Autismo Sem Ismoa Nueurodiversidade e A Esperiencia Interior Por Uma Etnografia
Autismo Sem Ismoa Nueurodiversidade e A Esperiencia Interior Por Uma Etnografia
Autismo Sem Ismoa Nueurodiversidade e A Esperiencia Interior Por Uma Etnografia
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experiência interior por uma etnografia
não normativa
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Lisboa
2020
Autismo sem ismo: a neurodiversidade e a experiência
interior por uma etnografia não normativa
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Mayne Souza Benedetto
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Júri:
Presidente:
Doutora Maria de Fátima Calça Amante, Professora Associada do Instituto Superior de
Ciências Sociais e Políticas da Universidade de Lisboa;
Vogais:
Doutora Irene de Assunção Raposo Rodrigues, Professora Auxiliar do Instituto Superior de
Ciências Sociais e Políticas da Universidade de Lisboa, na qualidade de orientadora;
Doutora Maria Concetta Lo Bosco, na qualidade de especialista de mérito reconhecido.
Lisboa
2020
AGRADECIMENTOS
À minha orientadora Professora Doutora Irene Rodrigues, palavras não seriam suficientes para
exprimir a gratidão e o carinho que carrego comigo. Obrigada por ter aceitado me
acompanhar nesta jornada, pela atenção, pela paciência, pelas correções, pelas inúmeras e
sempre pertinentes sugestões de leitura, pelas mensagens respondidas nos fins de semana e
feriados, e pela calmaria que vinha de encontro com a minha ansiedade. Agradeço por nunca
ter me compreendido como sujeito passivo durante esta dissertação, mas sim, por sempre ter
estimulado a reflexão crítica e a autonomia. Aprendi muitíssimo, e levo esta experiência
comigo daqui em diante e para sempre, pois, como dizia Paulo Freire, o educador se eterniza
em cada ser que educa.
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À Professora Doutora Celeste Quintino, agradeço a extrema exigência, a crítica construtiva, e
por sempre esperar mais. Não há caminho que se obscureça na sua presença.
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Aos participantes desta pesquisa, agradeço por compartilharem comigo este planeta
particular, por toda a literalidade, expressividade do corpo, exagero e ausência. Agradeço por
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Aos meus pais, Marisol e Allan Carlos, pois nada seria possível sem vocês. Eu os amo de todo
meu coração e com toda a força do mundo. Obrigada pela coesão quando ela é necessária,
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por segurarem meus pés no chão quando não é hora de voar, e por soltarem quando digo que
estou pronta para partir.
Ao meu avô Albano, meu português favorito. Estar aqui não seria possível sem você.
À minha avó Preta, a flor mais bonita do meu jardim, a mulher da minha vida. Nossos corações
estarão sempre juntos. Nunca existiu saudade maior. Rá!
À minha filha peluda, Maggie, obrigada pelas patinhas, ronronadas, pela soneca partilhada,
você é a alegria de todo dia, e torna tudo sempre mais fácil.
Aos meus anjos, Bolota e Kittilina, não há um dia que vocês não estejam no meu pensamento
e eu sou grata por cada segundo que passamos juntos. Te amo, gordo! Te amo, magrela!
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RESUMO
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os conceitos de neurodiversidade e biossociabilidade através do sujeito cerebral.
Posteriormente, a abordagem prática, uma etnografia, que se fez presente através da
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participação observante, permitiu uma análise narrativa, e uma articulação teórica dos dados
recolhidos a partir do conceito de experiência interior, articulando o sagrado e o profano
contido na experiência dos sentidos onde a construção do conceito de sujeito se faz em
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distintas perspetivas.
Este estudo espera contribuir para o conhecimento empírico do autismo como uma
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ABSTRACT
This dissertation deals with what is understood as the Autism Spectrum Disorder and its
relation with the experience of the senses particular to these subjects in confrontation with
the culturally hierarchical senses in the West. The general objective of this dissertation was to
understand the autistic experiences of the pathologized individuals within the medical-
psychiatric discourse in the emergence of a concept under construction, neurodiversity, in
confrontation with the concept of inner experience.
The methodological approach begins with a brief genealogy of the concept of abnormality,
moral monstrosity, and the right to repair damage, so that I can explain these relationships
within the context in which autism was "discovered", and its theoretical articulation with the
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concepts of neurodiversity and biossociability through the cerebral subject. Subsequently, the
practical approach, an ethnography, which was present through observant participation that
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allowed a narrative analysis, and a theoretical articulation of the data collected from the
concept of inner experience articulating the sacred and the profane contained in the
experience of the senses, where the construction of the concept of subject takes place in
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different perspectives.
This study hopes to contribute to the empirical knowledge of autism as a culturally organized
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ÍNDICE
Introdução .................................................................................................................................. 1
1. Enquadramento teórico ......................................................................................................... 4
2. Metodologia ........................................................................................................................... 7
2.1 Genealogia ....................................................................................................................... 8
2.2 Por uma etnografia não normativa ................................................................................. 9
2.2.1 Participação observante em ambiente virtual ....................................................... 13
2.2.3 Análise narrativa .................................................................................................... 15
3. Autismo: uma breve genealogia .......................................................................................... 17
3.1 Neurodiversidade .......................................................................................................... 22
3.2. Biossociabilidade........................................................................................................... 25
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3.2.1 Sexo e género no espectro..................................................................................... 29
3.2.2 Diagnóstico e autodiagnóstico ............................................................................... 31
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4. Os sentidos e a abordagem social “anormal” ...................................................................... 36
4.1 O olfato .......................................................................................................................... 39
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4.2 O paladar........................................................................................................................ 41
4.3 O tato ............................................................................................................................. 45
4.3.1 A temperatura ........................................................................................................ 45
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ÍNDICE DE GRÁFICOS
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ÍNDICE DE TABELAS
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Tabela 11 - Atribuição de condição secundária entre designadas fêmeas no nascimento ..... 34
Tabela 12 - Atribuição de condição secundária entre designados machos no nascimento .... 34
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Tabela 13 - Sensibilidade ao odor ............................................................................................ 40
Tabela 14 - Sensibilidade ao sabor ........................................................................................... 43
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INTRODUÇÃO
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que o olhar do antropólogo, e neste caso, da antropóloga em questão, parte de uma
perspetiva autística. A imagem na capa representa o símbolo do movimento social da
neurodiversidade.
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A vontade de concretizar esta proposta vem da minha experiência como sujeito
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patologizado, embora, não tenha pretendido aqui defender nenhuma posição específica como
uma análise de dentro para fora, mas me debruçar sobre o contexto, refletindo sobre práticas
e discursos que de nenhuma forma estão desconectados de seus significados.
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Todavia, não se trata de uma antropologia nativa (Narayan, 1993), não posso reificar a
experiência de todos a partir da minha própria, todavia, é o meu olhar que empresto e que
dedico à composição desta dissertação e trabalho de escrita. Não sigo um modelo clássico de
etnografia, caracterizada por uma proximidade entre sujeitos precisamente porque entre os
autistas a proximidade física pode ser contraprodutiva para uma proximidade social.
Espero que esta dissertação sobre uma condição específica, mas também partilhada da
humanidade – a condição de sujeitos no espectro – possa contribuir para a área da
1
É importante ressaltar que eu optei conscientemente por utilizar identity-first-language (IFL) em oposição a
person-first-language (PFL), isso significa que utilizarei autista, ao invés de pessoa com autismo durante toda esta
dissertação. O raciocínio por trás dessa opção vem ao encontro da patologização expressa pela PFL, uma vez que
tendemos a utilizar a preposição com para doenças, ou ainda subentender que por detrás do autismo há uma
pessoa “normal”. Se disser pessoa com cancro, podemos supor que a pessoa possa tratar-se até que o cancro
não mais se manifeste, o que não acontece com o autismo, pois não há maneiras de deixar de sê-lo. Dito isso,
opto por uma abordagem humanizadora à semelhança da terminologia utilizada pela comunidade surda.
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antropologia da saúde, mais especificamente para um melhor entendimento das experiências
dos sujeitos autistas no mundo.
Logo, as perguntas que conduziram esta pesquisa foram formuladas nos seguintes termos:
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de que forma o saber-poder se faz ferramenta para a constituição e manutenção do discurso
médico-psiquiátrico? Qual a sua contribuição para a patologização da experiência do sujeito
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autista? E, como o conceito de experiência interior pode contribuir para a desobjetivação do
mesmo?
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A intenção foi trazer a objetivação da patologia a luz de uma nova categoria política,
chamada neurodiversidade (Singer, 2016), que argumenta que as diferenças neurológicas são
uma variação natural do genoma humano, uma vez que não me foi possível encontrar estudos
que preencham esta lacuna.
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1. ENQUADRAMENTO TEÓRICO
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Parti deste pressuposto, pois o diagnóstico do autismo nasceu dentro de instituições
psiquiátricas, num processo político de normatização dos sujeitos (Foucault, 2013). O médico
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austríaco Leo Kanner, por exemplo, começou sua carreira num asilo como psiquiatra infantil,
sendo que “quase todo o trabalho psiquiátrico era realizado em grandes instituições, grande
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Ou ainda, os estudos feitos no seio da psiquiatria nazista que corroboram com os rótulos
de funcionalidade do DSM3, atribuídos a Hans Asperger. “Ele não introduziu sua definição de
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psicopatia autista até que o nazismo controlasse seu mundo - e quando o fez, ele a definiu em
termos da retórica e valores do Reich.”4 (Sheffer, 2018, p.85).
2
“Será em toda a parte, o tempo todo, até nas condutas mais ínfimas, mais comuns, mais cotidianas, no objeto
mais familiar da psiquiatria, que esta encarará algo que terá, de um lado, estatuto de irregularidade em relação
a uma norma e que deverá ter, ao mesmo tempo estatuto de disfunção patológica em relação ao normal”
(Foucault, 2013, pp.139).
3
O DSM - Manual de Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais foi criado pela Associação Americana de
Psiquiatria e define como deve ser feito o diagnóstico de transtornos mentais.
4
Todas as citações em inglês serão traduzidas para o português e inseridas no corpo do texto pela autora a título
de clareza.
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Para posteriormente tratar de um conceito em construção, a neurodiversidade (Singer,
1999), desenhado a partir do modelo social de deficiência, que possui dois aspetos relevantes:
primeiro, nega a concepção do cérebro normal, o que compreendemos como uma deficiência
nada mais seria que uma variação natural do genoma humano; e, segundo, apresenta-se como
uma categoria política, como raça, género ou classe (Armstrong, 2011). Há, ainda, inúmeras
lacunas a serem preenchidas quanto ao seu entendimento, o que a torna um campo vasto,
onde abordagens inéditas podem ser construídas.
Na medida em que os sujeitos autistas se apropriam do termo, foi importante pensar sob
o conceito de biossociabilidade (Rabinow, 2002), ou seja, o agrupamento de sujeitos a partir
de rótulos médicos, pois embora a neurodiversidade se oponha a esse modelo, os autistas
parecem não se desassociar do transtorno, mas submeterem-se a ele, uma subjetividade
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objetivada, uma maneia de ser, mas que, no entanto, é expressa através de tecnologias
médicas e um discurso objetivante (Ortega, 2018).
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Sendo assim, discuti o indivíduo moderno enquanto sujeito, visto que a anormalidade é
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uma construção histórica, e não um referente biológico, através das bioidentidades. Para isso,
abordei o conceito de neurodiversidade (Singer, 2016), e posteriormente propus uma
discussão acerca da objetificação da subjetividade que se apresentou através da
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biossociabilidade, com o auxílio de Geertz (1989), Wagner (2018), Rabinow (2002) e Ortega
(2003, 2018).
Para que pudesse enfim tratar da experiência destes corpos por meio de uma ótica
antropológica, que não só abre espaço para a subjetividade autista se apresentar, como
também auxilia outros campos de conhecimento a construírem uma nova visão acerca do que
é compreendido como um transtorno que afeta a comunicação e a socialização (Grinker,
2010), além de abrir espaço para estudos interseccionais dentro do próprio movimento
neurodiverso.
No entanto, e para tal, se fez relevante pensar a experiência de duas formas distintas: a
primeira, é aquela que é ligada à vida social, às simulações bem ensaiadas de um ator sob uma
máscara, onde cada ação é determinada pela plateia, e que não se faz menos real por ser uma
performance (Goffman, 2014), ou seja, a experiência que se faz a título de expressão e
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comunicação, e que se encontra embebida nos significados que se erguem solidificados pela
cultura e pela linguagem.
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A partir da articulação destes conceitos teóricos, descrevi através de uma abordagem
prática como autistas experienciam a si e às suas emoções em confronto com as construções
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da experiência dos sentidos no Ocidente (Le Breton, 2016; Goffman, 2014).
A antropologia, mais do que outras disciplinas, possui sua grande capacidade de exorcizar
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as diferenças (Wagner, 2018). O autismo não seria uma exceção a essa regra, uma vez que
uma explicação interpretativa de temas de interesse sociocientíficos são a própria matriz do
trabalho etnográfico (Geertz, 1983).
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Logo, tratei através da antropologia de uma das designadas patologias sociais, neste caso
o que é compreendido como autismo, não somente a partir da compreensão dos mecanismos
de dominação e, neste caso, me refiro às formas de saber e dispositivos de poder, mas a partir
da abordagem etnográfica com a intenção de abrir espaço para a compreensão das
experiências destes sujeitos e da subjetividade contida nas diversas formas de ser e sentir,
pois embora não exista uma etnia correta, uma cultura correta, um género correto, e uma
forma correta de experienciar o mundo e a si, existe um poder que pauta a experiência
humana.
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2. METODOLOGIA
Posso afirmar que partilho de muitas características com outros no espectro, no entanto,
há diversos outros que me distanciam à semelhança de outros antropólogos no terreno (Abu-
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Lughod, 2018). Esta abordagem, portanto, não apresenta uma visão de dentro para fora ou
uma análise do outro sobre ele mesmo.
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“O indivíduo é sempre uma construção, nunca uma entidade encontrada ou natural,
mesmo que assim pareça (…), um eu por meio da oposição a um outro sempre acarreta uma
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Se trata, portanto, de uma pesquisa exploratória, uma vez que esta dissertação se coloca
como uma tentativa de reunir dados que permitam a compreensão da experiência de sujeitos
5
Ou seja, realizei o teste ADOS-2 (Escala de Observação para o Diagnóstico do Autismo), que se pauta na
observação da comunicação, interação social e jogos de uso criativo que aferem um diagnóstico de TEA –
Transtorno do Espectro do Autismo. O teste não funciona como uma triagem da população em geral, mas é sim
recomendado quando há quadro sugestivo, ou seja, a partir da indicação de um psiquiatra ou psicólogo após
classificação que indica “anormalidade” possível ou clara de comportamentos, interação social, e interesses
restritivos.
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no espectro a partir de uma perspetiva que desconheço ter sido aprofundada pela
antropologia6. Me guio por uma abordagem qualitativa, que nega a visão positivista, onde a
realidade externa espera ser desvendada a partir de aproximações da verdade (Bernard,
2006).
Sendo assim, a fim de responder à pergunta de partida e atender aos objetivos desta
dissertação, segue um breve descritivo das ferramentas metodológicas utilizadas.
2.1 GENEALOGIA
Me propus a tratar do autismo através de uma breve genealogia, pois esta traduz-se em
um instrumento de investigação que se debruça sobre o entendimento da singularidade dos
sujeitos, objetos e significações, a partir das relações de poder através de práticas discursivas
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e não-discursivas, uma “meticulosa redescoberta das lutas (...), a memória crua das lutas”
(Foucault, 2012, p.8).
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“A genealogia é cinza, meticulosa e pacientemente documentada, ela opera como um
campo enredado e confuso, como num documento que tenha sido rasurado ou copiado
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muitas vezes (…). Ela assume que as palavras tenham guardado seu significado, que o
desejo ainda aponte para uma direção única, e que as ideias tenham retido sua lógica. Ela
ignora o fato que o mundo dos discursos e desejos tenha sido invadido, que ele tenha
lutado, se disfarçado e tramado. Destes elementos, a genealogia retira algo indispensável:
a singularidade dos eventos e a sua monótona finalidade.”
(Foucault, 1977, p. 139)
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Embora Foucault nunca tenha se referido à genealogia como um método (Dreyfuss, H.;
Rabinow, P., 1995), esta é amplamente utilizada como tal, e que por sua vez permite o
enfoque sob o poder que não seja dependente da dialética da ideologia ou crença na
consciência dos sujeitos, uma vez que se coloca como uma abordagem antipsicológica (Hook,
2005), e neste caso, antipsiquiátrica.
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A base Scopus soma 1276 artigos, nas ciências sociais, maioritariamente voltados a experiência dos pais,
cuidadores e profissionais, e ainda estudos voltados a experiência escolar, concentrados no European Journal of
Special Needs and Communication, Educational Review, Dialogue e Journal of Autism and Developmental
Disorder. A base WOS soma 36 artigos, na antropologia, novamente voltados para pais, cuidadores e profissionais
de saúde, a exceção do “Articulating sensory sensitivity: from bodies with autism to autistic bodies” publicado
em 2020 na Medical Anthropology, que foca nas experiências de stress sensorial.
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Logo, faço uso da genealogia propositalmente ao contrário de trazer uma revisão histórica
do autismo, uma vez que não me debruço sobre articular fatos históricos a fim de dar-lhes
significado, mas apenas apresentá-los, uma vez que estes já se encontram atribuídos, a fim de
evidenciar o viés psiquiátrico e psicológico que se vê atrelado ao conhecimento legal desde o
início do século XIX (Foucault, 2010).
“Foucault tem em mente aqui os conhecimentos "ingênuos" ou populares (la savoir des
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gens) dos subjugados (a psiquiatra, o paciente, o perverso, o mal), aqueles conhecimentos
regionais e diferenciais devendo sua força à dureza com que eles se opõem tudo que os
rodeia. “
(Hook, 2005, p.5)
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Esta abordagem metodológica serve, portanto, para articular os conceitos de poder e
sujeito à medida que provê o contexto histórico social da anomalia a fim de identificar o
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Tendemos a supor que as interações face-a-face são mais legítimas, no entanto, esta
perceção é moldada por convicções sociais (Hine, 2015). Entrevistas presenciais, dependendo
dos sujeitos envolvidos na pesquisa e do próprio pesquisador, podem ser intrusivas e reativas
(Bernard, 2006), tratando-se do espectro do autismo, uma abordagem impessoal se colocou
como uma opção mais adequada, uma vez que levei em consideração a sensibilidade sensorial
(American Psychiatric Association, 2013) experienciada pelos participantes.
A seleção dos sujeitos foi feita através de uma amostra construída de forma não-
probabilística e por conveniência, uma vez que participaram nesta pesquisa indivíduos que se
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se disponibilizaram e se identificaram como diagnosticados ou autodiagnosticados autistas
(Bernard, 2006), tendo sido contactados a partir do meu círculo de interação social.
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Tabela 1 - Atribuição por idade
Se tratando da localização dos mesmos, espalhados por diversos países, aqui atribuído
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em regiões (tabela 2), e a necessidade de obter uma amostra diversa, a aplicação via internet
se colocou como uma solução viável para a recolha de dados.
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Disponível em: https://forms.gle/NFU6LjNesaGvDJbH9.
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Versão desktop. Disponível em: https://www.whatsapp.com/,
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