Estágio e PRP - Possibilidades

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Estágio supervisionado e Residência pedagógica: possibilidades para formação docente crítica

ESTÁGIO SUPERVISIONADO E RESIDÊNCIA PEDAGÓGICA: POSSIBILIDADES


PARA FORMAÇÃO DOCENTE CRÍTICA

PRACTICAS SUPERVISADAS Y RESIDENCIA PEDAGÓGICA: POSIBILIDADES DE


UNA FORMACIÓN CRÍTICA PARA LOS MAESTROS

SUPERVISED INTERNSHIP AND PEDAGOGICAL PROBATION: POSSIBILITIES


FOR CRITICAL TEACHER FORMATION

Alessandra de Oliveira MACIEL 1


Ana Ignez Belém Lima NUNES 2
José Airton de Freitas PONTES JUNIOR 3

RESUMO: Tendo como referências as políticas de direitos humanos e direitos fundamentais,


a Constituição de 1988 e a LDB de 1996, a discussão da Política Nacional de Formação de
Professores visa propor caminhos para superar a perspectiva reducionista de formação centrada
nos processos de ensino e aprendizagem para ocupar-se também das relações humanas. O
estudo teve como objetivo analisar o papel do Estágio Curricular Supervisionado (ECS) e da
Residência Pedagógica (RP) como possíveis espaços de formação docente crítico-reflexiva. Em
um estudo de caso de abordagem qualitativa, aplicamos um questionário a 56,8% dos
coordenadores de ECS de uma universidade pública cearense, e na segunda etapa, realizamos
entrevista semiestruturada com 04 desses coordenadores que assumem o ECS e a RP. As
análises revelaram que as ações formativas da RP têm favorecido maior inserção docente e
discente de forma crítica e reflexiva em relação às práticas acadêmicas e escolas participantes.

PALAVRAS-CHAVE: Estágio supervisionado. Residência pedagógica. Formação docente.

RESUMEN: El artículo está basado en las políticas de derechos humanos y derechos


fundamentales, la Constitución del año 1988 y la LDB del año 1996, para discutir la Política
Nacional para la Formación de Docentes en Brasil. Así que presenta reflexiones para superar
la perspectiva reduccionista de la formación centrada tan sólo en los procesos de enseñanza y
aprendizaje para abordar también las relaciones humanas. El estudio tuvo como objetivo
analizar el rol de la Práctica Curricular Supervisada (PCS) y de la Residencia Pedagógica
(RP) como espacios posibles para la formación docente crítico y reflexiva. En un estudio de
caso cualitativo, pasamos un cuestionario al 56,8% de los coordinadores de ECS en una
universidad pública. En la siguiente etapa, hicimos una entrevista semiestructurada con 04 de
estos coordinadores que asumen el ECS y el PR. Los análisis revelaron que las acciones de

1
Universidade Estadual do Ceará (UECE), Fortaleza – CE – Brasil. Doutoranda no Programa de Pós-Graduação
em Educação. ORCID: https://orcid.org/0000-0003-1072-1074. E-mail:[email protected]
2
Universidade Estadual do Ceará (UECE), Fortaleza – CE – Brasil. Professora no Programa de Pós-Graduação
em Educação. Doutorado em Ciências da Educação (USC) – Espanha. ORCID: https://orcid.org/0000-0001-6106-
9229. E-mail: [email protected]
3
Universidade Estadual do Ceará (UECE), Fortaleza – CE – Brasil. Professor no Programa de Pós-Graduação em
Educação. Doutorado em Educação (UFC). ORCID: https://orcid.org/0000-0003-2045-2461. E-mail:
[email protected]
RIAEE – Revista Ibero-Americana de Estudos em Educação, Araraquara, v. 15, n. esp. 3, p. 2223-2239, nov. 2020. e-ISSN: 1982-5587
DOI: https://doi.org/10.21723/riaee.v15iesp3.14428 2223
Alessandra de Oliveira MACIEL; Ana Ignez Belém Lima NUNES e José Airton de Freitas PONTES JUNIOR

formación de la RP han favorecido una inserción de docentes y estudiantes en un contexto


crítico y que refleja las prácticas académicas y las escuelas desarrolladas.

PALABRAS CLAVE: Prácticas supervisadas. Residencia pedagógica. Formación de


profesores.

ABSTRACT: Based on human rights and fundamental rights policies, the Constitution of 1988
and the LDB of 1996, the National Teacher Formation Policy discussion aims to propose ways
to include human relations on focus too, besides overcoming the reductionist perspective of
training centered on teaching and learning processes. The study aimed to analyze the
Supervised Curricular Internship (SCI) and Pedagogical Probation (PP) roles as possible
spaces for critical-reflective teacher training. In a case study with a qualitative approach, we
applied a questionnaire to 56.8% of the SCI coordinators of a public university in Ceará, and
in the second stage, we conducted a semi-structured interview with 04 of these coordinators
who work at both the SCI and the PP. The analyses revealed that the PP formative actions have
favored greater teacher and student insertion in a critical and reflective way in relation to the
academic practices and participating schools.

KEYWORDS: Supervised internship. Pedagogical probation. Teacher formation.

Introdução

A presente escrita parte do pressuposto que a formação não se restringe a um só


momento. Trata-se de um movimento coletivo, integrado ao processo de transformação,
inovação e desenvolvimento educacional e social.
Desse modo, compete às licenciaturas a ação de formar o futuro professor para o
exercício da docência, o que se demonstra ser uma tarefa complexa. Tal complexidade demanda
a competência de recontextualizar a instituição formadora, bem como de reconfigurar os
conhecimentos necessários à formação docente. A formação adota uma posição de “[...]
emancipamento, vinculada à história de vida dos sujeitos em permanente processo de formação,
que proporciona o desenvolvimento profissional” (VEIGA, 2014, p. 331). Trata-se de uma
formação que compreenda a docência como prática social, arraigada no científico-pedagógico,
numa perspectiva crítico-reflexiva.
Nesse sentido, Gatti (2010) se reporta ao envolvimento das instituições de ensino
superior na qualidade da formação inicial dos professores. Essas instituições precisam perceber
a complexidade da formação e da atuação desse profissional, pois formar professores tem
ultrapassado a esfera do governo e alcançado a sociedade, pois passaram a perceber as
mudanças ao longo dos tempos e a necessidade da educação em acompanhar essas
transformações.
RIAEE – Revista Ibero-Americana de Estudos em Educação, Araraquara, v. 15, n. esp. 3, p. 2223-2239, nov. 2020. e-ISSN: 1982-5587
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Ghedin, Almeida e Leite (2008) alegam que os programas dos cursos de licenciatura e
suas diversas disciplinas estão, de uma forma geral, estruturados curricularmente, no entanto,
desconectadas da prática e da realidade existentes no âmbito do sistema escolar e contexto
social. Nessa perspectiva, destacamos o estágio supervisionado como um componente
curricular obrigatório nos cursos de formação de professores por entendermos que se propõe a
firmar um diálogo entre a teoria veiculada ao curso e disciplinas com a prática constituída nas
escolas, lócus do estágio.
O estágio supervisionado é compreendido como um campo de aprendizagem do saber-
fazer docente e de constituição da identidade profissional. Deve reconhecer a capacidade do
professor na elaboração de conhecimento, na tomada de decisões e na participar da gestão
escolar como ações ontologicamente inerentes ao movimento de constituição da própria
humanidade (GHEDIN; OLIVEIRA; ALMEIDA, 2015).
Dessa forma, o estágio se torna o lócus onde “a identidade profissional do aluno é
gerada, construída e referida” (BURIOLLA, 1999, p. 13) no entrelaçamento de percursos
individuais e coletivos, sob o prisma da reflexão crítica, oportunizando a articulação entre a
teoria e a prática. Abordar o ECS como o espaço para essa relação é compreendê-lo como
momento de reflexão crítica sobre seu fazer pedagógico, de maneira a articular e redimensionar
suas ações, assimilando o ensino em sua multiplicidade, buscando, constantemente, reflexionar
sua ação profissional no sentido de uma posição crítica ante aos saberes e à realidade social.
Pactuamos com Pimenta e Lima (2017) quando afirmam que o ECS oportuniza aos
estudantes novas possibilidades de aprender aspectos acerca da profissão docente, igualmente
para os professores formadores, encorajando-os a revisitar suas concepções e práticas.
Ressaltamos que esse componente curricular deve conectar as demais disciplinas que envolvem
a proposta curricular do curso, posto que incorporam conhecimentos e saberes que serão
requisitados durante os períodos de prática e no decorrer do seu desenvolvimento profissional.
Dessarte, a importância do ECS para o currículo da formação inicial de professores é
inegável. Entretanto, essa compreensão não decorre do acaso, é gerada em decorrência de
estudos e pesquisas acerca da função formadora desse componente curricular e que, como
consequência, vem motivando diretrizes e normativas para os cursos de formação docente.
Nessa perspectiva, sinalizamos que a Lei de Diretrizes e Bases (LDB), lei nº. 9394/96,
que estabelece as “diretrizes e bases da educação nacional”, em seu artigo 61 trata da “formação
de profissionais da educação” e deixa claro a articulação da teoria e prática como aspecto
fundante na formação de professores “I - A associação entre teorias e práticas, inclusive
mediante a capacitação em serviço [...]”.
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A aprovação da LDB instituiu-se como marco das políticas educacionais,


desencadeando regulamentações, pareceres e resoluções pelo Conselho Nacional de Educação
nos últimos anos. Dentro desse percurso histórico, destacamos a Resolução nº. 2/2019, que
define as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Formação Inicial de Professores para a
Educação Básica e institui a Base Nacional Comum para a Formação Inicial de Professores da
Educação Básica (BNC-Formação).
Nessa resolução a articulação entre teoria e prática é citada em dois momentos no texto:
como fundamento da política de formação docente e na organização curricular dos cursos
superiores para formação docente. No entanto, ao mencionar o estágio curricular há uma certa
predominância do aspecto da prática na estruturação e sistematização deste componente.
Nessa vertente, a Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior
(CAPES), fundação vinculada ao Ministério da Educação, lança por meio da Portaria GAB nº.
38/2018 o Programa Residência Pedagógica (RP). Entre os objetivos desse programa está a
melhoria da qualidade dos cursos de licenciatura, através de experiências docentes que
favoreçam a relação teoria e prática (FERREIRA; SIQUEIRA, 2020).
Diante desse cenário legislativo favorável, nos inquieta conhecer como o ECS e a RP
evidenciam a articulação teoria e prática, eixos indissociáveis no processo de formação docente,
numa perspectiva reflexiva.
Desse modo, a propositura desta investigação tem interesse em contribuir para a
ampliação desse campo investigativo e para a discussão de políticas que envolvam a formação
de professores, em especial o estágio curricular como espaço propício para reflexão crítica ante
a realidade social e educacional que o campo lhe apresenta.

Estágio curricular supervisionado, Residência pedagógica e Formação docente: aspectos


teóricos e conceituais

Entendemos que educação está relacionada aos conhecimentos, ideias, conceitos,


valores, atitudes, hábitos, símbolos, dentre outros. Estes aspectos, necessários à formação da
humanidade em cada indivíduo, é produzido intencionalmente, através de relações pedagógicas
entre os seus pares (SAVIANI, 2015).
Desse modo, consideramos que há uma especificidade na ação docente (ciência da
educação) que se difere das demais ciências, pois se preocupa com a identificação dos
elementos necessários à constituição do conhecimento em cada ser humano e à busca de
estratégias adequadas para alcançar esse objetivo.

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Corroboramos a compreensão de Tardif (2014) de que a formação docente presume uma


continuidade que precede a universidade, resgata elementos da formação escolar, passa pela
formação inicial, fase esta que legitima o ingresso na profissão, e prossegue durante sua atuação
profissional.
De acordo com Garcia (1999), a formação de professores se constitui pelos processos
de formação inicial e continuada, onde adquirem ou ressignificam conhecimentos, habilidades
e atitudes essenciais ao exercício da atividade docente. Nessa lógica, corroboramos a imagem
da formação de professores associada às distintas maneiras de continuar a expandir os seus
conhecimentos, habilidade e atitudes, refletindo sobre sua prática com o objetivo de indicar as
mudanças necessárias.
Aliançado a essa compreensão, Imbernón (2011) sustenta que a formação deve
desenvolver nos professores conhecimentos, habilidades e atitudes que lhes deem condições de
refletir sobre a própria prática docente, ou seja, deve proporcionar “[...] uma prática reflexiva
competente” (p. 18), posicionamento também assumido por nós.
Nesse sentido, numa perspectiva crítica, compreendemos a formação de professores
como processo de desenvolvimento profissional com respaldo teórico e reflexão crítica sobre
sua prática, analisando determinantes sociais e históricos de sua atuação e de sua profissão e
reconhecendo a dimensão social, política e transformadora de sua ação.
Entendemos o espaço da formação de professores propício para essa reflexão que busca
um sentido maior para as práticas desenvolvidas pelos docentes. No entanto, o que se tem
percebido, segundo Tardif (2014), é uma prática reprodutivista, em que os estudantes
frequentam disciplinas com conteúdo proposicional e que serão aplicados no período do
estágio. Ou seja, uma formação que segue um modelo aplicacionista.
Pimenta (2012) também destaca o fato de que a formação de professores é pouco
eficiente por não considerar essas atribuições em seus contextos, não possibilitando a
articulação e tradução de novos saberes em novas práticas. Com relação às licenciaturas, essa
autora acentua que se espera que sejam desenvolvidos nos estudantes conhecimentos,
habilidades e atitudes que lhes possibilitem constituir seu saber fazer, seus saberes docentes,
partindo das necessidades e desafios que o ensino, como prática social, os coloca
cotidianamente.
A formação de professores tem ocupado posição de destaque nas discussões nos últimos
anos no sentido da necessidade de uma renovação educativa, o que exige reflexão e
envolvimento responsável com a qualidade da formação desses profissionais. Estabelecer o

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Alessandra de Oliveira MACIEL; Ana Ignez Belém Lima NUNES e José Airton de Freitas PONTES JUNIOR

perfil do profissional que se pretende formar é fundamental, tendo em vista que a proposta
curricular dos cursos de formação docente deve ser sistematizada numa perspectiva crítica.
Reconhecemos que a formação inicial não tem a pretensão de dar conta da complexidade
que envolve a prática docente, mas terá que oportunizar ao estudante a compreensão da
importância da reflexão e da criticidade acerca das situações que envolvem a profissão docente
para que busque seu crescimento profissional. Assim, o futuro professor se tornará consciente
de que “[...] faz parte de sua tarefa docente não apenas ensinar os conteúdos, mas também
ensinar a pensar [...]” (FREIRE, 2019, p. 27).
Acerca desse fazer pensar, recorremos à concepção de Carretero (2019, p. 925), quando
afirma que se trata de “um gesto que significa pôr em jogo experiências que aportam novos
olhares e que são oportunas na situação que se gera [...]”. Portanto, essa indicação supera a
perspectiva de problematização da prática, exige introduzir elementos que contribuam para
reflexão a partir do que ocorreu na situação vivenciada, ampliando os recursos profissionais.
Desta feita, concordamos em pensar a formação do professor como um processo que se
estabelece também pela experiência prática numa perspectiva crítico-reflexiva, tendo em vista
as necessidades e desafios que a profissão evidencia. Para tal, essa formação precisa favorecer
ao futuro professor a articulação reflexiva entre os conhecimentos e direcionada ao fomento da
autonomia tanto do docente quanto do aluno (COSTA; SANTOS; MARTINS, 2020). E é nesse
processo que destacamos o período do estágio curricular supervisionado e de programas, como
o de residência pedagógica, que podem oportunizar essa experiência prático-reflexiva.
Os momentos de prática docente tais como os vivenciados no ECS e na RP são
considerados espaços frutíferos para essa ação reflexiva, para articulação teoria e prática. Nessa
atmosfera/ambiente, evidenciam-se apreensões, dúvidas, descobrimentos, conquistas,
revelações e dubiedades em relação a profissão. É percebido a complexidade que envolve o
cenário profissional e inicia-se o esforço na direção das soluções num fluxo contínuo de
reflexão-ação-reflexão (SHÖN, 2000).
Nessas circunstâncias, os estudantes adentram a realidade dos espaços onde o ensino se
manifesta, realizam observações e partilham os contextos e situações vivenciadas. Essas ações
realizadas de forma reflexiva, favorecem a constituição de saberes e de saber-fazer nos futuros
professores. Por conseguinte, refere-se a um aspecto estrutural da formação que pode
possibilitar a experimentação de processos que são gerados no ambiente da sala de aula. Nesse
contexto, o professor-supervisor tem a oportunidade de contribuir com a formação desse futuro
professor, bem como também aprender, numa perspectiva de coformação, em que ambos estão
se desenvolvendo profissionalmente (SILVÉRIO, 2014; CARVALHO; SOUZA NETO, 2019).
RIAEE – Revista Ibero-Americana de Estudos em Educação, Araraquara, v. 15, n. esp. 3, p. 2223-2239, nov. 2020. e-ISSN: 1982-5587
DOI: https://doi.org/10.21723/riaee.v15iesp3.14428 2228
Estágio supervisionado e Residência pedagógica: possibilidades para formação docente crítica

É nessa relação com os estudantes em sala de aula que o futuro professor, por intermédio das
vivências, desenvolverá habilidades referentes a profissão, aspecto que os estágios agregam no
processo formativo inicial do docente (FISTAROL; FISCHER; BAILER, 2018).
Partindo dessas concepções, definimos o percurso metodológico desenvolvido na
investigação, que estavam diretamente relacionados com o objeto de pesquisa, gerando as
condições necessárias para o alcance dos objetivos estabelecidos no início desta escritura.

Percurso metodológico

Nosso estudo satisfaz à abordagem de investigação qualitativa numa perspectiva teórica


interpretativa, uma vez que privilegia a compreensão do fenômeno a ser estudado. Esse
paradigma interpretativo na pesquisa intenta compreender e interpretar a realidade e os seus
significados; tem como intenção de pesquisa “Compreender e interpretar a realidade, os
significados das pessoas, percepções, intenções, ações” (ESTEBAN, 2010, p. 34); possui
características de natureza holística, dinâmica e simbólica dos processos socioculturais; percebe
o contexto como fator constitutivo dos significados sociais; reconhece a ação humana como
objeto de pesquisa.
Dando seguimento, escolhemos o estudo de caso como método para essa investigação,
referenciado o que dizem Lüdke e André (1986), afirmando que o ambiente natural é a fonte
direta de dados, onde são encontrados na realidade investigada. O problema estudado é
observado por via de suas manifestações no cotidiano, e a perspectiva dos participantes quanto
às questões analisadas é levada em consideração.
Os escritos de Yin (2010, p. 32) ensinam que o Estudo de Caso é o método mais
adequado à nossa abordagem de investigação, pois permite a investigação de um fenômeno,
preservando os significados dos eventos na vida real, e de teor descritivo e explanatório.
Desse modo, elegemos como lócus para esse estudo a Universidade Estadual do Ceará
(UECE), por se tratar de uma instituição de ensino superior responsável por formar vários
profissionais na área de educação no Estado do Ceará.
A IES pesquisada é uma instituição pública estadual, criada de março de 1975, do
Conselho Diretor da Fundação Educacional do Estado do Ceará (FUNEDUCE). Concebida
com o objetivo de atender às necessidades do desenvolvimento científico e tecnológico do
Estado do Ceará, a UECE passou a atuar em outros municípios do Estado, e a partir daí,
estruturou-se em rede multicampi, com faculdades em outros municípios do Estado, além de
Fortaleza (UECE, 2017).
RIAEE – Revista Ibero-Americana de Estudos em Educação, Araraquara, v. 15, n. esp. 3, p. 2223-2239, nov. 2020. e-ISSN: 1982-5587
DOI: https://doi.org/10.21723/riaee.v15iesp3.14428 2229
Alessandra de Oliveira MACIEL; Ana Ignez Belém Lima NUNES e José Airton de Freitas PONTES JUNIOR

Por priorizar os cursos voltados para a formação de professores, esta Universidade


acumula experiências e transforma o seu perfil curricular em razão da melhoria da formação
profissional de seus alunos e, consequentemente, da elevação da qualidade de vida da sociedade
cearense. Deste modo, o ensino tem se constituído atividade por excelência da UECE, desde
sua origem, principalmente o de graduação, com a preocupação pela sua qualidade, objetivando
a formação de profissionais capacitados para acolher as demandas sociais e profissionais do
Estado e da Região.
No período em que a UECE foi criada, início dos anos de 1970, ocorreu anos antes a
promulgação da LDB de Nº 5.692/71, que firmava as diretrizes e bases para o ensino de 1º e 2º
graus. Nesse documento, foi possível identificar, mais especificamente no capítulo V, Art. 29,
que a formação de professores para o ensino deveria ser realizada em níveis de progressão,
considerando as diferenças culturais de cada região do País, e com indicação que acolhesse os
objetivos específicos de cada grau, as particularidades das disciplinas, áreas de estudo ou
atividades e fases de desenvolvimento dos estudantes.
Durante os anos de 1980, a UECE começou um processo de expansão, quando cursos
de extensão foram criados, outros cursos de graduação foram acrescentados e as primeiras
experiências com cursos de pós-graduação lato sensu foram despontando, sempre mantendo a
missão de produzir e disseminar conhecimentos e formar profissionais para promover o
desenvolvimento sustentável e a qualidade de vida da região.
Por ter esta característica de descentralização, mas mantendo o mesmo propósito, é que
se considera esta Universidade como multicampi, pois atende os cearenses que residem em
diversas regiões do Estado. Seus cursos estão distribuídos em cinco centros e sete faculdades,
órgãos estes responsáveis por “[...] supervisionar, mediar, integrar e assessorar as atividades de
ensino, pesquisa e extensão, em campos de conhecimentos específicos, delimitados
administrativamente” (UECE, 2017, p.18).
A UECE está representada em três campi na capital e oito no interior do Estado. No
entanto, apenas oito desses campi ofertam cursos de licenciatura, expostos no quadro 1.

Quadro 1 – Cursos de licenciatura ofertados pela UECE por Campus

CAMPUS CURSO
1 Crateús Ciências Biológicas, História, Pedagogia, Química.
Ciências Biológicas, Ciências Sociais, Educação Física, Física, Geografia,
2 Fortaleza - Itaperi
História, Matemática, Música, Pedagogia, Química.
3 Fortaleza - Fátima Filosofia, Letras Espanhol, Letras Francês, Letras Inglês, Letras Português.
Ciências Biológicas, Física, Letras Inglês, Letras Português e Literatura,
4 Iguatu
Matemática, Pedagogia.
5 Itapipoca Ciências Biológicas, Ciências Sociais, Pedagogia, Química.
RIAEE – Revista Ibero-Americana de Estudos em Educação, Araraquara, v. 15, n. esp. 3, p. 2223-2239, nov. 2020. e-ISSN: 1982-5587
DOI: https://doi.org/10.21723/riaee.v15iesp3.14428 2230
Estágio supervisionado e Residência pedagógica: possibilidades para formação docente crítica

Ciências Biológicas, Física, Geografia, História, Letras Inglês, Letras Português,


6 Limoeiro do Norte
Matemática, Pedagogia, Química.
Ciências Biológicas, Física, História, Letras Inglês, Letras Português,
7 Quixadá
Matemática, Pedagogia, Química.
8 Tauá Ciências Biológicas, Pedagogia, Química.
Fonte: Elaborado pelos autores

Desta feita, a pesquisa de campo foi realizada em duas etapas: (1) aplicação de
questionário com todos os professores de ECS nas licenciaturas da IES investigada; (2)
entrevista com quatro professores que atuam tanto no ECS quanto na RP. Na primeira etapa (1)
foram contabilizados 44 professores coordenadores de ECS nos cursos de licenciatura da
UECE, capital e interior do estado. Desse quantitativo, 56,8% responderam ao questionário
enviado acerca do trabalho desenvolvido no ECS em cada curso. Tal instrumento foi elaborado
no Google Forms e enviado por e-mail, assim como as informações sobre a proposição da
pesquisa.
Acerca desse instrumento, Dalberio e Dalberio (2009) afirmam que existe a produção
de respostas diretas e explícitas, favorecendo a consecução dos dados com precisão. Em relação
a esse estudo, elegemos um questionário de perguntas abertas que nos possibilitasse singularizar
o posicionamento de cada professor participante. No quadro 2 apresentamos os quantitativos
de coordenadores/cursos, o campus/cidade onde é ofertado, e os respectivos percentuais de
participação.

Quadro 2 – Percentuais de participação por campus/cidade da UECE

Nº de Curso
CAMPUS Nº de Cursos %
participantes
1 Crateús 4 2 50,0
2 Fortaleza 12 7 58,3
3 Iguatu 6 3 50,0
4 Itapipoca 4 3 75,0
5 Limoeiro do Norte 8 6 75,0
6 Quixadá 7 3 42,8
7 Tauá 3 1 33,3
Total 44 25 56,8
Fonte: Elaborado pelos autores

Na análise das respostas dos questionários dessa primeira etapa, encontramos alguns
dados que despertaram nossa atenção: (1) frequência com que o Programa Residência
Pedagógica foi citado como aspecto positivo na formação inicial docente e para formação
continuada do professor da escola campo; (2) a dificuldade no acompanhamento e observação
aos estudantes na escola campo de estágio; (3) ausência de uma parceria institucionalizada entre

RIAEE – Revista Ibero-Americana de Estudos em Educação, Araraquara, v. 15, n. esp. 3, p. 2223-2239, nov. 2020. e-ISSN: 1982-5587
DOI: https://doi.org/10.21723/riaee.v15iesp3.14428 2231
Alessandra de Oliveira MACIEL; Ana Ignez Belém Lima NUNES e José Airton de Freitas PONTES JUNIOR

universidade e redes de ensino para o desenvolvimento do ECS e; (4) pouco envolvimento do


professor supervisor da escola com os estudantes do ECS.
Tais achados nos direcionaram para a segunda etapa, para análise do papel do Estágio
Curricular Supervisionado (ECS) e da Residência Pedagógica (RP) como possíveis espaços de
formação docente crítico-reflexiva. Reconhecemos nesse estudo a possibilidade de discutir a
formação de professores como um campo contínuo de reflexão da prática docente (FREIRE,
2019).
Desse modo, selecionamos sete cursos de licenciatura cujos professores de ECS também
assumiram a RP. São eles: Física, em Fortaleza; Ciências Biológicas, em Limoeiro do Norte,
Iguatu e Crateús; Pedagogia, em Itapipoca e Iguatu; Educação Física, em Fortaleza. Na
sequência, entramos em contato com os professores participantes com o objetivo de agendar as
entrevistas, que foram realizadas via Google Meet, gravadas de forma individual.
Ressaltamos que apenas quatro, dos sete professores coordenadores, nos retornaram
marcando suas entrevistas. Como não obtivemos resposta dos demais, seguimos com a
investigação com os professores que aceitaram participar da pesquisa.
Oportunamente esclarecemos que, respeitando o aspecto ético, optamos por resguardar
a identidade dos participantes. Desse modo, recorremos a codificação “P” para os professores
participantes, seguido da numeração 1 a 4. O quadro 03 traz os dados gerais desses professores
participantes.

Quadro 3 – Perfil dos professores participantes da pesquisa

Tempo de
Tempo de Tempo na
Formação em nível Maior magistério no
Vínculo magistério Coordenação
de Graduação Titulação Ensino
no ECS da RP
Superior
Mestrado em
Licenciatura em Ciências Professor
P1 8 anos 4 anos 18 meses
Educação física Fisiológicas efetivo

Serviço social e Doutorado em Professor Iniciará


P2 + de 10 anos 5 anos
Pedagogia Educação efetivo em 2020
Licenciatura em
Matemática e
Doutorado em Professor
P3 Ciências (com 19 anos 2 anos 2 anos
Educação efetivo
habilitação em
Física)
Bacharelado e
Doutorado em Professor Iniciará
P4 Licenciatura em 16 anos 5 anos
Bioquímica. efetivo em 2020
Ciências biológicas
Fonte: Elaborado pelos autores

RIAEE – Revista Ibero-Americana de Estudos em Educação, Araraquara, v. 15, n. esp. 3, p. 2223-2239, nov. 2020. e-ISSN: 1982-5587
DOI: https://doi.org/10.21723/riaee.v15iesp3.14428 2232
Estágio supervisionado e Residência pedagógica: possibilidades para formação docente crítica

Em virtude do perfil demonstrado no quadro, observamos, primeiramente, o quesito


gênero: três mulheres (Professoras 1, 2 e 3) e um homem. No que se refere à formação em nível
de graduação, todos dos professores cursaram uma licenciatura e dois deles possuem as duas
formações, licenciatura e bacharelado. Quanto à titulação, todos os docentes detêm a condição
exigida pela legislação para o exercício da docência no ensino superior, ou seja, possuem
mestrado ou doutorado. Percebemos que em relação ao vínculo com a Instituição de ensino
superior todos os entrevistados foram enquadrados na categoria professor efetivo. Já em relação
ao ensino superior, a experiência dos docentes é diversificada, variando entre 8 a 19 anos de
magistério.
Seguimos a analisar as entrevistas com o intuito de perceber nas falas dos participantes,
através da análise de conteúdo, elementos significativos, comuns e particulares a respeito da
formação docente numa perspectiva crítica nos momentos de ECS e da RP. A classificação dos
dados organizou-se das informações providas pelos docentes e dos aspectos revelados no
referencial teórico. Essa análise foi feita fundamentada na subjetividade do investigador que se
utiliza de categorias de análise e princípios teórico-metodológicos para sistematizar a
interpretação e compreensão das informações coletadas (GOMES, 2009).
Apresentamos na próxima sessão as dimensões categorizadas a partir das entrevistas e
percepções de cada participante, conforme sua realidade, da temática investigada.

Resultados e discussões

Como já antecipamos, os resultados que aqui apresentamos são provenientes das


entrevistas realizadas com quatro professores coordenadores de ECS, em cursos de licenciatura
da UECE. Utilizamos, para respaldar nossas análises, o mesmo referencial teórico já anunciado
no início desse texto. Durante o processo de interpretação dos dados foi possível perceber
aspectos positivos em relação ao ECS e RP embora, em algumas situações, não alcancem a
completude de suas pretensões como espaço de formação docente crítica.
Conforme nossas escolhas metodológicas, organizamos os dados obtidos em categorias
mais amplas, as quais chamamos de: (1) Dimensão documental: O PPC como promotor da
perspectiva crítica na formação de professores; (2) Dimensão formativa: o que se espera de
uma formação docente crítica? e (3) Dimensão da prática docente: constituir-se professor
reflexivo. Tal organização teve com pretensão alocar as falas dos participantes de forma que
pudéssemos compreender o papel do Estágio Curricular Supervisionado (ECS) e da Residência
Pedagógica (RP) como possíveis espaços de formação docente crítico-reflexiva.
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Na apreciação dos dados, em relação à dimensão documental, identificamos que todos


os cursos que fizeram parte dessa pesquisa estão em processo de atualização de seus PPCs. Os
entrevistados confirmam a presença da perspectiva crítica nesse “novo” documento, embora o
projeto pedagógico vigente nos cursos já apresente a importância de uma formação que articule
a teoria e prática de forma indissociável. No entanto, em um dos cursos, ainda existem turmas
de graduação que utilizam a matriz curricular de 1990, como afirma a professora P2

[...] até 2016 nós atuávamos numa matriz curricular de 1990 [...] e ainda
atuamos pois ainda existem turmas utilizando esse PPC [...] nele as
disciplinas de ECS não são tão claras. É prática, mas não tem esse nome de
“estágio”, são nomenclaturas antigas, fora do contexto de hoje como ensino
do 1º grau, do 2º grau [...] após o concurso de 2016, os efetivos buscaram o
PPC para compreender melhor e descobrimos que tinha o PPC em
andamento (reformulação) desde de 2009, mas estava no conselho. Tentamos
barrar pois começamos a revisá-lo e ainda estava separando a teoria e a
prática [...] começamos a produção de um novo PPC [...] que estivesse mais
atualizado nesse contexto de hoje.

É sabido que o planejamento das disciplinas se origina do PPC dos cursos, de suas
concepções, objetivos e ementas da matriz curricular. Nesse sentido, foi possível perceber que
os cursos aqui investigados tem buscado contemplar em seus projetos pedagógicos a
perspectiva crítica na formação de professores e que os docentes participantes incorporam em
suas práticas essa perspectiva, apesar do PPC em vigência, em alguns casos, necessitar de
ajustes quanto à relação reflexiva entre a teoria e a prática.
A respeito da dimensão formativa todos concordam que tanto o estágio quanto a
residência pedagógica potencializam a formação inicial dos futuros docentes. Entretanto,
apresentam alguns elementos condicionantes. A professora P1considera que quando o estudante
tem um “bom” professor supervisor na escola, este

[...] consegue se desenvolver de forma potencial e fazer uma relação entre a


teoria e prática. O preceptor precisa ter uma satisfação pessoal de conseguir
fazer com que o aluno tenha sucesso ao realizar sua regência, seu
planejamento, e ir conquistando e evoluindo nesse processo de formação [...].

Já as professoras P2 e P3, respectivamente, corroboram que dependerá muito do


envolvimento do estudante, que ele entenda que “[...] está ali não só para cumprir uma parte
prática do curso [...]”, mas é um espaço onde a teoria e prática se encontram e se articulam, e
que esse saber é “[...] uma construção que o aluno precisa fazer [...]”.
Desse modo, observamos que na RP a figura do professor supervisor da escola campo
se destaca na fala dos entrevistados, fato este não destacado em relação ao ECS. Esses dados

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Estágio supervisionado e Residência pedagógica: possibilidades para formação docente crítica

nos fazem inferir sobre a possibilidade de potencializar a ação desse preceptor, no sentido de
reconhecimento de sua ação formativa em relação ao estagiário, de sua atuação como
coformador desse futuro professor. Os estudos de Milanesi (2012) e Barreto (2014) aponta que
os professores supervisores da escola campo entrevistados demonstraram disposição para o
diálogo entre docentes e estagiários, no sentido de ampliar as aprendizagens decorrentes dessa
troca de experiência, por meio da qual todos os desenvolvem saberes acerca do processo
educativo e do exercício profissional.
Ainda sobre o aspecto formativo, os professores participantes elegem alguns pontos
acerca do ECS e da RP. Dentre os elementos que pontuaram destacamos as ações que se
relacionam com uma proposta de formação docente crítica. Ressaltaram que ambos (ECS e RP)
demonstram em suas propostas o compromisso com essa formação crítica e reflexiva. No
entanto, consideram que a RP oferece ao estudante um tempo maior na instituição campo, onde
pode conhecer, vivenciar e refletir sobre outros aspectos para além da regência em sala de aula.
Nesse programa eles tem a oportunidade de diálogo com a gestão da escola, com os pais e
contam, na maioria das vezes, com o acompanhamento de um professor supervisor
comprometido com sua formação, nesse período de imersão no ambiente profissional do futuro
professor.
Consideramos importante destacar que é unanime o reconhecimento da importância do
ECS na formação docente, como afirma o professor P4 “[...] é praticamente um consenso de
que o estágio é importantíssimo, é fundamental, ... devido a formação prática ofertada ao aluno
e pela vivência na escola”. Outro fator que os professores apontam é que o ECS alcança todos
os estudantes das licenciaturas, ao passo que da RP só participam aqueles aprovados em seleção,
conforme o número de vagas disponibilizadas no edital. Apesar desse programa ter muitos
aspectos positivos, ainda se torna excludente em decorrência do quantitativo de licenciandos
que tem a oportunidade de participar, situação pontuada como fragilidade dessa proposta
formativa (P4).
Para os docentes investigados, a dimensão da prática docente como processo de
constituição reflexiva, se revela quando reconhecem que as experiências do ECS e da RP
contribuem para o desenvolvimento do pensamento crítico nos estudantes. Asseveram que a
fala dos estudantes ao compartilharem suas vivências, discutirem e buscarem soluções em
conjunto denota esse desenvolvimento, como bem relata a professora P1 “Você consegue
visualizar na fala deles, consegue perceber o quanto que tudo que acontece ali é importante.
O quanto eles identificam no campo e o quanto eles ouvindo o outro colega, desenvolvem a
criticidade”.
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O professor P4 integra nas atividades desenvolvidas no ECS elementos que estimulem


a reflexão dos estudantes acerca da realidade da escola campo “oriento alguns itens no relatório
final, onde tenham que fazer uma discussão reflexiva sobre alguns dos assuntos que eles
vivenciaram na prática na escola, utilizando as referências bibliográficas que foram
apresentadas na disciplina”. Já a professora P3 ressalta que na RP esses momentos de reflexão
acontecem nos encontros de formação e que já constam no plano que será desenvolvido, ao
contrário do ECS, que dependerá das escolhas do professor da disciplina em seu planejamento.
Embora admita que os estudantes desenvolvem o pensamento crítico durante o ECS e
RP, a professora P2 afirma que nem todos alcançam o progresso desejado. Ela sinalizou que
estimula a realização das atividades de forma reflexiva, pois entende que “Não adianta só
descrever a realidade, é preciso pensar sobre ela, como eu (estagiário) estou dentro dessa
realidade para poder propor algo”.
Nesse sentido, é fundamental a análise da própria prática, uma vez que as contradições
presentes na realidade escolar nos impulsionam a buscar conhecimentos teóricos capazes de
intermediar as reflexões para que a transformação dessa realidade possam ser geradas e
apoiadas, também, numa visão crítica de mundo (MARSIGLIA; MARTINS, 2013).

Considerações finais

Diante das discussões postas anteriormente, consideramos que as duas experiências,


ECS e RP, podem se constituir como espaços de formação docente crítica. As propostas
descritas nos documentos que as regem já apontam a perspectiva crítica, embora em alguns
casos precisem ser melhor definidas.
Ao reconhecermos esses espaços formativos, se faz necessário ultrapassar a esfera
documental no sentido de ampliá-los e fortalecê-los. No entanto, a RP escapa à governabilidade
da instituição de ensino superior, dificultando iniciativas de aprimoramento. Já o ECS favorece
a ação interventiva da IES, no sentido de propor intentos que alcancem as expectativas
formativas dos discentes, assim como os estimular a desenvolver um pensamento crítico e
reflexivo antes mesmo de iniciarem sua carreira docente.
Percebemos que o fato do professor coordenador de ESC também estar envolvido na RP
têm favorecido uma atuação profissional mais crítica e reflexiva em relação a sua prática
docente. Tal movimento, acreditamos, reverbera nos discentes que estão sob seu comando, uma
vez que serão propostas ações que fortaleçam a perspectiva crítica em sua formação inicial.

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Estágio supervisionado e Residência pedagógica: possibilidades para formação docente crítica

Desse modo, os dois mecanismos de formação qualificam a formação dos futuros


professores, favorecem a identificação de oportunidades de desenvolver uma ação docente onde
teoria e prática caminham juntas e o pensamento crítico-reflexivo constitui-se elemento
indispensável à profissão docente.

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Como referenciar este artigo

MACIEL, A. O.; NUNES, A. I. B. L.; PONTES JUNIOR, J. A. F. Estágio Supervisionado e


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Americana de Estudos em Educação, Araraquara, v. 15, n. esp. 3, p. 2223-2239, nov. 2020.
e-ISSN: 1982-5587. DOI: https://doi.org/10.21723/riaee.v15iesp3.14428

Submetido em: 20/07/2020


Revisões requeridas em: 30/08/2020
Aprovado em: 29/09/2020
Publicado em: 30/10/2020

RIAEE – Revista Ibero-Americana de Estudos em Educação, Araraquara, v. 15, n. esp. 3, p. 2223-2239, nov. 2020. e-ISSN: 1982-5587
DOI: https://doi.org/10.21723/riaee.v15iesp3.14428 2239

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