O Negócio Do Filme A Distribuição Cinematográfica No Brasil 1907 1915 1st Edition Rafael de Luna Freire Full Chapter Download PDF
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O Brasil no Espectro de uma Guerra Híbrida 1st Edition
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O NEGÓCIO
DO FILME
a distribuição cinematográfica
no Brasil, 1907-1915
Rafael de Luna Freire
Correalização
Patrocínio
Patrocínio Estratégico
Realização
Ministério do Turismo, Prefeitura da Cidade do Rio de Janeiro
e Secretaria Municipal de Cultura apresentam
Veredas do Patrimônio Audiovisual
O NEGÓCIO
DO FILME
a distribuição cinematográfica no Brasil, 1907-1915
Rafael de Luna Freire
2022
Criada em 2013, a lei de incentivo à cultura da cidade do Rio de Janeiro é o
maior mecanismo de incentivo municipal do país em volume de recursos. No
ano de 2021, atualizamos os procedimentos para torná-la ainda mais democrá-
tica e mais simplificada. O Rio de Janeiro possui uma produção cultural diversa
e decisiva para o seu desenvolvimento e para o bem-estar da população. Nossa
lei, carinhosamente apelidada de Lei do ISS, é um de nossos mecanismos de fo-
mento que buscam estimular o encontro da produção cultural com a população.
A linguagem audiovisual é reconhecida pelo Museu de Arte Moderna do Rio
de Janeiro desde 1948, quando o primeiro estatuto da instituição registrou o
plano de criação de uma filmoteca. A Cinemateca do MAM, fundada em 1955,
guarda o segundo maior acervo de obras audiovisuais, em todos os formatos,
e o maior arquivo de documentação de cinema do país. Um auditório muito
bem equipado e um canal na internet exibem pré-estreias, festivais, mostras e
filmes antigos. Uma especial atenção é dada ao cinema experimental e a pro-
duções fronteiriças com as artes visuais. Outra atividade fundamental para o
MAM Rio é apoiar a produção de conhecimento sobre o cinema.
Como parte das ações da nova gestão do museu em prol do cinema e da cul-
tura, surgiu o projeto Veredas do Patrimônio Audiovisual, com patrocínio da
prefeitura da cidade do Rio de Janeiro, Secretaria Municipal de Cultura, Con-
cremat e H.I.G. Capital e apoio da Guelt Investimentos, por meio da Lei Muni-
cipal de Incentivo à Cultura – Lei do ISS. Um ciclo de programação teve início
em janeiro de 2021 e se estendeu por todos os meses do ano.
Graças a essa mesma estrutura de financiamento, podemos publicar agora
este livro, O negócio do filme: a distribuição cinematográfica no Brasil 1907–1915, de
Rafael de Luna Freire, doutor em comunicação e professor associado da Univer-
sidade Federal Fluminense. Freire se debruça sobre um assunto pouco estudado
no Brasil, que é a distribuição cinematográfica, com base em documentos de
cunho administrativo e comercial, felizmente preservados em arquivos.
A distribuição é, obviamente, um aspecto fundamental para que uma obra
cinematográfica chegue ao público. Entretanto, a distribuição comercial atende
a uma lógica própria que em muito difere da lógica de instituições como a
Cinemateca do MAM, sem fins lucrativos. Com esta publicação, reconhecemos
a relevância do tema, bem como a qualidade da pesquisa, e celebramos a exis-
tência e a preservação dos arquivos no Brasil.
Hernani Heffner
Gerente da Cinemateca do MAM
a Paula, Antônio e Gustavo
Sumário
Capítulo 1
A formação do mercado: 1907–1908
A representação da Pathé Frères no Brasil por Marc Ferrez 27
A febre do cinema no Rio de Janeiro e o diferencial do cinematógrafo Pathé 34
A distribuidora de filmes Marc Ferrez & Filhos 45
As razões para o aumento da produção cinematográfica local 56
A construção de um novo modelo de negócios 70
Capítulo 2
O acirramento da concorrência: 1909–1911
A concorrência de outras marcas e o trunfo da MF&F com o film d’art 79
O caráter de variedade dos programas dos cinemas 89
A consolidação de práticas e do ofício da distribuição de filmes 102
Os filmes cantantes como modo de apresentação 112
O auge dos cantantes: Paz e amor e o filme esquecido de Lima Barreto 125
Uma nova interpretação para o declínio dos cantantes 137
A investida da MF&F contra os exibidores ambulantes 151
Fomentando e disputando o mercado cinematográfico no Norte e Nordeste 162
Consequências do crescimento dos filmes e do mercado 171
Fusões e agentes 182
Mudanças radicais à vista 190
capítulo 3
A hegemonia da ccb: 1912–1914
A formação do truste 205
A resistência de Staffa e Stamile 217
O advento do “filme extra” 236
Disputas, exclusividades e especulações segundo Marc Ferrez 249
O caso Blum & Sestini e as dissidências internas na CCB 263
Concorrência, filmes de atualidade e a ida ao cinema às vésperas da guerra 278
Capítulo 4
A crise do mercado: 1914–1915
O acirramento da crise 293
O Kinetophone de Edison no Brasil 300
A guerra complica o que já era difícil 310
O fim do truste 329
Entre divas e seriados 342
Epílogo 357
Fotografias, charges e documentos 385
Lista de abreviações 417
Referências bibliográficas 419
Agradecimentos 437
Prefácio
15
do surgimento e da decadência dos “filmes falados e cantantes” (apresentados
com artistas que declamavam e cantavam atrás da tela) e de outros fenôme-
nos da época que são amplamente conhecidos, mas ainda mal compreendidos.
Além de explorar a relação muitas vezes tensa entre os Ferrez e a notória Com-
panhia Cinematográfica Brasileira (CCB), de Francisco Serrador, que adquiriu
a empresa deles em 1912, O negócio do filme resgata os nomes de firmas hoje
esquecidas que ajudaram a dar forma ao negócio cinematográfico no país, tais
como a Empresa Cinematográfica Internacional e a Jatahy-Cinema (distribui-
dores independentes que surgiram muito cedo) e a Companhia Internacional
Cinematográfica, uma concorrente da CCB fundada por Angelino Stamile.
Embora o autor se concentre no meio cinematográfico da então capital fede-
ral Rio de Janeiro e da metrópole crescente de São Paulo – como é lógico, dada
a disponibilidade de documentação e a importância fundamental das grandes
cidades do Sudeste como pontos de entrada de filmes ao país –, consegue de
uma maneira brilhante integrar histórias regionais que normalmente são trata-
das separadamente. Ele narra, por exemplo, os esforços dos Ferrez para recrutar
agentes no Norte, Nordeste e Sul do país e estimular a instalação de novas salas
fixas que se tornariam seus clientes. Além de desenvolver uma perspectiva ao
mesmo tempo local, regional e nacional, O negócio do filme oferece compara-
ções e contrastes altamente instrutivos entre o caso brasileiro e outros países.
Rafael de Luna Freire destaca as particularidades do sistema brasileiro, no qual
os distribuidores tipicamente possuíam o direito exclusivo ou quase exclusivo
de representar uma ou várias produtoras no mercado, ao menos antes do sur-
gimento do “filme extra” ou longa-metragem que transformaria radicalmente
o sistema de distribuição no país. Ele observa, para tomar outro exemplo, o
desenvolvimento de um sistema de zoneamento que favorecia um número re-
duzido de salas lançadoras na exibição de novidades, bem antes que em países
como a França e os Estados Unidos. Desse modo, o livro enriquece nosso co-
nhecimento da institucionalização do cinema no âmbito mundial.
A análise de Rafael de Luna Freire põe em destaque tanto fatores deter-
minantes na trajetória da distribuição de filmes no Brasil – desde o tipo de
câmbio e as taxas de alfândega até a eclosão da Primeira Guerra Mundial –
como detalhes aparentemente banais, mas que resultam reveladores, dos con-
tratos, das folhas de pagamento e das despesas de transporte. Registros dos
salários demostram que as mulheres, frequentemente contratadas como revi-
soras de filmes, receberam a remuneração mais baixa de todos os empregados,
16
e testemunhas atestam a exclusão da maioria dos músicos negros das orques-
tras dos cinemas, assim realçando as dinâmicas de raça, gênero e classe social
em jogo no flamante meio cinematográfico. O autor nos lembra que, atrás das
disputas às vezes amargas entre os empresários cinematográficos que se de-
senvolveram na imprensa e nos tribunais, há claras distinções de classe, so-
bretudo entre os aristocráticos Ferrez e os outros imigrantes de origem mais
humilde ativos no meio cinematográfico. O estudo jamais perde de vista que o
negócio cinematográfico no Brasil tomou forma dentro de um contexto social
complexo – a Primeira República – e em plena transformação. No momento
atual de crise para a produção, distribuição e exibição cinematográficas, este
precioso estudo lança nova luz sobre outro momento de grandes mudanças
no mundo do cinema, elaborando uma crônica das oportunidades, fracassos e
sucessos vividos por figuras inesquecíveis como os Ferrez.
Rielle Navitski
Professora associada do departamento de estudos em teatro e cinema
da Universidade da Geórgia
17
Prólogo
[1] Sobre a primeira exibição coletiva, pública e paga de filmes no Brasil, na rua do Ouvidor,
em 8 de julho de 1896, ver Jorge J. V. Capellaro e Paulo Roberto Ferreira, Verdades sobre o iní-
cio do cinema no Brasil, Rio de Janeiro: Funarte, 1996. Ver também: José Inácio de Melo Souza,
“Os primórdios do cinema no Brasil”, em Fernão Pessoa Ramos e Sheila Schvarzman (orgs.),
Nova história do cinema brasileiro, São Paulo: Edições Sesc SP, 2018, v. 1, pp. 16-51.
[2] Como eram chamados os exibidores de lanternas mágicas que apresentavam projeções
de “vistas fixas”, que passaram a ser frequentemente combinadas com as projeções de “vistas
animadas”.
19
inventor, José Roberto Cunha Sales, talvez seja o melhor exemplo.3 Como uma
nova atração, a projeção de fitas também foi logo incorporada aos espetáculos
das companhias de variedades e excentricidades, sendo entremeada a números
de canto, dança, mágicas, lutas, acrobacias ou animais amestrados.
Para apresentar essa nova atração, os empresários geralmente adquiriam
um pacote completo: equipamento de projeção e cópias de fitas, inicialmente
comprados apenas no exterior. Os mesmos títulos, de curta duração, eram exi-
bidos de localidade em localidade, dezenas de vezes, até seu completo com-
prometimento físico, se não fossem vendidos antes para outro exibidor. Desse
modo, não demorou muito para surgir um mercado de segunda mão no Brasil,
tanto de cópias quanto de equipamentos de projeção.
Nas primeiras exibições ao redor do Brasil, a atração principal era justa-
mente o projetor, sendo as fitas a forma de demonstrá-lo em funcionamento.
Os equipamentos eram divulgados através das mais diversas e curiosas desig-
nações, na busca por diferenciação em relação aos concorrentes. Muitos dos
primeiros aparelhos utilizados no país apelavam aos nomes de Edison ou dos
irmãos Lumière, embora vários deles fossem contrafações dos equipamentos
desses inventores, o Vitascope e o Cinematographe, respectivamente.
No Brasil, o termo animatographo foi bastante usado nos primeiros anos
para designar o projetor de forma geral, assim como biographo, antes da conso-
lidação definitiva da palavra cinematographo. Esses exibidores itinerantes geral-
mente alugavam espaços os mais variados para apresentarem seus espetáculos
– salões, saguões de hotéis, confeitarias, pavilhões –, sendo privilegiada a locali-
zação em ruas centrais e movimentadas como forma de atrair as plateias.
Já nos primeiros anos do século 20, as companhias de variedades, assim
como exibidores itinerantes com aparelhos mais aperfeiçoados e conjuntos de
vistas inéditos e mais variados, passaram a ocupar com mais frequência os
principais teatros municipais. A projeção de fitas sincronizadas a fonógrafos
– o chamado “cinematógrafo falante” – tornou-se popular nesse período. Al-
guns exibidores itinerantes atravessaram todo o Brasil, apresentando-se em
dezenas de estados ao longo de meses, como H. Kaurt, Édouard Hervet ou
Guiseppe Filippi. A maioria, porém, circulou em regiões específicas: alguns
[3] Ver seu perfil em: Alice Gonzaga, Palácios e poeiras: 100 anos de cinema no Rio de Janeiro,
Rio de Janeiro: Record, 1996, pp. 35-39.
20
restringiram-se ao Norte e Nordeste, outros ao Sudeste, ou ainda somente ao
Sul do país.4
Nesse período, as exibições cinematográficas tornaram-se mais comuns
para as plateias das principais capitais do país. Como em todo o mundo, alguns
espaços fixos especialmente dedicados à exibição cinematográfica estiveram
em funcionamento desde muito cedo – como o pioneiro Salão Paris no Rio,
aberto na capital federal por José Roberto Cunha Sales e Paschoal Segreto, em
1897 –, mas eram exceção, não a regra.5
A produção cinematográfica local surgiu, desde o início, como forma de
incrementar os espetáculos de filmes estrangeiros. Foi assim com os irmãos
Paschoal e Afonso Segreto, no animatógrafo do Salão Paris no Rio, a partir de
18996, ou com o exibidor itinerante Guiseppe Filippi, que realizou fotografias
e, posteriormente, filmagens locais para dotar suas apresentações de atrações
extras, entre 1903 e 1904.7
[4] Uma obra de referência é: Ary Bezerra Leite, Memória do cinema: os ambulantes no Brasil
(cinema itinerante no Brasil, 1895–1914), Fortaleza: Premius, 2011.
[5] Sobre o Salão Paris no Rio, ver José Inácio de Melo Souza, Salvados digitais, São Paulo:
Gráfica Bartira, 2020, pp. 335-360. Para outros exemplos de espaços fixos de exibição ao redor
do mundo nesse período, ver Richard Abel, “Early Film Programs: An Overture, Five Acts,
and an Interlude”, em André Gaudreault, Nicolas Dulac e Santiago Hidalgo (orgs.), A Compa-
nion to Early Cinema, Malden: Wiley-Blackwell, 2012, p. 345.
[6] Apesar de filmagens pioneiras terem sido feitas por Afonso Segreto desde seu retorno
da Europa, em julho de 1898, onde comprou equipamentos, essas vistas locais não foram exi-
bidas naquele ano diante do incêndio do Salão Paris no Rio, em 8 de agosto. O animatógrafo
de Paschoal Segreto (já sem o sócio Cunha Sales), localizado na rua do Ouvidor, n. 141, só foi
reinaugurado em janeiro de 1899, quando o proprietário finalmente “pôde manter a promessa
feita há tempos a respeito da exposição de vistas nacionais brasileiras”, conforme escreveu
no jornal de divulgação Animatographo, publicado por ocasião da reabertura do Salão Paris no
Rio (Animatographo, s.d. [c. jan. 1899], p. 1). Um folheto posterior, mas do mesmo ano, também
destacou a exibição de “vistas brasileiras, reproduzindo todos os mais recentes e importantes
acontecimentos da vida nacional”, que haviam sido “feitas especialmente para este Salão”.
O folheto não indicava data precisa, mas seu texto dizia aproveitar as festas por ocasião da
visita ao Brasil do presidente da Argentina, Julio Roca, que ocorreu em agosto de 1899 (Salão
Paris no Rio, s.d. [c. ago. 1899], ARC. 16.I.18(2), Fundação Biblioteca Nacional).
[7] O italiano Guiseppe Filippi foi responsável pelas primeiras filmagens realizadas nos
estados do Paraná e Rio Grande do Sul. Ver Alice Dubina Trusz, Entre lanternas mágicas e
cinematógrafos: as origens do espetáculo cinematográfico em Porto Alegre: 1861–1908, São Paulo:
Ecofalante, 2010.
21
Exibições de fitas ao ar livre, eventualmente gratuitas, às vezes entremeadas
de anúncios publicitários, aos poucos também passaram a ser mais frequentes,
fossem nas praças e avenidas das maiores cidades (sendo genericamente cha-
madas de cinema-reclame), ou em festas populares e quermesses pelo Brasil. As
projeções também se tornaram atrações eventuais ou regulares em circos, ca-
fés-concertos e parques de diversões, assim como em cervejarias, confeitarias
e outros espaços de consumo de bebida e comida.
Se, em um primeiro momento, o cinematógrafo foi apresentado como a
demonstração de uma novidade tecnológica, nos primeiros anos do século
20 sua atração para um público já familiarizado com ele passou a depender
cada vez mais do interesse e ineditismo dos filmes e da qualidade da projeção,
de modo que superasse as constantes reclamações dos espectadores sobre a
instabilidade das imagens e oscilação da claridade na tela. Afinal, esse foi tam-
bém um período de estabilização da tecnologia de projeção cinematográfica
em relação ao momento inicial de circulação de diversos aparatos e artefatos
não compatíveis e concorrentes.8
Importante ressaltar que esse mesmo momento coincidiu ainda com as
amplas reformas urbanas realizadas no Rio de Janeiro, então capital federal,
inspiradas pela remodelação de Paris no século 19. O marco desse processo foi
a abertura da avenida Central, que teve como contrapartida o chamado “bota
abaixo” e a tentativa de expulsão da população mais pobre da região central da
cidade.9 Esse movimento esteve aliado à criminalização das práticas sociais,
religiosas e culturais, em particular, dos afrodescendentes.10
[8] Ver Deac Rossell, “‘Demolition d’un mur’: The Social Construction of Technology and
Early Cinema Projection Systems”, Early Popular Visual Culture, v. 12, n. 3, 2014, pp. 304-341.
[9] Luiz Antonio Simas apontou o “aparente paradoxo” dessa população pobre, cujas habita-
ções foram demolidas, ser necessária para exercer trabalhos braçais no centro da cidade, le-
vando essas famílias a ocuparem os morros (dando origem às favelas), ainda na região central
do Rio, como alternativa a se mudarem para os distantes subúrbios. Ver Luiz Antonio Simas,
“Dos arredores da Praça Onze aos terreiros de Oswaldo Cruz: uma cidade de pequenas Áfri-
cas”, Z Cultural, v. 11, n. 1, 2016.
[10] “Nesta cidade marcada pela tentativa dos detentores do poder de extirpar as referências à
herança africana, as diversas manifestações culturais das populações negras, exatamente aque-
las que engendravam novos laços de sociabilidade e reforçavam convívios comunitários, eram
sistematicamente perseguidas: a roda de samba, as festas religiosas, as maltas de capoeira, os
blocos carnavalescos e batuques diversos”, em L. A. Simas, “Dos arredores da Praça Onze aos
terreiros de Oswaldo Cruz: uma cidade de pequenas Áfricas”, Z Cultural, v. 11, n. 1, 2016.
22
A abertura de novas e amplas vias, a construção de grandes e modernos
edifícios, e as obras de saneamento e paisagismo visavam deixar para trás, em
partes privilegiadas da capital, os passados colonial e monárquico de um “país
ansioso por se estabelecer como moderno e cosmopolita”.11 A então recente
República se estabilizava politicamente, sendo firmado um acordo entre as
oligarquias estaduais após os primeiros e turbulentos anos do novo regime.
Como “vitrine ou laboratório”12 do Brasil, a renovação urbana do Rio de Ja-
neiro inspirou intervenções semelhantes nas mais diversas cidades brasileiras,
conjugadas ao impulso de valorização do espaço público, mas também de sua
segregação. Acompanhando a remodelação dessas zonas urbanas, surgiram
novas atrações e formas de consumo destinadas às classes médias e altas nas
principais ruas e avenidas, como os cinematógrafos, termo que também passou
a designar as salas fixas especialmente dedicadas à projeção de filmes.
Mas a proliferação de estabelecimentos comerciais que ofereciam exibições
cinematográficas para um público pagante teve como condição fundamental o
desenvolvimento da atividade de distribuição de filmes, um novo campo de atua-
ção profissional dentro do tradicional ramo da importação de produtos indus-
trializados. Isso pode ser verificado no caso específico de outro pioneiro espaço
de exibição regular de filmes no Rio de Janeiro, administrado por um imigrante
europeu com bom faro para negócios: o português Arnaldo Gomes de Souza.
No final do século 19, Arnaldo trabalhava como ourives, empregando-se
numa joalheria da qual, posteriormente, se tornaria sócio.13 Em 1901, ele obteve
a concessão para explorar um botequim ao ar livre nos elegantes jardins do
Passeio Público, no centro do Rio de Janeiro.14 Arnaldo investiria no comércio
[11] Bruno Carvalho, Cidade porosa: dois séculos de história cultural do Rio de Janeiro, Rio de
Janeiro: Objetiva, 2019, p. 30.
[12] B. Carvalho, Cidade porosa: dois séculos de história cultural do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro:
Objetiva, 2019, p. 30.
[13] Em 1896, Luiza Ritt Dias, viúva de Arthur Dias, formou sociedade com Arnaldo na
firma Arnaldo de Souza & Cia, para joalheira e ourivesaria, na rua dos Ourives, n. 96 (Jornal
do Commercio, 30 ago. 1896, p. 9).
[14] Gazeta de notícias, 8 out. 1901, p. 3. O botequim é um “estabelecimento comercial popu-
lar […] dedicado à venda de bebidas, tira-gostos, sanduíches e, eventualmente, refeições de
pratos simples”. Palavra oriunda do português e espanhol, já estava presente no léxico bra-
sileiro desde meados do século 19, enquanto seu sinônimo, “bar”, de origem inglesa, é mais
recente (Nei Lopes e Luiz Antonio Simas, Dicionário da história social do samba, Rio de Janeiro:
Civilização Brasileira, 2015. E-book).
23
de comidas e bebidas, vindo a assumir a concessão também de botequins no
Derby Clube e no Jockey Clube, outros espaços frequentados pelos cariocas
abastados. Mas o estabelecimento no Passeio Público (figura 1), renovado por
Arnaldo, foi seu mais conhecido empreendimento, uma vez que o local foi par-
ticularmente beneficiado pelas amplas reformas urbanas iniciadas, a partir de
1902, pelo prefeito Francisco Pereira Passos, que teria, aliás, auxiliado Arnaldo
a obter a concessão do botequim.15
Arnaldo conseguiu ainda o apoio da Companhia Cervejaria Brahma, que
forneceu as mesas e cadeiras, em troca da exclusividade na venda das bebidas,
numa época em que a cerveja se transformava na bebida preferida dos cario-
cas.16 Arnaldo também cercou seu botequim de diversões gratuitas para seus
clientes, como o João Minhoca (um teatro de bonecos) e atrações musicais, e
organizou festas e quermesses que, com o apoio da imprensa, tornaram o local
bastante conhecido.17
Segundo um relato memorialístico, frequentemente citado, Arnaldo teria
sido convencido pelo exibidor itinerante italiano Vittorio (ou Victor) Di Maio
(1852–1926), vindo de São Paulo, a realizar projeções cinematográficas em seu
botequim no Passeio Público. Sem fornecimento de eletricidade, mas impro-
visando com um gerador a gás e um pano branco amarrado a duas árvores,
Arnaldo iniciou as projeções que fizeram sucesso como mais uma diversão
gratuita associada à música e ao consumo de cerveja, transformando o local,
segundo suas palavras, em “um ponto de reunião obrigatório das melhores fa-
mílias do Rio de Janeiro”.18
[15] Pereira Passos teria conhecido Arnaldo como cliente de sua joalheria. Entrevista com
Isaac Frankel reproduzida em: “Foi um dos pioneiros do cinema no Brasil”, O Globo, 15 mar.
1941, p. 5.
[16] A. Gonzaga, Palácios e poeiras: 100 anos de cinema no Rio de Janeiro, Rio de Janeiro: Record,
1996, p. 72. Como bem apontou José Ramos Tinhorão, uma das únicas fotografias conhecidas
do bar de Arnaldo Gomes de Souza, de autoria de Augusto Malta, mostra o pano de boca de
seu teatrinho com publicidade da Brahma, confirmando a parceria (José Ramos Tinhorão, Os
sons que vêm da rua, São Paulo: Editora 34, 2005, p. 149). A fotografia pode ser vista no site
da Brasiliana Fotográfica. Disponível em <https://brasilianafotografica.bn.gov.br/brasiliana/
handle/20.500.12156.1/2425>. Acesso em 23 jan. 2020.
[17] O contrato de arrendamento do espaço do botequim do Passeio Público, com prazo ini-
cial de cinco anos, estabelecia que as diversões oferecidas pelo concessionário não poderiam
ser cobradas do público (Gazeta de Notícias, 15 nov. 1901, p. 2).
[18] “Dos tempos de Bertini à geração de Greta Garbo”, Cinearte, v. 9, n. 402, 1 nov. 1934, p. 27.
24
As principais fontes indicam o início das projeções cinematográficas no bo-
tequim de Arnaldo em 1905, mas elas efetivamente começaram no ano anterior.
Já em 8 de março de 1904, foi anunciada na programação do Passeio Público a
exibição, “pela primeira vez”, de “um poderoso biógrafo inglês”. A única sessão
diária ao ar livre era noturna (às 19h30), com entrada franca e tendo como uma
das atrações a “luz elétrica”.19
Novas exibições só foram divulgadas pelos jornais dali a um ano, na Sex-
ta-feira Santa, quando foram promovidas exibições de vistas sacras por um
“cinematógrafo Lumière” no Passeio Público.20 Por outro lado, poucas semanas
depois, em maio de 1905, conforme a bem-humorada descrição feita por um
jornalista sobre os passeios dominicais dos cariocas no Passeio Público, essas
projeções noturnas já eram consideradas comuns:
Logo à entrada [do Passeio Público] esbarra-se com o porteiro, quase sempre
velho, uniformizado e impertinente para algum descuidado que pisa a grama,
não obstante as enormes placas de aviso.
Eis o botequim ao ar livre.
Mesas de pedra mármore com bancos de madeira e cadeiras de ferro, quase
sempre cheias.
Pelas árvores, aos lados, suspensos em arame, vários cartazes-reclames de
bebidas; ao fundo a copa, de onde saem os garçons com os pedidos e sobre a
porta, abaixo de um coreto, a tabela de preços, um pouco salgados, o que não é
de admirar, visto estarmos perto do mar.
Em um tablado de madeira, de vez em quando se esgoela uma cantora,
acompanhada pelo piano, e defronte à copa, no alto, uma tela branca que
recebe as projeções de um estafadíssimo biógrafo, que o pessoal do sereno
aplaude, bem como a cantora.21
Trata-se de uma transcrição da carta enviada por Arnaldo Gomes de Souza, publicada na
íntegra em Diário Português, 10 out. 1934. Outras informações em: C. J. Dunlop, “Rio Antigo”,
Singra: suplemento intergráfico, v. 7, n. 111, 1954, p. 15. Ambas as reportagens possuem cópias
no fundo Família Ferrez: FF:GF 4.0.3.1.9 e FF:GF 4.0.3.1.39.
[19] Jornal do Brasil, 8 mar. 1904, p. 3 e 6. Somente em 1911 seria inaugurado o fornecimento
regular de eletricidade no Passeio Público (Jornal do Commercio, 20 nov. 1911, p. 3).
[20] Jornal do Brasil, 20 abr. 1905, p. 6.
[21] Rio Nu, 27 maio 1905, p. 3.
25
Talvez o cinematógrafo Lumière tenha sido adquirido de Di Maio, em 1905,
embora o primeiro contato entre eles provavelmente ocorreu mesmo em
1904.22 Independente de quando tenha ocorrido precisamente, é importante
destacar que o principal entrave lembrado por Arnaldo, décadas mais tarde, foi
que Di Maio teria somente “doze ou quinze películas de limitada metragem”.23
Ou seja, mesmo projetando filmes com relativa regularidade e sucesso num
espaço fixo, as exibições permaneciam uma atração secundária sem um esto-
que mais amplo ou um fornecimento constante de cópias novas. O popular
“centro de diversões” de Arnaldo, como a imprensa passou a chamar seu bote-
quim, sofria da mesma limitação de outras iniciativas semelhantes. A distri-
buição de filmes era a condição indispensável para o surgimento e expansão
de salas fixas, com ingressos pagos, exclusivamente dedicadas a projeções
cinematográficas. Mas Arnaldo teria um papel fundamental nessa mudança
quando se associou àquele que seria o pioneiro distribuidor de filmes no Brasil.
[22] É válido ressaltar que Di Maio tinha se apresentado com um cinematógrafo Lumière
no Rio de Janeiro e em Santos, em 1902. Anotações de Adhemar Gonzaga de entrevista com
Luciano Ferrez indicam o retorno ao Rio de Janeiro de Di Maio, então “falido”, em 1904 (Ar-
quivo Cinédia).
[23] Dos tempos de Bertini à geração de Greta Garbo, Cinearte, v. 9, n. 402, 1 nov. 1934, p. 27.
26
Capítulo 1
A formação do mercado: 1907–1908
[1] Richard Abel, The Red Rooster Scare: Making Cinema American, 1900–1910, Berkeley: Uni-
versity of California Press, 1999, p. 20.
27
oferta de equipamentos, podendo ser considerado um “fotógrafo consagrado e
comerciante de sucesso”.2
Com experiência na feitura e projeção de placas fotográficas para lanternas
mágicas, em 1905 Marc Ferrez já tinha incluído a comercialização de equipa-
mentos e filmes cinematográficos em seus negócios. A empresa contava com a
crescente participação de seus filhos, Julio (1881–1946) e Luciano (1884–1955),
que, entre si, se chamavam Jules e Lucién.
Um catálogo de produtos de 1905 comprova que, nesse ano, a empresa Marc
Ferrez já vendia todo o material necessário para o cliente que desejasse entrar
para o ramo da exibição cinematográfica, como cópias de filmes, tela, projetor e
lanterna, além de placas de vistas fixas (isto é, de lanternas mágicas) para serem
alternadas com os filmes, ainda bastante breves.3 Mas o texto de apresentação
dos equipamentos de cinema do catálogo da empresa dava a entender que a
itinerância ainda era o principal formato de exibição cinematográfica no país,
sugerindo aos seus potenciais clientes “montar uma empresa para exploração
das cidades e centros do interior dos nossos estados”.4
Nesse sentido, o pacote de produtos sugerido pelo catálogo de 1905 incluía
como quantidade mínima 300 metros de fitas cinematográficas “sortidas”, sufi-
cientes para um único espetáculo. O preço de venda das cópias era alto, 2$500
réis o metro, sendo oferecidas também aos interessados “as listas de fitas em
stock”, havendo a indicação do recebimento mensal de novos filmes. Impor-
tante ressaltar que o programa mínimo com 300 metros custava 750$000 réis,
[2] Ileana Pradilla Ceron, Marc Ferrez: uma cronologia da vida e obra, São Paulo: Instituto Mo-
reira Salles, 2019, p. 84.
[3] Nessa época, o projetor cinematográfico era comercializado separadamente da lanterna
(onde ficava a fonte luminosa), consistindo apenas no aparelho para movimentação da pelí-
cula à frente do conjunto ótico. As lanternas para projeção de vistas fixas do catálogo de Marc
Ferrez vinham, em geral, com lâmpadas de querosene. Para a projeção de filmes, o catálogo
sugeria o uso da luz oxietérica, mais forte que a lâmpada de querosene e semelhante à lâm-
pada elétrica, mas que dispensava o fornecimento regular de eletricidade, ainda limitado no
Brasil. Para gerar a luz oxietérica, bastava um oxigerador, um saturador e bastões de cal. Apa-
rentemente, Marc Ferrez comercializava um modelo fabricado em Paris por Alfred Molteni.
Seu funcionamento se dava através da saturação do oxigênio pelo éter que permitia manter
o bastão de cal incandescente. Entretanto, a lux oxietérica era considerada perigosa, especial-
mente ao ser usada com os altamente inflamáveis filmes de nitrato de celulose.
[4] Marc Ferrez, Machinas e acessórios para photographia, productos chimicos etc., Rio de Janeiro:
Typographia L’Étoile du Sud, 1905, p. 54.
28
mais caro que o aparelho de projeção completo (sem fabricante identificado),
oferecido por 600$000 réis. Esses 300 metros (ou 1.000 pés) de compri-
mento equivaliam ao rolo de filmes padrão, que tinha duração aproximada de
15 a 17 minutos.5 Como tradicionais comerciantes de materiais fotográficos, o
principal foco de Marc Ferrez, em 1905, ainda era a venda de equipamentos e
acessórios de projeção, sendo as cópias de filmes um item indispensável para
demonstrar o aparelho em funcionamento.6
Voltando à Arnaldo Gomes de Souza, diante da boa recepção de seus clien-
tes às projeções, e frente às limitações do pequeno estoque de Di Maio, o em-
presário passou a adquirir cópias com Marc Ferrez. Ao descrever o sucesso das
esparsas exibições de filmes ao ar livre no Passeio Público, apesar do “pouco
variado repertório”, o historiador Charles Dunlop escreveu: “Foi mais ou me-
nos nessa época que Marc Ferrez […] regressava da França, onde fizera ami-
zade com Charles Pathé. Tendo trazido a representação dos filmes da fábrica
Pathé Frères, de Paris, passou a vendê-los a Arnaldo de Souza […]. Certo dia,
Marc Ferrez propôs a Arnaldo de Souza montarem juntos um grande cinema
na Avenida Central, que acabava de ser aberta”.7
O pioneiro artigo de Dunlop é precioso, mas comprime temporalmente os
acontecimentos através do impreciso “mais ou menos nessa época” e, princi-
palmente, inverte a ordem dos acontecimentos. Os Ferrez começaram a vender
cópias de filmes da Pathé Frères para Arnaldo Gomes de Souza antes de se
tornarem representantes da fábrica francesa.
Em outubro de 1905, um anúncio nos jornais das exibições no Passeio Pú-
blico destacou novamente o “cinematographo Lumier [sic] aperfeiçoado”, mas,
[5] O padrão do rolo de 300 metros se adequava aos projetores, aos carretéis nos quais os
filmes eram dispostos e às latas nas quais eles eram transportados. A duração de um rolo
variava de acordo com a velocidade do projetor, operado manualmente pelo operador na
ausência de motores elétricos, como seria comum nas exibições itinerantes. A julgar por
informações esparsas publicadas na imprensa brasileira sobre a duração dos filmes, aparente-
mente até a década de 1910 a velocidade de projeção usada no Brasil era mais próxima de 18
fotogramas por segundo do que de 16.
[6] M. Ferrez, Machinas e acessórios para photographia, productos chimicos etc., Rio de Janeiro:
Typographia L’Étoile du Sud, 1905, p. 55.
[7] J. C. Dunlop, “Chopp berrante do Passeio Público”, Revista G.E. n° 13, out.-dez., 1956, p. 8.
Outras fontes indicam ter sido o filho Julio Ferrez, e não Marc, quem primeiro travou rela-
ções com Charles Pathé. Essa hipótese é improvável, dado que as correspondências de Char-
les Pathé foram sempre direcionadas diretamente ao patriarca Marc.
29
sobretudo, as “novas coleções de vistas da atualidade chegadas da Europa ex-
pressamente para este extraordinário aparelho!”8 Essas novas vistas podem
ter sido novamente fornecidas por Di Maio ou quiçá pelos Ferrez, embora a
imprensa não tenha feito referência à Pathé ou qualquer outro fabricante. De
qualquer forma, no catálogo da Casa Marc Ferrez editado nesse mesmo ano de
1905, assim como em anúncios da empresa publicados entre junho e agosto de
1906 (figura 2), também não havia ainda menção alguma a equipamentos ou
filmes especificamente da Pathé Frères.
Mas é justamente a partir do segundo semestre de 1906 que começam a
surgir indicações na imprensa sobre o uso de projetor e filmes Pathé Frères
nas exibições no Passeio Público, indício mais concreto do estabelecimento de
relações comerciais entre os Ferrez e Arnaldo.9 Em agosto de 1906, por exem-
plo, foi anunciada a exibição no biógrafo do botequim ao ar livre das “últimas
novidades da Casa Pathé Frères, de Paris”, incluindo Os pequenos vagabundos
(Les petits vagabonds, dir. Lucien Nonguet, 1905).10
Já em 4 de março de 1907, uma crônica do conhecido dramaturgo Artur
Azevedo relatou sua ida, num sábado à noite, para assistir a uma nova fita no
“animatógrafo que tanta animação tem dado ao velho Jardim de Luiz de Vas-
concellos”, referindo-se ao vice-rei que, no século 18, ordenou a construção do
Passeio Público. O dramaturgo descreveu suas impressões da exibição de uma
“fita colorida” sobre os martírios da inquisição – certamente se referindo à pro-
dução da Pathé Frères Les martyrs de l’inquisition (dir. Lucien Nonguet, 1905) –,
com “o espectador tranquilamente sentado diante de seu copo de cerveja ou da
sua limonada, vendo passar diante dos olhos todos aqueles horrores”. Sabia-
mente, dizia o dramaturgo, o sr. Arnaldo, em seguida, buscou alegrar sua plateia
exibindo uma fita cômica como Estreia de um chauffeur – seguramente Les debuts
d’un chauffeur (dir. Georges Hatot e Albert Capellani, 1906), também da Pathé
Frères. Por fim, a qualidade da projeção foi elogiada, pois Azevedo afirmou que
o “animatógrafo do Passeio não treme como o da Avenida” – referindo-se ao
30
cinema-reclame apelidado, aliás, de treme-treme –, sugerindo o uso do mais mo-
derno e aperfeiçoado projetor Pathé Frères, efetivamente anunciado na progra-
mação do Passeio Público publicada em jornais naquele mesmo mês.11
É evidente, porém, que os títulos da Pathé Frères exibidos no Passeio Pú-
blico até o início de 1907, mesmo se comprados à Casa Marc Ferrez, não eram
filmes recentes e nem absolutas “novidades”, mas produções geralmente do
ano anterior ou mesmo mais antigas, algumas até já exibidas previamente na
cidade por exibidores itinerantes. Um depoimento retrospectivo de Julio re-
força o entendimento de um primeiro momento de venda esporádica de cópias
de filmes da Pathé Frères para exibição no Passeio Público antes da obtenção
da representação da fábrica francesa para o Brasil: “N’este tempo Marc Ferrez
começava a receber algumas fitas de Pathé e eu procurava o Arnaldo para lh’as
vender. Passava primeiro para ver o efeito sobre o público e só comprava de-
pois de comprovado sucesso… inútil dizer que regateava sempre”.12
Portanto, de exigente cliente na compra de filmes para exibições gratuitas
em seu bar ao ar livre, Arnaldo iria se tornar sócio de Marc Ferrez na abertura
de um cinema fixo. Na verdade, o fornecimento de filmes para as comentadas
projeções no Passeio Público deve ter sido o incentivo necessário para que os
Ferrez dessem um salto em seus negócios com cinema.13
Afinal, a percepção de uma demanda potencialmente crescente estimulou o
interesse pelo aumento da importação que permitisse ampliar a oferta do pro-
duto. Essa mudança fundamental para os negócios dos Ferrez foi, certamente,
impulsionada pela possibilidade de obtenção da representação dos filmes e
equipamentos da Pathé Frères no Brasil. Passando a concentrar sua atuação
no aluguel e venda de filmes e projetores, Marc Ferrez tornou-se o pioneiro
distribuidor cinematográfico do Brasil.
[11] A. A. (pseud. Artur Azevedo), “Palestra”, O Paiz, 4 mar. 1907, p. 1; Jornal do Brasil, 28 mar.
1907, p. 6.
[12] “Do cinema do Passeio Público para a Avenida”, s.d., FF-JF 2.0.2.1.3, AN.
[13] Alice Gonzaga afirmou que a parceria de Ferrez e Arnaldo no Passeio Público durou
somente um ano, até 1906. Entretanto, anúncios publicados na imprensa revelam que ela se
manteve por mais tempo. Um anúncio de 1908, por exemplo, descrevendo a programação de
filmes, músicos e teatro de fantoches, explicitava: “Aparelhos e fitas adquiridas na casa Marc
Ferrez & Filhos, únicos agentes da Pathé Frères no Brasil” (Jornal do Brasil, 10 abr. 1908, p. 12).
Ver A. Gonzaga, Palácios e poeiras: 100 anos de cinema no Rio de Janeiro, Rio de Janeiro: Record,
1996, p. 73.
31
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