Habitação Como Forma de Preservação
Habitação Como Forma de Preservação
Habitação Como Forma de Preservação
2006
.
UFRJ
Rio de Janeiro
Março de 2006
ii
HABITAÇÃO COMO FORMA DE PRESERVAÇÃO
O CASO DO PROGRAMA NOVAS ALTERNATIVAS
Aprovada por:
____________________________________
Presidente, Prof. Rosina Trevisan M. Ribeiro
_______________________________
Prof. Maria Ligia Fortes Sanches
_______________________________
Prof. Julio Cesar Ribeiro Sampaio
_______________________________
Prof. Claudia Carvalho Leme Nóbrega
Rio de Janeiro
Março de 2006
iii
Azeredo, Natascha Botelho.
Habitação como forma de preservação: O caso do
Programa Novas Alternativas / Natascha Botelho Azeredo. -
Rio de Janeiro: UFRJ/ FAU, 2006.
xviii, 179f.: il.; 29,7 cm.
Orientador: Rosina Trevisan M. Ribeiro
Dissertação (mestrado) – UFRJ/ PROARQ/ Programa de
Pós-graduação em Arquitetura, 2006.
Referências Bibliográficas: f. 166-174.
1. Preservação e Revitalização. 2. Patrimônio Cultural. 3.
Política Habitacional. 4. Habitação – Rio de Janeiro. 5.
Renovação Urbana. 6. Arquitetura e Habitação. I. Ribeiro,
Rosina Trevisan M. II. Universidade Federal do Rio de
Janeiro, Faculdade de Arquitetura e Urbanismo, Programa
de Pós-graduação em Arquitetura. III. Título.
iv
Aos meus pais Celma e Jayme (in memorian),
pelo que sou.
v
RESUMO
Rio de Janeiro
Março de 2006
vi
ABSTRACT
This work aims to study new ways for the Novas Alternativas Program related to
the revitalization of listed buildings. The Program was analyzed with sights to the
executed projects in two types of constructions, existing or with some remainder, to
verify how the standards of intervention are established in these constructions. In order
to compose a map of these actions in urban centers and its built cultural patrimony
examples of urban revitalization in Brazil an the world had been studied. The joined
result indicates the necessity of offering new standards of intervention, as well as new
credit facilities with distinct purposes, to improve the insertion of housing in these
properties.
Rio de Janeiro
Março de 2006
vii
SUMÁRIO
ÍNDICE DE FIGURAS ix
INTRODUÇÃO 01
2.1 – No mundo 19
2.1.1. Bologna – Itália 19
2.1.2. Bairro Alto – Portugal 29
2.1.3. Living Over The Shops – Reino Unido 39
2.1.4. Considerações 46
2.2 – No Brasil 48
2.2.1. São Luis – Maranhão 48
2.2.2. Bairro do Recife – Pernambuco 56
2.2.3. Pelourinho – Bahia 63
2.2.4. Considerações 69
ANEXO 1 175
viii
ÍNDICE DE FIGURAS
ix
Figura 26 “The Quayside - Museum in Docklands, London” 41
Figuras 27 a 39 38 South Street, 80 East Street – Superdrug e West Street
- the former Dolphin & Anchor Hotel, respectivamente 44
Figuras 30 a 32 32 North Street - Laura Ashley, 13 North Street e 61 East
Street - Radio Rentals, respectivamente 44
Figuras 33 a 35 55 South Street - Iceland Foods, 30 South Street –
Oddbins, Dixons, respectivamente 44
Figura 36 “Conjunto edificado na Rua Portugal (Praia Grande),
composto de edifícios de uso misto (comercial e
habitacional) que receberam o acréscimo da azulejaria
portuguesa” 48
Figura 37 Cidade de São Luís do Maranhão. Planta anterior a 1647 49
Figura 38 Centro histórico de São Luís – Maranhão 50
Figura 39 “Vista aérea do Bairro da Praia Grande, principal pólo de
intervenções do Centro Histórico de São Luís” 51
Figura 40 Sobrado à rua do Giz, 117 – Fachada 52
Figura 41 Sobrado à rua do Giz, 117 – Planta baixa do térreo 53
Figura 42 Sobrado à rua do Giz, 117 – Planta baixa do primeiro
pavimento 53
Figura 43 Sobrado à rua do Giz, 117 – Planta baixa do segundo
pavimento 53
Figuras 44 e 45 Praia Grande: Postes de ferro com fios subterrâneos
foram colocados como parte do projeto de restauração 54
Figura 46 A cidade de Recife, em 1647 56
Figura 47 Localização do Bairro do Recife 57
Figura 48 Favela do Rato – Bairro do Recife 57
Figura 49 Setores de intervenção 59
Figura 50 Projetos estruturadores 60
Figura 51 Pólo Bom Jesus 61
Figura 52 “Salvador da Bahia, em 1624. Planta de origem
holandesa” 63
Figuras 53 a 56 Pelourinho 64
Figura 57 Imóvel passível de restauração para fins habitacionais 67
Figura 58 Outro exemplo de imóvel passível de restauração para
fins habitacionais 68
Figura 59 “Embarque da Família Real Portuguesa para o Brasil, em
29 de novembro de 1807. D.João e a família real e mais 72
x
de 15.000 pessoas embarcavam em Portugal com destino
ao Brasil fugindo do avanço das tropas de Napoleão
Bonaparte”
Figura 60 “As freguesias centrais foram as primeiras a se beneficiar
das benesses urbanísticas” 73
Figura 61 “Na estalagem, o pátio era um lugar de trabalho, além de
espaço de circulação, encontro e lazer” 74
Figura 62 “Casa de cômodos, rua da Conceição” 75
Figura 63 “Desinfectador equipado para desinfecção de casas em
1894. Foram eles, juntamente com os inspetores e os
policiais sanitários, os primeiros profissionais a entrarem
na casa operária” 76
Figura 64 “A destruição do ‘Cabeça de Porco’ pelo Prefeito Barata
Ribeiro foi assim saudada pela Revista Illustrada” 77
Figura 65 “Capital Art-Nouveau” 78
Figura 66 “Avenida na rua Camerino. As estalagens foram
higienizadas e modernizadas” 80
Figura 67 “Projecto de abertura da Avenida Salvador de Sá” 81
Figura 68 “Projecto de alargamento e prolongamento da Rua Mal.
Floriano Peixoto” 81
Figura 69 1º Prêmio, do Sr. Engenheiro Dr. Rebecchi, no concurso
de fachadas da Avenida Central 82
Figura 70 Abertura da Avenida Central 83
Figura 71 Avenida Central 84
Figura 72 Inauguração da Avenida Central 85
Figura 73 Falta de habitação devido às demolições 86
Figura 74 APAC SAGAS 89
Figura 75 O Corredor Cultural 90
Figura 76 “Planta de uma vila projetada pelo engenheiro Regino
Aragão, em 1911, exemplar da atitude adotada pela
produção rentista. Notar a preocupação em ordenar e
racionalizar a construção, objetivando reduzir o custo,
como se pode notar nas observações acima” 93
Figura 77 “Estudos para ‘habitação mínima’” 94
Figura 78 As tipologias habitacionais do Instituto de Aposentadoria e
Pensão dos Industriários - IAPI 95
Figura 79 “Conjunto Residencial Pedregulho” 96
xi
Figura 80 “A crise da habitação I” 98
Figura 81 “A crise da habitação II” 99
Figura 82 “Crise cria sonho da casa própria” 100
Figuras 83 e 84 Cachoeira Grande – Lins de Vasconcelos – Antes e
depois da intervenção do Favela Bairro 104
Figuras 85 e 86 Programa Morar Legal em Cracituba – Anchieta, antes e
depois 106
Figuras 87 e 88 Programa Morar sem Risco – Condomínio Jardim Anil, em
Jacarepaguá, onde foram reassentadas 206 famílias que
moravam na beira do Canal do Anil 107
Figuras 89 e 90 Morar Carioca – PAR Florença e PAR Santa Emiliana –
Bangu 107
Figura 91 Residencial Santana – Programa Morando no Centro 108
Figura 92 APAC’s SAGAS e Santa Teresa 111
Figura 93 Cortiço na rua Sacadura Cabral, 295 – Fachada antes da
restauração 115
Figura 94 Cortiço na rua Sacadura Cabral, 295 – Fachada depois da
restauração 115
Figura 95 Cortiço na rua Sacadura Cabral, 295 – Planta de
localização 116
Figura 96 Cortiço na rua Sacadura Cabral, 295 – Planta baixa do
térreo 116
Figura 97 Cortiço na rua Sacadura Cabral, 295 – Planta baixa do
primeiro pavimento 116
Figura 98 Cortiço na rua Sacadura Cabral, 295 – Cobertura 116
Figura 99 Cortiço na rua Sacadura Cabral, 295 – Corte transversal 117
Figura 100 Cortiço na Travessa do Mosqueira, 20 – Fachada 117
Figura 101 Cortiço na Travessa do Mosqueira, 20 – Pátio interno 117
Figura 102 Cortiço na Travessa do Mosqueira, 20 – Localização 118
Figura 103 Cortiço na Travessa do Mosqueira, 20 – Planta baixa do
subsolo 118
Figura 104 Cortiço na Travessa do Mosqueira, 20 – Planta baixa do
térreo 118
Figura 105 Cortiço na Travessa do Mosqueira, 20 – Planta baixa do
jirau 119
Figura 106 Cortiço na Travessa do Mosqueira, 20 – Corte longitudinal 119
xii
Figura 107 Imóvel situado à rua Visconde de Maranguape, 9 –
Localização 120
Figura 108 Imóvel situado à rua Visconde de Maranguape, 9 –
Fachada 121
Figura 109 Imóvel situado à rua Visconde de Maranguape, 9 – Planta
baixa 121
Figura 110 Exemplo de um cômodo do imóvel à rua Visconde de
Maranguape, 9 – Pavimento térreo 122
Figura 111 Exemplo de um cômodo do imóvel à rua Visconde de
Maranguape, 9 - Mezanino 122
Figura 112 Rua Senador Pompeu 123
Figura 113 Rua Senador Pompeu, 34 – Localização 123
Figura 114 O “Cabeça de Porco” e a rua Senador Pompeu 124
Figura 115 Planta baixa do primeiro pavimento, depois da
intervenção. Apartamentos com instalações individuais 125
Figura 116 Comparação entre trecho da edificação conforme
encontrado e o esquema proposto para individualização e
melhor aeração das unidades 126
Figura 117 Barroteamento de madeira – Piso do corredor do segundo
pavimento 126
Figura 118 Barroteamento de madeira – Piso do segundo pavimento 127
Figura 119 “Escoramento executado por moradores para a
sustentação da circulação externa do pavimento superior” 127
Figura 120 Infiltrações no forro da circulação externa 128
Figura 121 Sistema estrutural adotado 129
Figura 122 Estado de conservação do piso da circulação 130
Figura 123 Estado de conservação do forro da circulação 130
Figura 124 Circulação do segundo pavimento – antes da intervenção 131
Figura 125 Circulação do segundo pavimento – depois da intervenção 131
Figura 126 Piso dos cômodos – antes da intervenção 131
Figura 127 Piso dos cômodos – após a intervenção, o morador
aplicou um piso cerâmico, recobrindo o cimentado 132
Figura 128 Fachada Senador Pompeu, antes da intervenção 132
Figura 129 Fachada Senador Pompeu, depois da intervenção 133
Figura 130 Fachadas internas, antes da intervenção 133
Figura 131 Fachadas internas, depois da intervenção 133
Figura 132 Modificações mais encontradas nas esquadrias mais 134
xiii
antigas; A – original; B – modificação 1 e C – modificação
2
Figura 133 Planta baixa do primeiro pavimento, antes da intervenção.
Em destaque os dois acréscimos 135
Figura 134 Planta baixa do primeiro pavimento, depois da
intervenção. Observa-se a demolição dos dois acréscimos 135
Figura 135 Corte longitudinal – antes da intervenção. Em destaque a
escada existente 136
Figura 136 Corte longitudinal – depois da intervenção. Observa-se a
alteração na escada 136
Figura 137 Escada antes da alteração 136
Figura 138 Escada depois da alteração 137
Figura 139 Cobertura antes da restauração. Observar que único pátio
existente é o central 137
Figura 140 Planta baixa do segundo pavimento, antes da intervenção.
Em destaque a escada e os cômodos existentes na parte
posterior da edificação 138
Figura 141 Planta baixa do segundo pavimento, depois da
intervenção. Observa-se as alterações na planta, tanto em
relação à escada quanto à criação de dois pátios na parte
posterior da edificação 138
Figura 142 Levantamento da fachada posterior à rua Senador
Pompeu, antes da intervenção. Observa-se as calhas
existentes, a escada e os dois acréscimos demolidos 139
Figura 143 “Projeto para construção do edifício do Real Centro da
Colônia Portugueza. Praça Tiradentes nº 71” 142
Figura 144 Praça Tiradentes, 71 – Fachada remanescente da
edificação e projeto para nova fachada 143
Figura 145 Projeto para reconstrução do prédio da rua do Livramento,
145 144
Figura 146 Rua do Livramento, 147 144
Figura 147 Rua do Livramento 145
Figura 148 Rua do Livramento, 145/147 – Localização 145
Figura 149 Rua Francisco Muratori 146
Figura 150 Rua Francisco Muratori, 38 – Localização 146
Figura 151 Entorno imediato às edificações da rua do Livramento –
Destaque para o número 145 146
xiv
Figura 152 Entorno imediato às edificações da rua do Livramento –
Destaque para o número 147 147
Figura 153 Perspectiva de uma sugestão para obra de modificação
com acréscimo de pavimento mantendo o uso das janelas 147
Figura 154 Corte de uma sugestão para obra de modificação com
acréscimo de pavimento mantendo o uso das janelas 148
Figura 155 Implantação dos projetos para a rua do Livramento, 145 e
147 148
Figura 156 Fachada da rua do Livramento 145 – antes da
restauração 149
Figura 157 Fachada da rua do Livramento 145 – depois da
restauração 150
Figura 158 Elemento recuperado da fachada – Ornato da platibanda 150
Figura 159 Elemento recuperados da fachada – Gradil 151
Figura 160 Elemento recuperado da fachada – Ornato 151
Figura 161 Rua do Livramento, 145 – Planta baixa do térreo 151
Figura 162 Rua do Livramento, 145 – Planta baixa do segundo
pavimento 151
Figura 163 Rua do Livramento, 145 – Planta de cobertura 152
Figura 164 Rua do Livramento, 145 – Corte longitudinall 152
Figura 165 Fachada da rua do Livramento 147 – antes da
restauração 153
Figura 166 Fachada da rua do Livramento 147 – depois da
restauração 153
Figura 167 Elemento recuperado da fachada – Esquadrias 154
Figura 168 Elementos recuperados da fachada – Ornatos 154
Figura 169 Rua do Livramento 147 – Planta baixa do primeiro
pavimento 154
Figura 170 Rua do Livramento 147 – Planta baixa do segundo
pavimento 155
Figura 171 Rua do Livramento 147 – Planta de cobertura 155
Figura 172 Rua do Livramento, 147 – Corte longitudinal 155
Figura 173 Fachada principal da edificação à rua Francisco Muratori,
38 – antes da restauração 156
Figura 174 Fachada lateral da edificação à rua Francisco Muratori, 38
– antes da restauração 156
Figura 175 Fachada da edificação à rua Francisco Muratori, 38 – 157
xv
após a restauração
Figura 176 Corte longitudinal da edificação à rua Francisco Muratori,
38. Observar a subdivisão do pé-direito em três
pavimentos 157
Figura 177 Fachada lateral esquerda – desenho 158
Figura 178 Fachada lateral esquerda 158
Figura 179 Fachadas lateral direita 158
Figura 180 Corte transversal da edificação à rua Francisco Muratori,
38. Observar que a edificação encosta-se aos muros
divisórios do terreno 159
Figura 181 Rua Francisco Muratori, 38 – Planta baixa primeiro
pavimento 159
Figura 182 Rua Francisco Muratori, 38 – Planta baixa mezanino 160
Figura 183 Rua Francisco Muratori, 38 – Planta baixa segundo
pavimento 160
Figura 184 Rua Francisco Muratori, 38 – Planta baixa terceiro
pavimento 161
Figura 185 Sala do apartamento 204 161
Figura 186 Cozinha do apartamento 204 162
Figura 187 Primeiro pavimento do apartamento 102 162
Figura 188 Mezanino do apartamento 102 162
Figuras 189 e 190 Muro divisório interditado 163
xvi
ÍNDICE DE QUADROS
xvii
ÍNDICE DE SIGLAS
xviii
INTRODUÇÃO
2
No quarto capítulo, faremos uma exposição do Programa Novas Alternativas, através
da apresentação de quatro estudos de caso, sua influência na renovação urbana no
centro histórico do Rio de Janeiro e sua efetiva contribuição para a preservação dos
imóveis beneficiados e para a provisão de habitações de caráter popular. Aqui,
apresentaremos, de forma sucinta, as áreas de atuação do Novas Alternativas, e nos
aprofundaremos na questão do programa/uso e na forma de intervenção nestes
imóveis. Veremos ainda, através de entrevistas com moradores, como estas ações
são recebidas pelos usuários e se os objetivos propostos foram alcançados.
Pretende-se com este trabalho verificar como o Programa Novas Alternativas pode
contribuir efetivamente para a renovação urbana do centro histórico do Rio de Janeiro,
sempre respeitando a questão da preservação.
3
1. HABITAÇÃO COMO FORMA DE PRESERVAÇÃO
1
Heliana Comin Vargas é Doutora em Arquitetura e Urbanismo e professora titular do
Departamento de Projeto da FAU-USP (VARGAS et al. 2005).
2
Ana Luisa Howard de Castilho é Mestre em Arquitetura e Urbanismo pela FAU-USP
(VARGAS et al. 2005).
3. Reinvenção Urbana – 1980 a 2000, aqui um dos objetivos mais relevantes foi a
criação ou recuperação da base econômica das cidades, para a geração de
emprego e renda. Com relação às estratégias de intervenção nas áreas
centrais, não houve muitas inovações. “Enquanto nas áreas centrais a questão
da preservação histórica se mantém; nas demais, a busca pelo novo, pelo
inusitado, passa a ser o campo fértil para as experiências arquitetônicas,
restringindo-se ao antigo centro a história da cidade” VARGAS et al. (2005, p.
33 e 34);
Após a Segunda Guerra Mundial (1939-1945) até o final dos anos 60, a Europa
passou por reconstruções e expansões de suas cidades. Passado este período, com o
aumento populacional, a ampliação das preocupações ambientais, a mudança nos
modelos produtivos e as crises econômicas e culturais, surgiram outras formas de
intervir na cidade. E, para fundamentar esta nova política de requalificação da cidade
apareceram alguns instrumentos normativos, como a Lei Malraux de 04 de agosto de
1962, implementada pelo ministro da cultura francês André Malraux que:
5
E, a partir daí, começaram as discussões a respeito do espaço urbano enquanto
patrimônio, por exemplo, a Recomendação de Paris 3 , de dezembro de 1962, na qual,
entre as medidas de salvaguarda, recomenda-se que “o planejamento urbano ou o
planejamento físico-territorial das áreas rurais deveriam conter disposições relativas às
restrições a serem impostas para a salvaguarda das paisagens e dos sítios” (In:
CURY, 2000, p. 85).
Nesse sentido, o sítio ganha valor, a ponto de ser considerado patrimônio monumental
independente da presença de algum objeto arquitetônico de valor. O sítio é o
monumento em si, ele deixa de ser paisagem emoldurante de objetos isolados e passa
a ser o objeto principal.
3
Recomendação de Paris – Relativa à salvaguarda da beleza e do caráter das paisagens e
sítios – Conferência Geral da UNESCO – 12ª sessão, Paris, 12 de dezembro de 1962 (CURY,
2000, p. 97-104).
4
Carta de Veneza – Carta internacional sobre conservação e restauração de monumentos e
sítios – II Congresso Internacional de Arquitetos e Técnicos dos Monumentos Históricos –
ICOMOS – Conselho Internacional dos Monumentos e Sítios, Veneza, maio de 1964 (CURY,
2000, p. 91-964).
5
Normas de Quito – Reunião sobre conservação e utilização de monumentos e sítios de
interesse histórico e artístico – OEA – Organização dos Estados Americanos, Quito, novembro /
dezembro de 1967 (CURY, 2000, p. 105-122).
6
As discussões também ganham vulto no Brasil onde, em 1971, temos o Compromisso
de Salvador 6 , no qual, entre outras ações, se recomenda que o Banco Nacional da
Habitação – BNH 7 em conjunto com outros órgãos financiadores da habitação
colaborem com todas as ações necessárias para a realização de obras em edifícios
tombados, vendo a moradia como uma forma de incentivo à reabilitação de imóveis e
sítios.
6
Compromisso de Salvador – II encontro de governadores para a preservação do patrimônio
histórico, artístico, arqueológico e natural do Brasil – Ministério da Educação e Cultura, IPHAN,
Salvador, outubro de 1971 (CURY, 2000, p. 143-146).
7
Desde 1986 a Caixa Econômica Federal – CEF – substituiu o BNH em suas funções de
financiamento habitacional.
8
Carta do Restauro – Ministério da Instrução Pública – Governo da Itália – Circular nº 117, de 6
de abril de 1972 (CURY, 2000, p. 147-170).
7
arquitetônico por seu valor histórico no contexto da história da arquitetura no Brasil,
enfatizando que “cada período da História da arte tem direito a ter seu próprio estilo e
deva ser apreciado, em todos os seus aspectos, em função da cultura de que se nutre
e das idéias estéticas por que se expressa” SANTOS (1972, p. 14).
9
Recomendação de Nairóbi – Recomendação relativa à salvaguarda dos conjuntos históricos e
sua função da vida contemporânea – Conferência Geral da UNESCO – 19ª sessão, Nairóbi, 26
de novembro de 1976 (CURY, 2000, p. 217-234).
10
Carta de Washington – Carta internacional para a salvaguarda das cidades históricas –
ICOMOS – Conselho Internacional de Monumentos e Sítios, Washington, 1986 (CURY, 2000,
p. 281-284).
11
Carta de Petrópolis – 1º Seminário brasileiro para a preservação de centros históricos,
Petrópolis, 1987 (CURY, 2000, p. 285-288).
8
moradia entra como função primordial do espaço edificado, em face à carência
habitacional brasileira. Sendo assim, afirma-se que se deve primar pela permanência
da população residente do sítio, assim como suas atividades tradicionais, e não pela
expulsão destes moradores.
9
radical os espaços urbanos a ponto de comprometer o registro
temporal neles materializado, pois produzem rupturas e
transformações físicas capazes de desenraizar lembranças e relações
identitárias, desarticulando práticas sociais preexistentes pela falta de
referências espaciais comuns (MORAES et al., 2002, p. 70).
Para Marcelo Brito 12 (In: INSTITUTO, 2003, p. 4), nestes sítios há que se “inovar os
processos de preservação do patrimônio cultural, aliando-os ao desenvolvimento
urbano das cidades”, e as estratégias empregadas devem articular o desenvolvimento
territorial, social, econômico e cultural. Além disso, “os instrumentos legais
estabelecidos nas políticas habitacionais em suas diversas esferas de governo,
[devem contemplar] a preservação do parque edificado existente, especialmente
aqueles localizados nas áreas centrais e de interesse cultural” (In: INSTITUTO, 2003,
p. 87, 88).
O abandono não só do meio físico e cultural, mas também do social, caracterizado por
uma população residente com carências sociais e um patrimônio cultural decadente se
evidencia, geralmente, nestes sítios. Para sanar estas carências, há que se conjugar
os dois fatores, o social e o cultural, pois como observa Ramón Gutiérrez 13 (1989, p.
141), “essa articulação entre a preservação do patrimônio e a questão da moradia é a
única alternativa para um resgate de valores coerente, que responda às coordenadas
culturais e sociais”.
12
Marcelo Brito é arquiteto, doutor em Gestão Urbana pela Universidade Politécnica da
Catalunha, Barcelona, Espanha, é Coordenador Técnico de Gestão Urbana do Departamento
de Proteção do IPHAN e Coordenador Nacional do Programa de Reabilitação Urbana de Sítios
Históricos - Urbis, no IPHAN (In: INSTITUTO, 2003, p. 5).
13
Ramón Gutiérrez é arquiteto, pesquisador de História da Arquitetura e do Urbanismo na
América Latina e ex consultor da UNESCO (GUTIÉRREZ, 1989, contra-capa).
10
Carlos Henrique Heck 14 (In: INSTITUTO, 2003, p. 98), afirma que a habitação é o foco
principal do tecido urbano, já que induz ao desenvolvimento. Assim acredita-se que o
incentivo do uso habitacional pode ser uma importante medida na tentativa de
reversão do quadro de estagnação e degradação do sítio histórico e, ao mesmo
tempo, uma maneira de amenizar a problemática da falta de habitação no país.
Dar nova vida aos centros históricos latino-americanos significa, na maior parte das
vezes, resolver primeiramente as condições de vida da população mais carente. Para
se evitar que o centro histórico se converta num gueto de miséria ou de privilégio, é
necessário considerá-lo parte integral – com características peculiares – de um
conjunto maior, e que, portanto exige tratamento global, e integrado à cidade como um
todo. Em grande parte de nosso centro histórico “a expulsão da população, a fim de
transformar áreas residenciais em zonas de uso terciário, causa a subutilização de
setores urbanos bem equipados, que ficam desertos durante várias horas”
GUTIÉRREZ (1989, p. 126), aumentando o perigo para os que lá habitam, por um lado
e diminuindo a harmonia na utilização da cidade, por outro.
Isto explicaria o intenso grau de favelização que atinge a área histórica, premente não
só da recuperação no plano físico, como no social, o que garantiria usos diversificados
para a região e evitaria a expulsão dos moradores. Desta forma, o investimento
exclusivo em políticas de desenvolvimento turístico, tem se mostrado ineficaz como no
14
O Sr. Carlos Henrique Heck esteve na Presidência do IPHAN entre 26 de fevereiro de 1999 e
01de fevereiro de 2003.
15
Evelyn Furquim Werneck Lima é arquiteta, urbanista, doutora em História Social Urbana,
coordenadora do curso de pós-graduação em Arquitetura e Urbanismo do Instituto Metodista
Bennett e membro do Conselho Municipal de Proteção do Patrimônio Cultural (LIMA et al.,
2004, p. 11).
11
caso do Pelourinho, que levou à expulsão dos habitantes daquela área, o que
analisaremos no próximo capítulo.
Gutiérrez, por sua vez, propõe uma mudança na política habitacional, com abertura de
linhas de crédito para a reforma de moradias, explicando que “essa parece ser uma
das alternativas básicas de um trabalho profissional que considere as duas
coordenadas: valorizar culturalmente o nosso espaço, solucionando as exigências do
nosso tempo” GUTIÉRREZ (1989, p. 48).
Rogério Aratanha 16 (In: INSTITUTO, 2003, p. 19) ressaltou que 48,6% dos
investimentos na provisão habitacional do Mercado Comum Europeu estão
relacionados com a recuperação e reabilitação de edifícios existentes. Em se tratando
de nossas cidades, de acordo com Aratanha (In: INSTITUTO, 2003, p. 20), “verifica-se
a possibilidade de recuperação de estoque habitacional muito subutilizado”. Além
disso, continuaria:
16
Rogério Aratanha foi o representante da CEF no Seminário Internacional sobre Reabilitação
Urbana de Sítios Históricos realizado em 2003.
12
descartar o patrimônio já construído e apostar numa única solução para a moradia: a
construção de novas unidades habitacionais.
Se Gutiérrez (1989, p. 11) afirma que as cidades latino-americanas ainda não têm
como problema habitual a renovação urbana, pois “aqui estamos mais próximos da
construção das cidades”, Lima (2004) explica que, os países do Terceiro Mundo
possuem poucas experiências bem-sucedidas em relação à reabilitação do patrimônio
edificado para fins habitacionais, quando comparadas com as dos países europeus:
13
Apesar do impulso resultante da Lei Malraux [...] que conseguiu salvar
da destruição o bairro parisiense do Marais e que deflagou uma
discussão intensa sobre o valor da preservação de tecidos históricos
com base não só no seu valor estético-monumental, mas também no
seu valor antropológico [...] a interface entre patrimônio e habitação
não progrediu muito nos países periféricos (LIMA et al., 2004, p. 11).
Quando se fala em renovação urbana, não se trata de preservar uma arquitetura para
o consumo exclusivo da elite culta, mas de resgatar os testemunhos de nossa cultura,
imprescindíveis para a conservação da história nacional, que adquirem sentido ao
articular usos atuais às demandas sociais. Gutiérrez (1989) acredita que as nações
latino-americanas, não devam investir unicamente na preservação do patrimônio para
fim turístico, mas priorizar a recuperação que vise a qualidade de vida dos moradores
e trabalhadores, usuários habituais das áreas históricas. Por esta razão, a atitude
política não deve se restringir à recuperação do monumento isolado, estendendo-se
ao conjunto urbano. Como anteriormente abordado esta foi também a atitude tomada,
em 1972, por Paulo Santos, frente ao tombamento do conjunto arquitetônico da Av.
Rio Branco. Deve-se articular a uma ação, que realce as qualidades desse patrimônio
como resposta social e, em especial, a uma política habitacional que vise o interesse
social. Além disso, a reciclagem ou mudança de usos abre um leque de
possibilidades, que permitirá minimizar a séria escassez de recursos de que
padecemos.
Gutiérrez (1989, p. 147) conclui, enfaticamente, que “sem uma política habitacional
adequada não há esperança para os centros históricos da América Latina”. Acredita,
ainda, que esta política deve contar com a participação dos habitantes, sem a qual não
será possível alcançar uma reabilitação efetiva do centro histórico. No caso específico
de países em desenvolvimento, estas ações devem dirigir-se, primeiramente, à
reabilitação do imóvel e, posteriormente à restauração de suas características mais
importantes, permitindo, assim, alterações em sua estrutura que possibilitem reduzir
os custos do processo. De modo que é mais importante a reinserção do imóvel no
contexto urbano, como bem útil à comunidade, do que restaurá-lo em todos os seus
pormenores, visto que este processo demandaria elevados recursos, que
ultrapassariam as linhas de financiamento hoje disponíveis. Estas medidas devem ser
fixadas caso a caso, analisando-se as características do imóvel, seu estado de
conservação e sua valorização no contexto em que está inserido, por exemplo. No
entanto, é importante ressaltar que reabilitar um imóvel, mantendo suas principais
características, e não restaurá-lo, de forma completa e detalhada, envolve, a princípio,
14
uma análise sob o ponto de vista econômico, o que não significa dizer que não se
possa restaurar determinado bem porque este se destina a uma camada menos
favorecida da sociedade, porém, não se pode negar que o fator econômico é
fundamental para viabilizar o projeto que atenderá a esta população.
17
Lei no 10.257, de 10 de julho de 2001. Regulamenta os arts. 182 e 183 da Constituição
Federal estabelece diretrizes gerais da política urbana e dá outras providências.
15
busque enquadrar o imóvel nas linhas de crédito existentes, [mas que estabeleça]
linhas de financiamento compatíveis e adequadas à realidade desses imóveis e de
seus usuários” (In: INSTITUTO, 2003, p. 14).
Como acredita Rogério Aratanha, para que tais ações sejam efetivas, o sistema de
financiamento necessita ser alterado. Afirma ainda que o Governo está adequando
este sistema para cada tipo de intervenção e que a Caixa Econômica Federal – CEF –
financia desde a aquisição do imóvel até sua reforma e seu arrendamento, que é um
projeto mais recente, como no caso dos imóveis beneficiados no Rio de Janeiro pela
Secretaria Municipal de Habitação, que será estudado no quarto capítulo.
Ainda em relação à adequação das linhas de crédito, Marcelo Brito explica que:
Podemos concluir, com uma afirmação de Celso Fiorillo (2005, p. 30), que é
“impossível desvincular da execução da política urbana o conceito de direito à sadia
qualidade de vida assim como do direito à satisfação dos valores da dignidade da
pessoa humana e da própria vida”, o que significa que a cidade cumpre sua função
social quando oferece aos seus cidadãos o direito de viver, ter liberdade, igualdade,
segurança, propriedade, moradia, que é imediatamente associado à idéia da casa, que
16
ligada à reabilitação de imóveis, revitaliza não só a cidade, como também as
atividades humanas.
17
2. PRÁTICAS DE PRESERVAÇÃO DE SÍTIOS HISTÓRICOS
ATRAVÉS DA HABITAÇÃO
Os casos nacionais foram escolhidos primeiramente, por terem sido cidades que, no
século XIX, foram consideradas as mais importantes do Império, juntamente com o Rio
de Janeiro, o que permitiu que estas possuíssem valioso patrimônio arquitetônico e
urbanístico. Além disso, São Luís e Recife têm características bastante semelhantes
ao caso do Rio de Janeiro, com uma população residente no sítio histórico, de
escassos recursos e a intenção de preservar a área mantendo esta população. Já o
caso de Salvador nos pareceu oportuno apresentar por representar o caso oposto a
todos estes apresentados anteriormente, justamente por expulsar grande parte da
população residente e inserir no centro histórico atividades de comércio e serviços.
2.1 – NO MUNDO
2.1.1 BOLOGNA
A cidade de Bologna está localizada na parte central da região Emilia Romagna (figura
1), e sua posição estratégica transformou a cidade em importante centro de
comunicação entre as regiões Norte e Sul da Itália. Embora as edificações de Bologna
sejam, predominantemente, do século XVIII, foi na primeira metade do século XIX que
a cidade recebeu as obras públicas de maior porte.
Figura 1 – Mapa da Itália com destaque para a região da Emilia Romagna, onde está situada a
cidade de Bologna (CONFORTI et al., 2002, contra capa e ENIT, s.d.).
19
De acordo com Adriano La Regina (1982, p. 41), desde 1849, surgiram as primeiras
preocupações no campo da restauração, quando foi determinado que se efetuassem
reparos e melhoramentos nos edifícios ocupados pela população de baixa renda, visto
que esta não possuía recursos para tal empreendimento ou mesmo para a
manutenção destes edifícios, o que veio a acarretar sua degradação. Nesta época
muitas edificações sofreram intervenções, algumas delas infelizes já que completavam
ou até mesmo inventavam elementos ausentes.
20
Em meados do século XX, outros estudos e planejamentos para Bologna foram
realizados, como em 1938, quando houve um concurso público para a elaboração de
um novo plano urbanístico para a cidade. Porém, este foi somente um dos muitos
planos, como explica Adriano La Regina:
Figura 3 – “A degradação dos quarteirões mais pobres” (LA REGINA, 1982, p. 44).
21
O plano de revitalização do centro histórico de Bologna, aprovado em 1969, foi o maior
já realizado na Itália, obtendo excelentes resultados e tratando-se de um caso
exemplar de intervenção em sítios históricos urbanos, de acordo com Adriano La
Regina (1982, p. 39). Este, conjuntamente com planos de financiamentos de casas
populares, respondeu pela revitalização do núcleo histórico da cidade. A estrutura do
plano se baseou nos seguintes pontos: elaboração do levantamento histórico-
tipológico das construções do centro histórico (figuras 4 e 5) e do traçado urbanístico
da cidade e um estudo das necessidades da cidade contemporânea. Além disso,
foram criadas as comissões urbanísticas de bairro que, permitindo a participação da
comunidade local (figura 6), juntamente com os conselhos de bairro, descentralizavam
a administração da cidade e se comprometiam com certas atividades administrativas
tais como “organização de tráfego, veto a licenças para demolir e/ou construir,
aproveitamento do território, estabelecimento de áreas para comércio e lazer e tutela
dos direitos constitucionais dos cidadãos dos bairros” LA REGINA (1982, p. 48).
22
Figura 5 – Algumas tipologias das construções encontradas no centro histórico (BANDARIN,
1979, p.180).
23
Esta estrutura de conhecimento urbanístico/arquitetônico da cidade aliada à
participação popular fez com que o plano de Bologna se tornasse um instrumento
relevante para a restauração e preservação do centro histórico, como também para a
solução dos problemas da cidade e de seus cidadãos. Este plano, implementado pelo
governo municipal da cidade, colocou o centro histórico de Bolonha como o definidor
da política urbana da cidade como um todo, “retomando o significado da área central
como elemento irradiador da ordenação urbana. Desde Bolonha, a política traçada
para os centros históricos não pôde mais ser tratada de maneira autônoma e marginal
à política territorial”, assim “o centro histórico foi também considerado um bem cultural
inalienável por outras experiências européias” BAYEUX et al. (2004).
Num primeiro momento, o plano atuou em cinco áreas, nas quais demoliu acréscimos,
que descaracterizavam os jardins e quintais das residências para depois restaurar os
edifícios, adaptando-os segundo as condições contemporâneas de moradia (figura 7).
Para operar com regularidade, o plano de Bologna classificou cada imóvel de acordo
com seis categorias:
24
Figura 7 – Esquemas de restauração para edificações do tipo C (BANDARIN, 1979 , p.182).
18
O termo gentrificação foi utilizado por James M. Fitch em seu curso de Preservação do
Patrimônio Ambiental Urbano – FAU/USP, intitulado “Preservação do Patrimônio Arquitetônico”,
e ele descreve o termo como sendo “a expulsão das populações mais pobres e sua
substituição por uma nova população de classe mais alta” (FITCH, 191, p. 51).
25
intervenções de restauração, a população residente foi alojada em abrigos temporários
e, as primeiras unidades, entregues em 1970/71.
26
Figura 9 – Modelo de apartamento duplex de 96 m² (LA REGINA, 1982, p. 43).
Apesar de ter tido custo elevadíssimo para a sua execução, este plano foi um dos
mais bem sucedidos na Itália, se comparado, por exemplo, com o de Nápoles. Por ter
sido a capital do Reino, Nápoles concentra grande quantidade de palácios da nobreza
renascentista além de palácios públicos. Estes edifícios encontram-se com alto grau
de degradação, provavelmente, por se localizarem em área de intenso tráfego devido
a total falta de planejamento urbano. Paradoxalmente, altas verbas são destinadas,
anualmente, à construção de casas populares na periferia da cidade, ao invés de
serem investidas na restauração dos palácios e na adaptação destes para residências
27
modernas. O exemplo de Nápoles foi apresentado com o objetivo de mostrar a
necessidade de “[...] desfazer-se da idéia [...] do bem cultural como passível de
receber apenas atividades ditas ‘culturais’, como se viver, existir urbanamente não
fosse por si só expressão de um determinado tipo de cultura” LA REGINA (1982, p.
50).
28
2.1.2 BAIRRO ALTO
O Bairro Alto surgido no início do século XVI é um dos mais populares e tradicionais
bairros de Lisboa, com valioso patrimônio arquitetônico e urbano (figura 10). Abrange
uma área de unidade arquitetônica e urbanística coesa e manteve, em grande parte, a
morfologia original anterior ao Terremoto de 1755 e à Reforma de Pombal, o que
justifica a preservação do Bairro.
29
O padre Baltazar Teles, no início do séc. XVII, dizia o Bairro Alto ser
‘(...) senão o mais frequentado, ao menos o mais gabado; as casarias
mui nobres, a obra de arquitectura romana, e de traça moderna: o sítio
o mais alto da cidade mais descoberto a Norte, mais lavado dos
ventos, e mais purificado dos ares: e como as chuvas têm tanta
corrente para o mar fica tudo mui limpo, e sadio e fora dos incómodos,
que nas mais partes da cidade se padecem: as ruas são mui largas, e
mui bem lançadas’ (CABRITA, 1993, p. 34).
30
adaptadas às actuais formas de habitar, satisfazendo exigências de
segurança e higiene e de qualidade de vida que hoje todos
consideramos como absolutamente básicas.
31
preservação da polifuncionalidade; e a melhoria das condições sociais e econômicas,
demonstrando que o poder público está ciente de que reabilitar imóveis não significa
recuperar fachadas, mas “todo um tecido social da cidade, com base em estudos de
antropologia urbana” LIMA (2004, p. 15).
Para a elaboração dos projetos de intervenção nos imóveis, foi feito um levantamento
tipológico das edificações (figura 11) para que se encontrasse a “vocação tipológica do
edifício”, assim os projetos seriam explicitamente referenciados nas características
arquitetônicas pré-existentes, o que permitiria desenvolver as qualidades e aptidões
presentes na edificação. Foram encontrados quatro grandes grupos tipológicos,
classificados de acordo com a época de sua construção. O primeiro datado da
fundação do Bairro, abrangendo o final do século XV e indo até os primórdios do
século XVIII; o seguinte perfazendo o período Pombalino – meados do século XVIII até
o terceiro quartel do século XIX; o terceiro que vai da segunda metade do século XIX
até meados do XX, foi caracterizado por construções com alterações de referências
técnicas e construtivas Pombalinas e pela mistura entre antigas e novas técnicas
construtivas, conhecidos como Gaioleiros; e finalmente o último tipo que vai da
segunda metade do século XX até os dias atuais, período onde se consolida o
“modernismo” (não demonstrados abaixo).
32
Depois de feito o reconhecimento físico do Bairro, foram determinados os níveis de
degradação de cada edificação e os graus de reabilitação que estas deveriam se
encaixar. Neste ponto, recomendava-se que o quarteirão fosse considerado como
escala mínima de atuação e que o imóvel fosse a unidade mínima.
O segundo grau é chamado de Reabilitação Média, no qual serão feitos, além dos já
descritos, recuperação ou substituição dos elementos em madeira, sejam eles
esquadrias, escadas, pisos ou tetos, reparo ou reforço de elementos estruturais,
algumas alterações na organização dos espaços e recuperação generalizada de
revestimentos internos e externos e cobertura (figuras 14, 15 e 16).
33
Figuras 14 e 15 – Exemplo de Reabilitação Média - antes e depois (CABRITA, 1993, p. 194).
Figura 16 – Exemplo de Reabilitação Média – Planta baixa (CABRITA, 1993, p. 194, adaptado
pela autora).
34
Já para o terceiro, conhecido como Reabilitação Profunda (figuras 17, 18 e 19), serão
feitas, além das intervenções citadas nos primeiro e segundo graus de reabilitação,
profundas alterações na distribuição e organização interna da edificação. Aqui se pode
aumentar ou diminuir o número de habitações através de alterações tipológicas; em
alguns casos são introduzidos equipamentos sanitários e de cozinha. E o quarto grau,
chamado de Reabilitação Especial, onde o tipo de intervenção ultrapassará os citados
acima, elevando-se muito o custo da obra. Este grau poderá chegar à total
reconstrução da edificação (figuras 20, 21 e 22).
35
Figura 19 – Exemplo de Reabilitação Profunda – Planta baixa (CABRITA, 1993, p. 198).
36
Figura 21 – Exemplo de Reabilitação Especial – reconstrução – planta baixa (CABRITA, 1993,
p. 202).
37
Arrendados – RECRIA, destinado às reformas de unidades residenciais ocupadas por
proprietários e locatários, utilizando recursos a fundo perdidos que podem chegar a
65% do valor das obras. Além deste, existe o Programa de Recuperação de Imóveis
Degradados – PRID, que tem por objetivo apoiar o desenvolvimento de obras de
preservação, recuperação e beneficiação do patrimônio habitacional público e privado,
concedendo empréstimos, e outros como o PRAUD – Programa de Recuperação de
Áreas Urbanas e Degradadas e os financiamentos externos provenientes da União
Européia e UNESCO.
38
2.1.3 O PROJETO LIVING OVER THE SHOPS – LOTS
Em 1978, foi aprovado o Urban Regeneration Act, que previu estratégias para
regeneração física, econômica e social em áreas degradadas. Porém, esta ação
efetiva só foi implementada na década seguinte, quando se atuou em duas frentes: a
primeira, na qual as construções novas prevaleciam, criou, principalmente, centros de
convenções, como o Birminghan International Convention Centre em Birminghan
(figura 23) e shoppings, como o St. Enoch em Glasgow (figura 24) (SAMPAIO, 2002,
p. 48 e 49). A outra forma de agir incluiu projetos de revitalização em edifícios
desocupados ou subutilizados no Reino Unido, concentrados nos centros das cidades,
nas áreas industriais e nas zonas portuárias. Estes eram fábricas (Little Germany,
Bradford) (figura 25), complexos industriais (Lace Market, Nottingham), armazéns
(Zona Portuária de Londres) (figura 26) e abrigos (Merchant City, Glasgow), que foram
convertidos em prédios de apartamentos, escritórios e complexos culturais (SAMPAIO,
2002, p. 49).
39
Figura 23 - Birminghan International Convention Centre (BIRMINGHAN, 2005)
40
Figura 25 - Imagem típica de Little Germany – Peckover Street (CITY, 2005, p. 5).
41
Estes projetos foram considerados pilotos com o intuito de fomentar a revitalização
econômica e social destas áreas, pois tinham o perfil inovador do ponto de vista
arquitetônico e urbano. Porém, causaram certa polêmica, pois: repetiam o desenho
arquitetônico e urbano para cidades diferentes; faltava integração do projeto com a
vizinhança imediata e com o resto da cidade; geravam custos muito altos para a
implementação e manutenção; excluíam a população local; os lucros ficavam restritos
aos investidores; e não garantiam a sobrevivência do comércio de rua nas áreas
circunvizinhas (SAMPAIO, 2002, p. 50).
De acordo com Bianchini (apud SAMPAIO, 2002, p. 50) além destes fatores, esses
projetos absorvem recursos que poderiam ser utilizados em melhorias nos serviços
públicos e infra-estrutura. A falta de uma justificativa social para estes projetos
também fora apontada por Ian Colquhoun:
19
Texto original: “It is regrettable that there is very little social housing. This reflects the market
approach to urban regeneration in Britain. Funding from public sources is largely only available
to support private sector development and a small amount by housing association. Few of the
projects have had any objectives that involve a local community. Few to date had had a
significant impact on the problems of poverty and unemployment in the wider area in which they
are located” (COLQUHOUN apud SAMPAIO, 2002, p. 50) trad. a autora.
42
apontado pela primeira vez em 1968 no relatório do DoE sobre as Cidades Históricas
de Bath, Chester, Chichester e York. Criado em 1989 com fundos do Governo
Britânico em parceria com a Universidade de York de 1992 até 2000, quando deixou
de receber subsídios do Governo, sobrevivendo através de prestações de serviços e
de consultorias para autoridades locais e Housing Associations (Associações
Habitacionais). Incluem-se ainda no Programa projetos pontuais que tentam estimular
e incentivar a revitalização das áreas centrais subutilizadas.
De acordo com análise realizada pelo LOTS, os tipos de edificações ideais para seus
empreendimentos são:
43
Figura 27 – 38 South Street Figura 28 – 80 East Street – Figura 29 – West Street - Dolphin
(PETHERICK, 2001, p. 30). Superdrug (Ibidem, p. 30). & Anchor Hotel (Ibidem, p. 31).
Figura 30 – 32 North Street - Laura Figura 31 –13 North Figura 32 – 61 East Street -
Ashley (Ibidem, p. 31) Street (Ibidem, p. 31) Radio Rentals (Ibidem, p. 31)
Figura 33– 55 South Street - Figura 34 – 30 South Street Figura 35 – Dixons (Ibidem, p. 34).
Iceland Foods (Ibidem, p. 33). – Oddbins (Ibidem, p. 33).
44
As principais dificuldades para o desenvolvimento do LOTS, apontadas por Richard
Evans são:
20
Texto original: “Physical constraint including problems of inadequate access, lack of separate
entrances from shops, the cost of bringing premises up to required safety standards and the
physical condition and suitability of the property for habitation can make refurbishment costs
excessively high” (EVANS apud SAMPAIO, 2002, p. 55) trad. a autora.
45
2.1.4 CONSIDERAÇÕES
Outro ponto de confluência entre estes três exemplos foi a grande pesquisa histórico-
tipológica realizada para a compreensão da cidade. Em Bologna, esta conjunção fez
com que o plano de revitalização se tornasse imprescindível não só para a
restauração do sítio histórico em si, mas também para a resolução dos problemas da
cidade como um todo. No Bairro Alto estes estudos geraram um grande manual sobre
o bairro, o que facilitou a determinação das intervenções em cada edifício, não só no
quesito adaptação ao uso contemporâneo da casa, como também na recuperação de
elementos como gradis, portais, cantaria, telhados entre outros. Já no LOTS, esta
percepção da subutilização dos andares superiores das lojas nos centros urbanos,
permitiu elaborar um padrão na idéia da intervenção, que pode ser aplicado em
diversos bairros com esta característica específica. Talvez este seja o grande impacto
deste projeto, a amplitude de atuação que ele pode ter.
No caso do Bairro Alto, o reconhecimento dos níveis de degradação dos imóveis com
a determinação dos graus de reabilitação para cada um deles, pode ter sido o fator de
maior importância neste projeto que, aliado aos vários programas de financiamento
que foram criados para realização deste, como o RECRIA – Regime Especial de
Comparticipação na Recuperação dos Imóveis Arrendados e o PRID – Programa de
Recuperação de Imóveis Degradados, além dos financiamentos da União Européia e
UNESCO, permitiu a recuperação dos imóveis e a permanência dos moradores.
46
O LOTS, com o princípio de inserção de moradia nos pavimentos superiores dos
imóveis comerciais revitaliza estes imóveis a partir do momento que permite uma
melhor utilização destes espaços, que se encontram subutilizados – como depósitos
das lojas – ou até mesmo vazios.
47
2.2 – NO BRASIL
Fundada em 1612, a cidade de São Luis foi inicialmente ocupada por holandeses e
franceses e, somente em 1642, os portugueses tomaram posse das terras e
começaram o processo de colonização marcado por uma arquitetura local –
extremamente lusitana – com a presença maciça de azulejaria nas fachadas das
edificações (figura 36). Em sua origem, recebeu um projeto de desenvolvimento
urbano de Francisco Frias de Mesquita – engenheiro-mor do Brasil –, com traçado
ortogonal (figura 37) e que direcionou a implantação da cidade, inclusive em bairros
que só se consolidariam no final do século XIX. Foi ainda neste século, devido à
exportação de arroz, algodão e matérias-primas regionais, que São Luís se destacaria
como uma das mais importantes cidades do Império, ficando atrás apenas do Rio de
Janeiro, Salvador e Recife.
Figura 36 – “Conjunto edificado na Rua Portugal (Praia Grande), composto de edifícios de uso
misto (comercial e habitacional) que receberam o acréscimo da azulejaria portuguesa”
VARGAS et al (2005, p. 163).
Figura 37 – Cidade de São Luís do Maranhão. Planta anterior a 1647 (SANTOS, 2001, p. 165).
49
Figura 38 – Centro histórico de São Luís – Maranhão (GUIA, s.d.).
Para a melhor organização dos trabalhos, este projeto foi subdividido em dez
subprogramas, que se fundem e se completam para formarem o Projeto de
Revitalização do Centro Histórico de São Luís (figura 39). Por serem complementares
ao projeto, todos os subprogramas são de grande importância, porém, como o nosso
50
principal interesse nesta pesquisa é o fator habitacional, apenas listaremos estes itens,
com o caráter meramente ilustrativo, são eles: Pesquisa e Documentação, Obras da
Praça do Comércio, Restauração do Patrimônio Artístico e Arquitetônico (aqui se fala
de arquitetura monumental), Recuperação da Arquitetura Industrial do Centro
Histórico, recuperação da Infra-Estrutura e Serviços Públicos, recuperação do
Patrimônio Ambiental Urbano, Editorial e de Divulgação, Incremento das Atividades de
Turismo Cultural, Revitalização das Atividades Portuárias e Promoção Social e
Habitação no Centro Histórico de São Luís, executadas em seis etapas, até o ano de
2002.
Figura 39 – “Vista aérea do Bairro da Praia Grande, principal pólo de intervenções do Centro
Histórico de São Luís” (VARGAS et al, 2005, p. 171).
Este último trata da questão da moradia que se constitui um dos maiores problemas
de São Luís, porém, de acordo com Luiz Andrés:
51
grandes sobrados coloniais ocupados em regime multifamiliar sob
péssimas condições de habitabilidade por não apresentar os mínimos
requisitos quanto à segurança, higiene e espaço vital (ANDRÉS, 1995,
p. 32).
1. Aproveitamento estrutural;
Figura 40 – Sobrado à rua do Giz, 117 – Fachada (LIMA et al, 2004, p. 131).
52
Figura 41 – Sobrado à rua do Giz, 117 – Planta baixa do térreo (LIMA et al, 2004, p. 129,
adaptado pela autora).
Figura 42 – Sobrado à rua do Giz, 117 – Planta baixa do primeiro pavimento (LIMA et al, 2004,
p. 129, adaptado pela autora).
Figura 43 – Sobrado à rua do Giz, 117 – Planta baixa do segundo pavimentos (LIMA et al,
2004, p. 130, adaptado pela autora).
53
Deve-se reconhecer a tentativa do Governo do Estado na tentativa de implantar um
projeto habitacional no Centro Histórico, porém a população que mais necessita
destas ações ainda não fora atendida, visto que este sobrado é destinado à moradia
de famílias de classe média. Acreditamos que os programas de habitação devem
atingir a todas as esferas sociais, porém, como o Centro Histórico e seu entorno abriga
um número considerável de famílias de baixa renda, há que se pensar na
possibilidade de recuperação de imóveis principalmente para esta faixa de renda.
Figuras 44 e 45 – Praia Grande: Postes de ferro com fios subterrâneos foram colocados como
parte do projeto de restauração (D’ANDRÉA, s.d.).
54
A quarta etapa deste projeto ocorreu entre os anos de 1990 e 1994, dando
continuidade às ações de preservação e recuperação, “realizando expressivos
investimento em obras de restauração e adaptação de imóveis de elevado valor
arquitetônico” ANDRÉS (1995, p. 35), entre eles: a restauração do Teatro Arthur
Azevedo, da Fábrica do Rio Anil e o Projeto Piloto Habitação. Este último restaurou e
adaptou um sobrado, para abrigar 10 famílias com condições de segurança e higiene,
além de criar duas lojas no pavimento térreo, mantendo a tradição de uso misto,
herdada do século XIX. De 1995 a 1999, ocorreu a quinta etapa, que abrangia a
recuperação dos bairros Portinho e Desterro e ainda a revitalização de atividades
portuárias ligadas ao transporte de passageiros, cargas e à pesca artesanal.
Apesar de considerar o problema habitacional como um dos mais graves de São Luís
e de intencionar a manutenção do uso residencial nas áreas do Centro Histórico
(ANDRÉS, 1995, p. 31) este projeto de revitalização não pode ser visto como a
solução destes problemas, “mas como uma alternativa que possa gerar premissas
para a formação de parcerias com a iniciativa privada, visando a atração de
investidores e de capitais internos e externos para outros empreendimentos similares”
BANDEIRA et al In: LIMA et al (2004, p. 131).
Também devemos lembrar que talvez a habitação não seja a vocação do Centro
Histórico de São Luís, visto que no ano de 1997, fora incluído na Lista do Patrimônio
Mundial Cultural e Natural da UNESCO, tendo sido inserida na rota Internacional do
Turismo. Talvez por isso, se tenha adotado como premissas do projeto de
revitalização “um partido arquitetônico que pudesse atender à comunidade, às
pessoas que ali trabalham e, principalmente, aos turistas propiciando um ambiente
urbano digno, atraente e gerador de benefícios sociais e econômicos” BANDEIRA et al
In: LIMA et al (2004, p. 132, grifo nosso). Ainda assim, a partir de 2002, a Prefeitura de
São Luís vem tentando atrair o uso habitacional para o centro histórico através de
convênios com a CEF e instituições internacionais, inicialmente com projeto para cinco
imóveis (SANTO In: VARGAS et al, 2005, p. 181).
55
2.2.2 O BAIRRO DO RECIFE – PE
O Bairro, que deu origem à cidade do Recife, surgiu no século XVI e, no século XVII,
tornou-se a sede do mais importante porto do continente americano, em função do
crescimento da exportação de açúcar. Juntamente com os bairros de Santo Antonil,
São José e Boa Vista, o Bairro constitui o centro histórico de Recife (figura 46).
No final dos anos 40, esta região sofreu um processo de esvaziamento econômico e
de degradação urbana, que, aliados às reformas urbanísticas no bairro vizinho de
Santo Antônio, o Bairro do Recife acabou por perder sua importância (figura 47). Estas
mudanças criaram dois grandes vetores de expansão residencial e comercial: um para
o sul e outro para o centro-oeste, que passaram a concentrar as habitações de classe
média, que por conseqüência acabou por atrair ainda mais o comércio para esta
região. Essas mudanças juntamente com o processo de diminuição das atividades
56
portuárias, transformaram o Bairro do Recife em um local abandonado e arruinado, o
que favoreceu o surgimento de favelas (figura 48), que passaram a abrigar a maior
parte da população residente no Bairro.
57
As primeiras ações para a revitalização da área surgiram ainda na década de 70,
quando a Fundação para o Desenvolvimento da Região Metropolitana do Recife –
FIDEM, elaborou “um grande inventário e um plano de integração urbana dos sítios
históricos da área metropolitana, o Plano de Preservação dos Sítios Históricos da
Região Metropolitana (PPSH)” ZANCHETI In: ZANCHETI et al (1995, p. 102). A partir
daí foi aprovada a lei nº 13.957 que delimitava duas zonas de proteção do sítio
histórico: as zonas de proteção rigorosa e a ambiental (ZPR e ZPA). A primeira
delimitava a região de maior concentração de monumentos e edificações a serem
preservados, enquanto a segunda procurava criar uma ambiência, uma espécie de
transição entre a cidade como um todo e a ZPR.
Em meados da década de 80, quando ainda não se haviam realizado grandes ações
de revitalização do Bairro, foi criado o Escritório de Revitalização do Bairro do Recife.
As estratégias adotadas para a área foram fortemente influenciadas “pelas
experiências italianas de revitalização, mais especificamente pelos trabalhos
realizados [...] [em] Bolonha” ZANCHETI In: ZANCHETI et al (1995, p. 103). As ações
do Escritório se resumiram em: cadastrar a população moradora, resgatar a memória
através de pesquisa de história oral e elaborar quatro projetos de revitalização de
antigas edificações em habitação coletiva.
A idéia do Plano foi dividir o Bairro em três setores (figura 49) de acordo com os níveis
de intervenção: o primeiro seria o setor de consolidação, área de aterros mais
recentes, onde seria mantido o uso do solo; o segundo, setor de revitalização, onde se
58
encontram os edifícios mais interessantes do ponto de vista do patrimônio cultural;
este setor passaria por um processo de melhoria das condições de uso das
edificações; e o terceiro, setor de renovação, área edificada por armazéns e galpões,
bastante significativa para o porto, onde seria permitido aumento da densidade
construída e do valor do solo.
Os usos mais estimulados pelo Plano foram: os serviços de cultura e lazer, turísticos,
comércio varejista e a habitação, pois se acreditava que o uso habitacional pudesse
garantir maior utilização dos espaços públicos, por permitir atividades por mais tempo
durante o dia, além de maior conservação da área (ZANCHETI In: ZANCHETI et al,
1995, p. 107).
Como se pode perceber, este plano trata-se de uma grande reestruturação urbana que
depende de investimentos de vários setores da sociedade, o que implica em ser
executado ao longo do tempo e não de forma imediata. Para que o Plano não se
perdesse, foram elaborados projetos estruturadores (figura 50), que visavam garantir o
sucesso do Plano, se fossem realizados. Por ser um projeto de grandes dimensões, o
sucesso deste Plano depende também da iniciativa privada e, para que haja este
incentivo, o governo adotou a estratégia de implementar dois Projetos de Impactos,
que pudessem criar um estado de confiança no Plano e incentivar outras iniciativas:
59
O Projeto de Impacto 1 cria a principal área de concentração de
atividades de lazer, diversão e cultura do Bairro [...]
60
Sílvio Zancheti (1995, p. 108) acreditava que a implantação do Projeto de
Revitalização do Bairro do Recife podia ser considerada um sucesso, face às
tentativas fracassadas de duas décadas e planejamento urbano para o Bairro. Dez
anos se passaram e, em artigo publicado em 2005, Luiz Amorim e François Dufaux
afirmavam que para o Bairro do Recife existiam duas tentativas mais significativas
para a reversão do quadro de decadência do sítio histórico: uma que tenta trazer de
volta a centralidade, ofertando atividades turísticas e de lazer, explorando o cenário
histórico remanescente, reconstituído para suprir as demandas turísticas; outra é o
incentivo à moradia nas áreas centrais. Afirmam ainda que, a primeira vertente obteve
sucesso, por exemplo, no Pólo Bom Jesus (figura 51), reconhecido pela recuperação e
pintura de fachadas, de grande atração, porém com “forte apelo cenográfico” AMORIM
et al (2005), enquanto que a segunda ainda busca meios mais adequados de atração
dos cidadãos para o centro histórico.
61
adequação ao modo de morar contemporâneo visto que refletem os padrões de
moradia do período colonial brasileiro:
Uma das primeiras tentativas de estímulo à moradia no centro ocorreu em 1997, com
um projeto de restauração de adaptação de dois imóveis, como parte do programa
Monumenta/BID. Porém, este projeto não fora executado por diversas razões, entre
elas a dificuldade de atrair investidores privados que tem em seu alvo produtos
voltados para a classe média e dentro de padrões de fácil consumo. “Investir em
habitação no Bairro do Recife seria um grande risco” AMORIM (et al, 2005) visto que
há anos o bairro vem sendo abandonado por seus moradores.
62
2.2.3 O PELOURINHO EM SALVADOR – BA
Tombada pela UNESCO como Patrimônio Mundial desde 1985, a cidade de Salvador
foi fundada em 1549 e ficava localizada a “meio caminho obrigatório das rotas entre a
Europa consumidora e o Oriente produtor” SALVADOR (s.d.) (figura 52). Outro motivo
para sua implantação neste local foi o fato de que nas margens da baía encontravam-
se as melhores terras para o apoio da produção do açúcar. Já no século XVIII tornou-
se uma grande metrópole, marcada pelos seus grandes templos e solares, mas,
apesar disso, perdeu seu posto de capital da colônia portuguesa em 1763, quando
esta foi transferida para o Rio de Janeiro.
Ainda neste século Salvador passou a ser o maior porto do Atlântico Sul e a segunda
maior cidade do Império Português. A cidade extrapolaria os limites de sua muralha
ampliando seu território com a criação de novas freguesias. Grande parte do centro
histórico de Salvador se configuraria neste século, dando à cidade ares da arquitetura
barroca, com destaque para suas igrejas, que viriam a ser os mais relevantes pontos
de referência urbanística da cidade.
63
No século XIX a Bahia, assim como outros estados, passaria a adotar o estilo
neoclássico como linguagem oficial de sua arquitetura urbana e rural, assim, tanto os
edifícios públicos e privados e até mesmo os religiosos “trataram de substituir sua
aparência barroca pela ‘elegante e internacional’ postura diante de um novo conceito
de viver urbano: [...] palco de uma burguesia ascendente e dinâmico no seu processo
transformador” ACHE (2006).
64
Já no início da década de 1930 houve uma nova reformulação social na área, que
passou a abrigar uma população de baixo poder aquisitivo, o que veio a transformar o
Pelourinho em uma área problemática da cidade, que começou a sofrer um processo
de decadência física a ponto de algumas edificações perderem todas as suas
características sendo que, algumas, inclusive, sofreram um processo de interdição
pública, tamanho eram os danos encontrados.
65
No ano de 2000, em parceria com o Programa Monumenta 21 , o Governo Estadual da
Bahia ainda continuava com o processo de remoção de famílias de baixa renda, dando
condições para que se retirassem do local, continuando assim a prática de retirada de
moradores das áreas em intervenção. De acordo com Pasqualino Magnavita,
professor da Universidade Federal da Bahia:
21
“O programa Monumenta é realizado pelo Ministério da Cultura, e pelo IPHAN, em parceria
com a UNESCO. O Programa é executado com recursos de empréstimo do Banco
Interamericano de Desenvolvimento (BID), da União, Estados e Municípios. Sua finalidade é
revitalizar, de maneira sustentada, os principais conjuntos patrimoniais urbanos do país”
(UNESCO, s.d.).
66
De acordo com Mário Gordilho In: CONDER (s.d.a), presidente da Conder 22 , esta
etapa do projeto inclui a recuperação de 130 imóveis e 7 monumentos tombados pelo
IPHAN, que receberão o uso misto, com predominância para o residencial mesclado
com o comercial, onde serão oferecidos 316 apartamentos com um e dois quartos,
para famílias de dois a seis salários mínimos e mais de 60 espaços voltados para
servir as habitações, como padaria e açougue (figuras 57 e 58).
Figura 57– Imóvel passível de recuperação para fins habitacionais (CONDER, s.d.b).
22
Companhia de Desenvolvimento Urbano do Estado da Bahia.
67
Figura 58 – Outro exemplo de imóvel passível de recuperação para fins habitacionais
(CONDER, s.d.b).
68
2.2.4 CONSIDERAÇÕES
Como vimos nos três casos nacionais apresentados, a questão habitacional não
representa o foco dos projetos de revitalização destes sítios, diferentemente dos casos
internacionais, onde o objeto principal é a habitação, que é vista não só como
fundamental para a garantia da revitalização do centro histórico, como em alguns
casos é o pólo irradiador deste processo.
Ainda em relação às moradias nos casos nacionais, vimos que, quando entram em
cena, encontram várias barreiras para sua implementação, como a dificuldade de
adaptação dos imóveis para fins habitacionais e, principalmente, na questão dos
financiamentos. Em todos os casos, quando se trata da captação de recursos para
efetivar os projetos, entra em cena o governo federal, na figura da CEF, com a
utilização, principalmente, do PAR. A respeito disso, Luiz Amorim e François Dufaux
acreditam que:
69
têm uma grande densidade de atividades comerciais nos térreos das
edificações, tendo, muitas vezes, os pavimentos superiores ociosos,
prontos para receber uma demanda de trabalhadores do comércio e de
instituições públicas (AMORIM et al, 2005, grifo nosso).
Mesmo não tendo sido priorizada a moradia nos casos nacionais apresentados, estes
projetos, de um modo geral garantiram a recuperação do patrimônio edificado, visto
que reverteram o processo de degradação dos sítios. Acreditamos que estas ações de
revitalização podem ser encaradas como os primeiros passos para uma reabilitação
completa destas áreas, caso se efetive os projetos habitacionais intencionados para as
mesmas, já que, como vimos, a habitação é o único uso que garante o funcionamento
de uma área em todas as horas do dia, o que acaba por garantir a revitalização não só
física como social destes sítios.
Pode-se concluir que, para haver uma eficaz revitalização de sítios históricos urbanos,
dever-se trabalhar com a diversidade dos usos, a fim de garantir vida a essas áreas e
que a habitação deve ser um dos principais fatores nestas intervenções. Veremos
agora, como a cidade do Rio de Janeiro trabalhou a questão habitacional e seu
patrimônio urbano e arquitetônico.
70
3. O PROBLEMA DA HABITAÇÃO NO RIO DE JANEIRO
É neste contexto que, em 1808, chegam ao Rio de Janeiro, cerca de 15 mil pessoas
acompanhando toda a corte portuguesa que fugia da ocupação napoleônica (figura
59). E é no decorrer deste século que ocorrem as modificações substanciais na
cidade, tanto em sua aparência quanto em seu conteúdo.
Como a maioria da população morava na zona rural, o solo urbano era ocupado de
forma mista: a elite e a população mais pobre viviam próximos, no mesmo espaço
urbano. Isto porque existia uma tradição decorrente do trabalho escravo, que os
trabalhadores deveriam morar senão nos locais de trabalho, ao menos perto deles.
Com a chegada da família real, este quadro de ocupação do solo urbano seria
alterado devido à necessidade não só de abrigar a nova população de imigrantes
como também as atividades administrativas, econômicas e políticas que se impunham.
72
Esta situação desencadeia forte segregação social e, ao mesmo tempo, o surgimento
de novas freguesias urbanas, sendo as da Candelária e de São José, próximas ao
Paço Imperial, as preferidas pelas classes mais abastadas e as de Santa Rita e
Santana – hoje os bairros da Saúde, Santo Cristo e Gamboa – densamente ocupadas
pela classe mais pobre da população que trabalhava no centro urbano. Não obstante a
irradiação desta população menos abastada para as imediações do centro, boa parte
dos trabalhadores ainda habitava o centro da cidade que, mesmo sendo o alvo das
modernidades urbanísticas, mantinha sua condição de residência para os mais
miseráveis (figura 60).
73
de cômodos, diferenciando-se pela forma arquitetônica e por seus conteúdos
ideológicos. No entanto, o termo mais utilizado foi, sem dúvida, o cortiço.
Figura 61 – “Na estalagem, o pátio era um lugar de trabalho, além de espaço de circulação,
encontro e lazer” (VAZ, 2002, p. 29).
74
Figura 62 – “Casa de cômodos, rua da Conceição” (VAZ, 2002, p. 108).
Era esta a forma mais comum de morar desta população trabalhadora, que, segundo
Nestor Goulart Reis, (apud CRUZ, 2000, p. 09) em 1869 se distribuía por 642 edifícios,
perfazendo uma média de 22 mil pessoas. A convivência destas moradias com as
demais edificações no centro do Rio de Janeiro era, de certa forma, pacífica, como
observou Giovanna Del Brenna:
Mesmo com o rápido crescimento das zonas norte e sul, motivado pelas linhas de
bonde, e dos núcleos suburbanos, pelas linhas de trem, o foco da crise de
aglomeração populacional mantinha-se na região central do Rio de Janeiro. Além
disso, a visível diferença entre o espaço urbano ocupado pela classe dominante e
beneficiado com benfeitorias e infra-estrutura e o utilizado pela classe mais baixa,
aliado à epidemia de febre amarela e cólera que aterrorizavam a vida na cidade,
formavam um cenário propício para o início da eliminação dos cortiços.
75
Diante deste quadro, as autoridades responsáveis começaram a se preocupar com o
aspecto e as condições de higiene deste tipo de habitação a partir da década de 1850.
O controle sobre estas edificações, iniciado por volta de 1870, se torna mais eficaz em
1873, quando o Estado proíbe a construção de estalagens no centro e adjacências.
Entretanto, o fechamento e a demolição dos cortiços e vilas populares são
ostensivamente realizados somente nos anos 90 do século XIX até o início do XX.
76
exemplo, demoliu o conjunto Cabeça de Porco (figura 64), então, a mais famosa das
habitações coletivas da cidade do Rio de Janeiro:
Figura 64 – “A destruição do ‘Cabeça de Porco’ pelo Prefeito Barata Ribeiro foi assim saudada
pela Revista Illustrada” (ABREU, 1997, p. 51).
77
A ação higienista e a atenção do Estado dada às habitações coletivas são coerentes,
pois o uso comum dos sanitários e a total falta de saneamento tornavam propícias as
condições para a propagação de doenças. Não obstante, o fato do higienismo ter
espelhado suas condutas nas leis, não significava que estas eram postas em prática,
como explicou Bonduki:
78
Neste período – final do século XIX – começou uma nova fase da crise habitacional,
onde a renovação urbana provocou “escassez de moradias, aumento de aluguéis,
superlotação e agravamento das condições higiênicas” BRENNA (1985, p. 608).
Alguns autores – como Lilian Fessler Vaz (2002, p. 54) e Maurício de Abreu (1997, p.
66) – consideram a favela uma decorrência destas iniciativas, já que apesar de
destruídos os cortiços, a população necessitava permanecer próxima ao centro
urbano:
Assim, podemos afirmar que o século XIX constituiu-se como um período de transição
para as grandes transformações urbanísticas que viriam a ser concretizadas no século
XX.
Embora estas vilas privilegiassem o uso privado em detrimento do coletivo, sua idéia
de organização espacial quase não se diferenciava das construções anteriormente
destinadas ao mesmo programa, pois mantinha o alinhamento de cubículos e as
instalações sanitárias e de serviço coletivas, em que pese a iniciativa de enfatizar as
condições técnicas e de higiene.
79
aprimoramento das moradias só era possível mediante a expulsão de seus antigos
moradores.
Como as avenidas (figura 66) não comportavam toda a população operária, a solução
encontrada foi a ocupação do solo no entorno das vias férreas, nos subúrbios e nos
bairros em formação, o que levou à expansão do tecido urbano carioca no início do
século XX.
Como vimos, foi na segunda metade do século XIX que se iniciou o processo de
renovação urbana no Rio de Janeiro, objetivando higienizar a cidade e adequá-la à
função de capital federal, “incompatível com a forma e estrutura urbana coloniais” VAZ
(2002, p. 51).
Após este período, inicia-se a Era Passos – 1902-1906 –, onde é dado ao prefeito
Francisco Pereira Passos 23 , a total liberdade de demolir e desapropriar. Com o
objetivo de dar uma nova imagem à cidade, Passos implementou uma verdadeira
23
“Francisco Pereira Passos foi prefeito do antigo Distrito Federal no período de 1902 a 1906,
durante a administração do Presidente Rodrigues Alves, e comandou a maior transformação já
vista no espaço carioca” INSTITUTO (2004).
80
transformação no espaço urbano carioca. Saneou, estendeu, corrigiu e ampliou ruas
(figuras 67, 68), inaugurou o calçamento asfáltico, demoliu morros, abriu novas
avenidas e modificou outras, como Mem de Sá, Salvador de Sá e Beira-Mar. Entre
outras obras de saneamento, canalizou os rios Carioca e Maracanã, além de ter
arborizado diversas áreas e realizado obras de embelezamento na Praça XV, Largo do
Machado, Passeio Público entre outras. Pereira Passos “transformou o Rio de Janeiro
numa cidade moderna, condizente com os valores das elites dirigentes da época”
INSTITUTO (2004).
81
Porém, uma das mais significativas intervenções urbanísticas empreendidas por
Pereira Passos, foi a abertura da Avenida Central, atual Avenida Rio Branco. Em
janeiro de 1904 a Comissão Construtora da Avenida Central abriu concurso para
projetos de fachadas para os novos prédios da avenida (figura 69) e, em 08 de março
de 1904, “com o corte do morro de São Bento e a colocação da primeira pedra do
prédio de Eduardo Guinle, [foram] inauguradas as obras da Avenida Central” BRENNA
(1985, p. 152) (figura 70).
82
Figura 70 – Abertura da Avenida Central (BRENNA, 1985, p. 153).
83
evento de enorme repercussão, denominado pela imprensa da época como bota-
abaixo” NOGUEIRA (2000, p. 130).
84
Figura 72 – Inauguração da Avenida Central (BRENNA, 1985, p. 394).
85
Figura 73 – Falta de habitação devido às demolições (BRENNA, 1985, p. 190).
Deste instante até a década de 1920, as intervenções urbanísticas não foram muito
significativas, sendo as comemorações do Centenário da Independência, em 1922, o
motivo das próximas ações, já que o Rio de Janeiro seria o palco deste grande evento.
Isto se deu durante o governo do prefeito Carlos Sampaio – 1920-1922 – quando os
investimentos feitos para o empreendimento comemorativo marcaram um segundo
momento significativo na evolução urbana da cidade, principalmente em sua área
central.
86
crescimento, tanto vertical (centro e zona sul) quanto horizontal (subúrbios da cidade)”
NOGUEIRA (2000, p. 134).
Foi então que, durante a gestão de Prado Júnior – 1926-1930 – que chega ao Brasil o
arquiteto e urbanista francês Alfred Hubert-Donat Agache, com o intuito de elaborar o
novo plano de remodelação para a cidade: o Plano Agache. Este plano foi elaborado
entre os anos de 1928 e 1930 e, apesar de não ter sido implementado ainda nesta
gestão, serviu de base para a evolução da cidade durante três décadas:
Mais uma vez, para a execução desta renovação urbana seriam necessárias novas
desapropriações, obviamente, nos bairros centrais de baixa renda. Porém, pela
primeira vez, um plano contemplaria uma solução para a favela: a erradicação.
Estes projetos, porém, foram arquivados durante a gestão de Pedro Ernesto – 1930-
1936 – e somente seriam colocados em prática durante a gestão de Henrique
Dodsworth – 1937-1945, quando o referido prefeito instituiu a Comissão do Plano do
Rio de Janeiro, para a elaboração de um Plano Diretor para a cidade, que retomaria as
diretrizes ditadas no Plano Agache. Uma das maiores obras desta gestão foi a
abertura da Avenida Presidente Vargas, conforme projeto original de Agache.
Em termos políticos, o período de 1946 a 1964 foi bastante marcante para a história
da cidade, pois foi quando houve a transferência da capital da República para Brasília
e quando o Distrito Federal transformou-se em Estado da Guanabara, no ano de 1960.
Neste período pode-se destacar algumas intervenções urbanísticas mais significativas
para a cidade como o desmonte do morro de Santo Antônio, executado durante a
administração de Dulcídio Cardoso – 1952-1954 – e concluído somente na
administração de Alim Pedro – 1955-1956.
Foi também na década de 1950 que se deu início a quarta fase de construções da
Avenida Rio Branco cuja vocação comercial viria a se consolidar.
87
Da década de 50 até fins dos anos 80, o modernismo se fixará nessa
paisagem, através de prédios com galerias, grandes espaços de
lojas, fachadas curvas e prédios com mais de 20 andares. Mas em
relação ao resto da cidade, esta área entrava num período de
relativa estagnação, principalmente em termos de investimentos,
tanto culturais quanto econômicos, que se direcionavam para outras
áreas da cidade (NOGUEIRA, 2000, p. 145).
Já da década de 1960, foi estudado um novo plano urbanístico para o Rio de Janeiro,
o Plano Doxiadis, que semelhante ao Plano Agache, comparava a cidade existente a
um modelo ideal de cidade. Este plano acabou por não ser executado.
Nos anos 70 o centro do Rio de Janeiro, continuou a ser afetado pelos planos de
multiplicação de vias expressas e pela construção das primeiras linhas de Metrô, que
veio a contribuir incisivamente para a descaracterização e degradação dos bairros
centrais, onde foram implantadas cinco estações. Também na década de 1970 foi
aprovado do Decreto Municipal no 322/76 que aprovou o Regulamento de Zoneamento
do Município do Rio de Janeiro, que procurou firmar os usos dominantes de cada área
dividindo a cidade em: área central, centro de bairro, zona portuária, zona industrial,
zona turística, zona residencial, zona de comércio e zona especial.
Este decreto, entre outras disposições, proíbe novas construções residenciais nas
áreas centrais, AC-I e AC-II, porém tolera a permanência de unidades residenciais em
edificações unifamiliares, multifamiliares e mistas (RIO DE JANEIRO, 1976, art. 22). E,
é em 1988, com a aprovação do decreto no 7.351/88 que instituiu a Área de Proteção
Ambiental – APA – em parte dos bairros da Saúde, Santo Cristo, Gamboa e Centro
(figura 74), que o uso residencial volta a ser permitido na área central do Rio de
Janeiro (RIO DE JANEIRO, 1988, art. 4).
Pode-se ressaltar aqui que foi a partir deste período, final da década de 1970, início
dos anos 80, que a questão da preservação do meio ambiente começou a fazer parte
das discussões do poder público. Outra inovação urbanística desta época foi a
introdução da concepção de renovação urbana “associada à preservação do
patrimônio ambiental e cultural, nos assuntos de política urbana. O que resultou numa
nova fase do processo de transformação da paisagem da área central do Rio”
NOGUEIRA (2000, p. 149).
88
Figura 74 – APAC SAGAS (INSTITUTO, s.d., adaptado pela autora).
89
Figura 75 – O Corredor Cultural (INSTITUTO, 1985, p. 9, adaptado pela autora).
90
§ 2º - A propriedade urbana cumpre sua função social quando atende
às exigências fundamentais de ordenação da cidade expressas no
plano diretor (BRASIL, 1988, art. 182).
Assim, em 1992 foi aprovado o Plano Diretor Decenal da Cidade do Rio de Janeiro,
que segundo seus autores se diferenciava dos planos anteriores por propor formas de
intervenção que revertessem o processo de exclusão social que vinha sendo uma das
características de todas as intervenções anteriores.
91
3.2. POLÍTICAS DE HABITAÇÃO
A provisão das habitações se dava através do setor privado (figura 76), onde o número
de habitações alugadas podia chegar a 80% (BONDUKI, 2002, p. 44) do total de
habitações existentes, e as relações entre o inquilino e o locador, no período da
Primeira República 24 , eram dispostas pela Constituição e pelo Código Civil, “que
garantiam o direito absoluto de propriedade, isto é, o domínio do proprietário sobre o
imóvel alugado” BONDUKI (2002, p. 41). Esta legislação vigorou até a década de
1930, quando se deu início a Era Vargas 25 , quando ocorre um desestímulo da
produção rentista, deixando para o Estado a função de provedor destas moradias. É
neste período, com a criação de instituições públicas e privadas, que as discussões
sobre os rumos da habitação popular no Brasil vêm à tona, e a questão habitacional
passa a ser encarada como um problema de toda a sociedade, como afirma Nabil
Bonduki:
Era amplo, portanto, o leque dos setores sociais que apoiavam com
ênfase a intervenção pública no processo de produção habitacional.
No plano do aparato estatal, das entidades empresariais, das forças
políticas com influência junto aos trabalhadores, dos técnicos e da
opinião pública consolidou-se assim a noção de que cabia ao Estado
garantir condições dignas de moradia e que, para tanto, era preciso
investir recursos públicos e fundos sociais (BONDUKI, 1998, p. 80).
O tema principal nos debates sobre a habitação popular deixa de ser a questão
sanitária, passando a habitação a ser reconhecida não só como condição básica de
trabalho e, portanto, primordial no processo de industrialização do país, mas também
como formadora de uma ideologia política e moral do trabalhador-padrão, que o
Estado visava estabelecer como base de sua política.
Inicia-se assim, nova fase de reflexão a respeito da moradia popular, vista não mais
com o olhar restritamente higienista e/ou técnico, mas sob uma ótica multidisciplinar:
24
Período que vai do fim do Império – 1889 – até a Revolução de 1930. Divide-se em dois
momentos: a República da Espada, até 1894, quando ocorre a consolidação do regime
demarcado pela presença dos militares no poder e a República das Oligarquias, que vai até
1930, período em que os civis ocupam o poder.
25
O presidente Getúlio Vargas governou o país em dois períodos: de 1930 a 1945 e de 1951 a
1954, período este que ficou conhecido como a “Era Vargas”. Sua extensa trajetória no poder
fez de Vargas uma das personalidades mais marcantes da vida política nacional do século XX.
Pode-se dizer que em seu governo o Estado cresceu em tamanho e em poder e se tornou o
principal responsável pelo processo de modernização do Brasil (FUNDAÇÃO, s.d.).
92
A ampliação do ensino superior e da burocracia estatal nos anos
Vargas propiciou novos enfoques, que tiveram como resultado não só
um diagnóstico das condições habitacionais e dos obstáculos para sua
melhoria, como também a elaboração de propostas que levavam em
conta os aspectos físicos, institucionais, urbanísticos, econômicos,
jurídicos, sociais e ideológicos da questão. E tudo isso com o objetivo
de viabilizar soluções habitacionais alternativas para a população de
baixa renda, sobretudo a casa própria (BONDUKI, 2002, p. 75).
Figura 76 – “Planta de uma vila projetada pelo engenheiro Regino Aragão, em 1911, exemplar
da atitude adotada pela produção rentista. Notar a preocupação em ordenar e racionalizar a
construção, objetivando reduzir o custo, como se pode notar nas observações acima”
(BONDUKI, 2002, p. 51).
93
Apesar da idéia da casa própria ser muito bem aceita, até a década de 1930, era raro
o trabalhador, e até mesmo grande parte da classe média, possuir imóvel próprio. A
necessidade de baratear as habitações, tornando-as acessíveis aos trabalhadores,
fora abordado em 1929, no II Congresso Internacional de Arquitetura Moderna, CIAM,
em Frankfurt, foi debatida, reiteradamente, em 1931, no I Congresso de Habitação,
promovido pelo Instituto de Engenharia, em São Paulo.
94
Painéis elaborados pelo arquiteto Carlos Frederico Ferreira para o V Congresso Panamericano
de Arquitetos, realizado em 1940, em Montevidéu, onde recebeu o Prêmio de Honra.
Apresenta os estudos que vinham sendo desenvolvidos na Divisão de Engenharia do IAPI para
estabelecer as tipologias a serem adotadas pelo órgão em seus projetos, mostrando algumas
das soluções utilizadas no Conjunto Residencial Realengo, que já estava em construção.
(BONDUKI, 2002, p. 178)
95
Figura 79 – “Conjunto Residencial Pedregulho” (BONDUKI, 2002, p. 194).
96
Quadro 1 – Lei do Inquilinato
Determinava o Estendia a Continha Permitia Possibilitava a Permitia Permitia o Admitia um Permitia aos Estabelecia
congelamento lei anterior medida pequena livre fixação de reajuste de reajuste de aumento proprietários uma tabela
dos aluguéis a qualquer liberalizante elevação dos valor para aluguéis e aluguéis caso progressivo cobrar além para
residenciais tipo de que aluguéis casas novas ou liberava os os dos do aluguel, possíveis
de qualquer locação determinava desocupadas e aluguéis de proprietários aluguéis, taxas de aumentos de
natureza por que o coibia os imóveis de fossem limitando-o serviços aluguéis
dois anos. proprietário abusos de instituições pertencentes a um municipais,
Este decreto- pudesse fixar sublocação. filantrópicas à categorias aumento condomínios
lei era o valor do Nos demais de diversas indefesas, anual etc
explicitamente aluguel do casos, naturezas como máximo de
definido como imóvel cuja mantinha os menores e 5% do
emergencial construção aluguéis viúvas, além valor do
devido à fosse congelados e dos imóveis contrato
Segunda iniciada as infrações da de caráter
Guerra depois da lei passaram a não-
publicação ser residencial
da lei consideradas
como
contravenções
97
Figura 80 – “A crise da habitação I” (BONDUKI, 2002, p. 268).
98
Figura 81 – “A crise da habitação II” (BONDUKI, 2002, p. 269).
26
Eurico Gaspar Dutra, que esteve à frente do governo de 1946 a 1951, nasceu em Cuiabá,
em 1883. Militar, aproximou-se do governo Vargas a partir de 1932, quando teve importante
participação no combate ao movimento constitucionlista desencadeado contra o governo
federal, em São Paulo. Seu governo foi marcado por uma política econômica conduzida a partir
de postulados liberais, pelo rápido esgotamento das reservas cambiais acumuladas durante a
guerra e por uma severa política de arrocho salarial. Mesmo após sua saída da presidência,
manteve grande influência junto à cúpula militar e lideranças civis (FUNDAÇÃO, s.d.).
99
[...]; financiar as indústrias de material de construção, quando por
deficiência do produto no mercado se tornar indispensável o estímulo
de crédito [...]; proceder a estudos e pesquisas de métodos e
processos que visem o barateamento de construção [...] financiar as
construções de iniciativa ou sob a responsabilidade de prefeituras
municipais, empresas industriais ou comerciais e outras instituições, de
residências de tipo popular destinadas à venda a baixo custo ou
locação, a trabalhadores, sem objetivo de lucro [...]; estudar e
classificar os tipos de habitação denominados populares, tendo em
vista as tendências arquitetônicas, hábitos de vida, condições
climáticas e higiênicas, recursos de material e mão-de-obra das
principais regiões do país [...] (BRASIL, 1946, p. 755 apud BONDUKI,
2002, p. 123).
100
Com o fim do Governo Vargas em 1945, este processo, que poderia ter se
transformado em uma verdadeira política habitacional, foi interrompido. Bonduki (2002,
p. 100) afirma que a época apresentava os “principais ingredientes” para efetivar esta
política, como:
. Reestruturação dos IAP’s, unificando-os, o que poderia ter gerado uma política
universal de habitação social;
. Capacitação técnica, comprovada pela qualidade dos projetos dos IAP’s nos anos 40;
27
O Marechal Humberto de Alencar Castello Branco, nasceu em 1900 em Fortaleza. Governou
o país durante o período de 15 de abril de 1964 a 15 de março de 1967 (BRASIL, s.d.).
101
financiamento, compra e venda ou construção de habitações [...]
(BRASIL, 1964, art. 17 da lei 4.380).
O BNH, apesar de ser o principal agente de fomento de moradias de 1964 a 1986, não
pode ser classificado como financiador de habitações sociais, já que, durante sua
gestão financiou quase que exclusivamente moradias destinadas à população de
classe média, o que representou um quarto de todas as habitações construídas no
país. Por outro lado, criou o projeto PROMORAR 28 , com o objetivo de amenizar o
problema das favelas no momento – 1979 – em que o governo começa a aceitar a
urbanização das favelas como solução para o problema habitacional.
28
O PROMORAR – Programa de Erradicação da Submoradia – foi constituído inicialmente
atuando na formulação técnica de projetos habitacionais de interesse social, tendo como
clientes as mais destacadas construtoras que operavam no âmbito do Sistema Financeiro da
Habitação (PROMORAR, s.d.).
29
José Sarney nasceu em Pinheiro, MA, a 24 de abril de 1930 foi presidente da República em
exercício, de 15 de março a 21 de abril de 1985 e a partir de 21 de abril de 1985 até 1990
(ACADEMIA, s.d.).
102
Assim, em 1992, é aprovado no Rio de Janeiro o Plano Diretor para a cidade, que,
segundo o arquiteto Sérgio Magalhães 30 , firmava dois conceitos fundamentais: “o
controle institucional sobre o espaço, visando, principalmente, coibir o uso
especulativo do solo, e o entendimento da moradia como direito de todo cidadão”
MAGALHÃES (2002, p. 67).
É preciso se ter em mente que é preciso morar. E, como já vimos, para a população
de baixa renda, não restavam muitas opções além de buscar no patrocínio do Estado
o acesso à habitação. Como este patrocínio não chegava à grande maioria desta
população, esta começava a produzir sua própria moradia. É aqui que entra o novo
modo de pensar a política habitacional, ou seja, não basta que os governos promovam
a construção de moradias para alguns:
Mas que ampliem o acesso à cidade para todos, o que significa dar
condições de infra-estrutura sanitária, de comunicações, de serviços
públicos e de equipamentos sociais capazes de sustentar a vida
urbana moderna. E mais, significa reconhecer o esforço dos
segmentos de baixa renda na produção de sua moradia, aproveitando
a valorizando os investimentos coletivos já dispendidos na construção
da cidade, seja na sua infra-estrutura urbanística seja na sua cultura.
Permitir, enfim, que se amplie o acesso ordenado à cidade legal. Ao
invés de excluir, integrar (MAGALHÃES, 2002, p. 69).
30
Sérgio Magalhães é arquiteto e professor da FAU-UFRJ e Doutor em urbanismo. Foi
secretário de Estado de Projetos Especiais do Rio de Janeiro de 2001 a 2002, foi Secretário
Municipal de Habitação do Rio de Janeiro de 1993 a 2000 e responsável pela Política
Habitacional Carioca onde criou e coordenou a implantação de programas como o Favela-
Bairro, o Morar Legal e o Morar Carioca (MAGALHÃES, 2002, contra-capa).
103
O Programa Favela-Bairro (figuras 83 e 84) pode ser entendido como um
reconhecimento do esforço de uma população que não teve alternativa a não ser
ocupar informalmente a cidade e desta forma reconhecer a favela como parte
integrante da cidade, integrando-a à malha urbana, através de sua transformação em
bairros populares.
Este programa que visa integrar a favela à cidade, dotando-a de toda infra-estrutura
urbana, serviços, equipamentos públicos e políticas sociais, apresenta as seguintes
premissas:
104
Desde sua implantação, em 1994, o Favela-Bairro conta com um financiamento
resultante e dois contratos assinados entre a Prefeitura (40% dos investimentos) e o
Banco Interamericano de Desenvolvimento – BID (60% dos investimentos), que
considera o Programa um exemplo de políticas públicas no combate à pobreza e à
miséria.
Dentro do Favela-Bairro ainda existem três outros programas que são: o Bairrinho –
que atua de forma semelhante ao Favela-Bairro, porém em comunidades de pequeno
porte – os POUSOS, Postos de Orientação Urbanística e Social, que são integrados
por equipes de arquitetos, engenheiros, assistentes sociais e agentes comunitários,
para a orientação aos moradores sobre a importância da preservação dos espaços
públicos e dos equipamentos implantados. Cabe ao POUSO desenvolver a legislação
urbanística nessas comunidades além de orientar novas construções ou ampliações, a
fim de evitar que estas sejam feitas em áreas públicas ou em locais de risco e impedir
o crescimento da favela e o surgimento de invasões. E o programa de Regularização
Fundiária, que viabiliza o direito à propriedade, “ao mesmo tempo que amplia a base
da cidade legal, beneficiando famílias – a maioria de baixa renda – e a cidade passa a
ter o controle urbanístico e tributário do local” SECRETARIA (2003a). Porém este
programa não se restringe ao Favela-Bairro, atua também no Morar Legal e no Morar
sem Risco.
105
iluminação entre outras. Além disso, elabora ou modifica o Projeto Aprovado de
Alinhamento – PAL – e inscreve os loteamentos no Registro Geral de Imóveis – RGI.
Para que o processo de regularização se torne mais ágil, estes loteamentos são
declarados como Áreas de Especial Interesse Social, que criam padrões urbanísticos
especiais facilitando o processo de regularização. Este programa também tem por
objetivo implantar programas sociais que atendam à criança e ao adolescente, além
da alfabetização de adultos e geração de trabalho e renda.
106
população com renda familiar de três até vinte salários mínimos. Para rendas de três a
seis salários mínimos está sendo oferecido o PAR, o aluguel social, no qual o locatário
após 15 anos pode vir a tornar-se proprietário. Já para as famílias com renda até 20
salários:
107
Semelhante ao Morar Carioca, o programa Morando no Centro (figura 91), também
promove a construção e a comercialização de moradias em área infra-estruturada da
cidade, porém, neste caso, os bairros atingidos são os da região central do Rio de
Janeiro, como Gamboa, Saúde, Santo Cristo, Estácio e Lapa.
108
4. O PROGRAMA NOVAS ALTERNATIVAS
Do início das ações do Programa Novas Alternativas, como a SMH ainda não possuía
uma equipe de trabalho formada para a elaboração dos projetos, eram contratados
escritórios de arquitetura, através de licitação. Estes projetos eram desenvolvidos em
nível de anteprojeto, o que obrigava que os detalhes de construção fossem sendo
discutidos paralelamente ao desenvolvimento da obra entre construtora, SMH e
DGPC, juntamente com os projetos complementares – de água, luz, esgoto e telefonia
– que eram elaborados com consultoria direta às concessionárias.
Com relação ao processo de licitação, para que se garantisse o sucesso dos projetos
no tocante à preservação dos imóveis, um dos documentos exigidos pela SMH era
uma espécie de dossiê elaborado pelo escritório candidato a participar da licitação,
demonstrando sua metodologia de intervenção em centros históricos urbanos.
31
Decreto nº 7.351, de 14 de janeiro de 1988. Regulamenta a Lei nº 971, de 4 de maio de
1987, que instituiu a Área de Proteção Ambiental (APA) em parte dos bairros da Saúde, Santo
Cristo, Gamboa e parte do Centro.
32
Lei nº 495, de 4 e janeiro de 1984. Transforma o bairro de Santa Teresa em Área de
Proteção Ambiental (APA), e dá outras providências.
110
Figura 92 – APAC’s SAGAS e Santa Teresa (INSTITUTO, s.d., adaptado pela autora).
Atualmente, a SMH desenvolve os trabalhos com equipe própria e, como o PAR exige
algumas características específicas de projeto, estes já são desenvolvidos dentro dos
padrões preestabelecidos pela CEF, como descriminados a seguir (quadros 2 e 3):
33
Alder Catunda é arquiteto e urbanista, sócio do escritório Archi 5 Arquitetos Associados,
responsável pelo desenvolvimento de projetos para o Morro da Conceição, dentro do Programa
Novas Alternativas.
111
Quadro 2: Edital nº 1, de 15 de junho de 1999
112
Como o programa de reabilitação de imóveis do Novas Alternativas esbarra em
características muito específicas, que variam de um imóvel para outro, a SMH procura
compatibilizar as especificações do PAR com seus padrões de intervenção no interior
das edificações. Quando estes imóveis selecionados para o programa possuem a
fachada remanescente, estas ganham tratamento particularizado tendo seus
elementos restaurados, porém a divisão interna deles permite livre composição,
seguindo as especificações estabelecidas pelo PAR e pelo DGPC, preservando-se a
fachada e a volumetria do imóvel, determinados pela legislação de proteção do
Município do Rio de Janeiro.
Quando se trata de imóvel tombado, quanto mais relevante for este imóvel:
Tendo em mente os dois fatores que direcionam o programa a ser estabelecido para
cada imóvel – o PAR e o nível de tombamento – passaremos agora a estudar cada
caso.
113
4.1 REABILITAÇÃO DE CORTIÇOS
O cortiço foi uma tipologia bastante comum no Rio de Janeiro e persistiu ao longo dos
anos, apesar da descaracterização e proibições, já que no início do século XX, foi
considerada uma forma de morar insalubre e inadequada, e quase foi extinta. Os
problemas embutidos neste programa são provenientes, principalmente do preconceito
em relação à tipologia, já que os equipamentos que normalmente são utilizados
privativamente, passam a ser de uso coletivo – como os sanitários e lavanderias – e a
isso são acrescidas complicações quanto à definição de propriedade, “pela
marginalidade em relação à legislação de locação, pelas imposições quanto à
preservação e, principalmente, pelo descaso dos proprietários, resultando na
degradação das edificações” SECRETARIA (2000, p. 21).
34
A arquiteta Gisele Masullo é arquiteta e urbanista, membro da equipe do Programa Novas
Alternativas da Prefeitura do Rio de Janeiro.
114
(informação verbal). Já o da Sacadura Cabral restavam apenas as fachadas principal
e laterais e recebeu novos moradores.
115
Figura 95 – Cortiço na rua Sacadura Cabral, 295 – Planta de localização (SECRETARIA, 2000,
p. 25).
Figura 96 – Cortiço na rua Sacadura Cabral, 295 – Planta baixa do térreo (SECRETARIA,
2000, p. 24).
Figura 97 – Cortiço na rua Sacadura Cabral, 295 – Planta baixa do primeiro pavimento
(SECRETARIA, 2000, p. 24).
Figura 98 – Cortiço na rua Sacadura Cabral, 295 – Cobertura (SECRETARIA, 2000, p. 24).
116
Figura 99 – Cortiço na rua Sacadura Cabral, 295 – Corte transversal (SECRETARIA, 2000, p.
24).
117
Figura 102 – Cortiço na Travessa do Mosqueira, 20 – Localização (SECRETARIA, 2000, p. 41).
118
Figura 105 – Cortiço na Travessa do Mosqueira, 20 – Planta baixa do jirau (SECRETARIA,
2000, p. 40).
119
Urge que se instaure um programa de financiamento a juros
realmente baixos para viabilizar a recuperação de conjuntos antigos
como habitações de interesse social ainda ocupadas e que seja
criado, no âmbito municipal, um Fundo de Preservação do
Patrimônio, destinado inclusive, a atender à reabilitação do
patrimônio edificado vinculado à habitação de baixa e média rendas,
por o PAR – Programa de Arrendamento Residencial – com opção
de compra ao final do prazo contratado, é ainda insuficiente para
atender às camadas mais baixas da população, principalmente
aquelas que já habitam imóveis de valor cultural (LIMA et al., 2004,
p. 21).
Outro problema encontrado pelo Programa acrescenta Masullo, é a rejeição por parte
da população em morar em cortiços. Para confrontar esta afirmativa, apresentaremos
um cortiço, imóvel este que não faz parte do programa da Prefeitura, localizado na rua
Visconde de Maranguape, 9 – Lapa (figura 107 a 109), pertencente ao Corredor
Cultural 35 , cuja construção é de aproximadamente 1910. Este imóvel inicialmente
construído para ser um hotel, hoje abriga várias famílias em condições precárias de
habitação. Em sua planta original pode-se observar sua subdivisão em quartos com
banheiros coletivos, o que não acontece hoje, já que cada morador “improvisa”
instalações de banheiro e cozinha, dentro dos cômodos, o que pode comprovar a não-
aceitação por parte dos usuários da tipologia habitacional do cortiço (figuras 110 e
111).
35
Lei nº 506 de 17 de janeiro de 1984, que cria a Zona Especial do Corredor Cultural, de
preservação paisagística e ambiental do Centro da Cidade, dispõe sobre o tombamento de
bens imóveis na área de entorno, e dá outras providências (INSTITUTO, 1995, p. 80).
120
Figura 108 – Imóvel situado à rua Visconde de Maranguape, 9 – Fachada (autora, 2003).
Figura 109 – Imóvel situado à rua Visconde de Maranguape, 9 – Planta baixa do primeiro
pavimento (CEDAE, s.d., adaptado pela autora).
121
BANHEIRO
COZINHA
SALA
QUARTO - MEZANINO
122
4.1.1 RUA SENADOR POMPEU, 34
Figura 112 – Rua Senador Pompeu (INSTITUTO, s.d., adaptado pela autora).
A SMH acredita como primeira hipótese, que o uso original do Cortiço em questão,
tenha sido de abrigar os trabalhadores das indústrias locais (CEBRIÁN, 1995, p. 9). A
segunda hipótese aventada pela SMH está relacionada com a demolição do cortiço
123
“Cabeça de Porco”, o mais famoso da cidade do Rio de Janeiro. Este estava
localizado próximo à estação da Estrada de Ferro D. Pedro II, vizinha à Rua Senador
Pompeu (figura 114).
Figura 114 – O “Cabeça de Porco” e a rua Senador Pompeu (CEBRIÁN, 1995, p. 10).
Tendo sido tombado como cortiço, uma das primeiras propostas para a recuperação
deste imóvel era a de manter este uso, como se pode perceber no item 3.1.2 do
Parecer Técnico elaborado pelo engenheiro Manoel Pan Rodriguez em junho de 1996:
124
proposta de reforma do sobrado, para o aumento do conforto, como:
instalação de ponto de água nos cômodos, criação de sanitários
coletivos no pavimento superior e implantação de jirau nos quartos; a
durabilidade deste sistema estará comprometida (RODRIGUEZ, 1996,
p. 10).
Porém, esta proposta não foi executada, dando lugar a um novo projeto, com unidades
dotadas de cozinha e banheiro individuais (figura 115). Esta alteração provocou um
longo período de discussões a respeito da sua adaptação ao uso residencial em
moldes contemporâneos, já que o imóvel representava um dos últimos exemplares de
cortiço. “Este projeto provocou o debate entre as normas para recuperação do
patrimônio histórico e necessidade de adaptação a limitações de uso e aos aspectos
econômicos e mesmo, construtivos” SECRETARIA (2000, p. 34).
Figura 115 – Planta baixa do primeiro pavimento, depois da intervenção. Apartamentos com
instalações individuais (SECRETARIA, 2000, p. 35, respectivamente).
125
Figura 116– Comparação entre trecho da edificação conforme encontrado e o esquema
proposto para individualização e melhor aeração das unidades (SECRETARIA, 2000, p. 34).
Uma das alterações mais significativas neste imóvel foi a modificação do sistema
construtivo e dos materiais da laje e da circulação no segundo pavimento. Manoel
Rodriguez (1996) relatou em seu parecer que a estrutura da edificação encontrava-se,
de modo geral, estável, porém com diversos pontos deteriorados, como o
barroteamento do piso do segundo pavimento. O sistema estrutural encontrado nesta
laje, era composto por barrotes de madeira de lei, seção média de 6” x 10”, apoiados
na fachada, cobrindo um vão de 3,80m com espaçamento de 1,00m entre os barrotes
e em balanço na circulação (figuras 117, 118 e 119). Em sua avaliação, Rodriguez
afirma ainda que não seria possível a recuperação deste sistema estrutural em função
do alto grau de deterioração do mesmo, causado por ataque de cupins e excesso de
umidade (figura 120).
126
Figura 118 – Barroteamento de madeira – Piso do segundo pavimento (RODRIGUEZ, 1996, p.
6).
Figura 119 – “Escoramento executado por moradores para a sustentação da circulação externa
do pavimento superior” (RODRIGUEZ, 1996, p. 4).
127
Figura 120 – Infiltrações no forro da circulação externa (RODRIGUEZ, 1996, p. 5).
Manoel Rodriguez (1996) afirmou que, caso se optasse pela recuperação da estrutura
existente, ainda assim deveria haver alterações, como a diminuição do espaçamento
entre os barrotes ou o redimensionamento de sua seção, já que o original,
dimensionado para suportar cargas apenas de um cômodo, não suportaria as cargas
de um apartamento com aparelhos – como geladeira, fogão, máquina de lavar e as
novas instalações hidráulicas e de esgoto. Além disso, estas duas soluções
implicariam em novas aberturas na parede interna da fachada, o que poderia
comprometer ainda mais esta estrutura.
A solução adotada foi a substituição da estrutura horizontal existente, por lajes pré-
moldadas, apoiadas em perfis metálicos (figura 121). Esta opção foi escolhida por
questões de ordem econômica, rapidez na execução e para facilitar a adaptação de
uso do sobrado. A utilização deste sistema estrutural garante a sobrecarga proposta
para o projeto, além de se adequar “perfeitamente à utilização em áreas molhadas e
implantação de redes de instalações prediais [...]. Com o emprego desta solução, a
manutenção do sobrado será simplificada, favorecendo sua conservação, bem como o
monitoramento do uso do imóvel” RODRIGUEZ (1996, p. 11).
128
Figura 121 – Sistema estrutural adotado (FÁBRICA, 1996, p. 8).
129
permitindo a adaptação interna do edifício, assim como facilitaria sua manutenção e a
conservação (figuras 126 e 127).
130
Figura 124 – Circulação do segundo pavimento – antes da intervenção (CEBRIÁN, 1995, p.
22).
131
Figura 127 – Piso de um cômodo – após a intervenção, o morador aplicou um piso cerâmico,
recobrindo o cimentado (autora, 2003).
Com relação à fachada da rua Senador Pompeu (figuras 128 e 129), o revestimento
apresentava-se bastante danificado e sem pintura e as esquadrias encontravam-se em
médio estado de conservação, sendo que algumas necessitavam apenas de pintura.
As fachadas internas (figuras 130 e 131), voltadas para o pátio, também apresentavam
vários pontos de danos, porém, assim como a principal, ainda caracterizada. As
maiores alterações nestas fachadas se deram nas esquadrias (figura 132), porém
estas modificações não as descaracterizavam e as esquadrias foram restauradas, de
acordo com o desenho original.
Figura 128 – Fachada Senador Pompeu, antes da intervenção (CEBRIÁN, 1995, p. 23).
132
Figura 129 – Fachada Senador Pompeu, após da intervenção (autora, 2003).
133
Figura 132 – Modificações mais encontradas nas esquadrias mais antigas; A – original; B –
modificação 1 e C – modificação 2 (CEBRIÁN, 1995, p. 46).
134
Figura 133 – Planta baixa do primeiro pavimento, antes da intervenção. Em destaque os dois
acréscimos (SDL, 1995, p. 1.).
135
Figura 135 – Corte longitudinal – antes da intervenção. Em destaque a escada existente (SDL,
1995, p. 4).
136
Figura 138 – Escada depois da alteração (autora, 2003).
Figura 139 – Cobertura antes da restauração. Observar que único pátio existente é o central
(CEBRIÁN, 1995, p. 52).
137
Figura 140 – Planta baixa do segundo pavimento, antes da intervenção. Em destaque a escada
e os cômodos existentes na parte posterior da edificação (SDL, 1995, p. 1).
138
Figura 142 – Levantamento da fachada posterior à rua Senador Pompeu, antes da intervenção.
Observam-se as calhas existentes, a escada e os dois acréscimos demolidos (SDL, 1995, p. 3).
139
Sendo assim, o projeto fora aprovado pelo Conselho Municipal de Proteção do
Patrimônio Cultural – CMPC, que é o órgão consultivo responsável pela proposição da
política de proteção do patrimônio cultural, com a argumentação de se manter suas
principais características, como a restauração das fachadas, demolição de acréscimos
e manutenção da subdivisão interna, com pequenas alterações. Porém, acreditamos
que a intervenção neste imóvel deveria ter sido conduzida de outra forma, visto que se
trata de bem tombado, e não preservado, o que determinaria uma ação mais rígida de
restauração e não apenas sua adaptação. Além disso, não podemos esquecer que o
imóvel fora tombado por ser um dos últimos exemplares de cortiço existente na cidade
do Rio de Janeiro, elevando-se ainda mais sua importância tipológica. Mesmo
sabendo que a tipologia de cortiço não mais atende às demandas contemporâneas da
casa, acreditamos que esta premissa do tombamento deveria ter sido respeitada, já
que a própria SMH já havia concluído dois outros imóveis com estas características.
Outra alternativa seria a utilização do bem para outros fins, que garantissem uma
injeção maior de recursos, o que permitiria sua restauração completa, com todos os
elementos, inclusive os estruturais, como pisos e paredes, tão alterados no projeto
executado.
140
4.2 RECUPERAÇÃO DE RUÍNAS
Como vimos no terceiro capítulo, a região central da cidade do Rio de Janeiro possui
um rico patrimônio arquitetônico e que muitos destes imóveis encontram-se em estado
precário de conservação ou até mesmo em ruínas. Acredita-se que a recuperação
destes imóveis deva ser importante não só para a preservação deles, como também
para a requalificação da área onde está inserido, pois da mesma forma que um imóvel
abandonado ou em ruínas influencia negativamente toda uma vizinhança, em
contrapartida uma edificação revitalizada pode trazer vida e benefícios sobre seu
entorno.
A maior parte dos imóveis selecionados para o projeto de Reabilitação de Ruínas são
sobrados com dois e três pavimentos, originalmente de uso misto – comércio e
habitação – e com sua recuperação, pretende-se retomar estes usos, outrora tão
comum no centro do Rio de Janeiro.
142
Figura 144 – Fachada remanescente da edificação à praça Tiradentes, 71 e projeto para a
nova fachada (SECRETARIA, 2000, p. 60 e 61).
143
Figura 145 – Projeto para reconstrução do prédio da rua do Livramento, 145 (ARQUIVO, 1914).
144
4.2.1 RUA DO LIVRAMENTO 145/147 E RUA FRANCISCO MURATORI, 38
145
Figura 149 – Rua Francisco Muratori, (INSTITUTO. s.d., adaptado pela autora)
146
Figura 152 – Entorno imediato às edificações – Rua do Livramento. Em destaque o número
147 (autora, 2005).
Figura 153 – Perspectiva de uma sugestão para obra de modificação com acréscimo de
pavimento mantendo o uso das janelas (INSTITUTO, 1985, p. 45)
147
Figura 154 – Corte de uma sugestão para obra de modificação com acréscimo de pavimento
mantendo o uso das janelas (INSTITUTO, 1985, p. 45)
O projeto para os imóveis da rua do Livramento 145 e 147 foi desenvolvido de forma
articulada, com uma interligação entre pátios (figura 155), visto que são números
vizinhos e em ambos os casos só haviam de remanescente as fachadas, apesar de
serem imóveis distintos, em sua origem. Esta é uma tendência da SMH apontada pela
arquiteta Gisele Masullo (informação verbal): agrupar conjunto de imóveis para o
desenvolvimento de projetos em maior escala. No caso da rua do Livramento, esta
tentativa não foi bem sucedida, pois os processos de desapropriação de cada imóvel
ocorreram em fases diferentes, não tendo sido possível a realização da primeira idéia
de projeto.
Figura 155 – Implantação dos projetos para a rua do Livramento, 145 e 147 (SECRETARIA,
2000, p. 53).
148
O imóvel de nº 145 teve sua fachada restaurada (figuras 156 a 160) e a subdivisão
interna dos cômodos gerou um resultado final de projeto com loja no pavimento térreo
e seis apartamentos no primeiro e segundo pavimentos, com área média de 25 m²
(figuras 161 a 164). De acordo com o parecer emitido pelo DGPC, a cobertura foi
executada com telhas cerâmicas do tipo francesas e a estrutura apontada nas
especificações de projeto (SECRETARIA, s.d. p. 5), indicam a utilização de peças –
tesouras, cumeeiras, terças e caibros – em madeira de lei.
Com relação aos elementos da fachada, foi determinada sua recuperação integral,
inclusive com recomposição de trechos faltantes, assim como a restauração do gradil
da sacada e a limpeza dos elementos pétreos, mantendo-os livres de qualquer tipo de
pintura ou verniz.
Figura 156 – Fachada da rua do Livramento 145 – antes da restauração (SECRETARIA, 2000,
p. 52).
149
Figura 157 – Fachada da rua do Livramento 145 –depois da restauração (autora 2005).
150
Figura 159 – Elemento recuperados da fachada – Gradil (autora, 2005).
Figura 161 – Rua do Livramento, 145 – Planta baixa do térreo (SECRETARIA, 2000, p. 52).
Figura 162 – Rua do Livramento, 145 – Planta baixa do segundo pavimento (SECRETARIA,
2000, p. 52).
151
Figura 163 – Rua do Livramento, 145 – Planta de cobertura (SECRETARIA, 2000, p. 52).
Figura 164 – Rua do Livramento, 145 – Corte longitudinal (SECRETARIA, 2000, p. 52).
O imóvel de nº 147 recebeu a mesma atenção com relação à fachada (figuras 165 e
166), tendo atendido às disposições do DGPC com relação às cores do plano da
fachada e esquadrias e limpeza dos elementos pétreos (figuras 167 e 168). A
edificação atualmente possui cinco apartamentos, com área média de 25m², com
cozinha e banheiros individuais, porém com área de serviço coletiva, o que
normalmente não seria aprovado pelo PAR, porém como se trata de imóvel para
recuperação, esta especificação é estudada caso a caso (figuras 169 a 172).
152
Figura 165 – Fachada da rua do Livramento 147 – antes da restauração (MONTARROYOS,
1999, p. 8).
Figura 166 – Fachada da rua do Livramento 147 – depois da restauração (autora 2005).
153
Figura 167 – Elemento recuperado da fachada – Esquadrias (autora, 2005).
Figura 169 – Rua do Livramento 147 – Planta baixa do primeiro pavimento (SECRETARIA,
2000, p. 53).
154
Figura 170 – Rua do Livramento 147 – Planta baixa do segundo pavimento (SECRETARIA,
2000, p. 53).
Figura 171 – Rua do Livramento 147 – Planta de cobertura (SECRETARIA, 2000, p. 53).
Figura 172 – Rua do Livramento, 147 – Corte longitudinal (SECRETARIA, 2000, p. 53).
155
péssimo estado de conservação e que esta alteração possibilitaria a subdivisão das
unidades residenciais. Porém, com esta nova configuração o imóvel perdeu sua
característica de implantação em centro de terreno, pois foi alongado em sua lateral
para dar lugar a uma nova unidade no primeiro pavimento e acesso ao segundo (figura
180).
Figura 174 – Fachada lateral da edificação à rua Francisco Muratori, 38 – antes da restauração
(SECRETARIA, s.d.)
156
Figura 175 – Fachada da edificação à rua Francisco Muratori, 38 – após a restauração (autora,
2005).
Figura 176 – Corte longitudinal da edificação à rua Francisco Muratori, 38. Observar a
subdivisão do pé-direito em três pavimentos (SECRETARIA, 2000, p. 74).
157
Figura 177 – Fachada lateral esquerda – desenho (SECRETARIA, 2000, p. 74).
158
Figura 180 – Corte transversal da edificação à rua Francisco Muratori, 38. Observar que a
edificação encosta-se aos muros divisórios do terreno (SECRETARIA, 2000, p. 74).
Como se pode observar nas figuras 173 e 174, ainda existiam alguns remanescentes
da edificação além da fachada, porém, antes do início das obras de intervenção, o
imóvel foi parcialmente demolido 36 devido a riscos de desabamento. Após as
intervenções, passou a ter 10 apartamentos, com áreas de 25 a 48 m², com cozinha e
banheiros individuais, porém área de serviço comum (figuras 181 a 184).
Figura 181 – Rua Francisco Muratori, 38 – Planta baixa primeiro pavimento (FREIRE, 1999, p.
3).
36
Certidão de Demolição nº 014638 de 04/06/2001. Coordenadoria de Parcelamento e
Edificações. Secretaria Municipal de Urbanismo. Prefeitura da Cidade do Rio de Janeiro.
159
Figura 182 – Rua Francisco Muratori, 38 – Planta baixa mezanino (FREIRE, 1999, p. 3).
Figura 183 – Rua Francisco Muratori, 38 – Planta baixa segundo pavimento (FREIRE, 1999, p.
4).
160
Figura 184 – Rua Francisco Muratori, 38 – Planta baixa terceiro pavimento (FREIRE, 1999, p.
5).
Nas especificações determinadas pela CEF para o PAR, os apartamentos devem ter
área mínima de 37 m², dois quartos e possuírem área de serviço, porém como estes
imóveis se enquadram nos projetos de recuperação, estas questões passam a ser
estudadas individualmente e acabam sendo permitidas (figuras 185 a 188).
161
Figura 186 –Cozinha do apartamento 204 (autora 2005).
162
Alguns moradores nos informaram que este projeto, originalmente direcionado para
uma população com renda de três a seis salários mínimos, não atende aos seus
usuários primeiros, visto que o financiamento pago, incluindo-se a taxa de condomínio,
chega atingir dois salários mínimos. Além disso, o imóvel entregue em 2004 já
apresenta problemas construtivos, tendo sido inclusive interditado uma parte de seu
muro divisório com a edificação vizinha, por riscos de desabamento (figuras 189 e
190).
Isto nos remete à questão inicial: como o Programa Novas Alternativas pode contribuir
efetivamente para a renovação urbana do centro histórico do Rio de Janeiro, sempre
respeitando a questão da preservação?
163
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Diante dos exemplos apresentados percebemos que no caso em que a habitação não
foi incluída nos projetos de revitalização dos centros históricos, estes ficaram sujeitos
a falhas em importantes segmentos, como no exemplo do Pelourinho, cujas
intervenções desenvolvidas na área ao longo de uma década, voltaram-se
exclusivamente para o comércio e serviços, limitando a utilização da área a algumas
horas do dia.
Observamos ainda que a diversidade também deve ser garantida com relação às
demandas sociais, não devendo o uso do patrimônio edificado para fins habitacionais
ser exclusivo da população de baixa renda – como nos estudos de caso, apresentados
no âmbito nacional – mas atender a diversas camadas sociais. Esta diversificação nos
padrões habitacionais, atendendo a várias demandas, poderia inclusive incentivar a
iniciativa privada a investir neste tipo de ação, permitindo assim a continuidade do
processo.
Outra questão a ser destacada foi a relação público-privado no que concerne aos
financiamentos. Uma vez que o Governo – o maior financiador destes projetos – não
possui recursos para gerir a recuperação completa do sítio, na maioria dos casos
ocorre a exclusão de certas áreas ou uma intervenção não satisfatória. Razão pela
qual entendemos que para que um projeto de revitalização tenha sucesso há
necessidade de se formarem parcerias entre o setor público e o privado no
financiamento destas ações, e de se proceder à revisão dos sistemas de
financiamentos habitacionais para camadas populares. Além disso, estes setores,
quando conjugados com o patrimônio edificado, deveriam agir em conjunto com algum
fundo para a preservação dos sítios, não somente com o PAR.
Face ao déficit habitacional da cidade do Rio de Janeiro, que possui vasto patrimônio
arquitetônico, a implantação de um programa de resgate destas edificações articulado
à moradia, mostra-se de grande relevância, pois envolve não somente o meio urbano
como também o social.
165
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
167
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de Lisboa/Laboratório Nacional de Engenharia Civil, 1993, p. 203, il.
168
CRUZ, A. B. S. O Uso Habitacional e a Identidade Cultural na Revitalização de
Sítios Históricos Urbanos: O bairro da Cruz Vermelha. Rio de Janeiro: Dissertação
– Universidade Federal do Rio de Janeiro, 2000, p. 138, il.
169
FITCH, J. M. Preservação do Patrimônio Arquitetônico. São Paulo: FAUUSP,
1981, p. 05-63, il.
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Freire Arquitetos Associados, 1999, p. 5, il.
FREYRE, G. Sobrados e mucambos. 13ª ed, Rio de Janeiro: Record, 2002, p. 892, il.
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http://www.cpdoc.fgv.br/comum/htm/index.htm. Acesso em 01 ago. 2005.
INSTITUTO Pereira Passos. Quem foi Francisco Pereira Passos. Rio de Janeiro:
2004. Disponível em http://www.rio.rj.gov.br/ipp/top_quem.htm. Acesso em 20 jul.
2005.
170
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Janeiro: Prefeitura, 1997.
171
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histórico do Rio de Janeiro no século XX. Rio de Janeiro: UFRJ/FAU/PROARQ,
2000, p. 302, il.
172
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http://www.rio.rj.gov.br/habitacao/. Acesso em 03 ago. 2005.
173
SANCHES, M. L. F. Construções de Paulo Ferreira Santos: a fundação de uma
historiografia da arquitetura e do urbanismo no Brasil. Tese doutorado. Maria Ligia
Fortes Sanches; orientador: João Masao Kamita. Rio de Janeiro: PUC, Departamento
de História, 2005.
174