055 - Maurício de Novais Reis
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055 - Maurício de Novais Reis
Diretores da série:
_______________________________________________________
Ensino de filosofia: do universo eurocêntrico ao pluriverso epistêmico [recurso eletrônico] / Maurício de Novais Reis --
Porto Alegre, RS: Editora Fi, 2020.
211 p.
ISBN - 978-65-5917-055-5
DOI - 10.22350/9786559170555
CDD: 100
Índices para catálogo sistemático:
1. Filosofia 100
Para o meu filho Mário, que gosta de mar e de rio, e alaga minha vida de alegria.
Agradecimentos
Prefácio à brasileira.................................................................................................. 15
Por uma filosofia pluriversal problematizadora da ciência moderna universal
Gilson Brandão de Oliveira Junior
1 ............................................................................................................................... 28
A gênese da filosofia
A gênese da filosofia: o que dizem os livros didáticos?....................................................... 31
A Hipótese da Pluriversalidade ............................................................................................. 45
2 ............................................................................................................................... 64
A invenção de África
O racismo na filosofia ocidental ........................................................................................... 73
3 ............................................................................................................................... 98
A filosofia africana contemporânea
O pensamento africano pós-independência ........................................................................ 98
Etnofilosofia............................................................................................................................ 99
Filosofia Política Africana ..................................................................................................... 101
Filosofia Profissional ............................................................................................................. 127
Filosofia Literária/Artística ..................................................................................................128
Filosofia Hermenêutica ........................................................................................................128
Ubuntuísmo ...........................................................................................................................129
Afrocentricidade .................................................................................................................... 132
Estudos de Gênero em África ............................................................................................. 148
4.............................................................................................................................. 159
Filosofia e seu ensino no Brasil
A Chegada da Filosofia ........................................................................................................ 160
As Diretrizes Curriculares Nacionais para o Ensino de Filosofia .....................................166
A implementação da Lei 10.639........................................................................................... 170
Proposta Curricular de Filosofia Pluriversal ...................................................................... 177
Planejamento das atividades................................................................................................ 181
Sugestões de Planos .............................................................................................................. 191
1
Professor do Programa de Pós-Graduação em Ensino e Relações Étnico-Raciais da Universidade Federal do Sul da
Bahia (PPGER/UFSB).
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2
Embora o primeiro grupo de europeus a chegar a este lado do Atlântico tenha sido liderado por Cristóvão Colom-
bo, foi o comandante Américo Vespúcio quem constatou tratar-se de um novo continente, que foi batizado em sua
homenagem. Há hoje correntes de pensamento descolonizadoras que buscam alterar as referências europeias e por
isso utilizam o termo “Abya Yala” para substituir América. Trata-se de um vocábulo do povo Kuna, do norte da
Colômbia, que significa terra “madura; viva ou em florescimento”.
3
Obra póstuma onde o autor compilaria as contribuições de cada um dos continentes para escrever uma filosofia
universal. Argumentou começar pela África, pois, segundo ele, após isso poderia simplesmente ignorá-la, uma vez
que os africanos viveriam ‘na barbárie e na selvageria, sem fornecer nenhum elemento à civilização’, antagonizan-
do-os às representações europeias e negando-lhes o status de humanos.
Gilson Brandão de Oliveira Junior | 17
Boa leitura!
1
Filósofo moçambicano. Docente, investigador e Diretor-adjunto para Graduação da Faculdade de Filosofia da
Universidade Eduardo Mondlane, em Moçambique. Autor do livro Afrocentricidade: complexidade e liberdade.
Ergimino Pedro Mucale | 21
A gênese da filosofia
1
Asante não é africano de nascimento, uma vez que nasceu e reside nos Estados Unidos da América. Todavia,
define-se como um africano nascido na diáspora.
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2
Por ocidentais compreendemos os intelectuais dos continentes europeu e americano, os quais defendem a Grécia
antiga como locus de nascimento da filosofia. Africanos, neste contexto, representam os pensadores africanos e
afrodiaspóricos que defendem o continente africano como lócus de nascimento da filosofia. Os últimos geralmente
reclamam o antigo Egito como integrante do continente africano.
3
Deu-se preferência à utilização dos autores de livros didáticos porque o primeiro contato dos estudantes com a
filosofia geralmente se dá no âmbito escolar, através desses livros.
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4
Excetua-se o livro didático Reflexões: filosofia e cotidiano, de José Antônio Vasconcelos (2016), que dedica um
capítulo à filosofia africana, um capítulo à filosofia oriental e um capítulo à filosofia feminista.
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O observador atento não terá deixado de notar que os próprios inícios da fi-
losofia grega ficaram inscritos em ditos orais, que foram mais tarde postos
por escrito pelos filósofos e intérpretes que se seguiram. O pensamento de
Tales, Anaximandro, Anaxímenes e Sócrates, por exemplo, foi passado a es-
crito, muito mais tarde, por outros, e não pelos próprios. Este não é o
momento para perguntar o que tinham os seus ditos orais de tão particular,
que os fizeram mais filosóficos do que alguma especulação africana de igual
valor, até agora não escrita! (MAKUMBA, 2016, p. 24-25).
5
Maurice Muhatia Makumba é um filósofo e sacerdote católico queniano. Obteve seu doutoramento em filosofia
pela Universidade da Santa Cruz, em Roma. Desde 2010 atua como Bispo de Nakuru, no Quênia.
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sabedoria, pois possuíam e possuem. Também não quer dizer que esses po-
vos não tivessem desenvolvido o pensamento e formas de conhecimento da
natureza e dos seres humanos, pois desenvolveram e desenvolvem. Quando
se diz que a filosofia é grega, o que se quer dizer é que ela apresenta caracte-
rísticas, concepções e formas de pensar e de exprimir os pensamentos
completamente diferentes das formas de pensar de outras culturas (CHAUÍ,
2016, p. 40)6.
6
Noutra obra, intitulada Convite à Filosofia, a autora enfatiza que a “Filosofia, entendida como aspiração ao
conhecimento racional, lógico e sistemático [...] é um fato tipicamente grego (CHAUÍ, 2000, p. 21). Com isto, não
obstante a filósofa reconheça a existência de sabedoria entre os povos não-gregos, argumenta, entretanto, que essa
sabedoria não pode ser comparada à filosofia, posto que, como “fato tipicamente grego”, o pensamento racional,
lógico e sistemático característico da filosofia só poderia ser encontrado entre os gregos.
Maurício de Novais Reis | 35
7
Senghor (apud MANCE, 2015), afirma que a emoção é uma característica tipicamente negra, assim como a razão é
helênica. Essa perspectiva senghoriana acaba por reforçar a concepção europeia de que a racionalidade discursiva é
privilégio europeu, enquanto que resta somente uma racionalidade intuitiva ao negro-africano. Por outro lado,
Bernal (2006) expõe as influências afroasiáticas absorvidas pela civilização grega desde a antiguidade.
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8
Filósofo nigeriano.
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9
Intelectual português, professor da Universidade de Lisboa e especialista em história das civilizações pré-clássicas.
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10
Intelectual camaronês formado em Filosofia e em Estudos Superiores pela Sorbonne, na França.
11
Montoya (2010), James (2005), Hallen (2002) também concordam com o pensador lusitano.
12
Esta questão será retomada mais adiante para tratar do conceito de racismo epistêmico.
13
Filósofo nascido na Guiné Equatorial, mas radicado na Espanha. Possui doutorado em Filosofia pela Universidad
Complutense de Madrid.
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14
Rodrigo (2009, p. 64), defende que a filosofia, tendo nascido na Grécia antiga, “foi concebida como logos, quer
dizer, um discurso que [...] organizava racionalmente o mundo [...]”.
15
Outrossim, acredita-se, segundo a tradição filosófica, que a palavra filosofia tenha sido cunhada por Pitágoras, ao
ser indagado sobre a natureza de sua sabedoria. Pitágoras teria respondido ser apenas filósofo, assumindo a
posição de alguém que ama o saber, mas que não detém a posse da sabedoria, portanto, não se considerava um
sábio (COTRIM; FERNANDES, 2016).
16
Compare com o “sábio” Tales de Mileto exposto por Gallo (2016).
Maurício de Novais Reis | 41
17
A insistência na expressão “livro didático” faz referência à temática deste livro. Embora haja um sem-número de
filósofos que poderiam ser igualmente mencionados, o presente trabalho versa especificamente a respeito do
ensino de filosofia na educação básica. Portanto, consideramos mais apropriado que os autores de livros didáticos
fossem mencionados, uma vez que suas obras são utilizadas como recurso didático-pedagógico nos estabelecimen-
tos de ensino de todo o país. Autores cujas obras não configuram recurso didático-pedagógico para a educação
básica serão utilizados quando estritamente necessário.
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18
Filósofos como Gilles Deleuze (2010), Martin Heidegger (2018), Caio Prado Júnior (1981) e José Ortega y Gasset
(2016), apenas para mencionar alguns, tentaram empreender definições de filosofia.
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discurso filosófico não buscam apenas a vaidade, mas o estatuto que esta
“invenção” pode lhes conferir, desde que registrada a sua patente.
Nesta perspectiva, o rótulo estabelecido pela filosofia opera como
objeto de desejo dos sujeitos e, por esta razão, esse rótulo é buscado com
tanto afinco por europeus, asiáticos e africanos.
Que o pensamento racional é próprio da humanidade, isso nos pa-
rece lugar-comum, especialmente após as descobertas científicas
ocorridas no século XX, que acarretaram a derrubada definitiva das teo-
rias do racismo científico. A filosofia – como pensamento do pensamento
– é imanente à condição humana, porque todos os povos, em todas as
épocas, se questionaram a respeito do cosmos, da vida, da morte, da
subjetividade, da razão de as coisas existirem em vez de o nada19. O pro-
jeto filosófico busca precisamente “desenvolver o pensamento para poder
discernir entre o bem e o mal e assumir a direção da própria vida”
(TOWA, 2015, p. 19). Esta é certamente uma preocupação presente nas
culturas, senão em todas, pelo menos na maioria delas.
Desta forma, a autoproclamação de “criadores da filosofia” só pode
ter um objetivo: impor sobre o mundo a hegemonia política, instalando
não somente a desigualdade política, mas também uma superioridade
epistêmica sobre os demais (temos o dever moral de “civilizar” os incul-
tos, os irracionais). Assim, espera-se receber os “royalties” sobre essa
“invenção” para impor determinado padrão de humanidade.
A Europa desenvolveu esta função “civilizatória” do continente afri-
cano, fundamentando-se na sua suposta superioridade racional. Os
africanos eram considerados indivíduos de mentalidade primitiva, ou
seja, inaptos para o método vigoroso de pensamento que exigisse maior
rigor intelectual, seja científico ou filosófico (LÉVY-BRUHL, 2015).
19
Obviamente, nem todo conhecimento pode ser considerado filosófico, assim como nem toda pergunta formulada
pode ser considerada filosófica. Entretanto, as perguntas propriamente filosóficas exigem uma investigação
propriamente filosófica, bem como respostas fundamentadas na reflexão racional diante dos problemas levantados.
Para tanto, torna-se necessário, além de um método rigoroso de pensamento, uma compreensão epistemológica da
realidade.
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20
O naturalismo defende que cada coisa possui uma essência fixa e que o nome apenas expõe essa essência.
21
O convencionalismo defende que toda designação é arbitrária, não seguindo nenhuma regra ou critério. Segundo
o convencionalismo, o único critério de nomeação das coisas está no capricho daquele que as nomeia.
22
O termo egípcio rekhet significa, basicamente, "conhecimento", "ciência", no sentido de "filosofia", ou seja,
investigação da natureza das coisas (khet) com base em conhecimento preciso (rekhet) e bom (nefer) critério (upi).
A palavra upi significa "julgar", "discernir", ou seja, "dissecar" [um assunto]. (OBENGA, 2004, p.33-34, numa
tradução livre).
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A Hipótese da Pluriversalidade
A filosofia foi criação do gênio helênico: não derivou aos gregos a partir de
estímulos precisos tomados das civilizações orientais; do Oriente, porém, vie-
ram alguns conhecimentos científicos, astronômicos e matemático-
geométricos, que o grego soube repensar e recriar em dimensão teórica, en-
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23
Gaarder (1995, p. 45) relata que, quando Tales esteve no Egito, “certamente ele pôde observar como os campos
inundados ficavam fecundos depois que as águas do Nilo retornavam ao seu delta”. Partindo deste relato, pode-se
afirmar que Tales esteve no Egito e, especialmente, que sua tese fundamental de que a arché era a água, pode
guardar estreita relação com o fenômeno de inundação observado pelo filósofo, após o qual propiciava o surgimen-
to de inúmeros seres vivos.
24
Eugenio Nkogo Ondó (2001, p. 39) leciona que Pitágoras “[...] quien permaneció durante 22 años en los templos
del Egipto de la Negritud, para designar la forma especial de explicación de la realidade que él y sus compatriotas
aprendieron em aquél país.”
25
Montoya (2010, p. 359) afirma: “Platón: viajó a Egipto, donde estudió en compañía de los sacerdotes egipcios.
Tomó de Egipto algunas de las doctrinas que se encuentran en La República; a saber, los tres niveles de la sociedad
(los filósofos: reyes, los soldados y los artesanos).”
26
Não há consenso entre os estudiosos quanto ao surgimento da filosofia africana. Enquanto os adeptos da afro-
centricidade, como Théophile Obenga, Cheikh Anta Diop e Molefi Kete Asante, apostam no surgimento da filosofia
na antiguidade, em terreno egípcio, portanto africano, outros autores têm defendido que a filosofia especificamente
africana teve origem a partir da publicação de La Philosophie Bantoue (1945), pelo Reverendo Placide Tempels. A
este respeito o filósofo moçambicano Severino Ngoenha, citando Paulin Hountondji (1993, p. 15) expõe que a
filosofia africana começou “[...] como um trabalho de etnologia com pretensão filosófica”.
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27
Numa tradução livre.
28
Aranha e Martins (2016) classificam a antiguidade grega em três períodos: período micênico (do século XX a XII
a. C.), período homérico (do século XII a VIII a. C.) e o período arcaico (do século VIII a VI a. C.). Note que Ondó
refere-se ao período homérico.
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29
As concepções de alguns desses pensadores serão tratadas detalhadamente adiante.
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30
A Etnofilosofia será abordada no terceiro capítulo.
31
Numa tradução livre: Anterioridade das civilizações negras. Mito ou verdade histórica? (1967), Nações Negras e
Cultura: da Antiguidade Egípcia aos Problemas Culturais da África Negra Contemporânea (1979) e Civilização ou
barbárie? Antropologia sem complacência (1981).
32
Numa tradução livre.
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O demonstrável até hoje é que a filosofia é egípcia e que começa por volta do
ano 3000 antes de Cristo nos santuários subterrâneos de Tebas (mais tarde
veremos que havia mais escolas filosóficas). Outra coisa seria a questão da
origem que provavelmente deveria ser buscada fora do Egito,
especificamente na Etiópia (MONTOYA, 2010, p. 83).33
33
Numa tradução livre.
34
Para uma análise sobre o Império de Axum, consultar Munanga (2012, p. 53-55).
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36
Denomina-se de “instruções sapienciais” os escritos de sabedoria, conselhos para a conduta moral e espiritual,
além de textos antigos que englobam as experiências vividas pelas pessoas consideradas sábias no seio da comuni-
dade. Como exemplo de instruções sapienciais, podemos mencionar os livros bíblicos: Jó, Provérbios e Eclesiastes.
37
Conferir Escultura Egípcia do Império Antigo: estatuária e relevos régios e privados (III-VI Dinastias), tese de
doutoramento defendida por Malheiro (2009).
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38
Como estamos habituados com a cultura ocidental, Ptah-Hotep representa para o pensamento egípcio aquilo que
Sócrates representa para o pensamento grego. Se a filosofia ocidental está dividida entre antes e depois de Sócrates,
a filosofia egípcia divide-se entre antes e depois de Ptah-Hotep. Alguns estudiosos usam a grafia “Ptahhotep”. Para
informações detalhadas sobre Ptah-Hotep, consultar a obra Escrito para a eternidade: a literatura no Egito faraôni-
co (ARAUJO, 2000, pp. 244-259).
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39
O termo “alfabetizado” aparece aqui apenas como referência à capacidade de leitura por parte dos indivíduos,
posto que o antigo Egito não utilizava precisamente um alfabeto, mas uma escrita baseada em símbolos carregados
de significados.
40
A Maat representa o equilíbrio da harmonia cósmica, da justiça e da verdade (MONTOYA, 2010).
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41
Comparar com o texto bíblico – Gênesis 1:3. As possíveis influências egípcias sobre a religiosidade dos hebreus
não serão tratadas neste livro, porque desviaria o foco da discussão em curso.
42
Para obter detalhes sobre as escolas filosóficas egípcias: Montoya (2010) e Carreira (1994).
43
Numa tradução livre.
58 | Ensino de Filosofia: do universo eurocêntrico ao pluriverso epistêmico
44
Comparar com a ontologia bantu, caracterizada pela circularidade entre não-ser e ser. Para os bantu, passado,
presente e futuro estão conectados de maneira que o ser de hoje se torna não-ser amanhã e posteriormente torna-
se ser novamente. Os bantu não concebem a história com base na linearidade dos eventos, mas com base na
circularidade. Os egípcios parecem seguir a mesma concepção.
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Eles têm uma noção diferente das relações entre os homens, da causalidade e
da responsabilidade. O que tomamos por elucubrações ilógicas, sombrias de
negros, o que designamos cupidez, exploração dos fatos é, para eles, a dedu-
ção lógica da sua percepção das coisas e torna-se uma necessidade ontológica
(TEMPELS, 2016, p. 35).
A invenção de África
1
Este capítulo foi desenvolvido a partir do artigo publicado em parceria com Marcilea Freitas Ferraz de Andrade,
na edição n. 202 da Revista Espaço Acadêmico, sob o título: O pensamento decolonial: análise, desafios e perspecti-
vas.
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2
O vocábulo “decolonial” é utilizado no lugar de “descolonial” em virtude da indicação de Walter Mignolo “para
diferenciar os propósitos do Grupo Modernidade/Colonialidade e da luta por descolonização do pós-Guerra Fria,
bem como dos estudos pós-coloniais asiáticos” (ROSEVICS, 2017, p. 191). O pensamento decolonial surgiu na
América Latina como estratégia política de contraponto à colonialidade imperante no eixo-sul do continente
americano, mas aqui o termo é utilizado para discutir a colonialidade influente também no continente africano.
3
“O pensamento decolonial reflete sobre a colonização como um grande evento prolongado e de muitas rupturas e
não como uma etapa histórica já superada. [...] Deste modo quer salientar que a intenção não é desfazer o colonial
ou revertê-lo, ou seja, superar o momento colonial pelo momento pós-colonial. A intenção é provocar um posicio-
namento contínuo de transgredir e insurgir. O decolonial implica, portanto, uma luta contínua” (COLAÇO, 2012, p.
08). Deste modo, o pensamento decolonial aponta para a necessidade de insurgência contra a opressão colonial,
seja econômica, política ou epistemológica.
Maurício de Novais Reis | 67
4
Não obstante o assunto tratado refira-se à perspectiva decolonial, a palavra pesquisadores neste contexto pode
referir-se àqueles que pensam a decolonialidade, mas também àqueles dos estudos subalternos, dos estudos pós-
coloniais e da teoria crítica, a saber, Aníbal Quijano, Walter Mignolo, Ranajit Guha, Aimé Césaire, Edward Said, só
para citar alguns.
5
Na África da década de 1960, os africanos estavam engajados numa luta mais anti-colonialista do que propria-
mente pós-colonialista. Somente duas décadas depois é que o pós-colonialismo se constituiu no continente como
paradigma epistemológico.
6
Achille Mbembe (2001, p. 198) empreendendo uma análise minuciosa das diferentes maneiras como se tentou
pensar uma identidade africana utilizando-se, essencialmente, de duas formulações discursivas, a saber, o discurso
nativista e o discurso instrumentalista, parece, à guisa de conclusão, concordar com Appiah (1997, p. 243) de que
não há uma identidade africana que “possa ser nomeada por uma única palavra”, mas que, sendo uma “coisa
nova”, a “identidade africana não existe como substância.”
68 | Ensino de Filosofia: do universo eurocêntrico ao pluriverso epistêmico
7
“C'est le colon qui a fait et qui continue à faire le colonisé” (FANON, 2002, p. 40). Neste sentido, Valentim Yves
Mudimbe (2013, p. 15-16) elucida que o vocábulo “colonos” refere-se àqueles “que estabelecem uma região”,
enquanto que “colonizadores” diz respeito àqueles “que exploram um território pelo domínio de uma maioria
local”. Parece ficar evidente que o sentido expresso por Frantz Fanon ao utilizar, no fragmento mencionado, o
termo “colono”, era designar os “colonizadores”, posto que o contexto expresso pelo autor indica forte antagonis-
mo, embora refira-se à coabitação, entre colonizadores e colonizados. Resta-nos, contudo, buscar compreender as
razões pelas quais o autor utilizou a palavra “colon” em vez de “colonisateur” na expressão ora analisada.
Maurício de Novais Reis | 69
8
Torna-se necessário diferenciar a expressão “encontro de culturas” da expressão usualmente utilizada “choque
cultural”, trazida por Lisa Velazquez para designar a angústia sentida por indivíduos que se veem operando no
interior de um ambiente sociocultural desconhecido (apud MENDONÇA, 2014, p.70).
Maurício de Novais Reis | 71
9
Advogando a existência de vários universos culturais, Mogobe Ramose, filósofo sul-africano, argumenta que o
vocábulo “universal” pressupõe um sistema único organizado hierarquicamente em centro e periferia. Desta forma,
defende a utilização do conceito de pluriversalidade para referir-se a um conjunto de sistemas policêntricos no qual
os conhecimentos possuem semelhante valor epistemológico (RAMOSE, 2011).
10
A terceira via constitui-se um fenômeno político-econômico cujo escopo refere-se à reconciliação entre elementos
ideológicos da esquerda e da direita, uma vez que defende uma política econômica aparentemente conservadora
associada a uma política social progressista. Neste sentido, a terceira via, advoga a necessidade de uma intervenção
moderada do Estado na economia alinhada à responsabilidade social do Estado no combate às desigualdades
sociais. Surgida após o antagonismo protagonizado durante a Guerra Fria entre os dois blocos hegemônicos, a
saber, o socialismo soviético e o liberalismo estadunidense, a terceira via formulou os componentes essenciais da
Social-Democracia.
Maurício de Novais Reis | 73
11
Benedicto (2016, p. 53-72) empreende uma análise minuciosa do eurocentrismo, chegando à conclusão de que
eurocentrismo e racismo, no decorrer da história, sempre caminharam juntos.
74 | Ensino de Filosofia: do universo eurocêntrico ao pluriverso epistêmico
12
Note que Kant e Amo viveram na mesma época. Lévy-Bruhl e Africanus Horton também foram contemporâneos.
13
O texto Das diferentes raças humanas foi discutido por Makumba (2016). Ademais, a ideia de que a humanidade
teria começado a partir da raça branca não encontra sustentação científica. No próximo capítulo demonstraremos
como a humanidade originou-se em África, espalhando-se posteriormente para os demais continentes.
Maurício de Novais Reis | 75
Por que o filósofo alemão não praticou essa atitude filosófica – o cri-
ticismo – em sua investigação sobre a África e os africanos? Por que teria
simplesmente se deixado levar pelos relatos inverídicos?
Além disso, Kant havia conhecido intelectuais de pele negra cuja ca-
pacidade cognitiva contestam categoricamente sua teoria. Dentre eles
podem-se mencionar Santo Agostinho e Anton Willhelm Amo. Assim, só
restam duas possibilidades, ou melhor, uma possibilidade dupla de com-
preensão da teoria racialista kantiana: ignorância aliada ao racismo
antinegro.
Deixando de lado o Novo Mundo e os sonhos que ele é capaz de suscitar, pas-
saremos ao Velho Mundo, isto é, ao palco da história universal (HEGEL,
2008, p. 79, grifo nosso).
78 | Ensino de Filosofia: do universo eurocêntrico ao pluriverso epistêmico
A África deve ser dividida em três partes: a primeira, situada ao sul do deser-
to do Saara, é a África propriamente dita, o planalto quase totalmente
desconhecido para nós, com trechos estreitos de costa. A segunda parte fica
no norte do deserto, podendo ser denominada de África europeia; é a faixa li-
torânea. A terceira é a região fluvial do Nilo, a única região de vale da África,
e que se junta à Ásia. Pelo que nos relata a história, essa África propriamente
dita ficou fechada para o resto do mundo; é a terra do ouro, voltada para si
mesma, a terra-criança que fica além da luz da história autoconsciente, enco-
berta pelo negro manto da noite. Sua incomunicabilidade não decorre apenas
de sua natureza tropical, mas também – e essencialmente – de sua constitui-
ção geográfica (HEGEL, 2008, p. 83, grifo nosso).
A principal característica dos negros é que sua consciência ainda não atingiu
a intuição de qualquer objetividade fixa, como Deus, como leis, pelas quais o
homem se encontraria com a própria vontade, e onde ele teria uma ideia ge-
ral de sua essência... O negro representa, como já foi dito, o homem natural,
selvagem e indomável. Devemos nos livrar de toda reverência, de toda mora-
lidade e de tudo o que chamamos sentimento, para realmente compreendê-
lo. Neles, nada evoca a ideia de caráter humano (HEGEL, 2008, p. 84).
O quadro pintado pelo filósofo alemão, visto nos dias de hoje, é bas-
tante atormentador. Ele não só tenta justificar a escravidão negra nas
Américas – afirmando que por não terem consciência de sua liberdade,
os negros não merecem tal liberdade – como tenta atribuir um valor
positivo à escravidão imposta pelos europeus, já que no continente afri-
cano a situação seria bastante pior. Ora, segundo o idealista, os negros
não possuem qualquer vestígio de sentimentos morais, ou seja, são to-
talmente selvagens, incultos e irracionais, e estão dispostos a vender os
próprios filhos – ou os pais – assim que encontrarem a primeira oportu-
nidade.
Os juízos hegelianos a respeito de África tornaram-se conhecidos
em toda a Europa. E como Hegel gozava de respeitabilidade em decor-
rência de sua vasta produção intelectual, esses preconceitos foram
ampliados e repetidos intensamente, consolidando a concepção racista
que vigora ainda hoje.
Maurício de Novais Reis | 81
empirismo anglófono. Sua vida foi marcada pelo amor à filosofia, tendo-a
estudado inclusive contra a vontade do pai, que desejava para o rebento
uma carreira brilhante no campo do Direito. Todavia, nunca entrou para
a academia, porque “sua propensão para o ateísmo e o ceticismo, bem
como os traços irracionais do seu pensamento, assustou o mundo aca-
dêmico” (NICOLA, 2005, p. 286).
Não obstante este pormenor não diminuiu absolutamente a influên-
cia do pensamento de Hume no campo filosófico, especialmente porque o
pensador escocês, tendo vivido em pleno Iluminismo e viajado pela Eu-
ropa inteira, angariou respeitabilidade diante de seus pares. Publicou, aos
vinte e oito anos, sua obra mais importante, Tratado sobre a natureza
humana, sobre a qual disse mais tarde que já tinha as ideias para o livro
desde os quinze anos (GAARDER, 1995).
Num texto publicado originalmente em 1753, intitulado Ensaios Mo-
rais, Políticos e Literários, o empirista escocês exprime sobre pessoas
não-brancas.
15
O jamaicano mencionado por Hume é o matemático formado em Cambridge, Francis Williams (1700-1771), que
também era poeta e professor de latim.
Maurício de Novais Reis | 85
16
Sua obra fundamental intitula-se O Tratado (The Treatise).
86 | Ensino de Filosofia: do universo eurocêntrico ao pluriverso epistêmico
Deus não me criou inteligente sem um propósito, isto é, para que eu o bus-
casse e o apreendesse, e à sua sabedoria, pelo caminho que me abriu, e para
que eu o adorasse enquanto viver (apud MAKUMBA, 2016, p. 117).
Maurício de Novais Reis | 87
[...] Os seres humanos são todos iguais aos olhos de Deus. Esta igualdade é
mostrada no fato de que Deus criou todos os seres humanos com inteligên-
cia. Porque os humanos são destinados para morrer, eles são iguais. A morte
não discrimina. É o equalizador final. O corpo humano não tem direito à
imortalidade. Além disso, todas as pessoas, dada a sua inteligência, podem
compreender os desejos de Deus, através da revelação, que para Yacob vem
em forma dos livramentos da razão (KIROS, 2004, p. 184, grifo nosso).18
17
Projetos filosóficos tão distintos como os de Tomás de Aquino, Galileu, Lutero, Hegel e Feuerbach incursionaram,
ainda que perifericamente, pelo tema da possibilidade ou impossibilidade do intrincamento entre fé e razão.
18
Numa tradução livre.
88 | Ensino de Filosofia: do universo eurocêntrico ao pluriverso epistêmico
19
Para saber mais sobre o pensamento de Zara Yaqob, consultar Kidane (2012).
Maurício de Novais Reis | 89
20
Numa tradução livre.
90 | Ensino de Filosofia: do universo eurocêntrico ao pluriverso epistêmico
21
Numa tradução livre.
Maurício de Novais Reis | 91
22
Numa tradução livre.
23
Coincidentemente, Appiah também é, a exemplo de Amo, ganês. E também, como Amo, formou-se em filosofia
em universidades europeias, isto é, longe das terras africanas nas quais suas raízes encontram-se fincadas. Deste
modo, ambos são sujeitos negros posicionados no entre-lugar epistemológico, vivendo entre a negritude de sua
pele africana e a branquitude do pensamento filosófico ocidental.
92 | Ensino de Filosofia: do universo eurocêntrico ao pluriverso epistêmico
24
Numa tradução livre.
Maurício de Novais Reis | 93
25
Para uma compreensão melhor a respeito da intuição, verificar Aranha & Martins (2016, p. 75).
94 | Ensino de Filosofia: do universo eurocêntrico ao pluriverso epistêmico
Nós constatamos que, por todos os lugares onde os membros da raça africa-
na foram transplantados, eles se multiplicaram, qualquer que tenha sido o
jugo destruidor e pesado que tenham sofrido, podemos deduzir sem grande
risco de erro que o povo africano é um povo indestrutível e persistente, e que
as extravagâncias daqueles que previam seu desaparecimento são destinadas
ao esquecimento da mesma forma que o escravismo americano, hoje
(HORTON apud BOAHEN, 2010, p. 64).
26
“Bárbaro” era a expressão utilizada pelos romanos para designar indivíduos não-romanos, isto é, indivíduos
considerados desprovidos da “estatura cultural” do império.
96 | Ensino de Filosofia: do universo eurocêntrico ao pluriverso epistêmico
27
O Pan-Africanismo será caracterizado adiante.
Maurício de Novais Reis | 97
28
Numa tradução livre.
3
Como dizem os zapatistas, “luchar por un mundo donde otros mundos sean
possibles”.
Grosfoguel (2008, p.144).
Etnofilosofia
1
Hountondji (2010, p. 123) explica que utilizou o termo quase simultaneamente a seu colega, o também filósofo
Marcien Towa “num sentido depreceativo”. Contudo, explica que Kwame Nkrumah já o tinha utilizado num
sentido positivo, descrevendo uma disciplina com a qual desejava contribuir intelectualmente.
2
A Filosofia Bantu.
100 | Ensino de Filosofia: do universo eurocêntrico ao pluriverso epistêmico
3
Conceito de cultura em Guattari e Rolnik (1996), o qual será abordado de forma pormenorizada adiante.
Maurício de Novais Reis | 101
O Pan-Africanismo
A Negritude
4
Do francês: Négritude.
5
O Estudante Negro, em português.
108 | Ensino de Filosofia: do universo eurocêntrico ao pluriverso epistêmico
Penso que mesmo o discurso das “Luzes” [filosofia europeia, iluminista] es-
tava marcado por um afeto, ainda que negasse. Porque tenho receio de
ficarmos no clichê: a emoção é negra e a razão é branca. Por isso, prefiro
pensar em tipologias de afetos. Em todo lugar tem afetos e racionalidades, só
precisamos definir quais são e como operam. Uma filosofia negra pode jus-
tamente argumentar que toda racionalidade está marcada por afetos. E,
obviamente, todo afeto tem um tipo de racionalidade (FERNANDES;
SOARES; REIS, 2018, p. 16).
6
Este ponto foi abordado no primeiro capítulo.
Maurício de Novais Reis | 109
Se os colonizados são, por definição, sem razão, então pode ser justificado
transformá-los em escravos. Mas eles devem ser vistos como escravos de tipo
particular, ou seja, seres subumanos que, por causa da falta de razão, não
podem ter vontade própria e, portanto, também não têm liberdade.
7
Numa tradução livre.
110 | Ensino de Filosofia: do universo eurocêntrico ao pluriverso epistêmico
Isso não significa que Léopold Senghor tenha sido uma espécie de
agente duplo do colonialismo, pelo menos propositadamente. Embora ele
tivesse vívido interesse na evolução africana, especialmente daquela par-
te francófona do continente, compreendia que a fusão pacífica do modus
vivendi africano e francês pudesse contribuir para a evolução senegalesa.
Euclides André Mance caracteriza a Negritude:
112 | Ensino de Filosofia: do universo eurocêntrico ao pluriverso epistêmico
Socialismo Africano
Cosmopolitismo
9
Neste trabalho utilizaremos a versão espanhola, intitulada “Cosmopolitismo: la ética en um mundo de extraños”,
publicado em 2007.
10
Dentre as obras do autor publicadas no Brasil, estão: Na Casa do Meu Pai: a África na filosofia da cultura (1997),
Introdução à Filosofia Contemporânea (2008) e O código de honra: como ocorrem as revoluções morais (2012). Em
Portugal, foi traduzido o livro Cosmopolitismo: ética num mundo de estranhos.
Maurício de Novais Reis | 117
11
Informações levantadas junto ao site appiah.net.
118 | Ensino de Filosofia: do universo eurocêntrico ao pluriverso epistêmico
12
Numa tradução de Antônio Sérgio Guimarães.
Maurício de Novais Reis | 119
Diz Appiah:
13
A menos que haja outra indicação, as citações desta obra serão sempre em traduções livres.
120 | Ensino de Filosofia: do universo eurocêntrico ao pluriverso epistêmico
14
A título de exemplo, consulte o segundo capítulo de O código de honra: como ocorrem as revoluções morais
(APPIAH, 2012, p. 68-112).
Maurício de Novais Reis | 121
Podemos viver juntos sem concordar sobre quais são os valores que tornam
a nossa vida boa. Na maioria dos casos, é possível concordar sobre o que
fazer sem ter concordado sobre o porquê de estar correto (APPIAH, 2007, p.
107).
15
Para maiores informações sobre a noção de sociedade imaginada, consulte: Comunidades imaginadas: reflexões
sobre a origem e a difusão do nacionalismo (ANDERSON, 2008).
122 | Ensino de Filosofia: do universo eurocêntrico ao pluriverso epistêmico
Afropolitanismo
Todo esse mundo chegou com suas línguas, seus costumes, seus hábitos ali-
mentares, suas modas indumentárias, suas maneiras de orar, enfim, seus
modos de ser e de fazer. Hoje, as relações que essas diversas diásporas entre-
têm com suas sociedades de origem são as mais complexas possíveis. Muitos
de seus membros consideram-se inteiramente africanos, ainda que, além dis-
so, eles pertençam igualmente a um alhures (MBEMBE, 2015, p. 69).
16
Por cosmopolitismo africano entenda-se Afropolitanismo.
124 | Ensino de Filosofia: do universo eurocêntrico ao pluriverso epistêmico
17
Neste ponto, torna-se necessário salientar que, ao utilizar o termo negro, o pensador camaronês refere-se não
somente aos negros-africanos, mas adicionalmente a todos os indivíduos oriundos de sociedades subalternizadas.
Assim, ao referir-se a negro, Mbembe inclui todos os não brancos, como africanos, asiáticos e americanos originá-
126 | Ensino de Filosofia: do universo eurocêntrico ao pluriverso epistêmico
rios, posto que estes sofrem as mesmas opressões relativas à subalternidade diante do modus operandi da moder-
nidade ocidental.
18
Na outra via, no entanto, Moore (2016) denuncia que a Cuba socialista e a União Soviética comunista são tão
racistas quanto o Brasil e a África do Sul capitalistas. Não se trata, como defendem os marxistas, de um problema
Maurício de Novais Reis | 127
Filosofia Profissional
associado simplesmente às controvérsias de classe existentes apenas nas sociedades liberais. O problema do
racismo é sistêmico e permeia as sociedades dos mais variados espectros ideológicos.
19
Algumas referências apontam o filósofo como sendo beninense, enquanto outras indicam seu nascimento na
Costa do Marfim. Em conversa durante a produção deste livro, Ergimino Mucale esclareceu que Hountondji nasceu
na Costa do Marfim, mas se identifica como beninense.
128 | Ensino de Filosofia: do universo eurocêntrico ao pluriverso epistêmico
Filosofia Literária/Artística
Filosofia Hermenêutica
Ubuntuísmo
Afrocentricidade20
Cultura e eurocentrismo
20
Esta seção foi produzida a partir de um artigo originalmente publicado, em parceria com Alexandre de Oliveira
Fernandes, na edição n. 6 da Revista Odeere, intitulado: “Afrocentricidade: identidade e centralidade africana”.
Maurício de Novais Reis | 133
21
No campo historiográfico a situação não era diferente. A concepção do aistoricismo do continente africano era
amplamente aceita. Tanto que o professor Hugh Trevor-Hoper disse: “Pode ser que, no futuro, haja uma história
da África para ser ensinada. No presente, porém, ela não existe; o que existe é a história dos europeus na África”
(TREVOR-HOPER apud FAGE, 2010, p. 09).
134 | Ensino de Filosofia: do universo eurocêntrico ao pluriverso epistêmico
Todo povo colonizado — isto é, todo povo no seio do qual nasceu um comple-
xo de inferioridade devido ao sepultamento de sua originalidade cultural —
toma posição diante da linguagem da nação civilizadora, isto é, da cultura
metropolitana. Quanto mais assimilar os valores culturais da metrópole,
mais o colonizado escapará da sua selva. Quanto mais ele rejeitar sua negri-
dão, seu mato, mais branco será (FANON, 2008, p. 34).
22
Sobre a suposta contradição entre modernidade e tradição, sugerimos a leitura do livro “Afrocentricidade:
complexidade e liberdade”, do filósofo moçambicano Ergimino Pedro Mucale (2013).
Maurício de Novais Reis | 137
24
Rejeitamos o termo “afrocentrismo” porque o sufixo “ismo” ensejaria interpretações simplesmente de caráter
ideológico, relegando a segundo plano as questões voltadas à identidade. Mesmo assim, críticos da afrocentricidade
referem-se desta forma ao paradigma, quer com objetivo de diminuí-lo quer com o objetivo de “demonstrar” as
contradições impressas na teoria afrocêntrica, já que, no dizer deles, o paradigma utiliza-se do “mesmo fundamen-
to ocidental”, ou seja, imprimir uma universalidade à agência africana.
25
A África é reconhecida como um continente étnica e culturalmente diverso. Todavia, Cheikh Anta Diop (2014)
sustenta a existência de uma unidade cultural submersa na aparente heterogeneidade do continente africano.
Maurício de Novais Reis | 139
26
Conceito trazido à discussão pelo filósofo sul-africano Mogobe Ramose para referir-se a um conjunto de sistemas
policêntricos como alternativa à universalidade, cujo pressuposto básico transmite a ideia de um sistema único
organizado em centro e periferia (RAMOSE, 2011).
140 | Ensino de Filosofia: do universo eurocêntrico ao pluriverso epistêmico
27
Malgrado a comprovação da anterioridade africana, por si só, não contradite os referenciais paradigmáticos
eurocentrados, fornece indícios relevantes do surgimento das primeiras civilizações. Pontos referentes às primeiras
civilizações serão retomados adiante.
142 | Ensino de Filosofia: do universo eurocêntrico ao pluriverso epistêmico
28
Para aprofundamento sobre a origem étnico-racial dos antigos egípcios, consulte o primeiro capítulo do volume
dois da “História Geral da África” (DIOP, 2010, pp. 1-36).
Maurício de Novais Reis | 143
Mas, voltando ao Egito, sua contribuição para a história fornece muitos te-
mas para a reflexão filosófica. Que temas importantes para meditação: a
atual barbárie e ignorância dos coptas, considerados como tendo nascido do
gênio dos egípcios e dos gregos; o fato de esta raça de negros, que hoje são
escravos e objeto de nosso menosprezo, ser a mesma a quem devemos nossa
arte, nossas ciências e mesmo o uso da palavra escrita; e, finalmente, o fato
de, entre os povos que pretendem ser os maiores amigos da liberdade e da
humanidade, ter-se sancionado a escravidão mais bárbara e questionado se
os negros teriam cérebros da mesma qualidade que os cérebros dos brancos!
Identidade afrocêntrica
E mais adiante:
Para que uma identidade africana nos confira poder, o que se faz necessário,
eu creio, não é tanto jogarmos fora a falsidade, mas reconhecermos, antes de
mais nada, que a raça, a história e a metafísica não impõem uma identidade:
que podemos escolher, dentro de limites amplos instaurados pelas realidades
ecológicas, políticas e econômicas, o que significa ser africano nos anos vin-
douros (APPIAH, 1997, p. 246).
30
Falar em “interesse dos negros” pode soar contraditório quando pensamos que existem africanos que não
possuem pigmentação epidérmica, portanto, não são negros. Isso, todavia, não os torna menos africanos. Para a
afrocentricidade, contudo, o africano é aquele que, independentemente da apresentação fenotípica, participa
ativamente da resistência à opressão, dominação ou hegemonia branca (ASANTE, 2009).
31
As autoras apresentadas nesta seção não são necessariamente filósofas. Busca-se aqui levar a conhecimento dos
leitores brasileiros as discussões mais profícuas sobre gênero no continente africano e na afro-diáspora, levantadas
tanto por autoras africanas como diaspóricas. Portanto, embora algumas autoras sejam filósofas, outras são
pensadoras das mais variadas áreas que discutem as relações de gênero no continente e alhures.
Maurício de Novais Reis | 149
32
Escritora nigeriana cuja obra foi traduzida para mais de trinta idiomas. Estudou escrita criativa, ciências políticas
e artes nos estudos africanos. Não é propriamente filósofa, embora seja apresentada nesta obra. Reside nos Estados
Unidos da América.
33
Antropóloga nigeriana, professora de Sociologia na Universidade Stony Brook, nos Estados Unidos da América.
Embora seja apresentada nesta obra, não é filósofa.
34
Os livros mencionados foram publicados no Brasil.
35
Também publicado em espanhol, de cuja versão serão retiradas as citações a menos que haja outra indicação.
36
Obras editadas pela autora.
37
Para ter acesso gratuito e irrestrito aos referidos textos da autora, visite a página: www.filosofia-
africana.weebly.com (acesso em 07 out. 2019).
150 | Ensino de Filosofia: do universo eurocêntrico ao pluriverso epistêmico
38
Numa tradução livre.
Maurício de Novais Reis | 151
39
Escritora moçambicana, Paulina Chiziane militou durante a juventude na Frente de Libertação de Moçambique
(FRELIMO), tendo abandonado o partido após divergências sobre as posições antagônicas internas da própria
organização a respeito da monogamia e da poligamia. Recolheu-se para se dedicar à literatura, tornando-se a
primeira mulher a publicar um romance em Moçambique. Seus romances mais conhecidos são Balada de Amor ao
Vento (1990), Ventos do Apocalispse (1993), O Sétimo Juramento (2000), Niketche: uma história de poligamia
(2002), As Andorinhas (2009), Alegre Canto da Perdiz (2008), Na Mão de Deus (2013), Por Quem Vibram os
Tambores do Além (2013), Ngoma Yethu: o curandeiro e o novo testamento (2015) e O Canto dos Escravos (2017).
152 | Ensino de Filosofia: do universo eurocêntrico ao pluriverso epistêmico
Em razão da impossibilidade de análise da vasta obra da autora, ficam como sugestão de leitura. Não é filósofa,
embora seja apresentada nesta obra.
40
Neste ponto não há uma crítica (juízo de valor) contra os respectivos papeis desempenhados na vida doméstica
das famílias, apenas faz-se uma interpretação extensiva da mitologia judaico-cristã. Este esclarecimento é impor-
tante na medida em que cada unidade familiar possui autonomia para decidir mutuamente os papeis que cada
membro desempenhará. O que se pode criticar aqui, fundamentado no valor da liberdade de escolha, é a determi-
nação moral de papeis sociais sem que os sujeitos tenham a liberdade de decidir. Sempre que houver a imposição
de uma norma de papeis sociais a serem desempenhados, há desigualdade e, portanto, hierarquização do poder,
representada pela imposição da vontade de uns sobre outros.
41
Edição eletrônica sem indicação de páginas.
Maurício de Novais Reis | 153
Nós, mulheres, somos oprimidas pela condição humana do nosso sexo, pelo
meio social, pelas idéias fatalistas que regem as áreas mais conservadoras da
sociedade. Dentro de mim, qualquer coisa me faz pensar que a nossa sorte
seria diferente se Deus fosse mulher (CHIZIANE, 2013, p 200).
42
Para uma análise pormenorizada sobre a deusa Héstia e outros mitos femininos, consultar o livro Mulheres e
deusas: como as divindades e os mitos femininos formaram a mulher atual (NOGUERA, 2017, pp. 21-24).
43
Objeto utilizado durante a colonização para impedir que os escravos falassem. Essa “máscara” não possuía a
função de cobrir o rosto do indivíduo, mas sua boca, bloqueando assim a sua capacidade de fala. Esse objeto
representa a legitimidade para falar, ou seja, expor ideias. Os negros, bloqueados pelo artefato, estavam terminan-
temente impedidos de exercer seu direito de exposição de ideias, não podiam expressar sua vontade. Daí a
articulação com o valor simbólico da democracia do direito à fala, pois onde não há liberdade de expressão não
pode haver democracia, porque a máscara simbólica do impedimento da expressão de ideias representa precisa-
mente o lugar que o sujeito ocupa na estrutura social: se pode falar, ocupa posição de mando; se não pode falar,
ocupa lugar de submissão. Portanto, todas as vezes que o direito de expressão for negado a qualquer grupo ou
indivíduo, está-se negando, simbolicamente, o direito de cidadania, isto é, o direito de exercer a sua condição de
humanidade diante de outros humanos. Numa interpretação extensiva, podemos compreender que o lugar de
marginalidade ocupado pelos negros ainda hoje na sociedade brasileira, amontoados nas periferias das grandes
cidades, retrata uma forma de escravidão hodierna com a extirpação do seu poder de falar. Por isso, Kilomba
costuma iniciar suas performances com a pergunta: “quem pode falar?”
Maurício de Novais Reis | 155
44
Numa tradução livre.
156 | Ensino de Filosofia: do universo eurocêntrico ao pluriverso epistêmico
45
Outrossim, faz-se também necessário salientar que o objetivo desta seção é apresentar algumas autoras para
posteriores leituras mais aprofundadas, posto tratar-se de uma visão panorâmica do pensamento africano, isto é,
uma visão introdutória a respeito dos pensadores e pensadoras nascidos ou radicados no continente africano,
apresentando-os ao leitor brasileiro.
4
A Chegada da Filosofia
A filosofia era assim considerada uma disciplina livresca. Da Europa ela nos
vinha já feita. Era sinal de grande cultura o simples fato de saber reproduzir
as idéias mais recentemente chegadas. A novidade supria o espírito de análi-
se, a curiosidade supria a crítica (COSTA, 1967, p. 8).
1959). Por outro lado, “nas províncias, a Filosofia já era incluída obriga-
toriamente no currículo dos liceus e dos ginásios do curso secundário,
desde o início do século” (CARTOLANO, 1985, p.28).
1
Tobias Barreto foi poeta, filósofo, jurista e político. Seu conhecimento de alemão era tão vasto que chegou a editar
um jornal naquele idioma. O ponto curioso, todavia, na sua trajetória intelectual, que certamente é invejável, é o
fato de ser um homem mestiço. Embora seja uma das vozes mais marcantes da filosofia brasileira, Tobias Barreto
frequentemente é ignorado nas publicações especializadas da disciplina (cf. Revista Sísifo – Dossiê Filósofos
Brasileiros, n. 8, nov. 2018).
164 | Ensino de Filosofia: do universo eurocêntrico ao pluriverso epistêmico
A filosofia era disciplina comum aos cursos clássico e cientifico e deveria ser
ensinada de acordo com um mesmo programa para ambos os cursos, apenas
com maior amplitude no curso clássico (CARTOLANO, 1985, p.59).
2
O risco de transformação da filosofia numa ferramenta de catequização ocorre precisamente no momento em que
o Supremo Tribunal Federal decide “liberar o ensino religioso confessional nas escolas públicas” (BRÍGIDO, 2017).
A decisão da suprema corte não só representa um afrouxamento do princípio de laicidade do Estado, como estabe-
lece o direito à imposição do cristianismo aos estudantes – no ensino fundamental – já que as religiões cristãs
contam com número maior de adeptos. Neste tocante, a filosofia – no ensino médio – atuaria como uma espécie de
validação dos “conhecimentos” teológicos adquiridos na etapa anterior.
166 | Ensino de Filosofia: do universo eurocêntrico ao pluriverso epistêmico
3
Essas discussões, porém, não constituirão o foco deste estudo, visto que os livros didáticos e o modelo educacional
ora analisados privilegiam o ensino de filosofia orientado pelos temas filosóficos.
Maurício de Novais Reis | 167
4
Como exemplo, sugerem-se as expressões correntes: “denegrir”, “a coisa está preta”, “mercado negro”, “dia de
branco”, etc., cujo exame pode revelar a carga de racismo escamoteada na linguagem cotidiana dos brasileiros.
170 | Ensino de Filosofia: do universo eurocêntrico ao pluriverso epistêmico
5
Além dos referidos dispositivos e plano, o Parecer CNE/CP 003/2004 e a Resolução CNE/CP 01/2004 também
adensam este marco histórico.
6
Sobre o fetiche envolvendo o corpo negro feminino, alguns estudiosos produziram análises interessantes (cf.
SILVA, 2011, pp. 161-182).
172 | Ensino de Filosofia: do universo eurocêntrico ao pluriverso epistêmico
7
Dados atualizados sobre o percentual de negros serão apresentados adiante.
Maurício de Novais Reis | 173
Para o PNLD 2012 foram inscritos quinze livros didáticos de filosofia e apro-
vados somente três. O índice reduzido de aprovação é uma indicação clara de
que o processo de consolidação de uma tradição de livro didático de filosofia
no Brasil encontra-se num estágio bastante inicial (MEC, 2011, p. 12).
8
As orientações curriculares de filosofia para o ensino médio na Bahia estruturam-se em cinco eixos temáticos, que
são: a) Eixo 1: Filosofia: história, teoria e método; b) Eixo 2: Natureza, sociedade e técnica; c) Eixo 3: Relações
sociais e diversidade: perspectivas filosóficas; d) Eixo 4: Desenvolvimento desigual das sociedades: política, cidada-
nia e direitos humanos e e) Eixo 5: Filosofia, prática e representações sociais. E cada eixo temático está dividido em
competências e habilidades, sendo que apenas duas de todas as habilidades apresentadas referem-se às questões
étnico-raciais. São elas: “Analisar, na sociedade atual, elementos que caracterizam sua pluralidade tais como: classe,
gênero e raça/etnia entre outros” e “Identificar na história alguns episódios em que o conceito de humano não se
aplicava a um grupo de indivíduos, como os africanos escravizados de África e os índios americanos” (BAHIA, 2015,
p. 25-32, grifo nosso). Pode-se afirmar categoricamente que quase a totalidade das competências e habilidades
apresentadas pelo documento do estado da Bahia remetem à herança greco-latina defendida pelo filósofo Miguel
Reale, mesmo a Bahia sendo o estado com o maior contingente populacional de negros. Outra análise que deve ser
feita remete à generalidade com que os temas étnico-raciais são tratados, buscando-se nos filósofos europeus a
chave para a compreensão desses temas. Filósofos africanos sequer são mencionados no documento, o que torna
ainda mais laborioso pensar a herança africana no contexto da educação básica.
9
As obras recomendadas naquele ano foram: Filosofando: introdução à Filosofia, de Maria Helena Pires Martins e
Maria Lúcia de Arruda Aranha (Editora Moderna), Fundamentos de Filosofia, de Gilbeto Cotrim e Mirna Fernandes
(Editora Saraiva) e Iniciação à Filosofia, de Marilena Chauí (Editora Ática).
174 | Ensino de Filosofia: do universo eurocêntrico ao pluriverso epistêmico
11
Os capítulos referentes à filosofia oriental e filosofia feminista, presentes no respectivo livro didático, não serão
comentados porque alheiam-se ao escopo desta obra.
178 | Ensino de Filosofia: do universo eurocêntrico ao pluriverso epistêmico
A Filosofia foi e, em certa medida, continua sendo um campo que faz poucos
debates a respeito das relações étnicorraciais, do racismo antinegro e sobre
os desdobramentos das relações entre colonização política e a invisibilidade
renitente conferida aos saberes africanos (NOGUERA, 2011, p. 7).
13
Algumas dessas obras encontram-se listadas nas referências deste livro.
182 | Ensino de Filosofia: do universo eurocêntrico ao pluriverso epistêmico
1. Mito.
2. Teoria do Conhecimento
[...] o propício seria trazer ao aluno a questão de que o conhecimento não co-
meça em um “Eu” solipsista que possibilitaria à natureza ser conhecida, mas
que o conhecimento iniciaria a partir de uma extensão de si mesmo com outros
e com o mundo, não havendo qualquer ruptura (DANTAS, 2015, p. 110).
14
O obra de Amo está intimamente relacionada também à filosofia da mente.
Maurício de Novais Reis | 185
4. Filosofia Política
15
Não obstante o livro didático Filosofia e filosofias: existência e sentido (SAVIAN FILHO, 2016, p. 128) discuta o
conceito de “força vital”, este não o faz com base na filosofia tempelsiana, mas a partir do filósofo francês Merleau-
Ponty ao criticar as hipóteses psicanalíticas. Neste contexto específico, porém, referimo-nos à “força vital” confor-
me descrita pelo Placide Tempels (discutida anteriormente).
186 | Ensino de Filosofia: do universo eurocêntrico ao pluriverso epistêmico
E mais adiante:
Maurício de Novais Reis | 187
5. Filosofia da Ciência
Teorias científicas jamais serão a verdade final: elas irão sempre evoluir e
mudar, tornando-se progressivamente mais corretas e eficientes, sem chegar
nunca a um estado final de perfeição. Novos fenômenos estranhos, inespera-
dos e imprevisíveis irão sempre desafiar nossa imaginação (GLEISER, 1997,
p. 397-398).
16
Discussões desta natureza podem ser levadas à sala de aula a fim de refletir sobre “imaginação” ou “capacidade
de previsão”. Não obstante o método científico proponha determinadas etapas ao processo, dentre as quais,
“observação”, “problematização”, “formulação de hipóteses” e “experimentação”, somente a experimentação
poderá validar ou negar as hipóteses anteriormente formuladas. Com isso, pode-se discutir em sala de aula a
semântica da palavra hipótese como “antecipação” de resultado ou “imaginação” de possível resultado.
17
Matéria publicada no site da BBC News Brasil apresenta as práticas médicas do Egito Antigo que ainda são
realizadas na modernidade. Leia na íntegra: https://www.bbc.com/portuguese/geral-40634202.
190 | Ensino de Filosofia: do universo eurocêntrico ao pluriverso epistêmico
Sugestões de Planos
18
No livro Filosofando: introdução à filosofia.
19
No livro Introdução à Filosofia Contemporânea.
20
No terceiro capítulo deste livro.
21
No segundo capítulo deste livro.
22
No segundo capítulo deste livro.
Maurício de Novais Reis | 195
24
PLATÃO. A República.
23
Nesta atividade, cada estudante escreve na lousa uma palavra articulada ao tema central (que já estará no centro
da lousa), formando conexões lógicas entre todas as ideias pensadas pelos colegas. No final, o professor avalia,
juntamente com a classe, se as ideias continuaram concatenadas até a última palavra ou se ocorreu alguma desarti-
culação.
25
ARISTÓTELES. Política.
26
No livro Filosofando: introdução à filosofia.
27
No terceiro capítulo deste livro.
Para não concluir
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