Relatorio Ciencias 2010

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RELATÓRIO DE ANÁLISE DOS TRABALHOS DE CIÊNCIAS NATURAIS –


FUNDAMENTAL I E II – 13° EDIÇÃO DO PRÊMIO VICTOR CIVITA
EDUCADOR NOTA 10
ANO 2010
LUCIANA HUBNER

Ensinar é plantar problemas a partir dos quais é possível


reelaborar os conteúdos escolares e é, também, prover toda a
informação necessária para que os alunos possam avançar na
construção desses conteúdos. Ensinar é promover a discussão
sobre situações problemas apresentadas, é oferecer a
oportunidade de coordenar diferentes pontos de vista, é
orientar para a resolução cooperativa de situações problema.
Ensinar é incentivar a formulação de conceitualizações
necessárias para o progresso do domínio do objeto de
conhecimento, é propiciar redefinições sucessivas até alcançar
um conhecimento próximo ao saber socialmente estabelecido.
Ensinar é, finalmente, permitir que os alunos se exponham a
novos problemas, que não encontram fora da escola.
Delia Lerner (1996)

Participar pela terceira vez como avaliadora de um prêmio tão


importante como este é sempre motivo de satisfação. Em primeiro lugar,
porque possibilita perceber e comparar as diferenças das propostas e práticas
de ensino de Ciências de um ano para outro, criar hipóteses sobre avanços,
analisar impacto de políticas de incentivo à qualidade da Educação e criar
indicadores de qualidade mais justos, assertivos e que contemplem as
diferentes realidades educacionais do país. Em segundo, porque cria a
oportunidade de conhecer de perto a diversidade das práticas docentes de
Ciências, os currículos correntes e os conteúdos da área selecionados por um
espectro muito amplo de professores, de diferentes regiões do Brasil com
condições de trabalho e formação diversas.
Nesta 13° edição do Prêmio Educador Nota 10, foram analisados 335
trabalhos, dos quais 29 foram desclassificados, a grande maioria por não terem
sido finalizados em julho de 2010, e cinco classificados, um deles ficando entre
os dez melhores trabalhos vencedores. O número de trabalhos enviados por
professores de escolas públicas, 230, continua muito superior ao da rede
privada, 97. Assim como o número de trabalhos enviados por professores da
região sudeste, 136, sendo 81 deles de São Paulo, foi superior ao das demais
regiões, ficando a região sul em segundo lugar, com 76 trabalhos. Quase a
mesma quantidade de trabalhos classificados foi desenvolvida no ano de 2009,
159, e no ano de 2010, 160.
Em relação às temáticas, como nos demais anos, há um investimento por
parte dos professores no desenvolvimento de trabalhos que envolvam questões
ambientais como: Meio Ambiente – 74, desses 39 com o tema Lixo (6 óleo, 3
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pilha). Porém, diferenciando dos demais, houve um crescente no número de


trabalhos que contemplam temas curriculares tradicionais de Ciências, como
botânica, 29, saúde, 28, alimentação, 20, água, 20, zoologia, 15, astronomia,
11, física, 11, corpo humano, 10, biomas, 07, química, 06, ciência da terra, 02,
ciência e tecnologia, 02, ciclo de vida, 03, paleontologia, 01. Ainda encontra-se
um número considerável de trabalhos com temáticas como drogas, doenças
sexualmente transmissíveis, gravidez precoce, centrados na transmissão de
conhecimentos com fundo disciplinatório e moralista, descaracterizando a
função da ciência e da escola. Um número considerado elevado de trabalhos,
45, apresenta conteúdos que não puderam ser identificados como da área.

A respeito do conteúdo dos trabalhos

Pode-se observar que muitos dos trabalhos enviados ainda não se constituem
na construção de um espaço educativo que privilegia a atuação dos alunos no
processo de aprendizado, muitos deles não propõem ao aluno situações
problemáticas interessantes.

Isso ocorre em função de múltiplos fatores, tais como:

· Projeto sem foco na aprendizagem da área;


· Projeto sem foco no conteúdo da área;
· Descrição do trabalho que não permite reconhecer a metodologia
adotada, o propósito de ensino e o que os alunos aprenderam;
· Descrição não permite identificar os conteúdos da área;
· Trabalho não se caracteriza como projeto de construção de conteúdo
específico da área e sim um conjunto de atividades isoladas;
· Atividades relatadas não favorecem a aprendizagem dos conteúdos e
objetivos apresentados;
· Conteúdos não articulados aos objetivos e metodologia;
· Objetivos amplos e impossíveis de serem alcançados no tempo previsto;
· Falta de domínio dos conteúdos de trabalho específicos da área;
· Uso de material pedagógico desatualizado;
· Adoção de práticas centradas apenas na memorização de alguns
conteúdos;
· Ensino com fundo disciplinatório e moralista;
· Propostas de ensino centradas na ação e observação factual;
· Metodologia centrada na transmissão de conhecimentos de caráter
racionalista e instrumental;
· Área de conhecimento a serviço dos temas transversais, sem foco na
aprendizagem de Ciências.
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Esses foram os primeiros critérios analisados na primeira leitura dos


trabalhos enviados.

O sentido do ensino de Ciências


A ciência envolve linguagens importantes que contribuem para a
formação cidadã e não somente para a compreensão de processos. Adquirir
cultura científica é um direito, sendo assim é dever da escola difundi-la. E
parece que nisso, pelos resultados de avaliações externas, a escola vem
falhando.

O PISA – Programme for International Student Assessment, da OECD – é


considerado hoje como a principal referência internacional para identificar os
níveis de desempenho dos estudantes em Língua, Matemática e Ciências. Como
se sabe, os resultados do Brasil, bem abaixo da média, são bastante
preocupantes. Eles mostram que as escolas brasileiras não estão conseguindo
transmitir, para a grande maioria dos alunos que nelas estudam, as atitudes e
as competências mínimas de tipo científico para uso cotidiano das pessoas.
Os resultados do PISA são agrupados em seis categorias apontando as
competências esperadas em cada um deles. Cito algumas delas: capacidade de
identificar, explicar e aplicar conhecimentos científicos e sobre Ciências de
forma consistente em diferentes situações complexas da vida real; conseguir
identificar os componentes científicos de muitas situações complexas da vida,
aplicar conceitos e conhecimentos científicos a essas situações e comparar,
selecionar e avaliar de forma apropriada à evidência científica necessária para
responder a essas situações; conseguir selecionar e integrar explicações de
diferentes disciplinas científicas e tecnológicas e associar de forma direta essas
explicações a aspectos e situações da vida real; ser capaz de identificar temas
científicos claramente descritos em diferentes contextos e de selecionar fatos
e conhecimentos que possam ser utilizados para explicar os fenômenos e
aplicar modelos simples de estratégia de pesquisa; possuir conhecimentos
científicos suficientes para dar explicações plausíveis em contextos familiares, e
tirar conclusões em pesquisas simples; ser capaz de apresentar explicações
científicas que sejam óbvias e decorram diretamente de uma evidência dada.
Esses resultados apontam para a necessidade de introduzir ou melhorar
a Educação em Ciências desde os primeiros anos da escola. Tradicionalmente, a
Educação em Ciências é dada nas escolas de forma dogmática, com
informações, taxonomias, modelos formais e exercícios práticos. Hoje há um
grande consenso a respeito das limitações dos métodos tradicionais e da
necessidade de que as crianças, desde cedo, se envolvam de forma ativa no
aprendizado.
A Educação em Ciências deveria ter como foco inicial o desenvolvimento
de atitudes mais gerais de curiosidade, observação dos fatos e busca de
relações causais, e não o ensino formal das disciplinas específicas. O ensino
deveria garantir o domínio de conteúdos científicos, o domínio da linguagem e a
formação de atitudes científicas e sua organização deveria ser mais voltada à
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indagação com questões problema bem escolhidas, a experimentação e o


trabalho em grupo do que aos métodos convencionais de ensino dogmático e
por memorização.
O ensino de Ciências deve permitir o desenvolvimento da competência
crítica e criativa do aluno, auxiliar a compreensão, a criatividade e o
conhecimento. Ressaltando-se que o objetivo principal da Educação de Ciências
na escola não é formar cientistas, e sim difundir os conhecimentos, atitudes e
valores associados à postura indagativa e crítica própria das Ciências.
O ensino de Ciências deve priorizar a investigação, a descoberta. Para
isso, ao invés de se mostrar aos estudantes os conceitos terminados e as leis e
as teorias já elaboradas, o ensino deve levar os alunos a produzirem
conhecimento significativo não só sobre o conteúdo das disciplinas científicas
como também, e principalmente, sobre o processo da construção da própria
ciência.
Considerando as competências apresentadas pelo PISA, foram
construídos novo bloco de indicadores para análise dos trabalhos que foram
selecionados após a primeira triagem (vide indicadores iniciais listados nas
páginas 2 e 3).

O trabalho:

· Desenvolve-se a partir das experiências, teorias iniciais e condições de


vida que os alunos trazem consigo;
· Faz uso da curiosidade dos alunos, ao mesmo tempo em que os encoraja
a buscar suas próprias perguntas e desenvolver suas próprias ideias;
· Envolve os alunos em exploração em profundidade de um assunto de
cada vez, em um ambiente preparado;
· Estimula os alunos a refletir, representar e documentar sua experiência e
compartilhar e discutir suas ideias com outros;
· Dá acesso a experiências científicas a todos os alunos.

Desta análise pode-se dizer que a Educação em Ciências ainda tem pela
frente como tarefa mudar o ensino informativo para criativo e transformador.
Saber ensinar não é transferir conhecimentos, mas criar a possibilidade para a
sua própria construção. Isso depende da formação dos professores e não
estamos tratando assim somente da formação inicial, mas, também, da
formação continuada.

Perfil dos professores


Duzentos e setenta e quatro trabalhos recebidos foram enviados por
professoras, a grande maioria de 1° ao 5° ano. Quanto à formação inicial um
número muito baixo de professores, 18, não tem formação inicial completa,
podendo ser um indicativo de que as políticas governamentais de incentivo à
formação obtiveram sucesso. Cento e oitenta dos professores que inscreveram
trabalho na área têm pós-graduação.
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Para a melhoria da Educação científica é imprescindível uma boa formação


inicial e continuada de professores, modificações profundas nas metodologias
pedagógicas. O ensino de Ciências necessita de professores indagadores que
ensinem a arte de fazer boas perguntas a seus alunos. Para isso os cursos de
formação devem dar ênfase a atividades de construção do conhecimento
científico e a reflexão crítica das práticas, deve criar um ambiente que estimule
a imaginação. Só assim eles formarão professores aptos a lidar com a
curiosidade natural dos estudantes diante do avanço do conhecimento
formando professores capazes de motivar os alunos a aprender.
Se o professor não tiver familiaridade e interesse pelas Ciências e não
souber motivar e estimular seus alunos, ele não tem como desenvolver uma
Educação de qualidade na área. Para poder desempenhar sua função, o
professor precisa conhecer o conteúdo dos temas científicos que está
ensinando e compreender que a ciência não é um conjunto de conhecimentos
acabados, mas uma forma de ver o mundo e transformá-lo. Nesse sentido, o
ensino de Ciências deve incentivar e cultivar a imaginação e criatividade tanto
dos alunos como dos professores. Essa missão depende da formação de bons
professores, aqui se enfatiza a importância das universidades no processo de
formação. Não há dúvida quanto à necessidade dos governos investirem e
tomarem medidas para o desenvolvimento profissional dos professores,
capacitando-os a enfrentar as mudanças em curso.

O processo do ensino de ciências


Pautando-se nos programas de ensino de Ciências das últimas décadas,
observamos um movimento de inovação que tem transformado o
direcionamento do ensino da área. Até por volta dos anos 50, a concepção de
ensino centrava-se na transmissão de informação por meio de aulas expositivas,
livros texto e demonstrações transmitidas pelo professor. A ideia de ensinar
bem sobre a de ensinar muito era ressaltada, pretendia-se um ensino baseado
na observação direta e na experimentação e para isso organizava-se o ensino
em centros de interesse. Aos alunos era dado o papel de arquivadores de
informações organizadas pelo professor. Nessas propostas os propósitos de
ensino não atingiam nem o processo e nem o produto da ciência. Uma década a
seguir, os métodos expositivos passaram a ser substituídos por métodos que
incentivavam a participação do aluno, o ensino se tornou mais prático, com
atividades que deveriam ser realizadas pelos alunos. O método pretendido era o
experimental. O avanço nessa proposta foi na direção dos propósitos de ensino,
não apenas voltado ao produto, mas, também, ao processo de obtenção dos
conceitos; não se enfatizava o conteúdo, mas uma postura de investigação.
Incorporou-se ao ensino, nesta época, a ideia de que era preciso o estudante
vivenciar o processo de produção da ciência, o método científico. Nesse
período ocorreu um aumento dos livros curso, guias do professor, uso do
ensino experimental. No final da década de 70, predominaram os movimentos
de contestação à concepção tecnicista. Houve o aumento dos problemas com
o meio ambiente, sociais e políticos, começou-se a constatar a necessidade de
incorporação das implicações sócias na produção científica. Já nos anos 80,
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com a expansão da rede escolar, com o aumento da evasão e repetência, a


política que não garantia nem a permanência e nem a qualidade do ensino, os
especialistas de Ciências preocupavam-se em atualizar os objetivos do ensino
de Ciências. No plano da metodologia deu-se ênfase à construção do
conhecimento e à problematização para instrumentalizar o aluno para que
possa exercer melhor sua cidadania.
A discussão atual centra em torno de dois aspectos: melhorar o ensino
de Ciências, buscando uma nova diretriz para o ensino.
Hoje, é sabido que ensinar Ciências não é só ensinar um conjunto de
fatos, de explicações que os cientistas vieram construindo ao longo do tempo.
Ensinar Ciências é ensinar conceitos científicos, que não estão isolados, mas
que se organizam como marcos que lhes dão sentido e coerência.
Um fator tão importante e encontrado em poucos trabalhos analisados, diz
respeito à presença de práticas que valorizem e englobem os aspectos
metodológicos da ciência e as competências relacionadas com os
procedimentos de investigação da ciência como1: observar com um propósito;
descrever o que se observa, comparar e classificar, com critérios próprios ou
dados; formular perguntas investigativas; propor hipóteses e previsões; planejar
experimentos para responder a uma pergunta; analisar resultados; propor
explicações para os resultados e elaborar modelos que se ajustem aos dados
obtidos; argumentar com base em evidências; escrever textos no contexto das
ciências.
Os 335 trabalhos analisados variam em termos de perspectiva,
abordagem, ênfase em um e outro conteúdo, entre outros aspectos. Porém,
convergem em pelo menos um ponto: a premência de se investir mais e melhor
na formação dos professores nesta área.
As distintas concepções acerca da natureza do conhecimento científico,
sobre como ensinar Ciência na escola estiveram presentes nos trabalhos
analisados.
Fazendo uma menção breve às distintas concepções, encontrou-se um
número bastante elevado de trabalhos nos quais o ensino pautou-se numa
visão enciclopédica e expositiva, onde a aprendizagem é entendida como
armazenamento de uma extensa quantidade de informação memorizada – listas
com nomes dos ossos, descrições dos diferentes reinos, relação das partes de
uma planta, enunciados e leis de física e química -, e outros. Também, em
número elevado, encontraram-se trabalhos que valorizaram o redescobrimento
da ciência, onde a informação ocupou um plano secundário supondo-se que os
alunos aprendem interagindo com os fenômenos. Nesses trabalhos, os alunos
foram considerados como sujeitos capazes de encontrar explicações mais ou
menos próximas ao conhecimento científico sobre como ocorrem os fenômenos
naturais por meio da experimentação.
Nos trabalhos pautados na visão enciclopédica, o ensino e a
aprendizagem não foram considerados como processos diferentes, supondo-se
que se foi ensinado, então, foi aprendido. Nos trabalhos organizados pelo

1
Fumagalli, 1993; 2000; Howe, 2002
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redescobrimento, foram propostos experimentos julgando-se que com a


interação e a simples aplicação do método científico os alunos poderiam chegar
a importantes conclusões sobre o que se pretendia ensinar, desconhecendo-se
que o conhecimento que o sujeito tem, ou não tem, afeta a leitura que se
realiza do fenômeno. São trabalhos que colocam a responsabilidade da não
aprendizagem unicamente na capacidade do aprendiz.
A concepção de Ciência mais difundida na sociedade continua sendo a de
visualizar a produção científica como a descrição fiel, segura, rigorosa e
verdadeira do mundo. A grande maioria desses trabalhos traz uma visão
positivista, que pensa que a ciência se produz mediante a implementação de
uma metodologia cujos passos geralmente identificados como observação,
descrição, levantamento de hipótese, experimentação, verificação e
generalização são rigorosamente sequenciados dessa forma.
Outra parcela dos trabalhos analisados pode ser separada em dois
grupos com concepções diferenciadas sobre o sentido do ensino: como
instrumento para a formação de cidadãos responsáveis e como acesso a um
modo particular de pensar o mundo. Essas duas visões que marcam
interpretações diferentes na designação do que e como ensinar tem constituído
o debate atual da didática das ciências naturais. Nos trabalhos do primeiro
bloco – ensino com o instrum ento para a form ação de cidadãos
responsáveis - são incluídos conteúdos de ensino que outorgam aos alunos
conhecimentos básicos para desenvolver-se na sociedade, tal como cuidado
com a saúde e outros que abordam conteúdos visando que adotem atitudes
responsáveis com a preservação do ambiente. São temáticas importantes de se
tornarem conteúdo escolar, porém, a grande maioria desses trabalhos mostra-
se pautada muito mais pela sensibilização do que pela construção de atitudes
relacionadas à construção de conhecimentos científicos que respaldem essas
atitudes. Há uma organização didática antagônica nos trabalhos que tomam
como tema de estudo as temáticas ambientais, uns não se mostram
organizados contemplando conhecimentos científicos, enquanto outros incluem
como objeto de ensino uma extensa quantidade de noções e fundamentos.
Nos trabalhos do segundo bloco desta visão de Educação - acesso a
um m odo particular de pensar o m undo – apesar de uma escolha de valor
para o ensino da área, um percentual bastante elevado se mostrou organizado
sem intencionalidade clara daquilo que se pretendia ser ensinado, o que não
possibilitou a construção de propostas que deixassem claro ao aluno qual
seriam o percurso e esforço necessários. Muito desses trabalhos estiveram
organizados para a construção de campanhas, ficando a aprendizagem de
conteúdos científicos ausentes como objeto de estudo. Campanha aqui não foi
reconhecida nesta avaliação como boa estratégia de ensino, não por uma
questão ideológica, mas pelo fato dela, em grande parte desses trabalhos, ter
sido considerada o meio para se aprender Ciência. As pessoas só podem tomar
atitudes responsáveis e ensinar isso a outros, com certo grau de autonomia de
ação, se dispuser de informações sobre como funciona a natureza, as
interações do ambiente e outros conhecimentos das disciplinas envolvidas. Para
isso, a campanha, deveria se apresentar e ser considerada como uma das
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possibilidades de divulgação do conhecimento construído. Desta forma, o tema


ambiente deveria abordar questões da biologia, ecologia, comportamento social
e ser organizado por escolhas de atividades que criassem condições para
aprendizagem dos conceitos e conhecimentos necessários para que os alunos
pudessem interpretar e conhecer como o homem tem interagido com a
natureza e o ambiente transformado. Convém salientar que aqui não se faz
referência à qualidade ou rigorosidade do conhecimento que se pode e deseja
transmitir, senão fundamentalmente a conceitualização sobre a natureza do
conhecimento científico, ao modo em que se produz e a maneira como isso
afeta o desenvolvimento intelectual dos alunos.
Os cinco trabalhos selecionados prestigiaram aspectos que favorecem
uma aproximação ao conhecimento científico visualizado como um produto
elaborado pelo homem em um contexto histórico, social e cultural. Mostrou-se
presente nesses trabalhos o modelo conhecido como ensino por
investigação, mostrando-se integrada as duas dimensões da Ciência: a de
produto e a de processo, colocando foco no ensino integrado de
conceitos e de com petências científicas. Neles, o ensino se apresentou
orientado por situações que permitiram aos alunos observar, descrever,
classificar, levantar hipóteses, questionar, argumentar, interpretar dados e
experimentos, apropriarem-se de linguagem específica; de forma que a intenção
do ensino se mostrou direcionada para a reconstrução ou apropriação por parte
do aluno dos modelos e teorias da ciência e a compreensão do sentido que esta
adota dentro do campo do conhecimento. Esses trabalhos não só abordaram e
aprofundaram conteúdos específicos ao tema de estudo escolhido como,
também, trabalharam de form a a ajudar os alunos a apropriar-se de
m odelos e teorias que propõem a Ciência, problem atizaram os
conhecim entos que foram apresentados nas aulas, deram espaço
para as dúvidas e diversidade de interpretações dos alunos,
ofereceram oportunidade para que os alunos aprendessem
conteúdos que se constituíssem com o ferram entas úteis para
desenvolverem -se com o cidadãos.
Nesses trabalhos, sem sombra de dúvida, o foco esteve voltado
para a aprendizagem dos alunos. Nesse sentido, é importante salientar
que organizar um projeto de estudo com foco na aprendizagem dos alunos
requer desenhar uma unidade didática na qual esteja claro ao professor quais
são os saberes que espera que os alunos construam com esse trabalho, quais
aprendizagens duradouras espera-se que os alunos obtenham, de que coisas
esperam que lembrem e possam usar dentro de muitos anos. Colocar o foco
na aprendizagem do aluno obriga a pensar cuidadosamente em como será
organizado o ensino, a criar critérios rigorosos e conscientes para seleção das
atividades e materiais propostos. Colocar foco na aprendizagem dos alunos
requer construção de orientadores e indicadores de avaliação: quais são as
evidências que o fará perceber que os alunos aprenderam o que queria ensinar?
O que um aluno que aprendeu deveria ser capaz de dizer ou fazer? E o que diria
outro que não assimilou tais aprendizagens? Essas evidências, principalmente
quando utilizadas durante todo o decorrer do projeto, ajudam a orientar as
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atividades, e o ajuste do percurso de forma a garantir que as expectativas de


aprendizagem possam ser alcançadas por todos. Colocar em foco a
aprendizagem dos alunos obriga pensar m uito cuidadosam ente em
com o vai ensinar, quais atividades serão propostas, com o a sala
será organizada, qual tem po será disponibilizado para a realização
das atividades, quais m ateriais serão necessários e quais
intervenções realizadas. Essa visão demanda uma mudança não só de
prática, de organização do tempo e espaço escolar, como, também, e
principalmente, de uma análise das propostas curriculares. É necessário que as
equipes pedagógicas das escolas, sentem e discutam suas propostas, se
perguntem o porquê das escolhas desses conteúdos para uma e outra série, é
preciso saber e discutir que aluno se quer formar para não só o futuro, mas
para o hoje, para que esses atuem com conhecimento e sabedoria fora da
escola. Quais serão os conhecimentos que a escola oferecerá que façam
sentido e os ajudem a interpretar e atuar no mundo em que vivem? Para isso é
preciso identificar quais as competências que se quer ensinar, em cada ano,
etapa e ciclo de escolaridade, somente assim será possível avançar as práticas
transmissivas, memoristicas e de redescobrimento para práticas que requeiram
do aluno não só uma capacidade de armazenamento de informação ou de
seguir instruções.
Não há respostas prontas nem uma receita de como fazer isso, tão
pouco uma listagem dos melhores conteúdos e atividades para cada faixa
etária. A didática das Ciências não assume uma posição prescritiva: não é
possível listar quais propostas de ensino levará os alunos a aprender. A didática
traz ferramentas para analisar, pensar e entender como circula o conhecimento
na sala e orientar sobre as condições que devem ser garantidas para que o
ensino favoreça a aprendizagem.
As discussões contemporâneas sobre o ensino de Ciências apontam para
a necessidade de organizar o ensino não por conteúdos programáticos, mas por
competências. Geralmente se define quais conteúdos ou conceitos vão ser
trabalhados em tal ano, muitas vezes seguindo a distribuição proposta pelos
livros didáticos, e a partir deles se seleciona o material e as atividades que
serão realizadas. Num ensino de Ciências que vise o desenvolvimento de
competências científicas e não transmissão de conhecimento acumulado, antes
da pré-definição dos conteúdos é necessário definir os objetivos e as
expectativas de aprendizagem, isto é, aquilo que se espera que os alunos
aprendam para, então, com eles, analisar quais seriam as atividades mais
indicadas, aquelas que criam melhores condições de aprendizagem e alcance
dos objetivos propostos inicialmente. É importante que as atividades propostas
favoreçam a aprendizagem de competências científicas e que ao longo da
escolaridade se vá progredindo das mais simples, como observação e descrição,
para as mais sofisticadas, como elaboração de experimentos e argumentação. É
importante salientar que competências científicas não se desenvolvem
espontaneamente, é preciso aprendê-las, sendo assim se torna responsabilidade
da escola ensiná-las. Cabe ressaltar que ensinar a observar não resulta em
colocar os alunos frente a um fenômeno e pedir que observem, prática comum
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encontrada em muitas das propostas analisadas. Práticas como essa, olhar para
ver o que acontece, trazem, com toda certeza, resultados pouco significativos
e frustrantes para alunos e professor. Desenvolver competências científicas
requer que o professor atue como orientador, colocando em foco certos
aspectos do fenômeno que está sendo observado, estimulando os alunos para
que atentem no que estas têm de similar e no que se diferenciam. As
atividades experimentais devem ser transformadas em atividades de
investigação, e não só de diversão ou observação, devem ser vistas como
oportunidade de ensinar aos alunos não somente um conceito importante, mas,
também, competências científicas, como planejamento experimental,
interpretação de resultados ou apresentação comum de ideias. Geralmente as
atividades experimentais, presentes na escola, são desenvolvidas como
atividades culinárias, nas quais o desafio é ler a receita e seguir os passos para
alcançar o resultado final. É necessário que os experimentos se convertam em
oportunidade de aprendizagem, em que os alunos tenham problemas a resolver,
discutam a melhor forma de fazê-lo, troquem ideia e opinião sobre o que
observam, procurem explicação para o fenômeno observado, antecipem e
interpretem resultados, troquem ideias com outros grupos que desenvolveram
a mesma tarefa, busquem novas informações e respostas em outras fontes.
Os experimentos são importantes do ponto de vista da aprendizagem de
Ciências, mas deixam lacunas que precisam ser preenchidas e aprofundadas
com informações que essas atividades por si só não são capazes de oferecer e
que podem ser oferecidos por um professor, um texto ou um especialista.
Como fez a professora Rosana, uma das selecionadas, em seu trabalho de
investigação sobre a causa do aumento do número de casos de Dengue em seu
município. Os alunos realizaram observações e comparações de características
de dois tipos de larvas que encontraram e foram buscar ajuda, orientação e
informação com a equipe de pesquisadores da Universidade Federal de Mato
Grosso do Sul e profissionais da Secretaria de Saúde. Ou a professora Gisele de
Figueiredo que, em seu projeto de investigação a respeito das alterações do
ambiente que podem ter causado o desequilíbrio e possivelmente a alteração
no número de caramujos africanos na região, foi à busca de outras fontes,
organizou pesquisas. Ou ainda, o professor Waldir Hernandez que em um
projeto de estudo e investigação da diversidade vegetal presente no ambiente
escolar favoreceu o desenvolvimento de competências importantes como:
observação, comparação e registro, coleta e registro de dados, análise de
diferentes ângulos de um problema, observação e experimentos, leitura e
síntese, entre outros aspectos fundamentais e importantes para o
desenvolvimento de uma cultura científica.
Em todos esses trabalhos, a investigação esteve orientada não só para a
observação empírica, sempre com um propósito claro, como atividade que
parte de uma sequência e como âncora para construção coletiva de conceitos
fundamentais. Nesses três exemplos de trabalho citados, os professores
encontraram cada um a seu modo e dentro de suas possibilidades, formas de
superar os desafios, como, por exemplo, a falta de material. Vale dizer que para
desenvolver competência científica, mais importante do que o material
11

específico é o ambiente de aprendizagem que se cria. Para isso, não é


necessário um espaço específico ou sofisticado, como, por exemplo, os
laboratórios. É possível organizar atividades de investigação com materiais
muito simples e em sala de aula, assim como é possível encontrar experiências
práticas em muitos lugares: livros didáticos, sites de Internet etc. O desafio que
se coloca, então, é aprender a escolhê-las em razão dos conceitos chave que se
quer ensinar - coisa que os três professores demonstraram muito
conhecimento e foram assertivos - e não para usá-las como atividades somente
porque são atrativas. Nos três exemplos citados, os professores selecionaram
experimentos, dentro de uma sequencia de investigação, não como única forma
de ensino ou atividade mais importante, mas como estratégia que possibilitasse
a investigação de ideias e a ampliação dos conhecimentos que vinham sendo
estudados, transformando-os em oportunidades de investigação e ensino de
competências científicas, não como atividades isoladas, mas como propostas
coerentes e organizadas de ensino.
Apesar de correr o risco de ser redundante, é importante salientar que
não são as atividades por si só que criam boas situações de aprendizagem, para
isso o professor é peça chave. Sendo assim, para que os experimentos
cumpram sua função como situação de ensino é importante que o professor
tenha uma atitude investigativa, mesma atitude que deseja transmitir aos
alunos. É necessário testar as experiências antes de fazê-las com os alunos e
antecipar as perguntas que poderão surgir em relação a elas, que coisas são
mais atrativas para se observar, ou como se pode perceber o que acontece.
Ações como essas, favorecem a segurança na hora de trabalhar, minimizando
imprevistos. A capacidade de intervir e mediar as atividades tem relação estrita
ao quão seguro o professor se sinta com o tema e para isso é preciso estudar,
atualizando e reforçando os conceitos que serão abordados. Sem conhecer bem
o tema, as questões do professor têm grandes chances de serem as mesmas
que a dos alunos, podendo tornar a atividade de investigação uma experiência
pobre e frustrante.

Seleção final

Os trabalhos pré-selecionados, que contemplavam os critérios apontados na


página 5, passaram por uma nova análise. Dessa vez, considerando os
seguintes aspectos:

· Garante o desenvolvimento de conceitos das diferentes disciplinas


científicas e de competências científicas.

· Desenvolve habilidades, define conceitos e conhecimentos científicos


estimulando o aluno a observar, questionar, investigar e entender de
maneira lógica os seres vivos, o ambiente em que vivem e os eventos do
dia a dia.
12

· Estimula a curiosidade, a imaginação e o entendimento do processo de


construção do conhecimento científico.

· Favorece que os alunos possam compreender a importância da Ciência


no cotidiano.

· Utiliza metodologia de ensino e recursos que criam condições de os


alunos compreenderem a Ciência enquanto produto e processo.

· Considera a Educação científica como prioridade.

· Favorece e valoriza a atitude investigativa.

· Permite a construção de conhecimentos essenciais em grau de


complexidade crescente.

· Introduz os alunos em uma postura reflexiva na produção de


conhecimento científico, enunciando situações, problemas e buscando
sua resolução por meio de levantamento de hipóteses, testando-as e
construindo evidências.

· Proporciona aos alunos a vivência de práticas de observação, troca de


informação, investigação, experimentação e pesquisa que os ajudem a
resolver os problemas encontrados ou apresentados.

· Ensina a elaboração de argumentos a partir das informações importantes


para a investigação.

· Ensina os alunos a buscar informações em diferentes fontes.

· Introduz alguns nomes técnicos e terminologias.

· Coloca os alunos em contato com os fenômenos e com eles constrói os


conceitos.

· Dá oportunidade para os alunos explorarem e entenderem o que existe


ao seu redor nas diferentes dimensões: humana, social e cultural.

· Encontra formas de superar os desafios como, por exemplo, a falta de


material.

· Possibilita que ideias de caráter mais descritivo se convertam em


conceitos gerais de caráter mais explicativo.

· Ensina os alunos a recolher dados em um contexto autêntico.

· Ensina os alunos a propor hipóteses, fazer previsões, coletar dados e


compará-los.

· Ensina e incentiva a análise de diferentes ângulos de um problema ou


observação.
13

· Cria situações experimentais com vistas à construção dos conceitos


trabalhados.

· Considera os alunos protagonistas da aprendizagem.

Ensinar Ciências para aprender Ciências

Hoje, mais do que nunca, a Ciência e suas aplicações são indispensáveis


para o desenvolvimento de forma geral. A Educação em Ciência, em sentido
amplo, é um requisito fundamental da democracia e do desenvolvimento
sustentável. O grande desafio posto hoje para a escola e para os professores é
preparar pessoas para conviverem com a crescente e onipresente tecnologia.
Para isso, faz-se necessário superar a tradição livresca e investir numa
Educação que ajude aos alunos produzir conhecimentos significativos e a
participar de uma cultura científica fazendo com que eles pratiquem seus
valores, regras e diversas linguagens da ciência.
Para que o ensino de Ciências deixe de ocupar o papel de grande fator de
fracasso escolar e converta-se em instrumento de acesso ao conhecimento
socialmente significativo, devemos organizá-lo com os mesmos princípios que
são planejados, por exemplo, o ensino de literatura e Artes - como fonte de
alimento intelectual e não como resultado prático de aprendizado de conteúdos
da área. A aventura da especulação, a busca por respostas, a investigação deve
ser a mola propulsora das situações de ensino propostas. Não podemos mais
continuar construindo uma escola que não incentive e valorize a paixão pela
descoberta dos que e porquês sobre os fenômenos, tão natural nas crianças
pequenas e perdidas pelos estudantes no decorrer da escolaridade. Sendo
assim, as atividades devem estimular o pensamento crítico e a descoberta, o
ensino deve mostrar as principais conquistas tecnológicas, fazendo a devida
conexão entre ciência, tecnologia e vida. É preciso ensinar os alunos a fazer
ciência e a falar sobre Ciências. Tendo em vista que um ensino que valoriza o
fazer e o falar sobre ciência inclui debater, ler e escrever ciência. Então, ensinar
a ler textos de Ciências deve ser considerado conteúdo de trabalho da
disciplina. A leitura de textos específicos oferece oportunidade de aproximar os
alunos da linguagem científica, ajudá-los a apropriar-se de uma maneira de falar
acerca do mundo, reconhecer terminologias específicas da área, entre outros
aspectos importantes.
Habitualmente os alunos têm dificuldades para interpretar um texto
expositivo de Ciências, não entendendo, entendendo pouco ou de maneira
distinta da expectativa que o professor tem. Essa dificuldade pode ser
creditada a uma capacidade do estudante ou a uma falha do ensino. Podemos
encontrar uma vasta lista de justificativas e culpados, como os professores das
séries anteriores, a indisciplina, a progressão continuada..., mas com certeza
isso não ajudará a sair da condição em que se encontram. Não basta ter
adquirido competência leitora e escritora, não basta saber ler e escrever, ter
um vasto repertório e vivência de textos literários para ser capaz de ler textos
científicos e deles extrair informações que ampliem os conhecimentos
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estudados. Para saber ler textos científicos é preciso saber interpretar,


reconhecer aspectos e marcadores em textos de linguagem científica. Além
disso, para se entender textos de Ciências é necessário certo conhecimento da
área. Então, esse não é um conhecimento que se aprende espontaneamente, é
preciso de um interlocutor, de professor que oriente, ilumine aspectos
específicos do ponto de vista da organização textual, necessita-se comparar
diferentes tipos de textos, necessita-se de repertório. Para isso, a leitura tem
que se transformar em algo com sentido, precisa-se ter conhecimento do
propósito leitor, precisa-se saber o que se vai ler e para quê se vai ler. Vale
ressaltar que só se aprende a ler textos científicos se é dado aos alunos à
oportunidade de experenciar ler textos científicos de qualidade, em suas fontes
reais, sem minimizar a capacidade e sem necessidade de tradução ou
simplificação das informações.
Tradicionalmente os alunos leem em Ciências porque têm que ler, sem
que esteja ou tenha sido colocado para eles o que a leitura de tal texto pode
lhes oferecer. Geralmente, a leitura, em Ciências, é oferecida como tarefa que
se resolve com certa rapidez, em casa ou na aula, sem o aluno ter clareza do
que está buscando no texto.
Em muitos dos trabalhos analisados as práticas de leitura em Ciências
mostraram-se descontextualizadas, tanto como objeto de estudo como
práticas reais da área. Muitas propostas transformaram a leitura em Ciências
em simples tarefa escolar, com consignas que consistiam em ler para marcar as
ideias principais ou responder a uma série de perguntas que o professor
considerava importante. Como saber quais são as ideias principais de um texto?
Só existe uma única interpretação adequada de um texto? Como fazer isso,
então, quando se está começando a ser apresentado ao mundo dos textos
científicos?
A leitura de um texto científico não deve ser concebida como uma
atividade isolada, ela deve estar dentro de um contexto de investigação, de
estudo, para que os alunos possam adquirir autonomia frente ao texto. É
importante ultrapassar as práticas onde os alunos leem para cumprir uma tarefa
dada pelo professor e caminhar no sentido de práticas sociais de referência,
trazendo ao aluno necessidades reais de leitura: ler para buscar no texto
resposta a perguntas, ler para aprofundar ideias, ler para selecionar do texto
aquilo que lhe interessa, são alguns possíveis propósitos. Instalar um propósito
para a leitura conceitua uma condição didática relevante para ensinar a ler e
facilitar a interpretação de um texto.
É importante que a escola ensine a ler textos de ciências naturais – ainda
que estes apresentem certas dificuldades, mesmo sabendo-se que os alunos
possivelmente não o compreendam na totalidade. A leitura de textos
expositivos constitui uma ferramenta privilegiada para os sujeitos acessarem os
conhecimentos construídos pela ciência e desta aprendizagem depende não só
o êxito escolar, mas, fundamentalmente, a possibilidade de seguir aprendendo
cada vez mais sobre as características e possibilidades de um texto científico.
Vale reafirmar que é importante que os alunos sejam colocados em contato
com textos de Ciências de qualidade e em suas fontes reais, que aprendam a
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buscar informações dentro de um contexto que os ajude a resolver o problema


investigativo, a ler um procedimento para seguir uma instrução para realizar um
experimento, entre outras tantas funções e propósitos.
Boas práticas de ensino de Ciências são práticas com as quais se aprende
conhecimentos de Ciências e sobre Ciências. Boas práticas de ensino de
Ciências são aquelas que dão ao aprendiz instrumentos críticos para a
compreensão do mundo, instrumentos do trabalho e do pensar e não
informações de coisas que só fazem sentido ao professor, que só tenham
sentido para a escola. O ensino de Ciências deve contribuir para a formação dos
estudantes, ampliando suas possibilidades presente de participação social e
viabilizando sua capacidade plena de participação social.

Síntese dos trabalhos selecionados

Selecionado entre os 10 m elhores trabalhos enviados

Título do Trabalho: Dengue m ata, tô fora!

Série/ Ano: 4ª série (5º ano)

Professor(a): Rosana Helena Brocco Zaffalon

Cidade/UF: Sinop – Mato Grosso

Devido ao índice elevado de casos de Dengue no município de Sinop, incluindo a


morte por dengue hemorrágica do irmão de um aluno da turma, a professora
toma esse tema como objeto de estudo. De forma contextualizada e numa
organização sequencial de conteúdos – com atividades ordenadas, estruturadas
e articuladas para a realização e alcance dos objetivos propostos, com princípio
e fim conhecido tanto por aquele que ensina como por aqueles que aprendem -
a professora organiza o trabalho de forma a favorecer aos alunos reconhecer o
mosquito Aedes aegypti como o mais importante vetor de transmissão da
doença. A escolha do conteúdo de estudo leva em conta três aspectos
bastante importantes do ponto de vista do trabalho de ensino e
aprendizagem da Ciência escolar: a pertinência no campo da Ciência, a
relevância social e a possibilidade didática de trabalho com esse tema
com a faixa etária. É um trabalho que não tem como pretensão uma
campanha de conscientização, mas a compreensão de que a presença e
aumento do número desses vetores, Aedes aegypti, se dá por alterações
ocorridas no ambiente, grande parte delas ocasionadas pela urbanização, falta
de saneamento básico, lixo acumulado, fatores que facilitam o aumento de
criadouros do mosquito. Este é o foco e o norteador do estudo. Um diferencial
importante do trabalho é a forma de organização e o tratamento dado aos
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conteúdos de estudo de Ciências. A professora organiza atividades que


favorecem aos alunos analisar a biologia do m osquito Aedes
aegypti , sua form a de transm issão, m edidas de prevenção,
tratam ento e form as de evitar os focos, com vistas a com preender
que situações e condições favorecem a proliferação. A professora
trabalha com conteúdos de Ciências não por esse ser um conteúdo presente
nos currículos tradicionais da área ou pelo simples aumento de casos, ou ainda
só para as crianças terem de memorizar informação, mas visando o
favorecim ento da construção de cultura científica.

A organização do trabalho supera o problem a dos conteúdos


definidos por “sim plificação sucessiva”, isto é, a professora acredita que
os alunos são capazes de compreender a informação em sua forma e fontes
originais – portadores escritos ou fonte oral de qualidade, como pesquisadores
da área – sem minimizar, infantilizar ou traduzir a informação de forma reduzida
ou resumida. O trabalho favoreceu por um lado que os alunos “fizessem
Ciência” – respondendo a situações problema sobre aspectos do objeto
estudado, buscando informações e explicações para eles, e por um lado,
recebendo inform ações através de leituras de textos, vídeos, aulas
expositivas e inform ações trazidas pelo professor. As disciplinas
acadêmicas foram tratadas não como objeto de estudo, mas como meio para
obter o conhecimento sobre o tema com vistas a construir conhecimento que
permitissem aos alunos não só saber mais sobre o assunto, mas interpretar e
compreender a realidade vivenciada.

A professora parece compreender que ter conhecimento científico é muito mais


do que aprender conceitos e saber reproduzir definições. Trabalhou o
conhecimento científico a partir de três aspectos integrados e
complementares: a Ciência como corpo conceitual de conhecimentos e como
sistema conceitual organizado de form a lógica; a Ciência como form a de
produção de conhecim ento e, por fim , a Ciência com o m odalidade de
vínculo com o saber e sua produção.

A professora não espera nem se propõe alcançar mudanças conceituais


profundas, mas sim a enriquecer os esquem as de conhecim entos dos
alunos numa direção coerente com a científica. Para isso organiza atividades
como um conjunto de procedimentos que visam aproximar os alunos às formas
de trabalhar mais rigorosas e criativas, mais coerentes com o modo de
produção do conhecimento científico, como, por exemplo, uso de instrumentos
da Ciência que favoreçam a observação de uma amostra em maior escala, como
é o caso do uso de microscópio; a pesquisa de informações em diferentes
fontes; o acompanhamento e observação de um experimento; o registro de
dados para análise ou pesquisa futura. O trabalho propiciou situações nas
quais os alunos puderam ouvir, ver e falar, fazer com parações de
fatos e situações, transform ando verdadeiram ente as aulas em
espaço de produção de conhecim ento.
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Aspectos interessantes do trabalho

o Utiliza recursos visuais e audiovisuais, fotos e vídeos;


o Mapeia casos de dengue no município, por bairro, via estatísticas
realizadas pela Secretaria de Saúde;
o Orienta identificação e marcação dos focos da doença no mapa da
cidade – incitando os alunos a antecipar possíveis causas e coleta de
informações para conferência de dados;
o Seleciona notícias sobre o assunto na mídia local;
o Propõe a construção de um dicionário de Ciências para o trabalho com a
terminologia científica de forma contextualizada;
o Oferece fontes de informações diversificadas;
o Organiza ações de observação do entorno para análise e identificação de
condições favorecedoras para a proliferação de criadouros;
o Insere palestra com pesquisadores e profissionais da área – agentes de
saúde e pesquisadores da Universidade Federal do Mato Grosso;
o Orienta procedimentos de construção de entrevistas, de pesquisa, com
elaboração de roteiro e questionário;
o Ensina a elaboração de desenho científico;
o Propõe a observação e acompanhamento de um experimento
ultrapassando a simples observação factual para a análise e discussão de
transformações ocorridas, relacionando evidências às suas causas;
o Oferece modelos de observação, tais como: as quatro fases do mosquito
Aedes aegypit ;
o Amplia conhecimentos sobre seres microscópicos estudando e
comparando diferenças anatômicas, morfológicas e transmissão de vírus
e bactérias;
o Favorece o conhecimento de ambientes e instrumentos utilizados para o
desenvolvimento de pesquisa científica – laboratório de microscopia da
UFMT, microscópio simples e eletrônico, lupa, Placa de Petri etc.;
o Relaciona o objeto de estudo a outras epidemias existentes ou já
existentes no Brasil;
o Utiliza outros recursos que favorece aos alunos conhecer o ciclo de vida
do mosquito (vídeo do Youtube etc.);
o Divulga e socializa os conhecimentos científicos construídos através da
construção de folheto e palestra para outras turmas da escola e para
outra escola, apresentando uma exposição dos materiais utilizados no
estudo em uma mostra de Ciências;
o Oferece outros recursos didáticos, como jogos científicos, envolvendo os
conteúdos estudados, que propiciassem aos alunos colocar em ação os
conhecimentos construídos;
o Flexibiliza as atividades para os alunos com dificuldades de leitura e
escrita valorizando a oralidade e outras formas de registro.

Selecionados entre os 50 m elhores trabalhos enviados

Professor: Waldir Hernandes

Título do trabalho: Os jardins da nossa escola: subsídios para o estudo do


meio ambiente
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Segm ento de ensino: 6° ano

Cidade: São Paulo

Neste trabalho, o professor organizou um projeto de estudo e investigação da


diversidade vegetal presente no ambiente escolar – jardim da escola – com
vistas a aprendizagens de conteúdos curriculares específicos: fatores bióticos e
abióticos, fotossíntese, reprodução, cadeias e teias alimentares. Com muito
domínio e de maneira muito assertiva, o professor dá aos conteúdos
curriculares de Ciências, a forma sequencial de organização das atividades
visando a clara aproximação a um conceito pré-estabelecido, ao caráter
investigativo presente tanto nas atividades de observação de um experimento,
como nas atividades de pesquisa. A escolha das atividades e organização do
trabalho demonstrou domínio, por parte do professor, da metodologia de
investigação. Todas as atividades propostas demonstraram propósito claro de
aprendizagem e ofereceu aos alunos possibilidades de: formular perguntas
investigativas, aprender a descrever o que observam, comparar e classificar
critérios próprios ou dados, propor hipóteses ou previsões, planejar
experimentos para responder a uma pergunta, analisar resultados e propor
explicações, procurar e interpretar informações científicas de textos e outras
fontes, argumentar com base em evidências, escrever textos no contexto de
Ciências, registrar os resultados de um experimento e compará-los com de
outros alunos, explicar conclusões verbalmente; condições essas fundamentais
e estruturantes para o desenvolvimento de competências científicas.
O professor organizou seu projeto de trabalho contemplando conteúdos
conceituais e procedimentais da área traçando expectativas de aprendizagem
específicas para cada um:
· Conhecer fatores bióticos e abióticos de um ambiente;
· Perceber que os seres vivos relacionam-se entre si e com o meio
onde vivem;
· Valorizar a importância do equilíbrio do ambiente;
· Reconhecer os componentes e a organização de um ecossistema;
· Perceber as relações alimentares e as posições tróficas numa
cadeia alimentar;
· Identificar algumas estratégias de vida em diferentes
ecossistemas;
· Identificar a fotossíntese como um processo indispensável à
manutenção da vida;
· Perceber a importância dos agentes polinizadores para a
reprodução dos vegetais;
· Conhecer questões ambientais atuais.

Além dos objetivos apontados acima, esse trabalho criou condições para
o grupo aprofundar conhecimentos sobre ambiente natural e construído,
coletar e organizar dados, fazer comparações e elaborar argumentos para
expor ou defender uma ideia.
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Professor: Gisele Maria de Figueiredo Matheus

Título do trabalho: Cadeia alimentar: aprender e ensinar

Segm ento de ensino: 6° ano

Cidade: Ribeirão Preto

Neste projeto, os alunos investigaram as alterações do meio ambiente


que mais favorecem o desequilíbrio e possivelmente a alteração no número de
algum ser vivo da cadeia alimentar, aqui neste trabalho, os caramujos africanos
e escorpiões.
A professora organizou um estudo de um tema clássico de Ciências para
a série – cadeia alimentar – de forma bastante interessante e importante, sem
um viés memorístico ou com organização do ensino pautada na transmissão de
conhecimento de caráter racionalista e instrumental. O trabalho envolveu
conteúdos estruturantes para a aprendizagem de conceitos que envolvem o
tema a partir de análise de dados reais de mudança na comunidade de dois
seres vivos na região: o caramujo africano e escorpiões do tipo Tityus
serrulatos ou escorpião amarelo.

Aspectos im portantes do trabalho:

· Contextualiza o estudo trazendo uma situação real – o aumento


do número de espécies de caramujos e escorpiões na região de
Ribeirão Preto – como norteador do trabalho com um conteúdo
clássico de Ciências: cadeia alimentar;

· Trata a informação científica, como oportunidade para que os


alunos possam diferenciar o comportamento de espécies exóticas
e nativas no ambiente;

· Organiza o estudo pautado por boas perguntas;

· Trabalha com o desenvolvimento de competências científicas


como: capacidade científica de investigação, pensamento crítico,
observação, análise e comparação de dados e informações e
pesquisa e registro de informações;

· Utiliza atividades como suporte para a construção coletiva do


conceito de cadeia alimentar enquanto sistema;

· Incentiva os alunos a realizar previsões;

· Introduz nomes técnicos e terminologias de forma contextualizada


e sem a intenção ou cobrança de memorização;

· Ensina a buscar informações.

O trabalho foi organizado garantindo tanto o desenvolvimento de


conhecimentos conceituais da área como competências científicas. O estudou
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visou desenvolver nos alunos a capacidade de articulação entre os conteúdos


envolvidos no tema cadeia alimentar e desequilíbrio ecológico, favorecendo a
compreensão dos motivos que levaram ao aumento da população do caramujo
africano e do escorpião e o desequilíbrio que podem causar a introdução de
espécies exóticas ou naturais do ambiente e os danos que isso possa vir a
ocasionar. A organização e a escolha das atividades criaram condições para que
os alunos fossem avançando sequencialmente, apresentando pequenas escalas
de desafio que os ajudaram a compreender os conceitos de biodiversidade dos
ambientes Caatinga e Serrado, assim como um conceito maior de cadeia
alimentar – produtores, consumidores e decompositores, suas funções e
importância no ambiente.

Professora: Elizabeth Ferreira Terra Lasmar

Título do trabalho: A astronomia despertando o interesse dos alunos para o


estudo das ciências

Segm ento de ensino: 6° ano

Cidade: Formiga/MG

Esse trabalho aborda conteúdos básicos de Astronomia, frequentemente


presentes no currículo escolar da série, como: dia e noite, movimento de
rotação e translação, fases da lua e estações do ano. A professora trabalhou
com conteúdos tradicionais da área sem uma visão racionalista e instrumental
da Ciência. As atividades, a organização e as intervenções descritas pela
professora criaram reais condições de aprendizagem, como, também, o fato de
na organização do trabalho ela colocar os alunos em contato com os
fenômenos para, então, a partir deles construir os conceitos. As situações
descritas permitiram aos alunos recolher dados em um contexto autêntico de
observação, registro e comparação do céu em diferentes dias e horários. A
professora utilizou essas observações e as conclusões para organizar atividades
de debate que favoreceram a capacidade de argumentação, aspectos
valorizados e trabalhados por ela como situações de ensino. Os experimentos,
observações e pesquisa neste trabalho se converteram em oportunidades de
ensino e avanço nas aprendizagens dos conceitos trabalhados.
Os alunos aprenderam e conheceram diferentes formas e recursos para
trabalhar localização, importância da Ciência no desenvolvimento de recursos
tecnológicos cada vez mais avançados, precisos e acessíveis. O trabalho
favoreceu, também, aos alunos aprender a realizar observação direta do céu
para conhecer e entender fenômenos astronômicos, saber registrar
observações para análise futura, construir instrumentos de simulação de
movimentos da Terra, conhecer e comparar características dos planetas e
construção de modelos para representar uma ideia.
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Professor: Ricardo Cardoso Paiva

Título do trabalho: Fabricando carros e sonhos

Segm ento de ensino: 9° ano

Cidade: Castanhal/ Belém do Pará

Esse trabalho envolveu conteúdos de Física de maneira contextualizada e


com sentido tanto para aprendizagem dos conceitos envolvidos, como para o
desenvolvimento de competências científicas tais como: planejar uma ação para
alcançar um resultado almejado, buscar soluções a partir de observação, troca
de conhecimento com os pares, pesquisa e análise de situações para um
problema posto ou encontrado. O projeto tem um valor importante para o
trabalho com conteúdos do currículo escolar com alunos da faixa etária:
incentiva e desenvolve a capacidade cientifica de investigação, o pensamento
crítico e a imaginação.

Mostrou-se muito interessante o tratamento que o professor deu aos


conteúdos de Física presentes nos currículos tradicionais – força,
deslocamento, movimento, noções de tempo e espaço, velocidade, aceleração
– sem um tratamento ou visão memoristica considerando os alunos como
protagonistas sem perder de vista que a Ciência precisa ser ensinada.

Aspectos im portantes do trabalho:

· Trabalha conceitos e problemas de movimentos por vários


ângulos;

· Favorece a troca e discussão de ideias diferentes frente a um


mesmo problema ou observação;

· Permite que as representações dos alunos sejam confrontadas


com o conhecimento formal;

· Utiliza linguagem e terminologia científica;

· Valoriza a observação e a experimentação como fontes de


informação;

· Permite a aprendizagem de registro e análise de dados com foco


no avanço da investigação;

· Valoriza o conhecimento científico como forma de interpretar os


diversos fenômenos naturais presentes no cotidiano;

· Ensina a ler e interpretar informações e textos científicos.


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