As Melhores Redações Da FUVEST 2010: Uma Análise Dialógica
As Melhores Redações Da FUVEST 2010: Uma Análise Dialógica
As Melhores Redações Da FUVEST 2010: Uma Análise Dialógica
Mariana Conti
ARARAQUARA – SP
2012
1
Mariana Conti
ARARAQUARA – SP
2012
2
Conti, Mariana
Mariana Conti
Aprovado em:
__________________________________________
Prof. Dr. Renata Coelho Marchezan
Universidade Estadual Paulista-UNESP
4
Sumário
1. Introdução ....................................................................................................................................... 6
2. O dialogismo .................................................................................................................................... 6
4. Conclusão ...................................................................................................................................... 26
5
RESUMO
ABSTRACT
This research analyzes the 53 best university entrance exams essays of 2010 of FUVEST -
University Foundation for University Entrance Exams, which were published on the
institution website, indicating that they were considered the best in the exam. The objective of
the analysis was to identify similarities and differences between the essays, based on dialogic
approach. We analyzed aspects such as: the way students addressed the subject, the language
and organization of writing; the different ways of argumentation; the most used quotes;
dissertation structure and the way the students considered the discourse genre "writing". The
study also compared the essays based on the way in which the genre is addressed in schools
and pre-university preparatory courses, which gave us parameters to evaluate the extent to
which this teaching can help students or otherwise confuse them. Through the analysis, we
can deduce what the institution values, which helps to demystify some of the so-called known
“recipes” for good writing.
1. Introdução
2. O dialogismo
O Círculo de Bakhtin foi um grupo formado por estudiosos russos, no século XX, que
se reuniam para discutir principalmente questões filosóficas. O grupo tinha como membro o
pensador Mikhail Bakhtin e contava com outros pensadores, entre eles Valentim Voloshinov
e Pavel Medvedev. Depois de algum tempo, houve, em seus estudos, uma valorização da
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respeito. Em termos bakhtinianos, temos, aí, uma situação dialógica, mesmo que não se dê
face a face.
Em um diálogo face a face, espera-se uma resposta imediata do enunciatário. Já no
editorial de um jornal, por exemplo, o editor salienta a posição do jornal diante dos fatos, e
tenta persuadir o leitor a concordar com suas palavras ou, no mínimo, pensar na questão
discutida. Mesmo que não seja imediata, o editor sempre receberá uma resposta de seus
enunciatários, e essa resposta poderá chegar até ele de diversas maneiras, expressando
opiniões individuais ou da massa social.
Como vivemos em um meio social, Bakhtin afirma que todo enunciado é construído
sobre outro enunciado, ou seja, nenhum enunciado é completamente novo, que nunca antes
tenha sido pensado ou proferido, já que o enunciado é uma resposta a algum enunciado
anterior.
Quando falamos de um livro, de um político, de um acontecimento, ou o que quer que
seja, estaremos sempre citando a fala de outra pessoa e incorporando a ela, explicitamente ou
não, nossa visão de mundo. Ouvindo a um discurso político, podemos nos surpreender com a
solução que um sujeito dá a determinado problema da sociedade. Porém, por mais que a
solução seja inovadora, ela só surgiu de uma dificuldade, uma carência social. Por todas essas
questões, um enunciado terá sempre, no mínimo, duas vozes.
Tudo que se enuncia gera uma resposta. Foi pensando nesse contexto que Bakhtin
pensou no diálogo não apenas como uma alternância de vozes face a face, mas como uma
comunicação mais ampla, verbal ou não, face a face ou não. Cada enunciação carrega como
significado o contexto social em que está inserido.
Assim, não há enunciado que seja completamente novo, os enunciados, no entanto,
não são cópias uns dos outros. Um enunciado é sempre um diálogo com algo anterior, e
certamente servirá para futuros enunciados. É a “relação da palavra à palavra de outrem”
(MARCHEZAN, 2006, p.123).
De acordo com a teoria, os enunciados são uma espécie de diálogo constante com o
que já foi dito, e com certos enunciados que ainda não foram ditos. Podemos pensar nessa
questão, de modo analógico à formulação do célebre químico Antoine Lavoisier no século
XVIII: "na natureza nada se cria, nada se perde, tudo se transforma". Da mesma forma, nada
de novo será dito, mas sempre haverá uma relação com o que já se disse anteriormente. Cada
enunciado dialoga, de forma positiva ou negativa, concordando ou discordado, com algo que
já foi dito. Da mesma forma, o receptor do texto agirá de modo semelhante. Dizendo ou
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Todo enunciado é construído de acordo com o meio social do enunciador. Por essa
razão, os textos escritos deixam transparecer o tempo em que foi criado. Por exemplo, num
romance histórico, o leitor reconhecerá que a história não se passa no momento em que vive,
já que o texto será evidenciado pelo seu meio social, através de costumes ou objetos que se
diferenciam dos da atualidade do momento da leitura. Mas ainda que o leitor não se interesse
pelos fatos passados, ele pode se identificar com o texto: apesar de espaços e tempos diversos,
certas situações que ocorriam no passado continuam a ocorrer, o que nos dá a sensação de que
o tempo passa, mas certas coisas nunca mudam. É comum esse tipo de situação ocorrer na
linguagem escrita no caso de documentos mais duradouros, como certos livros. Mas o
reconhecimento ao meio social pode vir de outros materiais além do escrito, como vídeos e
gravações de áudio.
Cada enunciador tem um estilo próprio para se comunicar e dá interpretações a cada
palavra que usa. Sentimos isso quando reconhecemos quem é o autor de um texto somente
pela linguagem que utiliza, ou pelo modo como o texto é escrito. Isso só pode acontecer
quando o enunciador cria sua própria “marca” na linguagem, quando usa expressões próprias,
ou até quando trata de temas rotineiros, criando uma espécie de “enunciado personalizado”.
Desse modo, podemos notar que a mesma língua pode se adequar a diferentes pessoas, com
personalidades distintas. Da mesma forma que cada enunciador cria seu próprio enunciado, de
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forma bastante pessoal, ele também irá adequar seu discurso de acordo com seu enunciatário.
O receptor determinará diretamente as escolhas lexicais e as de gêneros, já que ele poderá ter
diferentes funções sociais.
Segundo Bakhtin, todos os enunciados são direcionados a um público:
Quando falamos com nossos avós, por exemplo, não falamos da mesma forma que
falamos com nossos amigos. A forma de tratamento é diferente, assim como as escolhas
lexicais, e, não obstante, a maneira como os temas são tratados.
No caso das redações de vestibular, muitos podem ser os artifícios arquitetados para
alcançar a aprovação do corretor. O uso, por exemplo, de referências que não são pertinentes
ao mundo do enunciador. O aluno, muitas vezes, mudará seu modo de enunciar ou até de
enxergar o mundo, para escrever aquilo que ele pensa que o corretor deseja encontrar em seu
texto. Essa ideia é errônea, visto que a redação pode parecer artificial, e o corretor,
certamente, julga (ou deveria julgar) o modo como o vestibulando expressa sua opinião.
Um enunciado não se caracteriza apenas por o que diz, mas traz consigo uma carga
social de um dado tempo. Um mesmo enunciado pode ter diferentes sentidos quando se trata
de épocas e contextos diversos.
Um enunciado que em um dia pode ser trivial, pode passar a ter um novo significado
depois de, por exemplo, ser proferido por alguém que tenha algum tipo de influência social.
Podemos pensar, a propósito, numa expressão americana muito conhecida atualmente: “Yes,
we can!”. Essa expressão poderia ter sido usada por todos nós, em contextos diversos. Porém,
a partir do momento que o candidato à presidência dos Estados Unidos, Barack Obama, no
ano de 2008/2009, tornou essa frase o slogan de sua campanha eleitoral, a frase adquiriu uma
carga de sentido muito forte e um tanto específico. Depois desse fato, qualquer pessoa que
pronunciar tal frase se lembrará do presidente americano, pelo menos por um dado tempo.
Da mesma maneira, um enunciado pode ter inúmeros significados, dependendo do
contexto e da entonação do interlocutor. Expressões como “infelizmente” pode ter o sentido
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de “felizmente” em certas situações. É o contexto que dará uma significação ao todo. Quando
alguém diz a palavra “burro”, pode estar se referindo ao animal, ou querendo ofender a outra
pessoa. Toda oração que for vista fora de contexto pode ter o significado deturpado, levando-
se em conta a interpretação de cada um, diferente de um texto, que podemos ter uma imagem
de todo o discurso, e, mesmo que haja variações, elas serão menores.
Outro conceito importante, que faz parte das obras do Círculo, é o de gênero do
discurso. Por meio dele, busca-se apreender organização textual e o entendimento do fazer
diversificado do homem que se manifesta por meio da linguagem. Seu estudo se caracteriza
pela noção do ato de linguagem, mostrando que a língua não está viva somente num diálogo
face a face, mas também em um livro teórico, ou em um romance, por exemplo.
Bakhtin definiu dois tipos de gêneros - o primário e o secundário - para descrever a
alternância dos enunciados, e o modo como são feitos e absorvidos pelo público, apesar de, na
maioria das vezes, o uso dos gêneros ser inconsciente.
O gênero primário compreende as comunicações espontâneas, e constitui a dinâmica
da linguagem, com falas que se alternam. Como gêneros primários, pensamos na linguagem
usual, espontânea, como um diálogo entre duas pessoas.
O gênero secundário é uma comunicação mais complexa. Pode-se pensar que os
gêneros secundários retiram a dinâmica do dia-a-dia, não é um diálogo imediato nem
espontâneo, como no gênero primário. Aparecem em meio a uma comunicação cultural mais
complexa, principalmente na modalidade escrita, costumam compartilhar dos valores de uma
sociedade, e atuam em uma área particular, como na ciência ou na religião. Temos como
exemplo de gênero secundário, um romance.
Essa classificação é importante porque mostra a variedade do discurso, e é dentro de
determinado discurso que se pode analisar mais profundamente as relações dialógicas que
compreendem um texto.
Pensemos na formação dos enunciados. O homem, a partir do momento que adquire a
linguagem no meio em que está inserido, passa a se utilizar dela, de modo que depende da
linguagem inclusive para formar um raciocínio, ainda que seja rotineiro. Porém, precisa ser
esclarecido que a consciência não vem da palavra, mas do enunciado que nos proporciona o
entendimento da realidade. A partir do momento que se usa uma linguagem, será certamente
através dela que os pensamentos se guiarão.
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Uma pessoa pode estar muito acostumada a usar gêneros do discurso político, mas
pode não se expressar tão bem numa conversa completamente informal com amigos, já que as
pessoas se acostumam a usar certos gêneros de discursos.
Utilizamos diversos gêneros do discurso, tanto orais como escritos, e, mesmo se não
refletirmos sobre a diferença entre eles, usamos com destreza cada um deles. Não precisamos
conhecer a teoria para usar os enunciados, assim como usamos a língua mesmo sem dominar
uma dada reflexão sobre sua gramática, ou conhecemos os números mesmo sem dominar suas
funções.
De acordo com Bakhtin (1997, p. 301), “esses gêneros do discurso nos são dados
quase como nos é dada a língua materna, que dominamos com facilidade antes mesmo que lhe
estudemos a gramática”.
A proposta tem como tema central a imagem, e traz uma figura e duas citações: a
primeira citação, do antropólogo Gilbert Durand, diz que o ser humano cria imagens para dar
equilíbrio a sua vida, como forma de apaziguar seus problemas. Já a segunda, de Tânia
Pellegrini, afirma que nos utilizamos da imagem para representar a realidade.
Um dos propósitos dos elaboradores da prova de redação é o de formular um tema do
cotidiano, afirma Maria Thereza Fraga Rocco, coordenadora de redação da FUVEST, em
entrevista ao site Guia do Estudante, da editora Abril (sem data). Por essa razão o exame não
exige um profundo conhecimento prévio do aluno. O que se espera numa redação de
vestibular é que o aluno saiba dissertar a respeito de um assunto cotidiano, expondo sua
concepção acerca do tema. Por essa razão, os temas escolhidos estão sempre em pauta, não
são fatos acabados. Dessa forma, podemos dizer que todos os temas já foram pensados ou
discutidos, por isso todos os enunciados já foram proferidos anteriormente, e fazem um
paralelo com o que já foi dito. Além do mais, os alunos citam teóricos e pensadores que já
dissertaram sobre o tema. Ora, se outras pessoas já falaram sobre isso, temos uma relação
dialógica, de acordo com Bakhtin.
No caso das redações de vestibular, o público alvo são os corretores contratados pela
instituição que elabora e corrige as provas, neste caso, a FUVEST. Ainda segundo Rocco, são
72 corretores divididos em pares. Os corretores são profissionais da área, que passaram por
cursos preparatórios para fazer esse tipo de correção. Cada redação é avaliada por um desses
pares de corretores, e, caso haja uma divergência grande entre as notas, a redação passa por
uma terceira correção, de acordo com a entrevista e com o manual do vestibular.
Da mesma forma que o aluno direciona seu discurso para o enunciatário, que neste
caso é o corretor, o enunciatário se transformará em enunciador, e dará uma resposta sobre o
enunciado. Essa resposta não será face a face: será a nota do corretor. Segundo o manual da
FUVEST, o aluno deve demonstrar competência para leitura e compreensão de textos,
capacidade de expressão de seus conhecimentos, reflexões e pontos de vista. Essas
competências serão analisadas pelos corretores para determinar a nota de sua redação.
3.1. Temática
Apesar do foco dado por Durand na primeira citação que a proposta apresenta, de que
a imagem é usada pelo homem como forma de apaziguar seus problemas, essa abordagem ao
tema é pouco recorrente nas redações, apenas duas das 53 redações seguem essa linha.
Segue o trecho de uma das redações que abordam a temática dessa forma:
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Já a segunda citação, de Tânia Pellegrini, que possui temática mais ampla e genérica
que a anterior, dizendo que dependemos cada vez mais da imagem para representar nossa
realidade é bastante abordada nas redações:
O trecho nos mostra, de forma geral, que o ser humano, ao entrar em contato com o
mundo, se utiliza de um recurso que passa a ser natural: a imagem. Portanto, a imagem que
criamos é uma interpretação da realidade, ou seja, a forma como percebemos a realidade.
Apesar disso, a temática mais abordada foi a da preocupação que as pessoas têm com a
própria imagem, em detrimento a sua essência - a famosa essência versus aparência. Cerca de
30% das melhores redações abordam essa vertente:
Ou no trecho:
[...] construir a imagem de uma pessoa muitas vezes significa construir sua
idealização. Assim, seria exigido o processo inverso para atingir a essência:
a desconstrução.
(Exemplo 18- Persona)
1
As citações serão feitas tais como constam nas redações, sem nenhum acerto ou adequação.
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Muitos professores de língua portuguesa afirmam que uma redação de vestibular não
pode ser escrita com letras de forma, já que os corretores do exame não aceitam esse tipo de
escrita. Porém, nas melhores redações encontramos letras bem diversas umas das outras com
letras de forma, de mão, as duas formas misturadas, letras quase ilegíveis, que causam
dificuldade na leitura e outras bem legíveis. Tudo isso desmitifica alguns mitos acerca da
forma de escrita exigida no vestibular.
Outra informação que é dada pelos professores de redação que pode ser questionada é
a de não exceder a quantidade máxima de linhas. Porém, as redações selecionadas mostram o
contrário: apenas 28,3% escrevem o texto em até 30 linhas. As demais redações têm entre 31
e 34 linhas, sendo que a maior parte das redações é escrita em 34 linhas, 30,1%. Além disso,
muitos alunos que estão na fase do vestibular têm dúvidas quanto às rasuras do texto. Das 53
redações, 29 possuem rasuras, que são facilmente descartadas com um traço sobre o trecho ou
a palavra errada, o que nos prova que o aluno não será prejudicado se precisar rasurar seu
texto.
A análise das melhores redações nos mostra que não é necessário utilizar palavras
rebuscadas e fora do contexto social do aluno para se obter um bom resultado, já que não
encontramos redações escritas com um vocabulário excessivamente rebuscado. Esse tipo de
escrita fluida deixa a linguagem mais clara e dentro da realidade dos alunos. A forma como
foram escritas não intimidaria, por exemplo, um aluno de escola pública a se inspirar para
também escrever uma redação exemplar.
A linguagem fluida das redações analisadas dribla um problema comum em redações
que procuram explorar um vocabulário rebuscado – a artificialidade. Muitas vezes, um aluno
que fica preocupado com a linguagem de sua redação perde o foco do texto e o apresenta sem
riquezas de ideias. Um vocabulário excessivamente rebuscado tende a ser artificial,
evidenciando que aquela palavra ou expressão não é recorrente no vocabulário do enunciador.
Muitas vezes, ao usar uma palavra muito elaborada, o aluno usa de forma errada,
prejudicando seu texto. O importante é que o aluno faça suas ideias fluírem, e, para isso, ele
terá que dominar a linguagem e o gênero que está usando. Podemos concluir, dessa forma,
que uma redação se destacará das outras se o aluno estiver acostumado a escrever esse tipo de
texto, e isso poderá ser alcançado se o aluno praticar.
Vejamos o trecho abaixo, de uma das redações:
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O trecho nos mostra uma linguagem clara e simples, que faz parte do cotidiano de um
aluno de ensino médio que faz boas leituras. Não existe nenhuma palavra extraordinária, que
outros alunos não conheçam. Esse enunciador soube escolher seu vocabulário: utilizou-se de
uma linguagem formal, sem gírias, clichês ou repetição abusiva de palavras, além de dominar
o assunto em que estava tratando.
Nas instruções da redação do vestibular analisado, pede-se para o aluno dar um nome
a sua redação. Obviamente, em um exame, é importante que as solicitações da prova sejam
consideradas. Nas redações selecionadas não encontramos títulos simplistas, como “A
Imagem” (artigo e substantivo), ou “A bela imagem” (artigo, adjetivo e substantivo). 33% das
redações utilizam o tema principal “imagem” em seu título. Seu uso não ficará prejudicado se
não for usado um título simplista. Alguns exemplos de bom títulos: “A representação dos
fatos”, “Baile de máscaras”, “Sob o tecido da imagem”, “Persona”, “Imagem: A realidade
invertida”.
3.3. Argumentação
Em nossa análise constatamos que o exame considera que, para um argumento bom
construído, não se faz necessário citar teóricos ou intelectuais, o importante é que o
enunciador tenha domínio do tema tratado e conduza o leitor a uma interpretação. Um
exemplo disso é uma redação que citou personagens de desenhos animados infantis para
figurar seu argumento:
Ora, como podemos imaginar uma redação séria, escrita no maior vestibular do Brasil,
citar personagens de desenhos animados e ainda ficar entre as melhores redações? Devemos
admitir que o vestibulando utilizou muito bem essa linguagem figurativa para falar do
capitalismo, de modo que qualquer leitor compreende com facilidade o que o enunciador quis
dizer. Isso demonstra capacidade argumentativa com criatividade.
Constata-se também que o vestibulando não precisa mostrar em sua redação que é
politicamente correto, ou que pensa igual a todos. Possuir uma boa capacidade de
argumentação não significa ter ideias inovadoras, nem querer pensar igual ao corretor da
redação. Porém, é importante que o aluno tenha capacidade de expressar seus conhecimentos,
reflexões e pontos de vista.
As redações são bem diversificadas, o que nos leva a conclusão de que os estudantes
tiveram formação escolar e, principalmente, vivências bem diferente uns dos outros, conforme
os exemplos abaixo:
Podemos notar, neste trecho, que a formação desse vestibulando não se restringe a
conhecimentos adquiridos especificamente no ensino médio, já que geralmente um estudante
dessa modalidade não conhece estudiosos da linguística. O aluno trata com propriedade do
tema, o que nos leva a crer que realmente haja interesse por essa área da linguagem.
Nos trecho a seguir, notamos um interesse por outras áreas de conhecimento:
3.4. Citações
A análise das melhores redações nos faz perceber que os enunciadores se preparam
bem para o exame. Algumas das citações vão além da realidade de um estudante do ensino
médio de uma escola pública, o que nos aponta que toda essa qualidade de leitura vem de
pessoas que têm um conhecimento elevado para sua idade, amadurecidas, provavelmente, por
leituras de teóricos, muitas vezes inacessíveis à grande parcela da população. Mas também
devemos levar em consideração que a maioria dos vestibulandos tem entre 18 e 21 anos, e
muitos deles passaram por cursos pré-vestibulares. Porém, algumas citações como de
linguistas ou sociólogos, por exemplo, nos levam a crer que alguns dos vestibulandos já
possuem formação superior.
Tomemos como exemplo o trecho a seguir:
citação. Porém, um dado interessante é que, de acordo com a análise dos cinco últimos anos
do vestibular da FUVEST, disponíveis no site da instituição, a maior parte das citações fica a
cargo da literatura brasileira, e o autor que fica na frente é Machado de Assis, seguido por Eça
de Queiroz. Nestas redações, encontramos apenas três citações de Machado de Assis, e
nenhuma de Eça de Queiroz.
Outro dado interessante é que o nome mais citado nas redações selecionadas foi
Platão, filósofo do período clássico da Grécia antiga, que aparece em 6 das 53 redações,
seguido pelo pintor Renè Magritte, pintor belga surrealista, com 4 citações, tratando das
obras: “Os amantes” e “Cachimbo”.
A preocupação do homem quanto à sua figura existe há séculos. O mito de
Narciso, que se apaixonou por seu reflexo na água e na busca por ele,
morreu afogado, é um exemplo. Platão também discutia isso. Para ele, o
amor imaginário, impossível de se realizar, é melhor, pois pode ser perfeito,
ao passo que na realidade nunca é.
(Exemplo 16- Narcisos do século XXI)
[...] Magritte, em sua obra “Os amantes”, retrata dois indivíduos mascarados
se beijando; um não conhece o rosto do outro, pois o que prevalece é a
massificação, o uso de máscaras sociais- jamais o amor.
(Exemplo 2- A realidade por imagens)
A partir dessa informação e das mudanças atuais da escola, podemos pensar que essas
citações de filósofos e sociólogos podem ter sido dadas pela inclusão obrigatória da filosofia e
sociologia na grade dos alunos de escola pública, a partir de 2009/2010. Porém, não se pode
descartar que a disciplina já era ministrada em escolas particulares e cursos pré-vestibulares.
Além disso, as citações em provas de vestibular, seja na proposta de redação, ou nas
questões objetivas e dissertativas, influenciam os vestibulandos na escolha de suas leituras.
Nos cinco últimos anos do vestibular alguns filósofos e sociólogos foram citados, como é o
caso de Zygmunt Bauman, citado três vezes, e Aristóteles, o filósofo mais citado nos últimos
exames.
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3.5. Estrutura
Nota-se que o desenvolvimento antecede a introdução. O vestibulando inicia seu texto citando
um filme, e somente depois faz uma introdução ainda no mesmo parágrafo, mostrando neste momento
do que se tratará seu texto. Esse é um recurso interessante que induz o leitor a querer conhecer o texto
todo. O recurso é muito utilizado em editoriais de jornais, que apresentam os fatos, para depois
discuti-los.
Ainda no mesmo texto, a conclusão vem junto com o último parágrafo do desenvolvimento:
Com base na reflexão bakhtiniana sobre gêneros do discurso, podemos sustentar que
as redações fazem parte do gênero secundário, que é uma comunicação mais complexa,
evoluída, menos sujeita a mudanças, e, neste caso, na modalidade escrita. Como vimos, esse
gênero costuma compartilhar dos valores de uma sociedade, e atuam em uma área particular,
como na ciência ou na religião. No caso das redações, essa teoria fica clara: a dissertação
segue uma estrutura padrão e, por ser escrita, é uma comunicação mais complexa, que enuncia
valores.
Uma dissertação pode ser vista como um discurso ideológico, no sentido de expressar
ideias e convicções do pensamento individual. Se esse discurso expressasse as mesmas ideias,
mas informalmente, em um discurso oral, por exemplo, provavelmente estaríamos diante de
um gênero primário. Porém, esse tipo de texto apresenta uma ideologia de forma elaborada e
complexa, pois não é um discurso trivial, cotidiano. O gênero secundário é mais preso a
situações discursivas formais, em que é exigida uma estrutura específica, e, principalmente,
está incluído em um domínio que exige competência(s)/conhecimento(s) particular(es) da
sociedade. No caso analisado, pode-se dizer que sem um conhecimento prévio, reflexões ou
leituras de redações, seria praticamente impossível uma pessoa escrever um texto dissertativo.
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Os fatos não mudam mas os símbolos sim e é por isso que se discute, ou pelo
menos deveria se discutir, o que já se passou. Apossando-me de uma frase de
F. Nietzche “Não existem fatos externos, como não existem verdades
absolutas” completo dizendo que o sentido que se atribui é aquele a quem
lhe convier. Talvez o mundo real se faça pelo conflito dos símbolos que ele
próprio gerou.
(Exemplo 51- Fatos: símbolos na memória)
4. Conclusão
Após a análise das melhores redações da FUVEST de 2010, pode-se notar que
algumas regras que as escolas e os cursinhos pré-vestibulares ditam, muitas vezes não
funcionam, uma vez que generalizam questões que devem ser analisadas de forma individual.
Um exemplo disso é o foco narrativo: a regra difundida é que se use 1ª pessoa do plural ou a
3ª pessoa do singular, e nunca a 1ª pessoa do singular. Porém, esse foco que “não se pode usar
nesse tipo de texto” está presente em duas redações. Ora, se realmente não fosse apropriado,
não encontraríamos essa forma entre as melhores redações, de vestibular tão importante no
contexto brasileiro.
Além disso, a análise da organização da escrita, levando em consideração o tipo de
letra, a quantidade de linhas utilizada, e as rasuras, nos permite sustentar que o corretor está
mais interessado em avaliar a qualidade do texto, do que a forma de apresentação do resultado
final.
Esta pesquisa nos mostra que muitas vezes as redações surpreendem por abordar a
temática que forma simples, sem uma linguagem mais sofisticada e sem citações
extraordinárias. Fica mostrado, desta forma, que esses recursos podem enriquecer o texto, mas
não são imprescindíveis para sua eficácia.
Imprescindível é que o vestibulando tenha uma boa argumentação, e que domine o
assunto que está tratando. Quando existe esse domínio, tanto de gênero (que só é alcançado
com prática nesse tipo de texto) quanto de tema, a probabilidade de termos uma redação clara
e objetiva é maior.
Obviamente, alguns elementos dão mais riqueza e valorizam o texto, como é o caso de
citações bem construídas. A citação deverá ser feita com propriedade, portanto, por mais
simples que seja o teórico ou o exemplo citado, o enunciador deve conhecer muito bem o que
está citando. Muitas vezes o enunciador conhece algum exemplo que seria interessante citar,
mas não domina o assunto, e acaba desvalorizando o seu texto com informações vazias e
imprecisas.
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REFERÊNCIAS
BAKHTIN, M. Estética da criação verbal. 3. ed. São Paulo: Martins Fontes, 1997.
FUVEST. Fundação Universitária para o Vestibular. Vestibular 2010. Algumas das melhores
redações. Disponível em: <http://www.fuvest.br/vest2010/bestred/bestred.html>. Acesso em 02 abril
2012
___________________. Gêneros do discurso: o caso dos artigos de opinião. In: PAULA, L.;
STAFUZZA, G. Círculo de Bakhtin: teoria inclassificável. vol. 1, Série Bakhtin- Inclassificável.
Campinas, SP: Mercado de Letras.
NARZETTI, C.; BAQUIÃO, R.C.; MARCHEZAN, R.C. Dialogismo: Reflexão teórica e análise. In:
MARCHEZAN, R. (org). Estudos linguísticos da FCLAr: desafios na Pós-Graduação. São Paulo:
Cultura Acadêmica, 2011.