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INTERNACIONAL
Abstract: This has the propose to present and conceptualize the Principle of Universal
Jurisdiction, establishing a parallel with the most important cases ever tried. The aim
is to examine whether that principle is applied (or not) by the International Criminal
Court, especially given the limitations imposed by the structure of the International
Criminal Court.
Key words: Human Rights, International Crime Court, Universal Jurisdiction, War
Crimes.
1. INTRODUÇÃO.
1
A ideia de Jurisdição Universal originou-se a partir da concretização dos novos
paradigmas do Direito Internacional Público – concepção fruto da Paz de Vestfália e
que vigorou até a contemporaneidade. Em um segundo momento, as atenções
deixaram de ser voltadas exclusivamente aos Estados e as Organizações
Internacionais e passaram a concentrarem-se no indivíduo como sujeito do Direito
Internacional.
Dessa forma, pode-se dizer que humanização do Direito internacional é o pilar
fundamental para o entendimento do Princípio de Jurisdição Universal e,
principalmente, norteia o novo paradigma de atuação do Tribunal Penal Internacional,
definindo-o, supostamente, como instituição naturalmente legitimada a realizar sua
aplicação.
O Direito Internacional clássico visava o estudo das relações dos Estados
entre si e com as demais pessoas do Direito das Gentes, concepção fundada na ideia
de que a existência de um ordenamento jurídico transnacional serviria apenas aos
interesses político-jurídicos de governos nacionais e não das sociedades por eles
reguladas.
Este modelo – que se diga de passagem com roupagem e alma ultrapassadas
– resultava na criação de barreiras para a persecução e responsabilização dos
indivíduos por seus crimes, pois eles sequer eram sujeitos de direito, uma vez que
eram considerados apenas procuradores dos interesses dos efetivos detentores da
responsabilidade: os Estados.
A sociedade moderna, consequência fidedigna da globalização, não suporta
o raciocínio de outrora, especialmente quando se fala de responsabilização por crimes
de genocídio, terrorismo3, guerra e agressão (fatos corriqueiros em diversas
localidades do globo). E principalmente, quando se entende que há a obrigação de
proteger os direitos humanos (na esfera internacional) e os direitos humanitários,
premissas que hoje são de maior destaque na operação jurídica.
Pretende-se demonstrar ainda, as dificuldades para a aplicação da Jurisdição
universal pelo TPI, isso sem olvidar que um Direito Internacional incapaz de
responsabilizar o indivíduo infrator por atrocidades cometidas no âmbito da sua
3 Aqui vale uma importante nota: através da Lei n. 13.260/16, o Brasil tipificou o crime de
terrorismo (arts. 2º a 6º). Ademais, impende destacar ser a Justiça Comum Federal competente para
seu processamento e julgamento (inteligência dos art. 109, IV, da CR/88 e art. 11 da Lei 13.260/16).
2
aplicação, além de criar a sensação de impunidade perante a sociedade internacional,
seria um choque frente a todos os avanços conquistados pós-Segunda Guerra.
2. JURIDIÇÃO UNIVERSAL.
3
dessas palavras, pois ora jurisdição significa a competência de um tribunal para julgar,
ora representa os limites territoriais que o tribunal tem para agir.7
Outra vertente funde o conceito de jurisdição com soberania, problema
bastante complexo a ser exaurido pelo Princípio da Jurisdição Universal, pois este
nada mais é do que supressão e o afastamento da soberania de um Estado, ainda
que de forma temporária e específica, para que se exercite a supremacia de um
interesse comum a humanidade, e não interesses internos das nações. Logo, a
soberania se confundiria com a personalidade jurídica do Estado, sendo sua essência
e maior característica. Já a jurisdição seria as especificidades dessa entidade
soberana, seus meandros, como direitos, liberdades e poderes.8
Apesar das diversas interpretações possíveis, não se pode limitar a jurisdição
em sua definição mais comum de soberania, visão consideravelmente reducionista, a
qual delimita sua capacidade e aplicabilidade. Isso porque a ideia de jurisdição não se
aplica apenas a determinado Estado que tenha seu direito de exercício. Em
contraponto, existem muitas circunstâncias, dependendo da sua natureza e
especificidades no caso concreto, em que um Estado não possuirá o direito de regulá-
la9. Neste aspecto, surge a jurisdição universal como elemento essencial, nos
momentos em que a natureza da ação clama por algo que vá além das limitações
conceituais preestabelecidas pelo direito interno e ainda não efetivamente
reformuladas pelo Direito Internacional.
Nesse caminhar, passa-se a estar presente a correlação necessária entre
jurisdição e o caso concreto, não mais intrinsecamente ligada ao território ou a
soberania, mas sim aos valores jurídicos infringidos em determinadas situações.
Ponto este, vale ressaltar, faz da jurisdição universal um princípio de direito
internacional norteador, e não apenas um conceito de direito internacional absorvidos
nas normatizações de direito interno.
A delimitação do tema jurisdição, de modo geral, e especialmente no âmbito
do Direito Penal Internacional, parte do pressuposto da delimitação territorial como
elemento fundante.10
Apesar do território ser um dos alicerces fundamentais do exercício do poder
estatal, não é suficiente para atender a conflitos que se desenvolverem na
4
circunscrição de determinado território, mas que tenham repercussão além deste, em
especial, nos casos onde há consequências extraterritoriais.11
Existem duas vertentes distintas em relação à compreensão da jurisdição
decisória no âmbito internacional. A primeira defende ser possível o Estado alegar sua
competência (jurisdição) conforme lhe for conveniente, salvo se houver regra
proibitiva. A segunda, proíbe o Estado de exercer sua capacidade jurisdicional
livremente, fazendo-o apenas quando for previsto em normas internacionais.12
Contudo, a nova dimensão interpretativa de alguns princípios se faz
necessária quando o tema incidir sobre o alargamento jurisdicional dos Estados. A
aplicação do fundamento central, mais especificamente, a jurisdição universal, tanto
enquanto instrumento de persecução penal, quanto como princípio interpretativo do
Direito Penal Internacional, passa pela releitura de alguns princípios “clássicos” no
Direto.
O primeiro, certamente é o Princípio da Territorialidade, ponto mais estável na
discussão da jurisdição, pois estabelece a liberdade dos Estados para o exercício da
jurisdição sobre os conflitos no seu território, desde que ao menos um dos núcleos
constitutivos da ofensa tenha ocorrido dentro das fronteiras nacionais.13
Historicamente, entretanto, o que se percebe é a expansão deste caráter
territorial, baseada na reformulação pelos Estados de seus próprios critérios de
territorialidade, como o entendimento de que navios e aeronaves compõe o território
nacional, por exemplo.
Dessa maneira, a territorialidade não pode ser absoluta na esfera do Direito
Penal Internacional, haja vista que muitas vezes se faz necessária sua releitura para
atingir os efeitos desejados pela norma, principalmente quando evidenciado a
ausência de efeitos absolutos e conflitantes com a soberania territorial.14
Consequentemente, em alguns casos, há a necessidade de relativização do Princípio
da Territorialidade Penal quando está inserido na órbita internacional em decorrência
11 Entende-se por jurisdição extraterritorial a aplicação da legislação penal brasileira aos crimes
cometidos no exterior, na forma do art. 7º do Código Penal. Vale ressaltar que esta espécie de jurisdição
adotada pelo ordenamento pátrio não se confunde com jurisdição internacional, conceito esse
formulado originariamente por Grotius (Das Leis de Guerra e Paz, 1625), que defendia que os piratas
eram inimigos de todos os seres humanos, e não apenas de suas vítimas, o que justificava que qualquer
nação era legítima para capturá-los e puni-los, independente da jurisdição circunscrita na sua atuação.
Ambos conceitos darão fundamento para a posterior elaboração da jurisdição universal.
12 RYNGAERT, 2008, p. 21, tradução dos autores.
13 CRYER, 2007, p. 40, tradução dos autores.
5
do fato de ser de caráter internacional, de modo a afetar a comunidade transnacional
como um todo.
Os Estados quando exercem sua jurisdição em assuntos além de suas
fronteiras devem preservar não só os interesses do seu povo, mas de toda a
humanidade. Ponto este, ressalta-se mais uma vez, não suprime sua soberania, mas
apenas alarga suas obrigações enquanto garantidor de direitos, agindo este como
agente de Direito Internacional e preservando os princípios fundamentais por este
estabelecido em seu compêndio de normas.15
O segundo é o Princípio da Nacionalidade. Sua origem remonta a Bartolus,
jurista medieval que desenvolveu a ideia na qual a lei estadual deveria obrigar os
nacionais no exterior. Em decorrência do seu ponto de vista inovador para época, suas
ideias são consideradas as primeiras manifestações da relativização da territorialidade
em favor da jurisdição extraterritorial.16 Jankov entende ser a nacionalidade uma base
jurisdicional para as condutas extraterritoriais e um aspecto da soberania, pois o
Estado fica apto a exercer seu controle sobre os nacionais mesmo além de sua esfera
de competência originária. Logo, sua razão de ser reside principalmente na hipótese
de impedimento constitucional de extradição de nacionais, presente em várias
constituições, permitindo que o Estado embora impedido de extraditar, possa
incriminar as condutas praticadas por seus nacionais no exterior, consideradas
violações às normas internacionais. 17
Nessa esteira, o princípio da jurisdição universal encontra-se estritamente
vinculado à mudança do núcleo fundamental do direito internacional ocorrida na
contemporaneidade. A Paz de Vestefália, resultado da Guerra dos Trinta Anos, trouxe
o modelo clássico de Direito Internacional que coloca a soberania dos estados
nacionais como objeto central do ordenamento jurídico transnacional. Esta concepção
de direito internacional manteve-se hígida até início do século XX, quando a transição
do centro de proteção voltou-se também para o indivíduo e não somente ao estado,
como outrora.
Pela Jurisdição Universal, cada estado tem competência para julgar
determinadas infrações que transcendem as fronteiras estatais. A base para isto é que
6
determinados crimes são considerados particularmente ofensivos à comunidade
internacional em seu conjunto.
São duas as categorias, inicialmente, que pertencem claramente à esfera de
jurisdição universal, estabelecendo-se a competência do Estado para processar os
infratores e puni-los, condenados, independentemente do local de prática do crime e
de qualquer vínculo ativo ou passivo de nacionalidade (do autor, vítima ou bem jurídico
ofendido) ou de outros critérios de competência reconhecidos pelo direito
internacional. Estes são a pirataria e crimes de guerra.
No entanto, há um crescente número de outros crimes que, por tratado
internacional, podem estar sujeitos à jurisdição das partes contratantes, formando
uma categoria distinta intimamente ligado ao conceito de jurisdição universal.18
Em breves linhas, entende-se por jurisdição universal o exercício da jurisdição
por um Estado ou pela Corte Internacional de Justiça desconsiderando-se o princípio
da territorialidade e da nacionalidade da vítima ou autor, ou mesmo qualquer outro
nexo que vincule a corte julgadora com o crime sob judice. Isso se justificaria, em
decorrência do vínculo necessário entre o crime e o julgador, uma vez que estaria
caraterizado pela gravidade do delito e o resultado erga omnes de seus efeitos.
O Princípio da Jurisdição Universal concede jurisdição aos Estados sobre
determinadas condutas que normalmente estariam fora de alcance do ius puniendi,
mas, por serem estes atos considerados “matéria de interesse público internacional”,
ultrapassam as barreiras da soberania em razão da persecução penal irrestrita19. Ou
seja, justifica-se a jurisdição ainda que sem nenhum ponto de relação aparente entre
o crime e o Estado de foro, seja o local da ação, a nacionalidade do suspeito ou da
vítima ou algum aspecto direto da soberania nacional diretamente lesado20.
18 SHAW, 2008, p. 668, tradução dos autores. A crítica nesse aspecto reside no fato se tratado
internacional está apto a criar tipos penais, ou seja, se enquadram substancialmente no conceito de lei
formal.
19 Irrestrita no sentido geográfico, tendo em vista necessidade de se garantir as normas
processuais a serem observadas, independentemente do fato criminoso, relacionando-se ao direito
penal do fato e não do autor.
20 No Brasil, pode-se dizer, em breves linhas, que a jurisdição extraterritorial encontra respaldo
no artigo 7º do Código Penal, especialmente no inciso II, alínea “a”, haja vista ser o Brasil signatário
do Tratado de Roma (art. 5º, §4º, da Constituição Federal de 1988).
7
A criação do Tribunal Penal Internacional tem sua origem nos tribunais ad hoc
da ex-Iugoslávia e Ruanda, criados por iniciativa do Conselho de Segurança da ONU
na década de 90. A necessidade de se criar um tribunal permanente e competente
para julgar crimes mais graves que afetam a comunidade internacional no todo se
mostrou latente neste período, especialmente em decorrência da disseminação de
crimes contra a humanidade, de genocídios e terrorismo.
A inconstância e a segurança jurídica relativa dos tribunais de caráter ad hoc,
uma vez que são criados para e depois dos fatos criminosos, conforme dito,
resultaram da necessidade de formação do TPI, com características de estabilidade e
permanência. Esta estabilidade institucional e legitimidade traria como consequência
uma garantia de decisões imparciais e respeito a anterioridade penal.21
O projeto do TPI desenrolou-se entre 1989 a 1994, quando a Comissão de
Direito Internacional das Nações Unidas concluiu os estudos do tema e o finalizou. No
comitê preparatório ad hoc, em 1995, estabeleceu-se uma conferência diplomática
(1996-1998), onde mais de 150 estados debateram ao longo de cinco semanas para,
no fim, 120 assinarem o Estatuto de Roma. O Estatuto do TPI entrou em vigor em 1
de julho de 2002, tendo os primeiros 18 juízes sido eleitos em fevereiro de 2003.
A fundação de uma Organização Internacional como o TPI é de extrema
relevância na história do Direito Internacional, pois é o primeiro tribunal internacional
dotado de personalidade jurídica que, a despeito de ter sido criado por meio de
Tratado, a amplitude de sua finalidade, indicaria uma efetividade erga omnes.
Não se pode ignorar que o TPI coexiste com Corte Internacional de Justiça,
órgão integrante da estrutura da ONU e responsável por penalizar os Estados pelos
mesmos atos sancionados aos indivíduos julgados pelo tribunal. Vale lembrar que
apesar do TPI não ser órgão das Nações Unidas, ambos possuem uma relação de
cooperação em suas atividades.
A estrutura do TPI organiza-se em um juízo de instrução, um juízo de primeira
instância, o grau de recurso e um procurador. Cada órgão da instituição possui suas
responsabilidades e competências claramente estabelecidas.
A Presidência administra de forma geral o Tribunal, exceto o escritório do
procurador. Compõe-se por três juízes do Tribunal, eleitos para o cargo pelos demais,
para um mandato de três anos.
8
As divisões judiciais têm dezoito juízes distribuídos na Divisão de Pré-
Julgamento, Divisão de Julgamentos e na Divisão de Apelações. A distribuição nas
suas divisões é feita com base na natureza das funções de cada uma delas e nas
características e histórico profissional destes juízes. O objetivo com isto é que cada
divisão tenha um equilíbrio entre julgadores especializados em direito penal e
internacional. O escritório do procurador recebe as denúncias a respeito de crimes
circunscritos na jurisdição do Tribunal, para que avalie e investigue dando
prosseguimento do caso perante o Tribunal.
O Procurador, chefe do escritório, é eleito pelos Estados Partes para um
mandato de nove anos e possui dois Vice-Procuradores. Por fim, o Secretariado é
responsável pela parte administrativa propriamente dita do Tribunal. Tem como chefia
o principal oficial administrativo do Tribunal, além de responder hierarquicamente à
autoridade do Presidente do Tribunal.22
Além destes, é composto por uma Assembleia de Estados Partes com
poderes normativos. Os idiomas oficiais de trabalho são o chinês, espanhol, francês,
inglês, árabe e russo. O Tribunal tem como sede a cidade de Haia-Holanda, o que não
impede que se reúna em outros locais quando houver necessidade.
O objetivo nuclear do TPI é aplicar a lei (tratado) nos casos de prática,
reiterada ou não, de crimes contra a humanidade, especialmente quando se verificar
no caso concreto a possibilidade de impunidade em razão da omissão jurisdicional do
Estados originalmente competente.
Entretanto, em razão dos Princípios da Subsidiariedade e da
Complementariedade23, regras delimitadoras de atuação do TPI a uma “atividade
secundária”, pretende-se resguardar e equilibrar o Princípio da Soberania dos países
que aderiram o Tratado de Roma. Em outras palavras, a persecução penal realizada
pelo TPI é lastreada pela ideia de ultima ratio, tornando-a insuficiente em
determinados casos, especialmente naqueles onde a jurisdição nacional é utilizada
como forma de subterfugio à aplicação da lei (tratado ou norma de jus cogens).
Como consequência lógica de sua finalidade, o Tribunal Penal Internacional,
através dessa característica, visa, principalmente, a solucionar aquelas situações em
23 BARROCA, 2013.
9
que os autores morais e materiais dos crimes contra a humanidade permanecem
impunes por omissão do poder judicial dos Estados dos quais fazem parte.24
Neste ponto, existe o conflito aparente em como coordenar a ação dos
tribunais internacionais com os nacionais em razão da sobreposição da soberania, na
medida em de ambos se julgam competentes para analisar o mesmo fato, sem perder
de vista a inocorrência do critério hierárquico como forma de solucionar a lacuna.
Cassese afirma não haverem regras internacionais gerais para resolver este
obstáculo25, assim como também não há regras consuetudinárias internacionais para
solucionar a jurisdição concorrente entre dois ou mais Estados resultantes da
aplicação de distintos princípios, como a opção do elemento território por um Estado
e da nacionalidade do indivíduo por outro. 26
Quanto aos critérios de jurisdição adotados, importante mencionar que a
jurisdição do Tribunal Penal Internacional define-se ratione materiae e destina-se aos
crimes mais graves de repercussão internacional, como genocídio, crimes contra a
humanidade, crimes de guerra e crimes de agressão (arts. 5ª ao 8º do ETPI). Também
se inclui a ratione temporis, haja vista suas normas não retroagirem para fatos
praticados anteriormente a data de entrada em vigor do Tratado de Roma (art. 11,
item 1, do ETPI).
Ainda, é ratione personae, na medida que limita a jurisdição aos Estados
partes do Estatuto, quer seja o território, embarcação ou aeronave onde foi cometido
o crime, ou o Estado na nacionalidade do acusado (art.12 do ETPI).
Em relação a controversa questão da maioridade para fins de aplicação da lei
penal, no Tratado de Roma foi estabelecido que o TPI é competente para julgar
pessoas maiores de 18 anos, estando excluída a responsabilidade criminal de
pessoas jurídicas, como empresas transnacionais e dos próprios Estados (arts. 25º
ao 28º do ETPI).
As análises das supostas violações podem ser requeridas pelo Procurador-
Chefe, por um Estado signatário ou pelo Conselho de Segurança da ONU (art. 13º,
ETPI). Nos termos do art. 15º do Estatuto, o Procurador-Chefe pode iniciar a
investigação preliminar sem denúncia formal, a partir de informações que chegue ao
10
seu conhecimento. A autorização para abrir o inquérito deve ser destinada ao juízo de
instrução, o que impede a politização do impulso processual.
A denúncia, ato deflagrador da persecução naquele Tribunal, deve ser
apresentada pelo procurador ao juízo de instrução, observando-se o Princípio do Ne
bis in idem, presente no art. 20 do ETPI. A denúncia deve ser recusada e sua
inadmissibilidade decretada, ainda que caiba recurso ou mesmo que o caso já tenha
sido analisado pelo Estado a quo, se este mesmo estiver optado por não acusar, se o
acusado já estiver sido julgado ou se o caso não for suficientemente grave.27
4. PRINCIPAIS PRECEDENTES.
11
cativeiro, o recluso foi encaminhado, no dia 22 de maio de 1960, para Israel, local
onde foi processado e sentenciado à morte por enforcamento no dia 15 de dezembro
de 1960 (execução realizada em 31.05.1962)28.
Devido às peculiaridades do “caso Eichmann” passou-se a discutir o papel
dos Estados na persecução dos crimes de lesa-humanidade e da soberania (limites
territoriais) como supostos entraves à aplicação de uma Justiça Universal.
12
supostamente perpetrados. Vale destacar que o caso Israel vs. Eichmann, acima
citado, foi usado como precedente (em sede de obter dictum) pelo juízo espanhol.
No ano de 1998, Pinochet viajou à Inglaterra, país em que sempre manteve
relações amistosas desde a época do seu regime ditatorial, pois, historicamente,
auxiliou os britânicos na Guerra das Malvinas.
Na oportunidade, o juiz espanhol Garzón solicitou ao governo britânico a
extradição de Pinochet (na condição de senador) fundada na Convenção Europeia de
Extradição de 1957 e no próprio ordenamento jurídico inglês. Na oportunidade foi
emitido um mandado internacional (international warrant), tendo sido o ex-governante
preso e processado.
Em um primeiro momento31, o Tribunal de Divisão na Inglaterra decidiu que
Pinochet era imune à extradição em razão da condição de ex-chefe de Estado que
ostentava e também porque teria cometido crimes encampados por “atos oficiais”.
Convém ressaltar que a mesma tese defensiva foi utilizada, sem sucesso, pela defesa
dos acusados nos Tribunais “Ad Hoc” de Nuremberg e de Tóquio.
Na sequência, a House of Lords rejeitou o argumento de imunidade de
jurisdição e afastou a tese dos “atos oficiais”, haja vista que o crime de tortura não
pode ser considerado como um ato inerente às prerrogativas estatais. Entretanto
julgamento foi anulado em razão da suspeição do Lord Hoffman.
Em um terceiro julgamento, a House of Lords novamente afastou os
argumentos da imunidade de jurisdição e a tese dos “atos oficiais”, todavia
fundamentou sua decisão na Teoria da Dupla Incriminação (doublecriminality) e
limitou a aplicação dos crimes de tortura ao ano de 1988, data em que a Convenção
Contra a Tortura foi incorporada pelo ordenamento inglês32.
Lado outro, o juiz espanhol Garzón reafirmou ao governo britânico que ainda
recaia sobre Pinochet diversas acusações de torturas praticadas após o ano de 1988,
de modo que decisão de extraditar ou não o ex-presidente foi delegada ao Secretário
de Assuntos Inglês, cargo ocupado na época pelo Sr. Sack Straw.
Straw, inicialmente, mostrou-se favorável à extradição sustentando pela
última decisão da House of Lords e a inexistência de imunidade de jurisdição, mas
13
devido a avançada idade de Pinochet e seu debilitado estado de saúde, reviu seu
posicionamento e autorizou o senador a retornar ao Chile.
Da conclusão do Caso Pinochet, desencadeou-se no âmbito do Direito
Internacional a discussão sobre a aplicação do Princípio da Jurisdição Universal33, a
indiferença da qualidade de oficial34, a discussão sobre o duplo processo e o non bis
in idem e uma maior intensificação da persecução criminal internacional.35
14
Noutra ponta, não se pode confundir o dever de aut dedere autjudicare
(entregar ou processar) com o Princípio da Jurisdição Universal, ainda que haja uma
área de sobreposição substancial entre eles.
Ambos são de caráter transnacional e tomam como ponto de partida a noção
de que a justiça é melhor servida assegurando que os autores de crimes graves sejam
levados a julgamento, se não em um fórum, então, em outro.
Uma diferença importante é que o leque de crimes abrangidos por princípios
da Jurisdição Universal contemporâneos é consideravelmente mais estreito do que
coberto por várias convenções aut dedere. Nesse ponto, fica evidente onde há maior
abismo: a cláusula extraditar ou perseguir é normalmente estabelecida via tratado ou
por meio de direito costumeiro internacional; a Juridição Universal é tida como
unilateral, incondicionada a recusa de extradição até mesmo quando previsto em
tratato.39
Superadas as delimitações estabalecidas no presente trabalho, pode-se dizer
que o TPI adota a Juridição Universal como princípio base? A premissa pode parecer
simples, mas, na verdade, pode implicar na reestruturação do modelo previsto para a
Corte Internacional. Isso porque, se a Juridição Universal for aplicada, o TPI poderá
julgar nacionais de qualquer país, ainda que não signatário do Tratado de Roma,40
independentemente de sua nacionalidade ou do local da prática do crime.
Nesse caminhar, é possível delimitar três casos onde nacionais de países não
signatários do Tratado de Roma podem ser julgados pelo TPI: na hipótese de um
nacional de país não signatário cometer um delito em um país adepto ao TPI; na
hipótese do estado não signatário e em razões das especificidades do caso, aceitar a
competência do TPI; por último, quando, a pedido do Procurador-Chefe, for
referendado pelo Conselho de Segurança da ONU.
O que se vê nesse aspecto é a dificuldade de aplicação irrestrita da Jurisdição
Universal, em especial pela ausência de ratificação do estado e da nacionalidade do
param após o insucesso da tentativa nacional, buscar remédio no plano internacional. (RAMOS, 2012,
p. 114).
39 STEWART, 2015, p. 398, tradução dos autores.
40 Deve ser esclarecido, a despeito das controvérsias, que, caso um crime seja praticado no
território de qualquer estado signatário do Tratado de Roma por um nacional em que seu estado de
origem não faça parte do TPI, ainda assim persistirá a competência do TPI.
15
autor dos fatos41, de modo que não vem sendo aplicada pelo TPI também por
consequência lógica pela barreira criada pelo Princípio da Subsidiariedade.
Outro aspecto digno de nota, refere-se à possibilidade de aplicação da
Jurisdição Universal por meio da celebração de tratados, entregando a jurisdição
nacional ao TPI. Segundo Akande42, a hipótese aventada não possui respaldo legal,
isso porque seu estatuto também é limitado pelo consenso dos estados-parte em
razão da territorialidade ou nacionalidade, prevalecendo, primeiro, a cláusula
perseguir ou extraditar. Ademais, vale dizer que não há precedente nesse sentido até
o presente momento.
Ainda há um grande risco de existir tratamento desigual entre os estados que
poderia levar ao aumento de tensões43 ou mesmo a negociações entre eles,
especialmente àqueles não integrantes do Estatuto de Roma, considerando que os
crimes internacionais sujeitos à jurisdição universal nem sempre serão perseguidos
na prática em razão da complementariedade do TPI.44
Por último, o Tribunal Penal Internacional por diversas vezes negou a
aplicação da Jurisdição Universal em decorrência das razões já expostas. Contudo,
no caso Al-Bashir45, a Corte, que se manifestou por provocação do Procurador-Geral
com anuência do Conselho de Segurança da ONU, entendeu que sua jurisdição,
nessa hipótese, estende-se a todos os países que participem daquela Organização
Internacional, independentemente da nacionalidade do autor ou de fazerem parte do
Tratado de Roma46.
A decisão no caso “al-Bashir” não aplicou de fato o Princípio da Jurisdição
Universal, pois a Corte entendeu que sua jurisdição poderia ser estendida tão somente
aos países signatários da Carta de São Francisco e não a todo e qualquer estado
ilimitada territorialmente.
41 Vale lembrar que os Estados Unidos da América não são signatários do Tratado de Roma.
Ademais, por meio do principal American Legal Objection, reconheceu que qualquer julgamento de um
nacional pelo TPI sem seu consenso configuraria ofensa ao Direito Internacional.
42 2003, pp. 621/623, tradução dos autores.
43 As pressões entres estados, ainda que ilícitas, podem se dar através de fatores econômicos,
embargos, rompimento das relações diplomáticas, represálias, etc.
44 XAVIER, p. 395, 2006, tradução dos autos.
46 DIMITRAKOS, 2014.
16
Ao arremate, não se pode perder de vista se tratar de uma decisão peculiar e
inovadora no âmbito internacional pois, ao menos, superar o argumento da “não
adesão ao TPI” pelo estado onde o acusado foi encontrado ou mesmo em relação a
sua nacionalidade.
6. CONCLUSÕES.
17
isenta de críticas, e sua utilização de forma desregulada poderia causar ainda mais
violações em relação ao fim que ela se propõe.
7. REFERÊNCIAS.
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19
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20