Financimanto
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INSTITUTO DE HISTÓRIA
DOUTORADO EM HISTÓRIA
NITERÓI/RJ
2018
LUIZ ANSELMO BEZERRA
História.
NITERÓI/RJ
2018
2
3
LUIZ ANSELMO BEZERRA
História.
BANCA EXAMINADORA
___________________________________________
Profª. Drª. JUNIELE RABÊLO DE ALMEIDA
PPGH – UFF (ORIETADORA)
___________________________________________
Profª. Drª. LAURA ANTUNES MACIEL
PPGH – UFF (ARGUIDORA)
________________________________________
Profª. Drª. BEATRIZ KUSHNIR
PPGH – UFF (ARGUIDORA)
___________________________________________
Prof. Dr. MAURÍCIO BARROS DE CASTRO
PPGA – UERJ (ARGUIDOR)
___________________________________________
Profª. Dr. FELIPE SANTOS MAGALHÃES
PPGH – UFRRJ (ARGUIDOR)
__________________________________________
Profª. Drª. MARTHA ABREU
PPGH – UFF (SUPLENTE)
__________________________________________
Profª. Drª. ADRIANA FACINA
MN – UFRJ (SUPLENTE)
NITERÓI/RJ
2018
4
RESUMO
O período analisado, 1984 a 2015, tem como marco inicial a construção da nova
até que a LIESA se afirmou como gestora do espetáculo em meados da década de 1990.
financiamento do desfile das principais agremiações na década de 1970 e início dos anos
80, tendo em vista a ligação do conjunto de políticas públicas aplicadas ao carnaval nessa
maior número de títulos na recente fase do carnaval e conhecida por constituir um dos
intenção é analisar as estratégias da diretoria para captação nos projetos de enredo e assim
tecer considerações sobre o quadro recente das relações da contravenção com o carnaval.
5
ABSTRACT
This research focuses on the financing of Rio de Janeiro’s carnival taking into account the
strategies adopted by the city’s main samba schools to obtain public and private investment in
The analysed time period, from 1984 to 2015, starts by the construction of the new
“Passarela do Samba” walkway, also known as Sambodromo, followed by the establishment of the
Samba Schools Independent League (LIESA). From that moment on, the State and the carnival
associations intensified their dispute over the control of the show, until LIESA established itself as
Despite this time frame, the research retrieves elements of the organization and the
financing of the main carnival associations parade from the 1970s and early 1980s, bearing in mind
the connexion between the set of public policies applied to the carnival in this period and later
The core objective of this work, though, is to analyse the emergence of new forms of
parades financing since the mid 1990s, in particular through the institutionalization of enredos
marketing. The study discusses the substitution of the patronage of the “jogo do bicho” lottery as
carnival associations main income, but also the influence of the sponsored enredos phenomenon on
the creative freedom in the work of carnival professionals and the cultural role of samba schools.
We develop a case study on Nilopolis’ Beija-Flor samba school, the school that has won
the most title in the last years, and known for having created one of the main examples of family-
run management linked to the “jogo do bicho”. Our intention is to analyse the school’s directing
body strategies to fundraise for the enredos and this way examine the recent situation regarding the
6
RESUMEN
El estudio aborda el tema de la financiación del carnaval teniendo en cuenta las estrategias
adoptadas por las principales escuelas de samba de Rio de Janeiro para obtener inversión pública y
El periodo analizado, de 1984 a 2015, tiene como marco inicial la construcción de la nueva
Pasarela del Samba o Sambódromo, seguida por la creación de la Liga Independiente de las
Escuelas de Samba (LIESA). A partir del Sambódromo, el Estado y las asociaciones carnavalescas
intensificaron su disputa por el control de la fiesta, hasta que la LIESA se afirmó como gestora del
inicios de los años 1980, teniendo presente la conexión del conjunto de políticas públicas aplicadas
al carnaval en este periodo con posteriores contestaciones al control del Estado sobre la
coordinación de la fiesta.
El objetivo central del trabajo, sin embargo, es analizar el surgimiento de nuevas formas de
del mecenazgo de la lotería del “jogo do bicho” como principal base de sustento de las asociaciones
carnavalescas, y también las influencias del fenómeno de los enredos patrocinados sobre la libertad
de creación en el trabajo de los profesionales del carnaval y el papel cultural de las escuelas.
escuela con más títulos ganados en los últimos años y conocida por construir uno de los principales
ejemplos de administración a través del poder familiar ligado al “jogo do bicho”. La intención de
este trabajo es analizar las estrategias de la dirección de la escuela en la recaudación de fondos para
los proyectos de enredos y así analizar la situación reciente de las relaciones entre el crimen
organizado y el carnaval.
Palabras clave: escuelas de samba, financiación del carnaval, comercialización de los enredos.
7
DEDICATÓRIA
8
AGRADECIMENTOS
curso de pós-graduação, poder trabalhar com pesquisa estudando os assuntos que mais
etapa da carreira acadêmica que teve início com a graduação (2000 a 2004), continuou com
o mestrado (2008-2010) e agora fecha um ciclo com o doutorado (2014 a 2018). Todos
o uso da fotografia em pesquisas nas ciências sociais, e ao meu amigo e mestre Marcos
Alvito pela oportunidade de cursar minha última disciplina com ele antes que se
aposentasse da universidade. Com Alvito, sigo refletindo sobre o dar, receber, retribuir.
A Maria Lucia Montes, amada mestra, sou eternamente grato por poder
ameríndios, recebendo lições com carinho e generosidade. Sempre viva amada mestra!
UFF não deve ser fácil para nenhum candidato. Eu precisei diminuir a carga de trabalho
com aulas a fim de me preparar melhor para o concurso e, além disso, fiquei um pouco
9
mais privado do prazeroso convívio com familiares e amigos, sabendo que isso poderia se
problema de saúde que limitou bastante a minha vida social e até a realização de parte dos
planos de trabalho traçados para a própria pesquisa. Contei com a ajuda de muitas pessoas
Estiveram perto de mim, mais do que nunca, os meus pais Teresa e Manoel e
minha irmã Lisiane, com o apoio do meu cunhado Leandro e a alegria do Rafael e do
Felipe. Minha eterna gratidão a eles e a todos os parentes e amigos que, mesmo de longe,
rezaram e torceram pela minha recuperação, em especial minha prima Íris Maciel.
Maracanã foi o estreitamento dos laços de amizade e parceria com os xarás Luiz Antonio
Simas e Luiz Rufino, com quem passei a almoçar muitas vezes no Bar do Bode Cheiroso
para conversar sobre nossas inquietações de estudo e sobre a vida. Obrigado, malungos,
Navalha, e o trabalho de cultura e de caridade que ele promove através de sua casa. Saravá!
Da mesma forma, sou muito grato a Antônio Montenegro pelas orientações frente
a uma necessidade urgente da vida. Axé! E por sua recomendação fui recebido com
carinho e amizade na casa de Carlos Alberto Bidarra e Felipe Pacheco Bidarra, com quem
iniciei uma parceria para conhecer melhor os caminhos possíveis dessa minha existência.
10
Igború, Igboyá, Igbosheshé – que minhas súplicas sejam ouvidas, que minhas
Nova Iguaçu, onde fui contemplado com licença remunerada para estudos nos nove
últimos meses da tese. Mas se não fosse com a luta dos colegas Lidiane, Naira, Rosângela,
Samara Aguiar, Michelle, Mary, Leila Xavier, Edinez, Valdir, Rogério e Janeth, alguns
Profissionais de Educação, nem com esses nove meses eu contaria... Só a luta muda a vida!
graduanda em História pela UFF, que fez anotação de referências e trabalho de correção no
texto, sem os quais eu não teria terminado essa tese. Nesse trabalho colaborou também
serviços do motorista Sérgio Luiz, do UBER, estudante de Ciências Sociais na UFRRJ, que
foi grande parceiro nos últimos meses, assim como da camarada diarista Gisele Nogueira.
E por fim, agradeço a ajuda do grande amigo Joaquim Franco, pelas aulas de francês para a
Um tanto distante do dia a dia das escolas, por questão da saúde, eu tive a sorte de
11
dedicado às escolas de samba, na Universidade Federal Fluminense, e que reuniu
dirigentes das agremiações. Tive a honra de ser um mobilizador dessa iniciativa, de poder
expor meu trabalho no seminário de pesquisa debatendo com interlocutores de alto nível, e
ainda trabalhar na organização com os colegas Leandro Silveira, Carlos Eduardo, Vinícius
Martha Abreu e Juniele Rabêlo, tendo o auxílio luxuoso da querida Juceli Silva, a mais
Valença, Isabel Azevedo, Rafaela Bastos, Gláucia Santana, Marlene Sztyglic, Antonio
Carlos Biscaia, Carlos Carvalho, Fábio Fabato, Fábio Pavão, Vinícius Natal, Aloy Jupiara,
Chico Otávio, Luiz Carlos Magalhães, Marcelo de Mello, João Gustavo Mello, Ramiro
Montalvão, Paulinho do Ouro, Sérgio Fonseca, Trajano Ribeiro, Mauro Samagaio, Aydano
Motta, Luiz Antonio Simas, Anderson Baltar, Luise Campos, e meu amigo Tricolor da BF.
Desde o início da supervisão da pesquisa Juniele ofereceu total atenção para as minhas
propostas, esclarecendo que não era uma pesquisadora do samba, mas que teria muito a
presente e técnicas para a escrita da tese. Juniele teve profunda compreensão diante do
difícil quadro de saúde que venho enfrentando nesses últimos quatro anos. Exerceu um
papel sensível de escuta como amiga, foi uma pessoa sábia nas palavras de incentivo que
12
estudos. Graças a ela, aos meus familiares mais próximos, e às forças que me ampararam
naquela hora crucial, o problema não aconteceu. De lá para cá venho aprendendo a ter a
parece que nós estamos sendo, por alguma razão, testados pela vida.
com Juniele, espero ter chamado mais a sua atenção para a importância cultural das escolas
de samba e ter proporcionado a ela experiência de trabalho relevante o suficiente para que
Por fim, quero agradecer ao professores que aceitaram o convite para compor as
Kushnir. Todos são pesquisadores das culturas do Rio de Janeiro, experientes na avaliação
diálogo permanente com eles e, quem sabe, desenvolver parcerias em trabalhos futuros.
Obrigado!
13
Como o tal
14
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO___________________________________________________________16
CAPÍTULO 3 – Estudo de caso: Beija-Flor na era dos enredos patrocinados (1998 a 2015)
CONDIERAÇÕES FINAIS__________________________________________________259
FONTES _______________________________________________________________269
BIBLIOGRAFIA_________________________________________________________290
15
Introdução
16
O trabalho problematiza a mudança nos esquemas de financiamento dos desfiles
das grandes escolas de samba que se cosolidou em meados da década de 1990. Existem
também ingressaram nesse processo, seja por meio de doações solicitadas por
festa que teve início ainda na década de 1960. Tal processo ganhou força nas décadas
seguintes com políticas públicas que passaram a tratar a festa pela lógica da indústria do
turismo. A partir de 1984, definiu-se a tendência privatista bastante peculiar que levou à
ainda mais força a relação dos desfiles das escolas de samba com o aparato midiático, tanto
que a imposição de valores e práticas mercadológicas na organização da festa foi algo que
passou a se articular cada vez mais com negócios e operações técnicas do interesse das
17
Um objetivo central do trabalho é refletir sobre a relação da contravenção com as
escolas de samba na fase mais recente do carnaval. Houve mudança nos esquemas de
financiamento dos desfiles, e atualmente se faz necessário aprofundar estudos para análise
que a organização do carnaval sob o controle da entidade seria a solução para o problema
do custeio do desfile das escolas de samba. Por uma série de razões, as agremiações
considera-se que a busca de fontes alternativas para o financiamento dos desfiles tem
relação com a prisão dos principais chefes da contravenção pelo crime de formação de
quadrilha em 1993. Nessa ocasião, alguns dos banqueiros do jogo do bicho abandonaram a
18
O debate público sobre o financiamento do carnaval
Nilópolis, isto no ano de 2005. Os mais antigos da escola chamavam atenção para o fato de
uma agremiação como a Beija-Flor, de grande destaque no chamado Grupo Especial, ter
naquele momento plenas condições de atrair recursos de fontes variadas para a produção
do desfile sem a dependência de apoio financeiro direto do patrono Anísio Abraão David. 1
Na época, deixei essa problemática recente do carnaval das escolas de samba para
pelos irmãos Anísio e Nélson Abraão David, com apoio político dos “parentes” de origem
através do debate travado entre os principais candidatos à Prefeitura do Rio, foi que
19
questionamentos acerca do financiamento do carnaval foram apontados e, em função disso,
o candidato do PSOL teria se posicionado a favor e resolvido levar para sua campanha.
Para Freixo, a questão de fundo desse debate dizia respeito à concepção do papel do
fato da festa ir além dos desfiles no Sambódromo, e que mesmo nesse espaço o Estado
deveria reassumir responsabilidades que antes foram suas, para assim tratar o carnaval no
âmbito de uma política de cultura, e não pela lógica economicista da indústria do turismo.
observe – falam desse equipamento público como simples espaço alugado para eventos,
trabalhando assim para o esquecimento do papel de peso que teve o Estado na construção
do meio publicados em livros, testemunhos orais, regulamentos dos desfiles, sinopses dos
enredos, textos de justificativa sobre alegorias e fantasias para avaliação dos jurados,
música e letra dos sambas, registros dos desfiles em fotografia e vídeo, ações civis públicas
sobre contratos para realização do carnaval celebrados entre a LIESA e a Riotur, relatórios
jogos de azar, além de sentenças condenatórias de crimes praticados pelos chefes do bicho.
Toda essa documentação está devidamente listada para consulta ao final da tese,
cabe aqui apresentar algumas observações gerais sobre a forma como os principais
20
materiais foram organizados para análise. Na sinopse dos capítulos que faço ao final desta
entrevistas realizadas pelo autor da tese, construídas a partir dos princípios metodológicos
da pesquisa em história oral (um trabalho pontual de história oral temática, com roteiro
pesquisa – não se optou pela análise de narrativas para observação do trabalho de memória.
Por meio de encontros para as entrevistas construiu-se uma rede valiosa de trocas.
Reflexões foram compartilhadas com alguns desses colaboradores que ainda ajudaram
fazendo críticas importantes. Foram eles: o historiador Luiz Antonio Simas, os jornalistas
Aloy Jupiara e Marcelo de Mello, os pesquisadores Carlos Carvalho e João Gustavo Melo
e o antropólogo Fábio Pavão – pesquisadores atuantes nos debates públicos sobre carnaval
no Rio de Janeiro. O ex-Procurador Geral do Estado, Antonio Carlos Biscaia, assim como
envolvidos na produção do carnaval das escolas de samba. Nessa linha, também foi
Fabato, Izabel Azevedo, Rafaela Bastos são interlocutores fundamentais para quem deseja
dialogar sobre o quadro recente do carnaval. E mais, gente “de dentro” que foi possível
21
de Ramiro Montalvão (antigo assistente de Joãosinho Trinta na Beija-Flor), do fotógrafo
particulares, como foi o caso de matérias produzidas pelos próprios Marcelo de Mello e
Aloy Jupiara e artigos de Luiz Antonio Simas publicados em jornais e sites especializados
no carnaval das escolas de samba. O principal arquivo particular consultado (composto por
fontes jornalísticas) foi o da generosa pesquisadora Rachel Valença, que começou a ser
montado por ela em meados da década de 1970, e contém matérias até o ano de 2015.
mundo do samba tem a ver com sua atividade profissional, mas é importante ressaltar que
ela era umas das poucas mulheres intelectuais dedicadas à causa das escolas de samba na
década de 1970. Como ela, tornaram-se figuras de referência Marília Trindade Barbosa,
Helena Teodoro e a jornalista Lena Frias. A imperiana Rachel Valença relata que enfrentou
prestígio em que trabalhou durante anos, a Casa de Rui Barbosa, no Rio de Janeiro.
organização do carnaval pela Riotur. Essa mesma pasta contém matérias cujas informações
22
fontes alternativas de financiamento por parte das diretorias das agremiações que
contribuiu para o fenômeno da comercialização dos enredos. Já este tema contou com o
material de uma pasta específica, “Patrocínio”, formada com matérias coletadas por Rachel
justamente a partir de meados dos anos 1990. E como o carnaval de 1995 da Imperatriz
Leopoldinense, com o enredo Mais vale um jegue que carregue do que um camelo que me
Magalhães”. Rosa foi carnavalesca da Imperatriz até 2009, e durante o tempo desse
processo histórico aqui abordado, ela produziu vários enredos patrocinados, usando às
vezes sua capacidade criativa para driblar exigências estéticas grosseiras de patrocinadores.
Para a segunda parte do capítulo 2 recorreu-se mais uma vez à pasta “Imperatriz”, e
escola da Baixada Fluminense que é comandada por um banqueiro do jogo do bicho, teve
estados, mas especialmente parcerias com grandes empresas. A pasta “Beija-Flor” foi
mais recente da agremiação, a partir de 1998, e sua experiência com enredos patrocinados.
meio desse material ficou definido o panorama dos principais temas debatidos, de carnaval
estudo catalisadas pelo material de recortes feitos por Rachel Valença. Com isso foram
23
escolas de samba e autoridades governamentais. Estrategicamente, foram buscadas
desde a sua criação 1972 a até 1983. Essa seleção foi realizada pelo colega pesquisador
nas décadas de 1970 e 1980, faz o registro de medidas adotadas pelo poder público tendo
rádio, publicidade e apuração dos resultados. E ainda revela um pouco do perfil dos
Como os preparativos dos carnavais de 1983, 1984 e 1985 foram marcados pela
mudança política ocorrida no Rio de Janeiro com vitória de Brizola nas eleições de 1982,
nesse mesmo ano logo depois do carnaval, e com isso a gestação do projeto de privatização
2000, nos quais são publicados artigos e crônicas sobre as escolas de samba, além de
samba de enredo, montagem de alegorias nos barracões, ensaios nas quadras, ensaios
24
Os sites de carnaval mais consultados no âmbito desta pesquisa foram o SRZD
autor que reúne matérias sobre patrocínios produzidas pelos colunistas desses sites e
também textos de comentários deles publicados através de seus respectivos perfis na rede
social Facebook. A matérias são do final da segunda metade dos anos 2000 para cá.
a partir de 2004. De 1985 até 2003, estão publicados apenas os quadros de classificações.
possível visualizar registros fotográficos organizados por cada escola de samba (a partir de
2000) e ainda “baixar” os arquivos de áudio da série de discos produzidos pela gravadora
maior Portal do carnaval brasileiro, através do qual podemos consultar as informações para
mais fácil e direto é mesmo pelo Youtube. Os registros das transmissões encontram-se
disponíveis em qualidade de áudio e vídeo que variam muito, podem ser consultados
especialmente através dos canais de Wendel Tancredo e Fernando Júpiter no mesmo site.
Para o estudo dos enredos da Beija-Flor, existe desde 2002 uma fonte importante
que é a Revista Beija-Flor: uma escola de vida. Ela tem edições anuais com o propósito de
apresentar conteúdo do enredo com a descrição de alas e alegorias na ordem dos setores do
25
desfile, além de trazer informações da Comissão de Carnaval sobre os preparativos. No
as atrações turísticas de estados e municípios tratados como temas de enredo. Essa fonte
mensais mais voltadas para o registro das atividades relacionadas aos preparativos do
Com base nesse jornal é possível verificar a presença nesses espaços de representantes das
partes envolvidas nas negociações dos enredos patrocinados, como por exemplo, reuniões
diretamente associados aos enfoques definidos nos projetos de patrocínio dos enredos.
26
Em parte, essas fotos acompanham matérias da Revista Beija-Flor e do jornal O Beija-
com o uso da fotografia a serviço da memória dos desfiles das escolas de samba e chama
samba está muito relacionado com a própria organização dos desfiles. Portanto, entender o
lugar que passou a ocupar a patronagem do jogo do bicho, o peso das novas formas de
patrocínio, ou mesmo o potencial dos lucros das escolas de samba por meio da realização
de eventos em suas quadras e shows externos, requer uma reflexão sobre as transformações
da estrutura de organização do carnaval até sua consolidação nas duas últimas décadas.
construir uma memória negativa em relação aos tempos em que a Riotur era a principal
27
levantamento das ações do poder público no tocante ao carnaval a partir da criação dessa
empresa pública. Com isso, o objetivo não é escrever uma história da Riotur, mas sim fazer
uma abordagem das suas operações de 1972 até o início da década de 1980.
com a eleição de Brizola em 1982, marcando uma vitória sobre o chaguismo. Durante os
preparativos para o primeiro carnaval sob a influência do novo grupo político no poder foi
que se exacerbaram tensões internas na antiga Associação das Escolas de Samba do Rio de
da preocupação das autoridades públicas para que os presidentes das grandes escolas, e
terceiro momento do texto mostra como essa entidade surgiu do movimento da própria
cúpula do bicho para montagem de uma estrutura empresarial legal capaz de assumir
gradativamente, a começar pelo aumento da participação das escolas de samba nas receitas
do espetáculo, mas só se completou por vontade política do prefeito César Maia em 1994.
do carnaval nos anos 2000, tendo em vista os questionamentos da imprensa e ações civis
28
do carnaval, contando com recursos públicos, porém, descumprindo normas contratuais e
promotores que mostram como as escolas são contempladas com investimento público
contam com chances potenciais de explorar outras fontes de patrocínio público e privado.
carnaval são temas do segundo capítulo. Em primeiro lugar, discute-se a relação da prisão
dos banqueiros do jogo do bicho, em 1993, com a busca dos dirigentes de parte escolas de
casos emblemáticos de escolas que negociaram seus enredo em troca de aporte financeiro.
auxiliares dos carnavalescos nas pesquisas que alicerçam a concepção artística dos enredos
uma nova fase de vitórias marcada pelo desenvolvimento de praticamente todos os seus
enredos como plataforma para captação de patrocínios. Por meio desse estudo de caso é
29
possível observar como a agremiação nilopolitana se especializou na estratégia das
ser secundários no financiamento dos desfiles, o poder dos velhos chefes da contravenção
continua mais vivo do que nunca. Por isso, será discutido como as novas estratégias de
financiamento surgem em parte viabilizadas por meio da força de conexões políticas deles,
e por outro lado abrem grandes possibilidades de expansão de negócios lícitos e elícitos até
mesmo numa escala global, ampliando a rede de influência social e política desses agentes.
30
Capítulo 1
Instabilidade da patronagem e alternativas de financiamento dos desfiles
31
A Empresa de Turismo do Rio de Janeiro (Riotur)
público que assumiu responsabilidade na organização dos festejos foi a Diretoria Geral de
carnaval como atrativo, o Rio começava a se formar como parada do turismo internacional
4
, mas logicamente os governantes estavam longe de pensar os festejos carnavalescos como
Escolas de Samba do Rio de Janeiro, servem aqui como um ponto de referência. A obra
indica também que tais agremiações só ocuparam o centro das atenções dos foliões e da
de 1964 o novo órgão municipal foi criado, passando a lidar com a organização de uma
termos estéticos, atraindo a classe média para dentro das escolas de samba, e cada vez mais
Tais questões foram sentidas e criticadas pelos fundadores das agremiações que
3
CABRAL, Sérgio. As escolas de samba do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: Lumiar, 1996. p. 97.
4
Cf. FREIRE-MEDEIROS, Bianca e CASTRO, Celso. “Destino: Cidade Maravilhosa”. In: CASTRO, Celso;
GUIMARÃES, Valéria Lima; MAGALHÃES, Aline Montenegro. (orgs.). História do turismo no Brasil. Rio
de Janeiro: Editora FGV, 2013. p. 13-36.
32
forma como as comunidades suburbanas haviam concebido a cultura do samba. Um bom
exemplo é o próprio Cartola, conforme mostra Maurício Barros de Castro no livro em que
analisa a experiência do bar que o sambista e sua esposa Zica tiveram no início dos anos
com o apoio de admiradores do compositor que usaram da influência social para tentar
ampará-lo. O Zicartola pode ser visto como um contraponto à forma como as escolas de
samba passaram a funcionar cada vez mais preocupadas com o carnaval e esquecidas de
seus fundadores. 5
artigo sobre as relações institucionais entre poder público, escolas de samba e jogo do
samba para a questão econômica, curiosamente nos primeiros anos da ditadura militar. 6
O texto dos sociólogos até hoje é um dos poucos trabalhos que problematiza a
posterior criação da Riotur, no começo da década de 1970, sendo fruto de uma política
das escolas de samba por remuneração como prestadoras de serviço para o Município. O
próprio Sérgio Cabral tece pouquíssimas considerações sobre a criação da Riotur como
confirmação das novas tendências do relacionamento das escolas com o poder público.
informes uma nota sobre o assunto especial de uma conversa realizada entre o governador
Manuel Protásio. Chagas estava planejando a criação de uma empresa pública com o
5
CASTRO, Maurício Barros de. Zicartola: política e samba na casa de Cartola e Dona Zica. Rio de Janeiro:
Relume Dumará: Prefeitura, 2004. (Perfis do Rio; v.13)
6
CHINELLI, Filipina. & SILVA, Luiz Antônio Machado da. O vazio da ordem: relações políticas e
organizacionais entre escolas de samba e o jogo do bicho. In: Revista Rio de Janeiro, n. 12, jan-abril 2004.
33
objetivo de dinamizar as promoções turísticas da Guanabara. O estatuto da empresa já
acertada, apenas fazendo duas sugestões ao governador da Guanabara. Uma delas colocava
que a promoção turística da cidade deveria ter por base um calendário de festas e
congressos, no qual o carnaval seria o ponto alto de toda programação. Naquela época as
atribuído ao senhor Protásio. E a segunda sugestão dizia respeito ao nome da empresa, pois
ele entendia que “Riotur” expressaria precisamente a área de foco dos interesses, além do
com a expansão do setor de hotelaria no Rio de Janeiro. Trechos da nota evidenciam como
ele vinha intercedendo pessoalmente junto ao governador Chagas Freitas para que grupos
Havia naturalmente uma preocupação com o próprio turismo interno, tanto que o
senhor Protásio negociava junto a um empresário brasileiro desse ramo de atividade uma
7
INFORME JB. Jornal do Brasil, Rio de Janeiro, 16 mai. 1972, p. 10.
34
Finalmente o presidente da Embratur está combinando com o empresário
Mário Prioli um esquema novo para trazer ao Rio, nos fins de semana, turistas
de São Paulo, mediante um sistema de pagamento de dez prestações. Esses
turistas viriam ao Rio e retornariam a São Paulo em avião a jato, cumprindo na
Guanabara um verdadeiro tour que incluiria hotel, banho de mar em
Copacabana, passeios pela cidade, show noturno no Canecão, etc. 8
sintonia com a formulação de uma política nacional do regime militar para o setor em
questão. Tanto que no mês de junho daquele mesmo ano seria criado o Plano Nacional de
turismo era mal explorado na cidade enquanto atividade econômica e que, para isso mudar,
teria ficado “anacrônico” por falta de suporte para aperfeiçoamento e expansão de suas
Rui Pereira da Silva em outra matéria do Jornal do Brasil, seria deixar a Secretaria de
8
Idem.
9
RIOTUR vai acelerar o desenvolvimento do turismo da Guanabara. Jornal do Brasil, Rio de Janeiro, 06
jun. 1972, p. 27.
10
Cf. CARVALHO, Alan Francisco. Políticas Públicas em Turismo no Brasil. Revista Sociedade e Cultura,
v. 3, n. 1 e 2, p. 97-109, jan./dez. 2000; CRUZ, Rita de Cássia Ariza. Políticas públicas de turismo no Brasil:
território usado, território negligenciado. GEOSUL: Revista do Departamento de Geociências – CFH,
Programa de Pós-Graduação em Geografia. Florianópolis, v. 20, n. 40, p. 27-43, jul./dez. 2005.
35
empresa a ser criada pelo Estado, e gerida com capital próprio para assumir atribuições de
planejamento e execução. 11
entretanto, as receitas obtidas sequer eram apuradas devidamente. Para o Secretário, a falta
de estrutura do próprio órgão estadual por ele chefiado seria uma das causas do problema,
dando margem para que firmas contratadas para o serviço de montagem e desmontagem
das arquibancadas serem as grandes beneficiárias dos lucros com a organização da festa.
coronel Aníbal Uzeda foi apontada na imprensa como fruto de uma decisão acertada entre
bom exemplo no âmbito do carnaval das escolas de samba se deu com a série de enredos
11
SILVA, Ruy Pereira da. Jornal do Brasil, Rio de Janeiro, 25 mai. 1972, Opinião, Capa.
12
Cf. SANTOS, Fernando Burgos Pimentel dos. Estado, política cultural e manifestações populares: A
influência dos governos locais no formato dos carnavais brasileiros. Dissertação (Mestrado em
Administração Pública e Governo) – Eaesp/FGV, São Paulo, 2008.
13
ASSEMBLÉIA aprova a Riotur. Jornal do Brasil, Rio de Janeiro, 28 jun. 1972, p. 10
14
INFORME JB. Jornal do Brasil, Rio de Janeiro, 24 ago. 1972, p. 10.
15
Cf. CRUZ, Tamara Paola dos Santos Cruz. As escolas de samba sob vigilância e censura na ditadura
militar: memórias e esquecimentos. Dissertação (Mestrado em História) - Universidade Federal Fluminense,
2010.
36
que a então desconhecida Beija-Flor de Nilópolis desenvolveu nos carnavais de 1973, 1974
primeiro carnaval organizado pela Riotur, que havia sido criada em meados de 1972. Na
pesquisa que realizei sobre a Beija-Flor, analisei a questão do ponto de vista dos interesses
da política local na montagem do esquema de poder das famílias Abraão e Sessim, que
17
foram apoiadoras do golpe e imediatamente se alinharam com o regime militar. Seria
preciso aprofundar essa a pesquisa para saber se a Riotur, presidida por um militar,
outras escolas além da Beija-Flor também fizeram, conforme assinalam Fabato e Simas. 18
momento já era tratada oficialmente pelas autoridades muito mais pelo aspecto econômico
Filipina Chinelli e Luiz Antônio Machado da Silva e Filipina Chinelli sobre a “fase
escolas de samba foi uma divisão dos desfiles em três dias, um para cada grupo. A
imprensa informava que Uzeda vinha trabalhando com sua equipe na elaboração da
proposta desde quando recebeu a nomeação para a presidência da Riotur, e que ele tinha
16
“Educação para o desenvolvimento”, “Brasil Ano 2000” e “O Grande Decênio”, respectivamente.
17
BEZERRA, Luiz Anselmo. A família Beija-Flor. (Dissertação) Mestrado em História – Programa de Pós-
Graduação em História, Universidade Federal Fluminense. Niterói, 2010.
18
Cf. FABATO, Fábio e SIMAS, Luiz Antonio. Pra tudo começar na quinta-feira: o enredo dos enredos.
Rio de Janeiro: Mórula, 2015. p. 47 e 48.
19
CHINELLI, Filipina. & SILVA, Luiz Antônio Machado da. O vazio da ordem: relações políticas e
organizacionais entre escolas de samba e o jogo do bicho. In: Revista Rio de Janeiro, n. 12, jan-abril 2004. p.
215-216.
37
informações levam a crer que os representantes das escolas não participaram efetivamente
dessa construção. 20
Para o carnaval de 1973, a Riotur estipulou valor fixo, e menor do que no ano
anterior, para o serviço de decoração da cidade. Além disso, antecipou a concorrência para
montagem das arquibancadas, afirmando que iria aumentar os lucros na venda de ingressos
com a criação de mais dois degraus na construção. Isto ocorreria por meio de um ajuste
técnico na estrutura principal e ainda com a diminuição das arquibancadas de madeira que
costumavam ser reservadas aos familiares dos sambistas. A sonorização foi mais um ponto
razão das dificuldades naturais do espaço onde os desfiles aconteciam, o corredor de uma
avenida em que sempre haveria o som da bateria de uma escola entrando e o de outra que
saindo. 21
discutir com os representantes das empresas como seria a localização de cabines de rádio e
Não teremos aqui uma análise minuciosa da realização dos desfiles das escolas de
samba entre 1973 e 1982. O objetivo principal é discutir a afirmação da Riotur como
informações básica, no entanto, são importantes para que se tenha uma compreensão da
20
TURISMO divide o desfile das escolas de samba em três dias no próximo carnaval. Jornal do Brasil, Rio
de Janeiro, 14 set. 1972, p. 5.
21
ARQUIBANCADAS aumentam em 1973. Jornal do Brasil, Rio de Janeiro, 07 dez. 1972, p. 16.
22
RITOUR começa a discutir com rádio e televisão planos para o carnaval. Jornal do Brasil, Rio de Janeiro,
21 dez. 1972, p. 23.
38
influência das transformações urbanas da cidade sobre a organização do carnaval. Nesse
sentido, convém registrar, por exemplo, a mudança que as obras do metrô na Presidente
Vargas impuseram no local dos desfiles somente a partir de 1974, algo que já vinha sendo
discutido no final de 1972 com o início dos preparativos para o carnaval de 1973.
À época desses preparativos, o Jornal do Brasil promoveu uma mesa redonda para
ouvir opiniões sobre o assunto, e entre os participantes, pela Riotur, estavam o presidente
teriam um tempo curto e que isso não seria motivo de tanta contestação por parte da
população. Segundo Uzeda, haveria compreensão de que era um esforço necessário para a
realização de uma festa tão importante para a cidade. Ele chegou a manifestar preocupação
com a busca de um lugar permanente para o carnaval das escolas de samba, tanto que seria
criada uma comissão após do carnaval de 1973 a fim de estudar a questão, e ainda lançou a
continuarem recebendo apoio do Estado, já que ainda não teriam condições de custear suas
despesas sozinhas. Amauri Jório aproveitou o espaço para rebater uma crítica que era feita
na época em relação à parceria das escolas de samba com cervejarias para comercialização
escolas, mas Jório explicava que não era assim, pois elas precisavam cuidar de gelo,
39
Segundo Amauri, ‘o que é da maior importância para o carnaval
carioca é a construção de um lugar permanente para o desfile. O
futebol carioca só evoluiu por causa do Maracanã. Não se admite
uma cidade que pretende desenvolver o turismo não ter um local
próprio par receber o turista, porque 35 mil lugares que existem
normalmente na Presidente Vargas não acomodam nem a metade
dos turistas que vêm ver o carnaval carioca. ’
- Se a Riotur não tivesse condições de construir o local – disse o
Presidente da Associação das Escolas de Samba – poderia ceder-
nos o terreno a título de empréstimo, ou como aluguel, e, através
do financiamento de empresas particulares e de bancos, nós
mesmos construiríamos o local, que durante o resto do ano
poderia servir para outras atividades turísticas, pois quem mais
ganha com o carnaval são as empresas de transportes, os hotéis e
o Estado. 24
Embora essa proposta não tenha ganhado força, observa-se que nessa época já se
defendeu a Avenida Chile 28, sob o argumento principal da manutenção da festa no centro
balanço positivo da venda de ingressos, porém, admitindo o problema da lotação maior que
24
Idem.
25
AMARAL, Zózimo Barroso do. Jornal do Brasil, Rio de Janeiro, 13 mar. 1973, p. 3.
26
AMARAL, Zózimo Barroso do. Jornal do Brasil, Rio de Janeiro, 16 mar. 1973, p. 3.
27
ESCOLAS de samba poderão desfilar em 74 no trecho entre Central e Praça Onze. Jornal do Brasil, Rio
de Janeiro, 25 mai. 1973, p. 14.
28
RIOTUR quer fazer desfiles na Avenida Chile. Jornal do Brasil, Rio de Janeiro, 1º jun. 1973.
29
RIOTUR lucra com desfiles. Jornal do Brasil, Rio de Janeiro, 08 mar. 1973, p. 5.
40
Para 1974, institucionalizada a reserva de arquibancadas especial para turistas (35%
dos lugares), foi anunciado que esquema de vendas envolveria parceria com agências
particulares oferecendo aos visitantes pacotes de carnaval que, em alguns casos, incluíam
ingressos para o Baile do Teatro Municipal, outro evento bastante disputado na época. 30
presidência da Riotur no lugar de Uzeda, afastado oficialmente por motivo de doença. Era
gestão pública, o mais recente deles tinhas sido a direção da rádio Roquete Pinto, sendo
que antes havia atuado na Superintendência dos Transportes da Guanabara. Ele também
do novo presidente, o governo Chagas Freitas havia anunciado o aumento de 90% nas
reservadas para parentes dos sambistas, e uma síntese das normas do concurso. É
interessante notar que o júri era composto fundamentalmente por acadêmicos, embora isso
devesse contar com algum respaldo da AESRJ. Entre as normas, destaca-se proibição dos
prefeito Marcos Tamoio anunciava que os desfiles retornaria para a Presidente Vargas no
30
INGRESSO a Cr$ é o mínimo para ver samba. Jornal do Brasil, Rio de Janeiro, 13 dez. 1973, p. 18.
31
INFORME JB. Jornal do Brasil, Rio de Janeiro, 19 set. 1974, p. 10.
32
CARNAVAL tem mais 90% de subvenção. Jornal do Brasil, Rio de Janeiro, 4 set. 1973.
33
AS NORMAS da Riotur. Jornal do Brasil, Rio de Janeiro, 9 fev. 1975.
41
carnaval seguinte, entre os Viadutos do Marinheiro e São Sebastião. 34 Isso acabou gerando
contrato celebrado entre Riotur e Associação das Escolas de Samba, elas passavam à
colocavam favoráveis a essa mudança, embora fosse noticiado pela imprensa que muitos
sambistas não adotassem a mesma postura porque estariam sem conhecer em detalhes os
36
termos contratuais. Com base em informações de nota publicada no JB, após a
agremiações tuteladas:
aconteceria assim:
O PAGAMENTO
A distribuição dos outros 40% restantes da renda do espetáculo será feita da
seguinte maneira: 15% para as escolas do primeiro grupo; 8% para as do
34
ESCOLAS de samba desfilam na Pres. em 76 sob lema que invoca a Praça Onze. Jornal do Brasil, Rio de
Janeiro, 27 jun. 1975.
35
RIOTUR lavará Mangue com desodorante para carnaval. Jornal do Brasil, Rio de Janeiro, 22 nov. 1975;
RIOTUR acha que cheiro de sambista anula o do Mangue. Jornal do Brasil, Rio de Janeiro, 10 jan. 1976.
36
RIOTUR faz contrato com os sambistas. Jornal do Brasil, Rio de Janeiro, 13 nov. 1975.
37
RIOTUR garante por contrato profissionalização de escola de samba e 60% nas rendas. Jornal do Brasil,
Rio de Janeiro, 27 nov. 1975. p 22.
42
segundo grupo; 5% para as do terceiro; e 12% para a Associação das Escolas
de Samba. Mas quando o desfile não envolver a participação de todos os
grupos (como acontecerá a partir do próximo ano, durante a Semana de
Turismo, em setembro) a distribuição será: 12% para a Associação das Escolas
de Samba e 28%, em parcelas iguais para as escolas que participarem do
espetáculo. 38
continuariam tendo dificuldades para custear a produção dos seus desfiles. Em meados da
presidente da AESRJ, Amauri Jório, não era ligado ao jogo do bicho, e sua posição de
Imperatriz Leopoldinense. 40
Vítor Pinheiro esteve como presidente da Riotur até o carnaval de 1979. Os desfiles
das escolas de samba passaram a atrair cada vez mais público, e a questão dos ingressos
anualmente gerava discussão em torno dos esquemas de venda e dos valores, que
geralmente eram reajustados sob a justificativa da inflação e dos prejuízos da Riotur com a
41
montagem da infraestrutura do carnaval. O problema dos cambistas costuma ser
42
denunciado pela imprensa , o que envolvia ação de funcionários da empresa e que
também chegavam a ser apontados por favorecerem conhecidos na venda dos ingressos 43.
38
Idem.
39
Cf. CHINELLI e SILVA, op. cit.
40
Cf. as crônicas de Alexandre Medeiros “A heráldica do Império Leopoldinense” e “A nobreza do
anonimato assinado” In: DINIZ, Alan; MEDEIROS, Alexandre; FABATO, Fábio. As três irmãs: como um
trio de penetras “arrombou a festa”. Rio de Janeiro: Nova Terra, 2015.
41
RIOTUR recomenda a quem não tem dinheiro assistir aos desfiles nos bairros. Jornal do Brasil, Rio de
Janeiro, 5 jan. 1978.
42
BANDA da Riotur encontra-se com Bola Preta ao meio-dia. Jornal do Brasil, Rio de Janeiro, 19 fev. 1977.
43
CAMBISTA e bilheteiro lucram com ingresso da Riotur. Jornal do Brasil, Rio de Janeiro, 21 fev. 1979.
43
comercialização que dificultava cada vez mais o acesso das camadas populares às
arquibancadas. Foi aí que, em abril de 1979, o conhecido compositor João Roberto Kelly
apareceu como novo Diretor de Eventos e Certames da Riotur, cuja responsabilidade recaía
matéria publicada pelo Jornal do Brasil no final de janeiro de 1981 foi apresentada uma
desfile das escolas de samba. Todavia, a gestão de Kelly procurou dar atenção ao trabalho
de decoração das principais ruas do Centro e também investir no projeto dos coretos
espalhados pelo conjunto da cidade visando promover o carnaval popular dos bairros. De
acordo com a fala do presidente, sua relação com as escolas de samba seria harmônica, de
44
GROPILLO, Ciléa. Promessa de João Roberto Kelly, diretor de eventos e certames: “Carnaval de graça
para o povo”. Jornal do Brasil, Rio de Janeiro, 27 abr. 1979.
45
DUMAR, Deborah. Aqui, as novidades do desfile. Jornal do Brasil, Rio de Janeiro, 27 jan. 1981.
44
diálogo, tanto que elas renunciaram o direito de veto na escolha dos jurados deixa-a a
cargo de Kelly.
os desfiles das escolas de samba, acabou acontecendo um grande problema que abalou a
dos camarotes acontecia sob a forte influência de relações pessoais dos interessados, entre
46
eles artistas famosos, junto à direção da Riotur. Só que o grande problema ainda estava
esgotou e houve uma confusão que deixou pessoas feridas e obrigou o encerramento das
É preciso considerar que no início dos anos 1980 as tecnologias para o controle de
vendas de ingresso para grandes espetáculos praticamente não existia. Entretanto, o que
tudo indica é que a destinação de ingressos antecipadamente para agências de turismo foi o
O próprio João Roberto Kelly admitiu o erro de não terem controlado a cota de
venda antecipada para as agências, que estariam repassando os ingressos por um valor
muito mais elevado e inflacionando a comercialização. Ele prometeu rever o acordo com
Outro problema que repercutiu muito mal naquele carnaval foi invasão da pista
promovida por pessoas que ocuparam cadeiras criadas bem próximo da passagem e
46
A PRIMEIRA guerra da festa em 1981. Vale tudo por um camarote. Jornal do Brasil, Rio de Janeiro, 22
fev. 1981.
47
INGRESSOS para o carnaval acabam e provocam tumulto. Jornal do Brasil, Rio de Janeiro, 22 fev. 1981.
48
INFORME JB. Jornal do Brasil, Rio de Janeiro, 26 fev. 1981.
49
KELLY admite que a venda a agências foi errada. Jornal do Brasil, Rio de Janeiro, 26 fev. 1981.
45
50
separadas apenas por um alambrado. Semanas depois, Kelly concedeu entrevista ao
Jornal do Brasil onde falou desse problema e de vários outros explorados nas perguntas
ambiente da Riotur a situação não seria de aprovação dos resultados da festa. Mesmo
crescimento da festa que, por isso, demandava a construção de novo espaço, mais
Em agosto de 1981, o coronel Aníbal Uzeda foi indicado mais uma vez para
carnaval não conseguia cumprir adequadamente seu papel na organização. Uzeda assumia
no Autódromo e no Riocentro.
ser nomeado, o presidente esclarecia que para um melhor controle as atividades da empresa
durante o ano todo, enquanto outro se dedicaria aos demais eventos da cidade. 52
inclusive no tocante a regulamento, pois, mesmo que houvesse consulta das escolas de
samba para definição de critérios, a palavra final acabava sendo do poder público.
Acerca dos déficits na gestão da Riotur, a entrevista com Uzeda apontou o seguinte:
50
Informe JB. Jornal do Brasil, Rio de Janeiro, 4 mar. 1981; MAIA, Paulo. A Riotur é paga para atrapalhar.
Jornal do Brasil, Rio de Janeiro, 5 mar. 1981.
51
COURI, Norma. João Roberto Kelly acha que fez uma festa maravilhosa. “Parem de criticar o carnaval”.
Jornal do Brasil, Rio de Janeiro, 17 mar. 1981.
52
O NOVO presidente da Riotur promete mudanças no carnaval. Jornal do Brasil, Rio de Janeiro, 26 ago.
1981. p. 12 (Caderno B).
46
Quanto aos boatos de que a Riotur é deficitária, o Cel. Uzeda explica que o
orçamento foi estabilizado com suplemento dado pelo Prefeito Julio Coutinho.
‘Mas os gastos da Riotur são imprevisíveis, especialmente com o carnaval,
onde sempre surgem despesas extras. Para 1982, por exemplo, já surgiram
despesas extras: temos contrato assinado com as escolas de samba em 1979.
Esse orçamento aumentou 61% este ano, devido ao reajuste. Isso só para as
escolas. Acrescente os blocos, os ranchos, as grandes sociedades e frevos. E
além da subvenção, ainda temos que pagar premiação. (...) 53
evidenciado pela imprensa, foi a firme participação dos patronos banqueiros do jogo do
Em 1982, uma operação policial de combate ao jogo do bicho nas áreas mais
importantes do Rio, Niterói e Baixada Fluminense, prendeu 81 bicheiros. Por causa disso,
surgiu a ameaça de que as escolas de samba não desfilariam. Uma reportagem do Jornal do
especialmente na zona sul da cidade e no Centro, sendo que neste bairro aconteceram
inclusive invasões de “fortalezas”, bases onde são feitas a apuração das apostas e a
relatavam que um dos bicheiros teria passado pela janela uma mensagem com os dizeres:
53
Idem.
54
PM prende 81 bicheiros em ‘operação zoológica’. Jornal do Brasil, Rio de Janeiro, 29 jan. 1982. p. 17.
47
Apesar dos jornais não apresentarem nenhuma notícia de bastidores das
podemos supor que houve um acordo entre Uzeda e os patronos ligados ao jogo do bicho.
Liderados por Castor de Andrade, o compromisso foi firmado numa reunião na Riotur em
que Castor proferiu a leitura de um documento, que também homenageava Uzeda, assinado
sofreu certo desgaste depois da apuração dos resultados dos desfiles que deram a vitória ao
Império Serrano com o enredo Bum Bum Paticumbum Prugurundum. De acordo com o
regulamento daquele carnaval, que Uzeda alegava não ter participado da elaboração por ter
encontrado pronto na ocasião de sua volta a Riotur, os quesitos ligados aos aspectos visuais
do desfile acabaram ficando com um peso menor e contendo algumas exigências que não
diretoria da Riotur de fazer uma “armação” para beneficiar o Império Serrano, ao que
respondeu Uzeda ressaltando que os jurados apenas seguiram normas estabelecidas para a
no carnaval de 1982. 56
deputado Jorge Leite (PP) era ligado ao Império, com reduto eleitoral em Madureira, e isso
55
COMPROMISSO histórico garante desfile na hora certa. Jornal do Brasil, Rio de Janeiro, 20 fev. 1982. p.
5.
56
IMPÉRIO é campeão e Anísio e Luizinho vão à justiça. Jornal do Brasil, Rio de Janeiro, 26 fev. 1982. p.
8.
48
Da parte da Beija-Flor, Nélson Abraão, presidente administrativo da escola e
candidato à Prefeitura de Nilópolis pelo PDS, defendia a tese que houve favorecimento do
Império por interesse de políticos ligado ao PP, novo partido do governador Chagas. O
protesto chegou ao ponto de Joãosinho Trinta anunciar que no próximo carnaval a azul e
Samba do Rio de Janeiro, a pressionarem pelo aumento dos valores destinados às escolas
No universo das escolas de samba se costuma dizer que mal termina um carnaval já
ano. A própria cobertura de imprensa nas décadas de 1970 e de 1980, pelo menos, registra
que a preparação efetiva tinha início nos últimos meses do ano que antecedia o carnaval.
respeito publicadas no Jornal do Brasil referentes aos carnavais de 1983, 1984 e 1985. Isto
se justifica pela influência sobre a organização dos desfiles das escolas de samba
provocada pela mudança na política do Rio de Janeiro com a vitória do PDT nas eleições
de 1982. Apesar disso, a posse do novo governador, com nomeação do seu secretariado na
esfera estadual e até do prefeito da capital aconteceu somente no mês de março de 1983,
depois do carnaval.
57
BEIJA-FLOR não sai mais na Sapucaí. Jornal do Brasil, Rio de Janeiro, 26 fev. 1982. p. 8.
49
A organização da festa, portanto, ficou a cargo da Riotur ainda sob a presidência do
Coronel Uzeda, mas sob os olhares dos políticos ligados ao grupo que chegava ao poder.
Havia uma visão negativa da população sobre a empresa de turismo, acusada de ser local
toa que na transição do governo surgiu da parte dos brizolistas a ideia de extinção da
Riotur, que viria a passar por processo de intervenção logo após a mudança política. Tudo
isso provavelmente pesou no pedido de afastamento feito por Uzeda semanas antes do
esquema de venda irregular de camarotes em benefício próprio. Outro fato denunciado por
50
O brizolismo e a construção do Sambódromo
projeto de extinção da Riotur para que o turismo ficasse a cargo da própria secretaria
especial. Fundamentava essa ideia, sobretudo, a visão da empresa como uma estrutura
excedente frente à escassez de recursos da administração municipal, e ainda por cima ser
foco de corrupção.
1977 para construção do “sambódromo” como palco dos desfiles das escolas de samba,
numa das ruas paralelas à Marquês de Sapucaí, mas que não havia sido levado à frente pela
projeto já havia sido concebido para ter funções múltiplas a serviço do poder público
Contudo, essa proposta só se confirmou por circunstâncias que discutiremos mais à frente.
legais relacionados aos estatutos da Riotur pesaram para que o prefeito desistisse do
projeto de extingui-la.
58
Sobre o governo Brizola, cf. FERREIRA, Marieta de Moraes (Org.). A força do povo: Brizola e o Rio de
Janeiro. Rio de Janeiro: Alcrj, CPDOC/FGV, 2008; SENTO-SÉ, João Trajano. Brizolismo: estetização da
política e carisma. Rio de Janeiro: FGV, 1999.
51
Já no mês de maio, o novo prefeito deu início às discussões sobre a realização do
próximo carnaval. Dali para frente, a situação ficaria bastante tensa por causa das pressões
dos presidentes de escolas de samba ligados ao jogo do bicho, cada vez mais interessados
infraestrutura necessária.
Segundo declarações de Jamil Haddad, ele estaria empenhando numa solução para
arquibancadas para o desfile das escolas de samba, o que vinha acontecendo até então por
dos desfiles no Maracanã, algo que foi prontamente rejeitado pelos presidentes. 59
receita dos desfiles, Haddad abriu margem para que os presidentes das principais escolas
da organização dos desfiles em troca do controle sobre as receitas. Isso criaria uma
situação embaraçosa para o município, pois iria significar que as autoridades estavam
escolas de samba, sob a tutela do poder público municipal. Na época, representou uma
saída de Jamil Haddad para o impasse criado com os representantes das agremiações,
59
NO ENCONTRO com Jamil, “o escrito” não vale. Jornal do Brasil, Rio de Janeiro, 08 jul. 1983.
60
ENCONTRO impossível. Jornal do Brasil, Rio de Janeiro, 05 ago. 1983.
52
baseando-se na ideia de que poderia realizar uma concorrência pública atraente para
“Passarela do Samba” como uma ação do grupo político no poder para manter o carnaval
tremenda com a execução completa do trabalho até 10 de fevereiro de 1983, ou seja, num
atendimento de uma demanda tão importante para as escolas de samba que era a
Aconteceu que ainda no final de 1983 Jamil Haddad foi substituído na Prefeitura, por
decisão de lideranças do governo, por Marcelo Alencar. Logo após esse acontecimento, no
decisões acerca da organização dos desfiles. A divisão dos desfiles em dois dias, a
61
AVENIDA do Samba: uma passarela em discussão. Jornal do Brasil, Rio de Janeiro, 14 set. 1983.
53
performance exigida das escolas para o encerramento de cada desfile no espaço da Praça
da Apoteose, o supercampeonato, a formação do júri, tudo isso passou pelo crivo do vice-
da cultura das escolas de sambe e mesmo intransigente. 62 Não foi à toa que recebeu muitas
opositores do Governo Brizola. Ele ainda teve que responder por assuntos relativos ao
pelos custos da obra que foram muito além daquilo que havia sido estipulado no momento
relacionados ao evento.
aumento do potencial econômico dos desfiles e, por isso, objeto de interesses cada vez
mais ambiciosos da cúpula do jogo do bicho há anos exercendo o comando das principais
escolas de samba.
zona oeste da cidade, mais especificamente na Barra da Tijuca, sob a justificativa de que lá
62
DESORGANIZAÇÃO da Riotur preocupa escolas de samba. Jornal do Brasil, Rio de Janeiro, 20 nov.
1983.
63
RODRIGUES, Mônica. “Imprensa: uma relação de amor e ódio”. In: FERREIRA, Marieta de Moraes
(org.). A força do povo: Brizola e o Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: ALERJ/CPDOC/FGV, 2008.
54
64
com alto poder aquisitivo. Tanto é assim que em recente publicação de entrevistas com
presidentes de honra das principais escolas de samba ao pesquisador Luiz Carlos Prestes
Filho, alguns deles defendem a mudança dos desfiles para a referida região da cidade,
Essa proposta tem aspectos interessantes, no entanto, precisamos ter cuidado com
Sambódromo para o carnaval das escolas de samba do Rio de Janeiro. Esse verdadeiro
região metropolitana do Rio de Janeiro, e o Sambódromo veio reforçar isso com suas
instalações situadas numa área significativa do ponto de vista da própria história do samba
urbano carioca e da rede de transportes públicos da cidade. Por mais que existam
espaço demonstra o caráter cultural do projeto em sentido pleno, o que se expressa também
na tentativa favorecer a presença dos populares no público num momento em que o valor
64
Sobre os “grandes eventos” no Rio de Janeiro, cf. OLIVEIRA, Nelma Gusmão de. O poder dos jogos e os
jogos de poder: os interesses em campo na produção de uma cidade para o espetáculo esportivo. Tese de
Doutorado. IPPUR/UFRJ. Rio de Janeiro, 2012.
65
Cf. PRESTES FILHO, Luiz Carlos. O maior espetáculo da Terra: 30 anos de Sambódromo. Rio de
Janeiro, Ed. Lacre, 2015.
55
Liga Independente das Escolas de Samba (LIESA)
Outro fato importante nos preparativos para 1982 foi divulgação na imprensa de
menos parte dos dirigentes com o presidente da AESRJ, numa das reuniões na Riotur. 66
se, por exemplo, o fato de todas as escolas do primeiro grupo terem direito ao mesmo
assinado com a Riotur. Além disso, os presidentes das escolas de maior porte reclamavam
que a importância crescente das grandes escolas de samba em termos políticos e sociais, e
e o chamado “grupo dos 10 presidentes” ou “grupo das 10 escolas” entendeu que deveria
66
MARTINS, Ruth. Compromisso histórico garante desfile na hora certa. Jornal do Brasil, Rio de Janeiro, 20
fev. 1982, Primeiro Caderno, p. 5.
67
CHINELLI e SILVA, op. cit. p. 215.
68
Idem. p. 216.
56
se desligar da AESRJ e fundar uma nova entidade para lhes representar. Em meados de
julho de 1984, o referido grupo de presidentes teve uma reunião com Trajano Ribeiro,
escolas foi tratado com certa compreensão por Trajano. Todavia, ele não aceitaria aquela
atitude se uma forma de pressão sobre o poder público para modificar aspectos já traçados
mantiveram na AESRJ exigiam das autoridades que não fossem desprezadas em suas
70
reivindicações para organização dos desfiles. E além da questão em torno da divisão dos
desfiles do grupo principal em dois dias, como o governo preferia manter, surgiu o
Castor de Andrade foi o grande líder dos presidentes das escolas que se tornaram
1984, houve o anúncio da criação da LIESA. Nesse mesmo dia, Castor foi aclamado
presidente da nova entidade, com seu vice Fernando Leandro, da Caprichosos de Pilares. 71
posição da Riotur pela manutenção dos desfiles em dois dias, ao contrário do que eles
69
GRUPO dos 10 debate samba e carnaval-85 com Trajano. Jornal do Brasil, Rio de Janeiro, 18 jul. 1984,
Cidade, p. 7.
70
ESCOLAS de samba querem saber como fica carnaval com a saída das 10 maiores. Jornal do Brasil, Rio
de Janeiro, 25 jul. 1984, Primeiro Caderno, p. 12.
71
LIGA Independente das Escolas de Samba elege Castor seu presidente. Jornal do Brasil, Rio de Janeiro, 26
jul. 1984, Cidade, p. 5.
57
discussão. Como instrumento de pressão para que o poder público atendesse as exigências
GUERRA ABERTA
A sabedoria popular do Rio de Janeiro ensina que banqueiro de bicho não joga para
perder... Realmente, Castor soube utilizar os recursos dos quais dispunha, a união das
torno do mesmo objetivo e o respaldo jurídico de que as escolas não sofreriam qualquer
obrigações formais com poder público não estariam mais vigorando na data dos desfiles.
Conforme desejava a Riotur, foi firmado o compromisso das escolas da LIESA com
a divisão do desfile principal em dois dias, entremeado com escolas ligadas às duas
das principais agremiações nas receitas obtidas com venda de ingressos, merchandising na
72
SANTOS, Joaquim Ferreira dos. O desfile do samba em 85: entre o luxo dissidente e a pobreza com
direitos. Jornal do Brasil, Rio de Janeiro, 11 set. 1984, Caderno B, p. 8.
73
ZÓZIMO. Guerra aberta. Jornal do Brasil, Rio de Janeiro, 26 set. 1984, Caderno B, p. 3.
74
SAMBA e Estado esboçam acordo para desfile ser em dois dias. Jornal do Brasil, Rio de Janeiro, 02 out.
1984, Primeiro Caderno, p. 14.
58
No começo da década de 1980, o pagamento desse direito pelas emissoras já havia
se tornado parte importante das receitas. E como sabemos, a televisão passou a ter
por sua posição antibrizolista, foram contra tal construção e os embates em torno disso
dos Santos a que nos referimos anteriormente aponta um indício desse ação da TV Globo:
Fechado o acordo da LIESA com a Riotur para a realização dos desfiles do grupo
publicada uma matéria com seu pleno consentimento e colaboração no Jornal do Brasil,
aniversário, a agenda do presidente da Liga estava marcada com reunião na Riotur para
escolha dos jurados, recepção dos dirigentes das escolas para distribuição dos cheques para
pagamento de direitos autorais das gravações dos samba de enredos, conversa para
75
RODRIGUES, Mônica. op. cit.
76
SANTOS, op. cit.
59
apaziguar conflitos problemas entre a diretoria do Império Serrano e ainda atendimento do
pedido de doação para uma escola de samba do segundo grupo. O envolvimento de Castor
com o futebol acabava trazendo para o ambiente da LIESA assuntos do esporte, que ele
revelava ser da sua preferência mais do que o samba. O perfil apresentava um Castor
de 1980 no JB, notei que a administração do Bangu Atlético Clube absorvia seu tempo até
mais do que a Mocidade Independente de Padre Miguel, escola da qual era o patrono.
membro da cúpula do bicho. Em janeiro de 1986, no seu primeiro ano de mandato, Anísio
anunciava numa entrevista concedida ao JB que dentro de três ou quatro anos haveria saída
dos patronos do financiamento do desfile das escolas de samba. Isso era colocado por ele
como uma mudança irreversível, em função das expectativas com a atuação da LIESA. 78
A questão é saber se esse discurso não seria apenas satisfação dada à opinião
financiamento das escolas de samba. No entanto, passado o tempo previsto por Anísio, os
toda forma, fica evidente o interesse desses agentes em relação à conquista de autonomia
financeira das agremiações através de maior participação delas nas receitas do carnaval.
77
CABALLERO, Mara. Castor de Andrade: líder é quem enxerga na frente. Jornal do Brasil, Rio de Janeiro,
12 fev. 1985, Caderno B, p. 7.
78
CABALLERO, M. A retirada dos patronos. Jornal do Brasil, Rio de Janeiro, 6 jan. 1986, Caderno B, p. 5.
60
Naquele momento, a LIESA já teria avançado em questões importantes na
resultado da pressão da nova entidade sobre o poder público, e só passou a ser mais eficaz
produção do disco dos sambas de enredo, criando um selo e uma gravadora próprios, e até
apresentou o projeto de uma revista oficial com o objetivo de substituir a conhecida Rio,
Dois desses pontos merecem atenção especial da gestão de Anísio. Notemos que a
discussão sobre o merchandising, que passou por atualizações e ainda hoje se desenvolve,
já era central nos primeiros anos de atuação da LIESA. Quem se pronunciou com mais
propriedade sobre isso naquela gestão foi o Primeiro Secretário Paulinho Andrade, filho de
que o dinheiro dos patronos naquele momento costuma ser empregado mais como
empréstimo do que como doação. Para Paulinho, esse adiantamento deveria continuar
acontecendo com passar do tempo, em vista da demora comum nos repasses do Estado e da
própria LIESA, mas doção da parte dos patronos se tornaria algo de fato desnecessário. 81
assumir no lugar da Top Tape a produção do disco dos sambas de enredos. Considerada
79
Idem.
80
CABALLERO, Mara. Samba com merchandising. Jornal do Brasil, Rio de Janeiro, 20 jan. 1986, Caderno
B, p. 5.
81
ANDRADE, Paulinho. Altos lucros do samba. Revista Domingo (Jornal do Brasil), Rio de Janeiro, fev.
1986.
61
uma iniciativa de Anísio, isto teria permitido um aumento extraordinário dos ganhos das
escolas, e especialmente para os compositores, que puderam receber melhor e com mais
rapidez os valores correspondentes dos direitos autorais. A medida, que costuma ser
Talvez por essa razão, segundo relato do próprio Anísio Abraão David, a gravadora
Top Tape esteve por trás de um “complô” envolvendo alguns presidentes de escolas de
samba afiliadas a LIESA que abalou sua gestão com base numa acusação de manipulação
do júri. Isso resultou seu afastamento oficial de Anísio pouco antes do carnaval de 1987. 82
mês de abril, que é sempre depois de um balanço do carnaval. Isso passa por acordos da
cúpula do jogo do bicho, que lida com tensões internas relacionadas às questões
comando da entidade, até porque fora vice na chapa de Anísio e tinha o respaldo do chefão
Castor de Andrade. A eleição Guimarães se deu por aclamação, com pleno apoio de Anísio
Guimarães foi um homem que construiu ascensão rápida e agressiva nos universo da
contravenção. Por conta disso e também por seus conhecimentos na área de administração
cúpula do jogo do bicho”, mesmo sendo dono de um número bem menor de pontos do que
82
PERFEITO, Vera. O chefão denuncia um complô. Jornal do Brasil, Rio de Janeiro, 01 mar. 1987,
Entrevista, p. 10.
62
83
certos chefes da contravenção possuíam. Guimarães concluiu o mandato de Anísio e
cúpula rumo a esse processo. 84 Tenho acordo com os autores ao colocarem que a partir de
então a grande questão no âmbito das relações políticas e organizacionais nesse universo
ficou pautada pela disputa pelo controle da festa como empreendimento turístico e
empresarial. Contudo, entendo que o uso do termo privatização seja feito com ressalva
para classificação da transferência gradativa das atribuições que eram da alçada do poder
porque se verificou ao longo do tempo que o fato da LIESA ter assumido o controle da
janeiro de 1989, Guimarães anunciava novos planos para avançar no controle do carnaval
na organização. Numa matéria do JB toda dedicada a ele, e que contou com sua
evento. Além disso, ele que a renda obtida com os desfiles das grandes escolas de samba
não deveria ficar totalmente com elas, negando-se a negociar qualquer tipo de colaboração
para as agremiações dos outros grupos. A crítica a essa proposta argumentava que a LIESA
não poderia se colocar como proprietária absoluta de uma festividade de longa tradição da
83
Cf. GÁSPARI, Elio. A ditadura escancarada. São Paulo: Companhia das Letras, 2002. p. 761-375.
84
CHINELLI e SILVA, op. cit. p. 217.
63
qual todas as escolas de samba fariam parte na constituição de um rico patrimônio cultural
À época, o prefeito eleito do Rio de Janeiro era Saturnino Braga, do PDT, e Alfredo
por concessões do Estado, porém, não significa dizer que o grupo político no poder
exemplo, o vereador Maurício Azedo (PDT), conseguiu aprovar um projeto de lei para
estatização total do carnaval. Embora tenha sido vetado por Saturnido com parecer da
própria Riotur, acabou servindo para colocar freios na ambição exacerbada da LIESA pelo
imagens transmitidas por Manchete e Globo, o que fez reduzir o número de profissionais
85
PAIVA, Anabela e MOTTA, Aydano A. Um certo Capitão Guimarães. Jornal do Brasil, Rio de Janeiro,
25 jan. 1989, Cidade, p. 7.
86
Idem.
87
Idem.
64
A liderança de Guimarães no comando da LIESA se fortaleceu a ponto do
cúpula do bicho com o assassinato de Carlos Dória, presidente da Mangueira que tomou a
frente nas acusações contra Anísio no caso da escolha dos jurados para 1987; e ainda as
associação com o crime organizado por intermédio do delegado Cláudio Guerra, que
É importante observar que, entre o final dos anos 1980 e início dos anos 1990,
governo estadual e governo municipal eram exercidos por lideranças políticas de grupos
opostos. Em 1991, Moreira Franco (PMDB) era o governador do estado, o prefeito do Rio
era Marcelo Alencar (PDT). Sabemos que o Município é responsável direto pela realização
do carnaval, através da Riotur. Em fevereiro de 1991, Moreira Franco fez uma inusitada
recepção para os patronos das escolas de samba no Palácio Guanabara, a fim de tratar da
antiga reivindicação das escolas de samba. Até então, boa parte delas montava suas
Esse fato repercutiu muito negativamente, pois a opinião pública não admitia que o
chefe do governo fizesse tal recepção para conhecidos chefes da contravenção no Rio de
88
Cf. JUPIARA, Aloy e OTÁVIO, Chico. Os porões da contravenção: jogo do bicho e ditadura: a história
da aliança que profissionalizou o crime organizado. Rio de Janeiro: Ed. Record, 2015. p. 163-167.
89
FESTA para os reis do bicho. Jornal do Brasil, Rio de Janeiro, 06 fev. 1991, Cidade, p. 1.
65
Se não fosse a presença do governador Moreira Franco, poderia parecer uma
reunião da cúpula do jogo do bicho. Estavam ali Aílton Guimarães Jorge, o
Capitão Guimarães, Aniz Abraão David, o Anísio, Luiz Pacheco Drummond, o
Luizinho, e Carlos Teixeira Martins, o Carlinhos Maracanã. Como se a
condição de presidentes de escolas de samba pudesse apagar por algum
momento suas extensas folhas penais, os quatro foram recebidos pelo
governador no salão verde do Palácio Guanabara, com a mesma pompa
dispensada a visitantes ilustres. 90
turismo na cidade e para formação de mão de obra para o carnaval. A matéria apontava o
feito como uma conquista de Guimarães enquanto presidente da LIESA, ele ainda se sentia
com necessidade de pedir mais recursos aos governos estadual e municipal tendo em vista
assunto de divisão dos lucros gerados pelo espetáculo carnavalesco, mas recorrendo a ele
na transmissão dos desfiles. Era uma clara represália ao fato de Fernando Pamplona,
para buscar uma reunião com o Presidente Itamar Franco e junto a ele solicitar a
andamento do processo por formação de quadrilha contra a cúpula do bicho que veio a ser
90
Idem.
91
A CENSURA da contravenção. Jornal do Brasil, Rio de Janeiro, 7 fev. 1991, Cidade, Capa.
66
julgado por Denise Frossard no mês de maio, e da própria resistência da acessoria de
Itamar, não foi aceita a presença dos “patronos” das agremiações nesse encontro. 92
então prefeito César Maia, que há um tempo havia rompido com Brizola, deu-se no
segundo carnaval de sua gestão, o que será analisado na parte seguinte deste capítulo, com
base em matérias jornalísticas e nas ações civis do Ministério Público do Estado do Rio de
Janeiro acerca dos contratos celebrados entre Riotur e LIESA a partir da década de 1990.
92
PRESIDENTE ouve reivindicações de sambistas. Jornal do Brasil, Rio de Janeiro, 5 fev. 1993, Cidade, p.
14.
67
A questão do investimento público depois da privatização do carnaval
A LIESA foi criada com objetivo de disputar frente ao poder público o controle dos
e que para isso seria necessário assumir não só a direção artística, mas também a
grandes escolas de samba foram os agentes responsáveis pela criação da Liga. Por isso
mesmo, desde a fundação da entidade, recai sobre ela o questionamento de ser uma
No curso das investigações que levaram à condenação dos chefes do jogo do bicho
naturalmente, políticos. Entre elas estava o deputado federal Paulo de Almeida, presidente
temporada da cúpula do bicho na prisão. Outro que teve o nome na lista foi César Maia,
que havia sido eleito Prefeito da Cidade do Rio de Janeiro na disputa realizada em 1992. 93
oficializada através do contrato celebrado entre a Riotur e a LIESA, em 1994, mas para o
93
Cf. AULER, Marcelo. Biscaia. Rio de Janeiro: Cassará Editora, 2012.
68
gerava prejuízos e, para evitar esse problema, a solução era transferir a gestão para a
Ministério Público chamavam atenção da contradição que era o poder público entregar o
chefes do bicho, que mesmo assim continuaram dando as cartas nas suas agremiações.
Guinle já não estava mais à frente da pasta do Turismo e da Riotur em 1995, quem
ocupava este posto era Marcelo Siqueira. As negociações para assinatura do contrato de
carnaval foram claramente ditadas pelos interesses da LIESA para que assumisse os lucros
Riotur declarou na época que se essa acusação fosse comprovada haveria revisão do
94
MAIA privatiza o carnaval. Jornal do Brasil, Rio de Janeiro, 03 mai. 1994, Cidade, p. 15.
95
Cf.: BRAGA, Teodomiro. Informe JB. Jornal do Brasil, Rio de Janeiro, 18 set. 1994, Política e Governo,
p. 6; LIGA já lucra com a ‘privatização’ do carnaval. Jornal do Brasil, Rio de Janeiro, 27 set. 1994, Cidade,
p. 18; “PRIVATIZAÇÂO” será contestada. Jornal do Brasil, Rio de Janeiro, 28 set. 1994, Cidade, p. 17; A
FANTASIA da corrupção. Jornal do Brasil, Rio de Janeiro, 1º out. 1994, Cidade, p. 10;
“PRIVATIZAÇÃO” do carnaval pode ser cancelada. Jornal do Brasil, Rio de Janeiro, 1º out. 1994, Cidade,
p. 22; MAIA pode rever contrato da Liga. Jornal do Brasil, Rio de Janeiro, 04 out. 1994, Cidade, p. 30.
69
96
contrato de carnaval de 1995 que conferia amplos poderes para a LIESA. Contudo, nada
A Liga representa para nossa sociedade um verdadeiro dilema. Apesar das inúmeras
postos de comando na entidade, existem plenas condições para que a estrutura empresarial
montada funcione legalmente, formalizando contratos, sem que isso configure benefícios
Seriam indícios de disputas internas na entidade? Não é fácil saber histórias de bastidores
desse universo, mas o domínio dos chefes da contravenção sobre a entidade não garante
que seu ambiente interno seja sempre de harmonia, ainda mais se tem dinheiro em jogo.
por Aniz Abraão David quando ocupou a presidência na segunda metade dos anos 1980.
através do carnaval das escolas de samba. 98 Tanto que declarações do presidente da Riotur
vésperas do carnaval de 1996, o TCM autorizou que fossem feitos contratos sem licitação
96
GUEDES, Octávio e FAGUNDES, Renato. Liga das Escolas pode perder lucro dos desfiles. Jornal do
Brasil, Rio de Janeiro, 26 fev. 1995, Cidade, p. 15.
97
PRIVATIZAÇÃO do carnaval é condenada por campeãs. Jornal do Brasil, Rio de Janeiro, 02 mar. 1995,
Cidade, p. 16.
98
PRESIDENTE da LIESA se reúne com prefeito. Jornal do Brasil, Rio de Janeiro, 02 mar. 1995. Cidade, p.
20.
70
99
para realização de obras no Sambódromo. A comercialização de camarotes e a
exploração de espaços publicitários, a partir de então, passaram a ser grande negócio para
Com a vitória do candidato sucessor de Maia nas eleições de 1996, Luiz Paulo
Riotur. Foi especialmente por causa de denúncias relacionadas à organização das festas de
para atração de mais turistas para a cidade. Bourgeaiseau esteve no comando da Riotur no
100
carnaval de 1997. Logo depois, denúncias de contratações injustificadas continuaram
Uma ação da Escola de Samba Unidos da Ponte, que reivindicava seu direito de
voltar ao Grupo Especial após ter sido campeã do Acesso, gerou uma medida judicial que
Alguns anos após a LIESA ter assumido o controle da organização dos desfiles do
Grupo Especial, vimos que os dirigentes das grandes escolas de samba voltaram a apelar
por mais investimento público na produção do carnaval, alegando o aumento crescente dos
99
TCM decide sobre verba. Jornal do Brasil, Rio de Janeiro, 08 mar. 1996. Cidade, p. 20.
100
Novas fraudes no Reveillon. Jornal do Brasil, Rio de Janeiro, 08 fev. 1996. Cidade, p. 20.
71
acertado no contrato celebrado entre a entidade e a Riotur, esta como representante da
Prefeitura da Cidade do Rio de Janeiro. Nos anos seguintes, em nova gestão de César
cultura, e especialmente no caso dos festejos carnavalescos, devido a seu caráter peculiar.
dificilmente teria sido construído por iniciativa exclusivamente privada. Contudo, trata-se
de uma grande estrutura que passou a ser explorada comercialmente por entidades
ressaltando os prejuízos que a prefeitura vinha sofrendo por arcar sozinha com custos de
desfiles. Enquanto isso, a LIESA aumentava sua participação nas receitas do espetáculo.
Não resta dúvida de que o carnaval das escolas de samba é responsável por uma
vasta rede de geração de trabalho e serviços pela atração de turistas, consumo de materiais,
grandiosidade da festa. Por outro lado, o poder da contravenção sobre a LIESA, o comando
dos chefes sobre a direção das agremiações em que exercem o papel de patronos, gera
72
101
responsabilidades do poder público e da LIESA no caso. Uma auditoria da própria
Riotur foi realizada a pedido do Prefeito César Maia, e embora não tenha havido uma
de serviço. A partir de 1987, ficou definido que elas teriam participação nas receitas
No começo, a divisão dos ganhos com o poder público era mais ou menos
102
equilibrada, conforme demonstram quadro no retrospecto elaborado pelo MP. A partir
dos ingressos, 100% da comercialização e 100% dos direitos de transmissão. Nos anos que
privatização em 1995, pois dizia ele que assim o município não mais teria prejuízos... Em
101
CONTI, Luciana; MENEZES, Maiá. Riotur não tem controle sobre a Liesa. O Globo, Rio de Janeiro, 24
fev. 2001, Matutina, Rio, p. 15.
102
AÇÃO Civil Pública (Irregularidades na contratação da LIESA – 1998-2001). Acervo - Ministério
Público do Estado do Rio de Janeiro, 21 dez.2005.
103
Cf.: CARNAVAL: prefeitura tem perda, mas Liga fatura R$ 70 milhões. O Globo, Rio de Janeiro, 13 fev.
2005. Capa; AMORA, Dimmi, RODRIGUES, Elaine. O cofre do samba nas mãos do bicho. O Globo, Rio de
Janeiro, 13 fev. 2005. Rio, p. 16; AMORA, Dimmi, RODRIGUES, Elaine. Escolas são uma fonte de renda
para bicheiros. O Globo, Rio de Janeiro, 14 fev. 2005. Rio, p. 9.
73
104
apontando a relação do carnaval com agentes do crime organizado , o então procurador-
geral Marfan Vieira Lima enviou o pedido de investigação para promotorias de tutela
coletiva que abririam a série de ações civis públicas para análise sistemática dos contratos
indicação como uma atribuição do MP, em lista tríplice a ser apresentada para escolha de
no Rio de Janeiro certamente não teria acontecido se tivesse ficado somente a cargo das
auxiliaram nesse trabalho, além das informações que demonstram o fracasso de iniciativas
sistematicamente no campo do discurso para legitimar o controle exercido por ela sobre o
104
BOJUNGA, Cláudia. CNN diz que desfile de escolas do Rio é ilegal. Jornal do Brasil, Rio de Janeiro, 7
fev. 2005. Cidade, p. A7.
105
Menezes, Maiá. Folia da contravenção na mira. O Globo, Rio de Janeiro, 14 fev. 2005. Rio, p. 2.
106
Cf.: ABREU, Alzira Alves de. O que é o Ministério Público. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2010.
74
e credibilidade atribuído exclusivamente ao trabalho da LIESA para melhora de aspectos
Essa visão teve uma aceitação significativa em setores da imprensa e, de modo mais
forte, no universo das escolas de samba. Além disso, deve-se considerar o poder de
carnaval, além da forma como as negociações com o Estado vinham sendo conduzidas.
dezembro daquele ano, o MP apresentou uma ação referente a carnavais de 1998 a 2001
que foram realizados na gestão do prefeito Conde, recomendando então que ele,
quem elas estão sendo movidas, depois apresentam uma síntese dos fatos abordados,
providências acerca das práticas dos réus e para recuperação de bens públicos.
75
realização do evento, enquanto que a LIESA auferia lucros cada vez maiores. Isto se deu
celebração de contratos lesivos ao município e ainda deixando de zelar pelos termos da Lei
de Licitações nas contratações de serviços feitas pela LIESA com dinheiro público. 107
E o que pareceu mais estranho aos promotores foi uma duplicidade de remuneração
realizada pelo poder público municipal a partir do carnaval de 2000, quando as escolas de
espetáculo temático em razão das celebrações dos 500 anos, só que no ano seguinte o
Anos depois, em janeiro de 2009, o MP apresentou uma segunda ação, esta voltada
especialmente para a manutenção da “contraprestação” entre 2002 e 2006, mas com análise
também de irregularidades que já haviam sido apontadas pelo órgão e, mesmo assim,
Ao todo foram oito ações sobre o carnaval, referentes a contratos celebrados entre
1998 e 2012, sendo que a argumentação jurídica da qualificação dos réus se torna
107
AÇÃO Civil Pública (Irregularidades na contratação da LIESA – 1998-2001). Acervo - Ministério
Público do Estado do Rio de Janeiro, 21 dez.2005.
108
AÇÃO Civil Pública (Irregularidades na contratação da LIESA – 2002-2006). Acervo – Ministério
Público do Estado do Rio de Janeiro, 06 jan.2009.
76
serviços oferecidos pela LIESA ao Município e à Riotur em regime de inexigibilidade de
licitação. As análises dos contratos de 1998 a 2009, ano este em que o então prefeito
Eduardo Paes tentou pela primeira vez processo licitatório, atentam para essa problemática.
autoridades chamam atenção, porém, para que não se faça nada com “dispensa de
licitação” quando há, por menor que seja, viabilidade da realização da concorrência.
caráter dos objetos contratos junto à LIESA. Eles seriam singulares a ponto de somente a
Não resta dúvida de que a realização dos desfiles do Grupo Especial só tem razão
samba e, em boa parte por esse motivo, apreciadas pelo público pagante das arquibancadas
conjunto da organização do carnaval das escolas de samba. Com base nessa colocação,
pode-se identificar o que seriam serviços peculiares e serviços comuns, pestes podendo ser
77
Assim, por exemplo, afigura-se razoável sustentar a inexigibilidade de
licitação, na forma do caput do art. 25 da Lei n° 8.666/93, no que diz respeito à
contratação das Escolas de Samba do Grupo Especial, através de sua
representante, a LIESA. Trata-se, afinal, de uma contratação de caráter
personalíssimo: não existem escolas de samba “equivalentes”, que pudessem
ser contratadas em substituição àquelas. Assim, por exemplo, o interesse
público específico, inerente à promoção da manifestação artística e cultural do
carnaval carioca, não restaria integralmente atendido se o Município
contratasse a “Vai-Vai” ou os “Gaviões da Fiel”, de São Paulo, para desfilar
em substituição à "Mangueira" ou ao “Salgueiro”. O mesmo raciocínio poderia
ser estendido a algumas das tarefas atribuídas contratualmente à LIESA, que —
diante de sua especificidade — poderiam não ser realizadas a contento caso
fosse realizado certame para a seleção de seu executor (p.ex., as tarefas
referentes à fiscalização do cumprimento das regras do desfile, ou ao
julgamento, atribuição e lançamento de notas às escolas que participaram do
desfile). 109
109
AÇÃO Civil Pública (Irregularidades na contratação da LIESA – 1998-2001). Acervo - Ministério
Público do Estado do Rio de Janeiro, 21 dez.2005. p. 19
78
pessoas físicas e jurídicas, dentro de seus respectivos ramos de atividade
econômica. 110
singularidade dos mesmos, e sendo assim poderiam ser realizados pelo próprio Município
Em abril de 2007, a Polícia Federal deflagrou uma imensa operação que prendeu os
tradicional loteria do bicho. Depois da prisão da cúpula do jogo do bicho em 1993, essa
operação foi a que mais chamou atenção da opinião pública porque expôs o alto nível de
influência social e política só fez aumentar nos últimos tempos, segundo revelações feitas
pelos agentes da Polícia Federal. Além da conhecida influência sobre as polícias, agora
maiores no ramo dos caça-níqueis do que na loteria do bicho. O jogo eletrônico passou a
ser explorado pelos chefes das organizações criminosas dentro dos limites territoriais
110
Idem. p.20.
111
Cf. Matérias publicadas entre 14 e 28 de abril de 2007 no jornal O Globo, fazendo a cobertura dos
acontecimentos relacionados à Operação Furacão. Inclusive, ocuparam com destaque o caderno País,
reservado pelos editores para os assuntos da política nacional, o que mostra a repercussão do caso em função
de denúncias do envolvimento de agentes ocupantes de altos postos no Judiciário e também políticos.
79
Entretanto, disputas familiares internas, a exemplo da briga violenta entre os herdeiros de
Castor de Andrade, acabaram sendo motivadas muito pelo interesse na lucratividade mais
expressiva dos caça-níqueis, até porque o costume de apostar no bicho vinha se perdendo
nas novas gerações por questões culturais e pela própria dinâmica da vida urbana.
páginas da Revista Beija-Flor: uma escola de vida. No capítulo referente ao estudo de caso
dessa publicação anual da escola de samba. Por hora, vale registrar que, entre 2002 e 2007,
mais de cinquenta por cento de sua publicidade era constituída de anúncios de casas de
bingo da cidade do Rio (Centro, Copacabana, Botafogo, Barra da Tijuca), região serrana
112
Cf. página de publicidade. Revista Beija-Flor: uma escola de vida. 2004. p.53.
80
Imagem 2. Publicidade do Bingo Serra. 113
113
Cf. página de publicidade. Revista Beija-Flor: uma escola de vida. 2005. p.10.
114
Cf. página de publicidade. Revista Beija-Flor: uma escola de vida. 2005. p.65.
81
Imagem 4. Publicidade do CONRAD. 115
115
Cf. página de publicidade. Revista Beija-Flor: uma escola de vida. 2007. p.35.
116
Cf. página de publicidade. Revista Beija-Flor: uma escola de vida. 2005. p.49.
82
Como as áreas dos referidos bingos não fazem parte dos conhecidos domínios de
Anísio Abraão na Baixada, à exceção do Bingo Serra, fica difícil por hora esclarecer a
acordo com outro chefe da contravenção, ou se ele nada tem a ver, tratando-se de simples
sobre suas conexões internacionais além de especulações. De toda forma, fica evidente
como que o ramo dos jogos, na concepção de entretenimento, aparece associado por
carnaval das escolas de samba. Isso evidencia a visão da cúpula da contravenção que
diversões na cidade, junto à praia e outros atrativos que são pontos turísticos. Por outro
lado, a mensagem transmitida através das imagens publicitárias se volta para o turismo
teve alguns anúncios. Conhecidos por uma antiga relação com o contrabando, os chefes da
83
que comprovem que a Garra tenha sido uma delas – por necessidade do ramo dos caça-
níqueis, algo que tem associação com fornecedores chineses. As investigações da Polícia
que poderiam ser aplicados em áreas urgentes da administração pública. Além disso, eles
ressaltavam o apoio dado pela própria Associação a projetos culturais e esportivos, como
117
Cf. página de publicidade. Revista Beija-Flor: uma escola de vida. 2003. p.51.
84
Imagem 7. Anúncio da Associação dos Bingos. 118
investigações, inclusive com a proposição de vereadores a abertura de uma CPI com foco
na referida suspeita e também para apurar outras possíveis irregularidades no carnaval. 120
compra de sentenças, Júlio Sobreira era então a pessoa encarregada pela presidência da
LIESA para escolha do corpo de jurados dos desfiles do Grupo Especial. Sobrinho de
118
Cf. página de publicidade. Revista Beija-Flor: uma escola de vida. 2002. p.35.
119
ENGELBRECHT, Daniel e ANTUNES, Elisabete. Resultado do carnaval deste ano sob suspeita. O
Globo, Rio de Janeiro, 16 abr. 2007, Rio, p. 12.
120
VERDE, Ricardo Villa. A CPI do Carnaval será aprovada hoje na Câmara. O Dia, Rio de Janeiro, 19 abr.
2007.
85
Capitão Guimarães, Sobreira é uma figura representativa das relações pessoais de poder
LIESA é algo absolutamente questionável, até porque a distribuição das receitas geradas
criação da CPI, não se confirmou. Foram elaboradas propostas para dar transparência á
terreno fértil para investimentos políticos, e por isso não foi à toa que durante os
direto na produção dos desfiles das escolas de samba. 125 Havia na política carioca ferrenha
disputa entre o prefeito César Maia e a família Garotinho. Como César Maia investia desde
121
COODENADOR dos jurados escondia a fortuna. O Globo, Rio de Janeiro, 17 abr. 2007, Rio, p. 10.
122
RELATÓRIO Final da Comissão Parlamentar de Inquérito do Carnaval (CPI do Carnaval, 2007). Acervo
- Câmara Municipal do Rio de Janeiro, 2008.
123
Cf. CPI do Carnaval: Câmara recebe relatório da PF. O Globo, Rio de Janeiro, 12 jun. 2007. Rio, p. 18;
OTAVIO, Chico. CPI pede auditoria no contrato do Carnaval. O Globo, Rio de Janeiro, 14 jun. 2007. Rio, p.
17.
124
Cf. DEPUTADO propõe fim de verba para escola de samba. O Dia, Rio de Janeiro, 19 abr. 2007;
OTAVIO, Chico, JUPIARA, Aloy. MP questiona contratos da prefeitura com a Liesa. O Globo, Rio de
Janeiro, 10 jun. 2007. Rio, p. 23.
125
Cf. ROSINHA cai no samba. O Dia, Rio de Janeiro, 16 fev. 2006; CONFETE: Escolas ganham R$ 4
milhões do estado. O Dia, Rio de Janeiro, 22 fev. 2006.
86
meados da década de 1990 na sua aproximação com os dirigentes de escolas de samba a
fim de construir uma imagem ligada ao carnaval, essa entrada em cena da família
Garotinho logicamente não foi bem vista pelo prefeito. Mesmo porque a administração do
A LIESA, por sua vez, só teve a ganhar com essa concorrência, e no carnaval de
2007 contou novamente com recursos estaduais e municipais. Contudo, foi no carnaval de
126
2008 que os recursos públicos jorraram de todas as esferas de governo. A aliança entre
César Maia na capital e, sendo assim, o carnaval se tornou um palco da disputa político-
petroquímicas, entre elas a Petrobrás, e isto gerou reação de Maia a ponto de ameaçar
Em 2009, 2010, 2011, 2012 e 2015, a Revista Beija-Flor lucrou com publicidade da
Petrobrás em anúncios de duas páginas interiras com pequenas frases e muito bem
do carnaval das escolas de samba. Esse é um assunto específico que merece pesquisa mais
como patrimônio cultural imaterial. Nunca houve diretamente patrocínio de enredo feito
recentemente com recursos investidos pela empresa. Apesar disso, sabe-se que essa forma
126
JUNQUEIRA, Alfredo. Liesa vai levar R$ 12 milhões. O Dia, Rio de Janeiro, 9 dez. 2007.
127
AUTRAN, Paula. Patrocínio federal à Liesa causa polêmica. O Globo, Rio de Janeiro, 18 dez. 2007. Rio,
p. 24.
87
de custeio de determinadas atividades realizadas pela agremiação acabam indiretamente
favorecendo a produção do desfile, já que ela fica melhor para arcar com tais despesas.
Banco do Brasil foi outra empresa pública de peso que teve anúncios pagos nas
páginas da referida revista. Mas tendo sido a Petrobrás patrocinadora oficial do carnaval,
os detalhes de uma imagem publicitária selecionada, entre outras das páginas da revista.
128
Cf. página de publicidade. Revista Beija-Flor: uma escola de vida. 2012. p.5.
88
Sobressai o verde e o amarelo das letras e do fundo da página, reforçando a
mensagem que justifica o patrocínio da Petrobrás pelo fato do samba carioca ser
considerado patrimônio cultural do país. Em 2012, ano desta edição da revista, a empresa
são citadas: Portela, Vila Isabel, Rocinha e Salgueiro. Essa visão administrativa da
empresa era condizente com os governos do Partido dos Trabalhadores, para os quais a
grandes empresas públicas deveriam realizar investimento fora de suas atividades fins de
investimentos tão expressivos para escolas de samba, sendo que poucos anos atrás os
chefes da contravenção haviam sido presos na Operação Furacão. Junto com isso, os
carnaval, o MP apresentaria duas novas ações em junho de 2009. A primeira com análise
dos contratos de 2007 e 2008, observando que nesse último ano aconteceu novamente um
espetáculo temático por ocasião dos 200 anos da instalação da Corte portuguesa no Rio de
baseados abordando temas relacionados a esse contexto histórico, e dessa forma justificou
129
a chamada “contraprestação” no contrato de 2008. A segunda ação analisou apenas o
129
AÇÃO Civil Pública (Irregularidades na contratação da LIESA – 2007-2008). Acervo - Ministério
Público do Estado do Rio de Janeiro, 2 jun.2009.
89
contrato de 2009, mas na mesma linha, sinalizando o esforço do MP para analisar o
cumprimento dos termos contratuais ainda no mesmo ano da realização do carnaval. 130
e Luiz Paulo Conde, além de presidentes e diretores da Riotur nomeados durante seus
públicos para reparação de erros cometidos, digamos assim, e adoção de medidas mais
públicos para celebração de novos contratos. Tanto que o primeiro contrato de carnaval
No entanto, serviços básicos podem ser contratos de outros prestadores mediante licitação.
Para o carnaval de 2010, a medida adotada pelo poder público municipal foi
recebida com apreensão pelas escolas de samba do Grupo Especial. Seus dirigentes
130
AÇÃO Civil Pública (Irregularidades na contratação da LIESA – 2009). Acervo - Ministério Público do
Estado do Rio de Janeiro, 22 jan.2009.
131
Cf. JUPIARA, Aloy, OTAVIO, Chico. Licitação do carnaval. O Globo, Rio de Janeiro, 1 mar. 2009. Rio,
p. 17; MAGALHÃES, Luiz Ernesto. Carnaval de 2010 vai ter licitação e novas regras para organização. O
Globo, Rio de Janeiro, 26 ago. 2009. Rio, p. 15.
90
passaram a dar declarações públicas levantando a possibilidade da não realização dos
acabaram inviabilizando o processo naquele ano e a Riotur teve que contratar a LIESA. E
Em janeiro de 2012, uma quinta ação apresentada pelo MP chamava atenção para
empresas e prestação de contas do uso de dinheiro público municipal por parte das
Logo no mês de fevereiro do mesmo ano, uma sexta ação, tendo fundamentação
tempo após a Operação Furacão e a CPI do Carnaval, a imprensa tinha denunciava a rede
132
Cf. CARNAVAL tem que ser da prefeitura. O Dia, Rio de Janeiro, 2 mar. 2009. Informa do Dia, p. 4;
PINHEIRO, Amanda, AZEVEDO, Raphael. Escolas ameaçam não desfilar ano que vem. O Dia, Rio de
Janeiro, p. 2, 26 ago. 2009; AZEVEDO, Raphael. Liesa: chance de boicote é realidade. O Dia, Rio de
Janeiro, p. 6, 27 ago. 2008; NASCIMENTO, Christina. Desfile terá auditoria no julgamento. O Dia, Rio de
Janeiro, p. 10 29 ago. 2009; REUNIÃO na Liga para discutir novidade. O Dia, Rio de Janeiro, p. 3, 26 ago.
2009.
133
Cf. SUSPENSA licitação do Carnaval de 2010. O Dia, Rio de Janeiro. 8 out. 2009, p.7; BASTOS,
Isabela, COSTA, Jacqueline. Prefeitura cancela licitação para carnaval de 2010. O Globo, Rio de Janeiro, 8
out. 2009. Rio, p. 17.
134
AÇÃO Civil Pública (Irregularidades na contratação da LIESA – 2010). Acervo - Ministério Público do
Estado do Rio de Janeiro, 26 jan.2012.
135
AÇÃO Civil Pública (Irregularidades na contratação da LIESA – 2011). Acervo - Ministério Público do
Estado do Rio de Janeiro, 14 fev.2012.
91
defesa dos interesses das organizações ligadas à exploração de jogos. Salles era justamente
Duas últimas ações que estão disponíveis para consulta pública envolveram
de 2012, abriu-se uma investigação sobre contratação de empresas para o Projeto Bailes do
da Devassa, patrocinado pela cervejaria detentora da marca. A questão era sobre a razão do
a uma empresa privada. Essa ação não teve relação direta com os contratos de carnaval e,
com participação das escolas de samba foram questionados numa ação que apontava o
Estariam usando uma parcela no custeio dos preparativos das apresentações do réveillon e
prestação de contas após a utilização dos recursos constituiu por si só um problema sério, e
talvez seja até uma estratégia usada para dificultar a destinação dos recursos. 137
produzida por órgãos públicos responsáveis pela fiscalização dos contratos anuais de
Contudo, é preciso ter cuidado com a perspectiva dos promotores do MP para que não
136
Cf. AMORA, Dimmi. Bicho mantém seus tentáculos sobre carnaval. O Globo, Rio de Janeiro, 3 fev.
2008. Rio, p. 13; AMORA, Dimmi. A serviço de Anísio. O Globo, Rio de Janeiro, 8 fev. 2008. Rio, p. 12.
137
AÇÃO Civil Pública (Irregularidades na contratação da LIESA – 2012). Acervo - Ministério Público do
Estado do Rio de Janeiro, 22 jan.2013.
92
formalmente à Prefeitura, como se a história da festa fosse algo descolada dos contextos
político e carnavalesco, onde impera uma difícil separação de limites entre o lícito e o
ilícito, entre o legítimo e o ilegítimo, ou como dizem alguns, entre a ordem e a desordem.
93
CAPÍTULO 2
Instabilidade da patronagem e alternativas de financiamento dos desfiles
94
A prisão da cúpula da contravenção no Rio de Janeiro
Na terceira parte do capítulo anterior foi analisado o movimento dos presidentes das
legal que viabiliza o alcance de uma série de interesses mediante pressão sobre o poder
público, tanto pelo enfrentamento aberto quanto pela adoção de estratégias de negociação
em que a cúpula do bicho conta com sua vasta rede clandestina de influência.
estabilidade que vinha sendo construído pela contravenção. Essa mudança tem relação com
o retorno de Leonel Brizola ao governo do estado em 1991, apesar do governo não ter
particularidades do poder indicam que o processo foi um pouco mais complexo e tem uma
própria base política do governo. Portanto, Biscaia precisou lidar com a falta de prioridade
públicos para impunidade dos crimes ligados aos negócios da cúpula do bicho. 138
nomeação do Procurador Geral do Estado ficou assegurada através de eleição interna dos
agentes do Ministério Público. Mesmo que a escolha final devesse ficar sob a vontade do
138
AULER, Marcelo. Biscaia. Rio de Janeiro: Cassará Editora, 2012. p.93-98.
95
situação instável da condição de mais um secretário que pudesse ser substituído pelo chefe
do Executivo ao sabor das circunstâncias políticas. Por conta disso, a chegada de Biscaia
pela segunda vez ao cargo, com ampla autonomia, foi decisiva para a condução das
crime tipificado como formação de bando ou quadrilha armada. Com base nisso, a juíza
Denise Frossard proferiu a sentença que levou a cúpula do Rio à prisão em maio de 1993.
140
O tempo de reclusão ficou em torno de quatro anos, alguns deles foram beneficiados
por indultos presidenciais e acabaram saindo das grades um pouco antes desse tempo.
banqueiros e, por outro lado, incomodava parte da sociedade. Havia o entendimento de que
Brizola pessoalmente não compactuava com o crime organizado. Todavia, Biscaia relata
como foi procurado durante o curso do processo pelo então presidente da ALERJ,
141
deputado José Leite Nader (PDT), o qual tentou interceder pelos interesses da cúpula.
Isto revela o nível de influência da rede de proteção política a serviço da cúpula do bicho.
constitui o principal assunto de análise neste segundo capítulo da tese. Era dúvida se os
139
Idem, p. 101.
140
CHEFÕES do bicho condenados a 6 anos. O Globo, Rio de Janeiro, 22 mai. 1993, Matutina, Rio, p. 14.
141
Ibid., p. 112.
96
Logo depois de proferida a sentença da juíza Denise Frossard, o chefão Castor de
Andrade anunciou que ele e seu filho Paulinho Andrade estariam se afastando da direção
da escola de samba da zona oeste, Paulinho do Ouro, Castor teria pensado de início que a
ameaça de afastamento dos patronos despertaria algum movimento de pessoas mais ligadas
ao universo das escolas apontando que eles seriam indispensáveis para as agremiações. 142
de atuar como patronos nas suas respectivas agremiações. Capitão Guimarães se afastou da
Vila Isabel logo depois da prisão, assim como José Petrus, o Zinho, deixou a Estácio de Sá.
que a prisão tenha influenciado Maracanã a passar o comando da Portela para Luís Carlos
Scafura, filho de José Carlos Scafura, o “Piruinha”. Luís Carlos participava da Portela há
dez anos como presidente de ala comercial, enquanto que seu pai dava suporte financeiro
ao Império Serrano. O filho de Piruinha assumiu a escola para o carnaval de 1995, e até
Outros continuaram afinados com suas escolas de samba, mesmo atrás das grades, e
matérias ironizando o que seria uma “romaria” de visitantes a presídios do Rio de Janeiro.
142
OURO, Paulinho do. Entrevista concedida ao autor em: 11 Set. 2013.
143
BOTTARI, Bottari e MOTTA, Aydano A. Carnaval 94 é planejado atrás das grades. O Globo, Rio de
Janeiro, 16 jan. 1994, Matutina, Rio, p. 23.
144
SEARA, Berenice. Novo bicheiro revoluciona a Portela. O Globo, Rio de Janeiro, 8 fev. 1995, Matutina,
Rio, p. 15.
97
repasses correspondentes ao direito de participação de cada escola de samba nas receitas
do desfile. Os artistas explicavam que receber o montante muito próximo do carnaval era
um problema, porque as compras dos materiais necessários para a montagem das alegorias
acabavam sendo feitas num momento de alta dos preços e possível escassez de produtos.
Sem falar do risco delas não serem concluídas a tempo. A mão de obra também seria mais
cara perto demais do carnaval. O aporte financeiro dos banqueiros do jogo do bicho
conseguiam recuperar, através dos recursos repassados pela LIESA, aquilo que investiam
como empréstimo. Enfim, a prisão dos chefes da contravenção não teria impedido que
continuassem atuando como “produtores executivos” do carnaval das escolas de samba. 145
Ainda de acordo com a matéria, o maior sinal de que a forte influência dos
Leopoldinense e na Beija-Flor. Por exemplo, no caso das duas últimas escolas, frases de
saudação aos patronos foram gravadas na introdução dos sambas de enredo para 1994.
“Luís Pacheco Drumond, a força da sua presença está muito mais viva, dentro de
“Alô Anísio, quem te conhece sabe quem você é. A família Beija-Flor te ama”.
Faixas e cartazes contendo essas frases foram espalhadas por quadras e barracões, e
com isso gerada toda uma expectativa de que homenagens aos patronos seriam prestadas
em grande estilo no momento dos desfiles. Contudo, uma convocação feita pelo Ministério
145
BOTTARI, Bottari e MOTTA, Aydano A. Op. cit.
98
Público do Estado do Rio de Janeiro aos intérpretes serviu para orientar que eles
O presidente da Estácio de Sá, Acyr Pereira Alves, também foi obrigado a prestar
desagravo ao banqueiro do bicho benemérito da escola, Zinho, e seus pares da cúpula. 146
enredo, pois sempre fez parte das ruas daquele centro comercial a existência de casas
estiveram cumprindo pena em regime fechado. Mas no final desse último ano alguns deles
conseguiram a liberdade condicional. Foi o caso de Anísio, por exemplo, que logo voltou a
146
PROCURADORIA vai a barracão de escola. O Globo, Rio de Janeiro, 2 fev. 1994, Matutina, Rio, p. 15.
99
despachar assuntos do carnaval no barracão da Beija-Flor. Paulinho Andrade retornou para
sua Mocidade de Padre Miguel, e logo depois do carnaval de 1995 houve o anúncio de que
Castor teria decidido reassumir a condição de patrono, sensibilizado pelo desfile da escola
com o enredo era Padre Miguel, olhai por nós!, que ele assistiu pela televisão. Outros
chefes da contravenção só conseguiram sair da prisão no final do ano de 1996, como foram
A maior parte deles procurou ficar distante dos holofotes após a saída, apenas
imprensa tratar o episódio como símbolo da volta dos bicheiros ao centro do espetáculo.148
Suspeito que tenha sido um sinal da intenção de Luizinho encabeçar a formação de uma
chapa para a eleição para presidência da LIESA que ocorreria no mês de abril daquele ano.
147
MOTTA, Aydano André. Volta dos ‘banqueiros’ de bicho ao carnaval agora é sem disfarces. O Globo,
Rio de Janeiro, 15 jan. 1997, Matutina, Rio, p. 12.
148
FAGUNDES, Renato. Os reis da Sapucaí. Jornal do Brasil, Rio de Janeiro, 11 fev. 1997, Caderno B, p.
14.
100
O financiamento dos desfiles através da comercialização dos enredos
comercialização dos enredos, advém até certo ponto de uma redefinição dos próprios
saiba que a LIESA também funcione a partir de uma estrutura empresarial formal – para a
do financiamento dos desfiles, todavia, era uma ação bem mais complexa. Não estava
ausente do horizonte do carnaval, mas também constituía uma tendência das agremiações.
cronista Rachel Valença observa como o Império Serrano conseguiu de forma muito
espontânea apoio de uma cervejaria para o desfile de 1985, com o enredo Samba, suor e
cerveja, o combustível da ilusão, concebido por Renato Lage e Lílian Rabelo. Valença,
historiadora e sambista de sua escola de coração desde a década de 1970, relata o seguinte:
Fernando Pamplona já declarara no ano anterior que aquele era o último enredo
que sugeriria ao Império Serrano. Renato Lage também revelava o desejo de
desenvolver um enredo seu. A ideia do enredo de 1985 surgiu num bar. Tudo a
ver: falaria de cerveja. Observando grupos de pessoas nas mesas próximas a
sua, o carnavalesco atentou para todos os rituais que os apreciadores da bebida
seguiam e o quanto ela representava na vida das pessoas. Fez disso um enredo:
Samba, suor e cerveja, combustível da ilusão. Pela primeira vez, sua mulher à
época, Lilian Rabelo, assinaria o carnaval com ele. E este acabou sendo o
primeiro enredo patrocinado da história do carnaval, só que não nos moldes
101
dos patrocínios atuais, sob demanda. O próprio Renato, em entrevista ao jornal
O Globo, em 1º de março de 2009, esclarece: ‘Eu tinha um enredo sobre
cerveja, então fui à Brahma. Entrei às 9 horas e saí às 18, de porre. Eles me
mostraram todo o processo de fazer cerveja. Ter um enredo e ir buscar
patrocínio é diferente’. 149
O também imperiano Luiz Antonio Simas, historiador, e cronista dos desfiles nos
últimos anos, avalia que a própria cúpula do bicho a partir da criação da LIESA resistiu
durante bom tempo que estratégias desse tipo fossem implantadas no conjunto das escolas
de samba. Segundo Simas, isto se justificaria pelo receio dos chefes da contravenção à
fazer investimento num mercado que não opera somente segundo a lógica do lucro
Talvez tenha sido essa uma das razões que levaram o empresário Maurício Mattos a
Acadêmicos da Rocinha como projeto autorizado pelo Ministério da Cultura com recurso
dos instrumentos da Lei Rouanet, nossa atual lei federal de incentivo à cultura.
direção da escola apontavam a colaboração das outras empresas com a doação de materiais
para a montagem das alegorias (ferragem e tintas), no caso a Brascan e a Ipiranga. 151
oficialmente todo um projeto de desfile, é difícil estabelecer parceria com o setor privado
149
VALENÇA, Rachel e VALENÇA, Suetônio. Serra, Serrinha, Serrano: o império do samba. 1ª ed. Rio de
Janeiro: Record, 2017. p. 256.
150
SIMAS, Luiz Antonio. Entrevista concedida ao autor em: 17 Dez. 2016.
151
EMPRESAS patrocinam carnaval da Rocinha. Jornal do Brasil. 10 fev.1994, Cidade, p.15.
102
para mais de um desfile de carnaval, mesmo porque acontece naturalmente renovação dos
enredos a cada ano, e que se dirá de projetos fora desse objetivo midiático. No entanto,
Maurício Mattos estabeleceu parceria com a Nestlé por dois carnavais. No desfile de 1994,
com o enredo Humor para dar e vender, o acordo de patrocínio obrigou a escola a colocar
A transmissão do desfile pela antiga emissora CNT focalizou bem esse detalhe, e
isso merece apreciação nesta análise visto que a interação da televisão com as escolas de
samba gerou nas últimas décadas a necessidade de adotarem performance e estética que
Rocinha, desfile do antigo Grupo 1, exibido pela emissora CNT no dia 12/02/1994.
O modelo de financiamento usado pela Rocinha só não teve mais influência porque
a escola não conquistou o título naquele ano – ela ficou em terceiro lugar – e também
que o Grupo Especial. E sem falar que a própria estratégia de divulgação da marca do
103
produto em questão, envolvendo o suporte material do carro alegórico, não ficou atraente
Não foi à toa que o regulamento do grupo de acesso ao Especial no ano seguinte
Caldo Maggi ficou restrita aos instrumentos dos ritmistas da bateria, embora durante os
exato em que se pode identificar o adesivo “Maggi” sobre um surdo da bateria da Rocinha.
152
BEAUREPAIRE, Lucila de. Grupo de Acesso abre alas para o ‘merchandising’. O Globo, Rio de Janeiro,
14 fev. 1995.
104
É interessante registrar aqui um comentário irônico de Fernando Pamplona, um
crítico do fenômeno dos enredos patrocinados, após ter se dado conta uso abundante de
plumas nas fantasias da Rocinha, graças ao aporte financeiro recebido pela escola.
É uma plumada danada! Eu tenho a impressão, que, como tem uma “galinha”
aí patrocinando esse desfile, pode ser que tenha sobrado pena e castigaram em
cima da bateria, em cima do mestre-sala, em cima das baianas... Nós vamos ter
pena até o fim do caminho. Valeu o patrocínio!153
O mecanismo oficial utilizado pela Rocinha para captação de recursos não foi o
mesmo adotado por agremiações do Especial que logo depois saíram em busca de fontes de
financiamento alternativas ao jogo do bicho. A Escola de Samba Estácio de Sá, que nessa
época participava do Grupo Especial, elaborou um projeto de enredo sobre o SAARA para
carnaval em 1994, pois ele havia ficado um ano afastado por decisão pessoal tomada logo
estado do Mato Grosso. Isto se confirmou com pequeno aporte, segundo o pesquisador
Fábio Gomes em seu livro O Brasil é um luxo: trinta carnavais de Joãosinho Trinta. Para
o autor, seria da parte do carnavalesco uma antevisão da fase dos enredos patrocinados. 154
enredo de 1995 da Imperatriz Leopoldinense, Mais vale um jegue que me carregue do que
153
PAMPLONA, Fernando. Comentário durante a transmissão do desfile da Escola de Samba Acadêmicos
da Rocinha, do Grupo 1, exibido pela TV Manchete em 12 de fevereiro de 1994.
154
GOMES, F. O Brasil é um luxo: trinta carnavais de Joãosinho Trinta / por Fábio Gomes, Stella Villares.
São Paulo: CBPC – Centro Brasileiro de Produção Cultural: Axis Produções e Comunicação, 2008. p.235.
105
comercialização de enredos. Isto se justifica pelo apoio financeiro à escola através da
captação articulada pelo então governador Tasso Jereissati (PSDB) junto a empresários do
seu estado, o que teve grande consagração pela conquista do carnaval pela Imperatriz.
idealizado sem o interesse prévio de usar o tema para obter patrocínio. Essa possibilidade
acabou sendo vislumbrada depois, pela diretoria, que apresentou a Jereissati proposta de
155
trabalhar a promoção do Ceará na Passarela do Samba. Em entrevista do Jornal do
Brasil, realizada meses depois do carnaval de 1995, Rosa ressaltava ainda o fato da
confirmação do aporte ter acontecido bem próximo ao carnaval, depois que político já
havia tomado posse do cargo, e muito provavelmente interessado na sua promoção. 156
transmissão da TV Globo, em certo momento passou pela Avenida coberto com a bandeira
da escola. Como o patrono Luizinho Drummond ainda estava preso, o político contou até
uma verdadeira exaltação do jegue, animal bem adaptado à região nordeste do Brasil e
símbolo da luta do povo pela sobrevivência. 157 O enredo trabalhava inteligentemente com
155
JUPIARA, Aloy. Atrás do patrocínio, e em ritmo de samba. O Globo, Rio de Janeiro, 29 jan. 1995,
Matutina, Rio, p. 34.
156
BARREIROS, Edmundo. A outra face da carnavalesca. Jornal do Brasil, Rio de Janeiro, 8 set. 1995,
Caderno B, p. 6.
157
IMPERATRIZ LEOPOLDINENSE. SINOPSE 1995. Cf. Academia do Samba – O maior Portal do
carnaval brasileiro. http://academiadosamba.com.br/passarela/imperatrizleopoldinense/index.htm Acesso a 6
fev. 2017 às 11:00.
106
a ideia de que soluções “caseiras” podem ser muito mais úteis para os problemas
brasileiros.
Vale citar a letra do samba, síntese perfeita daquele enredo, para mostra que não
contém traços de apelos turísticos grosseiros que passariam a ser comuns anos depois.
Ecoam pelo ar
Estórias de tesouros escondidos
Sou poeta da canção
E embarco nesse sonho encantado
Vou com destino ao Ceará
Em busca de um novo eldorado
107
esmeralda do Atlântico, sobre a ilha de Fernando de Noronha, mas não conseguiu receber
empresa de relógios para desenvolver O tempo não para, e também não obteve sucesso. 158
Situação pior se deu com a Estácio de Sá, que trocou um projeto sobre história da
de uma promessa de apoio feita pelo então presidente do Clube, Cléber Leite. O dinheiro
Ou seja, escolha do tema feita sem a intenção calculada de atrair investidores interessados
outras escolas de samba apostassem na escolha de enredos dessa linha de homenagens logo
no carnaval seguinte, entendo que isso fosse receita garantida para obtenção de patrocínios.
A Mangueira, por exemplo, confiou que o Governo de Roseana Sarney confirmaria uma
promessa de patrocínio, mas isso não aconteceu conforme planejado e a escola de samba
Fernando Horta, presidente da Unidos da Tijuca, apostou num projeto que se tornou mal
sucedido, pelas mesmas razões da Mangueira, só que no caso a promessa lhe foi feita pelo
governo de Alagoas, cuja Secretária de Cultura na época era Thereza Collor. 160
158
JUPIARA, Aloy. op. cit.
159
Um relato mais detalhado das consequências dos problemas enfrentados pela diretoria da Estácio de Sá
com a busca de patrocinadores nos carnavais de 1994, 1995 e 1996 é feito nas crônicas de autoria do
jornalista Fábio Torres, o Fabato, publicadas no segundo volume da série de livros Família da Colia, que
reúne textos de diversos autores sobre várias escolas e teve coordenação do próprio jornalista. Cf. “S. O. S. S.
A. A. R. A.”, “Urubu e queda no Teleporto: o abrigo no peito do traidor”. In: FABATO, Fábio; FARIAS,
Júlio César; SIMAS, Luiz Antonio; CAMÕES, Marcelo; NATAL, Vinícius. As titias da folia: o brilho
maduro de escolas de samba de alta idade. Rio de Janeiro: Nova Terra, 2014.
160
MANGUEIRA aguarda dinheiro prometido. Jornal do Brasil, Rio de Janeiro, 16 jan. 1996, Cidade, p. 14.
108
Existem indícios de que alguns enredos desenvolvidos na forma de homenagens a
fora do Rio de Janeiro. O primeiro caso noticiado na imprensa levantando esse tipo de
dos que não foram lá no Guaporé. O patrono da Grande Rio é o banqueiro do jogo do
bicho Jaider Soares, que não foi preso junto com a cúpula em 1993, talvez porque não
tivesse tanta projeção na época para figurar entre os principais chefes da contravenção.
então governador de Rondônia, Valdir Raupp, decidiu promover uma cerimônia em boate
de samba de Duque de Caxias, área de sua influência como banqueiro do bicho. À época, o
de autoridades nesse tipo de homenagem, embora fosse favorável à legalização do jogo. 161
como proprietário de pontos do jogo do bicho em outros estados, pelo menos desde 1992.
Pará. Teria sido ele o primeiro contraventor a ultrapassar os limites do estado do Rio de
Janeiro para operar seus negócios ilícitos. A matéria ainda apontava que, em 1992,
Luizinho seria dono de casas noturnas em Belém e Fortaleza, onde explorava um cassino.
Em Manaus, o banqueiro carioca seria apenas sócio numa casa de jogo clandestino. 162
161
MELO, Murilo Fiúza de. Bicheiros na mira. Jornal do Brasil, Rio de Janeiro, 3 fev. 1997, Cidade, p. 16.
162
MELO, Murilo Fiúza de. ‘Nunca deixei a Imperatriz’. Jornal do Brasil, Rio de Janeiro, 4 fev. 1997,
Cidade, p. 18.
109
caruanas nas águas do Patu Anu, que contou com apoio financeiro captado de empresários
163
locais por intermédio do governador do estado. Nos três anos seguintes, a Imperatriz
de 2001, foi produzido com base num projeto de enredo sobre cana-de-açúcar, na forma de
esquema de financiamento em questão já tinha levado onze de quatorze escolas que iriam
patrocínio. O grande problema foi que, bem próximo ao carnaval, a maior parte delas não
Em 2000, por ocasião das celebrações dos 500 anos do Descobrimento, todas as
Rio para desenvolverem temas ligados à história do Brasil e assim receberem patrocínio.
Logicamente, foi ótimo para diretores de agremiações na busca obsessiva por recursos.
A pessoa que se destacou mais nesse papel de mediador foi o falecido antropólogo
Sérgio Murilo, que costumava ser apresentado na imprensa como um indivíduo de sólida
formação acadêmica, fluente em vários idiomas, e muito bem articulado com políticos e
163
Esse enredo marca uma nova fase na história da escola de samba, e que perdura até os dias de hoje.
164
MOTTA, Aydano A. e HELENA, Letícia. O samba corre a sacolinha. O Globo, Rio de Janeiro, 10 jan.
1999, Matutina, Rio, p. 14.
110
para a atividade realizada por Murilo e outros agentes menos conhecidos, falavam em
como “captador” para produção cultural dos desfiles, e ainda reivindicava para si a criação
dessa função que afirmava ser fundamental à adaptação das agremiações carnavalescas ao
publicou importante matéria sobre Murilo em maio de 2001. O jornalista era um dos que
enfrentadas pelos banqueiros de bicho para apoiar as escolas. Apontava ainda o aspecto do
papel desses agentes para o elo necessário aos acordos de patrocínio que preservavam
carnaval tem ligação com a necessidade de economia das próprias organizações do jogo do
bicho, e eu diria que também com o quadro de instabilidade após a prisão dos principais
chefes das pelo crime de formação de quadrilha em 1993. A concorrência gerada por
outros tipos de jogos, como aponta o jornalista, também deve ter complicado a vida dos
165
MOTTA, Aydano A. Alugam-se carnavais. O Globo, Rio de Janeiro, 29 mai. 2001, Matutina, Rio, p. 16.
111
contraventores. Seria exagerado apenas falar em “decadência financeira” dos banqueiros
naquela época, até porque já estavam explorando o ramo das máquinas de videopôquer.
considerada com atenção. É certo que muitos governantes e empresários evitam qualquer
tipo de relação com instituições controladas por contraventores, mas obviamente não são
todos que agem dessa forma. Tanto é que depois de 2002 houve uma multiplicação de
parcerias das agremiações comandadas por banqueiros do bicho com mega empresas.
acordos realizados por intermédio do trabalho de Murilo. Vejamos a seguir que são
completo de cada enredo, com identificação de sua respectiva agremiação, pois isso
permite ter ideia da extensão nacional da rede de contatos políticos articulada por Murilo.
1999. Unidos de Vila Isabel. Presidente administrativo: Olício Alvez dos Santos.
112
Observação: Só o título era sugestivo da abordagem que Rosa Magalhães daria ao
seria baseado na atuação de prefeito ou governador junto a empresários locais para que
dessem apoiassem através de lei de incentivo à cultura. Pelo trabalho, Murilo ficaria com
uma comissão de 20% do valor do contrato celebrado entre as partes envolvidas no projeto.
vista do baixo investimento que tenderia a gerar ganhos extraordinários em espaços mídia
por Murilo, é caso emblemático para se pensar a influência desse tipo de esquema sobre o
do jornalista Aydano Motta, o projeto sobre Campos teria sido apresentando primeiramente
ao patrono do Salgueiro, o falecido Waldomiro Garcia, conhecido como Miro. Por falta de
um acordo que fosse satisfatório para o captador, ele então decidiu levar a proposta para
113
Luizinho Drummond, patrono da Imperatriz, que fechou um acordo sem consultar a
Anthony Garotinho, pelo fato de ser originário de Campos e ter no município fluminense
uma forte base eleitoral. A direção da Imperatriz contestou essa versão, explicando que a
concepção do enredo pela carnavalesca Rosa não teria conotação “política”. De fato, ela
teve liberdade na concepção do enredo, apesar de não ter participado da escolha do tema, e
por isso ter reclamado publicamente da atitude da direção da escola ao lhe submeter a uma
espécie de encomenda. 166 Em razão das discussões, a expectativa para o desfile só cresceu.
Rosa decidiu fazer um enredo sobre antropofagia que começava com a história dos
índios Goitacá, a partir das referências de Hans Staden, e que seguia trabalhando o
cobrar pelo cumprimento de termos do contrato de patrocínio que obrigava a escola a fazer
referência ao município inclusive na letra da música. Como saída para esse primeiro
embate, a diretoria da escola teria prometido que na parte visual do desfile essas exigências
Aloysio Balbi, publicada no jornal O Globo logo depois do desfile, e que trazia ainda
A prefeitura de Campos, que pagou R$ 1,8 milhão para que a cidade fosse
homenageada pela Imperatriz Leopoldinense, está com seus advogados
vasculhando o contrato de parceria para processar a escola carioca e reaver
166
FERNANDES, Vagner. De professor a corretor da folia. Jornal do Brasil, Rio de Janeiro, 1 jul. 2001,
Cidade, p. 26.
167
IMPERATRIZ LEOPOLDINENSE. SINOPSE 2002. Cf. Academia do Samba – O maior Portal do
carnaval brasileiro. http://academiadosamba.com.br/passarela/imperatrizleopoldinense/index.htm Acesso a 6
fev. 2017 às 15:45.
114
o dinheiro. Ontem o prefeito de Campos, Arnaldo Vianna, que desfilou na
Comissão de Frente da escola na segunda-feira, mostrando-se satisfeito ao
término do desfile, confirmou que determinou ao procurador-geral do município,
Helson Oliveira, um exame do contrato para saber se as cláusulas determinadas
foram cumpridas.
O secretário de Turismo de Campos, Fábio Paes, disse que o espírito do contrato
era divulgar o município e neste contexto, segundo ele, o acordo não foi
cumprido. Acrescentou que o fato de o prefeito ter elogiado a performance
da escola logo após o desfile não pode ser considerado como contradição ante a
posição atual, porque estava movido pela emoção e também não havia avaliado o
resultado final. Ao deixar a avenida, o prefeito afirmou: o desfile valeu o
investimento. 168
Trabalhadores pediu ao Ministério Público a abertura de uma ação civil para apurar a
do mesmo ano, uma juíza de Campos considerou procedente a ação e determinou que a
Em conversa que tive no começo do ano de 2017 com Aloy Jupiara, outro jornalista
disse que não houve resolução jurídica definitiva para o caso, tanto que até hoje a
Imperatriz não devolveu o dinheiro. Houve o próprio esquecimento da imprensa que não
bastante dividido, havendo uma parte deles que condenava os enredos patrocinados e,
aceitação dessa nova realidade e, para isso, procuravam se organizar e pensar formas mais
168
BALBI, Aloysio. Prefeitura de Campos processará Imperatriz. O Globo, Rio de Janeiro, 16 fev. 2002,
Matutina, Rio, p. 13.
169
Idem. Imperatriz terá que devolver R$ 1,8 milhão. O Globo, Rio de Janeiro, 15 nov. 2002, Matutina, Rio,
p. 15.
115
eficientes de exploração das novas fontes de financiamento. Posteriormente, carnavalescos
também se envolveram diretamente na captação, o que ainda será discutido nesta tese.
A entrada de grandes empresas nesse processo se efetivou nos anos 2000, e por
propaganda para seus objetivos de marketing. No caso do Salgueiro, o acordo foi firmado
por intermédio do captador Sérgio Murilo. Com a Beija-Flor foi diferente, mas isto fica
para discussão num determinado ponto do terceiro capítulo, todo dedicado à agremiação.
Joãosinho Trinta, e que teve financiamento da empresa Vale do Rio Doce. Muitos
consideram essa experiência inovadora do ponto de vista das parcerias de escolas de samba
com grandes empresas, pois ganhou forma através de um projeto integrado ao próprio setor
de comunicação da Vale. O carnaval foi uma das ações dos diretores desse setor na
Comunicação Social a respeito da relação dos desfiles das escolas de samba com os meios
próprio desfile em meio de comunicação, o que marca o contexto atual do carnaval carioca.
116
Valença ressalta a magnitude do referido projeto, o qual envolveu um conjunto
através de vídeos e cartazes que expunham funcionários da empresa junto com ícones da
instigante aos olhos de muitos funcionários da Vale residentes fora do estado do Rio de
Janeiro. Houve ainda acordo de patrocínio geral com a LIESA na organização do carnaval,
e assim a Vale acertou inserir sua logomarca nos ingressos para o Sambódromo e nas
171
credencias fornecidas para acesso à pista. E por conta desse acordo formal com a
inovador que teria chamado atenção nesse carnaval. No anexo da sua dissertação, Valença
170
VALENÇA, I. T. O espetáculo da tradição: um estudo sobre as escolas de samba e a indústria cultural.
Dissertação (Mestrado), Universidade Federal do Rio de Janeiro, Escola de Comunicação, 2005. p.78.
171
VALENÇA. Idem. p. 80.
117
comunicação da Vale do Rio Doce sobre o projeto de carnaval. João Lara, então gerente de
A ação no Sambódromo foi muito grande, foi inédita. Isso dito pelo próprio
Capitão Guimarães [presidente da LIESA], pelo próprio Coronel Hélio [diretor
comercial da LIESA]. Nós compramos o pórtico da entrada do lado ímpar do
Sambódromo e fizemos uma mina da Vale do Rio Doce, onde a gemas eram os
instrumentos musicais, as fantasias do carnaval, com o indicativo “Aqui tem
Vale do Rio Doce”. Na borda de alumínio de um tarol: “Aqui tem Vale”. No
filamento de uma lâmpada: “Aqui tem Vale”. No caulim que tinge o couro de
branco: “Aqui tem vale”. E assim por diante. O camarote, nós fizemos o
envelopamento mais grandioso da história do Sambódromo também.
Envelopamos todo o setor 9. Dois corações de fundo preto e dois corações
verde e amarelo escrito “Vale” pulsavam. No centro, uma baiana, que era a
marca do evento, com o nome do enredo, O Nosso Brasil que Vale e o logo da
Companhia. Fizemos um camarote simplesmente espetacular. Nunca houve
nada parecido. Isso tudo... Por isso que a Vale às vezes dá impressão de passar
certa arrogância (risos). Porque realmente quando faz, faz em uma escala tão
grande, tão caprichada, tão cuidada, tão... que a gente acaba falando coisas
desse tipo. Pelos próprios testemunhos das pessoas que estão acostumadas com
o Sambódromo, desde o pessoal da LIESA até o próprio Maurício Mattos, que
tem um camarote lindíssimo [com o mesmo nome da revista, Rio, Samba e
Carnaval], falou: “Pô, o de vocês ficou realmente um espetáculo”. 172
do carnaval, porque eles vislumbravam nisso um modelo que poderia servir para
A autora chama atenção para as dificuldades explicitadas por João Lara e Renata
festejos carnavalescos – do tipo, por exemplo, de que não se tratava de coisa “séria” – e
172
LARA, João apud VALENÇA. Idem. p.147.
118
Por isso, os representantes da Vale recorreram à consultoria de pesquisadores do
proporcionado pelo desfile e coberturas de outras fases do ciclo carnavalesco iria demandar
da junto à escola de samba. Inês Valença perguntou a eles sobre os termos contratuais.
E como é que foi esse acordo? Vocês em algum momento tiveram o temor
de que a coisa não fosse feita conforme o combinado?
João Lara – Muito, muito profissional. Muito correta, né? Tivemos um apoio
também grande da Ana Maria Maia, em nome da prefeitura do Rio de Janeiro.
Tudo que foi preciso a Ana Maria ajudou. Tinha muita gente torcendo para dar
certo. As pessoas estavam vendo que podia ser uma mudança de conceito em
relação ao carnaval. Foi a primeira vez, não só na minha lembrança, mas
também na lembrança da LIESA, que se usou o carnaval institucionalmente. A
Vale não tem varejo. Não é Bob’s, não é Brahma, não é... A Vale estava
trabalhando a marca Vale. Naturalmente isso abre caminho enorme pro samba
do Rio de Janeiro. Amanhã, eu vou almoçar com o consulado da China, que
está sendo procurado por uma escola de samba para patrocinar um enredo este
119
ano. O consulado me procurou para saber que relação foi essa. Como é que foi
a experiência da Vale no carnaval. Felizmente, eu vou poder dizer: “Olha, foi
muito boa”. 173
patrocínio receberia de forma espontânea, como já foi dito aqui. Sem falar que em outra
contratos que foram fechados pelo presidente Roger Agnelli “no Sambódromo”, e depois
Tudo indica que, do ponto de vista do mercado, a parceria da Vale com a Grande
Rio definiu um modelo para patrocínio de grandes empresas no desfile das escolas de
Duque de Caxias um projeto praticamente nos mesmos moldes do que havia sido feito em
2003. A diferença diz respeito ao ramo de atuação dessa multinacional que opera com a
picolés, que são vendidos nas arquibancadas, camarotes e frisas da Passarela do Samba. É
interessante observar como isso implicou nas ações de marketing planejadas pela empresa.
173
Idem. p.149.
174
CHINELLI, F. & SILVA, L. A. M. da. op. cit., 2006. p.224.
120
Angela Maria Di Mare Salles Albuquerque, outra pesquisadora da área de
Comunicação Social estudiosa do tema trabalhou com esse segundo caso da Grande Rio
para estudar a exploração dos espaços de publicidade na Passarela do Samba. Mais do que
exposição da marca Nestlé de forma que ficasse visível dos arredores da grande
nos espaços internos de venda de bebidas e comidas, mais a lateral do viaduto sobre o
canal do Mangue onde ficam muitas pessoas olhando às escolas na concentração. 175
do Rio Doce é que o ramo de atuação da Nestlé influenciou numa ação especial na linha do
através da escola de samba. Essa seria uma atitude da empresa orientada por sua política de
Coronel Hélio, relatou nem entrevista para Albuquerque que a entidade reelaborou o plano
175
ALBUQUERQUE, Ângela Catarina Di Mare Salles de. A Passarela do Samba como mídia publicitária –
o caso do carnaval de 2005. Dissertação (Mestrado), Universidade Federal do Rio de Janeiro, Escola de
Comunicação, 2005. P. 53-58.
121
comercial para o Sambódromo assim que ele assumiu essa atribuição no lugar da Riotur.
Segundo Hélio, foram criadas diferentes formas de contratos de patrocínio para exploração
empresas, dos mais diversos ramos de atuação. Naturalmente, as técnicas para utilização
produção empresas de outros ramos, pelo menos até o início da presente crise econômica.
Em 2006, a Unidos de Vila Isabel desenvolveu enredo que repercutiu muito desde
quando foi anunciado, pelo aspecto político e econômico do aporte prometido por
No meio carnavalesco, porém, conta-se que essa proposta havia sido apresentada
a outras escolas antes do acordo com a Vila Isabel. Além disso, conforme relatam
presidente Chávez não havia até então cumprido com a sua palavra. A partir daí, Chávez
176
Idem. p.75-83.
122
teria se sentindo pressionado a fazer valer o acordo e decidiu viabilizar o aporte financeiro
Nesse caso, a atuação do patrocinador ficou focada no projeto do desfile, sem ter
nenhuma ação de marketing a mais no Sambódromo, como foi feito pelas patrocinadoras
da Grande Rio em 2003 e 2005. Em conversa informal que tive no ano de 2016 com o
pesquisador Vinícius Natal, que também é diretor cultural responsável pelo arquivo da
Vila, ele contou que a diretoria da escola preocupou-se em fazer um trabalho sistemático
de 2012, quando a diretoria da escola decidiu aprovar uma proposta sobre Angola
que faz por lá há décadas, inclusive levando junto outros artistas. Provavelmente pelo
prestígio e influência dele foi que a Vila Isabel decidiu apostar no desenvolvimento do
enredo com a perspectiva de receber algum tipo de patrocínio. Oficialmente, não existem
informações de que isto tenha acontecido, mas o caso merece atenção no que diz respeito à
através do carnaval das escolas de samba, assumindo o que seria um papel de relações
públicas da agremiação com a qual é identificado, algo expresso inclusive no seu nome.
Para fechar esse panorama dos enredos patrocinados na fase mais recente do
carnaval carioca, apresento o resultado do exame das colocações das escolas de samba que
desfilaram no Grupo Especial, de 1995 a 2015. Dos 21 carnavais, em treze deles a escola
177
BRUNO, Leonardo e GALDO, Rafael. Cartas ao Poeta: histórias da Vila Isabel. Rio de Janeiro: Verso
Brasil Editora, 2015. p. 209.
123
vitoriosa apresentou temas que se enquadram no perfil dos chamados enredos
patrocinados, sendo que oito aparentemente não tiverem patrocínio vinculado ao tema. 178
aporte financeiro. Como se sabe, existem notícias de situações em que isso não aconteceu e
as escolas precisam seguir com a temática anunciada oficialmente, e sem falar no fato de
patrocinados” (EP) e “enredos autorais” (EA), fica assim: Beija-Flor (EP 6 – EA 2),
Imperatriz (EP 3 – EA 1), Unidos da Tijuca (EB 1 – EA 2), Vila Isabel (EP 2 – EA 0),
Mangueira (EP 1 – EA 1), Salgueiro (EP 0 – EA 1) e Viradouro (EP 0 – EA 1). Fora desse
quadro, merece atenção a Escola de Samba Acadêmicos do Grande Rio, que, embora
supremacia da Beija-Flor é evidente, em mais oito carnavais do período ela também contou
enredo com patrocínio de novas fontes, e a Beija-Flor como a que consolidou essa prática
como a Grande Rio, são comandadas por banqueiros do bicho, daí a necessidade de refletir
sobre o papel desses agentes no quadro atual de suas relações com as agremiações.
178
A base de informação é o link “Colocações” no site da LIESA: http://liesa.globo.com/
124
homenagens. E como foi dito, nem sempre o projeto de comercialização de um enredo
Outro dado que merece explicação é que os enredos voltados para “campanhas
públicas” são aqueles apoiados por empresas dessa natureza, ou quando se tem recurso
governamental para todas as escolas por ocasião de datas festivas, como em função dos
125
Classificação das modalidades de comercialização dos enredos a partir de 1995 179
1995 18 3 - - -
1996 18 3 - - 1
1997 16 3 2 - -
1998 14 3 - - -
1999 14 9 1 - -
2000 14 - - 12 -
2001 14 6 - - -
2002 14 8 2 - 1
2003 14 2 1 1 1
2004 14 4 1 2 -
2005 14 2 4 1 2
2006 14 4 - - 1
2007 13 1 - 1 3
2008 12 8 - 2 -
2009 12 1 1 1 1
2010 12 2 2 - 1
2011 12 3 3 1 -
2012 12 3 1 - 2
2013 12 4 4 - 2
2014 12 5 1 - -
2015 12 2 1 - 2
179
A montagem do quadro tem por base de informações as classificações dos desfiles disponíveis em
http://www.academiadosamba.com.br/memoriasamba/desfiles/index.htm Acesso em 20 de junho de 2015. As
fontes jornalísticas consultadas foram: PATROCÍNIO garante carnaval de grandes escolas. O Globo. Rio de
Janeiro, 10 de junho, 2001, p. 27; ATRAVESSADOR de enredo. Extra. Rio de Janeiro, 2 de fevereiro, 2003,
p. 14; CARNAVAL de grandes cifras no Sambódromo. O Globo. Rio de Janeiro, 24 de novembro, 2004, p.
24; VILA vai na carona de Chávez. O Globo. Rio de Janeiro, 3 de março, 2003. p. 12; BRIGA por milhões
na Avenida. Extra. Rio de Janeiro, 15 de fevereiro, 2009, p. 3; ATRÁS da verde e rosa, só não vai o
Jamelão... Extra. Rio de Janeiro, 1 de julho, 2012, p. 3.
126
Como dito, o caso mais notório nas homenagens a estados/cidades é o da Beija-
Flor, tanto que será desenvolvida no terceiro capítulo análise dos carnavais: (1998) Pará, o
mundo místico dos caruanas nas águas do Patu Anu; (1999) Araxá - lugar alto onde primeiro se
avista o sol; (2001) A saga de Agotime – Maria Mineira Naê; (2004) Manôa - Manaus - Amazônia
- Terra Santa... Que alimenta o corpo, equilibra a alma e transmite a paz; (2005) O vento corta as
terras dos Pampas. Em nome do Pai, do Filho e do Espírito Guarani. Sete povos na fé e na dor...
Sete missões de amor; (2006) Poços de Caldas, derrama sobre a Terra suas águas milagrosas –
do caos inicial à explosão da vida, a nave- mãe da existência; (2008) Macapaba: equinócio solar,
viagens fantásticas ao meio do mundo; (2010) Brilhante ao sol do Novo Mundo, Brasília do sonho
Caprichoso, Caprichoso X Garantido; (1999) Salgueiro é sol e sal nos quatrocentos anos
Janeiro continua sendo; (2012) Cordel branco e encarnado; (2015) Do fundo do quintal,
sonho viajando com o Salgueiro, o orgulho de ser brasileiro; (2004) A Cana que aqui se
planta, tudo dá... Até energia. Álcool – o combustível do futuro; (2011) Salgueiro
apresenta: o Rio no Cinema; (2013) Fama; (2014) Gaia, a vida em nossas mãos.
127
A consultoria e a pesquisa especializada para projetos de enredos
financiamento para os desfiles nos últimos tempos é que algumas das principais
enredos e pela burocracia relacionada a projetos com benefício das leis de incentivo.
de origem portuguesa Fernando Horta, que aparenta não possuir negócios com a
importante para a escola, especialmente quando estes são realizados na própria quadra de
foi uma iniciativa fundamental do presidente Fernando Horta para o trabalho de captação
de temas de enredo, evitando o que acontece quando o processo é mediado pelos chamados
para qualificar o trabalho promoção e divulgação da imagem das escolas de samba, algo
que pesa muito na hora de atrair bons parceiros para quaisquer tipos de patrocínio. 180
O Salgueiro seria outro exemplo nesse sentido, especialmente depois que deixou de
contar com patronagem do jogo do bicho. Segundo informações do ex-diretor cultural João
Gustavo Melo, entrevistado por mim no âmbito desta pesquisa, a escola também passou a
trabalhar com profissionais especializados para viabilizar parcerias mais voltadas para
180
SAMAGAIO, Mauro. Entrevista realizada pelo autor em: 26 Out. 2015.
128
empresas privadas interessadas nos benefícios das leis de incentivo à cultura. Nos últimos
anos, de fato, o Salgueiro não tem apresentado enredos homenageando cidades/estados. 181
não sejam atuantes na área de marketing, eles são pessoas que conhecem bem o
Salgueiro quando foi convidado para levantar informações sobre a história da agremiação
tijucana para construção de um site oficial. Ele conta que desde a chegada do carnavalesco
enredo, mas que depois de certo conflito com o carnavalesco eles passaram a não interferir
182
mais na parte de concepção. Gustavo costumava trabalhar na elaboração de textos de
fundamental porque cada uma das escolas precisa entregá-lo a LIESA para composição do
Livro Abre-Alas, base para a avaliação dos julgadores de quase todos os quesitos.
181
MELO, João Gustavo. Entrevista realizada pelo autor em: 14 Jun. 2014.
182
Cf. NATAL, Vinícius Ferreira. Cultura e memória na Escola de Samba Acadêmicos do Salgueiro.
Dissertação (Mestrado), Universidade Federal do Rio de Janeiro, IFCS-PPGSA, 2014.
183
MONTALVÃO, Ramiro. Entrevista concedida ao autor em: 11 Jun. / 20 Jul. 2014.
129
carnavalesco se reconhece que Joãosinho trabalhou junto com desenhistas e figurinistas, o
que não quer dizer que ele não tinha domínio criativo sobre a concepção visual do desfile.
Há, entretanto, uma tendência recente por parte das diretorias das escolas de samba
Gustavo, ele não possuía vínculo profissional com Renato Lage e Márcia Lage, mas sim
que ele ainda não tinha a projeção de hoje, pois atuava no Grupo de Acesso, quando lá
ainda lutava por uma ascensão a Paraíso do Tuiuti. E aqui vale lembrar que foi Tuiuti a
Carioca, em 2017, sendo beneficiada por uma “virada de mesa” na LIESA em prol da
Unidos da Tijuca, e que neste ano surpreendeu positivamente com o enredo Meu Deus,
meu Deus, está extinta a escravidão? desenvolvido pelo carnavalesco Jack Vasconcelos.
educação proposto pela Casa da Ciência. Houve um bom entrosamento com Paulo,
trocaram ideias e nisso ele demonstrou interesse de fazer um enredo sobre o tema ciência.
Teria sido o embrião do primeiro enredo da estreia de Paulo Barros à frente de uma escola
de samba do Especial, a Unidos da Tijuca, que não figura entre as primeiras colocações
dos desfiles apesar de ser uma das agremiações mais antigas do carnaval carioca, mas
130
sonho da criação e a criação do sonho: a arte da ciência no tempo do impossível. O
Desde então, Izabel compõe com mais duas pesquisadoras suas amigas da Casa da
Ciência a equipe que dialoga com o carnavalesco na fase de concepção dos enredos e,
sobretudo, lida com a parte de pesquisa que alicerça os elementos da narrativa do desfile.
São elas também que auxiliam na elaboração da sinopse e escrevem todas as explicações e
justificativas para o Livro Abre-Alas, assim como fazia João Gustavo Melo no Salgueiro.
Quando conversamos, ela explicou como estava começando a montar o que seria um plano
costuma ser resistente aos enredos patrocinados. Um aspecto importante do referido plano
diz respeito às contrapartidas para os patrocinadores que poderiam ser assegurados pela
oficial da agremiação um acervo com registros em fotos e vídeos de boa qualidade técnica
poder servir até aos pesquisadores. É claro que a identidade cultural da escola, o fato de ser
vitoriosa, o seu lugar, tudo isso influencia na negociação de patrocínios. E ainda, ter boas
referências sem saber apresentá-las mesmo com os devidos recursos de mídia é problema.
184
AZEVEDO, Isabel. Entrevista concedida ao autor em: 4 Set. 2015.
131
agremiação que foram concebidos pelo carnavalesco Paulo Barros nos anos de 2011, 2012
e 2013. A organização dos trabalhos ficou a cargo das pesquisadoras Izabel Azevedo e
185
Simone Martins e do fotógrafo Mauro Samagaio. Atualmente, ele continua na Tijuca,
mas as pesquisadoras junto com Paulo acabaram de deixar a Vila para assumir a produção
185
Cf.: AZEVEDO, Izabel Cristina de Alencar; SAMAGAIO, Mauro; MARTINS, Simone (orgs.). Avenida,
Unidos da Tijuca: Carnaval 2011, Esta noite levará sua alma. Rio de Janeiro: G. R. E. S. Unidos da Tijuca
(Escola de Samba), 2012; Idem. Avenida, Unidos da Tijuca: Carnaval 2012, O dia em que toda realeza
desembarcou na Avenida para coroar o Rei Luiz do Sertão. Rio de Janeiro: G. R. E. S. Unidos da Tijuca
(Escola de Samba), 2013; Idem. Avenida, Unidos da Tijuca: Carnaval 2013, Desceu num raio, é revoada! O
Deus Thor pede passagem para mostrar nessa viagem a Alemanha encantada. Rio de Janeiro: G. R. E. S.
Unidos da Tijuca (Escola de Samba), 2014.
132
CAPÍTULO 3
Estudo de caso: Beija-Flor na era dos enredos patrocinados (1998 a 2015)
133
A criação da Comissão de Carnaval e a liderança de Laíla
a escola que possuía o maior número de “torcedores” no estado do Rio de Janeiro, tendo
Essa fase recente de sucesso em termos de títulos teve início em 1998, ano do
carnaval que marcou de uma só vez a primeira conquista da escola de samba nilopolitana
Até então, a concepção dos desfiles ficava a cargo do artista carnavalesco com
grande autonomia para proposição dos temas e concepção da narrativa visual. Foi assim no
tempo de Joãosinho Trinta, e depois dele nas passagens de Maria Augusta Rodrigues e de
enredo A Beija-Flor é festa na Sapucaí teria sido uma escolha de Anísio diante da proposta
enviada por um jovem admirador da escola que residia fora do estado do Rio. 187
186
FAGUNDES, Renato; MELO, Murilo Fiúza de; THOMPSON, Fernando; Beija-Flor já ameaça a
Mangueira. Jornal do Brasil, Rio de Janeiro, 26 jan. 1997, Cidade, p. 26. A matéria apresenta os resultados
de uma pesquisa encomendada ao Instituto Gerp pelo então presidente da Estação Primeira de Mangueira,
Elmos dos Santos. A indicação da Beija-Flor no segundo lugar, em termos de popularidade e mesmo
tradicionalismo, teria gerado contestação dos métodos da pesquisa por parte do presidente da Portela.
187
MOTTA, Aydano André. Sugestão de estudante vira enredo na Beija-Flor. O Globo, Rio de Janeiro, 02
fev. 1997, Matutina, Rio, p. 25.
134
A vitória de 1998 fortaleceu na Beija-Flor a liderança de um personagem de longa
trajetória no universo das escolas de samba, embora fosse bem menos prestigiado do que
Rosa Magalhães. Em seu livro sobre a Beija-Flor, o jornalista Aydano Motta chama
atenção para o fato de Laíla ser uma pessoa originária do morro do Salgueiro. Embora não
tivesse formação acadêmica nem a inserção profissional dos referidos colegas, ele foi
elemento fundamental na equipe por ser o mais ligado à cultura do samba em termos de
música e ainda por ser conhecedor da estrutura comunitária da agremiação por dentro. 188
com quem teve desentendimentos por razões profissionais, a ponto de afastar-se da escola
duas vezes, por livre e espontânea vontade. Em 1994, à procura de trabalho, visitou Anísio
para retornar à escola como auxiliar do carnavalesco Milton Cunha, com quem teve boa
passou a defender junto à diretoria a criação da comissão que vem funcionando até hoje,
com algumas mudanças entre os integrantes.189 A ideia não era inédita no carnaval, mas na
visão de Laíla seria uma forma de romper com a injustiça contra profissionais
188
MOTTA, A. A. Maravilhosa e soberana: histórias da Beija-Flor. Rio de Janeiro: Verso Brasil, 2012. p.
60.
189
A primeira formação da Comissão de Carnaval da Beija-Flor foi a seguinte: Cid Carvalho, Nélson
Ricardo, Amarildo Mello, Fran Sérgio, Ubiratan Silva, Victor Santos, Anderson Müller e Paulo Führo. Cf.
‘GRUPO dos oito’ substitui figura do carnavalesco na Beija-Flor. O Globo, Rio de Janeiro, 16 nov. 1997,
Matutina, Rio, p. 35. Após o carnaval deste ano, foi o próprio Laíla quem rompeu com a diretoria da Beija-
Flor, deixando a função que exercia desde 1998. O diretor assinou com a Tijuca em março de 2018.
135
invisibilizados na produção dos desfiles através de uma dinâmica de trabalho que costuma
ser essencialmente coletiva. No fundo, tratava-se de uma realização pessoal de Laíla depois
sobre mágoas em relação à falta de reconhecimento pelo seu trabalho em particular, ele
ideias de todo mundo. Eu já trabalhei com gente que usou muita ideia minha, que teve
muito custosa financeiramente. Alegava que no próprio barracão da escola haveria artistas
e artesãos sobre os quais a diretoria poderia depositar confiança, pois teriam competência
para assumir plenamente as tarefas a serem executadas na produção do desfile desde que
trabalhassem numa equipe organizada e bem dirigida. E desse entendimento, nas palavras
do próprio Laíla, ficou definida a sua função como Diretor Geral de Carnaval:
Pelo tom da fala, percebe-se que Laíla passou a exercer uma liderança baseada no
190
CONVERSA de carnaval/Laíla.Jornal do Brasil, Rio de Janeiro, 09 fev. 1998, Cidade, p. 15.
191
LAÍLA: o comandante do carnaval da Beija-Flor. Entrevista concedida pelo Diretor Geral de Carnaval à
Revista Beija-Flor, uma escola de vida. Edição de 2002. jan. p. 18-20.
136
que também gerou contestações dentro da agremiação. Os carnavais conquistados seguindo
com rigor a lógica da competição devem muito à experiência e aos saberes adquiridos e
aprimorados por esse verdadeiro mestre depois de tanto “fazer carnaval”, como ele mesmo
diz. Isso foi fundamental para sua manutenção no posto durante todos esses anos.
É preciso observar, entretanto, que a autoridade exercida por ele obedece a uma
estrutura hierárquica e personalista que tem seu em última instância a figura do patrono da
Beija-Flor, Anísio Abraão David. E pelo que acompanhei visitando ensaios na quadra da
sofreram reações de outros diretores, toleradas somente por causa do respaldo de Anísio.
Por exemplo, uma mudança importante impulsionada por Laíla seu deu no tocante
ao concurso de samba de enredo. Para ele a participação não deveria ser exclusividade dos
membros da Ala de Compositores. Alegava que notas baixas no quesito dadas pelos
julgadores estariam contribuindo para classificações insatisfatórias, e que uma melhora nas
das pessoas originárias das comunidades de samba ocorria não só devido à dificuldade de
pagar por fantasias, mas também por conta do aumento da criminalidade armada nas
192
ARRUDA, Edgar. Beija-Flor pensa em mudar a sua ala de compositores. O Globo, Rio de Janeiro, 13 fev.
1997, Matutina, Rio, p. 21.
137
193
localidades das quadras de ensaios e ainda da influência crescente de ideologias cristãs
bom desempenho nos desfiles durante a fase mais recente. O caráter comunitário sempre
foi marcante na vida das escolas de samba, o que houve foi institucionalização de uma
nova estratégia para atrair desfilantes baseada na doação de fantasias prontas em troca do
compromisso com frequência regular aos ensaios. Aydano Motta explica que essa
carnaval em homenagem à cantora lírica Bidu Saião, em 1995. Os cisnes foram uma ideia
de Milton Cunha desenvolvida com várias reproduções no desfile por sugestão de Laíla. 194
193
MOTTA, Aydano A. Estilhaços da guerra do tráfico atingem carnaval. O Globo, Rio de Janeiro, 30 jan.
1995, Matutina, Rio, p. 9.
194
Op. cit., p. 29-32.
138
As experiências com a comercialização de enredos
A nova fase de vitórias da Beija-Flor tem relação com uma reorganização interna
valorizar o trabalho coletivo, reafirmar laços com a “comunidade”, assim como a ideia de
que escola de samba é um todo cujos elementos precisam estar em plena harmonia,
teriam sido estudadas cuidadosamente por Laíla. O vencedor foi Amarildo Mello,
de Marajó teve por base o livro escrito pela pajé Zeneida Lima, no qual ela conta a sua
própria trajetória no culto e apresenta a mitologia dos encantados caruanas e caruás. 195
mas sua proposta sofreu muitas reformulações até chegar à forma consagrada no enredo.
Nos primeiros anos da Comissão, diversos integrantes foram muitas vezes convidados a
Costumavam dizer que conflitos existiam, porém, eram rapidamente resolvidos através das
mediações exercidas habilmente por Laíla na condição de coordenador geral da equipe. 196
A sinopse do enredo Pará - O mundo místico dos caruanas nas águas do Patu Anu
é clara quanto ao foco da narrativa na tradição da pajelança na Ilha de Marajó, tendo por
reforça o apelo pela preservação da natureza e dos saberes ancestrais da cultura cabocla.
195
O livro de Zeneida Lima é O mundo místico dos caruanas e a revolta de sua ave. Belém: CEJUPE, 1991.
Para um estudo da encantaria no norte e nordeste do Brasil, conferir: PRANDI, Reginaldo (org.). Encantaria
brasileira: o livro dos mestres, caboclos e encantados. Rio de Janeiro: Pallas, 2004.
196
MUTIRÃO de criatividades. O Globo, Rio de Janeiro, fev. 1998.
139
A referência ao Pará como unidade da federação aparece no final da sinopse, numa
fala em que o pajé associa a tradição cabocla ao conjunto mais amplo da cultura paraense:
“O pajé caboclo canta sua região: ‘O Pará dos encantos: do mercado ver-o-
peso, das riquezas minerais; da fauna e da flora imensamente ricas. O Pará dos
búfalos, dos boiadeiros, dos Igarapés e da alegria. O Pará místico, das ervas
encantadas, dos feitiços e da magia Caruana’”. 197
seria uma necessidade, e serviria para resgatar a autoestima do paraense que até então só
que o nome do estado apareceu em destaque no título da sinopse e depois na própria letra
temática pouco explorada nos desfiles até então. A religiosidade afro ameríndia é muito
menos abordada na linha dos enredos afro do que, por exemplo, aspectos da cultura iorubá.
197
G. R. E. S. BEIJA-FLOR de Nilópolis. Sinopse do Carnaval 1998. Disponível em:
http://academiadosamba.com.br/passarela/beijaflor/index.htm Acesso a: 3 fev. 2017.
198
PARÁ investe na Beija-Flor. Jornal do Brasil, Rio de Janeiro, 14 fev. 1998, Cidade, p. 24.
140
saberes que ainda são pouco abordados na esfera acadêmica e muito menos em expressões
historiador Luiz Antonio Simas e o escritor Alberto Mussa, os autores apresentam através
obras a partir da década de 1990, o que tem a ver com a aceleração do andamento dos
para a qualidade das letras. Contudo, Simas e Mussa apontam a Beija-Flor como uma
Eis a letra do samba Pará - O mundo místico dos caruanas nas águas do Patu Anu:
Beija-Flor
E o mundo místico dos Caruanas
Nas águas do Patu Anu
Mostra a força do teu samba
199
Para um aprofundamento da problemática das culturas de diáspora no Brasil, cf.: SIMAS, Luiz Antonio
Simas e RUFINO, Luiz. Fogo no mato: a ciência encantada das macumbas. Rio de Janeiro: Mórula, 2017.
200
MUSSA, A. e SIMAS, L. A. Samba de enredo: história e arte. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira,
2010. p.119.
141
Com seu povo ao fundo foi tragado
O que lá existia aflorou, o criador semeou
Surgindo os seres viventes em geral
E de Auí se deu a flora, fauna e mineral
A partir de 1990, prevalece a preocupação de que o samba seja uma síntese lógica
carro alegórico “Pará: a extensão do mundo místico dos caruanas” a representação de uma
vila de ribeirinhos da Ilha de Marajó, este importante ponto de atração turística do estado.
142
Imagem 12. Carro “Pará: a extensão do mundo místico dos caruanas”. Foto: Wigder Frota.
característicos da fauna e da flora de Marajó, com destaque na frente para canoas e búfalos,
saíram pelas ruas em comemoração, mesmo sabendo da divisão do primeiro lugar com a
Para o patrono Anísio, além da vitória teve o fato daquele carnaval ter sido o
143
decretada em maio de 1993. O Desfile das Campeãs foi marcado por protestos do público
Viradouro merecedora do primeiro lugar, ironicamente a escola que naquele ano tinha
Para 1999, a direção da Beija-Flor resolveu apostar num projeto de enredo que
lugar. Não era a fórmula do carnaval anterior, e a escolha se deu prioritariamente por causa
Aydano Mota e Letícia Helena. Antes a Beija-Flor estaria interessada num tema afro,
Araxá que foi transformada no enredo Araxá - lugar alto onde primeiro se avista o sol. 202
fazer suas cidades ou estados virarem enredo das grandes escolas de samba do Rio de
Janeiro. Argumentam que isso gera visibilidade para o lugar e ajuda a promover o turismo.
Pelo lado das escolas, havendo boa aceitação dos habitantes do estado ou da cidade
201
ANTUNES, Laura; HELENA, Letícia; SOUTEIRO, Tatiana. Beija-Flor desfila sob vaias na festa das
campeãs. O Globo, Rio de Janeiro,02 mar. 1998, Matutina, Rio, p.15.
202
MOTTA, Aydano A. e HELENA, Letícia. O samba corre a sacolinha. O Globo, Rio de Janeiro, 10 jan.
1999, Matutina, Rio, p. 14.
144
samba no Rio de Janeiro. Na transmissão do desfile pela TV Globo em 1999, o
comentarista Albino Pinheiro chamava atenção para uma ala composta só por mineiros. 203
época no grupo Soweto, que, inclusive, montou uma ala com os “Amigos do Grupo
samba “Araxá” recebeu críticas positivas, e até hoje é lembrado nos ensaios da quadra.
203
TANCREDO, Wendell. Carnaval Completo- Beija-Flor 1999. Disponível em:
<https://www.youtube.com/watch?v=sQPJUNxmAfY> Acesso em 5 fev. 2017, às 11:00.
145
Belo recanto de Minas Gerais
Mas também faz todo sentido esse começo se considerarmos a explicação do nome
segundo sua origem tupi: lugar alto, de onde primeiro se avista o sol. O carro Abre-Alas
foi concebido com a preocupação de traduzir passar esse significado, daí as cores laranja e
Algo que provavelmente favoreceu o enredo foi o fato de Araxá não ser uma
novela Dona Bêja, com a atriz Maitê Proença no papel principal, e a produção alcançou
bons índices de audiência. No desfile, o quarto carro trazia uma reprodução da casa de
146
Naturalmente, a presença feminina ocuparia lugar central na referida alegoria. A
fotografia acima documenta a composição do carro nesse sentido e foca na fantasia de uma
Destaque que faz referência ao figurino da novela de época, porém, com um tratamento
exemplo de como as escolas de samba interagem por meio de seus enredos com as
produções artísticas de outros universos culturais, o que favorece a rede de influência dos
sabe, os banqueiros do jogo do bicho do Rio de Janeiro exploram essa loteria em outros
noturnas. Com base nisso, faz sentido suspeitar que tal estratégia de comercialização dos
articulação a serviço dos interesses das organizações do jogo do bicho junto aos mais
Grande Hotel voltado para exploração turística da instância hidromineral do lugar contou
Flor, Linda Conde, vieram sobre a alegoria o jogador Zico, a atriz Solange Couto, e o
147
transmissão da TV Globo focalizou a reprodução de um simbólica roleta na parte frontal
Imagem 14. Carro “Grande Hotel – Templo da Sorte”. Foto: Antônio Carlos. 204
Observe-se nas fantasias das desfilantes ao lado da roleta as decorações com dados
e cartas de baralho, estas espalhadas sobre cabeça e ombros. É no mínimo uma ironia a
montagem desse carro alegórico para o desfile de uma escola de samba sabidamente
como conteúdo rigorosamente ligado à história de Araxá, mas também como um discurso
sutil em defesa da legalização dos jogos de azar e cassinos no país, seguindo a ideia de que
Beija-Flor e outras escolas terem se apegado a temas da cultura brasileira mesmo após a
204
Cf. fotografia que ilustra a matéria jornalística RBF. 2003. p. 94.
148
recente liberação do regulamento para a escolha de temas estrangeiros. Embora se esteja
vendo que isso tinha relação com a questão dos patrocínios, é interessante notar como as
agremiações contribuem até hoje para que, de alguma forma, o público dos desfiles possa
ter um percepção através das artes sobre nossas diferentes regiões com sua riqueza cultural.
sentimento angustiante da perda do título por detalhes entre seus torcedores. A diferença de
pontos entre as primeiras colocadas tem sido ínfima no carnaval desde aquela época.
revezados na Beija-Flor com outras propostas, seja porque acordos de patrocínio nesse
linha não foram confirmados ou quem sabe para evitar o desgaste da repetição da receita.
a celebração dos 500 anos do Descobrimento. Receberam para isso apoio governamental
Riotur. O enredo da Beija-Flor foi Brasil, um coração que pulsa forte. Terra de todos ou
terra de ninguém?, inspirado em livro psicografado pelo médium Chico Xavier em que se
obteve o segundo lugar no concurso, tendo sido esse o único carnaval de sua fase mais
Leopoldinense, acentuou uma rivalidade entre as duas agremiações que surgiu por ocasião
da disputa do carnaval de 1989, quando a Beija-Flor perdeu o título mesmo depois de ter
149
começo dos anos 2000, o fato do patrono da Imperatriz estar na Presidência da LIESA
consistia na apresentação de uma versão sobre a fundação da Casa das Minas, tradicional
terreiro do candomblé jêje no Maranhão, baseada nos relatos da pajé Zeneida Lima, figura
central do carnaval de 1998, que se dizia tataraneta fundadora da casa, a Rainha Agontime.
acontecido em função de uma vingança do filho do primeiro casamento do rei, que usurpou
o trono logo após a morte do pai e então expulsou Agontime colocando-a num negreiro.
A hipótese de a Rainha ter sido a fundadora da Casa das Minhas foi lançada
originalmente por Pierre Verger, e trabalhada por ele num artigo publicado em revista
205
acadêmica. O antropólogo Sérgio Ferreti, maior pesquisador dedicado ao estudo da
Casa das Minas, segue na linha de Verger, mas no caso do desfile se colocou contrário à
forma como a Comissão de Carnaval abordou o tema. A tradição oral da Casa das Minas
registra o nome de Maria Jesuína como fundadora, uma mulher que não teria deixado
referência da Comissão nos relatos de Zeneida Lima, Ferreti destaca num pequeno artigo
205
VERGER, Pierre. “Uma rainha africana mãe de santo em São Luís”. In: Revista USP, 6 (jun-ago1990):
151-158.
150
Em agosto de 2000, alguns membros da Comissão de Carnaval da Escola, que
funciona como Carnavalesco e como autor do enredo, estiveram em São Luís e
fizeram rápida visita a este pesquisador e à Casa das Minas. Na ocasião
disseram que já haviam escolhido o tema e estavam concluindo a letra do
samba-enredo. O enredo A Saga de Agotime, que está sendo divulgado pela
Liga das Escolas de Samba do RJ, foi quase integralmente inspirado no
romance histórico, muito bem documentado, da pesquisadora e escritora norte-
americana Judith Gleazon. Pena que não seja indicado na bibliografia que
acompanha o mesmo.
Pode-se argumentar que um samba de Carnaval obedece à liberdade poética,
mas o samba da Beija-Flor: Agotimé Maria Mineira Naê possui erros, como
vemos, e não representa corretamente a história da casa. Além disso, a estória
contada por Zeneida Lima, pajoa paraense que assessorou a Comissão
Carnavalesca da Escola, também não é correta, pois, conforme a tradição da
Casa das Minas, Maria Jesuína não teve descendentes de sangue no Brasil e,
portanto, não pode ser tataravó de Zenaide Lima, que é conhecida na casa
como Zuleide Figueira de Amorim. Ela passou pela Casa das Minas em fins
dos anos sessenta, foi integrada à comunidade como vodunsi de Poliboji, mas
logo se afastou. Tentou abrir filial da casa em Jacarepaguá no Rio de Janeiro,
mas esta experiência não foi adiante e possui uma casa em Soure (Marajó), sem
nenhuma vinculação com a Casa das Minas. [...] 206
memória, história. Tanto é que estimulou um debate público, mesmo que conflituoso, entre
discussão sobre a história da Casa das Minas, mas vale notar como a escolha de um enredo
requer embasamento em termos de pesquisa para sua concepção e produção plástico visual,
de forma épica em sua letra, sem falar na qualidade do ponto de vista rítmico e melódico.
Não sofreu durante o desfile qualquer descompasso com a bateria, tendo sido executado de
modo que os componentes puderam cantar e evoluir com relativa tranquilidade. Estudiosos
206
FERRETI, Sérgio. “Beija-Flor e a Casa das Minas”. In: Boletim 18 da Comissão Maranhense de Folclore.
p. 2. 20 jan. 2001. Disponível em: <http://www.antropologia.com.br/colu/colab/c5-sferretti.pdf> Acesso
em 30 jun de 2015 às 19:00.
151
conhecedores da cultura histórica do gênero, como Simas e Mussa, chegam a considerar o
Sou Beija-Flor
E o meu tambor
Tem energia e vibração
Vai ressoar em São Luiz do Maranhão
ramo de negócios. E nem o samba fez citações vagas de expressões da cultura maranhense.
152
passou a ser vista como escola injustiçada, e especialmente porque sua diretoria vinha
conseguiu firmar parceria com a antiga empresa de aviação Varig. Naquele momento,
cidades e estados. O enredo sobre aviação no Brasil foi desenvolvido dentro das
acordo oficial com a empresa que até então desfrutava de enorme prestígio no país.
Uma novidade importante desse carnaval foi o primeiro número da revista oficial
da agremiação que passaria a ser editada anualmente com uma proposta ambiciosa.
Segundo os editores, a Revista Beija-Flor: uma história de vida vinha assumir a missão de
resgatar a história da escola, dando visibilidade a sambistas esquecidos, e além disso faria a
divulgação da obra social tocada pela família Abraão David em Nilópolis e apresentação
evento promocional, e sua maior distribuição é feita de forma gratuita para o público do
Sambódromo. É usada pela diretoria como brinde para visitantes selecionados do barracão
torno de cinco mil exemplares, e de acordo com informações oficiais seria produzida com
recursos do patrono da escola, por vezes, mas especialmente com venda de propaganda.
Essa fonte oficial foi trabalhada na minha pesquisa de mestrado, no que diz respeito
153
cada parte do desfile, ou então relatos explicativos dos preparativos dados por membros da
executivos da Varig. Um deles, assinado pelo diretor da Fundação Rubem Berta, procurava
potencial mercadológico das grandes escolas de samba estaria sendo negociado de forma
patrocinadoras um retorno que deveria estar gerando compensação financeira muito maior
um valor abaixo do que seria cobrado regulamente nesse mercado tão movimentado.
comercial com passageiros acenando das janelas para o público das arquibancadas, algo
207
MACEDO, R. Varig e Beija-Flor voando juntas. Revista Beija-Flor: uma escola de vida. № 1. Jan. 2002.
p. 96.
154
positivo para a interação entre ambos. Isso pode ser observado no detalhe da fotografia a
seguir, embora não registre a alegoria por completo. Um gorila gigante agarrado ao
edifício na parte de trás sugeria que o avião com seus passageiros seriam uma referência a
viagens internacionais para os EUA, um dos sonhos de consumo da classe média brasileira.
Imagem 15. Carro “Portas e Janelas se abrem para o Mundo”. Foto: Wigder Frota.
dois antigos desafios. A campeã foi a Mangueira, com quem a escola de Nilópolis
construiu uma polarização a partir do final dos anos 70 por ser considerada no meio
Manga seria o exemplo maior da tradição das escolas de samba. A outra situação de seu
em função de restrições quanto a uma das alegorias, que traria grande escultura da imagem
de São Jorge. A Igreja Católica protestou, reacendendo o embates que foi marcante nos
resultado final dessa história é interessante porque a escultura completa foi depois instalada
155
num espaço da quadra de ensaios em Nilópolis, sacralizada pelos ritos da macumba, e
desde então acontece lá todo 23 de abril uma missa para os devotos do Santo Guerreiro.
Conhecendo-se bem o esquema de poder das famílias Abraão e Sessim desde a sua
formação durante a ditadura, é possível afirmar que sempre foram situacionistas. Apenas
durante os governos de Leonel Brizola no estado do Rio de Janeiro foi que se firmaram no
âmbito da política local assumindo posição clara contra o líder do PDT. Como dizia o
falecido Castor de Andrade: a contravenção é sempre governo. E ele ainda declarava que
sempre procurava ter “amigos” em todos os governos, não tinha culpa se estes mudavam...
N ampla coligação liderada pelo PT, incluindo partidos da direita, na campanha que
elegeu o Presidente Lula em 2002 esteve o Partido Progressista (PP). Em seu sexto
mandato consecutivo como deputado federal, depois de ter passado pelo extinto PDS e
pelo então PFL, o deputado Simão Sessim conquistou mandato pelo PP. Em função disso,
tratou de se aproximar do centro de decisões do governo petista. Não foi à toa que a Beija-
Flor escolheu para o carnaval de 2003 um enredo de “crítica social” na forma de uma
exaltação do programa Fome Zero, anunciado como medida central no início do governo.
Flor esteve em Brasília, foi recebido no gabinete do presidente, onde formalizou convite
para que Lula viesse assistir ao desfile da escola no Sambódromo. A jornalista Ana Paula
Macedo fez o seguinte relato do encontro para matéria que foi publicada em O Globo:
156
Benedita da Silva. Ele deu uma camisa da escola de samba de presente a Lula,
que será um dos homenageados no desfile da Beija-Flor. (...) 208
A matéria traz uma foto de pose dos dois personagens ostentando camisas temáticas
do enredo “Saco vazio não para em pé...”. Lula é declaradamente torcedor da escola de
Nilópolis. As informações levam a crer que a então ministra Benedita da Silva foi a
responsável pela inclusão do sambista na agenda do Presidente, sendo ela uma parlamentar
petista originária do estado Rio de Janeiro, bem articulada com lideranças de outros
partidos, e responsável pelo setor ministerial que tratava das políticas de seguridade social.
de apresentação das primeiras páginas. A abertura é sempre com o editorial, e depois vêm
Farid Abraão David. Em 2003, entretanto, o texto atribuído a Anísio veio seguido por uma
mensagem oficial do Presidente Lula dirigindo-se à Beija-Flor para saudá-la pelo enredo.
208
MACEDO, Ana Paula. Lula pode vir para o carnaval. O Globo, Rio de Janeiro, 15 fev. 2003, Matutina,
Rio, p.18.
157
Imagem 16. Mensagem do Presidente Lula. 209
A história dos desfiles das escolas de samba prova que não é de hoje seu uso como
209
Cf. imagem da RBF. 2003. p. 7.
158
proposta com a série do começo dos anos 1970 em louvação ao regime militar: Educação
para o desenvolvimento (1973), Brasil ano 2000 (1974) e O grande decênio (1975). Isso
nas classes populares frente aos primeiros sinais de fragilidade do “milagre econômico”.
acabado de tomar posse como presidente eleito em meio a grande comoção popular, e
assumia um discurso voltado para aglutinar apoios no início de um governo novo que
construída com base num pacto selado na perspectiva da conciliação de classes sociais.
fome. É preciso ter cuidado com hipóteses baseadas em ideias de cooptação dos populares,
imposição de normas de cima para baixo, porque ficam evidentes interesses tanto da parte
do governo quanto da parte da agremiação carnavalesca para que o enredo sobre a fome
recente do samba chama atenção para o fato de que desde os primeiros desfiles
carnavalescos oficiais na década de 1930 a relação das agremiações com o Estado se pauta
210
Cf.: AUGRAS, Monique. O Brasil do samba-enredo. Rio de Janeiro: Editora Fundação Getúlio Vargas,
1998; SIMAS, Luiz Antônio e FABATO, Fábio. Pra tudo começar na quinta-feira: o enredo dos enredos.
Rio de Janeiro: Mórula, 2015.
159
O enredo da Beija-Flor em 2003 continha referências a processos históricos do
protesto, porém, o conjunto de referências históricas gerou um excesso de citações que não
colaborou para uma construção poética mais criativa, comparando-se o samba em questão
com outros da própria escola. Basta lembrar as obras musicais de 1998 e de 2001.
Abraão, lembrado na Beija-Flor por sua forte ligação com a comunidade local. O destaque
principal do carro era Sônia Capeta, homenageada após ter passado o título de Rainha da
Bateria para Raissa Oliveira, menina de doze anos também moradora do município.
com terno e gravata, sem nenhuma referência visível do Partido dos Trabalhadores – até
por questão de regulamento – e nem de sua herança nordestina ou do passado como líder
sindical no ABC paulista. O boneco foi construído com articulações para que seus braços
desfile era possível ver o detalhe da mão sem o dedo que Lula havia perdido em acidente
de trabalho sofrido décadas atrás. Vale ressaltar o cuidado dos artistas com esse detalhe,
pois vários traços do ex-presidente são alvo de piadas preconceituosas de seus opositores.
A ausência do dedo é uma delas, assim como o estilo da barba dos tempos de metalúrgico,
160
Imagem 17. Carro “O Banquete”. Foto: Wigder Frota.
operada pela Beija-Flor na vida social e cultural das pessoas do lugar. Isso remete aos
Nasce então
Poderosa guerreira
E desenvolve seu trabalho social
Cultura aos pobres, abrigou maltrapilhos
Fraternidade, de modo geral
Brava gente sofrida da Baixada
Soltando a voz no planeta carnaval
Eu quero: liberdade, dignidade e união
Fui lata, hoje sou prata
161
Lixo ouro da região
Chega de ganhar tão pouco
Tô no sufoco: vou desabafar
Pare com essa ganância, pois a tolerância
Pode se acabar...
Oh meu Brasil
Overdose de amor nos traz
Se espelha, na família beija-flor
Lutando eternamente pela paz
mente, porém, que o velho representante político do poder familiar na esfera federal
Mesmo que o carnaval de 2003 não se enquadre no tipo das homenagens a cidades
e estados brasileiros, trata-se de uma experiência que abriu importantes conexões políticas
Laíla sempre assumiu não ser propriamente um carnavalesco, embora diga que tem
conhecimento da função por conta dos muitos anos dedicados ao trabalho no carnaval.
Logicamente, ele era figura de peso na decisão sobre a escolha dos enredos, e costumava
sempre defender a busca dos patrocínios alegando que uma escola de samba com desfile do
manter-se apenas com os repasses das LIESA e “ajuda” do patrono Anísio Abraão David.
Para 2004, Laíla teria vislumbrando um tema voltado para a região Norte, depois de
ter passado três anos fazendo viagens com o objetivo de assistir ao Festival de Parintins.
162
Os artistas e artesãos que trabalham nessa festa, que tem outro calendário, costumam atuar
também na montagem das alegorias para as grandes escolas de samba do Rio de Janeiro.
universos culturais na produção dos desfiles das escolas de samba. Contudo, o fato mais
amazonense. No final da entrevista, ele foi indagado sobre o enredo da escola de samba.
EB – É fundamental que utilizemos nossa cultura para falar daquilo que temos
e fazemos de bom. A Beija-Flor, atual campeã do carnaval carioca, é uma
vitrine muito importante para a comunidade internacional. Eles precisam saber
que cuidamos bem da nossa diversidade. Isso evitaria comentário maldosos de
grupos que insistem na tese de internacionalização da Amazônia. Tenho
tomado conhecimento de que os diretores da escola têm vindo constantemente
colher subsídios aqui do estado e que artistas nossos, de Parintins, estão
ajudando a concretizar o carnaval da escola. Isso é importante, para dar
fidelidade à abordagem que a agremiação dará na Avenida. Ouvi o samba-
enredo e gostei muito. É preciso falar dessa Amazônia que dá certo e o
Amazonas, em particular, tem muito a colaborar nesse sentido. Espero que,
com esse tema, a escola ganhe mais um campeonato. 211
carnaval da Beija-Flor seja relevante, o fato é que a escola de samba, ao completar 50 anos
211
BRAGA, Eduardo, governador do estado do Amazonas. In.: Revista Beija-Flor, uma escola de vida. № 3.
p.45.
163
da sua oficialização como grêmio recreativo, decidiu desenvolver um enredo motivada
Diferentemente dos enredos de 1998 e 2001, a abordagem não foi centrada num
Contribuiu para o sucesso do desfile a escolha de um samba de 2004 que possui uma das
melhores melodias entre as composições da fase mais recente da escola, e que teve notas
máximas dos julgadores além de ter recebido críticas positivas no meio carnavalesco.
das performances, um bom samba contribui decisivamente para um bom desfile. A letra,
como se pode ver a seguir, não tinha nada de muito original em sua construção, sem falar
que enredos abordando a região Norte já não representavam uma grande novidade. Por
outro lado, a referência ao nome da cidade homenageada não dá entender que introduzida
Brilhou o Eldorado
No coração da mata as guerreiras
Belezas naturais, riquezas minerais
O reino de Tupã ergue a bandeira
Êh! Manôa
Minha canoa vai cruzar o Rio Mar
Verde paraíso
É onde Iara me seduz com seu cantar
164
Viva a Paris Tropical
aprimoradas pela sua diretoria desde o primeiro desfile da Comissão de Carnaval em 1998.
os integrantes da Comissão de Frente. Laíla sempre foi muito atento com a passagem das
alas da Velha Guarda e das Baianas, que pela idade elevada dos componentes não
poderiam ser submetidos a passo acelerado em caso de possíveis problemas da escola para
o cumprimento do tempo regulamentar. No total, desfilam por volta de quatro mil pessoas.
Talvez por isso as atenções tenham ficado tão dividias com as inovações
vinha da experiência com escola do Grupo de Acesso e ganhou destaque com o enredo O
especialmente por causa da alegoria do DNA que praticamente não usou recursos plásticos,
teve pessoas com pintura corporal sobre uma estrutura realizando uma coreografia.
165
Imagem 18 – Carro “Criação da Vida”. Foto Wigder Frota.
Houve imensa repercussão e, mesmo que não fosse algo totalmente novo,
aconteceu de tal forma que impactou pessoas que vinham reclamando da “mesmice” nos
do espetacular até a última potência. Por outro lado, o artista vem recebendo críticas por
oficialmente pela diretoria da agremiação com o apoio do Governo do Rio Grande do Sul e
carnaval que a ideia tinha partido de Laíla, pensada anos antes, em meio a uma viagem do
166
diretor de carnaval pela região sul do país. Abordar o papel dos jesuítas exaltando a
expansão da fé cristã favoreceu uma reaproximação com a Igreja depois de recentes atritos.
retomado dos tempos de Joãosinho Trinta o embate com a Igreja Católica, por causa do uso
não foi favorável para a escola. Em 2003, surgiu a ideia de uma encenação em que Cristo
seria representando portando arma. Seria uma denúncia da violência nas ruas do Rio...
Por mais que o enredo tenha sido definido em função da possibilidade de captação
desenvolver o tema das missões jesuíticas sem transformá-lo num simples pretexto para
introdução deste trabalho, esse veículo oficial do grêmio existiu entre 2004 e 2010 com
publicação mensal, por vez com uma edição extra no mesmo período, cobrindo os
então governador Germano Rigotto e do prefeito de São Miguel das Missões no desfile.
Antes disso, Rigotto esteve em visita ao barracão, onde literalmente vestiu a camisa da
167
escola e posou ao lado do patrono Anísio Abraão para uma foto do jornal recebendo um
vista da ética na gestão pública. Nos anos 2000, poucos anos depois da condenação dos
no lado técnico da organização do desfile era algo muito semelhante ao que já vinha
212
C. REVISTA Beija-Flor. O Beija-Flor. Ano 1. Fev. 2005. p.11.
168
fazendo a Imperatriz Leopoldinense nos seus carnavais. Na Beija-Flor, passou-se a
atentando para que a disciplina não esvaziasse os componentes do seu conteúdo emotivo.
escolas de samba e torcedor da azul e branca de Nilópolis, escreveu um artigo para explicar
a ascensão dela no carnaval carioca na segunda metade dos anos 1970. No texto, algumas
que haviam se acostumado os desfilantes da Beija-Flor, algo até favorável para a expressão
Em se tratando da era dos patrocínios, mais uma vez a letra do samba da Beija-Flor foi
próprio Estado do Rio Grande do Sul. Além do mais, o samba possuiu uma abertura
fortíssima com a invocação quase completa à Santíssima Trindade: “Em nome do Pai, do
para a maioria das pessoas do carnaval isto tende a ser uma exaltação da fé cristã,
um estudioso como Luiz Antonio Simas para nos chamar atenção do quanto são complexas
as culturas de diáspora como o samba. Versos contando a saga dos jesuítas, porém,
cantados sob uma estrutura rítmica negra cujo fundamento está nas macumbas cariocas.
Desde os anos 1970 o seu lugar estava assegurado entre as “grandes” do carnaval carioca,
portanto, o mérito da nova fase de vitórias passou a ser explicado pela diretoria e
213
MELLO, Marcelo de. Em Nilópolis, disciplina de jesuíta. O Globo, Rio de Janeiro, 10 fev. 2005, Opinião,
p.7.
169
reconhecido na imprensa como a valorização do trabalho coletivo, tanto dos artistas quanto
dos participantes do desfile através das alas de comunidade num momento de degradação e
fragmentação de laços comunitários que atingia até mesmo agremiações ditas tradicionais.
genial – entenda-se Joãosinho Trinta nas entrelinhas de declarações de Laíla – como único
Flor não constituíram um fenômeno que tenha produzido mudança no padrão estético do
Daí a conformação de uma rivalidade entre a escola de Nilópolis, sob o comando de Laíla,
e a Tijuca de Paulo Barros, que inclusive teve naquele momento dois vices consecutivos.
A busca pelo tetra atraiu muitas atenções para a Beija-Flor, e também acirrou a
disputa geral em vista do empenho das coirmãs para barrar a conquista de um título de
tanto peso, inédito para a Beija-Flor como para a maior parte delas. No meio carnavalesco
se chegou a falar de um “efeito Beija-Flor” sobre a produção dos desfiles das concorrentes
e ainda ganhou força a ideia de que para vencer o concurso elas deveriam se preocupar
relacionado a um país, Angola ou Venezuela. Como se sabe isto não aconteceu e o projeto
inspirado no país latino-americano acabou sendo abraçado pela direção da Vila Isabel.
fatores em jogo para alcançar esse sucesso, a começar pela capacidade de negociação da
170
diretoria da agremiação com os patrocinadores a fim de assegurar a maior liberdade
possível para criação dos artistas. Eles precisam conhecer bem o lugar, a sua cultura, para
então poderem elaborar uma narrativa significativa tanto no aspecto verbal quanto visual.
O anúncio do enredo para o carnaval de 2006 foi dado na edição de abril do ano
anterior no jornal O Beija-Flor. No dia 25 desse mês e ano, um encontro no barracão entre
agremiação do próprio carnaval, sendo o único artista do samba na foto. Personagens como
fora do universo das escolas de samba. Imagine como muitos políticos de atuação local
214
Cf. COM A FORÇA de um vulcão. O Beija-Flor. №. 6. Ano 2. 2006. p.10.
171
Na mesma matéria, justifica-se o potencial da cidade mineira “dar enredo” por
maior campeã dos desfiles da cidade, e por isso considera a “Beija-Flor de Poços”.
Marcus Togni, apresentada primeiramente ao seu amigo Tamir Dias, então encarregado de
Shangai, à época um dos integrantes da Comissão de Carnaval, e então ele passou a tratar
com Anísio e Laíla a necessidade de viajar a Poços para estudar melhor a viabilidade do
Flor, a Comissão se reuniu com Togni no barracão e a partir dali ficaram definidos o
enfoque do enredo e a divisão dos setores do desfile. Já naquele momento estava marcada a
posição da escola em fazer da homenagem a Poços de Caldas apenas uma referência dentro
do enredo, e não o conteúdo completo do desfile. Uma fala atribuída a Laíla sintetizou esse
Apesar de elogios à Comissão, esse não deve ter sido o resultado mais desejado
pelo representante da cidade de Poços na reunião. Entretanto, Togni teria ficado satisfeito
172
cidade”. Eu diria até que para ele, pessoalmente, a promoção política por causa de sua
atuação direta como articulador do projeto de carnaval era lucro mais do que garantido.
que foi publicada a sinopse já era perceptível o apelo propagandístico. O destaque da foto
brasileiras tão influentes no universo do carnaval, e das belezas da própria cidade mineira.
oficiais da Prefeitura de Poços fazendo propaganda dos pontos turísticos da cidade. Não
tenho notícia de escolas que conseguem produzir jornais e revistas através da venda de
215
Cf. O Beija-Flor. №. 8. Ano 2. 2002.
173
exemplares, até os sites independentes dedicados à cobertura do carnaval sobrevivem com
limitações financeiras. Portanto, é bem provável que o patrocínio dos enredos sirva
colocar a cidade de Poços como exemplo nesse sentido. O texto da revista explicava o
frente às principais do Rio de Janeiro. Ora, o projeto de patrocínio público para uma
216
Cf. O MILAGRE das águas de Poços de Caldas. O Beija-Flor. №. 10. Ano 2. 2006. p. 3
174
agremiação de renome tende a ser mais justificável para as autoridades envolvidas, se bem
que houvesse uma consulta à população da cidade homenageada seria possível encontrar
número significativo de pessoas contra o aporte de verba para qualquer escola do Rio.
agremiação, junto com entrevista dos integrantes da Comissão: Bira, Fran Sérgio e
Shangai. O primeiro se manifestou sobre o fato de o tema água ser recorrente na história
recente dos desfiles, inclusive como enredo de dois anos atrás na Beija-Flor que falou de
217
Cf. O MILAGRE das águas. RBF. 2006. p. 45.
175
preservação em meio à homenagem prestada a Manaus. Bira esclareceu que, na linha de
refinada através de diversos recursos e instrumentos teria sido o caminho para a realização
liberdade conceitual, podendo abrir margens para visões diferentes dentro da própria
equipe de trabalho, e até bastante complicadas em termos do que se entende como História.
Basta comparar as falas de Fran e Shangai a partir de uma mesma pergunta do jornal.
Beija-Flor: A gente percebe que a escola está fazendo uma incursão na história
com uma preocupação de recontar, até de maneira pedagógica, a cada ano. Para
2006, há a questão geográfica de Poços de Caldas, a topografia, a água. Visto
isso, como vocês vão montar o carnaval?
Fran Sérgio: Esse ano vamos partir para o não-histórico. Decidimos buscar um
caminho diferente dos últimos anos. O último enredo foi bem histórico, uma
maravilha de história. Em 2006, vamos percorrer um outro caminho, que é a
parte mística da água. Estamos pegando os atlantes, a vinda deles para Poços
de Caldas. É um enfoque baseado na mística.
produção do desfile de 2006. Enfático na defesa dos enredos patrocinados, devido aos
viabilidade para a cidade “virar enredo”, viajando para Poços em busca de informações que
No carnaval, a sorte com dinheiro não é garantia absoluta para o sucesso no desfile.
Portanto, o caminho seguido pela Beija-Flor para 2006 levou em conta a preocupação
diante da situação da escola estar novamente abordando uma cidade mineira, com uma
base histórica semelhante no que se refere ao passado colonial. Outro ponto seria a
necessidade de redução do número de componentes, tanto nas alas comerciais quanto nas
alas de comunidade. Laíla iniciou na Beija-Flor processo de extinção das alas particulares.
uma breve entrevista com Anísio e Farid Abraão. Perguntado sobre as expectativas em
Pode parecer um simples enredo – Poços de Caldas, cidade turística – mas não
é. É um tema muito atual, haja vista a preocupação do mundo com a falta de
água no futuro. Água é vida, é energia; não se vive sem ela. Temos um tema
atual e muito importante. Escolhemos Poços de Caldas, porque foi quem
realmente abraçou a Beija-Flor nos patrocinando. Uma parte até pequena, mas
o tema é o mais importante. Não fomos para Poços pelos 1,2 milhões.
177
Teríamos até um tema mais valioso financeiramente do que o seu conteúdo
como grande enredo. Fomos para Poços pela várias fontes de águas minerais da
região, reconhecidas no Brasil e no exterior. Há um entendimento de grandes
cientistas que dizem que onde há água há vida, como visto em missões feitas
pelo universo. Temos que pedir a Deus que possamos ter a capacidade de
desenvolver bem esse enredo. Nos temas apresentados nos últimos anos,
tivemos essa felicidade, e, com a água, não vai ser diferente. Vamos dar uma
mensagem muito valiosa nesse carnaval.
ficou realmente com o interesse das autoridades responsáveis pelo patrocínio que
desejavam ver nas alegorias e fantasias a expressão de louvor à fama turística da cidade
enredo. Uma primeira seleção aconteceu por lá com o objetivo de selecionar os melhores
sambas para que depois entrassem na disputa com os concorrentes do Rio de Janeiro.
parte da cidade, um grupo de pessoas foi mobilizado por Togni para desfilar na Sapucaí.
Flor registrou, por exemplo, a presença da autoridade no evento “Café com Empresários”,
parceiros comerciais para a Beija-Flor. A realização desse evento resultou numa foto de
capa para o jornal da agremiação, com Marcos Togni destacado entre público ouvinte no
importante no espaço da quadra, trata-se do ponto alto de um processo que pode durar mais
geral do carnaval. Uma escola grande como a Beija-Flor pode chega a ter dezenas de
composições inscritas, assinadas em média por três ou quatro pessoas, e que mobilizam
própria agremiação carnavalesca, enfim, tudo isso tem peso no universo do samba de
218
Cf. O Beija-Flor. № 10. Ano 2. 2006.
179
Na final de sambas do enredo sobre Poços, o Prefeito Sebastião Navarro marcou
presença e, inclusive, fez foto posando com a camisa do enredo entre o presidente
registro é o camarote do patrono, lugar por onde transitam pessoas “ilustres” originárias
dos mais diferentes universos sociais, o que marca o prestígio social do patrono e
contraventor. É preciso ressaltar que a foto foi publicada num jornal de circulação interna
da agremiação, mas mesmo assim atesta-se uma aparição pública do Prefeito de Poços sem
considerar que para muitos membros da classe política convém aparecer ao seu lado.
219
Imagem 25. Farid, Navarro e Anísio, final de samba de enredo.
vida / Sou água nave-mãe da existência”. E também aparece no final da segunda parte da
letra (junto com o nome do estado): “Poços de Caldas tu és Minas Gerais / Levanta sobre a
219
Cf. UM GRANDE samba. O Beija-Flor. № 13. Ano 2. 2006. p. 8-9.
180
Terra suas águas milagrosas / Preservação a sinfonia da vida / Ouço o lamento da natureza
que chora / E o clamor que vem das águas / A eternidade pode começar agora”. Como
observam Simas e Mussa, pelo menos um de cada refrão nos dois que se costuma compor
nos últimos anos para os sambas de enredo têm sido utilizado para expressão do orgulho
colabora para a empolgação dos componentes no desfile, e nessa caso da Beija-Flor teve o
mérito de não ter ficado com versos que narram uma experiência fora do enredo.
fazia parada longa que, segundo comentaristas de carnaval, não teria sido boa iniciativa
à quadra para prestigiar a final do concurso de samba de enredo e esteve depois na festa de
220
Cf. FESTA do bem. O Beija-Flor. N. Ano 2. 2006. p.4-5.
181
O enredo que partiu da ideia de uma homenagem a Poços de Caldas acabou se
transformando numa obra de clamor pela preservação das fontes da água doce e a proteção
dos oceanos, citando a cidade mineira como um exemplo de cuidado com tal riqueza.
Assim como a obra musical escolhida passa por lapidações depois de composta até chegar
finalmente ao desfile, em função dos resultados de ensaios com os componentes que vão
mais amplo podem sofrer a influência de uma série de situações durante os preparativos.
carnaval de 2006 foi uma recepção, no barracão, ao então Ministro da Cultura, Gilberto
Gil, artista com histórico de apoio às causas do Partido Verde. Na verdade, Gil estava em
através da imagem de Gil ostentando a camisa do enredo oferecida a ele como presente.
221
Cf. O Beija-Flor. N. 15. Ano 2. 15 fev. 2006.
182
Aparecem na mesma foto Nelsinho David, diretor da agremiação, e o presidente
Farid Abraão, que tem longa carreira política e por isso mesmo deve ter se sentido muito
satisfeito com a aparição ao lado do grande artista e então ministro. As camisas do enredo
se tornaram para todas as escolas de samba do Rio de Janeiro outro importante meio de
referência específica a Poços de Caldas, pois o que se tem é uma representação de uma
visão espacial do planeta marcada pelo azul das águas, ressaltando a importância desse
que por si só remete à ideia de natureza. Dois deles aparecem na camisa, junto com flores
Numa outra imagem, Gil aparece em cena emblemática. Ele e o então Prefeito
César Maia estão numa sala do barracão e fazem a tradicional demonstração de respeito à
velhas guardas, baianas e outras alas. Na quadra da Beija-Flor, são sempre os casais que
fazem uma apresentação junto com a bateria para dar início aos ensaios. Selminha e
aos pés da grande imagem construída como alegoria que foi depois consagrada na quadra.
183
Imagem 28. Sirkis, Gil, Selminha Sorriso e César Maia. 222
potente instrumento político construído nesse sentido a serviço família Abraão David. Um
escola de samba da Baixada Fluminense que tem seu barracão no Centro do Rio de Janeiro,
mesmo tempo, uma dos artistas mais importantes da história da música brasileira, homem
negro baiano, afinado com o universo musical do samba carioca. Por sua vez, César Maia
vinha construindo desde seu primeiro mandato no começo dos anos 90 uma aproximação
com o universo do samba, especialmente dos dirigentes. Foi ele quem concretizou o
processo de entrega da gestão da festa a LIESA e ainda foi o responsável pela construção
da Cidade do Samba, arrendada às escolas de samba e que passou a ter uma Prefeitura
própria, comandada pelo filho do banqueiro do bicho Capitão Guimarães, naturalmente sob
O desfile da Beija-Flor acabou confirmando uma percepção que surgiu no meio das
222
Cf. O MINISTRO cantor visita a casa da Beija-Flor. O Beija-Flor. № 15. Ano 2. 15 fev. 2006. p.6.
184
excessivo aos mares em detrimento do rios, e tendo em vista que a cidade homenageada
pelo poder de suas fontes de águas medicinais se localiza num estado brasileiro que não é
produção do desfile tenha influenciado a mudança de abordagem que ficou tão evidente.
A penúltima alegoria representava o extinto vulcão sobre o qual Poços de Caldas teve sua
cidade mineira como sendo a volta dos míticos atlantes, uma versão de sua vocação para o
uso sustentável das águas medicinais a serviço do seu povo e de todos os visitantes.
Imagem 29. “Carro Poços de Caldas – a Cidade das Águas – a Nova Atlântida”.
185
Imagem 30. Carro “O retorno dos atlantes – o equilíbrio do planeta e o futuro da
do vulcão, a origem colonial da cidade, tudo isso facilita o emprego de recursos já bastante
utilizados nos desfiles. Destaques usando fantasias exuberantes na linha barroca, muito
contou com a aposta num estilo futurista, que nunca foi o forte da Beija-Flor e sim de
carnavalescos que passaram pela Mocidade como Renato Lage e Lílian Rabelo. Formas
cônicas, cores metálicas, neons, adereços e esculturais que transmitiam uma impressão de
fundo do mar até muito mais próxima de cenas espaciais da ficção científica no cinema.
Enfim, as apostas da escola sofreram por alguns equívocos, e mesmo assim fez bom
desfile que lhe assegurou a vaga entre as Campeãs, mas em quinto lugar. Para uma escola
que desde 1998 vinha aparecendo em primeiro ou segundo, e entrou empolgada com a
formação, anunciou sua saída e foi tentar voo solo na campeã Unidos de Vila Isabel.
carnavalesco campeão daquele mesmo ano pela própria Vila Isabel, com o enredo sobre a
latinidade cujo patrocínio do governo venezuelano, por meio de sua estatal do petróleo,
havia sido oferecido primeiro para Beija-Flor. Louzada deixou a Vila descontente com a
atitude da diretoria de lá ao atribuir coautoria a Joãosinho Trinta no enredo Soy loco por ti,
América: a Vila canta a latinidade. E para piorar a situação, houve o anúncio de que
equipe, sem que ninguém por vaidade ou autoritarismo se sobrepusesse aos pares. Por sua
trabalho na agremiação, lembrando que já tinha sido chamado duas outras vezes antes por
Laíla para integrar a Comissão - uma delas justamente na primeira formação em 1997 -
mas que então resolveu aceitar por saber que seria capaz de contribuir com a Comissão.
Louzada falou sobre suas expectativas em relação ao trabalho com o grupo de artistas.
Louzada – Já conheço todos eles. Como disse, quando a Comissão foi formada,
também fui convidado. Conheço inclusive os que já deixaram a Comissão. O
carnaval se incumbe de nos aproximar, nos deixar mais íntimos. Conheço o
187
Shangai há muitos anos, antes mesmo de vir para a Comissão. Já conhecia o
Bira e o Fran Sérgio. Tenho certeza de que não vou ter dificuldade de trabalhar
com eles. Todos vão gostar de mim. E eu já gosto de todos eles. O negócio é
saber pisar onde está chegando. Tenho que respeitar o espaço de cada um, e
eles o meu.
Louzada – Cada escola tem a sua tradição, o seu modo de trabalho, mas o estilo
é imposto pelo carnavalesco. Aqui na Beija-Flor são várias cabeças pensando.
Criou-se um estilo de carnaval. Mas vou dar um diferencial a isto. A Beija-Flor
vai mudar um pouquinho. A Comissão permanece desde quando foi formada,
mas agora vai entrar uma pessoa com características diferentes. Alguma coisa
vai mudar. Não sei se sensível ou drasticamente. O Laíla falou o seguinte: se
eles não achassem que precisavam de uma outra pessoa não teriam me
chamado. Sinto-me feliz com essa colocação, porque é sinal de que estarei
somando. Vou poder dar a minha marca. Não será o carnaval com a marca do
Alexandre sozinho, mas vai ter algo meu. Assim como dos outros da comissão
também.
tema mesmo sem vínculo de patrocínio caso fosse mais apropriado para a escola.
escolha desta data para o anúncio não foi por acaso, conforme explicação da própria
diretoria, pois mais uma vez em sua história a Beija-Flor iria desenvolver um enredo afro.
188
Imagem 31. Capa do jornal. 223
africanos escravizados no Brasil, as pessoas do samba passaram a ter muita simpatia por
enredos nessa linha.224 Assim como o Salgueiro, a Beija-Flor construiu para si a partir do
trabalho de Joãosinho Trinta o perfil de uma escola identificada com tais enredos, basta
lembrar alguns com bons resultados: A criação do mundo na tradição nagô (1976, 1º.
lugar), A grande constelação das estrelas negras (1983, 1º. lugar), Sou negro, do Egito à
liberdade (1988, 3º. lugar) e A saga de Agotime – Maria Mineira Naê (2001, 2º. lugar).
223
Cf. O Beija-Flor. № 19. Ano 3. 2006.
224
Cf. PAMPLONA, Fernando. O encarnado e o branco. Rio de Janeiro: Novaterra Editora, 2013;
GUARAL. Nem melhor, nem pior: Os Acadêmicos do Salgueiro e a história do negro nos desfiles dos anos
de 1960. Rio de Janeiro: Multifoco, 2015.
189
Áfricas – do berço real à corte brasiliana foi uma proposta apresentada por
Alexandre Louzada e que teve total aprovação de Laíla. O carnavalesco conta que tinha
essa ideia há muito tempo, sendo inclusive do conhecimento do diretor de carnaval desde
quando eles dois trabalharam juntos na Grande Rio. Em diversas exposições sobre o
enredo, Louzada foi enfático ao colocar sua preocupação em evitar a repetição de histórias
estruturados, governados por soberanos de dinastias muito antigas, e que isso costuma ser
esquecido até nos conteúdos das escolas de educação básica em nosso país. A intenção do
sentido de realeza no enredo estaria associado à riqueza cultural dos povos africanos.
Hoje o samba vem mostrar seu legado e faz do pranto lembranças distantes, das
lágrimas, pérolas e diamantes, do sofrimento e da resistência, o seu rico
tesouro.
Vem transformar o banzo, o sentimento acorrentado num elo forte de ouro,
uma aliança com Aruanda, da trajetória dos tumbeiros, criar uma odisseia de
bravura de quem venceu o inferno mar, na travessia da Calunga levar uma
oferenda como quem se entrega ao destino no doce abraço de Iemanjá e no
violento jogo do oceano, uma dança a cada onda, vislumbrando no horizonte a
esperança de outra África por encontrar.
Apesar do forte costume dos enredos nessa linha trazerem muitas referências do
culto aos orixás, o carnaval da Beija-Flor foi sensível à diversidade das culturas de
projeto de Áfricas foi autoral, ou seja, não foi pensado a priori para contar com captação
190
de patrocínio governamental ou empresarial, e isso explica porque nenhum país africano
teve seu nome mencionado na letra do samba ou aspecto cultural representado em alegoria.
se abordou o tema da fome com uma louvação do Programa Fome Zero e homenagem da
africano, o que contou inclusive com comitivas do presidente em sete visitas em África
225
relacionadas a interesses estratégicos do Brasil na área econômica. Se não houve
desfile, e ainda assegura de forma muito conveniente prestígio político para o patrono.
registrou em foto o jornal O Beija-Flor. Faz todo sentido uma representante do governo
das culturas de diáspora. Entretanto, vale ressaltar a aproximação com uma escola de
225
Cf. VISENTINI, Paulo Gustavo Fagundes e PEREIRA, Analúcia Danilevcz. “A política africana do
governo Lula”. p. 4. Disponível em: https://www.ufrgs.br/nerint/folder/artigos/artigo40.pdf Acesso em 22
mai. 2017 às 22:00.
191
tomo como base observações que faço no meio universitário e político, considerando
percepção de que escolas de samba são dominadas pela contravenção, de que estão
genuínas expressões culturais negras de resistência, tudo isso faz com que pensadores e
Imagem 32. Farid, Matilde, Bira (Comissão) e Maria Ceiça (atriz, assessora da Min.). 226
samba devem ser contempladas por políticas de cultura de longo prazo que reconheçam a
sua importância como instituições que produzem saberes, educam as camadas populares e
tirada na sala da presidência, tem ao fundo uma imagem de parede com a representação
226
Cf. AGENDA. O Beija-Flor. № 27. Ano 4. p.2
192
umbandista de Iemanjá. Ora, em quantos espaços de trabalho no Brasil há esse tipo de
decoração? Daí a contribuição que as escolas de samba, mesmo tendo problemas graves na
Deve-se problematizar essa tendência para o igualitarismo pelo fato desse processo
em ritmo bastante exaustivo quando se aproxima o carnaval, sem falar nas contratos
informais que geram precariedade das condições de inúmeros profissionais. Mesmo assim,
são muitas as histórias de pessoas que chegaram sem nenhuma formação, tendo nível de
escolaridade muito baixo, mas que descobriu uma vocação nesse universo. O trabalho
foi publicada entre as primeiras páginas da revista anual da agremiação. É mais uma prova
193
Imagem 33. Mensagem do Presidente Lula. 227
Presidência da República
Secretaria de Imprensa e Porta-Voz
Brasília, 21 de dezembro de 2006.
Todos sabem do meu amor pelo futebol, pelo carnaval, pelo samba, por
tudo o que é mais brasileiro. Naquele que é considerado o “maior espetáculo da
Terra”, todos os elementos da nossa cultura passeiam e dançam, na celebração da
identidade e da alegria do nosso povo.
Neste ano em que a Beija-Flor desfila em seu enredo a África como
berço cultural do Brasil, exalta a luta dos negros e quilombolas, canta Zumbi e o
Candomblé, tenho ainda mais satisfação em dedicar essa mensagem a todos os
integrantes da valorosa escola carioca.
Assim como o meu governo tem se dedicado a estreitar as relações do
Brasil com as nações africanas e reconhecer plenos direitos aos afrodescendentes
de nosso país, quero ver todas as cores dessa nova democracia desfilando na
avenida neste Carnaval.
227
Cf. RBF. 2007. p. 6 e7.
194
Discurso condizente com a estratégia adotada pelo Presidente buscando consolidar
sua base política entre os setores mais pobres da população. Petistas e outros políticos e
alternativo de rodas de samba da cidade que é em boa parte independente do poder que os
nos blocos que desde o início dos anos 2000 passaram a ter importância de peso nos
festejos carnavalescos cariocas. Jornalistas identificados com tal campo político e afinados
com carnaval, consultados por mim no âmbito desta pesquisa chamam atenção para a
mudança de foco dos próprios jornais do grupo Globo nos últimos tempos, com o
zona sul do Rio de Janeiro; e do Extra, voltado para os preparativos dos desfiles das
Ou seja, confirma-se uma tendência da classe média carioca, da qual é originária a maior
parte dos intelectuais, inclusive de esquerda, de aproximar-se mais dos atuais blocos.
com a Embaixadora da África do Sul no Brasil, Lindwie Zulu, falando sobre experiência
O fato do enredo de uma escola de samba motivar esse tipo de debate é prova do
quanto essa instituição é relevante para a cultura brasileira. E ainda mostra um caminho de
ação cultural para promoção do diálogo no âmbito das relações internacionais, justificando
195
O carnaval da Beija-Flor recebeu avaliação muito positiva dos comentaristas da TV
comunidade de desfile com a escolha de um enredo afro propício para a identificação dos
A vitória foi marcante para o ano de estreia de Alexandre Louzada como integrante
de sua carreira, lembrando o campeonato anterior com a Vila. Essa consagração atraiu
maneira mais firme depois do registro do samba do Rio de Janeiro como patrimônio
cultural imaterial, em 2007, por obra dos pesquisadores articulados junto ao Centro
Ainda no primeiro mandato de Lula foi criado o Programa Escola de Fábrica que
visava promover a formação de jovens estudantes da rede pública, de baixa renda familiar,
hoje é Instituto Federal do Rio de Janeiro – articulou uma parceria com a Escola de Samba
Como docente contratado para o projeto, recorso que o curso oferecia aos alunos aulas de
quadra da Beija-Flor, e ainda havia aulas práticas com instrução de artesãos no barracão.
196
É provável que tenha havido influência do deputado federal Simão Sessim para
viabilizar esse projeto. Ele costuma de colocar como responsável pela instalação da
unidade do antigo CEFET em Nilópolis por meio de sua atuação parlamentar junto ao
Governo Federal. Conhecidos meus, entre atuais professores do IFRJ e ex-alunos, relatam
que o deputado tem simpatizantes entre os profissionais da instituição e através disso ele
por policias federais da Operação Furacão, deflagrada no mês de abril, foram identificados
suspeitas não foram confirmadas, e depois não houve da parte dos dirigentes da LIESA
maiores esforços a fim de dar mais transparência ao processo de escolha dos jurados.
com a divulgação das suspeitas da Polícia Federal nas páginas dos jornais cariocas.
Fonseca, um dos editores da Revista Beija-Flor, coloca que dedicação e trabalho seriam
por sua vez, teria um diferencial, discutido em matérias produzidas para a edição de 2008.
É interessante que o referido texto segue com uma parte intitulada “A credibilidade
197
dos desfiles e especialmente ao trabalho do então diretor cultural da entidade, o
público para os dirigentes das escolas de samba em meio às discussões para realização do
carnaval de 1987, quando Anísio Abraão era o presidente da LIESA. Hiram ficou
diferencial atribuído a Beija-Flor como justificativa dos seus títulos no carnaval. E nisso
criação dos artistas somada à disposição de apostar em novos talentos. Tudo isso é
apresentado como algo que depende especialmente da figura do patrono Anísio Abraão
mesmo sem pedido da diretoria. O enredo de 2008 da Beija-Flor, por exemplo, teria
que recebeu de Lemos o convite para fazer um workshop sobre produção de carnaval que
veio a acontecer na cidade do Amapá, e lá teria brincado com o Secretário dizendo que
198
Macapá daria um bom enredo. Lemos levou a história a sério e incentivou o artista a
conhecer melhor a cidade, municiando-o com materiais de pesquisa. Como se não bastasse,
Louzada aproveitou a presença no lugar para fazer mais observações de sua cultura.
idealizada por ele e que começou na Vila Isabel, com a latinidade. Na Beija-Flor foi dado o
segundo passo, com Áfricas, e teve o fechamento com Macapaba – equinócio solar:
da cidade localizada na região norte do Brasil. Vale lembrar que a escola estava fazendo
uma segunda “viagem” ao norte do país, pois havia homenageado Manaus em 2004.
fantásticas ao meio do mundo. Com base em narrativas míticas, nos saberes e costumes
que constituem herança cultural multifacetada do lugar, marcado ainda pela significativa
dirigentes de escolas de samba, estes muitas vezes conhecidos por sua ligação com os
público que acontecem fora dos domínios territoriais dos governos. Sem falar nos péssimos
199
um povo que até hoje se conhece mal ter a oportunidade de ver sua grandeza territorial e a
rica diversidade cultural representadas através da arte carnavalesca das escolas de samba.
área de Artes que trabalhou como auxiliar direto de Alexandre Louzada na produção dos
228
carnavais de 2007, 2008 e 2009. Carlos conta que viajou junto com integrantes da
houve atividades com dançarinos e ritmistas da escola. O diálogo com artistas locais, na
visão do cenógrafo, proporcionou uma rica experiência para todos e a Comissão ainda
Carlos não considera que tenha existido alguma interferência indevida da parte dos
enredo com patrocínio, porque seria um artista de muita capacidade de diálogo, experiente
espécie rara de beija-flor, o chamado Brilho-de-fogo, que tem habitat em terras do estado
do Amapá. A descoberta foi tão importante para concepção do desfile que o carro abre-alas
228
CARVALHO, Carlos. Entrevista concedida ao autor em: 30 Jun. 2016.
200
Imagem 34. Carro abre-alas “Brilho de Fogo – Rastro Iluminado ao Paraíso do Fenômeno
enredo, pelo que narra. Apresenta luxo e grandiosidade, basta ver as proporções da alegoria
da decoração do abre-alas, até porque é nesse carro que sempre desfila como destaque
nas laterais, a exemplo da imagem. Portanto, podemos imaginar o cuidado redobrado com
201
os melhores materiais plásticos, a qualidade dos artistas, todo isso é também ostentação de
riqueza, com a posse de uma bela mulher, em demonstração de poder do patrono da escola.
objetivo de dar uma demonstração redobrada de garra e orgulho, como sugeria o primeiro
refrão do samba: “O meu valor me faz brilhar / Iluminar o meu estado de amor /
Comunidade impõe respeito / Bate no peito eu sou Beija-Flor”. Como já foi comentado
neste capítulo, uso de um dos refrões como uma espécie de “grito de guerra” passou a ser
uma marca das escolas, especialmente na Beija-Flor, e os compositores investiam nisso até
pensando como fórmula de sucesso para valorização de suas obras nas disputas internas.
tratamento artístico criativo, pode ser bem avaliado pelos componentes, público e júri.
do prestígio acumulado pelo carnavalesco com três vitórias consecutivas. Carlos Carvalho
relatou para mim que as negociações do aporte financeiro no carnaval de 2008 teriam
e contextos culturais, de modo que fosse uma exposição didática e linear e não uma
marketing através do enredo seria uma ligada a segmentos de higiene pessoal e cosméticos.
202
Carlos Carvalho conta que foi responsável por articular um processo formal de
depois de ter conhecido um livro editado com patrocínio desse grupo empresarial cujo
tema era justamente o banho. Aconteceram reuniões para apresentação do projeto artístico,
comunicação formal por e-mail, para tratar de possíveis ações da empresa e exploração de
anúncio da prisão preventiva do patrono Anísio Abraão por causa de uma primeira
empresarial temia ver sua imagem associada aos problemas de Anísio com a Justiça.
O poder familiar vinha desfrutando de tanta força política que o próprio Presidente
Lula chegou a gravar uma mensagem com pedido de voto para o filho do deputado Simão,
2008. Como morador da cidade lembro bem da circulação de carros de som fazendo
Obras de Nilópolis”. Seria interessante saber se gravações assim foram feitas por Lula para
Lula como expectador, junto com o então aliado governador Sérgio Cabral no seu
Naquele carnaval, a Beija-Flor perdeu a chance de conquistar o terceiro tri de sua história.
203
Nas últimas décadas, os patronos enfrentaram várias situações em que foram
contando com recurso de bons advogados, para retornarem ao palco do carnaval assim que
a “temperatura” das denúncias fica mais baixa. Com isso, a operação da vasta rede de
influência dos contraventores continua acontecendo, sem que aliados políticos e outras
figuras próximas se exponham. Por outro lado, existem apoiadores dessa rede de poder
ligada a negócios ilícitos que mesmo sendo detentores de projeção pública não se
diretorias das escolas do Grupo Especial, tendo em vista o carnaval de 2010, pessoas do
anos de Brasília, que antes teria sido oferecido para a Portela, acabou sendo realizado na
Desde meados dos anos 60, o poder familiar em Nilópolis se baseia num elo entre
dois ramos: Sessim e Abraão. Seria preciso investigar mais a fundo o papel do deputado
federal Simão Sessim na construção do referido projeto de enredo, pois, apesar de não
podermos afirmar que ele tenha interferido para atrair o aporte, verificamos que o político
pesquisas e também cumprir agenda social para divulgação do enredo, como já havia se
tornado costume devido à tendência dos temas da Beija-Flor. Tido como figura central da
equipe de carnavalescos, Louzada não fez objeção ao fato do projeto artístico ter resultado
204
No final de maio de 2009, O Beija-Flor anunciou a confirmação do patrocínio de
três milhões de reais vindos do governo do Distrito Federal para a escola desenvolver a
construção da capital federal, patrimônio cultural da humanidade, e também por ela ser
uma “esquina do Brasil” através da qual se cruzam pessoas de todas a regiões do país.
administrativo Farid Abraão David comunicou, para o mês de julho, o envio de uma
locais fazendo parte do concurso oficial para escolha do “hino” da escola em 2010.
pelo jornal –, além do presidente Farid, o vice Nelsinho David, os carnavalescos Louzada e
229
Cf. EM 2010, a Beija-Flor é Brasília. O Beija-Flor Sustentável. № 1. Ano 1. jul. 2009. p.9
205
As escolas de samba desde muito tempo são cobiçadas por políticos interessados
em usá-las para ampliação de sua rede social. Eles aparecem em festividades nas quadras,
pessoas veio de Brasília para visitar a Cidade do Samba, o barracão da escola, e ainda
los conhecer melhor, assim como o público do desfile, a distante capital federal.
chefe da Casa Civil do Governo do Distrito Federal, José Geraldo Maciel; o secretário de
Roberto Arruda (DEM) foi justificada por sua agenda oficial de compromissos, mas para
inclusive uma minibiblioteca para os visitantes. Em função disso, seria programada uma
palestra do governador sobre a capital federal para estudantes da rede pública de Nilópolis.
206
Antes de irem para a quadra, os membros da comitiva presentearam a Beija-
Flor, através de seus carnavalescos. O secretário de Governo, José Humberto
Pires de Araújo, passou às mãos de Alexandre Louzada uma imagem de Dom
Bosco, padroeiro de Brasília. O santo visionário, dizem historiadores, teria
sonhado com o surgimento de uma civilização entre os paralelos 15 e 20. O
sonho tornou-se realidade, e mais, a capital federal, nascida das palavras do
então presidente Juscelino Kubitschek, mediante o projeto do urbanista de
Lucio Costa e as linhas arquitetônicas de Oscar Niemeyer.
- Trouxemos Dom Bosco para cá porque assim como ele sonhou com a
construção de nossa cidade, nós sonhamos com o sucesso do Carnaval da
Beija-Flor. Além disso, estamos certos de que a escola é uma relevante
representante da cultura brasileira, tal qual Brasília é importante símbolo e
agente no desenvolvimento de nosso país – concluiu ele, notoriamente
emocionado. 230
secretário de Turismo do Governo do Distrito Federal chamando atenção para a rica vida
cultural e para qualidade dos serviços lá oferecidos, num claro sinal do objetivo
publicitário que costuma vir na “comissão de frente” desse tipo de projeto de carnaval.
que trouxe a cobertura do evento temos um breve relato da noite de disputa que envolveu
governador do Distrito Federal Paulo Otávio Alves Pereira (DEM), o ministro do Trabalho
“Ratinho”, além dos deputados Simão Sessim (PP) e Ricardo Abraão (PTN). À época, os
Sessim estavam filiados ao fisiológico PP, partido da base do governo Dilma, e o ministro
“Ratinho” que era então o presidente do diretório municipal do partido em Nilópolis. Uma
230
O Beija-Flor Sustentável. № 3. Ano 2. nov. 2009. p.7
207
presença que também mereceu destaque, e aí devemos pensar que se justificava pelo
próprio tema do enredo, foi da neta do ex-presidente JK, Anna Christina Kubitschek.
Abaixo temos uma foto do patrono Anísio Abraão, ao centro, recepcionando em seu
Imagem 36. Anna Kubitschek, Paulo Otávio, Anísio, Lupi e “Ratinho”. 231
para campanhas eleitorais, e em alguns casos essas peças são cantadas por conhecidos
serviço há anos para os políticos das famílias Abraão e Sessim. Seu irmão Nêgo, também
um intérprete reconhecido, gravava para “Ratinho”. Este foi assassinado a tiros perto de
sua residência em Nilópolis, em plena luz do dia, às vésperas das eleições municipais de
2016. O que se comenta na cidade é que o crime teve motivação política, pois o então
candidato havia transitado em pouco tempo por grupos divergentes em busca de alianças.
231
Cf. BEIJA-FLOR escolha samba com harmonia perfeita e bela melodia. O Beija-Flor Sustentável. № 3.
Ano 1. nov. 2009. p.11
208
O poder familiar em Nilópolis foi adversário ferrenho do ex-governador Leonel
Brizola, sempre estive ligado a partidos de direita desde antes da ditadura militar (UDN,
ARENA, PDS, PFL, PP, PTN), e somente o quadro recente de descompromisso com os
termos uma situação como esta registrada na foto, que se tornou comum com contribuição
da política de alianças do centro para a direita que se estabeleceu nos governos Lula.
Distrito Federal, José Roberto Arruda, e aliados, num esquema de pagamento de propinas.
Dali em diante a diretoria da Beija-Flor procurou evitar agenda pública com autoridades do
Avenida, dizendo que não temia esse tipo de manifestação porque a escola também não se
atrativos aos visitantes, e de certa forma para o grande número de funcionários públicos e
parlamentares residentes, mas que são originários de estados das diversas regiões do país.
Nesse sentido, uma publicidade oficial paga pela empresa de turismo do Distrito
Federal teve publicação na Revista Beija-Flor, explorando a celebração dos cinquenta anos
209
Imagem 37. Publicidade da empresa Brasilatur. 232
locais, a exemplo do caso de Brasília que foi mostrada pela diversidade étnica e cultural de
sua população. Houve apenas uma alegoria fazendo referência direta à obra arquitetônica
linha de desenvolvimento do enredo não retira criatividades, entretanto, é algo que costuma
232
Cf. RBF. 2010, p.45.
210
constrangimentos possíveis patrocinadores, evitando discursos de contestação, atitudes
de uma escola de samba e do próprio ambiente dela, a depender das forças que a
controlam. Do ponto de vista dos patronos ligados à contravenção, esse processo propicia o
Se o enredo sobre Brasília acabou repercutindo mal para a Beija-Flor em razão das
no carnaval seguinte mudou rapidamente a atmosfera negativa que pairava sobre a escola.
Conta-se no meio carnavalesco que veio à cabeça do patrono quando esteve com a esposa
Fabíola numa das edições do projeto Emoções e Alto Mar, através do qual Roberto Carlos
faz shows em transatlânticos com produção do grupo que administra sua carreira. É
importante observar que, desde 2007, a bateria da Beija-Flor vinha sendo contratada para
211
Imagem 38. Ritmistas no desfile de 2011. Foto do Site Oficial da LIESA.
A confirmação oficial do enredo veio depois de uma reunião de Laíla com o próprio
“Rei” acompanhado de seus assessores. Em entrevista para o canal Globo News, logo
não acreditou de imediato que a trajetória de Roberto Carlos pudesse ser bem desenvolvida
e aceita pelo público num desfile de escola de samba, já que não se tratava do universo
De toda forma, era imaginável que o desafio de fazer um carnaval sobre a vida e a
obra do “Rei” pudesse ser compensado devido a sua imensa popularidade, pelo carisma, e
por todas as atenções que iria atrair junto a setores importantes da mídia, gerando muita
divulgação espontânea para o enredo através dos grandes meios de comunicação. Até
212
Imagem 39 – Capa com Roberto Carlos. 233
Até pouco tempo atrás desfilava na Urca, bairro do Rio de Janeiro onde mora o
cantor, o bloco carnavalesco Exalta Rei, somente com músicas de sua carreira. Havia,
portanto, um bom exemplo de que mesmo os não sambistas poderiam se sentir motivados a
apreciar o carnaval da Beija-Flor em razão da paixão pelo artista. E como se não bastasse,
carnaval, fruto dos interesses da empresa vinculados à parceria nas produções do “Rei”.
A força da figura de Roberto Carlos sempre esteve muito ligada a sua identidade
religiosa católica, a ponto de ter gravado canções importantes nesse sentido. Respeitando
233
Cf. RBF. 2011.
213
Imagem 40. Roberto Carlos em destaque na alegoria. Foto: Ricardo Moraes. Reuters/Veja.
É interessante notar que uma agremiação conhecida por embates com a censura da
Igreja Católica conseguiu criar a oportunidade de trazer para o carnaval uma representação
Mendigo, de 1989, era o completo oposto disso, representado como protetor do povo
pobre, da gente das ruas, em associação um universo inclusive condenado pela Igreja. Na
Na entrevista de Laíla para o canal Globo News, referida anteriormente, ele fez
questão de agradecer aos membros da Comissão que teriam trabalhado pelo sucesso do
desfile vitorioso, sem nenhuma menção a Alexandre Louzada. Fechou a conversa com o
repórter dizendo que, se um dia fosse desfeita a Comissão, gostaria de ter Renato Lage na
Beija-Flor como carnavalesco. Era um sinal de que a relação profissional com Louzada
estava abalada, apesar da conquista de mais um título com imensa repercussão midiática.
214
O ano de 2011 seria realmente o último do carnavalesco na agremiação
integrante mais solicitado na mídia para prestar esclarecimentos sobre os enredos e sobre a
produção dos desfiles. Segundo contam no meio carnavalesco, isso gerou inimizades.
afirmou que já havia se entendido pessoalmente com o diretor de carnaval Laíla depois do
tempo passado de sua saída da Beija-Flor. Entretanto, falou que dentro da equipe da
trabalho. Lembra que Bira e Bianca Behends foram colaboradores importantes durante a
sua passagem pela escola, dando a entender que teve divergência com Fran Sérgio.
ocasião da leitura da sinopse de São Luís, poema encantado do Maranhão foi anunciado
que o governo de Roseana Sarney (PMDB) iria patrocinar o projeto de carnaval para que
fosse uma homenagem a São Luís do Maranhão pelos quatrocentos anos da capital. Seria,
que, embora o enredo prestasse homenagem à cidade de São Luís, o governo municipal
não teve relação com o projeto, pois fazia uma oposição de direita aos Sarney.
234
CUTRIM, John. Governo precisa esclarecer melhor apoio dado à Beija-Flor e os benefícios que a parceria
pode trazer para o Estado. Jornal Pequeno 03 jun. 2011 Disponível em: <
http://jornalpequeno.blog.br/johncutrim/governo-precisa-esclarecer-melhor-o-apoio-a-beija-flor-e-os-
beneficios-que-a-parceria-pode-trazer-para-o-estado/> Acesso em: 06 fev. 2018.
215
Um blog dedicado à cobertura da política maranhense, situado no campo das
oposições à família Sarney e a seus apoiadores, fez uma relevante cobertura dos assuntos
235
relacionados ao carnaval da Beija-Flor desde o anúncio do enredo. A tendência das
uma grande escola de samba atenderia muito mais a objetivos particulares dos Sarney do
ainda mais contundentes por conta da escolha de um samba que não teria agradado em
percebido mais como uma homenagem ao carnavalesco Joãosinho Trinta – falecido meses
A versão definitiva do samba de enredo resultou de uma “fusão”, prática que não é
composição pode ter um refrão considerado mais adequado, enquanto que outra
apresentaria parte que melhor descreve o enredo. Busca-se ter acordo dos compositores
para a junção. Existem ainda casos relacionados à necessidade das diretorias das
agremiações conciliarem interesses dos compositores, por diversas razões, entre elas a
235
Cf. Marrapá! http://www.ma10.com.br/marrapa/
216
Do mar vêm três coroas
Irmão seu olhar mareja
No balanço da maré
A maldade não tem fé sangrando os mares
Mensageiro da dor
Liberdade roubou dos meus lugares
Rompendo grilhões, em busca da paz
A força dos meus ancestrais
concorrentes... Numa das postagens do blog Marrapá sobre o samba de enredo fundido sob
Todo mundo sabe que a Beija-Flor é uma escola que tem tradição de muita
proximidade com a cultura afrodescendente.
As duas primeiras estrofes da letra lembrando o martírio dos negros
escravizados e a menção à casa de Nagô deixam claro que a escola optou por
ressaltar essa tradição.
Até aí tudo bem.
Nas estrofes seguintes, em que pese o esforço da Escola para citar
símbolos ligados à cultura e história ludovicenses, não há como não ler a letra e
sentir que falta algo nela.
Percebe-se claramente que a Beija-Flor escolheu citar en passant temas
específicos a respeito de São Luís para conseguir explorá-los com mais
217
detalhes na passarela: a tradição indígena, o Bumba Meu Boi, Ana Jansen, os
casarões do Centro Histórico, o reggae, Joãosinho Trinta e Alcione – a
marrom, etc…
O problema está na distância entre a alienação de um samba-exaltação que se
apropria apenas de parte do imaginário de uma Ilha, que pelo menos nos
últimos 60 anos se quis Rebelde. Isso sequer é sugerido na letra do samba.
Não dá pra homenagear decentemente São Luís sem lembrar que é a capital do
Maranhão que carrega sozinha (ou quase, porque tem Imperatriz também) a
tarefa de renovar politicamente um estado marcado pelo atraso político e
econômico.
Tudo bem que a cidade agoniza num mar de indiferença e distanciamento, mas
de todos os adjetivos que São Luís escolheu para si ao longo dos séculos:
Upaon Açu, Atenas Brasileira, Ilha do Amor, França Equinocial, Ilha Rebelde,
Capital Brasileira do reggae, sem contar a vaidade local com o prêmio de
Patrimônio da Humanidade dada pela UNESCO; a Beija-Flor optou por criar
um imaginário sobre a cidades que diz muitas coisas, sem dizer nada.
Como boa ludovicense, vejo no samba-enredo da Beija-Flor apenas o
direcionamento para explorar no desfile propriamente dito, as mesmas
alegorias e adereços que tem tornado o carnaval de passarela do Rio de Janeiro,
a cada ano que passa, uma coisa desinteressante até para os turistas mais
endinheirados.
Vai ser um desfile cheio de fantasias de índios, alegorias louvando a África,
provavelmente um carro para homenagear Joãosinho Trinta e outro trazendo
Alcione e uma cambada de maranhenses “ilustres” simpáticos ao grande
financiador dessa farra carnavalesca: o Governo do Estado do Maranhão. 236
toda forma é seletiva – do imaginário de São Luís que acabou deixando a narrativa
contradições diante da tradição oral da Casa das Minas, é uma contraposição positiva.
Contudo, é muito complicado estabelecer uma regra para o que deve ou não estar
patrocínios no universo do carnaval, tanto que a própria postagem sugere que os únicos
No final de sua vida, já bastante doente e sem recursos próprios, Joãosinho Trinta
estreitou ainda mais laços com família Sarney. De qualquer forma, a sua importância como
artista do carnaval e a ligação profunda que teve com a história da Beija-Flor seriam mais
que suficientes para que recebesse homenagem naquele enredo, sobretudo depois do seu
236
TEIXEIRA, Lígia. Falando com Franqueza. Marrapá! 23 out. 2011.
218
falecimento. Um problema para a escola foi que essa ideia acabou gerando muita
casarão antigo de São Luís, e na parte de trás uma escultura de Joãosinho em meio a
Imagem 41. Velha Guarda à frente do Carro “A Histórica São Luís e a Arte do Gênio
com seu prestígio e sua autoridade uma homenagem especial da escola de samba ao
Joãosinho no enredo valeu muito a pena observar como símbolos das agremiações
registrar que após sua saída Beija-Flor logo depois desfile de 1992, Joãosinho só voltou à
quadra em Nilópolis no final de 2011, quando foi recebido com uma homenagem da
diretoria e de toda escola superando desavenças do passado. Pouco depois veio a falecer...
Imagem 42. Carro “A Histórica São Luiz e a Arte do Gênio João” – parte traseira
com o carnaval mais marcante de sua carreira: Ratos e urubus: larguem minha fantasia.
Obra de imensa repercussão dentro e fora do carnaval, pela capacidade que teve de
expressar contradições da estrutura social do nosso país e da própria festa. O enredo teria
sido também uma resposta do carnavalesco a críticos que consideravam seu trabalhado
artístico desatento aos problemas sociais e políticos, a além de ser apegado à estética do
luxo e do gigantismo das alegorias em detrimento das tradições das escolas de samba.
220
A oposição ao patrocínio manifestada por adversários do governo maranhense
chamou atenção para um aspecto que costuma ser bastante obscuro nessa modalidade de
através de fonte governamental, e as informações indicam que uma fundação teria sido
utilizada como operadora do repasse da maior parte dos recursos à Beija-Flor. Um milhão
turística do estado, e a parte maior de oito milhões ficara por conta da Fundação São Luís
blog Marrapá pelo então deputado estadual Marcelo Tavares (PSB-MA). 237
de dinheiro público gerarem insatisfação, já que tais recursos poderiam estar sendo usado
para atender demandas mais urgentes, inclusive no âmbito da própria cultura local. E a
situação ficou ainda mais complicada porque a homenagem ficou um tanto maculada pela
Operação Dedo de Deus contra banqueiros do bicho, inclusive Anísio, que ficou foragido.
sucesso esperado no desfile de 2012, pode ser que daí tenha surgido preocupação da
e houve a escolha daquela considerada melhor, uma parceria com associação empresarial.
A revista não informa, mas há indícios em outro meios de que houve um papel
237
CARNAVAL da Roseana: Estado gastará R$ 9,5 milhões com a Beija-flor. Marrapá! 14 fev. 2012.
Disponível em: <http://www.ma10.com.br/marrapa/20337/> Acesso em 10 fev. 2017 às 18:30.
221
cunhada de Anísio Abraão e destaque em alegorias nos desfiles da escola desde os anos 90,
agremiação no Brasil e no exterior. Além disso, é a agência que administra o site oficial da
convites para criadores assistirem ao desfile no camarote corporativo assim como para
tudo isso é provável que a Camarote Brasil tenha atuado como mediadora entre a Comissão
concepção da extensa narrativa visual que requer o desfile de uma escola das proporções
sobre os custos relativamente baixos da criação do animal, contestando a ideia de que seria
um bem de luxo. E ainda relatou uma série de utilidades para além dos serviços comuns
222
cinco continentes com público estimado de 580 mil assinantes. Isso sem falar
na cobertura nacional que atinge milhões de espectadores potenciais, e que é
replicada nas revistas, sites especializados, rádios, entre os formadores de
opinião do país. Visualizamos o Carnaval não só como a maior festa popular
do Brasil, mas como um grande canal de divulgação da raça, cuja dimensão
ainda não temos condições de mensurar porque trata-se de uma experiência
única. Nunca na história da raça foi feito um trabalho de marketing deste vulto.
Queremos com o desfile mostrar que o Mangalarga Marchador faz parte da
cultura brasileira, é um patrimônio nacional de grande riqueza sob vários
aspectos. Todo o trabalho de pesquisa desenvolvido pela Beija-Flor, que
culminou com a criação do enredo, das alegorias e fantasias, e que nós
acompanhamos de perto, foi feito com base em informações e fontes históricas
fidedignas, oficiais e técnicas.
um evento que tem transmissão mundial através da TV. Esta serve como referência para
Por outro lado, existe uma questão obscura no ramo de criação de cavalos de raça
que é a montagem de esquemas para lavagem de dinheiro. Não tenho como abordar essa
prática com farta documentação, embora alguns indícios permitam levantar suspeita do
sócio de Anísio na região serrana do Rio, o político Mário Tricano, é um dono de haras.
Vale ressaltar que a edição de 2013 da Revista Beija-Flor teve publicidade paga por
223
Imagem 43 – Publicidade do Haras Beija-Flor. 238
selo de qualidade para os serviços prestados. O Haras possui uma “web site” -
animais em destaque, divulgação de leilões e encontros de criadores, com uma sessão para
representação indica o caráter festivo com detalhes de luzes e queima de fogos. Em função
238
Cf. RBF. 2013. p.23.
224
entre as formas arquitetônicas brasileiras mais conhecidas no mundo. O pássaro símbolo da
agremiação aparece no centro da imagem num desenho de traço suave delineando apenas
os contornos da ave tocando com o bico uma flor acima do nome comercial do haras, o que
cavalos da raça Mangalarga Marchador compõem uma espécie de moldura nas laterais,
com fotos recortadas dos animais com detalhes seus músculos visíveis e pelos brilhantes.
trazia imagens com textos indicando qualidades do animal para atividades no trabalho rural
criadores da raça Mangalarga parece ser com a quebra da ideia de que o animal seria artigo
de luxo, de alto custo para manutenção, incompatível com o poder aquisitivo das famílias
225
Imagem 44. Publicidade da criação de cavalos.239
239
Idem. p.75.
226
É interessante uma comparação das imagens anteriores com a alegoria publicitária,
por assim dizer, que foi apresentada no último setor fechando o desfile. O carro era
composto com várias esculturas realistas do Mangalarga, em tamanho quase real, e bustos
do cavalo proporcionalmente maiores. Esse tom realista da alegoria se reforçava pelo fato
Imagem 45. Carro “A Raça do Mangalarga Marchador – Cavalo sem Fronteiras”. Frente da
pela edição da Revista Beija-Flor, continha duas alas vestidas com fantasias que
Outras duas alas abordavam a montaria como esporte e o uso da equitação para fins
227
terapêuticos, função para as quais a raça seria muito recomendada. A última ala foi a da
A seguir, a foto mostra a traseira do carro, parte que também recebeu bom
Sambódromo, depois da passagem da escola, foi essa imagem que continuou até certo
Imagem 46. Carro “A Raça do Mangalarga Marchador – Cavalo sem Fronteiras”. Traseira
bons investimentos para manter o padrão imponente e luxuoso que é marca da escola desde
228
a época de Joãosinho Trinta, ou seja, entre 1976 e 1992. A valorização do visual no
julgamento só fez aumentar de lá para cá, todavia, abundância de recursos sem o talento e a
Comissão para definir um traço mais inventivo na construção de narrativa dos enredos.
Parece existir da parte da equipe muita capacidade para “descrever” e pouca para
estéticos, o que não significa simplesmente ausência de contestação política nos enredos.
Áfricas: do berço real à corte brasiliana, a referida dificuldade parece ter ficado bem
resolvida. Não seria nem por questão de cerceamento da liberdade de criação em função do
Tanto que depois de sua saída a Comissão já incorporou e dispensou várias pessoas, o que
começou a ser visto como sinal de desgaste da experiência criada por Laíla na Beija-Flor.
atores, ou seja, quase sempre artistas são as figuras reverenciadas pelas escolas de samba
através de enredos, apesar de a maior parte deles ser originária do mundo do samba.
229
Nessa linha podemos incluir homenagens a artistas que têm lugar no “latifúndio
do Grande Rio (2017), sobre Ivete Sangalo, e da Imperatriz (2016), sobre Zezé de
publicitário, diretor de televisão e empresário José Bonifácio Sobrinho, o Boni, e que foi
anunciado como outra iniciativa que frutificou por causa do desejo pessoal do patrono
Anísio. Não resta dúvida que Boni seja uma figura conhecida pelos tantos anos de trabalho
e pela posição de poder que ocupou na Rede Globo de Televisão. Todavia, a carreira dele
suposto potencial de sua história de vida “dar samba”, conforme se observa no final da
240
O ASTRO iluminado Boni. RBF. 2014. p.16.
230
Boni costuma ressaltar que sua relação profissional com as escolas de samba vem
dos anos 60, quando trabalhou na cobertura dos desfiles pela extinta TV Tupi. Nos anos
Independente de Padre Miguel, ele teria tomado consciência da força cultural do carnaval e
Padre Miguel, que já era apadrinhada pelo chefe da cúpula do bicho Castor de Andrade.
Numa entrevista que concedeu ao jornalista Rafael Galdo, para o jornal O Globo, o
empresário explicou porque a aproximação tida com Anísio também vinha de longe, dos
[...] A minha relação com o Anísio vem do meu começo na TV Globo. Mesmo
quando fui fazer a Mocidade, a Beija-Flor era muito mais pobre, não tinha o
cacife do Castor. O Anísio ia lá pegar resto de cenário, pedaços de coisas que
estavam sobrando. Eu ajudava a Beija-Flor. Eu tinha a Mocidade de um lado,
mas tinha um carinho especial pela Beija-Flor do outro. Fui criando uma
amizade com o Anísio, que sempre foi muito grato a esse tipo de ajuda, isso
nunca cessou. No auge da Mocidade, estava lá sempre ajudando a Beija-Flor.
De um jeito ou de outro eu saía nas duas escolas. Desfilava sempre do lado do
Anísio, ele fazia questão. Quando o Joãosinho fez um enredo sobre televisão,
ajudamos bastante lá. Joãosinho era muito meu amigo, um querido amigo.
Então, eu via sempre essa dualidade. Uma que eu ajudava e a outra em que eu
participava. Estou aqui como um profissional, fazendo um desfile. [...] 241
É interessante observar que Boni nunca escondeu sua amizade com Castor e, da
mesmo forma com Anísio, anos depois. As transmissões de desfiles, com inúmeros flashes
disso. Boni e sua esposa, além do amigo Ricardo Amaral, marcam essa presença há anos
sem qualquer constrangimento. Sequer houve até hoje qualquer contestação dos
241
GALDO, Rafael. Entrevista: José Bonifácio de Oliveira Sobrinho, Boni. O Globo, Rio de Janeiro, 30 jan.
2014, Matutina, Rio, p. 16.
231
que nas fotos que ilustram a autobiografia do publicitário não aparece nenhuma dele junto
com globais, o seu amigo Amaral e uma de Roberto Carlos, sozinho, no desfile de 2011.
com roupa que identifica a diretoria da agremiação, mas também é distribuída para pessoas
entre os componentes da escolas, que se julgam com mais direitos de ocupar tal posição de
destaque do que pessoas “de fora” que mal são vistas na quadra. Outro detalhe importante
é a credencial da LIESA que está sendo usada por Boni, o que confere o direito de transitar
restrição para que mais profissionais tenham essa credencial, a fim de exercer seu trabalho
de cobertura, enquanto que “celebridades” conseguem isso mais facilmente junto à LIESA.
Imagem 47. Boni desfilando com roupa de diretor, desfile de 2010. 242
242
Cf. O ASTRO iluminado Boni. RBF. 2014. p.8.
232
Historicamente, a legitimidade dos velhos banqueiros do jogo do bicho tem a ver
de Janeiro. Contudo, é preciso considerar que a proteção dos negócios e a manutenção das
econômico – dependem da extensão da rede de influência dos chefes para conexão com
obscura dos patronos, por que aceitam fazer acordos com eles ou com seus representantes?
com chefes da contravenção no Rio de Janeiro deve ser observada em função dessas
significativo da defesa dos interesses da Rede Globo de Televisão junto à cúpula do jogo
do bicho tem relação com a própria criação da LIESA, logo depois do primeiro carnaval
realizado no Sambódromo. Isso foi marcado pelo conflito em torno da negociação para
transmissão dos desfiles, conforme discussão o primeiro capítulo da tese, onde se tratou da
Em sua autobiografia, Boni procura esclarecer que jamais houve vontade de sua
parte, como representante da Rede Globo, para rejeitar a transmissão dos desfiles como se
233
Sambódromo. Ele explica uma situação envolvendo a diretoria da antiga Rede Manchete
[...] Nas reuniões preliminares, fui contra essas propostas [da volta na Apoteose
e dos desfiles em dois dias com a criação do Supercampeonato] e começou a se
criar um ambiente delicado de entendimento entre o Darcy, representado pelo
Carlos Imperial, e a Globo. Por outro lado, o governo, com o Sambódromo na
mão, assumiu a negociação dos direitos de transmissão anteriormente
discutidos com a Associação das Escolas de Samba. A coisa foi engrossando e,
pressionado, achei uma saída: combinei com o Moysés Weltman, da Manchete,
que ele compraria o carnaval sozinho e depois repassaria a minha parte. Uma
vez assinado o contrato, no entanto, o Weltman não me atendia mais e o Bloch
não respondia a nenhum telefonema do dr. Roberto Marinho. Como a Globo
havia ajudado a Manchete a receber as concessões dos seus canais, inclusive
fazendo, de graça, o projeto técnico para o Ministério das Comunicações. O dr.
Roberto declarou guerra ao Adolfo Bloch.
Ficamos fora do carnaval. No Rio, a Manchete deitou e rolou na audiência, mas
no resto do Brasil, sem carnaval, a programação da Globo cresceu em relação
aos anos anteriores. Essa é a verdade completa da história. O Brizola, de forma
demagógica, tentou inventar que a Globo quis boicotar o Sambódromo. Uma
infantilidade. Não iríamos perder o evento [p. 401] por causa disso. Quanto à
Manchete, foi para ela uma “vitória de Pirro”. Cutucou o leão com vara curta.
Nós, que éramos aliados deles, passamos a considerá-los inimigos e, como a
característica da Globo foi sempre de um “corredor de fundo, de longa
distância”, a Manchete sofreu muito com o não cumprimento do acordo. [...] 243
dúvidas a respeito do empenho apresentado por Boni. Entretanto, Amorim reconhece que
houve tentativa do próprio Roberto Marinho junto a Adolpho Bloch para fazer um acordo
a parte em que ele diz ter sido graças a sua ligação com a Mocidade de Castor de Andrade,
e com isso a conquista de apoio dos demais patronos banqueiros do jogo do bicho, que a
direção da recém-criada Liga Independente das Escolas de Samba exigiu do governo que a
TV Globo voltasse a fazer parte das transmissões dos desfiles. Boni conta o seguinte:
243
OLIVEIRA SOBRINHO, J. B. O Livro Boni. Rio de Janeiro: Casa da Palavra, 2011. p.402.
234
[...] Sem diálogo com o Brizola, procurei o Castor de Andrade, o Anísio
Abraão David, o Capitão Guimarães e o Luizinho Drumond, pedindo ajuda às
escolas. O Castor, devido às minhas relações com a Mocidade Independente,
foi categórico:
- Ou a Globo volta a transmitir os desfiles ou vamos desfilar em Niterói.
Não foi por esse motivo que foi fundada a LIESA (Liga Independente das
Escolas de Samba), pois a retomada da negociação do carnaval era o objetivo
principal. Juntou a fome com a vontade de comer. A LIESA foi fundada e
passamos a ter uma arma contra o Brizola. [Grifo meu] Ele me recebeu em seu
apartamento em Copacabana e eu levei o documento de fundação assinado por
12 das maiores escolas. Ele espumava de ódio, mas ligou para o Marcelo
Alencar, então prefeito, e pediu que me recebesse junto com a diretoria da
recém-fundada LIESA. Fomos ao alto da Tijuca e o quarteto Castor, Anísio,
Guimarães e Luizinho negociou a retomada dos direitos, o processo de
organização e o controle de uma festa que, legitimamente, pertence às escolas e
não ao poder público. 244
De fato, a criação da LIESA não se justifica apenas por essa questão. No entanto,
fica claro que a grande empresa de comunicação obteve um importante benefício por meio
Janeiro, e que não por acaso é também a cúpula do carnaval das escolas de samba.
Isso confirma a posição dos sociólogos Luiz Antonio Machado da Silva e Filipina
desfilado com sua mulher Lu de Oliveira por ocasião do enredo sobre a televisão, em 1992,
transmissão dos desfiles de 1984, conforme discutido anteriormente, mas na maior parte do
244
Idem. p. 403.
235
aval de Boni daria credibilidade ao projeto da revista e, talvez, ajudá-la a atrair contratos
carnaval conduzida sob a direção da LIESA. De lá para cá, vem reforçando através dos
[...] Quanto custa tudo isso? A preciosa mão de obra que é empregada em
larga escala nas escolas tem que ser remunerada. O espírito de corpo está
presente, mas o nosso corpo físico precisa de comida. E os materiais? O valor é
muitas vezes maior do que se possa imaginar. Ingressos, subsídios, direitos,
todas as rendas somadas ficam muito abaixo do custo real. Aí vêm os patronos.
Muita gente os acusa de utilizar as comunidades e estabelecer uma relação com
elas de poder e subserviência. Deixa Falar. Sou testemunha que essa relação
não existe. Como em toda empresa, há uma hierarquia nas escolas de samba. É
claro que os patronos são beneficiados com o reconhecimento pela sua
participação, mas todas as empresas e governos gastam fábulas para criar uma
boa imagem. Não se pretende aqui criar uma ideia de mecenato, pois a
competição e o prestígio são elementos. Mas, sem a organização trazida pelos
patronos e sem os investimentos feitos por eles não existiriam escolas com a
criatividade e a qualidade que existem hoje. Empregos seriam descartados,
fornecedores teriam sua atividade financeira reduzida e comunidades deixariam
de ser atendidas. Conheço em detalhes as realizações da Beija-Flor em
Nilópolis, com o assistência médica, esportes, educação e apoio social. É um
belo trabalho que colhe prestígio, mas nada é pedido em troca. [RBF. 2011: 79]
Grupo Especial são bastante elevados. Os barracões empregam farta mão de obra,
sobretudo informal, e movimentam toda uma cadeia de consumo de bens e serviços dentro
e fora do carnaval favorecendo empresas dos mais diverso ramos e o próprio Estado.
Todavia, no quadro atual, os ganhos das escolas em função dos direitos de participação nas
evento alimentada pela LIESA acaba criando uma situação quase insustentável.
236
As decisões acerca da organização do carnaval e da direção das principais escolas
continuam fica restrita aos velhos patronos, que na verdade são grandes responsáveis pela
primazia do visual nos desfiles e pelo gigantismo das alegorias em detrimento do samba.
Atualmente, os dirigentes das escolas de samba, eles mesmos homens de negócios, aceitam
ainda mais submissões impostas pelas autoridades e pelo empresariado que participa da
Exemplo disso é que não acontece mais a transmissão ao vivo das primeiras escolas.
através de artigo profunda indignação com a prisão temporária decretada para Anísio
Dedo de Deus, da Polícia Civil. Saiu em defesa do amigo com as seguintes palavras:
237
Embora menos frequente ao barracão da escola nos últimos anos, até por questão de
toda Beija-Flor ainda depende muito de decisões pessoais do patrono, especialmente nos
mais quando está em jogo a reputação de pessoas. Os casos da chamada Operação Lava
Jato traz bons exemplos relacionados a políticos e empresários. Em 2012, prisões de chefes
argumentação de Boni ao citar a obra social de Anísio e seu papel no carnaval como algo
Outro aspecto que costuma ser criticado por Boni através de artigos e entrevistas
publicados na revista é a falta do devido conhecimento, por parte das autoridades, para a
importância cultural das escolas de samba. A partir disso, ele aborda os aspectos de
238
nosso Carnaval. Vamos acabar com a conversa fiada e, em detrimento do lixo
cultural estrangeiro, vamos dar prioridade ao que é bom e autenticamente
brasileiro. Atualmente, as Escolas estão correndo atrás dos enredos vendidos
para patrocinadores, para garantir a produção do desfile e a sobrevivência do
Carnaval. É um risco incrível para a degeneração do espetáculo. Em alguns
anos, essa prática autofágica levará as Escolas de Samba a consumir o restante
da carne magra e da pele seca que esconde seus problemas. [RBF. 2014: 49]
autoridades no que se refere às escolas de samba. Entretanto, não se pode negar que há
carnaval celebrados entre Riotur e LIESA foi outro alvo das críticas do empresário-
fenômeno, em meados da década de 1990, mas depois se tornou uma estratégia muito clara
239
de financiamento dos desfiles capaz de gerar lucros inclusive para mediadores dos
contratos de patrocínio. Da forma como Boni coloca, parece que as agremiações são
forçadas a seguir por esse caminho. E conforme analisado no segundo capítulo deste
trabalho, foram muitos os casos até aqui em que a promessa do aporte não se confirmou
órgão cumpre inclusive um papel orientador para medidas dos representantes do poder
público. Estes, por sua vez, deveriam trabalhar junto às agremiações desenvolvendo uma
deve ser analisada por diversas perspectivas, entretanto, a proposta deste trabalho não é
promover julgamento moral. Tais ligações constituem um fato marcante da vida social no
Rio de Janeiro, e até por isso é preciso saber que “amizade” não significa necessariamente
Abraão em promover através do enredo de sua Beija-Flor uma homenagem ao amigo Boni.
240
Imagem 48. Boni e Anísio. 245
Embora Boni não seja mais diretor na Rede Globo há alguns anos, o filho
Globo sobre não exibir os desfiles das primeiras escolas do Grupo Especial foram tratadas
245
Idem. p.14.
241
Sem falar que este assumiu para si a responsabilidade de atuar como captador de
[...] O patrono é necessário à medida que, sem ele, a escola não sobrevive.
Tenho certeza absoluta de que os banqueiros do jogo do bicho que patrocinam
as escolas são importantes até hoje do ponto de vista de organização do
carnaval, mas que gostariam de botar menos dinheiro do bolso deles. A Beija-
Flor está pronta. É o maior projeto da história do carnaval: R$ 15 milhões.
Metade do dinheiro que gastou vai receber de algum lugar. A outra metade tem
de vir do patrono. Estou ajudando nisso. Fiz reuniões com eventuais
patrocinadores. Então, o homenageado tem que ajudar a passar o pires. Como
introduzi algumas ideias de tecnologia na Beija-Flor, estou correndo na rua
para buscar dinheiro. Minha contribuição estou dando assim. O carnaval tem
de ser visto de outra maneira pelo poder público para que seja, e pode ser,
muito melhor do que é.
dos mais altos da Sapucaí naquele ano. O grande problema é que, para além dos valores
empregados no desfile. Além disso, conforme discutido no segundo capítulo desta tese, é
cada vez menos existente o investimento direto dos patronos, o que fazem é empréstimo.
bom enredo. Por mais que seja um profissional ligado a acontecimentos importantes da
história do rádio e da televisão no Brasil, nunca apresentou programas nas TVs em que
trabalhou, e mesmo no ramo da publicidade não deixou marca ou estilo como tantos outros
mais ligados à área de criação. No campo do designer, por exemplo, a Rede Globo teve em
seus quadros uma figura de ponta e com reconhecimento artístico. Hans Donner, cujo de
estilo futurista poderia render um bom carnaval pelas mãos de Renato Lage, é inclusive
casado com a dançarina e modelo Valéria Valença, que fez por anos o papel da Globeleza.
242
Outro aspecto a ser observado é que durante o ano de 2013 nosso país foi
surpreendido com grandes manifestações de rua a partir do mês junho. A Rede Globo foi
um dos alvos de protesto, pelo menos num primeiro momento, especialmente por causa de
vinculado à Rede Globo gerava certa preocupação acerca da visão que o público do
Sambódromo poderia ter e até mesmo jurados sensibilizados pelo clima das manifestações.
cinco últimos ficaram totalmente voltados para contar a vida do homenageado. Isso
através de uma narrativa centrada em três pilares, as suas grandes paixões, origem familiar
e campos de atuação profissional. Um dos carros do desfile foi emblemático por que trouxe
numa plataforma inúmeros artistas da Globo, amigos do ex-diretor, o que mostra como o
243
Imagem 49. Carro “Televisão – A Emoção está no ar”. Foto: Wigder Frota.
alegóricos, e também não houve qualquer tipo de hostilidade dirigida ao grupo Globo.
Conforme proposto pelo próprio Boni, que trabalhou junto à Comissão durante os
montados para apresentação de fotos e vídeos de acordo com temas respectivos de cada
setor. Um dos carros, por exemplo, expressava a ideia de que o futuro das comunicações
deve ser considerado com base no conceito de interação, ou seja, cada vez mais os veículos
precisarão estar abertos à participação do público. O que representava isso na alegoria era
enviadas por pessoas que estavam assistindo ao desfile pela TV ou na própria Sapucaí.
244
Imagem 50. Carro “O Mundo na Rede em Tempo Real – O Futuro da Comunicação”.
agremiação do Desfile das Campeãs. Obteve um sétimo lugar, fato inédito desde que se
diretor de carnaval Laíla chegou a comentar que julgadores teriam confundido uma
possível visão negativa a respeito da figura pessoal de Boni com a devida análise do
245
bailarinos Comissão, algo estranho para a tradição dos desfiles, e que não funcionou bem
até mesmo por causa do recurso técnico de uma fumaça que dificultava a visualização.
homenageado – artes e culinária, por exemplo –, o que deixou a narrativa prejudicada pela
falta de referência a costumes populares que seriam muito mais propícios para o tratamento
forma como desfilou o próprio Boni ao lado da Rainha da Bateria, Raíssa Oliveira. Ele
dividindo atenções tanto com a Rainha e, de certa forma, com o conjunto da bateria.
Imagem 51. Boni e Raíssa no desfile. Portal UOL Carnaval. Foto: Antonio Scorza.
Como colaborador da Revista Beija-Flor, Boni tem sido persistente por meio dos
Estado preciso ter um papel de peso na organização atual dos desfiles e, para tanto,
articular ações específicas para festa no âmbito de uma política de cultura específica.
246
A comercialização dos enredos se desenvolveu ao ponto de envolver interesses no
âmbito das relações internacionais. A proposta da Beija-Flor para o carnaval de 2015 foi
homenagear um país africano, algo que dentro da tradição dos desfiles a partir da década
Conforme foi discutido na parte deste capítulo referente ao carnaval de 2007 da Beija-Flor,
a escola tem em sua trajetória boas experiências na linha dos chamados enredos afros.
especialmente depois da péssima colocação no desfile anterior com Boni, e ainda vinha
para a produção do desfile sobre a Guiné tenha sido o maior da história do carnaval. O
continente, jamais tinha ocupado tanto espaço na mídia brasileira. Entretanto, apareceu por
meio de matérias que apontavam a miséria do seu povo em contraste com a riqueza da
família do ditador que controla um regime marcado por sérias denúncias de corrupção e
246
perseguição violenta aos opositores. Algumas reportagens contaram com a colaboração
Obiang Nguema Mbasogo, que tem como futuro sucessor seu primogênito Teodoro
247
Nguema Obiang Mangue, chamado de Teodorín. Este é conhecido pela ostentação da
246
Cf. CAMPOS, Lucien de. Ditador de Guiné Equatorial doa R$ 10 milhões à Beija-Flor de Nilópolis. Pragmatismo
político. Disponível em: <http://www.pragmatismopolitico.com.br/2015/02/ditador-de-guine-equatorial-doa-
r-10-milhoes-a-beija-flor-de-nilopolis.html> Acesso em 17 fev 2015 às 20:00; Cf. UM DITADOR no
carnaval do Rio. El país – Brasil. 19 fev. 2015 Disponível
em:<http://brasil.elpais.com/brasil/2015/02/17/opinion/1424197404_799744.html> Acesso em 19 fev. 2015
às 21:00.
247
Cf. PELLEGRINE, Marcelo. Entrevista – Ativista da Guiné Equatorial condena apoio à Beija-Flor. Carta Capital.
22 fev. 2015. Disponível em:<http://www.cartacapital.com.br/internacional/beija-flor-guine-equatorial-
247
riqueza e denunciado por esquemas de lavagem de dinheiro em várias partes do mundo,
inclusive Brasil, onde é dono de automóveis e apartamentos em São Paulo e no Rio. 248
que seu filho foi o responsável pela aproximação com a Beija-Flor. Há registro fotográfico
da Beija-Flor, à época dos ensaios para o carnaval do enredo Áfricas, de 2007. 249
2029.html> Acesso em 22 fev. 2015 às 10:45; Cf. ÁVILA, Juan Tomás. Carta de um escritor da Guiné
Equatorial aos cariocas. 19 de fev de 2015. (Tradução de Antônio Rodrigues). Rede Angola. 20 fev. 2015.
Disponível em: <http://www.redeangola.info/especiais/carta-de-um-escritor-da-guine-equatorial-aos-
cariocas/ >Acesso em 20 fev. 2015 às 23:00.
248
Cf. CASADO, José. Filho de ditador gasta em compras o dobro da dívida com o Brasil. O Globo, Rio de
Janeiro, 4 ago. 2013. Disponível em:<http://oglobo.globo.com/mundo/filho-de-ditador-gasta-em-compras-
dobro-da-divida-com-brasil-9345732> Acesso em 22 fev. 2015 às 14:20; Cf. ARAÚJO, Vera. Ministério
Público Federal apura doação da ditadura da Guiné Equatorial à Beija-Flor. O Globo, Rio e Janeiro, 20 fev,
2015. Disponível em: <http://oglobo.globo.com/rio/carnaval/2015/ministerio-publico-federal-apura-doacao-
da-ditadura-da-guine-equatorial-beija-flor-15387143> Acesso em 22 fev. 2015 às 10:45.
249
Na pequena foto, Teodorín aparece posando com a porta-bandeira Selminha Sorriso, e junto com ela
ostenta ritualmente o pavilhão da escola de samba. E como indica outra foto publicada ao lado da primeira,
compartilhando a legenda, outros visitantes ilustres estiveram no camarote na ocasião daquele ensaio de
2007: “O Embaixador da Guiné Equatorial, Teodoro Nguema Obiang, ‘caiu’ no samba junto com Selminha
Sorriso, as atrizes, Zezé Motta e Maria Ceiça, a Ministra da Igualdade Racial Matilde Ribeiro e o Presidente
Farid Abraão”. NOSSA cara... Nossa gente! O Beija-Flor. № 27, Ano 4, fev. 2007.
248
abordando África e falando sobre o país deles - sua cultura e seus atrativos.
Tem estado tudo muito afinado e estamos todos muito otimistas em relação ao
que apresentaremos na Avenida’. 250
“competitivo”, como se costuma falar no meio. Todavia, não é garantia de sucesso e outros
fatores envolvidos precisam ser considerados. E por mais que a escolha do enredo seja
fruto de uma decisão da diretoria, é importante que seja bem recebida pelos demais
segmentos da agremiação – o que é favorecido quando o tema se associa com o perfil dela
disponíveis para as escolas, em função do que recebem através das receitas do desfile, não
1980, a forma de organização que passou prevalecer no carnaval também não garantiu
A Rainha da Bateria Raíssa Oliveira chegou a declarar que ela teria sugerido
passistas e ritmistas para a realização do show pelos 45 anos da independência do país. 251
Sobre a aproximação do ditador Obiang com a Beija-Flor, Noblat colocava que Teodorín
teria convencido o pai a contratar um show particular com artistas da agremiação, mas para
250
UM GRIÔ conta a história: um olhar sobre a África e o despontar da Guiné Equatorial. Revista Beija-
Flor: uma escola de vida. 14ª edição. fev. 2015. p.13.
251
ALENCAR, Emanuel; MAGALHÃES, Luiz Ernesto; GRILLO, Marco; GALDO, Rafael; BERTA,
Rubem. Com enredo apoiado por governo autoritário da África, Beija-Flor chega ao 13º título. O Globo, Rio
de Janeiro, 18 fev. 2015. Disponível em: <http://oglobo.globo.com/rio/carnaval/2015/com-enredo-apoiado-
por-governo-autoritario-da-africa-beija-flor-chega-ao-13-titulo-15370476> Acesso em 19 fev. 2015 às 17:10.
249
uma apresentação em camarote comprado pela família numa das vezes em que estiveram
Aydano André Motta, jornalista que cobre os assuntos do carnaval desde os anos
1990 e que conhece bem o universo da Beija-Flor, havia noticiado ainda no mês de outubro
o pedido que foi feito à escola, através da Embaixada da Guiné, para uma mudança na letra
Equatorial e o outro país africano de mesmo nome vitimado pela epidemia de ebola.
O Globo fez ainda uma consulta à juíza aposentada Denise Frossard. Conhecida
publicamente pela condenação dos chefes do bicho, em 1993, ela se pronunciou sobre o
252
NOBLAT, Ricardo. Presidente da Guiné Equatorial dá R$ 10 milhões para desfile da Beija-Flor que
exalta o país. O Globo, Rio de Janeiro, 11 fev. 2015. Disponível em:
<http://oglobo.globo.com/rio/carnaval/2015/presidente-da-guine-equatorial-da-10-milhoes-para-desfile-da-
beija-flor-que-exalta-pais-
15303852?utm_source=Facebook&utm_medium=Social&utm_campaign=O+Globo> Acesso em 12 fev.
2015 às 20:45.
253
MOTTA, Aydano André. Ebola faz a Beija-Flor alterar letra de seu samba-enredo. O Globo, Rio de
Janeiro, 25 out. 2014. Disponível em: <http://oglobo.globo.com/sociedade/saude/ebola-faz-beija-flor-alterar-
letra-de-seu-samba-enredo-14358994>Acesso em 26 out. 2014 às 16:00.
254
“É UMA DITADURA benéfica”, diz diretor da Beija Flor, campeã do Carnaval. Diário do Centro do
Mundo. 18 fev. 2015. Disponível em:<http://www.diariodocentrodomundo.com.br/essencial/e-uma-ditadura-
benefica-diz-diretor-da-beija-flor-campea-do-carnaval/ >Acesso em 22 fev. 2015 às 10:00.
255
BARRACÕES do Especial: Beija-Flor busca retorno de sua plástica diferenciada para buscar o título.
Carnavalesco, 5 fev. 2015. Disponível em: <http://www.carnavalesco.com.br/noticia/barraces-do-especial-
beija-flor-busca-retorno-de-sua-plstica-diferenciada-para-buscar-o-ttulo/11224> Acesso em 5 fev. 2015 às
20:40.
250
caso chamando atenção para precauções que deveriam ser tomadas em relação à origem do
dinheiro recebido pelas agremiações através de patrocínios. Todavia, ela dava a entender
que seria descrente quanto a possíveis ações dos dirigentes nesse sentido porque teriam um
colocavam que o empenho de veículos das Organizações Globo na cobrança pela ética no
financiamento do carnaval deveria passar por revisão dos próprios vínculos do grupo
Sobrinho, assume abertamente sua relação pessoal com os banqueiros do jogo do bicho, a
ponto de ter sido o homenageado do enredo da Beija-Flor em 2014. Boni não esconde o
carnavalesco, tem o acordo de mais de vinte anos com a LIESA para transmitir com
exclusividade o desfile das escolas de samba, algo que é duramente criticado por cronistas
do carnaval por conta da forma como a emissora apresenta os desfiles. Conta-se que a
256
MARCOLINA, Bárbara e GALDO, Rafael. Juíza Denise Frossard critica enredo patrocinado por ditador
de um país africano: “dinheiro sujo”. O Globo, Rio de Janeiro, 12 fev. 2015. Disponível em:
<http://oglobo.globo.com/rio/carnaval/2015/juiza-denise-frossard-critica-enredo-patrocinado-por-ditador-de-
pais-africano-dinheiro-sujo-15315108> Acesso em 12 fev. 2015 às 14:00.
257
Cf. O QUE você precisa saber sobre a Guiné Equatorial. Diário do Centro do Mundo. 18 fev. 2015.
Disponível em: <http://www.diariodocentrodomundo.com.br/essencial/o-que-voce-precisa-saber-sobre-a-
guine-equatorial/> Acesso em 18 fev. 2015 às 21:00.
258
Cf. BRITO, Fernando. Alô, galera da CBN, vocês sabiam que o bicho já teve “O poste no ar” na Globo?
O Tijolaço – ‘A política, sem polêmica, é a arma das elites’. 20 fev. 2015. Disponível em:
<http://tijolaco.com.br/blog/?p=24890> Acesso em 20 fev. 22:00.
251
cúpula da contravenção não ousa interromper essa exclusividade da TV Globo temendo ser
Behrends, chegou a afirmar que o apoio governamental da Guiné se deu apenas por meio
Surgiu, então, uma segunda versão, a partir de declaração do carnavalesco Fran Sérgio 260,
261
e também do governo da Guiné , de que empreiteiras brasileiras com atuação no país
259
TEXTO de agradecimento do excelentíssimo Sr. Embaixador da República da Guiné Equatorial no Brasil,
Dr. Benigno Pedro Matute Tang. Revista Beija-Flor, uma escola de vida. № 14. Fev.2015. p.8.
260
ALENCAR, Emanuel; MAGALHÃES, Luiz Ernesto; GRILLO, Marco; GALDO, Rafael; BERTA,
Rubem. A ditadura de Nilópolis. O Globo, Rio de Janeiro, 19 fev. 2015, Matutina, Rio, p. 6.
261
GRILLO, Marco. Governo da Guiné Equatorial afirma que patrocínio à Beija-Flor partiu de empresas
brasileiras. O Globo, Rio de Janeiro, 19 fev. 2015.
252
carnavalesco foram mencionadas a Odebrecht e a Queiroz Galvão, e como se tratava de
Por mais que a aproximação do governo brasileiro com regimes ditatoriais seja
pensar que a repercussão atingida pelo caso se deveu muito mais por pressão de setores
contrários aos governos do PT. O objetivo seria mais expor as contradições do recente
Guiné Equatorial. A suspeita do líder do partido no Senado era de que recursos do banco
enredo da escola de samba Beija Flor, campeã do Carnaval do Rio. De acordo com
informações do site de política Brasil 247, identificado com os governos do PT, o partido
da oposição estava trabalhando pela instalação de CPI mista no Congresso (com deputados
e senadores) com o objetivo de investigar o BNDES. Portanto, a ideia dos tucanos seria
262
ODEBRECHT nega que tenha patrocinado a Beija-Flor. O Globo, Rio de Janeiro, 19 fev. 2015.
Disponível em: https://oglobo.globo.com/rio/carnaval/2015/odebrecht-nega-que-tenha-patrocinado-beija-flor-
15380443 Acesso em: 08 fev 2018.
253
incluir as investigações sobre eventuais obras na Guiné Equatorial nos trabalhos da futura
Uma crônica de Luís Carlos Magalhães para o site Carnavalesco discutia a reação à
Um trecho do texto trata com refinada ironia outro aspecto da questão muito pouco
diferença no tratamento dado ao patrocínio que recebeu outra escola de samba, a Unidos da
Tijuca, vindo de um país famoso por ter bancos onde costuma ser depositado dinheiro de
- Alô. Luís Carlos, gostei tanto dos seus elogios ao samba, do 10 que você deu
na Rádio Tupi, que resolvi convidá-lo para meu camarote do próximo sábado.
- Oh! meu caro Teo, agradeço muito, mas não sei...temo pela minha reputação,
você sabe que há uma campanha nas redes sociais exigindo a perda do título da
Beija Flor. Você sabia disso?
- Sei sim, como sei. Acabou o tiro saindo pela culatra. A ideia era com os 10
milhões fazer o povo brasileiro conhecer as belezas naturais e a cultura do
nosso país. E, no entanto, nunca se falou tão mal da Guiné Equatorial. Todas as
nossas mazelas saem na TV brasileira todos os dias.
- Mas e aí, então não valeu a pena?
- Olhe, eu compreendo isso tudo, só não concordo em tirar o título da escola. E
se isso acontecer vou te fazer um pedido. É pra você pedir a anulação do
resultado da Tijuca também.
- Mas como vou fazer isso? Baseado em quê? O enredo da escola foi a Suíça,
um país de profunda tradição democrática.
- Pois é, rapaz. Essa que é a questão complicada, saber quem fez mais mal à
humanidade do ponto de vista da corrupção e dos desvios do dinheiro público
tirando-o dos programas sociais destinados à pessoas necessitadas.
- Continuo sem entender nada.
- Eu explico: de fato, minha família desviou muuuuuuto dinheiro público no
meu país. E sabe pra onde ia esse dinheiro? Pra Suíça, pra aqueles bancos lá. E
ninguém acha isso feio.
- Mas... é diferente...
- Mas o quê? Do ponto de vista ético é muito parecido. Mas você tem razão ao
dizer que é diferente, e é mesmo. Nós somos um paizinho pequeno, com
263
PSDB quer investigar financiamento da Beija-Flor. Brasil 247, 19 fev. 2015, Disponível em:
https://www.brasil247.com/pt/247/rio247/170563/PSDB-quer-investigar-financiamento-da-Beija-Flor.htm
Acesso em: 08 fev. 2018.
254
população pequena. O dinheiro que dizem que ficamos é um grãozinho de areia
perto das dezenas e dezenas de países, democráticos, ou não, cujos dirigentes
se locupletam e mandam o dinheiro para a Suíça direto.
- Huuuummmm! Sei... Mas olha só... quer dizer... veja bem... nem sempre, ou
seja, às vezes, quer dizer, mas se...olha só! Huuuummmmm!
- Deixa pra lá, não quer ir ao camarote, não vá, mas tirar o título da Beija Flor?
Nosso país tem relações diplomáticas com o Brasil desde a década de 1960.
Tem relações comerciais desde esse tempo, e nunca ninguém reclamou da
nossa ditadura. Faturaram e faturam muito. Será que é por que é carnaval?
Quem disse no jornal que "business are business" não foi o Laíla e sim o então
ministro das relações exteriores Celso Amorim durante a visita do Presidente
Lula àquele país. Ainda bem que não foi Laíla a dizer isso, já pensou? 264
O desfile das escolas de samba tem projeção internacional há décadas pelo fato de
atrair turistas estrangeiros, despertar interesse mundo afora pelos shows que as
motivar a criação de escolas de samba fora do Brasil, a exemplo do Japão. Contudo, nos
últimos tempos o que se observa é que as pontes construídas pelo capitalismo brasileiro
permitiram conexões na própria construção do carnaval, como foi o caso dos enredos da
Vila Isabel em 2006, com apoio do governo venezuelano, e 2012, com apoio de Angola. É
economia brasileira, com inserção estratégica na África promovida nos governos Lula. 265
um enredo acaba sendo ampla, e logicamente muito visada por políticos. O espetáculo
são feitas reportagens sobre os preparativos no barracão, matérias sobre o tema do enredo,
Poderíamos partir do pressuposto de que seu caráter oficial impede qualquer representação
264
MAGALHÃES, Luís Carlos (atual Presidente Administrativo do G. R. E. S. Portela). 'É da Beza Flô?'
Carnavalesco. Disponível em: http://www.carnavalesco.com.br/noticia/luis-carlos-magalhes--da-beza-
fl/11672 Acesso em 22 fev. 2015 às 22:00.
265
Cf. VISENTINI, Paulo Gustavo Fagundes e PEREIRA, Analúcia Danilevcz. Op. cit.
255
de elementos marginais, mas não é assim que acontece. Independente das abordagens feitas
narrativa visual com uma boa base de saber histórico, o que não significa dizer que o
Não está no regulamento do desfile a exigência de que os enredos devam levar em conta a
não costuma levar em conta consulta conselhos de cultura, artistas locais, especialistas.
desses lugares escolhidos como temas se reconhecem com o que foi contado através do
desfile, o que abre uma boa discussão sobre a questão da identidade. Apesar de tudo, é
pedagógica, ainda mais se olharmos para o trabalho de pesquisa que se impõem para todos
aqueles que lidam com a criação nesse universo. Essa experiência é riquíssima e precisaria
carnaval das escolas de samba vem cada vez mais transformando os desfiles em espaços de
propaganda, e assim fica difícil pensar os enredos como forma de transmissão do saber
256
No meio carnavalesco surgem propostas interessantes para elaboração de modelos
Vale citar uma observação do carnavalesco e blogueiro Luís Fernando Reis, responsável
Outro que já deu boas contribuições para o debate foi o jornalista Anderson Baltar,
disputas de sambas de enredo, ensaios técnicos e desfiles, além de dar suporte para textos
Num artigo relevante publicado no final de 2009, Baltar chamava atenção para a
um “enredo autoral” no carnaval daquele ano como algo importante para indicar caminho
Baltar não se coloca como alguém que rejeita totalmente os enredos com
patrocínio, mas faz uma série de ponderações sobre problemas que aí acontecem, na linha
modelo alternativo, próximo do que defende Reis, a fim de que o acordo seja conveniente
266
REIS, Luís Fernando. E aí, tem patrocínio? (Parte II). SRDZ Carnaval. 17 mai. 2008. Disponível em:
<http://www.sidneyrezende.com/noticia/2071+e+ai+tem+patrocinio+parte+ii/preview>
Acesso em 2 fev. 2015 às 18:50.
267
Cf. Rádio Arquibancada - O melhor do Carnaval: http://www.radioarquibancada.com.br/site/.
257
O que eu defendo é que as escolas de samba encontrem um modelo de
patrocínio que não atrele verbas publicitárias à criatividade de seu
carnavalesco. Por exemplo: a Petrobras é a maior fomentadora de cultura do
país, patrocinando anualmente uma incontável quantidade de peças teatrais e
filmes. Em quantos deles você já viu uma torre de petróleo? Ou um posto de
gasolina BR? Por que será que só as escolas de samba são obrigadas a atrelar
seu roteiro de desfile às vontades do patrocinador? Por que não explorar outras
formas de mídia, como inserções comerciais, produtos licenciados com a marca
do patrocinador, placas de publicidade na quadra, anúncios nas camisas do
ensaio técnico?
Neste ponto, ainda acho que falta uma visão maior de business para nossos
diretores que os faça entender que patrocínio não é favor, e sim uma parceria
comercial, onde os dois lados têm de ser satisfeitos. A escola de samba, com a
verba tão providencial para dar um plus em seu carnaval - não esqueçamos que
a verba da Liesa é suficiente para fazer um bom cortejo. A empresa, com sua
marca atrelada a entidades culturais reconhecidas mundialmente.
Sinceramente, não consigo engolir um dirigente de uma grande escola dizer
que "estamos correndo atrás de um patrocínio". Algo está errado. Se houvesse
uma administração de marketing que valorizasse o papel que as escolas de
samba realmente têm, haveria uma fila de empresas querendo investir nelas,
isso sim. 268
preocupações do presente com o carnaval das escolas de samba e ainda apontam caminhos
a serem explorados em pesquisas futuras. É difícil saber, por exemplo, se é possível fazer
não costumam ter contabilidade transparente. Enfim, existem questões que apontam para a
necessidade de reflexão no próprio meio sobre a existência das escolas, seus fundamentos,
algo que tem sido feito muito mais nos espaços alternativos de mídia do que dentro delas.
268
BALTAR, Anderson. A importância de um bom enredo. SRDZ Carnaval. 11 abr. 2009. Disponível em:
<http://www.sidneyrezende.com/noticia/35908> Acesso em 2 fev. 2015 às 19:10
258
Considerações finais
259
Essas considerações foram escritas logo após a realização de um carnaval marcado
por intenso debate a respeito da redução dos investimentos públicos municipais diretos que
vinham sendo feitos na produção dos desfiles durante a gestão de Eduardo Paes.
Por decisão repentina e unilateral do atual prefeito Crivella, em seu primeiro ano de
mandato, a verba que era concedida às agremiações do Grupo Especial, por fora dos
ganhos de participação nas receitas do Sambódromo, foi reduzida pela metade e liberada
estudiosos do carnaval em rede social. Inclusive o autor desta tesa fez observações, as
quais serão recuperadas aqui como uma espécie de epílogo, já que o trabalho trata da
Dos quatro últimos prefeitos da cidade do Rio de Janeiro, não é possível identificar
um que não tenha recebido algum tipo de apoio, durante campanha eleitoral, da parte de
empreiteiras e ainda de figuras conhecidas por suas ligações com empresas informais, por
promessas feitas antes da sua eleição, surpreendeu muita gente e também ao autor
enquanto pesquisador. No entanto, ficamos forçados a pensar que foi uma jogada
estratégica num momento em que lideranças religiosas neopentecostais estão bem mais
através de sua rede social a fim de chamar atenção para o caráter ultraconservador do
projeto de poder da Igreja Universal do Reino de Deus que só avançou nos últimos tempos.
260
Além do mais, Crivella tem a máquina pública em mãos e pode perfeitamente
apontar problemas concretos que precisam realmente ser resolvidos na organização das
escolas de samba do Grupo Especial para o carnaval, e com isso pressionar os dirigentes da
LIESA. Até faz sentido imaginar que o atual prefeito venha a atuar nessa linha, mas sem
qualquer preocupação sincera e profunda com a melhora da festa. São fatos a elitização do
conforme alardeiam jornais do país, preocupa muito mais o fato de a maioria das pessoas
ficarem chocadas com a prática de ilícitos, que logicamente prejudicam bastante as nossas
vidas, mas não reagirem com a mesma indignação contra projetos e medidas prejudiciais
para a classe dos trabalhadores que são aprovados dentro da lei por obra de parlamentares e
O poder dos chefes da contravenção sobre o carnaval das escolas de samba é algo
muito sério e isso só fez aumentar o autoritarismo nas agremiações e o exercício da sua
suspeita e alvo de denúncias por crimes graves, mas aí tem todo o dilema brasileiro das
problema talvez seja permanecer com força na sociedade a ideia de que complacência com
esse tipo de coisa é característica exclusiva das camadas populares, o que não é verdade.
food”, emissoras de TV, bancos e outras grandes empresas, vetar a realização de negócios
com a entidade representativa das escolas, cuja cúpula sempre foi composta pelos
261
conhecidos chefes da contravenção do Rio de Janeiro. Portanto, por mais que se veja a
relação da contravenção com as escolas de samba como sendo algo problemático, é preciso
contravenção com setores das camadas superiores: empresários, políticos, militares, etc.
mais complicado do que em tempos anteriores, não resta dúvida. Por isso mesmo é
possível apostar que continuarão fazendo valer a máxima atribuída ao falecido Castor de
Andrade: “A é contravenção é sempre governo”. Isto quer dizer que devem acontecer
caráter pontual – a aceitação da entrega da chave da cidade pelo prefeito foi um sinal – e a
despeito das agremiações dos outros grupos de desfiles fiquem numa situação mais
verdadeiro fosso entre as suas afiliadas e as agremiações de fora no que diz respeito ao
possibilidades de enredos patrocinados por empresas privadas ficaram mais difíceis, assim
prefeitos, com seus orçamentos mais apertados e certamente temendo investigações por
agentes do MP e da PF cada vez mais determinados por sua convicções e não por provas,
parece que estão bem cautelosos quanto a entrar na cena do carnaval como patrocinadores.
Através desta pesquisa demonstrou-se que não é simples estabelecer com rigor os
assegurar que uma fantasia seja “luxuosa”, uma alegoria seja “imponente”. São categorias
econômica capitalista, mesmo porque a forma competitiva dos desfiles gera uma dinâmica
262
que dificulta qualquer possibilidade de compromisso entre as direções das escolas sobre o
quanto aplicarão na produção do desfile, ainda mais quando se dispõem de bons recursos.
carnaval é possível ver que os preparativos seguem uma série de etapas que se desdobram
no outro... Existem atividades iniciais na quadra, e o barracão começa com seus trabalhos
logo assim que o projeto plástico-visual entra na elaboração de modelos. O ideal é que o
trabalho de ferragem para as alegorias tenha partida por volta dos meses de agosto ou
setembro. Daí por diante as outras etapas podem avançar num cronograma definido.
para compra de materiais de qualidade com preços mais em conta, a contratação de mão de
obra fora de regime de urgência, tudo isso barateia os custos da produção. A presença de
trabalhadores nos barracões das escolas de samba costuma aumentar nos meses que
antecedem o carnaval, operando um mercado bastante informal que funciona assim não
apenas em razão do caráter sazonal das atividades, mas também porque as agremiações
gira em torno do carnaval, a escolas de samba deveriam ser compensadas com mais
Outros, por sua vez, endossam as colocações do Ministério Público que tendem para o
pensamento de que seria suficiente a participação nas receitas dos desfiles somada a verbas
privadas que as agremiações ainda podem receber negociando com agentes do mercado.
escolas de samba, porém, também é preciso reconhecer que até hoje não existe uma
política pública de cultura séria e bem elaborada para o carnaval em geral. Há anos o
263
próprio Estado realiza ações que se preocupam fundamentalmente com o aspecto
comercial e turístico dos desfiles das escolas de samba, deixando de lado o grande
potencial das agremiações enquanto instituições que poderiam estar mais envolvidas com
suas comunidades locais através de projetos em parceria com as redes pública e privada de
permanentes que não se pautam somente pelo espetáculo de carnaval. Contudo, secretarias
de Educação tanto do estado quanto dos municípios da região metropolitana não procuram
estabelecer parcerias consistentes com esses projetos e sequer estimulam a formação de seu
lei às matrizes afro da cultura do samba, das escolas de samba e as artes carnavalescas.
que, no tempo presente, a aceitação social desses mandatários do samba se baseia mais na
vendidos legalmente, com recibos, prestação de contas, etc., basta vontade administrativa.
A questão é que a Liga realiza um grande espetáculo usando equipamentos urbanos como o
sua construção, e da forma como as coisas acontecem temos provas claras de exploração
264
contratuais de transmissão de TV e serviços de alimentação, sendo altamente prejudiciais
concedida pela LIESA à conhecida multinacional do ramo de lanches rápidos que cobra
caro e deixa muito a desejar na qualidade dos produtos e serviços. Já a compra pela Rede
histórias brasileiras através dos desfiles não deixa ser algo relevante, tendo em vista das
dimensões continentais do nosso país, da sua grande diversidade cultural, e do fato de ser
mal conhecido pelo próprio povo em virtude dos nossos problemas no sistema educacional.
carnavalescos e seus auxiliares pode gerar bons desfiles mesmo com temas encomendados.
homenagens vem rendendo poucos frutos para o conjunto das escolas e, segundo críticos
pontos, visto que o enredo de 2016 sobre o Marquês de Sapucaí teve de forma um tanto
Marquês, e isto também passou pela proposta de Iracema, em 2017, junto ao Ceará.
O que parece ser uma fase crítica de investimentos mais abundantes provenientes
do mercado tem sido motivo para dirigentes das escolas pressionarem ainda mais o poder
265
público a atuar de forma compensatória. Isto só confirma que a organização do carnaval
política de cultura. Mesmo com todo discurso inicial de autossuficiência das agremiações,
demorou muito para a corrida dos dirigentes dessa entidade aos cofres públicos.
diferentes contextos históricos desde os anos 1930. Isto tem muito a ver com a
operando ao mesmo tempo, e daí a grande abertura para o diálogo com diferentes setores
É pena que a potência cultural das escolas de samba ainda seja desprezada entre
carregadas de tanto poder criador e transformador continuem até hoje sob a forte influência
266
LISTA DE SIGLAS
LISTA DE IMAGENS
267
Imagem 27. Capa do jornal com Gil. O Beija-Flor. № 10. Ano 2. 2006. (p. 182)
Imagem 28. Sirkis, Gil e Maia. O Beija-Flor. № 15. Ano 2. 15 fev. 2006. p.6. (p.184)
Imagem 29. “Carro Poços de Caldas – a Cidade das Águas – a Nova Atlântida”. Foto:
Wigder Frota. (p.185)
Imagem 30. Carro “O retorno dos atlantes – o equilíbrio do planeta e o futuro da
humanidade”. Foto: Wigder Frota. (p.186)
Imagem 31. Capa. O Beija-Flor. № 19. Ano 3. 2006. (p.189)
Imagem 32. Farid e Matilde Ribeiro. O Beija-Flor. № 27. Ano 4. p.2. (p.192)
Imagem 33. Mensagem do Presidente Lula. RBF. 2007. p. 6 e7. (p.194).
Imagem 34. Carro abre-alas “Brilho de Fogo – Rastro Iluminado ao Paraíso do Fenômeno
Solar”. Foto: Wigder Frota. (p.201)
Imagem 35. Comitiva do Distrito Federal e diretoria depois do fechamento do patrocínio.
O Beija-Flor Sustentável. № 1. Ano 1. jul. 2009. p.9. (p. 205)
Imagem 36. Anna Kubitschek, Paulo Otávio, Anísio, Lupi e “Ratinho”. O Beija-Flor
Sustentável. № 3. Ano 1. nov. 2009. p.11. (p. 208)
Imagem 37. Publicidade da empresa Brasilatur. RBF. 2010, p.45. (p. 210)
Imagem 38. Ritmistas no desfile de 2011. Foto do Site Oficial da LIESA. (p. 212)
Imagem 39. Capa com Roberto Carlos. RBF. 2011. (p. 213)
Imagem 40. Roberto Carlos em destaque na alegoria. Foto: Ricardo Moraes. Reuters/Veja.
(p. 214)
Imagem 41. Velha Guarda à frente do Carro “A Histórica São Luís e a Arte do Gênio
João”. Foto: Wigder Frota. (p. 219)
Imagem 42. Carro “A Histórica São Luiz e a Arte do Gênio João” – parte traseira acoplada.
Foto Wigder Frota. (p. 220)
Imagem 43. Publicidade do Haras Beija-Flor. RBF. 2013. p.23. (p.224)
Imagem 44. Publicidade da criação de cavalos. RBF. 2013. p. 75. (p.226)
Imagem 45. Carro “A Raça do Mangalarga Marchador – Cavalo sem Fronteiras”. Frente da
alegoria. Foto: Wigder Frota. (p. 227)
Imagem 46. Carro “A Raça do Mangalarga Marchador – Cavalo sem Fronteiras”. Traseira
da alegoria. Foto: Wigder Frota. (p. 228)
Imagem 47. Boni desfilando com roupa de diretor, desfile de 2010. RBF. 2014, p.8.
(p.232)
Imagem 48. Boni e Anísio. RBF. 2014. p.14. (p.241)
Imagem 49. Carro “Televisão – A Emoção está no ar”. Foto: Wigder Frota. (p.244)
Imagem 50. Carro “O Mundo na Rede em Tempo Real – O Futuro da Comunicação”.
Foto: Wigder Frota. (p.245)
Imagem 51. Boni e Raíssa no desfile. Portal UOL Carnaval. Foto: Antonio Scorza. (p.246)
268
FONTES
269
VALENÇA, Rachel Teixeira. Vice-presidente do Museu da Imagem e do Som,
pesquisadora aposentada da Casa de Rui Barbosa, colaboradora do projeto de
elaboração do dossiê “Matrizes do samba no Rio de Janeiro” para registro do samba
carioca como patrimônio cultural do Brasil, ex-presidente da ala das crianças e ex-
presidente administrativa do G. R. E. S. Império Serrano, atualmente integrante da
Velha Guarda. Realizada em: 23 Dez. 2015 / 8 Jan. 2016.
● DOCUMENTOS JURÍDICOS
● SITES
270
● FONTES JORNALÍSTICAS
271
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ANÍSIO desmente. Jornal do Brasil, Rio de Janeiro, 12 mar. 1987, Cidade, p. 4.
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274
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299
ANEXO
300
2001 “A saga de
Agotime - Maria Comissão de 2º
mineira Naê” Carnaval
“O Brasil dá o ar
de sua graça de Comissão de
2002 Ícaro a Rubem Carnaval 2º
Berta - O ímpeto
de voar”
“O povo conta a
sua história: "saco Comissão de
2003 vazio não pára em Carnaval 1º
pé". A mão que faz
a guerra faz a paz.”
“Manôa - Manaus -
Amazônia – Terra
2004 Santa: Alimenta o Comissão de 1º
corpo, equilibra a Carnaval
alma e transmite a
paz.”
“O vento corta as
terras dos pampas.
Em nome do Pai,
2005 do Filho e do Comissão de 1º
Espírito guarani. Carnaval
Sete Povos na fé e
na dor... Sete
missões de amor.”
“Poços de Caldas
derrama sobre a
Terra suas águas Comissão de 5º
2006 milagrosas: do caos Carnaval
inicial à explosão
da vida, a nave mãe
da existência.”
301
“Brilhante ao sol
do novo mundo, Comissão de 3º
2010 Brasília: do sonho Carnaval
à realidade, a
capital da
esperança.”
“Roberto Carlos: A Comissão de
2011 simplicidade de um Carnaval 1º
Rei.”
“São Luís - o Comissão de
2012 poema encantado Carnaval 4º
do Maranhão.”
“Amigo fiel - Do
cavalo do Comissão de
2013 amanhecer ao Carnaval 2º
Mangalarga
Marchador.”
“O Astro
2014 Iluminado da Comissão de 7º
Comunicação Carnaval
Brasileira.”
“Um Griô conta a
história: um olhar
sobre a África e o
2015 despontar da Guiné Comissão de 1º
Equatorial. Carnaval
Caminhemos sobre
a trilha de nossa
felicidade.”
“Mineirinho
Genial! Nova Lima
2016 - Cidade Natal. Comissão de 5º
Marquês de Carnaval
Sapucaí - O Poeta
Imortal!”
“A Virgem dos Comissão de
2017 Lábios de Mel – Carnaval 6º
Iracema.”
"Monstro é aquele
que não sabe amar. Comissão de
2018 Os filhos Carnaval 1º
abandonados da
pátria que os pariu"
302