BRAGA Isabel Drumond Cultura Material TR

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REVISTA

N.° 7 | 2015-2019
DE ARTES DECORATIVAS
R E V I S T A D E A R T E S D E C O R A T I VA S
N.º 7 – 2015-2019

Director Conselho Redactorial


Gonçalo de Vasconcelos e Sousa Alexandre Pais
Maria Antónia Pinto de Matos
Secretária Pedro de Moura Carvalho
Maria Alexandra Gago da Câmara

Conselho Científico Revisores do n.º 7


Ana Calvo Ana Cristina Sousa
António Filipe Pimentel Carmen Heredia Moreno
Dom Carlos A. Moreira Azevedo Isabel Mayer Godinho Mendonça
Carmen Heredia Moreno Lúcia Rosas
Christopher Hartop Maria Alexandra Trindade Gago da Câmara
Joaquim Jaime Ferreira-Alves Paula Monteiro
Letizia Arbeteta Mira Pedro Vasconcelos Cardoso
Pedro Dias Nuno Resende Mendes
Teresa Leonor Vale Rosa Martín Vaquero
William R. Sargent Sílvia Ferreira

Edição

CITAR – Escola das Artes


Rua Diogo Botelho, n.º 1327
4169-005 PORTO Portugal
Telefone: (+351) 226 196 200
Fax: (+351) 22 226 196 291

ISSN
1646-8759

Depósito legal
306753/10

Capa
Painel de azulejos a simular um jardim com vegetação e aves,
Quinta Nova da Assunção, Sintra.
Fotografia de António Cota Fevereiro, 2018.
Sumário

5 Editorial
Gonçalo de Vasconcelos e Sousa

Artigos
11 O papel decorativo da pintura a fresco dos séculos XV e XVI em
Portugal
Joaquim Inácio Caetano

41 Objetos de culto, vestimentas e livros oferecidos por D. Manuel I


a igrejas da Ordem de Cristo
Joana Lencart

81 Cultura material, trabalho e conflituosidade. Os artesãos têxteis


(séculos XVI-XVIII)
Isabel M. R. Mendes Drumond Braga

119 Da Rua dos Ourives da Prata à Rua Bela da Rainha: as lojas dos
ourives da prata em Lisboa na segunda metade do século XVIII
Rita Carlos

157 Da boca para fora: discursos sobre o decorativo no século XIX


Marize Malta

181 A Sala de Marmore no Palácio Nacional da Ajuda


António Cota Fevereiro

213 A coleção de têxteis em 106 anos de Museu de Aveiro


Maria João Mota

Notícias

245 I – Dissertações
245 A) Dissertações de Mestrado em Artes Decorativas
252 B) Teses de Doutoramento
252 B.1. Teses de Doutoramento em Arte – Especialidade de Artes Decorativas
253 B.2. Teses de Doutoramento em Estudos do Património, abordando temáticas de
Artes Decorativas
254 B.3 Projectos de Tese de Doutoramento em Estudos do Património, abordando
temáticas de Artes Decorativas
255 II – Publicações
255 A) Colecção obras de Carlos da Silva Lopes
256 B) Colecção Uma iniciação a…
256 C) Obra em parceria entre o CITAR e a Livraria Civilização Editora
256 D) Colecção Artes Decorativas em Portugal
257 E) Revista de Artes Decorativas (n.OS 1 a 6)
263 F) Matrizes da investigação em Artes Decorativas (I a V)
267 G) Subsídios para as Artes Decorativas nos Açores
269 H) Outras Publicações
270 I) Publicações do CIONP – Centro Interpretativo da Ourivesaria do
Norte de Portugal

273 III. CONGRESSOS INTERNACIONAIS ORGANIZADOS


PELO CITAR, NA ÁREA DAS ARTES DECORATIVAS E DO
ORNAMENTO
273 A) I Congresso Ibero-Americano de História do Mobiliário (2016)
274 B) The Art of Ornament Senses, Archetypes, Shapes and Functions
(2017)
275 C) II Congresso Ibero-Americano de História do Mobiliário (2018)
278 D) IV European Congress on Jewellery – Centres and Peripheries in
European Jewellery from Antiquity to 21st Century (2018)
Artigos
Cultura material, trabalho e
conflituosidade. Os artesãos
têxteis (séculos XVI-XVIII)1
Isabel M. R. Mendes Drumond Braga 2

Resumo: Desempenhando uma atividade regulamentada quer ao nível da produção


quer ao nível da progressão na carreira, com as tradicionais fases de aprendiz,
oficial e mestre, a tecelagem era um dos muitos ofícios ligados ao vestuário
e aos têxteis domésticos. A produção era, regra geral, em pequena escala,
em casa dos próprios tecelões e destinava-se à venda local. Partindo de
fontes manuscritas inexploradas para o estudo das actividades laborais da
Época Moderna, nomeadamente processos do Tribunal do Santo Ofício da
Inquisição, pretende estudar-se as atividades dos tecelões, em especial os
seus bens materiais, particularmente os que se relacionam com a profissão
que desempenhavam, mas também os conflitos em que se envolviam com
outros tecelões, o que preparavam e vendiam e em que contextos.

Palavras-chave: Tecelões, Cultura Material, Santo Ofício, Portugal, séculos XVI-XVIII

Abstract: Performing a regulated activity in terms of production and in terms of career


progression, with the traditional stages of apprentice, officer and master,
the weavers was one of many offices related to clothing and home textiles.
Production was generally done in small-scale, at home and was intended for
local sale. From untapped manuscript sources for the study of work activities
in Modern Era, particularly the procedures of the Holy Office of the Inquisition,
we intends to study up the activities of weavers, especially their material goods,
particularly those that relate to their profession, but also the conflicts between
them, what did they produce and sold and in which contexts.

Keywords: Material Culture, Holy Office, Weavers, Portugal 16th-18th centuries

Resumen: El textil, una actividad regulada tanto a nivel de producción como en lo relativo
a las fases existentes dentro de la profesión – aprendiz, oficial y maestro –, era
uno de los muchos oficios ligados a la vestimenta y los textiles domésticos.
La producción era, por regla general, a pequeña escala, se llevaba a cabo en

1
Este trabalho é financiado por Fundos Nacionais através da FCT – Fundação para a Ciência
e Tecnologia no âmbito do projeto UID/HIS/00057/2013.
2
Universidade de Lisboa, Faculdade de Letras e CIDEHUS. isabeldrumondbraga@hotmail.
com. Cf. https://ulisboa.academia.edu/IsabelDrumondBraga/Papers.

Revista de Artes Decorativas


N.º 7 · pp. 81 - 117
82 Isabel M. R. Mendes Drumond Braga

casa de los propios tejedores y estaba destinada a la venta local. A partir de


fuentes manuscritas, todavía sin explorar para el estudio de las actividades
laborales de la Época Moderna, en particular procesos del Tribunal del Santo
Oficio de la Inquisición, pretendemos estudiar las actividades de los tejedores,
en concreto sus bienes materiales, aquellos que estaban relacionados con la
profesión que desempeñaban, pero también los conflictos en los que se veían
envueltos con otros tejedores, lo que producían y vendían y en qué contextos.

Palabras clave: Tejedores, cultura material, Santo Oficio, Portugal, siglos XVI-XVIII

1. Os têxteis e os tecelões na Época Moderna


Sabe-se relativamente pouco acerca dos diferentes ofícios durante a
Época Moderna, apesar de os mesmos terem sido omnipresentes. Se houve
artesãos que realizaram atividades banais, uma parte significativa dos
mesmos possuía conhecimentos especializados e alguns dedicavam-se a
tarefas delicadas e, por vezes, particularmente qualificadas. Porém, o
mundo laboral do passado português tem merecido pouca atenção por
parte dos historiadores. Qual a formação de quem exercia os ofícios?
Como e durante quanto tempo se realizava a aprendizagem? Quem eram
os clientes e que rendimentos auferiam os artesãos pelo seu trabalho?
A que tipo de vida poderiam aspirar? Eis algumas perguntas a que
gostaríamos de poder responder, centrando-nos nos artesãos ligados à
tecelagem e partindo de fontes aparentemente inusitadas, isto é, processos
do Tribunal do Santo Ofício de Coimbra que foram movidos a elementos
deste grupo socioprofissional, ao longo dos séculos XVI a XVIII3. Se é

3
A documentação inquisitorial tem sido aproveitada muito especialmente para estudar o
funcionamento do Tribunal do Santo Ofício, designadamente as vítimas e a repressão. Nos
últimos anos, tem começado a ser evidente o potencial destas fontes para o estudo de outras
realidades. Recordemos, por exemplo, estudos sobre a literacia, a alimentação das minorias
étnico-religiosas, a sociabilidade, a cultura material, as actividades profissionais e a vida
nos cárceres. Cf., respetivamente, MARQUILHAS, Rita – A Faculdade das Letras. Leitura
e Escrita em Portugal no século XVII, Lisboa: Imprensa Nacional Casa da Moeda, 2000;
CASTILLO GÓMEZ, Antonio – Escrito en Prisión. Las Escrituras Carcelarias en los siglos
XVI y XVII. Península. Revista de Estudios Ibéricos. Porto, nº 0 (2003), pp. 147-170; BRAGA,
Isabel M. R. Mendes Drumond – A Alimentação das Minorias no Portugal Quinhentista. In
Do Primeiro Almoço à Ceia. Estudos de História da Alimentação, Sintra: Colares Editora,
2004, pp. 11-33 (disponível on line em https://www.academia.edu/6581297/); MOTT, Luís
– Meu Menino Lindo: Cartas de Amor de um Frade Sodomita, Lisboa (1690). Luso-Brazilian
Review. Madison, nº 38, (2001), pp. 97-115; IDEM – In Vino Veritas: Vinho e Aguardente no
Quotidiano dos Sodomitas Luso-Brasileiros à Época da Inquisição. In VENÂNCIO, Renato
Pinto; CARNEIRO, Henrique, org. – Álcool e Drogas na História do Brasil, São Paulo:
Alameda; Belo Horizonte, Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, 2005, pp. 47-70;
BRAGA, Isabel M. R. Mendes Drumond – Bens de Hereges. Inquisição e Cultura Material
Cu l t u ra M a te r i a l, Tra b a l h o e Co n f l i t u o s i d a d e O s A r te s ã o s Tê x te i s ( s é c u l o s X V I -X V I I I ) 83

muito claro que o exercício dos ofícios estava devidamente regulamentado,


através das corporações4, ao mesmo tempo que também se sabe que as
edilidades marcavam os preços dos bens, faltam-nos muitos outros dados
que permitam caracterizar a vivência, os patrimónios, as solidariedades
e os conflitos quotidianos do mundo artesanal. Alguns trabalhos sobre
grupos específicos, tais como alfaiates5, pintores6, impressores7, diversos
ofícios ligados ao couro8, ladrilhadores9, confeiteiros10, impressores11, sem
esquecer as informações contidas nos protocolos notariais sobre arquitetos,

(Portugal e Brasil, séculos XVII e XVIII). Coimbra: Imprensa da Universidade de Coimbra,


2012 (disponível on line em https://www.academia.edu/7228198/9); IDEM – Confeiteiros
na Época Moderna: Cultura Material, Produção e Conflituosidade. In SOARES, Carmen;
MACEDO, Irene Coutinho de, org., Ensaios sobre o Património Alimentar Luso-Brasileiro.
Coimbra: Imprensa da Universidade de Coimbra, 2014, pp. 165-192 (disponível on line em
https://www.academia.edu/9095235/); BRAGA, Paulo Drumond – Cabeleireiros e Inquisição
no Portugal Setecentista. Revista de Artes Decorativas. Porto, nº 4 (2011), pp. 179-195 e
BRAGA, Isabel M. R. Mendes Drumond – Viver e Morrer nos Cárceres do Santo Ofício, Lisboa:
A Esfera dos Livros, 2015.
4
Sobre esta temática, cf. LANGHANS, Franz-Paul – As Corporações dos Ofícios Mecânicos.
Subsídios para a sua História, com um estudo de Marcelo Caetano. Lisboa: Imprensa Nacional
de Lisboa, 1943-1946. 2 vols. Algumas informações resumidas em IDEM – As Antigas Cor-
porações dos Ofícios Mecânicos e a Câmara de Lisboa, Lisboa: Câmara Municipal de Lisboa,
1942; IDEM – A Casa dos Vinte e Quatro. Subsídios para a sua História, Lisboa: Imprensa
Nacional de Lisboa, 1948. Cf. ainda CAETANO, Marcelo – A História da Organização dos
Mesteres na Cidade de Lisboa. Braga: [s.n.], 1959. Alguns dados foram sumariados em
PEREIRA, Esteves – Subsídios para a História da Indústria Portuguesa. Com um Ensaio
sobre as Corporações e Mesteres por Carlos da Fonseca. Lisboa: Guimarães Editores, 1979.
BEIRANTE, Maria Ângela – Ao Serviço da República e do Bem Comum. Os Vinte e Quatro
dos Mesteres de Évora, paradigma dos Vinte e Quatro da Covilhã (1535). Lisboa: Centro de
Estudos Históricos, 2014.
5
FERREIRA, J. A. Pinto – Os Mesteirais na Administração Pública em Portugal. Subsídios
para o Estatuto desta Classe. Compromisso e Estatuto da Confraria dos Alfaiates do Porto.
Porto: Edições Maranus, 1951; SILVA, Maria da Graça de Barros – Leis e Saberes do Ofício
de Alfaiate na Época Moderna. O Caso da Cidade de Lisboa Setecentista. Lisboa: Tese de
Mestrado em História Moderna apresentada à Faculdade de Letras da Universidade de
Lisboa, 2012.
6
SERRÃO, Vítor – O Maneirismo e o Estatuto Social dos Pintores Portugueses [Lisboa]:
Imprensa Nacional Casa da Moeda, 1983.
7
MARTINS Maria Teresa Esteves Payan – A Censura Literária em Portugal nos séculos
XVII e XVIII. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2005, Idem – Livros Clandestinos e
Contrafacções em Portugal no século XVIII. Lisboa: Colibri, 2012.
8
PEREIRA, Franklin, Ofícios do Couro na Lisboa Medieval. Lisboa: Prefácio, 2008.
9
CARVALHO, Rosário Salema de – O Regimento do Ofício de Ladrilhadores da Cidade de
Lisboa. Revista de Artes Decorativas. Porto, nº 5 (2012), pp. 79-105.
10
BRAGA, Isabel M. R. Mendes Drumond– Confeiteiros na Época Moderna: Cultura Material […].
11
MARTINS, Maria Teresa Esteves Payan – A Censura Literária em Portugal nos séculos XVII
e XVIII. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, Fundação para a Ciência e Tecnologia, 2005.
84 Isabel M. R. Mendes Drumond Braga

escultores, entalhadores, pintores e outros artistas12, bem como os dados


presentes nos contratos de aprendizagem de vários ofícios envolvendo
crianças abandonadas13, são de relevância diferenciada, quer em Portugal
quer no Brasil colonial, onde a presença de escravos tornava o mundo
artesanal particularmente diferente14.
Na Época Moderna, a seda teve papel relevante em alguns pontos da
Europa, em especial, em Granada15, Florença16, Veneza17 e Lyon18, além de
outras cidades, em especial da Península Itálica19, independentemente das
importações que eram levadas a cabo do Oriente e até do conhecimento

12
SERRÃO, Vítor – Documentos dos Protocolos Notariais de Lisboa referentes a Artes e Artistas
Portugueses (1563-1650). Lisboa: [s.n.], 1989.
13
ALVES, Milene Loirinho Gonçalves – Aprendizagem de Ofícios pelas Crianças Confiadas à
Real Casa dos Expostos de Lisboa (1777-1812). Lisboa: Dissertação de Mestrado em História,
especialidade de História Moderna e Contemporânea, apresentada à Faculdade de Letras
da Universidade de Lisboa, 2013.
14
Cf. FAZENDA, José Vieira – As Bandeiras de Ofícios. Revista do Instituto Histórico-Geográfico
Brasileiro. Rio de Janeiro, tomo 86, vol. 140 (1919), pp. 131-136; RABELLO, Elizabeth Darwi-
che – Os Ofícios Mecânicos e Artesanais em São Paulo na segunda metade do século XVIII.
Revista de História. São Paulo, vol. 56, nº 112 (1977), pp. 575-588; MENESES, José Newton
Coelho – Homens que não Mineravam: Ofícios Mecânicos nas Minas Gerais Setecentistas.
In RESENDE, Maria Efigénia Lage de; VILLALTA, Luiz Carlos, org. – História de Minas
Gerais. As Minas Gerais Setecentistas. Belo Horizonte, Autêntica, Companhia do Tempo,
2007, vol. 1, pp. 377-399; LIMA, Carlos A. M. – Artífices no Rio de Janeiro (1790-1808).
Rio de Janeiro: Apicuri, 2008; MARTINS, Mônica de Souza – Entre a Cruz e o Capital. As
Corporações de Ofícios no Rio de Janeiro após a Chegada da Família Real 1808-1824. Rio de
Janeiro: Garamond, 2008. Sobre os ofícios mecânicos e suas insígnias cf. MENESES, José
Newton Coelho de – Discrição nas Cores e Efeitos nas Formas: Emblemas, Simbologias e
Manifestações de Identidade dos Ofícios Mecânicos no Mundo Português dos séculos XVIII
e XIX. In MENDONÇA, Júnia Furtado de, org. – Sons, Formas, Cores e Movimentos na
Modernidade Atlântica: Europa, Américas e África. São Paulo: Annablume; Belo Horizonte,
Fapemig, 2008, pp. 401-426. Sobre as corporações, as festas e os conflitos, cf. SANTOS,
Beatriz Catão Cruz – O Corpo de Deus na América. A Festa de Corpus Christi nas Cidades
da América Portuguesa – século XVIII. São Paulo: Annablume, 2005, pp. 85-92; IDEM – Os
Senhores do Tempo: a Intervenção do Bispado na Procissão de Corpus Christi no século XVIII.
Tempo. Niterói, nº 33 (2012), pp. 165-190.
15
Cf. LECERF, Florence – La Sociedad Granadina de Principios del siglo XVI: contratos de
Aprendizaje y Cartas de Servicio. In MONTOYA RAMÍREZ, María Isabel; ÁGUILA ESCOBAR,
Gonzalo, coord., La Vida Cotidiana a través de los Textos (ss. XVI-XX). Estudios. Granada:
Editorial Universidade de Granada, 2009, pp. 17-46.
16
BATTISTINI, Francesco, Gelsi Bozzoli e Caldaie – L’Industria della Seta in Toscana (sec.
XVI-XVIII). Florença: Leo S. Olschki, 1998.
17
AAVV, Le Vie della Seta e Venezia. Roma: Leonardo De Luca Editore, 1990.
18
ARIZZOLI-CLEMENT, Pierre, GASTINET-COURAL, Chantal– Soieries de Lyon: Commandes
Royales au XVIIIe siècle. Lyon: Musée Historique des Tissus, 1998.
19
Cf. SCIARROTA, Silvana – Artigiani. La Rete dei Mestrieri e l’Organizzazione del Lavoro a
Salermo (1734-1764). Salermo: Edisud Salermo, 2011.
Cu l t u ra M a te r i a l, Tra b a l h o e Co n f l i t u o s i d a d e O s A r te s ã o s Tê x te i s ( s é c u l o s X V I -X V I I I ) 85

de excentricidades como a seda de aranha (Nephila madagascariensis) de


Madagáscar20. Portugal teve um papel irrelevante nesta matéria, tanto mais
que importou têxteis, apesar de também os exportar pontualmente para
Castela, para a Península Itálica e para África21. Por cá foram produzidos
panos de lã, linho e seda, numa geografia que é conhecida. Assim, se os
primeiros eram mais significativos, em especial, nas zonas próximas da
fronteira e ao longo da cordilheira central, o que se deve relacionar com
a transumância dos rebanhos; o linho estava difundido por todo o Reino
– só em Lamego, durante o século XVI, se estimaram 2.000 tecedeiras
de linho e de estopa – enquanto a seda se fabricava com monopólio de
comercialização, desde 1475, em resultado do privilégio obtido pelo duque
de Bragança. Produzia-se seda nas zonas de Évora, Lamego, Lisboa, Porto,
Vila Viçosa e Viseu e na comarca de Trás-os-Montes22. Recorde-se que, em
1747, um testemunho local considerou que em Bragança havia mais de 150
teares23, enquanto, no final do século XVIII, sabe-se que já eram 200 e 407
os artesãos de seda24. Também se importava de Granada25 e, mais tarde,
do Oriente. A entrada de mão-de-obra estrangeira deu algum impulso ao
sector têxtil mas só na segunda metade do século XVIII, com a criação da
Real Fábrica da Seda, a indústria conhecerá alguma prosperidade ainda
que limitada.
As atividades têxteis compreendiam uma enorme diversidade de artesãos
ligados à preparação do fio, à tecelagem, aos acabamentos dos tecidos, e
ainda aos bordados, passamanaria, cordoaria, tapeçaria, sem esquecer os

20
PEERS, Simon – Golden Spider Silk. Londres: Victoria and Albert Publishing, 2012.
21
Cf. SEQUEIRA, Joana – O Pano da Terra. Produção Têxtil e, Portugal nos finais da Idade
Média. Porto: Universidade do Porto, 2014, pp. 153-169. Cf. ainda CAÑAS PELAYO, Marcos
Rafael – Tácticas y Medidas de Protección Social: El Estabelecimiento de Comerciantes
Portugueses en el Reino de Córdoba (siglos XVI-XVII). Yakka. Revista de Estudios Yeclanos.
Alicante, nº 20 (2015), pp. 563-575.
22
Sobre a produção de seda em Portugal, na Idade Média, cf. SEQUEIRA, Joana – O Pano da
Terra […], pp. 57-68.
23
Lisboa, A.N.T.T., Inquisição de Coimbra, procs. 1807-1, 1808-1, 1809-1, 1812-1, 2133-1, 8564.
24
MADUREIRA, Nuno Luís, coord. – História do Trabalho e das Ocupações. Lisboa: Celta,
2001, vol. 1 (A Indústria Têxtil), p. 80.
25
PEREIRA, J. M. Esteves – Subsídios para a História da Indústria […], p. 116; FARINHA,
Luís – Subsídios para a Caracterização da Indústria Têxtil em Portugal nos séculos XV e
XVI. História e Sociedade. Lisboa, vol. 1 (1978), pp. 3-7; GARCIA, João Carlos – Os Têxteis no
Portugal dos séculos XV e XVI. Finisterra, Revista Portuguesa de Geografia. Lisboa, vol. 21,
nº 42 (1986), pp. 337-338; BRAGA, Isabel M. R. Mendes Drumond – A Produção Artesanal.
In DIAS, João José Alves, coord. – Portugal do Renascimento à Crise Dinástica, (=Nova
História de Portugal, direção de Joel Serrão e A. H. de Oliveira Marques). Lisboa: Presença,
1998, vol. 5, pp. 185-186.
86 Isabel M. R. Mendes Drumond Braga

que confecionavam têxteis domésticos e vestuário26. Neste estudo apenas


nos interessam os artesãos ligados à tecelagem, em particular, mas não
exclusivamente, da seda. Se a preparação da lã era muito complexa,
implicando divisão aturada das tarefas e empregando muita mão-de-obra
masculina, uma vez que implicava enorme esforço físico, já a do linho era
entendida como uma prática feminina e doméstica por excelência. No que
se refere à preparação da seda, implicava uma divisão mínima de trabalho,
basicamente alicerçada no fiar, dobar e torcer27.

2. Santo Ofício e mundo laboral: os tecelões


Partindo dos processos inquisitoriais movidos a tecelões, tentemos
conhecer um pouco mais das suas atividades, patrimónios, conflitos e
solidariedades. Embora a investigação não seja exaustiva e tenha apenas
abrangido o tribunal de Coimbra, estamos perante um total de 78 processos
decorridos entre 1581 e 1748, movidos a 71 homens, com idades compreendidas
entre os 15 e os 62 anos. 37 eram casados, 30 solteiros e quatro viúvos.
Os réus foram residentes em várias localidades do Reino, com destaque
para Bragança (48), Chacim (quatro) e Montemor-o-Velho (quatro). Outras
localidades ficaram mais escassamente representadas: Ameal, Campo de
Víboras, Carção, Escalhão, Miranda, Mizarela, Mogadouro, Porto, Sendim,
Varge e Vila Flor, com um representante cada, e ainda Meixedo e Vinhais,
com dois28. No entanto, estes documentos forneceram nomes e pontuais
informações acerca de várias centenas de outros tecelões, os quais eram
familiares, vizinhos ou conhecidos dos réus.
Embora todos estes artesãos têxteis processados fossem cristãos-novos
ou houvessem parte de cristãos-novos, e tivessem sido processados por
judaísmo29, o sincretismo religioso era evidente. Se mantinham algumas
práticas judaicas, também não deixavam de seguir o catolicismo, e a isso
eram obrigados, chegando alguns a integrar confrarias30 o que significava
26
Cf. a este respeito, História do Trabalho e das Ocupações, vol. 1 […] e SEQUEIRA, Joana – O
Pano da Terra […], pp. 123-132.
27
Cf. IDEM, Ibidem, p. 13. Para Espanha, cf. TORRAS ELIAS, Jaume – Fabricantes sin Fábrica:
en el Camino de la Industrialización: los Torelló, 1691-1794. Barcelona: Crítica, 2018.
28
Cf. anexo 1.
29
Tenha-se em consideração que a atividade têxtil teve significado entre os judeus durante a
Idade Média. Cf. BEIRANTE, Maria Ângela – Ao Serviço da República e do Bem Comum
[…], p. 23.
30
Sobre confrarias de tecelões em Espanha e no espaço italiano, neste caso tendo em conta os
estrangeiros, cf., respetivamente, NIETO SÁNCHEZ, José A. – Asociación y Conflicto Laboral
en la Madrid del siglo XVIII. In LÓPEZ BARAHONA, Victoria e NIETO SÁNCHEZ, José A.,
Cu l t u ra M a te r i a l, Tra b a l h o e Co n f l i t u o s i d a d e O s A r te s ã o s Tê x te i s ( s é c u l o s X V I -X V I I I ) 87

não apenas uma maneira de desviar as atenções dos cristãos-velhos como


também formas de integração e de prestígio social31. Por exemplo, Marcos
da Costa, de 30 anos, natural de Bragança e morador no Porto, detido
em 1660, fez saber que estava a dever à confraria de Nossa Senhora da
Rosa, sita na igreja matriz de Bragança, 3.950 réis do dinheiro que havia
recebido de esmolas e de enterros no tempo em que fora tesoureiro da dita
confraria32, enquanto no processo de Daniel Ferreira, de 19 anos, natural e
morador em Chacim, preso em 1697, refere-se que Diogo Cardoso deixara
em testamento uma verba de 6.000 réis de esmola à Misericórdia com a
condição de ser enterrado na igreja, concretamente onde “nunca se enterrara
ninguém”33. Eis uma marca de enorme sincretismo: o sepultamento em
terra virgem numa igreja da Misericórdia, uma irmandade de prestígio
significativo que acabará, em alguns casos, por não admitir cristãos-novos.

coord., El Trabajo en la Encrucijada: Los Artesanos Urbanos en la Europa de la Edad Moderna.


Madrid: Los Libros de la Catarata, 1996, pp. 262-273; LANARO, Paola – Corporations et
Confréries: les Étrangers et le Marchá du Travail à Venise (XVe-XVIIIe siècles). Working Paper.
Department of Economics Ca’ Foscari University of Venice. Veneza, nº 20 (2008), disponível on
line em <http://econpapers.repec.org/scripts/redir.pf?u=http%3A%2F%2Fwww.unive.it%2Fme
dia%2Fallegato%2FDIP%2FEconomia%2FWorking_papers%2FWorking_papers_2008%2FWP_
DSE_lanaro_20_08.pdf;h=repec:ven:wpaper:2008_20 > (2015.12.20).
31
Recorde-se que as confrarias, em princípio, estavam abertas a todos. Porém, o pagamento
da quota anual implicava, desde logo, a exclusão dos mais carenciados. Por outro lado,
ressalve-se que algumas colocavam entraves à entrada de cristãos-novos. Cf., sobre esta
questão concreta, ARAÚJO, Ana Cristina – Corpos Sociais, Ritos e Serviços Religiosos numa
Comunidade Rural. As Confrarias de Gouveia na Época Moderna. Revista Portuguesa de
História. Coimbra, tomo 35 (2001-2002), p. 291, relativamente à irmandade das Almas e de
São Cosme de Alrote; COUTINHO, Maria João Pereira, FERREIRA, Sílvia – As Irmandades
da Igreja de São Roque. Tempo, Propósito e Legado. Revista Lusófona de Ciência das Religiões.
Lisboa, nº 5-6 (2004), pp. 201-216; REIS, Maria de Fátima – A Confraria da Avé-Maria do
Convento de São Bento de Santarém: Afirmação e Prestígio dos Estatutos de Limpeza de
Sangue. In BARRETO, Luís Filipe [et al.], coord. – Inquisição Portuguesa. Tempo, Razão e
Circunstância. Lisboa: São Paulo: Prefácio, 2007, pp. 225 – 230. O mesmo também acontecia
em Espanha, cf. por exemplo, MORENO VALERO, Manuel – Religiosidad Popular en Córdoba
en el siglo XVIII. In ÁLVAREZ SANTALÓ, C.; BUXÓ, María Jesús; RODRIGUEZ BECERRA,
S., coord. – La Religiosidad Popular. Barcelona: Anthropos, 1989, vol. 3 (Hermandades,
Romerías y Santuarios), pp. 489-499; CARASA SOTO, Pedro – Historia de la Beneficencia
en Castilla y Leon. Poder y Pobreza en la Sociedad Castellana. Valladolid: Universidad de
Valladolid, 1991, p. 144.
32
Lisboa, A.N.T.T., Inquisição de Coimbra, proc. 1521.
33
Lisboa, A.N.T.T., Inquisição de Coimbra, proc. 3015.
88 Isabel M. R. Mendes Drumond Braga

2.1 A aprendizagem do ofício

A aprendizagem dos ofícios têxteis estava devidamente regulamentada pelos


regimentos. Sabe-se, por exemplo, pelo de Lisboa, de 1559, que anualmente
eram escolhidos dois oficiais examinadores, aos quais cabia impedir que “uma
pessoa ponha tenda do dito ofício na dita cidade e seu termo sem primeiro
ser visto e examinado pelos ditos examinadores”, sob pena de 1000 reais de
multa34. Os candidatos deveriam “assentar um tear tão direito e ao nível
como cumpre a bom oficial e para se a obra fazer boa e desenganadamente
e assim mais saberá urdir uma teia na conta que merecer e assim saberá
a conta dos fiados daquilo que o oficial souber fazer e do que souber fazer
os ditos examinadores lhe passarão sua carta de exame somente e de mais
não e este sob a dita pena os quais saberão muito bem tecer de toda a sorte
de pano e de toda maneira e conta necessária à dita tecedura em que for
examinado ou houver de ser examinado ou examinada a pessoa que o for”35.
O exame custava 300 reais aos nacionais e o dobro aos estrangeiros.
O regimento de 1572 não alterou estas determinações. Porém, outra
documentação do século XVII precisou alguns outros aspetos relevantes. Por
exemplo, um assento de 17 de maio de 1629, ordenou que “quando alguma
mulher tecedeira pedir licença para ter tenda aberta de seu ofício se dê vista
aos juízes do dito ofício […] para informarem a mesa se as tais mulheres
são casadas e de boa vida e costumes e nenhuma mulher poderá ter mais de
um só tear nem terão aprendiz sob pena de qualquer que o contrário fizer”36
pagar 4000 réis para a cadeia onde fica presa durante 10 dias, metade para
a cidade e metade para quem a acusar. Outro assento, de 17 de agosto de
1634, determinou que “nenhuma mulher seja tecedeira de tear alto sem
primeiro ser aprovada por António Fernandes, a São Roque, e Domingos
Martins, ao postigo de Santo André”, os juízes para examinarem as mulheres
“por evitar os muitos inconvenientes que há de as tais mulheres não serem
examinadas e sendo-o como o regimento deste ofício dispõe haverem-no de
ser pelos juízes ordinários do dito ofício o que não convém, e os nomeados

34
LANGHANS, Franz-Paul – As Corporações dos Ofícios Mecânicos […], vol. 2, pp. 724-725.
Em outros espaços, as corporações obedeciam a propósitos diferentes. Cf. SONKAJÄRVI,
Hanna – A Religião como Meio de Inclusão e de Exclusão nas Corporações de Ofícios de
Estrasburgo (1681-1789). Topoi. Revista de História. Rio de Janeiro, vol. 12, nº 23 (2011),
pp. 193-205.
35
LANGHANS, Franz-Paul – As Corporações dos Ofícios Mecânicos […], vol. 2, pp. 725-726.
36
LANGHANS, Franz-Paul – As Corporações dos Ofícios Mecânicos […], vol. 2, p. 732.
Cu l t u ra M a te r i a l, Tra b a l h o e Co n f l i t u o s i d a d e O s A r te s ã o s Tê x te i s ( s é c u l o s X V I -X V I I I ) 89

para estes exames de mulheres lhe passarão suas certidões quando acharem
que são suficientes”37.
O regimento de 1782 atualizará as determinações, ao mesmo tempo que
equiparou os juízes aos pais, na tradicional metáfora presente nos tratados
de teoria política que referem os monarcas como pais dos súbditos. Assim,
determinou que “os juízes de qualquer corporação são como pais de toda ela,
obrigados a punir-lhe os erros e ensinar-lhe os acertos, não só com a palavra,
mas ainda mais com o exemplo”38, para continuar esclarecendo que “como
da perícia dos oficiais depende a perfeição das obras e nela consiste não só o
argumento do ofício, mas o desengano do povo, será só aprovado para exercer
este ofício, como mestre, e com a carta aquele oficial ou obreira desta cidade
e seu termo que souber fazer o seguinte: apontuar um pente, que fique certo,
tendo doze puas em cada ponto, e o último ficará com doze fora o puão do
oreleiro, e o pente será de qualquer conta que os juízes lhe derem. Apontará
as oito prexadas para o lisso do mesmo pente que fiquem certos os pontos
das prechadas com os do pente. Fará um liso do mesmo pente, que fique
certo sem crescer, sem faltar cadeia e muito direito. Urdirá uma teia na sua
devida conta, carregá-la-á no tear, repassá-la-á no liso e no pente e lhe tecerá
meia vara. Mas o homem saberá de mais o repasso empuartado e armar ou
assentar hum tear com os preceitos necessários [indica sete preceitos]”39.
Às mulheres eram exigidos os mesmos conhecimentos: “será obrigada por
especulativo estes preceitos e medidas para as dizer ao carpinteiro quando
lhe for assentar o tear. Sendo necessariamente preciso que eles e elas saibam
procurar os fios na urdideira, tirando-os pela palheta para que se não crie a
teia”40. Mais se esclarece que “sucedendo que o oficial ou obreira não tenha
toda a precisa e indispensável aptidão para ser examinado, no que se devem
os juízes haver com muita cautela e sem comiseração alguma porque neste
ato consiste uma das principais circunstâncias da felicidade deste ofício em
razão de que não pode dar boa disciplina o mestre que não tem a necessária
qualidade de ciência e o dano que disto resulta vem a cair no todo e comum
do ofício, o mandarão os juízes novamente exercitar por aquele tempo que
lhe parecer, mas de forma que não possa ser menos de um ano e sem que
apresente atestação do mestre ou mestra em cuja loja exercitou não será
admitido a novo exame. Se ainda depois suceder que não tenha adquirido
as luzes precisas o mandarão aprender por mais seis meses de sorte que só

37
LANGHANS, Franz-Paul – As Corporações dos Ofícios Mecânicos […], vol. 2, pp. 732-733.
38
LANGHANS, Franz-Paul – As Corporações dos Ofícios Mecânicos […], vol. 2, p. 739.
39
LANGHANS, Franz-Paul – As Corporações dos Ofícios Mecânicos […], vol. 2, pp. 741-742.
40
LANGHANS, Franz-Paul – As Corporações dos Ofícios Mecânicos […], vol. 2, p. 742.
90 Isabel M. R. Mendes Drumond Braga

depois de estar bem qualificado no exame descrito, no presente capítulo, lhe


passarão a sua certidão para com ela requerer carta ao supremo senado da
câmara”41.
O regimento previu ainda que, quando qualquer oficial ou obreira
pedisse exame, só seria admitido caso apresentasse atestação do mestre
ou mestra com quem tinha aprendido, na qual deveria estar declarado o
inicio e o término da aprendizagem, o qual seria conferido com o assento
da matrícula. O oficial deveria aprender durante dois anos e a obreira um.
A partir da aprovação e na qualidade de mestre ou mestra poderá abrir
loja42. Finalmente, o regimento esclarecia que os juízes não podiam avaliar
os parentes nem os que consigo tinham aprendido e que cabia aos mestres
matricular os aprendizes43.
O tempo de aprendizagem variava de acordo com o género. Quatro
anos para os homens e três para as mulheres “porque tendo menos obras
que manufaturas lhe não é preciso tanto tempo”. Por outro lado, depois da
aprendizagem, passariam a oficiais, por declaração do mestre, o que ficaria
averbado às matrículas. Seria então aberta matrícula de oficial ou de obreira.
Finalmente, dois anos “antes que se examine ou possa pedir licença à câmara
para abrir loja, a mulher “trabalhará somente hum ano pois este lhe bastará
para se aperfeiçoar, atendendo-se a que tem menos que executar”44. O regimento
ainda advertiu os mestres no sentido de serem benevolentes e justos: “Devem
os mestres e mestras deste ofício tratar bem a seus aprendizes, olhando-os
com amor e caridade, não sendo muito rigorosos no castigo, porque não tem
tanta circunstância quaisquer erros, descuidos ou outros incidentes que se
encontrarão na puerilidade de semelhantes indivíduos, mas também não
devem permitir-lhes, nem deixar de lhes castigar as negligências ou faltas
daquele cuidado a que são obrigados como aprendizes”45.
As viúvas dos mestres poderiam manter as suas lojas com oficiais mas sem
aprendizes “porque não podem educa-los com a aptidão necessária, porém
os que ficarem por morte de seus maridos os poderão conservar se tiverem
já vencido meio tempo”46. Porém, se as viúvas fossem também mestras do
ofício então logo que falecesse seu marido não poderiam manter oficiais e
chamariam obreiras”. Caso se voltassem a casar com homens com profissões

41
LANGHANS, Franz-Paul – As Corporações dos Ofícios Mecânicos […], vol. 2, pp. 742-743.
42
LANGHANS, Franz-Paul – As Corporações dos Ofícios Mecânicos […], vol. 2, p. 743.
43
LANGHANS, Franz-Paul – As Corporações dos Ofícios Mecânicos […], vol. 2, p. 744.
44
LANGHANS, Franz-Paul – As Corporações dos Ofícios Mecânicos […], vol. 2, p. 745.
45
LANGHANS, Franz-Paul – As Corporações dos Ofícios Mecânicos […], vol. 2, p. 745.
46
LANGHANS, Franz-Paul – As Corporações dos Ofícios Mecânicos […], vol. 2, p. 747.
Cu l t u ra M a te r i a l, Tra b a l h o e Co n f l i t u o s i d a d e O s A r te s ã o s Tê x te i s ( s é c u l o s X V I -X V I I I ) 91

diferentes teriam que fechar as lojas. Não era possível haver mulheres nas
lojas de homens e vice-versa47.
Os processos movidos aos tecelões em estudo não são particularmente
ricos acerca de questões relativas à aprendizagem do ofício48. De qualquer
modo, no de Henrique de Sá, de 23 anos, tecelão de sedas, natural de
Mogadouro e morador em Bragança, preso em 1695, foi referido o ensino de
vários artesãos na sua oficina. Por exemplo, em duas denúncias feitas por
aprendizes, referem-se informações sobre o facto de estarem em simultâneo
na oficina do mestre: Bartolomeu Afonso, “solteiro, filho de Francisco Pires
e de Dominguas Affonço, natural do lugar de Sarzeda termo desta cidade
de Bragança, o qual de prezente está aprendendo a arte da seda em caza de
Henrique de Sa christam novo desta mesma cidade e este cazado com Maria
de Sa christam nova, e este Henrrique de Sa he filho de Phellipa Nunces
veuva christam nova”49 e Bartolomeu Pires, solteiro, filho de Francisco Pires,
lavrador, natural e morador do lugar de Sarzedas, termo de Bragança, “que
aprende a arte da seda em casa de Henrique de Sá”50. O próprio réu também
deu a conhecer a sua aprendizagem, em Bragança, cerca de seis anos antes,
em casa do tecelão de sedas Gabriel Nunes. Nessa época havia por lá um
outro aprendiz, Rafael Dias, e ambos combinaram judaizar51.
Numa denúncia de Maria Ferreira, constante do processo de Diogo
Ferreira, de 30 anos, tecelão de sedas, natural de Vinhais e à data da prisão
morador em Bragança, foi referido o final da aprendizagem de seus tios, cerca
de 1689. A denunciante recordou que, em Chacim, em casa de seu tio Diogo
Ferreira, tecelão de sedas, “estando ambos sós na occazião que o mesmo com
seos irmãos vierão da dita cidade para a dita villa de Chacim por haverem
acabado de aprender o officio de teceloens e de haver falecido o mestre que os
insinava que era seu cunhado e arm[a]ndo os seos teares não nas cazas em
que vivião por lhe não cab[er]em nellas mas em outras que para o dito efeito
alugarão hi[ndo] ella confitente para as mesmas não só pella rezão de ser
s[ua] sobrinha mas tãobem pella curiosidade de os ver tecer”52. Nos processos
dos irmãos do réu constam informações complementares. Eram também
tecelões de seda e foram presos no mesmo dia. Manuel Ferreira, de 26 anos,
residente em Chacim, segundo denúncia de Manuel Correia, cristão-velho,

47
LANGHANS, Franz-Paul – As Corporações dos Ofícios Mecânicos […], vol. 2, p. 749.
48
Sobre a aprendizagem dos ofícios têxteis para a Época Medieval, cf. SEQUEIRA, Joana – O
Pano da Terra […], pp. 123-127.
49
Lisboa, A.N.T.T., Inquisição de Coimbra, proc. 6277.
50
Lisboa, A.N.T.T., Inquisição de Coimbra, proc. 6277.
51
Lisboa, A.N.T.T., Inquisição de Coimbra, proc. 6277.
52
Lisboa, A.N.T.T., Inquisição de Coimbra, proc. 6977.
92 Isabel M. R. Mendes Drumond Braga

residente em Bragança, afirmou conhecer o réu “de quinze annos a esta parte
por elle testemunha aprender o oficio em caza do cunhado do reo e falar com
elle varias vezes”53. António de Sá, morador em Chacim, afirmou conhecer o
réu há cerca de 14 anos, por aquele ter aprendido o ofício em Bragança em
casa de um primo dele testemunha54. Da aprendizagem de Daniel Ferreira,
de 19 anos, o mais jovem dos três irmãos, sabe-se que compreendeu duas
fases, a primeira em Bragança, durante dois anos e meio, até que adoeceu e
o foram buscar; e, a segunda, com seu irmão Manuel Ferreira, em Chacim.
No testemunho de André Ferreira: “avera sete annos pouco mais ou menos o
dito reo se absentara desta dita cidade pera a villa de Chacim aonde asistira
sempre e não sabe nem ouviu diser que viesse mais a esta dita cidade e se
fora pera a dita villa por causa de lhe morrer seu cunhado Belchior Rodrigues
nesta dita cidade que avera nove annos pouco mais ou menos he falecido
com o qual elle testemunha aprendera o oficio por lhe faltarem dous annos
os acabara de cumprir com Manoel Ferreira irmão do dito reo”55. Ou seja, as
informações constantes destes processos não nos fornecem dados acerca do
tempo médio de aprendizagem, nem das condições em que a mesma tinha
lugar, ao contrário do que acontece em relação a outros ofícios, em que os
dados são mais completos56. De qualquer modo, torna-se claro que as casas
de residência eram os lugares em que também funcionavam as oficinas, o
que também acontecia com outros mesteres57.
É suposto que os mestres tinham a obrigação de ensinar os aprendizes
e que estes tinham que se sujeitar a fazer os mais variados recados, mesmo
que alheios ao ofício. Ao mestre cabia igualmente dar-lhes casa e comida
e alguns não se esqueciam de os sujeitarem a alguns castigos e até de os
expulsarem. Veja-se o caso de Daniel Ferreira, de 19 anos, natural e morador
em Chacim, preso em 1697, o qual, nas contraditas, confessou ter inimigos
em resultado de alguns problemas com aprendizes. Assim, “Domingos Lopes
o Ruivo seos filhos nettos noras alem das contraditas que lhes tem arguido
são seos inimigos tambem porque elle reo e seos irmãos lhe tinhão tomado
hum seo filho para emsinarem ao seo officio de tecelão de sedas e lhes darem
algum castigo e o lançarem fora fiquarão todos os sobredictos seos inimigos”58.

53
Lisboa, A.N.T.T., Inquisição de Coimbra, proc. 5278.
54
Lisboa, A.N.T.T., Inquisição de Coimbra, proc. 5278.
55
Lisboa, A.N.T.T., Inquisição de Coimbra, proc. 3015.
56
Cf. BRAGA, Isabel M. R. Mendes Drumond – Os Confeiteiros Portugueses na Época Moderna:
Cultura Material, Produção e Conflituosidade […].
57
No caso dos mouriscos granadinos, tal nunca acontecia. Cf. LECERF, Florence – La Sociedad
Granadina de Principios del siglo XVI: contratos de Aprendizaje […], p. 20.
58
Lisboa, A.N.T.T., Inquisição de Coimbra, proc. 3015.
Cu l t u ra M a te r i a l, Tra b a l h o e Co n f l i t u o s i d a d e O s A r te s ã o s Tê x te i s ( s é c u l o s X V I -X V I I I ) 93

Questão relevante relaciona-se com as eventuais oligarquias familiares


em determinadas atividades. Isto é, os tecelões eram filhos de tecelões?
Era quase sempre assim ou pelo contrário, seguiam profissões diferentes
das dos pais? Estudos para localidades como Dijon59 e Turim60, durante o
século XVIII, demonstram que poucos artesãos seguiam os ofícios paternos,
no primeiro caso, e que a transmissão do ofício de alfaiate entre familiares
apenas representou 22,5%. No caso dos confeiteiros portugueses processados
pelo Santo Ofício, sabe-se que, apesar da escassez de casos em que pai e filho
desempenharam a mesma atividade, encontram-se muitas famílias em que
diversos membros se dedicavam ao mesmo ofício61. O que se passou com o
grupo dos tecelões em estudo?
Muito poucos réus viram os filhos seguir a mesma profissão, pelo menos
tendo em conta as informações disponíveis no momento em que foram
presos. De qualquer maneira, importa ter em conta que uma quantidade
significativa dos processados era jovem e, consequentemente, ou sem filhos
ou com crianças e não com jovens em idade de trabalhar. Se tivermos em
conta os ascendentes, 27 homens seguiram as profissões dos pais, se não
exatamente as mesmas, alguma forma relacionada com os têxteis. Ou seja,
estamos perante 38% de casos nestas circunstâncias. Mas, se olharmos para
a família alargada e incluirmos, irmãos, cunhados, sobrinhos, tios, primos e
até genros e avôs, o panorama é bastante mais abrangente. Neste caso, 54
pessoas, isto é, 76% do total, tinham no mínimo um e mais frequentemente
vários familiares que se dedicavam aos têxteis, tendo-se registado casos de
sete, oito, 12 e 28 pessoas62. Ou seja, a tecelagem ocupava geralmente vários
membros da mesma família, independentemente de nem todos seguirem
as opções paternas. Outras atividades frequentes dos pais destes artesões
foram sapateiro, curtidor e mercador.

59
SHEPHARD JR., Edward J. – Movilidad Social y Geográfica del Artesanato en el siglo XVIII:
Estudio de la Admisión a los Gremios de Dijon, 1700-90, in LÓPEZ BARAHONA, Victoria e
NIETO SÁNCHEZ, José A., coord., El Trabajo en la Encrucijada: Los Artesanos Urbanos en
la Europa de la Edad Moderna, Madrid: Los Libros de la Catarata, 1996, pp. 37-69.
60
CERUTTI, Simona, Estrategias de Grupo y Estrategias de Oficio: el Gremio de Sastres de
Turin a finales del siglo XVII y principios del XVIII, in LÓPEZ BARAHONA, Victoria e
NIETO SÁNCHEZ, José A., coord., El Trabajo en la Encrucijada: Los Artesanos Urbanos en
la Europa de la Edad Moderna, Madrid: Los Libros de la Catarata, 1996, pp. 70-112.
61
BRAGA, Isabel M. R. Mendes Drumond – Os Confeiteiros Portugueses na Época Moderna:
Cultura Material, Produção e Conflituosidade […].
62
Cf. anexo 2.
94 Isabel M. R. Mendes Drumond Braga

2.2 Os patrimónios dos tecelões

Se vários tecelões argumentaram serem pobres e não terem bens a


declarar, sem aduzirem mais explicações63, outros referiram nada possuir
por serem filhos família64. Por outro lado, a João Carvalho, cujo processo não
tem inventário, foram vendidas uma navalha e duas tesouras pequenas por
240 réis e uma lembrança de ouro por 1.110 réis para serem gastos no seu
sustento65, o mesmo terá acontecido a José de Sá Pilão, o qual declarou ser
“homem muito pobre e não tinha bens de seus e alguma couza que tinha
em caza lhe paresse que se vendeo para se fazer alimentos pera enquanto
estivesse prezo nesta inquisição”66. António Lopes, o Rachado, de 44 anos,
tecelão de toalhas e charameleiro, natural e residente em Bragança, detido
em 1661, afirmou “que elle não tinha bens alguns de rais nem moveis mais
a cama e fato de seu uso que elle declarante trouxe pera estes carceres e so
vevia do trabalho de seu oficio de tecelão de toalhas”67. Domingos Gonçalves,
o Amoroso, de 32 anos, natural e morador em Montemor-o-Novo, preso em
1671, declarou “que elle não tem bens alguns de raiz ou moveis direitos ou
acções nem lhe devem cousa alguma nem elle declarante a deve e somente
tinha em seu poder des ou dose teas de linho e estopa de diversas pessoas
cujos nomes lhe não lembrão e constará de huma declaração que fes por escrito
na cadea de Monte Mor que ficou na mão do carcereiro da mesma chamado
Domingos Gonçalves”68. Manuel Cardoso, de 35 anos, natural de Bragança
e morador em Vinhais, apresentou-se em 1708. Ao ser interrogado sobre os
seus bens declarou “que elle não tinha bens alguns de rais e moveis tinha

63
Por exemplo, Lisboa, A.N.T.T., Inquisição de Coimbra, procs 1578, 1688. Sobre a pobreza dos
artesãos, cf. GUTTON, Jean-Pierre – La Société et les Pauvres. L’Exemple de la Généralité
de Lyon 1534-1789. Paris: Société d’Édition les Belles Lettres, 1971, pp. 44-46, passim;
GUICHETEAU, Samuel – Les Ouvriers en France 1700-1835. Paris: Armand Colin, 2014,
pp. 39-44, passim; BEROUJON, Anne – Peuple et Pauvres des Villes dans la France Moderne.
De la Renaissance à la Révolution. Paris: Armand Colin, 2014, pp. 16-26, passim. Não obstante,
em Paris, por volta de 1700, havia alguns que já possuíam alguns bem e viviam em casas
com algum conforto. Cf. GUICHETEAU, Samuel – Les Ouvriers en France […], p. 49. Para
Portugal, cf. GOMES, Fátima Freitas – Oficiais e Ofícios Mecânicos no Funchal (séculos XVIII
a princípios do século XIX. In Actas do II Congresso Internacional de História da Madeira.
Funchal: Comissão Nacional para a Comemoração dos Descobrimentos Portugueses, 1990,
pp. 201-230 e BRAGA, Isabel M. R. Mendes Drumond – A Produção Artesanal, Portugal do
Renascimento à Crise […], pp. 186-187; 205-206.
64
Lisboa, A.N.T.T., Inquisição de Coimbra, procs 1560, 1577, 1805, 1812, 1813, 3494.
65
Lisboa, A.N.T.T., Inquisição de Coimbra, proc. 1617.
66
Lisboa, A.N.T.T., Inquisição de Coimbra, proc. 1583.
67
Lisboa, A.N.T.T., Inquisição de Coimbra, proc. 4555.
68
Lisboa, A.N.T.T., Inquisição de Coimbra, proc. 6913.
Cu l t u ra M a te r i a l, Tra b a l h o e Co n f l i t u o s i d a d e O s A r te s ã o s Tê x te i s ( s é c u l o s X V I -X V I I I ) 95

so os do seu officio e uso que erão o seu tear de tafetas que valera quatro
patacas e huma meza em que comia e hum tamborete e não tinha outra
couza mais de seu e que devia tres mil e seiscentos e vinte reis a Luis Alves
mercador da villa de Vinhaes e não tinha outras dividas nem lhe devião nem
mais que declarar”69. Gabriel Nunes, tecelão de veludos, preso no mesmo
ano, limitou-se a arrolar uma cama composta por colchões, dois lençóis e
uma manta70. Manuel Lopes de Carvalho, o Canuto, de 60 anos, natural
e residente em Bragança, preso em 1710, declarou alguns móveis – arcas
velhas, bofete e tamborete – algumas peças de vestuário e um tear que
valia 10 tostões71. João Rodrigues Carvalho, o Canuto, de 45 anos, natural
e morador em Bragança, preso em 1713, apenas declarou um tear em que
tecia mantos, avaliando-o em 4.000 ou 5.000 réis72.
Os restantes inventários contêm bens mais variados. Destaquem-se
algumas questões, comuns a outros inventários de cristãos-novos: a posse de
casas e de terras, em especial de vinhas, no caso destes tecelões; as muitas
referências aos teares e às sedas, e a móveis correntes, a par com escassas
referências a jóias, a pratas, a alimentos, a têxteis domésticos, a utensílios
de cozinha e a armas. O vestuário referido foi apenas o de uso corrente e
nunca foi avaliado, ao contrário do que aconteceu em outros inventários
nos quais apenas as peças de roupa de luxo e, consequentemente, de valor
económico, foram mencionadas73.

69
Lisboa, A.N.T.T., Inquisição de Coimbra, proc. 3191.
70
Lisboa, A.N.T.T., Inquisição de Coimbra, proc. 85.
71
Lisboa, A.N.T.T., Inquisição de Coimbra, proc. 2131-1.
72
Lisboa, A.N.T.T., Inquisição de Coimbra, proc. 8923.
73
Faça-se o confronto, com BRAGA, Isabel M. R. Mendes Drumond – Bens de Hereges. Inquisição
e Cultura Material […].
96 Isabel M. R. Mendes Drumond Braga

Quadro 1
Categorias de Bens dos Tecelões
Categorias de Bens Total de menções
Dentro e Fora de Portas
Casas 13
Terras 11
Móveis 14
Têxteis Domésticos 11
À Volta da Mesa
Alimentos 5
Utensílios de Cozinha 3
Pratas 1
Proteger e Ornamentar o Corpo
Vestuário e Calçado 13
Joias 3
Armas 1
Pelo Mundo do Trabalho
Objetos Profissionais 18
Animais 1

Os inventários de bens contidos nos processos movidos aos tecelões


foram particularmente interessantes no que se referiu às indicações rela-
tivas aos instrumentos de trabalho e às matérias-primas. Neste domínio
apareceram os teares (avaliados entre 2.000 e 10.000 réis), os pentes dos
teares, os caldeirões de tingir seda, os tornos (cujos valores chegaram
aos 20.000 réis), as sedas e as teias das sedas além das tesouras, das
navalhas, dos ganchos das balanças e de mantos, toalhas e guardanapos já
prontos. Raras vezes foi fornecido o valor das peças de seda. De qualquer
modo, alguns presos referiram dados relevantes. Por exemplo, Sebastião
Rodrigues, de 27 anos, natural e morador em Bragança, preso em 1661,
arrolou, entre os seus bens, “dous teares do seu offiçio que valerão quatro
mil reis e huma tea de tafeta preto que estava começada a teçer que
valera sete mil reis”74. Henrique de Sá, de 23 anos, natural de Mogadouro
e residente em Bragança, preso em 1695, declarou “hum tear de veludo
outro de calhamaço outro de tafetas que vallerão todos quatorze mil reis
[…] E que tinha vinte e tres arrates de seda feita que vallerá cada hum
arrátel tres mil reis. E que tinha sincoenta côvados de calhamaço tecidos
que se venderão quando o prenderão a onze vinteis o côvado. E que tinha

74
Lisboa, A.N.T.T., Inquisição de Coimbra, proc. 1119.
Cu l t u ra M a te r i a l, Tra b a l h o e Co n f l i t u o s i d a d e O s A r te s ã o s Tê x te i s ( s é c u l o s X V I -X V I I I ) 97

huma tea de velludo preto que estava ordida e valeria nove mil reis. E
que tinha sessenta côvados de gorgorão ordido somente que tinha dous
arrates de seda que vallião seis mil reis. E que tinha setenta côvados de
calhamaco ordidos que tinhão tres arrates de seda que valião nove mil
reis”75. Manuel Ferreira, de 26 anos, natural e morador em Chacim, preso
em 1697, arrolou no seu inventário: “tres teias postas no tear de seda que
valerião quarenta mil reis pouco mais ou menos. E que tinhão tres teares
em casa dois delles erão delle declarante e de seu irmão Daniel Ferreira e
o terceiro era de sua irman Maria Ferreira e cada hum valeria quatro mil
reis. E que tinha arrátel e meio de seda já aparelhada que valeria quatro
mil e quinhentos reis”76. Rafael de Sá, de 50 anos, natural e morador em
Bragança, preso em 1747, fez saber que “tinha huma tea de seda de mantos
que estava ainda no tear e tinha de fora mais seda para acabar a dita tea e
principiar outra e tudo importaria em cem mil reis e que em casa de Maria
Ferreira encanhadeira tinha dois arrates de seda a encanhar que valerão
seis mil reis. E que tem dois tiares que valerão ambos quinze mil reis”77;
enquanto Gabriel Borges, de 36 anos, natural e morador na mesma cidade
e preso no mesmo ano de 1747, declarou quatro teares aparelhados, no
valor de 40.000 réis; seda para 12 mantos, no valor de 60.000 réis, depois
de prontos os mantos; 46 arráteis de seda amarela, avaliada em 92.000
réis; e um caldeirão de tingir seda, no valor de 6.400 réis78. Curiosamente,
o réu informou que um dos tios maternos, Jerónimo Álvares Ramos, casado
em segundas núpcias com Beatriz Penha, deslocara-se para Lisboa, onde
trabalhava na Real Fábrica das Sedas79.
Em outros passos dos processos também se encontram informações
sobre as atividades laborais propriamente ditas. Por exemplo, Manuel
Lopes de Carvalho, o Canuto, de 60 anos, natural e residente em Bra-
gança, preso em 1710, declarou em sua defesa que tinha “torno de seda
em que trabalha e serve a toda a gente que o costuma ocupar e por essa
causa algumas pessoas christans novas terião trato com elle por causa
da ditta negociação o que o reo não podia evitar por ter muita família que

75
Lisboa, A.N.T.T., Inquisição de Coimbra, proc. 6277.
76
Lisboa, A.N.T.T., Inquisição de Coimbra, proc. 5278.
77
Lisboa, A.N.T.T., Inquisição de Coimbra, proc. 1809-1.
78
Lisboa, A.N.T.T., Inquisição de Coimbra, proc. 8564.
79
Lisboa, A.N.T.T., Inquisição de Coimbra, proc. 8564. Sobre a Real Fábrica das Sedas, cf. BRAGA,
Isabel M. R. Mendes Drumond – Teares, Fios e Tecidos em Viagem. Produções e Exportações
da Real Fábrica das Sedas para o Brasil (1734-1821). Revista de Artes Decorativas. Porto,
nº 4 (2010), pp. 101-124 (disponível on line em https://www.academia.edu/6580984/) e a
bibliografia aí citada.
98 Isabel M. R. Mendes Drumond Braga

sustentar”80. As testemunhas que indicou corroboraram este depoimento


pois prestaram idênticas declarações: “trabalhava para todos os que lhe
davão seda a fazer” e “trabalhava nele para todos e por isso tinha trato
com todas as pessoas para lhe torser a sua seda”81.
Escassas informações se encontram relativamente à comercialização das
peças. Porém, sabe-se que Manuel Lopes, o Capado, de 31 anos, nascido e
residente em Bragança, preso em 1661, era tecelão de toalhas e deslocava-se
para as vender. Fora a Palencia duas vezes, por espaço de uma semana; e,
no Reino, deslocara-se a Chaves, Guarda, Miranda, Vila Flor e Vila Real
e a outros locais “onde hia de passagem a vender toalhas”82. Por seu lado,
João Nunes, de 57 anos, natural e residente em Bragança, detido em 1747,
afirmou, ao fazer a declaração dos seus bens, que tinha uma loja na qual
vendia panos, baetas, droguetas e sedas. Desconhecia os côvados que teriam
as peças, ao mesmo tempo que informou ter para venda mantos de seda e
seda para confecionar outros, avaliando tudo em 800.000 réis83.

2.3 As tecedeiras

A mão-de-obra feminina tinha alguma importância em atividades ligadas aos


têxteis (alfaiatas, botoeiras, cerzideiras, colchoeiras, gibiteiras, …) – quer em Portugal84

80
Lisboa, A.N.T.T., Inquisição de Coimbra, proc. 2131-1.
81
Lisboa, A.N.T.T., Inquisição de Coimbra, proc. 2131-1.
82
Lisboa, A.N.T.T., Inquisição de Coimbra, proc. 3494.
83
Lisboa, A.N.T.T., Inquisição de Coimbra, proc. 1812-1.
84
Cf., por exemplo, FERNANDES, Isabel Maria, OLIVEIRA, António José de – Ofícios e Mestres
Vimaranenses nos séculos XV e XVI. Revista de Guimarães. Guimarães, nº 113-114 (2004),
pp. 163-167, maxime 43-209 e SEQUEIRA, Joana, MELO, Arnaldo Sousa – A Mulher na
Produção Têxtil Portuguesa Tardo-Medieval. Medievalista [em linha]. Lisboa, nº 11 (2012),
pp. 1-26. (2015-05-07). Disponível em htttp://www2.fcsh.unl.pt/iem/medievalista. Joana
Sequeira – O Pano da Terra […], pp. 132-144. Para o estudo das mulheres e do trabalho
em Portugal, durante a Época Moderna, cf. LOPES, Maria Antónia – Sebastiana da Luz,
Mercadora Coimbrã Setecentista (Elementos para a História de As Mulheres e o Trabalho).
Revista de História da Sociedade e da Cultura. Coimbra, nº 5 (2005), pp. 133-156; POLÓNIA,
Amélia – Women’s Participation in Labour and Business in the European Maritime Societies
in the Early Modern Period, Il ruolo economico della famiglia. Secs. XIII-XVIII. Atti delle
Settimane di studio. Prato: Instituto Internazionale di Storia Economica F. Datini, 2009. Para
outros espaços, cf., por exemplo, MARTÍNEZ MOUTÓN, Mónica – La Mujer Prestamista en
la Malaga del siglo XVIII. In VILLAR GARCÍA, María Begoña, coord. – Vida y Recursos de
Mujeres durante el Antiguo Régimen. Málaga: Universidade de Málaga, 1997, pp. 111-129;
MOTTU-WEBER, Liliane – Gagner sa Vie. In Vivre à Genève autour de 1600. Genève: Editions
Slatkine, 2002, vol. 1 (La Vie de tous les Jours), pp. 210-211; BÉROUJON, Anne– Peuple et
Pauvres des Villes dans la France Moderne [...], pp. 95-100.
Cu l t u ra M a te r i a l, Tra b a l h o e Co n f l i t u o s i d a d e O s A r te s ã o s Tê x te i s ( s é c u l o s X V I -X V I I I ) 99

quer no estrangeiro85 – e ao fabrico e venda de alimentos (biscoiteiras,


conserveiras, couveiras, cuscuzeiras, farteleiras, manteigueiras, mos-
tardeiras, a par das que faziam aletria, alféloas e tantas outras)86, sem
esquecer as ocupações que não poderiam ser desempenhadas por homens,
como a amamentação de crianças87, também não podemos olvidar que a
atividade têxtil realizada por mulheres ficou parcamente documentada, a
partir dos processos movidos a homens de Trás-os-Montes. Por exemplo,
no de Baltazar Fernandes, de 26 anos, residente em Bragança, que se
apresentou em 1601, podem-se encontrar informações relativas a Maria
Fernandes, tecelã de lenço, mulher de Gaspar Pereira; e a Ana Fernandes,
igualmente tecedeira, primas do réu88. Por outro lado, através de uma
denúncia contra Sebastião Rodrigues, o Pedreiro, de 27 anos, casado com
Ana Rodrigues, cristã-velha, natural e morador em Bragança, preso em
1661, fica a saber-se que Ana Espinosa, Sebastião Rodrigues e sua mulher
dobavam seda juntos89. No entanto, esta realidade não nos deve fazer
esquecer que as atividades dos artesãos têxteis assumiam frequentemente
um carácter familiar: a mulher cardava, dobava e tecia e o marido tecia.
Os filhos pequenos ajudavam as mães90. Em muitos casos, a produção
era realizada em casa e destinada ao consumo próprio e da comunidade
local e não ao mercado em larga escala, chegando a ser encarada como

85
Veja-se, por exemplo, o caso ocorrido em Veneza no século XVIII, em que as mulheres chegam
a poder abrir loja, depois de a tecelagem ter sido uma empresa familiar. Cf. VALENTINA,
Marcello Della, Il Setificio Salavato dalla Done: Le Tessitrici Veneziane nel Settecento. In Donne
a Venezia. Spazi di Libertà e Forme di Potere (sec XVI-XVIII). Veneza: Storia di Venezia, 2012,
disponível on line em < http://www.storiadivenezia.net/sito/donne/DellaValentina_Setificio.
pdf>. Para França, cf. GUICHETEAU, Samuel – Les Ouvriers en France […], pp. 12-13.
86
OLIVEIRA, António de – A Vida Económica e Social de Coimbra de 1537 a 1640. Coimbra:
Instituto de Estudos Históricos Dr. António de Vasconcelos, 1971, vol. 1, p. 484; BRAGA, Isabel
M. R. Mendes Drumond – A Produção Artesanal, Portugal do Renascimento à Crise […], p. 182.
Para o Brasil colonial a situação não era muito diferente se excetuarmos a presença das chamadas
pretas de ganho que se mantiveram activas mesmo após a independência. Cf. FIGUEIREDO,
Luciano Raposo de Almeida – O Avesso da Memória. Cotidiano e Trabalho da Mulher em
Minas Gerais no século XVIII. 2ª ed. Rio de Janeiro: José Olympio Editor, 1999; SILVA, Maciel
Henrique – Pretas de Honra. Vida e Trabalho de Domésticas e Vendedoras no Recife do século
XIX (1840-1870). Recife: Editora Universitária da UFPE, Salvador, EDUFBA, 2011.
87
SÁ, Isabel dos Guimarães – O Trabalho. In LAINS, Pedro; SILVA, Álvaro Ferreira da, org. –
História Económica de Portugal 1700-2000. Lisboa: Instituto de Ciências Sociais, 2004, p. 109.
88
Lisboa, A.N.T.T., Inquisição de Coimbra, proc. 6083.
89
Lisboa, A.N.T.T., Inquisição de Coimbra, proc. 1119.
90
Cf. o caso estudado para Pradoluengo (Castela) em MARTÍN GARCÍA, Juan José – La Industria
Textil en Pradoluengo 1534-2007. La Pervivencia de un Núcleo Industrial. Valladolid: Junta
de Castilla y León, 2007, pp. 70 passim.
100 Isabel M. R. Mendes Drumond Braga

um mero complemento de outras atividades91, o que não as impedia de


obter carta de exame92. Dados avulsos, referem, para Lisboa, em 1552,
a presença de 151 casas de tecelagem, algumas com dois e três teares e
“delas muitas de mulheres”, calculando-se em 450, o número de artífices
têxteis93. No entanto, estes dados genéricos escondem uma realidade
importante: a matéria-prima. Se terão abundado as tecelãs de linho e
de lã terão eventualmente sido em número mais baixo as de seda, o que
explica a pouca representatividade das mulheres no âmbito deste estudo.

2.4 Tecelagem e outros ofícios

Alguns réus desempenhavam outras atividades paralelamente à


tecelagem. António Lopes, o Rachado, de 44 anos, natural e residente em
Bragança, preso em 1661, era charameleiro, além de tecelão de toalhas94.
Os irmãos António Francisco e Domingos Gonçalves, ambos com a alcunha
o Amoroso, tecelões, naturais e residentes em Montemor-o-Novo, presos em
1671, eram também trombeteiros. Nos processos podem ler-se declarações
como: “em casa de Domingos Gonçalves o Amoroso que tem parte de christão
novo tambem tecellão viúvo de huma filha do Chamusco cujo nome lhe não
lembra, tambem tecellão de pano de linho e primo paterno delle confitente
irmão inteiro do dito Francisco Gonçalves o Amoroso e com outro irmão
inteiro dos mesmos chamado Antonio Francisco o Amoroso tambem tecellão
e costuma tanger trombeta das que chamão vaquas nas procissões e festas
cazado com Maria Francisca a tozadora de alcunha christam velha tambem
natural e morador da dita villa”95. Baptista Gonçalves, de 36 anos, tecelão
de mantos, natural e morador em Escalhão, preso em 1665, mercadejava
sardinhas96, o mesmo fazia Manuel de Castro, de 33 anos, natural de
Zamora e residente em Bragança, preso em 1692. Com a venda de peixe
chegou a envolver-se em problemas com os clientes: “vendendo elle reo
na cidade de Bragança bacalhao e sardinhas foi a sua caza Domingos o
Cabello de apelido soldado na mesma cidade a comprar huma sardinha
e porque a molher do reo lha não quis dar por real e meo puxou de huma

91
BRAGA, Isabel M. R. Mendes Drumond – A Produção Artesanal, Portugal do Renascimento
à Crise […], pp. 186-187.
92
OLIVEIRA, António de – A Vida Económica e Social de Coimbra […], vol. 1, pp. 516-517.
93
BRANDÃO (DE BUARCOS), João – Grandeza e Abastança de Lisboa em 1552, organização
e notas de José da Felicidade Alves. Lisboa: Livros Horizonte, 1990, pp. 194 e 201.
94
Lisboa, A.N.T.T., Inquisição de Coimbra, proc. 4555.
95
Lisboa, A.N.T.T., Inquisição de Coimbra, procs. 6913, 8748,
96
Lisboa, A.N.T.T., Inquisição de Coimbra, proc. 4102.
Cu l t u ra M a te r i a l, Tra b a l h o e Co n f l i t u o s i d a d e O s A r te s ã o s Tê x te i s ( s é c u l o s X V I -X V I I I ) 101

adaga para lhe dar o que não fes mas a ditta molher do reo lhe chamou
cornudo sendo elle cazado de que resultou demandar lhe huma injurua
fazendo citar ao reo para a defender”97. Por seu lado, Manuel da Costa, o
Ratona, de 24 anos, natural e morador em Bragança, preso em 1709, era
tecelão e soldado98.

2.5 Tecelões e conflituosidade

A conflituosidade era evidente99. Verificou-se entre cristãos-velhos e


cristãos-novos e também apenas entre os cristãos-novos. Se, como antes
se referiu, todos os processados em estudo eram cristãos-novos ou tinham
parte de cristãos-novos, os casamentos mistos, especialmente durante o
século XVI, não foram particularmente apreciados. Francisco Nunes, de
35 anos, cardador e tecelão, natural de Seia e morador em Mizarela, preso
em 1581, contraiu matrimónio em Mizarela com a cristã-velha Domingas
Carvalha. Ao regressar a Seia houve pessoas que se mostraram aborrecidas
por ele ter casado com uma “quelva” que, segundo sua mãe, queria dizer
cristã-velha100.
Os conflitos podiam ter uma amplitude maior e as ameaças de denún-
cias ao Santo Ofício eram uma arma recorrente101. Henrique de Sá, de 23
anos, natural de Mogadouro e residente em Bragança, detido em 1695,
foi denunciado por várias pessoas. Entre estas conta-se o tecelão Filipe
de Barros e o padre Manuel Gonçalves. O primeiro fez saber que “haverá
outo mezes que indo elle para Sam Bento vendo hum ajuntamento de
gente a porta de Henrique de Sa chegando ouvio dizer a Sebastião Pires

97
Lisboa, A.N.T.T., Inquisição de Coimbra, proc. 2683.
98
Lisboa, A.N.T.T., Inquisição de Coimbra, proc. 7355.
99
Sobre conflituosidade laboral entre artesãos e entre estes e seus mestres, cf., para Espanha
e França, respectivamente, NIETO SÁNCHEZ, José A. – Asociación y Conflicto Laboral
en la Madrid del siglo XVIII. El Trabajo en la Encrucijada: […], pp. 273-287; TRUANT,
Cynthia M. – Insolentes e Independientes: Los Oficiales y sus ‘Ritos’ en el Taller del Antiguo
Régimen. In LÓPEZ BARAHONA, Victoria; NIETO SÁNCHEZ, José A., coord. – El Trabajo
en la Encrucijada: Los Artesanos Urbanos en la Europa de la Edad Moderna. Madrid: Los
Libros de la Catarata, 1996, pp. 203-247 e GUICHETEAU, Samuel – Les Ouvriers en France
[…], pp. 54-63. Em alguns casos, a resposta face aos conflitos foi a criação de associações
diversas. Para França, designadamente para Lyon, cf. AAVV – Le Compagnonnage à Lyon
de ses Origines Mythiques à nos Jours. Lyon: Silvana Editoriale, 2014.
100
Lisboa, A.N.T.T., Inquisição de Coimbra, proc. 6395.
101
Sobre esta matéria, cf. OLTEAN, Crina Adriana – A Denúncia ao serviço da Fé ou da Vingança?
A Delação Inquisitorial e os seus Efeitos. Lisboa: Dissertação de Mestrado em História,
especialidade de História Moderna e Contemporânea, registada na Faculdade de Letras da
Universidade de Lisboa, 2014.
102 Isabel M. R. Mendes Drumond Braga

teçellão de seda morador na ditta cidade de Bargança que Henrique de Sa


morador na ditta cidade e sua mulher erão huns canis e que os havia de
fazer ir [pre]zos pella Santo Officio […] e que este ditto Sebastião Pires por
andar amancebado com huma Anna Pires com quem o dito Henrique de
Sa teve humas rezones”102; o segundo referiu o mesmo episódio por outras
palavras: “estando em minha caza na minha jenella ouvi huma pendencia
em caza de Anna Pirez e sua irmam Catherinna Pirez contra Henrrique
de Sa e Maria de Sa e as palavras que ouvi a estas duas molheres forão
estas que relato chamando a Henrrique de Sa e a sua molher que erão
huns cains e huns perros e que os [have]rião de fazer queimar e sabendo
o seu tio Sebastiam Pirez que tiveram esta rezois veio com toda a força a
casa de Henrique de Sa”103. Rafael Lopes Pereira, de 47 anos, natural de
Mogadouro e residente em Bragança, preso em 1748, também foi vítima de
ameaças por parte de um alfaiate, após um desentendimento. A briga era
do conhecimento geral. Para um, “havara anno e meio dando o ditto reo
Rafael Lopes Pereira hua pouca de obra a fazer a hum alfaiate chamado
João Moreira desta cidade de Bragança e trazendo lha feita o sobredito
alfaiate e vendo o reo que nam vinha capas lhe dissera que aquella obra
não estava capas de se a[cei]tar e logo o dito alfaiate p[e]gando na obra e
a lançara pela caza dizendo que elle tinha a culpa em servir a similhantes
pessoas descompondo se de palavras dizendo o ditto alfaate que elle se
pagaria e que nunqua mais se commonicarão”; para outro, o réu tivera
dúvidas “sobre huns vestidos porque o ditto alfaate lhe pedia caro de
sorte que o ditto alfaate lançara os vestidos pela janella fora ameaçando
ao ditto reo”104.
Numa sociedade bastante violenta em que qualquer questão poderia
acabar à paulada, insultos verbais e físicos eram comuns105. Assim se
compreende que Salvador Pires, de 30 anos, natural e residente em
Bragança, preso em 1660, tenha apresentado nas contraditas problemas
que acabaram por ser pretensamente resolvidos com pancadas e cutiladas
entre ele e os irmãos António Lopes e Baltazar Lopes; e ainda que o casal
composto por Maria Gonçalves e António Franco fossem inimigos do réu e
de sua esposa, Jerónima Gomes, por dúvidas que esta teve com a mulher

102
Lisboa, A.N.T.T., Inquisição de Coimbra, proc. 6277.
103
Lisboa, A.N.T.T., Inquisição de Coimbra, proc. 6277.
104
Lisboa, A.N.T.T., Inquisição de Coimbra, proc. 1813-1.
105
Sobre os insultos, cf. BRAGA, Isabel M. R. Mendes Drumond – Violência Verbal e Violência
Física numa Sociedade em Mudança: Portugal séculos XV-XVI. In III Congresso Histórico de
Guimarães. D. Manuel e a sua Época. Actas. [Guimarães]: Câmara Municipal de Guimarães,
2004, vol. 3, pp. 495-508.
Cu l t u ra M a te r i a l, Tra b a l h o e Co n f l i t u o s i d a d e O s A r te s ã o s Tê x te i s ( s é c u l o s X V I -X V I I I ) 103

de Franco, acabando por lhe dizer “negareis vos que não fostes muito
grande puta antes que fosseis boa mulher”106.
António Rodrigues Ferreira, de 25 anos, natural e morador em Bragança,
preso em 1713, era profissionalmente muito bem-sucedido, mas afirmou
ao Santo Ofício ser “muito pobre e não ter bens alguns”. As contraditas
apresentadas revelaram muito sobre a sua atividade profissional e sobre
as más vontades e invejas que o seu sucesso e a sua honestidade moti-
vavam. Assim, ficou claro que: “o réu é o melhor tecelão de mantos que
havia na cidade de Bragança e fora dela nas mais partes deste Reino em
tal forma que os mantos da fábrica do réu se lhe pagavam por mais uma
moeda de ouro pouco mais ou menos ordinariamente do que custavam e
se pagavam os mantos de todos os mais oficiais e fabricas da dita cidade
e de quaisquer outras cidade e terras do Reino […] atualmente estava o
réu fazendo mantos de encomendas para as casas titulares e mais ilustres
da cidade de Lisboa e ainda para os homens de negocio que tem nela e na
cidade do Porto fábricas de mantos porque quando tinham encomendas
deles de empenho os encomendavam e mandavam fazer ao réu porque só
asi podiam satisfazer no seu empenho. Provara que por estas razões todos
os mais oficiais de mantos da cidade de Bragança tinham pouco gasto e
lucros nas suas fábricas antes nelas padeciam perdas muito conhecidas e
por isso pediam ao réu lhes quisesse passar com seus e vender mantos das
fábricas desses oficiais mas o réu nunca o quis fazer e assim provara que
de todo o relatado resultou serem seus capitais inimigos todos os oficiais de
mantos e suas famílias e parentes há mais de dez ou doze anos a esta parte
a saber: António Rodriguez Pereira, Henrique Novaes, Manuel Fernandes
Pacheco e sua mulher, João da Costa Teixeira e sua mulher e cunhada
Maria Correa, Manuel Rodriguez Lima e sua mulher, seu cunhado António
da Fonseca e sua mulher, Lourenço Mendes de Sá, seu irmão Jorge de Sá,
Manuel de Barros, o Pavaltes de apelido e sua mulher, seu irmão António
de Barros e sua mulher, António de Barros e sua mulher, António de Paz
o Marrana de alcunha, João Dias e sua mulher, seu primo José de Paz,
José Rodriguez Traça, sua mãe e mulher e António José. Os quais todos
são oficiais do mesmo ofício e homens que mandam obrar nele e por causa
do grande ódio e inimizade que têm ao réu há tantos anos o ameaçavam
muitas vezes dizendo que lhe armariam cousas per que mais não tecesse
mantos e todos são cristãos-novos e moradores em Bragança”107. Após o
elenco, o tecelão explicitou os problemas concretos que vivera com cada um

106
Lisboa, A.N.T.T., Inquisição de Coimbra, proc. 2138.
107
Lisboa, A.N.T.T., Inquisição de Coimbra, proc. 174.
104 Isabel M. R. Mendes Drumond Braga

dos seus inimigos. Salientem-se algumas questões específicas. Assim, no


depoimento foram desfilando desentendimentos motivados pelo pagamento
do dote da irmã, furto de seda, uso de violência física, palavras atentatórias
da honra feminina de familiares de outros tecelões e até questões mais
inusitadas, como a que foi reportada da seguinte maneira: “provará que
Lourenço Rodriguez Mendes, sua mulher, seu filho Luís, solteiro tecelão,
seu tio João da Paz, o Parrica, e sua mulher Ana Henriques cristãos-novos
de Bragança são inimigos capitães do réu haverá dois para três anos porque
dando o réu a tecer uma teia de seda ao dito Luís, solteiro, se ausentou o
dito Lourenço Rodriguez Mendes, seu pai e como o mesmo Luís, seu filho
trabalhava pouco na teia começou o réu a apertá-lo com grandes pressas
em cujo tempo sucedeu adoecer com demência e loucura o dito Luís, de
sorte que por isso esteve sete ou oito meses de cama atado de pés e mãos
pela doidice108 em cuja cura o dito seu pai depois que se recolheu à terra
gastou muito cabedal e todas as ditas pessoas se queixaram sempre do
réu dizendo que ele fizera endoudecer o dito Luís e lhes fizera gastar tanto
cabedal na cura”109. As testemunhas apresentadas pelo réu foram claras na
confirmação deste tipo de conflitos e foram igualmente claras ao afirmar
que muitas más vontades face a António Rodrigues Ferreira resultavam
do sucesso profissional inigualável que o tecelão havia alcançado: “o réu
era o melhor tecelão de mantos que tinha esta cidade tanto asi que em
enquanto ele os tinha os mais fabricantes não gastavam os seus e os
vendia por mais […] fazia tão bons mantos que os que havia de maior
empenho para encomendas tanto pera a Corte quanto pera esta bem se
iam comprar a sua casa”110.
Outros conflitos foram exclusivamente de carácter profissional. Por
exemplo, Diogo Ferreira, de 30 anos, natural de Vinhais e residente em
Bragança, preso em 1697, teria como inimigo um Francisco Lopes, o
Bonitinho, torcedor de seda, cristão-novo, morador em Chacim e sua mulher
pois “ha de haver tres annos e meo que com o reo teve hua demanda sobre
hua pouca de seda que o reo lhe tinha dado a troçer por o dito Francisco
Lopes lha não querer restituir e por essa cauza ficarão mal affeicoados e
depois haverá dois annos e meio vindo o auditor de Chaves a Chacim a
executar alguas condamnaçoens do cerçeo da moeda e pertendendo executar

108
Repare-se no tipo de tratamento preconizado face a um doente que padecia de transtornos
mentais. Sobre esta questão, cf. BRAGA, Paulo Drumond – Nam Parecia ser muito Certo no
Juizo e Capacidade. Réus, Doenças Psíquicas e Inquisição. Lusíada. História. Lisboa, nº 8
(2011), pp. 243-258 e BRAGA, Isabel M. R. Mendes Drumond – Viver e Morrer […], pp. 143-176.
109
Lisboa, A.N.T.T., Inquisição de Coimbra, proc. 174.
110
Lisboa, A.N.T.T., Inquisição de Coimbra, proc. 174.
Cu l t u ra M a te r i a l, Tra b a l h o e Co n f l i t u o s i d a d e O s A r te s ã o s Tê x te i s ( s é c u l o s X V I -X V I I I ) 105

a hum cunhado do reo per nome Francisco Lopes o reo mostrou que o dito
seu cunhado não era o culpado mas o dito Francisco Lopes Bonitinho”111.
No mesmo ano, foi preso o referido Francisco Lopes, o Bonitinho, de
54 anos, natural de Bragança e morador em Chacim. Pelo menos três
pessoas eram suas inimigas em resultado de questões relacionadas com
a tecelagem: Domingos Gomes Alves, alfaiate, “por duvidas que deve com
o reo sobre huma tea de sem covados de picote que o reo lhes vendeu e
por o teselão lha não dar ao tenpo que ficou e lha dilatar nove mezes se
queixou do reo e tiveram resõis pezadas e lhes ficou odio”; Vicente Gomes,
“por grandes duvidas que tiveram sobre huna tea de picote que o reo lhes
tinha dado a teser e per o reo lha demandar” e Domingos Teixeira “por
duvidas que tiveram e por o reo lhes não querer dar mais teas a teser se
descompuserão”112.
Nas contraditas do processo de António Franco Machado, de 34 anos,
mercador, natural e morador em Bragança, preso em 1696, também
foram apresentados problemas e disputas profissionais, os quais estariam
na base de inimizades e de denúncias. Assim, fica a saber-se que Julião
Gomes, cristão-velho, tecelão de veludos, morador em Bragança, além de
ser “falto de juizo ha de haver tres para quatro annos he inimigo do reo
por duvidas sobre o ajustamento de huas contas que entre si tinhão nos
que se descompuzerão” como também “não so Julião Gomes de que se faz
menção no primeiro artigo mas sua irman […] veuva haverá tres annos
foi a caza do reo a pedir lhe hum machuello de hum tear de veludos que
tinha sido de Henrique de Sa e o reo tinha comprado e a dita pessoa dizia
ser seu o dito machuello e que o tinha emprestado ao dito Henrique de Sa
e por o reo lho não querer dar pois o tinha comprado ella pondo a mão no
cappelo o ameaçou dizendo que por aquelle lho havia de pagar”113.
Em contraditas de outros processos as menções a conflitos profissionais
foram igualmente frequentes. Manuel Ferreira, de 26 anos, natural e
morador em Chacim, detido em 1697, alegou que “Manoel Luis christão
velho torcedor de sedas do lugar dos Olmos termo da villa de Chacim
há de haver anno e meio pouco mais ou menos que he inimigo do reo e o
ameaçou e isto por o reo em caza de huma sua irmam onde o dito Manoel
Luis trabalhava o descompos com palavras afrontosas por o dito Manoel
Luis não dar boa conta da ceda que se lhe dava por assitir muito pouco a
trabalhar”; que “Andres Lopes, christão novo, cortidor de Chacim e seus

111
Lisboa, A.N.T.T., Inquisição de Coimbra, proc. 6977.
112
Lisboa, A.N.T.T., Inquisição de Coimbra, proc. 2103-1.
113
Lisboa, A.N.T.T., Inquisição de Coimbra, proc. 5027-1.
106 Isabel M. R. Mendes Drumond Braga

filhos há de haver dous annos e meio são muito mal affeiçoados ao reo
e se não falavão e isto porque tendo o dito Andres Lopes huma parte da
partida de ceda para vender por o reo dizer a João Rodriguez Franco que a
queria comprar que a ceda tinha cheiro e que lhe não servia a não comprou
e (?) ao dito Andres Lopes que nella teve muita perda” e ainda que “João
Rodrigues Franco tendeiro de Chacim e seu tio Manoel Rodriguez clérigo
de appellido mercador de Bragança christão novo há de haver vinte meses
pouco mais ou menos que comprarão ao reo huma partida de mantos e
depois de os terem em caza e o reo recebido do dinheiro sobre o resto do
preço que os sobreditos lhe não quizerão pagar por dizerem que os mantos
o não valião tiveram suas duvidas”114. Situação semelhante aconteceu com
Daniel Ferreira, de 19 anos, natural e morador em Chacim, preso em 1697,
o qual, nas contraditas, apresentou inimizades resultantes de problemas
laborais: “Vicente Gomes de Chasim tambem era enemigo do reo de seis
annos a esta parte e sua molher por o reo lhe não querer emprestar os
aparelhos do officio de tesellão”115; que a filha mais velha de uma tecedeira
“he inimiga do reo e de seos irmãos porque tendo a elle reo por fiadeira
de seda huns dois annos e a deixarem e tomarem otra e lhe não pagarem
o que ella queria ficou sua mal affecta”116 e, finalmente, que “Domingos
Lopes o Ruivo seos filhos nettos noras alem das contraditas que lhes tem
arguido são seos inimigos tambem porque elle reo e seos irmãos lhe tinhão
tomado hum seo filho para emsinarem ao seo officio de tecelão de sedas e
lhes darem algum castigo e o lançarem fora fiquarão todos os sobredictos
seos inimigos”117.
Inimizades diferentes foram dadas a conhecer pelas contraditas do
processo de Lourenço Mendes, o Orelhas, de 33 anos, natural e residente em
Bragança, preso em 1701. Foram arroladas seis pessoas que se enfadaram
com o réu de alguma maneira em resultado da arte de tecer. Assim, Vicente
Gomes e família – mulher e sogra – “são inimigos do reo há 9 para 10 annos
porquanto indo o reo viver a dita villa alugou humas cazas defronte dos
preditos e perquanto abrio huma janella defronte da escada delles para
por o seo tear de seda da dita janella se devassava a escada dos preditos e
elle reo se gabou que dentro do seo tear estava vendo as pernas a molher
do dito Vicente Gomes este o desafiou que saísse para fora que o havia de
matar e que lhe havia de fazer tapar a janella”; Antonio de Sá Carranço

114
Lisboa, A.N.T.T., Inquisição de Coimbra, proc. 5278.
115
Lisboa, A.N.T.T., Inquisição de Coimbra, proc. 3015.
116
Lisboa, A.N.T.T., Inquisição de Coimbra, proc. 3015.
117
Lisboa, A.N.T.T., Inquisição de Coimbra, proc. 3015.
Cu l t u ra M a te r i a l, Tra b a l h o e Co n f l i t u o s i d a d e O s A r te s ã o s Tê x te i s ( s é c u l o s X V I -X V I I I ) 107

“he inimigo do reo há 17 annos porque indo o reo a Castella buscar hum
poco de sabão para branquear de seda em companhia do predito este no
caminho o roubou tomando lhe per força o dinheiro” e Manuel Furtado e
sua molher “são inimigos do reo há 8 annos porque dando elle reo huma
poqua de seda para lhe fiar a molher do predito per que lhe faltou alguma
no pezo e lha pedio ambos se agastarão muito contra o reo por lhe impor
que erão ladrões”118.
As contraditas apresentadas pelas testemunhas de Manuel Lopes de
Carvalho, o Canuto, de 60 anos, natural e residente em Bragança, preso em
1710, revelam problemas e inimizades, desta feita não apenas profissionais
como também familiares. Assim, segundo um testemunho, “João Lopes e
Manuel Nunes e sua irmam Leonor Nunes da cidade de Bargança suposto
sejão sobrinhos do reo são seos mal affectos haverá quatro para cinco annos
por quanto pedindo lhe huma poca de seda que o reo tinha de Lourenço
Alvares para lha troçer o reo lhes largou des arrates com condição de a
tratarem bem e per que lha lançarão muito azeite e o senhor da seda lhe
não quisera aceitar e lhe fes pagar a perda tem grandes duvidas e resões
passadas com os preditos que ainda lhe ficarão devendo hum arrate
e hum corteirão alem de outro tanto que por elles pagou” ou, segundo
outro, “dando lhe seda a torcer e outros mais negócios e sabe que o ditto
reo teve duvidas e pendencias com huns seus sobrinhos que se chamão
Manoel Nunes e outro João Lopes e a causa foi por o ditto reo dar algumas
sedas aos ditos seus sobrinhos e como elles lhe não dessem conta della se
travarão de más palavras”119. Por seu turno, Manuel da Costa, o Ratona,
de 24 anos, natural e morador em Bragança, detido em 1709, apresentou
aos inquisidores vários membros da sua família como seus inimigos, em
especial a mãe, a irmã e um cunhado. Desta feita, o problema referiu-se
à escolha de marido para a irmã. Maria da Costa pretendia matrimoniar-
-se com Pedro Correia Pinheiro, com quem se carteava, enquanto o réu
desejava que ela se casasse com João da Costa Magina. Para acabar com
o namoro apanhou uma missiva de Pinheiro e entregou-a a Magina. A
mãe partiu para Castela sem se despedir, depois de se ter zangado com
Manuel da Costa, que não conseguiu impedir o casamento. Porém, a irmã
e o cunhado “nunca mais fiserão cazo do reo e se o tinhão em sua caza era
com o interesse de trabalhar para elles, tratando o sempre mal e faltando
lhe com o sustento necessario, não lhe dando mais que algum pedaço de
pão, de sorte que foi necessario ao reo ir assentar praça de soldado pago

118
Lisboa, A.N.T.T., Inquisição de Coimbra, proc. 1786.
119
Lisboa, A.N.T.T., Inquisição de Coimbra, proc. 2131-1.
108 Isabel M. R. Mendes Drumond Braga

infante, causa tambem porque os sobreditos lhe ficarão mais odiosos por
se livrar de trabalhar para elles”120.

2.6. Tecelões e Santo Ofício

Os processos são particularmente ricos em denúncias e confissões sobre


as práticas judaicas, iguais em todo o país. Importa-nos apenas as que
diretamente se relacionam com informações acerca das atividades profis-
sionais destes réus. Deste modo, a que se destaca é a guarda dos sábados.
Assim, foram comuns declarações em que se referiam comportamentos
como os de Henrique de Sá, de 23 anos, casado com uma prima de nome
Maria de Sá, natural de Mogadouro e residente em Bragança, detido
em 1695, o qual, segundo uma das testemunhas de acusação, desde as
sextas à tarde até ao fim dos sábados não tecia. Este criado do réu ainda
acrescentou que aos domingos presumia que Sá saia para casa da mãe
e não para a missa. O descanso semanal ao sábado era praticado pelo
casal “elle no officio da seda e ella en não fazer couza alguma no uso de
sua caza”. Aparentemente, tinham por hábito zombar dos cristãos-velhos,
segundo outra testemunha, “os sobreditos christãos novos quando lhe entra
algum christam velho en caza para saber de alguma couza e este voltando
lhe para fora de caza fiquam zombando delle fazendo rizos e vizagens
chamando lhe filhos malfadados”121. Outras denúncias sobre a guarda
dos sábados apresentaram um teor semelhante, evidenciando como os
cristãos-velhos estavam em permanente alerta face aos comportamentos
dos cristãos-novos. São sintomáticos depoimentos de vizinhos da frente,
como as que afirmam não ter ouvido “rugir o torno da seda” aos sábados,
ao contrário do que acontecia nos outros dias, ou os que referem não ter
visto trabalhar os irmãos Diogo Ferreira, Manuel Ferreira, Daniel Ferreira
e Maria Ferreira, às sextas à tarde e aos sábados, eles nos seus ofícios de
tecelões e ela no de dobar a seda122. De idêntico teor foram as denúncias
contra Lourenço Mendes, o Orelhas, de 33 anos, preso em 1701. Foi acusado
de deixar de trabalhar às sextas ao por do sol e aos sábados, declarando
a denunciante, Ana de Figueiredo, que sabe por ser vizinha “e nos teares
de seda se não poder trabalhar sem estrondo que se ouve muito bem em
caza della testemunha”, idêntica declaração prestou Simão Fernandes,
afirmando ter conhecimento por ser oficial e tecelão de sedas que assistia

120
Lisboa, A.N.T.T., Inquisição de Coimbra, proc. 7355.
121
Lisboa, A.N.T.T., Inquisição de Coimbra, proc. 6277.
122
Lisboa, A.N.T.T., Inquisição de Coimbra, proc. 5278.
Cu l t u ra M a te r i a l, Tra b a l h o e Co n f l i t u o s i d a d e O s A r te s ã o s Tê x te i s ( s é c u l o s X V I -X V I I I ) 109

em casa de um vizinho do denunciado “e se ouve lá muito bem o rugido


do tear”. Muitos outros corroboraram estas acusações123.
Em 1747, foram presos diversos tecelões residentes em Bragança, sob
acusação de judaísmo124. Basicamente, as denúncias referiram-se todas,
no que a questões relacionados com a atividade profissional respeita, à
referida guarda dos sábados por parte dos artesãos. Aparentemente, os
cristãos-velhos desconfiaram da continuação das práticas judaicas por parte
dos membros da comunidade cristã-nova e não hesitaram em ir comprovar
se trabalhavam ou não ao sábado. Saíram em “missão” o sacerdote, Bento
Rodrigues; o familiar do Santo Ofício, André Rocha; e um capitão auxiliar,
Bartolomeu Rodrigues Nunes; aparentemente coordenados pelo padre pois,
no testemunho deste último, “elle testemunha no tal dia [24 de Setembro]
fez a referida observação na forma que o dito padre lhe recomendou e
hindo de manhã e de tarde no dito dia pela rua Direita aonde vive a
maior par te dos christãos novos e por algumas mais ruas aonde tambem
vivem alguns observou que havendo mais de cento e cincoenta teares de
seda em que costumão trabalhar os mesmos christãos novos nem hum
so ouvio bater nem rugir no dito dia nem de tarde nem de manhã e tão
somente vio andarem trez tornos de christãos novos porem não sabe se
nos ditos tornos trabalhavam christãos velhos de que se costumão servir
para o dito ministerio se christãos novos”125. Os outros testemunhos foram
semelhantes, tendo o padre Bento Rodrigues, feito saber aos inquisidores
de Coimbra que “tratando quazi todos os christãos novos desta cidade de
teares de seda naquelle tal dia não trabalharão nelles porque correndo
elle testemunha a cidade pelas sete da manhãa oito e dez e pelas duas e
quatro da tarde não vio trabalhar nos teares christão novo algum antes
sim os vio estar conversando huns com os outros e ainda os mais pobres
e nos em que elle testemunha particularmente fez observação por terem
teares e nelles trabalharem os mais dias e neste não […] os quaes todos
observou elle testemunha que sendo tecelões de mantos e tendo em
suas casas teares nemhum trabalhava nelles antes sim estavão huns as
portas dos outros conversando e guardando o dito dia como santo de tal
forma que nem os teares compunhão para trabalhar para o dia seguinte
como costumão fazer nos domingos e dias santos”126. Em outros casos,

123
Lisboa, A.N.T.T., Inquisição de Coimbra, proc. 1786.
124
Alguns apresentaram-se voluntariamente ao Santo Ofício de Coimbra. Cf., por exemplo,
Lisboa, A.N.T.T., Inquisição de Coimbra, procs 1807-1, 1808-1, 1809-1, 1812-1, 2133-1, 8564.
125
Lisboa, A.N.T.T., Inquisição de Coimbra, proc. 1807-1.
126
Lisboa, A.N.T.T., Inquisição de Coimbra, proc. 1807-1.
110 Isabel M. R. Mendes Drumond Braga

foram os próprios réus que denunciaram a guarda do sábado por parte


de terceiros, dando informações concretas relacionadas com as atividades
laborais. Por exemplo, João Rodrigues Carvalho, o Canuto, de 45 anos,
natural e morador em Bragança, preso em 1713, antes de ter sido sujeito
a tormento, confessou que por volta de 1707, chamara o cristão-novo João
da Paz Parreira, tecelão de sedas, para este lhe “compor hum pente do
seu tear e o mesmo o não querer fazer naquele dia que era hum sabado
de trabalho”127.
Como se sabe, as práticas de amortalhar eram diferentes por parte
de cristãos-velhos e de judaizantes. Se fossem fiéis à tradição judaica,
os cristãos-novos deveriam lavar os mortos, cortar-lhes as unhas e os
pelos e, posteriormente, amortalhá-los e enrolá-los em lençóis nunca
usados128. A denúncia de Maria Rodrigues contra Daniel Ferreira aludiu
exactamente ao uso de peças por estrear acabadas de confeccionar nos
teares: “morrendo Maria Pereira christã nova mulher que foi de Luis Lopez
christão novo morador que oje he em Bragança Anna Pereira christã nova
já defunta mulher que foi do ditto Gaspar Lopez e Ignacia Maria christã
nova natural do Mogadouro e moradora hoje em Bragança mulher de
Manoel Rodriguez por alcunha o clerigo christão novo mercador irmão da
ditta defunta amortalharão com camiza nova em folha e lançol novo que
talharão de huma tea que tinhão e o fizeram logo despois desta espirar e
huma escomilha nova que mandarão comprar a tenda”129.
A sociabilidade entre homens ligados à produção têxtil, tal como entre
pessoas que desempenhavam outro tipo de profissões, teve eco nas decla-
rações de denunciantes e de réus. Conversar e jogar às cartas parecem ter
sido atividades populares130. Por exemplo, Francisco Nunes, de 35 anos,
cardador e tecelão, natural de Seia e morador em Mizarela, preso em
1581, deu conta das ocupações lúdicas que presenciara aos sábados, dia
de guarda dos cristãos-novos, 20 anos antes: “os quais todos [mercadores,
trapeiros (isto é, mercador de retalho), tintureiros e tecelões] estiveram
aquelle sábado despois de jantar ate tarde em casa do pai delle reo sem

127
Lisboa, A.N.T.T., Inquisição de Coimbra, proc. 8923.
128
Sobre estas práticas, cf. TAVARES, Maria José Pimenta Ferro – A Religiosidade Judaica.
In Congresso Internacional Bartolomeu Dias e a sua Época. Actas. Porto: Universidade do
Porto: Comissão Nacional para as Comemorações dos Descobrimentos Portugueses, 1989,
vol. 5, pp. 369-380; IDEM – Judaísmo. In AZEVEDO, Carlos Moreira, Dicionário de História
Religiosa de Portugal. [Lisboa]: Círculo de Leitores, 2001, vol. J-P, pp. 31-37.
129
Lisboa, A.N.T.T., Inquisição de Coimbra, proc. 3015.
130
O mesmo também acontecia com os confeiteiros. Cf. BRAGA, Isabel M. R. Mendes Drumond – Os
Confeiteiros Portugueses na Época Moderna: Cultura Material, Produção e Conflituosidade […].
Cu l t u ra M a te r i a l, Tra b a l h o e Co n f l i t u o s i d a d e O s A r te s ã o s Tê x te i s ( s é c u l o s X V I -X V I I I ) 111

trabalharem semdo o dito sábado dia de trabalho. E os homens jogavão


as cartas e as molheres estavaão ahi olhando assentadas e porque elle reo
era ainda moço e andava por fora folgando e de quando em quando vinha
a casa e sempre os achava folgando pella dita maneira salvo que quando
elle entrava logo polla porta as molheres parecendo lhe que seria outrem
tomavam cada huma sua roqua e fazião que fiavão e a dita Lianor Lopez
tirava hum botão do peito e fazia que cozia nelle porem tanto que conheciam
que o que entrava era elle reo cada huma deixava a roqua e a punha de
parte. E a Lianor Lopez deixava de cozer no botão”131. Era a dissimulação
possível por parte dos cristãos-novos, sempre observados e tementes de
interrupções do seu tempo lúdico por parte dos cristãos-velhos, de tal modo
que, segundo a confissão do referido Francisco Nunes, entrara duas vezes
e, da última, fizera acompanhar-se de Tristão, um rapaz cristão-velho, “e
as ditas pessoas pareçe que se enfadarão de elle entrar com o dito moço e
a dita Lianor Lopez disse pera elle reo – este emprasto em que anda ei lo
vai ei lo vem – e hum dos homens que se chamava Francisco Nunez disse
que e hum par de bofetadas”132.
Detenhamo-nos, por último, no resultado final dos processos movidos a
cristãos-novos acusados de judaísmo. Dois réus foram relaxados ao braço
secular, outros tantos a degredo para o Brasil, além de 31 que tiveram
cárcere e hábito penitencial a arbítrio, 17 que foram condenados a cárcere
e hábito penitencial perpétuo (o que não significava para sempre), três
apenas a cárcere a arbítrio e seis a penitências espirituais. As abjurações
foram: 55 em forma e 5 de veemente. 56 réus ouviram as sentenças no
auto da fé e nove na Mesa do Santo Ofício. Finalmente, cinco presos
faleceram nos cárceres antes da conclusão dos processos e um foi solto
sem qualquer pena.

131
Lisboa, A.N.T.T., Inquisição de Coimbra, proc. 6395.
132
Lisboa, A.N.T.T., Inquisição de Coimbra, proc. 6395.
112 Isabel M. R. Mendes Drumond Braga

Anexo 1
Artesãos Têxteis Presos pelo Tribunal do Santo Ofício de
Coimbra sob acusação de Judaísmo (séculos XVI-XVIII)

Nome Idade Atividade Cônjuge Natural Morador Data Pena Fonte


Afonso de 40 Tecelão de veludos Isabel da Costa Bragança Bragança 1711 a,f,chpa 2611
Valença
Álvaro Carneiro 19 Aprendiz de S Bragança Bragança 1714 a,f,chpa 1570
tecelão
André da Costa 17 Tecelão de sedas Maria Luís Bragança Bragança 1713 a,f,chpa 1569
António da 29 Tecelão de tafetá Maria Teixeira Bragança Bragança 1667 a,f,chpa 6180
Costa
António da 23 Tecelão S Bragança Bragança 1718 a,f,chpa 530
Costa Mendes
António 30 Tecelão de tafetás Catarina Bragança Meixedo 1664 a,f,chpa 1412
Ferreira Mendes (Bragança)
António 18 Aprendiz de S Ameal Ameal 1671 a,f,chpa 3713
Ferreira tecelão (termo de (termo de
Coimbra) Coimbra)
António Fran- 30 Tecelão e Maria Montemor- Montemor- 1671 a,f,chpa 8748
cisco, o Amoroso trombeteiro Francisca, a -o-Velho -o-Velho
Tosadora
António Fran- 15 Tecelão S Montemor- Montemor- 1674 a,f,chpa 3434
cisco, o Amoroso -o-Velho -o-Velho
António Franco 29 Tecelão de seda e S Bragança Bragança 1688 a,v,ca 5027
Machado mercador
António Lopes 20 Tecelão S Bragança Bragança 1716 a,f,chpp 1688
Pereira, o Nozes
António Lopes, 44 Tecelão de toalhas Isabel Borges Bragança Bragança 1661 Faleceu no 4555
o Rachado e charameleiro cárcere
António Rodri- 25 Tecelão S Bragança Bragança 1713 a,v,chpa 174
gues Ferreira
António 20 Tecelão de sedas S Bragança Bragança 1713 m,f 18071*
Rodrigues, o
Castelhano
Baltazar 26 Tecelão de toalhas Ana Rodrigues Bragança Bragança 1601 a,f,capa 6083
Fernandes
Baptista 36 Tecelão de man- Maria Dias Escalhão Escalhão 1675 a,f,pe 4102
Gonçalves tos. mercador (termo de (termo de
Castelo Castelo
Rodrigo) Rodrigo)
Belchior 60 Cardador V (Violante Campo de Carção 1669 a,d3B 1508
Fernandes Lopes) Víboras
Belchior 30 Tecelão e torcedor Mariana Bragança Vila Flor 1704 a,f,chpa 785
Fernandes de sedas Henriques
Belchior ? Tecelão Josefa Vinhais Bragança 1711 a,f,chpa 181
Ferreira Henriques
Daniel Ferreira 19 Tecelão de sedas S Chacim Chacim 1697 a,v,ca 3015
Diogo Ferreira 30 Tecelão de sedas Maria Vinhais Bragança 1697 Faleceu no 6977
Henriques cárcere
Domingos 32 Tecelão V (Catarina Montemor- Montemor- 1671 a,f,chpp 6913
Gonçalves, o Correia) -o-Velho -o-Velho
Amoroso
Domingos Lopes 15 Tecelão S Chacim Chacim 1698 a,f,chpp 2943
Francisco 37 Tecelão de Maria Sendim Sendim 1667 m,f, 6648
Cardoso alforges Gonçalves
Cu l t u ra M a te r i a l, Tra b a l h o e Co n f l i t u o s i d a d e O s A r te s ã o s Tê x te i s ( s é c u l o s X V I -X V I I I ) 113

Nome Idade Atividade Cônjuge Natural Morador Data Pena Fonte


Francisco Lopes 24 Torcedor de sedas Branca Lopes Bragança Mogadouro 1667 a,f,chpa 21032*5
Francisco 35 Tecelão e cardador Domingas Seia Mizarela 1581 a,f,chpp 6395
Nunes Carvalha (Guarda)
Francisco 22 Tecelão de veludos Maria Carvalho Astorga Bragança 1713 a,f,chpp 2699
Ramires (Castela)
Francisco 35 Tecelão Ana Gonçalves, Meixedo Meixedo 1595 Faleceu no 6689
Rodrigues a Castelhana (Bragança) (Bragança) cárcere
Francisco 22 Tecelão de sedas Beatriz Lopes Bragança Bragança 1713 Faleceu no 8054
Rodrigues Pereira cárcere
Gabriel Lopes 36 Tecelão de sedas Beatriz Rosa de Bragança Bragança 1747 a,f,chpa 8564
Leão
Gabriel Nunes, 50 Tecelão de veludos Maria da Costa, Bragança Bragança 1708 a,f,chpp,d5B 85
o Raba a Loba
Gaspar 28 Tecelão de toalhas Catarina Bragança Varge 1602 a,f,chpa 577
Fernandes Rodrigues
Gaspar Ferreira 47 Tecelão de sedas Filipa Borges Vinhais Bragança 1711 a,f,chpa 21333*7
Gaspar Lopes 24 Tecelão de toalhas S Bragança Bragança 1661 m,f,pe 3480
Gaspar Luís ? Tecelão de sedas e V Bragança Bragança 1711 a,f,chpp 1578
sapateiro (Maria Pereira)
Gaspar 23 Tecelão de lenços S Bragança Bragança 1604 a,f,chpa 9355
Rodrigues
Henrique de Sá 23 Tecelão de sedas Maria de Sá Mogadouro Bragança 1695 a,f,chpp 6277
Jerónimo 61 Tecelão de Isabel do Vale Miranda Miranda 1643 a,r 7499
Henriques alforges
João de ? Tecelão S Bragança Bragança 1713 Libertado 1617
Carvalho sem pena
João Dias 25 Tecelão de sedas Isabel da Paz Bragança Bragança 1713 a,f,chpa 1552
João Fernandes 40 Tecelão de toalhas Guiomar Sarra Campo de Campo de 1591 a,f,chpa 2765
Víboras Víboras
João Henriques 19 Tecelão S Bragança Bragança 1709 Faleceu no 5792
Nunes cárcere
João Nunes 15 Tecelão de sedas S Bragança Bragança 1709 a,f,chpp 18124*3
João Rodrigues 45 Tecelão de sedas Ana Rodrigues Bragança Bragança 1713 m,f,pe 8065
João Rodrigues 45 Tecelão de sedas Clara Borges Bragança Bragança 1713 a,f,chpp 8923
Carvalho
José da Costa 18 Tecelão S Bragança Bragança 1748 a,f,chpp 1805
José de Sá Pilão 37 Tecelão de sedas S Bragança Bragança 1711 a,f,chpp 1583
José Dias 47 Tecelão de sedas Catarina Bragança Bragança 1713 m,pe 5793
Ferreira
Lourenço de Sá 41 Tecelão de sedas Isabel Lopes Bragança Bragança 1713 a,f,chpa 1574
Silveira
Lourenço 33 Tecelão de seda Ana da Costa Bragança Bragança 1701 a,v,hpa 1786
Mendes
Luís Álvares 20 Tecelão de sedas S Bragança Bragança 1713 a,f,chpa 18085*1
Luís de Novais 24 Tecelão de sedas S Bragança Bragança 1715 a,f,chpa 1577
de Sá
Manuel Cardoso 35 Tecelão de sedas V Bragança Vinhais 1706 a,f,chpa 3191
(Maria
Ferreira)
Manuel de 33 Tecelão de tafetás Maria de Sá Zamora Bragança 1692 a,r 2683
Castro e mercador (Castela)
Manuel de 23 Tecelão de sedas Maria Nunes Bragança Bragança 1661 a,f,chpa 9062
Lafaia
Manuel Dias 19 Tecelão S Bragança Bragança 1716 a,f,chpa 1560
114 Isabel M. R. Mendes Drumond Braga

Nome Idade Atividade Cônjuge Natural Morador Data Pena Fonte


Manuel 26 Tecelão de sedas S Chacim Chacim 1697 a,v,ca 5278
Ferreira
Manuel Gomes 24 Tecelão e soldado S Bragança Bragança 1709 a,f,chpp 7355
da Costa, o
Ratona
Manuel Gonçal- 28 Tecelão S Montemor- Montemor- 1673 a,f,chpa 2489
ves, o Amoroso -o-Velho -o-Velho
Manuel Lopes 20 Torcedor de sedas S Bragança Bragança 1667 m,f,pe 21316*6
de Carvalho
Manuel Lopes,o 31 Tecelão de toalhas S Bragança Bragança 1661 a,f,chpa 3494
Capado
Manuel Teixeira 37 Torcedor S Bragança Bragança 1713 a,f,chpa 1575
da Costa
Marcos da 30 Tecelão de veludos S Bragança Porto 1660 a,f,chpp 1521
Costa
Mateus Lopes 62 Tecelão de sedas Maria Nunes Bragança Bragança 1713 m,f,pe 8034
Matias 26 Tecelão de tafetás, Leonor Lopes Bragança Chacim 1660 a,f,chpa 8190
Rodrigues curtidor, sapateiro
Rafael de Sá 50 Tecelão de sedas Ana Maria Bragança Bragança 1747 m,ca 1809-
17*2
Rafael Lopes 18 Tecelão S Mogadouro Bragança 1718 a,f,chpp 18138*4
Pereira
Salvador 19 Tecelão S Vinhais Vinhais 1710 m,f, 1686
Mendes
Salvador Pires 30 Tecelão de sedas Jerónima Bragança Bragança 1660 a,f,chpp 2138
Gomes
Salvador 31 Tecelão de sedas S Bragança Bragança 1664 a,f,chpp 3772
Rodrigues
Sebastião 27 Tecelão de veludos Ana Rodrigues Bragança Bragança 1661 a,f,chpp 1119
Rodrigues
Cu l t u ra M a te r i a l, Tra b a l h o e Co n f l i t u o s i d a d e O s A r te s ã o s Tê x te i s ( s é c u l o s X V I -X V I I I ) 115

Anexo 2
Relações Familiares dos Artesãos Têxteis Presos pelo
Tribunal do Santo Ofício de Coimbra (séculos XVI-XVIII)

Filhos com
Profissão Outros familiares com a
Nome Profissão a mesma Data Fonte
paterna mesma profissão
profissão
Tecelão de
Afonso de Valença Tecelão de veludos - 1 irmão 1711 2611
veludos
Álvaro Carneiro Aprendiz de tecelão Sapateiro - 2 irmãos, 4 sobrinhos 1714 1570
Tecelão de 1 genro, 4 tios, 1
André da Costa Tecelão de sedas - 1713 1569
sedas cunhado
António da Costa Tecelão de tafetá Sapateiro - - 1667 6180
António da Costa
Tecelão Torcedor - - 1718 530
Mendes
António Ferreira Tecelão Escrivão - - 1664 1412
António Ferreira Aprendiz de tecelão Barbeiro - - 1671 3713
António Francisco, o
Tecelão Tecelão - 3 tios 1674 3434
Amoroso
António Francisco, o Tecelão e 2 irmão, 1 tio, dois
Tecelão 1671 8748
Amoroso trombeteiro primos
António Franco Tecelão de seda e
Mercador - 1 tio, 5 primos 1688 5027
Machado mercador
António Lopes
Tecelão Tecelão - 2 cunhados 1716 1688
Pereira, o Nozes
António Lopes, o Tecelão de toalhas e Tecelão de 1 avô, 1 genro, 2 tios, 3
1661 4555
Rachado charameleiro toalhas primos, 1 sobrinho
António Rodrigues
Tecelão - - - 1713 174
Ferreira
António Rodrigues,
Tecelão de sedas Curtidor - 1 irmão, 1 tio, 5 primos 1713 1807
o Castelhano
Tecelão de
Baltazar Fernandes Tecelão de toalhas - 1 irmão 1601 6083
toalhas
Baptista Gonçalves Tecelão de mantos Moleiro - - 1675 4102
Tecelão e torcedor
Belchior Fernandes Sapateiro - - 1704 785
de sedas
Tecelão de
Belchior Fernandes Cardador Cardador 2 irmãos, 1 sobrinho 1669 1508
mantos
Belchior Ferreira Tecelão Sapateiro - - 1711 181
2 irmão, 2 cunhados, 1
Daniel Ferreira Tecelão de sedas Curtidor - 1697 3015
tio, 2 sobrinhos
Diogo Ferreira Tecelão de sedas Curtidor - 4 irmãos, 1 tio, 1 primo 1697 6977
Domingos Gonçal-
Tecelão Tecelão - 2 irmãos, 1 tio, 2 primos 1671 6913
ves, o Amoroso
Domingos Lopes Tecelão Curtidor - 1 irmão 1698 2943
Francisco Cardoso Tecelão de alforges Sapateiro - - 1667 6648
Francisco Lopes Torcedor de sedas - - 3 irmãos, 1 tio, 3 primos 1667 2103
Francisco Nunes Tecelão e cardador - - - 1581 6395
Francisco Ramires Tecelão de veludos Sapateiro 1 - 1713 2699
5 primos e 4 primas
Francisco Rodrigues Tecelão Sapateiro 2 1595 6689
casadas com tecelões
Francisco Rodrigues Tecelão de sedas Mercador - 1 tio, 4 primos 1713 8054
2 irmãos, 2 cunhados, 6
Gabriel Borges Tecelão de sedas Tecelão - 1747 8564
tios, 18 primos
116 Isabel M. R. Mendes Drumond Braga

Filhos com
Profissão Outros familiares com a
Nome Profissão a mesma Data Fonte
paterna mesma profissão
profissão
Gabriel Nunes, o
Tecelão de veludos Sapateiro 2 1 cunhado, 9 primos 1708 85
Raba
Tecelão de
Gaspar Fernandes Tecelão de toalhas - 2 tio e dois primos 1602 577
toalhas
Gaspar Ferreira Tecelão de sedas Sapateiro 1 1 primo 1711 2133
Tecelão de
Gaspar Lopes Tecelão de toalhas - 1 avô, 3 tios, 4 primos 1661 3480
toalhas
Tecelão de sedas e
Gaspar Luís Sapateiro - 1 genro 1711 1578
sapateiro
Gaspar Rodrigues Tecelão de lenços Tecelão - - 1600 9355
Henrique de Sá Tecelão de sedas Mercador - 2 irmãos, 1 tio, 5 primos 1695 6277
Jerónimo Henriques Tecelão de alforges Tecelão 1 avô, 2 primos 1643 7499
João de Carvalho Tecelão - - - 1713 1617
João Dias Tecelão de sedas Tecelão 7 tios, 1 sobrinho 1713 1552
João Fernandes Tecelão de toalhas - - - 1591 2765
João Henriques
Tecelão Mercador - 6 tios, 2 primos 1709 5792
Nunes
Tecelão de
João Nunes Tecelão de sedas - 1 irmão 1709 1812
sedas
João Rodrigues Tecelão de sedas - - 3 primos 1713 8065
João Rodrigues 2 irmãos, um cunhado, 2
Tecelão de sedas Sapateiro 1713 8923
Carvalho tios, 6 primos, 1 sobrinho
José da Costa Tecelão Tecelão - 1 irmão, 8 tios, 6 primos 1748 1805
José de Sá Pilão Tecelão de sedas Favaceiro - 2 primos 1711 1583
José Dias Tecelão de sedas Curtidor - - 1713 5793
Lourenço de Sá
Tecelão de sedas Mercador - - 1713 1574
Silveira
Lourenço Mendes Tecelão de seda Mercador - 1 genro, 1 irmão, 3 tios 1701 1786
Luís Álvares Tecelão de sedas Sapateiro - 2 irmãos, 1 primo 1713 1808
Luís de Novais
Tecelão de sedas - - - 1715 1577
de Sá
Manuel Cardoso Tecelão de sedas Sapateiro - 1 cunhado, 4 primos 1706 3191
Tecelão de tafetás e
Manuel de Castro Sapateiro - - 1692 2683
mercador
Manuel de Lafaia Tecelão de sedas Cerieiro - 1 irmão 1661 9062
Manuel Dias Tecelão Tecelão - 3 tios, 1 primo 1716 1560
1 tio, 2 primos, 3 irmãos,
Manuel Ferreira Tecelão de sedas Curtidor - 1697 5278
2 cunhados
Manuel Gomes da
Tecelão e soldado Mercador - 1 cunhado 1709 7355
Costa, o Ratona
Manuel Gonçalves, o
Tecelão Tecelão - 4 tios 1673 2489
Amoroso
Manuel Lopes de Tecelão de
Torcedor de sedas - 3 irmãos, 2 tios, 2 primos 1667 2131
Carvalho veludos
Manuel Lopes, o Tecelão de
Tecelão de toalhas - 1 avô, 1 tio 1661 3494
Capado toalhas
Manuel Teixeira da
Torcedor Tecelão - 2 tios 1713 1575
Costa
Marcos da Costa Tecelão de veludos - - 1 avô 1660 1521
Mateus Lopes Tecelão de sedas - - - 1713 8034
Tecelão de tafetás,
Matias Rodrigues Sapateiro - 1 tio, 1 primo 1660 8190
curtidor, sapateiro
Rafael de Sá Tecelão de sedas Tecelão - 3 tios 1747 1809-1
Cu l t u ra M a te r i a l, Tra b a l h o e Co n f l i t u o s i d a d e O s A r te s ã o s Tê x te i s ( s é c u l o s X V I -X V I I I ) 117

Filhos com
Profissão Outros familiares com a
Nome Profissão a mesma Data Fonte
paterna mesma profissão
profissão
Rafael Lopes Torcedor de
Tecelão - 6 irmãos 1718 1813
Pereira seda
Salvador Mendes Tecelão Torcedor - 1 irmão, 2 tios 1710 1686
Tecelão de
Salvador Pires Tecelão de sedas - Avô, 2 tios, 4 sobrinhos 1660 2138
tafetás
Tecelão de 1 avô, 1 tio, 1 irmão, 4
Salvador Rodrigues Tecelão de sedas - 1664 3772
sedas primos
1 primo e 1 marido de
Sebastião Rodrigues Tecelão de veludos Pedreiro - 1661 1119
uma prima

Penas:
Publicitação das penas: a – auto da fé, m – Mesa do Santo Ofício;
Abjuração dos réus: l – abjuração de levi suspeito na fé, f – abjuração em forma, v – abjuração de
veemente suspeito na fé;
Castigos: c – cárcere, cf – confisco de bens, d – degredo (A – Angola; B – Brasil; CM – Castro
Marim), hpa – hábito penitencial a arbítrio, hpp – hábito penitencial perpétuo; pe – penas
espirituais; r – relaxado ao braço secular.
Fonte:
C – Inquisição de Coimbra, proc.

(Footnotes)
1 * Teve novo processo, em 1747. Cf. Lisboa, A.N.T.T., Inquisição de Coimbra, proc. 1807-1. Então
era viúvo de Filipa Pereira.
2 *5 Teve um segundo processo, em 1697. Cf. Lisboa, A.N.T.T., Inquisição de Coimbra, proc. 2103-1.
Já enviuvara da primeira e da segunda mulher, Francisca de Sá, estava casado com Ana da Paz e
residia em Chacim.
3 *7 Teve um segundo processo, em 1747. Cf. Lisboa, A.N.T.T., Inquisição de Coimbra, proc. 2133-1.
4 *3 Teve um segundo processo, em 1747. Cf. Lisboa, A.N.T.T., Inquisição de Coimbra, proc. 1812-1.
Era então casado com Mariana Teresa.
5 *1 Teve novo processo, em 1749. Cf. Lisboa, A.N.T.T., Inquisição de Coimbra, proc. 1808-1.
6 *6 Teve um segundo processo, em 1710. Cf. Lisboa, A.N.T.T., Inquisição de Coimbra, proc. 2131-1.
Já enviuvara de Isabel de Morais e estava casado com Branca Pereira.
7 *2 Este é o segundo processo.
8 *4 Teve um segundo processo em 1748. Cf. Lisboa, A.N.T.T., Inquisição de Coimbra, proc. 1813-1.
Já enviuvara de Luísa Maria e estava casado com Maria Rosa.

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