Aulas Teóricas

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Direito Internacional Privado

Prof. Doutor Afonso Patrão Ano Letivo 2021/2022

NOÇÃO DE DIP
O Direito Internacional Privado é o ramo do direito que define os princípios, critérios e as normas a que
obedece a pesquisa de soluções adequadas para os problemas emergentes das relações jurídico-privadas
internacionais.

OBJETO DO DIP
De acordo com a classificação Jitta (Daniel Josephus Jitta) as situações jurídico-privadas podem repartir-se
em 3 categorias:
1. Situações puramente internas
Que só têm contacto com um ordenamento jurídico, que é o ordenamento jurídico interno (só têm
contacto com a ordem jurídica do foro). Aqui, o princípio da não transatividade resolve o problema.

2. Situações relativamente internacionais


Aquelas que só têm contacto com um ordenamento jurídico, que é um ordenamento jurídico
estrangeiro. Todos os contactos são com uma única ordem jurídica, só que esta não é a do foro. Estas
situações resolvem-se com recurso ao princípio da não transatividade.

3. Situações absolutamente internacionais ou plurilocalizadas


 São aquelas que têm contactos relevantes com mais do que um ordenamento jurídico – são estas
que constituem o objeto do DIP
Estão em causa relações jurídicas privadas plurilocalizadas, que entram em contacto com diferentes
ordenamentos jurídicos.
O DIP visa regular e disciplinar adequadamente as relações jurídico-privadas internacionais.

Até ao séc. XIX, vigorou o princípio da territorialidade das leis, em que se aplicavam as normas de direito
interno (onde a situação ou relação jurídica emergisse).
Vantagem: relativamente ao baixo erro judiciário; evita o erro judiciário – o juiz português conhece melhor
a lei portuguesa do que qualquer outra, tendo muito mais facilidade em aplicá-la.
Desvantagens:
a. colocava em causa a segurança jurídica;
b. o facto de se cruzar uma fronteira, isso alteraria o estatuto dos sujeitos – isto afetaria a estabilidade
das relações jurídicas internacionais,
c. violava as legítimas expectativas das pessoas (por não saberem com que regras/normas contar),
d. colocava em causa o princípio da liberdade de circulação
e. e, ainda, o princípio da não transatividade das leis (as leis não se podem aplicar a factos que não
tenham contacto espacial com elas).
NOTA: o local onde se está a decidir é o “foro” (do país onde se coloca o problema).

O método conflitual ou savignyano (método clássico/tradicional) é aquele segundo o qual o legislador


recorre a regras de conflitos para cada relação ou situação jurídica, as quais nos oferecem um critério de
escolha (arts. 25.º a 65.º CC).

Desde o séc. XVIII que não vigora o princípio da territorialidade.


Hoje utiliza-se o método conflitual (ou savignyano), que é o método clássico do DIP.
➔ De acordo com o método conflitual (clássico), deve escolher-se a lei que tem um contacto, uma
ligação mais forte com o caso, com a situação ou relação jurídica internacional – este é, portanto, o
método tradicional de resolução dos problemas de DIPrivado, que resolve o problema do DIP através
de regras de conflitos.

À luz deste método, é o legislador que escolhe, para cada situação, a lei que tem o contacto mais forte,
através das regras de conflitos – isto é, há várias leis de vários ordenamentos jurídicos em conflito e
o legislador, através de umas regras chamadas “regras de conflitos”, escolhe a lei que tem uma ligação
mais forte ao caso.

No método conflitual, o legislador escolhe a lei que lhe parece ser mais próxima com a relação jurídica.
Não se trata aqui, no entanto, de encontrar uma solução fundada na justiça material, mas sim de verdadeiros
critérios de justiça formal. A justiça do DIP tradicional: não escolhe a lei mais justa, escolhe a lei mais
próxima – não há, portanto, aqui, uma preocupação de justiça material, mas antes de justiça formal.

Por exemplo:
Art. 25.º CC – «O estado dos indivíduos, a capacidade das pessoas, as relações de família e as sucessões por
morte são regulados pela lei pessoal dos respetivos sujeitos».
Artigo 31.º/1 CC – «A lei pessoal é a da nacionalidade do indivíduo»

NOTA: No Direito Privado (pressuposto essencial do DIPrivado) aceita-se a aplicação no foro de lei
estrangeira – isto só acontece nas relações jurídico-privadas, porque não é parte interessada, enquanto que nas
relações-públicas, o Estado é uma parte interessada.

ÂMBITO DO DIP
Não há consenso no que toca ao âmbito do DIP:
Conflito de leis (em que existem várias leis conectadas com uma situação jurídica, e em que se tem de
escolher uma)?
Conflito de jurisdições ou processo civil internacional?
- Competência internacional dos tribunais
- Reconhecimento de sentenças estrangeiras
Direito da nacionalidade? Saber quem é que tem uma determinada nacionalidade
Direito dos estrangeiros? Saber se os estrangeiros gozam dos mesmos direitos que os nacionais.

● Corrente minimalista (alemã) – o único problema do DIP seria o conflito de leis; o problema da lei
aplicável.
● Corrente maximalista (francesa) – todos aqueles problemas supramencionados integram o âmbito do DIP.

● Corrente anglo-saxónica ou portuguesa – serão problemas do DIP apenas:

i. o conflito de leis
ii. e o conflito de jurisdições, o qual engloba:
a. competência internacional dos tribunais
b. reconhecimento de sentenças estrangeiras

MOTIVOS:
Porque estes 3 problemas (os da corrente anglo-saxónica) põem-se sempre nas situações absolutamente
internacionais, e os últimos dos (direito da nacionalidade e direito dos estrangeiros) nem sempre se colocam.

O direito dos estrangeiros é um problema que não se coloca, desde logo, quando não haja estrangeiros
envolvidos na relação jurídica internacional que é objeto de DIP. Também nem sempre se coloca o problema
de saber se determinada parte envolvida é realmente da nacionalidade estrangeira que diz ser.

Os problemas apontados pela corrente anglo-saxónica como integrando o âmbito do DIP são estruturalmente
diferentes do Direito da nacionalidade e do Direito dos estrangeiros, porque:
a. As regras de conflitos são normas de segundo grau – não dão solução para os casos em concreto,
apenas sindicam as leis que vão dar a solução para o caso; escolhem a lei que vai dar a solução ao caso.

b. O direito da nacionalidade e o direito dos estrangeiros, pelo contrário, dão solução imediata para os
casos em concreto – são normas materiais.

DIREITO DA NACIONALIDADE
Temos de recorrer ao método conflitual.
a) Conflitos positivos de nacionalidade
(problema de dupla nacionalidade/mais do que uma nacionalidade)
➢ Quando alguém tenha duas ou mais nacionalidades + uma delas for portuguesa → Considera-se
relevante a nacionalidade do foro (portuguesa) (art. 27.º LNP) – preferência pela nacionalidade do
foro.
Ou seja, nestes casos, resolve-se o conflito de nacionalidades a favor da nacionalidade do foro.

➢ Quando alguém tenha duas ou mais nacionalidades + nenhuma delas for portuguesa + verifica-se
residência num dos países do qual é nacional → releva a nacionalidade da residência (aplica-se a
lei do país em que a pessoa reside) – art. 28.º/1.ª parte LNP
Porque é OJ com que o sujeito tem uma maior proximidade (critério de escolha do legislador – o da OJ mais
próxima, com que o sujeito estabelece uma ligação mais estreita).
Este é um critério de conexão subsidiária.

➢ Quando o sujeito tenha duas ou mais nacionalidades + não reside em nenhum dos países de que é
nacional → aplica-se a nacionalidade com que ele tenha uma ligação mais próxima («do Estado
com o qual mantenha uma vinculação mais estreita») – art. 28.º/2.ª parte LNP
Aqui, o legislador passa a responsabilidade da escolha para o julgador – princípio da proximidade (realização
jurisdicional do princípio da proximidade).
EM SUMA: O legislador tenta, aqui, dar preferência à nacionalidade com o que sujeito tem uma maior ligação
(critério de justiça formal).

➔ O art. 28.º LNP consagra, assim, o princípio da proximidade (open-ended rules: regras de fim aberto).
Vantagens: condução a um juízo mais certeiro – enquanto que o legislador não conhece a pessoa do caso
concreto, o julgador pode averiguar de facto qual a nacionalidade, em concreto, com que a pessoa estabelece
uma ligação mais estreita.
Permite escolher a lei efetivamente mais próxima.
Desvantagens: oferece uma menor segurança jurídica – há uma enorme dose de imprevisibilidade por parte
do julgador.

❖ Todavia o artigo 28.º LNP sofre uma interpretação restritiva quando se está dentro do
âmbito do DUE.

Exemplo: Sr. A, brasileiro e italiano, reside no Brasil. Residindo no Brasil, a lei aplicável à sua capacidade é
a lei da residência: a do Brasil (artigo 28.º/1.ª parte LNP) ?!
O Sr.A pretende abrir um consultório ao abrigo da liberdade de estabelecimento pelo Direito da União
Europeia. Conforme o DUE, as liberdades são concedidas a cidadãos europeus: nacionais de um EM. Ora, o
Brasil não é EM da UE, e consideramos a lei do Brasil pelo facto de o Sr. A (com dupla nacionalidade) ser
residente no Brasil (que é um dos países de que é nacional), logo, não teria liberdade de estabelecimento, e,
por esse motivo, não poderia abrir o consultório. → Isto está errado, pois para além de brasileiro, o Sr. A
também é italiano.

➔ Assim, o TJUE, com o Ac. Mitcheletti (1994) veio dizer que quando está em causa o exercício de
um dos direitos atribuídos pela cidadania europeia, não se pode aplicar o critério previsto no artigo
28.º LNP – prevalecerá sempre a nacionalidade de um EM, face à nacionalidade de Estados
Terceiros.
Princípio do primado do DUE

b) Conflitos negativos de nacionalidade (apátridas)

No caso dos apátridas, o artigo 32.º CC diz-nos que:


a. Deve aplicar-se a lei do lugar de residência habitual do sujeito (art. 32.º/1 CC)

b. Caso não haja residência habitual, aplica-se a lei do lugar da residência ocasional (art. 32.º/3 CC +
art. 82.º/2, 1.ª parte CC)
Se falha a primeira conexão, então temos uma conexão subsidiária.

c. Se não se puder determinar a residência ocasional, então deve aplicar-se a lei do lugar do paradeiro
do sujeito (do lugar onde se encontrar) – art. 32.º/3 CC + art. 82.º/2, 2.ª parte CC

DIREITO DOS ESTRANGEIROS


O princípio fundamental nesta matéria é o principio da equiparação (artigo 14.º CC + artigo 15.º CRP): os
estrangeiros gozam, em Portugal, dos mesmos direitos civis e deveres que os nacionais (os portugueses), salvo
disposição legal em contrário.

EXCEÇÕES:

● Princípio da reciprocidade ou da retaliação (artigo 14.º/2 CC) – podem ser negados alguns direitos a
estrangeiros em Portugal, quando nos países de que eles são nacionais esses direitos sejam recusados aos
cidadãos portugueses por serem estrangeiros.
● Exceções constitucionais (artigo 15.º/2 CRP):

PRINCÍPIOS JURÍDICOS
a. Princípio da justiça formal
O DIP tem de encontrar, como lei aplicável, aquela que tiver uma ligação mais forte com o caso concreto –
não escolhe a lei mais justa nem a lei que considera melhor.
Há um conjunto de interesses de cunho formal que o DIP visa satisfazer.
Motivo: por força da segurança jurídica e da estabilidade e previsibilidade das relações jurídicas internacionais
– que o estatuto das pessoas não varie pelo simples facto de se cruzar uma fronteira.

b. Princípio da harmonia jurídica internacional


É este o princípio orientador de todo o nosso sistema de DIP: é necessário haver acordo internacional entre
os vários Estados quanto à lei aplicável. A harmonia jurídica internacional é acordo entre vários países
quanto à lei aplicável.

Isto, com duas grandes finalidades:


I. Para garantir a estabilidade das relações jurídicas internacionais – e para que a solução seja a
mesma em todo o lado; pretende-se que a lei aplicável seja a mesma, onde quer que o
problema se ponha.

II. Evitar o forum shopping (a chamada “compra do foro”) – o forum shopping consiste na escolha
de um tribunal com vista a atingir um certo resultado – o fórum shopping só é possível se não
houver harmonia jurídica internacional. Assim, se não houver harmonia jurídica internacional já
não é possível.

➔ O forum shopping gera um aumento de litigiosidade, gera um corrida aos tribunais – ou seja, se as
partes souberem que consoante o tribunal em que o litigio seja julgado, terão um resultado diferente,
então as partes fazem uma corrida aos tribunais, para chegar ao tribunal que lhe interessa antes da outra
parte chegar a outro tribunal diferente.
Assim, se solução for igual em todo o lado, as partes não se vão apressar em chegar aos tribunais.

Um país tem de tentar aplicar a mesma lei que os outros aplicam – esta é uma preocupação fundamental por
parte do nosso legislador:
i. por razões de segurança jurídica e estabilidade das relações jurídicas internacionais: temos de
evitar ao máximo que o estatuto de uma pessoa varie simplesmente por ela cruzar uma fronteira.

ii. Em segundo lugar, quando o legislador faz uma regra de conflitos, ele necessita de olhar para os
outros sistemas e tentar escolher o mesmo critério que os outros escolheram (solução clássica) –
surge, então, para uma melhor eficácia, a Conferência de Haia (1899 e 1907).

Unificação internacional das regras de conflitos


A chave para a harmonia jurídica internacional é a unificação das regras de conflitos.
Por exemplo: se em Portugal e no Brasil vigorar a mesma regra de conflitos (a perfilhação regula-se pela lei
da nacionalidade) – então, em Portugal vao aplicar a lei portuguesa (porque é a lei da nacionalidade), e no
Brasil aplica-se a lei portuguesa (porque é a lei da nacionalidade).

➔ Quer-se que os países tenham regras de conflitos idênticas – quer-se que, a cada matéria, os países
utilizam o mesmo elemento de conexão → isto gera a harmonia jurídica internacional.
Como conseguir isto?
Estabelecendo convenções internacionais de unificação das regras de conflitos.
Organização Internacional - CHDIP (Conferencia da Haia do DIP - fundada em 1865).
Tem como objetivo: promover a celebração de convenções internacionais entre vários países que unifiquem
as regras de conflitos.
➔ Pouco a pouco, a Conferencia de Haia vai unificando as regras de conflitos entre os vários países.
No fundo, estas convenções internacionais vão substituindo, pouco a pouco, as regras de conflitos
internas/nacionais, por regras de conflitos internacionais.

A unificação das regras de conflitos é, todavia, muito difícil de conseguir.

Através das conferencias de Haia, os estados unificam, pouco a pouco, os seus critérios de escolha da lei
aplicável – por não ser uma missão fácil, há ainda intervenção, nomeadamente, da UE, cujo objetivo é a
estabilidade das relações entre Estados-membros (unificação das regras de conflitos a nível europeu através
de Regulamentos, que vinculam todos os sujeitos).

• União Europeia – enquanto não se consegue a unificação no mundo inteiro, a União está interessada
em unificar as regras de conflitos, pelo menos, no espaço europeu, entre os EMs da UE.
Ocorre, assim, ao nível europeu, uma substituição de regras de conflitos nacionais por regras de conflitos
europeias.
Quais são os objetivos da UE com isto?
Segurança e estabilidade das relações jurídicas internacionais:
A UE visa garantir a liberdade de circulação – e a estabilidade das relações jurídicas internacionais
garante tambem a liberdade de circulação. Para garantir a efetiva liberdade de circulação, é necessário que
o estatuto das pessoas não se altere pelo simples facto de cruzarem uma fronteira.

Porque é que a UE está a unificar as regras de conflitos?


Porque só a harmonia jurídica internacional (uniformização das leis a aplicar) pode garantir a estabilidade das
relações jurídicas, e, consequentemente, potenciar a liberdade de circulação. Isto é, as pessoas são mais
livres de circular se souberem que o seu estatuto não se altera por mudarem de país, porque a relação jurídica
vai ser submetida à mesma lei que era no outro Estado- Membro.
Nota: frequente em provas orais!!

➔ Além disto, o princípio da harmonia jurídica pretende evitar o forum shopping (compra do foro).

O Estado A e o Estado B consideram, respetivamente, as leis 1 e 2. O senhor X e o senhor Y vão litigar


certo contrato – ao senhor X é mais favorável a lei 1; ao senhor Y é mais favorável a lei 2. Não havendo
harmonia jurídica internacional, X tenderia a querer litigar no país A, e Y em B – seria uma autêntica
corrida aos tribunais (forum shopping), aumentando a litigiosidade.

EM SUMA:

• Internacionalização do DIP – substituição das regras de conflitos nacionais por regras de


conflitos internacionais.

• Movimento da Europeização do DIP – substituição das regras de conflitos nacionais por regras
de conflitos de fonte europeia (de regulamentos da UE).

NOTA:
Regulamento Roma I – sobre a lei aplicável a Contratos celebrados desde 17 de Dezembro de 2009.
Quanto a negócios jurídicos unilaterais – aplica-se na mesma o artigo 41.º e 42.º CC.

Reg. Roma II – substituição as regras de conflitos dos EMs em matéria de responsabilidade extracontratual ,
para factos ocorridos depois de 11 de janeiro de 2009.
A responsabilidade por violação de direitos de personalidade não é abrangida pelo Reg. Roma II (aplica-se na
mesma o artigo 45.º CC).

Regulamento Roma III – apenas aplicável aos Fundamentos do divórcio (divórcios pedidos depois de 21 de
junho de 2012).
O artigo 55.º CC continua a regular todos os outros aspetos do divorcio (que não o fundamento do divórcio).

Art. 62.º CC → Regulamento UE 650/2012


Regulamento europeu das sucessões – aplica-se a pessoas que tenham morrido depois de 17 agosto de 2015.

Art. 53.º CC → Regulamento UE 2016/1103


Aplica-se aos casamentos celebrados de 19 de janeiro de 2019.
Enquanto não houver europeização ou uniformização internacional → legislador nacional de DIP deve
esforçar-se por escolher como lei aplicável a mesma lei que a generalidade dos outros países escolheu;
deve tentar escolher a mesma lei que está a ser aplicada nos outros países – isto permite a harmonia jurídica
internacional.

«DIP tem uma vocação ecuménica» - porque o DIP só cumprirá corretamente a sua função se for único
no mundo inteiro. O DIP só consegue verdadeiramente a harmonização jurídica internacional, se for igual no
mundo inteiro.
Isso vê-se:
✓ Na internacionalização do DIP
✓ Na europeização do DIP
✓ Nas regras de conflitos internas – o legislador deve escolher as leis que os outros países estão a aplicar.

c. Princípio da harmonia material


A, alemão residente na Alemanha, é filho de B, grego residente em Atenas (Alemanha), e C, alemã
residente na Alemanha. O Sr. A quer visitar o filho, mas a Sr. C não quer deixar.

A regra de conflitos do foro (regras de conflitos da lei alemã) diz que as relações entre pais e filhos são
reguladas pela lei da nacionalidade do progenitor. E, portanto, aplicar-se-ia:

a. a lei grega nas relações entre A e B


b. e lei alemã nas relações entre A e C.

O que acontece se B quer visitar o filho A, por ter o direito segundo a lei grega, mas a lei alemã disser
que C tem direito a opor-se a essas visitas?

Neste caso, o DIP chama duas leis diferentes para a situação, gerando situações incompatíveis – algo que não
pode acontecer.
O DIP tem de impedir que ocorram situações de desarmonia material, evitando que haja tais conflitos
entre leis. Cada relação jurídica deverá, portanto, chamar a si apenas uma lei. Se a situação descrita fosse em
Portugal, daríamos uso ao artigo 57.º CC, que prevê a utilização da lei da residência comum (Alemanha), em
falta de nacionalidade comum.
o Segundo a lei grega – o pai tem direito a visitar o filho (esta lei grega vai regular a relações entre a
mãe e o filho).
o Segundo a lei alemã – a lei tem direito a opor-se.
Isto é o designado problema da “desarmonia material” – em que o DIP chama leis diferentes, para matérias
diferentes.
Pode suceder que essas leis chamadas para materiais diferentes sejam incompatíveis/inconciliáveis.

O DIP deve preocupar-se, quando escolhe a lei aplicável, em evitar a aplicação de leis incompatíveis.
Como fazer isto?
➔ O DIP deve preocupar-se em chamar, para relação jurídica, uma única lei.

d. Princípio da efetividade ou da melhor competência


Quando escolhe a lei aplicável, o legislador tem de se preocupar com o reconhecimento dos atos no país onde
se pretende que eles produzam efeitos. Deve evitar situações claudicantes – se um negócio apenas é
reconhecido em alguns países, não sendo noutros, tem de haver preocupação com a efetividade.
➔ O legislador, quando escolhe a lei aplicável, tem de se preocupar em escolher a lei do país que estiver
em melhores condições para impor o seu acatamento, para efetivar o seu acatamento.

O DIP não pode partir do pressuposto de que uma lei é melhor do que as outras – não pode partir do
pressuposto de que a lei do foro é melhor do que as outras leis,

A, português residente em Coimbra, quer vender a B, português residente em Coimbra, um imóvel na


Suíça, celebrando o contrato em Coimbra. Qual a lei que regula a transmissão de propriedade?

➔ A lei que melhor conhecem é a portuguesa, mas as partes querem que o contrato produza efeitos
na Suíça.

Segundo a lei portuguesa, a propriedade transmite-se por mero efeito do contrato.

Na Suíça vigora um sistema de modo e título.

De acordo com o princípio da efetividade, o legislador, quando escolhe a lei aplicável, tem de se
preocupar a lei do país que estiver em melhores condições para impor o seu acatamento, para efetivar
o seu acatamento.

Assim, de acordo com o princípio da efetividade, o país que está em melhores condições de fazer
cumprir as leis que ele próprio escolheu – é a Suíça – é o Estado que melhor consegue efetivar este
contrato, uma vez que o imóvel se encontra situado na Suíça.

Assim, o DIP deve escolher a lei do país cujas autoridades são capazes de fazer cumprir o seu
acatamento; neste caso, a lei do país que melhor consegue efetivar o contrato (Suíça).

Contudo, o art. 46º do CC manda aplicar a lei do local onde se encontra a coisa (Suíça) – assim evitando
que o ato não seja reconhecido onde as partes pretendem que se produzam efeitos, sob risco de
não reconhecerem o contrato.

e. Princípio de paridade de tratamento das ordens jurídicas


O DIP tem de tratar todas as leis igualmente – este princípio é especialmente dirigido à lei do foro: não se
pode privilegiar a lei do foro (isto é, do local onde se está a julgar).
➔ O legislador não pode supor que a lei melhor será a do foro – devendo sempre atender à lei mais
próxima, em nome da harmonia jurídica internacional.

Se não houvesse paridade de tratamento, poderia criar-se desarmonia jurídica internacional, na medida em
que em todo o lado se iria dar preferência à lei do foro:
Em Portugal – dar-se-ia preferência à lei portuguesa
Na Alemanha – dar-se-ia preferência à lei alemã

f. Princípio do favor negotii


O DIP tem de se preocupar em favorecer a validade dos negócios jurídicos.
= “princípio da conservação da validade dos negócios jurídicos”.
O DIP tende a favorecer a validade dos negócios jurídicos, sempre que haja razões atendíveis nesse sentido.

Isto, porque pode acontecer que as partes tenham confiado que tinham um negócio valido, sendo depois
defraudadas legítimas expectativas das partes.
Às vezes, mesmo que não se aplique a lei mais próxima, deve aplicar-se a lei que satisfaça as legitimas
expectativas dos sujeitos envolvidos nas relações jurídicas em causa.
➔ O modo de escolha de lei vem tutelar legítimas expectativas que as partes tenham depositado na
validade do negócio jurídico celebrado.

g. Princípio da boa administração da justiça


Este princípio, que só tem valor quando todos os outros estejam satisfeitos/salvaguardados, dita que o
legislador deve evitar o erro judiciário, na escolha da lei aplicável. À partida, o legislador erra menos quanto
à lei do foro – logo, estando todos os outros princípios satisfeitos, ele pode acabar por privilegiar esta última.
➔ O DIP deve escolher a lei que conduza a um menor erro judiciário. A lei em que o juiz erra menos
a aplicar a lei do foro.
Precisamente por ser contraditório quanto ao princípio da paridade de tratamento, acaba por ter uma aplicação
muito limitada; tendo pouca importância.

Distinção e relação entre o DIP e outras disciplinas próximas


o DIP e direito transitório ou intertemporal

O direito transitório regula os conflitos de lei no tempo – quanto ao momento de aplicação de uma nova lei.
Há três pontos de contacto ou ligação entre este direito e o DIP:

→ Preocupação com o conflito de leis e escolha da lei aplicável, bem como da lei que vai dar solução ao caso
(normas de segundo grau);
→ Estabelecimento dos limites de aplicação das leis;

→ Finalidade da estabilidade das relações jurídicas.

Quanto às diferenças entre ambos, apontamos duas:

→ Enquanto que o direito transitório resolve os conflitos da lei no tempo, o DIP prende-se com a resolução
de conflitos de lei no espaço;

→ O DIP só pode intervir quando se está perante uma situação internacional; o direito transitório intervém
sempre dentro do seu ordenamento jurídico, independentemente de serem situações internacionais ou internas.

o DIP e o direito interlocal ou interterritorial e interpessoal


Em países com sistemas plurilegislativos (v.g. Espanha, EUA, Reino Unido e Canadá), os conflitos
interterritoriais são ainda situações internas.
O direito interterritorial é o ramo do direito que é composto por regras de conflitos, isto é, por normas que
escolhem a lei aplicável no mesmo ordenamento (regras de conflitos) – este é um grande ponto de contacto:

3 objetivos em comum:
1. Tanto o DIP como o direito interterritorial são compostos por regras de conflitos que escolhem qual a
lei aplicável nas situações que estão em contacto com diferentes ordenamentos.
2. Tanto as normas de DIP como as de direito interterritorial são normas sobre normas.
3. Têm o mesmo objetivo – a estabilidade das relações jurídicas privadas (internacionais no DIP; dentro
do próprio país, no direito interterritorial.
Ainda assim, há três grandes diferenças:

→ No DIP, cada país tem o seu corpo de normas de conflitos; no direito interterritorial, há um único
corpo de regras de conflitos interterritoriais para todo um ordenamento pluri-legislativo;

→ As regras de conflitos do escolhem a lei aplicável atendendo a critérios que servem como elementos
de conexão – para o DIP, um desses critérios é a nacionalidade. No direito interterritorial, nunca
haverá o critério da nacionalidade, pois essa é única em todo o país;

→ A ordem pública internacional (instituto do DIP) permite recusar a aplicação de uma lei pública
estrangeira quando essa seja conducente a um resultado inaceitável; no direito interterritorial, não
há ordem pública.
OPI – artigo 22.º CC
➔ Situações intoleráveis e manifestamente contrárias aos princípios fundamentais da nossa OJ proíbem
a aplicação da lei estrangeira que as regras de conflitos mandam aplicar.
No Direito Interterritorial não tem uma tal ordem pública internacional – não tem este “travão”, esta faculdade
de impedir a aplicação da lei que a regra de conflitos indica.
Quanto ao direito interpessoal, este surge em ordenamentos plurilegislativos de base pessoal (v.g. Siria: duas
leis diferentes e dois ordenamentos jurídicos diferentes que são aplicados a todo o território, dependendo da
pessoa a que são aplicados).

o DIP e Direito Privado Uniforme


O direito privado uniforme é um método que suprime os conflitos de lei em certos domínios como de cheques,
letras e livranças (não é uma alternativa ao DIP), através da criação de uma lei uniforme para todos.
A normas sobre letras, livranças e cheques não estão em legislação portuguesa, mas antes em leis uniformes
específicas.
O direito privado uniforme só poderia substituir o DIP se todos os países o adotassem – algo que não acontece.
➔ O Direito Privado Uniforme é uma utopia. Pelo que não serve como solução transversal, apenas
como solução localizada, em algumas situações (como é o caso da matéria de cheques, letras e
livranças).
Significa isto que nesta matéria já não precisamos do DIP? Não! Porque nem todos os países
ratificaram esta lei uniforme!

Leis uniformes: são disposição materiais/substantivas (previstas em convenções internacionais) que vão
substituir o direito interno - uniformizam o direito interno.
Ora, enquanto que o DIP pretende resolver o conflito de leis, dando uma solução aos casos em que leis
diferentes tenham soluções diferentes; o DPU elimina o conflito de leis, passando a vigorar a mesma lei em
todo o mundo (não pretende resolver o conflito de leis, mas antes eliminá-lo).

o DIP e direito comparado


O direito comparado compara os institutos jurídico-material de países diferentes; por sua vez, o DIP escolhe
a lei aplicável a uma situação internacional. O direito comparado auxilia o DIP.

o DIP e direito constitucional

1. Será que uma regra de conflitos pode ser inconstitucional? Ou se, sendo uma norma
meramente técnica, é estruturalmente impossível de ser inconstitucional?

A. Posição Tradicional

Segundo a posição tradicional, as regras de conflitos indicam a lei que vai resolver o caso. Então a regra de
conflitos, é, em si, uma norma técnica, pelo que não pode nunca violar a constituição.

B. Posição a favor da inconstitucionalidade das regras de conflito


Vejamos o exemplo do art. 52º CC: aplica-se às relações entre os cônjuges, escolhendo a lei da nacionalidade
comum.
Pode acontecer que – o Sr. A, português, casou com a Sra. B, brasileira. → nacionalidade comum não existe.
o A lei diz, nestes casos, que, não tendo os cônjuges a mesma nacionalidade é aplicável a lei da
residência habitual comum (elemento de conexão pessoal, factual e móvel – residência habitual).
Pode ainda acontecer que as partes também não tenham a mesma residência - uma residência comum.
o Neste caso, aplica-se a lei do pais com a qual a vida familiar se ache mais estreitamente conexa.
Ora, antes de 1977 dizia-se que, neste ultimo caso, se aplicava a lei da nacionalidade do marido – o problema
desta regra de conflitos é que se se considerasse só a nacionalidade do homem-marido haveria uma violação
de igualdade dos cônjuges, ou seja, seria inconstitucional. O legislador conflitual dava tratava diferentemente
as expectativas dos dois cônjuges, dando mais relevância às expectativas do marido.
A regra de conflitos estava a fazer um juízo de desigualdade em si mesma – a regra de conflitos foi considerada
inconstitucional!
O art. 23º/1 CC orienta-nos, se interpretado corretamente: a lei estrangeira deve ser interpretada de acordo
com o sistema a que pertence e de acordo com as suas regras interpretativas. O princípio que está subjacente
a esta regra é o princípio da harmonia jurídica internacional.

EM SUMA:
Para esta segunda posição é possível que as regras de conflitos sejam inconstitucionais:
a) Quando a escolha da lei aplicável leve em consideração, de forma desigual, as partes da
relação jurídica – a regra de conflitos pode ser inconstitucional se o modo como faz a escolha
da lei aplicável seja, em si mesmo, contraditório com a Constituição.
O modo como a regra de conflitos faz a escolha da lei está submetido aos parâmetros da
Constituição.
Assim: a regra de conflitos pode ser inconstitucionais quanto ao elemento de conexão: o modo da escolha da
lei aplicável (elemento de conexão) está vinculado à Constituição.
A regra de conflito pode ser inconstitucional no elemento de conexão.

b) Quanto ao conceito-quadro: o art. 59.º CC foi revogado porque fazia diferenciação entre filiação
“legitima” e “ilegítima” – violando assim o princípio da não discriminação entre filhos nascidos
dentro e fora do casamento (princípio com consagração constitucional). Esta regra de conflitos
era inconstitucional no seu conceito quadro, por consagrar um conceito-quadro discriminatório.
A diferenciação dos conceitos-quadro também – quando têm conceitos-quadro discriminatórios
as regras de conflitos podem ser inconstitucionais.

C. Quando a regra de conflitos manda aplicar uma lei estrangeira, podemos recusar a
aplicação dessa lei estrangeira porque ela viola a nossa Constituição?
Deverá um juiz português recusar a aplicação de uma norma canadiana quando ela viola a constituição
belga?

Duas teses:
A. Doutrina Tradicional/Clássica (Ferrer Correia; Batista Machado) – não podemos recusar a
aplicação da lei estrangeira com fundamento na violação da nossa Constituição – não podemos fazer
um controlo de constitucionalidade da lei competente – por força do Princípio da paridade de
tratamento das ordens jurídicas – fazer um controlo de constitucionalidade da lei estrangeira
competente, violaria o princípio da paridade de tratamento das ordens jurídicas.
a. Nas situações “chocantes” há um “travão” – Ordem Pública Internacional (Art. 22.º CC) –
permite recusar a aplicação da lei estrangeira, quando essa aplicação acarrete um resultado
chocante e inadmissível. – Nestes casos, não será necessário sequer chamar a Constituição.
É o CCivil que vai “agir” antes da Constituição.

B. Moura Ramos – entende que a Constituição é um limite autónomo à aplicação da lei


estrangeira (autónoma em relação à OPI).
Ou seja, para alem da OPI há outro limite autónomo relativamente à aplicação da lei estrangeira– a
Constituição serve como travão autónomo à aplicação da lei estrangeira.
Mesmo que a OPI tenha deixado passar a aplicação da norma estrangeira chocante, pode invocar-se a
Constituição como limites.
Dois argumentos:
a. Argumento Formal – Segundo a tese clássica, não é necessário controlar o respeito pela
Constituição, por força do artigo 22.º CC – não se faz um controlo autónomo da
constitucionalidade, porque o CCivil não deixa, esse controlo é feito pelo CCivil (pela
Ordem Pública Internacional, prevista e consagrada no art. 22.º CCivil). Ou seja, segundo
a doutrina tradicional, é o CCivil que vai agir antes da Constituição.
Ora, isto tem um problema: é que a Constituição está no topo da hierarquia normativa
– pelo que a aplicabilidade da Constituição não pode ficar dependente do CCivil; não pode
ser o código civil a fazer o controlo das normas constitucionais – a CRP está acima do
CCivil, pelo que ela pode limitar a aplicação da lei estrangeira de forma independente
do CCivil.
Não podemos fazer os controlo dos limites à aplicação da lei estrangeira pelo CCivil, porque a CRP está acima
do CCivil.

b. Argumento Material – há algumas normas da Constituição que são tão importantes


(normas constitucionais relativas a direitos fundamentais ligados à dignidade da pessoa
humana) que serão sempre invioláveis – mesmo que a OPI não tenha funcionado.
Ou seja: se a lei estrangeira puser em causa direitos fundamentais ligados à dignidade da pessoa humana,
estruturantes da dignidade da pessoa humana, podemos impedir a aplicação da lei estrangeira por força da
violação da Constituição na parte relativa aos direitos fundamentais ligados à dignidade da pessoa humana –
a CRP é um limite autónomo à aplicação da lei estrangeira.
De facto, isto viola o principio da paridade de tratamento, mas pior seria colocar em causa a dignidade da
pessoa humana – ou seja, intolerável seria respeitar o principio da paridade de tratamento em detrimento do
respeito pela dignidade da pessoa humana.
➔ Aceita-se, nestes casos, a violação do princípio da paridade de tratamento.

 JUSPRUDÊNCIA PORTUGUESA – acolhem a segunda tese.


 DOUTRINA MAIORITÁRIA – Acolhem a primeira (exceto a doutrina constitucional)

NOTA: Não é com base em toda a Constituição, mas apenas com base na violação dos direitos fundamentais
ligados à dignidade da pessoa humana.

D. Será que quando a regra de conflitos manda aplicar uma lei estrangeira, o juiz
português pode recusar a aplicação da lei estrangeira, porque ela viola, não a nossa,
mas porque viola a Constituição do OJ a que pertence a lei estrangeiro que a regra
de conflitos manda aplicar?

❖ Art. 23.º/1 CC – «Interpretação e averiguação do direito estrangeiro» → temos a aqui solução para
este problema.
“A lei estrangeira é interpretada dentro do sistema a que pertence e de acordo com as regras interpretativas
nele fixadas.”
Nestes casos, o juiz português deve agir como se fosse um juiz estrangeiro: o seu comportamento depende
do sistema de fiscalização da constitucionalidade belga:
➢ Se o controlo da constitucionalidade for difuso – fiscalização difusa da constitucionalidade (cabe a
todos os tribunais): e o juiz estrangeiro poder recusar, também pode o juiz português;

➢ Se for um sistema de controlo concentrado: se o juiz estrangeiro não for competente para o fazer,
também não o é o juiz português.
O juiz português tem de fazer exatamente o mesmo que faria o juiz do sistema a que pertence a lei aplicável.

Princípio da harmonia jurídica internacional justifica esta solução do artigo 23.º/1 CC – porque se não
fosse assim, então poderíamos ter uma decisão em Portugal que seria diferente da decisão do tribunal
estrangeiro – com soluções diferentes põe-se em causa a harmonia jurídica internacional e, portanto, a
estabilidade das relações jurídicas internacionais.
➔ Queremos que a decisão portuguesa seja igual à decisão que seria emitida no país da lei estrangeira
para não pôr em causa a estabilidade das relações jurídicas.

o DIP e Direito da União Europeia

1. A União Europeia está gradualmente unificar a instrumentalizar o DIP


A UE a legislar em matéria de DIPrivado – para garantir a liberdade de circulação. O objetivo do DIP prende-
se com a estabilidade das relações jurídicas internacionais – imprescindível para o objetivo do DUE: a
liberdade de circulação (o estatuto das pessoas não se altera pelo simples facto de esta cruzarem uma
fronteira).
➔ A União Europeia, para realizar o princípio da liberdade de circulação de pessoas, vem intervindo no
DIP, porque a harmonia jurídica internacional é condição da liberdade de circulação de pessoas.

COMENTE: A União Europeia está a instrumentalizar o DIPrivado.


É verdade, porque a EU está a utilizar, isto é, a instrumentalizar o DIP, porque utiliza o DIP como instrumento
para realizar a liberdade de circulação – unifica o DIP entre os vários Estados-Membros, de modo a que haja
uma estabilidade das relações jurídicas entre os vários países e, com isso, se consiga a liberdade de
circulação.
Já vimos, está a verificar-se uma substituição gradual das regras de conflitos internas por regras de conflitos
europeias ou internacionais (estamos numa fase de transição).

2. Por outro lado, os princípios do DUE tem influencia no DIP, na medida em que os princípios do DUE
são um limite ao funcionamento do DIP interno – o DIP interno não pode colocar em causa as
normas da cidadania europeia (princípio o primado do DUE).
Exemplo: Ac. Micheletti → O DIP da dupla nacionalidade está limitado pelos princípios do DUE – quando
estão em causa direitos conferidos pela cidadania europeia, a nacionalidade de um EM prevalece sobre a
nacionalidade de um estado-terceiro.

3. O DUE utiliza institutos próprios do DIP


Nomeadamente, no Principio do reconhecimento mútuo das legislações (Ac. Cassis de Dijon) – só se tem
de aplicar a lei do país de origem (isto lembra uma regra de conflitos).
Há, portanto, princípios do DUE – como é o caso do princípio do reconhecimento mútuo das legislações –
que se aproximam muito de institutos do DIP.
O principio do reconhecimento mutuo de legislações sé claramente um instituto do DIP:
a. Seja ele uma regra de conflitos
b. Seja ele o reconhecimento de direitos adquiridos

EM SUMA:
Estabelecem-se, entoa, quatro grandes relações:

→ O DIP de fonte nacional submete-se aos princípios do DUE, nomeadamente o pp. da não discriminação
em razão da nacionalidade;

→ O DUE pode funcionar como limitação à aplicação do DIP interno – não deixando funcionar o DIP de
fonte nacional/interna, acabando por limitar estas normas quando violarem normas de DUE;

→ O princípio do reconhecimento mútuo (DUE) manda aplicar aos produtos a lei do seu país de origem;
para se realizar, o DUE recorre à dogmática do DIP (regra de conflitos);
A REGRA DE CONFLITOS
A estrutura das regras de conflitos
A regra de conflitos (ou norma conflitual) conhece uma estrutura tripartida: o conceito-quadro; o elemento
de conexão; a consequência jurídica.

O conceito-quadro
No conceito-quadro é definido o âmbito de aplicação da regra de conflitos, que se pode considerar como “a
hipótese” da regra de conflitos (isto é, o conceito quadro está para a norma de conflitos como a hipótese está
para a norma material).
Seguindo a estrutura clássica, na regra bilateral teremos o seguinte:
«À MATÉRIA X, APLICA-SE A LEI Y.»
Facilmente identificamos em X o conceito-quadro.

Um dos problemas fundamentais que colocaremos no nosso estudo centra-se na análise do conceito-quadro,
por força da sua especificidade de hipótese de índole técnico-jurídica (em que termos identificamos estar
perante um dos casos previsto no conceito-quadro) – será este o problema da qualificação.

O elemento de conexão
O elemento de conexão é o componente da regra de conflitos que identifica a circunstância determinante da
lei aplicável (da lei escolhida pelo legislador). Quanto à escolha de um certo elemento de conexão em
detrimento de outro (opção conflitual) o legislador atende essencialmente a um critério de justiça formal
(critério de proximidade que visa garantir a escolha da lei com uma ligação mais forte ao caso).

a) Tipologias dos elementos de conexão


Em primeiro lugar, podemos contrapor os sistemas de conexão simples aos sistemas de conexão múltipla.

→ Sistemas de conexão única ou simples: esquema classicamente savignyano (“à matéria X aplica-se a lei
Y”).

→ Sistemas de conexão múltipla ou complexa:

o Sistemas de conexão múltipla alternativa


Chamam duas ou mais leis em relação de alternatividade.
Um contrato (…) é válido quanto à forma, se preencher os requisitos prescritos pela lei reguladora da
substância (…) ou pela lei do país em que é celebrado.
▪ Estas regras de conflitos estabelecem uma certa finalidade, convocando várias leis (devendo
o juiz escolher aquela que melhor cumpra esse objetivo);

▪ Facilitam, com especial acuidade, o princípio do favor negotii - Facilitam o


reconhecimento e a constituição das relações jurídicas (vem favorecer-se a validade dos
negócios jurídicos, em nome das legítimas expectativas das partes).

o Sistemas de conexão múltipla cumulativa


Chamam várias leis que deverão, todas elas, aceitar a relação jurídica para que esta produza efeitos.
➔ O legislador chama várias leis e vão ser aplicadas todas as que forem chamadas.

No fundo o legislador determina que só aceitará determinado efeito jurídico, desde que a Lei A + Lei B + Lei
C admitam a sua criação – subordina a produção de certo efeito jurídico à concordância simultânea de
várias leis.

Art. 60.º/1 CC: Quanto à constituição da filiação adotiva (conceito-quadro), aplica-se a nacionalidade do
adotante (elemento de conexão pessoal, jurídico e móvel).
TODAVIA, este não é o único elemento de conexão determinado pelo legislador para este caso – não basta
que a lei da nacionalidade do adotante aceite a adoção:
+ Art. 60.º/4 CC: Se a lei competente para regular as relações entre adotando e os seus progenitores (lei
que regula a relação entre o adotado e os seus pais – art. 57.º CC “nacionalidade comum dos pais”) não
conhecer o instituto da adoção, ou não o admitir em relação a quem se encontre na situação familiar do
adotando, a adoção não é permitida.
➔ Temos aqui um sistema de conexão múltipla cumulativa.

▪ Estes sistemas procuram evitar as situações “claudicantes” ou “coxas”, em que duas leis
igualmente próximas ao caso discordam na aceitação da situação apreciada.
▪ BATISTA MACHADO considera que a conexão múltipla cumulativa “promete mais do que
aquilo que dá” – caso uma das leis apontadas negue a validade da situação jurídica, apenas ela
verdadeiramente se aplica, por ser mais exigente (por isto, há poucas opções por esta estrutura).

➔ Estes sistemas “prometem mais do que dão” porque, na prática, aplica-se a lei com a solução mais
restritiva.

Art. 33.º/3 CC:


Conceito-quadro: transferência, de um Estado para o outro, da sede da pessoa coletiva
Elemento de conexão:
Este preceito legal está a chamar duas leis diferentes (a lei da sede antiga e lei da sede nova), e manda aplicar
também as duas leis (sistema de conexão múltipla cumulativa) – só se as duas leis concordarem é que se
produz o efeito jurídico em causa – a não extinção da personalidade jurídica da pessoa coletiva.

Isto “promete mais do que dá”, porque basta que um dessas leis determine que a personalidade jurídica se
extingue, para que se extinga a personalidade jurídica da pessoa coletiva (mesmo que a outra lei determina a
não extinção) – na prática, como vimos, aplica-se a lei mais restritiva.

NOTA: O legislador utiliza pouco as conexões múltiplas cumulativas – só utiliza naquelas relações jurídicas
em que não quer, em caso algum, que sejam claudicantes.

o Sistemas de conexão múltipla subsidiária


Aqueles em que são chamadas várias leis (tem mais do que um elemento de conexão), numa relação de
hierarquia hierarquicamente, devendo aplicar-se apenas uma das leis chamadas.
➔ Ou seja, o legislador chama várias leis, numa relação de hierarquia/de preferência.
Assim, o juiz só pode aplicar a segunda lei se não puder aplicar a primeira: só se a primeira conexão não for
concretizada, é que o julgador pode recorrer à aplicação da segunda conexão.
▪ As várias leis convocadas apresentam-se de forma a permitir ao julgador, na
impossibilidade de concretizar uma conexão, recorrer a uma outra que o legislador
conflitual também julgou suficientemente próxima ao caso – ainda que menos próxima
(mais comummente encontrado);
Além desta tipologia de sistemas de conexão, há que ter em conta a classificação possível dos próprios
elementos de conexão, numa perspetiva material de distinções.

Têm vindo a ser preferidos os elementos de conexão factual nos vários sistemas conflituais em nome da
harmonia jurídica internacional e da estabilidade das relações jurídicas internacionais.
A regra de conflitos chama duas ou mais leis, mas numa relação de hierarquia.
➔ Ou seja, a aplicação da segunda lei é subsidiária e o juiz só pode aplicar a segunda lei, se não conseguir
aplicar a primeira.
Vamos ter uma conexão principal, mas o legislador diz, que se a conexão principal falhar, aplica-se
uma segunda conexão e, por vezes, pode acontecer que se a segunda conexão falhar, seja necessário
aplica uma terceira conexão.

Art. 53º CC:


Conceito- quadro: a substância e efeitos das convenções antenupciais + o regime de bens
Elemento de conexão: nacionalidade dos nubentes ao tempo do casamento.
• Elemento de conexão jurídico: A nacionalidade dos nubentes é um elemento de conexão jurídico,
porque para sabermos a nacionalidade temos de mobilizar normas.
• Elemento de conexão pessoal: porque atende às caraterísticas dos sujeitos.
• Elemento de conexão móvel: porque é possível mudar de nacionalidade (e, portanto, mudar a lei
para que aponta a regra de conflitos). TODAVIA, este elemento de conexão móvel foi
cristalizado/imobilizado.
Portanto, se falhar o elemento de conexão principal (a nacionalidade dos nubentes pode ser diferente!), nos
termos do art.53º do CC, é aplicável a lei da residência comum à data do casamento (conexão subsidiária).

❖ No art. 53º do CC:

• O legislador dá três hipóteses de conexão subsidiária:


1. lei da nacionalidade comum dos nubentes
2. lei da residência habitual comum
3. lei da primeira residência conjugal

• Temos uma conexão múltipla subsidiária, em que legislador chamou várias leis, mas primeiro
chamou a nacionalidade dos nubentes, mas se essa falhar, oferece uma segunda escolha (que só
utilizamos se a primeira falhar – a grande diferença em relação às conexões alternativas).
➔ Portanto, o juiz só olha para a segunda conexão se a primeira tiver falhado.

• E se os nubentes não tiverem a mesma residência na data em que se casam?


O legislador dá uma terceira conexão, no art. 53º do CC, “e se esta faltar, é aplicável da lei da sua primeira
residência conjugal”.
➔ Portanto, se a segunda conexão falhar, aplica-se a lei da primeira residência conjugal.
Em suma:
Temos uma conexão múltipla que chama três leis (nacionalidade comum, residência comum habitual, primeira
residência conjugal), mas que são subsidiárias.

Objetivo dos sistemas de conexão múltipla subsidiária:


Porque é o legislador utiliza conexões múltiplas subsidiárias?
• Quando falha a conexão eleita pelo legislador, temos uma solução de recurso.
• O juiz não pode dizer que não julga, por isso, se falhar a conexão eleita pelo legislador, o juiz tem de
julgar na mesma, pela regra do art. 348º/3 do CC.

Ora, isto significa que se falhar a conexão principal, em princípio aplica-se a lei portuguesa. Porém, isso
violaria o princípio da paridade de tratamento das ordens jurídicas e violaria a harmonia jurídica
internacional.
➔ Portanto, recorrer à lei do foro acarreta vários problemas que vimos no início do ano, sobre porque é
que não há uma territorialidade das leis.

➔ É precisamente por este motivo, isto é, para evitar a aplicação da lei portuguesa, que o legislador prevê
conexões subsidiárias, pois antes de passar para aplicação da lei do foro (local onde está a decidir), o
legislador indica outra lei que tenha alguma conexão relevante com o caso, evitando, deste modo, a
aplicação da lei do foro.

NOTA:
Nesta situação, aplicar a lei do foro até poderia violar o princípio da não transatividade, pois poderia estar a
aplicar-se uma lei que não tinha nenhum contacto com o caso.

o Sistemas de conexão múltipla distributiva


São aqueles em que a relação jurídica é fracionada, chamando-se várias leis à regulação dos seus
diferentes aspetos. O julgador vai aqui aplicar todas as leis chamadas pelo legislador.
Neste sistema, o legislador chama duas ou mais leis (sistema de conexão múltipla), e o julgador vai aplicar
todas as leis chamadas.
• Nesta parte é parecido com a conexão múltipla cumulativa.
• Mas, enquanto na conexão múltipla cumulativa, um efeito jurídico ficava subordinado ao acordo de duas ou
mais leis, na conexão múltipla distributiva o juiz vai aplicar duas ou mais leis, mas só vai aplicar cada uma
delas a uma parte da relação jurídica.

Ora, a nacionalidade em relação a cada nubente. Ou seja, neste caso, estão a chamar-se duas ou mais leis,
porque não podemos utilizar o nosso conceito de casamento.
o Porém, o casamento para a lei portuguesa é entre duas pessoas, mas isso não é assim no mundo inteiro.
Ex: Os países árabes têm casamentos bígamos.

➔ Portanto, aqui vão chamar-se tantas as leis, quantos forem os nubentes e cada lei chamada vai ser
aplicada à capacidade nupcial de cada um deles. Neste sentido, chamam-se várias leis, mas cada uma
das leis chamadas, não se vai aplicar à totalidade da relação jurídica, mas vai apreciar a capacidade
nupcial de cada um dos nubentes.

→ Ou seja, chamam-se várias leis, mas aplica-se cada uma delas a uma parte da relação jurídica.

Art.52º CC:
• Conceito -quadro – relação entre os cônjuges
• Elemento de conexão – nacionalidade comum

Mas pode acontecer que falhe a primeira conexão, isto é, pode acontecer que os cônjuges não tenham a
mesma nacionalidade.
➔ Se isso acontecer, há uma conexão subsidiária, em que se não tiverem a mesma nacionalidade, aplica-
se a lei da residência comum – art. 52.º/2 CC.

1.Porque é que o legislador utiliza uma conexão múltipla distributiva?


2.Porque é que o legislador não fez no art.49º(capacidade para contrair casamento ou celebrar convenções
antenupciais), o mesmo que fez no art.52º ( efeitos das convenções antenupciais e regime de bens)?

Exemplo:
• Senhor A – português, com 16 Anos
• Senhora B – espanhola, com 18 anos
• Ambos residem em Espanha.

Art.52º CC:
- Lei que regula as relações entre os cônjuges:
• Nacionalidade comum – não têm 
• Residência comum – ✓Têm ambos residência em Espanha– a lei espanhola vai regular as relações
entre os cônjuges

Porque o legislador tenta escolher uma só lei para cada relação jurídica?
Princípio da harmonia material – o legislador não deve chamar várias leis ao mesmo tempo para a mesma
relação jurídica, porque as duas leis podem ser incompatíveis. E, por isso, o legislador deve esforçar-se por
escolher apenas uma lei para cada relação jurídica.
➢ Ora, no art. 52º do CC, foi isso que o legislador fez: escolheu apenas uma lei, sendo que se houver
nacionalidade comum aplica-se a nacionalidade; se não houver, aplica-se a residência comum.

Por outro lado, no art. 49º do CC, o legislador determinou duas leis aplicáveis.
→ No caso, a lei aplicável para o casamento é:
• Para o Senhor A → lei portuguesa - aplica-se a lei pessoal - lei da nacionalidade do individuo -
(art.49º + art.31º/1)
• Para a Senhora B → lei espanhola – aplica-se a lei pessoal - lei da nacionalidade do individuo (art.49º
+art. 31º/1)

Aqui, o legislador está a aplicar duas leis a uma relação jurídica, violando de certo modo o princípio da
harmonia material.
Ou seja, o legislador utiliza as conexões múltiplas distributivas, mas estas vão contra a harmonia material,
porque mandam aplicar duas leis ao mesmo tempo, correndo o risco de ter duas soluções incompatíveis.
Então, porque é que o legislador não fez no art.49º o mesmo que fez no art.52?

1ª RAZÃO
▪ Entendeu-se que na matéria do art.49º, é mais importante aplicar uma lei que tenha uma relação
muito próxima com cada um dos nubentes.
• Deste modo, olhando quer para o art.52, quer para o art. 49º, percebe-se que o legislador acha que a lei mais
próxima das pessoas é a lei da nacionalidade. Ou seja, o que legislador acha mais próximo é a nacionalidade
e não a residência.
• Ora, assim sendo, o legislador entende que em vez de desistir de aplicar a nacionalidade (como faz no art.52º)
e aplicar a lei da residência, ao ter uma conexão múltipla distributiva consegue aplicar a lei efetivamente
mais próxima de cada um dos nubentes.

No caso:
• Senhor A – lei portuguesa
• Senhora B – lei espanhola
➔ Aplicam-se leis diferentes, garantindo a aplicação da lei efetivamente mais próxima de cada um
deles.

EM SUMA: As conexões múltiplas distributivas têm uma maior preocupação de proximidade!

2ª RAZÃO
▪ As conexões múltiplas distributivas facilitam a constituição de relações jurídicas.

Porque é que escolher uma conexão múltipla distributiva vai promover a celebração de
convenções internacionais?
Senhor A – português – 16 anos
Senhora B - espanhola -18 anos
• Lei portuguesa - A capacidade para casar adquire-se aos 16 anos (com a emancipação)
• Lei espanhola – capacidade para casar adquire-se aos 18 anos
➔ Vamos supor que o legislador tinha feito no art.49º como fez no art.52º, isto é, ter uma conexão
múltipla subsidiária, garantindo a harmonia material, aplicando uma única lei a toda a relação jurídica.

➔ Ora, neste sentido, o conservador vai poder celebrar o casamento.

A consequência jurídica
A consequência jurídica é o corolário dos restantes: apresenta-se como a aplicação da lei indicada pelo
elemento de conexão à matéria descrita pelo conceito-quadro.

EM SUMA:
As conexões múltiplas distributivas facilitam a constituição das relações jurídicas, porque assim os
impedimentos de uma das leis, que está ligada a apenas uma das partes, não afeta a parte à qual não está
ligada.
➔ Ou seja, ao separar a relação jurídica – o impedimento/obstáculo de uma das leis só vai afetar a parte
que está ligada a essa lei, não afeta a outra parte, não se estendendo à totalidade da relação jurídica.

No caso: Portanto, na conexão múltipla distributiva, este impedimento só afeta a senhora B, a única parte que
é espanhola. Ao separar as duas leis aplicáveis, o legislador consegue promover as relações jurídicas, porque
os impedimentos ou obstáculos de uma das leis só afetam a parte que está vinculada a essa lei, não se estendem
à totalidade da relação jurídica.
A função da regra de conflitos – MATÉRIA FACULTATIVA!
Nota: não vamos dar a função da regra de conflitos, como matéria obrigatória. Mas pode sair como matéria
facultativa em orais de melhoria.

!! Pergunta comum nas orais: transforme-se o art. 50º numa regra de conflitos unilateral, mantendo o
conceito-quadro e o elemento de conexão.

Regra de conflitos clássica/Savignyana → é uma regra de conflitos bilateral.

O MÉTODO DO DIP
Vias de regulamentação das situações privadas internacionais: o pluralismo metodológico.

De que modo é que o DIP resolve o problema de determinar o regime das situações privadas internacionais (situações
plurilocalizadas)?
O método conflitual (clássico ou savignyano) não é o único método para resolver o problema da lei aplicável
às situações internacionais.

➔ Existe, pois, um pluralismo metodológico, um pluralismo de métodos utilizados para encontrar o


regime jurídico material para as situações plurilocalizadas.

A perspetiva clássica europeia – a imposição conflitualista


SAVIGNY e a sua inovação metodológica ()

o Teorias dos estatutos (baixa idade média) – Havia que procurar definir o âmbito de aplicação
no espaço de cada uma das normas (partia-se do estatuto/da norma), através de uma interpretação
da norma material. Tratava-se, portanto, aqui, de estudar se a norma teria aplicação meramente
local/territorial ou extraterritorial.

o SAVIGNY (séc. XIX) – com este autor, deixa de se partir da regra de direito propriamente dita e
passamos a partir da própria relação jurídica para definir o regime jurídico material aplicável a
cada relação jurídica privada internacional. Segundo o método savignyano: procura-se, para cada
relação jurídica, a sede da relação jurídica.

As regras de conflitos – quando propostas por Savigny em meados do séc. XIX – surgem com um “conteúdo
rígido” – Hard-and-fast rules –> verificando-se o seu objeto, a consequência jurídica desencadeia-se sem
qualquer margem de conformação ou interpretação para o interprete.

1.º RESTATMENT (American Law Institute) – 1934 Relativo ao conflito de leis.

Neste documento encontrávamos:


o Choice-of-law rules de conteúdo rígido – regras que não deixam margem o julgador para introduzir
quaisquer outros elementos na interpretação.

CRÍTICAS À MATRIZ RIGIDA DO DIP EUROPEU


• Críticas substancialistas
A doutrina clássica era demasiado formais– deveria haver um papel mais importante da justiça material ao
nível das soluções dadas (estar atento também ao conteúdo da norma aplicada).

• Críticas publicistas
Na medida em que criticam, na doutrina clássica, o facto de que apenas se tinham em conta os interesses
individuais.
Segundo estas críticas, o interesse público deveria avultar – os interesses estaduais deveriam avultar, o
interesse público deveria ser central na definição da lei aplicável.

• Críticas lexforistas
As críticas lexforistas são aquelas que favorecem a aplicação da lei do foro.
Consideram que a ideia clássica de harmonia jurídica internacional, de paridade de tratamento das ordem
jurídicas não tinha sentido, porque era preferível dar prioridade à lei do foro.

Para estas doutrinas regra básica no DIP não deveria ser a ideia de harmonia, deveria ser antes o primado da
lei do foro (aplicabilidade primordial da lei do foro).

As propostas americanas
Caso Babcock vs. Jackson (EUA)
J e B, amigos, norte-americanos e residentes no Estado de Nova Iorque foram dar um passeio no carro de J, tendo um acidente
quando passavam no Canadá, de que resultaram danos para B.
B intentou uma ação no tribunal de Nova Iorque pedindo a J uma indemnização pelos danos, nos termos da lei nova iorquina.
J entende que não tem nada a pagar, pois a lei do Canadá não confere um direito à indemnização aos passageiros
transportados gratuitamente.
Quid iuris, sabendo que a Regra de Conflitos de Nova Iorque dispõe que a matéria de danos causados ao passageiro
transportado gratuitamente é regulada pela lei do local onde se verificou o dano.
 O lugar onde ocorreu a principal atividade causadora do dano seria o elemento de conexão. Tendo sido no
Canadá, de acordo com as regras de conflitos, aplicar-se-ia essa lei – que pretendia fomentar o transporte
gratuito.

Contudo, o juiz nova-iorquino recusou-se a aplicar a regra de conflitos rígida e estrita (da lei do local onde
ocorreu o dano), defendendo que esta era cega (não olhava para o caso concreto nem para os resultados da
aplicação da lei mais próxima, sendo geral e abstrata não considerava o caso) e injusta (escolhe uma lei sem
ter em consideração as condicionantes do caso concreto).

O caso mencionado deu origem à revolução americana contra o método conflitual.

Esta revolução é composta por três momentos:


1. Momento jurisdicional
Iniciado com o caso anteriormente explicitado – Caso Babcock vs. Jackson.
Os tribunais americanos começaram a recusar a aplicação de regras de conflitos, com o argumento de serem
cegas (não sabem se a lei mais próxima está a ser aplicada) e injustas (não se preocupam com o resultado).

2. Momento doutrinal
Se o juiz não utiliza regras de conflitos para determinar a lei aplicável, é necessário descobrir aquilo que a vai
determinar, através de propostas doutrinais.

Analisemos então três propostas teleológicas da doutrina americana:

A. Crítica de David Cavers

Dirige uma crítica substancialista.

CAVERS entendia que o erro do método conflitual é escolher entre leis; entre vários sistemas de direito –
(o sistema clássico/tradicional é “cego”, é “mecânico” e insensível à justiça material), quando o que se deve
fazer é escolher entre normas, a que se mostrar mais justa no caso concreto (materialização).

Muitas vezes, a regra de conflitos não olha minimamente ao resultado material que resulta da aplicação da
regra de conflitos.

➔ O juiz deve comparar as normas dos ordenamentos que estão em contacto e escolher aplicar as que
são as mais justas, através de critérios de justiça material, tais como:

o Justiça devida às partes (chegar ao resultado mais justo para aquela relação concreta)
o Objetivos de política legislativa prosseguidos pelas normas em competição.

Não se vai escolher entre ordenamentos jurídicos, mas sim entre as normas canadianas que resolvem o
problema e as nova-iorquinas que resolvem o problema. Acaba-se por escolher as de NY, ou seja, o juiz
deve escolher as mais justas.

➢ O primeiro problema deste método é que ele conduz ao casuísmo: cada juiz escolhe qual a mais justa,
o que gera imensa insegurança jurídica.

➢ O segundo problema é o da conceção de justiça estar, naturalmente, ligada à sua lei própria, do foro:
isto conduziria a uma grande aplicação da lei do foro, e consequentemente à desarmonia
internacional.

2.º CAVERS – formulação dos “principles of preference”

CAVERS vem, mais tarde, corrigir estes dois problemas.


Entende que o legislador deve determinar critérios-guia, para orientar o juiz na sua tarefa de determinação
da lei aplicável (ainda assim seriam orientações não vinculativas para o juiz) – para este saber qual a lei mais
justa.

No âmbito da responsabilidade extracontratual, o critério guia/princípio de preferência deveria ser a


que confere uma maior indemnização entre a lei do local onde se praticou o facto e a lei do local em que
praticou o dano, ou seja, entre estas a mais justa é que conferir uma maior indemnização.

O método conflitual escolhe a lei aplicável com base no critério da lei mais próxima→ este segue-se segundo
critérios de justiça material.
Novamente, surgem alguns problemas do seu entendimento:
1) primeiro, não é possível encontrar-se critérios universais (vão ser aplicáveis leis diferentes – o que
conduz à desarmonia internacional).

2) Depois, os princípios de preferência são autênticas regras de conflitos, a única diferença é que o
método de CAVERS tem em conta o resultado, ou seja, isto é uma regra de conflitos com método de
conexão múltipla.

Atualmente, temos algumas regras de conflitos que escolhem a lei aplicável tendo em conta o resultado e não
a proximidade – apesar de não seguirmos o método deste autor, ele contribuiu para o momento atual, por
chamar a atenção para o facto de as regras de conflitos do sec. XIX não olharem para o resultado.

B. Crítica de CURRIE

Formulação uma crítica publicista.


Este autor propôs uma viragem metodológica radical.

➔ Método da “Análise dos Interesses Estaduais” (politização).

CURRIE entendia que o erro das regras de conflitos é não se preocuparem com a política legislativa dos países
conectados: o juiz tem de analisar a política legislativa que estão implícitas nas leis em confronto.

Este autor entendia que as regras de conflitos deveriam ser totalmente “descartadas” – devia ser abolidas.

Ora, o método deixaria de ser o das regras de conflitos e passaria a ser o de delimitar a aplicação de cada
norma em função do interesse estadual que a determinou.
Ou seja, o âmbito de aplicação de cada norma material é definido/delimitado em função do interesse estadual
(policy estadual) que determinou a regra.

A lei do Canadá entende que não se deve indemnizar, numa tentativa de fomentar o transporte gratuito
dos residentes do Canadá.
A lei nova-iorquina diz que se deve indemnizar de acordo com o sistema de responsabilidade civil
aplicável aos cidadãos de Nova-Iorque.

Ora, o juiz deve aplicar a lei do país que tiver interesse político-legislativo em regular esta
situação – que seria, portanto, a de Nova-Iorque.

Haveria, portanto, que verificar se havia, no caso concreto, um TRUE CONFLICT ou não: pode suceder que
o Estado A tenha interesse em ver a sua norma aplicada, mas que o Estado B não tenha interesse em ver a sua
norma a ser aplicada.
➔ Nestes casos não haveria um verdadeiro conflito.

Certo é que também este método apresenta problemas:


1) Pode acontecer que ambas as políticas legislativas tenham interesse em regular a situação (ambos
os Estados têm interesse em ver as suas normas aplicadas ao caso).

Nestes casos, CURRIE entende que se uma delas partir da lei do foro, é a ela que se deve dar preferência (o
juiz deve obediência ao seu legislador e ao seu Estado).

2) Pode também acontecer que nenhum deles tenha interesse em regular

CURRIE aqui entende que o juiz não pode delegar justiça; como tal, deve decidir-se com base na lei do foro.

3) Finalmente, quando vários países tiverem interesses em regular a situação e nenhum deles seja o
país do foro, CURRIE evita incidentes diplomáticos entendendo que o juiz não pode escolher entre
as duas, devendo aplicar a lei do foro.

CURRIE não descartava a possibilidade de aplicação da lei estrangeira, mas, para tal, era necessário que:
i. que o Estado estrangeiro tenha um interesse legitimo na aplicação da sua lei (por causa da “policy”
implícita nessa lei);
ii. Que o estado do foro não tenha interesse.

CRÍTICAS:

- Problema do “terceiro estado desinteressado” – o problema de a lei do Estado do Foro ser desinteressada;
do tribunal do foro, o tribunal que vai decidir o caso pertencer a um Estado que é terceiro desinteressado, mas
outros Estados com que a situação jurídica internacional tem contacto têm interesse em ver aplicadas as suas
normas. COMO ESCOLHER? (moeda ao ar, ordem alfabética).
- Esta proposta doutrinal tem como ponto de partida a falsa ideia de que é sempre possível encontrar a
“policy” estadual inscrita nas normas (de que é sempre possível deduzir do fundamento do preceito material
os limites do seu âmbito de aplicação espacial). Há uma série de normas cuja política legislativa é
indeterminável, o sistema falha por isto estruturalmente.

- Desatende a uma das intenções axiais do DIP – a elaboração de regras de vocação universal (põe em causa
a harmonia jurídica internacional).

- O sistema apresentado acaba por redundar intensamente na aplicação da lei do foro – instabilidade das
relações jurídicas internacionais.

- Além disto, potencia o já mencionado forum shopping: as partes podem escolher propor a ação no país onde
querem ver resolvida a ação.

- Há ainda uma redução do problema de DIP a um conflito de soberanias, nunca se preocupando com as
partes (foca-se meramente com interesses estaduais).

➔ Apesar de ser um método rejeitado, chamou à atenção para o facto de o método conflitual não ter em
atenção a política legislativa dos Estados envolvidos.
C. Crítica de EHRENZWEIG

Dirige uma crítica lexforista.

Este autor apresenta a proposta mais moderada – entende que nem todas as regras de conflitos funcionam mal
e reconduzem a situações cegas à realidade.

Aceita a aplicação de regras de conflitos, como método utilizável.

➔ Ponto de partida: Aplicação da lei do foro/aplicação da lex fori (esta é a “basic rule”).

Tem que haver todo um processo para se chegar à conclusão de que uma outra lei (diferente da lei o foro) será
a lei aplicável.
Há uma série de aspetos em relação aos quais a lei do foro se aplica independentemente de qualquer juízo
conflitual, de DIP (forum law by non-choice – há hipóteses em que nem se chega a discutir a eventual
aplicabilidade de uma lei estrangeira).

1.º - Verificação da existência de regras de conflitos, ou não (de origem legislativa, jurisprudencial ou
doutrinal) – que considerasse válida.

2.º - Na falta de uma regra de conflitos -> interpretação “bifocal” da norma material do foro.

Ou seja, este autor propunha que, quando tivéssemos um problema de determinação da lei aplicável e
olhássemos para a norma estrangeira – para decidir se essa norma estrangeira era aplicável, não partíamos da
interpretação da norma estrangeira; pelo contrário, o ponto de partida era sempre a interpretação das nossas
próprias normas materiais:
- Tentaríamos encontrar uma norma homóloga do foro e seria o conteúdo desta normas do foro que
seria decisivo para determinar se a norma estrangeira era ou não aplicável.

OU SEJA:
Para se aplicar uma norma estrangeira, o que vai ser decisivo não é a interpretação nem ver qual a teleologia
dessa norma estrangeira – é olhar para o direito do foro, ver que normas é que existem a resolver o mesmo
problema e, em face da vontade de aplicação destas normas ou não, é que determinamos se a norma estrangeira
é aplicável ou não.

Determinamos qual é a política legislativa da lei do foro se ela regulasse aquela situação.
Então, estabelece uma divisão entre:

a) Casos de lex certa: não devemos expurgar as regras de conflitos – por exemplo, do Direito
Comercial.

b) Casos de lex incerta: propõe-se o seguinte método:

Se o caso Babcock v Jackson fosse julgado em Portugal, teríamos de olhar (segundo este método) para a lei
portuguesa: o art. 483º CC e determinar a política adjacente.
➔ Não vamos aplicar a lei do foro: vamos, sim, escolher – das leis que estão em contacto – aquela que
melhor satisfazer a política legislativa da lei do foro.

Segundo Ehrenzweig, no caso em apreço, aplicar-se-ia a lei de Nova Iorque devido à causa político-legislativa
do foro.

O método deste autor foi rejeitado por ter muitas reservas:


1) Há o problema de se dar primazia à lei do foro;
Aplicar-se-iam leis estrangeiras por causa da política legislativa da lei do foro: acabava por se violar o
princípio da paridade de tratamento das ordens jurídicas, por só se considerar os interesses político-
legislativos da lei do foro e descartar-se aquele que com ele não contende.
➔ Além disto, nem sempre é possível determinar a política legislativa da lei do foro.
2) Quanto à interpretação “bifocal” – definir o âmbito de aplicação de uma norma deveria estar sempre
dependente do conteúdo e da teleologia dessa norma (de acordo com uma tal interpretação, estaríamos
sempre a resolver os casos, independentemente da ratio da norma aplicável).

3. Momento legislativo

O momento legislativo da revolução americana contra as regras de conflitos é o momento em que ocorre a
revogação das regras de conflitos que constavam no Restatement.

Surge então um segundo Restatement segundo o qual quem deve escolher a lei aplicável é o juiz, segundo o
resultado material a que as leis conduzam, baseado nas propostas de CAVERS, e as políticas legislativas dos
países envolvidos no litígio, segundo CURRIE.

c) Portanto, no método conflitual quem escolhe a lei aplicável é o legislador; no método americano
do segundo Restatement é o juiz quem escolhe.

Atualmente está em preparação um terceiro Restatement, que reintroduz as regras de conflitos, como temos
na europa, nos Estados Unidos.

EM SUMA:
➔ Ao lado de regras de conflito de tipo clássico (hard-and-fast rules), temos as “open-ended rules”, que
já deixam alguma margem de conformação e interpretação ao interprete.

2. Aproximação entre a doutrina europeia e as soluções


mencionadas
Graças a estes métodos diferentes, o método conflitual sofreu quatro grandes alterações:
→ Flexibilização: tornou-se menos rígido para o juiz, cedendo-lhe mais poderes para determinar a lei
aplicável.
→ Materialização da regra de conflitos: há regras de conflitos que escolhem a lei aplicável por
condução a certo resultado, e não por proximidade.
→ Politização do método conflitual: as regras de conflitos passam a ter em conta as políticas
legislativas dos países envolvidos.
→ Jurisdicionalização do método conflitual: até certo ponto, pode ser usado o método.

A) Flexibilização
Flexibilização do método conflitual do DIP – dar mais liberdade ao juiz na determinação da lei aplicável
(mantendo, porém, o método conflitual), porque o juiz, ao estar em contacto com o caso concreto, pode
escolher a lei que é materialmente mais próxima com o caso.

A) Apuramento da justiça conflitual através da:


a. Especialização das regras de conflitos
b. Cláusulas de exceção
c. Concretização judicial do princípio da proximidade

● Especialização das regras de conflitos


→ Isto é favorável a uma aproximação da conexão ao caso concreto;
Exemplo: art. 4.º/1 Regulamento Roma I – (na falta de escolha das partes) especifica diferentes contratos,
estabelecendo diferentes elementos de conexão consoante o tipo contratual (consoante o tipo contratual
em causa, temos uma regra de conflitos especial).

● Cláusulas de exceção
→ Aquelas em que o legislador prevê uma “válvula de escape”) é uma disposição que corrige o
funcionamento normal das regras de conflitos, quando esse funcionamento normal conduza a
resultados insatisfatórios do ponto de vista dos fins do DIP.

➔ É um mecanismo que permite ao juiz não aplicar a lei determinada pela regra de conflitos (pelo
legislador), aplicando outra.

Ou seja, são aqueles casos em que a lei indicada pela regra de conflitos é uma, mas dados os elementos do
caso concreto, essa lei tem uma ligação relativamente frágil com o caso, ao mesmo tempo que existe uma
outra lei com uma conexão muito mais forte, deve o juiz poder (quando exista uma tal “cláusula de exceção”)
aplicar essa outra lei.

(Exemplo: artigo 4.º/3 Regulamento Roma I).


o Estas cláusulas de exceção trazem alguma insegurança jurídica.

As cláusulas de exceção podem ser:


• Formais – o juiz pode utilizá-las por razões de justiça formal (porque entende que há outra lei mais
próxima) – permitem ao juiz não aplicar a lei que a regra de conflitos aplicável, mas outra que o juiz
entende ser mais próxima.

• Materiais – permitem ao juiz não aplicar a lei indicada liminarmente pela regra de conflitos para
aplicar outra, por razões de justiça material – que conduz a um resultado materialmente mais justo.

• Abertas – quando é o próprio juiz que escolhe a lei aplicável em alternativa.

• Fechadas – quando for o legislador que indica qual a lei aplicável em alternativa.

Exemplos:

Art. 4.º/1 Reg. Roma I – contrato de compra e venda de mercadorias. Lei aplicável: lei da residência do
vendedor
Art. 4.º/3 Reg. Roma I
Trata-se aqui de uma cláusula de exceção, pois trata-se de uma disposição que corrige o funcionamento
normal das regras de conflitos, traduzindo-se num mecanismo que permite ao juiz não aplicar a lei
determinada pela regra de conflitos (pelo legislador), aplicando outra.

➔ Trata-se de uma cláusula de exceção formal, porque o juiz utiliza porque há uma lei mais próxima
do caso concreto – manda aplicar a outra lei (neste casos excecionais) por razões de proximidade.
➔ Trata-se de uma cláusula de exceção material aberta, pois é o juiz que tem que ver qual é a lei que
tem uma ligação mais forte com o caso concreto.

Art. 8.º/ 1 e 2 Reg. Roma I – regra de conflitos normal (lei aplicável ao contrato de trabalho)
Art. 8.º/4 Reg. Roma I

É uma clausula de exceção, porque permite ao juiz não aplicar a lei indicada na regra de conflitos normal (art.
8.º/1, 2 e 3).
➔ Cláusula de exceção formal (permite ao juiz aplicar uma outra lei mais próxima ao caso,
relativamente às indicadas, nos nºs 2 ou 3) e aberta (o juiz é que vê qual é a lei que tem a conexão
mais forte).

Outro exemplo:
Se este n.º 4 determinasse que “caso resulte das circunstâncias do caso que há uma lei em contacto com o
caso que oferece uma maior proteção ao trabalhador, é essa a lei aplicável ao contrato”.
É uma cláusula de exceção, porque permite ao juiz derrogar aquilo que tinha sido indicado na regra de conflitos
normal.
➔ É uma cláusula de exceção aberta (não tem elemento de conexão – é o juiz que determina a lei
aplicável em alternativa); e material (o juiz, neste caso, irá substituir a lei indicada pela regra de
conflitos por outra para atingir um certo resultado material, considerado mais justo).

«A disparou, em Vilar Formoso (Portugal) um tiro sobre B, que estava para lá da fronteira, em Espanha.»

Art. 45.º/1 CC
Conceito-quadro – responsabilidade extracontratual (fundada em factos ilícitos, lícitos e no risco)
Elemento de conexão – local onde ocorreu a atividade/facto causador do prejuízo
➔ Lei aplicável: lei portuguesa (o facto causador do dano é o disparo do tiro – que foi disparado em Pt).

Art. 45.º/2 CC
Lei do Estado onde se produziu o efeito lesivo –> Lei Espanhola
Se a lei espanhola considerar responsável o agente (lei espanhola), mas o não considerar como tal a lei do país
em que ocorreu a sua atividade (lei portuguesa) → é aplicável a primeira lei (a lei espanhola).
o Ou seja, se a lei espanhola responsabilizar o agente, mas a lei portuguesa não → então é aplicável a lei
espanhola.
É uma clausula de exceção porque permite ao juiz não aplicar a lei indicada pela regra de conflitos (no art.
45.º/1 CC).
➔ Trata-se de uma cláusula de exceção material – porque o juiz substitui a lei portuguesa pela
espanhola, porque a lei espanhola responsabiliza o agente, e a portuguesa não.

➔ Trata-se de uma cláusula de exceção fechada – o juiz só pode substituir a lei do lugar onde ocorreu o
facto pela lei do Estado onde se produziu o dano; o próprio legislador diz qual o elemento de conexão
que se pode utilizar em vez do que está indicado na regra de conflitos.

Podem ser:
• Gerais – não funciona para uma regra de conflitos, mas para todas as regras de conflitos.

• Especiais – Estão introduzidas na própria regra de conflitos (são as únicas que temos no DIP de fonte
europeia e no DIP português).

NOTA: em todas as cláusulas de exceção (sejam abertas ou fechadas) temos sempre uma flexibilização do
DIP, porque com ela se confere sempre maior liberdade ao juiz.

● Concretização judicial do princípio da proximidade


Princípio de proximidade – traduz a ideia de conexão mais estreita. Ora, num sistema clássico, a conexão mais
estreita é normalmente fixada pelo legislador (concretização legislativa do princípio da proximidade).

Open-ended rule – regra de conflitos que não tem elemento de conexão. Ou seja: não é o legislador que indica
a lei aplicável, mas sim o julgador.

➔ Todavia, o legislador foi avançando, na europa, abrindo casos em que é permitido ao juiz concretizar
esse princípio de proximidade/de conexão mais estreita. Como é o caso:
o Das cláusulas de exceção
o Art. 52.º/2, in fine CC («aplica-se a lei do país com a qual a vida familiar estiver mais
estreitamente conexa» → quem determina isto é juiz; o legislador apenas determina um critério,
pelo qual o juiz se deve guiar).
o Art. 4.º/4 Reg. Roma I – open-ended rule

Cláusula de exceção – enquanto mecanismo de flexibilização do método conflitual ou saviagnyano.


Isto supõe que o juiz tenha primeiro determinado a lei aplicável, mas depois o artigo 4.º/3 exceciona.
➔ Clausula de exceção manda o juiz desaplicar a lei que tinha sido indicada pelo legislador (é uma
exceção à regra de conflitos).

Também é um mecanismo de flexibilização, mas é diferente do anterior – é uma open-ended rule


(consagração judicial do princípio da proximidade).
➔ Aqui, é o próprio juiz que determina a lei aplicável ab initio.

B) Materialização (sai sempre em exame!!)


Regras de conflitos de conexão material ou substancial

Quanto à materialização: ao lado das regras de conflitos clássicas (regras de conflitos de conexão puramente
localizadora) passamos a ter regras de conflitos de conexão material.

• Uma regra de conflitos de conexão puramente localizadora → irá escolher a lei aplicável por razões
de proximidade – não se interessa pelo resultado.

• Na regra de conflitos de conexão material → é uma rega de conflitos que escolhe a lei aplicável por
atenção ao resultado a que conduz (o elemento de conexão indicado visa atingir um certo resultado
material).

As regras de conflitos de conexão material escolhem a lei aplicável tendo em conta o resultado a que as leis
conduzem – tomam em conta o resultado como critério de escolha de lei. Quando estudamos os sistemas de
conexão vimos isto acontecer nas conexões múltiplas alternativas – o juiz tenta aplicar a lei que melhor
satisfaça o objetivo do legislador.

Isto acontece:
a. nas cláusulas de exceção materiais
b. através dos sistemas de conexão múltipla alternativa

Art. 65º CC (forma de testamento) é uma conexão múltipla alternativa – logo, temos de encontrar o
objetivo. O objetivo é validade – porque “são validas quanto à forma se (…)” basta cumprir uma.
➔ Logo, o juiz aplica aquela que tornar o testamento válido (resultado material).

Olhemos para o art. 45º.


Conceito quadro: responsabilidade extracontratual.
Elemento de conexão: local onde ocorreu a atividade causadora do prejuízo.

A, está em Vilar Formoso, dispara um tiro B, que está em Espanha. O tiro foi disparado em Portugal, mas atingiu
B em Espanha – segundo o art. 45º/1 aplicamos a lei portuguesa: o disparo foi o facto que gerou prejuízo. Isto
parece ser uma conexão puramente localizadora.
Contudo, o art. 45º/2 diz que se a lei do Estado onde se produziu o efeito lesivo (Espanha) considerar responsável
o agente, mas não o considerar como tal a lei do país onde ocorreu a atividade (Portugal) é aplicável a primeira
lei – este numero substitui a lei que tinha sido indicada como mais próxima (portuguesa), pela lei espanhola; para
garantir uma indemnização ao lesado. O art. 45º/2 é uma regra de conflitos com conexão material.

Uma regra de conflitos com sistema de conexão único pode ser de conexão material, por atingir um certo
resultado material – como?

Art. 50º CC (forma do casamento): o elemento de conexão é o local onde foi celebrado – será esta
puramente localizadora ou de conexão material?
A e B decidem casar-se em Las Vegas. Ambos são portugueses residentes em Portugal e, no dia do
casamento voam para Las Vegas, voando imediatamente depois para Portugal por causa do COVID19.

A lei aplicável será a de Las Vegas – mas a lei mais próxima do casamento não é a de Las Vegas. Se
aplicássemos a lei portuguesa a este caso, corria-se o risco de o casamento de A e B ser inválido.
Aplica-se a lei de Las Vegas por ser ela que, em princípio, garante a validade do casamento.

d) A materialização responde às críticas de CAVERS.

Em todas estas normas prevê-se que a forma externa está garantida/é valida, desde que se respeite uma das
várias conexões (basta que sejam seguidas as formalidade de alguma das leis indicadas).
➔ A ideia subjacente a estas regras é a de favorecer a validade dos negócios jurídicos (princípio do favor
negotii) – este é um intuito substantivo/material.

C) Politização
Aqui, a especial preocupação não é com o resultado, mas com as políticas legislativas dos estados conectados
com a situação.

➔ Assim, o método conflitual, hoje, já não ignora as politicas legislativas que subjazem às leis em
contacto com o caso.
Há mecanismos no nosso DIP, através dos quais vai relevar a ratio legis (a teleologia) de uma norma material,
no momento de determinarmos o âmbito de aplicação no espaço dessa mesma norma.
➔ Ou seja, através das políticas implícitas na norma, conseguimos determinar o seu âmbito de aplicação
especial.

O DIP moderno tem em conta as políticas legislativas dos Estados conectados com a situação – como os
autores CURRIE (das várias leis económicas) e EHRENZWEIG: que realçaram o facto de o sistema de regras
não se preocupar com as políticas legislativas.

Contudo, isso mudou em três aspetos:


1) (vai ficar em suspenso) O método português de qualificação (Art. 15.º CC) leva em conta a política
legislativa; vamos ver porquê mais tarde;

2) Passou a vigorar um instituto chamado a adaptação – é uma autorização ao juiz para modificar as
regras de conflitos, de modo a corrigir os resultados a que conduziram, por atenção às políticas
legislativas das leis envolvidas. *não vamos dar*
O DIP, ao chamar parcialmente “pedaços de leis diferentes”, muitas vezes, pode redundar num resultado que
não era querido pela politica legislativa das leis dos países envolvidos (incidente técnico do DIP).

3) Passamos a ter normas espacialmente autolimitadas – normas que, não sendo regras de conflitos (são
normas materiais), definem elas próprias o seu âmbito de aplicação territorial; dispensam,
consequentemente, o recurso a uma regra de conflitos.

• Normas materiais espacialmente autolimitadas


São normas que, sendo embora normas materiais (e não de conflitos), incluem na própria hipótese
normativa uma determinada conexão espacial que delimita o seu próprio âmbito de aplicação no espaço.

Estas normas constituem um mecanismo complementar das regras de conflitos.

i. Ora, se são normas materiais - não são regras de conflitos (que são normas sobre normas, normas formais):
são normas substantivas que dão solução ao caso.
ii. E são espacialmente autolimitadas porque elas próprias determinam o seu campo de aplicação espacial
– isto é, elas não precisam de regras de conflitos.

➔ Uma regra material deixa de depender da regra de conflitos, passando a determinar ela própria quando
é aplicada, tendo em conta os objetivos político-legislativos que ela visa (tendo em conta a sua
política legistativa)

As normas espacialmente autolimitadas podem ser de dois tipos:

(1) Normas de aplicação necessária e imediata

(2) Normas espacialmente autolimitadas stricto sensu

1) Normas de aplicação necessária e imediata

Ou normas internacionalmente imperativas.

São as normas materiais espacialmente autolimitadas que dão uma solução ao caso e são regras substantivas
– regulam uma determinada situação jurídica.

Estas estabelecem a sua própria aplicação a mais casos do que aqueles em que a lei a que pertencem (lei
aplicável) prevê.

➔ São de caráter “ampliador” – i.é. são normas que querem ser aplicadas, necessária e imediatamente,
sempre que se verifique a conexão nelas inscrita, independentemente do que diga a regra de conflitos.
Pretendem aplicar-se a mais casos do que aqueles que decorreriam do normal funcionamento
da regra de conflitos.

Determinam a sua própria aplicação de forma necessária e imediata – isto é, vão determinar a sua aplicação:
→ Necessariamente: mesmo que a lei a que pertencem não esteja a ser indicada na regra de conflitos;
→ Imediatamente: não é preciso ver a regra de conflitos; já sabemos que ela vai ser a norma aplicada.

➔ O legislador cria estas normas por interesses político-legislativos: há interesses estaduais tão
importantes e fulcrais, que o Estado quer realizá-los, mesmo que a sua lei não seja a competente de
acordo com a regra de conflitos – prejudicando de certa forma o objetivo do DIP (harmonia jurídica
internacional), para garantir estabilidade e segurança das relações jurídicas.
Por causarem entropia, são raras.

Art. 9.º Reg. Roma I (definição de norma de aplicação imediata).

Ratio das NANI → há uma politica legislativa que só se realiza aplicando aquela norma a mais casos do que
aqueles que são indicados pela regra de conflitos. Portanto, estas normas tutelam interesses político-
legislativos muito fortes, que só se realizam a mais casos do que aqueles que a regra de conflitos indicou.
EM SUMA:
As normas de aplicação necessária e imediata são normas espacialmente autolimitadas, porque são elas
próprias a determinar o seu âmbito de aplicação.
As NANI vão aplicar-se a mais casos do que aqueles do que aqueles que decorreriam da aplicação da regra de
conflitos (têm caráter ampliador).
Elas são de aplicação:

• Necessária – porque vão sempre aplicar-se nos casos em que elas determinam; elas aplicam-se mesmo
que a regra de conflitos não estejam para a lei a que elas pertencem (aplicam-se mesmo que a lei que
elas pertencem não seja a lei competente por força da regra de conflitos).

• Imediata – são mobilizáveis mesmo antes de determinarmos a lei aplicável àquela situação
internacional.

As normas de aplicação necessária e imediata podem ser:


a. explícitas
b. ou implícitas.

● Normas de Aplicação Necessária e Imediata EXPLÍCITAS


- Normas de aplicação necessária e imediata explícitas → o próprio legislador não só regula a matéria, como
declara expressamente aquela norma como norma de aplicação de certo efeito.

Artigo 23.º/1 DL n.º 446/85 (Cláusulas Contratuais Gerais)

● Normas de Aplicação Necessária e Imediata IMPLÍCITAS


- Normas de aplicação necessária e imediata implícitas → são aquelas que a jurisprudência e a doutrina vão
classificando como normas de aplicação necessária e imediata, porque entendem que a política legislativa
dessas normas só se realiza aplicando-as a mais casos do que aqueles que a regra de conflitos indica.
É, portanto, quando o legislador não determina expressamente que são normas de aplicação necessária
imediata – sabemos que o são através da interpretação.

Analisando a política legislativa subjacente a certa norma material, concluímos que só se realiza aplicando
aquela norma a mais casos do que aqueles que estão a ser indicados pela norma de conflitos.

O artigo 53.º CRP (proibição do despedimento sem justa causa) sempre que:
• O trabalhador seja português
• O trabalhador sejam residente em Portugal
• O trabalhador trabalhe/execute o contrato de trablho em Portugal

Art. 52.º CC – lei aplicável: lei da nacionalidade comum = lei sueca


Solução da lei portuguesa para este caso – art. 1682.º-A CC
Art. 1682.º-A/2 CC é uma Norma de Aplicação Necessária e Imediata
➔ É uma norma de aplicação necessária (aplica-se mesmo que a regra de conflitos aponte para a lei
estrangeira, no caso, para a lei sueca) e imediata (a politica legislativa que esta por detrás desta norma
só se realiza se a norma se aplicar a mais caso do que aqueles que a regra de conflitos indica).

Política legislativa do art. 1682.º-A/2 CC – Proteger a casa de morada de família quando ela esteja situada
em PT.
LOGO: Esta norma deve aplicar-se sempre que a casa de morada de família esteja em Portugal,
independentemente do que indicar a regra de conflito.

Note-se que as normas de aplicação necessária e imediata não determinam a sua aplicação em todos os casos.
Apenas se aplicam nos casos por elas determinados (expressa ou implicitamente), exigindo sempre uma
conexão. A diferença é que essa conexão é determinada por elas.

Pluralismo metodológico
Perante um caso de DIP, o juiz vai ter que utilizar um pluralismo metodológico:
1 – Vai ter de socorrer-se do método conflitual para determinar qual é a lei competente para regular a
relação jurídica em causa;

2 – Em simultâneo, o juiz vai utilizar, em simultâneo, o método das normas espacialmente


autolimitadas

Hoje, vigora um pluralismo metodológico, pois utilizamos vários métodos em simultânea para a regulação das
situações privadas internacionais.

Aplicação de normas de aplicação necessária e imediata


estrangeiras

Devemos só dar aplicabilidade às NANIs da lei do foro?

Quanto a este problema, temos várias soluções:

o Teoria do estatuto obrigacional (Ferrer Correia):


O julgador deve aplicar:
a. As normas de aplicação necessária e imediata do foro
b. E também as NANI da lei competente (a lei a que a regra de conflitos remete; da lei indicada como
competente pela nossa regra de conflitos– lex causae).

➔ As outras normas de aplicação necessária e imediata de outros países estrangeiros conectados com o
caso que não a competente, não devem ser aplicadas só levamos em consideração a nani da lei do foro
e da lei competente).
Quanto à lei competente, já íamos aplicar essa lei. Quanto aos outros países cuja lei não é competente, não faz
sentido aplicar as suas normas de aplicação necessárias e imediatas porque não têm uma ligação ao caso
suficiente para fazerem valer o seu ponto de vista.

Porque é que se diz que a teoria do estatuto obrigacional aceita a aplicação de normas de aplicação
necessária e imediata estrangeiras, mas sem considerar a sua natureza como tal?
➔ Porque, de acordo com esta teoria, ela não está a ser aplicada por ser norma de aplicação necessária e
imediata; mas sim por ser a lei indicada como competente pela regra de conflitos – só estamos a seguir
a regra de conflitos e não a aplicar a nani por ser uma nani.

Nós já íamos aplicar a lei sueca, quer ela tivesse NANIs, quer não, pois ela é a lei competente de acordo com
a nossa regra de conflitos.

o Teoria da conexão especial (Dr. Moura Ramos)

Devemos aplicar:
- As normas de aplicação necessária e imediata do foro,
- As normas de aplicação necessária e imediata da lei competente (da lex causae)
- E das leis que tenham conexão especial com o caso, de leis que estejam particularmente ligadas ao
caso.
Isto é, outras normas de aplicação necessária e imediata que não as do foro podem aplicar-se, ao invés da lex
causae – aquelas que tenham conexão especial com o caso.

Devemos ter atenção às políticas legislativas dos países que tenham conexão especial com o caso para
garantir a harmonia jurídica internacional – se aquele país tem ligação com o caso, o mesmo caso pode
ser julgado nesse país (onde se aplicaria a sua norma de aplicação necessária e imediata, porque para ele seria
a do foro).

Se é possível que o caso seja julgado na Finlândia, então o juiz finlandês irá aplicar a NANI da lei finlandesa
– então aplica-se a NANI desse país por uma questão de

Em desenvolvimento desta teoria, adiantaram-se duas variações.

 Primeiro, a tese da autorização expressa (Lima Pinheiro): poderão aplicar-se normas de aplicação
necessária e imediata de leis com conexão especial ao caso, mas apenas se a nossa regra de conflitos o
determinar;
 Depois, a tese da tomada em consideração: como “correção” ou “ficção nacionalizante” da teoria
do estatuto obrigacional, propõe que o legislador não pode aplicar norma de aplicação necessária e
imediata que não a do foro ou da lex causae, mas deve tomá-las em consideração na sua
intencionalidade específica.

NOTA → Tese unificada na UE em matéria de contratos:


Se estivermos no domínio da lei aplicável aos contratos, tem necessariamente de se aplicar a tese unificada na
União em matéria de contratos, que está regulada no Regulamento Roma I.
Art. 9.º/1 Regulamento ROMA I – é uma definição de “Norma de Aplicação Necessária e Imediata”.

➔ Significa que: O juiz pode aplicar as NANI da lei do foro.

Trata de saber se pode aplicar NANI estrangeiras.


➔ O juiz tem aqui flexibilidade: pode aplicar, mas não está obrigado.

E só pode aplicar a NANI:


1. Da lei do lugar do cumprimento das obrigações decorrentes do contrato.
2. E na medida em que essa lei estrangeira tenha normas de aplicação necessária e imediata que
torne o contrato ilegal (requisito substantivo)

Temos aqui uma variação da tese da conexão especial, porque: a) sim, podemos aplicar normas de aplicação
necessária e imediata estrangeiras, b) que não a lei competente, b) mas só do país em que as obrigações devem
ser cumpridas, c) e só se elas tornarem o contrato ilegal.

2) Normas espacialmente autolimitadas stricto sensu

São normas materiais que, para se aplicarem a uma determinada situação, exigem um contacto com a ordem
jurídica mais forte do que o contacto que seria, em abstrato, exigido pela regra de conflitos.

A normas espacialmente autolimitadas em sentido estrito determinam o seu próprio âmbito de aplicação, mas
vão aplicar-se a menos casos do que aqueles a que a aplicação da regra de conflitos conduziria, porque
determinam requisitos adicionais para a aplicação da lei competente indicada pela regra de conflitos.

➔ Enquanto que as normas de aplicação imediata e necessária ampliam o campo de aplicação da lei a
que pertencem, as normas espacialmente autolimitadas em sentido restritivo diminuem o âmbito de
aplicação da lei a que pertencem.

Isto é: ainda que a regra de conflitos esteja a mandar aplicar a lei a que elas pertencem, a lei não será sempre
aplicada – vão ser exigidos outros requisitos para a aplicação (caráter restritivo).

O legislador aplica estas normas quando tem uma política legislativa que ele só quer realizar se houver uma
ligação fortíssima com o foro. Estas normas são muito raras.
Determinam a sua própria aplicação no sentido em que não é suficiente que a regra de conflitos esteja a mandar
aplicar aquela lei, pois estes estabelecem requisitos adicionais de aplicação, para que se aplique a lei
aplicável segundo a regra de conflitos.

Art. 481.º/2 CSC – «o presente capitulo aplica-se apenas a sociedades com sede em Portuga».
Ou seja, por força da regra de conflitos, regularíamos um grupo de sociedade sempre que uma das sociedades
tivesse sede em Pt.
➔ Este artigo é uma norma espacialmente autolimitada stricto sensu, porque determina que não basta a
regra de conflitos, estabelecendo um requisito adicional de aplicação: que todas as sociedades do grupo
tenham sede em Portugal.

Porque é que o legislador cria estas normas? Porque há interesses político-legislativos do Estado em
restringir a aplicação de certas normas a casos em que o contacto com o corpo da lei seja muito forte – isto é,
o contacto com a lei que o pertencem é muito forte.

Isto é outra forma de politização: atende-se aos interesses político-legislativos do Estado para restringir o
âmbito de aplicação da lei da regra de conflitos.

D) Jurisdicionalização
MATÉRIA FACULTATIVA!!

Método do DIP material


Outro método, muito antigo, alternativa ao conflitual é o método do DIP material (estudado no direito romano:
ius civile VS. ius gentium).

Este, em vez de escolher a lei aplicável, faz dois corpos normativos:


a. um para as situações internas;
b. e um corpo com normas especiais para situações internacionais.

Vêem-se estas como diferentes e, por isso, devem ser reguladas por normas diferentes. Parte, disto,
imediatamente, duas críticas:
1. Se todos os países adotassem este método, incorrer-se-ia em imensa desarmonia internacional – cada
país teria o seu código internacional.

2. Depois, de um ponto de vista estrutural, vejamos que este método encara as situações internacionais
como carecidas de regras especiais – contudo não há verdadeira diferença entre uma situação só por
ser ou não ser internacional.

O método do DIP material não deve ser encarado como uma alternativa ao método conflitual. Ainda
assim, talvez existam situações internacionais precisem de regras específicas: o que significa que não deve ser
totalmente rejeitado (deve ser utilizado apenas nas situações que reclamam uma regulamentação especial e
em articulação com as regras de conflitos).

➢ Utilizamos o método conflitual para determinar a lei aplicável, que pode ter em certas situações
internacionais, uma regulamentação específica – a lei aplicável material pode criar regras especiais.

➢ O DIP material é usado como complemento ao método conflitual, em certas ocasiões. O método
conflitual não vigora inteiramente, por si só, em Portugal.

EM SUMA:
No DIP moderno português vigoram:
→ O método conflitual (base)
→ O método do DIP material
→ Normas materiais espacialmente autodeterminadas

QUALIFICAÇÃO
O problema da qualificação é o problema de saber como reconduzir uma hipótese do caso a uma
determinada regra de conflito.

● A qualificação consiste na subsumibilidade de um quid a um conceito utilizado por uma norma.

Quando aparece o repúdio da mulher na Arábia Saudita, qual a lei aplicável em Portugal? Será válido?

Qualificação Tradicional da qualificação lege fori


De acordo com o método qualificação lege fori, é no foro que encontramos a resposta ao problema da
qualificação – assenta em dois momentos de qualificação:

O problema da qualificação está para a regra de conflitos, como a interpretação está para a norma material,
pelo que este seria essencialmente um problema da competência do julgador.
Todavia, em Portugal, ao contrário do que sucede na maioria dos sistemas europeus, o método utilizado para
a qualificação não é uma escolha do juiz, que não poderá usar outro que não aquele está positivado (no art.
15.º CC).

➔ Quanto às partes da regra de conflitos, a qualificação diz respeito ao conceito-quadro: queremos saber
a que conceito quadro podemos reconduzir a figura do problema que está à nossa frente.

Não qualificamos os factos do caso:


(1) Qualificação primária ou de competência
De acordo com a qualificação clássica (qualificação lege fori) factos são qualificados à luz da lei do foro, e
daí escolher-se-á uma única regra de conflitos que indicará a lei competente para todo o caso.

Contudo, comporta bastantes desvantagens e problemas:


(1) Viola-se a paridade de tratamento, toma a perspetiva da lei do foro e desconsidera as qualificações
dadas pelas demais leis;

(2) Não dá resposta a institutos desconhecidos;

(3) Redunda na desarmonia jurídica internacional, visto que a lei aplicável varia de acordo com a
qualificação dada em cada ordenamento jurídico;

Com base nestas dificuldades, a doutrina portuguesa rejeita este método de qualificação.

Método da qualificação lege causae


Emergente dos escritos de WOLFF, entende que a qualificação haverá de ser feitoa pela lei que é indicada
pela regra de conflitos: a lex causae.

Surgem, naturalmente, certos problemas:


(1) Motiva facilmente o conflito positivo de qualificações, em que várias leis se consideram
competentes, por qualificarem diferentemente a mesma matéria;
(2) Operação da qualificação converte-se num ciclo vicioso (lei competente determina a regra de
conflitos a utilizar, mas é pela regra de conflitos que determinamos a lei competente);
(3) O foro perde em grande medida o controlo sobre as suas opções conflituais (quando o legislador
cria a regra de conflitos, parte de uma determinada ideia das figuras e institutos; pode suceder que o
conceito na lei dita competente seja diferente, pelo que o âmbito da regra de conflitos diverge daquele
que o legislador pretendera).

O método português da qualificação


O nosso sistema de qualificação esta consagrado no art 15º CC: há uma repartição da qualificação em dois
passos lógicos ou dois problemas essenciais – a interpretação do conceito-quadro e a qualificação
propriamente dita.
NOTAS PRELIMINARES QUANTO AO NOSSO MÉTODO DE QUALIFICAÇÃO (art. 15.º CC):
1. Vamos utilizar, em simultâneo, várias regras de conflitos
2. Não qualificamos os factos do caso, aquilo que se qualifica (caracteriza) são normas materiais das
várias leis envolvidas.

1.º passo da qualificação


Se vamos reconduzir um problema/caso jurídico ao conceito-quadro, que utiliza conceitos técnico-jurídicos
para determinar o âmbito de aplicação da regra de conflitos, então temos de interpretar, antes de mais, o
conceito-quadro.

Será que os conceitos-quadro se interpretam nos termos da lei material do foro?

A e B (israelitas), residem em Portugal. Da ultima vez que foram a Israel, decidiram divorciarem (lá em
Israel). Em Israel, o divórcio é um contrato privado.
Sr.ª B veio agora a Portugal e quer mudar o nome dos bens registados em Portugal, apresentando o
documento do divórcio ao conservador.

Esta é uma situação absolutamente internacional (plurilocalizada), porque tem contacto com vários
ordenamentos jurídicos (OJ Israelita, e OJ português).

Será que o conceito-quadro “divórcio”, para efeitos da regra de conflitos do art 55.º CC, significa o mesmo
que o conceito técnico-jurídico “divórcio”, para efeitos da lei material portuguesa?

O divórcio, no direito português, não é um contrato privado, pois carece da intervenção de um juiz ou de um
conservador do registo civil.

Ora, se nós temos de subsumir o caso concreto no conceito-quadro, então temos de interpretar o conceito-
quadro – todavia, o conceito-quadro utiliza conceitos jurídicos, e estes, como sabemos, variam de OJ
para OJ.

Isto significa que o conceito-quadro da regra de conflitos tem de ser interpretado de


forma mais abrangente do que a figura correspondente na lei do foro!

Interpretação do conceito-quadro

De acordo com o nosso sistema, vamos interpretar o conceito quadro à luz da lei do foro – mas isto não
significa que vão ser interpretados à luz do direito material da lei do foro.
O que significa que vamos interpretar o conceito-quadro através da lei formal do foro: a regra de conflitos.

Vamos ter de desenvolver uma interpretação do conceito-quadro que seja mais abrangente do que a figura
correspondente prevista na lei portuguesa.
Isto, para conseguirmos reconduzir o caso a regras de conflitos a figuras mesmo perante figuras que não sejam
exatamente iguais às da lei portuguesa.

➔ Interpretação autónoma e teleológica

Vamos interpretar o conceito-quadro de forma autónoma e teleológica – não olhamos para a lei do foro, mas
apenas para a lei formal do foro (interpretação à luz da lei formal do foro, interpretação específica para o
DIP).

→ Autónoma: a interpretação vai ser autónoma da interpretação da lei material, porque teremos um conceito
para o conceito-quadro diferente daquele que é oferecido pela lei material. O conceito-quadro vai ser
interpretado de forma diferente da do conceito correspondente na lei material.

→ Teleológica: porque vão ser tidos em conta os fins/objetivos próprios da regra de conflitos.
o Vamos ver quais as figuras que o legislador conflitual pretendeu abranger no conceito-quadro
daquela específica regra de conflitos: as figuras afins ou similares.

o Vamos interpretar o conceito-quadro de modo a abranger não só as figuras


correspondentes da lei do foro (portuguesa), como todas as figuras semelhante, próximas,
afins da figura correspondente na lei material.
Fazemos interpretação mais abrangente dos conceitos presentes nas regras de conflitos (campo
mais amplo).

Divórcio para efeitos do art. 55.º CC será um conceito diferente de divórcio para efeitos do art. 1773.º CC.
Os conceitos-quadro serão, portanto, interpretados de forma mais ampla do que a lei material.
Exemplo:
Sr. A e Sra. B são portugueses e residem na Alemanha. Na Alemanha constituíram uma parceria
registada (figura que não existe em Portugal – algures situada entre o casamento e a união de facto).
Entretanto, vêm a Portugal nas férias do Natal e pretendem comprar um prédio. No entanto, só a Sra.
A é que vai ao notário (Sr. B está em isolamento profilático).

Ora, neste caso, é preciso determinar se esse prédio será próprio da Sra. A ou se será um bem comum dos
parceiros.
Será, portanto, necessário determinar os efeitos patrimoniais desta parceria registada.

Esta é uma situação plurilocalizada (absolutamente internacional): ordenamento jurídico português e alemão.

Ora, no sistema jurídico português não existe nenhuma regra de conflitos sobre a parceria registada, porque
essa figura/instituto não existe no nosso OJ.

VEJAMOS:
O art. 53.º CC é uma regra de conflitos pensada para regimes de bens DO CASAMENTO.
Podemos utilizar esta regra de conflito para determinar a lei aplicável ao regime de bens da parceria registada?
Será que a parceria registada consegue subsumir-se no conceito-quadro desta regra de conflitos?

Como vimos, a interpretação do conceito técnico-jurídico “casamento” presente no conceito-quadro do artigo


53.º CC será diferente da interpretação o conceito de “casamentos” para efeitos do direito material português.
Será, portanto, uma interpretação autónoma (da interpretação da lei material do foto) e teleológica (vão ser
tidos em conta os fins visados pelo legislador conflitual com a consagração daquela regra de conflitos).
o A interpretação do conceito-quadro do art. 53.º CC vai abranger, não só o casamento tal como a lei
material portuguesa o prevê, como ainda todas as figuras afins, similares do nosso conceito material
de casamento que o legislador conflitual terá querido abranger.

Ora, o regime de bens da parceria registada é uma figura similar/afim/próxima do regime de bens do
casamento.
Interpretamos, assim, o conceito-quadro do art. 53.º CC de forma ampla, pelo que abrangemos na regra de
conflitos do art. 53.º CC figuras afins e similares àquela que a nossa lei conhece, como é caso da parceria
registada.

Interpretamos o conceito de forma mais ampla – de forma autónoma e teleológica, tentando abranger aqui,
não só as figuras correspondentes da lei portuguesa, como todas as figuras próximas, afins (quaisquer adoções
conjuntas – porque o legislador conflitual, com tal regra de conflitos, não pretendeu abranger apenas a adoção
entre marido e mulher, mas todas as adoções conjuntas).

Outro exemplo:
E se se tratar de uma adoção de facto feita por um marido e uma mulher, nos Estados Unidos, através
de contrato privado.

A adoção em Portugal é decretada por um juiz; nos Estados Unidos não é.

Adoção para efeitos do art. 60.º CC não é adoção para o direito material português, porque, para efeito da
regra de conflitos, fazemos uma interpretação autónoma e teleológica do conceito-quadro regra de conflitos
do art. 60.º CC – vamos abranger no âmbito do conceito de “adoção” todas as figuras afins, próximas do
conceito de adoção da lei portuguesa.

Com esta interpretação ampla, podemos utilizar o art. 60.º CC para determinar a lei aplicável a esta adoção
ocorrida privadamente.

EM SUMA:
Vamos interpretar cada conceito quadro de forma autónoma, isto é, vamos ter um conceito especial e
diferente para as regras de conflito; e teleológica, isto é, de forma mais ampla – de acordo com a intenção do
legislador, para que possamos subsumir nele as figuras que nos apareçam.
➔ Assim, garantimos a paridade de tratamento.

O objeto da qualificação (a qualificação propriamente dita)

A resposta é dada pelo art. 15.º CC.

Em cada caso não é escolhida apenas uma regra de conflitos, e muito menos uma única lei competente:
elencamos um conjunto de regras de conflitos, determinando que, para certas matérias valerão as normas da
lei competente que, pelo seu conteúdo material e pela sua função político-legislativa nesse ordenamento
jurídico, devam considerar-se relativas ao instituto detetado (através da interpretação autónoma e teleológica)
no conceito-quadro.

No art. 30º CC, o legislador menciona os institutos análogos, mostrando-nos que pretende que se faça uma
interpretação muito abrangente do conceito-quadro.
ART. 15.º CCivil
“Somente” – significa que vamos aplicar apenas algumas normas da lei competente.
As regras de conflitos fazem uma indicação parcial.

No nosso método de qualificação (art. 15º) não qualificamos factos – não perguntamos que tipo de problema
é esse. Isto significa que não vamos usar uma, mas sim várias regras de conflitos.
➔ Isto é, o sistema de qualificação português não faz qualificação primária – usa várias regras de
conflitos simultaneamente.

Cada regra de conflitos manda aplicar uma lei parcialmente (art. 15º CC) – só se aplica a parte da lei que
sejam as normas que, pelo seu conteúdo e função que têm, sejam relativas à matéria do conceito quadro
(qualificação em sentido rigoroso).

Assim, nos termos do art. 15.º CC, a competência atribuída a uma lei abrange: «somente as normas que (…)
integram o regime do instituto visado na regra de conflitos».

Como sabemos qual o instituto visado pela regra de conflitos? → Através do conceito-quadro.
Só se aplicam, portanto, (não todas as normas do lei competente), mas apenas as normas relativas
ao conceito-quadro da regra de conflitos.

Vamos aplicar a matérias diferentes, leis diferentes.

Os elementos relevantes para fazer esta qualificação de normas materiais são o seu conteúdo (os seus efeitos
jurídicos) e a sua função (a sua ratio legis, política legislativa).

O art. 15º não manda olhar para a inserção sistemática das normas – mas sim para o conteúdo e função.
Pode haver normas de direito da família que estejam na parte das obrigações.

➔ Vamos atender ao conteúdo e função das normas na lei a que pertencem.

CONTEÚDO
Conteúdo = efeito jurídico

Vamos atender ao efeito jurídico das normas para a podermos qualificar/caracterizar – para a podermos
enquadrar num determinado conceito-quadro.
É irrelevante, para nós, que tipo de problema é este: vamos qualificar as normas de acordo com o conteúdo
das normas na lei a que pertencem.

FUNÇÃO
Para qualificarmos a normas, vamos atentar na sua ratio legis. Isto é, temos de atentar nas políticas legislativas
das leis envolvidas para a podermos qualificar.
Exemplo:
Sr. A e Sra. B têm nacionalidade portuguesa e residem na Suíça.
Celebraram em Portugal o contrato de compra e venda de um prédio situado na Suíça.
Escolheram como aplicável ao contrato a lei portuguesa.

Coloca-se um problema: A ainda não entregou o prédio a B, e B não registou.


Mas B diz que já é proprietário do prédio. A não concorda.

A e B colocaram esta questão perante um tribunal português.

Esta é uma situação absolutamente internacional, pois está conectada com mais do que um ordenamento
jurídico: OJ português e o OJ suíço.
Logo, é objeto do DIP.

1.º problema – competência internacional dos tribunais portugueses. Presumimos a sua competência.
2.º problema – lei aplicável
3.º problema (eventual) – problema do reconhecimento das sentenças estrangeiras.

Como é que se vai resolver este problema?


Regras de conflitos mobilizáveis:
• Art. 46.º CC
• Art. 3.º Reg. Roma I

Note-se: no método português de qualificação utilizamos várias regras de conflitos em simultâneo, porque não
vamos qualificar facto à luz da lei portuguesa.

Utilizamos, em simultâneo, várias regras de conflitos e, cada uma delas vai mandar aplicar uma lei, só em
parte (parcialmente).

Art. 46.º CC:


• Conceito-quadro – posse, propriedade e demais direitos reais
Para efeitos do art. 46.º CC interpretamos o conceito de “Direitos reais” de forma autónoma e teleológica (é
uma interpretação mais ampla, pois vão caber aqui nãos só os direitos reais que a lei portuguesa conhece,
como todas as figuras afins, próximas.

• Elemento de conexão – local onde a coisa se encontra situada.


A coisa encontra-se situada na Suíça.
Lei aplicável → Lei Suíça.

Art. 3.º Reg. Roma I:


• Conceito-quadro – contrato/obrigações contratuais
• Elemento de conexão – escolha das partes.
As partes escolheram a lei portuguesa.

Como vamos aplicar, em simultâneo, várias regras de conflitos – chegados a este ponto – temos de fazer uma
leitura da regra de conflitos à luz do art. 15.º CC.
● Em matéria de direitos reais → aplica-se a lei Suíça, mas não é toda a lei Suíça. São somente as
normas da lei Suíça que, pelo seu conteúdo e pela função que desempenha na lei Suíça, digam respeito
ao regime dos direitos reais.

● Em matéria de contratos → é aplicável a lei portuguesa. Todavia, somente as normas portuguesas


que, pelo seu conteúdo (efeito jurídico) e pela função que desempenham na lei portuguesa (pela sua
política legislativa), sejam relativas ao relativas a matéria de contratos.

Ora, de acordo com o método de qualificação português não qualificamos factos, mas sim normas materiais
de todas as leis que estejam dos OJ que estiverem a ser chamados.

IN CASU:
Quanto ao problema sub judice (a quem pertence, afinal, a propriedade do prédio) – a lei portuguesa resolve
esta questão através do princípio da consensualidade (art. 408.º/1 CC): de acordo com o qual os direitos
reais constituem-se ou transferem-se por mero efeito do contrato.

Art. 432.º do CCivil Suíço – determina que os direitos reais só se transferem depois da celebração do contrato
+ (e) depois do registo (sistema de título e de modo).

Ora, agora temos de qualificar/caracterizar estas normas potencialmente aplicáveis, à luz do seu conteúdo e
da função que desempenham na lei a que pertencem:

Art. 408.º/1 CC português:


Conteúdo (efeito jurídico) – estabelecer o modo/sistema de constituição e transmissão de Direitos Reais –
sistema de título.

Função (ratio legis) – o legislador estabeleceu esta solução para facilitar e simplificar o comércio jurídico
sobre coisas.

Vamos agora qualificar (caracterizar), isto é enquadrar esta norma num conceito-quadro:
Esta é uma norma sobre direitos reais (o legislador regula matéria de direitos reais no art. 408.º CC).
o Esta norma vai enquadrar-se no conceito-quadro do art. 46.º CC.

ASSIM:
 Como em matéria de direitos reais aplicamos normas da lei Suíça, então a norma do art. 408.º CC não
pode aplicar-se neste caso.

Art. 432.º do CCivil Suíço:

Conteúdo (efeito jurídico) – estabelecer o modo/sistema de constituição e transmissão de Direitos Reais –


sistema de título e modo.
Função (ratio legis) – a política legislativa por detrás desta norma é a de promover uma maior segurança
jurídica na situação do prédios.

Qualificação da norma:
Esta é uma norma sobre direitos reais – logo subsume-se no conceito-quadro do art. 46.º CC.

✓ Como em matéria de direitos reais aplicamos normas da lei Suíça, e esta é uma norma Suíça sobre Direitos
reais, pelo que aplicamos esta norma.

IN CASU:
No caso em apreço, o prédio ainda não se transmitiu a B, porque, segundo a lei Suíça, a propriedade só se
transmite depois de estar registado. Como o senhor B não registou o prédio, então a propriedade ainda não se
transmitiu.
➔ A propriedade do prédio pertence a A.

E se o Sr. B decidir, nestes termos, pedir uma indemnização com base em responsabilidade contratual?
Em matéria de contratos → é aplicável a lei portuguesa (as normas da lei portuguesa relativas a
responsabilidade contratual).

CONFLITOS DE QUALIFICAÇÕES
No método tradicional de qualificação, utiliza-se apenas uma regra de conflitos – consequentemente, só se
aplica uma lei.

No método de qualificação do sistema português – Aplicamos leis diferentes, a matérias diferentes – de cada
lei, chamamos apenas uma parte.

Com a aplicação de leis diferentes a matérias diferentes podem surgir resultados incompatíveis – o que não
acontece no sistema tradicional, porque apenas uma lei é competente.
À partida, isto não acontece: aplicamos leis diferentes, mas são aplicadas a matérias diferentes.

Ainda assim, as matérias jurídicas não são estanques – portanto podem surgir estas situações: são os conflitos
de qualificações – que motivam uma parte dos autores a tomar partido do método tradicional.

➔ Os conflitos de qualificações podem ser positivos, quando aplicamos leis diferentes a matérias
diferentes e as normas em causa dos diferentes ordenamentos jurídicos são incompatíveis.

Existem normas da lei x matéria de cônjuges; y em sucessões; mas conflituam umas com os outros.

Ou podem ser negativos, quando aplicamos leis diferentes a matérias diferentes, mas para uma das leis não
exista norma sobre o caso concreto. Isto é, podemos não encontrar nas leis competentes, normas da matéria
pela qual foram chamadas.
Conflitos de qualificações
Consiste no concurso de normas materiais – pertencentes a leis /ordens jurídicas diferentes – que são
chamadas, a títulos também diferentes, para regular o mesmo caso, ou o mesmo aspeto/questão de um caso,
mas que são incompatíveis, inconciliáveis entre si.

a) Conflitos positivos de qualificações

●À matéria da regularidade substancial do casamento → aplica-se a lei na nacionalidade cada nubente → lei
alemã.
● À validade formal do casamento → lei do local da celebração do casamento → lei grega.

Interpretação das regras de conflitos à luz do art. 15.º CC:

Em matéria regularidade substancial do casamento → aplica-se a lei alemã. Não toda a lei alemã, mas
apenas as normas da lei alemã que, pelo seu conteúdo e função que desempenham na lei alemã, sejam relativas
aos requisitos substantivos do casamento.

NORMA ALEMÃ:
Conteúdo (efeito jurídico) – aponta para os requisitos substanciais da validade do casamento (o conceito só
é substancialmente válido se prestado perante uma autoridade estadual).
➔ Subsume-se na regra de conflitos do art. 49.º CC

Função (ratio legis) – validade do casamento.

ASSIM: Como em matéria relativa aos requisitos substantivos do casamento aplicamos normas da lei
alemã → esta norma aplica-se.
Logo, segundo esta norma, como não houve prestação de consentimento perante uma autoridade
estadual → o casamento é nulo.

Em matéria de forma do casamento → aplica-se a lei grega.


Não se aplica toda a lei grega, mas apenas as normas da lei grega que, pelo seu conteúdo e função que
desempenham na lei grega, sejam relativas aos requisitos formais do casamento.

NORMA GREGA:
Conteúdo (efeito jurídico) – é uma norma sobre a forma do casamento (que diz que a forma do casamento é
necessariamente a forma religiosa, celebrado perante um sacerdote ortodoxo).
➔ Subsume-se na regra de conflitos do art. 49.º CC

Função (ratio legis) – validade do casamento.

ASSIM: Como em matéria relativa à forma do casamento se aplicam normas da lei grega → esta norma
aplica-se.
Logo, segundo esta norma, como o casamento foi celebrado perante um sacerdote ortodoxo → o
casamento é válido.

➔ TEMOS AQUI UM CONFLITO POSITIVO DE QUALIFICAÇÕES.

Este conflito nunca aparece na teoria tradicional da qualificação, porque de acordo com este método, só se
aplica um única regra de conflitos, logo, só se aplica uma única lei.

SOLUÇÃO:

O método seguido pela Escola de Coimbra é seguido por toda a jurisprudência.

➔ Vamos sacrificar uma das leis competentes.

Antes disso, vejamos algumas questões prévias:

(1) Devemos escolher entre regras de conflitos ou comparamos as soluções materiais?


A Escola de Coimbra entende que devemos escolher entre as regras de conflitos, porque a disciplina que
criou o problema foram as regras de conflitos, pelo DIP, portanto deve ser dentro dele resolvido. Ainda assim,
a doutrina coimbrã também diz que nem sempre é possível fazê-lo.

HIERAQUIZAÇÃO DAS REGRAS DE CONFLITOS


Estas são as chamadas hierarquizações das qualificações das regras de conflitos, guiadas por três critérios:

Substância VS. Forma


→ Entre substância e forma, aplicamos a lei à substância e não a lei aplicável à forma.
o Isto acontece por motivos de proximidade – enquanto que a conexão substancial é orientada
pela proximidade; a conexão da forma é orientada por um resultado (princípio do favor
negotii).
Quanto à substância o legislador escolhe a lei que considera ser verdadeiramente mais próxima: prevalece a
lei aplicável à substância. Quanto à forma o legislador não está preocupado com a lei mais próxima, orienta-
se com outras finalidades.
Qualificação Real VS. Qualificação Pessoal
→ Entre a qualificação real e a qualificação pessoal, prevalece a qualificação real.
o Isto graças ao princípio da efetividade (ou eficácia das decisões judiciais): o DIP deve
preocupar-se em não criar situações que não vão ser reconhecidas no Estado em que vão
produzir efeitos.

o Nos imóveis, a ligação de uma coisa ao território em que está situada é muito mais forte do
que a ligação de uma pessoa ao seu país de nacionalidade e residência – enquanto que a
ligação da pessoa ao país se pode alterar, isto não acontece com as coisas imóveis.

Tutela Matrimonial VS. Tutela Sucessória


→ Em matéria de proteção do cônjuge sobrevivo, prevalece a qualificação matrimonial face à
sucessória.
o Isto porque tendencialmente o regime matrimonial gera expectativas ao longo da vida:
aplica-se quando os cônjuges estão vivos; o regime sucessório só se aplica apos a morte.

Pode acontecer que nenhum destes critérios seja aplicável.


➔ Quando nenhum dos critérios resolve o problema, não podemos escolher entre regras de conflitos.
Então, temos de escolher entre normas materiais.

Se elas fossem ambas leis portuguesas, tínhamos maneira de escolher entre duas normas portuguesas
incompatíveis? Em IAD “aprendemos” uma forma de resolver conflitos entre normas incompatíveis:

Vamos recorrer aos princípios gerais:

→ Norma especial prevalece sobre a norma geral


→ Norma posterior prevalece sobre a norma anterior (mesmo sendo de legislações diferentes);

c) Conflitos negativos de qualificações


Matéria Facultativa!!

CAPÍTULO V – PROBLEMA DOS CONFLITOS DE


SISTEMA DE DIP
Cada país tem o seu próprio sistema de DIP – o que leva, naturalmente, à existência de conflitos entre eles.

Isto é um conflito negativo de sistemas de DIP: um facto que a lei indicada como competente pelo nosso DIP,
não se considera competente à luz do DIP dela.

Estas situações levam a que o resultado dado por cada um dos sistemas vai ser diferente – o negócio que é
válido num sítio, não é noutro.
➔ O conflito de sistemas gera desarmonia jurídica internacional, e, com isso, temos instabilidade das
relações jurídicas.

O problema destes conflitos é, também, que cria instabilidade das relações jurídicas devido à desarmonia
jurídica internacional.
➔ Resolvemos isto com a unificação das regras de conflitos – se isto acontecer, onde quer que o problema
seja posto, vai ser aplicada a mesma regra de conflitos e, por isso, a mesma lei.
Este esforço iniciou-se com a Conferência da Haia do DIP (sec. XIX) – que tem como objetivo a unificação
das regras de conflitos me todo o mundo.
➔ Dentro da EU, tem-se verificado a europeização do DIP – nesta matéria, graças à convenção de
Amsterdão. Assim é, porque a EU tem como principal objetivo a verdadeira liberdade de circulação
entre Estados-membros.

Conflito de sistemas de DIP – quando há uma diversidade de regras de conflitos aplicáveis ao mesmo caso,
às mesmas matérias. Vários países mandam aplicar leis diferentes às mesmas matérias.

Enquanto não existir uma total harmonia internacional, o DIP leva estes conflitos de sistemas de DIP em
consideração.

O sistema de DIP português, quando manda aplicar a lei portuguesa, está disposto a levar em consideração o
que diz o DIP estrangeiro, do OJ estrangeiro que tiver conexão com o caso – art. 31.º/2 CC.

Havendo um conflito de sistemas, o nosso DIP esta disposto a abdicar de aplicar a lei que escolheu como lei
mais próxima, para aplicar a lei considerada competente no sistema de DIP estrangeiro, em nome da harmonia
jurídica internacional, mais concretamente, da estabilidade das relações jurídicas.

Podemos falar em:


a. Conflitos positivos de sistemas – situação em que o nosso sistema de DIP manda aplicar
uma certa lei, mas há um sistema de DIP próximo, conectado com a mesma situação, que manda aplicar
outra lei diferente.
O conflito positivo de sistemas traduz-se no problema do reconhecimento de direitos adquiridos –
art. 31.º/2 CC.

b. Conflitos negativos de sistemas – põe-se no momento do funcionamento da própria regra de


conflitos.

SUBCAPÍTULO I
Conflitos Negativos de Sistemas
Tirar alguns apontamentos escritos.
Entender bem nas aulas.
Ver esquemas na sebenta.

A, brasileiro, reside em França. Apresenta-se em Portugal para celebrar um negocio jurídico diante um notário.
O notário tem de verificar se A tem capacidade para celebrar o negócio jurídico em causa.
Regra de conflitos sobre capacidade – art. 25.º CC.
O art. 25.º CC manda aplicar a lei brasileira (lei da nacionalidade):
L1 (lei portuguesa) → (está a remeter para) L2 (lei brasileira; da nacionalidade)

Se o caso se pusesse no Brasil, o DIP brasileiro mandava aplicar a lei da residência (lei francesa):
L2 → L3 (lei francesa; da residência)

A lei portuguesa remete para uma lei, à luz da qual (à luz do seu próprio sistema de DIP) esta não se considera
competente, mandando aplicar uma outra lei diferente.
➔ Temos aqui um conflito negativo de sistemas.

Os conflitos negativos de sistemas só surgem quanto às regras de conflitos bilaterais (escolhem uma lei,
podendo ser a do foro ou uma lei estrangeira) – porque só estes é que escolhem a lei estrangeira.

A forma moderna de resolução dos conflitos negativos dos sistemas é através de um expediente do DIP
chamado reenvio – para o percebermos, temos de ver os vários tipos de conflitos negativos de sistemas:

 Vigora entre nós o chamado “Instituto do Reenvio”:

➔ Retorno Direto
O problema do reenvio é saber se, quando mandamos aplicar a lei que escolhemos, devemos aplicar
efetivamente a que escolhemos ou, em alternativa, será que podemos aplicar a lei indicada pela lei que
escolhemos?
Se o fizermos, estamos a aceitar o reenvio: abdicamos da lei que tínhamos escolhido, para passarmos aplicar
a lei que esse sistema indicar.

Existem duas grandes posições dogmáticas – tudo está em saber como interpretamos a nossa remissão da lei
de conflitos.
Duas formas de resolver esta questão:
a. Tese da referência material;
b. tese da referência global.

1. Tese da referência material


A tese da referência material diz-nos que, quando mandamos aplicar uma lei estrangeira, não estamos a
remeter para todo o sistema dela: apenas as normas materiais.
Quando se manda aplicar a L2 a nossa egra de conflitos apenas está a mandar aplicar as normas materiais
dessa L2, e não para as regras de conflito dessa L2.

As regras de conflitos da lei estrangeira – L2 – (que são formais) são desconsideradas. Devemos, então, aplicá-
la na mesma – mesmo que ela remeta para outra lei.

➔ Países que adotam um sistema de referência material são países anti-devolucionistas (não aceitam o
reenvio).

É usado em países como o Brasil, a Suécia, Dinamarca.

Vantagens de ter um sistema de referência material: Escolhemos uma lei porque achamos que ela é a mais
próxima – se ela remete para outra, devemos continuar a aplicar a lei que o nosso legislador considerou mais
próxima.

Desvantagens: a referencia material permite-nos aplicar a lei que consideramos mais próxima, mas isso é
desrespeitar a própria lei que se considerou mais próxima (pois ela considera aplicável uma outra lei
diferente).

2. Tese da referência global


Contra a primeira tese, no início do sec. XX, apareceu a tese da referência global, segundo a qual ser hostil
ao reenvio consiste um desrespeito à lei que consideramos mais próxima.

Quando se remete para a L2 está a remeter-se para todo o sistema da L2, para o sistema do L2 na sua
globalidade (não só para as normas materiais, mas também para as suas regras de conflitos, para o seu sistema
de DIP).

Devemos então, ao remeter para a lei estrangeira, remeter para toda a lei estrangeira: quer as normas materiais,
quer as normas formais (regras de conflitos).

Países que adotam um sistema de referência global são países devolucionistas (aceitam o reenvio).

Vantagens: a referência global surgiu como forma de garantir a harmonia jurídica internacional; tende a
promover a harmonia jurídica internacional.

A tese da referência global pressupõe uma divisão entre duas subconceções da referência global:
a. Devolução Simples
b. Dupla devolução (e outras, mas apenas damos estas duas).

a) Devolução simples
A devolução simples entende que, quando remetemos para uma lei remetemos para as normas materiais e para
as próprias regras de conflitos.

O que significa uma aceitação do reenvio (deixar de aplicar a lei que tínhamos escolhido, para passar a aplicar
a lei que o sistema por nós escolhido manda aplicar).
É uma tese orientada para garantir a harmonia jurídica internacional.

A devolução simples nem sempre consegue garantir a harmonia jurídica internacional.

Dupla devolução
Para corrigir este problema, aparece em Inglaterra, na Suíça e em “Israel”, a dupla devolução (foreign court
theory): ainda dentro da teoria da referência global, a remissão é feita tanto para as normas materiais como
para as outras.
Teoria de reenvio total – a lei que se quer aplicar é exatamente aquela que o juiz da L2 aplicaria.

Na devolução simples, além das regras materiais, remetia-se também para as regras de conflitos.
Na dupla devolução, a remissão é feita para:
a. as regras materiais,
b. as regras de conflitos
c. Para o próprio sistema de reenvio da L2 (ou seja: para a posição do tribunal estrangeiro, em matéria
de reenvio)
Isto significa, na prática, que, quando há dupla devolução, vamos aplicar exatamente a mesma lei que aplicaria
o juiz da lei que nós indicamos.

REENVIO-COORDENAÇÃO
(Sistema Português)

Em Portugal não vigora nenhuma posição dogmática sobre o reenvio; em PT vigora uma posição pragmática,
um sistema pragmático.
A nossa solução quanto à aceitação do reenvio é variável – não é sempre a mesma: umas vezes aceita o reenvio,
OU SEJA: Só aceita reenvio nos casos em que o reenvio realiza a Harmonia Jurídica Internacional.

Em 1966, apareceu um novo sistema de reenvio com o novo CC português. As posições que até agora vimos
eram posições dogmáticas do reenvio (aceitam ou não aceitam o reenvio, uma ou várias vezes) –isto é,
consubstanciam pontos de vista sobre o reenvio.

Art. 16.º CC
Principio geral – partimos da REFERÊNCIA MATERIAL

“na falta de preceito em contrário” – o princípio geral só vale fora dos casos em que exista preceito em
contrário, fora dos casos em que se aceita o reenvio (art. 17.º + art. 18.º CC):

o Art. 18.º CC – consagra uma exceção ao principio do art. 16.º CC, nos casos de:
a. retorno direto
b. e de retorno indireto.
Determina os casos em que se aceita o reenvio na modalidade de retorno direto e de retorno indireto.

Pressuposto: Se o DIP da “lei designada pela nossa norma de conflitos” (L2), devolver para o “direito interno
português” = direito material (remeter para a Lei Portuguesa, com referência material) → aceita-se o reenvio,
e aplica-se a lei portuguesa.

o Art. 17.º CC - consagra uma exceção ao principio do art. 16.º CC, nos casos de:

a. transmissão de competência simples,


b. e de transmissão de competência em cadeia.

Perante um retorno, temos de ver se se preenche o pressuposto do art. 18.º CC:


- Se sim: aceitamos o reenvio
- Se não: não aceitamos ao reenvio, aplica-se o princípio geral do art. 16.º CC: fazemos uma
referência material.

Quanto ao artigo 17.º CC – reenvio em caso de transmissão de competência:


o Transmissão de competência simples: basta que se verifique o requisito literal do art. 17.º/1 CC. Ou
seja: nas transmissões de competência simples o único requisito relevante é que a última lei se
considere ela própria competente; que o DIP da L3 (ultima lei) esteja a remeter para a própria L3.
o Transmissão de competência em cadeia: para que faça sentido aceitar o reenvio numa transmissão
de competência em cadeia, é preciso:

1) que a última lei (L4) se considere ela própria aplicável (tem de estar verificado o requisito
literal do art. 17.º/1 CC);

2) + que a remissão da L2 (segunda lei) para a L3 (terceira lei) seja favorável ao reenvio (que
seja uma Dupla Devolução ou uma Devolução Simples) – isto é: que haja uma referência
global da segunda para a terceira lei.

Ou seja, temos de realizar uma extensão teleológica do art. 17.ºCC:


O artigo 17.º/1 CC tanto pode servir para a transmissão de competência simples (e aí só se exige o seu requisito
literal), mas tambem pode ser utilizado para a transmissão de competência em cadeia (só que aí exigimos um
segundo requisito adicional).

Só estendendo o âmbito de relevância gramatical do artigo 17.º/1 aos casos de transmissão de competência
em cadeia é que estaremos em condições de respeitar a sua ratio legis: aceitar o reenvio quando ele promova
a Harmonia Jurídica Internacional.

HARMONIA JURÍDICA QUALIFICADA


Quanto aceitamos o reenvio em nome da procura da harmonia jurídica internacional, cometemos um risco:
podemos acabar por aplicar uma lei que não tem uma ligação ao caso concreto.

A título disto, há um conjunto de matérias em que o nosso sistema de reenvio é mais rigoroso – as matérias
do estatuto pessoal: as matérias que estão mais ligadas ao estatuto pessoal (art. 25.º CC).
➔ Aqui, o legislador é mais cuidadoso.

Como sabemos que estamos perante essas matérias? Um “truque” para identificarmos estas situações é vermos
quando a nossa RC manda aplicar a lei da nacionalidade – nessas circunstâncias o legislador é mais exigente;
isto porque quer ter a certeza que aplica uma lei que a pessoa conhece e vê como “sua”.

Vai, portanto, ser mais rigoroso na aceitação do reenvio, consagrando requisitos adicionais – cujo não
preenchimento leva à rejeição do reenvio, e à aplicação da lei que considere mais próxima (a da
nacionalidade). Isto significa que vamos aceitar o reenvio em menos casos.
➔ Este segundo princípio é o da harmonia jurídica qualificada.

No estatuto pessoal também há reenvio – contudo, este é limitado pelo princípio da harmonia jurídica
qualificada: nas matérias do estatuto pessoal só aceitamos o reenvio se houver (1) harmonia/acordo quanto
ao direito aplicável; e este ser (2) qualificado.
Isto é: se as duas leis mais importantes/próximas para a pessoa estiverem de acordo com a lei aplicável.
Que leis são essas?
• Lei da nacionalidade
• Lei da residência habitual.

Só aceitamos o reenvio se se verificar harmonia jurídica qualificada – não basta a harmonia jurídica
internacional simples. Precisamos de saber se as duas leis mais importantes para a pessoa estão a aplicar a
mesma lei.

Vimos no art. 17º e 18º apenas os seus primeiros números. Estes artigos têm um segundo número – que nos
vai estabelecer limites à aceitação do reenvio nas matérias do estatuto pessoal.

O reenvio vai ser mais exigente nas matérias de estatuto pessoal porque o legislador está preocupado em
aplicar a lei que a pessoa efetivamente conheça – aceitar o reenvio significaria correr o risco de isso não
acontecer.

Como sabemos que estamos em matérias de estatuto pessoal?


Quando a nossa regra de conflitos manda aplicar a lei da nacionalidade.

 O art. 17.º/2 CC (sobre a transmissão de competência, que introduz um desvio à regra do art. 16º) dita que
cessa a aceitação do reenvio se a lei referida pela regra de conflitos portuguesa for a lei pessoal (da
nacionalidade).
Ou seja, enquanto no art. 18.º/2 C temos requisitos adicionais, o art. 17.º/2 CC está construído ao contrário:
não temos requisitos adicionais à aceitação do reenvio, mas antes causas de cessação da aceitação do reenvio
(também duas alternativas).

 O art. 18.º/2 CC segue a mesma linha de pensamento nesta primeira parte.


Os cuidados especiais que vamos ter só são relevantes quando já tivermos aceitado o reenvio – ou pelo art.
18º/1 ou pelo art. 17º/1 (só se vai limitar o reenvio quando já tivermos decidido aceitá-lo).

No art. 17º/2, temos causas de cessão do reenvio (mandam parar o reenvio que aceitámos no art. 17º/1).
No art. 18º/2 temos uma construção diferente – temos requisitos adicionais para aceitação do reenvio.
A aceitação do reenvio pode pôr em causa as legítimas expectativas das partes: ao celebrarem um negócio
jurídico válido à luz da lei da sua nacionalidade, esperam que este seja válido e a produção dos seus efeitos.

Não devíamos, aqui, deixar de aceitar o reenvio e proteger as expectativas das partes? Funciona, então, o
princípio do favor negotii – devemos favorecer a validade do negócio jurídico em nome da proteção das
legítimas expectativas das partes. A nacionalidade é uma lei muito próxima.

O art. 19º/1 CC estabelece um limite à aceitação do reenvio em nome do princípio do favor negotii: ele faz
cessar um reenvio que seria aceite pelas regras gerais de aceitação (art. 17º e 18º).

Por outras palavras, quando as regras gerais dos artigos 17º e 18º tiverem proporcionado a aceitação do
reenvio, e com esse reenvio se alcance a invalidade de um negócio jurídico, aplicamos o art. 19º/1: limita-se
o reenvio em nome do princípio do favor negotii.
➔ Se cessa o disposto nos arts. 17º e 18º, voltamos à regra geral do art. 16.ºCC (referência material).
PERGUNTA EXAMES!!
O art. 19.º CC funciona quando o negócio é válido para que lei??
O art. 19.º CC funciona quando o negócio jurídico é válido para a lei indicada pela nossa lei (para a lei
indicada pela regra de conflitos portuguesa).
➔ O negócio jurídico tem de ser válido para a L2.

Não bastam os requisitos literais do art. 19º: é preciso demonstrar que existem verdadeiras expectativas das
partes (requisito material adicional); só faz sentido prejudicar a harmonia jurídica internacional em nome das
expectativas das partes.

A doutrina acrescenta dois requisitos só funcionamento do artigo 19.º CC:

1) Deve valer apenas para negócios já celebrados (e não para negócios a celebrar): não faz sentido
aplicar o art. 19º para negócios ainda não celebrados, porque nesses casos ainda não há expectativas;

2) É preciso que as partes tenham uma expectativa de ver aplicada a lei para a qual a nossa regra de
conflitos remete (L2).

Capítulo VIII

Ordem Pública Internacional


Vamos falar de um instituto regulado no art. 22.º CC - ordem pública internacional. Que é um instituto
diferente da ordem pública na teoria geral do direito civil (art. 280º).
A Ordem Pública Internacional é um mecanismo de evicção do direito estrangeiro, isto é: é um mecanismo
de afastamento do direito estrangeiro (que é considerado aplicável pela nossa regra de conflitos); vai mandar
afastar a lei estrangeira que é competente nos termos da nossa regra de conflitos.

O art. 280º/2 CC entende que é nulo o negócio contrário à ordem pública – podíamos ser levados a crer que
este é o mesmo conceito utilizado no art. 22º; contudo, o que se fala no art. 22º é da ordem pública
internacional, enquanto que no art. 280º/2 é da ordem pública interna: o conjunto das normas e princípios
jurídicos imperativos de certa lei.
A ordem pública internacional (art. 22º) é um mecanismo de evicção da lei estrangeira – isto é, de
afastamento da lei estrangeira. É um expediente que permite ao juiz não aplicar uma norma estrangeira
indicada pelo DIP (a norma competente pelos termos do DIP).
➔ Contudo, só se permite este afastamento quando se verifique uma ofensa dos princípios fundamentais
da ordem pública internacional da ordem jurídica portuguesa.

O OPI não censura o conteúdo da lei estrangeira, censura o resultado da aplicação da lei estrangeira.
Por esta descrição será que a ordem pública internacional é um conceito mais amplo ou mais estrito que a
ordem pública interna?
É muito mais estrito: nós não fazemos funcionar o art. 22º só porque ele viola normas imperativas portuguesas;
serve para muitos menos casos – aqueles princípios cuja violação se tenha por absolutamente intolerável
(princípios mais fundamentais da ordem jurídica do foro).
São os princípios mais ligados à consciência jurídica do foro.

Não afastamos a aplicação da lei estrangeira só porque a lei estrangeira é diferente da nossa – mas
porque, além disso, consiste numa violação de princípios absolutamente nucleares da ordem jurídica
portuguesa.
Não estudámos já outro instituto de DIP que tutela os interesses político-legislativos mais fundamentais da
ordem jurídica nacional? Sim: as normas de aplicação necessária e imediata.
Nelas também há interesses tão fundamentais da ordem jurídica do foro que podem “passar por cima” da regra
de conflitos (afastam-na); estas normas de aplicação necessária e imediata funcionavam antes de irmos ver as
regras de conflitos – sabíamos que as íamos aplicar mesmo antes de ver as regras de conflitos.
Já a ordem pública internacional, só podemos lançar mão dela depois de fazer funcionar o DIP e a lei
estrangeira (a posteriori) – apenas se o seu resultado for chocante e manifestamente intolerável para a ordem
jurídica portuguesa é que recorremos a este mecanismo. → Isso resulta claramente do art 22º.
Se repararmos, a ordem pública internacional não funciona como censura à norma estrangeira – não é quando
a norma estrangeira viola os princípios fundamentais da nossa ordem jurídica, mas sim quando a sua aplicação
(o resultado) o faz.
Características: quatro características fundamentais.
1. Excecionalidade ou caráter aposteriorístico
- Só se mobiliza a OPI para casos absolutamente excecionais, é um mecanismo de atuação excecional.
- Só se mobiliza a OPI no último momento de todos: primeiro faz-se funcionar a regra de conflitos para
determinar a lei competente; depois temos de qualificar as normas da lei competente; depois aplicar a norma
ao caso e analisar o resultado a que chegámos, e só depois é que funciona a OPI.
a. Em primeiro lugar, é excecional quando ao momento do seu funcionamento. A ordem pública
internacional funciona após: a aplicação da regra de conflitos, o apuramento da lei aplicável e o
apuramento do resultado – só no fim de tudo isto podemos pôr em hipótese o funcionamento da ordem
pública internacional.
A ordem pública internacional carece sempre de indagarmos o resultado da aplicação da lei estrangeira.
b. Depois, numa segunda dimensão, é excecional no sentido de ser raro: não basta que o resultado seja
diferente do que seria o resultado pela lei portuguesa – o resultado da lei estrangeira tem de ser
intolerável: absolutamente inadmissível.

2. Imprecisão
Não é possível sabermos, à partida, quais os casos em que se mobiliza a ordem pública internacional e aqueles
em que não se mobiliza – por o seu funcionamento depender do caso concreto.
A ordem pública internacional é um instrumento que só funciona em certo caso concreto: duas situações muito
parecidas podem mobilizar ou não mobilizar diferentemente a ordem pública; admite ao julgador uma certa
discricionariedade.

A OPI é um conceito naturalmente impreciso, casuístico.

Relatividade da Ordem Pública Internacional – significa que a intensidade da sua atuação vai depender de
vários fatores.
A intensidade da sua atuação varia:
1. Consoante estamos perante um caso a reconhecer ou a constituir (deve ser mais exigente/rigorosa nos
casos a constituir em que ainda não existem expectativas nenhumas);
2. Consoante a ligação ao foro – quanto mais forte for a ligação ao foro, mais chocante se torna o caso.

3. Nacionalidade

O OPI só serve para proteger valores do sistema nacional – só existe por cada país tem valores diferentes.
Assim, a OPI atua quando estão em causa valores fundamentais da ordem jurídica do foro portuguesa).
A ordem pública internacional é um conceito nacional – está dependente dos princípios fundamentais do
ordenamento jurídico do foro. Só funciona em situações em que os ordenamentos tenham resultados muito
diferentes: protege valores nacionais (do foro).
➔ Repare-se que o facto de se proteger valores do ordenamento jurídico do foro não quer dizer que
sejam valores que só vigorem no ordenamento jurídico do foro – podem ser comuns a vários
sistemas.

4. Atualidade

Os princípios que levamos em conta são os princípios que vigoram no momento atual, no momento do
julgamento – não são levados em conta os princípios que vigoravam à data do inicio da constituição da relação
jurídica.
A ordem pública internacional funciona para proteger princípios jurídicos fundamentais do foro – princípios
estes que vão mudando. Os princípios de hoje não são os mesmos que eram há 100, 50 ou 20 anos.
Os princípios relevantes para a atuação da ordem jurídica internacional não são aqueles relevantes à data da
constituição da situação jurídica que estamos a apreciar – são, sim, os princípios fundamentais do foro à data
do julgamento.
NOTA:
Quando funciona a OPI podemos ficar com um vácuo jurídico – o art. 22.º/2 CC resolve estas situações:
tentamos resolver o caso com as outras normas da lei competente.

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