Redação Jornalística 1

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REDAÇÃO JORNALÍSTICA

AULA 1

Prof. Mauri König


CONVERSA INICIAL

Nesta aula, veremos como as notícias são escritas e organizadas em


textos para serem publicadas e veiculadas em veículos impressos, televisão,
rádio ou web. Nosso objetivo é conhecer as produções jornalísticas nas
diferentes modalidades e, para isso, abordaremos os seguintes temas:

• O texto noticioso;
• História das narrações;
• Do nariz de cera à pirâmide invertida;
• Linha editorial;
• Enquadramento noticioso (framing).

A proposta desta disciplina é prepará-lo para entender os meandros da


produção do texto noticioso. Note que texto noticioso não é sinônimo de notícia:
notícia é o que acontece e texto é o relato do acontecido. A disciplina foi
construída para ser aplicada, então tem um forte componente prático. Por isso,
esteja pronto para colocar mãos à obra! Você terá orientações teóricas para
encaminhar suas produções, mas a melhor dica é: leia e escreva muito.

CONTEXTUALIZANDO

Saber escrever é fundamental para um bom jornalista. Engana-se quem


pensa que não precisa se preocupar com o texto escrito porque vai falar no rádio
ou na televisão. Quem pensa assim tem poucas chances de ir longe na
profissão. Todo trabalho jornalístico possui um processo anterior de trabalho de
bastidor, que envolve pesquisa, elaboração, planejamento e muita escrita.
Claro, saber improvisar é parte do nosso trabalho, mas só se consegue
essa habilidade com planejamento, muita leitura e escrita. O bom jornalista
precisa saber escrever bem qualquer tipo de texto, em especial, o gênero textual
jornalístico, isto é, o texto da notícia. Veja o que o Nilson Lage diz sobre isso:

Ouve-se dizer, de várias maneiras, que a palavra está morrendo. [...]


A morte do idioma nos meios audiovisuais é pura fantasia. Não só eles
falam como neles se escreve: um programa de televisão, antes de ir
ao ar, passa, numa produção competente, por diversas versões em
sinopses, roteiros e scripts. Todos os componentes – cenários,
enquadramentos de câmera, deslocamentos de equipe, temas e
estratégias das entrevistas, cabeças de repórteres – são textos que se
transformam em produto. (Lage, 2005, p. 34)

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Nesta disciplina, vamos entender as origens do texto específico que
usamos no jornalismo, como ele foi se alterando na história, seus formatos e
estilos, os principais procedimentos de construção etc. Enfim, seremos capazes
de fazer um texto noticioso básico.
Parte das atividades jornalísticas se resume a ler, sintetizar e escrever.
Por isso, o conselho para ler e escrever muito não é só um clichê: é a base para
você desempenhar bem a profissão. Assim, você precisa estar íntimo dos textos
noticiosos, e é isso que vai acontecer se você estudar com afinco.

TEMA 1 – O TEXTO NOTICIOSO

A notícia é produzida com base em fatos relevantes de interesse público,


mas não basta um fato ser extraordinário se o jornalista não souber levá-lo ao
público em uma linguagem que todos compreendam. “Mesmo tratando de
assuntos que exigem certo repertório do leitor, a linguagem é acessível, o que
permite o entendimento do fato mesmo por um receptor que não seja profundo
conhecedor do tema abordado” (Rech, 2018, p. 16, grifo nosso).
Para a melhor eficiência da comunicação, Lage (2001) afirma ser
preferível a linguagem coloquial, embora reconheça a pressão social pelo uso
da linguagem formal. Então, a linguagem do texto noticioso deve ser “constituída
de palavras, expressões e regras combinatórias que são possíveis no
registro coloquial e aceitas no registro formal” (Lage, 2001, p. 38, grifo nosso).
À exceção dos textos opinativos e de certos tipos de reportagens, o texto
jornalístico deve ser escrito em terceira pessoa do singular, para garantir um
tom impessoal à narrativa. Deve-se evitar adjetivos que podem levar a diferentes
interpretações da mensagem, por causa do repertório diferente de cada
receptor.
O texto noticioso nem sempre foi como o de hoje. No início do século XX,
predominava o estilo empolado de literatos, advogados e juristas, influenciados
pela escola parnasiana europeia. À época, a imprensa dos Estados Unidos já
apresentava um texto mais claro e objetivo, disseminado pelas agências de
notícias. Isso influenciou o jornalismo brasileiro.
O lide foi incorporado ao texto noticioso e passou a dar mais objetividade
à descrição dos acontecimentos. O modo de relatar os fatos foi mudando, assim
como a língua também foi se adaptando às mudanças sociais. O texto se nutria

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das mudanças na sociedade ao mesmo tempo que contribuía para as
mudanças.
O Quadro 1 apresenta a diferença do texto noticioso em uma notícia de
25 de maio de 1920 do jornal O Estado de S. Paulo e outra do portal G1 um
século depois, em 25 de maio de 2020. O assunto é o mesmo (apreensão de
cocaína), mas note as mudanças na grafia das palavras e no modo de escrever.

Quadro 1 – Reprodução de textos do jornal O Estado de S. Paulo e do portal G1

Contra a cocaína Homem é preso com mais de 370 kg de


Importante apprehensão pasta base de cocaína em Uberlândia

“A polícia de costumes, a cargo do dr. “Um homem, de 30 anos, foi preso na noite
Octavio Ferreira Alves, 4º delegado interino, desta sexta-feira (24) mais de 370 quilos de
está tomando uma série de medidas que pasta base de cocaína em Uberlândia. O
muito vêm beneficiar a população e que há material era transportado escondido no
muito se tornavam necessárias. fundo falso da caçamba de um caminhão
Entre ella, uma há que está dando os que levava sucata na BR-365. Esta é
melhores resultados, e que, a continuar a considerada a maior apreensão da droga
ser posta em pratica, deve coroar-se de realizada este ano em Minas Gerais.
grande êxito. A abordagem ao motorista ocorreu na noite
Queremos referir-nos à campanha contra a de sexta, no entanto, e o processo para
venda de cocaína, que por ahi se fazia descarregar cerca de 20 toneladas de sucata
aberta e escandalosamente. O 4º delegado que estava sendo transportada no caminhão
auxiliar iniciou-a no dia 21 do corrente, com e fazer a contagem e pesagem da droga
uma importante apprehensão do terrível durou toda a madruga e foi concluída na
tóxico, e nella está prosseguindo com manhã deste sábado (25)”
tenacidade, voltando as suas atenções, não
só para as pharmacias, como para os Fonte: G1, 2020.
próprios vendedores particulares”

Fonte: Acervo Estadão, 1920.

O que dá para perceber nesses textos? Eles contam um fato e, portanto,


são considerados notícia. Nem todo fato é notícia, mas toda notícia vem de
um fato. O fato é o mesmo, o que mudou foi o estilo do texto, de uma narrativa
mais floreada e empoada para um relato mais objetivo, seguindo a lógica do lide.
Aquela forma de narrar não se enquadra nos padrões jornalísticos de hoje.
O texto de um século atrás conta um fato, mas de maneira subjetiva. Já
o texto jornalístico de hoje, aquele que narra notícias, carrega uma característica

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bem particular, entre outras, que é a objetividade. Relata só o que tem relação
ou pode ajudar no esclarecimento do fato e detalhes relacionados.
O texto do G1 soa mais familiar com as notícias de hoje. Isso nos leva a
compreender que o texto jornalístico possui formas específicas de ser
construído. Num primeiro momento, o texto noticioso só poderá ser construído
com base no que é uma notícia. Parece óbvio, mas o fato é que é possível usar
esse estilo com algo que não é notícia. Vamos a um exemplo.

Exemplo

Marília de Souza mexia no celular enquanto tomava o café da manhã nesta


quarta-feira (10). Era 8h e a mãe avisou que o ônibus da escola estava
chegando, mas não deu tempo. Outros cinco alunos da Escola Estadual Bia
Couto se atrasaram. A diretora da instituição, Mara Nunes, disse ser comum
os alunos mexerem no celular durante o café e se atrasarem para a aula.

Parece notícia, mas não é, pois não satisfaz os critérios de


noticiabilidade ou o que faz um fato ser notícia. Logo, não dá para dizer que
este é um texto noticioso, por mais que o uso do estilo jornalístico possa
confundir o leitor.
Então, podemos entender, numa primeira acepção, que o texto
jornalístico tem de privilegiar o conteúdo, que deve ser verídico e checado. Mais
do que isso: precisa ser feito para alguém. Você não escreve um texto noticioso
para guardar na gaveta. O foco do trabalho jornalístico é atender a uma
comunidade que quer se informar. É para isso que serve o texto noticioso, escrito
ou falado. Nilson Lage resgata uma pequena história do contista argentino Julio
Cortázar que explica isso:

[...] um homem comprou seu matutino predileto e o folheou no banco


da praça, até perceber que, milagrosamente, ele se transformara em
um maço de papel. Deixou-o sobre o banco e, ali, tão logo um
transeunte pôs-lhe os olhos em cima, o maço de papel, por milagre,
voltou a ser jornal. E assim aconteceu por várias vezes, até o fim do
dia, quando o último personagem da história olhou o maço de papel e,
distraído, o pôs de lado, porque a metamorfose não mais ocorria e o
jornal estava definitivamente condenado a ser um reles maço de papel.
(Lage, 2005, p. 8)

O trecho do conto de Cortázar mostra que a produção do texto noticioso


precisa ter como propósito servir ao seu público, às pessoas que querem
aquela notícia para se informar. Assim, escrevemos para alguém. E quando

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fazemos um texto jornalístico, falamos para pessoas de diferentes níveis
sociais, de escolaridade e de interesse.
Se não for o caso de um veículo especializado que fala para um público
habituado a uma linguagem técnica ou específica, o texto precisa ser claro o
suficiente para ser entendido por todos. Não significa que é necessário
nivelar o texto por baixo, mas, quando o assunto é muito específico, o jornalista
precisa “traduzir” os termos técnicos, econômicos, políticos, tecnológicos.
Para o jornalista e filósofo Antonio Gramsci, a imprensa é a escola dos
adultos. Em uma época em que não havia tantas escolas e faculdades, ele dizia
que as informações repassadas pelos jornalistas deveriam educar, além de
informar. Mesmo hoje, seremos melhores jornalistas quanto mais pudermos
ajudar as pessoas a esclarecer opiniões e a aprender com as notícias.

TEMA 2 – HISTÓRIA DAS NARRAÇÕES

O ser humano é apaixonado por histórias desde que criou a linguagem e


conseguiu se comunicar. Paixão por contar e ouvir. Histórias nos atraem e são
sempre um mercado promissor para quem vive delas. Filmes, novelas, livros e
revistas estão sempre contando histórias.
O jornalismo também vive de contar histórias, mas os jornalistas têm
um estilo próprio para contar histórias, como começamos a ver no tema anterior.
Para entender como chegamos a esse estilo, vamos dar um passeio no passado
para ver como a contação de histórias evoluiu ao longo do tempo.
Em português, usava-se o termo história (do grego, historie) para definir
algo real, do passado ou do presente, e estória para ficção. Estória vem do inglês
story, usado para qualquer narrativa, e history sempre se refere ao passado. A
língua é viva e esses usos ainda geram discussões. Nesta disciplina, vamos com
a maioria dos linguistas e padronizar o uso por história.
Além de ótimos filósofos, os gregos eram grandes contadores de
histórias. Depois de o homem passar milhares de anos contando histórias de
maneira oral, os gregos começaram a registrar suas criações. Uma das mais
famosas é Ilíada, na qual Homero conta em poemas a guerra entre Grécia e
Troia. Em outra história, a Odisseia, ele relata a volta do herói Ulisses para a
esposa, Penélope.
Homero relatou a guerra quase quatro séculos depois de ela ter
acontecido, com base nos relatos orais dos gregos que ouviram a versão
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contada pelos pais e avós. Essa história está repleta de deuses e deusas que
ajudaram um lado ou outro nessa guerra. Quer dizer, há componentes de ficção
e imaginário incluídos pelas pessoas nos relatos.
A Bíblia também é resultado de histórias orais e testemunhos de fatos.
São, aproximadamente, 66 livros (dependendo da linha religiosa) escritos por
mais de 40 pessoas. Quatro deles, os evangelistas Lucas, João, Marcos e
Mateus, falam sobre a mesma pessoa e a mesma época, mas seus relatos são
diferentes. Cada um escreveu o que julgava importante, um recorte da história.
Numa livre comparação, os evangelistas usavam os “óculos” usados hoje
pelos jornalistas para contar histórias. Para o sociólogo Pierre Bourdieu (1997),
os jornalistas veem o mundo com “óculos” especiais, espécie de “filtro” que
os faz ver e recortar os fatos de uma forma específica para depois contá-los.
Esses óculos levam o jornalista a enquadrar os fatos segundo sua visão de
mundo ou uma linha editorial, pondo em dúvida a objetividade jornalística.
“As diferentes percepções sobre o que é ou não relevante, o que deve ou não
fazer parte da narração jornalística leva ao entendimento de que cada uma das
escolhas induz a uma história diferente” (Rech, 2018, p. 23).
As múltiplas possibilidades tornam um desafio cumprir as duas grandes
funções enunciadoras do jornalismo: “fazer saber”, utilizando um discurso
que produz efeito real por meio de procedimentos de autenticação e
estratégias de descrição, e “fazer crer” com base em um pacto implícito do
jornalista com o leitor, firmado em um compromisso de serviço com a verdade
(Mouillaud; Porto, 2002, p. 27 citado por Rech, 2018, p. 21). Neste esforço em
busca de fazer o público saber e fazê-lo crer no relato, o trabalho do jornalista
como enunciador:

[...] vale-se de estratégias jornalísticas para transportar ao texto


elementos do mundo não ficcional, de modo a criar uma representação
da realidade aceita como crença pelo enunciatário – ou leitor. É o que
se pode chamar de realidade jornalística, que nada mais é do que uma
versão da realidade, ou seja, o modo como um determinado jornalista
a representa. (Rech, 2018, p. 22)

Então, se o jornalista consegue fornecer apenas uma versão da


realidade, dá para entender por que a objetividade jornalística está sempre em
xeque. Isso porque há diferentes percepções da realidade e do que jornalistas
consideram relevante, o que nos leva ao enquadramento das notícias.
Gaye Tuchman (1978) concluiu que o modo como as notícias são
construídas determina a forma como a sociedade enxerga a realidade, e
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não a realidade em si. Em 1974, Erving Goffman já havia notado que a realidade
em si não é o fundamental, e sim a forma como ela é interpretada. Antes, o
psicólogo Gregory Bateson observara, em 1954, que as molduras são estruturas
mentais que nos permitem estabelecer as diferenças entre as coisas.
Para Goffman (2012), a experiência do indivíduo resulta do modo como
enquadra a realidade à volta. Cada um constrói o real a partir dos significados
usados para decifrar e compreender o mundo, é subjetivo. “Goffman direciona
suas reflexões para o quadro (frame), um amplo conceito que, ao se distanciar
da realidade produzida por amplos sistemas sociais, aproxima-se do aspecto
microscópico das interações interpessoais do cotidiano” (Hangai, 2012, p. 2).
Imagine uma câmera fotográfica. Cada imagem é um frame, um recorte
da realidade, que implica descarte de outras possibilidades. Então, dentro de
uma realidade mais ampla, o indivíduo seleciona os aspectos de uma parte que
vai relatar e, a partir deles, dá sentido ao que julga ser o real.

TEMA 3 – DO NARIZ DE CERA À PIRÂMIDE INVERTIDA

O início do jornalismo foi marcado pelo uso do nariz de cera, parágrafo


introdutório prolixo e cheio de floreio. O texto noticioso era influenciado pela
linguagem literária. Era o oposto do lide (lead), que responde a seis perguntas
essenciais: o que, quem, quando, onde, como e por que.
Em inglês, lead significa conduzir, ou seja, deve ser o condutor da
narrativa jornalística (Rech, 2018). Essa estrutura textual tem um propósito.
Segundo Lage (2005, p. 73), a origem do lide é de natureza pragmática,
“relacionada às condições da comunicação e à intenção de torná-la eficaz”.
Segundo Genro Filho (2012), o The New York Times foi o primeiro a usar
a estrutura do lide nos textos, na segunda metade do século XIX. A técnica foi
introduzida no Brasil em 1950 pelo jornalista Pompeu de Souza, no Diário
Carioca (Rech, 2018). Mas para que serve o lide?

A tese da pirâmide invertida quer ilustrar que a notícia caminha do


“mais importante” para o “menos importante”. Há algo de verdadeiro
nisso. Do ponto de vista meramente descritivo, o lead, enquanto
apreensão sintética da singularidade ou núcleo singular da informação,
encarna realmente o momento jornalístico mais importante. (Genro
Filho, 2012, p. 201)

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Estudiosos do jornalismo criticam a técnica da pirâmide invertida por
acreditarem que ela informa o leitor apenas de forma superficial (Rech, 2018).
Contudo, há diferentes maneiras de narração, o que veremos a seguir.

3.1 Descrição, narração e dissertação

Há três tipos textuais: descrição, narração e dissertação. E se fosse


possível dar forma geométrica a cada um deles? Vamos visualizar a cadência
textual em que a parte mais importante de diferentes textos esteja associada a
um objeto geométrico. Comecemos com um texto de Luís Fernando Veríssimo.
O conto O homem trocado, de Veríssimo, começa com um homem que
acorda em uma cama de hospital, com uma enfermeira ao lado. Ele pergunta
como foi a cirurgia, ela responde que transcorreu tudo bem. Ele diz que estava
com medo, ela responde que não havia com o que se preocupar, pois não
havia nenhum risco.
O homem diz que, com ele, tudo sempre era um risco, desde que nasceu.
E vai descrevendo alguns episódios, inclusive a troca do seu nome no
cartório, diferente daquele que os pais queriam. Depois, segue
descrevendo a sucessão de enganos ao longo da vida. A mulher o
enganava, fora preso por engano várias vezes. Nesse ponto, o texto transcorre
para o desfecho, quando os dois personagens começam a falar
sobre a cirurgia. A narrativa passa a discorrer sobre um novo engano
vai conduzindo para o desfecho surpreendente.

Saiba mais

Se você quer saber qual é o desfecho da história, leia o conto disponível


no link a seguir:
VERÍSSIMO, L. F. O homem trocado. Conto brasileiro, 4 mar. 2020.
Disponível em: <https://contobrasileiro.com.br/o-homem-trocado-cronica-de-
luis-fernando-verissimo/>. Acesso em: 28 jul. 2020.

Se fôssemos representar essa história em uma figura geométrica, seria


uma pirâmide, porque a principal parte está no fim do texto, quando o homem
descobre que houve um problema na cirurgia. É o ápice da narrativa, que vai
ficando mais interessante e se “alarga” no final. O formato seria uma pirâmide,
porque começa pequeno e vai aumentando até chegar à grande revelação.

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Figura 1 – Alguns textos são como um triângulo, ou uma pirâmide

A narração é um texto que narra uma ação. Logo, tem uma cadência
temporal, começo, meio e fim. O texto descritivo é aquele que descreve algo
ou uma situação. Já o dissertativo sempre defende uma ideia, e então é
formado por introdução, desenvolvimento e conclusão.
Poucos textos são puramente descritivos, que só descrevem. Em geral, a
descrição enriquece um cenário a ser usado para contar uma história (narração),
ou defender um ponto de vista (dissertação). Veja esta descrição pura:

Luzes de tons fortes incidem sobre o cinza dos prédios.


Nos bares, bocas tagarelas conversam, mastigam e bebem.
As mesas se amontoam nas calçadas.
Nas ruas, pedestres apressados se atropelam.
O trânsito caminha lento e nervoso.
Eis São Paulo às sete da noite.

Você consegue identificar um momento mais importante do que outro? Há


uma cadência temporal a ser respeitada para a cena ter nexo? Invertendo a
ordem das frases, muda o sentido? A cena surge igual em nossa mente. Então,
o texto puramente descritivo pode ser representado como um retângulo em
pé. Não há um momento melhor que outro, nem um ápice na história.

Eis São Paulo às sete da noite.


As mesas se amontoam nas calçadas.
O trânsito caminha lento e nervoso.
Nos bares, bocas tagarelas conversam, mastigam e bebem.
Luzes de tons fortes incidem sobre o cinza dos prédios.
Nas ruas, pedestres apressados se atropelam.

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Figura 2 – Alguns textos são como um retângulo em pé

Já o texto dissertativo, em geral, começa com a introdução ao assunto,


expõe os argumentos e finaliza com a defesa. A parte principal do texto é o
meio, pois defende um ponto de vista. Então, dá para dizer que esse tipo de
texto tem o formato de um hexágono, no qual a ideia principal está no meio.

Figura 3 – Alguns textos são como um hexágono

Até a chegada do lide, as narrações dos fatos noticiosos aconteciam em


um formato cronológico, o nariz de cera. Veja a notícia de 12 de novembro de
1958 do jornal Folha da Manhã, carregado desse estilo. Vamos ao texto:

Contrariando normas que haviam imposto seus predecessores Pio XII, Pio XI
e Bento XV, o papa João XXIII não toma suas refeições sozinho à mesa. Hoje
convidou ao jantar o monsenhor Girolamo Bortignon, bispo de Pádua. Na noite
de sua coroação, jantou com sua irmã e seus três irmãos, na sala de refeições
de seu apartamento particular no terceiro andar do Palácio Vaticano enquanto
uma mesa para seus numerosos sobrinhos e sobrinhas era instalada em uma
peça ao lado.
Os íntimos de João XXIII citam muitas vezes um traço característico do novo
papa que teria afirmado que comer sozinho lhe era muito desagradável, pois
sentia-se um seminarista castigado ou um beneditino excomungado.

Fonte: Jornal Folha da Manhã.

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O texto em nariz de cera pode ser representado graficamente como um
nariz mesmo, porque segue uma ordem cronológica. Começa com amenidades,
coloca o principal do fato no meio do texto e termina com informações de menor
valor. Ele também é usado para se começar um texto de maneira mais leve,
sobretudo em veículos menos factuais e mais analíticos, como as revistas.

Figura 4 – O nariz de cera

A pirâmide invertida produziu uma grande mudança no texto jornalístico.


Depois do que vimos, é fácil entender que o texto no formato de pirâmide
invertida terá o fato principal no começo e normalmente responde às perguntas
básicas. Editando o texto do papa acima, teríamos uma pirâmide invertida. Veja:

O papa João XXIII, na noite da sua coroação, quebrou o protocolo seguido


pelos seus antecessores – que orientava que deveria fazer as refeições
sozinho – e jantou em companhia de seus irmãos e sobrinhos, no seu
apartamento, no terceiro andar do Vaticano. Segundo amigos, o novo papa
comentou que não concorda em fazer as refeições sozinho, parecendo um
seminarista que está sendo punido quando o faz.

Figura 5 – A pirâmide invertida

Assim, na figura que estamos vendo acima, o lead (ou lide) seria o
retângulo contornado de laranja que conteria as informações mais importantes
de todo o texto informativo.

TEMA 4 – LINHA EDITORIAL

Todo veículo de comunicação possui uma linha editorial. Às vezes, ela é


explícita e norteia o trabalho de toda a equipe por meio de um manual
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organizado que dita inclusive os vocábulos a serem usados. Outras vezes, ela é
intuitiva, discutida no meio do processo de produção, quando se ouve: “mas,
será que isso é notícia para nós? Será que vale a pena cobrir?”.
A linha editorial está diretamente relacionada a posturas políticas,
culturais e religiosas que determinam a lógica da produção de notícias de uma
empresa, os valores e a moral defendida por ela – ou por seus donos. Por mais
que se pretenda que a objetividade e a necessidade de se ouvir os dois lados de
uma questão sejam o norte nas redações, há uma tendência de o
enquadramento da informação pender para o modo de pensar e de ver o mundo
assumido pelos donos do jornal (Rech, 2018, p. 30).
Linha editorial nada mais é do que a identidade de um veículo de
comunicação, que normalmente é composta pela aparência (que já diz muito),
pelo conteúdo, pelas escolhas e posicionamentos. Em um quadro comparativo,
poderíamos simplificar desta maneira:

Quadro 2 – Comparação entre características externas e internas

Características externas Características internas


Planejamento gráfico Público-alvo
Cores utilizadas Abrangência
Tipos de fotos Assuntos escolhidos
Design do cenário do telejornal Formatos de abordagem
Tom de voz do locutor/apresentador Vocábulos escolhidos
Som de background Crenças
Vinhetas produzidas Ideologias

A linha editorial do veículo influencia muito os critérios de noticiabilidade,


uma das etapas do processo de produção dos jornalistas. Mesmo que saibamos
de maneira mais ou menos intuitiva o que seria ou não notícia para o veículo em
que trabalhamos, esse critério varia quando falamos de linha editorial.
O site de uma cidade de 10 mil habitantes terá como foco produzir notícias
que nem sempre teriam lugar no site de uma cidade de 1 milhão de habitantes.
Para o primeiro, uma feira de artesanato da cidade teria um espaço em que se
explica quem vai expor, entrevista-se alguns artesãos, descreve-se os produtos
e é bem possível publicar mais de uma foto do evento.

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Já uma feira de artesanato de uma cidade de 1 milhão de habitantes vai
“competir” no site com assassinatos, acidentes de carro ou visitas oficiais de
políticos, entre outros fatos que chamam mais a atenção do público. Então, neste
site, a feira teria uma nota pequena na editoria de cotidiano, pois, na briga por
espaço, ela seria menos importante dentro dos critérios de noticiabilidade.
A linha editorial influencia também a construção dos textos. Além da
escolha dos assuntos (fatos que serão notícia), a maneira como construímos o
texto e como o organizamos na página do site ou jornal, a ordem da veiculação
no telejornal ou radiojornal vai ser determinada pela linha editorial.
As escolhas editoriais podem ser diferentes mesmo entre grandes grupos
de comunicação. Veja as notícias reproduzidas a seguir sobre o mesmo assunto.

Figura 6 – Comparação de manchetes

Crédito: G1; Grupo Record.

A matéria da esquerda foi publicada às 8h31 do dia 15 de junho de 2020


no portal G1, pertencente às Organizações Globo. A matéria da direita foi
publicada às 8h30 do mesmo dia no site R7, do Grupo Record. Ambas notícias
tratam da prisão de Sara Giromini, conhecida ainda como Sara Winter. Note que
o G1 usou uma foto dela portando armas, enquanto o R7 decidiu usar uma
imagem em que ela parece ser o centro das atenções.
No texto do R7, a gravata diz: “mandado foi expedido pelo ministro do STF
Alexandre de Moraes a pedido da PGR (Procuradoria-Geral da República). Há
ordem para deter outras 5 pessoas” (Varandas; Saringer, 2020). Já no G1, diz:
“extremista e outros integrantes de movimento bolsonarista são suspeitos de
crime contra a Lei de Segurança Nacional. Advogado diz que prisão é política.
Mandado foi autorizado pelo ministro do STF Alexandre de Moraes” (Falcão;
Marques; Ortiz, 2020).
Foto e título expõem a diferença, que fica mais evidente nos vocábulos da
gravata. No R7, Sara Winter é chamada de ativista, enquanto no G1 o termo é
extremista. O fato de ela ser defensora do presidente Jair Bolsonaro pesou nas
escolhas editoriais. A Record foi um dos grupos de mídia que passaram a

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receber mais verbas publicitárias oficiais quando Bolsonaro assumiu o governo,
enquanto a Globo perdeu participação (Santos, 2020).
As escolhas editoriais são movidas também de acordo com o público-alvo
de cada veículo. Veja um exemplo disso nas capas de duas edições aleatórias
de dois jornais impressos: o extinto Notícias Populares e O Estado de S. Paulo.

Figura 7 – Capas

Crédito: Jornal Notícias Populares/Folhapress; Arquivo/Estadão Conteúdo.

Essas são algumas observações relacionadas à diferença no tratamento


de um mesmo assunto, que pode ser determinado pela linha editorial do veículo.
Estamos falando de características internas da linha editorial, que são
intrínsecas ao veículo, mas não tão claras. Os tipos de letra, as cores, os
espaçamentos, as decisões sobre que foto figura na capa, as manchetes, os
assuntos, entre outros aspectos, refletem a linha editorial de cada veículo de
comunicação.

TEMA 5 – ENQUADRAMENTO NOTICIOSO (FRAMING)

Um fato pode ter muitas versões, a depender de quem o relata, da sua


visão de mundo, capacidade de apreender os acontecimentos e valores morais,
religiosos, ideológicos. Basta imaginar o resultado de uma matéria sobre aborto

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produzida por um jornalista extremamente religioso e outra produzida por um
ateu ou agnóstico.
Todo texto jornalístico possui um enquadramento ou framing. Como
vimos, a realidade em si não é o fundamental, mas sim a forma como ela é
interpretada. A experiência do indivíduo resulta do modo como enquadra a
realidade à volta (Goffman, 2012), assim, a maneira como as notícias são
construídas determina a forma como a sociedade enxerga a realidade, e não a
realidade em si (Tuchman, 1978).
Cada um de nós constrói o real com base nos significados que usamos
para decifrar e compreender o mundo, o que é subjetivo e varia de pessoa para
pessoa. Não seria diferente na atividade jornalística.

Como enunciador, o jornalista é testemunha do mundo real; porém,


quando o apreende, ele o faz de modo fragmentado, colocando no
mundo que vai descrever a moldura que lhe convém – ou ao veículo
em que trabalha. A isso dá-se o nome de enquadramento noticioso, ou
seja, trata-se de como um acontecimento da vida cotidiana vai ser
representado para leitores, espectadores e ouvintes. (Rech, 2018, p.
34)

É preciso escolher uma cena, pois em uma matéria não se consegue dar
conta do todo do fato. Assim, o jornalista sempre recorta uma parte da cena
para narrar. Esse recorte é feito por meio de escolhas influenciadas por diversas
variáveis. Pode ser a bagagem ideológica do jornalista, uma orientação do editor,
um encaminhamento da linha editorial do veículo, ou, inclusive, questões
práticas que envolvem captação e checagem das informações.
Se olharmos os veículos de imprensa e suas produções, vamos perceber
uma busca comum pelas mesmas informações, que acabam figurando no texto
final. É preciso responder ao lide, falar com as fontes oficiais envolvidas na
situação ou, ainda, com os personagens centrais dos fatos.
Há, ainda, um enquadramento que é mais ideológico, mais consciente e
que pode ser perigoso para quem prometeu falar sempre a verdade. O que nos
fará dar determinado enquadramento, além das pressões externas, é a nossa
posição política e nossas crenças.
Veja estas duas capas de jornais populares sobre o impeachment da ex-
presidenta Dilma Roussef, ocorrido em 2016. A manchete “Arrasa, querida!”, traz
um tom irônico, enquanto a manchete do Diário de S. Paulo, “PT nunca mais”,
traz um posicionamento político-ideológico em relação ao fato.

Figura 3 – Capas de jornais populares


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Fonte: Portal Imprensa.

Manchetes como essas põem em xeque a objetividade jornalística, pois há


um claro posicionamento em relação à queda da ex-presidenta. “As duas capas
têm algo em comum, embora tão diferentes: passam os limites do jornalismo
imparcial e objetivo. O Meia Hora, com humor que resvala a grosseria; e o Diário
de S. Paulo com seu viés antipetista” (Rabinovici citado por Gonçalves, 2016).
Diante das escolhas editorais, na hora de construir um texto é importante
estarmos atentos aos desvios que podemos ter, como virar o rosto para o outro
lado e ver somente o que queremos ver. Também há o enquadramento feito por
mera escolha de espaço e tempo nos veículos. No fim, todas as variáveis estão
intrinsecamente ligadas e fica difícil vermos as diferenças ou qual delas está
forçando o enquadramento. Um bom começo é saber disso tudo e ficar atento.

TROCANDO IDEIAS

Que tal rever os temas centrais desta aula? Depois do que vimos, na sua
opinião, qual seria a variável mais importante na construção do texto noticioso:

• A linha editorial?
• As crenças do jornalista?
• A importância do fato para o público-alvo?

NA PRÁTICA

Você se lembra das duas notícias que expusemos no começo da nossa


aula? Volte a elas e, depois de ler com atenção, tente definir:

• Onde está a parte principal dos textos?


• Ambos usam o lide?
• Qual o fato principal dessas duas notícias?
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• Qual o enquadramento que cada uma delas usa?

FINALIZANDO

Nesta aula, vimos conceitos úteis para nossos próximos passos. Falamos
sobre o que é um texto noticioso, depois demos uma passeada pela história das
narrativas e do quanto temos ouvido e contado histórias. Depois, entendemos
que alguns tipos de texto podem ser representados por imagens geométricas e
aprendemos que o texto jornalístico comum usa a pirâmide invertida como estilo.
Por último, falamos sobre o que compõe a linha editorial de um veículo e ficamos
sabendo o quanto essas características podem influenciar a confecção da
reportagem. Por fim, descobrimos que não dá para contar tudo que aconteceu
em um fato no texto noticioso, por isso, o jornalista sempre recorta – ou enquadra
– uma parte da notícia. E isso não é feito sem algumas variáveis o influenciarem.

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REFERÊNCIAS

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de 1920. Disponível em: <http://m.acervo.estadao.com.br/noticias/acervo,ha-
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