TESE Leidiane Souza de Oliveira
TESE Leidiane Souza de Oliveira
TESE Leidiane Souza de Oliveira
RECIFE/PE
2022
LEIDIANE SOUZA DE OLIVEIRA
RECIFE/PE
2022
Catalogação na Fonte
Bibliotecária Ângela de Fátima Correia Simões, CRB4-773
BANCA EXAMINADORA
___________________________________________________________
Profa. Dra. MÔNICA RODRIGUES COSTA
Universidade Federal de Pernambuco (UFPE)
Orientadora
____________________________________________________________
Dr. EVANDRO ALVES BARBOSA FILHO
Pós-Doutorando PPGSS/UFPE
Examinador Externo
_____________________________________________________________
Profa. Dra. SILVANA MARA DE MORAIS DOS SANTOS
Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN)
Examinadora Externa
_____________________________________________________________
Profa. Dra. CLÁUDIA MARIA MAZZEI NOGUEIRA
Universidade Federal de São Paulo (Unifesp)
Examinadora Externa
Escrever uma tese! Já foi sonho, já foi medo... foi processo, foi costura,
descostura... foi mergulho, foi quase afogamento e, se me salvei – aliás, se aprendi a
nadar em águas tão turbulentas –, devo isso a quem esteve ao meu lado, a quem me
pôs tantas vezes em terra firme, a quem me acordou de pesadelos e, camaradamente,
construiu comigo um sonho bonito e possível. A todes que comigo tornaram a escrita
desta tese uma possibilidade, em tempos em que o cotidiano nem sempre se permitiu
suspender, meus profundos e sinceros agradecimentos.
À minha mãe Leilde, pelo constante refúgio para minha alma cansada e pela
capacidade de revigorar minhas forças com o combustível do amor quantas vezes foi
necessário.
Ao meu pai Edvaldo, por sempre apostar em mim, pelo orgulho com que me
apresenta e pela aposta nos meus ideais, quando eles nos custam tanto.
Aos meus irmãos Ernando, Leiliane e Netinho, cada qual ao seu modo, por
serem meus pilares de sustentação e por sustentarem essa estrutura mais velha, que
já ameaçou desabar algumas vezes.
Aos meus sobrinhos Gustavo, Anna Íris e Felipe. Vocês sem dúvidas me
tornam o melhor que posso ser, a tia mais babona. Com vocês, todo dia, por difícil que
seja, é um dia para sorrir e acreditar no futuro.
À minha madrinha Lenira, com quem sempre conto, pela disponibilidade em me
ajudar sempre e pela companhia constante.
À Alane, não só pela família que fomos em Recife nesses anos, mas também
pela presença constante e por dividir esses anos com companheirismo, afetos e
irmandade.
A Nestor, pelo estímulo desde a seleção, pelas caronas até a UFPE, pelos
cafés nos corredores e pelos encontros recifenses, mossoroenses e além.
A Renato, pela vivência cotidiana, as risadas, as conversas aleatórias e os
carnavais.
Às minhas amigas do trabalho, pelos estímulos frequentes, pelo apoio na vida
acadêmica e afetiva. Agradeço à Cláudia Gomes, por toda solidariedade, por todo
incentivo, pelos nossos dias na Europa e por aquecer os dias de inverno com sua
companhia aconchegante; à Luciana Cantalice, pelo afeto imensurável, pelas portas
sempre abertas em sua casa, pelas tantas partilhas e pela confiança; e à Mauricélia,
pelo nosso encontro na jornada docente desde 2013, pelo que construímos a partir
dele e pelo que ainda teremos a partilhar. Amo vocês!
À Kassandra Meneses, cara companheira, pela atenção, pelo cuidado
constante, pela valorosa amizade e pela alegria a cada encontro.
À Jéssica Juliana, pelas partilhas dos debates em comum nas nossas
pesquisas, por abrir sua casa em João Pessoa e por abrir o coração e os ouvidos
sempre que eu preciso.
À Janine Oliveira, pelo elo estabelecido para além da formação, pelos tantos
encontros e pelo compartilhamento da moradia sempre que eu precisei.
Às minhas ex-estagiárias docentes e agora amigas: Danielle Maria, pelas
trocas poéticas, pelo estímulo literário, pelas mensagens constantes e por todo
respeito; e Raquel Brito, agora colega de profissão, pelas trocas feministas, pelos
desabafos regados a cerveja e pelo compromisso com a profissão e com a militância.
Aos amigos Jaciara, Lidiane, Iago e Ademir, por tornarem cada encontro uma
festa e por possibilitarem tantas alegrias com suas conquistas, mesmo diante de
tantas adversidades. A Joane, Rose, Suzany e Luís Henrique (afilhados). A Janikleide
e Ricardo, pela aconchegante recepção em Santos.
À Tassia Rejane, valorosa companheira da UFRN que tive o prazer de
reencontrar e conviver em Recife.
À Andreia Santos, pelo nosso bonito encontro, pelo companheirismo e pelo
tanto que me ensinou. Minha gratidão!
Às minhas admiráveis companheiras de turma – Fabiana, Fabíola, Iara, Mirella,
Simaia, Stella e Taciana –, por cada aula compartilhada, por cada atividade concluída
e por dividirem os desafios comuns a oito mulheres com cotidianos diferentes e
experiências em comum na pós-graduação.
Às amigas que a UFPE me trouxe: à Jussara Bernado, pela disponibilidade em
me receber para risos e choros e pelo cuidado, uma marca de sua pessoa. Você foi
um presente; à Crismanda Ferreira, pelos diálogos constantes e pela gentileza que
lhe é peculiar; à Iris Pontes, por toda energia pernambucana, pelo riso frouxo e pela
atenção de sempre; a Alison Cleiton, pela solidariedade, pelas trocas, pela alegria e
pelos cafés; à Elizangela Cardoso, que reencontrei na UFPE e com quem compartilhei
importantes reflexões acadêmicas; e a Jader (Jadinho), pelos bons momentos
partilhados.
A Rogério Gomes, pela aproximação em meio ao distanciamento, por colocar
cores nos dias acinzentados, pelas manhãs de domingo, pelos banhos de água doce
e pela coleção de bons momentos.
Aos/às companheiros/as da gestão Avançar sem Temer: fortes independentes,
do CRESS Paraíba (2017-2020), com quem pude dividir tarefas políticas e
administrativas importantes, pelo tanto que me ensinaram ali e seguem me ensinando.
Aos/às integrantes do Grupo de Pesquisa sobre Economia Política e Trabalho
(Gepet), do Departamento de Serviço Social da UFPB, pelas reiteradas oportunidades
de troca e pelo apoio acadêmico afetivo.
Ao Núcleo de Estudos sobre Trabalho e Gênero (NETeG), da Unifesp - Baixada
Santista, por me recepcionar na realização de meu intercâmbio no segundo semestre
de 2019, pela excelente supervisão da Profa. Cláudia Mazzei e pela orientação da
Profa. Juliane Peruzzo, cujas referências carrego para a vida.
À Facepe, pelo apoio financeiro neste projeto.
Ao Departamento de Serviço Social da UFPB, pelo empenho em garantir o
direito à qualificação no meu processo de doutoramento e pela comunicação
constante.
À minha orientadora Mônica Costa, pela receptividade comigo, com minha
proposta de pesquisa, pelas respeitosas interlocuções, pela leitura atenta, pelas
observações contundentes e pela aposta no meu caminho. Muito obrigada!
Aos/as professores/as da Pós-Graduação em Serviço Social da UFPE, pelo
comprometimento com a formação crítica e pelo esforço coletivo em manter a
qualidade da pesquisa e sua socialização.
Às professoras e pesquisadoras Silvana Mara e Verônica Ferreira, por quem
carrego admirações teóricas e políticas desde a graduação e pelas contribuições que
dão às lutas feministas, por aceitarem examinar este trabalho.
Ao professor Evandro Barboza, pelo aceite do convite para composição da
banca examinadora deste trabalho.
Ao CNPQ, pelo financiamento na modalidade Bolsa de Doutorado durantes os
dois últimos anos dessa pesquisa.
“Costuma-se dizer que a árvore impede a visão da floresta, mas o tempo
maravilhoso da pesquisa é sempre aquele em que o historiador mal começa
a imaginar a visão de conjunto, enquanto a bruma que encobre os
horizontes longínquos ainda não se dissipou totalmente, enquanto ele ainda
não tomou muita distância do detalhe dos documentos brutos, e estes ainda
conservam todo o seu frescor. Seu maior mérito talvez seja menos defender
uma tese do que comunicar aos leitores a alegria de sua descoberta, torná-
los sensíveis – como ele próprio o foi – às cores e aos odores das coisas
desconhecidas. Mas ele também tem a ambição de organizar todos esses
detalhes concretos numa estrutura abstrata, e é sempre difícil para ele
(felizmente!) desprender-se do emaranhado das impressões que o
solicitaram em sua busca aventurosa, é sempre difícil conformá-las
imediatamente à álgebra no entanto necessária de uma teoria.”
(ARIÈS, 1986, p.9)
RESUMO
O contexto econômico e político das duas primeiras décadas dos anos 2000 se
caracteriza por uma acentuada disputa ideológica entre o conservadorismo e o
feminismo, permeada pela ascensão da dinâmica capitalista em crise e suas
requisições ao Estado brasileiro a fim de privilegiar a lucratividade em detrimento do
atendimento às necessidades humanas. Desse modo, surgem tanto sujeitos políticos
representantes dos ideais conservadores quanto feministas, que vão disputar
perspectivas conflitantes, servindo de base para nossa análise. Procedemos, assim,
com uma pesquisa de caráter qualitativo e recorremos à análise documental e
bibliográfica, sob a ótica do método materialista histórico e dialético de base
ontológica. A partir disso, temos como objetivos: identificar as determinações que
particularizam o avanço do conservadorismo, do patriarcado e do racismo nas
políticas e nos programas destinados às mulheres no século XXI; analisar as
principais tendências ideopolíticas que sustentam as políticas e programas voltados
aos direitos das mulheres a partir dos anos 2000; e apreender como se expressa a
correlação de forças (que denominamos disputas ideopolíticas) entre a agenda
feminista classista e a agenda liberal e conservadora nas pautas feministas, os
sujeitos políticos que a defendem e seus interesses. Nos detemos em conceitos e
categorias como crise do capital, patriarcado e conservadorismo. Para além disso,
analisamos documentos e publicações nos sites e blogs dos sujeitos que
caracterizamos como conservadores: o Movimento Brasil Livre (MBL), o Escola Sem
Partido, a Bancada Evangélica e o Movimento Brasil Conservador (MBC). Em
contraposição, analisamos documentos e matérias de blogs e redes sociais dos
movimentos feministas Pão e Rosas, Movimento Mulheres em Luta, Coletivo Ana
Montenegro e Resistência Feminista, que atuam em conjunto a outros movimentos
sociais e partidos e que surgiram no contexto dos anos 2000. É inegável que as forças
conservadoras crescem aliadas à regressão de direitos e aos ataques à democracia,
além de se sustentar no patriarcado e no racismo. Os movimentos feministas que
analisamos desenvolvem ações de formação, divulgam seus posicionamentos
políticos e realizam mobilizações e protestos, que os colocam como sujeitos coletivos
ativos na sociedade. Sendo assim, crescem as lutas feministas, anticapitalistas e
antirracistas, cujas possibilidades e desafios seguem o curso histórico da luta de
classes no Brasil. Foi possível identificar que, em grandes medidas, esses
movimentos se aproximam em suas ações, com algumas diferenças como maior
atuação no Sul e Sudeste, no caso do Pão e Rosas e Movimento Mulheres em Luta
(MML), e com alguns mais focados no combate ao racismo, a exemplo da resistência
feminista e do Coletivo Ana Montenegro (CFCAM), sendo outros movimentos focados
em ações mais genéricas.
El contexto económico y político de las dos primeras décadas de la década del años
2000 se caracteriza por una aguda disputa ideológica entre conservadurismo y
feminismo, permeada por el auge de la dinámica capitalista en crisis y sus peticiones
al Estado brasileño, para privilegiar la rentabilidad sobre el encuentro de las
necesidades humanas. Así, hay tantos sujetos políticos que representan ideales
conservadores y feministas, que disputarán perspectivas conflictivas, sirviendo de
base para nuestro análisis. Se procedió a una investigación cualitativa, através del
análisis documental y bibliográfico, con el objetivo de: identificar las determinaciones
que particularizan el avance del conservadurismo, el patriarcado y el racismo en las
políticas y programas dirigidos a las mujeres del siglo XXI; analizar las principales
tendencias ideopolíticas que apoyan las políticas y programas orientados a los
derechos de las mujeres desde la década de 2000 en adelante; y aprender cómo se
expresa la correlación de fuerzas (que llamamos disputas ideopolíticas) entre la
agenda feminista de clase y la agenda liberal y conservadora en las agendas
feministas, los sujetos políticos que la defienden y sus intereses. Nos enfocamos en
conceptos y categorías como capital crisis, patriarcado y conservadurismo. Además,
analizamos documentos de temas que caracterizamos como conservadores: el
Movimiento Brasil Libre (MBL), la Escuela Sin Partido, el Banco Evangélico y el
Movimiento Conservador de Brasil (MBC). En contraste, analizamos documentos y
artículos de blogs y redes sociales de los movimientos feministas Pão e Rosas,
Movimiento de Mujeres en Lucha, Colectiva Ana Montenegro y Resistencia Feminista.
Es innegable que las fuerzas conservadoras crecen aliadas a la regresión de derechos
y ataques a la democracia, además de sostenerse en el patriarcado. Los movimientos
que analizamos desarrollan acciones de formación, dan a conocer sus posiciones
políticas y realizan movilizaciones y protestas, que los ubican como sujetos colectivos
activos en la sociedad. Por tanto, crecen las luchas feministas, anticapitalistas y
antirracistas, cuyas posibilidades y desafíos siguen el curso histórico de la lucha de
clases en Brasil. Fue posible identificar que, en gran medida, estos movimientos son
similares en sus acciones, con algunas diferencias, como una mayor actuación en el
Sur y Sudeste, en el caso de Pão e Rosas y Movimento Mulheres em Luta (MML), y
con algunos más enfocados en combatir el racismo, como la resistencia feminista y el
Colectivo Ana Montenegro (CFCAM), con otros movimientos enfocados en acciones
más genéricas.
Le contexte économique et politique des deux premières décennies des années 2000
est caractérisé par une vive querelle idéologique entre conservatisme et féminisme,
imprégnée par la montée de la dynamique capitaliste en crise et ses demandes à l'État
brésilien, afin de privilégier la rentabilité à la rencontre les besoins des besoins
humains. Ainsi, il y a tant de sujets politiques représentant des idéaux conservateurs
et féministes, qui contesteront des perspectives contradictoires, servant de base à
notre analyse. Nous avons procédé à une recherche qualitative, à travers une analyse
documentaire et bibliographique, visant à: Identifier les déterminations qui
particularisent l'avancée du conservatisme, du patriarcat et du racisme dans les
politiques et programmes destinés aux femmes au 21e siècle; analyser les principales
tendances idéopolitiques qui soutiennent les politiques et programmes visant les droits
des femmes depuis les années 2000; et pour appréhender comment s'exprime la co-
relation de forces (que nous appelons conflits idéopolitiques) entre l'agenda féministe
de classe et l'agenda libéral et conservateur dans les agendas féministes, les sujets
politiques qui le défendent et leurs intérêts. Nous nous concentrons sur des concepts
et des catégories tels que la crise des capitaux, patriarcat et conservatisme. De plus,
nous avons analysé des documents de sujets que nous qualifions de conservateurs:
le Mouvement Brésil Libre (MBL), l'école sans parti, le Banc évangélique et le
Mouvement conservateur du Brésil (MBC). En revanche, nous avons analysé des
documents et des articles de blogs et réseaux sociaux des mouvements féministes
Pão e Rosas, Mouvement des femmes en lutte, Collectif Ana Montenegro et
Résistance féministe. Il est indéniable que les forces conservatrices s'allient à la
régression des droits et aux atteintes à la démocratie, en plus de se maintenir dans le
patriarcat. Les mouvements que nous avons analysés développent des actions de
formation, font connaître leurs positions politiques et mènent des mobilisations et des
protestations, qui les placent en tant que sujets collectifs actifs dans la société. Par
conséquent, les luttes féministes, anticapitalistes et antiracistes se développent, dont
les possibilités et les défis suivent le cours historique de la lutte des classes au Brésil.
Il a été possible d'identifier que, dans une large mesure, ces mouvements sont
similaires dans leurs actions, avec quelques différences, telles que de meilleures
performances dans le sud et le sud-est, dans le cas de Pão e Rosas et Movimento
Mulheres em Luta (MML), et avec certains plus axés sur la lutte contre le racisme,
comme la résistance féministe et le Coletivo Ana Montenegro (CFCAM), avec d'autres
mouvements axés sur des actions plus génériques.
QUADRO 4: Sujeitos feministas classistas e antirracistas que surgem nos anos 2000
....................................................................................................................... 192
LISTA DE SIGLAS
BM – Banco Mundial
Assexual e mais
1. INTRODUÇÃO ..................................................................................................... 19
19
aos direitos conquistados e aos valores antifeministas – expressa uma particularidade
que só pode ser apreendida e explicada tomando como base a reprodução social e
as mediações do Estado, do direito e da luta política no campo do feminismo classista.
Dito isso, nosso objetivo com a pesquisa que resultou nesta tese consistiu em
apreender as disputas ideopolíticas entre as expressões patriarcais e racistas do
conservadorismo político em ascensão no Brasil e as tendências ideopolíticas
feministas classistas e antirracistas nos anos 2000.
Esse objetivo se desdobra, especificamente, em: identificar as determinações
que particularizam o avanço do conservadorismo e do seu viés patriarcal e racista no
século XXI; analisar as principais tendências ideopolíticas que sustentam as políticas
e programas voltados aos direitos mulheres a partir dos anos 2000; e apreender como
se expressa a correlação de forças entre a agenda feminista classista antirracista e a
agenda liberal e conservadora nas pautas feministas e quais os sujeitos políticos que
a defendem.
Nesse sentido, demarcamos a necessária vinculação dessa análise ao campo
das lutas anticapitalistas e antirracistas na perspectiva da classe trabalhadora e
consideramos que se faz necessário levar em consideração as perspectivas das lutas
feministas que se colocam atreladas à luta mais geral da classe trabalhadora de
resistência ao capitalismo.
Concomitantemente, demarcamos uma contribuição aos estudos em uma
perspectiva histórica e de totalidade, ao abordar a questão das mulheres como uma
particularidade, no conjunto da vida social, tendo como mediação o patriarcado e o
racismo, que historicamente põem e repõem desafios para as mulheres (em maior
grau para as negras), que são constantemente inferiorizadas em relação aos homens,
desencadeando, no conjunto das relações sociais, o machismo, a divisão sexual do
trabalho e implicações para profissões ditas “de homens e de mulheres”, salários mais
baixos para as mulheres negras, inserção feminina tardia no alcance de direitos
políticos e civis, dentre outros elementos.
Nessa sistematização teórica, há elementos da realidade política e social
brasileira que ratificam a necessidade das lutas por direitos da classe trabalhadora e
das mulheres, reconhecendo em particular a sua importância e dando visibilidade às
formas de luta e às estratégias de intervenção dos sujeitos coletivos feministas aqui
elencados.
20
Consideramos relevante a contribuição dos movimentos feministas em questão
aos movimentos sociais, sindicatos e partidos políticos com os quais mantêm uma
relação orgânica, incidindo sobre questões próprias das desigualdades de sexo no
interior desses espaços.
Socialmente, o movimento feminista em geral e os grupos aqui destacados
constroem coletivamente as ações de luta em combate ao conservadorismo e aos
seus representantes, em um movimento interno de formação de base e externo, a
partir de demarcação de seus posicionamentos, na luta por direitos e com a
participação das mulheres nas mobilizações e reivindicações distintas.
Para tanto, resgatamos, aqui, aspectos históricos que materialmente dão
suporte às ideologias conservadoras, mais precisamente as raízes patriarcais e
racistas inerentes à formação social brasileira, que, nos anos 2000, se reatualizam em
uma entoada antifeminista e exigem uma resposta contundente do feminismo
classista e antirracista.
Esse contexto comporta contradições, mediações e particularidades que não
podem ficar de fora da nossa análise, tais como: as contraposições às aberturas
sociais da conciliação de classes; a organização de grupos que consignam ideais
neoliberais e conservadores, como uma particularidade desse tempo histórico no
Brasil; as consequências para ataques à democracia, a exemplo do golpe parlamentar
ocorrido em 2016 e a consequente destituição da presidenta Dilma Rousseff; e a
aceleração da agenda antidireitos, cujas expressões são as contrarreformas
trabalhista e previdenciária, em um curto período de dois anos, através das quais se
amplia os níveis de desigualdade tanto para a classe trabalhadora quanto para as
mulheres em particular, marcadas pela divisão sociossexual e racial do trabalho.
21
que compõem um quadro de barbárie social marcado pela violência e pelo racismo,
considerando que tais dados tendem a ser mais agravantes para as mulheres negras.
Historicamente, as mulheres organizadas em movimentos diversos questionam
esses fenômenos e lutam em defesa da manutenção e da ampliação de direitos,
questionando os padrões impostos às suas vidas, aos seus corpos e às relações
sociais patriarcais e raciais nas quais estamos inseridas.
Tomando como fenômeno aparente que motivou nossas inquietações iniciais
para a elaboração dessa tese as disputas ideológicas entre a primavera feminista e a
proposição do Projeto de Lei nº 5069, no ano de 2015, nos propusemos a investigar
as determinações dessa disputa, com vistas a ampliar a nossa apreensão sobre quais
são as determinações históricas desse conflito.
Buscamos, desse modo, apreender as tendências de fortalecimento de uma
cultura “antidireitos” ancorada em perspectivas antifeministas e reprodutoras do
racismo, quais os retrocessos frente às conquistas das mulheres, particularmente das
mulheres negras nos anos 2000, período de acentuação da crise do capital e suas
recentes roupagens a partir de 2008. Além disso, também buscamos analisar o
patriarcado como mecanismo/sistema histórico e material que submete as mulheres
ao poder dos homens, vinculado ao crescimento do conservadorismo político e suas
articulações com os interesses burgueses, patriarcais e racistas.
Em contrapartida, identificamos alguns movimentos de resistência a essas
expressões, cujas incidências políticas culminam no que denominamos “disputas
ideopolíticas”, que estão em jogo na conjuntura brasileira atual. Sobre essas disputas,
buscamos apreender quais as pautas, as estratégias e as perspectivas anticapitalistas
de enfrentamento ao conservadorismo, ao racismo e ao patriarcado.
Diante dessas determinações histórico-concretas, operamos um movimento de
transformação em problema de pesquisa, que exige tanto a elaboração como as
respostas das seguintes questões: como se evidencia a articulação entre o
conservadorismo, o patriarcado e o racismo nos anos 2000? Como se configuram as
políticas e os programas estatais destinadas à incorporação das pautas feministas e
antirracistas? Como se expressam as disputas ideopolíticas e como elas podem se
manifestar em medidas antifeministas e reprodutoras do racismo? Quem são os
sujeitos políticos interessados em difundir as propostas antifeministas? Quais os seus
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argumentos e suas bandeiras? Quem são os movimentos feministas e antirracistas
que surgem como expressões de resistência da classe trabalhadora nesse contexto?
Tais questões nos permitiram ampliar o conjunto de elementos em torno do
objeto de estudo com algumas aproximações sucessivas realizadas no processo
investigativo, dentre as quais destacamos: a tendência à reprodução ideológica
patriarcal como suporte do conservadorismo, considerando que seus sujeitos
defendem um recuo nas pautas feministas apontando riscos à família e ao
cristianismo, a exemplo do Escola Sem Partido e da Bancada Evangélica; a
identificação de uma ampliação desses sujeitos tanto no Parlamento (crescimento de
bancadas de cunho conservador) como na ação coletiva em sociedade – Movimento
Brasil Livre (MBL) e Movimento Brasil Conservador (MBC); e a expressão da luta de
classes com a ascensão de coletivos e setoriais feministas classistas nos espaços de
organização da classe trabalhadora, como exposto no capítulo cinco.
A partir do pressuposto de que existe conexão entre o fim dos governos de
conciliação de classe do Partido dos Trabalhadores (PT), expresso inclusive nos
discursos do Parlamento na ocasião do golpe que destituiu a ex-presidenta Dilma
Rousseff do cargo e a ascensão conservadora, de base patriarcal e racista, no que se
refere às investidas contra os direitos, encontramos uma forma particular de
expressão da ideologia conservadora, através da qual se fundem interesses
neoliberais e conservadores, conforme apontado por Biroli (2017).
Um outro pressuposto com o qual trabalhamos foi o de que o recrudescimento
do conservadorismo no Brasil possui um aporte ideopolítico antifeminista e racista,
expresso pela organização e articulação de sujeitos coletivos (aos quais nos
debruçamos no quarto capítulo e encontra resistência na organização feminista
anticapitalista e antirracista).
Apreendemos, por meio da análise de programas e políticas para as mulheres
na primeira década dos anos 2000, a perspectiva social-liberal nas propostas, aliadas
aos interesses do mercado e dos ditames dos organismos internacionais para a
economia, dentre as quais destacamos as ideologias do empoderamento e do
empreendedorismo.
A partir disso, temos como base o movimento do real, em que as conquistas
alcançadas pelas mulheres se apresentam como parte resultante das lutas feministas
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acerca dos desafios do cotidiano na vida das mulheres e se transformam em agenda
política feminista.
Estamos diante de um contexto em que movimentos de direita ocupam as ruas,
incidem sobre o parlamento – propondo e aprovando medidas que representam um
projeto de classe conservador – e atingem diretamente as conquistas políticas e
sociais alcançadas pelas mulheres, conforme apresentamos no capítulo 4.
O objeto aqui evidenciado – as disputas ideopolíticas entre sujeitos
conservadores e movimentos feministas classistas – é uma expressão singular do
movimento mais genérico de antagonismos e disputas entre as classes, conformando
as lutas sociais contemporâneas em sua totalidade.
O conservadorismo está sendo tratado aqui como categoria de análise que,
expressando o conjunto de valores e medidas estabelecidas pelos interesses da
classe dominante no sentido de conservar seu modo de vida, tem no patriarcado a
mediação central para a negação dos avanços das mulheres em relação aos homens.
Em sua particularidade, as lutas das mulheres como parte de um projeto
classista universal estão inseridas em movimentos mais amplos que consideram a
necessária participação das mulheres na luta anticapitalista, denotando a perspectiva
de totalidade da vida social por meio da qual o agir político se realiza.
Por esse esforço, realizamos um movimento que caracterizamos como dialética
materialista, que, por sua vez, realiza e desenvolve a aproximação à realidade objetiva
conjuntamente ao caráter processual do pensamento como meio para esta
aproximação, podendo compreender a universalidade em uma contínua tensão com
a singularidade em uma contínua conversão em particularidade e vice-versa
(LUKÁCS, 1978).
Os anos 2000 são, portanto, um período singular da sociabilidade burguesa,
cujas configurações do conservadorismo só podem ser apreendidas enquanto parte
de uma investida histórica das classes dominantes com evidências de sua
conformação nesse contexto particular, no qual a mediação do patriarcado é central
para o desfecho do problema de pesquisa aqui tratado.
A partir do exposto, desenvolvemos uma pesquisa de cunho qualitativo, cujos
métodos “enfatizam as especificidades de um fenômeno em termos de suas origens
e de sua razão de ser” (HAGUETTE, 1995, p. 63), considerando que, como nos
afirmam Minayo, Deslandes e Gomes (2016, p. 14):
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[...] a realidade social é a cena e o seio do dinamismo da vida individual e
coletiva com toda a riqueza de significados dela transbordante. Essa mesma
realidade é mais rica que qualquer teoria, qualquer pensamento e qualquer
discurso que possamos elaborar sobre ela (MINAYO; DESLANDES; GOMES,
2016, p. 14).
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A posição da totalidade, que compreende a realidade nas suas íntimas leis e
revela, sob a superfície e a causalidade dos fenômenos as conexões internas,
necessárias, coloca-se em antítese à posição do empirismo, que considera
as manifestações fenomênicas e causais, não chegando a atingir a
compreensão dos processos evolutivos da realidade (KOSIK, 1986, p. 33).
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No segundo capítulo, o qual intitulamos Do social-liberalismo ao liberal-
conservadorismo: implicações patriarcais às mulheres na segunda década dos anos
2000, situamos o patriarcado como um dos pilares estruturantes do conservadorismo
expresso no Brasil nesse primeiro quinto de século. Além disso, constatamos que o
caráter liberal das políticas se alia aos aspectos conservadores, para que, juntos, se
autoafirmarem como direita, conciliando seus interesses e recrudescendo a ofensiva
antidireitos e antifeminista, sobretudo na segunda década.
Sob o título Sujeitos do conservadorismo e suas ações ideopolíticas no Brasil:
o revigoramento da direita fundamentalista e antifeminista, o terceiro capítulo
comporta a análise e as apreensões dos sujeitos coletivos que sugerimos como
representantes do conservadorismo, com destaque para seus posicionamentos
antifeministas e reprodutores do racismo. Situados no contexto mundial, tais sujeitos
coletivos se situam nos espaços legislativos e constroem estratégias de mobilização
para difundirem seus ideais.
No quarto e último capítulo, intitulado Resistência feminista em processo:
disputas ideológicas sob uma perspectiva da luta de classes no Brasil dos anos 2000,
realizamos um mapeamento seguido de análise de ações e estratégias das lutas
feministas classistas, situando-as em três eixos: difusão ideológica; ações coletivas;
e formação, a fim de expor a concretude da consubstancialidade entre classe, raça e
gênero a partir de movimentos feministas que se autodenominam anticapitalistas e
antirracistas. As ações que destacamos nesse capítulo relacionam-se, para fins
metodológicos, com gênero, raça e classe, embora todas se situem em um contexto
de lutas que reivindicam transformações nas relações capitalistas, patriarcais e
racistas, que, via de regra, não se dissociam.
Nesta Introdução, apresentamos alguns aspectos essenciais para a elaboração
da pesquisa, tais como as motivações, o ponto de partida, o caminho percorrido, o
referencial teórico e os procedimentos metodológicos. Nas Considerações finais,
foram apresentadas algumas conclusões com base no conteúdo exposto, somadas a
algumas tendências que a conjuntura enseja, além de alguns dos resultados
alcançados por esta pesquisa e de algumas tendências em curso no confronto
feminismo x conservadorismo no início da terceira década do século XXI.
Dito isso, a quem possa interessar a leitura desta tese, fica o desejo de que a
leitura seja profícua e proveitosa, com possibilidades de trocas e aprendizados.
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2. O SOCIAL-LIBERALISMO E AS RESPOSTAS POSSÍVEIS ÀS
REIVINDICAÇÕES FEMINISTAS: CONTRADIÇÕES ECONÔMICO-POLÍTICAS NA
PRIMEIRA DÉCADA DOS ANOS 2000
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2.1 CRISE DO CAPITAL E SEUS DESDOBRAMENTOS NA TRANSIÇÃO DO
SÉCULO XX AO SÉCULO XXI
A segunda metade do século XX foi palco histórico das mais altas investidas
do sistema do capital, que, ao passo que evidenciou sua capacidade de se
reestruturar, também apresentou a tendência aos limites da continuidade do seu
desenvolvimento, cujas expressões nesse período da história revelam a incidência
política e ideológica do controle econômico necessário para a continuação do seu
processo de acumulação da riqueza coletivamente produzida.
Ainda que possamos tratar das experiências revolucionárias do século XX, bem
como as conquistas políticas e sociais do chamado do welfare state nos países mais
desenvolvidos da Europa após a II Guerra, a ofensiva operada pelo capital sobre a
força de trabalho a partir da década de 1970, aliada ao império financeiro
estadunidense e sua capilaridade internacional, culminou no espraiamento do
neoliberalismo, cujas consequências configuram a realidade social do início dos anos
2000.
A expansão das políticas neoliberais e sua capilaridade internacional foram
tratadas por David Harvey (2011), que destacou as dimensões econômica e política
desse processo que ele caracteriza como neoliberalização:
Eis por que a significação da crise do Welfare State possui um alcance que
está longe de ser exagerado: em si mesma, revela que a manutenção e o
evolver da ordem do capital estão implicando, cada vez com mais
intensidade, ônus sócio-humanos de monta (NETTO, 2012, p. 78, grifos do
autor).
Com uma retórica sustentada pela defesa da redução das funções do Estado,
o neoliberalismo apregoa como responsabilidade pública apenas medidas que
correspondem “[...] aos direitos básicos dos indivíduos, à liberdade de ação dos
agentes econômicos e ao fortalecimento de bens públicos e serviços estatais
necessários à manutenção da ordem, tais como defesa, segurança justiça e serviço
sociais” (CASTELO, 2013, p. 220).
Na perspectiva de liberdade de mercado evidenciada pela ideologia neoliberal,
o capital financeiro se expande em um movimento de integração de mercados
acompanhado de estratégias de dominação por parte dos Estados Unidos, que se
consolida como potência econômica em ascensão e caracteriza a mundialização do
capital (CHESNAIS, 1996) a partir da combinação de dois elementos:
Do ponto de vista econômico, temos um contexto no qual “o que salta aos olhos
no grupo de grandes países centrais é o peso dos Estados Unidos, potência
hegemônica que gera, sozinha, 30% do PIB mundial” (DUPAS, 2005, p. 22. grifos do
autor)
Ao se remeter à centralidade econômica dos Estados Unidos nesse processo,
Wood (2014) ressalta que:
34
medida dos impactos daqueles abalos periódicos e da necessidade de serem
superados (MARTINS, 2005, p. 20-21).
35
Não por coincidência, o processo de fortalecimento da financeirização do
capital na última década do século XX nos países da periferia do capital se fortalece,
com base nas orientações de organismos internacionais tais como o Banco Mundial e
o Fundo Monetário Internacional (FMI), com fortes perspectivas para o século XXI.
Um panorama das desigualdades na América a partir da adoção do receituário
neoliberal foi apresentado por Soares (2001) com destaque para a disparidade da
desigualdade entre os 10% mais ricos e os 40% mais pobres em diversos países do
continente, em que os primeiros detêm renda 10 vezes mais que os segundos, além
de aumento do subemprego e do desemprego, com uma considerável redução salarial
(diminuição das remunerações do trabalho).
Um fato que chama atenção nesses movimentos realizados pelo capital, por
meio dos mecanismos de afirmação do modo de produção capitalista em seu contexto
de crise, é que a instauração de processos de dominação econômica no século XX é
acompanhada também pelo desenvolvimento de mecanismos ideológicos de
dominação, cuja finalidade de difundir e manter os interesses dominantes se
intensificou no século XXI.
As classes dominantes tratam de fortalecer seus intelectuais (individuais e
coletivos) a fim de disseminar seus valores, sua dominação e estabelecer um
consenso, processo no qual o Estado assume tarefa primordial no apaziguamento e
na repressão de trabalhadores/as frente às suas distintas organizações de
reivindicações e resistências.
Assim como na Alemanha analisada por Marx e Engels, é inegável que há uma
tendência ao falseamento da realidade pela classe dominante, bem como em todas
as tentativas de manutenção da ordem e de poder. Porém, concordamos com as
argumentações de Lukács (2013, p. 471), que, por sua vez, ressalta que “[...] a
existência social da ideologia parece pressupor os conflitos sociais que precisam ser
travados em sua forma primordial, isto é, socioeconômica”.
A capacidade de organizar pensamentos e ações, contrapostas ou adequadas
a uma determinada ordem socioeconômica que é própria dos sujeitos, pressupõe a
construção de ideais e valores a serem compartilhados coletivamente. Como a forma
de organização social de classes é antagônica, temos por suposto que tais valores
estão incumbidos de disputas e contrassensos e, decorrente disso, “[...] o surgimento
36
e a disseminação de ideologias se manifestam como a marca registrada geral das
sociedades de classe” (LUKÁCS, 2013, p. 465).
Levando em consideração o movimento operado pelo capital no seu processo
de crise, aliado às estratégias de dominação dos Estados Unidos, situamos um
movimento de transformação dos ideais neoliberais (tanto os seus aspectos
econômicos como ideológicos), bem como as implicações para o fortalecimento da
ideologia conservadora e do patriarcado, como fatores entrelaçados na totalidade das
relações sociais da sociabilidade capitalista na contemporaneidade.
Incorporados às estratégias de superação da crise capitalista, o neoliberalismo
e o conservadorismo se conectam como elementos centrais no ascenso da direita no
mundo, cujas exigências articulam o enfraquecimento da crítica e das lutas pela classe
trabalhadora, por suas condições de trabalho e pela regulação de direitos pelo Estado,
tendendo a recuos significativos na perspectiva democrática e cidadã.
Sutilmente, com um aparato institucional a nível internacional – a exemplo do
FMI, do Banco Mundial e da Organização das Nações Unidas (ONU) – o
neoliberalismo e o conservadorismo adensam um discurso sob o qual aliam
desenvolvimento econômico e justiça social em uma perspectiva que descarta a
trajetória de reivindicações populares e concentra no Estado o desenvolvimento de
uma agenda.
Tais elementos, não por coincidência, se desenvolvem ao tempo de uma
reação conservadora que comunga teorias e práticas em defesa de um modelo
hegemônico de sociabilidade de mercado, cujas consequências para sua manutenção
são transformações na lógica interventiva do Estado e sua relação tanto com o grande
capital internacional, como com a sociedade. Isso, claro, em termos nacionalistas.
Como alertam Duménil e Lévy (2013) sobre a “grande contração” após o
compromisso do período após a II Guerra, a aliança entre as classes gerenciais e
populares, sob a liderança das primeiras, se transmuta para uma aliança entre as
classes capitalistas e a gerencial. Nesse movimento, próprio da tentativa burguesa de
enfrentar a crise neoliberal, valores e práticas que estimulem o esvaziamento do
conhecimento da realidade se tornam corriqueiras. Por exemplo:
37
interesses capitalistas e sem as características de bem-estar social das
décadas do pós-guerra (DUMÉNIL; LEVY, 2013, p. 39).
38
Os desmontes de serviços públicos, de privatização das políticas sociais e a
defesa de um Estado gerencial (com uma intervenção minimalista) preconizados pelos
ideais ordoliberais nas décadas de 1980 e 1990 são remodelados para a entrada dos
anos 2000 sob o mote do desenvolvimento com investimento social – que alguns
pesquisadores denominam pós-neoliberalismo (SADER; GENTILLI, 2008; SADER,
2013), neodesenvolvimentismo (KATZ, 2016; SAMPAIO JR., 2012; GONÇALVES,
2012) ou social-desenvolvimentismo.
A ideia de um novo desenvolvimentismo, que supostamente rompe com as
estratégias neoliberais e prioriza o investimento social, ao não apontar a superação
das desigualdades e sim intervir nas suas expressões mais imediatas, pressupõe, do
ponto de vista político, uma busca de equilíbrio – diga-se de passagem impossível de
alcançar – entre as classes.
É emblemático o posicionamento de Castelo (2013) quanto às mudanças pelas
quais passam o Estado e o modo de operacionalização das políticas sociais sob um
viés social de desenvolvimento. Para ele:
39
que prevalecem sobre as reivindicações do conjunto da classe trabalhadora pelos
seus direitos, ainda que se argumente uma ruptura com o velho neoliberalismo.
Ao ser amparado pelo Estado, o mercado alcança uma proteção solidificada,
em um movimento denominado “capitalismo de Estado” enquanto um “[...] mecanismo
autorregulador que permite a sobrevivência da acumulação” (KATZ, 2016, p. 245),
que atua em uma relação compulsiva e desproporcional à garantia e solidez dos
direitos sociais.
Entretanto, ainda conforme a análise de Katz (2016), nos parece importante
destacar que:
40
porque, do contrário chega-se – quer se queira, quer não – a uma
autonomização extrapoladora daquelas forças que, na realidade determinam
apenas a particularidade de um complexo parcial dentro da totalidade: elas
se convertem em forças próprias, autônomas, que não são tolhidas por nada,
e, desse modo, tornamos incompreensíveis as contradições e desigualdades
do desenvolvimento, que se originam das inter-relações dinâmicas dos
processos singulares e sobretudo da posição ocupada pelos complexos
parciais dentro da totalidade (LUKÁCS, 2013, p. 305-306).
De fato, o capital, como tal, nada mais é do que uma dinâmica, um modo e
meio totalizante e dominante de mediação reprodutiva, articulado com um
elenco historicamente específico de estruturas envolvidas institucionalmente,
tanto quanto de práticas sociais salvaguardadas (ANTUNES, 2009, p. 23).
Por isso consideramos que há uma apropriação política e ideológica por parte
de sujeitos que são construídos para a finalidade de fortalecer a perspectiva
conservadora do lado da burguesia e dos mecanismos de difusão de seus interesses
41
no curso da crise capitalista, de forma imediata e irracional, de modo que “[...] o que
nos salta aos olhos é que esses elementos do discurso ideológico conservador
produzem a função do reconhecimento com os elementos da consciência imediata
reificada” (IASI, 2017, p. 386).
Os interesses econômicos dominantes se aliam aos retrocessos políticos a
partir de ofensiva orquestrada pela captura das condições objetivas e subjetivas da
classe trabalhadora, inviabilizando o fortalecimento de uma resistência unívoca e
impulsionando uma história que, na contramão dos interesses racionais modernos,
“[...] vem reafirmando a prevalência das condições de constrangimento sobre as
classes trabalhadoras, muito mais que suas possibilidades efetivas de emancipação”
(PINASSI, 2009, p. 33).
Nesse contexto, o patriarcado aparece como um aporte fundamental ao
fortalecimento do conservadorismo, posto que as desigualdades econômica, social e
política vivenciadas pelas mulheres tendem a ser naturalizadas pelas programáticas
da direita mundial. Além disso, o patriarcado se alimenta de discursos e medidas
antagônicas ao feminismo, que, por sua vez, atua enquanto um movimento que
historicamente busca a superação das opressões e explorações vivenciadas pelas
mulheres.
Na sua essência materialista, as relações sociais de sexo dão conta da
particularidade das mulheres na totalidade das relações, embora neste trabalho
consideremos central o caráter patriarcal de como essas relações se conformam, que
é para nós o elemento que sustenta as desigualdades entre os sexos com conotação
histórica, material e dialética, ensejando contradições no modo de organização da vida
social.
Na totalidade das relações sociais, a forma desigual como as mulheres são
historicamente tratadas ganha centralidade nos movimentos feministas, seja como
relações de gênero ou como relações sociais de sexo, que é a concepção materialista
que predomina na França sobre a qual uma de suas precursoras, Devreux (2005, p.
565) afirma que “[...] recobrem, então, todos os fenômenos de opressão, de
exploração e de subordinação das mulheres aos homens”.
Ao abordar o contexto de novos empregos femininos e migrações no âmbito da
“globalização” neoliberal, Falquet (2017, p. 15), aponta o fato de, nesse cenário:
42
Babás e empregadas domésticas, mas também auxiliares de saúde
de doentes e/ou idosos (cada vez mais numerosos e menos assistidos
pelos poderes públicos), tornaram-se essenciais, no que constitui um
verdadeiro processo de interiorização da reprodução social
. (FALQUET, 2017, p. 15, minha tradução)1.
1
No original: “Las niñeras y las empleadas de hogar, pero también las auxiliares de salud para personas
enfermas y/o mayores (cada vez más numerosas y menos atendidas por los poderes públicos), se
han vuelto esenciales, en lo que constituyen um verdadeiro proceso de internalización de la
reproducción social” (FALQUET, 2017, p. 15).
2
No original: “[...] es por eso que el análisis desde una perspectiva de género no puede prescindir de
uno simultâneo en términos de clase y de raza” (FALQUET, 2017, p. 15).
43
Em um contexto econômico marcado por altas taxas de desemprego e pelo
desemprego estrutural, são exigidos altos níveis de escolarização da mão-
de-obra desempregada que presta os trabalhos mais banais, o que afasta
cada vez mais os negros do mercado de trabalho, posto que eles
reconhecidamente compõem o segmento social que experimenta as maiores
desigualdades educacionais (CARNEIRO, 2011, p. 113).
44
O Estado brasileiro, pela mediação histórica dos direitos (civis, políticos,
sociais) enquanto resultado das lutas da classe trabalhadora, promove alguns
reconhecimentos básicos de cidadania (como garantia de nome social, no caso da
População LGBTQIA+) mas apresenta contradições no tocante aos limites formais,
exigindo constantes reivindicações e mobilizações que tensionam sua função social.
Em todas essas pautas, a particularidade das mulheres se evidencia na
atualidade, carregando os traços históricos da divisão sociossexual e racial do
trabalho e da desigualdade nas relações sociais entre os sexos, que expressam
violências, tendências, a naturalização do lugar das mulheres e consequentes
resistências.
Em um processo de constituição lento e gradual, ou, nos dizeres de Fernandes
(1976), “[...] sob convulsões profundas, numa trajetória de ziguezagues” (p.34) o
Estado nacional brasileiro erige-se com base em uma perspectiva liberal, cujas
funções assumidas no processo da independência do Brasil assumem duas funções
típicas:
45
dominantes do que pela força coletiva de grupos populares (material e
ideologicamente dominados).
Não casualmente, em A formação do estado burguês no Brasil, Saes (1985)
identificou que o próprio surgimento do Estado moderno burguês no Brasil reatualizou
traços de uma pretensa democracia que não superou os aspectos racistas, mesmo
após a “abolição” da escravidão. De acordo com o autor:
46
tentou a mesma coisa, foi derrubado por um golpe militar. Abolição sim,
reforma agrária, não (SILVA, 2018, p. 366).
47
século XX, cujo movimento democrático popular, construído nas últimas décadas
daquele século, não logrou êxito em estabelecer um consenso com o Estado (mesmo
considerado democrático) em relação aos seus interesses.
Consideramos que, enquanto resultante das relações antagônicas das classes,
o Estado é tensionado pelas classes em disputa, podendo, em alguns momentos,
atender em maior ou menor grau às reivindicações das lutas populares, o que aqui
caracterizamos como estabelecimento de um consenso. Destarte, isso não anula os
interesses prioritários do Estado para com as classes dominantes, cujos esforços para
serem por ele atendidas são razoavelmente menores em comparação às diversas
lutas da classe trabalhadora.
A partir das ocorrências históricas de um Estado brasileiro populista em alguns
contextos autoritários, as medidas de caráter social-liberal apresentadas como
alternativas às desigualdades sociais do início do século XXI permanecem como
ideário de um Estado que continua priorizando as demandas do mercado, em um
momento em que o capitalismo busca se restaurar por meio de mecanismos de
financeirização, a despeito de algumas medidas inéditas e importantes no plano
social.
Mantém-se atualizada a crítica marxiana aos fundamentos do direito burguês,
cujas expressões na Europa da segunda metade do século XIX já expressavam a
negação da totalidade das relações sociais, apontando para uma aparência de
igualdade em cuja essência se escondiam as verdadeiras motivações:
48
Destacamos, ainda, que nem sempre as mulheres e a população negra foram
incorporadas de modo igual aos homens brancos nas referidas constituições. O direito
ao voto feminino, por exemplo, só foi reconhecido na Constituição de 1937, há menos
de um século, fato que, do ponto de vista histórico, podemos dizer que é bastante
recente. Ademais, com as ditaduras que impossibilitaram o voto direto, os analfabetos,
que nunca haviam votado, só foram se sentir parte do eleitorado brasileiro após a
Constituição de 1988, o que atinge majoritariamente a população negra cuja trajetória
é marcada pela ausência de políticas educacionais que a atendessem.
Conforme constatou Mattos (2019) sobre a peculiaridade das conquistas
formais para o conjunto da classe trabalhadora brasileira nos anos 1930:
49
socialmente produzida, e, mais do que isso, os impulsiona a adotar medidas mundiais
de manutenção desse padrão, que, obviamente, traduz-se em aumento da exploração
da força de trabalho, do desemprego, da perda de direitos e da condição de pobreza
de parte da população, sendo o Estado um elemento estratégico na superação do
declínio da lucratividade do capital.
Conforme ressalta Mandel (1982, p. 405):
50
que conseguem pagar pela realização de serviços domésticos, tais como a limpeza
de casa, de roupas, a preparação de refeições e os cuidados com crianças, idosos e
enfermos.
A perspectiva de desenvolvimento atrelada ao novo paradigma democrático da
década de 1930 ensejaram, com o fim do Estado Novo, novas conjecturas para os
anos 40 e 50, a exemplo da expansão de partidos políticos e da convocação de
eleições diretas em 1945.
Na década de 1950, o desenvolvimentismo se acirrou com o projeto 50 anos
em 5, de Juscelino Kubitschek, o que fortaleceu a aceleração da acumulação
capitalista que os países de capitalismo central passavam a reordenar no período
após a II Guerra, embora o processo democrático e as reivindicações dos/as
trabalhadores/as, bem como suas organizações em partidos e movimentos, tenham
sido obstaculizadas na década de 1960, com o golpe de Estado e a instauração da
Ditadura Civil-Militar no Brasil, sendo ambos os períodos econômica e politicamente
favoráveis à classe dominante e aos seus anseios conservadores, cujos Atos
Institucionais (AIs) e o Plano de Ação Econômica dos Governos (Paeg) eram os
instrumentos econômicos e ideopolíticos de controle sobre a população.
Ao nos debruçarmos sobre as adaptações dos projetos brasileiros de
desenvolvimento, de sua relação com os interesses internacionais de expansão
econômica e das particulares relações internas entre as classes, corroboramos com
Oliveira (2013, p. 100), quando ele afirma que:
51
raízes históricas e ideológicas que ancoram as opressões vividas pela população
negra e pelas mulheres.
Sem dúvidas o contexto de enfrentamentos coletivos às repressões da Ditadura
Civil-Militar, em meados dos anos 70 para o início dos anos 80, expõe a capacidade
da população em resistir e se organizar em busca de direitos políticos e sociais
sufocados e reprimidos no obscurantismo das décadas de 1960 e 1970 no Brasil.
São exemplos dessa resignação as campanhas por eleições diretas e pela
anistia dos presos políticos e as expressões artísticas do descontentamento que
atingia à população àquele período, aliadas ao surgimento de movimentos, partidos
políticos, centrais sindicais e articulações políticas que culminaram na Constituição
Federal de 1988, que, por sua vez, demarca o reconhecimento da igualdade formal
entre todos os indivíduos e preconiza uma série de direitos.
Todavia, enquanto mecanismo da ordem burguesa, a democracia atravessa
contundentes ameaças em seu processo de constituição/consolidação, que, no Brasil,
se depara, no início da década de 1990, com o projeto neoliberal, que àquele momento
estava se alastrando pela América Latina.
Adversamente, a regulamentação da seguridade social prevista
constitucionalmente e ainda longe de ser alcançada pelas mulheres negras defronta-
se com o projeto de mercantilização e sua base de privatização dos bens públicos,
desencadeando um acelerado processo de desestatização das empresas públicas
resultantes da era desenvolvimentista.
Esse projeto, por sua vez, trata-se de mais uma investida liberal contra a
possibilidade de alcance da cidadania e da democratização ancorada na socialização
de bens resultantes do trabalho. Acerca disso, L. Carvalho (2018, p. 225) ressalta que:
53
Um marco na publicização das reivindicações feministas nos anos 2000 foi a
Plataforma Política Feminista, elaborada por diferentes organizações feministas
brasileiras na Conferência Nacional de Mulheres Brasileiras (CNMB), realizada em
junho de 2002.
A partir de uma mobilização que envolveu o conjunto dos movimentos
feministas organizados no Brasil, essa plataforma apresentou uma necessária
articulação entre as lutas sociais e as lutas feministas, abarcando elementos de ordem
geral e específica para as mulheres conforme demonstrado no próprio documento:
54
mulheres, tomados como parâmetro para o desenvolvimento de programas e ações
governamentais.
Apresenta-se, contudo, uma contradição entre o fato de os mecanismos
institucionais terem cumprido uma importante função de viabilizar a publicização e o
reconhecimento das questões reivindicadas pelas mulheres e, em contrapartida, o fato
de essas pautas terem sido incorporadas a incursões liberais e às perspectivas de
mercado, contidas em documentos que ressaltam planos e políticas para as mulheres
e pautas das conferências e programas nacionais.
Tendo em vista a indissociabilidade entre economia e política, não podemos
descartar que a política caracterizada por neodesenvolvimentista não promoveu a
ruptura com a perspectiva neoliberal anteriormente posta, mas sim a aperfeiçoou,
tentando torná-la mais palatável sob o intuito de uma conciliação de classes, o que
implicou em novas redefinições da esfera estatal e no estabelecimento de uma relação
direta e desproporcional entre as dimensões econômica e social, não mais tendo
como consequência do desenvolvimento da primeira o atrofiamento da segunda.
Conforme já afirmou Anderson (2020, p. 53):
56
contratação privada de serviços, compondo o amplo contingente da população que
acessa serviços seletivos e precarizados.
O Programa de Promoção da Igualdade de Oportunidades para Todos (MPT,
2003) revelou que, no setor primário, as mulheres recebem 15% do que recebem os
homens; no setor secundário, por sua vez, recebem 61%; e no terciário, recebem 59%.
Diante das históricas demandas da população negra por condições de vida
dignas (incluindo trabalho, alimentação, moradia, educação e a criação de diversas
políticas públicas), consideramos avanços significativos as medidas governamentais
que se apresentam como respostas na primeira década dos anos 2000, a exemplo da
criação da Secretaria de Promoção à Igualdade Racial (Seppir), em 2003; da
instituição da Política Nacional de Promoção à Igualdade Racial, também em 2003;
do Estatuto da Igualdade Racial, em 2010; e do Sistema Nacional de Promoção da
Igualdade Racial, em 2013.
Em seu relatório de gestão dos anos de 2003 a 2006, a Seppir elencou, como
atividades desenvolvidas na área do trabalho, as seguintes:
57
Sob o primeiro viés, cabe destacar a criação da Secretaria Especial de Políticas
para as Mulheres e da Secretaria Especial de Promoção à Igualdade Racial, em 2003,
e a sanção da Lei Maria da Penha – Lei 11.340/2006 – no ano de 2006, sendo esta
última surgida como penalidade sofrida pelo Estado brasileiro dada sua omissão
diante da denúncia aos órgãos internacionais de direitos humanos do caso de
violência sofrida pela biofarmacêutica Maria da Penha.
A pauta feminista pelo enfrentamento à violência contra as mulheres se
redefine nesse contexto, impulsionando as assinaturas de pactos de enfrentamento à
violência contra a mulher em estados e municípios e a criação de órgãos
(coordenadorias e secretarias) relativos a essa questão.
Por outro lado, consideramos que os avanços no âmbito da legalidade e da
formalidade institucional, embora sejam ganhos históricos importantes, são
insuficientes para o atendimento das reivindicações postas na Plataforma Política
Feminista, debatidas nas conferências de políticas para as mulheres e condensadas
nos planos nacionais de políticas para as mulheres.
Voltando ao paradoxo entre os interesses das mulheres (e da classe
trabalhadora à qual elas pertencem) e a agenda social liberal, nos detenhamos nos
princípios e diretrizes do II Plano Nacional de Políticas para as Mulheres, resultante
das deliberações da II Conferência Nacional de Políticas para as Mulheres ocorrida
em 2007, para identificarmos um esforço do governo brasileiro para conciliar essas
dimensões, que são, por suposto, inconciliáveis.
Esse segundo plano adensa as propostas de empreendedorismo para as
mulheres como elemento central para a autonomia econômica das mesmas e para a
igualdade de gênero no mundo do trabalho.
Não por acaso, a incorporação da agenda do trabalho das mulheres pelos
organismos internacionais nesse período vai se revelar na agenda de
“desenvolvimento” apresentada pelo Banco Mundial, pelo FMI e pelo Banco
Interamericano de Desenvolvimento (Bird), cujas recomendações para a política
econômica do país vão embasar, mesmo com a ativa participação das mulheres, as
aberturas efetuadas para a participação política feminista. No plano, destaca-se que:
Sob esse viés coletivo, transformador e que visa romper com estruturas
patriarcais de poder, demonstramos apreço aos grupos e movimentos que resgatam
a trajetória do significado desse processo para as mulheres.
O que não podemos nos furtar é de apontar o quanto esse termo tem sido
apropriado pelas políticas de mercado como proposta de uma pretensa igualdade
individualizante, que põe as mulheres como responsáveis pelas suas condições de
sobrevivência. Nesse sentido, recorremos à recente pesquisa de D. Silva (2021), em
que ela identifica que o conceito de empoderamento vem sendo fortalecido a partir de
sua utilização pelo Banco Mundial, pela ONU, pela Organização Internacional do
Trabalho (OIT) e pela Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (Cepal),
sobre o que ela destaca:
59
Nos parece politicamente sensato, em se tratando da consubstancialidade
classe, raça e gênero, estar sempre em atenção constante aos ditames do mercado
e suas manifestações ideológicas, considerando que ele é capaz de se infiltrar nas
próprias reivindicações, dissolvendo-as e apropriando-as ao seu modo.
As medidas pró-empreendedorismo desenvolvidas pelo Serviço Brasileiro de
Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae) no contexto das formas
contemporâneas de expropriação da força de trabalho têm como maiores
interessados os bancos e a possibilidade de oferecer crédito aos
microempreendedores contando o Estado nessa empreitada, o que torna as políticas
para as mulheres um campo fértil de disputas entre os interesses históricos das
mulheres e os do mercado sob o viés do discurso da igualdade de gênero.
Um exemplo concreto disso é o Programa Itaú Mulher Empreendedora, cujo
discurso de investimento social propagado pelos bancos se assemelham às políticas
e metas adotadas pelo Governo brasileiro, por meio das quais, longe de atender
qualitativamente às demandas postas pelos movimentos feministas, identificamos
uma terceirização das suas pautas políticas para a agenda de mercado, de modo que,
conforme previsto no próprio programa enquanto objetivo, o “[...] programa visa
contribuir para a integração das políticas sociais e econômicas a fim de identificar e
atuar nos espaços de oferta de ocupação nos mercados formal e informal de mão-de-
obra local” (SPM, 2008, p. 2).
Nesse jogo de integração entre as políticas sociais e econômicas, sabemos que
a direção das últimas pelo grande capital, sob a mediação do Estado, sai mais
fortalecida, ao passo que as políticas sociais são tratadas como medidas imediatas
para mulheres em situação de “risco social”, que, convocadas a aprenderem o
caminho das pedras do empreendedorismo, se distanciam cada vez mais de um
reconhecimento enquanto trabalhadoras detentoras de direitos que devem ser
garantidos via políticas públicas universais. Trata-se, portanto, de um movimento
ideopolítico que, uma vez não enfrentado, vai se consolidando como alternativa
governamental sob o consenso de enfrentamento às desigualdades e promoção da
equidade de gênero. No entanto, o processo de desregulamentação das relações de
trabalho vai se complexificando, de tal modo que:
60
Em outras palavras, ao defender que os contratos entre pessoas jurídicas
substituam os contratos de trabalho, estão, em nome do desenvolvimento
econômico, decretando a precarização do trabalho. Dentre as suas
justificativas estão a alta tributação de impostos a que são submetidos os
empregadores, a necessidade de o Brasil seguir a tendência dos países
desenvolvidos e, para legitimar essa proposta junto aos trabalhadores,
defende-se que a relação comercial, ou seja, o contrato entre pessoas
jurídicas, promove a geração de emprego e estimula o empreendedorismo
(TAVARES, 2007, p. 3).
61
No tocante à centralidade que o empoderamento ocupa nas políticas para as
mulheres, é importante pontuar que esse conceito está inserido no direcionamento do
Banco Mundial, que o coloca como um mecanismo de combate à pobreza em uma
relação cujas determinações centrais são:
64
com a proposição de um projeto de lei que prevê a sanção do Estatuto do Nascituro,
por meio da qual o indivíduo deve adquirir personalidade antes mesmo do nascimento.
Os deputados federais Luiz Bassuma (PT-BA) e Miguel Martini, do Partido Humanista
da Solidariedade (PHS-MG), argumentam em apoio ao referido estatuto, contrariando
as lutas feministas em defesa da autonomia das mulheres sobre a decisão de
interromper ou não uma gravidez.
O Projeto de Lei nº 478/2007 constituiu-se como uma das maiores ameaças
aos direitos sexuais e reprodutivos das mulheres. Com a sua sanção consolidada,
seria concretizada a criminalização generalizada das mulheres, inviabilizando,
inclusive, o aborto legal previsto no Código Penal.
Esses tensionamentos perpassam a primeira década dos anos 2000 sob a
perspectiva feminista da autonomia corporal, da integridade física e do direito de estar
livre de todas as formas de violência, frente à resistência de grupos religiosos que,
contrários a essas pautas, se organizam para difundir o conservadorismo que
historicamente lançam mão, agora em coletivos como a bancada evangélica e o
Escola Sem Partido (OLIVEIRA; CAMPOS, 2009).
Apesar da edição da Norma Técnica de Atenção ao Abortamento em 2005 por
parte do Ministério da Saúde, que visa a garantia de um atendimento padronizado e
humanizado no processo do aborto, e da Política Nacional de Saúde Integral da
População Negra, surgida em 2007, a primeira década do século XXI no Brasil
também revela o reacionarismo e a intolerância com as reivindicações feministas, a
exemplo da criação da Frente Parlamentar Evangélica no Congresso Nacional, em
2003, e da Frente Parlamentar Contra a Legalização do Aborto - Pelo Direito à Vida,
em 2007.
Tais disputas políticas e ideológicas tendem ao acirramento na segunda
década dos anos 2000, conforme aprofundaremos a seguir, de modo que a chamada
“agenda de gênero” – que envolve todas as questões tratadas aqui e outras mais
conjunturais:
65
Para esta autora, houve uma renovação do ativismo feminista junto ao Estado
dos anos 80 aos anos 2000, que ela compreende que:
66
Além disso, a Política Nacional de Saúde Integral da População Negra revela a
contradição acima referida, ao passo que, mesmo no âmbito de um acesso
pretensamente universal, há diferenças no atendimento à saúde da população negra,
a exemplo das mulheres que realizam consultas de pré-natal:
Duas questões se revelam em relação aos dados acima: uma que denota que
as lutas em torno de direitos sociais e pela superação das desigualdades de gênero
têm que levar em conta uma direção antirracista; e outra que as políticas setoriais
seguem o fluxo das políticas genéricas, com critérios de seletividade que, para além
disso, reproduzem a desigualdade racial cotidiana.
Com o movimento da crise do capital em 2008, as perpectivas políticas para a
segunda década dos anos 2000 é de um recuo maior nos direitos alcançados, e,
diante de novas investidas feministas e de processos de ocupação das ruas, o quadro
se apresenta crítico no que se refere tanto à implementação de novos serviços como
à permanência de programas e serviços específicos que acompanham o movimento
de regressão de direitos que atinge a classe trabalhadora.
O que temos diante de nós neste início de século XXI, de modo peculiar no
Brasil e em outros países da latino-americamos são reações que procuram
revitalizar as resiliências, retomar e aprofundar o controle e a regulação sobre
as mulheres, sobre seu corpo, e limitar subjetividades em transformação.
Falo, assim, de reações conservadoras, acentuando desde já a relevância do
primeiro termo (BIROLI, 2018, p. 15-16). Grifos da autora.
68
religiosa nas instituições políticas como o Congresso Nacional, implicam um
fortalecimento que, como veremos, se mostrará mais fortalecido na segunda década
dos anos 2000, com uma dimensão patriarcal que confronta com os espaços
anteriormente abertos para as mulheres.
As particularidades de um amplo processo de precarização para a mulheres
nesse contexto são apresentadas por Assunção (2013, p. 66), com ênfase no fato de
que “[...] a combinação entre opressão e exploração é de extrema importância para
fortalecer e renovar as distintas formas de exploração e dominação”, residindo, nessa
combinação, o elemento central que justifica a necessidade de pesquisas que
articulem as condições gerais de trabalho e como elas se expressam particularmente
para grupos de trabalhadores distintos – como as mulheres.
Ao levarmos em consideração que o racismo também estrutura a divisão do
trabalho, entendemos, conforme a explicação de Carneiro (2011, p. 115), que:
Situando o capital e sua tendência de controle cada vez mais brutal das
capacidades humanas e da força de trabalho, consideramos que a incursão das
ideologias dominantes se apropria também das pautas raciais, valendo-se, inclusive,
de aparatos institucionais do Estado (embora permaneça em disputas e projetos da
classe trabalhadora).
Desse modo, nos convém concordar que:
69
A reestruturação produtiva, junto com as concepções liberais, tem introduzido
um padrão de flexibilidade nas relações de trabalho, através principalmente
do recurso ao trabalho feminino. Assim é necessário examinar as
características sexuadas da flexibilidade e suas consequências, tanto no
plano do mercado de trabalho e do emprego, implicando no aumento da
precarização social e da precarização do trabalho; como no plano da
organização e das condições de trabalho (COSTA; SOARES, 2002, p. 11).
70
não podendo ser neutro, mas, como demarcado pela teoria social marxista, tendendo
a representar interesses dominantes. Desse modo:
71
O crescimento econômico, por si próprio, não traria a redução das
desigualdades, havendo a necessidade de políticas públicas específicas e
direcionadas para este problema; 2) os gastos sociais não seriam baixos, ao
contrário: eles deveriam tornar-se mais eficientes com a melhora da alocação
de recursos com sua focalização nos estratos sociais miseráveis; 3)
propostas de desenvolvimento baseadas no investimento em capital humano,
reformas tributárias, previdenciárias e trabalhistas e ampliação do
microcrédito (CASTELO, 2013, p. 356).
72
pelos interesses capitalistas e pelo fortalecimento do patriarcado. Essa luta só pode
ser enfrentada quando articulada a essas questões, de modo que “[...] só pode ser
travada no marco de um enfrentamento com o capital, pelo fim da exploração da
classe trabalhadora” (TOLEDO, 2012, p. 119).
Em corroboração com as autoras supracitadas, consideramos que, ao partir de
uma perspectiva classista, além de fugir da tendência por elas apontada, as lutas
feministas antirracistas enfrentam seus inimigos em comum, colaborando com a
superação de desigualdades históricas nos âmbitos das relações sociais, raciais e de
sexo.
Além disso, é evidente a apropriação pelo capital de uma desigualdade gestada
pelo sistema patriarcal, que institui a supremacia masculina e a dominação e
inferiorização das mulheres. Entretanto, na perspectiva aqui adotada, só faz sentido
tratar dessas particularidades acompanhando o movimento das relações sociais mais
gerais, no contexto do capitalismo contemporâneo.
Diante dos elementos anteriormente apresentados, a articulação entre o
feminismo e a luta de classes, por meio da qual seja possível pautar a autonomia das
mulheres sobre seus corpos e suas vidas como exercício da liberdade enquanto
capacidade humana, apresenta-se como uma questão central, contrapondo-se ao
controle operado pelo capital e pelo patriarcado.
Mészáros (2002) chama atenção em relação às lutas das mulheres que:
73
muito mais aos interesses do capital, a política econômica nos governos Lula,
adotou como mecanismo para minimizar os efeitos da dívida pública, a
Desvinculação de Recursos da União (DRU) que permite que 20% dos
recursos destinados à seguridade social sejam deslocados para o superávit
primário que, por sua vez, destina-se ao pagamento da dívida pública
(CISNE, 2016, p. 95-96).
74
lutas feministas e que estas sejam um aporte às lutas anticonservadoras e
anticapitalistas, com dimensão classista; e III) apreendam o racismo como um
elemento estruturante das relações violentas e da desigualdade vivida pelas
mulheres.
Se nos primeiros anos da primeira década dos anos 2000 os elementos
anteriormente destacados evidenciam a entrada das pautas feministas no cenário das
políticas sociais, acompanhando um movimento mais amplo do conjunto das políticas,
tomamos como um primeiro pressuposto para nossa pesquisa que os últimos anos
têm – também em conformidade com o recrudescimento do conservadorismo –
apresentado investidas de intolerância com as questões voltadas ao atendimento das
necessidades das mulheres e das demandas raciais, causando um cenário de
destituição de algumas das conquistas obtidas por meio das lutas feministas e o
endosso de uma perspectiva antifeminista abertamente difundida por grupos e
indivíduos de direita.
Na nossa perspectiva, a incorporação das lutas feministas por segmentos de
esquerda (particularmente partidos e sindicatos) ampliam a luta de classes, buscando
transformar as relações de exploração e opressão, fugindo a uma tendência já
apontada por Cisne e Santos (2014, p. 154) de que, ao se distanciarem de uma
perspectiva classista, “[...] direcionam sua ação política na perspectiva de assegurar
a igualdade de oportunidades para mulheres e para a população LGBTQIA+,
supostamente igualando-os aos direitos reconhecidos para os homens e os
heterossexuais”.
Corroboramos com Flávia Biroli (2017, p. 25) quando ela afirma que “[...] o
reacionarismo moral conservador se estabelece nas investidas correntes contra a
agenda mais ampla dos direitos humanos e da inclusão afirmativa de grupos
subalternizados”.
Quanto à dimensão racista desse processo, conforme estudou Clemente
(2019), o racismo é expresso via propagandas comerciais e discursos de ódio nas
redes sociais e é funcional à exploração da força de trabalho mais pobre pelo capital,
de modo que:
A partir desses dados, podemos afirmar que a luta por direitos universais
compõe uma dimensão antirracista por atender necessidades da classe trabalhadora
em geral e da população negra, que, por sua vez, é a mais atingida pelo não acesso
aos direitos sociais. Do mesmo modo, intrinsicamente, a defesa dos direitos humanos
da população negra integra a luta em defesa de condições de vida.
Estamos diante de uma conjuntura de derrotas para as lutas, mas não de sua
inércia, estando em aberto as possibilidades históricas que a organização coletiva
pode alcançar. Recorremos à análise de Iasi (2019), quando ele nos afirma que:
76
3 DO SOCIAL-LIBERALISMO AO LIBERAL-CONSERVADORISMO:
IMPLICAÇÕES PATRIARCAIS ÀS MULHERES NA SEGUNDA DÉCADA DOS
ANOS 2000
77
3.1 O CONSERVADORISMO EM ASCENSÃO NO BRASIL: IDEOLOGIAS
DOMINANTES E O PATRIARCADO EM PROCESSO
A década de 2011 a 2020 foi marcada pelo que se caracterizou como um “fim
de ciclo” do social-liberalismo, advindo da intolerância dos setores dominantes com o
projeto de conciliação de classes quanto à transferência de renda para os mais
pauperizados, o que culminou na ruptura com o projeto político e conciliatório petista
por meio de um golpe que passou institucionalmente por impeachment contra a
presidenta Dilma Rousseff, eleita em 2014, e promovendo o então vice-presidente
Michel Temer à Presidência da República, passando ele a representar o grupo
politicamente ultraneoliberal cujo fortalecimento acarretou um contexto de aceleradas
derrotas políticas e sociais, com destaque para a regressão de direitos que atingem
os/as trabalhadores/as brasileiros/as.
Reside no período de 2011 a 2020, então, a perspectiva de hegemonização e
fortalecimento dos grupos políticos dominantes, já envolvidos de modo menos
acelerado em práticas e discursos de não aceitação das melhorias para a classe
trabalhadora e da ocupação de espaços políticos (como conselhos, secretarias,
ministérios), criados pela via governamental para sujeitos políticos historicamente
oprimidos, a exemplo das mulheres, da população LGBTQIA+, dos indígenas, das
comunidades tradicionais, dos quilombos e das pessoas com deficiência, para citar
alguns exemplos.
Ressaltamos que a ocupação do Poder Legislativo brasileiro ainda guarda uma
profunda relação com a configuração da política brasileira tradicionalmente
masculinizada, representada por famílias de latifundiários e empresários sob forte
influência de valores religiosos de cunho intolerante com qualquer diversidade e
perspectiva de transformação dessa estrutura, o que nos remete a uma retomada de
traços constitutivos do conservadorismo que conferem novas formas de expressão,
porém sob os mesmos interesses.
É nesse sentido que, para nós, só faz sentido entendê-lo no processo de
disputas entre os grupos dominantes (paladinos do conservadorismo) e os sujeitos
coletivos que se propõem a transformar a configuração histórica da política brasileira,
o que, embora se expressem a partir de novas organizações (partidos, movimentos,
78
bancadas parlamentares, mandatos e mandatas coletivos/as e grupos de diferentes
naturezas), estão orientados por conflitos ora mais intensos, ora mais sutis.
Cabe, aqui, uma concordância com Iasi (2017) quanto à afirmação de que:
79
distintas em momentos históricos diferentes, resguardam essa raiz de defesa de
privilégios e contraposição à ampliação de direitos.
R. Keller (2019, p. 100) exemplifica, nesse sentido, aspectos importantes do
Brasil no século XXI:
80
Enquanto ideologia da crise (SOUZA, 2016), o conservadorismo cumpre uma
função política importante, uma vez que se encontra circunscrito no movimento
dialético entre produção e reprodução de modo que:
82
na tradição; 2. A liberdade deve ser sempre uma liberdade restrita; 3. A democracia é
perigosa e destrutiva; 4. A laicização é deletéria; 5. A razão é destrutiva e inepta para
organizar a vida social; 6. A desigualdade é necessária e natural (ESCORSIM NETTO,
2011, p. 60-63, grifos da autora).
Com base em tais elementos, é evidente que “[...] o pensamento conservador
propôs-se como projeto restaurador, antirracionalista e antidemocrático, rechaçando
a cultura da ilustração e os traços mais salientes da modernidade [...]” (ESCORSIM
NETTO, 2011, p. 60-63, grifos da autora).
De modo particular, os argumentos supracitados incidem na vida e na história
das mulheres, o que confere um caráter patriarcal ao modo como o conservadorismo
se impõe. Podemos identificar isso ao indagar a nós mesmos sobre o que significa
liberdades fundadas na tradição em se tratando da vida das mulheres, ou mesmo
quando refletimos sobre liberdade restrita e a relação com a constante busca de
superação das restrições para o exercício da liberdade das mulheres. Desta feita, o
conjunto de regras e relações opressoras historicamente naturalizado na vida das
mulheres, pode ser tensionado pela laicização do Estado e pelo uso da razão crítica
e seus questionamentos aos fundamentos patriarcais.
Nessa mesma direção, Ferreira e Botelho (2010) destacam as investidas do
conservadorismo contra teorias e ações progressistas desde o século XVIII,
considerando que “[...] o conservadorismo valoriza formas de vida e de organização
social passadas, cujas raízes se situam na idade média” (FERREIRA; BOTELHO,
2010, p. 12).
No tocante aos anos 2000, sobre algumas das investidas conservadoras
recentes no Brasil, Amanda Silva (2021, p. 102-103) destaca:
84
ambos, que encontram, nesse momento político, terreno fértil para se conectarem e
se expandirem. Toda a sociedade brasileira é de base conservadora e patriarcal sem
distinção de classe, uma vez que ela faz parte da formação sócio-histórica do país.
No entanto, essa conexão entre o conservadorismo e o patriarcado é fomentada pelas
classes dominantes, para manter hegemonia política, econômica e social.
Põe-se nesse entremeio um movimento de confluência entre os interesses
dominantes econômicos e a ideologia do conservadorismo, que precisa ir além dos
avanços políticos possibilitados na quadra histórica da década anterior. A direita
frívola se reordena indo às ruas e se articulando em grupos parlamentares com
propostas de destituição de direitos que contrariam a perspectiva democrática
resultantes das lutas coletivas contra a ditadura.
Concretamente, isso vai resultar em propostas legislativas que se somam ao
Estatuto do Nascituro, datado de 2007, ao Estatuto da Família (PL nº 6583/2013), que
visa restringir a família a casais heterossexuais; ao Projeto de Lei nº 5069/2013, que
visava criminalizar o aborto, decorrente de qualquer motivação, sendo colocado como
um retrocesso para a luta das mulheres; e ao Projeto Escola sem Partido (PL nº
7180/2014), uma proposta para eliminar qualquer debate sobre a história das relações
entre os gêneros masculino e feminino e a diversidade sexual e de gênero, inclusive
com uma perspectiva criminalizante para professores/as que abordem esses
conteúdos. Sob o argumento de neutralidade política no ambiente escolar, esse
projeto foi recolocado na agenda legislativa em 2019 por meio de uma versão
conhecida como 2.0 – o PL nº 246/2019, proposto pela deputada federal Bia Kicis, do
Partido Social Liberal (PSL).
Como demonstramos, está posta uma ofensiva antifeminista que, para se impor
enquanto um valor coletivo, fortalece o patriarcado, reforçando um lugar de
naturalização e necessária manutenção da desigualdade das mulheres como uma
dimensão que sustenta o conservadorismo político nas suas expressões
contemporâneas e que recorre à irracionalidade para se sustentar.
Desse modo, destacamos que a ruptura do projeto de conciliação de classes,
implementado majoritariamente entre o PT e o PMDB até as eleições de 2014,
fortaleceu a ultradireita, conformando um bloco hegemônico que tramou e
implementou um golpe na democracia brasileira, pondo em prática uma agenda
altamente destrutiva aos direitos dos/as trabalhadores/as.
85
A partir de então, temos uma década cuja vitória dos grupos dominantes e
ideologicamente conservadores (e patriarcais) se impõem sucessivamente, desde a
infiltração de grupos antipartidários e contrários à organização popular de esquerda,
nas mobilizações de 2013, passando pela polarização e pelo descrédito popular nas
eleições de 2014 e pelo processo de destituição do mandato da presidenta Dilma em
2016, coroada nas eleições de 2018 com a eleição do então presidente Jair Bolsonaro,
expressão da articulação entre a irracionalidade e a ascensão do conservadorismo,
com destaque para os discursos e as posturas patriarcais do governante e um plano
de governo de base antidemocráticos e antidireitos.
Consideramos que as exigências imediatas postas ao conjunto dos/as
trabalhadores/as e a alienação decorrente das precárias condições de vida e próprias
do trabalho alheio são determinações centrais para um processo de desqualificação
da consciência, com base em ideologias e terminologias que vão sendo impregnadas
em seu cotidiano.
O conservadorismo e sua perspectiva antirrevolucionária e antiprogressista,
aliado ao capital, lança mão continuamente de processos fetichizantes acerca da
realidade, a exemplo da aposta no mercado e no consumo, que são aliados
importantes para a desmobilização, do conformismo e do apelo à fé como meio de
mudança. Esses processos culminam em práticas coletivas de intolerância, de
preconceito e de legitimação das violências em um processo profundamente
desumano, a exemplo dos despejos de famílias inteiras nos processos de
reintegração de posse de territórios e prédios, da violência policial nas comunidades
periféricas e dos ataques orquestrados a terreiros de religiões afro.
A existência de uma irracionalidade no modo como o capital se expande
ocasiona também uma irracionalidade política, conforme apresentada por Martins
(1999) em um movimento que ele assim descreve:
86
A relação dialética entre economia e política, tendo o trabalho enquanto
mediação de primeira ordem, constitui-se no fundamento para a apreensão das
relações particulares, que se revelam no atual fortalecimento da direita, do projeto
neoliberal e do crescente terreno conservador no Brasil.
Corroboramos que, imbuído da miséria ideológica, o conservadorismo, desde
sua configuração clássica, encontra no contexto da crise estrutural do capital um
terreno fértil para seu fortalecimento, com a mediação de processos de exploração
cada vez mais degradantes, implicando em uma “reconciliação histórica” (PINASSI,
2009). De acordo com Pinassi (2009, p. 16):
87
aos avanços econômicos e tecnológicos, opera como um importante aliado da miséria
da razão, colaborando para a disseminação de valores retrógrados e até reacionários
dos quais o patriarcado passa a estruturar discursos antifeministas, orientar práticas
de sujeitos políticos e de instituições estatais, e, aliado ao racismo, incide não só nos
comportamentos e valores, mas também no cotidiano da vida das mulheres
brasileiras.
Destacamos, nesse sentido, nossa concordância com a análise de Eagleton
(1997, p. 49) sobre a ideologia, sobre a qual ele afirma que:
A burguesia, ao mesmo tempo que rompe com a razão crítica, possibilita uma
independência do proletariado, que, na primeira metade do século XIX, se encontra
com a tendência progressista, quando se depara com a compreensão de que “[...] o
real como totalidade submetida a leis e a afirmação da historicidade dos processos
objetivos são momentos determinantes da nova racionalidade em elaboração”
(COUTINHO, 2012, p. 26).
Resguardadas as mediações históricas, os aspectos liberais e conservadores
contemporâneos estimulam um individualismo exacerbado em lugar do humanismo;
ou substituem o historicismo por uma pseudo-historicidade subjetivista e abstrata;
além de fazer isso apelando para o irracionalismo em lugar da razão dialética
(COUTINHO, 2012, p. 30).
Uma evidência da relação entre a filosofia burguesa e seu movimento
empobrecedor, de caráter liberal e conservador, é a realidade da França na passagem
da primeira à segunda metade do século XIX, sobre a qual Marx identifica um recuo
no processo revolucionário burguês, aludindo-o à “[...] saudades das panelas de carne
do Egito” (MARX, 2011, p. 28).
Faz-se necessário destacar que, no Brasil a burguesia, ainda que com aspectos
particulares, já se forja sob os interesses da burguesia internacional dominante e
colonizadora, e, por isso, reproduz em alguma medida, no seu desenvolvimento
histórico, algumas tendências do projeto de dominação burguês.
88
Identificamos, na crítica marxiana, a forma como a Segunda República
Francesa pós-Revolução de 1948 deu margem aos próprios processos que iriam
derrubá-la em dezembro de 1951, com o golpe de Estado orquestrado por Napoleão
Bonaparte, a diluição da Assembleia Nacional Francesa e a reinstauração de um Novo
Império.
Embora Marx (2011) se atenha não apenas aos aspectos ideológicos, mas
sobretudo políticos que se mostram imbricados a essa questão, para ele:
Todo um povo, que por meio da revolução acreditava ter obtido a força motriz
necessária para avançar com maior celeridade, de repente se vê
arremessado de volta a uma época extinta e, para que não paire nenhuma
dúvida quanto ao retrocesso sofrido, ressurgem os velhos elementos, a velha
contagem do tempo, os velhos nomes, os velhos editais que já haviam sido
transferidos ao campo da erudição antiquária e os velhos verdugos que
pareciam ter-se decomposto há muito tempo (MARX, 2011, p. 27-28).
89
Harvey (2014), em uma análise contundente da condição pós-moderna e sua
incidência histórica nas variadas dimensões da vida social (política, cultura, tempo,
arquitetura, ciências sociais etc.), considera que:
90
influenciando na fragmentação das bandeiras de luta da classe trabalhadora, como
nos adverte Pierucci (2013, p. 127), referindo-se à incorporação da diferença na teoria
feminista como algo que, para ele, “[...] a fixação do olhar na diferença pode terminar
em fixação essencializante de uma diferença”.
Considerando ser necessário ressaltar as particularidades das mulheres nas
relações sociais, concordamos que o afastamento das condicionalidades históricas,
materiais e econômicas no desenvolvimento dos sujeitos e suas individualidades
ocasiona o que Pierucci (2013, p. 128) caracteriza como “[...] um essencialismo
diferencialista, ou melhor, um diferencialismo essencialista aferrado ao irredutível de
uma diferença coletiva que, no entanto, é cultural. Mas é irredutível, insistem”.
Outra investida da pós-modernidade no campo das relações patriarcais entre
os gêneros (ou relações sociais de sexo) é abordá-las a partir da identidade, com um
viés desestoricizador.
Uma crítica a essa perspectiva identitarista das relações sociais e da política, a
partir de demandas individualizadas, é realizada por Haider (2019). Em sua análise
da relação dos movimentos negros com a identidade, ele define a política identitária
como “[...] a neutralização de movimentos contra a opressão racial. É a ideologia que
surgiu para apropriar esse legado emancipatório e colocá-lo a serviço do avanço das
elites políticas e econômicas” (HAIDER, 2019, p. 37, grifos do autor).
Sendo funcional ao modo como a governabilidade e os interesses das elites
incorporam ao seu modo as demandas da classe trabalhadora em seus movimentos
identitários, as políticas identitárias cumprem, também, a função de distanciar uma
verdadeira e necessária transformação nas condições desiguais de vida, próprias de
uma sociedade de classes. Para Haider (2019, p. 49):
92
A Bancada Evangélica, por exemplo, se utiliza dos discursos religiosos para
enquadrar as lutas das mulheres feministas, especificamente contra a legalização e
descriminalização do aborto; o Projeto de Lei Escola sem Partido, por sua vez, se
contrapõe a uma concepção da educação enquanto política pública que pode
contribuir para a construção de relações igualitárias. Da mesma maneira, o MBL
aglutina pautas conservadoras e neoliberais, recorrendo a um conjunto de teóricos
que são suas referências e organizando intervenções públicas que atacam o
igualitarismo, mesmo aquele meramente formal.
Recorrendo à miséria da razão, à defesa da propriedade privada e da
meritocracia, se contrapondo às perspectivas progressistas e evidenciando certa
ojeriza ao comunismo e ao marxismo, corroboramos que o conservadorismo, em suas
expressões contemporâneas no Brasil – mais difundido como neoconservadorismo,
tendo como um de seus traços “[...] o reestabelecimento ou o (re)fortalecimento dos
princípios religiosos como fundamento do comportamento moral dos indivíduos”
(EUFRÁSIO, 2019, p. 84) –, além de representar uma parcela da direita brasileira,
representa, também, “[...] o ideário que hegemonizou a direita e levou Bolsonaro à
presidência (LACERDA, 2019, p. 17).
Algumas análises como a de Biroli (2017) apresentam a concepção de que há
um casamento entre o conservadorismo e o liberalismo no Brasil atual, que se
expressa enquanto um “[...] reacionarismo moral conservador que se estabelece nas
investidas correntes contra a agenda mais ampla dos direitos humanos e da inclusão
afirmativa de grupos subalternizados” (BIROLI, 2017, p. 24-25).
Nessa mesma linha de raciocínio, S. Keller (2019) apresenta alguns aspectos
da relação simbiótica entre conservadorismo e liberalismo, cujos fenômenos
aparentes, para ela, se dão de tal modo que:
93
à Constituição do Teto dos Gastos Públicos (PEC 55/2016) e, em 2017, foi
favorável à reforma trabalhista (KELLER, S., 2019, p. 115).
94
políticos e sociais sem precedentes para a classe trabalhadora, não sendo honesto,
do ponto de vista intelectual, tratar elementos como o golpe à democracia
materializado no impeachment da presidenta Dilma Rousseff e a eleição do atual
presidente Jair Bolsonaro, como fenômenos que se fundaram e se desenvolveram no
curto período dos últimos cinco anos.
Do mesmo modo, as investidas patriarcais e a resistência feminista, com fortes
expressões em 2015, são questões que mantém relação direta com o avanço da
direita nesse período no mundo, e, de modo substancial, no Brasil.
As manifestações populares de 2013 no Brasil, denominadas “Jornadas de
Junho”, são tomadas em várias análises como o elemento característico da ascensão
da intolerância contra as forças democráticas brasileiras e um marco do avanço do
conservadorismo na atual década.
Sob uma análise acurada dos divergentes posicionamentos sobre as
denominadas “Jornadas de Junho” de 2013 (ainda que sobre o mesmo fenômeno que
se revela como situação concreta), levamos em conta três elementos conjunturais
daquele momento: as demandas concretas da classe trabalhadora por direitos
(transporte, educação, saúde, contra a priorização dos gastos sociais com os
megaeventos); a resposta criminalizadora com que o governo de Dilma Rousseff
tratou as manifestações; e o contexto precedente das eleições presidenciais de 2014.
Acerca desses fenômenos, cabe rememorar que a resposta da classe
trabalhadora aos aumentos das passagens – em São Paulo e Natal – anunciados no
primeiro semestre de 2013 soou como uma fagulha para incendiar uma parcela da
população que sentia no cotidiano as consequências da prioridade da destinação dos
recursos públicos para pagamento da dívida externa e a execução de políticas sociais
com base em critérios rígidos e transferência de renda, conforme demonstra a
seguinte afirmação:
As reivindicações por direitos, que dão o tom aos protestos iniciados em 2013,
ainda que com convocações virtuais, aglutinou movimentos, partidos e organizações
95
coletivas da classe trabalhadora, mesmo sem uma unidade consensual sobre suas
participações pelo conjunto de participantes.
Tais protestos também são motivados por meio da disseminação de greves que
vinham acontecendo já na segunda década, com um total de 873 greves realizadas
pelo movimento sindical em 2012 (cf. BOITO JR., 2018).
Reconhecemos a legitimidade das motivações que levam parcelas de
trabalhadores/as para as ruas, ainda mais quando observamos que a dessas
mobilizações pela mídia foi de cunho criminalizador, o que não se deu, por exemplo,
em 2015, quando se tratava de manifestações pró-impeachment.
A criminalização desses movimentos não veio exclusivamente dos
conglomerados da informação e de sua ojeriza às camadas populares, que
integravam as mobilizações naquele ano, mas do modo repressor como as forças
armadas nos Estados interviram usando do discurso de combate ao terrorismo. Isso
culminou na aprovação, menos de três anos depois, da Lei Federal nº 13.260/2016,
chamada “Lei de Combate ao Terrorismo”, sancionada ainda no mandato da
presidenta Dilma Rousseff.
Entretanto, se há algo a que não ousamos negar é que os grupos políticos de
oposição ao PT usaram do espaço das manifestações das ruas em 2013 para
alcunhar suas palavras de ordem contra o governo Dilma, aliados às frações mais
reacionárias que exigiam o abaixamento das bandeiras e quaisquer símbolos
partidários e de movimentos sociais – que ganhou corpo se estendendo à polarização
das eleições presidenciais de 2014, e, para além delas, fortaleceu o reacionarismo
que ocupou as ruas em 2015, sendo essas expressões puramente direitistas,
antidemocráticas e contra os direitos.
Apesar desse caráter contraditório, o movimento apresentado na dinâmica da
realidade àquela altura revelou uma heterogeneidade nas multidões que ocuparam as
ruas, mas não eliminou a concretude das demandas por direitos apresentadas
naquelas jornadas.
Nos aproximamos, desse modo, da seguinte análise de Mattos (2016, p. 95):
96
Após a reeleição da presidenta Dilma Rousseff, em 2014, as tensões da
polarização que marcaram o processo eleitoral – sobretudo no segundo turno – não
deram trégua e as camadas da população que apoiaram as propostas da direita liberal
àquela altura, representada pelo Partido da Social-Democracia Brasileira (PSDB),
começaram a questionar os resultados das urnas, e, no ano seguinte, organizaram
vários atos nas ruas, expressando o antipetismo e fortalecendo a perspectiva
antidemocrática e antidireitos.
Se o projeto conciliatório do mandato anterior ao da presidenta Dilma já sofria
as chantagens do mercado, cedendo gradativamente às suas investidas, a transição
ao seu segundo governo combinava instabilidade conciliatória e descrédito popular,
processo que Anderson (2020, p. 93) nos descreve com a seguinte síntese:
97
das medidas voltadas ao social, o que implicava a metamorfose do social-liberalismo
ao ultraliberalismo à tendência contemporânea das políticas econômicas e sociais no
Brasil.
A aliança entre essa proposta econômica com um projeto político conservador
e antidemocrático se configurou por meio do golpe institucional contra a presidenta
Dilma Rousseff, processo que tramitou de setembro de 2015 a agosto de 2016 e
evidenciou a intolerância dos grupos dominantes da política brasileira, com qualquer
abertura da institucionalidade pública aos grupos populares mais pauperizados, algo
que vinha sendo tolerado pela elite empresarial e bancária a altos custos pagos pelo
conjunto dos/as trabalhadores/as pela conciliação de classes entre o PT e seus
aliados, tendo em vista que parte substancial da arrecadação do Fundo Público ou
era transferida dos recursos da Seguridade via DRU, ou pagos diretamente via juros
da dívida externa, em valores superiores aos investimentos sociais.
Entendemos que o golpe, em um contexto de pressão do capital em seu
processo de crise e em um país de capitalismo periférico, a partir da perspectiva
teórico política marxista, conforme caracterizado por Mascaro (2018, p. 71), “[...] é a
alteração de padrões sociais que, em última instância, repercutem ou são
determinados pela dinâmica do capital”.
Sob a qualificação de impeachment por parte de parcela significativa da
população que foi às ruas desde 2015 por parlamentares de oposição à presidente
Dilma e pela mídia hegemônica, ao passo que tramitava atendendo aos prazos e aos
trâmites institucionais do Estado brasileiro, se configurou como um golpe orquestrado
e operado no interior dessas instâncias, a exemplo da Câmara dos Deputados
Federais, do Senado Federal e do Poder Judiciário, considerando que as acusações
de pedaladas fiscais que originou o pedido de impeachment e sua aceitação pelo
então presidente da Câmara Eduardo Cunha não constituía, de fato, crime
inconstitucional.
Não podemos esquecer que “[...] esses acontecimentos, demarcados como
políticos podem perfeitamente ser entendidos como a disputa de um projeto
econômico, o que amplia a complexidade do debate” (BECKER et al., 2019, p. 251).
Além disso, a conjugação do fortalecimento dos grupos da extrema direita a
partir de 2015, a tendência ao fim do ciclo social-liberal e o impeachment contra a
98
presidente eleita convergiram para uma conjuntura de ofensiva à democracia
brasileira, conforme descrito por Miguel (2016a, p. 30):
102
negros/as, indígenas, mulheres e população LGBTQIA+ nas decisões e ações
institucionais no país, como bem observado por Brum (2019, p. 153):
103
Simultaneamente, a concretude das consequências da PEC nº 95/2016 é a
extensão do golpe, que, aparentemente, era contra a presidenta Dilma Rousseff e o
PT ao conjunto da população, beneficiária das políticas previstas na Seguridade
Social brasileira e agora submetidas a um regime fiscal ainda mais limitado. Conforme
descreve Mariano (2017, p. 261):
105
A ofensiva antidireitos e antidemocrática que se expressa acirradamente na
quadra histórica da segunda década do século XXI (em curso) atinge a classe
trabalhadora de distintas formas, dependendo da condição socioeconômica dos
sujeitos que a compõem. Além disso, como sabemos, essa ofensiva atinge ainda mais
agressivamente as mulheres, inseridas no mercado de trabalho a partir da
necessidade de ampliação da força de trabalho pelo capitalismo, com a passagem da
manufatura à maquinaria, e se acentua com o advento da grande indústria, processo
que Marx (2013, p. 662) discorreu como sendo:
106
Conforme afirmou Nogueira (2015, n. p.) 3 , ao ser entrevistada em meados
desta segunda década:
3
Entrevista disponível em: https://www.esquerdadiario.com.br/Claudia-Mazzei-as-mulheres-
trabalhadoras-muitas-vezes-nao-podem-adoecer (acesso em agosto de 2021).
107
afazeres domésticos e de cuidado, dificulta seu acesso e permanência no mercado
de trabalho, bem como a sua ascensão profissional” (BRASIL, 2014, p. 16).
As particularidades de um amplo processo de precarização para a mulheres
nesse contexto são apresentadas por Assunção (2013, p. 66), com ênfase no fato de
que “[...] a combinação entre opressão e exploração é de extrema importância para
fortalecer e renovar as distintas formas de exploração e dominação”, residindo nessa
combinação o elemento central que justifica a necessidade de pesquisas que
articulem as condições gerais de trabalho e como elas se expressam particularmente
para grupos de trabalhadores distintos – a exemplo das mulheres.
De acordo com o Relatório Anual Socioeconômico da Mulher (BRASIL, 2018,
p. 17):
Os dados acima expõem uma realidade que justifica as lutas feministas por
equiparação salarial, redução das jornadas de trabalho e reconhecimento do trabalho
doméstico como fonte de assalariamento, considerando que, majoritariamente, é
desenvolvido por mulheres dentro e fora da esfera doméstica, por sua vez
considerada a esfera reprodutiva.
No que diz respeito ao atual contexto de ofensiva antidemocrática e
destituição acelerada de direitos, que impõe às lutas sociais a reivindicaçãohf da
manutenção desses direitos conquistados e a garantia da constitucionalidade como
mecanismo através do qual o Estado pode ser tensionado, a conjuntura atual enseja
algumas exigências na perspectiva de unidade das pautas gerais da classe
trabalhadora com as do feminismo, haja vista a predominância de pautas identitárias
que se distanciam de análises e ações práticas no âmbito da totalidade. Nesse
sentido, destacamos:
108
sua classe, padece ainda mais com as novas formas de organização da
produção. Se por um lado, é certo que há mais mulheres na População
Economicamente Ativa (PEA), que engloba os trabalhadores empregados e
desempregados, são mais mulheres que saem em busca de emprego e não
mais mulheres empregadas (TOLEDO, 2017, p. 57).
110
e venda do terço de férias são quase certas, dada a instabilidade inerente
à parcialização da jornada.
111
tempo parcial e terceirizados –, em substituição aos vínculos de tempo indeterminado
e com segurança, incidem fortemente sobre as mulheres, considerando que:
113
trabalhadora e as mulheres, especificamente. Antes era possível se aposentar,
conforme o RGPS, com 30 de anos de contribuição (mulheres) e 35 anos (homens)
de contribuição, direito este que foi extinto, centrando a aposentadoria na relação
entre tempo de contribuição (agora o mínimo de 25 anos para ambos os sexos) e
idade mínima, que aumentou de 60 para 62 para as mulheres, ao tempo que mantém
em 65 anos a idade para os homens. Trata-se, portanto, de um retrocesso explícito
no que tange à desigualdade entre o tempo de trabalho dos homens e das mulheres,
estando estas sempre com uma jornada mais ampla.
Estamos de acordo com a análise de Cândido e Costa (2019) quando destacam
que:
Embora fuja aos objetivos desta tese elaborar uma análise pormenorizada da
EC nº 103/2019, é imprescindível afirmar que os aspectos transitórios do regime
anterior para o atual, sob cálculos de pontos e pedágios, tem por tendência impor mais
trabalho para o possível acesso à previdência e dificultar o acesso a benefícios, a
exemplo da impossibilidade de acúmulo de aposentaria e da pensão por morte,
embora esses sejam casos não tão comuns, e, quando existam, resultem de trabalho
devidamente realizado e de vidas partilhadas, de tal modo que:
116
desigualdades (ITAÚ, 2018), com metas para empoderar mulheres empreendedoras
de 2013 a 2018 no Brasil em parceria com o Banco Mundial e o Bird.
A agenda neoliberal do mercado, sob a representação dos organismos
supracitados e sua absorção pelo Estado, impõe que as políticas sociais sejam
continuamente desfinanciadas e submetidas ao recrudescimento da mercantilização
e da seletividade, impondo limites também à perspectiva feminista de transversalidade
do gênero no conjunto dessas políticas como uma exigência para “[...] abordar
problemas multidimensionais e intersetoriais de forma combinada, dividir
responsabilidades e superar a persistente ‘departamentalização’ das políticas”
(BRASIL, 2013, p. 10).
Ao tentar aproximar o inaproximável, ou seja, os interesses das mulheres
trabalhadoras e do mercado, o Estado, via programa de governo, reproduz o discurso
de empoderamento e empreendedorismo como alternativa à promoção de políticas,
conforme destacamos no Plano Nacional de Políticas para as Mulheres de 2013
(BRASIL, 2013). Na linha de ação 1.2 proposta para os anos de 2013 a 2015, consta
a:
117
Uma outra ação emblemática do Plano Nacional de Políticas para as Mulheres
(BRASIL, 2013) que podemos utilizar aqui como exemplo de um direcionamento da
agenda de gênero à conjugação dos interesses mercadológicos é a ação 1.6, que
prega a “promoção da proteção e seguridade social das mulheres, em especial
daquelas em situação de vulnerabilidade, com vistas a erradicar a pobreza e melhorar
suas condições de vida” (BRASIL, 2013, p. 15).
119
observar no seguinte trecho do Programa Interagencial de Promoção da Igualdade de
Gênero (OIT, 2010):
Corroboramos com a crítica feita por Almeida (2017), ao identificar que: “ao
condicionar o acesso ao trabalho decente às condições econômicas e possibilidades
de cada país, a OIT aponta para uma problemática que vem sendo posta como
justificativa para retração e negação de direitos” (p.207).
A mediação da relação entre Estado e mercado é um dos elementos cruciais
para se entender a transição entre o direcionamento social-liberal da seguridade e sua
negação de caráter liberal-conservadora, haja vista uma mescla na agenda política
incorporada pelos governos na primeira década dos anos 2000 e um aprofundamento
dessa tendência na segunda década, quando se inviabiliza totalmente a relação entre
demandas dos movimentos e a elaboração dos programas e ações, ficando esses
hegemonizados pelo mercado, à medida que os direitos vão sendo derruídos.
Frente a essa notável relação entre as políticas sociais e as condições de
trabalho, o Estado assume um caráter empreendedor (MAZZUCATO, 2014) ao
assumir os riscos de estímulo à inovação e ao desenvolvimento de mercado,
socializando-os com a população, ao mesmo tempo em que os benefícios dessa
investida são privados a empresas.
120
Desse modo, “são características coletivas, cumulativas e incertas do
processo de inovação que tornam possível essa separação entre risco e benefício”
(MAZZUCATO, 2014, posição 4501).
Aspectos como PPPs para políticas de saúde via criação de empresas como
a Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares – EBSERH; as administradoras de
fundos de pensão na política previdenciária; as várias empreiteiras beneficiadas na
construção de casas destinadas às políticas habitacionais e aos megaeventos, a
exemplo da copa do mundo de 2014 e das olimpíadas de 2016 no Brasil; as empresas
do ramo educacional beneficiadas com incentivos governamentais que subsidiam
vagas de estudantes no ensino privado expressam esse processo de como o Estado
promove um ideal de novo desenvolvimentismo, expresso em sua essência pelo
caráter social-liberal, variando o modus operandi do neoliberalismo, ao passo que
abria passagem para o fortalecimento das perspectivas mais conservadoras e uma
ofensiva ideológica maior nesta segunda década.
Ao mesmo tempo, que difunde ideologicamente o interesse pelo social, o
discurso de igualdade e equidade, o estímulo ao empoderamento por meio de políticas
e programas e o incentivo ao empreendedorismo dos indivíduos, o Estado assume
sua dimensão empresarial, contribuindo para fortalecer mais os setores privados do
que o atendimento às necessidades humanas.
Tal processo é caracterizado como Estado empresarial (Dardot e Laval,
2016), de modo que os interesses de empresas privadas passam a compor e a
direcionar a agenda estatal (conforme já citamos a influência dos Organismos
multilaterais na agenda de gênero).
122
as determinações da condição social da classe trabalhadora na qual estão inseridas,
como o lugar a qual pertencem nas relações patriarcais entre os gêneros.
Dentre as muitas consequências desse movimento, ressaltamos os seguintes
aspectos apontados por Teixeira (2018), ao se referir aos efeitos das políticas de
austeridade para as mulheres. Para esta pesquisadora:
123
No Brasil, distante geográfica e ideologicamente das discussões mais
ortodoxas sobre liberalismo e conservadorismo, torna-se
imperceptível a distinção entre o que seriam características
tipicamente liberais ou conservadoras, quando os conservadores se
autointitulam liberais. Aqui é possível ser um “liberal”, que defende os
pilares da propriedade privada, liberdade individual, meritocracia e
livre mercado, sendo também contrário a pautas como a união
homoafetiva – que poderiam ser seguramente alinhadas aos preceitos
liberais em outras conjunturas. Há conservadores que, preocupados
com a manutenção da família e instituições tradicionais, defendem a
redução do Estado igualmente aos liberais, quando o
conservadorismo ortodoxo optaria por ações de fortalecimento do
nacionalismo e das fronteiras nacionais (KELLER, S. 2019, p.137).
124
Não é novidade que “os efeitos da austeridade afetam de forma distinta os
diferentes agentes econômicos e classes sociais de forma que os mais vulneráveis,
que fazem mais uso dos serviços sociais são mais afetados” (SOCIEDADE
BRASILEIRA DE ECONOMIA POLÍTICA – SEP, 2018, p.11).
Não casualmente, a população negra no Brasil carrega consigo as marcas do
racismo e do patriarcado, entranhados na formação sócio-histórica brasileira,
conformando uma parcela da força de trabalho sobrante, majoritariamente negra e
feminina, que, logrado algumas conquistas importantes na primeira década do século
XXI, retornam a condições de sobrevivência cada vez mais submetidas à
informalidade, ao desemprego, às violências doméstica, urbana e estatal, à privação
de liberdade, ao extermínio da juventude e à pauperização, por meio de um “racismo
estrutural” (ALMEIDA, S. 2018).
Tais mecanismos, criados em um contexto de privatização das políticas de
Seguridade Social, ao mesmo tempo que aparecem como um recurso de visibilidade
das pautas, também já surgem marcados por dificuldades estruturais no campo das
políticas e dos serviços destinados à classe trabalhadora e vão ser insuficientes para
o atendimento de suas necessidades.
A classe trabalhadora apresenta condições de pauperização com maior grau
de degradação para as mulheres negras. Conforme a Pesquisa Nacional por Amostra
de Domicílio (PNAD) de 2016, a taxa de desocupação das mulheres negras (13%) é
maior que os grupos de homens brancos, homens negros e mulheres brancas.
125
específica das diferenças raciais no mercado de trabalho, com base
na Pnad contínua com dados do último trimestre de 2016, mostra que,
se a média de desocupação era então 12%, entre os brancos a
desocupação era de 9,5%, enquanto entre pretos e pardos era de
14,4% e 14, 1%, respectivamente. (MATTOS, 2019, p. 88).
126
Enquanto ideologia que se reatualiza século após século no Brasil, impondo
desafios e necessidade de ser enfrentada no século XXI, o racismo se sustenta em
mais de três séculos de colonização regada a sangue, correntes, chicotes,
desumanidade e barbárie, que limitam as conquistas legais, ao tempo que afirmam
sua relevância e urgência, tamanha a desigualdade entre as condições de vida da
população negra no Brasil. Na análise de Saes (1985), há traços constitutivos do
direito da era colonial que seguem no direito pós-colonial (direito civil e penal imperial)
pela ideologia racista pré-burguesa que ocasiona uma divisão entre direito
personificado (das pessoas proprietárias) e direito coisificado (das pessoas não
reconhecidas como tal, mas tratadas como propriedades de outras, no caso a
população negra, mesmo quando comparada a homens “livres”).
Para esse autor, traços escravistas norteiam o direito e o Estado de forma que
“[...] se o direito imperial definia os membros da classe explorada fundamental como
coisas – isto é, objeto de propriedade –, consequentemente o acesso desses homens
às tarefas do Estado devia estar vedado” (SAES, 1985, p. 114).
A resistência negra foi e continua sendo condição sine qua non para a
sobrevivência da vida humana, em sua diversidade étnica e racial, passando a ser
alvo de estudos e pesquisas no século XIX, cujas contribuições de Ianni (1987);
Fernandes (1964, 1974), Machado (2017), Carneiro (2011), González (1982) dentre
outros/as são fundamentais para entendimento da complexidade e das contradições
inerentes às relações sociais e raciais no Brasil.
Os limites impostos aos princípios democráticos na realidade brasileira
contemporânea carregam traços históricos constitutivos das relações sociais
patriarcais e raciais incutidas na exploração capitalista, cujas perspectivas
democráticas no âmbito da política e da cidadanização da população negra e das
mulheres negras, em particular, precisam ser apreendidas levando-se em conta os
seguintes aspectos destacados por Ianni (1987):
127
Mesmo considerando os avanços políticos e formais identificados na década
de 2000 a 2010, o apelo liberal à uma pretensa igualdade de oportunidades
metamorfoseia as reais exigências para o alcance de direitos, mesmo em uma
democracia, seja pelas marcas históricas da opressão racista, seja pela perpetuação
de valores e práticas racistas na contemporaneidade. Esses são aspectos
indissociáveis, cujas expressões cotidianas consistem em negação de postos de
trabalho pela exigência da “boa aparência”; genocídio da juventude negra e periférica;
concentração de uma população carcerária negra; baixa inserção de negros e negras
nas cenas política, artística e intelectual.
Por conseguinte, as análises em torno das novas formas de exploração do
trabalho, das desigualdades de classe, do acesso a direitos e da função social do
Estado - no binômio garantia x negação de direitos - exigem uma atenção a como se
configuram em relação à população negra, confirmando a afirmação de que “[...] a
raça se relaciona fundamentalmente com um dos aspectos da reprodução das classes
sociais, isto é, a distribuição dos indivíduos na posições da estrutura de classes e
dimensões distributivas da estratificação social” (GONZÁLEZ, 1982, p. 89-90).
Sobre as expressões desse processo histórico na conjuntura da década atual,
a feminista negra Sueli Carneiro, em entrevista à revista Margem Esquerda em 2016,
afirmou que o racismo e o fundamentalismo religioso se apresentam como grandes
desafios ao feminismo e ao feminismo negro, em particular, justificando que, para ela:
“o que temos atualmente é um racismo que se torna cada vez mais direto, explicito e
violento, sem mediações, nem medo de dizer seu nome” (CARNEIRO, 2016, p.20). O
racismo, assim como o patriarcado servem de base de solidificação da ascensão do
conservadorismo em curso.
Desse modo, a forma como o Estado promove suas políticas também
expressa um caráter reprodutor, em maior ou menor medida, do racismo secular no
caso brasileiro, além de, dependendo da condução política conjuntural do Estado,
apresentar uma maior abertura ou uma maior negação de direitos da população negra.
Dados da Política Nacional de Saúde Integral da População Negra revelam
que, mesmo no âmbito de um acesso que se propõe universal, há diferenças no
atendimento à saúde da população negra, por exemplo entre mulheres que realizam
consultas de pré-natal:
128
A proporção de mães negras com no mínimo seis consultas, conforme
preconizado pelo Ministério da Saúde, foi de 69,8%; ao passo que,
entre as brancas, essa proporção foi de 84,9%. Em relação à primeira
consulta pré-natal, também houve diferenças entre as categorias de
raça/cor. Nos três primeiros meses de gestação, realizaram a primeira
consulta 85% das gestantes brancas, 73% das negras e 53% das
indígenas (BRASIL, 2017, p. 14).
129
Quando analisamos o orçamento desses programas desde 2013, é
possível ver que o período de austeridade coincide com uma redução
real no orçamento das principais ações presentes nesses programas.
Cabe notar que em 2015, a secretaria foi extinta e desde então, a
prioridade dada ao tema tem reduzido não apenas em termos da
importância, mas de execução orçamentária. (DWECK, OLIVEIRA e
ROSSI, 2018, p.54).
131
Embora não tenhamos nos debruçado proficuamente sobre o caráter fascista
da política brasileira contemporânea, cabe destacar, de acordo com Demier (2020),
que:
132
Por isso nos interessa, no capítulo seguinte, capturar quais as expressões do
patriarcado e do racismo em alguns sujeitos políticos da direita que expressam a
intolerância e o conservadorismo.
133
4. SUJEITOS DO CONSERVADORISMO E SUAS AÇÕES IDEOPOLÍTICAS NO
BRASIL: O REVIGORAMENTO DA DIREITA FUNDAMENTALISTA E
ANTIFEMINISTA
134
Demonstra-se também a tendência antidemocrática e antidireitos por meio
dos sujeitos destacados a seguir, a partir de um profundo distanciamento de uma
análise radical dos interesses em disputa na sociedade brasileira, sob o apelo da
defesa de Deus, da família e dos bons costumes.
Cabe ressaltar o respaldo que a particularidade brasileira encontra nos
movimentos e mobilizações de mesma orientação que se alastram por todo o mundo,
a exemplo de grupos neonazistas, supremacistas e em defesa de regimes ditatoriais,
que difundem seus ideais despudoradamente.
135
Em se tratando da agenda dos grupos de direita descontente com as ações
governamentais, orquestra-se um apelo ao discurso cristão, que passa a ser
demonstrado conforme Tatagiba (2018) pelo movimento neopentecostal:
136
Inserem-se, portanto, no conjunto das estratégias de reconfiguração
da dominação de classe no Brasil, tanto em sua relação com o Estado,
como no processo de internacionalização da burguesia brasileira,
entendendo-se esse movimento de forma dialética, como um elemento
imperativo do atual estágio do capitalismo mundializado (CASIMIRO,
2020, p.91).
É nesse terreno movediço e incerto que as forças aqui destacadas vão incidir
socialmente como expressões particulares do todo desse processo inacabado de
fortalecimento das investidas conservadoras nas esferas representativas.
Destacamos as características fundamentalista, antifeminista, racista e LGBTfóbico
como suportes ideológicos dos sujeitos dos quais tratamos neste capítulo, como
mediações das ações que garantem a materialização da ideologia conservadora em
ascensão.
Ressalte-se, que mesmo surgindo como expressões das disputas
conjunturais, os movimentos e frentes parlamentares nas duas primeiras décadas dos
anos 2000 vão reatualizar a defesa intransigente dos valores cristãos, como
argumentos de promoção do consenso, por meio de discursos e ações de base
137
fundamentalistas, que são funcionais à negação de direitos operadas pelo
neoliberalismo, sobretudo em sua variante ultra.
Não é novidade que o uso do argumento religioso pelo Estado pode suprimir
os direitos políticos e, para além disso, inviabilizar a perspectiva da emancipação
humana por parte dos indivíduos que não comungam da mesma perspectiva, a
exemplo dos conflitos entre os cristãos e os judeus na Alemanha do século XIX
(MARX, 2010), acerca do qual afirma:
138
em inúmeras contradições e falácias, tendendo a enquadrar os indivíduos em rótulos,
obstaculizando o exercício das escolhas e da diversidade humana.
Em pesquisa recente sobre a temática, Bernardo (2019) reconhece que:
140
A ruptura com os princípios democráticos que caracterizou o golpe contra a
presidenta Dilma Rousseff em 2016 abre caminhos largos para a incidência política
das forças ultraliberais e conservadoras que caracterizam os grupos que
antagonizaram esse capítulo da história brasileira, ao passo que após a eleição de
representante do reacionarismo em 2018, enfrentamos uma conjuntura na qual:
141
Já em 2014 a revista ISTOÉ dava destaque ao tema na matéria de Fabíola
Perez, intitulada O Movimento das antifeministas, na qual chama atenção para a
crescente comunidade de mulheres contra o feminismo.
No início de 2019 o jornal online espanhol El mundo trouxe uma matéria
intitulada El antifeminismo, um arma electoral de éxito a nível mundial: De Trump a
Bolsonaro. Temos que é um movimento de caráter internacional, acompanhando as
perspectivas conservadoras de questionamento às conquistas políticas e culturais
obtidas pelas mulheres e característica de governos de direita.
Em março de 2019, a revista Carta Capital publicou a matéria (Anti)
Feminismo em Pauta, na qual trazia os argumentos da Deputada Ana Caroline
Capagnolo, do Partido Social Liberal (PSL), em que a mesma considera o feminismo
como uma afronta à moral judaico-cristã e uma ofensa às suas tradições.
Desse modo, corroboramos com a assertiva de que:
144
Tendo em vista o período aqui elencado, estamos diante de uma crescente
difusão da ideologia liberal, que aposta na “liberdade de mercado” como mecanismo
central de enfrentamento às consequências da crise, em aliança com a identificação
e autoafirmação de sujeitos conservadores, em aberto confronto com os valores
progressistas e revolucionários.
Procedemos a seguir com uma incursão mais sucinta e detalhada da
incidência política desses sujeitos coletivos, suas formas organizativas, ocupação de
espaços públicos e parlamentos, como estratégia de dominação ideológica,
econômica e social da burguesia (em suas distintas frações e particularidades no
Brasil).
145
obstaculizar os projetos em torno da conquista de direitos e do livre exercício das
escolhas religiosas e sexuais dos indivíduos, está alinhada a grupos políticos de
direita, do ponto de vista ideopolítico do qual tratamos aqui.
Em suas estratégias de atuação, esta frente coloca-se como uma
contraposição à democratização da agenda feminista cuja intenção publicamente
declarada é:
4
Dados disponíveis em:
https://censo2010.ibge.gov.br/noticiascenso?id=3&idnoticia=2170&view=noticia, acesso em julho de
2021.
147
[...] Por um lado, esses parlamentares defendem que, em uma
democracia representativa, os políticos devem ser atores centrais para
a garantia da vontade da maioria; Por outro, se contrapõem a essa
maioria, ativando outra noção de democracia, dessa vez, privatista,
como garantidora da vontade dos mais fortes em termos estratégicos
e não em termos de maioria social. (CUNHA; LOPES; LUI, 2017,
p.133).
148
ideologia religiosa por canais de rádio e de televisão de propriedade desses homens,
brancos e ricos em seus lugares de líderes.
A máxima marxiana de que “a ideologia que impera em uma sociedade é a
mesma de sua classe econômica dominante” (MARX, 2007, p.47) é aplicável ao
contexto do século XXI, no qual a religião como valor da FPE não está isolada dos
interesses das classes dominantes e seus apelos moralizantes e conservadores.
As adjetivações ‘laico’ e ‘democrático de direito’ comumente aplicadas ao
Estado estão figurando como acessórios fora de moda, no momento em que este
mostra cada vez mais sua função social de intermediador dos interesses dominantes
- ainda que seja disputado e tensionado a fim de se apresentar como um Estado
Republicano - processo que se evidencia pela ocupação dos espaços institucionais
representativos tidos como democráticos por sujeitos que na verdade representam
intolerância ao popular, projetos mercadológicos privados e sustentação ideológica
cristã no discurso.
Por outro lado, o ataque às bases democráticas e laicas do Estado por parte
de sujeitos conservadores, que por vezes agem sutilmente, por dentro de suas
instâncias políticas, revela natureza contraditória do próprio Estado, no que diz
respeito ao atendimento de interesses da classe trabalhadora e da maioria da
população, mesmo que recorra a ela como base eleitoreira.
Embora com possibilidades de implementação de regimes e governos mais
abertos em um Estado tido constitucionalmente como “democrático e de direito”, não
podemos guardar ilusões quanto a possibilidades de mudanças estruturais, sabendo
que:
150
Acerca dessa articulação, ao se referir à bancada ruralista, a jornalista Eliane
Brum afirma:
151
Recorremos aos documentos denominados Radiografia do Novo Congresso,
nos anos de 2003 a 2019, produzidos pelo Departamento Intersindical de Assessoria
Parlamentar (DIAP), encontramos importantes elementos no tocante ao crescimento
da FPE nas duas últimas décadas.
De acordo com a radiografia da legislatura 2003 a 2007, a FPE no Congresso,
liderada pelo Bispo Rodrigues (PL/RJ), buscava se estender para o Senado, sob a
liderança do também Bispo, Marcelo Crivella (PL/RJ). Ambos congregados na Igreja
Universal, mantinham o número de parlamentares da legislatura anterior, 60
deputados. (DIAP, 2002, p. 23).
Um aspecto contraditório do início da primeira década (com a chegada do PT
à presidência), é que o PL, ao mesmo tempo que buscava impulsionar a agenda
religiosa no espaço parlamentar, era também base de apoio do governo, conforme
destacado no referido documento:
152
negros/as, a visibilidade e o atendimento a demandas desses segmentos
configuraram um avanço político importante, embora não tenham sido tocados os
aspectos históricos (divisão sociossexual do trabalho, base patriarcal da estrutura
política e ausência de autonomia sobre o próprio corpo, para citar alguns), que os
colocam em pé de desigualdade.
Além desses elementos, a vinculação de parlamentares das igrejas que
representavam até então a FPE no Congresso a casos de corrupção em destaque
nacional, impulsionou um recuo da ofensiva fundamentalista na segunda metade da
década de 2000-2010, de modo que: “Diferente do que vinha
acontecendo nas últimas três eleições gerais, os evangélicos perderam quadros
importantes e a bancada chegará menor à 53ª Legislatura” (DIAP, 2006, p.33).
Mesmo passando a ser representada no Senado, a FPE sai das eleições
majoritárias de 2006 com uma queda de 24 parlamentares, passando de 60 para 36
(17 deputados reeleitos, 15 novos deputados e 4 senadores), exigindo novas
movimentações e alianças para se fortalecer na legislatura de 2007 a 2011.
No que pese uma queda em termos numéricos nesse período, os valores
conservadores vão se aliando aos interesses econômicos dominantes, acompanham
as estratégias do capital para responder aos rebatimentos da crise de 2008 no Brasil.
153
DEM, PDT, PMDB, PMN, PP, PR, PRB,
2010 75 PRTB, PSB, PSC, PSDB, PSL, PT (cf.
Vital e Lopes, 2013, p.187).
PODEMOS, MDB, PP, DEM, PSD, PR,
PSB, PV, PRB, PSC, PDT, PPS, PSDB,
157
feita por testas de ferro, não mediu esforços, ou melhor, sacrifícios”.
(DIP, 2018, p. 57-58). Grifos da autora
159
- Fim da função social da propriedade. A propriedade privada não pode ser
relativizada (Justiça);
- Privatização dos presídios (Segurança);
- Regularização e direito de propriedade às favelas que passarem por
reurbanização (Transporte e Urbanismo);
- Privatização de linhas de metrô e VLT e criação de novas linhas por meio de
PPPs (Transporte e Urbanismo);”
(MBL, 2015a).
VALORES PRINCÍPIOS
Inovação
Democracia
Transparência
Meritocracia
Estado de Direito
Democracia Representativa
Federalismo
162
com uma igualdade substantiva e com a própria democracia, limitando-se a uma
igualdade puramente formal.
Com isso, se fortalecem os ideais antidireitos, defendidos pelas lutas sociais
e feministas a partir de uma concepção de Estado que se responsabilize por políticas,
serviços e garantias sociais públicos, sob uma perspectiva de justiça social e coletiva
totalmente desconsiderada pelo recrudescimento dos valores neoliberais defendidos
pelo MBL e grupos de mesma natureza.
Tais elementos servem de contraste às afirmações de que essa nova direita
surge apenas na segunda década, mais precisamente no contexto do golpe de 2016,
tendo-se que essa direita se aproveitou dos meios de difusão do liberalismo no
período de conciliação para fortalecer seu projeto, ao passo que se somaram por
conveniência aos setores mais conservadores, sem abandonar suas pautas
anteriores, mas revelando qual o seu real lugar na trama das relações contraditórias
e antagônicas entre as classes.
Valendo-se das ideologias neoliberais e conservadoras, a nova direita adquire
novos mecanismos de reproduzir-se nas esferas pública e privada. A esse exemplo,
temos o MDB e outros partidos até então aliados do PT no governo, que quando da
ruptura se somam a outros partidos de direita. Além dos empresários favorecidos pela
compra de serviços pelo governo, unificaram discurso em defesa do impeachment.
A retórica de contrários à corrupção, estratégica nas manifestações ocorridas
pró-impeachment de 2013 a 2015 não foi levada a cabo no pós-golpe, quando o
movimento silenciou perante o governo ilegítimo de Michel Temer, redirecionando sua
incidência para aspectos morais e mais conservadores.
Nesse sentido:
163
Aliada a essa intolerância conservadora está adensada a ofensiva virtual, com
incidência programática nas redes sociais, difusão de conteúdo sem aprofundamento
histórico ou científico por um grupo de jovens brancos, distantes do perfil da maior
parte da juventude brasileira, ainda que seus ideais sejam bem difundidos.
164
Considerando que a guinada antidemocrática e antidireitos que se intensifica
a partir da execução do golpe de 2016 reatualiza aspectos de períodos históricos de
exceção democrática do Estado brasileiro, o conservadorismo se apoia em
manifestações como a defesa da ditadura, práticas chacinas e genocidas,
promovendo um encontro dos anos 2000 com décadas (e até séculos) da história
anterior do Brasil.
165
As redes sociais do MBL são partes constituintes de sua organização formal,
como blog oficial, página do facebook, grupo do facebook e chat de whatsapp, sobre
o qual a orientação para as filiais municipais é de que: “Recomenda-se ao menos 3
grupos de 100 pessoas para o trabalho de mobilização municipal” (MBL, 2015b, p.
21).
167
contra os poderes que compõem o Estado brasileiro, ainda que em determinadas
circunstâncias contem com seu apoio.
168
senso comum, com uma forte crítica ao Estado e a ampliação de suas ações
democráticas, aliada a um apelo às religiões cristãs.
169
Programa Escola sem Partido é um conjunto de medidas previsto num
anteprojeto de lei elaborado pelo Movimento Escola sem Partido, que
tem por objetivo inibir a prática da doutrinação política e ideológica em
sala de aula e a usurpação do direito dos pais dos alunos sobre a
educação moral dos seus filhos. (ESP, 2019, n. p.).
171
arrogante, cínica e raivosa, legalizou o golpe e reza a cartilha do
fundamentalismo religioso e do mercado. (FRIGOTTO, 2017, p.25).
172
ao mesmo tempo, operam e incitam a desresponsabilização do Estado com as
escolas e a gestão da política educacional brasileira.
Ademais, a pretensa neutralidade defendida na acusação de doutrinação, não
pode ser concretizada, quando consideramos a capacidade reflexiva e crítica do
sujeito professor, enquanto indivíduo inevitavelmente pensante, orientado por valores
sociais e conhecedor de sua área de atuação.
Um suposto apartidarismo defendido por esse coletivo, nas propostas
legislativas e, na escola é direcionado a qualquer postura progressista e que respeite
a diversidade na escola, havendo uma relação direta entre o que os partidos de direita
apregoam em seus discursos e o conteúdo dos reiterados projetos do Escola sem
Partido, que, em síntese, são sempre propostos por representantes desses partidos
nas três esferas de Governo.
Corroboramos com a análise de Frigotto (2017), na qual ele afirma esse
caráter partidarista,
173
Os ecos da investida contra a Educação pública ecoam mais fortemente na
segunda década dos anos 2000, acompanhando a nova configuração da direita,
obviamente pegando carona na ideologia neoliberal de desfinanciamento, além de
fortalecer um campo político que busca impor às instâncias públicas e democráticas
seus valores privatistas e antidemocráticos, por dentro do próprio Estado, pouco
importando se as práticas de controle e enquadramento direcionadas aos profissionais
se revelem com forte caráter autoritário.
De certo, tal projeto condensa o avanço do irracionalismo, a ocupação de
espaços abertos pelo processo de precarização e privatização das políticas sociais –
sobretudo da educação; as estratégias ideopolíticas da burguesia capturando os
indivíduos em seus empobrecimentos de ordem objetiva e subjetiva; e a perspectiva
moralizante de família, do velho tradicionalismo, ainda que a realidade revele
substancial ruptura com o tradicionalismo, sobretudo, no que se refere às
configurações familiares.
É notória a expansão de propostas legislativas em torno do Projeto Escola
sem Partido, que se espraiam já por estados e municípios. Conforme apresentado no
próprio PL 867/2015:
174
A junção das teses dos arautos do fundamentalismo do mercado e do
fundamentalismo religioso, se transformadas em legislação, como
está correndo, constituirá o lado mais voraz da esfinge que se alastra
na sociedade e não apenas na escola. Escola sem Partido avança
num território que historicamente desembocou na insanidade da
intolerância e da eliminação de seres humanos sob o nazismo, o
fascismo e similares. Uma proposta que é absurda e letal pelo que
manifesta e pelo que esconde. (FRIGOTTO, 2017, p.31).
175
particularidade das mulheres e dos segmentos LGBTQIA+ nesse movimento,
favorecendo o revigoramento da direita, do conservadorismo e do patriarcado,
simultaneamente.
A contraposição a uma suposta “ideologia de gênero” na educação se apoia
nos discursos antifeministas e nas medidas que visam garantir no Plano Nacional de
Educação (PNE) a educação sexual e de gênero, em um contexto no qual:
176
A investida ideopolítica orquestrada pela direita em curso no Brasil é de
consensuar seus interesses juntos às classes trabalhadoras, recorrendo a aspectos
históricos conservadores, patriarcais e racistas; alinhando-se ao fundamentalismo do
mundo como mecanismo que instrumentaliza as bases tradicionais de alienação e
apassivamento; além de fragilizar e dirimir as resistências coletivas em processo.
Nesse movimento, política, ideologia, religião, Estado e direitos, dentre outros
aspectos que compõem as relações sociais no contexto da crise estrutural do capital
nas duas primeiras décadas do século XXI, são devidamente acionadas como
funcionalidades à reprodução social da própria “produção destrutiva” (Cf.
MÉSZÁROS, 1996) do capital, articulando totalidade, particularidade e singularidade.
Além da página na internet, o Programa Escola sem Partido manteve
atividade virtual em um blog de 2016 a 2020, com publicações assíduas sobre a
necessidade (inclusive jurídica) de controle das atividades docentes, além da defesa
intransigente da constitucionalidade do Programa.
Contudo, o fundador do Movimento Escola Sem Partido, Miguel Nagib,
anunciou sua desvinculação do mesmo e das páginas oficiais em 22 de agosto de
2020, alegando que após a eleição de Bolsonaro para Presidente em 2018, o
Programa não se manteve em crescente adesão dos parlamentares, como se
esperava.
Na nossa análise, a correlação de forças na qual o Programa se insere depois
de 2018, apesar de favorável à sua disseminação, encontrou resistência nos distintos
espaços e se deparou com sua própria falácia, de tal forma que, mesmo encontrando
eco em outros sujeitos coletivos e em parte dos parlamentares, é insustentável como
proposta pedagógica, haja vista a inviabilidade de formar cidadãos do conhecimento
por meio de uma suposta neutralidade política, histórica e científica.
É possível que por trás desse declínio outros fatores que não alcançamos
nessa análise possam ter colaborado para atenuar as pressões em espaços como as
universidades, por exemplo. Mas destacamos o importante papel organizativo das
Frentes Escola sem Mordaça, que fundamentaram a crítica e produziram
conhecimento informativo que denunciou a falácia do ESP.
177
4.5 O MOVIMENTO BRASIL CONSERVADOR (MBC)
Nos debruçamos aqui sobre este movimento porque ele coroa o final da
década de 2010-2020, como um suporte ideológico para a eleição de Jair Bolsonaro
em 2018, que se amplifica depois de sua chegada à presidência da República, tendo
como um dos principais articuladores, seu filho Flávio Bolsonaro (ex deputado
estadual no Rio de Janeiro e atual Senador), passando a atuar no Brasil com base
nos eixos: formação, ativismo e eventos.
Conforme a própria definição deste movimento:
5
Especificamente sobre o II Congresso do MBC, as informações constam em:
https://app.nutror.com/v3/curso/27856bece8f1f9df8346b083816a82400d205f3f. Acesso em agosto de
2021.
179
Figura 2: Marca do MBC
181
organizado por esses sujeitos, embora a inserção de alguns dos sujeitos integrantes
desse movimento em partidos, canais de comunicação, igrejas e na própria gestão do
Governo Federal permita que conheçamos seus interesses e objetivos nesse jogo
político em que o Estado é cada vez mais tensionado pelas forças conservadoras e a
elas faz concessões.
Não casualmente, o Ministério da Mulher e dos Direitos Humanos vem sendo
conduzido por uma mulher que tem se mostrado fundamentalista nas declarações,
contraria a agenda política defendida pelos movimentos feministas e de direitos
humanos com suas bandeiras de luta por igualdade, ampliação de direitos e
cidadania.
Estamos diante de um processo de negação das políticas públicas para as
mulheres, expressa, dentre outros elementos, no corte orçamentário dos recursos
destinados à execução dessas políticas, no desalinhamento político do que defendem
os movimentos feministas e a gestão do Órgão Federal responsável por essa pasta.
Em matéria divulgada em seis de fevereiro de 2020, a Câmara dos Deputados
Federais destacou a diminuição do Orçamento da Secretaria de Políticas para as
mulheres de 2015 a 2019, com uma queda de 119 milhões em 2015 para 5,3 milhões
em 2019, acompanhando a tendência de desmonte das políticas e dos programas
sociais mais genéricos.
De acordo com a matéria intitulada “Deputadas criticam cortes de recursos
para combate a violência contra a mulher”:
183
No conjunto desse projeto, buscamos identificar no capítulo seguinte quais
são as propostas organizativas das demandas das mulheres, como se articulam às
lutas genéricas, a partir de alguns sujeitos coletivos que se colocam como feministas
e classistas, que consideramos estratégias ideopolíticas de enfrentamento ao
conservadorismo e ao antifeminismo que ele comporta.
184
5 RESISTÊNCIA FEMINISTA CLASSISTA E ANTIRRACISTA EM PROCESSO:
DISPUTAS IDEOLÓGICAS E POLÍTICAS NO BRASIL DOS ANOS 2000
185
Todos promovem ações a nível nacional e também incidem em estados
brasileiros, mas aqui focaremos nas publicações a nível nacional, por meio de seus
blogs e sites.
A vinculação dos movimentos que ora destacamos a outros movimentos
sociais e partidos políticos no campo da esquerda os insere em um projeto de
sociedade e, consequentemente nas disputas ideopolíticas entre as classes no Brasil
contemporâneo. Consideramos que essa é uma posição política relevante em
contraposição à ofensiva patriarcal que se afirma com mais força no terreno das lutas
de classe e do conservadorismo em ascensão no contexto dos anos 2000.
As consequências das medidas ultraliberais e de práticas políticas que se
fundamentam na negação da diversidade humana, no fundamentalismo e se
contrapõe às reivindicações feministas são sentidas e vividas particularmente pelas
mulheres.
O início do século XXI aponta, em meio a desafios históricos e conjunturais,
importantes elaborações teóricas e iniciativas políticas que revelam a relação
intrínseca entre as lutas sociais e as pautas históricas apresentadas pelas mulheres
da classe trabalhadora, numa relação contraditória.
Conceitualmente tratada como interseccionalidade ou consubstancialidade, a
imbricação entre classe, gênero e raça se expressa no âmbito das relações sociais,
no conjunto dos conflitos e das transformações possíveis, muito mais do que
conceitualmente, na reprodução social, com potencialidades e recuos políticos, o que
nos aproxima mais da análise no campo da consubstancialidade.
Embora seja muito comum ouvir os mesmos argumentos quanto à imbricação
da exploração e das opressões entre raça, classe e sexo por adeptas tanto do conceito
de interseccionalidade como do da consubstancialidade, ao analisarmos seus
sentidos temos que o primeiro sugere um toque (intersecção) entre elementos
distintos, já o segundo, uma articulação no processo de desenvolvimento de aspectos
diferente no conjunto das relações.
Para além disso, no Serviço Social tem sido mais recorrente o uso do conceito
de consubstancialidade, sendo-o mais próximo do que desenvolvemos aqui.
186
5.1 A CONSUBSTANCIALIDADE CLASSE, RAÇA E GÊNERO E A PERSPECTIVA
ANTICAPITALISTA E ANTIRRACISTA DO MOVIMENTO FEMINISTA
187
A escravidão se constitui uma determinação, na formação sócio-histórica
brasileira, para analisar a condição de classe, de gênero e raça. Sobre este aspecto
corroboramos com a análise de Davis (2016), na qual ela afirma:
188
De acordo com Silva (2013), com bases nas pesquisas da PNAD que
analisam as desigualdades a partir das dimensões de classe, raça e gênero:
Sabemos que a classe está para além da renda, mas é um dado relevante em
se tratando da desigualdade, considerando que no Brasil dos anos 2000, a
transferência de renda se constitui a principal modalidade na concessão de benefícios
sociais.
No âmbito da transferência de renda, programas como o Bolsa família - PBF,
por exemplo, mantém suas titularidades majoritariamente sob a responsabilidade das
mulheres, enquanto responsáveis pela família, de modo que dados de 2016,
revelavam que “92% das famílias beneficiárias têm mulheres como titulares” (Bartholo,
Passos e Fontoura, 2017, p.8).
Considerando que as famílias que são alvo do PBF estão em situação de
problema ou extrema pobreza, inferimos que há uma relação direta entre o trabalho
reprodutivos dessas mulheres e sua condição social.
Não podemos ignorar o fato de que “as desigualdades raciais e de gênero
moldam uma hierarquia do mercado de trabalho que se mantém mesmo entre grupos
com mesma escolaridade ...” (SILVA, 2013, p.120).
Contudo, as particularidades dos diferentes grupos de mulheres nem sempre
foram levadas em conta pelos distintos movimentos de mulheres, o que impulsionou,
ora pautas demandadas pelas mulheres das classes mais altas, majoritariamente
brancas, como o sufrágio feminino, ora discursos e posturas universalistas que não
abarcam as especificidades, a exemplo de argumentações em prol de feminino, em
contraposição a feminismo, além de intervenções puramente identitárias, sem
fundamentar pelas questões materiais, pelas condições de trabalho e pela classe.
Para nós, o feminismo que se autodenomina e se organiza nas perspectivas
classista e antirracista como “direção sociopolítica” (SOUSA, 2018) que se sobressai
aos exemplos supracitados, enquanto tendência que, no contexto dos anos 2000,
mais especificamente na sua segunda década:
189
[...] tais temáticas sinalizam que as pautas feministas voltaram-se,
predominantemente, para a manutenção e ampliação dos direitos
sociais das mulheres como estratégia fundamental para garantir uma
maior autonomia e liberdade para o segmento, diante das ameaças
advindas de um cenário de avanço do conservadorismo e de corte de
investimentos nas políticas para as mulheres. (SOUSA, 2018, p.131).
Nesse sentido, uma obra de cunho político que chega ao mundo na segunda
década dos anos 2000 é o Feminismo para os 99%: um manifesto, no qual Arruzza,
Bhattacharya e Fraser (2019) afirmam na tese 8ª que o feminismo para os 99% é
antirracista e anti-imperialista e sobre essa urgente tarefa histórica do feminismo,
afirmam:
190
desenvolvimento, mesmo que reconheçamos a existência do racismo e do patriarcado
como elementos históricos que antecedem o capitalismo, nos interessa desvendar e
situar suas configurações nas relações sociais capitalistas contemporâneas.
No plano político, o conservadorismo é alimentado pelo surgimento de grupos
dominantes que representam ao mesmo tempo o poder econômico e ideopolítico
contrário à igualdade entre os sexos e à diversidade sexual. Na contemporaneidade,
esses traços são destacados, por exemplo em aspectos como:
191
Quadro 4: Sujeitos Feministas Classistas e antirracistas que surgem nos anos
2000
ANO DE
DENOMINAÇÃO DEFINIÇÃO SURGIMENTO VINCULAÇÃO
O Coletivo se
organiza na luta
contra a opressão e
exploração das
mulheres da classe
trabalhadora, e Partido Comunista
constrói a luta pelo
Brasileiro - PCB
feminismo e pela
Coletivo superação da 2005
Feminista sociedade de
192
Classista Ana classes.
Montenegro Entendemos que as
demandas de gênero
– pela emancipação
das mulheres
trabalhadoras -,
deverão tensionar o
estado burguês,
buscando a ruptura
com o capitalismo e
com todas as suas
formas de
exploração,
pautadas tanto na
divisão social de
classes, quanto nas
diversidades
humanas.
Somos a primeira
trincheira na defesa
da vida e da maioria,
dos 99%! Lutamos
contra a austeridade
neoliberal, a violência
policial, os regimes
Partido Socialismo
tirânicos e os golpes
Resistência fundamentalistas. 2020 e Liberdade –
Estamos PSOL;
Feminista
desenhando um novo
significado, vivo e
dinâmico, para
Esquerda Online e
valores
anticapitalistas Resistência PSOL.
tradicionais que
vinham perdendo
força: “greve” como
protesto feminista em
locais de trabalho e
no ambiente
doméstico,
demonstrando que se
paramos, o mundo
inteiro para.
Fonte: A autora (2022).
193
Pela visualização das definições destacadas acima, é evidente que a
organização política feminista nas duas últimas décadas segue sendo um componente
que integra o conjunto das lutas da classe trabalhadora, atravessando as
transformações pelas quais passa o liberalismo (social-liberalismo; neoliberalismo;
ultraliberalismo), em articulação com organizações da esquerda no Brasil e na
América Latina, que vão desde partidos políticos a centrais sindicais e Movimentos
Sociais.
Ante o aprofundamento do desmonte das políticas e dos direitos sociais a
partir de 2016, quando se concretizou o golpe contra o mandato da presidenta Dilma
Rousseff, as ações ideopolíticas dos sujeitos feministas aqui analisados adquirem
potencial de maior radicalidade frente à crescente ofensiva conservadora.
Trataremos de situar quais posicionamentos políticos, participações em
atividades públicas e formas de incidência dos Movimentos Feministas, Classistas e
Antirracistas em questão até o ano de 2020, buscando identificar quais tendências
esses sujeitos coletivos acompanham.
Corroboramos com Sousa (2018) quanto às reivindicações em torno da não
violência, melhores condições de trabalho, autonomia sobre o corpo e acesso a
políticas por parte das mulheres, que:
194
Buscamos apreender, no âmbito das lutas e posicionamentos políticos desses
sujeitos coletivos, como a consubstancialidade classe, sexo e raça aparecem nas
suas reivindicações, por meio da incidência nas lutas mais genéricas em torno da
defesa de direitos para a classe trabalhadora, bem como as particularidades das
mulheres e, mais especificamente das mulheres nesse processo.
Trata-se, no nosso entender, das expressões ideopolíticas contrapostas ao
conservadorismo e ao patriarcado, como ideologias que fundamentam o modo de ser
e de agir da classe dominante.
A relevância social das lutas feministas nessa perspectiva, articula as
opressões sofridas pelo conjunto das mulheres à exploração da classe trabalhadora,
evidenciando sua constante contribuição à sociedade, visando transformações na
ordem material e de valores, na produção e na reprodução social, a despeito da
imposição de inúmeros desafios nas duas últimas décadas, muitos deles comuns aos
partidos, aos sindicatos e aos movimentos sociais, como práticas de controle e
criminalização, tendência à deslegitimação legal do direito às reivindicações e
mobilizações, com recortes patriarcais e racistas, conforme demonstra Lacerda (2019)
sobre o Brasil sob a condução de Jair Bolsonaro, a partir de 2018:
195
5.2 O MOVIMENTO PÃO E ROSAS
196
A luta por direitos nessa concepção, alia-se às lutas pela ampliação do Estado
através de serviços destinados à melhoria da vida das mulheres trabalhadoras, além
do enfrentamento às condições impostas pelo capitalismo às condições de trabalho
específicas às mulheres, com vistas à construção de uma alternativa societária à
exploração da classe trabalhadora e às opressões de gênero e de raça.
Destacamos a incidência política do Pão e Rosas na segunda década dos
anos 2000, considerando sua atuação no Brasil a partir de 2009, bem como sua
participação em greves e atos políticos da classe trabalhadora, com base em três
eixos de atuação: mobilização política; difusão ideológica e formação, que
compreende participações em atos e protestos; divulgação de notas (de apoio, de
repúdio, de divulgação) e cursos, palestras, seminários.
Cabe salientar, conforme posicionamento da autora Andrea Dátri, líder
internacional do Movimento Pão e Rosas, que:
197
mulheres trabalhadoras, difundindo seu posicionamento político, por meio do qual
afirmou que:
200
Nos negam a maternidade com este ataque à estabilidade, assim
como com a própria reforma trabalhista que desde seu início já previa
que mulheres grávidas pudessem trabalhar em locais insalubres. Não
nos dão condições de saúde pública de qualidade, por exemplo, que
é a última das prioridades deste governo, com seus ataques ao SUS
e absurdos como o projeto de Janaina Paschoal à Alesp, que permite
a realização de cesáreas sem necessidade de recomendação médica,
além de abrir espaço para que médicos se recusem a aceitar os planos
de partos de pacientes, podendo induzir a realização de cesáreas e
procedimentos cirúrgicos por interesses lucrativos. (PÃO E ROSAS,
2019)
201
A partir dos elementos acima destacados, constatamos a contribuição dada
pelo movimento feminista classista Pão e Rosas, no âmbito das relações sociais de
classe, gênero e raça, corroborando para o enfrentamento das desigualdades
vivenciadas na realidade brasileira pelas mulheres trabalhadoras.
Outrossim, antenadas à ofensiva conservadora que se observa no último
quinquênio no mundo e no Brasil, as mulheres que compõem esse movimento vêm
somando forças em ações estratégicas para o enfrentamento das perdas de direito
em curso, para a manutenção das pautas feministas na agenda política de partidos,
movimentos e sindicatos, tendo as mulheres na linha de frente das reivindicações.
Há uma confluência dos eixos de análises que elencamos, havendo sintonia
entre a participação e a organização de atos e mobilizações, divulgação de seus
posicionamentos ideológicos, bem como ações de formação internas, que nem
sempre acontecem de forma separada, tendo em vista toda e qualquer ação política
ser imprescindível de ideologias, sejam direcionadas ou não à formação.
Por último, elencamos a partir das matérias vinculadas no sítio do Pão e
Rosas dentro do espaço virtual do Esquerda Diário, um total de 5 militantes que
assinam matérias pelo Movimento, cujas ocupações, além da militância nos dão uma
breve ideia de quem são essas mulheres e seus estados de atuação: 1 estudante de
graduação (ES); Servidora Pública e sindicalista (SP); Professora e militante do
movimento negro (SP); Estudante de pós-graduação (MG); Professora do Ensino
básico (SP).
Por essa amostragem, temos uma atuação mais centrada na região sudeste
do país, embora haja representação coletiva em diversos outros estados.
202
5.3 O MOVIMENTO MULHERES EM LUTA (MML)
203
Em outubro de 2013, o MML realizou seu 1º Encontro Nacional –
considerado, pelo próprio movimento, o maior encontro classista dos
últimos vinte anos –, que reuniu duas mil mulheres trabalhadoras do
campo e da cidade. Como forma de encaminhamento, o MML
encampou a Campanha Nacional contra a Violência às Mulheres em
virtude da década anterior ter sido o período em que mais morreram
mulheres no país e por considerar que o governo não deu respostas
mínimas que revertessem a situação. (SOUSA, 2018, p.150).
206
Para aliar a prática revolucionária à teoria revolucionária, o Movimento
Mulheres em Luta vai organizar um grupo de estudos sobre a opressão
e exploração das mulheres por conta da orientação sexual e
identidade de gênero na perspectiva marxista, além de temas como
educação sexual e legalização do aborto, visando a realização de um
seminário nacional no ano de 2020 (...).
Esse grupo servirá para acumular os temas teóricos e preparar
companheiras que facilitarão os espaços do seminário. Nesse sentido,
para participar não basta apenas ter interesse pelo tema ou ser LGBT,
é necessária disponibilidade para seguir o cronograma de estudos e
compromisso com o compartilhamento do acúmulo em atividade
futura. (MML, 2017).
208
Além das informações extraídas no blog do MML nacional, recorremos a uma
rede social do movimento para, a partir da divulgação de suas atividades, caracterizar
5 militantes que representaram o movimento em mesas, debates, formações: 1.
Assistente Social (SP); 2. Representante sindical (SP); Assistente administrativa (RJ);
Professora da Rede Municipal (RJ); Metalúrgica (SP).
Estamos diante de um movimento que também se expressa mais fortemente
na região sudeste, embora haja extensões em outros estados.
209
O nome deste Coletivo é uma homenagem à lutadora comunista Ana
Montenegro (1915 – 2006), cearense de Quixeramobim, liderança da ocupação do
“corta-braço”, em 1947, em Salvador; participou da imprensa comunista de 1945 a
1964, período no qual adotou o sobrenome Montenegro em substituição ao seu
verdadeiro nome Ana Lima Carmo.
Por participar de outros movimentos como a União Democrática de Mulheres
na Bahia; Comitê Feminino de Mulheres pró Democracia; Liga Feminina da
Guanabara e Federação Brasileira de Mulheres, Ana se tornou referência de luta para
o movimento feminista classista, no qual o Coletivo Ana Montenegro se situa.
No tocante à atuação no âmbito da consubstancialidade sexo-raça-classe, o
coletivo afirma:
210
Com isso, esse Coletivo propõe destacar o protagonismo das mulheres nas
lutas por ele implementadas, ainda que homens possam se somar nas ações
estratégicas de mobilização.
Assim como os demais movimentos aqui apresentados, é constante a
participação do CFCAM nas atividades do Dia Internacional de luta das Mulheres – o
8 de março. Destacaremos a seguir algumas ações do Coletivo, levando em conta a
difusão ideológica, a formação e a mobilização, sobre gênero, raça e classe, embora
a consubstancialidade entre esses três aspectos possibilite articulá-las muitas vezes
em uma ação específica.
Também nos deteremos no contexto que compreende os últimos cinco anos,
quando avança o conservadorismo na conjuntura brasileira.
Em 2016, tratando da inconstitucionalidade da criminalização do aborto, o
CFCAM lançou um texto em seu blog, intitulado Pelo direito das Mulheres à vida, à
saúde, ao pão e ao trabalho, na qual afirmam que:
211
Foram discutidos os avanços conquistados pelas mulheres na
sociedade soviética, como por exemplo, a descriminalização do aborto
e divórcio, a participação da mulher na política. Bem como questões
envolvem a igualdade de direitos e salários entre mulheres e homens.
Além disso, foram debatidos alguns eixos norteadores do feminismo
classista e suas particularidades em relação aos outros movimentos
feministas. (CFCAM, 2017).
214
opressão por parte dos oprimidos. Ou seja, o quilombo era a unidade
básica de resistência do escravizado. (GOUVEIA, 2017).
215
trabalhadora mais precarizada, em sua maioria negras. Um caso emblemático foi a
morte da criança Miguel em Recife, cuja mãe Mirtes, trabalhadora doméstica para uma
família de classe alta, precisava levá-lo ao trabalho diante das circunstâncias de
isolamento social, que implicou o fechamento das escolas.
Especificamente sobre o caso Miguel, o CFCAM se posicionou na nota
supracitada com o seguinte trecho:
216
Se somando às lutas pelos direitos que estão destituídos e ameaçados no
atual contexto de ataques, o Coletivo Ana Montenegro vem se expandindo no Brasil,
contando atualmente com diversos Núcleos pelos estados: Nacional; Alagoas;
Amapá; Amazonas; Bahia; Distrito Federal; Goiás; Mato Grosso; Minas Gerais (Belo
Horizonte, Ipatinga, Juiz de Fora, Poços de Caldas, Uberaba e Uberlândia); Paraná
(Curitiba, Foz do Iguaçu, Londrina); Pernambuco (Vale do São Francisco); Rio Grande
do Sul (Alegrete, Caxias do Sul, Pelotas, Porto Alegre); Rio de Janeiro (Petrópolis);
Rio Grande do Norte (Natal); São Paulo (Campinas, Santos); Santa Catarina e
Sergipe.
Conforme análise de atividades divulgadas nas redes sociais do Coletivo
CFCAM nacional, elencamos 5 militantes cujas funções e estados são: Pedagoga
(SP); Estudante de pós-graduação (BA); Doula (MG); Professora Ensino Superior
(MT); Bióloga (SP).
A diversidade de estados nos quais os núcleos se concentram está refletida
na amostra que elegemos acima.
217
primavera feminista, em 2015; a luta em memória e cobrando respostas
sobre o assassinato de Marielle Franco e, mais recentemente, o
movimento #EleNão, em oposição ao atual presidente da República,
Jair Bolsonaro, e a performance latino-americana “Estuprador és tu”,
entre outras atividades feministas. (RESISTÊNCIA FEMINISTA, 2020).
Cabe destacar que mesmo com uma denominação específica enquanto coletivo
apenas em 2020, a Resistência Feminista sucede importantes momentos de luta, nos quais
as mulheres protagonizaram suas diversas lutas, que persistem e se ampliam no contexto
atual, conforme explicitado acima.
O coletivo Resistência Feminista está internamente organizado na corrente
Resistência do Partido Socialismo e Liberdade – PSOL e no manifesto de seu lançamento,
em que se autodenominaram anticapitalista:
222
2020, está demarcado o posicionamento antirracista da Resistência Feminista quando
a mesma afirma sobre os caminhos da luta antirracista no Brasil:
226
coletivamente, estando mais soltos, aliados às lutas dos sujeitos aos quais estão
vinculados.
Como sabemos, a esquerda brasileira aos quais esses sujeitos estão ligados,
por exemplo PCB, PSTU e MRT, não alcançam o espaço que o PSOL ocupa,
enfrentando os desafios de: não se configurarem como massivos, o que reduz, em
tamanho, a expressividade desses movimentos; além de não ocuparem
homogeneamente o território brasileiro.
Então vamos ter, por exemplo, uma expressão do Pão e Rosas e do MML
mais focada no sudeste e Sul do país, enquanto Ana Montenegro e Resistencia
Feminista tem mais capilaridade em termos de interiorização.
Além disso, a relação classe-raça-gênero é impressa de formas distintas em
cada movimento, com suas dinâmicas particulares e articuladas de acordo com suas
possibilidades.
227
6 CONSIDERAÇÕES FINAIS
228
A crise do capital em curso e seus rebatimentos na realidade brasileira
impõem limites à efetividade das políticas para as mulheres, mesmo diante de alguns
avanços no tocante ao atendimento à uma agenda feminista em curso, que na primeira
década do século XXI alcançam uma inserção de suas reivindicações em órgãos
governamentais, como Coordenadorias e Secretarias Especiais.
Entretanto, inseridas no contexto de ajustes fiscais e de interesses de
mercado, as políticas para as mulheres acompanham uma agenda social-liberal
formal, cujas ideologias que identificamos as direcionam para o campo do
empreendedorismo e do empoderamento, resultantes dos planos sociais elaborados
a partir dos Organismos Internacionais com objetivos mercadológicos.
Reside nesse contexto as inquietações motivadoras para o surgimento de
novos sujeitos do feminismo, que vão questionar os limites institucionais impostos à
efetivação de direitos já reconhecidos da classe trabalhadora, especialmente a
conciliação de classes, operada a partir de 2003, com crescimento da direita até a
segunda década.
A direita que propunha o Projeto de Lei nº 5069/2013, um dos elementos
impulsionadores do levante feminista pouco difere da direita conservadora que apoia
a eleição de Bolsonaro em 2018. Aqui já residia aspectos que interseccionam o
liberalismo e o conservadorismo, conforme foi caracterizado por Biroli (2017).
Essa apreensão dos mecanismos políticos sociais e ideológicos que se
unificam a partir do fortalecimento da direita nos é indispensável para entender como
o conservadorismo consegue se legitimar a ponto de servir de base moral para o golpe
institucional e midiático contra o mandato da presidência Dilma em 2016, a partir de
quando o Conservadorismo ascende ainda mais, em consonância com o acirramento
do desmonte de direitos.
De tal modo, os desafios que circundam as lutas feministas no Brasil da
primeira década para a segunda dos anos 2000 consistem em lutar pela defesa de
direitos, razão pela qual, no nosso entendimento, os movimentos que analisamos
partem de uma ação em conjunto com outros sujeitos coletivos, aliados à luta geral
da classe trabalhadora contra os ataques aos direitos em curso.
Cabe retomar aqui a nossa apreensão de que o Conservadorismo político no
Brasil, se particulariza pelo caráter histórico de um país cujas relações de exploração
e dominação combinam aspectos históricos tradicionais, de base escravista e
229
economicamente dependente, em aliança com os interesses conservadores mundiais
contemporâneos, que alcançam bastante legitimidade no século XXI.
Demonstramos que há uma base patriarcal sobre a qual o conservadorismo
se afirma e se expande, de tal modo que os desmontes de direitos operados,
sobretudo na segunda década dos anos 2000, incidem de modo particular na vida das
mulheres da classe trabalhadora, tendendo a desconsiderar as desigualdades que
elas vivenciam cotidianamente. Podemos apontar aqui a reposta para o seguinte
objetivo: Analisar as principais tendências ideopolíticas que sustentam as políticas e
programas voltados aos direitos mulheres a partir dos anos 2000;
Sob essa perspectiva, inferimos que as contrarreformas trabalhista e
previdenciária, por exemplo, intensificam as consequências da divisão sociossexual
do trabalho, rebaixando ainda mais os salários, apelando para atividades de tempo
parcial e reduzindo a possibilidade de acesso a direitos como licença maternidade e
tempo de amamentação, exclusivo das mulheres.
Dada a consubstancialidade classe-raça-gênero, reafirmamos as
particularidades inerentes às mulheres negras nesse contexto, muitas delas ainda não
podendo se afirmar enquanto sujeito de direitos e tendendo a se distanciar mais ainda
dessa condição, frente à austeridade das políticas sociais e à guerra antidireitos.
Se por um lado, a investida antidireitos operada pelas forças políticas
dominantes nos anos de 2011 a 2020 comporta uma aliança entre os representantes
políticos do neoliberalismo (bancada ruralista, políticos empresários, mediadores da
indústria armamentista), sua consolidação se sustenta em ataques a direitos já
consolidados, sob as mais variadas argumentações, bem como se contrapõe à
ampliação do atendimento às necessidades humanas, com destaque para recuos no
atendimento às mulheres, população LGBTQIA+, população negra, povos indígenas
e política ambiental.
No decorrer dessa segunda década, o golpe operado contra a presidenta
Dilma revela com nitidez a hegemonia do discurso liberal-conservador, cuja
justificativa do voto favorável à abertura do processo do impeachment se basearam
em defesa da família e da propriedade, referenciando a família heteronormativa,
branca, proprietária e contrária aos interesses do conjunto da população. A partir de
então, a probabilidade de aprovação de projetos que os representem aumenta, sob a
liderança de sujeitos coletivos dentre os quais os que analisamos no terceiro capítulo
230
desta tese, embora seja importante ressaltar que sempre houve resistências no plano
da luta de classes, conforme evidenciamos no último capítulo.
As consequências de discursos e práticas antidireitos no contexto brasileiro
da segunda década dos anos 2000 são reveladas no processo de contrarreformas
(trabalhista, previdenciária, lei da terceirização) e suas particularidades para as
mulheres, reforçando a divisão sociossexual do trabalho.
Do mesmo modo, o acesso à seguridade social pelas mulheres da classe
trabalhadora cujas particularidades na saúde, assistência social, educação e
segurança encontra a contradição entre a necessidade de garantir o acesso levando
em conta o fato de serem mulheres, na contramão do processo de enxugamento de
recursos (a exemplo da lei de teto dos gastos, por meio da qual se operou um
congelamento de 20 anos nos recursos das políticas de seguridade), além dos recuos
nas garantias legais por meio das contrarreformas.
As implicações dessas medidas são ainda mais deletérias para as mulheres
negras, denotando a face racial tanto da própria realidade desigual, como dos
mecanismos que ampliam ou negam direitos, particularmente o processo de negação.
A divisão social do trabalho, sustentada pelas dimensões sexual e racial, por
exemplo, implica em precarização acirrada das atividades desempenhadas pelas
mulheres negras, o que aliada às dificuldades dessas mulheres acessarem educação
e formação profissional, tende a inseri-las nas funções menos remuneradas, que não
dispõem do conjunto de garantias como férias, licença maternidade, décimo terceiro
e licenças remuneradas.
Já no campo de acesso à seguridade social, enfrentam os desafios de um
padrão branco de acesso, tendo que driblar a seletividade, a morosidade, a
criteriosidade e o racismo reproduzido muitas vezes no âmbito institucional onde o
serviços são acessados, desafio maior quando se trata de desempregados/as e
trabalhadores/as informais, cuja contribuição direta de seguridade não é facilitada pelo
vínculo trabalhista.
Outrossim, as acentuadas posturas conservadoras se recrudescem à medida
que sujeitos políticos, tanto liberais – como o MBL, como conservadores – a exemplo
da Bancada Evangélica, do Escola Sem Partido e do recente Movimento Brasil
Conservador – MBC se afirmam e se fortalecem, adentrando os espaços
parlamentares e a sociedade, de modo geral.
231
Temos que as investidas liberais, abrem margem para um encontro ideológico
antidireitos e antidemocrático, que fortalece o conservadorismo que se acentua na
segunda década dos anos 2000, apoiado no senso comum, no fundamentalismo
religioso e no patriarcado.
Entre os sujeitos pesquisados, identificamos que os mesmos coadunam com
as pautas antifeministas, mas o conservadorismo é crescente, tendo em vista uma
postura mais quieta do MBL após as eleições de 2018, enquanto o Movimento Brasil
Conservador surge em 2019 para legitimar posicionamentos intolerantes quanto às
pautas de LGBTQIA+ e feministas.
Sob o viés patriarcal, representantes do conservadorismo no parlamento
sugerem projetos contrários ao ensino de gênero e sexualidade, reatualizam os
debates acerca da família conservadora – diga-se heteronormativa e patriarcal- em
torno do qual surge a proposta do Estatuto da Família; do Estatuto do nascituro,
contrariando o debate da autonomia das mulheres sobre seus corpos, bem como
revelando uma profunda regressão para os direitos sexuais e reprodutivos já
garantidos.
Aqui respondemos ao objetivo no qual pretendíamos: Identificar as
determinações que particularizam o avanço do conservadorismo, do patriarcado e do
racismo nas políticas e nos programas destinados às mulheres no século XXI.
As disputas ideológicas seguem seu curso nas décadas por nós analisadas,
os espaços da política parlamentar seguem sendo disputados por mulheres
(heterossexuais, trans, lésbicas, bissexuais) e para além do campo partidário
organiza-se a resistência feminista, classista, antirracista e anticapitalista,
encontrando caminhos frente às adversidades.
Destacamos que o ano de 2015, com a primavera feminista contrárias ao
Estatuto do nascituro e emblematicamente enfrentando o então presidente da Câmara
de Deputados Federais, Eduardo Cunha; as inúmeras mobilizações em defesa da
democracia em 2016 e a mobilização nacional denominada “Ele não”, contrárias ao
então presidenciável Jair Bolsonaro, em 2018 expressam potencial contribuição das
mulheres trabalhadoras à luta por direitos, por liberdade e por democracia no Brasil.
Conforme os sujeitos aqui analisados, a pauta feminista classista cresce no
interior de movimentos sociais mais gerais, de sindicatos, possui, em grande medida,
232
articulação com organizações internacionais e estão antenadas às lutas
anticapitalistas, antipatriarcais e antirracistas.
Por meios de mobilização e divulgação, que analisamos caracterizamos como
difusão ideológica, formação e ação política, podemos afirmar que o feminismo
brasileiro nos anos 2000 é um sujeito coletivo legítimo e necessário ao enfrentamento
do conservadorismo, uma vez que seus posicionamentos e ações culminam em
posturas libertárias, democráticas e em defesa das conquistas civilizatórias já
alcançadas pela classe trabalhadora e pelas mulheres.
Desde os coletivos e/ou grupos e movimentos feministas que surgiram na
primeira década dos anos 2000, até os que surgem na segunda década, têm
demonstrado coragem e ousadia para formar quadros, participar das lutas contra os
desmontes e se utilizar de canais de comunicação como redes sociais, blogs e sites
na difusão de seus posicionamentos, que comporta: matérias, notas, textos, informes,
convocatórias, dentre outras.
A composição de todos eles comporta mulheres trabalhadoras (uma grande
incidência de professoras de todos os níveis de ensino; estudantes; jornalistas;
sindicalistas), sendo ambas as responsáveis pelo desenvolvimento das atividades
realizadas por cada movimento.
A exceção de um dos movimentos, matérias e notas, além formações
constantes relativas às condições das mulheres negras são ações cotidianas, sempre
em consonância com as condições objetivas que expressam a consubstancialidade
das relações sociais entre classe, sexo e raça/etnia.
As opressões de raça e de sexo/sexualidade não estão, portanto,
desconectadas das consequências econômico-sociais que, decorrentes do
acirramento das desigualdades entre as classes, configuram desafios constantes no
plano político e ideológico. Por isso, é impensável a luta e a resistência da classe
trabalhadora, sem reconhecer as particularidades dos sujeitos individuais e coletivos
que a compõem.
Para a perspectiva consubstancial das lutas, a contribuição do feminismo
classista e antirracista é crucial, quando vislumbramos qualquer conquista para a
classe trabalhadora na contemporaneidade.
Encontramos nesses elementos uma resposta para o objetivo anteriormente
elencado: Apreender como se expressa a co-relação de forças entre agenda feminista
233
classista e a agenda liberal e conservadora nas pautas feministas, os sujeitos políticos
que a defendem e seus interesses.
234
majoritariamente, aqueles/as que tiveram de seguir seu curso de deslocamentos,
trabalhos precarizados e risco de contaminação e morte.
Destarte, as mulheres negras estão na linha de frente do trabalho doméstico,
com a presença de patrões e patroas em casa, com o desafio de administrar um
cotidiano de intensificação dos cuidados, com filhos/as em casa, uma vez que as
escolhas paralisaram as atividades.
Os anos de 2020 e 2021, apesar das difíceis circunstâncias, vêm sendo palco
de inúmeras mobilizações em defesa da vida, contra a fome, por vacina e contra o
negacionismo, expressão marcante do conservadorismo anti-ciência no período de
pandemia.
Ante ao contexto de crise estrutural do capital, as estratégias de exploração e
de dominação avançam no Brasil, de modo que mulheres indígenas, de populações
ribeirinhas, rurais e urbanas são alvos cotidianos das distintas formas de violência,
nos âmbitos público e privado, reorganizando suas resistências, a exemplo da
Segunda Marcha Nacional das Mulheres Indígenas, realizada em setembro de 2021,
integrantes do acampamento indígena contra a proposta de marco temporal que
pretendia limitar a propriedade de terras a famílias indígenas ocupantes de seus
territórios desde 1988.
Além disso, mobilizações contra a PEC 32 – Reforma administrativa contou
com a presença dos movimentos de mulheres elencados nessa pesquisa, tendo fortes
concentrações em Brasília no mês de outubro de 2021, em articulação com fóruns,
centrais sindicais e outros coletivos e movimentos de servidores públicos, os mais
afetados pela PEC em curso.
As tendências que se apontam é que o feminismo se expande nas diversas
lutas que despontam, frente a um contexto de aprofundamento dos desmontes e dos
ataques ao conjunto da população trabalhadora.
De certo, os anos 2000 revelaram e seguem revelando as potencialidades
feministas e, do nosso ponto de vista, uma singular contribuição ao conjunto das
reivindicações, que enriquece a concepção de classe e revela questões concretas
sobre a vida das mulheres, dotando a luta de materialidade e resistência. São as
mulheres com classe, com cor, com sexualidade distintas entre si, mas dispostas a
construir unidade em busca do “bem viver”.
235
Certamente, as eleições que se aproximam para 2022 exigem unidade em
defesa de um projeto que dialogue com as pautas e as reivindicações feministas, que
conforme nossa análise, somam nas fileiras do fora Bolsonaro e além, em defesa de
um Brasil que construa uma cidadania não só formal, mas que reconheça as
necessidades de sua população, na perspectiva de seu atendimento. É a roda vida da
luta de classes (em sua diversidade e totalidade) que segue o giro e renova o
esperançar!
236
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