Rpi Resumos
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Sofia Marques de Aguiar Carvalho
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à Esta tese foi muito importante nesta orientação substantivista, que se baseava na criação de
normas de DIP material de fonte jurisprudencial considerando que os tribunais perante uma situação privada
internacional teriam que:
• Procurar obter uma solução adequada e materialmente justa para o litígio concreto;
• Aplicar simultaneamente, de forma combinada, as várias leis em contacto com a situação de
forma a haver harmonia decisória jurídica internacional;
à Devendo procurar-se uma solução de compromisso entre as soluções apresentadas pelas várias
leis, formulando-se uma nova solução específica para regular a situação internacional controvertida.
à Ainda que este autor tenha como grande mérito o reconhecimento de que o DIP clássico tem a
insuficiência de ignorar as especificidades das situações internacionais, a sua orientação padece de alguns
problemas na medida em que embora no caso da arbitragem o juiz disponha de uma margem maior de
apreciação no domínio judicial, tal é bastante mais difícil, além de que poria em causa o mínimo de
previsibilidade relativo à regulação das situações privadas internacionais;
à Por outro lado, tal solução é bastante difícil quando as soluções legislativas dos dois
ordenamentos jurídicos, em confronto, são incompatíveis.
• Por exemplo, o que fazer se uma lei recusa a arbitragem e a outra a aceita? Ou ainda, será
que se uma lei exclui a responsabilidade civil e outra concede ao lesado uma indemnização
de 1000€, será ajustado conceder-se uma indemnização de 500€?
à Note-se, no entanto, que esta tese de Von Mehren não é de todo “descabida”, posto que ao nível
da UE, o TJUE acaba por pôr, a mesma em prática, chegando a soluções de compromisso quando estão
em confronto o direito primário da UE e o direito constitucional de um EM;
D. Existem Reflexos da Teoria do DIP material no Sistema Conflitual Português, na medida em que o nosso
sistema tem normas materiais destinadas a regular diretamente situações internacionais
à O art. 51/2º e 3º CC não visa decidir qualquer conflito de leis, estabelecendo critérios para
determinação da lei competente, mas apenas estabelecer um requisito material de organização do processo
preliminar de publicações para o casamento de 2 portugueses no estrangeiro ou de 1 português com
estrangeiro;
à O art. 2233º CC também não é nenhuma regra de conflitos, posto que apenas, impõe uma
exigência de validade para o testamento feito por português no estrangeiro (“forma solene”);
à O art. 3º CSC quanto à transparência internacional da sede da SC também consagra exigências
de validade;
à São pois normas que regulam diretamente situações privadas internacionais, pelo que de DIP
material de fonte legislativa interna;
à Claro que continuamos a ter um sistema de regulamentação das situações internacionais de matriz
clássica, ou seja, tendo como base as regras de conflito de leis. Não obstante, estas regras não apresentam
a sua rigidez e formalidade originais atendendo a interesses de justiça material e a interesses fundamentais
de ordem pública dos Estados;
à Por outro lado, a metodologia clássica convive com a metodologia das NAI que tem vindo a emergir
nos últimos decénios;
à Importa, no entanto, que continua a ser a metodologia clássica que tem a maior ponderação neste
pluralismo metodológico, como se pode ver pelo facto na EU a regulamentação das situações privadas
internacionais continuar a depender fundamentalmente das regras de conflitos de leis – Regulamentos
Roma I e II.
1. O Elemento de Conexão
à É o elemento de conexão que determina/ reconhece uma lei como competente para regular a
situação internacional em causa. É este elemento que destaca um dos elementos de facto que aligam a
situação plurilocalizada para reconhecer determinado ordenamento jurídico, como competente;
• Exemplos:
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2. O Conceito Quadro
à Trata-se de um conceito jurídico que individualiza uma determinada problemática jurídica para dar
resposta à qual é competente o ordenamento jurídico indicado pelo elemento de conexão;
• Ex. 49º CC: Posse, propriedade e demais direitos reais; 30º CC: tutela e institutos análogos de
proteção do incapaz;
à A função do conceito quadro, da regra de conflitos, é assim delimitar o âmbito de aplicação da
ordem jurídica reconhecida como competente pelo elemento de conexão;
à Desta forma, o objeto do conceito quadro será uma problemática jurídica (ex. tutela e institutos
análogos de proteção do incapaz) e, portanto, uma questão de direito;
• Não obstante, o Savigny considerava que o objeto do conceito quadro seria, não uma
questão jurídica, mas sim uma relação jurídica, e outros autores consideram que será uma
situação da vida ou de facto;
• Ora, uma situação de facto pode desencadear muitas questões jurídicas e muitas relações
jurídicas diferentes;
o Ex. Acidente de automóvel:
§ Problemática sucessória;
§ Problemática de responsabilidade civil extra-contratual;
§ Problemática das relações entre os cônjuges (ex. responsabilidade do cônjuge do
lesante pelo pagamento das dívidas originadas pela responsabilidade civil perante o
lesado);
• Para dar resposta a estas diferentes problemáticas podem ser considerados competentes
diferentes ordenamentos jurídicos, tendo por base diferentes regras de conflitos. Assim, o
conceito quadro tem por objeto uma determinada problemática individualizada, ou seja, uma
questão de direito;
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à No entanto, existem duas formas fundamentais de conceber a ação das regras de conflitos:
• Regras de conflitos unilaterais que delimitam a competência de um só ordenamento
jurídico;
• Regras de conflitos bilaterais que delimitam a competência de um qualquer ordenamento
jurídico, seja o do foro, seja o de uma lei estrangeira;
à Poderíamos ter ainda regras de conflitos imperfeitamente bilaterais que determinam como lei
aplicável, tanto a lei estrangeira, como a do foro, mas só se ocupam de certas situações que apresentam
contactos com a ordem jurídica de foro;
• 51/1º CC: Para que se aplique esta regra de conflitos é necessário que esteja em causa
o casamento de dois estrangeiros em Portugal;
à O Direito de Conflitos de leis portuguesas adota claramente um sistema bilateralista, na medida
em que:
• Se concebem as regras de conflitos, como normas destinadas a dirimir o concurso entre
várias leis potencialmente aplicáveis em virtude do contacto com a situação em apreço;
• Se orienta pela salvaguarda do princípio da paridade de tratamento entre a lei do foro e
as leis estrangeiras;
à No entanto, tem como exceções a existência de uma regra de conflitos imperfeitamente bilateral
– 51/1º CC – e a existência de uma regra de conflitos unilateral – 28º CC;
à Quanto à regra de conflitos unilateral do art. 28/1º CC (e art. 13º do Regulamento Roma I) a
mesma deve-se à razão fundamental da proteção de terceiros, na medida em que determina a aplicação do
direito português, de modo a evitar a anulabilidade do negócio;
• Ex. Sr. Z, natural de Singapura, tem 20 anos e celebra um contrato com o Sr. P, em Portugal, e de
nacionalidade portuguesa. O Sr. P sabia a idade do sr. Z, mas não sabia que em Singapura a
maioridade apenas se atinge aos 21 anos;
• De acordo, com o art. 28/1º CC, será aplicado o direito português, e não a lei pessoal do
incapaz;
à É claramente uma regra excecional que apenas determina a aplicação da lei portuguesa numa
situação concreta bem delimitada. Por outro lado, o próprio art. 28/3º CC vem bilateralizar a regra unilateral
do nº 1, quando a lei portuguesa consagre regras semelhantes às nacionais;
à Também o direito de conflitos da EU, é claramente bilateralista, como é notório nos regulamentos
Roma I e II;
à No entanto, atualmente assiste-se a um certo revivalismo contemporâneo do unilateralismo com
a “entrada em cena” das NAI, na medida em que estas normas atuam de modo unilateral, impondo a sua
aplicação imediata e necessária de forma autónoma e prescindindo das regras de conflitos;
à Do ponto de vista histórico, importa que nos sécs. XIX e XX houve uma grande discussão acerca
de saber se as regras de conflitos de leis deveriam ser unilaterais ou bilaterais. Enquanto que o Código Civil
francês e o Código de Seabra consagravam regras de conflitos unilaterais, o BGB introduziu as regras de
conflitos bilaterais;
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• Pode, no entanto, acontecer que por via das regras de conflitos bilaterais se reconheça
como competente um determinado ordenamento jurídico que, por via das suas próprias
regras de conflito, não se pretende aplicar àquela situação privada internacional;
• Ora, como as regras de conflito vão remeter para o direito material de outro ordenamento
jurídico (e não remetem para o direito de conflitos desse mesmo ordenamento), esta vai
sempre aplicar-se;
à Importa ainda que atualmente se assiste ao regresso do unilateralismo “selvagem”, ou seja, a um
unilateralismo que prescinde das regras de conflitos de lei, que tem vindo a desenvolver-se cada vez mais;
• Este unilateralismo decorre das normas de aplicação imediata, quer sejam as mesmas
definidas expressamente como NAI (art. 38º do DL 178/86 sobre o contrato de agência),
quer sejam as mesmas consideradas como NAI pela via interpretativa, atendendo às
finalidades ou interesses que as mesmas visam proteger;
• Note-se que as NAI, impondo que se apliquem as regras jurídicas do ordenamento do
foro, acabam por funcionar de forma unilateral, na medida em que reconhecem e
delimitam como competente aquele ordenamento jurídico do qual são parte integrante;
B. O Problema de Qualificação
à Já vimos que o elemento de conexão reconhece a competência de um ordenamento jurídico,
sendo que a interpretação do elemento de conexão (ex. nacionalidade) não levanta problemas posto que não
é uma operação particularmente complexa;
à Por outro lado, vimos que o conceito quadro tem por função delimitar ou circunscrever a
competência do ordenamento jurídico reconhecido como competente pelo elemento de conexão. Ora, como
o conceito quadro se refere a conceitos jurídicos, tal coloca problemas, quer de interpretação, quer de
aplicação do conceito quadro de uma regra de conflitos, na medida em que os conceitos jurídicos têm
significados diferentes em diferentes ordenamentos jurídicos;
• Ex. Conceito de casamento à há ordenamentos em que se admitem os “casamentos de facto”
(informais); noutros, os casamentos polígamos; noutros os casamentos entre pessoas do mesmo
sexo...
à Ora sendo as regras de conflitos bilaterais que podem, portanto, designar como competente quer
a ordem jurídica do foro, quer outra ordem jurídica; O conceito quadro para poder delimitar a competência
de qualquer lei terá que ser um conceito “aberto”, ou seja, um conceito universal;
à Assim, terá o conceito quadro que se referir, não a um determinado instituto jurídico (ex. gestão de
negócios), mas sim a uma determinada problemática (ex. problema de intervenção bem intencionada no património
alheio);
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à Por outro lado, tal teoria também implicaria que se abdicasse do princípio base, segundo o qual a
interpretação das regras de conflito do direito português deve fazer-se, de acordo com o direito português,
ao qual essas normas pertencem;
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mas sim, pela nacionalidade comum do casal ou da sua residência habitual, que
pode ser outra lei;
• Assim, desta primeira originalidade decorre que a referência feita a uma ordem jurídica
não é uma referência global, mas apenas circunscrita a determinadas normas. Aplicar-se-
ão, portanto, apenas as normas que respondam à questão identificada no CQ;
• Note-se que a resposta dada pelo ordenamento jurídico competente, tanto pode ser uma
resposta positiva, como negativa. Por exemplo, no Reino Unido é juridicamente irrelevante
a intervenção bem-intencionada no património alheio, pelo que não gera direitos para o
“gestor”, nem obrigações para o “dominus”;
à A segunda originalidade do art. 15º diz respeito à aplicação do CQ, ou seja, à qualificação;
• Se é certo que a regra de conflitos apenas remete para certas normas do ordenamento
jurídico competente, também é certo que teremos que saber como identificar as normas
que serão em concreto aplicáveis;
• O art. 15º CC refere que serão aplicáveis as normas cujo conteúdo e função, que têm na
lei competente, integram o regime do instituto visado pela regra de conflitos, ou seja,
integram a problemática identificada pelo CQ;
• A operação de qualificação será uma qualificação de normas, tendo que se verificar se a
norma do ordenamento jurídico competente se subsume ao CQ da regra de conflitos;
• A qualificação destas normas implica, desde logo, a descoberta da ratio das normas
materiais da lei competente por forma a determinar se as mesmas prosseguem interesses
e finalidades relativas à problemática individualizada pelo CQ;
• Por outro lado, a qualificação das normas deve ser feita no contexto da ordem jurídica a
que as normas pertencem, portanto o que se trata é de descobrir o conteúdo e as
finalidades que essas normas prosseguem nessa ordem jurídica, havendo paridade entre
a lei do foro e a lei estrangeira;
• Exemplo 1:
o Temos um contrato de compra e venda que é regulado pelo direito português à
874º e ss CC;
o É pacífico que o art. 892º CC que determina a nulidade do contrato de compra e
venda de bens alheios é uma norma claramente do domínio contratual, que fere
de invalidade um negócio jurídico que afeta patrimonialmente um terceiro;
o E o art. 877º CC referente à venda a filhos e netos? à É certo que este preceito
está sistematicamente integrado nas normas relativas ao contrato de compra e
venda. Mas qual o seu conteúdo e finalidade? à O art. 877º CC pretende evitar
que um contrato de compra e venda oculte uma doação, tendo por finalidade
assegurar uma igualdade do tratamento dos filhos e, portanto, tem finalidades que
se prendem com o acautelar das relações familiares. Assim, esta norma não será
aplicada no caso de uma compra e venda celebrada entre cidadãos estrangeiros,
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ainda que a compra e venda deva ser regulada pela lei portuguesa (porque
competente). O art. 877º CC apenas será aplicado, quando a lei competente seja
a portuguesa, mas para regular as relações entre pais e filhos (57º CC);
à A e B celebram um contrato em PT, em 1985, que foi expressamente sujeito pelas partes à lei
portuguesa, e pelo qual, B fica devedor de uma quantia a A.
à A e B são nacionais do Estado X e, em 1986, contraem casamento no Estado X, onde sempre
residiram, tendo sido o divórcio decretado em 2006 nesse mesmo Estado X.
à Em 2005 B vem residir para Portugal.
à A intenta em PT uma ação contra B em 2016 por forma a obter o cumprimento da obrigação de
pagamento da dívida. B alega que a dívida se encontra prescrita e A invoca a aplicação do art. 318º a) CC.
à Em Portugal e no Estado X, temos um prazo de prescrição geral de 20 anos, mas o prazo não se
conta da mesma maneira, porque em Portugal existe a causa de suspensão do prazo do art. 318º a) CC, e no
Estado X não existe essa causa de suspensão da prescrição;
1º passo:
à EC
• Lei portuguesa
o Autonomia da vontade
§ 41º CC: Lei designada pelos sujeitos;
§ 40º CC: Inclui a prescrição;
§ Convenção de Roma: 3º e 10º d);
§ [Reg. Roma I: 3º e 12º d)]
• Lei do Estado X
o Nacionalidade comum
§ 52/1º CC;
§ Exclui-se do Reg. Roma I as obrigações entre cônjuges (1º e 2º b));
à CQ
• Lei portuguesa
o Competente para regular as obrigações contratuais, incluindo a prescrição;
• Lei do Estado X
o Competente para regular as relações entre cônjuges; Os efeitos pessoais do casamento;
• Os CQs referem-se a 2 problemáticas diferentes;
à No 1º passo, temos sempre que identificar quais as regras de conflitos aplicáveis, bem como qual é o
elemento de conexão e qual é o conceito quadro e como se interpreta o mesmo (lex formalis fori – como um conceito
questão que individualiza uma problemática);
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à Sendo que do ordenamento jurídico competente só vamos aplicar as normas, cujo conteúdo e função visem
a problemática do CQ, teremos que verificar se o art. 318º a) CC visa a problemática da prescrição;
à É certo que o art. 318º a) CC está incluindo sistematicamente no domínio da prescrição e refere-se a uma
causa de suspensão da prescrição;
à O seu conteúdo determina que a “prescrição não começa, nem corre entre os cônjuges, ainda que separados
judicialmente de pessoas e bens”;
à Por que razão estabeleceu o legislador este preceito? à Se este preceito não existisse, o prazo de
prescrição começaria e correria normalmente entre os cônjuges, o que significaria que um dos cônjuges teria que
intentar uma ação contra o outro, visando o cumprimento da obrigação antes que esta prescrevesse. Se tal
acontecesse, seria um constrangimento para o cônjuge autor e também um fator de perturbação na vida do casal.
Assim, a finalidade visada pelo legislador com o art. 318º a) CC terá sido a salvaguarda da estabilidade da relação
conjugal. Deste modo, esta finalidade prende-se, não com a prescrição para a qual é competente a lei portuguesa, mas
com a relação entre os cônjuges para a qual é competente a lei do Estado X, pelo que não se poderá aplicar o art. 318º
a) CC e, consequentemente, a obrigação, de acordo com a lei do Estado X que regula a relação entre os cônjuges
estará prescrita;
à Diferente seria se estivesse em causa o prazo de prescrição (309º CC), pois o direito português é
competente para regular a prescrição;
3. Os Problemas gerados pela Qualificação no Sistema Conflitual Português
à O sistema conflitual português defende de modo rigoroso o princípio da paridade de tratamento
entre a lei do foro e a lei estrangeira a dois grandes níveis:
• Quer quanto à interpretação do conceito quadro que deve ser feita, considerando o CQ
como um “conceito questão”, ou seja, como visando determinada problemática sobre a
qual a lei competente é chamada a pronunciar-se e, tendo como finalidade, circunscrever
a competência dessa mesma lei;
• Quer quanto à aplicação do conceito quadro (15º CC), na medida em que determina que
se descubra qual o conteúdo e finalidade que as normas prosseguem no contexto da
ordem jurídica competente (quer seja, ou não, a do foro);
à Ora, esta paridade de tratamento pode gerar problemas a 3 grandes níveis:
• Conflitos positivos ou conflitos de qualificações;
• Dupla fundamentação de uma pretensão jurídica;
• Ausência de fundamentação de uma pretensão jurídica;
à ... que poderão ser resolvidos pelo recurso a dois métodos distintos:
• Hierarquização das próprias regras de conflitos;
• Adaptação das próprias regras de conflitos ou adaptação das normas materiais aplicáveis;
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pois cada ordem jurídica será apenas competente para responder a determinada problemática, para regular
determinada matéria diferente da regulada por outra ordem jurídica;
à No entanto, pode acontecer que se apliquem, por força de duas regras de conflitos diferentes,
dois ordenamentos jurídicos que aos responderem às problemáticas para as quais são competentes acabem
por responder de forma contraditória à questão para a qual o outro ordenamento jurídico é competente. Há,
neste caso, uma autonomia, ou seja, uma contradição normativa e valorativa, ou seja uma contradição lógica
entre a aplicação das duas leis diferentes;
à Exemplo:
• Temos um contrato de compra e venda celebrado em Portugal e sujeito pelas partes ao
Direito português. Assim, por força do art. 3º do Reg. Roma I, a lei portuguesa será
competente para regular o contrato, de acordo com o critério da autonomia da vontade
das partes;
• Esse contrato de compra e venda tem por objeto um quadro valioso que se encontra na
Alemanha. Ora, por força do art. 46º, a lei alemã será a lei competente para regular o
“regime da posse, propriedade e demais direitos reais”, posto que é no território alemão
que se situa o quadro (lex rei sitae);
• Aplicando, simultaneamente, estas duas leis teremos que:
o Por força do art. 408º CC e do art. 879º a) CC, a propriedade transmite-se por
mero efeito do contrato, pelo que o contrato de compra e venda produz efeitos
obrigacionais e reais;
o Já no direito alemão, competente para regular o regime da propriedade, não vigora
a regra da transmissão da propriedade por mero efeito do contrato. Há num
primeiro momento, um contrato de alienação que apenas produz efeitos
obrigacionais, assumindo as partes, as obrigações futuras de transferir a
propriedade e pagar o preço. Há depois um segundo contrato, o contrato de
disposição, que implica a transferência da propriedade, tendo efeitos reais. E, num
terceiro momento, a transferência da propriedade verifica-se com a entrega da
coisa (bens móveis) ou com a inscrição da coisa no livro de registos (bens
imóveis);
• Ora aplicando simultaneamente o direito português e o direito alemão, cada um na sua
esfera de competência (regulação do contrato e regulação da propriedade) teremos uma
contradição lógica ou normativa. Não se poderá assim imputar ao contrato de compra e
venda sujeito ao direito português o efeito real de transmissão da propriedade, pois cabe
ao direito alemão definir quando e, em que termos, se transmite a propriedade do bem e
este direito não permite a sua transferência por mero efeito do contrato;
à Note-se que para que haja um conflito positivo terá que existir uma verdadeira contradição lógica.
Assim, diferente será o caso de termos uma lei competente para apreciar a validade formal de um negócio
jurídico e outra lei competente para apreciar a validade material do mesmo negócio jurídico, sendo que cada
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um desses ordenamentos responderá, via de regra, efetivamente à sua questão sem responder
sincreticamente a outra questão fora do seu âmbito de competência;
• A lei que regula a sucessão é a lei inglesa (62º CC) e esta lei, visando evitar a “res nulius”
determina a apropriação pela coroa dos bens situados no seu território (right to escheat).
No entanto, como os bens estão situados em território português, tal pretensão jurídica
de que os bens fiquem para a coroa, carece de fundamentação;
• Por outro lado, a lei portuguesa também visa evitar a “res nulius” através do art. 2152º CC
que consagra o Estado português como herdeiro em sentido próprio. No entanto, como a
lei portuguesa não é competente para a sucessão, mas apenas para o regime de
propriedade das coisas (46º CC) existirá ausência de fundamentação para que os bens
fiquem para o Estado português;
• Assim, por força desta contradição teleológica, os bens acabariam por ficar “res nulius”, o
que não é pretendido por nenhuma das duas ordens jurídicas;
(2) Método de adaptação à das regras de conflitos + das normas materiais aplicáveis
à Uma primeira forma de resolução destes problemas será adaptar a regra de conflitos (alterá-la)
para que conduza à aplicação da lei considerada mais próxima da situação a regular; ou então criação de
uma nova regra de conflitos (ad hoc) especializada para lidar com a situação em apreço;
à Uma segunda forma será a da adaptação das normas materiais aplicáveis:
• Adaptando uma ou ambas as normas, de modo a compatibilizar a sua aplicação;
o Ex. Excluir o efeito real do contrato de compra e venda (879º a) CC);
• Criação de uma norma material ad hoc a partir das 2 soluções, como uma espécia de
solução equitativa;
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