2019 Silva Jose Honorarios Sucumbencia

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HONORÁRIOS DE SUCUMBÊNCIA E DIREITO

INTERTEMPORAL: por uma interpretação que


considere a lógica do razoável

SUCUMBENCY AND INTERTEMPORAL LAW FEES:


for an interpreta•on that considers the logic of the
reasonable

SILVA, José Antônio Ribeiro de Oliveira*

Resumo: A Lei n. 13.467/2017 entrou em vigor no dia 11.11.2017. Contudo,


a chamada Reforma Trabalhista há de preservar os direitos adquiridos
e as situações jurídicas consolidadas, tanto no campo do direito mate-
rial quanto na seara processual. Neste breve artigo, analisarei as questões
de direito processual sob a perspectiva do direito intertemporal, sempre
com atenção ao princípio da irretroatividade da lei. A questão mais
complexa de direito transitório é a relacionada aos honorários de sucum-
bência, instituto que não era aplicável na Justiça do Trabalho, pelo menos
nas demandas derivadas da relação de emprego. De se prestigiar, nessa
temática, o princípio da causalidade, o princípio da vedação da decisão
surpresa (arts. 9º e 10 do CPC/2015), a garantia inerente ao mínimo exis-
tencial e, em última medida, o princípio da dignidade humana. Também
os princípios peculiares de cada fase processual, ou os gerais de processo,
deverão guiar a solução quanto ao direito intertemporal nas fases recur-
sal e de execução. Em suma, há de se preservar os direitos adquiridos e
as situações jurídicas consolidadas quando da vigência da nova lei, pro-
cedendo-se a uma interpretação que leve em conta a lógica do razoável.
Palavras-chave: Honorários de sucumbência. Direito intertemporal.
Interpretação à luz dos princípios e da lógica do razoável.

*
Juiz Titular da 6ª Vara do Trabalho de Ribeirão Preto-SP. Doutor em Direito do Trabalho e da
Seguridade Social pela Universidad de Cas!lla-La Mancha (UCLM), na Espanha, "tulo revalidado
pela Universidade de São Paulo (USP). Mestre em Direito Obrigacional Público e Privado pela
Unesp. Professor da Escola Judicial do TRT-15 e Professor Contratado do Departamento de Direito
Privado da USP de Ribeirão Preto.
86 Revista do Tribunal Regional do Trabalho da 15ª Região, n. 55, 2019

Abstract: The Law n. 13.467/2017 took effect on November 11th, 2017.


However, the so-called Labor Reform must preserve acquired rights and
consolidated legal situations, both in the field of material and procedural
law. In this brief article, I will analyze procedural law issues, from the
perspective of intertemporal law, always paying attention to the principle
of non-retroactivity of law. The most complex issue of transitional law is
that relating to sucumbency fees, an institute which was not applicable
in the Labor Court, at least in the demands arising from the employment
relationship. In this regard, the principle of causality, the principle of
prohibition of the surprise decision (articles 9 and 10 of CPC/2015), the
inherent guarantee of existential minimum and, ultimately, the principle
of human dignity. Also the peculiar principles of each procedural phase,
or the general procedural ones, should guide the solution regarding the
intertemporal law in the appeals and the execution phases. In short,
acquired rights and consolidated legal situations should be preserved
when the new law is in force, proceeding to an interpretation that takes
into account the logic of the reasonable.

Keywords: Sucumbency fees. Intertemporal Law. Interpretation in the


light of the principles and logic of the reasonable.

1 NOTA INTRODUTÓRIA
De partida, convém pontuar que, como largamente difun-
dido no segmento justrabalhista, não havia, em regra, condenação em
honorários de sucumbência no processo do trabalho. Daí que a Lei n.
13.467/2017, mais conhecida como Lei da Reforma Trabalhista, promoveu
alteração de 180 graus nessa temática, ao prever, de modo generalizado,
o cabimento de honorários de sucumbência nas demandas ajuizadas na
Justiça do Trabalho.
Não bastassem as inúmeras dúvidas relacionadas à apli-
cação do instituto no processo do trabalho quanto ao seu conteúdo
(sentido) e alcance, exsurge como um dos mais intrincados problemas
de hermenêutica no que concerne à temática o que diz respeito à apli-
cação no tempo das novas regras insertas na Consolidação das Leis do
Trabalho, com o acréscimo do art. 791-A e parágrafos.
Se não há mais dúvida quanto à data correta da vigência
desta lei, de outra mirada há muita discussão doutrinária e na juris-
prudência acerca da data de aplicabilidade do novo regramento dos
honorários de sucumbência aos processos em curso na data de 11 de
novembro de 2017.
Revista do Tribunal Regional do Trabalho da 15ª Região, n. 55, 2019 87

Por isso, mister um estudo meticuloso do direito intertempo-


ral, de seus princípios, bem como das melhores técnicas de interpretação
da normativa posta, a fim de se definir com o mínimo de senso de justiça
a questão que se coloca: esse regramento dos honorários de sucumbência
aplica-se aos processos que estavam tramitando em 11.11.2017? E mais:
haverá necessidade de uma regra de direito transitório para cada fase
processual?

2 VIGÊNCIA DA LEI N. 13.467/2017 E OS HONORÁRIOS DE


SUCUMBÊNCIA
Como pontuei alhures, na Teoria Geral do Direito há que se
distinguir entre os planos de validade, vigência e eficácia da lei:

A validade diz respeito ao aspecto formal da lei,


ou, ainda, ao seu aspecto material. Como já se disse,
na perspectiva da formalidade, há de se observar
rigorosamente o processo legislativo, sob pena de
inconstitucionalidade formal, caso em que a lei não
será considerada válida. Também é possível analisar a
validade na perspectiva material. Toda vez que a lei
ignora uma norma ou um princípio constitucional,
fala-se em inconstitucionalidade material. O plano de
validade, portanto, diz respeito a essa esfera, ao pro-
cesso legislativo e à constitucionalidade material da lei.
[...] Quanto à vigência, ela exige que se verifique um
outro critério: a publicação da norma.
Destarte, o plano de vigência diz respeito à obriga-
toriedade da lei, após sua publicação. Para que a lei
obrigue é necessário que ela esteja em vigor e, assim,
possa produzir efeitos. Normalmente, há uma coinci-
dência entre a obrigatoriedade (vigência) e a eficácia,
já na data de publicação ou vencido o prazo de vacatio
legis para que a lei entre em vigor. Assim, em regra,
a lei vigente produz seus efeitos. Entretanto, há exce-
ções, como ocorre com as leis orçamentárias, que são
publicadas e entram em vigor, mas produzem seus
efeitos apenas no ano vindouro [...].
Assim sendo, nem sempre há coincidência entre a
vigência e a eficácia. Essa sutil distinção se torna bas-
tante clara quando se estudam as classificações das
normas constitucionais, quanto à sua eficácia, sobre-
tudo no direito constitucional, falando-se em normas
de eficácia plena, limitada e contida ou restringível.
[...] Em suma, eficácia formal diz respeito à aplicabili-
dade da lei. (SILVA, 2011, p. 45-46).
88 Revista do Tribunal Regional do Trabalho da 15ª Região, n. 55, 2019

A respeito da contagem do prazo de vacância e entrada em


vigor da nova lei - vigência da lei -, assim explanei na obra citada:

De acordo com o art. 1º da Lei de Introdução às


normas do Direito Brasileiro, Decreto n. 4.657/1942,
‘Salvo disposição contrária, a lei começa a vigorar
em todo o país quarenta e cinco dias depois de ofi-
cialmente publicada’. No entanto, sabe-se que ‘Nos
Estados estrangeiros, a obrigatoriedade da lei brasi-
leira, quando admitida, se inicia três meses depois de
oficialmente publicada’ (§ 1º).
Ocorre que a Lei Complementar n. 95/1998, ao esta-
belecer normas para a elaboração, redação, alteração e
consolidação das leis no país, modificou essa diretriz.
Com efeito, o art. 8º desta fonte normativa disciplina
que a vigência da lei promulgada deve ser indicada
‘de forma expressa’, sendo que o prazo de vacatio legis
assinado deve ser razoável, para que, da lei, seus des-
tinatários tenham ‘amplo conhecimento’. Entrementes,
permitiu-se que as leis de pequena repercussão possam
entram em vigor ‘na data de sua publicação’. Neste par-
ticular, muito interessante o § 1º do referido dispositivo,
incluído pela Lei Complementar n. 107/2001, o qual
estabelece forma de contagem do prazo de vacatio legis,
merecendo ser transcrito: ‘A contagem do prazo para
entrada em vigor das leis que estabeleçam período de
vacância far-se-á com a inclusão da data da publicação e
do último dia do prazo, entrando em vigor no dia subse-
quente à sua consumação integral’. (SILVA, 2011, p. 49).

Atenta a essa teoria, a melhor doutrina sustentou, com pro-


priedade, que a data correta da vigência da Lei n. 13.467 seria o dia 11
de novembro de 2017, considerando-se que a lei foi publicada no Diário
Oficial em 14 de julho, com prazo de vacatio legis de 120 dias. Incluindo-se
o dia da publicação e o do vencimento do prazo, os 120 dias se esgota-
ram em 10 de novembro, entrando a lei em vigor no dia seguinte, 11 de
novembro, um sábado.
Como ponderei algures, ainda que normalmente não haja
expediente forense nesse dia, isso não muda a conclusão explanada, tendo
em vista que não se trata de prazo processual, mas de prazo de vacância,
necessário para a melhor compreensão do sentido e do alcance da novel
legislação.
A propósito, foi a solução encontrada pelo Tribunal Superior
do Trabalho, na edição da excepcional Instrução Normativa n. 41/2018,
que buscou conferir um norte interpretativo seguro aos juslaboralistas, no
que concerne ao direito intertemporal. Assim nos manifestamos sobre a
referida IN:
Revista do Tribunal Regional do Trabalho da 15ª Região, n. 55, 2019 89

De saída, a Instrução Normativa n. 41/2018 enuncia


que a vigência e eficácia da Lei n. 13.467 foi ‘a partir
de 11 de novembro de 2017’, como pontuamos na 1ª
edição desta obra - e, aliás, a doutrina amplamente
majoritária, senão uníssona -, destacando que a aplica-
ção das normas processuais previstas na Consolidação
das Leis do Trabalho, e alteradas pela referida lei, ‘é
imediata’. Mas a questão não é tão simples assim. Por
isso mesmo, ressalvou-se que essa aplicação imediata
da nova lei não deve ‘atingir’, de modo algum, ‘situa-
ções pretéritas iniciadas ou consolidadas sob a égide da
lei revogada’. (SILVA; DIAS; FELICIANO; TOLEDO
FILHO, 2018, p. 29).

Com efeito, ainda que a vigência geral da Lei da Reforma


Trabalhista tenha sido o dia 11.11.2017, observamos em obra recente que,
diante das peculiaridades do direito processual do trabalho, há de se
perquirir inúmeras situações jurídicas, para não se cometer o desatino
de violar o princípio da irretroatividade das leis, uma garantia constitu-
cional albergada no art. 5º, inciso XXXVI, da Constituição da República
Federativa do Brasil (SILVA; DIAS; FELICIANO; TOLEDO FILHO, 2018,
p. 291).
Bem se vê, portanto, que a questão da aplicabilidade no
tempo da chamada Reforma Trabalhista não é tão simples quanto pareça.
Muito menos quanto às intrincadas questões que envolvem os honorários
de sucumbência.
Com efeito, em regra, quanto à aplicabilidade da lei proces-
sual no tempo, o sistema jurídico brasileiro adota a teoria do isolamento
dos atos processuais, de modo que se respeitem os atos jurídicos pro-
cessuais já praticados segundo a lei antiga - os atos jurídicos perfeitos -,
aplicando-se a lei nova, a partir de sua vigência, apenas aos atos proces-
suais ainda não praticados. Todavia, a solução dos problemas de direito
intertemporal ou transitório não é tão simples assim. Pode haver direito
adquirido da parte a que o ato siga um ritual já previamente estabele-
cido, não se podendo olvidar, principalmente, das situações jurídicas
consolidadas, tal como preconiza o art. 14 do CPC/2015 (SILVA; DIAS;
FELICIANO; TOLEDO FILHO, 2018, p. 304-305).
Ademais, quanto aos honorários de sucumbência, de se obser-
var a fase em que o processo se encontra, porque, a título meramente
exemplificativo, nas fases recursal e de execução (ou cumprimento de sen-
tença) há marcos temporais específicos para se definir qual a lei aplicável,
se a antiga ou a recém-publicada. Voltarei a essa temática. Agora, convém
recordar quais os principais efeitos das regras que tratam de honorários
de sucumbência no processo do trabalho, para ao depois se definir com
clareza os marcos de aplicabilidade da novel legislação.
90 Revista do Tribunal Regional do Trabalho da 15ª Região, n. 55, 2019

3 HONORÁRIOS DE SUCUMBÊNCIA NO PROCESSO DO


TRABALHO
Quanto aos honorários de sucumbência, a Lei da Reforma
Trabalhista promoveu uma verdadeira revolução na Justiça do
Trabalho, com uma mudança de 180 graus, como já afirmado de maneira
introdutória.
De todos sabido que o TST sempre manteve jurisprudência
arredia à possibilidade de haver condenação em honorários de sucum-
bência na Justiça especializada, como bem demonstram as Súmulas n. 219
e 329 daquele Tribunal. De se recordar que a Súmula n. 219, em sua pri-
meira versão, é anterior à Constituição de 1988, mas o entendimento ali
manifestado foi mantido sob a égide do novo regime constitucional, como
se observa da análise da Súmula n. 329. Assim, ainda que o art. 133 da
CF/1988 tenha estatuído a imprescindibilidade da participação do advo-
gado para se assegurar a plenitude dos direitos formais e materiais, com
fulcro no velho ius postulandi que sempre foi uma das marcas registra-
das da Justiça do Trabalho, consubstanciado no art. 791 da CLT, a Corte
Superior Trabalhista nunca admitiu a possibilidade de avanço nessa
matéria, mantendo firme orientação de não cabimento de honorários
de sucumbência no segmento especializado da Justiça, ainda que tenha
admitido sua incidência em hipóteses excepcionais, com bem retrata a
atual redação da Súmula n. 219 (SILVA; DIAS; FELICIANO; TOLEDO
FILHO, 2018, p. 309).
Pode-se afirmar, portanto, sem receio de equívoco, que a
água tanto bateu, que furou a pétrea jurisprudência restritiva do TST
quanto aos honorários de sucumbência. O art. 791-A e §§ da CLT passou
a ser um divisor de águas no processo do trabalho. Como se tem veri-
ficado na prática, mais de um ano após a vigência da novel legislação,
é que os trabalhadores e seus advogados estão muito receosos, e sope-
sando com muita cautela os riscos da demanda, tendo em vista que, ainda
que alguns direitos tornem-se quase evidentes - por exemplo, o direito
ao pagamento de salários e verbas rescisórias quando incontroversa a
relação de emprego e afirmando o trabalhador que não houve o adimple-
mento -, outros dependem de prova convincente sobre sua existência. E
quanto mais controvertida mostrar-se a situação fática que pode ou não
dar ensejo ao reconhecimento do direito material alegado, maior o risco
de sucumbência na demanda, lembrando-se que haverá sucumbência
recíproca quando o trabalhador não obtiver sucesso quanto a alguns dos
direitos reivindicados (§ 3º do art. 791-A) (SILVA; DIAS; FELICIANO;
TOLEDO FILHO, 2018, p. 309-310).
Por certo que se trata de antiga reivindicação dos advogados
trabalhistas, a qual encontrava eco na doutrina, ainda que minoritária.
Revista do Tribunal Regional do Trabalho da 15ª Região, n. 55, 2019 91

De se render aqui homenagem a Jorge Luiz Souto Maior, o


jurista que sempre defendeu a possibilidade de condenação em honorá-
rios de sucumbência na Justiça do Trabalho, desde 1998. Ainda no século
passado este grande jurista afirmava que a ausência de sucumbência no
processo do trabalho “acaba por constituir, em verdade, uma verdadeira
barreira ao acesso à ordem jurídica justa”. E sustentava que os dispositi-
vos processuais aplicáveis no âmbito trabalhista (especialmente do CPC
e da Lei n. 1.060/1950) já forneciam plena possibilidade “de se adotar a
sucumbência no processo do trabalho, como forma de concretização do
movimento do acesso à justiça nesta especializada” (SOUTO MAIOR,
1998, p. 134-142).
Bem-vinda, pois, a novidade, não fosse a malsinada regra
inserida no § 4º do art. 791-A, a permitir a “compensação” dos honorá-
rios de sucumbência do advogado do empregador com o crédito recebido
pelo trabalhador, “ainda que em outro processo” e mesmo que consiga o
benefício da justiça gratuita. Um despropósito!
O legislador reformista copiou literalmente a regra do § 3º
do art. 85 do CPC/2015, segundo a qual ocorre a suspensão da exigibi-
lidade do crédito resultante dos honorários de sucumbência até que o
advogado credor possa demonstrar que o beneficiário da justiça gra-
tuita adquiriu condições materiais de suportar tal despesa, no prazo de
cinco anos após o trânsito em julgado da decisão condenatória. Ainda
que no processo do trabalho o prazo tenha sido reduzido a dois anos,
prazo geral da prescrição trabalhista, não se trata de regra benéfica ao
trabalhador, que poderá ter descontado de seu crédito de natureza ali-
mentar valor suficiente ao pagamento dos honorários de sucumbência em
prol do advogado do empregador. Lógico que, decorridos esses dois anos
sem a referida demonstração, dá-se o fenômeno da prescrição intercor-
rente, extinguindo-se a obrigação do trabalhador, beneficiário da justiça
gratuita.
Como advertimos alhures, até aí nenhuma novidade, por-
quanto essa já era a diretriz desde a edição da Lei n. 1.060/1950 (art.
12). O problema fica por conta da matreira intromissão de uma regra de
“compensação” logo no início do citado § 4º, permitindo-se que os cré-
ditos obtidos pelo trabalhador no julgamento da demanda, “ainda que
em outro processo”, possam ser “compensados” para o pagamento do
advogado da parte contrária. E se os créditos obtidos forem de natu-
reza nitidamente salarial, como saldo de salário e verbas rescisórias? E se
essas verbas nem sequer tiverem sido objeto de controvérsia? Imaginem
a situação do trabalhador que se viu forçado a contratar advogado para
demandar seu ex-empregador a fim de receber aquelas sagradas verbas,
diante de seu latente estado de necessidade, e resolve postular indeni-
zação por dano moral por conta dessa situação de penúria, mas o juiz
92 Revista do Tribunal Regional do Trabalho da 15ª Região, n. 55, 2019

entende que não há dano moral no caso. Exemplo: a) trabalhador ganha


a demanda de R$ 5.000,00 de saldo de salário e verbas rescisórias; b) mas
sucumbe em relação à indenização de dano moral, sendo condenado a
pagar 15% de R$ 50.000,00 = R$ 7.500,00; c) ele não receberá os incon-
troversos R$ 5.000,00, e ainda ficará devendo R$ 2.500,00 de honorários
de sucumbência. Situação tão esdrúxula que não poderia ser aceita pela
jurisprudência trabalhista (SILVA; DIAS; FELICIANO; TOLEDO FILHO,
2018, p. 310).
No entanto, se vingar a tese da plena possibilidade de “com-
pensação” do crédito do trabalhador com os honorários de sucumbência
do advogado do empregador, há de se ter em conta que até a vigência
da nova lei os trabalhadores não tinham qualquer preocupação quanto
a eventual sucumbência - e menos ainda com a possibilidade de “com-
pensação” -, porque a insistente jurisprudência trabalhista era no sentido
de não haver condenação em honorários de sucumbência na Justiça do
Trabalho, em casos gerais de demandas típicas das relações de emprego
(Súmula n. 219, I e IV, do TST). Como poderia agora ser surpreendido
com uma nova lei que lhe imponha esse pesado fardo?! Seria uma sur-
presa inaceitável. Daí que a doutrina e a jurisprudência hão de encontrar
um caminho de equidade para essa drástica situação. De modo que a
condenação em honorários de sucumbência no processo do trabalho não
pode ser imposta nos processos em curso, ou, pelo menos, nos proces-
sos que já se encontram em grau avançado de percurso (SILVA; DIAS;
FELICIANO; TOLEDO FILHO, 2018, p. 310).
Não é só. Também para o empregador pode haver uma desa-
gradável surpresa caso a Justiça do Trabalho resolva, no curso de processo
instaurado anteriormente à vigência da Lei da Reforma Trabalhista,
aplicar as novas regras e condená-lo ao pagamento de honorários de
sucumbência. Imagine-se a situação do pequeno empresário que viu seu
negócio ruir, dispensou seus empregados e não teve condições de honrar
o pagamento das verbas rescisórias e de outros direitos dos trabalhado-
res, diante da difícil situação financeira por que passava a empresa no
período que antecedeu a “quebra”. Em defesa, ele nem contestou, por
lealdade, a dívida de saldo de salário, verbas rescisórias, diferenças de
FGTS e da integralidade da multa de 40%; impugnou parte dos horários
de trabalho, mas admitiu que não tinha condições de pagar as horas extras
devidas; admitiu que havia insalubridade no meio ambiente de trabalho
e fez acordo processual para pagar 20% sobre o salário-mínimo; contudo,
recorreu da sentença porque havia sido condenado também ao paga-
mento de indenização por dano moral em valor muito alto. Imagine-se
sua surpresa ao ver, em sede recursal, o tribunal afastar a condenação
por dano moral, mas lhe aplicar uma condenação de 15% sobre o valor
da liquidação, quanto a todas as demais verbas, a título de honorários de
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sucumbência. Se ele já estava com dificuldades para honrar o pagamento


das tantas verbas objeto de condenação e recorreu porque na época não
havia aplicação de honorários de sucumbência na Justiça do Trabalho,
matéria sumulada (Súmula n. 219 do TST), por que ser surpreendido
dessa maneira?
Urge, portanto, que a jurisprudência busque uma solução
justa para essa complexa questão, com fundamento nas teorias do direito
transitório, mas fazendo opção pela que não cause às partes sensação de
severa injustiça. Na sequência, pois, a análise dessas teorias.

3.1 Data do ajuizamento da ação ou data da sentença?

A partir de qual momento se poderia cogitar da aplicação das


novas regras a respeito dos honorários de sucumbência? Essa intrincada
questão de direito intertemporal ou de direito transitório encontra duas
teorias de maior aceitação:
1ª) teoria da sucumbência, de Chiovenda - segundo essa
teoria, o marco temporal para a aplicação do regramento relativo aos
honorários de sucumbência é a data da prolação da sentença, tendo em
vista tratar-se a imposição de tais honorários de uma punição ao deman-
dante que litiga sem razão, sem ter o direito material postulado (princípio
da sucumbência), sendo a sentença de natureza constitutiva do direito
aos honorários de sucumbência. Tendo a parte sucumbido em sua pre-
tensão, deve arcar com os honorários do advogado da parte contrária.
De outra mirada, se a sentença já tinha sido prolatada ao tempo da lei
anterior, é a disciplina desta que deve ser aplicada até o final do pro-
cesso, ainda que a lei posterior venha reduzir ou aumentar o campo de
atuação em torno da questão. Foi o que ocorreu com o novo Código de
Processo Civil, que ampliou as situações em que devidos honorários de
sucumbência no processo civil (art. 85, §§ 1º e 11), além de impor uma
tabela (faixas) de percentuais de honorários de sucumbência em relação à
Fazenda Pública (§ 3º do citado art. 85):

Nesse sentido decidiu o STJ em relação ao novo


Código de Processo Civil, no julgamento do REsp
n. 1.465.535/SP, em 21 de junho de 2016, por sua 4ª
Turma. Após identificar que se tratava de um instituto
de direito processual-material, a 4ª Turma, no citado
recurso, ‘elegeu a sentença como marco processual a
separar a incidência do Código antigo da do Código
novo’. (NÓBREGA, 2016);

2ª) teoria da causalidade - por essa teoria, o marco tempo-


ral para a aplicação do novo regramento a respeito de honorários de
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sucumbência é a data do ajuizamento da ação, não importando se já


houve decisão de fundo no processo. Ora, se a condenação em honorá-
rios de sucumbência decorre da ideia de punição ao demandante que
não sopesou adequadamente os riscos do processo, devendo, por isso,
ao sucumbir em sua pretensão, arcar com todas as despesas processuais,
inclusive honorários de sucumbência, deve ser aplicada a lei do tempo da
demanda, porque é nesse momento que o demandante sopesa os riscos
do processo, tomando em conta todas as despesas que terá de supor-
tar caso não saia vencedor, como custas, emolumentos, honorários de
perito e, principalmente, honorários de sucumbência. De tal modo que
ele não pode ser surpreendido posteriormente, recebendo “castigo” supe-
rior ao que divisara quando da propositura da demanda (SILVA; DIAS;
FELICIANO; TOLEDO FILHO, 2018, p. 311).
Já bastante difundido que no âmbito do Superior Tribunal de
Justiça prevalece a primeira teoria, que é amplamente majoritária na jus-
tiça comum. No entanto, a situação é completamente distinta da que se
passa na Justiça do Trabalho. Lá desde sempre houve aplicação do prin-
cípio da sucumbência e todos os códigos de processo sempre contiveram
extenso regramento sobre as hipóteses de cabimento da condenação em
honorários de sucumbência, dos percentuais aplicáveis e de outras situa-
ções jurídicas conexas. Tão extensa é a problemática relacionada aos
honorários de sucumbência que o CPC de 2015 contém uma normativa
demasiadamente ampla sobre a matéria, não somente no seu art. 85 e
dezenove parágrafos, mas também nos arts. 86 e 87, bem como em inúme-
ras outras passagens do Estatuto Processual.
Se no processo comum já causa certa surpresa que o Judiciário
mande aplicar as novas regras a processos em curso quando da entrada
em vigor no novo CPC, a menos que já houvesse sentença prolatada, não
é difícil imaginar o caos jurídico que poderia ocorrer caso a Justiça do
Trabalho resolva aplicar o novo regramento do art. 791-A e §§ da CLT - e
ainda subsidiariamente outras regras do CPC - aos processos trabalhistas
em curso, quando ambas as partes sequer divisavam essa possibilidade
quando da propositura ou contestação da demanda.
Ademais, mesmo no processo civil a doutrina tem sustentado
que, a despeito de o STJ ter definido que o marco temporal para a ques-
tão é a data da prolação da sentença - porque é nesta que o crédito aos
honorários de sucumbência é constituído, motivo pelo qual seria possível
utilizar o novo regramento do CPC/2015 para as condenações em sen-
tenças ainda não proferidas em 18 de março de 2016, data do início da
vigência do novo CPC -, em nome do princípio da causalidade, o marco
temporal deve ser a data do ajuizamento da demanda.
Com efeito, se o demandante é punido ao pagamento de
honorários de sucumbência porque deu causa ao processo - como autor,
Revista do Tribunal Regional do Trabalho da 15ª Região, n. 55, 2019 95

réu ou terceiro interveniente, em sede de ação ou reconvenção -, ele não


pode ser surpreendido com regramento que piora sua situação jurídica,
não imaginada quando do sopesamento dos riscos de se demandar em
Juízo.
Guilherme Pupe da Nóbrega cita lição de Yussef Said Cahali,
que em 1978 procurou demonstrar a insuficiência da teoria da sucum-
bência em seu livro Honorários advocatícios (Revista dos Tribunais),
afirmando que:

[…] a raiz da responsabilidade está na relação causal


entre o dano e a atividade de uma pessoa. Esta rela-
ção causal é denunciada segundo alguns indícios,
o primeiro dos quais é a sucumbência; não há, aqui,
nenhuma antítese entre o princípio da causalidade e a
regra da sucumbência como fundamento da responsa-
bilidade pelas despesas do processo: se o sucumbente
as deve suportar, isto acontece porque a sucumbên-
cia demonstra que o processo teve nele a sua causa.
(NÓBREGA, 2016).

No processo do trabalho essa teoria é ainda mais necessária,


porque neste sequer havia condenação em honorários de sucumbência
nas lides derivadas das relações de emprego. Seria um atentado sur-
preender o trabalhador com a possibilidade de “compensação” de seus
créditos para o pagamento dos honorários de sucumbência do advo-
gado do empregador, em caso de sucumbência recíproca, que é a regra
generalíssima na Justiça do Trabalho. Ainda que ele tenha um enorme
sucesso e consiga sair vencedor em todas as suas pretensões, o que é
raríssimo, em verdade ele não tinha a menor expectativa de que seu
advogado pudesse receber honorários de sucumbência porque o insti-
tuto, repita-se, era inaplicável no processo do trabalho (Súmula n. 219
do TST).
Nesse sentido, Fabrício Lima Silva, com amparo, inclusive, na
teoria dos jogos:

Neste ponto, importante a invocação da Teoria dos


Jogos em âmbito processual. Segundo esta teoria, ao
se compreender o processo como um jogo, em que
também são esperados comportamentos de coopera-
ção, disputa e conflito, em que o resultado não depende
somente do fator sorte, mas da performance dos jogado-
res em face do Estado Juiz. (SILVA, 2017a).

Ou seja, é preciso conhecer as regras do jogo antes do início da


partida. Continua o referido autor:
96 Revista do Tribunal Regional do Trabalho da 15ª Região, n. 55, 2019

As condutas dos atores processuais, assim como nos


jogos, são tomadas conforme as regras pré-estabeleci-
das para o jogo.
Portanto, é imprescindível que [a] parte tenha ciência
das consequências jurídicas do ajuizamento do pro-
cesso ou da defesa apresentada, com a possibilidade
de previsibilidade para avaliação das condutas proces-
suais a serem adotadas.
Não seria razoável que o trabalhador ou a empresa,
que tivessem ajuizado o processo ou apresentado
defesa, enquanto vigente a legislação que não estabe-
lecia a obrigatoriedade de pagamento de honorários
advocatícios de sucumbência no âmbito da Justiça do
Trabalho, fossem surpreendidos com a condenação ao
pagamento da referida parcela em benefício da parte
contrária, com a aplicação do novo art. 791-A da CLT.
Tal conduta implicaria em afronta ao disposto no art.
10, CPC/15, com a configuração de decisão surpresa
e violação aos princípios da segurança jurídica e do
devido processo legal. (SILVA, 2017a).

E, como já pontuado, também o empregador pode ser dura-


mente penalizado caso seja condenado ao pagamento de honorários de
sucumbência que, ao tempo da contestação, da audiência ou do recurso,
não imaginava ser possível. Dito de outra maneira, se o empregador
soubesse que poderia haver essa condenação, aumentando em até 15%
o valor de seu débito, poderia ter avaliado melhor a possibilidade de
celebrar um acordo. Igualmente, poderia ter sopesado um pouco mais
o risco de recorrer, porque poderá obter a absolvição da condenação de
uma verba cuja imposição considera totalmente injusta, mas, em con-
trapartida, diante do recurso adesivo do trabalhador, ser condenado ao
pagamento de honorários de sucumbência sobre todos os demais capí-
tulos da condenação:

Como observamos alhures, em boníssima hora o E.


Tribunal Superior do Trabalho normatizou que ‘a con-
denação em honorários advocatícios sucumbenciais’,
no processo do trabalho, ‘será aplicável apenas às ações
propostas após 11 de novembro de 2017’, subsistindo,
nas demandas ajuizadas anteriormente a esta data, ‘as
diretrizes do art. 14 da Lei n. 5.584/1970 e das Súmulas
n. 219 e 329 do TST’, no art. 6º da Instrução Normativa
n. 41/2018.
Para nosso gáudio, foi exatamente a tese que sus-
tentamos na 1ª edição desta obra, na companhia da
melhor doutrina a respeito do tema. (SILVA; DIAS;
FELICIANO; TOLEDO FILHO, 2018, p. 313).
Revista do Tribunal Regional do Trabalho da 15ª Região, n. 55, 2019 97

Convém, pois, definir com clareza os fundamentos pelos


quais deve prevalecer a tese da não aplicação do novo regramento às
demandas propostas até o dia 10.11.2017, não somente por um senso de
equidade - que já seria o bastante -, mas também porque assim recomenda
a lógica do razoável, que deveria nortear toda interpretação jurídica, em
especial a relacionada ao direito transitório.

3.1.1 A teoria do mínimo existencial

O primeiro fundamento a ser esgrimido é o que toca à ideia


do mínimo existencial, uma máxima no campo do direito internacional
dos direitos humanos. Ora, se o trabalhador tem, para além dos direitos
fundamentais inerentes à sua condição humana - os chamados direitos
de liberdade ou de primeira dimensão -, direitos socais imprescindíveis
no megacampo da relação de trabalho, não pode o legislador editar uma
lei que suprima tais direitos e, se o fizer, cabe ao intérprete mais desta-
cado - o juiz, considerando-se que sua primeira tarefa é a de assegurar a
plenitude dos direitos fundamentais - encontrar no vasto arcabouço das
teorias jurídicas, teses que invalidem a normativa recente, ou que pelo
menos amenizem seus efeitos deletérios. Em suma, se o trabalhador tiver
que suportar a retirada de valores de créditos de natureza eminentemente
alimentar para satisfazer o crédito de honorários de sucumbência em prol
do advogado do empregador - a despeito de sua natureza igualmente
alimentar -, isso, ao fim e ao cabo, implica em retirada de valores bási-
cos, essenciais à sobrevivência digna do trabalhador e de sua família.
Isso, por certo, desencadeará uma grave violação à garantia do mínimo
existencial.
Como se trata de uma doutrina densa, permito-me transcre-
ver neste breve artigo uma síntese da explanação que fiz em obra na qual
tratei do tema (SILVA, 2008, p. 73-78):

Procurando identificar esse mínimo existencial social,


Robert Alexy (ALEXY, 2002, p. 495) se refere ao direito
a uma moradia simples, à educação escolar, a uma
formação profissional e a um standard mínimo de assis-
tência médica. Cançado Trindade (TRINDADE, 1993,
p. 99-100) faz alusão a ‘grupos vulneráveis’, aos quais
o direito internacional dos direitos humanos deve pro-
piciar uma proteção especial, diante da urgência do
atendimento de suas necessidades humanas básicas. E
anota: ‘Com efeito, a formulação do conceito de neces-
sidades básicas (basic needs) remonta à Conferência
Mundial da OIT sobre Emprego, Distribuição de
Renda e Progresso Social, realizada em Genebra em
98 Revista do Tribunal Regional do Trabalho da 15ª Região, n. 55, 2019

junho de 1976, com a participação de delegações tri-


partites (representantes de governos, empregadores e
empregados) de 121 Estados-membros. Ante o alar-
mante problema global do empobrecimento de vastos
segmentos da humanidade (pobreza e desemprego), a
Conferência desenvolveu a idéia central de que as polí-
ticas de desenvolvimento econômico e social devem
redirecionar-se para o atendimento das necessidades
básicas das populações’.
Definiu-se que as necessidades básicas compreendem
uma alimentação adequada, moradia, vestuário, água
potável, saneamento, transporte público, saúde, edu-
cação e acesso à cultura.
[...] A satisfação dos chamados direitos sociais, na
implantação de um autêntico Estado social de Direito,
é o caminho mais seguro para a concretude da teoria
do mínimo existencial. Pelo menos a satisfação dos
direitos básicos dos trabalhadores, empregados ou
não, aqui incluídos os benefícios previdenciários, bem
como do direito à saúde - e em particular do direito
à saúde dos trabalhadores - e do direito à educação
gratuita no nível fundamental. Sem a realização dos
direitos sociais que configuram o chamado patamar
civilizatório mínimo, na feliz expressão de Mauricio
Godinho Delgado (DELGADO, 2005, p. 1321), não há
falar em direitos humanos ‘sociais’ ou de ‘segunda
geração’, os quais desempenham dupla função, de
limitar a autonomia do mercado e, em conseqüência
disso, de materializar a justiça distributiva, especial-
mente por meio de um sistema de prestações e serviços
públicos, para a satisfação das necessidades básicas da
população.
[...] Em suma, pode-se afirmar que a Constituição
brasileira definiu muito bem o tal mínimo existen-
cial social, quando no seu art. 6º consagrou os direitos
sociais à educação, à saúde, ao trabalho, à moradia, ao
lazer, à segurança (social), à previdência social, à prote-
ção da maternidade e da infância, e ainda à assistência
social aos desamparados. Mais rigorosa ainda quando
elencou as necessidades vitais básicas dos trabalha-
dores, urbanos e rurais, e de sua família, no inciso IV
do seu art. 7º, as quais são identificadas como sendo a
moradia, a alimentação, a educação, a saúde, o lazer, o
vestuário, a higiene, o transporte e a previdência social,
razão pela qual o salário-mínimo fixado por lei deve-
ria atender a todas estas necessidades, simplesmente
porque vitais.

Bem se vê, portanto, que, na medida em que valores que


seriam destinados ao pagamento de saldo de salário, verbas rescisórias e
até mesmo horas extras e demais adicionais legais - verbas cuja natureza
Revista do Tribunal Regional do Trabalho da 15ª Região, n. 55, 2019 99

alimentar é indiscutível - sejam destinados ao pagamento de honorários


de sucumbência em favor do advogado do empregador - na sucumbên-
cia recíproca -, isso implica, ao fim das contas, em retirada de valores do
patrimônio mínimo do trabalhador. Por isso, ainda que se entenda cons-
titucional essa “compensação”, ela não pode, em absoluto, ser aplicada
nos processos que já estavam em curso quando da entrada em vigor do
art. 791-A e §§ da CLT, porque, repita-se uma vez mais, o trabalhador não
tinha a menor ideia de que, mais tarde, poderia ser punido pela sucum-
bência em parte dos pedidos formulados.
Não por outra razão, um dos principais fundamentos pelos
quais se postula a declaração de inconstitucionalidade do § 4º do art.
791-A referido é justamente a grave violação à garantia do mínimo exis-
tencial. Nos termos da ADI 5766:

[…] créditos trabalhistas auferidos em demandas pro-


postas por trabalhadores pobres assumem caráter de
mínimo existencial, compatível com o princípio cons-
titucional da dignidade humana (art. 1º, inciso III) [da
CF/1988]. ‘Essas verbas trabalhistas, marcadas pelo
caráter alimentar, não diferem das prestações estatais
de direitos sociais voltadas à garantia de condições
materiais mínimas de vida à população pobre, a que
o STF confere natureza de mínimo existencial’, destaca
[o ex-Procurador-geral da República Rodrigo Janot].
(BRASIL, 2017).

3.1.2 Os princípios da causalidade e da vedação da decisão surpresa

O segundo fundamento é o próprio princípio da causalidade,


de ordem processual, já estudado anteriormente. Ora, a ideia de sucum-
bência tem como premissa básica uma certa punição ao demandante que
não tinha razão, como autor, réu ou terceiro interveniente, por onerar a
parte contrária com despesas processuais e fazê-la suportar as agruras
de um processo judicial, moroso e repleto de armadilhas formais, bem
como por ocupar tempo indevido do Judiciário, assoberbado de proces-
sos de modo a não cumprir sua missão a tempo e modo. Destarte, não está
na própria sucumbência o fundamento essencial da base da condenação,
mas na própria origem da demanda ou da resistência à postulação, ou
seja, na própria causa do processo - por isso, princípio da causalidade,
tão pouco estudado no segmento justrabalhista, talvez porque ainda não
houvesse a aplicação genérica do princípio da sucumbência antes da Lei
da Reforma Trabalhista.
Em certa medida, quando o juiz aplica o regramento novo
sobre honorários de sucumbência num processo em que a expectativa a
100 Revista do Tribunal Regional do Trabalho da 15ª Região, n. 55, 2019

essa condenação fosse ínfima, colhe a parte sucumbente de surpresa, até


porque toda a discussão travada anteriormente partia de uma premissa
completamente distinta - teses a favor ou contra a aplicação da Súmula
n. 219 do TST -, pois, por óbvio, a discussão sobre o regramento do art.
791-A e §§ só teve início com a Lei da Reforma Trabalhista, não antes de
sua vigência, nos casos concretos.
Daí que o terceiro fundamento é justamente o princípio da
vedação da decisão surpresa, insculpido como norma fundamental de
todo o sistema processual brasileiro, mais precisamente nos arts. 9º e 10
do CPC/2015. Sobre esse importante princípio, assim tem se manifestado
a doutrina:

Os arts. 9º e 10 do NCPC também inovam na ordem


legal processual civil, não tendo equivalentes perfeitos
no CPC de 1973. E, na mesma linha do art. 7º do NCPC
(supra), recrudescem a garantia do contraditório no
contexto das decisões judiciais. Sua finalidade básica
é evitar as ‘decisões-surpresa’ (também denominadas
de ‘decisões de terceira via’). (WAMBIER; DIDIER JR.;
TALAMINI; DANTAS, 2015, p. 81).

Pela literalidade do texto do art. 9º, nenhuma decisão


prejudicial aos interesses de uma das partes proces-
suais poderia ser prolatada sem a prévia oitiva dessa
mesma parte. Em decisões judiciais que imponham
alguma sucumbência, portanto, o contraditório have-
ria de ser sempre prévio, ressalvadas três exceções:
(a) as tutelas de urgência (arts. 300 a 310 do NCPC);
(b) as tutelas de evidência, mas somente aquelas pre-
vistas no art. 311, II e III [...];
(c) a decisão prevista no art. 701 do NCPC [= man-
dado liminar em ação monitória]. (SILVA; DIAS;
FELICIANO; TOLEDO FILHO, 2016, p. 35-36).

Como não há espaço para nenhuma das três exceções na ques-


tão ora analisada, a toda evidência, o juiz, desembargador ou ministro
que pretenda impor condenação em honorários de sucumbência nos pro-
cessos que já estavam em andamento em 11.11.2017 deverá, no mínimo,
oportunizar às partes manifestação prévia sobre a temática, para somente
depois impor a condenação ao pagamento de honorários de sucumbência.
Assim, não haveria surpresa à parte sucumbente, que desde logo e com
mais tempo ao preparar seu recurso contra a decisão respectiva, poderia
explanar todos os seus argumentos contrários à condenação, tendo asse-
gurado, portanto, o princípio do contraditório.
Revista do Tribunal Regional do Trabalho da 15ª Região, n. 55, 2019 101

3.1.3 A lógica do razoável

Poder-se-ia trazer à colação ainda um fundamento de ordem


hermenêutica, por não ser nada razoável que se aplique uma legislação
punitiva de forma retroativa. Todas as regras de hermenêutica caminham
na direção de impedir essa aplicação. A razão fundamental de se impor a
condenação em honorários de sucumbência é a de impor uma penalidade
ao demandante que não tinha razão jurídica, mas por ter dado causa à
demanda, conforme já exposto em linhas pretéritas. Daí que não se mostra
adequado, num sistema de justiça, impor penalidade a quem não tinha
dever legal de prevê-la, simplesmente por desconhecê-la. Mais, por estar
respaldado por entendimento sumular da mais alta Corte Trabalhista, ex
vi de sua Súmula n. 219, tantas vezes aqui mencionada. A interpretação
há de ser coerente e justa:

A propósito, o grande jusfilósofo Recaséns Siches


(SICHES, 1959, p. 660-663) propõe que ‘a única propo-
sição válida que pode ser emitida sobre a interpretação
é a de que o juiz, em todos os casos, deve interpretar a
lei precisamente do modo que conduza à solução mais
justa para resolver o problema apresentado à sua juris-
dição’. De modo que o exercício do logos de lo razonable
ou de lo humano, ‘aplicado à interpretação jurídica,
supera a pluralidade de métodos’ de interpretação.
Diante de qualquer caso, fácil ou difícil, o juiz deve
proceder com bom-senso, verificando a realidade e os
sentidos dos fatos, buscando os valores nos quais se
inspira o ordenamento jurídico positivo, ou até mesmo
complementando esses valores, com a produção de
outros, em harmonia com o referido sistema. E, assim,
conjugando todos esses princípios, chegar a uma solu-
ção satisfatória, considerando-se como tal a decisão
no sentido ‘do que o ordenamento jurídico considera
como senso de justiça’. O cerne da questão está, pois,
em compreender que o conteúdo jurídico das normas
prescritivas, proibitivas ou permissivas não pertence
‘ao pensamento regido pela lógica de tipo matemá-
tico, pelo racional’, mas a outro campo do pensamento,
que está regido por outro tipo de lógica, pela lógica de
lo razonable, de lo humano ou da razão vital e histórica.
(SILVA, 2017b, p. 182-186).

Se assim deve ser com a interpretação do sentido e alcance


das normas de caráter prescritivo, proibitivo ou permissivo, quanto mais
com a averiguação das normas punitivas, ainda mais quando se trata de
uma questão relacionada ao direito intertemporal. Portanto, o que se deve
buscar nessa temática é a interpretação razoável, justa, equânime.
102 Revista do Tribunal Regional do Trabalho da 15ª Região, n. 55, 2019

3.1.4 O princípio da dignidade humana

Enfim, exsurge o fundamento ontológico de todo o sistema


jurídico, o princípio da dignidade humana. Por mais que soe estranho
invocar esse princípio geral, havendo ainda a crítica de que ele não deve
ser invocado de maneira açodada, como se fosse um remédio para todos
os males do jurídico, toda vez que a interpretação da norma - ou de sua
aplicação no tempo - conduza a um estrangulamento de direitos fun-
damentais, sobretudo se essenciais à sobrevivência digna das pessoas,
haverá espaço para se buscar o princípio-guia, por não ser aceitável sua
violação.
Nem se objete que se trata de uma questão processual, pri-
meiro, porque os honorários de sucumbência pertencem ao campo do
chamado direito material-processual; segundo, porque, na realidade
cruenta da vida, a fatia suprimida do crédito alimentar do trabalhador
para o adimplemento dos honorários de sucumbência do advogado do
empregador - em processos nos quais ele jamais poderia imaginar tal
situação jurídica, repita-se quantas vezes for necessário - implica, de fato,
em supressão de parte considerável de ingressos imprescindíveis à sua
sobrevivência digna e de sua família, como já se afirmou.
Enfim, por todos esses fundamentos, penso que a condena-
ção em honorários de sucumbência no processo do trabalho somente
será possível nas ações aforadas a partir de 11.11.2017. Do contrário,
insistindo-se pura e simplesmente no princípio da sucumbência, o juiz
do trabalho estará atentando contra o princípio da causalidade, o prin-
cípio da vedação da decisão surpresa (art. 10 do CPC/2015), a garantia
inerente ao mínimo existencial e, em último grau, contra o princípio
da dignidade humana (SILVA; DIAS; FELICIANO; TOLEDO FILHO,
2018, p. 312).

3.2 Honorários de sucumbência na fase recursal

A despeito dos fundamentos antes analisados, pode ser que


a jurisprudência incline-se pela aplicação imediata do regramento do art.
791-A e §§ da CLT aos processos em curso, desafiando uma análise mais
acurada das teorias aplicáveis nas fases processuais subsequentes, mor-
mente nas fases recursal e de cumprimento de sentença (ou de execução).
Neste tópico, passo ao exame da primeira questão. No seguinte, virá a
investigação quanto ao procedimento executivo.
No que concerne ao direito transitório, a fase recursal nor-
malmente é regida pela lei vigente ao tempo da publicação (entrega) da
decisão objeto de recurso.
Revista do Tribunal Regional do Trabalho da 15ª Região, n. 55, 2019 103

Nery observa que há duas situações a serem observadas:


1ª) quanto ao cabimento e à admissibilidade do recurso aplica-se a lei
vigente à época da prolação da decisão, explicando que a data da deci-
são de primeiro grau é a da entrega em cartório (e não a da publicação no
diário oficial), enquanto o marco temporal em segundo grau é a data da
sessão de julgamento; 2ª) quanto ao procedimento aplicável, o recurso é
regido pela lei vigente na data da efetiva interposição do recurso (NERY
JUNIOR; NERY, 2015, p. 228-229).
Com efeito, tratando-se o recurso de uma retomada do curso
do processo em direção à instância superior - em regra - para que nesta
se possa rever a decisão anteriormente tomada, questionada quanto à
sua validade e/ou correção material - postulações de anulação e/ou de
reforma -, não podem as partes ser surpreendidas com a supressão de
possibilidade recursal quando já prolatada a decisão. Em tempos de PJe -
Processo Judicial eletrônico - de se entender como data da decisão aquela
na qual o texto respectivo é inserido no sistema, não a data da publicação,
como adverte Nelson Nery. Tampouco se pode alterar o procedimento
recursal depois de já interposto o recurso. Daí que, interposto o recurso
no processo do trabalho, antes de 11.11.2017, não se poderia, em absoluto,
aplicar o novo regramento de honorários de sucumbência no processo
em curso, pelos mesmíssimos fundamentos já amplamente investigados
nos tópicos anteriores. Seria uma surpresa desagradável ao recorrente e/
ou ao recorrido, que não tinham a menor expectativa, até então, de serem
apenados com mais essa despesa processual:

A propósito, a respeito de custas e depósito recursal,


o Pleno do Tribunal Superior do Trabalho, nos arts. 4º
e 20 da Instrução Normativa n. 41/2018, disciplinou
que: 1º) a regra do art. 789, caput, da CLT será aplicá-
vel tão somente às decisões - interlocutórias, sentenças,
acórdãos - ‘proferidas a partir da entrada em vigor da
Lei n. 13.467/2017’, no que se refere às custas proces-
suais (art. 4º); 2º) a longa normativa dos §§ 4º, 9º, 10 e
11 do art. 899 da CLT - com a redação dada pela Lei
da Reforma Trabalhista -, deverá ser observada apenas
quando se tratar de ‘recursos interpostos contra as deci-
sões proferidas a partir de 11 de novembro de 2017’.
Bem se vê, portanto, que a data da decisão - e não de
sua publicação no Diário Oficial - é que será tomada
em conta para se averiguar questões relativas a custas
- limite máximo - e depósito recursal - conta para
depósito, correção monetária, redução pela metade ou
isenção e, ainda, substituição por fiança bancária ou
seguro garantia judicial. (SILVA; DIAS; FELICIANO;
TOLEDO FILHO, 2018, p. 30).
104 Revista do Tribunal Regional do Trabalho da 15ª Região, n. 55, 2019

A respeito dos honorários de sucumbência na fase recursal, o


mesmo norte interpretativo deveria ser utilizado.
Friso: se a sentença foi prolatada a partir de 11.11.2017, a se
adotar o princípio da sucumbência como único fundamento para a solução
da intrincada questão de direito transitório, poderia ser aplicado o novel
regramento, como tem decidido o STJ; nesse caso, por óbvio, seguindo o
tribunal a mesma linha de raciocínio jurídico, poderia também aplicar as
novas regras. E seria possível, adotando-se esse fundamento exclusivo, ao
tribunal aplicar essas regras no recurso interposto a partir de 11.11.2017,
ainda que a sentença não as tivesse aplicado anteriormente. Contudo, o
tribunal jamais poderia aplicar o regramento do art. 791-A e §§ aos recur-
sos interpostos até 10.11.2017, porque no procedimento respectivo não
havia a menor expectativa de que, de súbito, fosse a instância superior
apenar o recorrente - ou o recorrido - com a condenação em honorários de
sucumbência. Se a parte pudesse antever essa situação, poderia optar por
não interpor o recurso cabível.
É uma questão de justiça, não somente de regramento proces-
sual aplicável.

3.3 Honorários de sucumbência na fase de execução

Quanto ao procedimento executivo, interessantes questões


surgem quanto ao direito intertemporal, nessa matéria dos honorários de
sucumbência.
Em se tratando de processo de execução em sentido estrito,
por exemplo, a execução de termo de conciliação firmado junto à comis-
são de conciliação prévia, valem os mesmos fundamentos expostos
anteriormente quanto à data do ajuizamento da ação. Se o processo de
execução teve início antes de 11.11.2017, não há falar em honorários de
sucumbência nos moldes do novo regramento da CLT; se a partir daquela
data, as partes já sabiam da vigência das novas regras. E essa diretriz apli-
ca-se à execução de qualquer título executivo extrajudicial, não havendo
espaço neste breve artigo para se enfrentar a questão de serem devidos ou
não honorários de sucumbência nas demandas propostas pelo Ministério
Público do Trabalho e pela União.
Poder-se-ia objetar que o legislador reformista não tratou
de honorários de sucumbência na fase executiva, tanto que os parâme-
tros para a condenação referem-se basicamente ao valor da liquidação
da sentença, do proveito econômico obtido, ou ao valor atualizado da
causa (caput do art. 791-A). Assim, não haveria o menor espaço para con-
denação em honorários de sucumbência no procedimento executivo, nem
mesmo nas ações cognitivas propostas incidentalmente na execução.
Teria havido um silêncio eloquente do legislador.
Revista do Tribunal Regional do Trabalho da 15ª Região, n. 55, 2019 105

De partida, contra esses argumentos, de se pontuar um dado


histórico. De todos sabido que a Lei da Reforma Trabalhista foi apro-
vada em tempo recorde, sem qualquer discussão com a sociedade ou com
os atores sociais que militam na Justiça do Trabalho. Trata-se, em ver-
dade, de uma lei feita às pressas, com uma atecnia exuberante, repleta
de contradições, não havendo cientificidade alguma em se afirmar silên-
cio eloquente quanto a essa temática. Segundo, se o propósito era o de
criar maior dificuldade à propositura de demandas, com a pecha de
serem todas aventureiras, não se pode inocentar aquele que propõe uma
demanda executiva sem razão - ou que se defende sem razão alguma -,
devendo, pois, o instituto aplicar-se também nessas demandas. Terceiro,
se o propósito foi o de premiar o advogado da parte que tinha razão,
remunerando-se adequadamente seu trabalho, sobretudo se realizado
com zelo e com emprego de tempo demasiado, não se pode ignorar o
trabalho do advogado que milita nas causas executivas. Imagine-se uma
execução de título extrajudicial proposta pela União, em cujo processo
o advogado da empresa realiza um trabalho impecável, que culmina na
declaração de nulidade ou de inexigibilidade do título, em sede de embar-
gos à execução. Não haveria condenação em honorários de sucumbência
nesse caso?
Alinhada a essa questão, surge a de serem ou não devidos
honorários de sucumbência nos embargos à execução promovida pelo
trabalhador ou na exceção de pré-executividade.
A respeito do tema, tomei uma decisão logo após a vigência
da Lei da Reforma Trabalhista que, não sendo pioneira, talvez tenha sido
uma das primeiras sobre essa intrincada questão. Tomo a liberdade de
transcrevê-la, pois entendo que a sequência de argumentos seja necessá-
ria à compreensão de meu raciocínio jurídico. Eis a decisão:

HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS
A Lei n. 13.467/2017 inseriu o art. 791-A na CLT, pre-
vendo o cabimento de honorários de sucumbência no
processo do trabalho. Penso que a referida condena-
ção somente é possível nas ações aforadas a partir de
11.11.2017 (data da entrada em vigor da nova lei). [...]
Ocorre que, na nova sistemática do processo civil
restou ainda mais claro, após o advento do CPC/2015,
que há possibilidade de o juiz arbitrar honorários de
sucumbência nas fases processuais distintas, seja na
fase recursal, seja na fase de cumprimento de sentença.
Tanto é assim que o § 1º do art. 523 daquele Código
prevê que o réu seja intimado, na pessoa de seu advo-
gado (art. 513, § 2º, I), a pagar o valor da condenação no
prazo de 15 dias, sob pena de multa de 10% e de hono-
rários sucumbenciais de 10% sobre aquele valor.
106 Revista do Tribunal Regional do Trabalho da 15ª Região, n. 55, 2019

Por conta disso, a jurisprudência do C. STJ se enca-


minhou no sentido de que não há possibilidade de
condenação em honorários de sucumbência - ou de
majoração de honorários já arbitrados anteriormente
- na fase de cumprimento de sentença, exatamente
porque esses honorários já são arbitrados no início da
referida fase. De modo que seriam arbitrados honorá-
rios de sucumbência na fase de cumprimento apenas
se o impugnante ou até um eventual excipiente - exce-
ção de pré-executividade - fossem vencedores em sua
pretensão, normalmente de extinção da execução em
face de si. Além disso, a jurisprudência admite a majo-
ração daqueles honorários de 10%, caso o réu pratique
artimanhas para furtar-se ao cumprimento da obriga-
ção, aumentando a carga de trabalho do advogado do
credor.
Acontece que a defesa do executado, no processo do
trabalho, não é feita por simples impugnação, cuja
previsão legal vem inserida no art. 525 do CPC/2015,
mesmo porque a jurisprudência do C. TST não vem aco-
lhendo a aplicação, nesta seara, dos artigos inseridos
no Código de Processo Civil quanto ao cumprimento
definitivo da sentença que reconhece a exigibilidade de
obrigação de pagar quantia certa.
No processo do trabalho, por força do art. 884 da CLT,
a defesa do executado é feita por meio dos embargos à
execução, os quais teriam natureza de ação autônoma
e, sendo assim, entendo cabível, no momento de seu
julgamento, o arbitramento dos honorários de sucum-
bência. Explico: se no início da execução o Juiz do
Trabalho não arbitra honorários de sucumbência para
o caso de o devedor, citado na forma do art. 880 da CLT
ou intimado nos termos do art. 523 do CPC, não pagar
a dívida no prazo de 48 horas ou de 15 dias, respectiva-
mente, não é possível que, uma vez opostos embargos
à execução, demanda incidental de caráter cognitivo, o
juiz não possa arbitrar honorários de sucumbência em
favor do advogado do reclamante, que terá um sobre-
trabalho na defesa de seu cliente, não só na impugnação
aos embargos, mas também ao ter que postular medi-
das executivas na sequência, diante da nova redação
conferida ao art. 878 da CLT.
Dito tudo isso, considerando-se que os presentes
embargos foram opostos em 13.11.2017, é de se aplicar
a diretriz anteriormente explanada.
Sendo assim, observando os critérios estabelecidos no
art. 791-A, § 2º, da CLT, condeno o embargante ao paga-
mento dos honorários advocatícios de sucumbência em
prol do advogado do reclamante, no percentual de 10%.
Considerando que o valor líquido homologado foi
fixado em R$ 144.760,12 e o valor líquido constante dos
Revista do Tribunal Regional do Trabalho da 15ª Região, n. 55, 2019 107

cálculos da ré juntados com os embargos à execução foi


no importe de R$ 98.637,39, entendo que a reclamada é
sucumbente na pretensão de ver o valor da liquidação
diminuído em R$ 46.122,73.
Assim, fixo os honorários de sucumbência, pela ré,
em favor do advogado do(a) reclamante, no valor de
R$ 4.612,27 em 31.7.2017 (data dos cálculos). Observe
a Secretaria.

Em suma, no processo civil não há dúvida quanto ao cabi-


mento de honorários de sucumbência nas execuções de título extrajudicial
(art. 827 e §§ do CPC) e também na fase de cumprimento de sentença (art.
523, § 1º, do CPC). Também não resta dúvida de que os honorários arbi-
trados de início podem ser majorados posteriormente, sobretudo quando
rejeitados os embargos à execução (regra clara do § 2º do citado art. 827).
Já no processo do trabalho não é aplicável sequer a multa de
10% preconizada no § 1º do referido art. 523 - segundo tese jurídica fixada
pelo Pleno do E. TST em sede de IRRR - Incidente de Recurso de Revista
Repetitivo - nos autos do Proc. n. TST-IRR-1786-24.2015.5.04.0000 -, não
sendo possível, portanto, que o juiz do trabalho cite (ou intime) o recla-
mado para pagar a quantia apurada em liquidação de sentença no prazo
legal, sob pena de honorários de sucumbência de 10% sobre o referido
valor. Entretanto, como é largamente sabido, há inúmeros embargos à
execução, no processo do trabalho, opostos muitas vezes para procrasti-
nar a solução definitiva do processo. O índice de rejeição dos embargos
à execução e dos subsequentes agravos de petição é enorme, havendo o
Judiciário de encontrar uma solução hermenêutica que torne mais one-
rosa essa prática de devedores contumazes, além de premiar o advogado
do reclamante que tem um sobretrabalho para impugnar os embargos e
contraminutar os agravos de petição, tendo de explicar a todo momento
ao seu cliente por que, finalmente apurado o valor de seu crédito, ele não
recebe o que a Justiça já reconheceu.
Como se não bastasse, conquanto discutível a natureza jurídica
dos embargos à execução, penso que, no processo do trabalho, eles conti-
nuam tendo a feição de uma ação - ação constitutiva (ou desconstitutiva),
na lição de Manoel Antonio (TEIXEIRA FILHO, 2009, p. 2240) -, quando
menos, de uma demanda cognitiva incidental na fase executiva. Nada
justifica, pois, que não haja condenação em honorários de sucumbência
no julgamento dos embargos à execução opostos a partir de 11.11.2017.
Por coerência, se o trabalhador opuser impugnação à “sentença” de liqui-
dação e sua pretensão revelar-se infundada, também deve arcar com
honorários de sucumbência em favor do advogado do empregador, em
percentual a ser calculado sobre a diferença entre o valor que apresentar
na impugnação e o valor correto da dívida.
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Enfim, na exceção de pré-executividade, tal como se dá no


processo civil - embora lá a medida tenha perdido a sua importância diante
da inexigibilidade de garantia do juízo para a oposição da impugnação,
de acordo com o caput do art. 525 do CPC/2015, a não ser na hipótese do
§ 11 deste mesmo artigo -, de se observar a data da propositura da exce-
ção para que se possa aplicar o novo regramento do art. 791-A e §§ da
CLT. Contudo, somente haverá condenação em honorários de sucumbên-
cia se o excipiente for vencedor, porque nesse caso a decisão teria cunho
de definitividade, desafiando, por isso mesmo, a interposição de agravo
de petição. Se rejeitada a exceção, como é sabido, a decisão seria interlo-
cutória, tanto que a matéria poderia ser renovada em sede de embargos à
execução, nestes, sim, havendo espaço para honorários de sucumbência,
em conformidade com os parâmetros já examinados.

4 CONSIDERAÇÕES FINAIS
De tudo quanto exposto até esta parte, de se concluir que, em
regra, a normativa da Reforma Trabalhista aplica-se aos processos em
curso, a partir de 11.11.2017, sobretudo na fase de conhecimento, em pri-
meiro grau de jurisdição.
Contudo, há de se preservar os direitos adquiridos e as
situações jurídicas consolidadas quando da entrada em vigor da Lei n.
13.467. Por isso, proponho que a doutrina e a jurisprudência criem bar-
reiras de contenção em busca da preservação dos princípios ontológicos
do processo do trabalho, mormente quanto às intrincadas questões que
envolvem o instituto dos honorários de sucumbência.
Com efeito, apesar da inconstitucionalidade da regra que
possibilita a “compensação” do crédito do trabalhador para o pagamento
de honorários de sucumbência em prol do advogado do empregador,
a se admitir essa possibilidade, que a regra seja aplicada somente nas
ações propostas a partir de 11.11.2017, prestigiando-se o princípio da
causalidade, o princípio da vedação da decisão surpresa (arts. 9º e 10
do CPC/2015), a garantia inerente ao mínimo existencial e, em última
medida, o princípio da dignidade humana.
E, para que não haja afronta ao princípio da irretroatividade
da lei, na fase recursal, de se verificar a data da interposição do recurso,
porque o procedimento recursal deve ser regido pela lei vigente nessa
data. Na fase executiva, tratando-se de processo de execução de título
extrajudicial, de se observar a data da propositura da demanda e, nas
demandas incidentais de embargos à execução ou de exceção de pré-exe-
cutividade, o marco para a aplicação do novo regramento do art. 791-A e
§§ da CLT deve ser também a data da oposição da medida impugnativa,
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não sendo adequada a tese de não haver possibilidade de condenação


em honorários de sucumbência nessas demandas, pelos fundamentos já
expostos.
Enfim, é esperar para ver como a jurisprudência trabalhista
vai se comportar quanto a essas delicadas questões, na expectativa de
que a interpretação mais razoável e consentânea com a natureza jurídica
dos institutos e os princípios da celeridade e da efetividade prevale-
çam, recordando-se que a única razão de ser do Direito é a de propiciar o
devido respeito à dignidade da pessoa humana, ainda que com uma dose
de segurança jurídica.

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