8.4 O Circuito RL

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8.

4 O circuito RL
I Como a lei das malhas sofreu uma alteração, devemos rever os antigos
resultados da seção 5.5 que trata de circuitos. Começamos com o
circuito simples de um resistor ligado numa fonte como aquele da
E R figura 8.4.1.
Fig. 8.4.1 Circuito simples de uma malha com fonte de voltagem ideal ligada num
resistor.
No lugar da antiga lei das malhas
−E + RI = 0 (8.4.1),
vale agora
dΦm
−E + RI = − (8.4.2).
dt
Nesta fórmula, Φ m é o fluxo magnético através da área da malha, aquela área que está
mostrada hachurada na figura 8.4.2.
I Fig. 8.4.2 Circuito da figura 8.4.1 com indicação de área de integração para cálculo
de fluxo magnético.
E Então tudo que fizemos na seção 5.5. estava errado? Não, enquanto não
R
mexemos com ímãs perto do circuito e enquanto discutimos somente
correntes estacionárias, a antiga análise é válida. Mas, mesmo sem a
presença de ímãs, o termo do lado direito da fórmula (8.4.2) tem que ser considerado
quando há variações temporais da corrente. Porque, neste caso, o campo magnético
gerado pela própria corrente terá uma dependência temporal e o termo d Φ m / dt será
diferente de zero.
Agora, diferente de zero pode ainda significar um valor tão pequeno que d Φ m / dt seja
desprezível em comparação com o RI . A importância do termo d Φ m / dt depende de
três fatores: a rapidez das variações da corrente, o tamanho da área do circuito e a
exigência de precisão para a corrente I ( t ) . Esta área depende da geometria. Se a forma
da malha for uma forma simples, retangular de alguns centímetros de extensão e se
olharmos as correntes numa escala de tempo de segundos querendo saber seus valores
com precisão de, digamos, uma parte em 104, podemos tranquilamente desprezar o
termo d Φ m / dt . Mas, se olharmos para fenômenos na escala de picossegundos, ou se
estendermos a malha em volta de um campo de futebol, a situação muda.
I Fig. 8.4.3 Circuito simples de uma malha com fonte de voltagem ideal ligada num
resistor com uma indicação que a geometria da malha não permite desprezar o termo
da indução magnética.
E L
Geralmente os circuitos de eletrônica cabem em caixinhas de alguns
centímetros e normalmente não temos interesse em estudar uma malha
R que contorna um campo esportivo. Mas, com uma geometria diferente
dos condutores, a área de integração pode ser grande mesmo com um
circuito que cabe numa caixa de sapato. Basta que enrolemos o fio
formando um solenoide. Para indicar num esquema de circuito que a área de integração
é tão grande que o termo d Φ m / dt não deve ser desconsiderado, desenha-se no caso
uma parte dos fios de conexão em forma de espiral como indicado na figura 8.4.3.

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Para poder considerar o termo indutivo na lei das malhas (8.4.2), precisamos de uma
fórmula que expresse o fluxo magnético Φ m em termos da corrente I da malha. O
leitor que se lembra da lei de Biot-Savart e das dificuldades de calcular integrais de
superfície, certamente sentirá neste momento uma sensação desagradável de horror.
Mas a situação é menos grave do que parece. Por mais complicada que a lei de Biot-
Savart possa ser, a relação entre corrente e campo é linear. A integração que relaciona o
campo com o fluxo também é uma operação linear. Então não resta outra; o fluxo Φ m
deve ser proporcional ao valor da corrente com uma constante de proporcionalidade que
é determinada pela geometria da malha. Este fator de proporcionalidade é chamado de
indutância da malha e é abreviado pela letra L . No circuito, o valor L é anotado ao
lado do símbolo que indica que a parte indutiva não pode ser desprezada. Então temos
Φm = LI (8.4.3)
A definição da indutância da malha envolve uma escolha de orientação. Como sempre a
orientação da superfície que define o fluxo está atrelada à orientação da integração de
linha sobre a beirada da superfície. Lembrem-se de que os termos da esquerda da
 
fórmula (8.4.2) fazem parte da integral de linha ∫ E ⋅ d  . Da maneira como a fórmula
(8.4.2) está escrita (com + RI ), a seta de definição da corrente aponta no mesmo sentido
da integração. Juntando esta informação com a regra da mão direita percebemos que a
constante de proporcionalidade L é necessariamente positiva.
Podemos usar Vs como unidade do fluxo magnético e A como unidade da corrente.
Consequentemente a combinação de unidades Vs A −1 pode ser usada como unidade da
indutância. Esta unidade recebeu o nome de Henry e é abreviada com H:
H = Vs A −1 (8.4.4)
def .

O cálculo da indutância L para uma dada geometria de malha pode de fato ser muito
difícil. Na próxima seção faremos um cálculo destes, mas de forma aproximada.
Consideraremos um circuito de geometria retangular com uma parte do fio enrolada
densamente formando um solenoide comprido. Neste caso, a contribuição para o fluxo
da parte da superfície da malha que fica dentro do solenoide pode ser calculada, e a
parte do retângulo externo será simplesmente desprezada. Ou seja, a maior parte da
indutância provém do solenoide, e o resto é geralmente desprezado. Desta forma fala-se
da “indutância do solenoide” e considera-se este como um novo elemento do circuito
chamado de indutor. Mas, na verdade, a indutância é uma propriedade de toda a malha.
Aqui vamos analisar somente circuitos que não mudam sua geometria temporalmente.
Então esta constante de proporcionalidade L não depende do tempo e a lei das malhas
toma a seguinte forma:
dI
−E + RI = −L (8.4.5)
dt
No lugar da equação algébrica (8.4.1), de que tratamos na seção 5.5, temos agora uma
equação diferencial para a função incógnita I ( ⋅) . Esta equação é do tipo inhomogêneo
-linear com uma inhomogeneidade constante. Já temos vasta experiência com este tipo
de equação. Faremos a tentativa de uma solução particular constante: I p = const. .
Quando substituímos esta tentativa na equação, resulta exatamente a equação algébrica
da seção 5.5:

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−E + RI p = 0 (8.4.6),

cuja solução é I p = E / R . A equação homogênea é a velha conhecida da caderneta de


poupança com uma taxa de juros negativa: − R / L . Então a solução geral é
E  R 
IG ( t ) = + A exp − t  (8.4.7).
R  L 
I Qual seria uma condição inicial realista para este circuito?
Certamente este circuito foi montado em algum momento. Ele não
existiu deste o início do mundo. Então a malha não estava sempre
E L
fechada. Podemos explicitar este fato, desenhando um interruptor no
circuito, como na figura 8.4.4. Vamos escolher a origem na escala
dos tempos como o instante no qual se fecha o interruptor.
R
Fig. 8.4.4 Circuito da figura 8.4.3 com interruptor aberto.
Podemos introduzir o interruptor também na fórmula da lei das
malhas (8.4.5). Basta que consideremos o resistor e o interruptor como dois resistores
em série cuja resistência equivalente depende do tempo.
dI
−E + Requiv I = −L
dt
com (8.4.8).
∞ para t < 0
Requiv ( t ) = 
 R para t ≥ 0
Para t < 0 a corrente é zero e a derivada desta função constante é zero também. Portanto
o lado esquerdo da equação (8.4.8) é zero para tempos negativos. No instante t = 0 , o
valor do lado esquerdo desta equação pula descontinuamente para um valor diferente.
Mas este pulo é certamente finito, pois agora todas as expressões adquirem valores
finitos. Se integrarmos a equação (8.4.8) sobre o tempo começando num instante t1 e
terminando num instante t2 obtemos:
t2

∫ {− E + R ( t ) I ( t )} dt
t1
equiv = − L { I ( t2 ) − I ( t1 )} (8.4.9)

O fato de que o integrando do lado esquerdo é uma função limitada implica que o valor
desta integral necessariamente tende a zero quando mandamos t2 para t1 . Então segue

lim I ( t2 ) = I ( t1 ) (8.4.10),
t2 →t1

e a função I ( ⋅) é necessariamente uma função contínua. Isto é um resultado importante:


mesmo acionando interruptores abruptamente, a lei de indução garante que os valores
das correntes num circuito não pulam!
Para o nosso caso, esta continuidade da função I ( ⋅) fornece a condição inicial
I ( 0 ) = 0 . Com esta condição obtemos a solução

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 0 para t < 0

I (t ) = E   R  (8.4.11)
R 1 − exp − t   para t ≥ 0
   L 
A figura 8.4.5 mostra o gráfico desta função. A figura 8.4.6 mostra uma realização
experimental com uma bobina de
I 9,70 mH. Nesta experiência usei o
E /R
osciloscópio para o registro da corrente
embora este instrumento funcione como
um voltímetro e não como amperímetro.
Para obter informação a respeito da
corrente, meço a tensão no resistor e esta
tensão é proporcional à corrente.
Fig. 8.4.5 Gráfico da solução (8.4.11).
0 L/R
t

Fig. 8.4.6 Realização experimental do


circuito da figura 8.4.4. Configuração do
osciloscópio: t: 40µs/Divisão , y: Acopalmento=DC,
Ponta 10x, 5 V/Divisão, Trigger Sweep= Single, Edge,
Slope +.

O circuito que discutimos pode ainda


ser simplificado. Podemos eliminar a
fonte como indicado na figura 8.4.7.
I Na seção 5.5, onde
estudamos circuitos no
regime estacionário,
L
este circuito teria sido
trivial. A solução do
problema seria simplesmente I = 0 .
R
Fig. 8.4.7 Circuito RL sem fonte.
Mas, admitindo correntes variáveis no tempo, este circuito é
interessante. Podemos escrever a solução geral imediatamente. Basta escolher E = 0 na
solução geral do circuito que acabamos de discutir:
 R 
I ( t ) = I 0 exp − t  (8.4.12)
 L 
Naturalmente deve-se injetar alguma corrente inicial I 0 ≠ 0 para obter uma solução
interessante. Esta criação de condição inicial pode, por exemplo, ser realizada com a
ajuda de um campo magnético externo que varia abruptamente.
O que é interessante nesta solução é o balanço de energia. A corrente que flui no
circuito resulta na deposição de energia térmica no resistor. A potência depositada neste
resistor vale
2  R 
P (t ) = R ( I (t )) = R I 0 2 exp −2 t  (8.4.13)
 L 

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A energia total depositada durante o intervalo de tempo [ 0, ∞ ) é
∞ ∞
 −L   R  L 2
∫ P ( t ) dt
2
E = = R I0   exp −2 t  = I0 (8.4.14)
0  2R   L 0 2
De onde surgiu esta energia? Acreditando numa lei de conservação de energia,
concluímos que esta energia deve ter existido inicialmente em forma de energia do
campo magnético. Então chegamos a uma conclusão importante: a energia do campo
magnético de uma malha de indutância L na qual corre a corrente I 0 vale

L 2
EMag = I0 (8.4.15)
2

Esta fórmula é fácil de lembrar depois de ter aprendido a fórmula da energia elétrica
num capacitor
C 2
EEl = VC (8.4.16),
2
que é, por sua vez, inesquecível por causa da sua semelhança com a energia cinética de
uma partícula.
Terminamos esta seção com a discussão de uma desagradável combinação do resultado
da energia magnética com a continuidade da função I ( ⋅) . O que acontece quando você
toca com as duas mãos nos polos de uma bateria de carro, que tem uma eletromotância
de 12 V? - Nada de especial!
A resistência do seu corpo é L , R = 12 Ω L , R = 12 Ω
tão elevada que a corrente
que atravessa o seu corpo é
fraca demais para sentir 12V 12V
algum efeito. Mas se
envolvermos um indutor
neste contato com a fonte, I
podemos ter surpresas 1A
desagradáveis. Imagine o
seguinte circuito.
t
Fig. 8.4.8 Como levar um choque
numa bateria de 12V.
Um solenoide de indutância L e resistência pequena, digamos de 12 Ω , está ligado
com uma das suas terminações num dos polos de uma bateria de carro de 12 V. A outra
terminação é um fio desencapado que você segura na sua mão direita. A sua mão
esquerda segura um fio desencapado ligado no segundo polo da bateria. Agora você
fecha o circuito. Depois de alguns milissegundos se estabelece neste circuito uma
corrente de aproximadamente 1 A. Até este ponto não há nada desagradável nesta
experiência. Mas depois de algum tempo você resolve separar os dois fios. Agora entra
a continuidade da função I ( ⋅) na história. O ato de separar os fios repentinamente
substitui a resistência de 12 Ω desta malha pela resistência alta do seu corpo em série
com os 12 Ω da bobina. Mas a corrente continua no valor de 1 A e esta corrente
atravessa agora o seu corpo. 1 A fluindo no corpo humano não é nada agradável!

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Felizmente este valor alto da corrente decai rapidamente de forma exponencial com
constante de tempo L / ( Rcorpo + R ) . Dependendo dos parâmetros L e Rcorpo , a
experiência pode ser apenas uma brincadeira, ou pode apresentar perigo de morte1. O
que se deposita de energia no corpo é a energia magnética armazenada na bobina. A
figura 8.4.8 mostra esta “brincadeira” esquematicamente.
O que era apenas uma “brincadeira” pode ser um problema para certos circuitos
eletrônicos. É comum que se queira ligar ou desligar uma corrente de elevado valor
controlado por um circuito eletrônico. Uma chave mecânica, ou seja, um interruptor é
ainda o meio mais simples para ligar e desligar correntes de alto valor. Mas o
acionamento deste interruptor deve funcionar eletronicamente. O dispositivo que
permite isto é um relé. Isto é simplesmente um interruptor cuja parte móvel é movida
por uma chapa de ferro que pode ser atraída por uma bobina quando se injeta corrente
na mesma. A figura 8.4.9 mostra um pequeno relé que é usado em automóveis.
Fig. 8.4.9 Relé automotivo. Neste relé a chave é
normalmente fechada e a injeção de corrente na
bobina cria um campo magnético que atrai a chapa
de ferro com um dos contatos da chave. O
movimento da chapa abre o interruptor. Em outros
relés a chave pode ser normalmente aberta. Há
também relés com várias chaves, alguns
normalmente abertos e outros normalmente
fechados.
Neste exemplo, uma corrente de apenas
20 mA pode chavear uma corrente de
vários ampères. Por sua vez a corrente de
20 mA pode ser chaveada com outro
dispositivo, a saber, um transistor. Este
dispositivo tem três contatos chamados de
emissor (E), base (B) e coletor (C). Uma
corrente de dezenas de miliampères
fluindo entre emissor e coletor pode ser
regulada ou também chaveada por uma corrente de alguns microampères entrando na
base. A figura 8.4.10 mostra como seria esta combinação de transistor e relé. Na
configuração (a) da figura se injeta uma pequena corrente (por exemplo 0,5 mA) na
base, e isto libera a passagem de corrente entre coletor e emissor. Depois de pouco
tempo, flui uma corrente pela bobina do relé que é limitada pela resistência do fio. No
caso do relé da figura 8.4.9, esta
resistência é pouco menor que
600 Ω , e com a alimentação de
12V 12V
bateria de carro fluem
IB>0 IB=0
aproximadamente 20 mA. Entre C C

coletor e emissor do transistor há B E B E

uma queda de tensão de apenas


0,3 V, e no transistor se dissipam (a) (b)
apenas 6 mW.
Fig. 8.4.10 Relé controlado por um transistor.
1
Não é aconselhável fazer esta experiência com as duas mãos. Isto cria um caminho da corrente passando
perto do coração. Melhor segurar ambos os fios com a mão direita. Também se deve fazer um cálculo
quantitativo antes. O autor não assume a responsabilidade para aplicações inadequadas.

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Na situação (b) da figura 8.4.10, não foi injetada corrente na base, e o trajeto emissor –
coletor não foi liberado. A bobina não recebe corrente e não atrai a chapa de ferro que
acionaria o interruptor.
O circuito da figura 8.4.10 apresenta um defeito. Quando se passa do estado (a) para o
estado (b), a continuidade de função I ( ⋅ ) resulta num problema sério. Os mesmos
20 A que antes depositavam apenas 6 mW no transistor, depositam agora no transistor
altamente resistivo uma potência enorme. Toda energia magnética armazenada na
bobina do relé é depositada no transistor. Isto pode destruir o transistor.
Há uma forma simples de evitar a destruição do transistor. A figura 8.4.11 mostra a
solução do problema. Coloca-se um diodo paralelo à bobina com a orientação tal que a
corrente de acionamento do relé não possa passar pelo diodo, mas a corrente que
destruiria o transistor possa circular pela malha formada pela bobina e o diodo.
Fig. 8.4.11 Proteção de
transistor com diodo.

12V 12V
IB>0 20 mA IB=0 I(t)
C C

B B
20 mA
E E

(a) (b) t

Exercício:

E 8.4.1: A figura mostra um circuito de duas malhas. O circuito foi montado um bom
tempo atrás. No instante t = 0 uma perna do resistor de 12 Ω quebra. a) Determine a
voltagem que aparece nos terminais do resistor de 12
0,12 mH MΩ no instante t = +0 (logo depois da quebra). b)
Calcule a energia dissipada no resistor de 12
MΩ durante o primeiro milissegundo após a quebra.
12V 12 Ω 12 ΜΩ
local de ruptura
Fig. 8.4.12 Circuito com mudança repentina de resistência.

E 8.4.2: Escreva os pontos de destaque da seção.

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