivando descontruir a linguagem, os textos e os discursos, para que
todos sejam capazes de identificar os interesses a que esses discursos estão servindo. Somente
um professor crítico é capaz de tornar essas desconstruções possíveis e ajudar os alunos
também a desfazerem essas “verdades absolutas”.
Nas novas Diretrizes Curriculares Nacionais para a Formação Inicial e Continuada
em Nível Superior de Profissionais do Magistério para a Educação Básica promulgadas em
2015, constato uma definição mais ampla sobre a responsabilidade da formação docente.
Segundas essas diretrizes, o (a) professor (a) egresso (a) dos cursos de formação inicial em
nível superior deverá estar apto (a) a:

I - atuar com ética e compromisso com vistas à construção de uma


sociedade justa, equânime, igualitária;

II - compreender o seu papel na formação dos estudantes da educação


básica a partir de concepção ampla e contextualizada de ensino e processos
de aprendizagem e desenvolvimento destes, incluindo aqueles que não
tiveram oportunidade de escolarização na idade própria;

III - trabalhar na promoção da aprendizagem e do desenvolvimento de


sujeitos em diferentes fases do desenvolvimento humano nas etapas e
modalidades de educação básica;

IV - dominar os conteúdos específicos e pedagógicos e as abordagens


teórico-metodológicas do seu ensino, de forma interdisciplinar e adequada
às diferentes fases do desenvolvimento humano;

V - relacionar a linguagem dos meios de comunicação à educação, nos


processos didático-pedagógicos, demonstrando domínio das tecnologias de
informação e comunicação para o desenvolvimento da aprendizagem;

VI - promover e facilitar relações de cooperação entre a instituição


educativa, a família e a comunidade;
Formação de professores e interculturalidade| 136

VII - identificar questões e problemas socioculturais e educacionais, com


postura investigativa, integrativa e propositiva em face de realidades
complexas, a fim de contribuir para a superação de exclusões sociais,
étnico-raciais, econômicas, culturais, religiosas, políticas, de gênero,
sexuais e outras;

VIII - demonstrar consciência da diversidade, respeitando as diferenças


de natureza ambiental-ecológica, étnico-racial, de gêneros, de faixas
geracionais, de classes sociais, religiosas, de necessidades especiais, de
diversidade sexual, entre outras (BRASIL, 2015, grifo meu).

Ora, essas pautas já confirmam uma nova visão sobre a formação profissional
docente, que contempla os mais variados saberes, já não hierarquicamente apresentados senão
de forma complementar e interligada. Existe uma preocupação, seja com os conteúdos
pedagógicos, seja com as questões e problemas socioculturais, tais como, a exclusão social e
econômica, a diversidade sexual, étnica e cultural, etc. Donde, essas recentes diretrizes
mostram consonância com as teorias pós-críticas de currículo, uma vez que contemplam a
construção de uma sociedade igualitária, a superação da exclusão social e a conscientização
da diversidade e das diferenças. Patenteia-se, dessa forma, a preocupação com uma sociedade,
naturalmente multicultural.
Nas inúmeras propostas formuladas por vários estudiosos de diferentes áreas do
conhecimento, encontra-se essa mesma linha de pensamento sobre a condução mais adequada
do ensino/aprendizagem contemporâneos e configuração da formação docente. Dentre eles
estão, Santos (2001), Mendes (2004, 2007, 2008), Fleuri (2005), Siqueira (2008), Aguado
(2008), Paraquett (2010), Candau (2012), Matos (2014) e Scheyerl (2012).
Vera Candau (2012), professora da Universidade Católica do Rio de Janeiro e
responsável por diferentes projetos socioeducativos em nosso país e na América Latina,
propõe, por exemplo, um ensino pautado no que ela chama de “Didática Crítica e
Intercultural”, a qual embora esteja ainda em construção, segundo a própria autora, se
constitui em uma perspectiva:

[...] central para se avançar na produção de conhecimentos e práticas, assim


como processos de ensino/aprendizagem e na promoção de uma educação
escolar orientados a colaborar na afirmação de uma sociedade
verdadeiramente democrática em que justiça social e justiça cultural se
entrelaçam (CANDAU, 2012, p. 135).

Já Scheyerl (2012) defende a busca por pedagogias contestatórias e questionadoras


daqueles valores, ideologicamente arraigados, que privilegiam a homogeneidade cultural,
reproduzem práticas racistas e sexistas e, consequentemente, violentam os direitos civis das
Formação de professores e interculturalidade| 137

minorias. Dentro da LA, tanto essa autora como muitos outros apontam a interculturalidade
como ponto central para o ensino de LE, haja vista que uma visão intercultural, “[..] poderá
oportunizar uma melhor compreensão das diferenças [...]”, dentre outros aspectos, “[...] e
garantir uma formação cidadã para que o aprendiz interaja com sucesso na comunicação da
LE e, principalmente, com responsabilidade social” (SCHEYERL et al, 2014, p. 147).
Em outros termos, o docente que atualmente se propõe ensinar línguas deve ser
capacitado para desenvolver um trabalho não mais limitado à transmissão de conteúdos a
serem assimilados e memorizados. Por isso, o professor de línguas não deve ser um
acumulador de conteúdos em sala de aula, mas sim um profissional engajado dialogicamente
com seus alunos sobre questões sociais, capaz de prepará-los para atuar na sociedade de modo
crítico e consciente. Ademais, o professor precisa conhecer as teorias referentes à sua área de
atuação, mas especialmente, se transformar em um profissional crítico, reflexivo e capaz de
trabalhar em sala de aula com importantes questões sociais.
A respeito dessa transformação, Mendes (2007) lembra que o magistério em geral e
particularmente o ensino de LE somente será possível se repensarmos a formação dos
professores para que estes possam, de fato, atuar em diferentes espaços educacionais e
desconstruir os discursos marginalizantes, estigmatizantes, discriminatórios e hierarquizantes
de todo e qualquer ser humano. Trocando em miúdos: as novas práticas só serão concretizadas
depois que a formação de professores sob um uma perspectiva intercultural virar realidade.
Essa discussão inicial sobre os paradigmas educacionais me leva a discutir na
próxima seção o conceito seminal de interculturalidade e a concatená-lo, nas seções
posteriores, com o ensino de línguas e a formação docente.

4.2 O que é Interculturalidade?

O conceito de Interculturalidade é complexo e abordado por diferentes áreas do


conhecimento, como a Pedagogia, Antropologia, Sociologia, Psicologia, Linguística
Aplicada, Comunicação, dentre outras. Isso certamente explica a abundância de definições e
visões em torno ao conceito. Fala-se em “didática crítica intercultural” (CANDAU, 2012),
“comunicação intercultural” (PAVAN, 2007, 2010), “pedagogia intercultural” (SIQUEIRA,
2008; DEMETRIO e FAVARO, 2001), “educação intercultural” (DI CARLO, 1994;
WALSH, 2009), “abordagem intercultural” (MENDES, 2004, PARAQUETT, 2010), e
“Perspectiva Intercultural” (Scheyerl et al, 2014), etc.
Formação de professores e interculturalidade| 138

Por essa razão, iniciei esta seção com uma pergunta a fim de construir ao longo desta
escrita a compreensão do que é interculturalidade e, por conseguinte, informar com qual
acepção este estudo coaduna. Pois, apesar de ser um termo na atualidade bastante difundido,
ainda não há um consenso quanto à sua definição. Isso, certamente ocorre por
razões que eu não tenho como enumerá-las. Mas, possivelmente, porque não existe
um entendimento sobre o que é, de fato, cultura, mas, sobretudo, porque a interculturalidade
vem sendo, equivocadamente, concebida, por alguns estudiosos, como sinônimo de
multiculturalismo.
No início do capítulo anterior, apresentei algumas definições sobre cultura como
ponto de partida. O conceito de cultura precisa ser bem compreendido antes de falarmos em
multiculturalismo ou interculturalidade. Pensar em cultura não pode trazer à mente apenas as
imagens tão batidas de festas tradicionais, pratos típicos ou a indumentária de um povo.
Tampouco homogeneizá-la de modo que seja possível falar em ‘cultura brasileira’, ‘cultura
italiana’ ou cultura suíça. Cultura, na acepção antropológica do termo, com a qual este
trabalho compartilha, é dinâmica, não homogênea e, especialmente, plural, Ainda que existam
raízes históricas e aspectos comuns dentro de uma nação, compartilhados e transmitidos por
seus membros, cada individuo é um sujeito-cultural e portador de uma cosmovisão particular,
a qual é influenciada e configurada por sua própria recepção às culturas (no plural) mais
próximas, sejam estas do seu país de origem ou de outro.
Guardadas as divergências sobre cultura, a partir do entendimento exposto acima,
fica mais fácil compreender que vivemos em uma sociedade onde convergem diferentes
culturas que partilham o mesmo espaço e o território. Sobre isso, Forquin (2000) esclarece
que existem duas abordagens de multiculturalismo que refletem a forma como essas
diferentes culturas são percebidas e, sobretudo, relacionadas. A primeira é descritiva, parte do
multiculturalismo como um dado real, visto que há muito tempo vivemos em sociedades
multiculturais. Já a segunda é prescritiva, pois compreende que o multiculturalismo é, na
verdade, uma maneira de atuarmos e de intervirmos na dinâmica social.
De acordo com a lógica descritiva, por exemplo, o multiculturalismo apenas
reconhece as diferenças, deixando cada uma no seu lugar, para que se estabeleça, sobretudo,
uma suposta “convivência pacífica”, sem que a ordem vigente seja questionada. Como
exemplos desse modelo multiculturalista, Paraquett (2010) menciona a cidade de Nova York,
nos Estados Unidos e, particularmente, a cidade de São Paulo. A autora expõe, inclusive, o
seu temor diante do fato da maior cidade da América Latina e do nosso país estar copiando
esse “modelo de ‘convivência’, onde se escuta um discurso de integração que mascara a real
Formação de professores e interculturalidade| 139

des-integração dos grupos migratórios que para lá acorrem, sejam eles nacionais ou
estrangeiros” (PARAQUETT, 2010, p. 145). Acredito que esse modelo segregacionista está
igualmente presente em outras cidades, basta olharmos ao redor. Além do mais, essa des-
integração da qual fala a autora não se limita apenas aos grupos migratórios.
Para Candau (2008), existem três feições fundamentais do multiculturalismo que
precisam ser compreendidas, pois todas descrevem e prescrevem um modo de reconhecer e
atuar sobre as diferenças. A primeira, o multiculturalismo assimilacionista, constata e
descreve que vivemos em uma sociedade multicultural composta por diferentes grupos
socioculturais que não possuem os mesmos direitos e as mesmas oportunidades. Logo
prescreve a integração de todos, inclusive a dos grupos tradicionalmente marginalizados,
contanto que incorporem às práticas sociais dos grupos hegemônicos para, de algum modo,
poderem se integrarem à sociedade. O resultado final, na verdade, nada mais é do que um
processo de assimilação.
Ainda segundo Candau, esse tipo de multiculturalismo promove a universalização da
escolarização para todos os integrados mais não se propõe a debater o caráter monocultural
presente tanto nos currículos como nas relações sociais. Para a autora, são justamente
posições como essas que deslegitimam os valores diferentes, as diversas crenças, bem como
os “dialetos”.
A segunda abordagem é a do multiculturalismo diferencialista que silencia ou apaga
a cultura do outro, pois, ao ser assimilado pela cultura hegemônica, o indivíduo acaba
anulando e, consequentemente, negando sua própria cultura. Vê-se a construção de sociedades
e comunidades, aparentemente homogêneas, o que, na prática, favorece a criação de
verdadeiros apartheides socioculturais.
Esses dois tipos de multiculturalismo são, com certeza, extremamente devastadores.
Afinal, aqueles, que são coagidos a assimilar e a incorporar as práticas sociais vigentes e
dominantes, pertencem às classes sociais minoritarizadas e marginalizadas (negros,
imigrantes, mulheres, homossexuais). Ao ser obrigado a assimilar as práticas majoritárias, o
sujeito perde o direito de ser como ele é, de expressar sua identidade cultural, memória,
língua-cultura e universo cultural.
Acredito que essas duas feições estejam relacionadas à globalização contemporânea,
pois, segundo Hall (2003), uma de suas tendências é, exatamente, a homogeneização.
Contudo, compreendo que não é possível na contemporaneidade tecer construções sociais nas
quais todos devam ser iguais, pois, promover a padronização e a homogeneização ou ainda a
‘pasteurização’, como prefere Macedo (2013, p. 62), é, a princípio, negar que somos
Formação de professores e interculturalidade| 140

naturalmente diferentes. Além disso, assimilações impostas que silenciam grupos,


comunidades ou indivíduo são verdadeiros atos de violência.
Infelizmente, hei de concordar com Candau (2008) que essas duas perspectivas são
as mais desenvolvidas em nossas sociedades. Certamente é por isso que o multiculturalismo é
alvo de inúmeras polêmicas e visto como diametralmente oposto às ideias defendidas pela
interculturalidade.
Contrárias a essas acepções estão: a) a definição de Domínguez (2011), que afirma
que o multiculturalismo é um conjunto de movimentos sociais que apareceram nos Estados
Unidos na década de 60 e 70110 e visam lutar por igualdade de direitos; b) a terceira
perspectiva apresentada por Candau (2008), denominada de multiculturalismo aberto e
interativo, o qual, segundo ela, também é chamado de interculturalismo, uma vez que essa
perspectiva difere das demais porque é considerada interativa e não discriminadora e; c) o
multiculturalismo crítico ou revolucionário, uma tendência defendida por dois estudiosos nos
Estados Unidos, Peter McLaren e James Banks111.
Segundo McLaren (2000), o multiculturalismo crítico, assim como as outras
perspectivas, também reconhece a diversidade e as diferenças socioculturais, mas,
diferentemente das outras, não as segrega. Pelo contrário, prescreve um projeto político cujo
propósito deve ser transformar as construções sociais que privilegiam uma classe social em
detrimento da outra. Partindo, portanto, da afirmação de que:

[...] o multiculturalismo tem de ser contextualizado a partir de uma agenda


política de transformação, sem a qual corre o risco de se reduzir a outra
forma de acomodação à ordem social vigente. Entende as representações de
raça, gênero e classe como produtos de lutas sociais sobre signos e
significações. Privilegia a transformação das relações sociais, culturais e
institucionais nas quais os significados são gerados. Recusa-se ver a
cultura como não conflitiva (CANDAU, 2012, p. 36, grifo meu).

McLaren (2000, p. 123, apud CANDAU, 2012), complementa que “a diversidade


deve ser afirmada dentro de uma política de crítica e compromisso com a justiça social”. É
por isso que os multiculturalistas críticos alertam que é imperioso compreender que, por meio
da seleção de conteúdos e de atividades, um currículo estará legitimando alguns valores e

110
Nos Estados Unidos, um país reconhecidamente cenário de intensas migrações, as questões relacionadas às
diferenças entre culturas que habitam o mesmo espaço geográfico são recorrentes. Lá, de acordo com Antolínez
(2011), aconteceram diversos movimentos multiculturais, tais como a criação da Service Bureau for Intercultural
Education em 1934, cujos objetivos era reduzir os preconceitos em relação aos grupos marginalizados, e a
promulgação da lei que proíbe a discriminação de raça, cor, idade, credo ou origem social, etc.
111
Esses autores falam do multiculturalismo na realidade estadunidense.
Formação de professores e interculturalidade| 141

determinadas visões de mundo e de cultura, em detrimento de outras. A respeito, Silva (1999)


diz que um currículo, balizado pelas ideias do multiculturalismo crítico, não se limitaria a
ensinar apena a tolerância e o respeito, mas, principalmente, a identificar os processos que
produzem as diferenças assimétricas e desiguais.
Essa visão de multiculturalismo se aproxima de uma das três perspectivas sobre
interculturalidade, apresentadas pela professora da Universidade Andina Simon Bolívar (sede
Equador)112, Catherine Walsh, e analisadas por Candau (2012). A primeira dessas faz
referência, fundamentalmente, ao contato e intercâmbio entre culturas, isto é, entre pessoas,
práticas, saberes, tradições e valores culturais distintos. Esse contato, a partir da perspectiva
relacional, tende a ser menos conflitante e assimétrico. Na segunda, por outro lado, a
interculturalidade é orientada a reconhecer a diversidade e diferença culturais e diminuir as
tensões provocadas por elas, todavia, sem buscar a transformação da estrutura social vigente.
Finalmente, a terceira, chamada de interculturalidade crítica113, é, portanto, a percepção com a
qual este trabalho se identifica, uma vez que se propõe:

[...] questionar as diferenças e desigualdades construídas ao longo da


história entre diferentes grupos socioculturais, étnico-racial, de gênero, de
orientação sexual, religiosos entre outros. Parte-se da afirmação de que a
interculturalidade aponta à construção de sociedades que assumam as
diferenças como constitutivas da democracia e sejam capazes de
construir relações novas, verdadeiramente igualitárias, entre os
diferentes grupos socioculturais, o que supõe empoderar aqueles que
foram historicamente inferiorizados (CANDAU, 2012, p. 127, grifo meu).

É possível perceber nessa análise de Candau (2012) uma aproximação existente entre
o multiculturalismo crítico e a interculturalidade crítica. Entretanto, a opção por essa última
está no fato de que o prefixo “inter” evidencia um processo concentrado na troca, na
reciprocidade e no respeito entre os diferentes grupos socioculturais. Ou seja, o desafio é
defender, do mesmo modo, a justiça social, dando voz àqueles que por muito tempo foram
silenciados e cuja alteridade (o pobre, o indígena, o negro, o imigrante, o estrangeiro etc.),
sempre foi rejeitada e, concomitantemente, construir para todos um espaço interativo,
integrado e dialógico. Isso quer dizer que se estivermos, de fato, empenhados a promover a
interculturalidade, conforme esclarece Paraquett (2010, p.145), devemos “juntar todos em um

112
O termo multiculturalismo está mais associado às produções acadêmicas do mundo anglo-saxão, enquanto, a
interculturalidade está mais presente nas discussões dos países europeus, onde seu conceito ganhou peso, e na
América Latina, onde teve o seu conceito definido pela primeira vez quando aplicado à questão educativa
indígena.
113
Nesse trabalho não é utilizado o adjetivo crítico porque entendo que a interculturalidade é crítica por si
mesma. Logo não é necessário adjetivá-la.
Formação de professores e interculturalidade| 142

mesmo lugar, dando-lhes as mesmas oportunidades e provocando a interdependência entre os


diferentes grupos”.
Nessa lógica, o propósito deve ser, sim, questionar a uniformização dos indivíduos,
e também buscar o desenvolvimento de relações recíprocas entre pessoas de culturas
diferentes, bem como promover o encontro, a integração e o diálogo entre todos os integrantes
da sociedade e não apenas entre “os diferentes”. Eis a posição que defendo neste estudo e um
princípio intercultural que serve como ponto de partida para discussões dentro de uma agenda
de transformação social.
Assim, a partir dessa posição, a interculturalidade deve ser entendida como uma
ferramenta, um processo ou um projeto construído pelas pessoas e para as pessoas. Aponta e
requer, desse modo, a transformação de estruturas, instituições e relações sociais, além de
exigir a criação de condições de estarmos, sermos, pensarmos, conhecermos, aprendermos,
sentirmo-nos e vivermos distinto. Ou seja, é preciso, a priori, reconhecermos, sim, a
diversidade cultural e as suas diferenças socioculturais, para em seguida, entendermos onde
elas se encontram na sociedade. Posteriormente, para promovermos, de fato, o diálogo e a
interação, devemos nos valer das vozes e das lutas daqueles que por séculos foram
socialmente marginalizados, e por fim, buscar mover de lugares posições de subalternizações.
Nessa acepção, a interculturalidade visa a promover um espaço de encontro, onde as
diferenças não sejam vistas como problemáticas ou, muito menos, algo a ser tolerado, e sim
como um ponto de partida para o diálogo. Ainda que existam o estranhamento, o embate, o
choque, existirão, acima de tudo, o respeito e a abertura para o outro, sem a perda da
identidade por assimilação ou anulação. Antes, haverá possivelmente, a oportunidade da troca
e da transformação, uma vez que a interculturalidade concebe as culturas em um contínuo
processo de elaboração, construção e reconstrução. Logo, agirmos interculturalmente é pensar
e viver com respeito mútuo, nunca optando pela indiferença, pela desigualdade ou pelo abuso
de poder, preferindo, antes, privilegiar o diálogo e indo além da simples tolerância.
Essa é minha visão pessoal de uma interculturalidade que possa nos ensinar a
aprender a conviver com mais amor e respeito, o que não é uma tarefa fácil e muito menos
rápida. Mas, como diz Walsh (2005), a interculturalidade terá que deixar de ser um
substantivo e se tornar um verbo de ação se quisermos construir uma sociedade menos
preconceituosa, mais justa e igualitária, onde as oportunidades sejam, realmente, para todos e
não apenas para os tradicionais detentores do poder. É assim que concebo a interculturalidade,
uma visão que se transforma em ação, um meio e não um fim, que deve começar,
primeiramente, em cada um de nós.
Formação de professores e interculturalidade| 143

Não podemos esquecer que vivemos atualmente em uma sociedade onde a tecnologia
permite a comunicação em tempo real entre pessoas nos quatro cantos do mundo. É
importante que o diálogo entre as culturas distintas se fundamente no respeito mútuo e no
entendimento de que nenhuma cultura é qualitativamente superior à outra. O relativismo
cultural que se promove significa entender que não existe um modelo único e ideal de cultura
e que as diversas culturas são naturalmente ricas, cada uma a sua maneira. Portanto, na
perspectiva intercultural, as culturas não são compreendidas como couraças impermeáveis ao
crescimento e nem como santuários intocáveis, mas como pontos de partida para o contato
aberto e dialógico com as ricas variedades e diversidades tanto dos modelos humanos
existentes como dos possíveis e imagináveis. Como é referido no Quadro Europeu Comum de
Referência: “o conhecimento, a consciência e a compreensão da relação (semelhanças e
diferenças distintivas) entre ‘o mundo de onde se vem’ e ‘o mundo da comunidade alvo’
produzem uma tomada de consciência intercultural” (QECR, 2001, p.150). E essa tomada de
consciência, ao meu ver, é o primeiro passo para que assumamos uma postura intercultural.
Enfim, enquanto o multiculturalismo é visto, a priori, como um fato visível, a
interculturalidade não existe, ela precisa ser inventada, ela precisa começar em nós, nas
nossas atitudes diárias, nas nossas posições diante dos outros. Nesse aspecto, a
interculturalidade pode ser resumida como:

- Um processo dinâmico e permanente de relação, comunicação e


aprendizagem entre culturas em condições de respeito, legitimidade mútua,
simetria e igualdade.

- Um intercâmbio que se constrói entre pessoas, conhecimento, saberes e


práticas culturalmente distintas, buscando desenvolver um novo sentido de
convivência de estar em sua diferença.

- Um espaço de negociação e de tradução onde as desigualdades sociais,


econômicas e políticas, e as relações e os conflitos de poder da sociedade
não são mantidos ocultos, e sim, reconhecidos e confrontados.

- Uma tarefa social e política que interpela o conjunto da sociedade, que


parte de práticas e ações sociais concretas e conscientes e intenta-tenta criar
modos de responsabilidade e solidariedade.

- Uma meta por alcançar (WALSH, 2005, p.11, grifo meu).

Diante do exposto, falarmos em “pedagogia intercultural”, “educação intercultural”


ou “perspectiva intercultural”, significa salientar, como já mencionei, o prefixo inter, em um
processo concentrado no intercâmbio, na reciprocidade. Pois, conforme declara Santos:
Formação de professores e interculturalidade| 144

A perspectiva intercultural quer promover uma educação para o


reconhecimento do ‘outro’ para o diálogo entre os diferentes grupos
sociais e culturais. Uma educação para a negociação cultural. Uma
educação capaz de favorecer a construção de um projeto comum, pelo qual
as diferenças sejam dialeticamente integradas. A perspectiva intercultural
está orientada à construção de uma sociedade democrática, plural,
humana, que articule políticas de igualdade com políticas de identidade
(SANTOS, 2011, apud CANDAU, 2012, p. 51, grifo meu).

As palavras de Santos (2011) deixam claro que quando se fala de interculturalidade,


trata-se antes de medidas concretas e mudanças de posturas que viabilizem a construção de
um mundo menos injusto e mais equânime do que mais um termo acadêmico que vem
alimentando as mesas de discussões em diferentes setores e área do saber da sociedade.
Devemos ter, portanto, a consciência de que se trata de um projeto a ser construído por todos
os membros de uma comunidade, principalmente por aqueles incumbidos de gerir as políticas
públicas e por aqueles que possuem, dentre outras funções, a de formar cidadãos, ou seja, os
professores.
Dessa forma, é essencial e urgente um ensino à luz da perspectiva intercultural, uma
vez que os contextos de ensino/aprendizagem, dentre outros aspectos, são os espaços para
formar um cidadão que se posicione no mundo a partir do diálogo entre as diferentes culturas
e da aceitação natural da diversidade como algo inerente à sociedade. Por isso e por minha
motivação principal que me levou a averiguar a existência de cursos de Licenciaturas em LI
no Brasil que realmente proporcionam uma formação docente crítica, reflexiva e condizente
com a perspectiva intercultural, na próxima seção voltarei o meu olhar para o ensino de
línguas sob a ótica intercultural. Uma vez que esses professores, certamente, ensinarão uma
LE em diferentes contextos educacionais.

4.3 Ensino de línguas na perspectiva intercultural.

O ensino de LE tem sido é caracterizado pela criação de métodos que sempre


buscaram a “melhor” forma do ensino/aprendizagem de línguas. No passado, por exemplo, a
língua-cultura do aluno era o ponto de apoio ou de partida para conseguir aprender uma LE,
como no caso do conhecido método da gramática e tradução, que propunha um ensino voltado
para a memorização de palavras e para a tradução de textos como uma simples troca de
palavras ou correspondências. Ou no caso do método áudio-lingual que indicava que o
ensino/aprendizagem de línguas deveria enfatizar a pronúncia dos falantes nativos,
Formação de professores e interculturalidade| 145

suscitando, desse modo, a equivocada ideia de que um bom falante de língua estrangeira é
aquele que pronuncia as palavras tal como um “nativo”.
O fato é que na história do ensino de línguas, sempre existiu a crença114 de que há
um método que será a solução para todos os problemas. Um método capaz de fornecer todos
os subsídios necessários para deslanchar a aprendizagem. Entretanto, como professores de
línguas, temos que fazer as nossas escolhas. Isto é, podemos seguir ensinando, colocando a
velha ênfase em fenômenos linguísticos, na estrutura da língua e preocupando-nos com a tal
pronúncia “correta” ou “perfeita”. A outra alternativa é atuarmos em consonância com
perspectivas que concebam o ensino, em qualquer âmbito, principalmente o de línguas, como
uma tarefa política que reflete o contexto sócio-econômico-cultural onde todos os
participantes do processo educativo estão situados.
Assim, existe atualmente um pensamento consensual (PARAQUETT, 2007,
CELANI, 2005, SERRANI, 2005; MENDES, 2004, MOTA, 2006, SIQUEIRA, 2008,
SCHEYERL , 2009, PESSOA, 2011 e LANDULFO, 2012) de que ensinar/aprender uma
língua, seja materna, LE ou L2, não pode e não deve limitar-se somente ao aprendizado do
seu sistema linguístico, mas antes precisa ser visto como uma oportunidade de conhecer
diferentes cosmovisões e de refletir sobre elas. Logo, diante da ordem social repleta de
contrastes, é também consenso que a formação cidadã do aprendiz deve ser um dos propósitos
do atual ensino de línguas. Afinal, esse não pode ficar imune ao seu papel social. Assim,
como bem lembra Leffa (2012):

(...) o ensino de línguas não deve acontecer em um mundo abstrato,


meramente teórico e construído por autoridades, seja no sentido autoritário,
com base no poder, seja no sentido autorizado, como base no saber, mas
deve estar situado em um determinado contexto, com base na realidade,
garantindo ao professor a opção de agir dentro daquilo que é plausível em
seu contexto (LEFFA, 2012, p. 339).

Isso significa que passou da hora de trazermos o mundo real para dentro das salas de
aula, afinal, é justamente na sociedade onde o aprendiz de línguas atuará. As próprias
Orientações Curriculares para o Ensino Médio (OCEM) também refletem essa nova visão do
ensino/aprendizagem de uma LE, conforme é possível verificar no trecho abaixo:

114
Concebo as crenças como um componente do nosso viver ou da nossa cultura de viver. Elas são alimentadas
por nossas experiências, pelo convívio com os familiares e com diferentes pessoas em diversos contextos. No
processo de ensino/aprendizagem de línguas, as crenças fazem parte da nossa cultura de aprender, influenciando
o nosso comportamento, as nossas atitudes e sugerindo as nossas ações, seja como aprendiz, como professor, ou
como outro agente que faça parte direta ou indiretamente do processo de ensino/aprendizagem, tais como a
família, os autores de material didático, os diretores de escolas de idiomas, formadores de professores, entre
outros ( LANDULFO, 2012, p.72).
Formação de professores e interculturalidade| 146

Reiteramos, portanto, que a disciplina Línguas Estrangeiras na escola visa a


ensinar um idioma estrangeiro e, ao mesmo tempo, cumprir outros
compromissos com os educandos, como, por exemplo, contribuir para a
formação de indivíduos como parte de suas preocupações educacionais
(BRASIL, 2006, p. 91, grifo meu).

Assim, certa de que esse é muito mais do que apenas a escolha de um material
didático elaborado por grandes editoras ou a opção por um método “ideal”, Mendes (2004,
2007, 2008) repensa o processo de ensino/aprendizagem de línguas e propõe um ensino a
partir de uma abordagem que ela denominou intercultural (AI) e resume assim:

[...] a força potencial que pretende orientar as ações de professores,


alunos e de outros envolvidos no processo de ensino/aprendizagem de
uma nova língua-cultura, o planejamento de cursos, a produção de
materiais e a avaliação da aprendizagem, com o objetivo de promover
a construção conjunta de significados para um diálogo entre
culturas (MENDES, 2004, p. 154, grifo meu).

Essas palavras sinalizam para o professor que, para atuar a partir de uma perspectiva
intercultural, ele precisa compreender, sobretudo, que as sociedades são heterogêneas e cada
pessoa possui suas próprias características, seu próprio modo de ver o mundo e a sua própria
cultura. Logo, cada sujeito, como já foi dito anteriormente, é um ser cultural. Além disso, é
possível observar na definição da autora, que língua e cultura não são separadas, pois “[...]
tudo o que fazemos quando interagimos com o mundo através da linguagem é um modo de
produzir cultura” (MENDES, 2012, p. 375).
Sobre língua e cultura, Figueiredo (2009) esclarece que:

É primordial compreendermos a importância da língua na nossa construção


social e cultural. A língua pode expressar, encorpar e simbolizar a nossa
realidade cultural. Quando a língua e a cultura são colocadas juntas, elas
revelam ao mesmo tempo os valores e crenças dos sujeitos situados
socialmente e historicamente em uma comunidade de fala. Podemos afirmar
que língua é como uma entidade sócio interativa que abrange a representação
do patrimônio social e, da mesma forma, também reflete as relações de
poder e dominação entre os membros de uma sociedade. (FIGUEREDO,
2009, p.1).

Desta maneira, as salas de aulas de línguas devem se transformar em espaços onde


podemos questionar os problemas sociais visando a mudança social. Sendo assim, é preciso
entender que tanto os professores quanto os alunos devem agir como agentes de
interculturalidade e isso significa promover o diálogo entre culturas através da interação e a
Formação de professores e interculturalidade| 147

produção conjunta de conhecimentos, conduzidos por sentimentos de colaboração,


cooperação, respeito às diferenças, aceitação do novo, humildade e tolerância, atuando,
concomitantemente como analistas e críticos das experiências que compartilham e do mundo
onde vivem.
É importante compreendermos que, ao ensinar uma língua, o professor tem a
responsabilidade de rever e, sempre que necessário, criticar os discursos reproduzidos com os
propósitos de colonizar, dominar, estigmatizar e estereotipar os sujeitos. Nesse ensino,
portanto, torna-se imprescindível a reflexão sobre questões, tais como: como desigualdades
sociais, preconceito, discriminação, racismo, xenofobia, dentre outros. Esses devem orientar,
na verdade, a pauta dos debates em sala de aula.
Assim sendo, não é mais possível desvincular o ensino de línguas de temáticas
relacionadas ao racismo, a gênero, a meio ambiente, à orientação sexual, à pluralidade
cultural, ao trabalho, à saúde, à discriminação, às relações de poder e a tantos outros aspectos
do viver social. Busca-se, então, possibilitar ao aluno um novo olhar sobre o mundo para
formarmos um sujeito socialmente mais consciente e crítico.
Desse modo, agirmos a partir da perspectiva intercultural significa “reconhecer uma
série de princípios como solidariedade, reconhecimento mútuo, direitos humanos e dignidade
para todas as culturas. É, enfim, promover o diálogo a partir da aprendizagem de línguas
estrangeiras” (PARAQUETT, 2010, p. 154). À vista disso, a perspectiva intercultural sugere
novas estratégias de relação entre sujeitos e grupos diferentes. Deve-se levar em consideração
“questões sociais consideradas relevantes [...] de abrangência nacional e até mesmo de caráter
universal” conforme preconizam os próprios PCN (1998, p.64) em seus temas transversais
que devem ser abordados no ensino de LE .
Nossa atuação só viabilizará essas recomendações em diferentes espaços de
ensino/aprendizagem de línguas, quando compreendermos primeiro que se fazem necessárias
outras formas de construir o conhecimento e traçar caminhos alternativos rumo a novas
direções. Daí, é preciso contemplarmos teorias e práticas pedagógicas que “fujam do
conhecido esquema de tratar cultura como um conjunto de conteúdos informativos e exóticos”
(MENDES, 2007, p.119) e, consequentemente, revogar a ideia de língua como um conjunto
de estruturas sem nenhuma relação com as questões sociais. Ou seja, deve-se superar o
entendimento de língua enquanto estrutura ou algo abstrato e entendê-la enquanto cultura ou
“entidade viva”. Como bem elucida Candau:
Formação de professores e interculturalidade| 148

Somente assumindo de modo consciente e crítico os processos de


hibridização cultural presentes na sociedade brasileira e favorecendo o
diálogo intercultural seremos capazes de promover processos educacionais
que articulem igualdade e diferença, universalismo e relativismo e
globalização e pluralidade cultural, no nosso contexto (2012, p. 51).

Para chegarmos a esse novo patamar, compreendo, contudo, que é indispensável


pensarmos, inicialmente, na formação de professores sob uma perspectiva intercultural. Logo,
devem ser trazidas para a pauta de discussões, temáticas questionadoras das relações de poder,
das hegemonias, da subordinação, da discriminação e de todo tipo de “servidão humana”, na
expressão do filósofo Baruch Espinoza (2009). Nossos educadores têm o dever de não
reproduzir discursos cristalizados, formuláticos ou preconceituosos e sim questionar para
desconstruir uma sociedade onde uns ainda acreditam que são melhores que os outros.
Corroborando esse pensamento e também enfatizando a formação docente, no caso,
de professores de espanhol, Paraquett pergunta aos formadores de professores: “Estamos
preparados para ajudar nossos alunos de forma a que vejam a língua/cultura espanhola como
uma língua que lhes permitirá viver em sociedades cada vez mais pluriculturais?”
(PARAQUETT, 2010, p. 148). Ecoando a sua voz, faço minhas perguntas aos formadores de
professores de italiano no Brasil: Os professores de italiano egressos dos cursos das
Licenciaturas estão preparados para ensinar a língua-cultura italiana como uma língua que
lhes permitirá viver em sociedades cada vez mais pluriculturais? Esses professores em
formação estão sendo preparados para ensinar o italiano em um mundo no qual as mudanças
sócio-políticas estão cada vez mais acentuadas, assim como as desigualdades sociais?
Segundo Paraquett, se a resposta for positiva, estamos falando de professores interculturais,
pois todos terão entendido que:

Interculturalidade significa, portanto, interação, solidariedade,


reconhecimento mútuo, correspondência, direitos humanos e sociais,
respeito e dignidade para todas as culturas. Portanto, podemos entender
que a interculturalidade, mais do que uma ideologia (que também o é) é
percebida como um conjunto de princípios antirracistas,
antissegregadores, e com um forte potencial de igualitarismo. A
perspectiva intercultural defende que se conhecermos a maneira de viver e
pensar de outras culturas, nos aproximaremos mais delas (GARCÍA
MARTÍNEZ et al, 2007, apud PARAQUETT, 2010, p. 149, grifo meu).

A perspectiva intercultural no ensino de línguas pressupõe, então, uma série de ações


em prol do reconhecimento da diversidade que nos constitui e do combate a atitudes de
discriminação para com o outro. Entretanto, para que realmente haja uma visão intercultural é
Formação de professores e interculturalidade| 149

necessário que se repense, especialmente, a formação docente. É urgente, como destaca


Matos,
[...] que os cursos de graduação em Letras com habilitação em língua
estrangeira, onde se formam professores aptos a lecionar em escolas de
ensino básico, repensassem e reformulassem os planos político-pedagógicos
de maneira que a perspectiva intercultural estivesse presente em suas
disciplinas e respectivas ementas. Acredito que é na formação inicial que se
deva refletir e teorizar sobre estas questões, pois se o próprio professor
possui estereótipos relacionados à língua/cultura, como poderá trabalhar
futuramente em sala de aula para desconstruir as visões reducionistas de seus
alunos e promover um verdadeiro diálogo intercultural? A resposta está no
tipo de formação que terá esse professor (MATOS, 2014, p 111).

Estas palavras de Matos retomam o papel central do professor licenciado em Letras –


línguas estrangeiras: lecionar no ensino básico, onde, diversas crianças e adolescentes entram
em contato com os diversos discursos globais. Estes discursos discriminam e marginalizam,
em sua maioria, o pobre, o negro, o homossexual, o índio, o imigrante. Assim sendo, somente
um professor que atua a partir de uma perspectiva intercultural será capaz de desconstruir as
forças opressoras invocadas por esses discursos. Isso quer dizer, em poucas palavras, que
somente um professor intercultural, poderá formar cidadãos interculturais. Do contrário,
continuaremos a reproduzir as falas daqueles que oprimem, marginalizam e discriminam.
Acredito firmemente que a formação docente é um dos primeiros passos para se
promoverem, nas salas de aula, debates que rejeitem as práticas discriminatórias e visem a
formação de cidadãos mais críticos e conscientes e à construção de uma sociedade mais justa
e menos desigual. Por isso, procederei, a seguir, à análise das ementas dos cursos de
Licenciaturas em LI selecionados para verificar se atualmente a perspectiva intercultural é
uma doce perspectiva ou uma triste ilusão.

4.4 Formação de Professores Interculturais: Perspectiva ou ilusão?

Quando falamos especificamente em formação de professores de línguas, pensamos


em diferentes espaços de ensino/aprendizagem, mais particularmente nas escolas de ensino
básico que durante muito tempo foram percebidas como ambientes monoculturais ou
forçosamente transformados em um. Contudo, já vimos que as diversas propostas
apresentadas nos últimos tempos, tais como aquelas das teorias pós-críticas de currículo, o
multiculturalismo e, em especial, a interculturalidade, felizmente apontam para a construção
de uma sociedade mais democrática, onde as diferenças possam ser efetivamente
Formação de professores e interculturalidade| 150

reconhecidas e, principalmente, contempladas e respeitadas, tanto nos currículos como no


âmbito escolar e social.
Após fazer uma vasta pesquisa sobre a formação de professores na Espanha em seu
texto El enfoque intercultural en la formación del profesorado. Dilemas y propuestas115,
Aguado (2008) assinala que, a despeito do crescimento da oferta de cursos de formação de
docentes com atenção à diversidade cultural, não existe uma consequente e significativa
transformação nas práticas dos professores. A autora sublinha que, nos discursos dos
professores, a percepção é clara da diversidade como algo positivo e enriquecedor. Mas na
prática, essa visão é substituída por uma percepção da mesma como problemática e
deficitária.
Jordan, Castellà y Pinto (2001), citados por Aguado (2008), enfatizam, por sua vez,
que a formação docente demanda outros campos básicos para uma formação intercultural de
professores, como o esclarecimento conceitual acerca das noções principais da teoria
intercultural, quais sejam: cultura, identidade cultural, integração, etnocentrismo, relativismo,
etc., conhecimentos das culturas diferentes, competência pedagógica para ensinar alunos de
grupos minoritários em classes multiculturais, etc.
No entanto, várias pesquisas apontadas por Aguado (2008) constataram, após revisão
dos programas de formação inicial, que a inclusão desses temas no currículo é opcional. Ou
seja, não são geralmente temas relevantes em um currículo de formação de professores. Nesse
sentido, a autora declara ser consciente de que um currículo é elaborado em nível nacional e a
introdução desse enfoque depende da autoridade responsável do currículo e da política
educativa em seu conjunto.
No Brasil, de acordo com as novas Diretrizes Curriculares Nacionais para a formação
inicial em nível superior (BRASIL, 2015), como é possível observar no artigo 5º e incisos
VIII:
Art. 5º A formação de profissionais do magistério deve assegurar a base
comum nacional, pautada pela concepção de educação como processo
emancipatório e permanente, bem como pelo reconhecimento da
especificidade do trabalho docente, que conduz à práxis como expressão da
articulação entre teoria e prática e à exigência de que se leve em conta a
realidade dos ambientes das instituições educativas da educação básica e da
profissão, para que se possa conduzir o(a) egresso(a):

VIII - à consolidação da educação inclusiva através do respeito às


diferenças, reconhecendo e valorizando a diversidade étnico-racial, de
gênero, sexual, religiosa, de faixa geracional, entre outras (BRASIL,
2015,p. 6, grifo meu).

115
O enfoque intercultural na formação dos professores: Dilemas e propostas.
Formação de professores e interculturalidade| 151

Desse modo, o professor, cuja formação será “pautada pela concepção de educação
como processo emancipatório e permanente” (BRASIL, 2015, p. 6), deverá, dentre outros
aspectos, conforme já mencionado neste capítulo, estar apto para “atuar com ética e
compromisso com vistas à construção de uma sociedade justa, equânime, igualitária”,
identificando questões de problemas socioculturais e demonstrando a consciência da
diversidade.
Diante disso, com o objetivo de avaliar se a perspectiva intercultural está presente
nos cursos de Licenciatura em LI selecionados para esta investigação, procedo à análise dos
dados, à luz do referencial teórico e metodológico já apresentado. Contudo, é importante
destacar que, assim como fiz na análise anterior, as disciplinas foram agrupadas de acordo
com os seus títulos, descrições das ementas e, conforme, os seus objetivos. Desse modo, a
análise foi realizada seguindo tanto os critérios de agrupamento das disciplinas como uma
ordem pré-estabelecida, como é possível verifica na tabela a seguir:

Quadro 5 - Organização das disciplinas116 por subcategorias II


1. Disciplinas da aprendizagem básica do italiano
2. Disciplinas de ‘cultura’
3. Disciplinas de Linguística Aplicada
4. Disciplinas de Literatura
Fonte: a própria autora

A escolha das subcategorias acima mencionadas foi feita após a leitura do corpus a
fim de organizar sua análise. Desse modo, como já explicado, chamei de “disciplinas da
aprendizagem básica do italiano”, todas aquelas de caráter obrigatório voltadas para o
desenvolvimento das quatro habilidades linguísticas – ouvir, falar, ler e escrever –, em língua
italiana, além das disciplinas, obrigatórias ou optativas que visam desenvolver apenas uma
dessas habilidades.
As disciplinas incluídas na subcategoria “disciplinas de cultura” são assim
denominadas porque seus títulos contêm o termo “cultura”. O mesmo critério foi seguido
para o agrupamento das disciplinas de literatura.

116
É importante informar que os nomes das disciplinas variam de um curso para o outro e que nem todos os
cursos possuem todas as disciplinas elencadas. Além disso, por uma questão de escopo e limite, não serão
apresentadas as descrições de todas as ementas e objetivos das disciplinas, mas, apenas, aquelas que considerei
relevantes para esta análise.
Formação de professores e interculturalidade| 152

Todavia, agrupei como disciplinas de Linguística Aplicada, não só aquelas que assim
já se intitulam, mas também, as que possuem em seus títulos referência ao material didático,
ao ensino/aprendizagem da LI, bem como à metodologia do ensino do italiano e estágio. Feita
essa premissa, apresento minha análise.

4.4.1 Disciplinas da aprendizagem básica do italiano

Nas descrições das ementas das três disciplinas117 de LI do curso da UFBA,


verifiquei que não há nenhuma menção aos temas relacionados à perspectiva intercultural, tais
como: cultura, identidade cultural, integração, etnocentrismo, relativismo, conhecimentos das
culturas diferentes, competência pedagógica para ensinar alunos de grupos minoritários em
classes multiculturais, dentre outros (JORDAN, CASTELLÀ, PINTO, 2001 apud AGUADO,
2003). Convém assinalar que a descrição abaixo se repete nas demais disciplinas
semelhantes, variando somente em relação ao nível de ensino:

Estudo de estruturas da língua Italiana que levem à comunicação oral e


escrita em nível básico (LÍNGUA ITALIANA EM NÍVEL BÁSICO, UFBA,
2009).

Como visto, infere-se a partir desse fragmento, que estas disciplinas de LI da UFBA
visam preparar o aprendiz e futuro professor de italiano, para se comunicar na língua. Na
descrição dos conteúdos programáticos, enfatizam-se os chamados “atos linguísticos
universais” tais como as apresentações pessoais, pedidos de licença, recusa de convites, etc.,
como é possível verificar nos fragmentos a seguir:

Conteúdos gramaticais: Noções de fonética do italiano, Artigos definidos e


indefinidos. Plural dos nomes, Verbos essere, avere e esserci no presente do
indicativo, Principais verbos regulares e irregulares nas três conjugações do
presente do indicativo; O imperfeito, o passado composto e o futuro simples
de alguns verbos; Preposições simples e combinadas; Demonstrativos e
possessivos; Numerais.[...] Conteúdos funcionais: 1. Saudações,
apresentações 2. Perguntar e responder a questões.[...] Habilidades
lingüísticas: 1. Compreender um texto informativo/descritivo 2. Narrar fatos
no presente; no passado 3. Aquisição do código da escrita: pequenas
redações (LÍNGUA ITALIANA EM NÍVEL BÁSICO, UFBA, 2009, grifo
meu).

Conteúdos gramaticais: O imperfeito dos verbos e a oposição imperfeito-


perfeito; A concordância do particípio passado com o objeto: NE partitivo; A

117
O curso de Licenciatura em LI da UFBA oferta apenas três disciplinas específicas para o estudo do idioma
italiano.
Formação de professores e interculturalidade| 153

combinação dos pronomes – verbos pronominais; O condicional simples e


composto Pronomes relativos; O Trapassato prossimo; O futuro semplice e
anteriore; A concordância dos tempos do modo indicativo; O subjuntivo
presente e passado; O subjuntivo imperfeito; A forma impessoal e passiva
dos verbos; O imperativo dos verbos e suas particularidades;
Particularidades das preposições; A concordância dos tempos no subjuntivo
[...] Conteúdos funcionais: 1.Propor/Convidar/ aceitar/ recusar convite
2.Comparar, quantificar, expressar sentimentos, expor argumentos,
persuadir.3. Descrever objetos e situações, comprar, perguntar preços
[...] Habilidades lingüísticas: 1. Narrar fatos no presente, no futuro e no
passado 2. Compreender textos narrativos e argumentativos 3. Leitura de
textos longos 4. Redigir cartas pessoais e administrativas; resumos
(LÍNGUA ITALIANA EM NÍVEL INTERMEDIÁRIO, UFBA, 2009, grifo
meu).

Conteúdos gramaticais: O Passato remoto. O emprego dos tempos e dos


modos verbais. As particularidades de ci, vi e ne; As particularidades dos
verbos. As particularidades dos plurais; As particularidades na formação do
feminino; Os nomes alterados; As particularidades dos graus dos adjetivos;
As principais conjunções; Os principais advérbios; Frases idiomáticas mais
comuns; Conteúdos funcionais: 1. Propor, aceitar, recusar. Negociar.
Tomar uma decisão; 2. Relatar as palavras de alguém e caracterizar seu
discurso; 3. Dar explicações. Contar fatos vividos; 4. Evidenciar raciocínio
lógico utilizando relações de causa/efeito/hipótese [...] Habilidades
lingüísticas: 1. Escuta/leitura de textos explicativos, informativos,
argumentativos, narrativos; 2. Escuta e relato de contos. Resumo oral e
escrito; 3. Os conectores lógicos, temporais, espaciais, os reformuladores.
Indicadores da cronologia; 4. Distinguir os níveis de língua: standard
italiano medio, dialetto, gergo; 5. Leitura de textos literários. Escutar e
relatar contos. Resumo oral e escrito; 6. Escrever textos narrativos
((LÍNGUA ITALIANA EM NÍVEL AVANÇADO, UFBA, 2009, grifo
meu).

O destaque dado aos conteúdos dessas disciplinas demonstra a visível exclusão de


itens que me permitem inferir que existe a perspectiva intercultural como condutora do
processo de ensino/aprendizagem. Entretanto, compreendo que nada impede que o professor
realize o seu trabalho sob o viés da interculturalidade, visto que esta se refere muito mais a
uma forma de ação do que a um método. Assim, o professor pode ensinar a “perguntar
preços” ou “negociar”, enfatizando que vivemos em uma sociedade capitalista onde nem
todos possuem o mesmo poder de compra. Por isso, mais do que saber o preço da mercadoria,
é necessário saber o porquê das desigualdades econômicas. Ademais, a presença de conteúdos
como “Expressar sentimentos”, “Relatar as palavras de alguém, caracterizar seu discurso” e
“Contar fatos vividos” pode servir como gatilho para uma prática intercultural. Ou seja, entre
o currículo pré-ativo e o ativo (GOODSON, 2013), há uma gama de possibilidades à
disposição do professor.
Formação de professores e interculturalidade| 154

Nesse momento, quero reiterar que a perspectiva intercultural não é um método ou


um receituário que contém as estratégias e as técnicas válidas para concretizar a
aprendizagem. Antes, propõe orientar as ações dos professores, dos alunos e de todos aqueles
envolvidos no processo de ensino/aprendizagem de uma língua, desde o planejamento do
curso à produção de materiais que promovam a construção conjunta de significados e fomente
um diálogo entre culturas (MENDES, 2007). É um processo educativo que visa à
conscientização dos problemas sociais que precisam ser questionados a fim de, pelo menos,
atenuar as injustiças sociais.
Nas descrições das ementas da UFES118 e da UFBA, não existe nada explícito que
me possibilite inferir que a interculturalidade pautará a prática pedagógica do professor
formador, como se vê nas citações a seguir:

Introdução ao estudo da língua italiana. Aquisição de estruturas de nível


elementar dos registros formal e informal da língua oral e escrita. Recepção
e produção do texto oral e escrito em nível elementar. Sistema fonético e
gráfico do italiano. Confronto com seus correspondentes no português.
Vocabulário referente a situações do cotidiano. Noções da História e
geografia da Itália. Leitura e discussão de textos literários e não literários
(ITALIANO 1, UFES, 2008, grifo meu).

Aquisição de estruturas de nível intermediário dos registros formal e


informal da língua oral e escrita. Ampliação do vocabulário básico aprendido
nos períodos anteriores. Ênfase na correção da pronúncia.
Desenvolvimento de competência comunicativa (oral e escrita).
Sistematização de aspectos da gramática italiana, os verbos e os pronomes.
Aprimoramento de habilidades de produção e compreensão oral e escrita,
através do estudo de vocabulário, estruturas linguísticas e funções
comunicativas de nível intermediário (ITALIANO 3, UFES, 2008, grifo
meu).

Grifei o trecho da disciplina de Italiano 1 “Noções da História e geografia da Itália”


porque entendo que, ao conhecê-las, os alunos poderão compreender o país em sua
multiculturalidade e, em função disso, considerarem as diferenças culturais das suas diversas
regiões, de seu povo e de suas línguas. Além do mais, se após essas explicações, os olhares se
voltarem para os outros países onde o italiano é falado e, em especial, para o Brasil,
promovendo assim um diálogo entre diferentes visões do mundo, certamente, o professor
estará fomentando a perspectiva intercultural em sua sala de aula. O mesmo ocorrerá se a
discussão sobre “a pronúncia correta” vier acompanhada de discussões sobre preconceito

118
Na UFES, existem quatro disciplinas específicas de LI. A partir do quinto semestre essas disciplinas passam a
enfocar um conhecimento específico, a saber: sintaxe, morfossintaxe, níveis e registros, tradução, fonética e
fonologia, verbo e estudos gramaticais.
Formação de professores e interculturalidade| 155

linguístico e políticas linguísticas. Visto que estamos falando de professores em formação e


não tão-somente de aprendizes de uma LE, um conjunto de saberes é necessário. Afinal, não
se deve esperar que o professor seja apenas capaz de se comunicar em determinados contextos
e em diferentes níveis, senão de se posicionar diante do mundo, falando de si, dos problemas
sociais, da sua cultura, do seu mundo, enfim, da sociedade da qual todos fazem parte, ainda
que em posições diversas e diferenciadas.
A situação na UFF119 não é muito diferente, pois, na maior parte das suas disciplinas,
além de não ter encontrado questões defendidas pelas interculturalidade, constatei a ênfase no
ensino da língua apenas em sua forma padrão, o que me leva a compreender que não ocorrerá
o diálogo com outras variedades, ou seja, com outras culturas. Os fragmentos abaixo
corroboram as minhas interpretações:

Objetivos da Disciplina: Compreender a língua italiana padrão falada e


escrita; falar em situações de comunicação básica previstas no programa; ler
e falar com entoação e correção fonética; ler e Interpretar pequenos textos;
escrever textos inerentes ao programa; iniciar processo de reflexão e
autoaprendimento continuados para a formação de professores [...] Descrição
da Ementa: O aluno, seu mundo e a sociedade italiana: língua e cultura
italianas a nível básico; estruturas lexicais e morfossintáticas; as quatro
macro-habilidades; leitura e produção de pequenos textos. aplicação ao
ensino e à pesquisa. (LÍNGUA ITALIANA I, UFF120, 2015, grifo meu)121.

Objetivos da disciplina: Compreender a língua italiana padrão falada e


escrita; falar em situações de comunicação básica Previstas no programa; ler
e falar com entoação e correção fonética; ler e interpretar textos de Média
dificuldade; escrever textos inerentes ao programa; dar seguimento à
reflexão e ao Autoaprendimento continuados para a formação de professores
[...] Descrição da ementa: O aluno, seu mundo e a sociedade italiana:
língua e cultura italianas a nível intermediário; estruturas lexicais e
morfossintáticas; as quatro macro-habilidades; leitura e produção de
pequenos textos. aplicação ao ensino e à pesquisa (LÍNGUA ITALIANA III,
UFF, 2015, grifo meu).

Todavia, na disciplina de “Língua Italiana III” compreendo que o item “O aluno, seu
mundo e a sociedade italiana” poderá estimular o diálogo entre a língua-cultura alvo e a
língua-cultura do aluno. Isto é, o mundo do aluno parece ser reconhecido como um fator

119
Na UFF existem nove disciplinas específicas de LI.
120
O curso de Graduação em Letras com Licenciatura em LI da UFF é, também, uma habilitação dupla:
Português-italiano.
121
A data referente às descrições das disciplinas da UFF corresponde ao Regulamento dos Cursos de Graduação
da Universidade Federal Fluminense – UFF, aprovado em 14 de janeiro de 2015, disponível em:
http://www.uff.br/sites/default/files/001-2015_regulamento_do_curso_de_graduacao_0.pdf, Acesso em:
23/04/2016. Datas específicas não constam nem do cabeçalho das grades curriculares e nem dos títulos das
ementas.
Formação de professores e interculturalidade| 156

importante para o processo de ensino/aprendizagem de línguas, reconhecimento este que abre


as portas para a interculturalidade.
Na USP122, as descrições das ementas das disciplinas de aprendizagem básica da LI
sugerem uma aproximação com a perspectiva intercultural, uma vez que são explicitadas as
questões identitárias e sociais relacionadas à aprendizagem da língua, bem como a relação
intrínseca entre língua e cultura, conforme consta na disciplina “Italiano V”:

Esta disciplina visa a que o aluno entre em contato com a língua


italiana, considerando-a não como uma mera sequência de palavras ou
frases, mas como discurso com suas regras de organização. Espera-se
que, desde o início, o aluno desenvolva a habilidade de comunicação na
língua estrangeira durante interações em sala de aula e que também,
participe de situações virtuais de comunicação real na língua italiana. Os
fatos gramaticais serão, portanto, vistos em sua funcionalidade discursiva
para que o aluno possa perceber os mecanismos da língua e seus efeitos
de sentidos e, a partir disso, construir seu espaço linguístico-discursivo e
iniciar seu percurso de formação como professor, especialista e
pesquisador [...] (LÍNGUA ITALIANA I, USP, 2015, grifo meu).

O objetivo desta disciplina é oferecer condições para que o aluno continue


desenvolvendo a competência linguístico-comunicativa em italiano e que se
torne capaz de analisar registros, variações regionais e o papel social e
identitário dos dialetos na Itália contemporânea. Para tal fim, espera-se
que o aluno tenha oportunidades de explorar os recursos tecnológicos,
disponibilizados pela interconexão mundial de computadores, para ampliar
não apenas o seu universo linguístico e cultural, mas também o repertório
de estratégias de ensino e de aprendizagem de italiano como língua
estrangeira. O contato com a variada gama de insumos linguísticos,
presentes nos meios de comunicação digital, contribuirá para o
refinamento da proficiência oral e escrita em língua italiana,
instrumental essencial à prática como professor ou pesquisador [...]
(LÍNGUA ITALIANA V, USP, 2015, grifo meu).

O objetivo desta disciplina é que o aluno, encontrando-se no último semestre


do curso de Língua Italiana, reflita não apenas sobre a própria proficiência
linguística, bem como sobre o papel dos recursos tecnológicos na
competência didática e em sua futura prática de sala de aula. Os textos que
servirão como materiais-fonte em sala permitirão que o futuro profissional
em Letras adquira os instrumentais necessários à análise textual avançada e à
percepção de aspectos sintáticos e morfológicos complexos da língua
italiana. Os elementos linguísticos e culturais estudados de forma
aprofundada e as atividades propostas contribuirão para incentivar a
autonomia do futuro profissional de Letras, como docente ou
pesquisador, bem como para ampliar a conscientização da importância de
continuar seu percurso de formação após a finalização do curso de graduação
(LÍNGUA ITALIANA VII, USP, 2015, grifo meu).

122
Na USP, existem sete disciplinas de LI e foram, aqui, apresentadas aquelas que após a análise se mostraram
relevantes.
Formação de professores e interculturalidade| 157

A grande diferença entre essa descrição e as demais vistas até o momento está na
formulação sobre língua não como uma sequência de palavras ou frases e, sim, como
discurso. Isso corrobora Walesko (2006) que vê língua como algo indissociável da cultura, um
produto histórico-social, variável no tempo, no espaço e nas diferentes classes sociais
constitutivas dos indivíduos e por eles constituídas. Ademais, desde o início do curso é
notória a preocupação em associar o ensino/aprendizagem da LE à formação do professor de
línguas, ou melhor, do futuro professor de italiano.
Na UFSC123 também posso inferir que existe uma aproximação com a perspectiva
intercultural, uma vez que aparece uma preocupação em aproximar o ensino da língua à vida
cotidiana do aluno, como é possível verificar na disciplina “Língua Italiana II”:

Introdução à compreensão e produção oral e escrita de gêneros


textuais/discursivos em situações familiares e habituais (LÍNGUA
ITALIANA I, UFSC124,2011125, grifo meu).

Compreensão e produção de textos (orais e escritos) em língua italiana


através da exposição a diferentes gêneros textuais/discursivos
característicos de situações do cotidiano, do trabalho e da mídia
(LÍNGUA ITALIANA II, UFSC,2011, grifo meu).

Aqui, é importante ressaltar o entendimento de que a língua não se apresenta apenas


por meio de estruturas linguísticas e que são considerados os diferentes gêneros textuais e
discursivos produzidos a partir de suas intencionalidades. Isto é, provém de alguém que fala
desde seu contexto e sua cultura para outras pessoas que, certamente, interpretarão as palavras
de acordo com seus diferentes modos de ver o mundo. Logo, esses discursos que se
manifestam por meio de textos se tornam gatilhos para uma ampla gama de discussões, dentre
elas, as que contemplam os temas defendidos pela interculturalidade.
Mas, foi somente nas disciplinas de aprendizagem básica do italiano da UFC 126 que
vi, pela primeira vez, já em seu título, a indissociabilidade entre língua e cultura e referência
ao termo intercultural nas descrições das ementas:

Introdução às situações prático-discursivas da língua italiana mediante o uso


de estruturas léxico-gramaticais de nível elementar para o desenvolvimento
das quatro habilidades comunicativas, sensibilizando o aluno para os

123
Na UFSC, também existem sete disciplinas específicas de LI.
124
O curso de Licenciatura em LI da UFSC não é uma licenciatura dupla.
125
A data das ementas do curso de Licenciatura em LI da UFSC corresponde a data da Resolução Nº
12/CEG/2011, de 17 de agosto de 2011, conforme o projeto pedagógico do curso do curso Letras de Letras -
italiano dessa instituição, o qual se encontra em anexo.
126
Na UFC, existem oito disciplinas específicas de italiano: língua e cultura.
Formação de professores e interculturalidade| 158

aspectos sócio-culturais e interculturais das comunidades falantes desta


língua (ITALIANO I: LÍNGUA E CULTURA, UFC127, 2007128, grifo meu).

Estudo das situações prático-discursivas da língua italiana, mediante


estruturas léxico-gramaticais de nível intermediário para o desenvolvimento
das quatro habilidades comunicativas, sensibilizando o aluno para os
aspectos sócio-culturais e interculturais das comunidades falantes desta
língua (ITALIANO III: LÍNGUA E CULTURA, UFC, 2007, grifo meu).

Estudo de situações prático-discursivas da língua italiana, mediante


estruturas léxico-gramaticais de nível avançado para o desenvolvimento das
habilidades comunicativas, com ênfase nos aspectos sócio-culturais e
interculturais das comunidades falantes desta língua e ampliação da
investigação de diferentes gêneros textuais (ITALIANO V: LÍNGUA E
CULTURA, UFC, 2007, grifo meu).

Estudo de especificidades e escolhas de natureza linguística, com ênfase


nos aspectos históricos, geográficos, sócio-políticos e culturais relativos
às comunidades falantes de língua Italiana (ITALIANO VIII: LÍNGUA E
CULTURA, UFC, 2007, grifo meu).

Nas descrições da UFC fica explícita a importância dos aspectos culturais e das
relações interculturais como dimensões integrantes do processo de aprendizagem. A frase
“sensibilizando o aluno para os aspectos socioculturais e interculturais das comunidades
falantes desta língua” leva-me a pontuar alguns aspectos que considero importantes, como o
desejo de sensibilizar o aluno, nesse caso, o professor em formação e torná-lo capaz de
perceber que a língua é um instrumento de comunicação e interação social que não pode ser
desvinculado dos diversos e diferentes contextos socioculturais. Nesse caso específico, não
pode ser dissociada das comunidades falantes da LI e tampouco dos contextos onde estão
situados os aprendizes, já que língua não é só gramática e nem um sistema abstrato
desvinculado do mundo real. Língua é cultura.
Geralmente, nas disciplinas que visam desenvolver uma habilidade específica, não
encontrei relação explícita com a perspectiva intercultural, conforme pode ser visto nas
disciplinas “Leitura de Texto em LI” e “Redação e Conversação em Língua Italiana” da
UFBA cujas ementas são descritas abaixo:

Ementa: Aplicação de estratégias específicas que levem ao nível inicial de


compreensão de textos de natureza diversa em língua Italiana [...] Conteúdo
programático Estratégias de leitura; A abordagem instrumental; Leitura de
textos informativos, explicativos, argumentativos; Gramática em contexto; A
coesão e a coerência; Os conectores; Prática do resumo oral e escrito

127
O curso da UFC se trata de uma habilitação em língua portuguesa e língua italiana e respectivas literaturas.
128
A data referente às descrições das ementas do curso de Licenciatura em LI da UFC corresponde à data do
projeto pedagógico revisado em maio de 2007. Esse projeto é descrito nos anexos deste trabalho.
Formação de professores e interculturalidade| 159

(LEITURA DE TEXTOS EM LÍNGUA ITALIANA, UFBA, 2009, grifo


meu).

Aspectos e situações mais significativas na vida quotidiana. A Itália e os


seus principais aspectos físicos. Leitura e interpretação de trechos escritos
por autores contemporâneos Exercícios de fixação e revisão do conteúdo
gramatical estudado anteriormente (REDAÇÃO E CONVERSAÇÃO EM
LÍNGUA ITALIANA, UFBA, 2009, grifo meu).

Observo ainda que a disciplina “Redação e conversação em língua italiana” da


UFBA, além de não contemplar claramente a perspectiva intercultural, enfatiza, de maneira
especial, os aspectos geográficos e físicos da Itália, negligenciando, desse modo, as outras
comunidades falantes de LI. Logo, não busca o diálogo entre as mais diferentes culturas. É
possível verificar, ainda, que a descrição acima se refere a uma disciplina de conversação em
LI, todavia, nela serão revisados, mais uma vez, os conteúdos gramaticais ao invés de realizar
conversas que contemplem questões como desigualdades sociais, preconceito, discriminação,
racismo, xenofobia, etnocentrismo, identidade, feminismo, questão de gênero, violência
contra a mulher, educação ambiental, dentre outros.
Novamente digo que os conteúdos gramaticais são importantes para a formação de
professores de línguas. Contudo, faço aqui a mesma pergunta feita na análise anterior acerca
desta mesma disciplina: porque a inclusão desses e a exclusão de outros conteúdos em uma
disciplina cujo título não faz nenhuma menção à gramática?
Nas disciplinas de “Língua italiana instrumental” do curso de Licenciatura da UFF
traz em sua descrição apenas uma referência aos textos básicos e intermediários em LI. Desse
modo, fica impossível verificar se a perspectiva intercultural está presente nessa disciplina. O
mesmo posso dizer da disciplina “Italiano Instrumental” da USP:

Objetivos da Disciplina: Leitura, compreensão e análise de textos básicos


em língua italiana (LINGUA ITALIANA INSTRUMENTAL I, UFF, 2015,
grifo meu).

Objetivos da Disciplina: Cooperar para que o aluno possa: 1) desenvolver


suficiente capacidade de compreensão correta de textos orais e escritos, de
nível elementar e médio, sobre assuntos cotidianos; 2) identificar e o léxico e
as estruturas básicas do italiano; 3) adquirir noções sobre aspectos
específicos da realidade italiana (ITALIANO INSTRUMENTAL I, USP,
2001, grifo meu).
Formação de professores e interculturalidade| 160

Em outra disciplina “Compreensão e Análise de Textos em Língua Italiana” da UFC,


encontrei informações que, a princípio, levam-me a inferir que a perspectiva intercultural
poderá ser contemplada, conforme é possível observar a seguir:

Visão abrangente dos principais elementos teóricos envolvidos no processo


de leitura com aplicação prática em material autêntico em língua italiana de
caráter pragmático e cultural. Análise dos diversos tipos de texto a
partir de reflexões teóricas sobre fatores discursivos, linguístico-
pragmáticos e cognitivos envolvidos na produção textual (COMPREENSÃO
E ANÁLISE DE TEXTOS EM LÍNGUA ITALIANA, UFC, 2007, grifo
meu).

Como visto acima, esta disciplina da UFC, apesar de expor o caráter cultural como
um fator relevante para a compreensão de textos em LI, também traz a pragmática 129, o que
sugere que a língua será vista em contexto de uso. Contudo, uma vez que os objetivos e os
conteúdos não foram encontrados, não tenho como saber apenas a partir desta descrição se
“cultura” será apresentada aos aprendizes de maneira estereotipada ou superficial. Ainda devo
destacar a seguinte expressão muito usada na abordagem comunicativa – “Material autêntico”
–, pois isso me leva a fazer as seguintes indagações: autêntico para quem? Para qual país?
Para qual cultura? Entendo que há muito tempo o uso desse termo está muito presente no
processo de ensino/aprendizagem. Todavia, ele é contraditório, pois me parece autênticos os
textos que não integram o livro didático. Então, qual seria a função do material didático de
línguas? Aprender com textos não autênticos? Aprender a gramática da língua? Entendo que
todo texto escrito na língua-alvo deve ser entendido como autêntico, mas apenas uns têm
função didática e outros não. Logo, todo e qualquer matéria escrito ou oral, de um livro ou da
internet, usado com o objetivo de ensinar, torna-se um material didático. Talvez seja a hora de
repensarmos essa famigerada “autenticidade”. Feitas essas reflexão, sigo para a próxima
subcategoria.

129
A pragmática é um campo da linguística muito amplo. Em síntese, ela examina como a língua é usada em
diferentes contextos de atuação. Atualmente, já se fala em Pragmática Intercultural, a qual, segundo Sérgio
Matos (2003, p397), “desenvolveu-se a partir dos anos 1980, em reação a um universalismo e consequente
etnocentrismo implícitos em trabalhos clássicos de pragmática”. Nessa se verifica, portanto, a ênfase cultural.
Formação de professores e interculturalidade| 161

4.4.2. Disciplinas de “cultura”

Esta subcategoria se refere às disciplinas que incluem em seus títulos o termo


“cultura”. Para seguir a mesma ordem já estabelecida, começo pela disciplina da UFBA,
“Estudos de Cultura Italiana”:

Os grandes vultos da literatura, da arte, da filosofia, da história, da


economia, da ciência, que atuaram na Itália, desde o século XIII aos
nossos dias. Curso ministrado em língua portuguesa. [...] Conteúdo
programático: A Itália: História, geografia, estrutura administrativa. Os
dialetos e a língua italiana. A arte clássica. A arte medieval. O
Renascimento. O Barroco. O século XVIII. O teatro. O século XIX.
Romantismo e realismo. O século XX. Elementos de cinema italiano
(ESTUDOS DE CULTURA ITALIANA, UFBA, 2009, grifo meu).

No caso específico da descrição da disciplina da UFBA, percebo é um conjunto de


conteúdos relacionados a diversas manifestações literárias e artísticas, mas não nenhuma
menção à promoção do diálogo intercultural entre a língua-cultura dos alunos e a língua
cultura alvo. Além disso, o foco são os grandes vultos da literatura, da economia, da arte, e
não “tudo o que é produzido, material e simbolicamente, no âmbito de um grupo social como
produto da cultura desse grupo” (MENDES, 2015, p. 218). Logo, compreendo que a
perspectiva intercultural também inexiste nesta disciplina, sobretudo, porque o olhar parece
ser apenas para os canônicos como sinônimo de “alta cultura”.
Na USP, apesar de ter verificado que são contemplados outros produtos da
vivência, da ação e da interação dos indivíduos, além dos grandes vultos da história italiana,
observo que a disciplina trata dos estudos de “festa” “folclore” e “cozinha”, refletindo, assim,
um conceito redutor ou simplista de cultura, ou, até mesmo estereotipado. O excerto a seguir
comprova essa afirmação:

Aspectos geográficos; as regiões; língua padrão e dialetos; festas e folclore;


indústria e artesanato; organização sindical; sistema escolar; esporte e
lazer; ecologia; cozinha e vinhos italianos (INTRODUCÃO À CULTURA
ITALIANA I, USP, 1993, grifo meu).

Na disciplina da UFC, pude constatar, ainda que em grau menor, que serão abordados
os aspectos culturais das diferentes comunidades falantes de LI. Entendo com isso, uma
abertura a outras culturas, conforme se vê a seguir:
Formação de professores e interculturalidade| 162

Estudos de aspectos socioculturais das comunidades falantes de


língua italiana (TÓPICOS DE CULTURA ITALIANA, UFC, 2007).

Ademais é importante destacar que a disciplina da UFC, ao trazer em sua descrição


as expressões “aspectos culturais” e “comunidades falantes de língua italiana”, se coaduna
com uma concepção de cultura defendida pela perspectiva intercultural. Isto é, não a concebe
com um pacote fechado pertencente a um grupo ou nação. Aqui, considero, oportuno
recordar as palavras de Walsh (2005, p. 11) quando ela diz que a interculturalidade, dentre
outros aspectos, é “um intercâmbio que se constrói entre pessoas, conhecimento, saberes e
práticas culturalmente distintas, buscando desenvolver um novo sentido de convivência de
estar em sua diferença”.
Por último, uma vez que a UFF e a UFSC não possuem nenhuma disciplina com o
termo “cultura” em seu título, passo então a falar das disciplinas da UFES, que ficaram nesta
categoria, porque na grade curricular do curso de Licenciatura em LI desta universidade,
existem 27 disciplinas intituladas: “Laboratório de Práticas Culturais”. Por essa razão,
relaciono-as em uma tabela para o leitor poder compreender as minhas interpretações:

Quadro 6 – Disciplinas de Laboratório de Práticas Culturais

LABORATÓRIO DE PRÁTICAS CULTURAIS


1. Laboratório de práticas culturais 1; 2. Laboratório de práticas culturais 2;

3. Laboratório de práticas culturais 3; 4. Laboratório de práticas culturais 4;

5. Laboratório de práticas culturais 5; 6. Laboratório de práticas culturais 6;

7. Laboratório de práticas culturais 7; 8. Laboratório de práticas culturais 8;

9. Laboratório de práticas culturais: 10. Laboratório de práticas culturais: os


leitura literária na escola; clássicos na escola;

11. Laboratório de práticas culturais: a 12. Laboratório de práticas culturais: a


leitura e o ensino; literatura no ensino médio;

13. Laboratório de práticas culturais: 14. Laboratório de práticas culturais:


análise de livros/manuais didáticos; documentos oficiais: prática de língua
italiana;
15. Laboratório de práticas culturais: 16. Laboratório de práticas culturais:
fonologia e ensino; morfologia e ensino;

17. Laboratório de práticas culturais: 18. Laboratório de práticas culturais:


pesquisa literatura e ensino; produção de texto e ensino;
Formação de professores e interculturalidade| 163

19. Laboratório de práticas culturais: 20. Laboratório de práticas culturais: teorias


sintaxe e ensino; da literatura e ensino;

21. Laboratório de práticas culturais: 22. Laboratório de práticas culturais:


textos da mídia e ensino; literatura e recriação intersemiótica;

23. Laboratório de práticas culturais: 24. Laboratório de práticas culturais:


revisão e avaliação textual; abordagens intersemióticas e
interculturais do texto literário italiano;

25. Laboratório de práticas culturais: 26. Laboratório de práticas culturais:


abordagens transdisciplinares no criação literária;
texto literário;
27. Laboratório de práticas culturais: prática de língua estrangeira: produção e recepção
oral;
Fonte: Grade curricular do curso de Licenciatura da UFES

É importante informar que as oito primeiras “práticas culturais” são disciplinas


obrigatórias, todavia não encontrei nenhuma informação sobre seus objetivos, nem tampouco
descrições de seu conteúdo. Ou seja, a partir da ementa não é possível saber quais são as
propostas dessas disciplinas, visto que a única informação existente é, na verdade, a palavra
“variável”. Concluo, portanto, que apesar de se falar em “práticas culturais”, não há nenhuma
referência a quais são, nem explicações e muitos menos se elas visam a perspectiva
intercultural.
Em função disso e, principalmente, devido à profusão da expressão “práticas
culturais” procurei uma definição que me pudesse fornecer maiores explicações sobre o que
essa significa. Assim, logo descobri a sua complexidade. Segundo o analista do
comportamento, Gleen (1991, apud Andery et al, 2005, p. 150), práticas culturais são “[...]
um conjunto de contingências entrelaçadas de reforçamento, no qual o comportamento e os
produtos comportamentais de cada participante funcionam como eventos ambientais com os
quais o comportamento de outros indivíduos interagem”.
Com essa definição e a partir do entendimento de que Laboratório é um “lugar de
grandes operações ou de transformações notáveis” (MICHAELIS, 2016), faço a seguinte
indagação e reflexão: as disciplinas intituladas “Laboratórios de Práticas Culturais”, visam,
portanto, a proporcionar aos alunos interação e trocas culturais? Pois se esta é a proposta,
entendo então que a perspectiva intercultural baliza essas disciplinas. Entretanto, como as
primeiras oito disciplinas não informam nada sobre isso, inicialmente concentrei-me nas
descrições das ementas relacionadas ao ensino da LI ou de LE, e posteriormente em outras
Formação de professores e interculturalidade| 164

que considero relevantes para o foco desta categoria, a fim de verificar o que essas sugerem.
Inicio, portanto, pela disciplina de “Laboratório de Práticas Culturais: Currículo do Ensino de
Língua Estrangeira” que me incitou a fazer algumas reflexões:

Pesquisa das mudanças comportamentais e dos impactos culturais que


possivelmente ocorrem quando da aquisição de uma língua estrangeira.
Pesquisa sobre a perda ou continuidade dos dialetos italianos existentes
no Estado. A implementação da língua italiana (Convênio SEDU/Consulado
Geral da Itália/ALCIES) no circuito dos currículos das escolas do Espírito
Santo. Análise de um projeto piloto no âmbito do italiano (Progetto Parlare)
(LABORATÓRIO DE PRÁTICAS CULTURAIS: CURRÍCULO DO
ENSINO DE LÍNGUA ESTRANGEIRA, UFES, 2008, grifo meu).

A interculturalidade é, conforme visto na seção, 4.2 deste capítulo, um processo que


busca, dentre outros aspectos, atenuar os choques culturais que são comuns quando um
indivíduo é confrontado com outras culturas e visões do mundo. No entanto, na disciplina
“Laboratório de Práticas Culturais: Currículo do Ensino de Língua Estrangeira” a frase que
merece ser refletida é a seguinte: “Pesquisa das mudanças comportamentais e dos impactos
culturais que possivelmente ocorrem quando da aquisição de uma língua estrangeira”.
É comum o choque, ou o impacto como preferem os elaboradores desta ementa, mas
associá-lo a mudanças de comportamento leva-me a pensar inicialmente que ocorrerá, na
verdade, a assimilação da cultura do outro e não o diálogo. No entanto, posso também
interpretar que a mudança de comportamento talvez signifique uma abertura para o outro
como um processo natural de ressignificações acerca de outras visões sobre o mundo. Mesmo
assim, não é nada certo.
Outro aspecto que eu não posso deixar de assinalar, uma vez que essa ementa
descreve uma disciplina de um curso de formação de professores, é a existência de uma
afiliação com o consulado Italiano que, ao meu ver, apaga a autonomia do futuro professor de
italiano e principalmente do curso formador. Ora, a formação de professores no Brasil deve
ser uma responsabilidade dos cursos de Licenciatura e não de instituições estrangeiras.
Não obstante, em outra disciplina de “práticas culturais” percebo um olhar voltado
para outras comunidades falante de LI, o que me faz constatar uma abertura para outros
lugares, para o diálogo entre diferentes línguas-culturas, ainda que esse diálogo enfatize as
manifestações festivas, reforçando uma concepção de cultura limitada e estereotipada, longe
da concepção sugerida pela Interculturalidade.
Formação de professores e interculturalidade| 165

Discussão sobre os currículos do Ensino Fundamental e Médio. Reflexão


sobre a contextualização geo-histórico-linguística do Espírito Santo, face
às correntes migratórias italianas no Estado. Adoção de atividades escolares
interdisciplinares para propiciar ao alunado a participação em eventos do
calendário italiano no Estado: manifestações folclóricas (música, dança,
gastronomia, cancioneiro, etc.) e festas pagãs (Festa da Polenta, Festa do
Imigrante) e religiosas (LABORATÓRIO DE PRÁTICAS CULTURAIS:
CURRÍCULO DO ENSINO DE LÍNGUA ESTRANGEIRA, UFES, 2008,
grifo meu).

Na descrição acima, apesar da relação simplista de cultura com festas, vejo como
positiva a inserção dos alunos em práticas culturais locais, pois, isso demostra uma abertura
para a perspectiva intercultural, já que existem o reconhecimento de outras cultura e a
promoção do diálogo intercultural. Diante disso, trago para a reflexão, novamente, as palavras
de Walsh (2005, p.11) sobre um dos aspectos a ser considerados quando falamos em
interculturalidade: “Um processo dinâmico e permanente de relação, comunicação e
aprendizagem entre culturas em condições de respeito, legitimidade mútua, simetria e
igualdade”.
A disciplina intitulada “Laboratório de Práticas Culturais: Documentos: Parâmetros
Curriculares Nacionais (LE)” revela uma clara perspectiva intercultural. Talvez isso ocorra
porque a disciplina se alicerça nos PCN (1998), como é possível verificar a seguir:

Discussão sobre os PCN- LE: O conhecimento em língua estrangeira como


um direito de todo cidadão. Perspectiva plurilíngüe para o ensino de
língua estrangeira. O aprendizado de língua estrangeira como estratégia
para conhecer e compreender o outro, superando assim os preconceitos, a
intolerância cultural e a incapacidade de compreender as diferenças.
Entendimento da língua estrangeira como acesso a outras culturas
(LABORATÓRIO DE PRÁTICAS CULTURAIS: DOCUMENTOS:
PARÂMETROS CURRICULARES NACIONAIS (LE), UFES, 2008, grifo
meu).

Estas informações são totalmente consonantes com a perspectiva intercultural, uma


vez que essa também é uma “uma tarefa social e política que interpela o conjunto da
sociedade, que parte de práticas e ações sociais concretas e conscientes e intenta-tenta criar
modos de responsabilidade e solidariedade” (WALSH, 2005, p.11). O que Walsh (2005) diz
parece estar claro na descrição acima: “conhecer e compreender o outro, superando assim os
preconceitos, a intolerância cultural e a incapacidade de compreender as diferenças”.
De acordo com as demais disciplinas de “práticas culturais” da UFES é possível
afirmar que a perspectiva intercultural parece ter balizado seu conteúdo. Os excertos abaixo
comprovam essa afirmação:
Formação de professores e interculturalidade| 166

Discussão sobre o trabalho escolar com textos não canônicos. Pesquisa do


lugar cultural de modalidades literárias não valorizada pelos parâmetros
da alta cultura, destacando-se e reavaliando-se aspectos culturais
presentes na história e nas práticas de leitura e escrita dos alunos da escola
básica. Rap, Funk, Hip Hop, hipertexto, literatura de testemunho,
cordel, literatura gay, negra e de grupos culturais diversos
(LABORATÓRIO DE PRÁTICAS CULTURAIS: TEXTOS LITERÁRIOS
NÃO CANÔNICOS, UFES, 2008, grifo meu).

Práticas de pesquisa acerca do estatuto social, cultural e antropológico dos


diversos gêneros e manifestações do literário, em perspectiva histórica,
levando em consideração as hierarquias historicamente estabelecidas
entre os campos de saber e lugares de poder instituídos pelas sociedades
ocidentais: as ciências naturais e humanas, o discurso da técnica e do
capital, etc. O campo discursivo da Literatura e seu lugar na sociedade
contemporânea (LABORATÓRIO DE PRÁTICAS CULTURAIS:
ABORDAGENS TRANSDISCIPLINARES DO TEXTO LITERÁRIO,
UFES, 2008).

Os fragmentos acima foram grifados porque são muito compatíveis com a


perspectiva intercultural defendida neste trabalho. Na primeira, por exemplo, vejo como
muito positiva a proposta de trazer para o debate textos não canônicos, ou melhor, “aspectos
culturais presentes na história e nas práticas de leitura e escrita dos alunos da escola básica.
Rap, Funk, Hip Hop, hipertexto, literatura de testemunho, cordel, literatura gay, negra e de
grupos culturais diversos”. Isso pressupõe inclusão social, pois, significa trazer o periférico
ao centro.
Na segunda, “Laboratório de Práticas Culturais: Abordagens Transdisciplinares do
Texto Literário”, também, percebo muitas possibilidades de se trabalhar com a perspectiva
intercultural, uma vez que a ementa fala em relações de poder em diversos gêneros, abrindo a
possibilidade de discussões que interessam à interculturalidade. Dentre elas, mudar posições
subalternas de lugar.
Em outra disciplina de “práticas culturais”, percebi um olhar diferente que, ao
mesmo tempo, também possibilita uma negociação e uma abertura para o debate intercultural,
como é possível observar no fragmento abaixo:

Discussão sobre a pertinência da leitura dos clássicos da Literatura


Mundial no contexto escolar. Promoção de experiências de leitura em que
se ponham em pauta as potencialidades de um ensino de literatura
atento às marcas da tradição cultural letrada (LABORATÓRIO DE
PRÁTICAS CULTURAIS: OS CLÁSSICOS NA ESCOLA, UFES, 2008,
grifo meu).
Formação de professores e interculturalidade| 167

Como visto, ao contrário das outras, existe a ênfase na tradição cultural letrada
definida pelo próprio título da disciplina. No entanto, tendo em vista que a instituição oferta
as três disciplinas, vejo como muito positiva essa outra perspectiva, já que os diferentes
campos precisam ser conhecidos. Nesse caso específico, entendo que é preciso conhecer a
tradição, ainda que seja para transgredi-la.
Por fim, apresento outra disciplina de “práticas culturais” porque o seu título contem
o termo interculturalidade – “Laboratório de Práticas Culturais: Abordagens Intersemióticas e
Interculturais do Texto Literário” – o que me levou a pensar que as questões defendidas pela
interculturalidade seriam tematizadas. Entretanto, trata-se de tradução intersemiótica, a qual
consiste na tradução de uma coisa de um meio para outro, ou seja, “a intersemiose entre
música e poesia, e a intersemiose entre a música e os movimentos corporais, na dança”
(MARTINEZ, 2016130), como se vê na descrição abaixo:

Dinâmicas prático-reflexivas que conduzam à conscientização, pelo futuro


professor, das potencialidades do trabalho intersemiótico envolvendo o texto
literário. Experimentação e problematização de traduções e apropriações
críticas entre diferentes linguagens artísticas. Trabalho de pesquisa
enfocando questões sócio-culturais ligadas à intersemiose na
contemporaneidade, tais como: o predomínio do visual e do audiovisual
sobre o suporte escrito, as marcas da cultura midiática nas produções
literárias, etc. (LABORATÓRIO DE PRÁTICAS CULTURAIS:
ABORDAGENS INTERSEMIÓTICAS E INTERCULTURAIS DO TEXTO
LITERÁRIO, UFES, 2008, grifo meu).

Findo as análises das disciplinas de “cultura” e detenho-me nas “disciplinas de


Linguística Aplicada”, ciência que, se durante muito tempo foi percebida simplesmente como
aplicação de descobertas linguísticas, é atualmente a área voltada para pesquisas sobre
questões políticas e sociais.

4.4.3 Disciplinas de Linguística Aplicada

É importante destacar que uma disciplina de Linguística Aplicada está, efetivamente,


relacionada à prática profissional docente. Logo, é preciso aplaudir a existência de disciplinas
de LA em cursos de formação de professores.

130
Artigo disponível em https://bibliotecadomusico.files.wordpress.com/2008/10/composicao-intersemiose-e-
representacao.pdf, Acesso em: 26 de abril de 2016.
Formação de professores e interculturalidade| 168

Inicialmente, portanto, apresento as disciplinas do curso da UFBA e da UFES, as


quais não explicitam uma proposta crítica, o que me conduz a inferir que as questões
defendidas pela interculturalidade não serão contempladas. As descrições das ementas a
seguir corroboram essa afirmação:

Estudo do desenvolvimento da Linguística Aplicada: conceitos, principais


métodos e abordagens de ensino de línguas, explorando resultados de
pesquisas na área (INTRODUÇÃO À LINGUÍSTICA APLICADA, UFBA,
2009, grifo meu).

Linguística como ciência. Estratégias de aprendizagem de segunda


língua. As fases da história da linguística aplicada ao ensino de segunda
língua. Análise contrastiva, Interlíngua. A análise de erros. Elaboração de
material didático (LINGUÍSTICA APLICADA AO ENSINO DE
ITALIANO COMO LÍNGUA ESTRANGEIRA, UFES, 2008, grifo meu).

É bem verdade que a LA durante muito tempo esteve vinculada apenas aos métodos
de ensino de línguas. No entanto, ela atualmente se configura como uma ciência social
híbrida, mestiça indisciplinar, interdisciplinar e transdisciplinar (MOITA LOPES, 2006), uma
vez que seus estudos, ancorados em várias outras ciências de contato tais como a psicologia,
sociologia, linguística (incluindo-se a análise do discurso), a pedagogia, estatística e
antropologia, voltaram-se para questões referentes à linguagem, como os problemas
enfrentados pelos participantes do discurso no contexto social dentro ou fora do ambiente de
ensino/aprendizagem.
Essa percepção parece ser compartilhada pela disciplina obrigatória de LA da UFF,
ainda que em seu título esteja sublinhada a relação reducionista entre essa ciência e o ensino
específico da LI:

Definição de linguística aplicada e pesquisas na área. Articulação entre


teorias linguísticas, teorias de aprendizagem e abordagens pedagógicas. A
sala de aula de língua estrangeira: visões Contemporâneas. [...] Objetivos
da disciplina: a) familiarizar o aluno à linguística aplicada e suas pesquisas;
b) levar o aluno a refletir sobre a articulação teoria-prática no
ensino/aprendizagem de línguas; c) levar o aluno a desenvolver uma visão
crítica em relação ao ensino/aprendizagem de línguas estrangeiras [...]
definição de linguística aplicada e pesquisas na área. Articulação entre
teorias linguísticas, teorias de aprendizagem e abordagens pedagógicas. A
sala de aula de língua estrangeira: visões contemporâneas.
(LINGUÍSTICA APLICADA AO ENSINO – ITALIANO, UFF, 2015, grifo
meu).
Formação de professores e interculturalidade| 169

Os trechos grifados mostram que as visões contemporâneas da LA serão discutidas


na sala de aula e uma visão crítica do aluno perante o ensino de LE será promovida. Posso,
portanto, inferir, que discutir-se-ão em sala de aula problemas relacionados à linguagem e à
comunicação nas sociedades e entre as sociedades, as diferenças socioculturais, as
desigualdades socioculturais e os conflitos socioculturais, dentre outros. Logo, a perspectiva
intercultural parece estar subjacente nesta disciplina. Além do mais, esta disciplina está
imbricada na formação de professores, responsabilidade que é dos cursos de Licenciaturas.
É importante destacar que na UFSC não existe apenas uma disciplina, mas três
disciplinas obrigatórias de LA, como é possível verificar nos trechos abaixo:

Estudo crítico introdutório sobre os fundamentos teóricos da


Linguística Aplicada no que tange ao processo e ensino/aprendizagem de
línguas estrangeiras (INTRODUÇÃO À LINGUÍSTICA APLICADA,
UFSC, 2008, grifo meu).

Estudo crítico das possíveis áreas de atuação da Linguística Aplicada como,


por exemplo, ensino/aprendizagem de línguas estrangeiras, análise do
discurso, produção e avaliação de material didático, política educacional
e uso de novas tecnologias (LINGUÍSTICA APLICADA I, UFSC, 2008,
grifo meu).

Estudo e avaliação dos suportes teóricos relacionados à formação de


professores de línguas estrangeiras com vistas ao desenvolvimento de
consciência crítica relativamente às práticas pedagógicas em diferentes
contextos de aprendizagem (LINGUÍSTICA APLICADA II, UFSC, 2008,
grifo meu).

As descrições acima patenteiam o reconhecimento da diversidade de campos de


estudo e questões possíveis de serem estudadas pela LA. Portanto, entendo que existe uma
visão crítica acerca do ensino de línguas, o qual não deve mais acontecer dentro de uma
redoma de vidro negligenciando o mundo e todos os seus problemas. Desse modo, a
perspectiva intercultural parece estar presente. Ademais, ressalto a oportunidade que esses
alunos têm, já na Graduação em Língua Estrangeira, de discutir questões relativas a essa área.
Isso certamente possibilitará uma formação docente crítica, reflexiva e em conformidade com
a perspectiva intercultural.
Ainda dentro da subcategoria da Linguística Aplicada, concentro-me nas disciplinas
de análise e na elaboração de material didático da UFES e da UFC, visto que nessas encontrei
percepções que se contrapõem, como é possível verificar abaixo:

Análise de livros/manuais didáticos de LE disponíveis no mercado.


Tratamento da gramática normativa, Concepção da língua adotada.
Formação de professores e interculturalidade| 170

Nível de adequação às condições do Ensino Básico, especialmente a Escola


Pública. Atendimento às necessidades de comunicação básica na língua
estrangeira. Elaboração de material didático alternativo
(LABORATÓRIO DE PRÁTICAS CULTURAIS: ANÁLISE DE
LIVROS/MANUAIS DIDÁTICOS, UFES, 2008).

Avaliação, planejamento, elaboração e aplicação de materiais pedagógicos


visando à adequação às necessidades e aos interesses dos aprendizes de
italiano como língua estrangeira (ELABORAÇÃO DE MATERIAIS
DIDÁTICO-PEDAGÓGICOS EM ITALIANO COMO LÍNGUA
ESTRANGEIRA, UFC, 2007).

Nas descrições acima, percebo que um dos papeis do professor é o de aprender a ter
uma nova percepção e atitude pedagógica com relação ao material didático existente.
Contudo, na descrição da disciplina da UFES, não posso deixar de comentar as seguintes
frases: “tratamento da gramática normativa” e “Elaboração de material didático alternativo”.
A primeira me leva a refletir que as análises do material didático devem acontecer
especialmente para que os futuros professores possam compreender que “nenhum
conhecimento, nenhuma língua e nenhuma pedagogia é neutra ou apolítica” (PENNYCOOK,
1994, p.301) e que, por essa razão, é extremamente necessário que o professor tenha “clareza
política sobre quais interesses ele está servindo a partir de suas ações diárias” (STURM, 2008,
p. 343). Com a segunda, entendo que o material didático principal é aquele elaborado por
editoras que desconhecem totalmente os mais diversos contextos educacionais, cabendo aos
alunos elaborar um alternativo.
Desse modo, por entender que a UFC demostra uma percepção distinta, reporto o
que diz a descrição da sua disciplina: “elaboração e aplicação de materiais pedagógicos
visando à adequação, às necessidades e aos interesses dos aprendizes”. Isso me leva a
recordar os chamados “materiais de dentro”, defendidos por Scheyerl (2012, p.49), uma vez
que estes têm, exatamente, o propósito de contemplar os contextos socioculturais onde se
encontram os participantes do ensino/aprendizagem, promover o diálogo entre diversas
culturas e atentar para o fato de que cada aluno é um sujeito cultural, daí a possuir
necessidades diversas.
No caso do ensino da LI no Brasil, conforme elucida Torquato (2014), a LI tem
valores simbólicos variados em diferentes realidades brasileiras, visto que para alguns é
língua de afeto, para outros, língua vinculada ao trabalho “[...] ou pior, vinculada à exploração
do corpo e o espírito, na atroz preservação de uma relação colonialista, a exemplo do que
ocorre do chamado ´turismo sexual´” (TORQUATO, 2014, p.84). O curso que leva o futuro
professor de línguas a reconhecer que existem as mais variadas necessidades e realidades,
Formação de professores e interculturalidade| 171

possibilita a formação de professores capazes de assumir uma postura pedagógica crítico-


reflexiva e, sobretudo, culturalmente sensível, atuando em sua sala de aula como um
mediador e não apenas como um reprodutor de discursos ou de materiais didáticos alheios à
realidade dos alunos.
Nas disciplinas de metodologias de ensino de LI da USP, é possível verificar uma
aproximação à perspectiva intercultural, na medida em que discutem diversas concepções de
ensino e propõem a reflexão crítica por parte do aluno. Os trechos abaixo confirmam essa
interpretação:

Objetivos: oferecer aos licenciandos uma reflexão sobre as concepções a


respeito da língua, bem como sobre o modo através do qual elas
influenciam a prática docente. 2. Estabelecer bases metodológicas e práticas
para o ensino da língua em situações concretas de sala de aula, com enfoque
específico para: a) noções básicas a respeito da aquisição e aprendizagem de
línguas; b) abordagens e métodos de ensino de línguas; c) objetivos e
processos de ensino e aprendizagem; d) elaboração de currículos e
programas; 3. Propiciar discussões sobre a legislação em vigor referente
ao ensino de línguas estrangeiras em geral e para o ensino do Italiano
Língua Estrangeira no Ensino Fundamental e Médio. 4. Analisar e
discutir objetivos, conteúdos e metodologia de ensino e aprendizagem
identificadas em aulas ministradas por outros professores de italiano
língua estrangeira ao longo do estágio de observação, desenvolvido nos
programas de Educação Básica (Ensino Fundamental e Médio) [...]
Programa resumido: A disciplina Metodologia do Ensino de Italiano I está
situada no currículo da Licenciatura tendo por objetivo estabelecer a
integração entre os conteúdos pedagógicos e os específicos (língua italiana),
assim como entre as teorias pertinentes à aprendizagem, ao ensino e à
produção de conhecimento e as práticas desenvolvidas em sala de aula.
Nesse sentido, busca oferecer aos alunos – futuros professores –,
oportunidades de estudo e reflexão das teorias, abordagens e métodos de
ensino da língua e da sua aplicação no conteúdo educacional. Procura
também propiciar discussões sobre as questões didático-pedagógicas
identificadas em aulas ministradas por outros professores de italiano-língua
estrangeira ao longo dos estágios de observação. Tais discussões poderão ser
desenvolvidas com o apoio de plataformas educacionais como o Moodle,
entre outras (METODOLOGIA DO ENSINO DO ITALIANO I, USP, 2016,
grifo meu).

1. Estabelecer bases metodológicas - teóricas e práticas que permitam ao


futuro professor selecionar, adaptar e avaliar situações de ensino e atividades
didáticas.2. Orientar e supervisionar o licenciando de modo a que ele
desenvolva: a) vivência no ensino de italiano como língua estrangeira, por
intermédio da observação e regência de aulas. b) capacidade de
planejamento, execução e avaliação de aulas e curso de italiano como língua
estrangeira; 3. Analisar, selecionar, organizar e avaliar os diferentes
conteúdos linguísticos, socioculturais, discursivos, estratégicos e
pragmáticos que integram e/ou devem integrar os programas curriculares dos
cursos de italiano. 4. Refletir sobre a importância e a contribuição das novas
Formação de professores e interculturalidade| 172

tecnologias para o ensino e aprendizagem do italiano-língua estrangeira.


5. Refletir sobre o ensino de línguas inclusivo: o portador de
necessidades especiais na aula de italiano- língua estrangeira
(METODOLOGIA DO ENSINO DE ITALIANO II, USP, 2016, grifo meu).

Como se vê, os objetivos não são apenas apresentar os diferentes métodos e/ou
abordagens propostos para o ensino de línguas, mas, principalmente, fazer com que os alunos
reflitam sobre as diferentes concepções de língua existentes. Isso me leva a entender, que será
apresentada a visão de língua como cultura defendida pela perspectiva intercultural.
Ademais, o professor em formação deverá elaborar currículos, o que, de certo modo, fará com
que ele reflita porque alguns conteúdos são historicamente privilegiados e outros não.
Na disciplina de “Metodologia do Ensino do Italiano II”, entendo que a perspectiva
intercultural está presente a partir do momento que existe a preocupação tanto com os
aspectos socioculturais quanto com a inclusão de aprendizes portadores de de necessidades
especiais. Ou seja, busca-se juntar todos e dar-lhes as mesmas oportunidades.
Na disciplina de “Metodologia do Ensino do Italiano” da UFSC, é possível inferir
que temas centrados na interculturalidade poderão ser discutidos no decorrer desta disciplina,
a saber:
O papel da Metodologia de Ensino na formação de professores. Abordagens
de ensino de línguas estrangeiras. Diretrizes curriculares para o ensino de
línguas estrangeiras. Práticas de ensino comunicativo. Teorias e práticas
para o desenvolvimento das habilidades linguísticas e da gramática. Estudo,
análise e produção de atividades para a aprendizagem de Língua Estrangeira
- Italiano e para a avaliação do desempenho. Planejamento de curso, de
unidade e de aulas para a Educação Básica (METODOLOGIA DO ENSINO
DO ITALIANO, UFSC, 2011).

O trecho grifado refere-se às diretrizes nacionais que defendem, assim como este
trabalho, um dos objetivos do ensino de LE no Brasil: a necessidade de “conhecer os aspectos
socioculturais de outros povos e nações e de se posicionar contra qualquer discriminação
baseada em diferenças culturais, de classe social, de crenças, de sexo, de etnia ou outras
características individuais e sociais”.
Por último, foi a vez das ‘Disciplinas de Estágio’, as quais estão dentro da
subcategoria de Linguística Aplicada. Nas da UFBA, encontrei a menção às questões
interculturais, levando-me a entender que os temas defendidos por essa perspectiva serão
debatidos, como é possível verificar nos fragmentos a seguir:

Estudo de métodos e técnicas visando a capacitar o aluno para a


construção de práticas pedagógicas contextualizadas. [...] Conteúdo
programático: Apresentação e avaliação dos principais métodos de
Formação de professores e interculturalidade| 173

ensino/aprendizagem. Estratégias de ensino/aprendizagem. Planejamento


de aulas. Avaliação. Relação Professor/Aluno/Sala de aula. Questões
interculturais na sala de aula. Micro-aulas (ESTÁGIO
SUPERVISIONADO I DE LÍNGUA ITALIANA, UFBA, 2009).

Compreendo, portanto que questões como desigualdades sociais, preconceito,


discriminação, racismo, xenofobia, etnocentrismo, identidade, feminismo, diferenças
socioculturais, dentre outras, serão abordadas, ainda que não estejam explicitadas.
Nas disciplinas voltadas à prática pedagógica da UFES, que compartilham a mesma
descrição da ementa, também, percebi que existe uma abertura para a interculturalidade, como
é possível verificar abaixo:

Observação, vivência e análise crítica dos processos didático-pedagógicos


que ocorrem na escola e em outros espaços educativos. A dimensão dos
processos de ensino-aprendizagem e a relação teórico-prática no cotidiano
escolar: concepção de currículo, seleção e organização de conteúdos;
metodologias de ensino; livro didático, considerando a análise crítica de
seus textos e o exame permanente da estruturação de seu conteúdo e
avaliação da aprendizagem. Ação docente, entendida como regência de
classe, contendo a elaboração e a operacionalização de projetos pedagógicos.
Divididos os Estágios Supervisionados I e II entre a orientação para o ensino
fundamental e para o ensino médio (ESTÁGIO SUPERVISIONADO 1
(ITALIANO, UFES, 2008, grifo meu).

Na descrição acima, fala-se em “análise crítica dos processos didático-pedagógicos


que ocorrem na escola e em outros espaços educativos”. Ademais, existe a informação de
que será vista a concepção de currículo. Entendo com isso que, em algum momento, serão
vistas as teorias pós-críticas que comungam das acepções defendidas pelas interculturalidade.
Na UFF, por outro lado, as disciplinas cujo propósito é o diálogo entre a teoria e a
prática, não há nenhuma menção às questões interculturais, como é possível verificar nos
exemplos a seguir:
1-Investigar e analisar as práticas escolares. 2 - planejar e executar
atividades pedagógicas docentes. 3 - participar, em cooperação, das
atividades relativas à docência nas escolas de ensino básico (PESQUISA E
PRÁTICA DE ENSINO III, UFF, 2015)131.

Todavia na UFSC e na UFC, é possível verificar a preocupação de formar um


profissional capaz de atuar em diferentes contextos educacionais a partir dos fragmentos
abaixo:

131
“Pesquisa e Prática de Ensino I e II” se referem ao estágio em língua portuguesa, pois como já mencionado a
Licenciatura em LI na UFF é português/italiano.
Formação de professores e interculturalidade| 174

Vivências docentes em escolas da rede pública e espaços pedagógicos


alternativos. Docência para a implementação e avaliação de atividades
complementares e diferenciadas de aprendizagem. Elaboração de
materiais didáticos. Aprofundamento teórico e metodológico (ESTÁGIO
SUPERVISIONADO I - ITALIANO, UFSC, 2011, grifo meu).

Práticas reflexivas sobre as teorias cognitivas e linguísticas de aquisição de


língua estrangeira, que permeiam as atuais abordagens de ensino e
estabelecem os princípios norteadores dos procedimentos metodológicos
para o ensino e aprendizagem das habilidades linguísticas e dos sistemas da
língua italiana. Observação, análise e relato das práticas pedagógicas
utilizadas no ensino da língua italiana como língua estrangeira (ESTÁGIO I:
FUNDAMENTOS TEÓRICOS PARA O ENSINO DA LÍNGUA
ITALIANA, UFC, 2007).

Enquanto a UFSC fala em “vivências docentes em escolas públicas e espaços


privilegiados”, a UFC menciona a importância de “práticas reflexivas”, o que me leva a
interpretar que o futuro professor de italiano será de algum modo conscientizado de que é
preciso refletir sobre a sua prática pedagógica, entendendo que cada contexto se configura
como um espaço sociocultural que não pode ser negligenciado.
Após essas, passo agora para as “disciplinas de literatura”. Apresentarei, a princípio,
as disciplinas cujo propósito é o estudo das primeiras produções literárias da Itália escritas
não mais em latim.

4.4.4 Disciplinas de Literatura

Por reconhecer que as disciplinas de literatura têm as suas particularidades que


envolvem um determinado período, bem como as correntes literárias específicas, reporto,
abaixo, as descrições das disciplinas que serão em seguida analisadas, devido a sua relevância
para o foco desta categoria:

Literatura volgare na Itália. O toscano: os primeiros textos em italiano


volgare. O volgare na produção de Dante Alighieri e suas teorias
linguísticas. A poesia da Scuola Siciliana e Il Dolce Stil Novo: Guido
Cavalcanti e Guido Guinizelli (ORIGENS DA LITERATURA ITALIANA,
UFES, 2008, grifo meu).

Sobre essa disciplina não encontrei nada a mais do que esta descrição que me
possibilita inferir que a perspectiva intercultural não é contemplada, pois, a interculturalidade
que este trabalho defende, dentre outros aspectos, busca mover de lugares posições
subalternizadas. Quero ressaltar novamente a expressão “italiano vulgar”, já que, compreendo
Formação de professores e interculturalidade| 175

que o seu uso na atualidade expressa uma visão da cultura dominante, estigmatizando a
diversidade de falares de grande parte do povo do Império Romano.
Ora, se a perspectiva intercultural busca, dentre outros aspectos, questionar a ordem
vigente que privilegia uns e exclui outros, como podemos continuar a reproduzir discursos,
expressões e vocábulos que tanto marginalizam? Uma das funções da perspectiva intercultural
é exatamente descontruir nos ambientes educacionais os discursos discriminatórios, ainda que
estes sejam tradicionais e convencionais. Esse termo, em particular, é considerado pejorativo
e marginal e, continuar a empregá-lo, significa legitimar que o que é do povo não tem valor e
é, portanto, vulgar. Dessa forma, continua-se a reproduzir discursos hegemônicos.
Na descrição da disciplina da USP, apesar de também ter encontrado referência ao
“vulgar”, a palavra é aspeada, o que me leva a interpretar que tal ênfase visa a questionar,
exatamente, essa tradição. Ademais, como é possível verificar nos fragmentos extraídos da
ementa apresentada a seguir, existe uma referência a outros países de literatura italiana, ou
seja, de certo modo, há a possibilidade do diálogo entre culturas, uma das dimensões
propostas pela perspectiva intercultural:

Estudar a produção dos países da literatura italiana, por meio da análise


de obras literárias, espera-se que o aluno desenvolva a habilidade de
interpretar textos clássicos e de reconhecer conexões entre as obras
abordadas, capacitando-o a utilizar tais conhecimentos para repensar a
importância do trabalho de interpretação textual de textos literários no
processo de aquisição de competência linguística em italiano e na futura
prática como pesquisador, tradutor e professor de literatura ou de língua
italiana. [...] Programa Resumido: A produção dos países da literatura
italiana. [...] Programa: Divina Commedia, marco fundamental da língua e
da literatura italiana. Petrarca, criador da lírica ocidental. A grande
realização petrarquiana: a fusão entre a cultura humanística e a cultura cristã.
As obras em "volgare": os Trionfi e o Canzoniere. Boccaccio e a criação da
prosa moderna. O Decameron: o realismo e a formação de uma nova
mentalidade cultural. (LITERATURA MEDIEVAL: DANTE, PETRARCA
E BOCCACCIO, USP, 2015, grifo meu).

È importante também destacar que na disciplina da USP existe uma preocupação


constante em relacionar os conteúdos à formação docente, o que configura a preocupação em
formar professores e não apenas especialista em uma área.
Em outras descrições das disciplinas de literatura italiana referente ao mesmo
período literário, percebi a total exclusão da palavra “vulgar”, logo, compreendo que essa
tradição não é fortemente seguida por esses cursos de Licenciatura em LI ou existe, ainda que
de forma incipiente e implícita, o questionamento das desigualdades construídas ao longo da
história entre diferentes grupos socioculturais.
Formação de professores e interculturalidade| 176

Enfoque das primeiras manifestações da literatura e da civilização


italiana por volta do ano 1200 à era Renascentista (LITERATURA EM
LÍNGUA ITALIANA IV, UFC, 2007, grifo meu).

A literatura italiana das origens até a primeira revolução burguesa


(LITERATURA ITALIANA DOS SÉCULOS XIII E XIV, UFBA, 2009)

Introdução aos estudos de literatura Italiana. Das origens ao século XIV


(Idade Média), com ênfase nos principais autores (LITERATURA
ITALIANA 1, UFSC, 2011).

Nas disciplinas de literatura da UFF, além da ênfase na história da Itália, não


constatei nenhuma informação sobre os conteúdos e tampouco referência a algo que me
permitisse verificar se a perspectiva intercultural estaria presente no ensino da literatura. Isso
pode ser identificado nos excertos a seguir:

Conhecer momentos significativos da história da península itálica e de sua


literatura (LITERATURA ITALIANA I, UFF, 2015).

Conhecer momentos significativos da história da península itálica e de sua


literatura (LITERATURA ITALIANA II, UFF, 2015).

Conhecer momentos significativos da história da península itálica e de sua


literatura (MATRIZES DA LITERATURA ITALIANA I, UFF, 2015).

Conhecer a literatura italiana através da análise de textos representativos.


(LITERATURA ITALIANA III, UFF, 2015).

Conhecer a literatura italiana através da análise de seus textos significativos


(LITERATURA ITALIANA III, UFF, 2015).

O contato com a diferença e com a alteridade pode ser desencadeado pelo estudo do
texto literário “estrangeiro”. Aliás, segundo, KoK – Escalle (1998), foi por meio da literatura
que a cultura passou a fazer parte do ensino de línguas, por volta do século XIX e XX.
Todavia, as descrições das disciplinas acima falam apenas em textos significativos e
representativos, o que me leva a entender que serão estudados apenas os textos canônicos, os
que sempre foram tidos como referências culturais. Isso tira do aluno a oportunidade de
conhecer os outros mundos, as outras culturas, as outras histórias e as outras verdades. É
sempre bom ter em mente que uma das funções do ensino da literatura deve ser educar para a
diferença, estimulando, desse modo, os princípios da interculturalidade.
Formação de professores e interculturalidade| 177

Contrárias a essas estão as disciplinas de literatura da UFC, que falam em


“identificação de autores” sem determinar quais são os autores que serão obrigatoriamente
estudados:
Estudo das tendências literárias mais recentes na Itália, através da
identificação de autores do século XX e da análise e interpretação da obra
literária (LITERATURA EM LÍNGUA ITALIANA I, UFC, 2007, grifo
meu).

Estudo da poesia, do teatro, da prosa de ficção e de outras manifestações da


literatura italiana do final do século XIX ao início do século XX
(LITERATURA EM LÍNGUA ITALIANA II, UFC, 2007).

Enfoque dos movimentos artístico-literários na Itália dos séculos XV a


XIX (LITERATURA EM LÍNGUA ITALIANA III, UFC, 2007, grifo meu).

Embora esta descrição não defina os autores canônicos, tampouco menciona quais
serão os autores identificados. O que não me permite verificar se há uma abertura para a
perspectiva intercultural. Vale ressaltar sempre que a literatura é um excelente recurso para
promover a interculturalidade e para compreender outras culturas, uma vez que ela pode
tornar-se um instrumento através do qual podemos observar o mundo e suprimir nossas
possíveis imagens pré-concebidas a respeito de outros grupos e culturas. Ou seja, a literatura é
um caminho para discutirmos, por exemplo, questões como estereótipos, identidade e
desigualdades sociais. Enfim, os textos literários são, portanto, um estímulo significativo ao
diálogo intercultural, uma vez que permitem a construção de pontes entre universos distintos e
plurais.
Após as leituras e a análise de todas essas disciplinas, sigo para a próxima seção,
onde sintetizarei o que nesta foi examinada, informando ao leitor a posição que assumo diante
da questão debatida neste capítulo.

4.5 Síntese e assunções

Ao final da análise das grades curriculares e das ementas das disciplinas dos cursos
de Licenciatura em LI no Brasil, pude constatar que na maioria delas, as questões defendidas
pela perspectiva intercultural estão ausentes.
À vista disso, Torquato (2014), ao escrever um artigo visando discutir, exatamente, a
formação dos professores de italiano no Brasil, intitulado, O ensino do italiano na
universidade brasileira: problemas, desafios, perspectivas, fez a seguinte pergunta: “Como
evitar que a graduação se reduza a um mero ensino de conteúdos linguísticos?”
Formação de professores e interculturalidade| 178

(TORQUATO, 2014, p. 84). Assim como a referida professora de italiano da UFSC e


pesquisadora da área de Italianística, faço aqui também o seguinte questionamento: Até
quando os cursos de Licenciatura em LI, responsáveis diretos pela formação de professores,
continuarão ignorando o fato de que vivemos em um mundo assolado por problemas sociais e
seguirão reduzindo a graduação a um mero ensino de conteúdos linguísticos?
No decorrer deste trabalho, disse que a questão que aqui se discute não é a exclusão
dos conteúdos eminentemente linguísticos, mas a inclusão das questões apontadas por Jordan,
Castellà y Pinto (2001): cultura, identidade cultural, integração, etnocentrismo, relativismo,
feminismo, questão de gênero, racismo, homofobia, desigualdade social, etnocentrismo, etc.
Pesquisas no âmbito da Educação e da LA vêm demostrando que o caminho para a
construção de uma sociedade mais justa e mais democrática é, de fato, a perspectiva
intercultural, ainda que muitos pensem que ela se refere apenas a um conceito vanguardista.
Por essa razão, é urgente a compreensão efetiva de que a interculturalidade deve fazer parte
de um projeto a ser construído por todos da sociedade, mas, especialmente, pelos educadores
e formadores de professores, enfim, por todos aqueles envolvidos com a educação.
No caso específico dos professores de línguas, é imprescindível que se compreenda
definitivamente que língua traduz as mais diferentes formas de pensar e ver o mundo e que,
por isso, não pode ser dissociada da cultura. E esta, por sua vez, deve ser compreendida como
um complexo sistema de significados interpretáveis e não como uma lata em conserva ou algo
fixo e imutável. Do contrário, continuarão a ser contemplados nos currículos apenas os
“grandes vultos” e as “altas culturas”. Um ensino realizado a partir da perspectiva
intercultural propõe, exatamente, uma docência voltada para todos os grupos socioculturais e
não somente os tradicionalmente privilegiados.
É bem verdade que assumirmos o papel de professores de língua interculturais não é
uma tarefa fácil, mormente porque durante muito tempo, o professor de línguas, conforme
ressalta Barros (2012, p.92) “exerceu o papel de transmissor acrítico e mecânico de
conhecimentos e informações”. É nesse sentido que Candau (2008, p. 51) explica que a
incorporação de uma perspectiva intercultural, “não pode ser reduzida a algumas situações
e/ou atividades realizadas em momentos específicos ou por determinadas áreas curriculares,
nem focalizar sua atenção a determinados grupos sociais”. Assim, esta deve fazer parte de
todas as dimensões durante o processo de ensino/aprendizagem.
Assumo, portanto, que enquanto a perspectiva intercultural não for, de fato,
compreendida como uma ferramenta, um processo ou um projeto construído pelas pessoas e
para as pessoas, não teremos uma sociedade mais equânime. A realidade social somente
Formação de professores e interculturalidade| 179

mudará quando começarmos a mudar nosso modo de produção e transmissão de


conhecimento, e, por conseguinte, nossa formação de professores de línguas estrangeiras.
Assim sendo, questões sobre a complexidade da sociedade atual, tais como, a
diversidade cultural, a desigualdade social, xenofobia, racismo, etnocentrismo, as suas causas
e consequências para a vida dos alunos, devem fazer parte dos currículos dos cursos de
formação de professores.
Enfim, é preciso começarmos a formar professores de línguas que sejam mais abertos
e que, em lugar de apenas “tolerar” diferenças, queiram receber o outro, o diferente, o
estrangeiro, do mesmo modo como recebemos a um amigo, mas um amigo com quem “não
temos receio de partilhar as nossas dúvidas, incertezas, emoções, desejos, inseguranças”
(MENDES, 2007, p. 138). Somente assim, poderemos ter professores críticos, reflexivos e
conscientes do papel que exercem como educadores, capazes de promover o diálogo entre as
mais diferentes culturas e de preparar os seus alunos para se tornarem cidadãos do mundo em
vez de meros falantes de uma LE.
A seguir, no último capítulo responderei às perguntas de pesquisas já presentadas no
início deste trabalho, bem como apresento as minhas conclusões e reflexões acerca do que foi
constatado nos documentos analisados.
Palavras conclusivas| 180

5 PALAVRAS CONCLUSIVAS

A pesquisa pode ser definida como um esforço durável de


observações, reflexões e análises e sínteses para descobrir as
forças e as possibilidades da natureza e da vida, e transformá-
las em proveito da humanidade (CHIZZOTTI, 2006, p. 19).

Este trabalho, cujo objetivo central foi investigar as grades curriculares, as ementas e
os programas das disciplinas dos cursos de Licenciatura em LI de algumas universidades
brasileiras para averiguar se a composição curricular destes possibilita uma formação docente
crítica e reflexiva sob uma ótica intercultural, é fruto do meu propósito de realizar um estudo
que pudesse me auxiliar como professora-pesquisadora e que, também, contribuísse para a
vida e para o trabalho de outros. Igualmente, reflete meus questionamentos referentes ao
ensino do italiano, surgidos durante a minha trajetória de aluna e, em especial, durante a
minha atuação como professora de LI em diferentes contextos.
Para tanto, após expressar, no primeiro capítulo, todas as razões que me conduziram
a concretizar esta tese, apresentei, no segundo, informações sobre o ensino da LI no mundo e
em nosso país, a fim de trazer para o debate questões que envolvem todos os professores de
italiano no Brasil. Uma dessas, é o fato de que o idioma para o qual nos licenciamos é pouco
ensinado na rede básica brasileira e isso é consequência de políticas públicas linguísticas que,
apesar de não determinarem qual língua deve ser ensinada nas escolas, não democratizam o
ensino de línguas. Diante dessa realidade, o italiano é visto, ainda, apenas como língua de
imigrante ou de herança, quando, na verdade, é a quarta língua mais estudada no mundo.
No terceiro capítulo, expliquei o conceito de cultura que este trabalho compartilha,
bem como a percepção de currículo como território de poder e formador de identidades. Mas,
enfatizei, sobretudo, a importância de um ensino plural que passe a olhar para a riqueza
linguística e cultural da Itália e volte também o seu olhar para outros lugares onde o italiano é
falado. Essa defesa é para que, ao irmos além dos muros da Itália, seja possível a
compreensão de que ensinar e aprender línguas representam a possibilidade de se conhecer
outras culturas e não somente outras estruturas gramaticais.
No quarto, ressaltei a importância de um ensino a partir da perspectiva intercultural,
uma vez que compreendo que essa visão possibilita a formação de professores interculturais.
Estes, entendidos como profissionais da educação capazes de atuar fomentando a criticidade e
Palavras conclusivas| 181

a consciência cidadã de seus alunos. Entendo a perspectiva intercultural como uma ferramenta
que dará subsídios para que os docentes não continuem reproduzindo discursos que
evidenciam o preconceito, seja este, linguístico, racial, social, sexual, político e religioso.
Tanto a fundamentação teórica apresentada neste estudo como a metodologia
definida foram essenciais para que eu pudesse responder às duas perguntas de pesquisa que
me serviram como base para concretizar os objetivos desta tese:

5.1 Respondendo às perguntas de pesquisa

1) Qual é o espaço conferido à pluralidade linguístico-cultural do italiano nas


disciplinas dos cursos de formação de professores de italiano no Brasil?

A análise dos dados obtidos me permitiu concluir que o espaço conferido à pluralidade
linguístico-cultural do italiano difere de uma universidade para a outra. Enquanto em umas
essa é bem evidente, em outras, existe uma clara negligência ou às variedades do italiano ou
aos dialetos da Itália, mas, em especial, aos outros países onde a LI está presente como L2 ou
língua oficial.
Na UFBA, por exemplo, é possível verificar na composição da grade curricular
referências, explícitas, aos dialetos, em disciplinas como: “Dialetologia Românica”, “A
situação atual das Línguas Românicas”, “Introdução aos Estudos Dialetais” e especialmente a
disciplina intitulada “Estudo dos dialetos italianos”. É possível verificar informações acerca
de dialetos e variedades regionais também nas disciplinas de “Fonética e Fonologia do
Italiano” e de “Língua e Estilo na Literatura Italiana”. No entanto, nas disciplinas da
aprendizagem básica do italiano, a referência à pluralidade linguístico-cultural do italiano está
presente apenas nos conteúdos programáticos do curso de italiano em nível avançado.
Contudo, em nenhuma disciplina, observei o reconhecimento de que o italiano é falado em
outros países além da Itália.
No curso de Licenciatura da UFES, não encontrei evidências acerca das variedades
do italiano e os dialetos da Itália na maior parte das disciplinas. Pelo contrário, há ênfase no
ensino do italiano padrão e na “pronúncia correta” nas disciplinas de aprendizagem básica do
italiano. Entretanto, existem duas disciplinas, do grupo “Laboratório de Práticas Culturais”
que mencionam a existência de outros falares além dos padrões. Uma traz informação dos
Palavras conclusivas| 182

dialetos italianos existentes no Espírito Santo e a outra, a referência da perspectiva plurilíngue


para o ensino de LE.
Na UFF, assim como na instituição anterior, as disciplinas de aprendizagem básica
do italiano somente enfatizam o aprendizado da língua padrão com “entonação e correção
fonética”. Ou seja, não existe nem a referência e, tampouco, o reconhecimento das variedades,
dos dialetos da Itália e muito menos das comunidades falantes de LI. O mesmo ocorre com as
demais disciplinas. Todavia, na disciplina de LA, pude verificar que as visões
contemporâneas no ensino de LE serão debatidas. Com isso, entendo que em algum momento
de um curso pensado para formar professores, é possível que a pluralidade linguístico-cultural
do italiano seja vislumbrada pelos graduandos.
Na USP, a situação é diferente, o reconhecimento das diversas variedades de língua,
bem como dos dialetos da Itália, está presente em suas disciplinas de aprendizagem básica do
italiano, sobretudo na disciplina intitulada “Língua Italiana V” e na “Metodologia do Ensino
de Italiano II”. Ademais, em “Literatura Medieval: Dante, Petrarca e Boccaccio”, existe uma
alusão ao estudo da produção dos países da literatura italiana, o que me leva a pensar que
outras literaturas além daquelas produzidas na Itália serão contempladas.
Na UFSC, constatei a presença explícita da pluralidade linguístico-cultural apenas
em duas disciplinas, a saber: “Tópicos Especiais em Língua Italiana I e II”. Contudo, em duas
das disciplinas de LA, deparei-me com a informação de que o estudo crítico das possíveis
áreas de atuação da Linguística Aplicada será abordado. O que me levou a concluir que as
questões referentes à pluralidade linguístico-cultural do italiano, possivelmente, serão vistas
na sala de aula. Contudo, não existe nenhuma menção às comunidades catarinenses falantes
do talian. Ou seja, essa instituição se encontra no mesmo estado dos munícipios de Flores da
Cunha e Nova Erechim, onde o talian é língua co-oficial, mas não faz nenhuma referência a
isso.
A UFC foi a única instituição que evidenciou na descrição de quase todas as suas
disciplinas, as comunidades falantes de LI, ainda que estas não tenham sido explicitadas.
Contudo, foi somente na disciplina de “Fonética e Fonologia da Língua Italiana” que detectei
a clara referência às variedades regionais e aos dialetos.
Diante do exposto, compreendo que a pluralidade linguística-cultural do italiano
ainda não é considerada um fator importante para a aprendizagem desse idioma, mas,
sobretudo, para a formação do professor. Ainda que essa tenha sido verificada em algumas
disciplinas, ainda se mostra como um conteúdo à parte, para o qual é reservado pouco espaço.
Como se apenas uma ou outra disciplina fosse suficiente para dar conta da complexidade
Palavras conclusivas| 183

dessa pluralidade. Diante disso, concluo com as informações acerca dessa categoria,
respondendo à pergunta que Santipolo (2001) faz no título do seu artigo que me impulsionou
a fazer esta investigação: Ensinar o italiano ou a pluralidade do italiano? Compreendo que o
ensino da pluralidade, sobretudo, em um curso de Licenciatura em LI, possibilitará a
formação de um professor mais consciente das questões linguísticas da língua que ensina e
mais capaz de se posicionar diante das questões sociais de forma crítica e reflexiva.

2) De que modo as disciplinas dos cursos de licenciaturas em LI investigados


dialogam com a perspectiva intercultural?

Após a análise do corpus, pude contatar que as disciplinas na UFBA, em especial,


nas descrições das três disciplinas da aprendizagem básicas do italiano pouco dialogam com a
perspectiva intercultural. Não existe nenhuma menção aos temas básicos da
interculturalidade. O mesmo ocorre em outras disciplinas, como as denominadas de “cultura”
e as de “Linguística Aplicada”. A referência a questões interculturais, sem as devidas
especificações, é vista apenas em uma única disciplina, “Estágio Supervisionado I de Língua
Italiana”.
Nas descrições das ementas da UFES, nas disciplinas voltadas para a aprendizagem
básica do italiano não existe nada explícito que me conduza a inferir que a interculturalidade
pautará a prática pedagógica do professor formador. Contudo, nas chamadas disciplinas
“Laboratórios de Práticas Pedagógicas” é possível verificar uma forte ligação às temáticas
sujeitas à interculturalidade. Nas descrições de algumas dessas disciplinas, é possível detectar
a preocupação em levar para o curso de formação de professores, questões relativas a grupos
culturais que sempre foram postos à margem da sociedade, tais como o rap, funk, hip hop,
bem como o debate acerca das relações de poder. Isso evidencia uma prática pedagógica que
buscar desfazer um ensino tradicionalmente monocultural, compartilhando desse modo ideias
defendidas pela perspectiva intercultural.
Não encontrei essas questões na maior parte das disciplinas da UFF. Todavia, a
disciplina de “Linguística Aplicada” evidencia que as visões contemporâneas da LA serão
discutidas na sala de aula. Por essa razão, compreendo que questões relacionadas à linguagem
e à comunicação nas sociedades e entre as sociedades como, as diferenças socioculturais, as
Palavras conclusivas| 184

desigualdades socioculturais, os conflitos socioculturais, dentre outros, serão debatidas em


sala de aula. Logo, a perspectiva intercultural parece estar subjacente nesta disciplina.
Na USP, as descrições das ementas das disciplinas de aprendizagem básica do
italiano, por sua vez, sugerem uma aproximação com a perspectiva intercultural, uma vez que
são explicitadas as questões identitárias e sociais relacionadas à aprendizagem da língua e a
relação intrínseca entre língua e cultura. Essa mesma percepção tive quando analisei as
disciplinas “Metodologias de Ensino de LI” e de “Estágio”. É importante destacar que esse
curso, em quase todas as ementas, faz uma relação dos objetivos das disciplinas com a
formação docente. Isso revela uma clara preocupação com um ensino voltado para um futuro
professor de italiano.
Na UFSC, embora não exista nenhuma ênfase nos temas suscetíveis à
interculturalidade, também posso inferir que existe uma aproximação com a perspectiva
intercultural, sobretudo, nas disciplinas de “Linguística Aplicada”, “Metodologia do Ensino
do Italiano” e na elaboração de material didático. Além disso, apesar de não encontrar
nenhuma menção ao termo intercultural, existe a presença de três disciplinas obrigatórias de
LA, o que sugere uma formação crítica, reflexiva e em conformidade com a perspectiva
intercultural.
Na UFC, percebi que a perspectiva intercultural está presente na maior parte das
disciplinas do curso. Nos títulos das disciplinas de aprendizagem básica do italiano é clara a
percepção da indissociabilidade entre língua e cultura. Ademais, as constantes referências ao
termo intercultural e às comunidades falantes de LI demonstra que as propostas das
disciplinas do curso são pautadas nas concepções defendidas por este trabalho. Ademais,
existe uma preocupação em afirmar que, segundo as descrições das disciplinas, o propósito é
sensibilizar o aluno, futuro professor de italiano, para os aspectos socioculturais e
interculturais. Entendo com isso a clara percepção de que o agir intercultural não constitui um
método de ensino assimilável, mas uma ação que começa pela sensibilização diante da
diversidade sociocultural de nosso planeta.
Diante do exposto, concluo que apesar de algumas disciplinas de alguns cursos
dialogarem com a perspectiva intercultural, esta ainda não é uma realidade da maior parte dos
cursos de Licenciatura em LI no Brasil. Pois, como disse Candau (2000, p. 51), “[...]
perspectiva intercultural não pode continuar a ser reduzida a algumas disciplinas, situações
e/ou atividades realizadas em momentos específicos ou por determinadas áreas curriculares,
muitos menos focalizar sua atenção a determinados grupos sociais”. A perspectiva
Palavras conclusivas| 185

intercultural deve balizar o currículo, em todas as suas dimensões, pois somente, assim, será
possível descolonizá-lo.
Contudo, devo ainda informar que entre o currículo escrito e o real, existe um espaço
que precisa também ser investigado. As minhas conclusões se referem ao que foi constatado
no currículo escrito.

5.2 Assunções

Findo este trabalho refletindo sobre o que foi constatado, uma vez que um dos
objetivos deste estudo é contribuir para pensarmos sobre a formação de professores de italiano
no Brasil a partir de uma perspectiva intercultural. Desse modo, pretendo primeiramente
retomar o sentido de currículo como um construto social e intencional, cujo resultado provém
de lutas pelo poder. Dito isso, não pode ser esquecido, que quando elegemos um conteúdo e
excluímos outro, estamos muitas vezes silenciando algumas vozes e privilegiando outras,
pois, ainda que não seja percebida, nenhuma prática pedagógica é neutra, visto que a omissão
também é um modo de atender às culturas dominantes.
À vista disso, ao pensar no currículo dos cursos de Licenciatura em LI, temos que
pensar que estamos falando de professores que deverão atuar em diferentes contextos
educacionais, sobretudo, nas escolas básicas. Portanto, esses professores não podem
continuar legitimando poderes hegemônicos e, muito menos, negligenciando aqueles que
historicamente sempre foram marginalizados, discriminados e injustiçados. Por essa razão,
questões raciais, sexuais, políticas, sociais, religiosas, não podem ficar ausentes de um
currículo, principalmente o de formação de professores, pois, currículo é identidade.
Quando decidi reunir em uma tese a pluralidade linguístico-cultural do italiano e a
perspectiva intercultural como categorias de análise era por compreendê-las como
complementares. Ora, sendo o currículo, lugar, espaço, território e trajetória, permeado por
relações de poder, não é possível que um professor possa se pautar nas questões defendidas
pela interculturalidade e, ao mesmo tempo, continuar invisibilizando os dialetos da Itália,
falados por italianos do sul, do centro e do norte e ignorando os povos da África que falam
italiano. Pensar interculturalmente, dentre outros aspectos, é compreender que “a língua é um
organismo vivo e não um sistema de regras, daí que deva ser aprendida do ponto de vista do
seu uso e da sua pluralidade” (CARVALHO, 2009, p.55).
Palavras conclusivas| 186

Ressalto que pensar a construção de currículo que seja, de fato, intercultural é pensar
em diferentes culturas, em diversas variedades, em diversos povos, sem inferiorizá-los, mas
juntando todos no mesmo lugar. É preciso olharmos para outros lugares e não apenas para os
supostamente hegemônicos.
Como disse na introdução deste trabalho, passou da hora de continuarmos a treinar
professores para ecoar os discursos dominantes. Precisamos formar professores críticos,
engajados, conscientes do seu papel social e que se façam ouvir. Somente assim, poderemos,
como professores de italiano no Brasil, mudar a posição na qual nos encontramos e começar
a exercer a função para a qual somos preparados: ensinar italiano nas escolas básicas. Com
isso, não quero dizer que os outros contextos educacionais não sejam importantes, mas
ressaltar a importância da democratização do ensino de línguas e o papel do professor em
nossa sociedade.
Sugiro, portanto, novas pesquisas que investiguem outros cursos de Licenciatura em
LI, que observem as práticas pedagógicas dos professores formadores, bem como as práticas
dos professores em formação durante as disciplinas de estágios. Ademais, seriam importantes
outras pesquisas que investiguem currículos com outros focos, como por exemplo, saber qual
é o lugar ocupado pelas disciplinas específicas para a formação docente. Assim, a junção de
vozes e forças, certamente, fará com que professores críticos e reflexivos atuem em nossa
sociedade conforme uma perspectiva intercultural.
Diante do exposto, encerro este trabalho retomando as palavras de Freire (2007, p.
87) apresentadas no início, visto que é assim que continuo pensando e é essa a mensagem que
desejo deixar a todos os professores de línguas: “[...] como professor devo saber que sem a
curiosidade que me move, que me inquieta, que me insere na busca, não aprendo e nem
ensino [...]”.
Referências | 187

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ANEXOS

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