Intercambios Angolano-Brasileiros
Intercambios Angolano-Brasileiros
Intercambios Angolano-Brasileiros
Resumo: Este trabalho reúne parte das pesquisas doutorais dos seus autores, as quais versaram sobre os
intercâmbios intelectuais e institucionais angolano-brasileiros, todavia, em períodos distintos e
subsequentes. Sua afinidade temática e a concomitância da sua elaboração são, em si, testemunhos da
atualidade e da pertinência deste debate. Nosso principal objetivo é mostrar a heterogeneidade discursiva
de alguns dos intelectuais que fizeram parte da geração que deu origem ao Movimento Popular de
Libertação de Angola (MPLA) e à sua luta cultural, política e emancipacionista, ainda no período
anterior à eclosão da guerra anticolonial (1961). Nossa perspectiva parte das dimensões da história
atlântica, dos intelectuais e das instituições, ao analisarmos as relações tecidas entre grupos de jovens
intelectuais, angolanos e brasileiros, que dialogaram e trocaram materiais políticos e literários.
Palavras-chave: Intercâmbios angolano-brasileiros; trajetórias intelectuais; produção literária; guerra
anticolonial; diálogos sul/sul.
1
Currículo Lattes: http://lattes.cnpq.br/4923251336499512. ORCID: https://orcid.org/0000-0002-8040-0172.
2
Currículo Lattes: http://lattes.cnpq.br/2746256151454516; ORCID: https://orcid.org/0000-0002-9247-
5585?lang=en.
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O fim da segunda grande guerra gerou uma importante alteração nos paradigmas do
mundo ocidental: o questionamento das noções e hierarquizações rácico-culturais. Este
fenômeno abriu novos horizontes para a humanidade, sendo que esta própria categoria passou
a ser repensada após a emergência das campanhas e lutas anticoloniais. No entanto, a
consolidação dessas mudanças ocorreria mesmo a partir de 1948, ano da aprovação da
declaração universal dos direitos do homem na assembleia geral da ONU. O momento era de
incertezas e demandava por outros referenciais políticos e culturais.
Também em 1948, dois grupos de jovens situados nas margens do Atlântico Sul, um
brasileiro e outro angolano, motivados por questões distintas, passaram a se organizar em nome
da promoção da cultura e de um modernismo autóctone em suas terras. Tratava-se do Círculo
de Arte Moderna (CAM) em Florianópolis, no Brasil, e do Movimento dos Novos Intelectuais
de Angola (MNIA) de Luanda, em Angola.
O Círculo de Arte Moderna era uma entidade de caráter cultural, sobretudo literário, que
começara a atuar na imprensa catarinense desde o ano anterior (1947). Este grupo foi
responsável pela difusão do modernismo em Santa Catarina, desenvolvendo diversas atividades
culturais, tais como teatro, artes plásticas, cinema, além da literatura, e tinha as suas ideias
veiculadas através da revista Sul (1948-1958).
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e Rio de Janeiro, além de muitas outras no Brasil e alhures. No meio deles situa-se o Movimento
Afro-brasileiro Pró-Libertação de Angola (MABLA)3. Entre as suas principais atuações
enumeramos o apoio à literatura africana, sendo publicadas no Brasil obras de autores
angolanos, moçambicanos dentre outras nacionalidades, bem como a difusão da literatura
brasileira naquelas nações, a publicação de livros sobre história do continente africano, além de
outros meios de denúncia dos violentos conflitos decorrentes das guerras de independência.
O conceito de geração
3
Para saber mais ver (SANTOS, 2014 e SANTOS, 2010).
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frequentemente façamos uso da categoria geração para examinar a ação política de sujeitos
distintos num dado contexto histórico, é imprescindível sempre termos em mente que ela é
formada por diferentes personagens que, sendo autônomos, têm posicionamentos, condutas e
posturas diversas.
O grupo dos intelectuais angolanos foi designado por nomes bem diferentes: Geração
dos anos 1920, atribuída por Mário Pinto de Andrade, se refere à década em que nascera a
maioria dos sujeitos; Geração de 1940, denominada por Luís Kandjimbo, faz alusão ao início
das atividades culturais da maioria dos seus membros; Geração de 1950, assim referida por
Alfredo Margarido e Carlos Serrano, se associa à década da emergência das organizações
políticas derivadas das referidas instituições culturais; Geração da Utopia, como foi designada
na obra literária de Pepetela, associa criticamente as frustrações dos objetivos iniciais do grupo
aos resultados pós-coloniais; e Geração da Mensagem, como intitulada por Salvato Trigo
(1979), uma vez que “Mensagem” foi o nome atribuído aos veículos difusores das ideias desse
grupo-geração, fosse a revista ou o boletim, editados respectivamente em Luanda e em Lisboa.
Sucedendo Mensagem, a geração da Cultura, à qual estão associados alguns intelectuais
pertinentes ao nosso contexto-tema, foi igualmente batizada com o nome do periódico.
Embora frequentemente façamos uso da categoria geração para examinar a ação política
de sujeitos distintos num dado contexto histórico, é imprescindível sempre termos em mente
que ela é formada por diferentes personagens que, sendo autônomos, têm posicionamentos,
condutas e posturas diversas. Não podemos perder de vista essa premissa, sobretudo quando
analisamos as trajetórias dos sujeitos, e levamos em consideração as suas personalidades,
individualidades e idiossincrasias (com)textuais.
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Esse foi o ano da criação da Revista Sul, do CAM, organização cultural que buscava
“disseminar o Modernismo, cultivar valores nacionais, e elevar o nível cultural catarinense”
(SABINO, 1982, p. 132). Para tal desenvolvia diversas atividades culturais. No teatro, criaram
o grupo TECAM (Teatro Experimental do Círculo de Arte Moderna); este foi um meio para o
financiamento dos seus demais projetos, sobretudo o literário, tendo ousado encenar pela
primeira vez uma peça de Jean-Paul Sartre em nosso país. Nas artes plásticas foram
responsáveis pela criação de um clube de gravura, além de promover diversas exposições e
palestras com artistas convidados de outros estados. Um desses visitantes foi Marques Rebelo,
quem estabeleceu uma profunda relação com os seus membros, além de a sua intervenção ter
culminado na fundação do Museu de Arte Moderna de Santa Catarina, que também foi o
primeiro do gênero criado no país. Esse grupo também criou o Clube de Cinema do Círculo de
Arte Moderna, responsável pela realização do primeiro filme rodado no Estado de Santa
Catarina em 1957. Contudo, a literatura teria sido a principal atividade empreendida pelo grupo-
geração.
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Era comum entre os angolanos do período que fossem estudar na metrópole. Estes
ficaram conhecidos como os “do exterior”, enquanto aqueles que permaneceram no país natal
eram chamados de os “do interior”. Apesar do distanciamento físico, a relação entre esses dois
grupos nunca deixou de existir, sendo partes de um mesmo grupo-geração. Os seus anseios e
preocupações eram frequentemente partilhados, assim como suas produções literárias e
atividades políticas. Diante desses contatos, suas trajetórias se interferiam mutuamente,
encontrando-se mesmo que indiretamente.
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a realidade derredor e a escrever “um novo poema da madrugada”. Ali o poeta torna-se, então,
símbolo romantizado desse tipo de ambiente, ícone prontamente reconhecido e saudado, cuja
missão é criadora, libertadora, e cheia de esperança pelo “Amanhã”. Seja em termos temáticos,
poéticos ou políticos, esses trabalhos de Jacinto são representativos do papel que ocupou nesse
grupo-geração.
Uma das principais contribuições de sua obra foi a dimensão universalista, segundo a
qual defendia que toda a cultura não-africana não deveria ser rejeitada em favor da afirmação
da cultura africana. No que tange às relações culturais mantidas com o nosso país, “Viriato
recuou as estruturas de identificação com o Brasil com base no parentesco. [...] Assim, Viritato
mostra que ele tem cada vez menos uma visão idílica do Brasil” (SANTIL, 2006, p. 411).
Mário Antônio Fernandes de Oliveira foi um membro mais novo que os demais na
sua geração, e por isso não foi contemporâneo de Viriato da Cruz e Antônio Jacinto no Liceu
Nacional Salvador Correia, tendo visto Agostinho Neto saindo de lá. Desde a década de 1950
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os seus escritos passaram a ser publicados em diversas revistas luandenses, com destaque para
a Mensagem, na qual participou ao vencer um concurso da entidade e integrou, a partir de então,
o MNIA. Como funcionário da administração colonial, contribuiu na imprensa da época e
esteve ligado às diversas organizações políticas angolanas de meados dos anos 1950, como o já
mencionado Partido Comunista Angolano. O seu destino literário se dispersou, pois, embora
fosse um escritor anticolonialista, antirracista e defensor de valores humanistas e democráticos,
não abriu mão completamente dos fundamentos e ideias básicas do luso-tropicalismo, o que
intensificou as críticas que passou a sofrer desde o interstício das décadas de 1950-60.
Na revista Sul, Mário Antônio publicou dois poemas nos anos de 1955 e 1956,
intitulados respectivamente como Tropa Negra e Solidariedade. Ambos os poemas são
exemplares da sua primeira fase, integrados à poética da Mensagem e do MNIA. Mário Antônio
seguirá um rumo próprio a partir da segunda metade dos anos 1950 e início da década seguinte.
Enquanto a maioria dos integrantes do MNIA deixaria de lado a fase denominada reformista e
partiria para uma nova fase revolucionária, Antônio permaneceria ligado às influências euro-
americanas e europeias, enfatizando a crioulidade da sua literatura. Ainda assim, ambos os
poemas têm em comum o fato de terem sido escritos num contexto em que os clamores
anticoloniais estavam muito mais evidentes do que na primeira metade daquela década. O
conteúdo de Tropa Negra é, em termos gerais, denunciativo do sofrimento perante o
recrutamento dos africanos para lutarem ao lado das tropas portuguesas (PAULA; CORREA,
2016, p. 28). Solidariedade também é um poema que exprime o espírito vivenciado à época:
escrito em 1956, momento de profundas reflexões acerca dos modelos de organização
sociopolítica e econômica, o poeta parece criticar os meios utilizados pela sociedade moderna
para estimular o consumo, atrelando-os à mulher como objeto de desejo. Assim, alerta e reage
contra a alienação atinada pela ideia de progresso da modernidade.
Os três autores do MNIA “do interior” que publicaram textos na revista Sul também
mantiveram relações diferenciadas com os intelectuais “do exterior”, e particularmente com
Agostinho Neto. Apesar de este ter rumado para Portugal com o intuito de estudar medicina no
ano imediatamente anterior à organização do MNIA, distanciando-se dos conterrâneos, a sua
relação com os “do interior” nunca desvaneceu.
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No interstício dos anos 1940-50 Agostinho Neto mantinha contato estreito com Viriato
da Cruz, em quem se inspirou profundamente em suas iniciativas culturais. Desde meados dos
anos 1950 a sua obra escrita passou a se concentrar muito mais nos tratados políticos do que na
senda poética. No início da década seguinte, já como MPLA, Viriato atuou nele como primeiro
secretário até 1962, data da sua I Conferência Nacional. Derrotado, criou uma dissidência para
rivalizar com a direção eleita, mas acabaram sendo expulsos dele em 1963. Decepcionado com
o seu isolamento, refugiou-se em Argel e Paris antes de se fixar definitivamente em Pequim,
onde, mantendo a sua postura crítica, faleceu em 1973 por falta de cuidados médicos. A
detração da sua imagem e o apagamento da sua personalidade foi fortemente estimulada pela
direção do MPLA, tendo Viriato sido acusado de traidor e precursor do fraccionismo em
Angola.
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Os intelectuais também emitiram mensagens para o Sul, uma vez que tiveram o Sul
como interlocutor e alvo das suas exortações. Dialogaram com outros movimentos, como a
negritude, e se inspiraram no neorrealismo português e na moderna literatura brasileira.
Estiveram preocupados em resolver as questões deixadas em aberto no após-guerra, sobretudo
aquelas que concerniam à manutenção das relações assimétricas entre colonizadores e
colonizados: denunciaram os males do colonialismo; dignificaram o homem colonizado;
bradaram pela liberdade e exortaram a esperança na vitória final.
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Contudo, a pertinência dos papeis atribuídos à literatura, aos livros e aos projetos
editoriais se manteve diante do adensamento das lutas anticoloniais e da atuação dos comitês
de apoio às independências dos países africanos. Isso porque as pessoas ligadas ao MABLA,
direta ou indiretamente, no Brasil ou em Angola, consumiam livros para um melhor
conhecimento da África. Além do mais, a maioria deles teve a sua formação cultural e política
influenciada pelo intercâmbio intelectual de que tratamos há pouco.
Por exemplo, o emigrado angolano José Manuel Gonçalves Rosas, hoje conhecido como
Jonuel Gonçalves (docente UFF), expõe em seu depoimento que, quando aluno secundarista
em Angola, ele e seus colegas adoravam ler autores da literatura brasileira como Graciliano
Ramos, Jorge Amado entre outros. Sobre a difusão da literatura brasileira em terras angolanas,
esse membro do MABLA reiterou o papel desempenhado pela revista Sul, editada pelo CAM
de Salim Miguel em Santa Catarina. Sobre esse assunto é importante reconhecer a divulgação
feita nas colônias portuguesas da África, tanto do trabalho literário como das denúncias da
guerra pela independência.
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ao amigo Salim Miguel que a coleção da revista Sul passava de mão em mão e fazia grande
sucesso entre os jovens de Luanda, apesar de ressalvar as dificuldades dessa divulgação criadas
pela constante vigilância da censura de imprensa.
4
Fernando Augusto Albuquerque Mourão foi um dos fundadores do MABLA, assim como membro do MPLA.
Fez Direito na Universidade de Lisboa e, ao regressar ao Brasil na década de 1960, seguiu carreira acadêmica,
sendo um dos fundadores do Centro de Estudos Africanos da USP, CEA, além de professor titular de Sociologia
na mesma instituição (SANTOS, 2014, p. 61 e SANTOS, 2010, p. 28).
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Paralelamente, nos anos de 1960 surgiu editoras que mantinham estreitas relações com
grupos ligados aos movimentos de pró-libertação das colônias africanas, como o MABLA, o
periódico Portugal Democrático e o Partido Comunista Português. O jornalista Miguel Urbano
Rodrigues aborda a iniciativa dos membros do MABLA e do periódico Portugal Democrático5
na divulgação de conhecimento sobre a África, além da atuação das editoras brasileiras, como
Anhembi, Civilização Brasileira, Arquimedes Editora, Felman-Rêgo, Brasiliense, ou mesmo de
órgãos institucionais, como Instituo Brasileiro de Estudos Afro-Asiáticos, ligado à Presidência
5
O periódico Portugal Democrático foi um jornal criado pela comunidade portuguesa residente no Brasil, em
especial em São Paulo e durou entre a década de 1950 a 1970. Ver SANTOS, 2014, p. 71 e SANTOS, 2010, p. 23.
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da República, na década de 1960, nos governos Jânio Quadros e João Goulart. Urbano
Rodrigues (2004a) também descreveu o apoio dado por essas editoras na divulgação das
atrocidades decorrentes do salazarismo.
Membro do MABLA, Paulo Duarte era à época editor chefe da revista Anhembi, além
de presidente do Comitê Brasileiro de Ajuda aos Refugiados de Angola (CBARA). Segundo
Urbano Rodrigues, ele conseguiu a edição do livro Quando os lobos uivam, de Aquilino
Ribeiro, que havia sido proibido de ser editado em Portugal e na França6. Vejamos um trecho
da carta que relata a questão da publicação deste livro:
Quando se soube em São Paulo que a PIDE proibira a venda do livro, procedendo à
sua apreensão, escrevi a Aquilino pedindo-lhe carta branca para lançar a obra no
Brasil. Ele concordou logo. A Difusão Européia do Livro, uma editora média de
grande prestígio, assumiu a responsabilidade pela iniciativa. Entretanto, a poucos dias
da data prevista para o lançamento, Monteil, o director e principal accionista da
editora, chamou-me e, envergonhado, contou que havia recebido pressões no sentido
de renunciar à publicação do livro de Aquilino Ribeiro. Motivo: a Difusão estava
comercialmente ligada à Bertrand e poderia daí resultar problemas. Não ficou claro
que pressões tinham sido exercidas sobre ele, nem qual a sua origem. Não tentei
aprofundar o assunto, porque o próprio Monteil havia já resolvido a questão principal.
O livro estava pronto; apenas faltavam a encadernação e a capa. Monteil falara com
Paulo Duarte e Quando os Lobos Uivam seriam apresentados sob a responsabilidade
da editora Anhembi (sic), dirigida por aquele destacado escritor e professor
universitário, um dos intelectuais brasileiros mais detestados pelo fascismo português
pelo seu combate permanente à ditadura de Salazar (RODRIGUES, 2004, p. 55).
A editora Difusão Europeia, citada por Urbano Rodrigues, teve em seus quadros
Fernando Correa da Silva7 e Vítor Cunha Rego8, este membro do Partido Socialista Português
(PSP) e fundador da editora Felman-Rêgo. A editora propunha justamente editar livros que não
conseguiam ser editados em Portugal, e divulgar aos brasileiros a luta encampada nas colônias
portuguesas9.
6
Dentre as reflexões de Urbano Rodrigues (2004a), o mesmo vislumbra a atuação da PIDE fora dos domínios
portugueses.
7
Depoimento de Fernando Mourão em sua residência em Caucaia do Alto, em 28/02/2010.
8
A professora Maria Hermínia Tavares aponta que Vítor Rego foi editorialista do OESP no período da década de
1960. Entrevista concedida por e-mail, em 24/03/2009.
9
A informação da criação da editora Felmam está baseada no depoimento de Fernando Mourão concedido em sua
casa, em 29/05/2009, e no livro de Urbano Rodrigues (2004, p. 55).
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Apesar de fazer parte da luta antisalazarista, Vítor Cunha Rego não era muito próximo
do PCP, como expõe Urbano Rodrigues, que ainda o notabiliza como um “franco atirador” 10.
Todavia, apesar da sua distância do PCP e do Portugal Democrático, em seus primeiros
trabalhos Vítor Rego editou A resistência em Portugal, de Amílcar Gomes Duarte, autor ligado
ao PCP. Este livro reunia breves textos sobre a luta do povo português contra o salazarismo11.
Além dos livros sobre a luta em Portugal, a editora Felman-Rêgo lançou a obra Angola
através dos textos (1967), uma antologia de ensaios destinada a ampliar o conhecimento sobre
as atrocidades cometidas pelos portugueses na colônia de Angola. Este livro conta com a capa
de Fernando Lemos12, artista plástico português que lutou contra o salazarismo e fez parte do
periódico Portugal Democrático e que, desde aquela época, reside em São Paulo. A capa tem o
rosto de duas crianças negras com olhares enigmáticos e, na orelha do livro, o seguinte poema
de Agostinho Neto:
10
“Vitor assumira uma posição esquerdista de contornos pouco claros. Não ligava a qualquer organização maoísta,
mas perante as grandes questões internacionais definia-se antes de mais por um anti-soviético cuja fundamentação
teórica provinha sobretudo das teses chinesas” (RODRIGUES, 2004, p. 56).
11
“Em relação ao livro, Urbano Rodrigues evidencia que no Brasil poucos deram conta que o autor ocultava sob
um pseudônimo; os três pronomes eram os nomes que na clandestinidade usavam Sérgio Vilarigues, Pires Jorge e
Álvaro Cunhal. Somente alguns anos mais tarde, já em plena ditadura dos generais, foi revelado no Brasil que o
autor do trabalho fora o escultor José Dias Coelho, assassinado pela PIDE” (RODRIGUES, 2004, p. 56).
12
Registramos que Fernando Lemos, juntamente com Fernando Correa da Silva, o almirante Alfredo Moraes Filho
do Clube Positivista do Rio de Janeiro e Noémio Weniger vieram a montar uma editora infantil denominada
Giroflé. Depoimento Fernando Mourão em sua residência em Caucaia do Alto, em 28/02/2010.
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Como na década de 1950, os anos 1960 e 1970 não dissociavam arte e política. À época,
mesmo a arte menos engajada possível também era considerada política, como confirmam as
pesquisa de autores como Elio Gaspari (2003) e Zuenir Ventura (1989).
Não acredito
Que este povo que venera a Resistência
Seja contra a liberdade
(a liberdade não conhece a geografia do fascismo
a liberdade não conhece Franco e Salazar)
A liberdade é a raiz da Resistência:
Resistência italiana
cubana
ou argelina.
A Resistência de Angola.
Este povo está connosco (sic) eu sei
Mas não basta que eu o saiba.
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Nesse poema Costa Andrade fala dos vinte anos de fascismo vivenciados na Itália, ao
se referir à duração da noite nesse país. Contudo, quando chama atenção para Angola, o caso é
mais grave, já que não fala somente do salazarismo, que vem desde 1928, mas refere-se a todo
período de colonização dos portugueses na África. Trata-se de uma longa trajetória que inclui
vários regimes políticos e processos históricos.
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bombas jogadas em território angolano que mataram e mutilaram milhares de pessoas, além do
cometimento de diversas torturas.
O ponto de vista explorado por Costa Andrade chama atenção para duas visões do
processo colonial: uma que enfatiza que o “inimigo” era o salazarismo, e não o povo português;
outra que se contrapunha ao Estado português, englobando todo o período da colonização.
Livros recentes sobre a história de Angola enfatizam que a reação ao colonialismo não foi um
acontecimento próximo, mas assinalam que ela existiu em vários momentos, desde séculos
passados.
A orelha desse livro foi escrita pelo professor Fernando Mourão, que descreve as
qualidades artísticas de Costa Andrade, as quais, segundo ele, são perceptíveis desde o período
quando era aluno secundarista em Angola, tendo participado de diversos movimentos culturais,
além de, mais tarde, estudar na Escola de Belas Artes de Lisboa. No final dessa orelha, Mourão
faz-lhe um pedido:
Rodrigues (2004) relata ainda que, em 1964, com o golpe civil-militar, a editora Felman-
Rêgo acabou fechando e Vítor Cunha Rego saiu do país. O pesquisador afirma que à época
Rego estava traduzindo, do francês para o português, um livro de Lenin intitulado O
imperialismo, fase superior do capitalismo. No entanto, como fora visto anteriormente andando
pela editora com uma delegação chinesa, ele temia ser preso.
13
“Nascido, em 1910, em Vila de Chinde, Zambézia, Moçambique, era filho de Artur Ernesto de Castro
Soromenho, antigo Governador dos Distritos de Congo, Huíla e Moxico e Governador de Luanda (Angola) e de
Stella Fernançole de Leça Monteiro de Castro Soromenho, de família Caboverdiana. Em 1960, sua atividade de
oposição ao regime político levou-o a escolher o exílio e a instar-se em Paris, de onde partiu para os Estados
Unidos a convite da Universidade de Wisconsin, em 1961. Naquela Universidade fez parte da comissão
encarregada da seleção de material para curso de Língua Portuguesa e Literatura Luso-Brasileira, e regeu o curso
de Literatura Portuguesa durante a ausência do catedrático, Professor Machado Rosa, autor do convite. Depois de
seis meses nos Estados Unidos, Castro Soromenho regressou à França em agosto de 1961, passando por Barcelona.
Foi leitor de português e espanhol da casa editora Gallimard e colaborou na revista Présence Africane e Révolution
de Paris, dedicando-se também à investigação da literatura científica portuguesa a secção da África do Museu o
Homem, em Paris, sob orientação de Michel Leiris, investigador do Centre Nacional de La Recherche Scientique.
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a muita gente, é urgente conhecer as relações humanas de que ele traça um quadro inteiramente
verossímil” (SAROMENHO, 1967). A capa tem uma imagem de mulher negra com seios
despidos e com um colar14.
A orelha desse livro foi escrita pelo professor Fernando Mourão, que corteja a obra
como uma grande contribuição para a literatura africana. Ele desenvolveu na Universidade de
São Paulo a sua dissertação de mestrado em sociologia, a qual foi, posteriormente, editada e
publicada como o livro A sociedade angolana através da literatura (1978). A obra desmistifica
a construção que o colonizador fizera sobre as colônias e as limitações da ação dos brancos,
trazendo o que ele chama de “África real”. Na apresentação da obra de Castro Soromenho,
Mourão escreveu o seguinte:
Em dezembro de 1965, parte para São Paulo, Brasil. Na Faculdade de Filosofia, Ciência e Letras da Universidade
de São Paulo e no Centro de Estudos Africanos, regeu os cursos de Introdução à Sociologia da África Negra, em
1966; Sociologia da África Negra, entre 1967 e 1968, bem como um curso livre de Sociologia Negra na Faculdade
de Filosofia, Ciência e Letras de Araraquara, durante um semestre. Castro Soromenho faleceu em São Paulo, a 18
de junho de 1968. No Brasil publicou um romance, A chaga, publicada posteriormente pela Editora Civilização
Brasileira, Rio de Janeiro, 1970, 189 páginas, segundo de uma trilogia começa com Viragem e que ficou por
terminar (MOURÃO, 1978, p. 123). Sobre a vinda de Castro Soromenho para o Brasil, o professor Mourão relatou
que ele teve a colaboração de dois portugueses exilados no país, Adolfo Casais Monteiro e o capitão João Sarmento
Pimentel, que conseguiram uma permissão especial de visto para Castro Soromenho e sua família, de Paris para o
Brasil, por meio do Chefe da Casa Civil do Presidente Castelo Branco, Luís Viana Filho. Essa informação foi
obtida por meio de entrevista realizada no dia 01/03/2010, em Caucaia do Alto, SP.
14
Foto colhida no documentário feito sobre o livro, intitulado A maravilhosa viagem de Castro Soromenho,
publicado em Portugal (SOROMENHO, 1967).
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África: outro horizonte (1961), que até hoje serve como base para os estudos sobre o continente
africano.
Essa mesma editora lançou o livro do médico angolano, Américo Boavida, intitulado
Angola cinco séculos de exploração portuguesa (1967). Urbano Rodrigues descreve em seu
livro como se deu a publicação daquela obra no Brasil:
Américo Boavida, que foi um grande expoente da luta anticolonial, acabou sendo morto
no campo de batalha15. Deolinda Rodrigues, que foi uma militante do MPLA e é considerada
heroína em Angola, relatou que, quando aluna secundarista em Luanda, teve a oportunidade de
assistir a uma palestra de Boavida. A palestra teve como objetivo discutir sobre os males do
colonialismo e organizar a juventude protestante de Angola. Boavida foi o organizador do
Corpo Voluntário Angolano de Ajuda aos Refugiados (CVAAR). Com a colaboração de outros
médicos, entre eles, João Viera Lopes, Edmundo Rocha e tantos outros, acolheram os
refugiados angolanos no Congo, prática que inspirou o Comitê Brasileiro de Ajuda a
Refugiados Angolanos (CBARA).
Seu livro, como o próprio título sugere, é uma denúncia aos cincos séculos de exploração
colonial, abordando o assunto envolvendo as questões econômicas, políticas e sociais entre
15
No dia 25 de setembro de 1968, três helicópteros da Força Aérea Portuguesa metralharam durante quase duas
horas um acampamento do MPLA no Moxico, destruindo com tapetes de bombas as instalações hospitalares dessa
base (RODRIGUES, 2004, p. 65).
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Portugal e Angola. O prefácio escrito por Urbano Rodrigues exalta a falta de conhecimento dos
brasileiros sobre África. Escrita por Edson Carneiro16, a orelha elencou diversos fatos que
denunciam o anacronismo do colonialismo português, como o artigo 106 da Constituição
portuguesa, que permitia ao Estado forçar os “indígenas” a trabalharem em serviços públicos
de interesse geral da coletividade. Também denuncia a administração angolana por
“arrebanhar” nas aldeias, negros fisicamente aptos para trabalhar nas minas da Rodésia e da
África do Sul, segundo Boavida (1967), em torno de 160.000 por ano. Importa mencionarmos
ainda o extermínio por napalm, que matou mais de 300.000 angolanos naquele período.
Das várias iniciativas editoriais descritas por Urbano Rodrigues, uma que não deu certo:
o livro de Basil Davidson sobre a luta na Guiné-Bissau, que foi escrito a partir de uma viagem
realizada pelo próprio autor às selvas da então colônia. Urbano Rodrigues conta que a obra
agradou tanto que escreveu a Amílcar Cabral e Basil Davidson, sugerindo a sua publicação no
Brasil – após negociações e o pagamento antecipado de mil dólares do PAIGC pela edição
brasileira, que assegurava ficar com certo número de exemplares.
Ênio da Silveira escreve uma carta ao Urbano Rodrigues, na qual diz: “não esqueço o
choque e a amargura sentido quando recebi a carta de Ênio da Silveira, impregnada de tristeza
16
Edson Carneiro é citado por Marcelo Bittencourt (2006, p. 101) como membro do comitê de solidariedade ao
povo angolano. E também num documento da Secretária de Relações Exteriores, que vai ser trabalhado no segundo
capítulo deste livro.
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e vergonha, informando que a edição inteira, imprensa em São Paulo na gráfica da Brasiliense,
havia sido destruída”17.
Ao folhear o livro, o filho mais novo de Caio Prado, em uma decisão repentina, mandou
picotar todos os exemplares. Urbano Rodrigues relata a intensificação da repressão do regime
civil-militar, todavia, diz a que era ainda dúbia. Embora censurassem obras contra o regime
brasileiro, toleravam escritos anticolonialistas18.
Sobre a viagem19 que fez para a África, Werneck de Castro nos conta que planejava
passar por Senegal, Guiné, Gana, Nigéria e Congo, porém, quando estava em Dakar, em agosto
de 1961, Jânio Quadros renunciou à presidência, fato que o levou a interromper o planejamento.
A renúncia pegou a todos de surpresa, pois o presidente Quadros estava implantando uma
política de aproximação do continente africano e, para isso, havia criado o IBEAA, onde
Werneck de Castro editou sua obra. Todavia, durante o período que permaneceu no continente,
17
Id. Ibid, 2004, p. 60.
18
Cumpre observarmos que Urbano Rodrigues (2004, p. 61) diz que a real causa da destruição do livro de Davidson
fora uma crise de doença mental, ainda mal diagnosticada, de que o moço sofria.
19
A que permitiu que participasse do voo inaugural da linha Panair, do Brasil para o Cairo.
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Na entrevista a Mário Pinto de Andrade, o líder do MPLA falou sobre suas atividades
como secretário da revista Présence Africaine, editada em Paris, na qual, sob o pseudônimo de
Buanga Fele, escreveu “O que é o lusotropicalismo?”, artigo que denuncia a segregação e a
assimilação como estratégias políticas utilizadas pelo poder colonial para assegurar seus
privilégios sobre a população colonizada. Entrevista “profética”, haja vista que Mário Pinto de
Andrade acreditava que o conflito poderia tomar contornos internacionais, principalmente
porque países como a África do Sul, os Estados Unidos e a Grã-Bretanha, esses dois últimos
ligados à OTAN, tinham interesses geoeconômicos em Portugal e em suas colônias. Trata-se
de fatores que logo após se descortinaram, como Kenneth Maxwell discorre em seu livro:
torna-se crucial para a guerra naval no Atlântico durante a Segunda Guerra Mundial,
e Salazar manobrou em proveito de Portugal a necessidade que os Aliados tinham de
conseguir permissão para que eles, e não os alemães usassem o local como base militar
[trata-se de uma base aérea militar]. Durante a guerra, os britânicos, invocando os
antigos tratados anglo-portugueses, haviam tentado estabelecer instalações militares
no arquipélago para combater a atividade naval alemã no Atlântico, e estavam
dispostos a tomar os Açores caso Salazar persistisse em negar-lhes uma base ali.
Churchill chegou a dar um ultimato a Salazar. Finalmente as negociações, boa parte
delas conduzidas por Humberto Delgado pelo lado português, foram bem-sucedidas e
Salazar aquiesceu em agosto de 1943. Os americanos conseguiram acesso às
instalações dos Açores sob a égide da aliança britânico-portuguesa, mas nas
negociações chefiadas por Geroge Kennann, Charge d`affaires em Lisboa. Salazar
obteve uma crucial compensação de Washington: o compromisso de que, em troca do
acesso à base açoriana, os Estados Unidos respeitariam a integridade territorial das
colônias portuguesas (MAXWELL, 2006, p. 76-77).
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O debate circundou, sobretudo, acerca dos desafios sofridos pelos países de terceiro
mundo e da necessidade da união dessas nações. A mensagem deixada pelo IBEAA foi expressa
por Arinos, quando coloca que
está certo de, no exercício de suas especificas finalidades nos quadros das instituições
oficiais do país, trazer a público um autêntico diálogo, aberto à nova perspectiva
histórica, africana e brasileira (ARINOS, 1965, s/p).
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colaboradores mais próximos Vivaldo Costa Lima, Waldir Freitas de Oliveira e o casal
Guilherme Souza Castro e Yeda Pessoa de Castro20.
Incentivado pela política africana dos governos Jânio Quadros e João Goulart, o
CEAO foi pioneiro em vários aspectos no exercício da cooperação do Brasil com a
África. A ele coube acolher os dois primeiros grupos de bolsistas africanos, chegados
ao Brasil através de um programa de intercâmbio iniciado no governo Quadros, e
ministrar cursos intensivos de língua portuguesa e cultura brasileira (CONCEIÇÃO,
1991, p. 87).
20
Sobre a criação do CEAO, ver OLIVEIRA JUNIOR, 2010.
21
“As dificuldades em se relacionar com as áreas colonizadas por Portugal revelaram-se em outro empreendimento
pioneiro inaugurado pelo Centro: o intercâmbio de estudantes africanos com instituições universitárias brasileiras.
Dos quatorze primeiros estudantes africanos chegados à Bahia em 1961, apenas um era proveniente de uma colônia
portuguesa – Cabo Verde. Apesar da desproporção, o ineditismo da chegada dos estudantes ao Brasil concretizou-
se pela existência de um clima favorável para as relações exteriores com os países do terceiro mundo” (OLIVEIRA
JUNIOR, 2010, p. 205).
22
Segundo Fernando Mourão, ele estudou na Escola de Sociologia e Política de São Paulo. Depoimento colhido
em 19/01/2010, Caucaia do Alto – SP.
23
Vemos que quando as ex-colônias iniciaram o processo de independência, aconteceu a Conferência de Bandung
em 1955. Nesta conferência as nações africanas e asiáticas colocaram-se como não alinhadas a correntes
ideológicas, portanto, não seguiriam Socialismo (URSS), nem o Capitalismo (EUA) (SANTOS, 2018, p. 232).
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Outro diretor do IBEAA foi Cândido Mendes, que permaneceu no cargo até a
implantação da ditadura civil-militar. Segundo o professor José Maria Nunes Pereira da
Conceição, o lobby português junto ao governo “esmoreceu” as intenções do Instituto.
Sua estruturação se deu por etapas. Na primeira etapa, em 1965, ainda com o nome de
Centro de Estudos e Culturas Africanas (CECA), a entidade esteve ligada à cadeira de
Sociologia II, do professor Ruy Coelho. Somente em 1969 o órgão obteve autorização para o
seu funcionamento e adquiriu o nome atual. Diferentemente dos demais centros mencionados
até então, que tinham como escopo de suas pesquisas as áreas dos estudos asiáticos, afro-
brasileiros e étnico-raciais, o CEA desde a sua fundação sempre lidou exclusivamente com
temáticas africanas.
O CEAA foi criado por José Maria Nunes Pereira da Conceição e Cândido Mendes.
Cândido Mendes que, como descrito em linhas anteriores, fez parte do IBEAA, foi assessor
técnico do presidente Jânio Quadros, e visitou vários países africanos, tendo tido contato com
Leopold Senghor, Kwane N`Krumah e Julius Nyrere. Tais contatos foram de suma importância
para o desenvolvimento das relações posteriores do CEAA.
24
José Maria aponta que na década de 1970 ainda havia o Núcleo de Estudos Afro-Asiáticos, da Universidade
Estadual de Londrina, pouco atuante por falta de recursos (CONCEIÇÃO, 1991, p. 10).
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Considerações Finais
Por meio da análise das obras dos membros do MNIA publicadas na revista Sul,
pudemos verificar sua heterogeneidade discursiva, além dos diferentes rumos tomados por cada
um deles a partir da década seguinte, ou seja, no começo da luta anticolonial. A abordagem
biográfica nos permitiu ampliar as perspectivas de uma mesma realidade, seja sobre um mesmo
objeto de estudo, ou sobre um determinado contexto histórico, rompendo com as leituras
capitaneadas por categorias generalistas e abrangentes.
De maneira geral, a passagem da década de 1950 para 1960 foi marcada pelos processos
de independência entre os países africanos. Não por acaso, 1960 ficou conhecido como “o ano
da África”, já que desde o início da descolonização até aquele ano, vinte e uma nações haviam
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Também evidenciamos que, a partir da década de 1960, uma série de editoras brasileiras
passou a produzir livros sobre o continente africano. Com temáticas variadas, essa produção
versava desde denúncias sobre o colonialismo, passando pelas histórias e literaturas africanas,
bem como a divulgação da literatura brasileira em solo africano. Nos chama atenção que,
somente em 2003, diante da promulgação da lei 10.639, houve um retorno do interesse editorial
por esses assuntos no Brasil. Sucedeu, então, um hiato de aproximadamente quarenta anos na
produção sistemática sobre esses temas.
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