Tese Cristiane Landulfo
Tese Cristiane Landulfo
Tese Cristiane Landulfo
INSTITUTO DE LETRAS
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM LÍNGUA E CULTURA
SALVADOR
2016
CRISTIANE MARIA CAMPELO LOPES LANDULFO DE SOUSA
Salvador
2016
Sistemas de Bibliotecas - UFBA
Inclui anexos.
Orientadora: Profª. Drª. Márcia Paraquett.
CDD - 375
CDU - 37.016
UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA
INSTITUTO DE LETRAS
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM LINGUA E CULTURA
Tese defendida em 01 junho de 2016 e aprovada pela Banca Examinadora constituída pelos
seguintes professores:
___________________________________________________________________
Profª. Drª. Márcia Paraquett
Universidade Federal da Bahia
Orientadora
___________________________________________________________________
Profª. Drª. Doris Cristina Vicente da Silva Matos
Universidade Federal de Sergipe
Examinadora Externa (Primeiro Titular)
___________________________________________________________________
Profª. Drª. Alessandra Paola Caramori
Universidade Federal da Bahia
Examinadora Externa (Segundo Titular)
__________________________________________________________________
Profª. Drª. Cristiana Cocco Carvalho
Universidade Federal da Bahia
Examinadora Interna (Primeiro Titular)
___________________________________________________________________
Profª. Drª Denise Chaves de Menezes Scheyerl
Universidade Federal da Bahia
Examinadora Interna (Segundo Titular)
E os seguintes suplentes:
___________________________________________________________________
Profª. Drª. Julia Morena Silva da Costa
Universidade Federal da Bahia
1ª Suplente Externo
___________________________________________________________________
Profª. Drª. Nair Floresta Andrade Neta
Universidade Estadual de Santa Cruz
2ª Suplente Externo
__________________________________________________________________
Profª. Drª. Fernanda Almeida Vita
Universidade Federal da Bahia
1ª Suplente interno
__________________________________________________________________
Prof. Dr. Domingos Sávio Pimentel Siqueira
Universidade Federal da Bahia
2º Suplente Interno
O sistema educacional sempre situou a formação do profissional da
educação, ou seja, a profissionalização docente, no contexto de um
discurso ambivalente, paradoxal ou simplesmente contraditório; de
um lado, a retórica da importância dessa formação; de outro, a
realidade da miséria social e acadêmica que lhe concedeu
(IBERNÓN, 2000, p. 50).
- A minha querida orientadora Profª Drª Márcia Paraquett, por ter compartilhado comigo tanta
sabedoria e humildade. Por ter me dado asas para voar e por ter sido sempre dócil em suas
palavras. Por ter me acolhido e me ensinado a dar voz aos meus pensamentos. Pela paciência
e atenção sem limite. Por fim, pela confiança depositada em mim e no meu trabalho. Pela
paciência e pelos doces abraços.
- Ao meu marido, que me encoraja em todos os momentos de dificuldade, por ser um pai
zeloso e um grande amigo. Por ser a pessoa que sempre me amparou nos momentos mais
difíceis. Por ser meu companheiro de tantos anos. Por ser o meu amor.
- A Giovanna, minha filha linda e amada. Por ter me ensinado a ser uma pessoa melhor a cada
dia. Por ter me mostrado o que é um amor puro e sincero. Por ser, ainda que tão pequena,
minha maior amiga. Por ter dormido nas horas certas, por ter pedido atenção e assim me
mostrado a importância do descanso. Por ser a pessoa que mais amo nesse mundo. Por ser a
melhor parte de mim.
- A meu pai, por quem cultivo o mais puro amor e uma enorme gratidão. Uma pessoa que
durante toda a vida foi meu amigo;
- À minha querida tia Maria, pelo carinho dedicado a mim e, sobretudo, pelo incentivo dado
em todos os meus empreendimentos. Por me ajudar e me ouvir sempre que precisei;
- Às minhas queridas irmãs, Celiane e Claudiane, por todos os momentos que vivenciamos
juntas e pelo amor recíproco que sempre cultivamos;
- A Alessandra Caramori, pelo exemplo de pessoa humana e por todo alento que sempre me
deu. Por ser minha amiga, por confiar em meu trabalho e por estar ao meu lado nas horas que
mais precisei. Por vibrar por minhas conquistas e torcer por elas.
- À minha equipe de amigas: Kelly Barros, Roberta Peixoto, Júlia Vasconcelos, Leila Schultz
e Dóris Cristina. Amigas da vida acadêmica e de toda a vida. Pelos ouvidos emprestados, as
palavras amigas e por todos os cafés que bebemos e ainda vamos beber juntas.
- À minha grande amiga de uma vida toda Tereza Helena, pelo carinho e pelas conversas
esclarecedoras, pela amizade infinita e pelo amor mútuo.
- A Cristiana Cocco, pessoa que conheci há pouco tempo e que me mostrou que amizades
sinceras nascem em qualquer lugar.
- Ás meninas dos PROELE, pelo incentivo mútuo, pelo companheiro e pela admiração
reciproca;
- A Joziane Assis e a Patrícia Rosa, pelo carinho, pela solidariedade, pela amizade e pelas
contribuições no meu trabalho.
- A Elza que me ajudou muito, cuidando da minha filha com carinho e da minha casa em
todos os momentos que precisei.
- A Lys Santaché, por me apoiar em todos os momentos, por ser minha amiga querida;
- Ao professor Sávio Siqueira por ser um incentivador do meu trabalho, ainda que distante.
-Ao professor Mauro Porru pela torcida constante e pelo carinho recíproco.
- A minha amiga Viviane, pelas conversas animadoras, pela companhia diárias durante às
tardes e pelo ombro amigo;
- Às meninas do italiano, Suzy, Cristiana, Cássia, Izabela, Claúdia e Adriana, por serem
grandes colegas de trabalho.
- A todos os meus alunos que me ensinaram que eu sempre terei muito para aprender.
- Aos colegas de profissão espalhados pelo Brasil que me apoiaram e me forneceram úteis
para este trabalho, Carolina Torquato, Karine Marielly, Paola Baccin, Paula Garcia, Fernanda
Ortale, Tatiana Mattos, Marize Soares, Sergio Romanelli.
- A todos os professores e coordenadores dos cursos de Licenciatura em Língua Italiana que
me forneceram os documentos que tanto precisei.
- A todas aquelas pessoas que direta ou indiretamente contribuíram para a concretização deste
trabalho.
- À FAPESB, por ter me concedido uma bolsa de pesquisa para a realização deste trabalho.
RESUMO
Esta tese, situada na área da Linguística Aplicada (LA), é o resultado de uma investigação
realizada nas grades curriculares e nas ementas dos cursos de Licenciatura em língua italiana
de algumas universidades brasileiras. O seu principal objetivo foi averiguar se a composição
curricular desses cursos possibilita uma formação docente crítica e reflexiva em conformidade
com a perspectiva intercultural. Além disso, foi também investigado se as propostas
pedagógicas das ementas curriculares contemplam a pluralidade linguístico-cultural do
italiano. Trata-se, portanto, de uma pesquisa documental cujo corpus foi analisado sob o
enfoque qualitativo-interpretativista. O construto teórico escolhido para a fundamentação
desta investigação foi ancorado em quatro pilares: (1) currículo (2) pluralidade linguístico-
cultural do italiano, (3) formação de professores (4) perspectiva intercultural. A junção desses
pilares teóricos permitiu a reflexão sobre a formação de professores de italiano no contexto
brasileiro. A partir dos dados analisados, a tese constatou que o idioma italiano é, em alguns
cursos de Licenciatura previamente selecionados para esta pesquisa, ensinado a partir de um
viés monocultural e monolinguístico. Outrossim, a perspectiva intercultural ainda não é uma
realidade na maior parte desses cursos. Destarte, os resultados demonstraram a necessidade da
construção de novas práticas pedagógicas que possibilitem formar professores de italiano
críticos, reflexivos e capazes de atuarem em diferentes contextos educacionais, visando à
promoção da interculturalidade e à formação cidadã de seus alunos.
This thesis, in the area of Applied Linguistics (AL), is the result of research on undergraduate
Italian language curricula and course syllabus in some Brazilian universities. Its main aim was
to establish whether the curricular makeup of these courses enables critical and reflective
education for teachers from an intercultural perspective. Moreover, the thesis also investigates
whether the educational proposals of curricular syllabus cover Italian language linguistic and
cultural plurality. Thus, the qualitative and interpretative approach herein is based on
documental research. The theoretical framework chosen for the reasoning behind our research
is anchored on four pillars: (1) curriculum (2) linguistic and cultural plurality of Italian, (3)
teacher education and, finally, an (4) intercultural perspective. Combined, these pillars
provide important reflection on Italian language teacher preparation in Brazil. From the data
analyzed, the thesis found that Italian is, in some undergraduate degree courses previously
selected for this research, taught with a monocultural and monolinguistic bias. Moreover, the
intercultural perspective is still not a reality in most of these courses examined herein. Thus,
the findings showed the need for building new pedagogical practices that provide Italian
teachers with a critical and reflexive education, enabling them to act in different educational
contexts aimed at promoting intercultural and civic awareness among students.
Questa tesi, insita nell’area di Linguistica Applicata (LA), è risultante da una ricerca
realizzata sui contenuti curriculari e su quelli dei corsi di Laurea in lingua italiana di alcune
università brasiliane. Il suo obiettivo principale è stato quello di accertare se la composizione
curriculare di questi corsi renda possibile una formazione docente critica e riflessiva, in
accordo con la prospettiva interculturale. Inoltre, si è anche indagato se le proposte
pedagogiche prevedono la pluralità linguistico-culturale dell’italiano. Si tratta, quindi, di una
ricerca documentale il cui corpus è stato analizzato da un punto di vista qualitativo-
interpretativo. Il costrutto teorico scelto come base di questa indagine è stato fondato su
quattro pilastri: (1) curricolo (2) pluralità linguistico-culturale dell’italiano, (3) formazione
docente, (4) prospettiva interculturale. L’unione di questi pilastri teorici ha permesso la
riflessione sulla formazione di docenti di italiano nel contesto brasiliano. A partire dai dati
analizzati, la tesi ha constatato che la lingua italiana, in alcuni corsi di laurea precedentemente
selezionati per questa ricerca, viene insegnata seguendo una traiettoria monoculturale e
monolinguistica. Inoltre, la prospettiva interculturale non è ancora una realtà nella maggior
parte di questi corsi. In questo modo, i risultati hanno dimostrato il bisogno della costruzione
di nuove pratiche pedagogiche che rendano possibile la formazione di docenti di italiano
critici, riflessivi e capaci di agire in svariati contesti di istruzione, con lo scopo di promuovere
l’interculturalità e la competenza di cittadinanza dei loro studenti.
LISTA DE FIGURAS
1
Programa de ensino de línguas de origem.
UFC Universidade Federal do Ceará
UFES Universidade Federal do Espírito Santo
UFF Universidade Federal Fluminense
UFG Universidade Federal de Goiás
UFMG Universidade Federal de Minas Gerais
UFPR Universidade Federal do Paraná
UFRGS Universidade Federal do Rio Grande do Sul
UFRJ Universidade Federal do Rio de Janeiro
UFS Universidade Federal de Sergipe
UFSC Universidade Federal de Santa Catarina
UnB Universidade de Brasília
UNESP Universidade Estadual Paulista
UNICAMP Universidade de Campinas
UNIOESTE Universidade Estadual do Oeste do Paraná
USP Universidade de São Paulo
SUMÁRIO
REFERÊNCIAS 187
ANEXOS 200
Anexo A E-mails dos professores que atuam como nas universidades 201
pesquisadas que ofertam a LI no curso de Letras Documentos -
Anexo B Universidade Federal da Bahia
Anexo C Documentos - Universidade Federal do Espírito santo
Anexo D Documentos - Universidade Federal Fluminense
Anexo E Documentos - Universidade de São Paulo
Anexo F Documentos - Universidade Federal de Santa Catarina
Anexo G Documentos - Universidade Federal do Ceará
Onde tudo começa | 20
1.1 INTRODUÇÃO
Quando uma pessoa decide continuar os seus estudos e, assim, fazer um curso de
mestrado e doutorado na pós-graduação, ela também enfrenta o desafio de decidir o tema da
pesquisa que será desenvolvida. Geralmente, a escolha deve levar em consideração a
pertinência da temática e a sua relação com o futuro pesquisador. No meu caso, todavia,
dentre esses aspectos, considerei a importância do tema para a minha vida, mas, sobretudo, a
sua função social. Ou seja, queria empreender um estudo que pudesse me auxiliar como
professora-pesquisadora e que, também, contribuísse para a vida e para o trabalho de outros.
Assim, como sou graduada em Letras – Licenciatura em língua italiana (doravante
LI) e em Pedagogia, bem como leciono italiano há cerca de doze anos, não pude me eximir de
investigar a formação inicial de professores de italiano no Brasil, uma vez que compreendo
que a formação docente precisa ser investigada e discutida como parte do processo de
desenvolvimento de qualquer país.
Contudo, minha opção de pesquisar a formação profissional daqueles que atuarão no
magistério ainda não era um fato concreto, mas antes uma semente que precisava ser
fertilizada para germinar. O mais importante seria saber como eu iria pesquisar e por onde
deveria começar. Eis o momento de imprecisão quando as leituras e as releituras variadas que,
a priori, tanto nos desestabilizam, apontam os caminhos a serem seguidos e nos impulsionam
a concretizar as nossas escolhas.
Entre um texto e outro, deparei-me com um artigo, intitulado Aspectos políticos da
formação do professor de línguas estrangeiras, de Wilson Leffa, linguista aplicado e
professor de língua inglesa da Universidade Católica de Pelotas. Leffa (2001) ressalta a
necessidade de distinguir claramente entre a formação e o treinamento do professor. Embora
sua preocupação tenha sido extremamente pertinente, compreendi que, mais do que distinguir
essas duas acepções, já era chegada a hora de extinguir a ideia de treinamento, termo este que
Onde tudo começa | 21
me incomodava. Senti que os professores precisam antes receber uma formação sólida que
lhes permita enxergar o mundo com um olhar questionador e intransigente com as injustiças
sociais do que serem treinados ou ‘adestrados’.
Compreendo que o professor não deve apenas transmitir conteúdos e sim produzir
conhecimentos e provocar mudanças. Logo, formar não significa adquirir informações sobre
técnicas e/ou estratégias, mas promover uma ação que abranja diferentes dimensões do
ensino, incluindo, sobretudo, o aspecto político. Uso o termo ‘formação’ no sentido de uma
possibilidade que torne o graduado um sujeito capaz de atuar de modo crítico na vivência
social e em suas práticas pedagógicas. Desse modo, formar significa conferir os saberes
necessários aos professores para estes poderem se posicionar criticamente perante a sociedade
e, de maneira especial, diante de manifestações discriminatórias de raça, classe, gênero ou
nacionalidade.
Outros textos seminais que deram o ponta-pé inicial para meu trabalho foram:
Insegnare l’italiano o la pluralità dell’italiano?2 e Dove va l’italiano? Da Dante alla coca-
cola3, ambos do professor de didática das línguas modernas (especialmente italiano e inglês),
da Universidade de Padova, Matteo Santipolo. Este me revelou um mundo bem diferente
daquele retratado pela maior parte dos materiais didáticos de italiano. O autor, que também se
ocupa dos aspectos sociolinguísticos nas línguas, bem como de políticas linguísticas, alerta
que, em muitos contextos educacionais, o italiano é ensinado por um viés que não
corresponde à realidade dos fatos. No primeiro artigo, por exemplo, o autor descreve a
situação do idioma italiano na Itália, focalizando as suas variedades e complexidades,
enquanto no segundo, ressalta a influência do inglês no vocabulário contemporâneo da LI.
A essas e a tantas outras leituras sobre o professor intercultural (MENDES, 2007,
SIQUEIRA, 2008), o professor crítico-reflexivo (MILLER, 2013) e como nada substitui o
bom professor (NÓVOA, 2013), somaram-se às conversas com a minha orientadora, que além
de comungar com as minhas escolhas, defende uma formação de professores interculturais
que confira aos professores condições de exercerem com qualidade e, principalmente,
criticidade o seu trabalho (PARAQUETT, 2009).
Envolvida pelas palavras de estudiosos comprometidos com a educação e oriundos
de diferentes áreas do conhecimento, revi meu trajeto na memória. Primeiramente, como
aluna do curso de graduação em Letras e como professora em formação do curso de
2
Ensinar italiano ou a pluralidade do italiano. Disponível em http://www.initonline.it/, acesso em: 21/08/2014.
3
Para onde vai o italiano? De Dante a coca-cola. Disponível em http://www.initonline.it/ Acesso em:
21/08/2014.
Onde tudo começa | 22
• Por que o idioma para o qual estou licenciada para ensinar está presente em
pouquíssimos currículos das escolas brasileiras de ensino básico?
• Por que a prática de sala de aula não dialoga com o conteúdo das disciplinas do
meu curso de graduação em LI?
• Por que o material didático, que eu e outros colegas usamos, negligencia a
pluralidade linguístico-cultural do italiano?
• E ainda, por que percebo certa resistência em muitos professores para incluir nas
aulas de italiano, temas que possibilitem novas formas de produzir
conhecimento?
4
Informações disponíveis no site www.aila.info/ Acesso em: 28 de abril de 2014.
Onde tudo começa | 25
motivação para esta pesquisa nasceu do meu compromisso com o papel que entendo exercer
como professora e da minha relação com a educação.
fundamental? Esta pergunta refere-se especificamente ao ensino fundamental, mas por isso
mesmo, quero ampliá-la e trazê-la para o foco desta pesquisa:
5
Educar no sentido freiriano, o que significa educar para a autonomia, para a emancipação, para a libertação.
6
No quarto capítulo desta tese poderão ser encontradas informações sobre a perspectiva intercultural.
Onde tudo começa | 30
1.4 Justificativa
Essas palavras servem para justificar minha pesquisa, pois investiguei as grades
curriculares, as ementas e os programas curriculares de alguns cursos de licenciaturas em LI
encarregados de formar professores de italiano. Ademais, de acordo com Miller (2012), a
pesquisa na área de formação de professores, à luz da LA, se justifica por quatro razões:
Onde tudo começa | 31
Objetivo Geral
Objetivos específicos
interpretativista, a qual conforme Gil (2002, p. 43) “vale-se de toda sorte de documentos7,
elaborados com finalidades diversas [...]” que serão estudados e analisados de forma
minuciosa. Nesse momento, o pesquisador descreve e interpreta o conteúdo das mensagens,
buscando encontrar as respostas para as suas perguntas de pesquisa.
Conforme Neves (1996), a pesquisa documental é, portanto:
O material examinado pode ser, conforme Gil (2002, p.53), “toda sorte de
documentos, elaborados com finalidades diversas que serão estudados e analisados de forma
minuciosa”. Segundo Godoy (1995), uma das vantagens desse tipo de pesquisa é que
documentos constituem uma fonte não-reativa cujas informações permanecem inalteradas ao
longo do tempo. Ademais, podem ser considerados como uma fonte natural de informações,
uma vez que estas se referem a um determinado contexto histórico, econômico e social, além
de terem sido produzidas por alguém, ou por um grupo de pessoas que, naturalmente, inserem
em tais documentos suas percepções e visões de mundo.
Ainda segundo autores como Godoy (1995), um trabalho como este, que pretende
desenvolver-se com documentos, deve ser dividido em dois momentos: geração e análise de
dados. A coleta de documentos, que para alguns autores pode ser entendida como a fase de
pré-análise, é uma etapa importante para esse tipo de pesquisa e deve ser realizada de forma
criteriosa.
Daí que o primeiro momento desta pesquisa consistiu em obter os documentos, os
quais tive acesso por meio da colaboração direta dos professores e coordenadores dos cursos
de Letras que ofertam a Licenciatura em LI no Brasil, como por pesquisas da estrutura
curricular disponível em sites da internet dessas mesmas instituições.
7
Segundo Godoy (1995, p. 20-21 “A palavra documentos”, neste caso, deve ser entendida de uma forma ampla,
incluindo os materiais escritos (como, por exemplo, jornais, revistas, diários, obras literárias, científicas e
técnicas, cartas, memorandos, relatórios), as estatísticas (que produzem um registro ordenado e regular de vários
aspectos da vida de determinada sociedade) e os elementos icono-gráficos (como, por exemplo, sinais,
grafismos, imagens, fotografias, filmes). Tais documentos são considerados primários" quando produzidos por
pessoas que vivenciaram diretamente o evento que está sendo estudado, ou secundários", quando coletados por
pessoas que não estavam presentes por ocasião da sua ocorrência.
Onde tudo começa | 34
[...] ser qualitativo implica possuir uma partilha densa com as pessoas, fatos
e locais que constituem objetos de pesquisa, para extrair desse convívio os
significados visíveis e latentes. Após esse momento, o pesquisador interpreta
e traduz em um texto, zelosamente escrito, com perspicácia e competência
científica, os significados patentes ou ocultos do seu objeto de pesquisa
(OLIVEIRA, 2010, p.88).
Tendo isso em mente, passo a descrever agora o corpus que constituiu minha
pesquisa e seus critérios de seleção.
8
Esses e-mails se encontram nos anexos deste trabalho.
Onde tudo começa | 35
Godoy (1995) explica que um dos aspectos a ser levado em consideração na pesquisa
documental é a escolha, que não pode ser feita aleatoriamente. Consequentemente, os
documentos principais que selecionei, organizei e analisei foram as grades curriculares dos
cursos de Licenciatura em LI, as ementas e os programas das disciplinas. As grades ou
matrizes curriculares, em geral, devem constar no Projeto Pedagógico do curso e somente é
aprovada se for verificada a sua consistência e coerência com o perfil pretendido do egresso.
Além disso, referem-se à composição global das disciplinas de um curso. As ementas, por sua
vez, são textos curtos que definem as diretrizes gerais que os professores devem seguir,
enquanto os programas especificam os seus conteúdos e os seus objetivos. Desse modo, é
importante destacar que quando um curso é planejado, um grupo de especialistas deve,
portanto, elaborar uma lista de disciplinas que os alunos deverão cursar. Nesse caso
específico, futuros professores de italiano.
Logo, após procurar nos sites pelos documentos e enviar e-mails aos coordenadores e
professores das universidades, para definir quais delas teriam os seus documentos analisados
nesta tese, procurei defini-las, a priori, por uma questão de espaço e escopo, a partir dos
seguintes critérios: categoria administrativa (pública estadual ou federal); localidades onde há
mais demanda de professores de italiano; localização por região (Norte, Nordeste, Sudeste e
Sul)9; e a relação entre oferta de italiano e a imigração italiana no Brasil. Contudo, procurei,
de maneira especial, respeitar a história de cada instituição, bem como a complexidade do
tema.
Desse modo, buscando contemplar todas as regiões brasileiras nas quais existe um
curso de Licenciatura em LI, selecionei as seguintes universidades para compor o corpus10
desta pesquisa: Universidade Federal da Bahia (UFBA), por estar localizada no nordeste e ser
a universidade onde a pesquisa está sendo desenvolvida; a Universidade Federal do Ceará
(UFC), também por estar no nordeste, mas, sobretudo, por ser o centro onde me formei; a
Universidade Federal do Espírito Santo (UFES), por ser a instituição que oferece o mais novo
curso de licenciatura em LI e se encontrar no sudeste; a Universidade Federal do Rio de
Janeiro (UFRJ), a Universidade Estadual do Rio de janeiro (UERJ) e a Universidade de São
Paulo (USP), por terem consolidado o ensino de italiano; e por fim, a Universidade Federal de
9
Considerei apenas as regiões onde existem cursos de Licenciatura em LI. Para tanto, recorri às informações
contidas em Landulfo (2012).
10
Todas as grades e ementas curriculares analisadas se encontram nos anexos deste trabalho.
Onde tudo começa | 36
Santa Catarina (UFSC), por ser uma instituição da região Sul, pela importante presença de
imigrantes italianos no estado e, sobretudo, pelo fato de nos municípios catarinenses Flores da
Cunha e Nova Erechim, o idioma talian11 ser considerado língua co-oficial desde 201512.
Todavia, enquanto desenvolvia a pesquisa, tive que excluir duas universidades
selecionadas a partir dos critérios estabelecidos e, em seguida, incluir outra instituição, pois,
não consegui obter nem nos sites e nem por meio de e-mails os documentos da UFRJ e nem
da UERJ. Foi aí que percebi que ainda existe tanto uma resistência em disponibilizar
documentos institucionais como o desconhecimento desses.
Entrementes, ao obter os documentos concedidos pela Universidade Federal
Fluminense, tomei a decisão de incluí-los nos corpora desta investigação. Assim, em posse
dos documentos de seis cursos de Licenciatura em LI, encerrei esta etapa para começar a
análise dos dados. Segue um quadro que sintetiza os cursos selecionados para esta
investigação:
11
As informações sobre o talian e as cidades onde esse idioma é língua oficial se encontram no terceiro capítulo
desta tese.
12
Essas informações podem ser vista no site http://www.floresdacunha.rs.gov.br/noticias/inicia-projeto-talian-
perspectivas-e-acoes-nas-escolas, acesso em 03 de junho de 2016.
Onde tudo começa | 37
Esta tese está organizada em cinco capítulos. No primeiro, intitulado Onde tudo
Começa, faço uma breve introdução ao tema, apresento os motivos pelos quais escolhi essa
temática, explico porque esta se justifica, informo os objetivos e as perguntas de pesquisa que
nortearam esta investigação, descrevo a metodologia adotada para a coleta e análise dos
dados, especifico o corpus da pesquisa e concluo, então, com a presente seção referente à
organização da tese.
No segundo capítulo, Ensinando e aprendendo italiano, para compartilhar com o
leitor a posição da qual eu falo e onde eu me encontro, discorro sobre o ensino do italiano em
diferentes contextos educacionais no Brasil e no mundo, tais como as escolas de ensino
básico, as universidades públicas e os cursos livres. É ali onde questiono o fato da LI estar
pouco presente no ensino básico brasileiro e, em especial, o fato de instituições estrangeiras
promoverem uma ‘formação’ de professores de italiano em nosso país.
No terceiro, intitulado Pluralidade linguístico - cultural nos currículos dos cursos
de Licenciatura em língua italiana, informo, logo, na primeira seção, a concepção de língua e
cultura que alicerça este trabalho. Em seguida, na seção, 3.2, apresento um breve histórico
sobre currículo e explico as suas teorias. Posteriormente, discorro sobre a formação da língua
italiana e os lugares onde esse idioma é encontrado no mundo para desfazer um mito, dentre
outros, de que se aprende italiano apenas para ir à Itália. Na quarta e última seção, analiso o
corpus a partir do recorte discutido, isto é, a primeira categoria já mencionada referente à
pluralidade linguístico-cultural do italiano. Por fim, apresento às minhas conclusões parciais
sobre a análise.
No quarto capítulo, Formação de Professores e Interculturalidade, contextualizo a
formação de professores no Brasil, destacando algumas pesquisas acerca da formação
docente. Em seguida, na segunda seção, desenvolvo o conceito de interculturalidade. Na
seção seguinte, abordo o ensino de línguas sob uma ótica intercultural. Após esta explanação
conceitual, analiso o corpus à luz da segunda categoria referente à interculturalidade. Por fim,
na última seção, apresento às minhas conclusões parciais sobre a análise.
No último capítulo, Palavras conclusivas, respondo as perguntas de pesquisa,
exponho as minhas constatações e reflexões sobre a investigação e apresento recomendações
para pesquisas futuras, uma vez que entendo que a formação de professores é um tema que
deve ser sempre o foco no debate atual e pesquisas sobre professores.
Onde tudo começa | 38
As políticas públicas linguísticas abarcam uma gama de decisões que vão desde a
escolha de um determinado lugar onde uma língua deve ser falada e/ou ensinada, até questões
relativas ao ensino/aprendizagem de diferentes línguas. Ou seja, as ações dos professores são
determinadas pelas leis de diretrizes governamentais, pelos projetos de secretarias de
educação dos estados ou, ainda, em alguns casos, pelo trabalho das associações de
professores. Na verdade, é o Estado que tem o poder de instituir e planejar quais e como as
línguas deverão ser ensinadas. Devido a essas muitas ações, atualmente, o italiano é
considerado a quarta língua mais estudada no mundo, conforme declaram Casini e Romanelli
(2012), bem como a segunda mais estudada em países como a Hungria e a Rússia e a primeira
na Ucrânia (LANDULFO, 2012).
De acordo com dados fornecidos pelo Sindacato Nazionale Dipendenti Ministero
Affari Esteri (SNDMAE)13, publicados em 2012, a República Italiana possui em outros países
13
Sindicato Nacional de Dependentes do Ministério do Comércio Exterior. Informações disponíveis em:
<http://www.sndmae.it/files/riFar/riFarnesina_completo.pdf>. Acesso em: 4 de fevereiro de 2015.
Ensinando e Aprendendo Italiano| 40
oito escolas estaduais, reconhecidas pelo Ministério da Educação local e pelo governo
italiano, cujas disciplinas são ensinadas majoritariamente em italiano. Somado a essas, há 131
escolas paritárias, 27 escolas não paritárias14, 76 escolas estrangeiras bilíngues e 35 seções
italianas nas escolas europeias. Além disso, há 247 leitorados, o que significa a presença de
professores italianos das mais diferentes áreas em instituições públicas de outros países que
buscam a promoção e o ensino do idioma italiano, bem como 120 departamentos de
Italianística em diversas universidades do mundo15.
14
O princípio da liberdade de educação se realiza por meio das escolas estaduais, das reconhecidas escolas
paritárias e pelas escolas não paritárias. São escolas paritárias aquelas não estatais reconhecidas legalmente. As
escolas não paritárias são aquelas reconhecidas anualmente, mas seus certificados de estudos, embora não sejam
reconhecidos automaticamente, recebem assistência por parte do governo italiano.
15
Informações encontradas no site <www.sndmae.it/>. Acesso em: 2 de fevereiro de 2015. Esses dados poder
ser vistos diretamente no link: <http://www.sndmae.it/files/riFar/riFarnesina_completo.pdf>.
16
Al giorno d‟oggi tali scuole sono frequentate, soprattutto nell‟America Latina, in Germania, Spagna, Turchia,
Etiopia ed Eritrea da alunni di origine straniera, che molto spesso dell‟Italia hanno soltanto sentito parlare e che
scelgono di avvicinarsi alla lingua e cultura italiane con le motivazioni più varie, che vanno dalla possibiLItà
offerta da tali scuole di continuare i propri studi in Italia o in Europa (nelle scuole che rilasciano un titolo di studi
riconosciuto sia dal governo locale che da quello italiano) all‟interesse per la cultura o al desiderio delle famiglie
di origine di offrire al proprio figlio una formazione biculturale.
17
A sociedade Cultural Dante Alighieri foi fundada em 1889 com o objetivo de difundir a LI no mundo. Demais
informações disponíveis no site oficial dessa instituição: <http://ladante.it>. Acesso em: 05 de março de 2015.
18
Italiano 2010. Língua e cultura italiana no exterior.
Ensinando e Aprendendo Italiano| 41
da Guatemala, Montevidéu, Rio de Janeiro), demostrou que 6.429 cursos de italiano são
realizados por esses institutos em todo o mundo. Além disso, as informações encontradas
comprovam o progresso no ensino do italiano em cidades nas quais não havia sido verificada
a existência de nenhum curso, como por exemplo, na cidade de Kyoto, onde, atualmente,
foram encontrados 102 cursos de italiano.
No território esloveno, atualmente, existem escolas nas quais o italiano é ensinado
tanto como segunda língua (L2)19, quanto como língua estrangeira (LE), pois, o governo desse
país, considerando o fato de que o seu litoral é uma zona bilíngue, instituiu escolas italianas
com o propósito de promover efetivamente o bilinguismo. Assim, as possibilidades de
aprender o italiano passaram a ser múltiplas e oferecidas tanto pelas escolas públicas quanto
pelas escolas privadas. Nesse caso, a população de minoria italiana tem à sua disposição
escolas nas quais todas as matérias são ensinadas no idioma italiano desde os primeiros anos
da vida escolar. É importante informar que nessas escolas, ainda que o ensino seja
prevalentemente dirigido aos alunos de origem italiana, as aulas são abertas a todos.
Na Eslovênia existem algumas escolas maternas, três escolas elementares e três
escolas superiores de LI, situadas entre a Ístria, Piran e Izola. Além disso, o italiano como L2
é ensinado em 17 escolas regulares obrigatórias e em 7 escolas secundárias. Nas demais áreas
desse país, o italiano é considerado LE e é ensinado como matéria facultativa (ZERIALI,
2005). Além disso, conforme relata Zeriali (2005), o IIC situado na cidade de Liubliana,
organiza cursos de língua, eventos culturais, sessões de cinema italiano, concertos,
conferências e cursos de formação continuada para professores de italiano que ainda podem
optar por diversos cursos de graduação com licenciaturas em LI nas universidades eslovenas,
como a Universidade de Liubliana e a Universidade da Ístria, onde são ofertados cursos de
graduação com duração de quatro anos. Ademais, o Magistério de Ístria forma docentes para
atuar em escolas regulares das regiões pluriétnicas.
Como visto, as informações encontradas sobre a situação do idioma italiano nesse
país mostram a efetiva preocupação do Estado em ofertar tanto uma LE para estudantes em
idade escolar, quanto a proporcionar o ensino de uma L2 para aqueles que por razões diversas
encontram-se fora de sua pátria.
19
São muitas as explicações sobre o que é segunda língua e língua estrangeira. Por isso, para melhor,
entendimento dessa questão, sugiro a leitura do texto da professora da UFRGS, Karen Pupp Spinass: Os
conceitos Língua Materna, Segunda Língua e Língua Estrangeira e os falantes de línguas alóctones
minoritárias no Sul do Brasil, que aborda com mais especificidade tal tema. Contudo, é consonante informar
que segunda língua é aquela aprendida por um estrangeiro no país onde ela é falada por seus cidadãos. É uma
não-primeira-língua aprendida a partir da necessidade de comunicação. A LE, por sua vez, é aprendida sem que
o indivíduo saia do seu país de origem. Além disso, a LE não serve necessariamente à comunicação.
Ensinando e Aprendendo Italiano| 42
20
Estudos alemão-italiano.
Ensinando e Aprendendo Italiano| 43
primeiros anos do curso, os aprendizes devem frequentar aulas de gramática, léxico, fonética,
conversação e composição, totalizando 16 horas semanais. Para atender aos interesses dos
alunos e melhorar suas perspectivas de emprego, foi proposto um curso opcional de italiano
comercial e italiano turístico (HAAS, 2008). Nesse país, conforme salienta Haas (2008), o
professor-leitor deve estar ciente da distância geográfica e, sobretudo, cultural que existe entre
esse país e a Itália. Desse modo, o sucesso ou o insucesso do ensino da LI na Mongólia é
condicionado pela preparação do leitor que deve estar ciente da sua capacidade de integração
cultural e, especialmente, das expectativas dos alunos, procurando um método de ensino que
estimule os alunos mongóis.
Do continente africano é possível citar Marrocos, onde em 1932, foi fundado o
primeiro Comitê da Sociedade Dante Alighieri, cujas principais atividades são a organização
de cursos de LI e a realização de manifestações promotoras dessa língua (BOUSETTA, 2006).
Somente em 1971, em Rabat, foram organizados os primeiros cursos de italianos pelo IIC, o
único em todo o território nacional. Nesse país, de acordo com dados apresentados por
Bousetta (2006), é possível encontrar universidades que ofertam cursos de língua e cultura
italiana, tais como: Universidade de Rabat, Universidade de Casablanca, Universidade de
Mohamed V. Ademais, o italiano é ensinado em diversas escolas privadas e em 20 escolas
superiores do Marrocos (BOUSETTA, 2006), sob a tutela do Estado.
Já em outro continente, mais precisamente na Austrália, país com o qual a Itália
firmou um acordo de emigração em 1951 e para onde se destinaram cerca de 6.736 cidadãos
de Abruzzo e de Molise (BENEDINI; ARQUILLA, 2015), o ensino da LI como LE foi
introduzido em 1968 por Joe Abiuso, mestre em línguas modernas pela escola secundária em
Nova Jérsei e coordenador adjunto sênior de línguas modernas na escola Fitzroy. Mas foi nos
anos 1980, como resultado da reviravolta no ensino de línguas nesse país, mais
especificamente quando o governo federal e os governos estaduais adotaram uma política de
abertura em relação a outros idiomas além do inglês (Languages Other Than English –
LOTE)21, que o italiano passou a fazer parte do currículo escolar com outras línguas mais
populares, tais como, a vietnamita, a francesa, a japonesa, a alemã, a chinesa-mandarim e a
grega. Como consequência dessa medida e graças aos esforços realizados nos âmbitos político
e educacional, a situação do ensino do italiano mudou completamente na Austrália, pois
atualmente essa é a língua mais falada depois do inglês (PECORELLI, 2004). O aumento do
21
Outros idiomas além do inglês.
Ensinando e Aprendendo Italiano| 45
ensino do italiano nesse país se deu como consequência de políticas linguísticas pensadas para
democratizar o ensino de línguas.
Em nível universitário, Pecorelli (2004) informa que na Austrália há 39
universidades, das quais 19 possuem um departamento de italiano e 12 são independentes,
não fazem parte do mesmo Departamento de outras línguas românicas. Em Melbourne
existem três universidades cujo ensino da LI é considerável: a Trobe University, a Monash
University e a University of Melbourne. Em Sydney, o departamento de Italianística exerce
um papel muito importante para o fortalecimento da LI nesse país. Segundo Pecorelli (2004),
houve um elevado número de estudantes de italiano na Austrália nos últimos tempos.
A América se tornou o destino natural de muitos emigrantes e para os Estados
Unidos e o Canadá foram aproximadamente, entre 1946 e 1960, mais de 500 mil cidadãos
peninsulares (BENEDINI; ARQUILLA, 2015). No primeiro país, os cursos de italiano
compreendem cerca de 80 mil inscritos, deixando esse idioma, após o alemão, na quarta
colocação entre os mais estudados no país. No âmbito universitário, tradicionalmente, o
ensino da LI é realizado nos departamentos de línguas ou de línguas modernas, claramente
divididos em cursos de línguas e de literatura (CESTARO; MORGAVI, 2008). Segundo
Cestaro e Morgavi (2008), o modelo língua/literatura não tem estimulado muito os alunos que
optam pelo idioma italiano, pois:
22
Questi studenti sono portati verso l‟italiano per motivi di interesse personale e intellettuale perfettamente
validi (anche ma non esclusivamente turistici) ma più largamente per motivi culturali – lingua, cultura,
letteratura, musica, storia, arte, attualità – e non necessariamente solo letterari. Imporre a tali studenti lettura e
commento critico di una pagina di Manzoni (per quanto possa emozionare il docente) come unico o principale
learning outcome può essere riduttivo.
Ensinando e Aprendendo Italiano| 46
adultos; 7 escolas nas quais ocorrem cursos vespertinos (extracurriculares) para estudantes de
4 a 12 anos, totalizando assim: 2.440 aprendizes de LI. A L’English Montreal School Board23
realiza, por meio do Programme d’enseignement langue d’origine24 (PELO), cursos de
italiano no horário escolar, totalizando três escolas com cerca de 1.500 estudantes.
Todavia, é importante informar que no Canadá, para ensinar essa língua não é
requerida nenhuma qualificação profissional, sendo relevante para as instituições apenas o
conhecimento da língua. Como consequência da falta de cursos de formação de professores de
línguas étnicas/internacionais, algumas entidades gestoras pagam por tais serviços. Assim,
frequentemente, com o propósito de realizar cursos de formação para os professores locais,
são convidados docentes de várias universidades italianas, como por exemplo, a Universidade
para Estrangeiros de Perugia e de Siena e a Universidade de Veneza.
A pesquisa Italiano 2010 revela, ainda, um aumento da oferta do ensino da LI na
América Latina, sobretudo quando comparados com os números da pesquisa realizada em
2000, que passaram de 22.073 para 67.772. No Uruguai, onde o processo de italianização foi
muito forte, a influência italiana teve um papel importante no desenvolvimento do país, seja
do ponto de vista artístico ou cultural. A forte conexão entre a Itália e o Uruguai é evidente
devido à presença de várias instituições, tais como a única sede da RAI (rede de televisão
italiana) em todo território sul-americano; 52 associações de tipo recreativo, político,
comercial, entre outras.
Diante dessa realidade, em 1941, o então presidente Alfredo Baldomir Ferrari
decretou que o ensino do italiano se tornasse obrigatório nas escolas superiores. Nos últimos
anos, após um pequeno intervalo entre 2006 e 2009 e graças a um projeto de política
linguística nas escolas públicas, desde 2010, o estudo do italiano voltou a ser adotado com o
francês e ao alemão, como terceira língua obrigatória após o inglês e o português.
No Uruguai, de acordo com as palavras de Torello (2010), as universidades abrem as
suas portas para a realização de cursos noturnos de LI para alunos de idades variadas, de 19 a
70 anos. Embora não exista uma Faculdade de Línguas e Literaturas Estrangeiras nem um
Departamento de Italianística, o Centro de Línguas Estrangeiras (CELEX) do Instituto de
Linguística da Faculdade de Ciências Humanísticas e da Formação da Universidade da
República Oriental se tornou, desde o ano da sua criação, em 1991, o ponto de referência mais
importante para os estudos de línguas estrangeiras: português, francês, inglês, alemão, grego,
23
Conselho Escolar de Inglês em Montreal .
24
Programa de ensino de línguas de origem.
Ensinando e Aprendendo Italiano| 47
catalão, basco, japonês e, por fim, o curso de italiano cujo responsável, desde 1998, é um
professor-leitor (TORELLO, 2010).
Na Argentina, sempre existiu um grande interesse por cursos de italiano desde o
início do século XX (ARREGHINI, 2006). Assim como no Brasil, o espírito italiano tornou-
se vivo na sociedade argentina como resultado da criação de associações que visam a
assegurar a assistência e a formação dos descendentes de italianos que ali residem. Desse
modo, desde o século XIX até os dias atuais, o número de associações Dante Alighieri é de
128 sedes em toda a Argentina. Em 1997, a Dante foi nomeada entidade gestora, conforme
um acordo estabelecido entre o governo italiano e a Secretaria de Educação de Buenos Aires,
o qual busca reforçar a presença da LI nas escolas públicas da cidade de Buenos Aires, bem
como promover cursos de formação para os professores de italiano que ensinam nas escolas
dessa cidade (ARREGHINI, 2006).
Em 9 de janeiro de 1900, conforme explica Arreghini (2006), foi sancionada pelo
governo argentino uma lei que versa sobre a introdução do italiano como matéria de ensino
obrigatória nas escolas estaduais. Atualmente, após alguns anos de crise do
ensino/aprendizagem da LI, existem muitas escolas públicas nas quais são inseridas
disciplinas de LI, bem como um grande número de docentes e um crescente aumento de
aprendizes.
Assim como em Buenos Aires, é possível encontrar o ensino/aprendizado do italiano
em 20 escolas de Córdoba. É importante ressaltar que o ensino do italiano na Argentina não se
restringe apenas às escolas públicas, pois há muitas escolas particulares que possibilitam o
acesso a esse idioma. Em Buenos Aires encontram-se: a Scuola Italiana Cristoforo Colombo,
a Edmondo de Amicis, a Escola Alessandro Manzoni, o Centro Culturale Italiano, o Instituto
de Cultura Italiana de La Plata. Em Mendonza, há a escola XXI Aprile. Ademais, os
argentinos podem contar com 10 professores-leitores em diversas universidades: Universidade
de Buenos Aires, de Bahia Blanca, Córdoba, La Plata, Mendonza, Rosário, Santa Fé e Mar del
Plata (ARREGHINI, 2006).
Após essa breve narrativa acerca do ensino do italiano no mundo, a partir da próxima
seção, concentro-me nos diversos contextos de ensino/aprendizagem situados em terras
brasileiras.
Ensinando e Aprendendo Italiano| 48
Ainda que seja importante conhecer mais da história da imigração italiana no Brasil,
uma vez que aqui vivem muitos descendentes de italiano que possuem o direito de poder
Ensinando e Aprendendo Italiano| 49
estudar a sua língua de herança25, compreendo também que é preciso ultrapassar o “véu que
separa o italiano entendido como língua de imigrante do italiano entendido como língua do
mundo, entre as mais representativas do ponto de vista cultural” (ROMANELLI; CASSINI,
2012, p. 15)26. É necessário expandir o espaço linguístico italiano para além desse estereótipo
de língua de imigrantes27 (DE MAURO, 2007). Certamente, o caminho para a promoção do
italiano como língua de todos perpassa muitas esferas, tais como: o Estado (responsável maior
pelo planejamento linguístico de um país), as instituições de ensino, os docentes e
pesquisadores da área de Italianística, entre outros, pois, o acesso ao aprendizado de qualquer
língua deve ser direito de todo cidadão.
É importante recordar que no Brasil, atualmente, dois documentos vigentes
estabelecem os critérios para as ações educacionais em diversos níveis: os Parâmetros
Curriculares Nacionais (PCN) e a Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB) 28. Os PCN,
publicados em 1998, são referenciais elaborados pelo governo federal para orientar as equipes
escolares na execução de seus trabalhos, com diretrizes voltadas, sobretudo, para a
estruturação e reestruturação dos currículos escolares de todo o território brasileiro, sendo
obrigatórias para a rede pública e opcionais para as instituições da rede privada.
Voltados para o ensino fundamental e para o ensino médio, esse documento é
dividido, respectivamente, em seis volumes que apresentam as áreas do conhecimento, como:
língua portuguesa, matemática, ciências naturais, história, geografia, arte e educação física e
em três áreas – Linguagens, Códigos e suas Tecnologias, Ciências da Natureza, Matemática e
suas Tecnologias e Ciências Humanas e suas Tecnologias.
Logo nas primeiras páginas da seção voltada para o ensino de LE do terceiro e quarto
ciclos do ensino fundamental, verifica-se a menção à Declaração de Direitos linguísticos, ao
registrar que todo cidadão tem direito à aprendizagem de uma LE (BRASIL, 1998):
25
Língua de herança é a língua que é ensinada e utilizada pelo indivíduo, mas que não é própria do local onde
ele resida, como exemplo, o Português ensinado a filhos de brasileiros imigrados no exterior ou de filhos de
italianos que residem no Brasil.
26
Il velo che separa l‟italiano inteso come lingua degli immigrati dall‟italiano inteso come lingua del mondo, fra
le più rappresentative dal punto di vista” (tradução minha)
27
As línguas de imigrantes são compreendidas como línguas nacionais de outros países, presentes em território
brasileiro.
28
Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996.
Ensinando e Aprendendo Italiano| 50
O referido documento relata o fato de nem sempre ser possível incluir no currículo
escolar mais que uma LE, apontando três fatores que podem servir como ponto de partida
para qual ou quais línguas estrangeiras incluir no currículo:
Entre os fatores postulados pelos PCN, é importante refletir sobre o terceiro; Ou seja,
por que é relevante levar em consideração a tradição? Ela tem que ser mantida em qualquer
situação? Ora, a tradição precisa, em muitos casos, inclusive, ser modificada em virtude do
momento histórico e social no qual se encontram os indivíduos de uma determinada
sociedade. Além disso, sendo a tradição algo que perdura no tempo e que é transmitida de
geração em geração, como explicar o fato do latim que, durante muito tempo, foi a língua de
prestígio ensinada nas escolas públicas de todo o Brasil ter sido extinto dos currículos
escolares? Entendo, portanto, que os fatores históricos e os relativos às comunidades locais já
contemplam as razões que podem levar uma dada língua a ser escolhida em detrimento de
outra.
O outro documento, a LDB foi aprovada em dezembro de 1996 com o nº 9.394/1996
e é composta por 92 artigos que versam sobre os mais diversos temas da educação brasileira,
desde o ensino infantil até o ensino superior. Seu art. 36º, inciso III, traz uma importante
informação: “Será incluída uma língua estrangeira moderna, como disciplina obrigatória,
Ensinando e Aprendendo Italiano| 51
escolhida pela comunidade escolar, e uma segunda, em caráter optativo, dentro das
disponibilidades da instituição” (LDB, 1996, p. 11). Dito isso, é importante salientar que a
LDB não estabelece a LE que deve ser ensinada nas escolas, facultando a sua escolha às
comunidades.
Diante do exposto pelos documentos oficiais e rememorando as palavras de Zorzan
(2014), faço os seguintes questionamentos: por que o italiano não ocupa um espaço maior no
contexto do ensino público brasileiro, assim como outras línguas sob a tutela do Estado? Por
que, pelo menos, levando em consideração os fatores relativos às comunidades locais, as
línguas africanas não possuem maior espaço nas escolas baianas, cidade reconhecida como
aquela que possui muitos filhos da África? Por que a LI não é ofertada nas escolas das cidades
onde foram estabelecidas as colônias italianas, levando em consideração, ao menos, aquele
que pode ser um dos fatores para a escolha de uma língua ensinada nas escolas, os relativos às
comunidades locais?
Democratizar o acesso às línguas estrangeiras é trazer para a agenda escolar um tema
que vem adquirindo crescente importância na vida contemporânea: a diversidade cultural que
traz à tona discussões acerca de práticas racistas provenientes de preconceitos, estereótipos,
intolerância cultural e incapacidade de compreender as diferentes dinâmicas das diversas
culturas dos mais variados povos. Logo, ao abordar essas questões em sala de aula, dá-se o
primeiro passo para que se construa uma sociedade capaz de reconhecer e respeitar as
diferenças.
Dito isso, e deixando aqui uma reflexão, a partir deste ponto, discorro sobre as
muitas iniciativas que visam proporcionar o ensino do italiano em território nacional,
compreendendo, contudo, que muito precisa ser feito para se concretizar a democratização do
ensino de LE em nosso país. Pois, como bem lembra a Declaração Universal dos Direitos
Linguísticos, citada pelos PCN (1998), a aprendizagem de uma LE é direito de todo cidadão,
seja ela qual for: língua alemã, língua árabe, línguas africanas e indígenas. Ademais,
acrescento que a oferta dessas é dever do Estado, já que “a escola não pode mais se omitir em
relação a essa aprendizagem” (BRASIL, 1998, p. 19).
Ensinando e Aprendendo Italiano| 52
Nos dias de hoje, ainda que por iniciativas de instituições privadas, é possível
encontrar em diversos estados brasileiros o ensino do idioma italiano nas escolas de ensino
básico. Assim, a fim de relatar em quais localidades brasileiras a pesquisa por mim realizada
encontrou esse ensino, apresento uma figura que mostra especificamente onde estão essas
escolas. Todavia, é importante esclarecer que esse mapeamento não esgota outras
possibilidade e que é importantes que outras pesquisas busquem investigar onde se ensina e
aprende italiano no Brasil, sobretudo, na rede básica. Pois, como é possível ver logo no inicio
deste capítulo, é sempre bom lembrar que “lugar de aprender LE é na escola básica” (PNLD,
2011, p. 11).
Uma das poucas iniciativas educacionais do governo italiano foi o Istituto Medio
Brasileiro Dante Alighieri, escola tradicional de São Paulo que até os dias de hoje é ativa.
Atualmente, além dessa escola, existe em São Paulo uma das duas escolas italianas29 bilíngues
e biculturais, reconhecidas pelos governos brasileiro e italiano: Sociedade Civil Educacional
29
A Eugenio Montale é uma escola reconhecida pelo governo brasileiro como uma escola italiana porque possui
títulos de estudo legalmente reconhecidos pelo governo italiano. Ou seja, segue os padrões de ensino exigidos
pelo governo da Itália. Por isso, é também considerada uma escola europeia.
Ensinando e Aprendendo Italiano| 53
Eugênio Montale, fundada em 1982 por pais italianos com o propósito de garantir aos
cidadãos italianos e aos seus descendentes o acesso à LI. Existe também, na capital paulista, o
Colégio Internacional Ítalo-Brasileiro, onde o italiano é ofertado como disciplina
extracurricular.
Ainda no Estado de São Paulo, o ensino da LI está presente em diversas escolas de
ensino básico. De acordo com os dados fornecidos por Zorzan (2014) – cuja dissertação traz
um mapeamento da presença do idioma italiano no ensino público do Brasil – no município
de Amparo, a LI foi implantada em 2006 e as aulas, com duração de uma hora e meia, são
realizadas duas vezes por semana, para alunos do 2° ao 5° ano do ensino fundamental de três
escolas da rede municipal de ensino; na cidade de Campos do Jordão, o ensino da LI é bem
mais recente, implantado somente em 2014. Zorzan (2014) informa que nesse município, as
aulas de italiano seguem a modalidade de oficina; em Jarinu, também em São Paulo, o ensino
desse idioma consta na grade curricular das escolas da rede municipal, desde 2004 e
atualmente existem 11 unidades escolares que propiciam o ensino do italiano para os alunos
do 2° ao 5° ano do ensino fundamental. Em Pedrinhas Paulista, cidade que em 1852 viu
nascer a Colônia de Pedrinhas e que recebeu, nesse período, o maior grupo de imigrantes
italianos (BENEDINI; ARQUILLA, 2015), a LI é inserida na grade curricular da única escola
municipal do munícipio (ZORZAN, 2014).
Ademais, nas escolas estaduais de São Paulo, o ensino da LI é realizado pelos 31
Centros de Estudos de Línguas (CEL) espalhados por todo o estado paulista. Segundo Zorzan
(2014), os municípios paulistas com unidades que oferecem o ensino do italiano são os
seguintes: Araçatuba, Araraquara, Assis, Avaré, Carapicuíba, Fernandópolis, Guarulhos,
Jales, José Bonifácio, Jundiaí, Marília, Osasco, São José do Rio Preto, São José dos Campos,
São Paulo, São Vicente, Suzano, Taquaritinga, Taubaté e Tupã.
Em Belo Horizonte, está presente a outra escola bilíngue reconhecida tanto pelo
governo brasileiro como pelo governo italiano: o Instituto Ítalo-brasileiro Bicultural,
Fundação Torino, criado em 1974, pela FIAT com os mesmos propósitos dos criadores da
Escola Eugenio Montale (LANDULFO, 2012). Além dessa escola privada, existe apenas uma
escola pública em Minas Gerais, na cidade de Belo Horizonte, que conta com o ensino da LI,
a Escola Municipal Marconi que tem um papel importante na história da imigração italiana
em Minas Gerais, pois foi fundada em 1937 por imigrantes italianos, ligados ao movimento
integralista (ZORZAN, 2014).
No Rio de Janeiro, Estado para a qual se dirigiram muitos imigrantes provenientes
das províncias de Cosenza, Potenza, Salerno, Reggio Calabria, Nápoles e Caserta (TRENTO,
Ensinando e Aprendendo Italiano| 54
1989), atualmente o ensino do italiano não consta no currículo escolar. Entretanto, Zorzan
(2014) informa existir uma única instituição da rede municipal desse Estado que funciona no
regime chamado de “Ginásio Experimental Carioca” que oferta o ensino da LI.
Para completar a região Sudeste, no Espírito Santo, atualmente, ainda conforme Zorzan
(2014), só existem duas cidades que propiciam o ensino do italiano em escolas regulares no
Estado: Domingos Martins e Santa Teresa. Todavia, devo ressaltar que em uma das cidades mais
italianas do Estado do Espírito Santo, Venda Nova do Imigrante, foi aprovada, em dezembro de
2009, a lei municipal 34 nº 867/2009, com a seguinte redação:
Sobre o que está explícito no artigo 2º, não posso deixar de questionar a posição do
referido município capixaba. Como é possível que as escolas públicas realizem convênios
com instituições civis a fim de fazer valer o que é direito de todo cidadão e, como já disse,
dever do Estado? Ainda que tais instituições possam contribuir para a ampliação do ensino do
italiano no Brasil, a responsabilidade da educação brasileira é do governo brasileiro e essa não
deve ser patrocinada por convênios, mas conduzida por aqueles que têm a função de garanti-
la: os municípios, os estados e o governo federal.
Entendo que o objetivo da Associação de Língua e Cultura Italiana do Espírito Santo
(ALCIS)30 seja promover o ensino do italiano neste estado brasileiro, isso para todo professor
de italiano é uma boa notícia. Contudo, o ensino público é responsabilidade do poder público
e não de entidades financiadas pelo governo italiano.
No Nordeste brasileiro, em Pernambuco, precisamente, na cidade de Vicência, há
apenas uma escola pública com ensino da LI em todo o Estado. Assim como em Venda Nova
30
A ALCIES – Associação de Língua e Cultura Italiana do Espírito Santo, fundada em maio de 1993, é uma
entidade sem fins lucrativos cujo objetivo máximo é difundir e promover a Língua e a Cultura Italiana neste
Estado, sob a égide do Artigo 636, do Decreto Legislativo italiano 297/94 (ex-Lei 153/71). Neste artigo, o
Estado Italiano compromete-se a promover cursos de Língua e Cultura Italiana onde existam filhos e
descendentes de italianos. Assim, o principal mantenedor da ALCIES é o Governo Italiano, através do
Ministério das Relações Exteriores da Itália e do Consulado Geral da Itália no Rio de Janeiro. Informações
encontradas no seguinte site: https://sites.google.com/site/alcieslinguaitaliana/home/historia-da-alcies. Acesso
em 03 de junho de 2016.
Ensinando e Aprendendo Italiano| 55
do Imigrante, nessa cidade foi promulgada, em 15 de dezembro de 2006, uma lei municipal
que institui a inclusão dessa língua na grade curricular das escolas do município, por meio de
uma parceria entre a Secretaria de Educação Municipal com o Centro Cultural Ítalo-Brasileiro
Dante Alighieri. Ou seja, mais uma vez, fica a questão: e o papel do Estado? A quais
interesses estão servindo?
O ensino de mais de uma língua nas escolas brasileiras é previsto na LDB, mas a
opção deve ser feita baseada nos fatores já expostos acima e não como resultado de convênios
ofertados por instituições estrangeiras. Além disso, nesse Estado não existe nenhum curso de
licenciatura em língua italiana. Logo, fica aqui, mais um questionamento: quem são os
responsáveis pela formação dos professores que ensinam italiano nas escolas públicas de
Vicência? O Centro Cultural Ítalo-Brasileiro Dante Alighieri? Associações estrangeiras?
Nesse sentido, é importante recordar que os cursos de licenciatura são os
responsáveis pela formação de professores no Brasil, conforme o artigo 62º da LDB que, em
seu inciso VI, determina que a formação de docentes para atuar na educação básica deve
ocorrer em nível superior, nos cursos de licenciatura de graduação plena, em universidades e
em institutos superiores de educação (ISEs) (BRASIL, 1996).
No Acre, também há uma única escola pública que oferta o idioma italiano,
localizada na cidade de Rio Branco. “O ensino da LI, nessa cidade, é direcionado aos alunos
do Colégio de Aplicação da Universidade Federal do Acre (UFAC)” (ZORZAN, 2014, p. 40).
Observa-se, nesse exemplo, uma iniciativa da universidade e não do Estado. Embora a
afirmação presente no Relatório final de investigação da prática pedagógica VIII, de que o
Colégio de Aplicação está à disposição das licenciaturas para atender os seus estagiários (os
professores em formação), na UFAC também não há licenciatura em LI.
Em Rondônia, ainda no norte do Brasil, mais uma vez o ensino do idioma italiano,
em escolas públicas do ensino básico foi promovido durante 8 anos com o apoio de uma
instituição civil, o Circolo Italiano de Colorado do Oeste (CICOL)31. Expandido para as
cidades como Cacoal, Cerejeiras, Pimenta Bueno, Pimenteiras do Oeste e Vilhena, atendeu
alunos a partir de 4 anos de idade, bem como aos estudantes da zona rural e de baixa renda.
Esse projeto, conforme relata Zorzan (2014), foi suspenso devido à falta de professores de
italiano, pois nesse Estado também não existe curso de licenciatura em LI.
31
CICOL foi fundado em 1999 com o objetivo de ampliar o ensino de língua e cultura italiana em Colorado do
Oeste e, posteriormente, em outros municípios do Estado. Além disso, graças a um intercâmbio com Consulado
Geral da Itália em São Paulo, o CICOL passou a ser um ponto de referência para os investidores italianos que
quisessem se instalar na região e assim contribuir para o seu desenvolvimento.
Ensinando e Aprendendo Italiano| 56
Em Goiás foi constatado que em Nova Veneza é ofertado o ensino do idioma italiano
também para crianças nas escolas públicas. Nesse Estado existe o “Projeto Italiano” que foi
implantado em 2008, no qual crianças do 3° ao 5° ano do ensino fundamental aprendem a LI
no horário escolar (ZORZAN, 2014).
Nos estados do Sul do Brasil, o ensino da LI é ofertado em diversas escolas. Em
Santa Catarina, por exemplo, a rede pública estadual mantém a oferta do idioma italiano em
pelo menos 14 escolas de 11 municípios, beneficiando cerca de 2.087 estudantes
(LANDULFO, 2012). No entanto, Zorzan (2014) descreve mais um acordo realizado com
instituições estrangeiras e prefeituras de cidades desse Estado. Em Santa Catarina, por
exemplo, o Centro de Cultura Italiana (doravante CCI) propicia o ensino gratuito do italiano a
milhares de crianças do Ensino Fundamental de diferentes cidades: Arroio Trinta, Laurentino,
Morro Grande Nova Veneza, Salto Veloso e Siderópolis, Balneário Camboriú, Concórdia,
Jaborá, Jaraguá do Sul, Joinville, Mafra e Massaranduba.
Mais uma vez, ressalto que embora seja importante a presença de instituições civis
que recebem contribuição do governo italiano promovendo o idioma italiano no Brasil, é
preciso que no ensino público se cumpra a LDB, cujo artigo 2º declara que a educação é dever
da família e do Estado (BRASIL, 1996). Ou seja, o ensino do italiano, do holandês, do
alemão, do russo, do inglês, do espanhol e de outros idiomas, precisa atender à demanda da
comunidade e ser regido pelas leis e documentos brasileiros, sem nenhuma interferência de
interesses empresariais ou nações estrangeiras. Além disso, dar a todos os estudantes a
possibilidade de aprender na própria escola o idioma que se deseja, é uma forma de deselitizar
o ensino de línguas no Brasil.
Mas essa realidade se perpetua em outro Estado: Rio Grande do Sul, onde diferentes
prefeituras firmaram um convênio com a Associação Beneficente e de Assistência
Educacional do Rio Grande do Sul (ACIRS) e passaram a oferecer o ensino da LI nas séries
iniciais do ensino fundamental, são elas: Antonio Prado, Aratiba, Caxias do Sul, Coqueiro
Baixo, Doutor Ricardo, Farroupilha, Imigrante, Nova Brescia, Porto Alegre, São Marcos e
Serafina Correa, Bento Gonçalves, Faxinal do Soturno, Nova Prata, Nova Roma do Sul, São
João do Polesine, Veranópolis e Vista Alegre do Prata (ZORZAN, 2014).
Diante do que foi relatado, ficou clara a interferência do estrangeiro sobre o nacional
em muitos munícipios brasileiros, bem como de instituições civis, além de uma postura de
subserviência que certamente não combina com a educação nacional. Como professora de
italiano, o fato de várias escolas do país terem incluído a LI nos currículos, deixa-me muito
satisfeita, pois, de certa forma, reflete o interesse dos estudantes por esse idioma, ou seja,
Ensinando e Aprendendo Italiano| 57
basta haver a oferta para que surja a procura. No entanto, não acredito que a oferta desse
ensino deva ser feita a qualquer preço e de qualquer modo. Por isso, finalizo esta seção, com
os seguintes questionamentos: Por que diferentes instituições são responsáveis pelo ensino da
LI em escolas públicas de diferentes municípios? De que modo essas instituições privadas
geridas com recursos estrangeiros estão preparando os professores para lecionarem a
disciplina de LI nas escolas de educação básica? Onde está o Estado que não exerce o seu
papel e não faz valer a sua própria Lei de Diretrizes e Bases da Educação?
Isso quer dizer que além dos cursos de graduação e pós-graduação, as IES podem
oferecer à comunidade em geral, constituindo-se em uma prestação de serviços que se
configuram como programas que envolvem ensino e pesquisa, projetos de caráter educativo,
Ensinando e Aprendendo Italiano| 58
32
Informações disponíveis em: <http://www.ceLIn.ufpr.br/index.php/o-ceLIn/historia>. Acesso em: 17 de abril
de 2015.
Ensinando e Aprendendo Italiano| 59
(CLAC)
Universidade Federal Fluminense Programa de Línguas Estrangeiras Modernas
(PROLEM)
Universidade Estadual do Rio de Janeiro Línguas para a Comunidade (LICOM)
Universidade Federal de Minas Gerais Cursos de Línguas Clássicas e Modernas
(CENEX)
Universidade Federal do Espírito Santo Centro de Línguas para a Comunidade (CLC)
Universidade Federal de Goiás* Centro de Línguas (CL)
Universidade de Brasília* UnB idiomas
Universidade Federal da Bahia Núcleo Permanente de Extensão em Letras
(NUPEL)
Universidade Estadual da Bahia* Núcleo de Estudos Italianos (Nesti)
Universidade Federal do Pernambuco* Núcleo de Línguas e Culturas
Universidade do Estado do Amazonas Escola de Idiomas da Escola Superior de
Tecnologia
Universidade Federal do Ceará Casa de Cultura Italiana
No contexto da legislação brasileira, curso livre é aquele que não é regido por lei
específica, como por exemplo, os cursos de dança, idiomas, reforço escolar, esportes e
informática, entre outros. Em todo o território brasileiro, existem muitas instituições privadas
que ministram cursos de italiano abertos ao público em geral. Vale salientar, que compreendo
ser nesse contexto de ensino/aprendizagem que podem atuar instituições estrangeiras, como o
Centro Cultural Ítalo-Brasileiro Dante Alighieri e o IIC.
De acordo com o Anuário Estatístico 2013, publicado pelo MAE, nas Américas
foram promovidos pelos IIC 2.250 cursos, 167 desses nos estados de São Paulo e Rio Janeiro.
Além disso, em São Paulo existe a Federação das Entidades Ítalo-Brasileiras do Estado de
São Paulo (FECIBESP), a Dante Alighieri de Itú, o Instituto Educacional Prof. Pasquale
Ensinando e Aprendendo Italiano| 61
Cascino, a Sociedade Brasileira “Amici d’Italia”33 de São José do Rio Preto, entre outros
(EMBAIXADA DA ITÁLIA, 1999).
Em Fortaleza, no Estado do Ceará, existe uma iniciativa do poder público que visa a
democratizar o ensino de línguas no município, oferecendo à comunidade o ensino de
diferentes línguas, o Centro de Estudo de Línguas do Instituto Municipal de Pesquisas,
Administração e Recursos Humanos (IMPARH).
33
Amigos da Itália.
34
Informações disponíveis em: <http://www.fortaleza.ce.gov.br/imparh/sobre-o-centro-de-linguas>. Acesso em:
19 de abril de 2015.
Ensinando e Aprendendo Italiano| 62
35
BALTHAZAR (2009, p. 1). Informações disponíveis em: <http://italiacatarinense.com.br/?q=node/81>,
Acesso em: 20 de abril de 2015.
Ensinando e Aprendendo Italiano| 63
A partir desta imagem retratada acima, quero enfatizar que as Licenciaturas têm a
função de formar professores que sejam capazes de atuar em qualquer que seja a instituição de
ensino e em qualquer que seja o nível, mas em especial, na Educação Básica, onde, como
afirma a epígrafe deste capítulo, é o lugar de aprender uma LE, inclusive a italiana, embora o
inglês e o espanhol, por inúmeras razões, sejam as duas línguas mais escolhidas pelos estados,
munícipios e comunidades para compor os currículos escolares, já que a LDB ao mencionar a
inclusão de uma língua estrangeira moderna nas escolas, não a determina.
Um trecho de um documento publicado pela Associação Rio-grandense de
professores de italiano, intitulado ARPI: Uma história para contar, já apresentando em outro
trabalho, retoma a tese de que é necessário ampliar a oferta de cursos de graduação em Letras
nas Universidades Públicas do Brasil, a fim de oportunizar e, sobretudo, democratizar o
ensino da LI no Brasil. O referido trecho, diz o seguinte:
A citação acima deve ser uma questão debatida por todos aqueles envolvidos com o
ensino do italiano, em especial, os professores. Em função disso, devo enfatizar que muito
ainda tem que ser feito para ampliar a oferta do italiano no ensino brasileiro, seja nas escolas
básicas, seja nas universidades, visto que, apenas nove estados brasileiros possuem cursos de
graduação em LI, o que é, de fato, um número reduzido.
Diante desse contexto, retomo a pergunta que permeia este trabalho: os cursos de
Licenciatura em LI no Brasil estão preparados para formar professores críticos e reflexivos,
capazes de atuar em diferentes contextos, privilegiando a perspectiva intercultural?
Portanto, por entender que a preocupação docente deve ser foco de debate tanto em
eventos acadêmicos, como nas próprias Licenciaturas e nas pesquisas de cursos de pós-
graduação como esta, é que a partir do próximo capítulo, concentro-me nas duas categorias
escolhidas para proceder à análise das matrizes curriculares e das ementas do cursos de
Licenciaturas em LI selecionados. Para tanto, apresento, primeiramente, em cada capítulo, a
fundamentação teórica na qual me ancorei e que considero extremamente importante para que
se compreenda a formação de professores como uma teia complexa de saberes.
Pluralidade linguístico-cultural do italiano| 65
Este capítulo inicia a fundamentação teórica que embasará as análises das grades
curriculares e das ementas das disciplinas dos cursos de Licenciatura em LI. Já que,
compreendo a LA como um campo de investigação transdisciplinar, ou indisciplinar, como
prefere Moita Lopes (2006), dialogo com a antropologia36, o campo do currículo37 e a
sociolinguística38. Contudo, para melhor compreendermos o desenvolvimento deste capítulo,
é importante explicar, a priori, que escolhi seu título, mais uma vez, após a leitura de
Insegnare l'italiano o la pluralità dell'italiano, do professor Matteo Santipolo (2001). Nesse
artigo o autor fala sobre a situação linguístico-cultural da Itália, um tema que também abordo
aqui.
A partir dessa premissa, este capítulo está dividido em cinco seções. Na primeira,
apresento os respectivos conceitos de cultura e de língua que adoto neste trabalho e refletem o
título do capítulo. Na segunda seção, descrevo alguns conceitos sobre currículo e as suas
teorias e destaco a noção de currículo com a qual este trabalho coaduna. Na seção 3.3, visando
discorrer sobre a pluralidade linguístico-cultural do italiano, faço duas narrativas breves: a
primeira sobre a sua formação e a segunda sobre a atual situação desse idioma na Itália,
finalizando com uma relação dos outros países onde o italiano está presente, seja como língua
36
Segundo Hoebel e Frost (1981, p. 3-4), a antropologia é uma ciência cujo objeto de estudo é a humanidade
como um todo, compreendendo, desse modo, três dimensões básicas, tais como: biológica, sociocultural e
filosófica. Neste trabalho, detenho-me principalmente no seu aspecto cultural.
37
Segundo Roberto Sidnei Macedo (2013, p. 13), doutor em ciências sociais e líder do Grupo de Pesquisa de
Currículo: “o estudo do currículo se constitui num campo, ou seja, se edificou ao longo de ´uma´ história, e se
configura hoje num tema de estudo específico e num debate especializado” (aspas no original).
38
Área que estuda a língua em seu uso real, levando em consideração as relações entre a estrutura linguística e
os aspectos sociais e culturais da produção linguística. Para essa corrente, a língua é uma instituição social e,
portanto, não pode ser estudada como uma estrutura autônoma, independente do contexto situacional, da cultura
e da história das pessoas que a utilizam como meio de comunicação (VOTRE; CEZARIO, 2009, p. 141,).
Pluralidade linguístico-cultural do italiano| 66
oficial39, seja como L2. A quarta seção traz a análise da primeira categoria, a partir do recorte
discutido neste capítulo, que visa verificar se as propostas pedagógicas, das disciplinas
presentes nas grades curriculares dos cursos de Licenciatura em LI, contemplam a pluralidade
linguística-cultural do italiano. Na quinta e última seção, exponho as minhas conclusões
parciais referentes à analise do corpus.
Para entendermos a acepção de língua que permeia este trabalho, além dos demais
conceitos tratados aqui e no próximo capitulo, tais como currículo, multiculturalismo e
interculturalidade, é necessário, a priori, compreendermos o conceito de cultura, pois, por ter
recebido inúmeras definições ao longo do tempo, trata-se de um conceito que certamente
ainda é mal interpretado, sobretudo, nos contextos de ensino/aprendizagem de línguas.
A primeira definição de cultura surge no século XIX, à luz da Etnologia, ciência
voltada para a compreensão da diversidade humana e atribuída ao antropólogo britânico
Edward Brunett Tylor (1832-1917), considerado, posteriormente, o pai da Antropologia
moderna (CUCHE, 1996). Tylor unificou o termo germânico Kultur e a palavra francesa
Civilization em um único vocábulo inglês, Culture, e, assim, buscando mais descrever do que
apenas definir, explicou que, uma vez que cultura é antes adquirida do que transmitida, não
depende da hereditariedade genética. Para Tylor, cultura é:
Tylor considerava a cultura como uma entidade que resulta de uma soma de
elementos, os quais, uma vez separados, permitiam realizar comparações: mitos com mitos,
relações sociais com relações sociais, crenças com crenças, leis com leis, etc. Entendida como
uma noção universalizante de cultura, a descrição de Tylor sempre foi alvo de inúmeras
críticas. Contudo, o antropólogo é digno de muitos méritos, o primeiro dos quais seria,
segundo Cuche (1996), uma noção de cultura que, além de conferir a esta uma dimensão
39
É a língua de um Estado, aquela que é obrigatória nas ações formais do Estado, nos seus atos legais
(GUIMARÃES, 2007, p.64).
Pluralidade linguístico-cultural do italiano| 67
coletiva, anula as antigas definições limitantes e individualistas. Laraia (2011) assinala que
outro mérito de Tylor foi:
Sobre as muitas definições que se seguiram à de Tylor, Laraia (2011, p.33-34) aponta
que nelas predominava, equivocadamente, “a ideia de que a cultura desenvolve-se de maneira
uniforme, de tal forma que era de se esperar que cada sociedade percorresse as etapas que já
tinham sido percorridas pelas sociedades mais avançadas”. Ademais, Cuche (1996) explica
que diante disso, Franz Boas, considerado o inventor da Etnografia e um dos críticos do
ideário tyloriano, contrariou toda essa concepção de uniformidade, após participar como
geógrafo expedicionário para estudar os efeitos do meio físico sobre os esquimós. Como Boas
concluiu que a organização social destes era mais determinada pela cultura do que pelo
ambiente físico, decidiu dedicar-se à Antropologia e realizar pesquisas cujo objetivo era
estudar as culturas, agora no plural.
[...] cada cultura representava uma totalidade singular e todo seu esforço
consistia em pesquisar o que fazia sua unidade. Daí sua preocupação de
não somente descrever os fatos culturais, mas de compreendê-los
juntando-os a um conjunto ao qual eles estavam ligados. Um costume
particular só pode ser explicado e relacionado ao seu contexto cultural.
Trata-se assim de compreender como se formou a síntese original que
representa cada cultura e que faz a sua coerência. Cada cultura é dotada de
um “estilo” particular que se exprime através da língua, das crenças,
dos costumes, também da arte, mas não apenas desta maneira. Este
estilo, este "espírito" próprio a cada cultura influi sobre o comportamento
dos indivíduos (CUCHE, 1996, p. 45, grifo meu).
comportam de acordo com as suas culturas”, visto que “no mesmo contexto social, há
diferentes culturas que interagem entre si, determinando diferenças locais” (PARAQUETT,
2010, p. 139). Daí a existirem culturas particulares, diversas e diferentes em vez de uma
cultura universal, uma vez que cada sujeito tem a sua própria cultura e, por conseguinte, a sua
identidade cultural.
Já que a cultura reflete o modo de ver o mundo tanto socialmente quanto,
individualmente, concordo com as ideias de Mendes (2015) de que cultura, sobretudo nos
contextos de ensino/aprendizagem de línguas, deve ser entendida como:
b) não existe sem uma realidade social que lhe sirva de ambiente; ou seja,
é a vida em sociedade e as relações dos indivíduos no seu interior que vão
moldar e definir os fenômenos culturais, e não o contrário;
Nesta tese, compreendo cultura como algo instável e não uniforme para todos os
povos e tampouco igual para todos os cidadãos do mesmo país ou cidade. Entendo cultura, ou
melhor dizendo, culturas, como os diferentes modos de perceber social e individualmente o
mundo. Embora, dentro da mesma nação, existam raízes históricas e aspectos comuns
compartilhados e transmitidos por seus habitantes, é impossível encontrar ali uniformidade
religiosa, linguística ou comportamental até em cidades pequenas.
Nesse sentido, é fácil concluir, por exemplo, que somente por eu conhecer a cultura
de uma comunidade ou grupo, sei porque determinadas palavras de uma dada língua não
podem ser proferidas em determinados ambientes. Isso quer dizer que, para se
compreenderem, pessoas que integram o mesmo grupo cultural utilizam uma linguagem cujo
Pluralidade linguístico-cultural do italiano| 69
significado é comum a todos. Bruner (2001, p. 17) sustenta esta posição ao explicar que,
apesar dos significados estarem na mente, eles são apenas relevantes na cultura em que são
instituídos. É justamente a cultura que nos fornece os instrumentos para organizarmos e
compreendermos o mundo.
Destarte, é possível compreender que língua e cultura são indissociáveis, pois uma
equivale à outra. Já que “[...] tudo o que fazemos quando interagimos com o mundo através da
linguagem é um modo de produzir cultura” (MENDES, 2012, p. 375). Nessa acepção:
Silva (2005) ainda considera teoria como discurso ou texto político, já que uma
proposta curricular constitui um texto ou discurso político sobre o currículo pelas finalidades
estabelecidas por um grupo social específico. Esse autor reputa que o próprio discurso sobre
currículo produz fatalmente uma noção de currículo que consequentemente será seguida pelas
escolas, seu corpo docente, etc. Como ilustração, ao conceituarmos currículo simplesmente a
partir de seu sentido etimológico oriundo do latim, scurrere – que significa, caminho, jornada,
Pluralidade linguístico-cultural do italiano| 71
Sob essa mesma ótica, vários estudiosos liderados por Apple e Giroux, passam a se
perguntar: “o que é que o currículo faz com as pessoas?” Entendo que essa pergunta levanta
um novo questionamento que deve ser sempre levado em consideração ao elaborarmos um
currículo: o que o currículo tem que fazer com e para as pessoas? Nessa lógica, a construção
do currículo passa a exigir, portanto, um conhecimento específico das classes e grupos
dominantes. Assim, o currículo deixa de ser visto apenas neutralmente como o veículo ideal
para formar operários de fábricas, e passa, agora, a ser percebido como um artefato que retrata
a sociedade, as suas forças dominantes, suas culturas e, principalmente, suas estruturas do
poder.
Daí a importância de uma formação que prepare o senso crítico de aprendizes e os
torne capazes de desvelar as injustiças, já não a partir da homogeneidade imposta senão da
heterogeneidade social e natural. Para Macedo (MACEDO, 2013, p.57) a: “formação
socialmente justa e aprendizagem com e pela diferença constituem as pautas que sintetizam a
proposta curricular crítica”.
Eis certamente o motivo pelo qual Sarup (1990) distingue a perspectiva crítica da
tradicional da seguinte forma:
É nessa exata linha de pensamento que Paulo Freire (1987) chama a atenção para a
necessidade dos oprimidos perceberem sua opressão e de se valerem do conhecimento para se
libertar. Nasce, assim, a figura do professor como intelectual transformador do social.
Assim como as teorias críticas, as teorias denominadas de pós‐críticas no campo do
currículo partilham a mesma preocupação com as questões de poder. Ambas não se limitam a
pensar “o quê ensinar?” senão em perguntar “porque ensinar determinado conteúdo e não
outro?” ou “por que privilegiar esse tipo de identidade e não outra?” Sob vários aspectos,
essas abordagens questionam esse “o quê”, tão revelador das relações entre significação,
identidade e poder, e evidenciam uma preocupação maior, durante a formação, com o tipo de
indivíduo desejável para a sociedade.
Segundo Macedo (2013), a grande novidade das teorias pós-críticas é o foco no
multiculturalismo que, por sua vez, toma as diferenças socioculturais como a sua
característica basilar, embora existam outras40. Nos debates, as teorias pós-críticas centralizam
o entendimento de que cultura não é estável e única e a realidade de vivermos em uma
sociedade multicultural que possui diferenças inerentes. Esta perspectiva abre espaço nos
currículos e, consequentemente, nas práticas escolares e formativas, para as diferenças
culturais, além de abordarem identidade e diferença, etnia, gênero e sexualidade (SILVA e
GONÇALVES, 1998; MOREIRA e MACEDO, 2002; MOREIRA e CANDAU, 2008), já que
todos aqueles que, por não integrarem a classe dominante, sempre estiveram à margem da
economia, da política e da educação. Por isso, um currículo, elaborado a partir das teorias
pós-críticas, visa construir uma sociedade democrática e busca destacar histórias esquecidas e
vozes silenciadas.
Essa exposição me permite destacar que, enquanto as teorias tradicionais são tidas
como neutras, científicas, desinteressadas, segundo as quais os problemas sociais são
problemas da sociedade, as críticas e pós-críticas, por outro lado, argumentam, não haver
neutralidade científica e desinteressada, haja vista que toda e qualquer teoria está implicada
em relações de poder. Nessa acepção, problemas sociais são problemas da sociedade e
mormente da escola. Essas teorias se preocupam, portanto, com as relações entre saber,
identidade e poder. À vista disso:
[...] não podemos mais olhar para o currículo com a mesma inocência de
antes. O currículo tem significados que vão muito além daqueles aos
quais as teorias tradicionais nos confinaram. O currículo é lugar, espaço,
40
Maiores Informações sobre o multiculturalismo e as suas feições podem ser encontradas no quarto capítulo
desta tese.
Pluralidade linguístico-cultural do italiano| 74
Isto posto, entendo claramente que nós educadores estamos diretamente envolvidos
nas proposições curriculares que influenciam nosso desenvolvimento e personalidade. Já
vimos como o currículo compreende questões de poder nas relações, tanto as entre professor e
aluno, quanto todas as outras dentro e especialmente fora da escola. Já que a dinâmica do
social é assim, precisamos nos conscientizar de que nenhuma prática pedagógica é neutra e
saber, como educadores, que é possível que o posicionamento pedagógico que assumimos
esteja atrelado a uma teoria ou a uma tendência.
Evidentemente, apesar de o currículo não responder por tudo o que ocorre na sala de
aula, ele certamente propõe o que deve ser feito. Com isso em mente, fico com as palavras de
Silva (2010), pois nesta tese, cujo foco é a formação inicial dos professores de LI no Brasil,
compreendo que o currículo é o passo inicial dessa formação e, pensar em currículo equivale
a concebê-lo como o espaço formador significativo de identidades, uma vez que:
Para entender a origem do italiano, precisamos voltar aos tempos antigos quando os
latinos, sob o comando de Roma, formaram uma liga das cidades latinas para conter a
dominação etrusca. Após constantes conflitos, o chamado povo romano, com um exército
muito bem preparado e equipado, dominou primeiro a península itálica para depois invadir
vários outros territórios como Cartago, Grécia, Egito, Macedônia, Gália, Germânia, Trácia,
Síria e Palestina.
O resultado foi o legado de língua e cultura que o gigantesco Império Romano
deixou nas regiões conquistadas, o que acabou transformando o latim, idioma presente no
Lácio, na língua de grande parte dos povos europeus. Posteriormente, durante muitos séculos,
o latim, já adotado como língua oficial, ou seja, como língua do Estado era utilizado,
sobretudo, para a comunicação escrita, tornando-se, desse modo, a língua dos cultos e dos
nobres, bem como concebida como uma língua clássica e de prestígio.
41
Currículo ativo é também chamado de currículo real ou em ação, pois informa o que, de fato, ocorre em uma
sala de aula. Young (2000) explica que se trata de como o conhecimento é produzido e não da estrutura do
conhecimento em si.
Pluralidade linguístico-cultural do italiano| 76
42
A seção 3.3.2 trata do conceito de dialeto.
43
Adivinhação de Verona.
44
“La sola Italia appare dunque differenziata in almeno quattordici volgari. Ora, anche questi volgari variano a
loro volta (come, per esempio, i Senesi e gli Aretini in Toscana, i Ferraresi e i Piacentini in Lombardia); abbiamo
inoltre notato che nella stessa città esiste un certo mutamento, come si è stabilito nel capitolo precedente.
Pertanto, se volessimo contare le prime, seconde e ulteriori variazioni del volgare d‘Italia, anche in questo
piccolissimo angolo del mondo ci toccherebbe di giungere non solo a mille, ma anche a unnumero maggiore di
arietà linguistiche”. Disponível em <http://www.classicitaliani.it/dante/prosa/vulgari_ita.htm>. Acesso em
23/01/2015.
45
Segundo Guimarães (2007, p.64) ‘língua nacional” é a língua de um povo, enquanto língua que o caracteriza,
que dá aos seus falantes uma relação de pertencimento a este povo.
Pluralidade linguístico-cultural do italiano| 77
escreviam como se falava nessa cidade. Ademais, o escritor deixa claro em sua obra que
percebia o latim (latim clássico) como uma língua artificial, criada pelos cultos e para o uso
literário.
Por sua preocupação com questões linguísticas, ou ainda como prefere Martins
(2012, p.1) por “sua sensibilidade para converter a questão poética em questão linguística e o
subsequente esforço na promoção do latim vulgar46”, Dante é considerado por muitos
estudiosos como o verdadeiro pai do italiano. Como um grande observador das línguas
faladas ao seu redor, o poeta da Divina Commedia mapeia linguisticamente a Itália de seu
tempo e inicia o debate sobre a necessidade de uma língua única capaz de ser compreendida
por todos na Itália. Para tanto, apresentou um modelo de língua que julgava ser o mais
coerente, fornecendo vocábulos que ainda são usados atualmente. Em outras palavras, Dante
preconiza o dialeto-toscano-fiorentino como o padrão ilustre a ser seguido, o que, de fato,
ocorre após o reconhecimento de sua obra poética.
Coelho (2003) e outros estudiosos afirmam que Dante inicia a chamada questione
della língua (questão da língua), discussão esta que perdura até hoje e será interminável
segundo a própria autora (2003). Presente na história do italiano desde a época de Dante, a
questão da língua é um debate secular sobre o modelo de língua comum, ou seja, sobre qual
modelo do italiano seguir. Durante o Renascimento, a questão se acirrou, uma vez que a
língua havia se expandindo de modo que se tornou necessário usar uma escrita que fosse
válida e compreendida por todos os escritores e leitores das diversas regiões italianas. Aqui,
concordo com Coelho, no sentido que o chamado debate sobre a “questão da língua” jamais
se esgotará, pois língua não é uma abstração teórica, usada a partir da imposição de um
modelo comum.
Quando a Itália foi finalmente unificada na segunda metade do século XIX, o
dialeto-toscano-florentino já era a língua reconhecida em toda e qualquer parte da península.
Nesse período, a Itália enfrentava graves problemas políticos, econômicos e sociais e, em
particular, linguísticos, já que apenas 10% da população italiana falava o idioma nacional e a
maioria dos italianos se comunicava em seus respectivos “dialetos” (CASTELLANI, 1982,
apud TRIFONE, 2010, p. 36).
No novo estado unitário italiano, era urgente a necessidade de formar cidadãos
capazes de ler e escrever a língua nacional. Assim, a questão era a de fornecer a todos os
46
Considero esse termo (“vulgar”) – equivalente a “vernáculo” – atualmente uma forma pejorativa de
desprestigiar a língua do povo. Sobre isso falarei mais adiante.
Pluralidade linguístico-cultural do italiano| 78
47
“Una nazione dove siano in vigore vari idiomi e la quale aspiri ad avere una lingua in comune, trova
naturalmente in questa varietà un primo e potente ostacolo al suo intento”. Disponível em:
http://www.classicitaliani.it/ manzoni/unita_lingua.htm Acesso em: 25/04/16
48
A saber: Sentir messa (1835 -36); Sulla língua italiana (1846); Saggio sul vocabolario italiano secondo l’uso
di Firenze (1856); Della unità dela língua e dei mezzi per difonderla (1868); Intorno al libro “De Vulgari
Eloquentia de Dante (1868); Intorno al vocabolario (1868) e Lettere al Marchese Afonso della Valle di
casanova (1871).
49
Os Noivos na tradução em português. É importante salientar que I Promessi Sposi foi escrito duas vezes. Na
primeira edição, Manzoni usou palavras e construções milanesas que, na segunda edição, foram substituídas por
termos florentinos contemporâneos.
Pluralidade linguístico-cultural do italiano| 79
No fundo, ele pensava que fosse simples fazer a população adotar a língua
que falava o povo fiorentino. É claro que a solução que Manzoni procurou
dar à antiga questão da língua na Itália foi uma solução abstrata. Fazer um
vêneto, um siciliano, um pugliese o um lucano falarem a língua de Florença
era o mesmo que fazê-los falar o inglês, o francês, o alemão ou a língua que
falavam os literatos cultos italianos (COELHO, 2003, p. 121, tradução
minha).50
50 “Ma il problema della creazione unitaria della lingua italiana era molto più complesso di quanto ritenesse il Manzoni. In
fondo egli pensava che fosse semplice fare adottare dalle polopazioni italiane la lingua che parlava il popolo fiorentino. È
chiaro che la soluzione che il Manzoni cercò di dare all‘annosa questione della lingua in Italia fu una soluzione astratta. Far
parlare ad un veneto o ad un siciliano o ad un pugliese o a un lucano la lingua che si parlava a Firenze era lo stesso che gli si
volesse far parlare l‘iglese o il francese o il tedesco o la lingua che parlavano i letterati colti italiani”.
51 História Linguística da Itália..
52 Uso o termo “variedade” e não “variação”, como é comum na sociolinguística, porque tomo como referência os estudos de
A citação acima resume uma nova dinâmica linguística que vai ganhando forma à
medida que é usada por seus falantes independentemente da língua oficial imposta.
Rememoro, portanto, as palavras de Brandão (1991), quando observa que o falante tem o
poder sobre a língua, pois é ele quem a utiliza e modifica.
Outra variedade no repertório linguístico e cultural dos italianos é o chamado italiano
regional, nome atribuído à vasta “gama de fenômenos compreendidos entre o italiano da
tradição literária e o dialeto” (BERRUTO, 1987, p.13-27). Segundo Berruto (1987), nessa
variedade é perceptível a influência do código dialetal em todos os níveis da escrita e da fala.
E como o próprio nome diz, é o italiano de cada região, pois em uma extensão territorial é
impossível uma língua se manter rigorosamente a mesma, ainda que existam aqueles que
insistam em pensar e sustentar teses contrárias. Santoro e Frangiotti (2013), sintetizam essas
variedades regionais:
55
“Il neo-standard "è diffuso nelle classi medio-alte e nella parte più acculturata della popolazione, ed è
realizzato nel parlato più che nello scritto. L'etichetta di neo-standard si riferisce al fatto che su questo livello,
oggi in piena evoluzione, troviamo un gran numero di forme che via via "risalgono" dai livelli inferior (sub-
standard): prima relegate nell'area delle forme "colloquiali" (o, come dicevano i vocabolari, "triviali"), ora si
diffondono e sono accettate nella língua nazionale. Lo standard così, a sua volta estende i propri confini".
Pluralidade linguístico-cultural do italiano| 82
Existe ainda o italiano popular, denominação esta atribuída à língua das camadas
sociais com baixo nível de escolarização. Esta variedade se apresenta como uma forma de
língua “mal dominada” em relação ao italiano-padrão e com numerosos traços dialetais.
Geralmente, trata-se de um italiano estigmatizado e percebido somente como algo “incorreto
por ser a variedade falada pelas classes sociais economicamente menos favorecidas.
De acordo com Santoro e Frangiotti (2013), existem ainda outras variedades: o
italiano denominado de culto, empregado por falantes de nível sociocultural médio-alto e alto,
variedade muito próxima do italiano standard; o italiano dos jovens, que é a variedade usada
por indivíduos de 13 a 21 anos, recheada de gírias e itens lexicais típicos dos dialetos da
Itália; e, finalmente, as chamadas línguas especiais, empregadas em determinados setores, tais
como a medicina, a arquitetura, a engenharia, a biologia, entre outros.
Como professora do idioma italiano há quase 12 anos, venho refletindo sobre a
complexidade do tema e, devo confessar que me sinto preocupada quando um aluno diz
desejar falar o “italiano perfeito”, sem saber que está desprestigiando, ainda que
inconscientemente, os outros falares. Obviamente, isso acontece porque se desconhece o
debate anteriormente exposto que, provavelmente, não costuma ser foco de discussões dentro
da sala de aula e durante o processo de ensino/aprendizagem. Além disso, levou-se muito
tempo para se reconhecer que as línguas são, na verdade, construídas de variedades
linguísticas, e mais tempo ainda para considerá-las como partes indissociáveis da própria
língua.
A verdade é que sempre que um aprendiz pergunta sobre a pronúncia de algumas
palavras, inclusive, qual é a verdadeira pronúncia standard, o que para Berruto (1987) é um
produto de treinamento, percebo o quanto esse hábito é resultado de uma tradição de ensino
que apresenta a língua apenas como um conjunto de estruturas e conceitos. É uma formação
que desconsidera os contextos, os falantes, os aprendizes, as suas respectivas culturas e todos
os demais fatores sociais, históricos, culturais, políticas e ideológicas inerentes ao idioma
estudado.
Para não fazer afirmações generalizadas ou generalizantes, recorro à minha pesquisa
de mestrado que identificou as crenças de aprendizes de italiano sobre a LI e o seu
aprendizado. Os dados analisados comprovaram que os sujeitos de pesquisa, alunos do
italiano, estavam demasiadamente preocupados com a pronúncia, sem sequer terem uma
noção, ainda que mínima, da situação real desse aspecto relativa à LI.
Pluralidade linguístico-cultural do italiano| 83
Como foi possível verificar, a grande preocupação de Marcos Alexandre foi, de fato,
a pronúncia. “O aluno afirma que, possivelmente, os falantes de italiano como língua
materna56 não o entenderiam caso ele não tivesse uma boa pronúncia” (LANDULFO, 2012, p.
139). O que ele não sabia é que o falar italiano não é uniforme em todo território nacional e
que é exatamente a pronúncia que evidencia as caraterísticas das variedades apresentadas
anteriormente. Obviamente, com isso não pretendo desprestigiar os estudos fonéticos, que são
importantes e, sem sombra de dúvida, devem ser abordados em uma sala de aula de línguas.
Todavia, compreendo que o ensino de língua é, dentre outras questões, também um diálogo
interdisciplinar com a sociolinguística, a pragmática e as políticas linguísticas, áreas que
certamente fornecerão subsídios para que alunos e professores possam compreender a língua
“como um objeto de ensino multidimensional e passível de variação” (SANTORO e
FRANGIOTTI, 2013, p. 225).
Evidentemente que os professores de línguas não vão ministrar aulas sobre esses
conteúdos. Todavia, estando conscientes de que essas áreas são relevantes para entenderem o
objeto de seu trabalho, será mais fácil compreender que a língua é permeada por diferenças
que não podem e não devem ser estigmatizadas e, muito menos, ignoradas. Essa perspectiva
oferece a possibilidade de criar uma atmosfera de abertura para os alunos que estão
aprendendo uma nova língua-cultura, sem traumas e sem a necessidade de copiar algo
inexistente. Ora, “o falar perfeito” será muito maior quando tanto professores quanto alunos
compreenderem que a língua, sendo um fenômeno dinâmico e essencialmente vivo, muda ao
ritmo do grupo social que a usa.
Finalizo esta seção ressaltando a importância de estarmos conscientes de que o
objeto de estudo – a língua – não é estanque e imune ao movimento sócio-histórico-cultural
56
A língua materna é compreendida pela maioria dos estudiosos como a primeira língua adquirida pelo
indivíduo. Para compreender melhor este conceito, sugiro a leitura do texto da professora da UFRGS, Karen
Pupp Spinassé: Os conceitos Língua Materna, Segunda Língua e Língua Estrangeira e os falantes de línguas
alóctones minoritárias no Sul do Brasil.
Pluralidade linguístico-cultural do italiano| 84
de um povo. Por isso, agora tratarei do outro componente que completa o repertório
linguístico-cultural do italiano: os dialetos da Itália, que, segundo Berruto (2003, p. 5), são
considerados as primeiras línguas de muitos italianos.
O início da terceira seção deste capítulo descreve que a Itália só foi unificada na
segunda metade do século XIX. Antes disso, o país estava dividido em diversos reinos, cada
um com seus próprios dialetos que, ainda hoje, são comumente empregados nas conversas
diárias, juntamente com o italiano. Segundo Berruto (2003), essa condição configura
bilinguismo endógeno ou endo-comunitário, o qual se caracteriza como fenômeno interno
devido a variações românicas dentro da própria comunidade e não a migrações externas.
Os dialetos (do grego diálektos) que, conforme Coseriu (1982, p. 10) configuram um
“modo de falar interindividual”, atualmente são usados em áreas geográficas bem específicas,
e assim recebem essa nomenclatura porque, diferentemente da língua nacional, possuem
regras morfológicas e sintáticas bem delimitadas, mas não gozam de um estatuto sociocultural
e político e não são reconhecidos pelo Estado. Segundo Renzi e Andreose (2009), essa
oposição nasce justamente na Itália, quando o latim clássico, a língua culta das camadas
superiores, perde espaço para o latim falado pelo povo. Assim, enquanto a língua clássica
sempre esteve ligada à norma escrita e à ideia de uma expressão superior, a língua do povo
sempre ficou restrita à fala, o que sempre deixou os dialetos em pé de inferioridade.
Para a linguística moderna, o status de língua e dialeto não é conferido apenas a
partir de critérios linguísticos, mas, é o resultado de um desenvolvimento histórico,
geográfico e, sobretudo, sócio-político e ideológico. Definir, ou distinguir, língua e “dialeto” é
sempre uma tarefa bastante complexa e difícil. Por isso, não pretendo discutir as extensas
definições sobre essa oposição, preferindo antes apresentar um trecho de uma obra de Marcos
Bagno, intitulada “A Língua de Eulália”, que além de refletir minha opinião sobre essa
questão, talvez resuma melhor o porquê dessa diferenciação entre o que é língua e o que é
“dialeto”:
— Tia, você disse que as variedades escolhidas para compor o padrão foram
escolhidas por ―diversas razões. Que razões são essas?
— Veja só, Vera, os motivos que levam determinadas variedades a servir de
base para o padrão não têm nada a ver com as qualidades intrínsecas,
internas, linguísticas destas variedades. O que estou tentando dizer é que
todas as variedades de uma língua têm recursos linguísticos suficientes para
Pluralidade linguístico-cultural do italiano| 85
57
O sistema classificatório elaborado por ele não inclui o dialeto corso que tem como língua-guia o francês.
Pluralidade linguístico-cultural do italiano| 86
Uma pesquisa do ISTAT de 2012 também informa que na Itália, 53,1% das pessoas
entre 18 e 74 anos, falam prevalentemente a língua nacional em família e a porcentagem
aumenta (84,8%), quando a comunicação é entre pessoas desconhecidas. Já o uso do dialeto
em ambiente familiar é de 9% da população na faixa etária entre 18 e 74 anos. A mesma
porcentagem (9%) é verificada entre amigos e apenas 1,8% entre pessoas desconhecidas. De
1995 até 2012, o número de pessoas que faz uso do italiano, língua nacional, vem aumentando
constantemente, o que configura uma situação de bilinguismo.
Vale ressaltar que conforme aumenta a idade do cidadão italiano, menor é o uso da
língua nacional. As regiões onde o uso do italiano em família é predominante são: a Toscana
(83%) e a Ligúria (67,5%), enquanto aquelas onde os dialetos são mais usados em contexto
58
Instituto Nacional de Estatística Italiano.
59
“Anche negli uffici statali e comunali, come nell‘industria, nel commercio e nelle banche, spesso si ricorre
all‘italiano solo se si ha a che fare con dei ‘foresti‘, provenienti da altre regioni. Pure i professionisti e i medici
per lo più usano il dialetto, parlando coi clienti e i pazienti, non solo per farsi capire meglio, ma anche – e non
raramente – perché in questo modo tutti si trovano maggiormente a proprio agio. Il rapporto è sentito come più
cordiale, più sincero, più vero”.
Pluralidade linguístico-cultural do italiano| 87
familiar são: a província autônoma de Trento (43,6%), o Vêneto (42,6%), a Calábria (40,4%)
e a Sicília (32,8%).
Ao usar o dialeto que é a sua língua-cultura, o italiano traz consigo a sua história, a
sua autoidentificação e uma identidade cultural que jamais deve se tornar invisível por
determinações de políticas linguísticas, pois um decreto não apaga a história de um povo.
Ainda bem que recentemente na Itália vem sendo delineada uma nova situação que Berruto
(2006) define como uma risorgenza (ressurgimento) dialetal, pois, além do espaço que já
encontravam na literatura, os dialetos passaram a ser utilizados na publicidade, em programas
de televisão, nos jornais, nos filmes, no teatro e, inclusive, na internet.
Diante dessa realidade, defendo uma posição simples: que o rico mosaico linguístico-
cultural encontrado na Itália não seja desconhecido, negligenciado e muito menos
estigmatizado por professores, pesquisadores da área de Italianística e editores de material
didático de italiano. Sobretudo, porque como postula Santipolo (2001), nenhum curso de
italiano como LE/L2 é completo se não levar em conta essa situação, a qual se bem
compreendida por todos nós, evitará, dentre outras coisas, que muitos alunos e professores
busquem, mais uma vez, a suposta “pronúncia perfeita” própria do falante nativo.
Entretanto, preciso deixar claro novamente que minha defesa de um
ensino/aprendizagem plural de línguas significa somar, adicionar e não excluir, preparando os
aprendizes para se tornarem cidadãos do mundo, capazes de falar de si e da sua cultura em
diferentes contextos e de não serem meros reprodutores de uma língua descontextualizada e
aparentemente neutralizada. Ademais, reconhecer as diferenças e as variedades sociais,
culturais e linguísticas em qualquer contexto social é o primeiro passo para desenvolvermos e
expurgarmos de nossa sociedade preconceitos de qualquer tipo. Dessa forma, como nenhuma
cultura é melhor ou superior à outra, mas simplesmente diferente, as línguas, os diversos
falares, as muitas variedades linguísticas e, ainda, a velha, complexa e contraditória dicotomia
língua x dialetos, não devem ser percebidos em escalas de hierarquização, e sim como partes
complementares.
Em sala de aula, por exemplo, professores e alunos só têm a ganhar com a exposição
de vídeos e textos orais e escritos que mostram a rica polifonia linguística italiana, bem como
a leitura de obras de renomados escritores italianos, como Carlo Emilio Gadda 60, Pier Paolo
Pasolini61 e Andrea Camilleri62, cujas obras traduzem com maestria a pluralidade linguístico-
60
Sugiro a leitura de trechos da obra L’Aldagisa.
61
Sugiro a leitura das obras Ragazzi di Vita e Una vita violenta.
Pluralidade linguístico-cultural do italiano| 88
cultural que busco retratar aqui. Entendo igualmente que essas leituras podem servir como
ponto de partida para discussões mais abrangentes sobre a diversidade humana.
Dito isso, não posso deixar de observar que descuidar da pluralidade linguística-
cultural que o italiano incorpora é tão problemático quanto desconhecer as demais localidades
onde essa língua e seus dialetos são falados. A próxima subseção trata desses espaços
geográficos do italiano.
A princípio, citando dados quantitativos, vale dizer que o italiano é falado por cerca
de 60 milhões de pessoas na Itália e 6,5 milhões falantes de outras partes do mundo, conforme
os dados da Sociedade Linguística Internacional64. Em Malta, por exemplo, essa língua é
falada e compreendida pela maior parte da população, especialmente, por causa da sua difusão
tanto na televisão quanto no ensino nas escolas e na universidade. Além disso, o italiano,
juntamente com o inglês, era a língua oficial nesse país até 1934. Atualmente, existe uma
comunidade em uma rede social, “Reintroduciamo ufficialmente la língua italiana a Malta”65,
62
Sugiro tanto a leitura de suas obras policiais como os filmes, baseados em suas obras, com o personagem
siciliano, o Comissário Montalbano.
63
Essas informações podem ser vistas nos seguintes sites: <http://www.cursoitaliano.net/ptitalian/facts.asp>;
http://www.linguagest.com/HTML/quem_somos/linguas_romanicas.htm.; <http ://italiano.forumdeidiomas.com.
br/2011/09/a-lingua-italiana-no-mundo>. E nos livros, La língua Italiana profilo Storico, de Claudio Marazzini,
Il Mulino, 1994, e Elementos de filologia românica de Bruno Bassetto, EDUSP, 2001.
64
Disponível em: http://www.sil.org Acesso em: 09/02/2015.
65
A comunidade do Facebook se chama, em português: “Reintroduzamos oficialmente a língua italiana em
Malta”.
Pluralidade linguístico-cultural do italiano| 89
que solicita novamente a adoção do italiano como língua oficial do país, pois segundo os
associados ou seguidores da comunidade virtual, os malteses são falantes reais desse idioma.
Em uma pesquisa sitiográfica, deparei-me com uma narrativa contada por uma
professora de italiano que ilustra a presença do idioma em outras partes do mundo:
[...] queria compartilhar com vocês uma experiência bem interessante que
tive quando comecei a estudar alemão aqui na Suíça. No primeiro dia,
quando entrei na sala de aula, percebi que havia um grupo de três mulheres
que falavam uma língua diferente, que logo conclui que deveria ser algum
dialeto africano, a julgar pela aparência e pelas roupas que elas usavam.
Fiquei muito curiosa, pois era a primeira vez que ouvia um dialeto africano
assim “in diretta”. Contudo, o mais curioso era que, em meio àquelas
palavras para mim completamente incompreensíveis, saltavam algumas
palavrinhas italianas do tipo “ecco”, “allora”, “va bene”. A minha
curiosidade foi tanta que não aguentei e me aproximei delas, tentando,
inicialmente, comunicar-me em inglês, mas nenhuma delas entendia. Nesse
meio tempo, chegou uma menininha bonitinha e chamou uma delas de
“mamma”, e ela lhe respondeu “dimmi, cosa vuoi?”, com um italiano,
digamos, “africanizado”, com uma cadência muito dura e bem diferente
do italiano falado na Itália, mas era italiano. Foi quando eu perguntei:
“come mai parli italiano?”, e ela, com muita propriedade, me respondeu “é
la lingua del mio paese”. O país era a Eritreia, que, para a minha total
surpresa e ignorância, naquele momento, eu nem sabia (ou não me lembrava)
em que parte da África ficava (LOPES, 2011, grifo meu).66
Como visto, essa situação mostra claramente que a LI é falada em muitas outras
partes do mundo, além daquelas conhecidas por todos, como a Itália e a Suíça, país no qual o
italiano é usado em toda a região de Cantoni Ticino e nos quatro vales da região de Grigioni.
Nesse caso, é muito importante ressaltar que se trata de uma língua nacional fora da Itália,
construída, também por suas variedades faladas e escritas (MORETTI, 2011).
Segundo um recenciamento de 2010, cerca de 550.000 mil pessoas declararam que o
italiano é uma das línguas principais da Suíça. Dessas, 347.000 são emigrantes e 110.000 mil
vivem na chamada Suíça Italiana. De acordo com os dados apresentados, os italófonos das
três regiões não italófonas constituem cerca de 292.000 mil,
Na chamada Suíça Alemã, o italiano também se destaca entre os trabalhadores
estrangeiros, especialmente após a segunda metade do século XX (MARELLO, 2009). Isso
ocorre, não somente por motivos ligados ao turismo, ao Made in Italy e à cultura italiana em
geral, mas principalmente por razões estreitamente profissionais, uma vez que esse idioma é
falado por muitos trabalhadores, especialmente emigrantes do setor terciário, como
66
Disponível em: < http://italiano.forumdeidiomas.com.br/2011/09/a-lingua-italiana-no-mundo/>. Acesso em:
13/03/2015.
Pluralidade linguístico-cultural do italiano| 90
67
São várias as acepções e definições para o termo língua franca. No entanto, Siqueira (2008, p. 15) a define
“como o idioma de contato e comunicação entre grupos ou membros de grupos linguisticamente distintos”.
Pluralidade linguístico-cultural do italiano| 91
68
“Per capire la complessa situazione attuale bisogna andare un po‘ indietro nel tempo. Nello stato federativo
iugoslavo, le singole repubbliche disponevano di larghe autonomie in vari settori, tra l‘altro anche nel
trattamento delle minoranze etniche residenti nel proprio territorio, e la Slovenia (in parte anche la Croazia)
aveva fatto scelte decisamente progressiste. Per proteggere l‘esigua minoranza italiana6 nei territori definiti
plurietnici – cioè nei comuni di Koper (Capodistria), Izola (Isola) e Piran (Pirano) del Littorale sloveno – e per
bloccare la sua precoce assimilazione erano state prese varie misure legislative, tuttora in vigore. Così, in questa
zona, la lingua italiana ha lo status di lingua ufficiale, a pari diritto con lo sloveno [...]”.
69
Essas informações podem ser encontradas no documento La Minoranza Linguistica Storica italiana dell’Istria
croata. Disponível em: <https://bora.uib.no/bitstream/ handle/1956/ 6740/106623212. pdf?sequence=1> Acesso
em: 10/01/2015
Pluralidade linguístico-cultural do italiano| 92
como o Rio Grande do Sul, Santa Catarina, São Paulo, Espírito Santo, Bahia e Pernambuco.
Estima-se que a imigração vêneta no Brasil, entre 1876 e 1920, tenha sido de
quase um milhão de pessoas, o que representavam mais de um terço do total
das demais regiões da Itália. Em 1970, somente no Estado do Rio Grande do
Sul, de uma população de dez milhões de habitantes, 20% tinha sobrenome
italiano. Foram milhões, em quase 150 anos de história, praticamente outro
país, disseminado, longe, mas emocionalmente ainda ligado às origens
(MIAZZO, 2011, p. 35).
descendentes italianos e outros habitantes dessas regiões. Ademais, o talian não é apenas
falado, pois possui uma forma escrita, no jornal Correio Riograndense e na obra literária Vita
e storia de Nanetto Pipetta, de Aquiles Bernardi. Além disso, possui gramática e dicionário, a
exemplo da Gramática e Vocabulário do Dialeto Italiano Rio-Grandense, compilado por A.
W. Stawinski e publicado em Porto Alegre em 1977. Atualmente, já existe o Dicionário do
Dialeto Vêneto-Português-Italiano (MIAZZO, 2011).
Em Afinal, o que é Talian? (2011), Miazzo informa que a Associação dos Difusores
do Talian (ASSODITA) tramitou a solicitação, junto ao IPHAN (Instituto do Patrimônio
Histórico e Artístico Nacional), para o reconhecimento oficial desse idioma como Patrimônio
Cultural e Imaterial do Brasil. Mas foi só em 2014 que o talian recebeu o título de língua
Patrimônio Cultural Imaterial do Brasil, tornando-se, assim, a primeira língua dos imigrantes
no Brasil a receber essa titulação:
70
http://www.floresdacunha.rs.gov.br/noticias/inicia-projeto-talian-perspectivas-e-acoes-nas-escolas
71
http://www.camaraflores.rs.gov.br/noticias_detalhes.aspx?id=4498#.V1WHI-SYKTU
Pluralidade linguístico-cultural do italiano| 94
Lei nº014/2015, de autoria do vereador Jorge de Godoy, instituiu o talian como língua co-
oficial do referido munícipio. A promulgação dessa lei visa valorizar a herança linguística e
cultural como forma de salvaguardar um patrimônio imaterial do povo, incentivar o
conhecimento e a fala do talian, em especial nas famílias e com as novas gerações, bem como
propagar o talian nas escolas.
Em Nova Erechim, o prefeito Volmir Pirovano, no uso de suas atribuições estabelece
no dia 11 de agosto de 2015, o talian ou vêneto brasileiro como língua co-oficial do
munícipio. Dentre outros objetivos, o status de língua co-oficial permite ao Munícipio ensinar
nas escolas nas escolas públicas72.
Ademais, conforme relata a professora Mariza Moraes da Universidade Federal do
Espírito Santo, em seu o artigo Política linguística em prol da licenciatura em Italiano na
modalidade EAD, o talian, também, foi aprovado como língua co-oficial, ao lado do
português, no município de Serafina Corrêa no Rio Grande do Sul, por meio da Lei nº 14.951,
de 11 de novembro de 2009 (MORAES, 2014, p. 326).
No referido artigo, é possível encontrar informações sobre uma pesquisa que vem
sendo realizada para verificar a situação do italiano no Espírito Santo. Até o momento, os
dados mostraram que em Venda Nova do Imigrante, munícipio onde se encontra uma
comunidade composta por maioria ítalo-capixaba, existe também um caso de bilinguismo
italiano – português, embora infelizmente, por diversos fatores, os dados preliminares
apontem para o declínio progressivo da oralidade e da escrita entre os cidadãos.
Em outras nações, onde houve emigrações, existem importantes comunidades
italianas nas quais o idioma é falado pelas famílias de emigrantes, sendo, portanto, língua de
família, língua de comunidade, a saber: Estados Unidos, Argentina, México, Uruguai,
Austrália, Canadá, França, Bélgica e Alemanha.
Como é possível constatar, o italiano ultrapassou os muros da Itália e, atualmente,
está presente em diferentes partes do mundo, seja como L2 ou como patrimônio histórico-
cultural, língua de herança e de comunidade. Devo confessar, todavia, que durante a minha
trajetória como aprendiz e professora de LI, pouco ou quase nada me foi transmitido sobre a
realidade descrita neste capítulo. Claro que os meios contemporâneos como a Internet,
facilitaram meu acesso a essas informações negligenciadas, principalmente pelo material
didático73 existente que, para muitos, é o único elo entre o aprendiz e a língua-cultura alvo.
72
http://www.talianbrasil.com.br/sc/nova-erechim-cooficializa-o-talian
73
Até a conclusão deste capítulo, encontrei informações sobre essas localidades onde o italiano é falado, apenas
na coleção Expresso e Nuovo Espresso da editora Alma Edizioni.
Pluralidade linguístico-cultural do italiano| 95
A escolha destas subcategorias acima foi feita após a leitura do corpus a fim de
estabelecer uma organização para a sua análise. Desse modo, chamei de “disciplinas
específicas de dialetos e variedades” aquelas cujos títulos já revelam que essas dimensões
serão contempladas. Na segunda subcategoria, reuni todas as disciplinas de caráter obrigatório
voltadas para o desenvolvimento das quatro habilidades linguísticas – ouvir, falar, ler e
escrever em LI, além daquelas, obrigatórias e optativas, cujo propósito seja desenvolver uma
dessas habilidades.
As disciplinas específicas para o professor de italiano são aquelas que visam
aprofundar os estudos de morfologia, fonologia e sintaxe. Enquanto que as disciplinas
74
É importante informar que os nomes das disciplinas variam de um curso para o outro e que nem todos os
cursos possuem todas as disciplinas elencadas. Além disso, por uma questão de escopo e limite, não serão
apresentadas as descrições de todas as ementas e objetivos das disciplinas, mas, apenas, aquelas que considerei
relevantes para esta análise.
Pluralidade linguístico-cultural do italiano| 97
75
O curso da UFBA é denominado Letras vernáculas e italiano – Licenciatura.
76
O curso da UFES trata-se de uma Licenciatura dupla: Italiano português.
77
A data referente aos conteúdos das disciplinas corresponde à data que se encontra na grade curricular do da
publicação do currículo do curso de Licenciatura em LI da UFBA.
Pluralidade linguístico-cultural do italiano| 98
78
A data referente aos conteúdos das disciplinas do curso de Licenciatura em LI da UFES corresponde à data da
publicação do currículo dessa instituição.
Pluralidade linguístico-cultural do italiano| 99
A leitura desses trechos me permitiu constatar diferentes aspectos. O primeiro foi que
o foco desta investigação, a pluralidade do italiano, não estava sendo contemplado nem pela
primeira disciplina cujo título fala em “registros e níveis” e nem pela segunda. O segundo
aspecto importante é que a disciplina intitulada ‘Italiano 7: níveis e registros’ trata, na
verdade, do ensino do que Paolo Balboni (2000) chama de “microlínguas científico-
profissionais”, as quais, segundo o autor, são dirigidas a um estudante especialista que,
geralmente, não domina as variações cotidianas da língua estrangeira, mas domina o conteúdo
tratado na microlíngua. Ora, porque o professor de italiano em formação que não conhece os
termos específicos da advocacia e nem da arquitetura estudará essas microlínguas e não os
dialetos da Itália ou as variedades do italiano? Por que a opção por um conteúdo em
detrimento do outro?
Quanto aos “Caminhos da Dialetologia”, embora o curso de Licenciatura em LI da
UFES seja uma licenciatura dupla – português/italiano – é possível observarmos na descrição
da disciplina, apenas a referência aos estudos dialetológicos do Brasil e do Espírito Santo.
Entendo que, por se tratar de uma disciplina optativa, os elaboradores da disciplina tenham se
preocupado com a situação local, uma vez que esta envolve todos os alunos do curso de
Letras, independentemente da língua escolhida para os estudos. Entretanto, exatamente, por se
tratar de uma habilitação dupla, acrescento que poderia existir outra disciplina que pudesse
dar-lhe continuidade e que, dessa forma, contemplasse a situação italiana. Concluo, pois, que
os dialetos italianos estão sendo negligenciados.
Após as leituras das grades curriculares e a procura de disciplinas que expusessem
explicitamente o que, aqui, investigo, concentrei-me nas disciplinas agrupadas em outra
subcategoria.
As disciplinas que aqui serão analisadas são aquelas cujo foco é a aprendizagem
básica do italiano, tais como “Língua italiana I, II, III”, “Italiano 1”, “Italiano 2”, “Língua
italiana em nível básico”, “Língua italiana em nível intermediário”, “Italiano II: língua e
cultura”, “Leitura de Texto em Língua Italiana”, “Conversação do Italiano”, etc.
Nesse momento, percebi que alguns cursos negligenciam os diversos falares italianos
e as diversas comunidades falantes desta língua, conforme demostram os trechos abaixo:
Pluralidade linguístico-cultural do italiano| 100
79
O curso de Licenciatura em LI da UFBA oferta apenas três disciplinas específicas para o estudo do idioma
italiano.
80
Na UFES, existem quatro disciplinas específicas de LI. A partir do quinto semestre essas disciplinas passam a
enfocar um conhecimento específico, a saber: sintaxe, morfossintaxe, níveis e registros, tradução, fonética e
fonologia, verbo e estudos gramaticais.
Pluralidade linguístico-cultural do italiano| 101
É bem verdade que os trechos grafados retratam uma certa preocupação em visitar
outros registros, “os informais’” na língua escrita e oral, o que sugere que outros falares, de
algum modo, devam ser visitados. Todavia, a “ênfase na correção da pronúncia”, é também
chamativa neste curso. Então pergunto: Por que o termo correção? Corrige-se a partir de qual
variedade da língua? Não seria mais interessante o (re) conhecimento das diferentes
pronúncias das comunidades falantes de LI?
A seção, 3.3.1 deste capítulo, por exemplo, descreve que o falar italiano não é
uniforme em toda a Itália e que, é exatamente na pronúncia que são mais evidentes as
caraterísticas de todas as variedades apresentadas aqui. Sobre isso, postulo que o importante é
fazer com que o aluno, futuro professor de italiano, seja capaz de interagir em diferentes
contextos de maneira inteligível. Fico, portanto, com as palavras de Moita Lopes (1996, p. 42-
43) quando afirma que “[...] a exigência de uma pronúncia perfeita não pode ter outro objetivo
senão o de domínio cultural. Tal atitude de imitação perfeita é o primeiro sintoma de
alienação a se detectar”.
Ademais, na descrição das ementas das disciplinas acima citadas, não existe
nenhuma referência às variedades regionais, aos dialetos e nem às comunidades falantes de
LI. Pelo contrário, logo no primeiro semestre, especificamente na disciplina “Italiano 1”,
onde o graduando deve ser apresentando ao universo que irá conhecer ao longo do curso é
conferido a ele, apenas, “Noções da história e geografia da Itália.”, quando, então, a discussão
poderia ser outra, tal como: onde está o italiano no mundo?
A partir dessas disciplinas no currículo de Licenciatura em LI da UFES, é possível
inferir que o futuro professor continuará ensinando o idioma italiano negligenciando a sua
Pluralidade linguístico-cultural do italiano| 102
pluralidade, sem olhar para os outros falares e tão pouco para os outros lugares onde o idioma
italiano está presente, isto é, para as outras diversas e diferentes línguas-culturas.
Infelizmente a percepção de uma suposta pronúncia correta, perfeita ou legítima está
presente, também, nas disciplinas do curso de Licenciatura em LI da UFF81, a saber:
81
Na UFF existem nove disciplinas específicas de LI.
82
O curso de Graduação em Letras com Licenciatura em LI da UFF é, também, uma habilitação dupla:
Português-italiano.
83
A data referente às descrições das disciplinas da UFF corresponde ao Regulamento dos Cursos de Graduação
da Universidade Federal Fluminense – UFF, aprovado em 14 de janeiro de 2015, disponível em:
http://www.uff.br/sites/default/files/001-2015_regulamento_do_curso_de_graduacao_0.pdf, acesso em 23 de
abril de 2016. Uma vez, que não consta nem no cabeçalho das grades curriculares e nem nos títulos das ementas
a data específica dessas.
Pluralidade linguístico-cultural do italiano| 103
que o licenciará para o ensino desse idioma, possivelmente, terá sido apresentado, apenas, à
língua padrão ou às suas estruturas com “entonação e correção fonética”. Portanto, aqui, são
muitas as questões que devem ser ponderadas. Uma se trata de um currículo que retrata
claramente as culturas dominantes, uma vez que somente a variedade de língua considerada
de prestígio é contemplada. Somente a variedade imposta pelas políticas linguísticas é
estudada. E por isso, quero lembrar as palavras de Silva (2007, p. 35), quando diz que “o
currículo da escola está baseado na cultura dominante: ele se expressa na linguagem
dominante, ele é transmitido através do código cultural dominante.”
Não que essa não seja importante, mas a questão é por que um curso que deve formar
um professor de italiano crítico e reflexivo, além de ignorar, totalmente, a existência de
outros falares, enfatiza em todos as ementas e programas das disciplinas voltadas para o
estudo da LI, apenas a língua padrão, a língua de prestígio, com “entonação correta”? Sobre
isso, faço, portanto, uma nova indagação: qual é a entonação correta? A dos livros didáticos
que historicamente também negligenciam a pluralidade linguístico-cultural do italiano? É
sempre bom refletir sobre isso.
Na USP84, todavia, é possível verificar, nos trechos grafados, a presença da
pluralidade linguístico-cultural do italiano em suas disciplinas básica do aprendizado do
italiano, a saber:
84
Na USP, existem sete disciplinas de LI.
85
Na USP, conforme informações fornecidas pela monitora do curso de italiano, Tatiana Mattos, os alunos
prestam vestibular para o Bacharelado em Letras. No primeiro ano, cursam o Ciclo Básico, com matérias
Pluralidade linguístico-cultural do italiano| 104
introdutórias e, ao final do primeiro ano, eles podem escolher se querem cursar português e uma língua
estrangeira/ linguística, só português, só a língua estrangeira ou só linguística. Daí para frente, eles cursam a
habilitação escolhida. Posteriormente, durante o bacharelado, também, existe a opção de fazer ou não a
licenciatura e essa pode ser somente do português ou somente da língua estrangeira escolhida. O e-mail no qual
constam essas informações está no anexo deste trabalho.
86
As datas das disciplinas do curso de Licenciatura da UFES são diferentes porque cada ementa possui uma data
de ativação, conforme é possível verificar nas ementas que estão no anexo deste trabalho.
87
Na USP, conforme informações fornecidas pela monitora do curso de italiano, Tatiana Mattos, os alunos
prestam vestibular para o Bacharelado em Letras. No primeiro ano, cursam o Ciclo Básico, com matérias
introdutórias e, ao final do primeiro ano, eles podem escolher se querem cursar português e uma língua
estrangeira/ linguística, só português, só a língua estrangeira ou só linguística. Daí para frente, eles cursam a
habilitação escolhida. Posteriormente, durante o bacharelado, também, existe a opção de fazer ou não a
licenciatura e essa pode ser somente do português ou somente da língua estrangeira escolhida. O e-mail no qual
contam essas informações está no anexo deste trabalho.
88
As datas das disciplinas do curso de Licenciatura da UFES são diferentes porque cada ementa possui uma data
de ativação, conforme é possível verificar nas ementas que estão no anexo deste trabalho.
89
Na UFSC, também existem sete disciplinas específicas de LI.
Pluralidade linguístico-cultural do italiano| 105
90
O curso de Licenciatura em LI da UFSC não é uma licenciatura dupla.
91
A data das ementas do curso de Licenciatura em LI da UFSC corresponde a data da Resolução Nº
12/CEG/2011, de 17 de agosto de 2011, conforme o projeto pedagógico do curso do curso Letras de Letras -
italiano dessa instituição, o qual se encontra em anexo.
92
O curso da UFC se trata de uma habilitação em língua portuguesa e língua italiana e respectivas literaturas.
Pluralidade linguístico-cultural do italiano| 106
Na UFC94, a partir dos trechos reportados das ementas investigadas, bem como dos
próprios títulos das disciplinas, é notória a preocupação tanto com as variedades e dialetos
como com o reconhecimento de que existem outras comunidades falantes de LI. Além disso, a
disciplina “Italiano VIII: Língua e Cultura”, traz em sua descrição a seguinte citação:
“especificidades e escolhas de natureza linguística, com ênfase nos aspectos históricos,
geográficos, sócio-políticos e culturais”. Ou seja, confere aos alunos a oportunidade da
escolha, informando-lhes, acima de tudo, de que é preciso ter consciência de que essas
especificidades linguísticas são inerentes aos aspectos sócio-políticos, culturais e geográficos,
uma vez que a língua não existe apenas nos livros didáticos. Ou seja, como postulam os
próprios parâmetros curriculares para o ensino de LE, mencionados logo no início desta
seção, “[...] é necessário também indicar que as variações linguísticas marcam as pessoas de
modo a posicioná-las no discurso, o que pode muitas vezes excluí-las de certos bens materiais
e culturais” (BRASIL, 1998, 47).
É importante ressaltar que na UFC, também existe a ênfase no estudo da língua a
partir dos diferentes gêneros textuais. Ademais, em praticamente todas as descrições
encontradas nas ementas referentes ao ensino e a aprendizagem da LI, estão presentes as
seguintes frases: “comunidades falantes de língua Italiana”, “comunidades falantes desta
língua”. Isso significa que os diferentes lugares do italiano no mundo são, no meu entender,
reconhecidos e, consequentemente, apresentados aos alunos, a estes futuros professores de
italiano no Brasil.
Nas disciplinas focadas no desenvolvimento de uma habilidade específica, tais como
“Estudo de língua italiana para fins específicos”, “Língua italiana instrumental II”, “Tópico
Especial em Língua Italiana I”, “Tópico Especial em Língua Italiana II” ou “Redação e
Conversação em Língua Italiana”, procurei, também identificar a presença do ensino do
italiano por um viés plural.
93
A data referente as descrições das ementas do curso de Licenciatura em LI da UFC corresponde a data do
projeto pedagógico revisado em maio de 2007. Esse projeto está nos anexos deste trabalho.
94
Na UFC, existem oito disciplinas específicas de italiano: língua e cultura.
Pluralidade linguístico-cultural do italiano| 107
Quanto à disciplina “Ensino de língua italiana para fins específicos”, constatei que se
trata, como indica o título, precisamente de um ensino específico voltado para um grupo
especializado que por diferentes motivos precisa ter acesso ao vocabulário da LI referente à
sua área de atuação, ou seja, advogados, comerciantes, profissionais ligados ao turismo, etc.
Assim, é possível dizer que o título é apropriado e bem diferente daquele encontrado na
UFES, “Italiano 7: níveis e registros”, cujo foco é o mesmo da disciplina da UFBA. Ademais,
trata-se de uma disciplina optativa que, conforme verificado no currículo. pode ser escolhida
por estudantes que não serão, necessariamente, professores de italiano, enquanto na UFES, a
sua referida disciplina é obrigatória para os professores de italiano em formação.
É possível verificar no trecho de uma disciplina do curso da UFBA acima reportado,
que a descrição se refere a uma disciplina de conversação em LI. Todavia, nela serão
revisados os conteúdos gramaticais em vez de conversas que contemple a pluralidade
linguística ou cultural do italiano. Os conteúdos gramaticais são, como já disse, importantes e
devem ter o seu espaço resguardado. Mas porque a inclusão desses e a exclusão de outros
conteúdos em uma disciplina cujo título não faz nenhuma menção à gramática?
Nas disciplinas de “Língua italiana instrumental” do curso da UFF não encontrei
informações que me permitissem inferir que a pluralidade do italiano será contemplada,
conforme comprovam os excertos abaixo:
As descrições das disciplinas da UFF trazem apenas uma referência aos textos
básicos e intermediários em LI. O que seriam textos básicos ou textos intermediários? Eles
descrevem a pluralidade linguístico-cultural do italiano? A descrição da ementa não informa.
Contrária a essa, é a descrição da disciplina “Introdução à Linguística Italiana” da
USP que demonstra que a pluralidade do italiano será considerada.
Como visto, a descrição da disciplina acima expõe mais uma vez o caráter cultural
como um fator relevante para a compreensão de textos em LI, trazendo, também, a
pragmática, que segundo Ellis (1994), é o estudo da língua em uso na comunicação, estudo
este que não se refere, especificamente, ao padrão de língua ensinado nos materiais didáticos.
Na UFSC, as disciplinas “Tópico Especial em Língua Italiana I” e “Tópico Especial
em Língua Italiana II” não evidenciam nenhuma habilidade específica, mas informam que as
questões linguísticas da LI serão abordadas, o que me leva a concluir, que a pluralidade
linguístico-cultural do italiano, apresentada neste capítulo, será o foco das aulas. Como é
possível verificar nos trechos abaixo.
Diante dessa descrição, repito que os estudos fonológicos são importantes e, sem
sombra de dúvida, devem ser abordados especialmente em uma sala de aula de línguas onde
se encontram futuros professores. Todavia, compreendo que ensinar línguas, dentre outras
questões, é também dialogar com outras áreas do conhecimento, tais como, a sociolinguística
e as políticas linguísticas. Certamente, estas disciplinas informarão aos futuros professores
tanto sobre as variedades das línguas e o porquê de uma variedade ou um padrão ser ensinado
em detrimento do outro. Não seria mais interessante, portanto, confrontar tais regras com a
95
Traços distintivos são, segundo, Sabatini (1985), as características mais evidentes do italiano denominado pelo
próprio autor de italiano do uso médio, o qual Berruto chama de italiano neostandard. Esses traços se distinguem
do chamado italiano padrão e são mais perceptíveis na fala. A princípio Sabatini categorizou 35 traços
distintivos, mas atualmente, são, apenas, 14.
Pluralidade linguístico-cultural do italiano| 110
língua viva falada no dia a dia das comunidades falantes da LI? As diferenças regionais,
dialetais, etc., seriam um excelente ponto de partida para se discutirem as regras fonológicas.
Esse pensamento parece ser compartilhado pelos elaboradores da ementa dessa
mesma disciplina da UFC, a saber:
Dessa vez, na disciplina de Sintaxe da UFES, foi possível verificar que há uma
preocupação em apresentar a língua a partir da perspectiva pragmático-discursiva e não
somente estrutural. O que me faz entender que, em algum momento, a leitura de diferentes
tipos de discursos poderão trazer possivelmente as variedades e os dialetos da Itália. Mas isso,
também, não é um dado certo.
Pluralidade linguístico-cultural do italiano| 111
Como visto nas seções anteriores, o uso atual do italiano abarca uma gama de
variedades, dentre elas, a chamada neostandard. Portanto, estudar o italiano a partir do uso
atual, é considerar, segundo Sabatini (1985), dentre outros aspectos, os traços distintivos
característicos desse novo italiano que obviamente são diferentes da norma padrão e da
gramática normativa. Segundo o autor, que prefere a denominação “italiano do uso médio” à
italiano neostandard, existem cerca de 14 traços distintivos que refletem o uso atual do
italiano. Sobre isso, Berreta (1998) explica que esses traços estão, de fato, presentes na
morfologia, na reorganização do sistema pronominal e no remodelamento do sistema verbal
italiano. Em função disso, posso inferir que a pluralidade linguístico-cultural do italiano
também se faz presente nesta disciplina da UFC.
Pois bem, volto agora o meu olhar, especificamente, para aquelas disciplinas cujo
título tem a palavra “cultura”.
Aqui serão analisadas as várias disciplinas cujo título traz a palavra cultura tais como
“Laboratório de práticas culturais: documentos oficiais: prática de língua italiana”, “Tópicos
em Cultura Italiana”, “Introdução à Cultura Italiana”, etc. Não com o objetivo de inferir o
Pluralidade linguístico-cultural do italiano| 112
conceito de cultura adotado e fomentado por esses cursos, mas de verificar se a pluralidade
linguístico-cultural do italiano está presente.
Inicio pela disciplina da UFBA intitulada “Estudos de Cultura Italiana”:
Como é possível observar na disciplina acima, ainda que os objetivos se refiram aos
grandes vultos na literatura, na economia e na história, especificamente, italiana, existe, uma
pequena referência aos dialetos, ainda que estes estejam expostos dicotomicamente, ou seja,
dialetos x língua italiana.
O currículo do curso de Licenciatura em LI da UFES tem inúmeras disciplinas cujos
títulos contêm a seguinte expressão: “Laboratório de Práticas Culturais”.96 De acordo com o
enfoque desta categoria de análise em curso, eu reportei apenas aqueles que se referiam ao
ensino da LI, ou de LE, como é possível verificar nos trechos abaixo:
Nesse trecho específico, percebi uma grande contradição com tudo o que foi visto
nas outras disciplinas, sobretudo, as específicas de LI. Certamente, porque parece tratar-se de
um recorte dos documentos oficiais brasileiros acerca do ensino de LE – os PCN (1998) – os
quais ressaltam a importância de se considerar a pluralidade cultural e linguística e
compreender que aprender um idioma possibilita aos aprendizes o acesso a outras culturas.
A única disciplina do curso de Licenciatura em LI onde verificamos, de algum modo,
uma atenção aos outros falares do italiano é a seguinte:
96
Outras disciplinas cujo título traz essa expressão serão analisas sob o enfoque da próxima categoria.
Pluralidade linguístico-cultural do italiano| 113
Nas disciplinas de literatura da UFF, constatei a ênfase dada à história da Itália, mas
não achei nenhuma referência às “modificações da língua italiana através de trechos e autores
italianos diversos” ou à questão da língua. Enfim, não há nenhuma alusão à pluralidade
linguístico-cultural do italiano.
Nas de literatura da UFC, não existe dessa vez a referências às comunidade falantes
de LI. Tampouco encontrei, como na UFF, nenhuma alusão às “modificações da língua
italiana através de trechos e autores italianos diversos”.
Inicio pela disciplina de LA da UFBA e da UFES, nas quais não encontrei nenhuma
referência às variedades do italiano, aos dialetos e tampouco aos outros lugares onde o
italiano é falado. Essa afirmação pode ser comprovada a seguir:
Na UFF e na UFSC, todavia, compreendo que a pluralidade linguística irá ser foco
das atenções, pois, os trechos grafados, que serão vistos a seguir, mostram que as visões
contemporâneas e o estudo crítico das possíveis áreas de atuação da Linguística Aplicada
Pluralidade linguístico-cultural do italiano| 119
serão discutidos na sala de aula. Posso, portanto, inferir questões relacionadas à linguagem e à
comunicação nas sociedades e entre as sociedades, assim como a variação linguística, a
discriminação linguística, o multilínguismo, o conflito linguístico, a política linguística e o
planejamento linguístico. Esses são os temas destacados nas visões contemporâneas da LA.
O trecho gafado refere-se às diretrizes nacionais, as quais defendem, assim como este
trabalho, a importância de contemplar no ensino/aprendizagem de LE, a pluralidade
linguística e cultural.
Entretanto, nas disciplinas de Estágio, nas quais procurei localizar de que modo o
ensino e a pluralidade linguístico-cultural do italiano estavam associados, não encontrei
nenhuma referência importante.
97
Pesquisa e Prática de Ensino I e II refere-se ao estágio em língua portuguesa, pois como já mencionado a
Licenciatura em LI na UFF é dupla, português e italiano.
Pluralidade linguístico-cultural do italiano| 122
Entendo que Santipolo (2001), ao mencionar o que ele denomina de ID, não busca
“criar” ou “inventar” uma nova língua senão alertar para o fato de que existe, como ele
mesmo assinala, um repertório linguístico amplo sob a escudo do italiano. O termo ID parece
traduzir, de certo modo, a pluralidade linguístico-cultural do italiano que deve ser retratada
nas salas de aula de línguas e jamais negligenciada. Segundo Balboni (1994 apud
SANTIPOLO, 2001), as vantagens de se adotar o ID são duas:
98
[...] pur conservando l'italiano neostandard come suo riferimento primario, dovrebbe tenere conto delle real
necessità ed esigenze dei discenti e dell'effettiva grammatica dell'uso che i nativi fanno della lingua. Quest'ultima
considerazione, necessariamente, conduce all'inclusione nel sillabo anche delle altre varietà diverse dallo
standard o dal neostandard, potendosi spingere addirittura ai dialetti, ove ciò sia ritenuto opportuno in base alle
caratteristiche e alle competenze del pubblico. L'etichetta di italiano didattico, lungi dall'avere un significato
riduttivo e, al contrario di come si potrebbe pensare a prima vista, dall'essere una semplificazione della lingua
oggetto dell'insegnamento, costituirebbe invece la migliore rappresentazione, dovutamente calibrata, del reale
repertorio linguistico degli italiani, inteso come la somma degli strumenti linguistici (o linguistic tools) a
disposizione degli italiani per comunicare. In altre parole, oggetto dell'insegnamento non sarebbe più la lingua,
per quanto intesa nel senso più ampio del termine, bensì il repertorio linguistico, con un significativo
ampliamento del raggio d'azione della didattica.
Pluralidade linguístico-cultural do italiano| 124
Vale ressaltar, contudo, que não defendo o ID, apresentado por Santipolo (2001) e
defendido por Balboni (1994), como uma língua nova que não existe, mas compreendo a sua
acepção como o primeiro passo, mas não o único, para que o aprendiz e todos aqueles
envolvidos no ensino/aprendizagem da LI tenham a “consciência da variação” e aprendam
que as línguas são permeadas por diferença e não são não, em hipótese alguma, algo estanque,
homogêneo e, principalmente, desprovido de cultura.
Desse modo, atentando para a ideia atribuída ao ID, o docente realizaria o seu
trabalho contemplando a heterogeneidade e a multiplicidade do italiano. Assim, o (re)
conhecimento dessa pluralidade, certamente, enriquecerá o aprendizado da língua-cultura alvo
escolhida pelo aluno, além de propiciar-lhe o ingresso a um mundo diferente da norma.
Nesse sentido, um importante artigo100 publicado recentemente por três professoras
de italiano da Universidade Federal do Paraná intitulado: Dialetos e língua padrão: a
educação linguística dos italianos em pátria e em contextos de imigração (1861-2015), cujo
propósito é apresentar a relação entre a língua italiana padrão e os dialetos da Itália na
educação linguística dos italianos aqui no Brasil e lá na Itália, corrobora o que foi dito até o
momento.
As autoras, Paula Freitas, Luciana Balthazar e Manoela Lunati, citam, inicialmente,
as ideias de Calvet (1996) sobre políticas linguísticas, uma vez que desejam enfatizar, assim
como fiz nas seções anteriores, o fato dos inúmeros dialetos conviverem com a língua oficial
da península italiana, mas serem negligenciados e, especialmente, marginalizados. À vista
disso, também reporto o comentário de Calvet (1996) sobre políticas linguísticas: [...] “são as
1.1. Vantaggi di natura educativo-formativa: si riferiscono alla maturazione prodotta nel discente, di qualsiasi
età, dalla possibilità di confrontarsi con una realtà estremamente variegata e proprio per questo motivo molto
stimolante. La riflessione metalinguistica e metacognitiva che può derivare, se ben guidata, dalla
conoscenza/consapevolezza di questa complessità rappresenta indiscutibilmente un arricchimento non solo di
natura prettamente linguistica, ma anche culturale, nel senso antropologico del termine, e quindi uno strumento
per una migliore comprensione della realtà oggetto di studio e il superamento di stereotipi spesso diffusi che la
riguardano 2. Vantaggi di natura istruttivo-pragrmatica: si riferiscono invece alla considerazione che una
conoscenza, seppure passiva, della complessità del repertorio linguistico d'Italia possa di fatto agevolare la
comunicazione, non solo di natura linguistica, ma anche a livello socio-culturale (SANTIPOLO, 2001, p. 3).
100
Disponível em: https://periodicos.ufsc.br/index.php/forum/article/view/1984-8412.2015v12n3p755, Acesso
em: 24 de outubro de 2015.
Pluralidade linguístico-cultural do italiano| 125
seis cenas de um filme italiano. Após apresentarem seus resultados, as duas pesquisadoras
concluíram que, diante da complexidade do quadro linguístico da Itália contemporânea,
Como o capítulo anterior, este também está dividido em cinco seções. Na primeira,
contextualizo a formação de professores no Brasil e discuto algumas proposições postuladas
por diferentes estudiosos sobre a formação docente, dentre elas, a de professores
interculturais. Por essa razão, desenvolvo o conceito de interculturalidade na seção seguinte,
retomando, a priori, o multiculturalismo, posto que esses dois termos são, às vezes,
concebidos como sinônimos. Na terceira seção, discuto o ensino a partir da perspectiva
intercultural, dada a temática deste trabalho. Na quarta, procedo à análise do corpus à luz da
interculturalidade a fim de avaliar se a perspectiva intercultural está presente nos cursos de
Licenciatura em LI cujo propósito é formar professores para atuarem em diferentes contextos
educacionais, dentre eles, o ensino básico. Por fim, exponho as minhas conclusões parciais
na quinta e última seção.
É importante ressaltar que a categoria de análise realizada neste capítulo é a
perspectiva intercultural, uma vez que a compreendo como ponto de partida para a formação
de futuros professores interculturais.
A lei das Escolas das primeiras Letras mencionada por Saviani (2009) foi
promulgada em 15 de outubro de 1827, data esta escolhida para comemorar o Dia Nacional
do Professor. A lei visava criar as Escolas de Primeiras Letras em todas as cidades, vilas e
lugares mais populosos do Império cujo ensino seria baseado no chamado método mútuo ou
sistema monitorial, também conhecido como o método Lancaster103, o qual era controlado por
uma disciplina severa e escolhido após seu sucesso em escolas europeias.
Já podemos constatar que os modelos de ensino no Brasil na época, eram importados
e copiados da Europa, sem considerar o contexto social dos educandos. Eis o provável motivo
pelo qual Leffa (1999, p.14) denuncia uma “violação da nossa identidade”, ao se referir ao
fato de que muitas vezes o povo brasileiro é criticado por repetir em território local o que é
feito em outros países do mundo.
Segundo o artigo 4º da referida lei, os professores deveriam estar preparados para
ensinar os conteúdos reputados importantes pelo Império. Conforme é possível verificar no
artigo 6º da Lei de 15 de outubro de 1827:
101
Jurista, escritor e educador brasileiro, (1900-1971).
102
Professor, educador e sociólogo brasileiro, (1894-1974).
103
Nesse método, o professor ensinava a lição a um grupo de meninos mais amadurecidos e inteligentes. Então,
todos os alunos, divididos em pequenos grupos, aprendiam a lição com o ajudante do mestre-escola. Um
professor-chefe poderia instruir muitas centenas de crianças. (EBY, 1978, p. 325).
104
Legislação Informatizada - Lei de 15 de Outubro de 1827 - Publicação Original. Disponível em:
<http://www2.camara.leg.br/legin/fed/lei_sn/1824-1899/lei-38398-15-outubro-1827-566692-publicacaooriginal-
90222-pl.html> Acesso em: 22/03/2015.
Formação de professores e interculturalidade| 130
105
A didática investiga as leis da aprendizagem, transformando-as em princípios didáticos comuns para o ensino
das disciplinas especificas, com a contribuição das demais ciências da educação e das próprias didáticas, além de
outros campos específicos (LIBÂNEO, 2013, p.75).
106
A proposta da Escola Nova determinava que todos os professores deveriam ter formação universitária.
Formação de professores e interculturalidade| 132
107
O Pibid foi criado pelo Decreto no 7.219, de 24 de junho de 2010.
108
O Acre desenvolveu um programa próprio de formação de professores – o Programa Especial de Formação de
Professores da Zona Rural (Profir) – que visa atuar, de modo dinâmico e atualizado, diretamente na formação
inicial de professores (GATTI, 2014, p. 42).
109
No Espírito Santo, o Programa Bolsa Estágio Formação Docente é destinado a estudantes de cursos de
licenciatura em estabelecimentos públicos estaduais de ensino. Foi instituído pelo Decreto no 2.563-R, de 11 de
agosto de 2010 (Governo do Estado do Espírito Santo, 2010). O programa tem o objetivo de “contribuir para a
formação profissional dos futuros professores, estreitando as relações entre teoria e prática, de modo a associar o
conhecimento do conteúdo com os conhecimentos didáticos e metodológicos necessários à educação básica”
(art. 3o) (GATTI, 2014, p. 42).
Formação de professores e interculturalidade| 134
futuros docentes”. Esta crítica também é discutida por diversos autores como Dewey (1958),
Schön (1992), Monteiro (2011), Pessoa (2011), Calvo e Freitas (2011), Pimenta (2002) e
outros.
Schön (1992), por exemplo, propõe eliminar uma formação docente nos moldes do
currículo normativo que apresenta primeiro a teoria e a ciência, depois sua aplicação e
finalmente o estágio onde os conhecimentos técnico-profissionais são postos em prática, o que
seria a repetição do mesmo paradigma de outrora. Para o autor, o profissional formado nesse
modelo não consegue dar respostas às situações que surgem no dia-a-dia. Schön recomenda
que essa formação supere, exatamente, a racionalidade técnica e propõe, então, a
racionalidade prática, a qual deve contemplar três modalidades de reflexão: reflexão na ação,
reflexão sobre a ação e a reflexão sobre a reflexão na ação.
Nesse sentido, para Schön a prática é extremamente importante, mas não qualquer
prática senão uma refletida, que possibilite aos futuros professores responder às situações
incertas que surgem em sala de aula. Ainda, os currículos de formação docente deveriam
estimular o educando a desenvolver sua capacidade crítica de refletir sobre a prática. Daí a
premência de a prática estar presente desde o início da formação, e não apenas ao final nas
disciplinas de estágio.
As ideias de Schön foram, todavia, alvos de críticas, uma vez que o referido
estudioso dá muita ênfase à prática em detrimento da teoria. Essas críticas motivaram
inúmeros estudos sobre a formação de professores, dentre eles, o de Pimenta (2002), para
quem as propostas de Schön estão centradas no individualismo. Considero importante
destacar duas propostas adicionais, de Pimenta, relativas à formação docente:
Pessoa (2011), por sua vez, vem desenvolvendo pesquisas sobre o que chama de
“formação crítica de professores de LE”. Para ela, as relações sociais que privilegiam uma
pessoa em detrimentos de outras são reproduzidas justamente no contexto educacional e nos
alerta: os cursos de formação de professores de línguas ainda estão pautados em treinamento
de técnicas e fundamentadas em um método ou, pior, em um livro didático que, em muitos
casos é visto como o referencial da sabedoria. Eis a razão que leva a estudiosa a rememorar
Formação de professores e interculturalidade| 135
Fica evidente, pois, que o papel dos professores de línguas, deve ser o de trabalhar
com os seus alunos objetivando descontruir a linguagem, os textos e os discursos, para que
todos sejam capazes de identificar os interesses a que esses discursos estão servindo. Somente
um professor crítico é capaz de tornar essas desconstruções possíveis e ajudar os alunos
também a desfazerem essas “verdades absolutas”.
Nas novas Diretrizes Curriculares Nacionais para a Formação Inicial e Continuada
em Nível Superior de Profissionais do Magistério para a Educação Básica promulgadas em
2015, constato uma definição mais ampla sobre a responsabilidade da formação docente.
Segundas essas diretrizes, o (a) professor (a) egresso (a) dos cursos de formação inicial em
nível superior deverá estar apto (a) a:
Ora, essas pautas já confirmam uma nova visão sobre a formação profissional
docente, que contempla os mais variados saberes, já não hierarquicamente apresentados senão
de forma complementar e interligada. Existe uma preocupação, seja com os conteúdos
pedagógicos, seja com as questões e problemas socioculturais, tais como, a exclusão social e
econômica, a diversidade sexual, étnica e cultural, etc. Donde, essas recentes diretrizes
mostram consonância com as teorias pós-críticas de currículo, uma vez que contemplam a
construção de uma sociedade igualitária, a superação da exclusão social e a conscientização
da diversidade e das diferenças. Patenteia-se, dessa forma, a preocupação com uma sociedade,
naturalmente multicultural.
Nas inúmeras propostas formuladas por vários estudiosos de diferentes áreas do
conhecimento, encontra-se essa mesma linha de pensamento sobre a condução mais adequada
do ensino/aprendizagem contemporâneos e configuração da formação docente. Dentre eles
estão, Santos (2001), Mendes (2004, 2007, 2008), Fleuri (2005), Siqueira (2008), Aguado
(2008), Paraquett (2010), Candau (2012), Matos (2014) e Scheyerl (2012).
Vera Candau (2012), professora da Universidade Católica do Rio de Janeiro e
responsável por diferentes projetos socioeducativos em nosso país e na América Latina,
propõe, por exemplo, um ensino pautado no que ela chama de “Didática Crítica e
Intercultural”, a qual embora esteja ainda em construção, segundo a própria autora, se
constitui em uma perspectiva:
minorias. Dentro da LA, tanto essa autora como muitos outros apontam a interculturalidade
como ponto central para o ensino de LE, haja vista que uma visão intercultural, “[..] poderá
oportunizar uma melhor compreensão das diferenças [...]”, dentre outros aspectos, “[...] e
garantir uma formação cidadã para que o aprendiz interaja com sucesso na comunicação da
LE e, principalmente, com responsabilidade social” (SCHEYERL et al, 2014, p. 147).
Em outros termos, o docente que atualmente se propõe ensinar línguas deve ser
capacitado para desenvolver um trabalho não mais limitado à transmissão de conteúdos a
serem assimilados e memorizados. Por isso, o professor de línguas não deve ser um
acumulador de conteúdos em sala de aula, mas sim um profissional engajado dialogicamente
com seus alunos sobre questões sociais, capaz de prepará-los para atuar na sociedade de modo
crítico e consciente. Ademais, o professor precisa conhecer as teorias referentes à sua área de
atuação, mas especialmente, se transformar em um profissional crítico, reflexivo e capaz de
trabalhar em sala de aula com importantes questões sociais.
A respeito dessa transformação, Mendes (2007) lembra que o magistério em geral e
particularmente o ensino de LE somente será possível se repensarmos a formação dos
professores para que estes possam, de fato, atuar em diferentes espaços educacionais e
desconstruir os discursos marginalizantes, estigmatizantes, discriminatórios e hierarquizantes
de todo e qualquer ser humano. Trocando em miúdos: as novas práticas só serão concretizadas
depois que a formação de professores sob um uma perspectiva intercultural virar realidade.
Essa discussão inicial sobre os paradigmas educacionais me leva a discutir na
próxima seção o conceito seminal de interculturalidade e a concatená-lo, nas seções
posteriores, com o ensino de línguas e a formação docente.
Por essa razão, iniciei esta seção com uma pergunta a fim de construir ao longo desta
escrita a compreensão do que é interculturalidade e, por conseguinte, informar com qual
acepção este estudo coaduna. Pois, apesar de ser um termo na atualidade bastante difundido,
ainda não há um consenso quanto à sua definição. Isso, certamente ocorre por
razões que eu não tenho como enumerá-las. Mas, possivelmente, porque não existe
um entendimento sobre o que é, de fato, cultura, mas, sobretudo, porque a interculturalidade
vem sendo, equivocadamente, concebida, por alguns estudiosos, como sinônimo de
multiculturalismo.
No início do capítulo anterior, apresentei algumas definições sobre cultura como
ponto de partida. O conceito de cultura precisa ser bem compreendido antes de falarmos em
multiculturalismo ou interculturalidade. Pensar em cultura não pode trazer à mente apenas as
imagens tão batidas de festas tradicionais, pratos típicos ou a indumentária de um povo.
Tampouco homogeneizá-la de modo que seja possível falar em ‘cultura brasileira’, ‘cultura
italiana’ ou cultura suíça. Cultura, na acepção antropológica do termo, com a qual este
trabalho compartilha, é dinâmica, não homogênea e, especialmente, plural, Ainda que existam
raízes históricas e aspectos comuns dentro de uma nação, compartilhados e transmitidos por
seus membros, cada individuo é um sujeito-cultural e portador de uma cosmovisão particular,
a qual é influenciada e configurada por sua própria recepção às culturas (no plural) mais
próximas, sejam estas do seu país de origem ou de outro.
Guardadas as divergências sobre cultura, a partir do entendimento exposto acima,
fica mais fácil compreender que vivemos em uma sociedade onde convergem diferentes
culturas que partilham o mesmo espaço e o território. Sobre isso, Forquin (2000) esclarece
que existem duas abordagens de multiculturalismo que refletem a forma como essas
diferentes culturas são percebidas e, sobretudo, relacionadas. A primeira é descritiva, parte do
multiculturalismo como um dado real, visto que há muito tempo vivemos em sociedades
multiculturais. Já a segunda é prescritiva, pois compreende que o multiculturalismo é, na
verdade, uma maneira de atuarmos e de intervirmos na dinâmica social.
De acordo com a lógica descritiva, por exemplo, o multiculturalismo apenas
reconhece as diferenças, deixando cada uma no seu lugar, para que se estabeleça, sobretudo,
uma suposta “convivência pacífica”, sem que a ordem vigente seja questionada. Como
exemplos desse modelo multiculturalista, Paraquett (2010) menciona a cidade de Nova York,
nos Estados Unidos e, particularmente, a cidade de São Paulo. A autora expõe, inclusive, o
seu temor diante do fato da maior cidade da América Latina e do nosso país estar copiando
esse “modelo de ‘convivência’, onde se escuta um discurso de integração que mascara a real
Formação de professores e interculturalidade| 139
des-integração dos grupos migratórios que para lá acorrem, sejam eles nacionais ou
estrangeiros” (PARAQUETT, 2010, p. 145). Acredito que esse modelo segregacionista está
igualmente presente em outras cidades, basta olharmos ao redor. Além do mais, essa des-
integração da qual fala a autora não se limita apenas aos grupos migratórios.
Para Candau (2008), existem três feições fundamentais do multiculturalismo que
precisam ser compreendidas, pois todas descrevem e prescrevem um modo de reconhecer e
atuar sobre as diferenças. A primeira, o multiculturalismo assimilacionista, constata e
descreve que vivemos em uma sociedade multicultural composta por diferentes grupos
socioculturais que não possuem os mesmos direitos e as mesmas oportunidades. Logo
prescreve a integração de todos, inclusive a dos grupos tradicionalmente marginalizados,
contanto que incorporem às práticas sociais dos grupos hegemônicos para, de algum modo,
poderem se integrarem à sociedade. O resultado final, na verdade, nada mais é do que um
processo de assimilação.
Ainda segundo Candau, esse tipo de multiculturalismo promove a universalização da
escolarização para todos os integrados mais não se propõe a debater o caráter monocultural
presente tanto nos currículos como nas relações sociais. Para a autora, são justamente
posições como essas que deslegitimam os valores diferentes, as diversas crenças, bem como
os “dialetos”.
A segunda abordagem é a do multiculturalismo diferencialista que silencia ou apaga
a cultura do outro, pois, ao ser assimilado pela cultura hegemônica, o indivíduo acaba
anulando e, consequentemente, negando sua própria cultura. Vê-se a construção de sociedades
e comunidades, aparentemente homogêneas, o que, na prática, favorece a criação de
verdadeiros apartheides socioculturais.
Esses dois tipos de multiculturalismo são, com certeza, extremamente devastadores.
Afinal, aqueles, que são coagidos a assimilar e a incorporar as práticas sociais vigentes e
dominantes, pertencem às classes sociais minoritarizadas e marginalizadas (negros,
imigrantes, mulheres, homossexuais). Ao ser obrigado a assimilar as práticas majoritárias, o
sujeito perde o direito de ser como ele é, de expressar sua identidade cultural, memória,
língua-cultura e universo cultural.
Acredito que essas duas feições estejam relacionadas à globalização contemporânea,
pois, segundo Hall (2003), uma de suas tendências é, exatamente, a homogeneização.
Contudo, compreendo que não é possível na contemporaneidade tecer construções sociais nas
quais todos devam ser iguais, pois, promover a padronização e a homogeneização ou ainda a
‘pasteurização’, como prefere Macedo (2013, p. 62), é, a princípio, negar que somos
Formação de professores e interculturalidade| 140
110
Nos Estados Unidos, um país reconhecidamente cenário de intensas migrações, as questões relacionadas às
diferenças entre culturas que habitam o mesmo espaço geográfico são recorrentes. Lá, de acordo com Antolínez
(2011), aconteceram diversos movimentos multiculturais, tais como a criação da Service Bureau for Intercultural
Education em 1934, cujos objetivos era reduzir os preconceitos em relação aos grupos marginalizados, e a
promulgação da lei que proíbe a discriminação de raça, cor, idade, credo ou origem social, etc.
111
Esses autores falam do multiculturalismo na realidade estadunidense.
Formação de professores e interculturalidade| 141
É possível perceber nessa análise de Candau (2012) uma aproximação existente entre
o multiculturalismo crítico e a interculturalidade crítica. Entretanto, a opção por essa última
está no fato de que o prefixo “inter” evidencia um processo concentrado na troca, na
reciprocidade e no respeito entre os diferentes grupos socioculturais. Ou seja, o desafio é
defender, do mesmo modo, a justiça social, dando voz àqueles que por muito tempo foram
silenciados e cuja alteridade (o pobre, o indígena, o negro, o imigrante, o estrangeiro etc.),
sempre foi rejeitada e, concomitantemente, construir para todos um espaço interativo,
integrado e dialógico. Isso quer dizer que se estivermos, de fato, empenhados a promover a
interculturalidade, conforme esclarece Paraquett (2010, p.145), devemos “juntar todos em um
112
O termo multiculturalismo está mais associado às produções acadêmicas do mundo anglo-saxão, enquanto, a
interculturalidade está mais presente nas discussões dos países europeus, onde seu conceito ganhou peso, e na
América Latina, onde teve o seu conceito definido pela primeira vez quando aplicado à questão educativa
indígena.
113
Nesse trabalho não é utilizado o adjetivo crítico porque entendo que a interculturalidade é crítica por si
mesma. Logo não é necessário adjetivá-la.
Formação de professores e interculturalidade| 142
Não podemos esquecer que vivemos atualmente em uma sociedade onde a tecnologia
permite a comunicação em tempo real entre pessoas nos quatro cantos do mundo. É
importante que o diálogo entre as culturas distintas se fundamente no respeito mútuo e no
entendimento de que nenhuma cultura é qualitativamente superior à outra. O relativismo
cultural que se promove significa entender que não existe um modelo único e ideal de cultura
e que as diversas culturas são naturalmente ricas, cada uma a sua maneira. Portanto, na
perspectiva intercultural, as culturas não são compreendidas como couraças impermeáveis ao
crescimento e nem como santuários intocáveis, mas como pontos de partida para o contato
aberto e dialógico com as ricas variedades e diversidades tanto dos modelos humanos
existentes como dos possíveis e imagináveis. Como é referido no Quadro Europeu Comum de
Referência: “o conhecimento, a consciência e a compreensão da relação (semelhanças e
diferenças distintivas) entre ‘o mundo de onde se vem’ e ‘o mundo da comunidade alvo’
produzem uma tomada de consciência intercultural” (QECR, 2001, p.150). E essa tomada de
consciência, ao meu ver, é o primeiro passo para que assumamos uma postura intercultural.
Enfim, enquanto o multiculturalismo é visto, a priori, como um fato visível, a
interculturalidade não existe, ela precisa ser inventada, ela precisa começar em nós, nas
nossas atitudes diárias, nas nossas posições diante dos outros. Nesse aspecto, a
interculturalidade pode ser resumida como:
suscitando, desse modo, a equivocada ideia de que um bom falante de língua estrangeira é
aquele que pronuncia as palavras tal como um “nativo”.
O fato é que na história do ensino de línguas, sempre existiu a crença114 de que há
um método que será a solução para todos os problemas. Um método capaz de fornecer todos
os subsídios necessários para deslanchar a aprendizagem. Entretanto, como professores de
línguas, temos que fazer as nossas escolhas. Isto é, podemos seguir ensinando, colocando a
velha ênfase em fenômenos linguísticos, na estrutura da língua e preocupando-nos com a tal
pronúncia “correta” ou “perfeita”. A outra alternativa é atuarmos em consonância com
perspectivas que concebam o ensino, em qualquer âmbito, principalmente o de línguas, como
uma tarefa política que reflete o contexto sócio-econômico-cultural onde todos os
participantes do processo educativo estão situados.
Assim, existe atualmente um pensamento consensual (PARAQUETT, 2007,
CELANI, 2005, SERRANI, 2005; MENDES, 2004, MOTA, 2006, SIQUEIRA, 2008,
SCHEYERL , 2009, PESSOA, 2011 e LANDULFO, 2012) de que ensinar/aprender uma
língua, seja materna, LE ou L2, não pode e não deve limitar-se somente ao aprendizado do
seu sistema linguístico, mas antes precisa ser visto como uma oportunidade de conhecer
diferentes cosmovisões e de refletir sobre elas. Logo, diante da ordem social repleta de
contrastes, é também consenso que a formação cidadã do aprendiz deve ser um dos propósitos
do atual ensino de línguas. Afinal, esse não pode ficar imune ao seu papel social. Assim,
como bem lembra Leffa (2012):
Isso significa que passou da hora de trazermos o mundo real para dentro das salas de
aula, afinal, é justamente na sociedade onde o aprendiz de línguas atuará. As próprias
Orientações Curriculares para o Ensino Médio (OCEM) também refletem essa nova visão do
ensino/aprendizagem de uma LE, conforme é possível verificar no trecho abaixo:
114
Concebo as crenças como um componente do nosso viver ou da nossa cultura de viver. Elas são alimentadas
por nossas experiências, pelo convívio com os familiares e com diferentes pessoas em diversos contextos. No
processo de ensino/aprendizagem de línguas, as crenças fazem parte da nossa cultura de aprender, influenciando
o nosso comportamento, as nossas atitudes e sugerindo as nossas ações, seja como aprendiz, como professor, ou
como outro agente que faça parte direta ou indiretamente do processo de ensino/aprendizagem, tais como a
família, os autores de material didático, os diretores de escolas de idiomas, formadores de professores, entre
outros ( LANDULFO, 2012, p.72).
Formação de professores e interculturalidade| 146
Assim, certa de que esse é muito mais do que apenas a escolha de um material
didático elaborado por grandes editoras ou a opção por um método “ideal”, Mendes (2004,
2007, 2008) repensa o processo de ensino/aprendizagem de línguas e propõe um ensino a
partir de uma abordagem que ela denominou intercultural (AI) e resume assim:
Essas palavras sinalizam para o professor que, para atuar a partir de uma perspectiva
intercultural, ele precisa compreender, sobretudo, que as sociedades são heterogêneas e cada
pessoa possui suas próprias características, seu próprio modo de ver o mundo e a sua própria
cultura. Logo, cada sujeito, como já foi dito anteriormente, é um ser cultural. Além disso, é
possível observar na definição da autora, que língua e cultura não são separadas, pois “[...]
tudo o que fazemos quando interagimos com o mundo através da linguagem é um modo de
produzir cultura” (MENDES, 2012, p. 375).
Sobre língua e cultura, Figueiredo (2009) esclarece que:
115
O enfoque intercultural na formação dos professores: Dilemas e propostas.
Formação de professores e interculturalidade| 151
Desse modo, o professor, cuja formação será “pautada pela concepção de educação
como processo emancipatório e permanente” (BRASIL, 2015, p. 6), deverá, dentre outros
aspectos, conforme já mencionado neste capítulo, estar apto para “atuar com ética e
compromisso com vistas à construção de uma sociedade justa, equânime, igualitária”,
identificando questões de problemas socioculturais e demonstrando a consciência da
diversidade.
Diante disso, com o objetivo de avaliar se a perspectiva intercultural está presente
nos cursos de Licenciatura em LI selecionados para esta investigação, procedo à análise dos
dados, à luz do referencial teórico e metodológico já apresentado. Contudo, é importante
destacar que, assim como fiz na análise anterior, as disciplinas foram agrupadas de acordo
com os seus títulos, descrições das ementas e, conforme, os seus objetivos. Desse modo, a
análise foi realizada seguindo tanto os critérios de agrupamento das disciplinas como uma
ordem pré-estabelecida, como é possível verifica na tabela a seguir:
A escolha das subcategorias acima mencionadas foi feita após a leitura do corpus a
fim de organizar sua análise. Desse modo, como já explicado, chamei de “disciplinas da
aprendizagem básica do italiano”, todas aquelas de caráter obrigatório voltadas para o
desenvolvimento das quatro habilidades linguísticas – ouvir, falar, ler e escrever –, em língua
italiana, além das disciplinas, obrigatórias ou optativas que visam desenvolver apenas uma
dessas habilidades.
As disciplinas incluídas na subcategoria “disciplinas de cultura” são assim
denominadas porque seus títulos contêm o termo “cultura”. O mesmo critério foi seguido
para o agrupamento das disciplinas de literatura.
116
É importante informar que os nomes das disciplinas variam de um curso para o outro e que nem todos os
cursos possuem todas as disciplinas elencadas. Além disso, por uma questão de escopo e limite, não serão
apresentadas as descrições de todas as ementas e objetivos das disciplinas, mas, apenas, aquelas que considerei
relevantes para esta análise.
Formação de professores e interculturalidade| 152
Todavia, agrupei como disciplinas de Linguística Aplicada, não só aquelas que assim
já se intitulam, mas também, as que possuem em seus títulos referência ao material didático,
ao ensino/aprendizagem da LI, bem como à metodologia do ensino do italiano e estágio. Feita
essa premissa, apresento minha análise.
Como visto, infere-se a partir desse fragmento, que estas disciplinas de LI da UFBA
visam preparar o aprendiz e futuro professor de italiano, para se comunicar na língua. Na
descrição dos conteúdos programáticos, enfatizam-se os chamados “atos linguísticos
universais” tais como as apresentações pessoais, pedidos de licença, recusa de convites, etc.,
como é possível verificar nos fragmentos a seguir:
117
O curso de Licenciatura em LI da UFBA oferta apenas três disciplinas específicas para o estudo do idioma
italiano.
Formação de professores e interculturalidade| 153
118
Na UFES, existem quatro disciplinas específicas de LI. A partir do quinto semestre essas disciplinas passam a
enfocar um conhecimento específico, a saber: sintaxe, morfossintaxe, níveis e registros, tradução, fonética e
fonologia, verbo e estudos gramaticais.
Formação de professores e interculturalidade| 155
Todavia, na disciplina de “Língua Italiana III” compreendo que o item “O aluno, seu
mundo e a sociedade italiana” poderá estimular o diálogo entre a língua-cultura alvo e a
língua-cultura do aluno. Isto é, o mundo do aluno parece ser reconhecido como um fator
119
Na UFF existem nove disciplinas específicas de LI.
120
O curso de Graduação em Letras com Licenciatura em LI da UFF é, também, uma habilitação dupla:
Português-italiano.
121
A data referente às descrições das disciplinas da UFF corresponde ao Regulamento dos Cursos de Graduação
da Universidade Federal Fluminense – UFF, aprovado em 14 de janeiro de 2015, disponível em:
http://www.uff.br/sites/default/files/001-2015_regulamento_do_curso_de_graduacao_0.pdf, Acesso em:
23/04/2016. Datas específicas não constam nem do cabeçalho das grades curriculares e nem dos títulos das
ementas.
Formação de professores e interculturalidade| 156
122
Na USP, existem sete disciplinas de LI e foram, aqui, apresentadas aquelas que após a análise se mostraram
relevantes.
Formação de professores e interculturalidade| 157
A grande diferença entre essa descrição e as demais vistas até o momento está na
formulação sobre língua não como uma sequência de palavras ou frases e, sim, como
discurso. Isso corrobora Walesko (2006) que vê língua como algo indissociável da cultura, um
produto histórico-social, variável no tempo, no espaço e nas diferentes classes sociais
constitutivas dos indivíduos e por eles constituídas. Ademais, desde o início do curso é
notória a preocupação em associar o ensino/aprendizagem da LE à formação do professor de
línguas, ou melhor, do futuro professor de italiano.
Na UFSC123 também posso inferir que existe uma aproximação com a perspectiva
intercultural, uma vez que aparece uma preocupação em aproximar o ensino da língua à vida
cotidiana do aluno, como é possível verificar na disciplina “Língua Italiana II”:
123
Na UFSC, também existem sete disciplinas específicas de LI.
124
O curso de Licenciatura em LI da UFSC não é uma licenciatura dupla.
125
A data das ementas do curso de Licenciatura em LI da UFSC corresponde a data da Resolução Nº
12/CEG/2011, de 17 de agosto de 2011, conforme o projeto pedagógico do curso do curso Letras de Letras -
italiano dessa instituição, o qual se encontra em anexo.
126
Na UFC, existem oito disciplinas específicas de italiano: língua e cultura.
Formação de professores e interculturalidade| 158
Nas descrições da UFC fica explícita a importância dos aspectos culturais e das
relações interculturais como dimensões integrantes do processo de aprendizagem. A frase
“sensibilizando o aluno para os aspectos socioculturais e interculturais das comunidades
falantes desta língua” leva-me a pontuar alguns aspectos que considero importantes, como o
desejo de sensibilizar o aluno, nesse caso, o professor em formação e torná-lo capaz de
perceber que a língua é um instrumento de comunicação e interação social que não pode ser
desvinculado dos diversos e diferentes contextos socioculturais. Nesse caso específico, não
pode ser dissociada das comunidades falantes da LI e tampouco dos contextos onde estão
situados os aprendizes, já que língua não é só gramática e nem um sistema abstrato
desvinculado do mundo real. Língua é cultura.
Geralmente, nas disciplinas que visam desenvolver uma habilidade específica, não
encontrei relação explícita com a perspectiva intercultural, conforme pode ser visto nas
disciplinas “Leitura de Texto em LI” e “Redação e Conversação em Língua Italiana” da
UFBA cujas ementas são descritas abaixo:
127
O curso da UFC se trata de uma habilitação em língua portuguesa e língua italiana e respectivas literaturas.
128
A data referente às descrições das ementas do curso de Licenciatura em LI da UFC corresponde à data do
projeto pedagógico revisado em maio de 2007. Esse projeto é descrito nos anexos deste trabalho.
Formação de professores e interculturalidade| 159
Como visto acima, esta disciplina da UFC, apesar de expor o caráter cultural como
um fator relevante para a compreensão de textos em LI, também traz a pragmática 129, o que
sugere que a língua será vista em contexto de uso. Contudo, uma vez que os objetivos e os
conteúdos não foram encontrados, não tenho como saber apenas a partir desta descrição se
“cultura” será apresentada aos aprendizes de maneira estereotipada ou superficial. Ainda devo
destacar a seguinte expressão muito usada na abordagem comunicativa – “Material autêntico”
–, pois isso me leva a fazer as seguintes indagações: autêntico para quem? Para qual país?
Para qual cultura? Entendo que há muito tempo o uso desse termo está muito presente no
processo de ensino/aprendizagem. Todavia, ele é contraditório, pois me parece autênticos os
textos que não integram o livro didático. Então, qual seria a função do material didático de
línguas? Aprender com textos não autênticos? Aprender a gramática da língua? Entendo que
todo texto escrito na língua-alvo deve ser entendido como autêntico, mas apenas uns têm
função didática e outros não. Logo, todo e qualquer matéria escrito ou oral, de um livro ou da
internet, usado com o objetivo de ensinar, torna-se um material didático. Talvez seja a hora de
repensarmos essa famigerada “autenticidade”. Feitas essas reflexão, sigo para a próxima
subcategoria.
129
A pragmática é um campo da linguística muito amplo. Em síntese, ela examina como a língua é usada em
diferentes contextos de atuação. Atualmente, já se fala em Pragmática Intercultural, a qual, segundo Sérgio
Matos (2003, p397), “desenvolveu-se a partir dos anos 1980, em reação a um universalismo e consequente
etnocentrismo implícitos em trabalhos clássicos de pragmática”. Nessa se verifica, portanto, a ênfase cultural.
Formação de professores e interculturalidade| 161
Na disciplina da UFC, pude constatar, ainda que em grau menor, que serão abordados
os aspectos culturais das diferentes comunidades falantes de LI. Entendo com isso, uma
abertura a outras culturas, conforme se vê a seguir:
Formação de professores e interculturalidade| 162
que considero relevantes para o foco desta categoria, a fim de verificar o que essas sugerem.
Inicio, portanto, pela disciplina de “Laboratório de Práticas Culturais: Currículo do Ensino de
Língua Estrangeira” que me incitou a fazer algumas reflexões:
Na descrição acima, apesar da relação simplista de cultura com festas, vejo como
positiva a inserção dos alunos em práticas culturais locais, pois, isso demostra uma abertura
para a perspectiva intercultural, já que existem o reconhecimento de outras cultura e a
promoção do diálogo intercultural. Diante disso, trago para a reflexão, novamente, as palavras
de Walsh (2005, p.11) sobre um dos aspectos a ser considerados quando falamos em
interculturalidade: “Um processo dinâmico e permanente de relação, comunicação e
aprendizagem entre culturas em condições de respeito, legitimidade mútua, simetria e
igualdade”.
A disciplina intitulada “Laboratório de Práticas Culturais: Documentos: Parâmetros
Curriculares Nacionais (LE)” revela uma clara perspectiva intercultural. Talvez isso ocorra
porque a disciplina se alicerça nos PCN (1998), como é possível verificar a seguir:
Como visto, ao contrário das outras, existe a ênfase na tradição cultural letrada
definida pelo próprio título da disciplina. No entanto, tendo em vista que a instituição oferta
as três disciplinas, vejo como muito positiva essa outra perspectiva, já que os diferentes
campos precisam ser conhecidos. Nesse caso específico, entendo que é preciso conhecer a
tradição, ainda que seja para transgredi-la.
Por fim, apresento outra disciplina de “práticas culturais” porque o seu título contem
o termo interculturalidade – “Laboratório de Práticas Culturais: Abordagens Intersemióticas e
Interculturais do Texto Literário” – o que me levou a pensar que as questões defendidas pela
interculturalidade seriam tematizadas. Entretanto, trata-se de tradução intersemiótica, a qual
consiste na tradução de uma coisa de um meio para outro, ou seja, “a intersemiose entre
música e poesia, e a intersemiose entre a música e os movimentos corporais, na dança”
(MARTINEZ, 2016130), como se vê na descrição abaixo:
130
Artigo disponível em https://bibliotecadomusico.files.wordpress.com/2008/10/composicao-intersemiose-e-
representacao.pdf, Acesso em: 26 de abril de 2016.
Formação de professores e interculturalidade| 168
É bem verdade que a LA durante muito tempo esteve vinculada apenas aos métodos
de ensino de línguas. No entanto, ela atualmente se configura como uma ciência social
híbrida, mestiça indisciplinar, interdisciplinar e transdisciplinar (MOITA LOPES, 2006), uma
vez que seus estudos, ancorados em várias outras ciências de contato tais como a psicologia,
sociologia, linguística (incluindo-se a análise do discurso), a pedagogia, estatística e
antropologia, voltaram-se para questões referentes à linguagem, como os problemas
enfrentados pelos participantes do discurso no contexto social dentro ou fora do ambiente de
ensino/aprendizagem.
Essa percepção parece ser compartilhada pela disciplina obrigatória de LA da UFF,
ainda que em seu título esteja sublinhada a relação reducionista entre essa ciência e o ensino
específico da LI:
Nas descrições acima, percebo que um dos papeis do professor é o de aprender a ter
uma nova percepção e atitude pedagógica com relação ao material didático existente.
Contudo, na descrição da disciplina da UFES, não posso deixar de comentar as seguintes
frases: “tratamento da gramática normativa” e “Elaboração de material didático alternativo”.
A primeira me leva a refletir que as análises do material didático devem acontecer
especialmente para que os futuros professores possam compreender que “nenhum
conhecimento, nenhuma língua e nenhuma pedagogia é neutra ou apolítica” (PENNYCOOK,
1994, p.301) e que, por essa razão, é extremamente necessário que o professor tenha “clareza
política sobre quais interesses ele está servindo a partir de suas ações diárias” (STURM, 2008,
p. 343). Com a segunda, entendo que o material didático principal é aquele elaborado por
editoras que desconhecem totalmente os mais diversos contextos educacionais, cabendo aos
alunos elaborar um alternativo.
Desse modo, por entender que a UFC demostra uma percepção distinta, reporto o
que diz a descrição da sua disciplina: “elaboração e aplicação de materiais pedagógicos
visando à adequação, às necessidades e aos interesses dos aprendizes”. Isso me leva a
recordar os chamados “materiais de dentro”, defendidos por Scheyerl (2012, p.49), uma vez
que estes têm, exatamente, o propósito de contemplar os contextos socioculturais onde se
encontram os participantes do ensino/aprendizagem, promover o diálogo entre diversas
culturas e atentar para o fato de que cada aluno é um sujeito cultural, daí a possuir
necessidades diversas.
No caso do ensino da LI no Brasil, conforme elucida Torquato (2014), a LI tem
valores simbólicos variados em diferentes realidades brasileiras, visto que para alguns é
língua de afeto, para outros, língua vinculada ao trabalho “[...] ou pior, vinculada à exploração
do corpo e o espírito, na atroz preservação de uma relação colonialista, a exemplo do que
ocorre do chamado ´turismo sexual´” (TORQUATO, 2014, p.84). O curso que leva o futuro
professor de línguas a reconhecer que existem as mais variadas necessidades e realidades,
Formação de professores e interculturalidade| 171
Como se vê, os objetivos não são apenas apresentar os diferentes métodos e/ou
abordagens propostos para o ensino de línguas, mas, principalmente, fazer com que os alunos
reflitam sobre as diferentes concepções de língua existentes. Isso me leva a entender, que será
apresentada a visão de língua como cultura defendida pela perspectiva intercultural.
Ademais, o professor em formação deverá elaborar currículos, o que, de certo modo, fará com
que ele reflita porque alguns conteúdos são historicamente privilegiados e outros não.
Na disciplina de “Metodologia do Ensino do Italiano II”, entendo que a perspectiva
intercultural está presente a partir do momento que existe a preocupação tanto com os
aspectos socioculturais quanto com a inclusão de aprendizes portadores de de necessidades
especiais. Ou seja, busca-se juntar todos e dar-lhes as mesmas oportunidades.
Na disciplina de “Metodologia do Ensino do Italiano” da UFSC, é possível inferir
que temas centrados na interculturalidade poderão ser discutidos no decorrer desta disciplina,
a saber:
O papel da Metodologia de Ensino na formação de professores. Abordagens
de ensino de línguas estrangeiras. Diretrizes curriculares para o ensino de
línguas estrangeiras. Práticas de ensino comunicativo. Teorias e práticas
para o desenvolvimento das habilidades linguísticas e da gramática. Estudo,
análise e produção de atividades para a aprendizagem de Língua Estrangeira
- Italiano e para a avaliação do desempenho. Planejamento de curso, de
unidade e de aulas para a Educação Básica (METODOLOGIA DO ENSINO
DO ITALIANO, UFSC, 2011).
O trecho grifado refere-se às diretrizes nacionais que defendem, assim como este
trabalho, um dos objetivos do ensino de LE no Brasil: a necessidade de “conhecer os aspectos
socioculturais de outros povos e nações e de se posicionar contra qualquer discriminação
baseada em diferenças culturais, de classe social, de crenças, de sexo, de etnia ou outras
características individuais e sociais”.
Por último, foi a vez das ‘Disciplinas de Estágio’, as quais estão dentro da
subcategoria de Linguística Aplicada. Nas da UFBA, encontrei a menção às questões
interculturais, levando-me a entender que os temas defendidos por essa perspectiva serão
debatidos, como é possível verificar nos fragmentos a seguir:
131
“Pesquisa e Prática de Ensino I e II” se referem ao estágio em língua portuguesa, pois como já mencionado a
Licenciatura em LI na UFF é português/italiano.
Formação de professores e interculturalidade| 174
Sobre essa disciplina não encontrei nada a mais do que esta descrição que me
possibilita inferir que a perspectiva intercultural não é contemplada, pois, a interculturalidade
que este trabalho defende, dentre outros aspectos, busca mover de lugares posições
subalternizadas. Quero ressaltar novamente a expressão “italiano vulgar”, já que, compreendo
Formação de professores e interculturalidade| 175
que o seu uso na atualidade expressa uma visão da cultura dominante, estigmatizando a
diversidade de falares de grande parte do povo do Império Romano.
Ora, se a perspectiva intercultural busca, dentre outros aspectos, questionar a ordem
vigente que privilegia uns e exclui outros, como podemos continuar a reproduzir discursos,
expressões e vocábulos que tanto marginalizam? Uma das funções da perspectiva intercultural
é exatamente descontruir nos ambientes educacionais os discursos discriminatórios, ainda que
estes sejam tradicionais e convencionais. Esse termo, em particular, é considerado pejorativo
e marginal e, continuar a empregá-lo, significa legitimar que o que é do povo não tem valor e
é, portanto, vulgar. Dessa forma, continua-se a reproduzir discursos hegemônicos.
Na descrição da disciplina da USP, apesar de também ter encontrado referência ao
“vulgar”, a palavra é aspeada, o que me leva a interpretar que tal ênfase visa a questionar,
exatamente, essa tradição. Ademais, como é possível verificar nos fragmentos extraídos da
ementa apresentada a seguir, existe uma referência a outros países de literatura italiana, ou
seja, de certo modo, há a possibilidade do diálogo entre culturas, uma das dimensões
propostas pela perspectiva intercultural:
O contato com a diferença e com a alteridade pode ser desencadeado pelo estudo do
texto literário “estrangeiro”. Aliás, segundo, KoK – Escalle (1998), foi por meio da literatura
que a cultura passou a fazer parte do ensino de línguas, por volta do século XIX e XX.
Todavia, as descrições das disciplinas acima falam apenas em textos significativos e
representativos, o que me leva a entender que serão estudados apenas os textos canônicos, os
que sempre foram tidos como referências culturais. Isso tira do aluno a oportunidade de
conhecer os outros mundos, as outras culturas, as outras histórias e as outras verdades. É
sempre bom ter em mente que uma das funções do ensino da literatura deve ser educar para a
diferença, estimulando, desse modo, os princípios da interculturalidade.
Formação de professores e interculturalidade| 177
Embora esta descrição não defina os autores canônicos, tampouco menciona quais
serão os autores identificados. O que não me permite verificar se há uma abertura para a
perspectiva intercultural. Vale ressaltar sempre que a literatura é um excelente recurso para
promover a interculturalidade e para compreender outras culturas, uma vez que ela pode
tornar-se um instrumento através do qual podemos observar o mundo e suprimir nossas
possíveis imagens pré-concebidas a respeito de outros grupos e culturas. Ou seja, a literatura é
um caminho para discutirmos, por exemplo, questões como estereótipos, identidade e
desigualdades sociais. Enfim, os textos literários são, portanto, um estímulo significativo ao
diálogo intercultural, uma vez que permitem a construção de pontes entre universos distintos e
plurais.
Após as leituras e a análise de todas essas disciplinas, sigo para a próxima seção,
onde sintetizarei o que nesta foi examinada, informando ao leitor a posição que assumo diante
da questão debatida neste capítulo.
Ao final da análise das grades curriculares e das ementas das disciplinas dos cursos
de Licenciatura em LI no Brasil, pude constatar que na maioria delas, as questões defendidas
pela perspectiva intercultural estão ausentes.
À vista disso, Torquato (2014), ao escrever um artigo visando discutir, exatamente, a
formação dos professores de italiano no Brasil, intitulado, O ensino do italiano na
universidade brasileira: problemas, desafios, perspectivas, fez a seguinte pergunta: “Como
evitar que a graduação se reduza a um mero ensino de conteúdos linguísticos?”
Formação de professores e interculturalidade| 178
5 PALAVRAS CONCLUSIVAS
Este trabalho, cujo objetivo central foi investigar as grades curriculares, as ementas e
os programas das disciplinas dos cursos de Licenciatura em LI de algumas universidades
brasileiras para averiguar se a composição curricular destes possibilita uma formação docente
crítica e reflexiva sob uma ótica intercultural, é fruto do meu propósito de realizar um estudo
que pudesse me auxiliar como professora-pesquisadora e que, também, contribuísse para a
vida e para o trabalho de outros. Igualmente, reflete meus questionamentos referentes ao
ensino do italiano, surgidos durante a minha trajetória de aluna e, em especial, durante a
minha atuação como professora de LI em diferentes contextos.
Para tanto, após expressar, no primeiro capítulo, todas as razões que me conduziram
a concretizar esta tese, apresentei, no segundo, informações sobre o ensino da LI no mundo e
em nosso país, a fim de trazer para o debate questões que envolvem todos os professores de
italiano no Brasil. Uma dessas, é o fato de que o idioma para o qual nos licenciamos é pouco
ensinado na rede básica brasileira e isso é consequência de políticas públicas linguísticas que,
apesar de não determinarem qual língua deve ser ensinada nas escolas, não democratizam o
ensino de línguas. Diante dessa realidade, o italiano é visto, ainda, apenas como língua de
imigrante ou de herança, quando, na verdade, é a quarta língua mais estudada no mundo.
No terceiro capítulo, expliquei o conceito de cultura que este trabalho compartilha,
bem como a percepção de currículo como território de poder e formador de identidades. Mas,
enfatizei, sobretudo, a importância de um ensino plural que passe a olhar para a riqueza
linguística e cultural da Itália e volte também o seu olhar para outros lugares onde o italiano é
falado. Essa defesa é para que, ao irmos além dos muros da Itália, seja possível a
compreensão de que ensinar e aprender línguas representam a possibilidade de se conhecer
outras culturas e não somente outras estruturas gramaticais.
No quarto, ressaltei a importância de um ensino a partir da perspectiva intercultural,
uma vez que compreendo que essa visão possibilita a formação de professores interculturais.
Estes, entendidos como profissionais da educação capazes de atuar fomentando a criticidade e
Palavras conclusivas| 181
a consciência cidadã de seus alunos. Entendo a perspectiva intercultural como uma ferramenta
que dará subsídios para que os docentes não continuem reproduzindo discursos que
evidenciam o preconceito, seja este, linguístico, racial, social, sexual, político e religioso.
Tanto a fundamentação teórica apresentada neste estudo como a metodologia
definida foram essenciais para que eu pudesse responder às duas perguntas de pesquisa que
me serviram como base para concretizar os objetivos desta tese:
A análise dos dados obtidos me permitiu concluir que o espaço conferido à pluralidade
linguístico-cultural do italiano difere de uma universidade para a outra. Enquanto em umas
essa é bem evidente, em outras, existe uma clara negligência ou às variedades do italiano ou
aos dialetos da Itália, mas, em especial, aos outros países onde a LI está presente como L2 ou
língua oficial.
Na UFBA, por exemplo, é possível verificar na composição da grade curricular
referências, explícitas, aos dialetos, em disciplinas como: “Dialetologia Românica”, “A
situação atual das Línguas Românicas”, “Introdução aos Estudos Dialetais” e especialmente a
disciplina intitulada “Estudo dos dialetos italianos”. É possível verificar informações acerca
de dialetos e variedades regionais também nas disciplinas de “Fonética e Fonologia do
Italiano” e de “Língua e Estilo na Literatura Italiana”. No entanto, nas disciplinas da
aprendizagem básica do italiano, a referência à pluralidade linguístico-cultural do italiano está
presente apenas nos conteúdos programáticos do curso de italiano em nível avançado.
Contudo, em nenhuma disciplina, observei o reconhecimento de que o italiano é falado em
outros países além da Itália.
No curso de Licenciatura da UFES, não encontrei evidências acerca das variedades
do italiano e os dialetos da Itália na maior parte das disciplinas. Pelo contrário, há ênfase no
ensino do italiano padrão e na “pronúncia correta” nas disciplinas de aprendizagem básica do
italiano. Entretanto, existem duas disciplinas, do grupo “Laboratório de Práticas Culturais”
que mencionam a existência de outros falares além dos padrões. Uma traz informação dos
Palavras conclusivas| 182
dessa pluralidade. Diante disso, concluo com as informações acerca dessa categoria,
respondendo à pergunta que Santipolo (2001) faz no título do seu artigo que me impulsionou
a fazer esta investigação: Ensinar o italiano ou a pluralidade do italiano? Compreendo que o
ensino da pluralidade, sobretudo, em um curso de Licenciatura em LI, possibilitará a
formação de um professor mais consciente das questões linguísticas da língua que ensina e
mais capaz de se posicionar diante das questões sociais de forma crítica e reflexiva.
intercultural deve balizar o currículo, em todas as suas dimensões, pois somente, assim, será
possível descolonizá-lo.
Contudo, devo ainda informar que entre o currículo escrito e o real, existe um espaço
que precisa também ser investigado. As minhas conclusões se referem ao que foi constatado
no currículo escrito.
5.2 Assunções
Findo este trabalho refletindo sobre o que foi constatado, uma vez que um dos
objetivos deste estudo é contribuir para pensarmos sobre a formação de professores de italiano
no Brasil a partir de uma perspectiva intercultural. Desse modo, pretendo primeiramente
retomar o sentido de currículo como um construto social e intencional, cujo resultado provém
de lutas pelo poder. Dito isso, não pode ser esquecido, que quando elegemos um conteúdo e
excluímos outro, estamos muitas vezes silenciando algumas vozes e privilegiando outras,
pois, ainda que não seja percebida, nenhuma prática pedagógica é neutra, visto que a omissão
também é um modo de atender às culturas dominantes.
À vista disso, ao pensar no currículo dos cursos de Licenciatura em LI, temos que
pensar que estamos falando de professores que deverão atuar em diferentes contextos
educacionais, sobretudo, nas escolas básicas. Portanto, esses professores não podem
continuar legitimando poderes hegemônicos e, muito menos, negligenciando aqueles que
historicamente sempre foram marginalizados, discriminados e injustiçados. Por essa razão,
questões raciais, sexuais, políticas, sociais, religiosas, não podem ficar ausentes de um
currículo, principalmente o de formação de professores, pois, currículo é identidade.
Quando decidi reunir em uma tese a pluralidade linguístico-cultural do italiano e a
perspectiva intercultural como categorias de análise era por compreendê-las como
complementares. Ora, sendo o currículo, lugar, espaço, território e trajetória, permeado por
relações de poder, não é possível que um professor possa se pautar nas questões defendidas
pela interculturalidade e, ao mesmo tempo, continuar invisibilizando os dialetos da Itália,
falados por italianos do sul, do centro e do norte e ignorando os povos da África que falam
italiano. Pensar interculturalmente, dentre outros aspectos, é compreender que “a língua é um
organismo vivo e não um sistema de regras, daí que deva ser aprendida do ponto de vista do
seu uso e da sua pluralidade” (CARVALHO, 2009, p.55).
Palavras conclusivas| 186
Ressalto que pensar a construção de currículo que seja, de fato, intercultural é pensar
em diferentes culturas, em diversas variedades, em diversos povos, sem inferiorizá-los, mas
juntando todos no mesmo lugar. É preciso olharmos para outros lugares e não apenas para os
supostamente hegemônicos.
Como disse na introdução deste trabalho, passou da hora de continuarmos a treinar
professores para ecoar os discursos dominantes. Precisamos formar professores críticos,
engajados, conscientes do seu papel social e que se façam ouvir. Somente assim, poderemos,
como professores de italiano no Brasil, mudar a posição na qual nos encontramos e começar
a exercer a função para a qual somos preparados: ensinar italiano nas escolas básicas. Com
isso, não quero dizer que os outros contextos educacionais não sejam importantes, mas
ressaltar a importância da democratização do ensino de línguas e o papel do professor em
nossa sociedade.
Sugiro, portanto, novas pesquisas que investiguem outros cursos de Licenciatura em
LI, que observem as práticas pedagógicas dos professores formadores, bem como as práticas
dos professores em formação durante as disciplinas de estágios. Ademais, seriam importantes
outras pesquisas que investiguem currículos com outros focos, como por exemplo, saber qual
é o lugar ocupado pelas disciplinas específicas para a formação docente. Assim, a junção de
vozes e forças, certamente, fará com que professores críticos e reflexivos atuem em nossa
sociedade conforme uma perspectiva intercultural.
Diante do exposto, encerro este trabalho retomando as palavras de Freire (2007, p.
87) apresentadas no início, visto que é assim que continuo pensando e é essa a mensagem que
desejo deixar a todos os professores de línguas: “[...] como professor devo saber que sem a
curiosidade que me move, que me inquieta, que me insere na busca, não aprendo e nem
ensino [...]”.
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ANEXOS