EBOOK - Estagio Docente Planejamento e Avaliacao
EBOOK - Estagio Docente Planejamento e Avaliacao
EBOOK - Estagio Docente Planejamento e Avaliacao
PLANEJAMENTO E AVALIAÇÃO:
2
ELÍ TEREZINHA HENN FABRIS
(Organizadora)
ESTÁGIO DOCENTE,
PLANEJAMENTO E AVALIAÇÃO:
3
Copyright © Autoras e autores
Todos os direitos garantidos. Qualquer parte desta obra pode ser reproduzida,
transmitida ou arquivada desde que levados em conta os direitos das autoras e
dos autores.
CDD – 370
4
DEDICATÓRIA/HOMENAGEM
5
6
AGRADECIMENTOS
7
8
SUMÁRIO
Prefácio 11
Maria Isabel da Cunha
Capítulo I 25
ESTÁGIO DOCENTE NO ENSINO SUPERIOR: uma
experiência com o planejamento, avaliação e a artesania
em sala de aula
Elí Terezinha Henn Fabris
Capítulo II 45
PLANEJAMENTO COM PESQUISA NA
EDUCAÇÃO BÁSICA: até onde uma pergunta sem
resposta pode nos levar?
Sandra de Oliveira
Capítulo III 59
ARTESANIA NO ESTÁGIO EM DOCÊNCIA:
Planejamento de Projetos Interdisciplinares
Luciane Frosi Piva e Viviane Catarini Paim
Capítulo IV 85
TORNAR-SE PROFESSOR: o Plano de Aula como
ferramenta para (trans)formação docente
Sabrine Borges de Mello Hetti Bahia e Tiago Locatelli
9
Capítulo V 115
CONHECER AS ESPECIFICIDADES DOS
ALUNOS: uma ferramenta para o planejamento
Vinícius Silveira Borba e Viviane Catarini Paim
Capítulo VI 137
EXPERIÊNCIAS DISCENTES: relações que se
estabelecem entre o alunar e o professorar
Caroline Haussmann e Eduarda Sebastiany
10
PREFÁCIO
11
PREFÁCIO
12
afirmado que todo o conhecimento é autobiográfico e, portanto,
envolve conhecer as condições culturais, cognitivas e emocionais
dos aprendizes; é potencializar os conhecimentos prévios e ancorar
neles as novas aprendizagens.
A experiência que provocou os textos desse livro responde, de
forma situada, a esses desafios. Traz rupturas inovadoras
provocadas por situações não previstas, que redundaram em
importantes aprendizagens para seus protagonistas, docentes e
estudantes.
Inicialmente foi marcada por uma condição inusitada: reunir
numa mesma proposta curricular de formação, estudantes de
graduação das licenciaturas com os que, em nível de doutorado, se
propunham a realizar o Estágio Docência, preconizado pela
CAPES/MEC. Além disso, incorporar no trabalho coletivo duas
docentes em estágio de pós-doutorado que, em condições
diferenciadas, contribuíram com o desenvolvimento da
experiência. Por esse desenho o vivido em si já se mostra
rupturante, afastado das práticas tradicionais, que separam
espaços formativos entre pós-graduação e graduação,
estratificando trajetórias. Ainda que com possíveis diversidades de
papeis, uma unidade de ação se mostrou permanente nas
experiências vividas.
O advento da epidemia do COVID-19 foi outro aspecto que
impactou a experiência, provocando saberes em construção.
Surpreendido inicialmente com seus efeitos na dinâmica
acadêmica, o coletivo docente reagiu e, num processo marcado pela
condição artesanal, lançou-se a novas experiências. Temos já
muitos estudos e relatos sobre o enfrentamento desse desafio na
escolarização e seus efeitos perversos em tantas situações. Mas
também temos a construção de experiências positivas que
impactaram a prática pedagógica nos distintos níveis de ensino,
como os textos que esse livro descreve. Muito se tem apregoado
que há impactos mais permanentes dessa vivência que, mesmo
sendo trágica, veio para ficar nas práticas escolarizadas, em
13
especial pelo uso das tecnologias de informação. Compreendemos
que pelos desafios e dificuldades também se aprende.
Vale ressaltar que o campo disciplinar do Planejamento e
Avaliação se instituiu como elemento chave da formação dos
estudantes dos diferentes níveis acadêmicos. Mais do que uma
proposição didática sobre os elementos e princípios desse fazer
docente, os participantes da experiência foram estimulados a uma
prática situada, tomando espaços e lugares concretos como locus da
construção de seus saberes. E os diferentes textos que compõe esta
obra são o testemunho vivo do que produziram e aprenderam.
A literatura atual introduziu o termo “saberes” para
caracterizar os pensamentos, as ideias, os juízos, os discursos e os
argumentos que obedecem a certas exigências de racionalidade (Tardif,
2002, p. 1990). Para o autor, há racionalidade quando há consciência
do ato exercido, isto é, quando o sujeito é capaz de justificar a sua
ação por meio de razões, procedimentos e discursos. Trata-se de
uma ação complexa, desvelando o ofício do professor como
requerente de múltiplas condições em seu exercício. Entende o
professor como um intelectual que, com base no seu estatuto
profissional, tenha algum grau de autonomia, como a capacidade
de fazer escolhas que envolvem pressupostos éticos, científicos e
pedagógicos.
Encontramos essa condição na experiência que deu origem aos
textos desse livro. Num exercício coletivo de trabalho em duplas,
os estudantes foram gerando saberes a partir de proposições
situadas em seus contextos, lançando mãos de criatividade e
resiliência.
Para os doutorandos se estabeleceu uma condição ímpar de
cumprir o Estágio Docência com uma prática real de partilha e
produção de conhecimentos. Para os estudantes de licenciaturas, a
experiência coletiva e assistida pelo protagonismo de suas
professoras, se instituiu numa condição em que forma se tornou
conteúdo, pois aprenderam vivenciando cada etapa de tomada de
decisões. Como afirmado pela professora Elí Fabris em seu texto
nesse livro, vivemos com os licenciandos o que estamos ensinando.
14
Além dos conteúdos e habilidades desenvolvidas durante a
realização da experiência, a organização desse livro certamente
aguçou sentimentos e provocou saberes e emoções. A homenagem
à inesquecível professora Clarice Traversini é o reconhecimento de
que a docência, sendo uma ação humana, é indubitavelmente
afetiva e amorosa, como nos ensinou Freire (1997).
Convido à leitura dos textos desse livro pela singularidade da
experiência que registra. Dá contornos específicos e inovadores
para a realização do Estágio Docência, preconizado pela legislação,
mas também inspira a capacidade de inovar como parte da
condição humana.
Certamente os desafios contemporâneos para a educação de
professores são muitos e podem sugerir múltiplos formatos
alternativos para sua constituição. Não podem, entretanto, afastar-
se da compreensão da especificidade da formação que inclui a
afetividade, a capacidade crítica e o compromisso social.
Que o diálogo amoroso e epistemológico vivenciado e
registrado nessa obra sirva de permanente estímulo à nossa
profissão.
Referências
15
SOUSA SANTOS, Boaventura. Um discurso sobre a ciência. Porto:
Afrontamento, 1990.
TARDIF, Maurice. Saberes docentes e formação profissional. Petrópolis:
Vozes. 2002.
16
SOBRE ESTE LIVRO
17
SOBRE ESTE LIVRO
18
que esclarece e aumenta o sentido desta e também a nossa aptidão
para dirigirmos o curso das experiências subsequentes” (1959, p.
83). Da mesma forma, nesse grupo entendemos que a experiência
educativa prescinde de alguns cuidados e, entre eles está o que
chamamos de justificativas para que seja desenvolvida: Por que
fazer? Como fazer? Para que fins deve ser realizada? Então, ativa no
sentido de fazer pensar, entendendo que o próprio pensamento é
ação. Por isso nossa aposta no “exercício do pensamento”, tanto
para o planejamento, quanto para as experiências suscitadas por
ele, como para as docências que vão se constituindo nesse saber-
fazer da profissão. Esse entendimento não se refere apenas ao
cognitivo, mas a todas as outras dimensões do humano, pois a
experiência é sempre autoral, em primeira pessoa, encarnada, é
vida que pulsa.
Iniciamos com uma dedicatória/homenagem para uma pós
doutoranda que esteve neste grupo, de forma ativa durante o ano
de 2020, mas que desde que iniciei minha trajetória acadêmica
estivemos juntas, mestrado, doutorado, trabalho conjunto na
Unisinos, participante de meu grupo de pesquisa pela UFRGS e
sempre amigas. Clarice nos deixaria no ano de 2021 na sua forma
física, pois ela está conosco de muitas formas, com suas ideias, seus
livros, seus escritos, suas falas. Clarice vive e permanecerá com sua
energia e inspiração entre nós.
Os agradecimentos não poderiam ser outros, senão para
nossos alunos de 2020 a 2023 das disciplinas: Planejamento e
Organização da Ação Pedagógica e Planejamento e Avaliação.
Para o prefácio deste livro, convidamos a professora Dra.
Maria Isabel da Cunha, nossa querida Mabel, pesquisadora sênior,
professora experiente e, mais do que isso, uma pessoa que com sua
presença abre espaços e atrai pessoas para um trabalho competente
e amoroso na Educação. Ler, ouvir e conviver com Mabel é sempre
transformador. Nossa escolha foi repleta de admiração e
reconhecimento expresso pela amizade, respeito e por
conhecermos quem a professora e pesquisadora Mabel foi e é. Ela
19
continua a nos inspirar e nos desacomodar nos caminhos da
Educação.
Todos os capítulos do livro, de certa forma, acompanham os
principais focos da atividade acadêmica de Planejamento e
Avaliação. Convidamos todos que desejam pensar conosco sobre
estágio docente no stricto sensu, que se ocupem em ler as próximas
páginas. Estágio entendido não como uma atividade solitária do
estagiário, mas como um momento de coformação entre dois ou
mais colegas que planejam e criam suas aulas, desenvolvendo
processos avaliativos de acompanhamento e autoavaliação dos
alunos e professores que compartilham o momento da aula e seus
desdobramentos ao longo de todo o processo. Junto a isso,
convidamos ao exercício de reflexão sobre Planejamento e
Avaliação, temas centrais dessa atividade acadêmica nas
licenciaturas.
Capítulo 1: Estágio docente no Ensino Superior: uma experiência
com o planejamento, avaliação e a artesania em sala de aula é escrito por
mim, a supervisora dos estágios docentes desse grupo de
doutorandos. Nesse texto, apresento a experiência do estágio
docente no período de 2020 a 2023, quando exerci a docência na
graduação de turmas compostas por alunos das diferentes
licenciaturas.
Apresento os principais conceitos que os outros autores deste
livro vão retomar em seus textos e mostro, de forma geral, como
essa atividade acadêmica tinha1 uma carga horária considerável
para o que era chamado de “horas práticas”. Conseguimos, de certa
forma, romper com a dicotomia e trabalhar na Universidade em
aulas remotas as duas dimensões teórica e prática dos
conhecimentos específicos e pedagógicos envolvidos nas docências
planejadas, criadas e apresentadas em formato microaulas para a
apreciação da turma e da banca avaliadora, composta muitas vezes
pelas professoras e ou com convites de professoras que já tivessem
20
participado das aulas como convidadas. Ao ler esse texto terão uma
dimensão geral do que foi essa experiência de estágio docente na
pós-graduação.
Capítulo 2: Planejamento com pesquisa na educação básica: até onde
uma pergunta sem resposta pode nos levar? temos um texto escrito por
Sandra de Oliveira, uma das nossas professoras em pós doutorado
no ano de 2020, convidada para as aulas em alguns momentos,
especialmente para a temática da pesquisa como uma ferramenta
importante para o planejamento e avaliação; quando os professores
criam seus planos e os desenvolvem em suas docências, a pesquisa
possibilita trazer aluno e professor para o protagonismo, dividindo
responsabilidades, mas trazendo o aluno para um engajamento
efetivo por meio dos problemas que passam a resolver, do trabalho
em equipe, dos registros, das análises e exposição dos resultados.
A pesquisa nos possibilita viver o entendimento de ensino, que é
muito mais do que instrução; aprendemos com Biesta (2016) a
abordagem de ensino que é devolvida para a educação em suas três
dimensões: qualificação, socialização e subjetivação. Acreditamos
que a pesquisa pode ser uma ferramenta potente, tanto para as
aulas, quanto para projetos mais amplos como os interdisciplinares
que constarão em outros textos do livro. Sandra nos leva por
caminhos possíveis para responder a seguinte questão: “até onde
uma pergunta sem resposta pode nos levar? Essa é a questão que,
acreditamos, deve orientar nossas docências, seja empregando a
pesquisa ou outras ações.
Capítulo 3: Artesania no estágio em docência: Planejamento de
Projetos Interdisciplinares, escrito pelas doutorandas Luciane Frosi
Piva e Viviane Catarini Paim, duas professoras que se encontram no
início do curso de Doutorado, Luciane de São Leopoldo e Viviane
da distante cidade de Vacaria. Esse texto aborda a artesania
(Sennett, 2021), que no estágio nos acompanhou em todos os
encontros, pois além de nos inspirar para a qualidade de um
trabalho bem feito, por nossa satisfação de artífices, nos inspirava
a não copiar ações e propostas de revistas, apostilados e qualquer
outra forma, sem que passássemos pelo crivo da hipercrítica e do
21
exercício do pensamento. Nesses laboratórios de planejamento
coletivo, entre os colegas e com o apoio das professoras estagiárias
e supervisora, foram criados muitos planos interdisciplinares
importantes, provocativos, em que esses futuros professores
apresentam, alinhados ao conceito de artesania, a criação
qualificada de seus planos interdisciplinares e de suas docências
que podem ser desenvolvidas por meio desses projetos. Esse texto
mostra como as autoras criaram suas propostas para que os alunos
não apenas tivessem aulas sobre o planejamento, mas aulas em que
pudessem viver a experiência do planejamento interdisciplinar,
estudando, discutindo, registrando e elaborando tais projetos
interdisciplinares com colegas de diferentes cursos de licenciaturas.
Capítulo 4: Tornar-se professor: o plano de aula como ferramenta
para (trans)formação docente, texto escrito por mais dois
doutorandos: Sabrine Borges de Mello Hetti Bahia, aluna da
Pedagogia e doutoranda em Educação e Tiago Locatelli, professor de
Educação Física do IFRS, campus Bento Gonçalves, e doutorando
em Educação. Um texto que registra dois processos que nessa
Atividade Acadêmica foram muito trabalhados. O processo de
tornar-se professor, que inicia quando se nasce, quando cada um
vai se tornando uma pessoa, aliada ao que vai recebendo de
informações, construindo sentidos sobre o que é ser professor/a na
cultura, nas escolas que frequenta, nos jornais, nas revistas, nas
mídias etc., e, posteriormente, pela sua formação inicial e
continuada. O segundo processo que o texto detalha é o
planejamento e elaboração de um plano de aula, com momentos de
trabalho no laboratório, que esse texto analisou e trouxe para a
socialização. Mostra como esse laboratório de planejamento
funcionou para que os alunos compreendessem o sentido do
planejamento e avaliação como inseparáveis, e como faz reverberar
no próprio processo de (trans)formação de cada um/a. Um texto
importante para quem se interessa em entender o conceito de
planejamento como exercício de pensamento e como artesania, além
de detalhar as partes constituintes de um plano de aula. Portanto,
um texto que pode interessar alunos e professores das licenciaturas.
22
Capítulo 5: “Conhecer as especificidades dos alunos: uma
ferramenta para o planejamento”, escrito pelo doutorando Vinícius
Silveira Borba e pela doutoranda Viviane Catarini Paim, aborda um
tema caro à Educação e a cada professor/a, que é conhecer os
alunos; a importância de olhar para as suas singularidades; o que
torna esse sujeito peculiar? Quais suas especificidades sobre a vida
e sua relação com o estudo e a universidade? Embora a turma seja
o espaço do comum, do coletivo, não pode silenciar e obscurecer o
individual, o que é próprio de cada aluno e aluna. Então, que
precisamos conhecer sobre nosso aluno? Não se trata de uma
investigação psicológica, mas pedagógica.
Esse momento foi muito importante para que aprendessem
que nem tudo pode ser coletivo, desenvolvido em pares ou em
grupos. Há um momento na formação de professores que eles
precisam “dominar” os conhecimentos para que possam criar e
desenvolver suas aulas. As atividades desenvolvidas para conhecer
os alunos foram muito importantes, tanto para essa atividade como
para as vindouras, pois acreditamos que as experiências
selecionadas para cada encontro são sempre contínuas, e elas
podem ser reconstruídas, recriadas, ampliadas, recortadas, pois o
conhecimento é tomado como aberto, e sempre será tensionado por
quem o trabalha, por quem o analisa. As questões versavam sobre
o que conheciam sobre o tema planejamento e avaliação.
Capítulo 6: Experiências discentes: relações que se estabelecem entre
o alunar e o professorar, de autoria das alunas Caroline Haussmann,
aluna da Pedagogia, e Eduarda Sebastiany, aluna também da
Pedagogia, mas que hoje é mestranda e orientanda da professora
dessa Atividade Acadêmica As alunas se aproximaram para
escrever sobre a experiência discente na disciplina de uma, e do
acompanhamento de algumas aulas como convidada pela outra.
Nesse texto, narram os momentos mais significativos, destacados
por elas, para analisar como Caroline viveu essa experiência que
ela percebe fruto das relações entre alunar e professorar. Esse texto
é importante, tanto para professores de estágio docente, como para
professores das licenciaturas, bem como para os alunos que estejam
23
interessados em entender os processos de planejamento e
avaliação, mas nesse caso, de criar um projeto interdisciplinar e um
plano de aula, e, depois apresentá-lo em uma microaula. Um texto
inspirador para os futuros professores e seus formadores.
Capítulo 7: Planejamento pedagógico, exercício do pensamento e
cuidado de si: o que se aprende na elaboração de microaulas na formação
inicial de professores? Foi escrito por dois professores pertencentes
ao grupo de pesquisa, que olham e analisam o material da
disciplina, sem serem professores da turma. Samantha realizou o
pós doutorado comigo e nesse período esteve intensamente ligada
ao que na época já chamávamos de pesquisa (de)formação, que
hoje se desenvolve em um laboratório, e Maurício Ferreira, meu
vice-líder do Gipedi, e pesquisador sobre planejamento
pedagógico, além de meu colega no Programa de Pós-Graduação
da Unisinos; dois colegas sempre ativos nas atividades da minha
pesquisa, na qual são colaboradores. É deles o texto escolhido para
encerrar o livro, pois ele comunga com o compromisso dos demais
autores do livro com a formação de professores. No texto eles
focam na formação inicial dos “recém chegados”, os alunos das
licenciaturas. Um texto analítico e que pode inspirar os professores
formadores e os alunos das licenciaturas, nossa “gurizada
aguerrida”, que tanto a Atividade Acadêmica, quanto o texto,
mostram que são capazes de vibrar com o ofício de professor.
Referências
24
I
ESTÁGIO DOCENTE NO
ENSINO SUPERIOR:
uma experiência com o
planejamento, avaliação e a
artesania em sala de aula
25
ESTÁGIO DOCENTE NO ENSINO SUPERIOR:
uma experiência com o planejamento, avaliação e a artesania em
sala de aula
1Profa. Dra. Clarice Salete Traversini, professora titular da UFRGS, faleceu aos 53
anos, e deixa um legado inestimável na área da Educação, sendo uma inspiração
para este coletivo.
26
e meu grupo de pesquisa. A ela dedicamos esse livro. Clarice vive
em nós e suas marcas de alegria, estudo, companheirismo,
reconhecimento e trabalho de pesquisa e pedagógico junto com as
escolas serão sempre lembradas.
Planejamento: que conhecimento é esse? Essa foi a pergunta que nos fizemos
(Clarice, Sandra e Elí) no início de 2020, quando começávamos a planejar
nossas aulas e atividades que envolviam o pós-doutorado. Chegamos ao
seguinte exercício de pensamento: planejamento é um conhecimento
pedagógico necessário para a ação docente constituir-se com certo sentido,
direção, significação, intencionalidade, técnica, arte, qualidade e dimensão
política (Traversini; Oliveira, 2021, p. 93).
Borges de Mello Hetti Bahia, Tiago Locatelli, Luciane Frosi Piva, Viviane Catarini
Paim, Vinícius Silveira Borba.
27
professora, que nesse espaço, partilhava tanto desse momento
como do espaço da sala de aula, e porque aceitaram o desafio, junto
com os alunos da graduação, de se autoformarem, nesse processo
de formação como (de)formação. Especiais, porque todos
aceitaram o desafio de criar propostas que se orientavam por uma
ementa e conjunto de competências, mas cada semestre ganhava
novas cores, novas linguagens, novas ações, metodologias e novas
atividades e propostas de aulas e de avaliação, pois havia uma
concepção que seria partilhada, mas havia espaço para a criação
como artesania, e a singularidade de cada estagiário/a para criar
aulas singulares para turmas de licenciaturas, porque acreditamos
em uma docência que se constitui em cada um/a de forma
específica, por isso, a denominamos encarnada. Ela só pode ser
desenvolvida daquela forma, por essa pessoa que a criou.
A proposta consistia que os licenciandos, futuros professores
e professoras teriam que estudar os conceitos necessários para
elaborarem um plano interdisciplinar e um plano de aula como
proposta das microaulas. O primeiro plano serviu como
experimento agregador de diferentes cursos para realização do
projeto, portanto um estudo e trabalho realizado em grupo; e o
segundo traz o desenvolvimento de um plano de aula. O tema da
aula foi selecionado por cada aluno, do projeto interdisciplinar,
para criar um plano com todos os seus momentos; e o terceiro
apresenta a criação e execução como experimento de uma aula,
consistia na execução do plano de aula já elaborado, criando uma
microaula, com apresentação em sala de aula.
Acreditamos que essa abordagem consegue vencer a
dicotomia do conhecimento e assumir a indissociabilidade teoria-
prática. Pois na Universidade, em sala de aula, presencial-remota,
todos tiveram a chance de estudar, planejar, compartilhar e criar
uma aula e desenvolvê-la. É esta experiência que esse livro se
propõe compartilhar. São docências que estão alicerçadas no
desafio de criar e viver uma outra cultura formativa na formação
de professores. Uma cultura que inicia na formação inicial, nos
cursos de licenciaturas que formam professores. Também foi uma
28
experiência que envolveu a pós-graduação stricto sensu no nível de
doutorado, para viver essa ação formativa, pelo estágio docente.
29
Ensino Superior ou Didática do Ensino Superior, com carga horária
média de 64 horas/aula (Melo; Campos, 2019, p. 44).
30
docência? Alguns nunca haviam pensado nisso, mas todos
acabavam selecionando uma imagem e representação de suas
docências, o que será possível perceber nos capítulos deste livro.
Essa foi a primeira problematização ao estagiário sobre como
entendemos a docência. Ela é uma construção que vamos tecendo
mesmo antes de nossa primeira formação específica, de
professores. Cada um de nós a representa diferente, porque a
exercemos de forma única e singular, nossa docência está em nós,
de forma encarnada, ela vive e se expressa em nós, pelo nosso
corpo, uma ação complexa e que necessita formação, é um ofício.
Todavia, é importante ressaltar o foco do trabalho no stricto
sensu, a partir de dados de um artigo, fruto de uma pesquisa da
profa. Dra. Maria Isabel da Cunha, notória pesquisadora e ativista
da formação universitária. Ela diz:
Se existe algo que precisa estar conectado ao planejamento para que ele possa
gerar outros e não seja um fim em si mesmo, é a avaliação: planejar e avaliar,
(re)planejar e avaliar, planejar e avaliar, (re)planejar e avaliar... Vamos falar
sobre avaliação? (Oliveira; Traversini, 2021, p. 98).
31
As aulas oficinas, as aulas laboratórios foram momentos de
experimentações sobre essa forma de entender a avaliação e o
planejamento, e tentávamos viver com os licenciandos o que
estávamos ensinando como concepção de avaliação e
planejamento.
Durante o planejamento das aulas, discutíamos as concepções
de avaliação que queríamos defender junto a nossos alunos. E, nas
microaulas, depois de cada apresentação, os feedbacks dos colegas e
professoras foram momentos de muitas aprendizagens.
Concluindo rapidamente, nesse texto posso ter usado muito algumas palavras
e seus sinônimos (“erros”, “ensino”, “futuro”) e percebo algumas
similaridades entre elas: é errando que se aprende, mas também aprendemos ao
ensinar. E é errando e aprendendo (e gaguejando um pouco) que se chega ao
futuro. Muito obrigado por me ensinarem isso.
Fonte: Aluno da turma 2022/2.
32
Comentário avaliativo: Parabéns aluna X
O plano contém toda a estrutura exigida, bem como o detalhamento da aula,
um tema relevante e de acordo com o projeto interdisciplinar, observar no plano
algumas sugestões.
Utilização de bons recursos visuais;
Evidenciou apropriação teórica;
Uma boa proposta de avaliação com a utilização de infográfico, mesma
ferramenta utilizada pelo professor em aula;
Cumpriu as 18h previstas para o making of,
Consideramos que houve pouco detalhamento das suas aprendizagens, durante
a construção do plano. O making of tinha o intuito de acompanharmos como
você elaborou o plano a partir do projeto interdisciplinar. Quais mudanças
foram necessárias? Quais autores e textos te ajudaram a construir o plano?
Como o percurso desenvolvido em aula te ajudou nesse processo? Houve
dúvidas, desafios etc.? Isso não ficou evidenciado na sua escrita. O making of
não apresentou uma reflexão sobre os conteúdos pedagógicos utilizados no
planejamento e desenvolvimento da microaula.
Fonte: Aluna turma 2021/2.
33
tivesse mais familiaridade com os documentos na época teria conseguido muito
mais facilmente.
Fonte: Aluna da turma 2021/1
34
Era necessário que eles vivessem exercícios constantes de
pensamento, escrita e autoavaliação ao participarem de um
processo formativo que os levariam a ir criando a sua docência
para, em um momento final, apresentarem, e juntamente com o
grupo, avaliarem sua criação e atuação na microaula.
Importantes foram os momentos de trabalho em grupos para
a elaboração do projeto interdisciplinar, a escolha de uma aula para
em grupos discutirem, e de forma individual criarem o plano de
aula e a sua microaula, que inicialmente eram aulas gravadas e
analisadas pela turma e professoras. Depois, migramos para aulas
presenciais remotas que eram apresentadas para a turma e
professoras e, em conjunto, analisadas.
Acreditamos que foram momentos de múltiplas
aprendizagens, e que todos avaliaram como uma ação que os
modificou. Desde a concepção de planejamento e avaliação como
inseparáveis, pelo conceito de artesania para criação e concepção
da docência que foi sendo tecida junto ao conceito de cuidado de
si, pois, o exercício de pensamento foi constantemente exercitado
para que os alunos das licenciaturas tomassem suas decisões a
partir do estudo e de justificativas alicerçadas pelos conhecimentos
específicos e pedagógicos envolvidos em suas aulas.
A avaliação não foi tomada para medir uma performance, com
fins competitivos, mas para avaliar os processos vividos pelos
alunos em sua qualidade, pois, no trabalho artesanal, é o sujeito que
busca a qualificação dos processos, porque ele sabe o que ainda
pode realizar para melhorar seu trabalho. Portanto, tanto o
planejamento como a avaliação em um processo artesanal
caminham em direções opostas ao que vivemos no neoliberalismo
contemporâneo, com a aceleração, falta de pensamento e
desarticulação entre pensamento e ação (Fabris, 2015).
Um cuidado de si que ao mesmo tempo é um cuidado do
outro, pois precisavam prever e planejar algo para que o ensino
qualificado fosse exercido e resultasse em algo que ainda não
haviam experimentado para uma finalidade formativa.
35
Os registros produzidos por alguns alunos são exemplares na
atividade de making of, que todos realizavam, para descrever e
analisar o seu processo nesta atividade e acompanharem seu
crescimento e transformação durante a atividade. Eis algumas
descrições de seus processos formativos:
36
mais estimulada também. Então, eu agradeço e encerro aqui o meu making of,
agradecendo por todo o aprendizado e pelas oportunidades.
Fonte: aluno da turma de 2020/1
Hoje tirei o dia para ensaiar minha microaula; foram várias tentativas,
cuidando do tempo e da dinâmica com os alunos. Fiquei feliz com o resultado...
consegui realizá-la no tempo previsto: 10 minutos, e agora só estou aguardando
o dia da apresentação. Será muito bom apresentar para os colegas e para as
profes. Nesse momento, tenho a sensação de dever cumprido. Me dediquei
inteiramente a esse trabalho, e percebo o quão proveitoso foi. Aprendi muito!
Senti o gostinho do que é, de fato, fazer docência. Senti, também, a importância
do dar vida à aula, da artesania, do exercício do pensamento, do cuidado ao
planejar... questões tão caras a quem escolheu a profissão do ensinar. Me sinto
muito grata por isso! Foi uma honra fazer essa disciplina. A aluna de agosto
não reconhece mais a de novembro. Como é bom quando nos permitimos ser
transformados...
Fonte: Aluna da turma 2021/2
37
Hoje após a aula percebi o quão superficial meu projeto estava, eu realmente
não tinha entendido algumas questões. Percebi que eu precisava exercitar meu
pensamento e pensar melhor sobre essa microaula. Algumas questões colocadas
pela Profª Elí me fizeram refletir muito… Como eu faria meu aluno participar
alunando? Como eu iria professorar? Compreendi que eu precisava dar vida à
minha aula, e que questão importante. Como eu darei vida à minha aula?
Pensei que talvez me aproximando mais dos meus alunos, e interagindo o
tempo inteiro com eles… estabelecendo uma relação de igualdade, onde eles
aprendem e eu também. Além disso, percebi o quão importante são os outros
tipos de avaliação que não a somativa… nesse sentido optei por realizar uma
avaliação formativa, diagnóstica, de acompanhamento…
Reformulei toda a minha microaula, trazendo a questão da Guerra da Síria, da
ONU, da Declaração dos Direitos Humanos, da ACNUR e dos refugiados,
principalmente no Brasil… Todos esses pontos se entrelaçam e o objetivo é fazer
com que os alunos compreendam isso. Compreendi que aula deve ser
continuidade, e não palestra e, ainda, que jamais o interdisciplinar deve matar
o disciplinar. Quanto aprendizado!
Fonte: Aluna da turma 2021/2
Depois da edição, olhei todo vídeo. Percebi que falei de uma forma um pouco
“infantilizada”, ainda que seja com bebês. Mudaria isso no caso de gravar
novamente.
Fonte: Aluna turma 2021/2
38
entenderem que eram fáceis de cursar e que não precisariam de
muito estudo. Então, quando perceberam que era uma atividade
acadêmica com horas práticas no currículo, que eles não poderiam
burlar, e nem mesmo ficar sem cumprir essas atividades
pertencentes às horas práticas, muitos reclamavam e alguns, até
mesmo, desistiram.
Tudo isso dá mais força ao argumento que venho
desenvolvendo em minha última pesquisa (Fabris, 2021-2024), de
que é preciso mudar a cultura formativa tanto na universidade
como nas escolas e, para isso, é preciso que a universidade e a
escola transformem seu ethos de formação (Dal’Igna; Fabris, 2015).
São necessárias mudanças curriculares, de atitudes e nas
concepções de formação, educação, ensino e aprendizagem, entre
outras. No entanto, a maioria dos alunos realizou uma experiência
em planejamento e avaliação, sempre acompanhados pela
intervenção das professoras que, durante e ao final dos encontros,
sempre deram muitos feedbacks e sugestões para que realizassem o
seu trabalho da melhor forma.
Abaixo um parecer final sobre o desempenho de uma aluna no
final do Grau B- turma 2021/2.
Comentário avaliativo:
Parabéns, aluna X.
O plano atendeu aos critérios exigidos, mas ainda há questões que podem ser
melhoradas; ver anotações no plano.
Ótima articulação com o projeto interdisciplinar;
Rever formatação nas normas da ABNT;
Cumpriu as 18h previstas para o making of ;
Consideramos que houve pouco detalhamento do processo de aprendizagem
durante a construção do plano. O making of tinha o intuito de acompanharmos
como você elaborou o plano a partir do projeto interdisciplinar. Quais
mudanças foram necessárias? Quais autores e textos te ajudaram a construir
o plano? Isso não ficou evidenciado na sua escrita. Que conteúdos pedagógicos
da disciplina foram importantes nesse momento como: partes de um plano de
39
aula, relação com o plano interdisciplinar, estudo da área específica, avaliação,
exercício do pensamento, dimensões teórico-práticas.
Fonte: Aluna da turma 2021/2
40
Espero ter conseguido reforçar nosso conceito de avaliação
como constituinte do processo formativo, como uma das
dimensões do processo formativo e não como medida de
desempenho. Mesmo quando a avaliação for de sistematização, ela
pode e deve ser formativa. Por isso, uma nova cultura formativa e
avaliativa é necessária.
Gostaria de finalizar esse texto lembrando alguns rituais que
nos faziam pertencentes a um grupo que estudava, trabalhava, mas
que também celebrava as atividades em seus processos de abertura,
sistematizações e finalizações. Em cada semestre iniciávamos com
uma foto da turma. Eu sempre dizia que no final faríamos outra
foto e ela estaria diferente, muito mais bonita, era uma aposta, pois
o conhecimento nos transforma. Outro ritual era o acolhimento
inicial em cada aula, a cada semana, especialmente e de forma mais
ampla durante a pandemia, mas sempre havia esse momento de
engajar, reforçar os laços para o estudo em torno do conhecimento.
Outra aposta na criação de laços era o tradicional “sarau”, quando
cada aluno fazia uma apresentação usando uma habilidade que
possuía. Tivemos apresentações em vídeos e ou ao vivo, de grupos
de danças, de jogador de futebol, violão, gaita, poesia, receitas,
quantas habilidades nossos alunos foram nos mostrando além da
docência, e como alguns traziam como marcas de sua docência
essas habilidades singulares. Foram momentos de muita fruição e
com o objetivo de reforçar a dimensão estética de nossa profissão e
como ela imprime uma dimensão humanizada para as nossas
docências; ampliar o repertório cultural é importante para nosso
processo de criação na docência.
Agradeço a todos os alunos e alunas que construíram essas
aulas qualificadas e sensíveis durante esses anos, e aos colegas
professores que realizaram o estágio docente com tanta dedicação,
doando de si mesmos, com tanto profissionalismo, e compondo
comigo e com os grupos de professores estagiários essa experiência
visceral de docência no Ensino Superior.
Esse texto cumpre uma função de introduzir os demais
capítulos do livro, pois ele abre e interconecta com os demais
41
textos, por isso escolhi a poesia de Manoel de Barros, para nos
lembrar que, ao apostarmos na arte, como constituinte de nossas
docências, estamos reforçando a humanidade, essa forma de ser e
viver que os humanos trazem e desenvolvem em suas vidas,
também para reforçar a criação e o conceito de (de)formação. A arte
não é escolhida para ilustrar as aulas, mas para fazer pensar e,
devolver esse sentido de humano tão necessário em nossas
docências e nas nossas vidas, para que cada vez mais estejamos
abertos aos outros, acolhendo, ensinando, aprendendo e vivendo
com as diferenças e as diferentes formas de vida de nosso planeta.
AS LIÇÕES DE R.Q.4
Manoel de Barros
42
Referências
43
MELO, Geovana Ferreira; CAMPOS, Vanessa T. Bueno. Pedagogia
universitária: por uma política institucional de desenvolvimento
docente. Cadernos de Pesquisa, São Paulo, v. 49, n. 173, p. 44-63,
jul./set. 2019. https://doi.org/10.1590/198053145897
OLIVEIRA, Sandra de; TRAVERSINI, Clarice Salete. "O início da
aventura de ensinar: mensagens sobre planejamento de avaliação."
Lima, Samantha Dias de (Org.). Ebook: Cartas aos professores
iniciantes. São Paulo: Pimenta Cultural, 2021. p. 93-94.
44
II
PLANEJAMENTO COM
PESQUISA NA EDUCAÇÃO
BÁSICA: até onde uma pergunta
sem resposta pode nos levar?
Sandra de Oliveira
45
PLANEJAMENTO COM PESQUISA NA EDUCAÇÃO
BÁSICA: até onde uma pergunta sem resposta pode nos levar?
Sandra de Oliveira1
INTRODUÇÃO
46
Contudo, para além do contexto apresentado, preciso destacar
que esse não é um texto comum, como outros que já escrevi.
Explico: esse texto está encharcado da emoção saudade, pois é,
também, uma homenagem à professora, colega de estudos,
parceira de profissão, e amiga admirável, a professora Drª Clarice
Salete Traversini4 (In Memoriam), com quem tive a honra de
compartilhar a docência (e o pós-doutorado) durante a pandemia
da Covid-19 (2020/2021), juntamente com nossa mestra,
orientadora, professora, amiga e organizadora desse livro,
professora Drª Elí Henn Fabris. Conforme escrevemos juntas,
47
Preparação prévia para a aula: Assistir ao filme “O menino que
descobriu o vento”; explorar/conhecer os projetos de pesquisa
desenvolvidos por estudantes da Educação Básica publicados em
diferentes edições da Revista “Liberato Científica”5.
Atividade escrita após a aula: Por que fazer pesquisa COM os
estudantes da Educação Básica? Registrar no Diário (de)formação as
aprendizagens/reflexões a partir da aula, com seu posicionamento
sobre o que foi abordado (Plataforma Moodle).
Fonte: Relatório de Pós-Doutorado (Oliveira, 2021).
48
planejamento), carregamos o compromisso de questionar sobre
quais são as experiências que têm participado da formação/
constituição dos nossos estudantes.
Nesse pequeno texto, abordarei especificamente sobre a
experiência da pesquisa nas salas de aula da Educação Básica.
Convido você a abrir a caixa de ferramentas do planejamento e
escolher a pesquisa enquanto uma ferramenta pedagógica. Para
isso, alguns pressupostos são necessários. É importante
compreender:
- o planejamento como “espaço de experimentação (ensaios,
erros, acertos, construção e reconstrução) e de responsabilidade
pedagógica (compromisso com o ensino e a aprendizagem);
- a docência enquanto atitude investigativa, questionadora,
criativa e autoral;
- a aula como “encontro articulado em torno do conhecimento”
(Narodowski, 2020);
- o conhecimento como algo que se constrói e se vive
coletivamente.
Conforme referido em outro lugar, “Planejamento é oficina,
ateliê, laboratório pedagógico, espaço-tempo de criação de
experiências diversas para os estudantes, um disparador de
experiências” (Oliveira; Traversini, 2021, p.114).
Planejar é gestar espaços-tempos para o coletivo, mas também
para as singularidades. É olhar para o todo (coletivo), mas também
para as partes (singularidades) que compõem esse todo, esse
grupo, esse coletivo. É colocar esse ecossistema em movimento...
como num ato conectivo (Di Felice, 2018). Nesse sentido
precisamos nos fazer outra pergunta: ser um professor pesquisador
é o mesmo que ser um professor que pesquisa COM seus
estudantes? Como organizar o planejamento de uma aula COM
pesquisa?
O planejamento de uma aula com pesquisa é aberto,
democrático, participativo, ativo, flexível. O planejamento de uma
aula com pesquisa é uma aventura, pois até onde uma pergunta
sem resposta pode nos levar?
49
Por que fazer pesquisa COM os estudantes da Educação Básica?
ou Até onde uma pergunta sem resposta pode nos levar?
50
O problema sem solução, apresentado pela professora, deixou
os alunos intrigados, mas especialmente, Felipe. Sem condições,
naquele momento, de encontrar uma solução, Felipe carregou
consigo aquela inquietação frente ao problema durante o restante
do seu Ensino Fundamental. Ao chegar no Ensino Médio, depara-
se com o desafio de desenvolver um projeto de pesquisa, e,
adivinhem, qual o problema que ele escolhe resolver? Aquele do
Ensino Fundamental... A pergunta sem resposta da professora do
quinto ano.
Felipe criou um processo de reciclagem do tubo da pasta de
dente que gerou um material ao qual ele chamou de tábua de tubo.
Segundo sua pesquisa, uma tábua 7 (sete) vezes mais resistente que
a madeira e 10 (dez) vezes mais barata. A primeira iniciativa que o
estudante pesquisador teve após testar o produto, foi construir
brinquedos para a pracinha da creche do bairro onde morava.
Depois disso, Felipe viajou pelo mundo, inclusive apresentando
seu projeto na Harvard University (EUA), compartilhando suas
ideias com pesquisadores e empreendedores de diferentes lugares
do mundo.
O que a história do filme e a de Felipe têm em comum? O que
elas podem nos ensinar sobre o lugar da pergunta no planejamento
do professor e no currículo escolar? Inúmeras histórias como essas
vêm se repetindo nas salas de aula da Educação Básica em que os
professores passaram a realizar pesquisa com seus estudantes.
A experiência da pesquisa em sala de aula devolve à pergunta
o seu lugar de direito nos currículos escolares: o lugar de
centralidade. E perguntas são como faíscas. “De repente alguma
coisa acontece (…). O grupo começa a fazer perguntas. E só
descobre alguma coisa quem se faz perguntas, só descobre alguma
coisa quem começa a ter dúvidas” (Garcia, 2012, p. 21).
Só descobre alguma coisa quem começa a ter dúvidas é o que
também pensam as crianças do terceiro ano do Ensino
Fundamental que desenvolveram uma pesquisa sobre poluição
luminosa, numa escola pública municipal de Sapiranga. O projeto
desenvolvido pela turma do terceiro ano foi apresentado na
51
Mostratec8 por três meninas, eleitas pelos colegas como suas
representantes. A pesquisa foi premiada na Mostra e, no ano
seguinte, as estudantes foram convidadas a apresentá-la em um
seminário para gestores escolares, num município vizinho.
Após a apresentação, um dos gestores perguntou para as
estudantes: E nesse ano, sobre o que vocês irão pesquisar? Antes de
responder, as meninas se entreolharam, pensaram, olharam ao
redor e, um tanto encabuladas, responderam com propriedade: A
professora do quarto ano quer que a gente pesquise sobre lixo orgânico e
inorgânico, mas nós não vamos pesquisar sobre isso, não! Um
burburinho na plateia, alguns olhares e sorrisos e o gestor volta a
perguntar: Mas então, sobre o que vocês desejam pesquisar? E as
estudantes respondem, com os olhinhos brilhando e sorrisos de
contentamento: Nós queremos pesquisar sobre aquelas sementinhas
pequenininhas que tem dentro da banana! O que podemos fazer com elas?
Porque sobre isso… Ah! Ninguém sabe!
Sobre o que essas meninas de 8 e 9 anos estavam falando? O
que elas já haviam se dado conta? O que essas meninas estavam a
ensinar para os gestores e professores? Só faz sentido desenvolver
uma pesquisa científica sobre algo que ainda não se sabe. Sim, é
importante estudar sobre temas como lixo orgânico e inorgânico,
mas para virar tema de pesquisa científica é preciso delimitá-lo. É
preciso escolher um problema associado ao lixo orgânico e
inorgânico sobre o qual ainda não temos uma resposta. O que a
experiência de fazer pesquisa despertou nas crianças? Acredito que
seja aquilo que Foucault (1982) chamou de “a vontade de saber”,
essa potência que nos mobiliza a buscar e construir conhecimento,
criar soluções para a vida cotidiana e/ou para contribuir com o
mundo, tornando-o mais belo, mais justo, mais inclusivo.
Essas experiências com a pesquisa na sala de aula geram o
engajamento dos estudantes, colocam os sujeitos numa posição
ativa frente ao conhecimento, tornando as aprendizagens mais
52
significativas. Observemos alguns trechos de depoimentos de
estudantes que estão fazendo pesquisa na Educação Básica e
apresentando o conhecimento produzido na escola, com seus
professores, em feiras de ciências escolares, municipais, nacionais
e internacionais. A pergunta que foi feita aos estudantes
pesquisadores foi: o que representou desenvolver a pesquisa e
participar das feiras? (os depoimentos foram extraídos da Revista
Liberato Científica)9.
53
Quando um estudante se dá conta de que a escola e a sala de
aula podem ser locais de produção de conhecimento e que esse
conhecimento pode transformar não só a sua vida, mas o seu
entorno, a sua cidade, o seu país, transformando a vida de muitas
pessoas, a sua relação com o conhecimento muda. Observemos
mais alguns trechos dos depoimentos:
54
criança compreende que é capaz de produzir conhecimento, muda
tudo: muda a sua relação com o próprio conhecimento, com o
professor, com a escola, mas principalmente, muda a sua atitude
em relação aos problemas do seu entorno. Nessa forma de
pesquisar,
10Esse roteiro é baseado num plano de pesquisa científica, e para mais elementos
didático-metodológicos para o uso da pesquisa com os estudantes, inclusive
músicas adaptadas para trabalhar conceitos ligados à prática da pesquisa, indico
a obra Iniciação Científica para Jovens Pesquisadores, de Fábio Ribeiro Mendes
(MENDES, Fabio Ribeiro. Iniciação Científica para Jovens Pesquisadores. Porto
Alegre: Autonomia, 2013).
55
● O que desejamos saber/resolver/fazer, exatamente?
(PROBLEMA)
● O que imaginamos que vamos descobrir/o que vai acontecer?
(HIPÓTESE)
● O que queremos atingir/descobrir e para quê? (OBJETIVO)
● O que já se sabe sobre esse tema/problema? o que já existe sobre
o assunto? (PESQUISA BIBLIOGRÁFICA)
● Como vamos fazer para descobrir/resolver/saber?
(METODOLOGIA)
● Quanto tempo temos e quando vamos fazer? (CRONOGRAMA)
● Quanto vai custar e o que é necessário? (RECURSOS)
● O que se espera alcançar ao final deste projeto? (RESULTADOS
ESPERADOS)
Depois de pronto o planejamento (plano) da pesquisa é
importante conversar/discutir com os estudantes sobre as questões
éticas e de segurança envolvidas na proposta criada, antes de
desenvolvê-la. Mas esse é tema para um próximo texto.
Considerações finais
Referências
56
GARCIA, Regina Leite; MOREIRA, Antônio Flávio Barbosa
(organizadores). Currículo na contemporaneidade: incertezas e
desafios. São Paulo: Cortez, 2012.
NARODOWSKI, Mariano. Onze teses urgentes para a pedagogia
do contra-isolamento. Blog do Pensar a Educação. Maio de 2020.
Acesso em: 05 jan. 2024. Disponível em: <https://pensara
educacao.com.br/blogpensaraeducacao/>
OLIVEIRA, Sandra de; FABRIS, Elí Henn. A pesquisa como prática
de (de)formação nas escolas de educação básica: possibilidades
para processos inclusivos e de engajamento social. In: LOREIRO,
Carine Bueira; LOPES, Maura Corcini. Inclusão, Aprendizagens e
Tecnologias em Educação. São Paulo: Pimenta Cultural, 2021.
OLIVEIRA, Sandra de; TRAVERSINI, Clarice Salete. O início da
aventura de ensinar: mensagens sobre planejamento de avaliação.
In: LIMA, Samantha Dias de (Org.). Ebook: Cartas aos professores
iniciantes. São Paulo: Pimenta Cultural, 2021. p. 93-94.
OLIVEIRA, Sandra de. Relatório de Pós-Doutorado em Educação. São
Leopoldo: PPGEdu UNISINOS/CNPq, 2021.
57
58
III
ARTESANIA NO ESTÁGIO EM
DOCÊNCIA:
Planejamento de Projetos
Interdisciplinares
59
ARTESANIA NO ESTÁGIO EM DOCÊNCIA:
Planejamento de Projetos Interdisciplinares
60
vivenciou a experiência que trataremos neste texto. Este capítulo
apresenta, como ponto central, a descrição da elaboração e
planejamento de Projetos Interdisciplinares, por estudantes de
cursos de licenciatura da Universidade do Vale do Rio dos Sinos -
Unisinos, na Atividade Acadêmica - AA Planejamento e Avaliação.
Cada uma das autoras desse texto realizou estágio em
docência em uma das duas turmas da AA, conforme Quadro 1.
61
planejado em conjunto pelas duas estagiárias doutorandas e a
professora titular. O Plano pretendeu desenvolver diferentes
competências, dentre elas: “Trabalhar de forma interdisciplinar,
cooperativa e ética, evidenciando postura acadêmica e
profissional” (Unisinos, 2022, p. 1).
Dessa forma, como metodologia, consideramos como ponto
primordial a dialogicidade entre professoras e estudantes, no
desenvolvimento de aulas síncronas, por meio da Plataforma
Teams5. As aulas ocorreram com atividades teórico-práticas,
envolvendo aula expositiva-dialogada e interativa, leituras e
estudos de textos, desenvolvimento de atividades em grupo e
individuais e uso de recursos digitais para o desenvolvimento do
processo de planejamentos e avaliações. Contamos também com o
ambiente virtual Moodle, que serviu como espaço para postagem
de materiais de estudo, pela professora e estagiárias, bem como,
para acesso dos estudantes às informações e documentos da AA:
Plano de Ensino; tarefas solicitadas e cronograma de realização e
postagem; links para a participação na sala de aula do Teams;
acesso aos materiais de leitura, complementares aos temas
desenvolvidos nas aulas síncronas; materiais utilizados, pelas
professoras, no decorrer das aulas, como as apresentações em
formato PowerPoint e as gravações.
Logo no primeiro encontro de acolhida apresentamos o
contrato pedagógico com pontos importantes para que os nossos
encontros fluíssem da melhor forma, e com a ética e o
comprometimento necessários. O contrato pedagógico constituiu-
62
se de combinações de forma pontual e respeitosa com os
estudantes, visando o bom andamento das aulas e atividades. Na
ocasião, orientamos a importância das câmeras abertas nas aulas, e
da participação, de forma oral e/ou escrita, com a utilização do
microfone ou chat da sala do Teams. Ainda informamos que, caso
algum estudante tivesse dificuldade de acesso à internet de
qualidade para manter-se conectado durante as aulas, de sua casa,
poderia utilizar os laboratórios da Universidade.
Assim, tratamos como indispensável, quanto ao envolvimento
e comprometimento com os estudos, que as leituras indicadas
fossem realizadas com antecedência. Em relação às aulas,
destacamos a necessidade de atenção aos horários de início e
término; a utilização dos canais de comunicação com as professoras
e os colegas; o acesso semanal ao Moodle e ao grupo de WhatsApp
(criado para mensagens rápidas, dúvidas; dificuldade de acesso ao
ambiente virtual de aprendizagem; para comunicar falhas de
alcance de rede de internet, dúvidas gerais, avisos etc.); a
observação ao cronograma de atividades previsto e as datas
agendadas para entrega dos trabalhos e apresentações.
Cabe salientar que fomos desafiadas, pela professora titular da
AA, a escolher uma inspiração artístico-cultural que servisse como
metáfora para nos acompanhar no decorrer das aulas e inspirar
relações com os conceitos da AA, remetendo a um processo de
artesania (Sennett, 2021) nas nossas docências. Sobre isso,
escolhemos a poesia Sou feita de retalhos de autoria de Cris
Pizzimenti6 (2021) para a turma de terça-feira e a obra Parque de
crochê da artista Toshiko Horiuchi7 para a turma de sexta-feira.
6Cris Pizzimenti escreveu a poesia Sou feita de retalhos para homenagear os amigos,
informação que a própria autora nos contou por meio do canal de WhatsApp, após
a contatarmos, por mensagem, na sua página no Instagram. Sua formação inicial
é em Pedagogia, pela Pontifícia Universidade Católica (PUC/SP) e, atualmente,
atua como professora dos Anos Iniciais do Ensino Fundamental no município de
Guarujá/SP.
7 A artista têxtil japonesa Toshiko Horiuchi MacAdam é conhecida por suas
63
Sobre a poesia Sou feita de retalhos, que inspirou a professora
estagiária Viviane, segunda autora deste capítulo, teve como
propósito ilustrar a constituição de sua docência, composta de
retalhos escolhidos e alinhavados no decorrer da vida e na sua
atuação como professora. A ideia foi inspirar também os estudantes
a pensarem nos retalhos, a partir dos conceitos desenvolvidos e
trabalhados durante as aulas, que participam ou compõem a
constituição de suas docências. Retalhos como conceitos ou ideias
que podem ser alinhavadas ou costuradas definitivamente nas suas
docências, de acordo com o que desenvolvemos na AA.
64
complexidade, conjunto/coletivo, autoria e engajamento, que
possibilitam uma relação com as docências dos futuros professores,
estudantes da AA. Nesse sentido, a obra inspirou tais conceitos
tanto pela forma como pelo processo como foi construída. A artista
conta que sua técnica de criação – peso do fio e a gravidade –
funciona para, em conjunto, criar formas naturais. Uma técnica em
intersecção entre arte e ciência - como geometria - que podemos
observar na própria natureza. Outro aspecto que chama atenção
para sua obra é o fato de afirmar que enquanto está envolvida em
tramar os fios utilizando as mãos, seu cérebro se concentra e a
imagem se torna mais clara, bem como as soluções técnicas surgem
na sua mente. Um processo de artista que inspira pensar o tornar-
se professor, de buscar fazer o trabalho “bem feito” (Sennett, 2021).
65
Para o cumprimento das competências indicadas no Plano de
Ensino, o processo de desenvolvimento da AA Planejamento e
Avaliação teve como ponto central e inicial a construção de um
Projeto Interdisciplinar, pelos estudantes, que resultou, a partir
dele, o plano de aula e a microaula individual9, o qual detalharemos
a seguir.
66
justificativa e revisão de literatura, até a elaboração das aulas,
devendo contemplar conhecimentos específicos das áreas de
formação dos licenciandos, seria indispensável momentos de
estudos e encontros entre os componentes do grupo e/ou utilização
de algum recurso que possibilitasse a sua organização (como, por
exemplo, compartilhamento de documento no google drive, grupo
de WhatsApp para trocas de mensagens etc.).
Com esse propósito, os grupos dispunham de tempo, ao final
das aulas síncronas, para planejamento e organização,
considerando os conteúdos e temas problematizados e discutidos
em aula, que tinham como objetivo sustentar e embasar teórica e
metodologicamente o projeto. Os temas e conteúdos12
desenvolvidos na AA possibilitaram e pautaram a construção dos
Projetos Interdisciplinares.
A seguir, apresentamos Quadro com dados dos Projetos
Interdisciplinares planejados pelos grupos.
67
Dengue Não seja 6º ano do Ciências
dengoso: O Ensino Biológicas
combate à Fundamental Língua
dengue é um Portuguesa
trabalho de Matemática
todos
68
Escassez Água, o ouro 9º ano do Matemática
Hídrica da futura Ensino Biologia
geração ou da Fundamental
atual?
69
Figura 3: Escultura Love, exposta no Festival Burning Man 2015
70
destacamos o que se encontra, contemporaneamente, nos
documentos normativos que orientam os currículos escolares,
embora a interdisciplinaridade não seja um assunto novo no campo
da educação e, no mesmo sentido, não tem como objetivo a
ausência ou enfraquecimento de disciplinas, mas sim a
potencialização de cada uma para o tratamento do conhecimento
na escola.
Ao recorrer a alguns documentos basilares da educação
nacional, como o Plano Nacional de Educação - PNE 2014-2024
(Brasil, 2014), observa-se o incentivo a práticas com abordagens
interdisciplinares, especialmente na Meta 3, na etapa do Ensino
Médio.
Em relação às Diretrizes Curriculares Nacionais para a
Educação Básica - DCNEB, (Brasil, 2013), o termo “interdisciplinar”
é citado 99 vezes, indicando um fortalecimento da
interdisciplinaridade na organização e gestão do currículo escolar.
Entretanto, na BNCC (Brasil, 2017), o termo “interdisciplinar”
é citado somente três vezes no texto. A primeira encontra-se na
parte introdutória que apresenta seus fundamentos pedagógicos,
mais especificamente na relação entre a BNCC e os currículos,
destacando que os sistemas de ensino e instituições escolares
devem “[...] decidir sobre formas de organização interdisciplinar
dos componentes curriculares [...]” (Brasil, 2017, p. 16, grifo nosso).
A segunda vez que o termo interdisciplinar aparece é na
apresentação dos eixos organizadores do componente curricular de
Língua Inglesa para o Ensino Fundamental (oralidade, leitura,
escrita), enfatizando que as práticas leitoras compreendem “[...]
possibilidades variadas de contextos de uso das linguagens para
pesquisa e ampliação de conhecimentos de temáticas significativas
para os estudantes, com trabalhos de natureza interdisciplinar
[...]” (Brasil, 2017, p. 244, grifo nosso).
Por último, o termo encontra-se na unidade temática
“Números”, no componente curricular de Matemática para o
Ensino Fundamental, na qual se ressalta que “[...] essa unidade
temática favorece um estudo interdisciplinar envolvendo as
71
dimensões culturais, sociais, políticas e psicológicas, além da
econômica, sobre as questões do consumo, trabalho e dinheiro”
(Brasil, 2017, p. 269, grifo nosso).
Com isso, observamos uma tímida orientação da BNCC
(Brasil, 2017) para o desenvolvimento do ensino de forma
interdisciplinar, visto que, em poucos componentes curriculares há
algum indicativo ou sugestão desse modo de trabalho, em que a
decisão fica a cargo de cada professor ou da escola sobre a
possibilidade de desenvolvê-lo. Nossas observações corroboram os
estudos de Rodrigues; Pereira; Mohr (2021) que têm revelado a
persistência e o aprofundamento da fragmentação dos conteúdos
na BNCC (Brasil, 2017).
Por isso, a importância da formação docente e a capacidade
de o professor exercitar seu pensamento, para não cair na
armadilha de interpretar o trabalho interdisciplinar como recurso
pontual, isolado, desenvolvido somente em algumas áreas de
conhecimento ou componentes curriculares, ou ainda como um
recurso que, imbuído pelo discurso da inovação, cai no modismo,
ficando sem sentido (Gallo, 2009).
Por exercício do pensamento, nos sustentamos em
Masschelein (2014, p. 13) que, a partir dos estudos de Hannah
Arendt, afirma que esse exercício deve estar orientado “[...] à
questão de como agir e se relacionar com o presente [...]”, expondo-
se ao que está acontecendo, “[...] na medida em que o homem
reconhece ou experimenta a si mesmo como um iniciante, como um
sujeito da ação, e se insere no tempo [...]”. É um exercício de
questionar e questionar-se. Nesse sentido, os estudantes foram
convidados a se colocarem no presente, observando os discursos e
práticas educacionais, numa postura de investigação,
experimentação e exposição, na medida em que participaram das
aulas e atividades, pensando, elaborando seus entendimentos,
criando possibilidades, estando atentos e preocupando-se com sua
formação, para que possam assumir, enquanto futuros professores,
as marcas de sua docência, o que objetivamos com a proposta dos
projetos interdisciplinares e seus desdobramentos.
72
Potencialidade dos Projetos Interdisciplinares: percepção dos
estudantes
73
colegas tinham a possibilidade de redigir comentários no chat sobre
as apresentações.
Na sequência, no Quadro 3, apresentamos as percepções dos
estudantes sobre a elaboração dos Projetos Interdisciplinares em
grupo, assinalando os conhecimentos e reflexões a partir do seu
desenvolvimento. Salientamos que o objetivo principal do making of
era acessar, de forma individual, as percepções dos estudantes acerca
do planejamento do Projeto Interdisciplinar, suas aprendizagens e
reflexões. Questões como: o que aprendeu? O que a atividade fez pensar?
Qual a contribuição do trabalho para o percurso formativo como futuro
professor? deveriam pautar a escrita do making of.
“Me foquei mais na elaboração das aulas e como seria o projeto em si; como já
tive experiência em sala de aula, trouxe algumas ideias para a execução do
trabalho como as rodas de conversa em sala de aula com os alunos para nosso
projeto e a ideia de trabalhar em grupos, pois sei que é algo que realmente
funciona e ajuda o professor a se orientar e perceber as dúvidas dos alunos.
Muito do trabalho foi feito por chamada de vídeo em conjunto, o que
facilitou muito para colocar a ideia de todos no projeto” (Licencianda
de Ciências Biológicas).
“Parando para pensar com base no antigo eu e observando o atual, num viés
de futuro educador, percebo o quanto mudei do começo da atividade
acadêmica até agora. Minha visão sobre avaliação mudou de uma
forma positiva e criei consciência do planejamento e suas obrigações
(já que nunca havia planejado uma aula em conjunto)” (Licenciando de
Ciências Biológicas).
74
“Durante todo o processo de desenvolvimento do projeto interdisciplinar [...]
compreendi que nós, como educadores, precisamos compartilhar o
conhecimento, promovendo debates e reflexões sobre temas de extrema
relevância para a sociedade na qual estamos inseridos, e que através desses
aspectos, possamos construir uma educação aberta ao diálogo e à pesquisa”
(Licencianda em Ciências Biológicas).
75
planejamento significativo, interdisciplinar, produtor de
conhecimentos aos alunos e que fizesse/tivesse ligação em todas as aulas.
Por muitos momentos, peguei-me refletindo sobre o projeto e de que maneira
ele poderia melhorar, sempre melhorar; mas realizá-lo, mesmo que não fosse
100% perfeito ou efetivo, serviria como um grande potencial de
aprendizado e de conhecimento para a minha caminhada como futura
docente. Eu me entreguei ao projeto” (Licencianda em Pedagogia).
“Um dos muitos aprendizados que levarei para a vida, a partir desta aula, é
sobre as justificativas, de saber sempre justificar o assunto que será
tratado em aula, pois se não soubermos justificar, o conteúdo não fará
sentido ao professor e nem ao aluno. Outro conhecimento que pude ver de
outra forma é sobre os conceitos de planejamento e avaliação, em que o
planejamento começa desde o estudo, a ampliação dos repertórios, de
pesquisa e organização dos materiais para conseguir cumprir com os
objetivos propostos, e a avaliação, que deixou de ser para mim um
método de apenas avaliar e dar nota a partir de trabalhos, e ser, de
forma contínua, um acompanhamento do professor para saber onde o
aluno precisa melhorar e como auxiliá-lo neste processo. [...] Trabalhar
de forma coletiva e interdisciplinar fornece maior possibilidade de
debates, são trabalhos contínuos, onde sempre há troca de experiências e
conhecimentos (Licencianda em Pedagogia).
Fonte: Arquivo das autoras (grifo nosso, 2022).
76
futuros professores sinalizaram as aprendizagens sobre a docência
a partir da elaboração dos projetos interdisciplinares e que,
inclusive, as estratégias pedagógicas e conhecimentos abordados
na AA estavam sendo desenvolvidas em seus estágios obrigatórios.
No entanto, apesar desse planejamento ter possibilitado uma
postura investigativa, de busca de conhecimento e de exercício de
pensamento, algumas dificuldades e desafios foram encontrados
no decorrer do processo. Dentre eles, é marcante a falta de
organização dos grupos, a responsabilidade e comprometimento
dos componentes na realização das tarefas, o que acabou
sobrecarregando alguns estudantes. Observamos, como
professoras da AA, e reiterado no registro de alguns licenciandos,
que o formato remoto pode ter contribuído para esse aspecto, já que
há algumas resistências no ambiente online, em que as pessoas se
escondem por meio dos recursos digitais. Cabe destacar que,
apesar das dificuldades observadas, os estudantes reconheciam a
importância do aprendizado de desenvolver e de planejar um
projeto que realmente se efetivasse interdisciplinarmente, como
parte de um processo que demanda trabalho cooperativo,
responsabilidade e comprometimento, como potenciais para o
exercício da docência.
77
Identificação 0,5 Apresentação de 1,0
todos os
componentes do
grupo
GRUPO 1
78
Making of
(6,0)
79
envolvimento dos mesmos e com as propostas de socialização
práticas e de criação; h) propostas criativas para o
compartilhamento dos conhecimentos pelos estudantes da escola.
Importante destacar que, apesar destes aspectos, ainda
observamos, mesmo que pontualmente, o modo fragmentado ao
tratar dos conteúdos nos Projetos Interdisciplinares. Da forma
como o conhecimento é trabalhado no contexto escolar, no qual
cada área de conhecimento se desenvolve dentro da sua
especialidade, muitas vezes, de forma isolada e desconexa de
outras áreas, acaba por dificultar a percepção e a compreensão dos
futuros professores em visualizar a possibilidade de ações
interdisciplinares na educação básica.
Dessa forma, entendemos que é necessário ampliar e
potencializar a perspectiva interdisciplinar nas propostas
formativas dos cursos de licenciatura e nas escolas, pois conforme
Miranda (2008), a interdisciplinaridade é capaz de agir nas brechas,
como transgressora das formas enraizadas e estabelecidas no
currículo.
80
também no ensino superior. Para idealizar, planejar e construir
ações interdisciplinares que rompam com essa fragmentação, a
formação de professores assume uma função fundamental em não
só mostrar como podem ser materializadas, mas proporcionar
ferramentas e oportunidades de experimentar, agir, elaborar,
construir, executar e praticar atividades interdisciplinares.
Da mesma forma, destacamos que a AA, por ser desenvolvida
no formato remoto, apresentou alguns desafios e dificuldades,
especialmente no que se refere ao acompanhamento da
aprendizagem e do trabalho dos grupos. Apesar de termos
oportunizado, ao final de cada aula, tempo disponível para que os
grupos pudessem se organizar e, ainda, termos solicitado versões
preliminares dos projetos para avaliarmos o desenvolvimento dos
alunos, ainda assim percebemos que o ambiente remoto dificulta
esse acompanhamento. Uma forma bastante produtiva foram os
registros nos making of dos estudantes, com os quais conseguimos,
de forma mais direta, verificar a aprendizagem e dificuldades
enfrentadas por eles.
No entanto, apesar das adversidades e desafios, é possível
afirmar que o exercício do pensamento (Masschelein, 2014), que
objetivamos com os estudantes foi, da mesma forma,
potencializado nas docências das professoras, no desenvolvimento
do estágio em questão. A partir dos seus desdobramentos, o ethos
experimental, proposto por Masschelein (2014), pôde ser colocado
em prática, considerando o reconhecimento da indissociabilidade
do processo de planejamento e avaliação da Atividade Acadêmica.
Referências
81
Básica. Diretrizes Curriculares Nacionais Gerais da Educação Básica.
Brasília: MEC, SEB, DICEI, 2013.
BRASIL. Plano Nacional de Educação 2014-2024 [recurso eletrônico]:
Lei nº 13.005, de 25 de junho de 2014, que aprova o Plano Nacional
de Educação (PNE) e dá outras providências. Brasília: Câmara dos
Deputados, Edições Câmara, 2014. Disponível em: http://www.
proec.ufpr.br/download/extensao/2016/creditacao/PNE%202014-
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FAZENDA, Ivani (Org.). O que é interdisciplinaridade? São Paulo:
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82
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Departamento Pedagógico. União Nacional dos Dirigentes
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Recentes Imposições à Formação de Professores e seus Falsos
Pretextos: as BNC Formação Inicial e Continuada para Controle e
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em Ciências, e35617, p. 1-39, 2021. Disponível em: https://doi.org/
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SENNETT, Richard. O Artífice. Tradução de Clóvis Marques. 10 ed.
Rio de Janeiro: Record, 2021.
UNISINOS. Plano de Ensino da Atividade Acadêmica Planejamento e
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UNISINOS. Plano de Ensino da Atividade Acadêmica - Planejamento e
Avaliação (Semestre letivo 2022/1). Elaborado pela Profª Drª Elí
Terezinha Henn Fabris e as professoras estagiárias Viviane Catarini
Paim e Luciane Frosi Piva. São Leopoldo: UNISINOS, 2022.
83
84
IV
TORNAR-SE PROFESSOR:
o Plano de Aula como
ferramenta para (trans)formação
docente
85
TORNAR-SE PROFESSOR:
o Plano de Aula como ferramenta para (trans)formação docente
es·tá·gi·o
1 Tempo dedicado à prática de uma profissão.
2 Período que se permanece em uma empresa para
aprendizagem e aprimoramento do cargo que se
pretende ocupar definitivamente.
3 Qualquer situação transitória de preparação.
(Dicionário Michaelis, 2023).
86
preparação para a docência, e a qualificação do
ensino de graduação (Brasil. CAPES, 2010, p. 32).
87
Teams, e as atividades assíncronas envolviam a realização de
atividades e tarefas na plataforma do Moodle.
Também fomos convidados, pela nossa orientadora, a escolher
uma obra de arte ou algo que nos representasse e que pudesse
inspirar artisticamente as nossas aulas, e que não fosse apenas uma
ilustração estética, mas que tivesse algum sentido para a nossa
docência, assim como para os entendimentos de docência que
iríamos trabalhar.
Na turma de segunda-feira, escolhemos como obra de arte o
buquê de flores entregue aos medalhistas das olimpíadas de
Tóquio 20214. Essas flores foram cultivadas em locais que foram
devastados pelo terremoto e tsunami de 2011, e que ocasionou o
acidente nuclear na usina de Fukushima. O buquê nos traz, como
mensagem, que é possível florescer ou renascer mesmo que o
contexto ou ambiente fossem desfavoráveis. Devido a essa história
inusitada do buquê, escolhemos esse símbolo para nos acompanhar
e inspirar nessa AA. Diante deste contexto, além do esporte de
rendimento e da competição, precisamos nos lembrar que tudo isso
só tem valor, ou fará sentido, se houver vida. Ou seja, temos uma
compreensão de esporte que vai além do movimento, mas que olha
para a vida, busca seu cuidado e a sua preservação.
Na turma de terça-feira, escolhemos a obra de arte “A vida é
um livro aberto”5, do artista e escultor norte americano Brad
Spencer6, que utiliza tijolos e barro para fazer esculturas
tridimensionais. De acordo com o artista, “as esculturas figurativas
possuem uma sensibilidade única. Especialmente essas, feitas de
tijolo, um material arquitetônico cujas formas visuais raramente se
estendem além de uma parede. [...]. Como fazer arte por meio de
um objeto de características tão rústicas?” (Spencer, n.p).
88
Utilizamos essa obra para trabalhar conceitos importantes como
artesania (Sennett, 2013), construção do conhecimento, cooperação,
partilha e a responsabilidade com o outro. Além disso, essa obra
nos inspirava a pensar a docência como criação, autoral, que só
pode ser criada por cada professor que desenvolverá sua aula, por
isso, uma docência encarnada, como descrevem Fabris e Sebastiany
(2022). Também, mostrava a cada aluno que eles precisavam saber
e identificar as especificidades de suas docências, e que estavam
construindo seus repertórios de ferramentas e conhecimentos
pedagógicos específicos para criar suas formas de se tornarem
professores.
Nesse semestre realizamos reuniões semanais conjuntas com a
supervisora, onde discutimos o planejamento e como seria o
desenvolvimento de nossas aulas e atividades.
Durante todo o semestre as atividades foram desenvolvidas da
seguinte forma: 1) Reuniões de planejamento: antes do início da
disciplina nos reunimos diversas vezes. Nestas reuniões
organizamos o plano e cronograma da AA, as atividades e
materiais no Moodle e definimos a avaliação. 2) Reuniões semanais
de planejamento das aulas: todas as quintas-feiras (9h às 12h) nos
reunimos para organização dos textos e das apresentações das
aulas. Esse momento de preparação de aula era compartilhado com
a professora responsável, e tivemos a oportunidade de participar
de todas as decisões e do acompanhamento e avaliação dos alunos.
3) Horário de estudo e organização individual: dedicamos também uma
carga horária semanal para fazer a apresentação da aula, ler e
estudar os textos, revisar os trabalhos dos alunos e organizar o
Moodle e o grupo no WhatsApp com os estudantes. 4) Participação
no processo de avaliação dos alunos: essa AA tem 96 horas aula, sendo
60h em aula e 36h para práticas, realizada de modo síncrono pela
plataforma Teams. Nós propusemos várias atividades para dar
conta da carga horária e para acompanhar o processo de ensino e
aprendizagem dos alunos. No Grau A (GA) (primeira avaliação) a
89
turma desenvolveu um Projeto Interdisciplinar, um making of7 da
construção do projeto, um estudo de documentos oficiais e uma
apresentação para a turma. No Grau B (GB) (segunda avaliação)
produziram um plano de aula, um making of da construção e a
apresentação de microaula individual. 5) Participação nas aulas:
participamos de forma ativa em todas as aulas, com liberdade e
suporte da professora.
Mesmo tendo duas turmas em dias e horários distintos,
optamos por fazer conjuntamente o estágio docente8. Essa decisão
nos auxiliou no processo de nos tornarmos professores, pois
tivemos a possibilidade de compartilhar nossas dúvidas, dilemas e
as experiências profissionais anteriores ao estágio, assim como as
vividas em nossas turmas.
Acreditamos que esse processo formativo colaborativo foi um
dos diferenciais de nossa experiência, pois vivenciamos um
processo de coformação entre professores estagiários no ES e
também com uma professora mais experiente. Esse conceito foi
importante na nossa constituição docente, pois essa coformação é
uma ação formativa compartilhada entre sujeitos que estão
envolvidos com o fazer pedagógico (Bahia, 2017), e também é “[...]
potente para pensar a articulação dos saberes da experiência,
saberes escolares, saberes pedagógicos etc., [...] que tem na troca
entre os pares, recém-chegados e experientes, uma oportuna forma
de pensar a formação inicial e continuada [...]”. (Bahia, 2020, p. 159),
e no nosso caso, pensar a formação de professores do ES.
O estágio no ES em cursos de licenciaturas se diferencia de
outros estágios, pois estamos formando futuros professores, e isso
traz consigo uma grande responsabilidade social, pois esses
profissionais irão atuar especialmente na Educação Básica, desde a
etapa da Educação Infantil, passando pelo Ensino Fundamental, e
chegando ao Ensino Médio.
90
Neste texto desenvolvemos a importância e a organização do
plano de aula, um dos aspectos experienciados e ensinados em
nosso estágio docente. Sendo assim, o consideramos uma
ferramenta importante para a formação docente e para a docência,
que será desenvolvida pelo futuro professor, em seu contexto
escolar. O texto irá apontar também algumas dificuldades,
potencialidades e possibilidades que experienciamos, juntamente
com os nossos alunos, ao planejarmos e ensinarmos sobre o plano
de aula.
91
making of, onde o estudante deveria descrever o processo de
construção de seu plano de aula, e posteriormente de sua
microaula. Esses relatos foram importantes para que pudéssemos
auxiliar os licenciandos em suas dúvidas e, também, por
acreditarmos que a avaliação não é constituída por apenas uma
nota, mas sim pelo acompanhamento processual do
desenvolvimento dos alunos (habilidades, conhecimentos e
atitudes). Esse processo fica evidenciado no quadro abaixo, onde
um dos estudantes descreve o processo de construção de seu plano
de aula, relatado em seu making of:
92
e, se for necessário, com as dificuldades relacionadas com as respostas.
Neste dia, planejei e escrevi toda a aula.
09/11/2021 – (17:00 às 21:00): Antes da aula do dia 09/11, o
desenvolvimento do plano de aula começou a ser escrito. Na aula
descrita no projeto interdisciplinar, será usado um texto em português
sobre os 3 Rs, chamado “A importância dos 3 Rs”, para que a turma leia
o texto e discuta sobre o conteúdo. Imaginei esse texto sendo utilizado
em uma aula presencial, dessa forma é possível que a turma leia junto
com o professor e não perca o foco, já que o texto é extenso. Entretanto,
vendo do ponto de vista de uma aula online, o texto pode se tornar
cansativo, fazendo com que os alunos percam o foco. Assim, decidi
mudar o texto base de “A importância dos 3 Rs” para “The ‘Reduce,
Reuse, Recycle’ Waste Hierarchy”. O novo texto consegue ser mais
objetivo, prendendo a atenção dos alunos. Como este novo texto é em
inglês, o professor realizará a leitura junto aos alunos.
09/11/2021 – (22:00 às 00:30): Após a aula e discussões, voltei a
planejar o plano de aula. Com a atividade de texto selecionada, decidi
incluir um vídeo que abordasse as consequências da não reciclagem e
o impacto no mundo. No projeto interdisciplinar, esse vídeo estava na
aula seguinte (depois da aula do texto sobre os 3Rs), e foi usado para
continuar a discussão e, também, introduzir um tópico de gramática
para ajudar os alunos em uma futura produção escrita. Contudo, ao
planejar este plano de aula, resolvi apresentar o vídeo nesta aula para
que não fique apenas a leitura para os alunos. Com o vídeo, é possível
ter uma interação maior e mais explicativa com a turma. Para a
discussão do vídeo, foram desenvolvidas algumas perguntas para
guiar o debate.
13/11/2021 – (19:00 à 00:30): Neste dia, fiz o fechamento da aula e
a avaliação. No fechamento, desenvolvi uma atividade em grupo para
que os alunos acessem o que foi aprendido e discutido durante a aula.
Esta atividade estava descrita no projeto interdisciplinar, mas para o
plano de aula fiz algumas pequenas mudanças. Como o texto base
mudou, os alunos agora têm como textos-apoio “The ‘Reduce, Reuse,
Recycle’ Waste Hierarchy”, “3Rs – Reduce, Reuse & Recycle” e “A
importância do 3 Rs”, enquanto que, no projeto interdisciplinar, só
havia um. Esses três textos irão ajudar a turma a ler sobre o mesmo
assunto com escritas diferentes. Além disso, um dos textos está em
93
português, o que vai ajudar os alunos na sua apresentação. Além dos
textos, os alunos também têm o apoio do vídeo apresentado,
possibilitando o aprofundamento do assunto sobre as consequências de
não fazer a reciclagem. Na avaliação, considerei o trabalho em grupo
feito no fechamento da aula e, como possível avaliação do caderno de
campo no futuro, as anotações feitas pelos alunos.
15/11/2021 – (21:30 à 00:00): Últimos retoques do plano de aula e
revisão. Fiz mudanças nas habilidades, objetivos e conteúdo. Ao
finalizar o plano de aula, pude observar e delimitar melhor os objetivos
e conteúdo da aula. Nas habilidades, que antes contavam com três
habilidades selecionadas, ficou com apenas duas. O contrato
pedagógico, o desenvolvimento e os materiais necessários para a aula
foram escritos por último, já que, com o plano completo, é possível
observar o que se faz necessário para a aula. Neste dia, também fiz a
organização das referências e formatação do arquivo.
Fonte: Material da disciplina de Planejamento e Avaliação
(2021/02, grifos nossos).
94
simples, já que elas têm equivalentes em outras áreas, em função de
ser algo muito preparado: – ‘Se você quer 5, 10 minutos de
inspiração, tem de fazer uma longa preparação’. E acrescenta que
sempre fez desta maneira porque gostava: – “Eu me preparava muito
para ter esses poucos momentos de inspiração”. Entretanto, com o
passar dos anos, começou a perceber que precisava ‘de uma
preparação crescentemente maior para obter uma inspiração cada
vez menor’. E concluiu que estava na hora de parar, para fazer outra
coisa, como escrever. Ele diz que não saberia calcular quanto tempo
essas preparações lhes exigiam, mas que, como tudo, tratava-se de
ensaios (Corazza, 2012, p. 1, grifos da autora).
95
docente? Que relações podem ser estabelecidas entre planejamento
e responsabilidade pedagógica?” Essas e outras perguntas
estiveram presentes em nossa ação docente, tanto para
prepararmos e ensaiarmos o nosso plano de aula para a AA, quanto
para ensinarmos e acompanharmos os nossos alunos a fazerem
seus planos.
Partimos do pressuposto de que tudo que pedíssemos que eles
fizessem em seus planos e futuramente com seus alunos em sala de
aula, nós também faríamos com eles. Por esse motivo apresentamos
no primeiro dia de aula o contrato pedagógico10 e o nosso plano de
disciplina detalhado de todo o semestre. Discutimos com eles o
plano e o cronograma e explicamos o que esperávamos deles, e
como faríamos uma avaliação processual, que possibilitasse o
acompanhamento de cada fase, sempre propiciando que pudessem
refazer as atividades, a partir dos nossos comentários, bem como
os critérios e propostas de trabalho para os momentos de
sistematização da avaliação em GA, GB e GC.
O plano de ensino da disciplina foi elaborado levando em
conta o que a Instituição denomina como Caracterização de Atividade
Acadêmica, onde estão descritas as competências e conhecimentos
exigidas na AA. As principais competências desenvolvidas nesta
AA foram:
96
d) Reconhecer diferentes concepções de avaliação e suas implicações
nos processos de planejamento e avaliação; e) Propor instrumentos e
estabelecer critérios de avaliação de modo a orientar a aprendizagem
do aluno; f) Trabalhar de forma interdisciplinar, cooperativa e ética,
evidenciando postura acadêmica e profissional; g) Expressar-se,
oralmente e por escrito, adequando-se às características da situação
em que ocorre a comunicação e respeitando as restrições impostas
pelo(s) gênero(s) de discurso em uso (Unisinos, 2021, p. 2).
97
competências: definição de competências e habilidades e
organização pedagógica (Dias, 2010).
Tema 3: Avaliação, concepções, critérios e instrumentos. 1) Avaliação
como estratégia de qualificação da formação docente (Fabris, 2015). 2)
Avaliação por competências: uma abordagem para a prática
pedagógica universitária na Unisinos (Unisinos, 2017).
Tema 4: Planejamento interdisciplinar: como elaborar um projeto
interdisciplinar? 1) O projeto interdisciplinar, através do trabalho
em equipe e planejamento participativo (Miranda, 2008).
Tema 5: Laboratório de elaboração de planos e microaulas: 1)
Planejamento de ensino: etapas para elaboração do plano (PPP da
escola, Plano da disciplina e Plano de aula) (Fabris, Oliveira, Lima,
2020).
Tema 6: Docências contemporâneas: tecnologias, metodologias e
práticas significativas na elaboração da aula: 1) Workshop sobre TICS e
Educação: compreender as Tecnologias de Informação e
Comunicação (TICs) não apenas como ferramentas educacionais,
mas como possibilidades de proposição de práticas pedagógicas
significativas (Moreira; Schlemmer, 2020).
Entre essas temáticas também tivemos aulas reservadas para
organização e apresentação dos projetos interdisciplinares e das
microaulas e situações para tirar dúvidas dos alunos (tanto no
momento síncrono das aulas, quanto em momentos assíncronos).
Também trouxemos professores convidados para falar sobre
temáticas específicas, a fim de aprofundarmos cada tema.
Essas seis temáticas foram desenvolvidas em nossos planos de
aula e também durante as nossas aulas, com diferentes referências
e de acordo com as competências, conhecimentos e habilidades
desenvolvidas na AA.
Os planos de aula de nossos alunos foram inspirados nos
Projetos Interdisciplinares, e com suporte da Base Nacional
Comum Curricular (BNCC), ou das Diretrizes Curriculares
Estaduais do Rio Grande do Sul, ou da Legislação do Município,
onde cada estudante pode escolher o ano (Ensino Fundamental I e
II e Ensino Médio) em que desenvolveria seu plano de aula, e o
98
conteúdo, sempre de acordo com o nível que seu curso habilita (Ex:
Curso: Pedagogia - Anos Iniciais do Ensino Fundamental; Curso:
Letras Português - Anos Finais do Ensino Fundamental e Ensino
Médio).
Para que os alunos pudessem desenvolver o plano de aula, a
partir da competência específica/habilidade do(s) documento(s)
escolhido(s), nós disponibilizamos um exemplo de estrutura de
plano de aula, que será apresentado a seguir, e auxiliamos em cada
passo do processo de elaboração, pois entendemos que ao elaborar
um plano de aula, o professor desenvolve capacidades de
organização tanto do que é importante ensinar, como devem ser
ensinados os conteúdos e quais as justificativas das escolhas
realizadas, o que pode conferir à docência de cada um maior rigor
e qualidade de suas aulas. Nesse sentido destacamos que quem se
dedica a preparar as suas aulas mostra também um compromisso
ético com o ensino e aprendizagem de seus alunos e desenvolve a
capacidade de estudo, assumindo a carreira docente, como um
trabalho que exige dedicação permanente. É essa (trans)formação
que buscamos para nós e para os nossos alunos; que tenhamos a
intencionalidade e responsabilidade pedagógica em nosso
processo de nos tornarmos professores como um compromisso
com a profissão que escolhemos.
De acordo com Silva (2018), o planejamento é a capacidade de
trabalho voltado para a promoção de práticas pedagógicas que
assegurem acesso a diferentes formas de conhecimento e que
estejam comprometidas com a realidade social do estudante. No
planejamento alguns saberes pedagógicos são importantes, tais
como: o estabelecimento de prioridades, o acolhimento de demandas e
necessidades dos estudantes e a criatividade, quer seja do trabalho escolar,
ou da dinâmica das aulas (Silva, 2018) e, acrescentaríamos, o uso de
uma linguagem atualizada, que engaje os alunos em seu tempo,
demandas e contexto, com uso das tecnologias e outros meios que
os capacite a viver e ler o mundo contemporâneo.
Silva (2018) também destaca outra questão relevante para o
planejamento, a de que precisamos refletir sobre os propósitos e
99
fins da educação, para potencializarmos um planejamento
desenvolvido de maneira crítica e democrática. O autor define o
planejamento como um exercício de pensamento, e que cabe ao
professor o desafio de pensar em planos para organizar as aulas,
“[...] prevendo metas, objetivos, procedimentos e as formas de
seleção e organização dos conteúdos a serem ensinados - ainda se
configura como uma tarefa importante para o sucesso do trabalho
a ser realizado” (Silva, 2018, p. 191). Além disso, o planejamento
como exercício do pensamento nos deixará o tempo todo na tensão
em verificar como a proposta está sendo desenvolvida pelos
alunos, e abertos a refletirmos, revermos, adaptarmos e
modificarmos de acordo com o andamento das aulas, e o plano de
aula precisa ser dinâmico, flexível e adaptável. O pensamento
reflexivo, ativo acompanha todos os processos, por isso,
planejamento e avaliação não se separam.
Em nosso estágio, o planejamento foi acompanhado do
conceito de artesania, desenvolvido pelo sociólogo Richard Sennett
(2013), que se constitui em um constante exercício de aprender com
as experiências vivenciadas; examinar, interpretar e refazer
continuamente constitui um tipo de trabalho artesanal, sempre com
um intuito de fazer bem-feito. O artífice se preocupa com o
processo e não somente com o produto final, porque a habilidade
artesanal se desenvolve no processo do trabalho (Sennett, 2013). Se
o processo foi qualificado, há uma possibilidade muito maior de
obtermos um bom resultado, pois é ele que possibilita o fazer bem-
feito e não outras formas de relação com o trabalho.
As autoras Fabris, Oliveira e Lima (2020) também
desenvolvem e defendem a ideia de o planejamento ser entendido
como uma artesania sennettiana. Para elas, o planejamento
100
repertório cultural; por isso, é algo que vai sendo tecido na prática
cotidiana do professor [...]. (Fabris; Oliveira; Lima, 2020, p. 3).
101
Plano de aula: uma possibilidade de pensamento e de criação
IDENTIFICAÇÃO
Escola:
Professor(a):
Nível da Educação Básica/Ano:
Componentes curriculares:
Tempo da aula:
Título do projeto interdisciplinar:
Competência específica/habilidade:
Tema:
Conteúdos:
102
Estratégias de ensino:
DESENVOLVIMENTO DA AULA
Abertura da aula:
Contrato pedagógico: combinações envolvendo avaliação
Desenvolvimento do tema/conteúdo/competência:
Recursos de ensino:
Avaliação:
Fechamento:
REFERÊNCIAS
Textos estudados para a aula.
Fonte: elaborado pelos autores (2023).
103
considerando que esta era uma atividade síncrona: a solicitação de
câmera aberta durante a aula, observar a pontualidade no horário
das aulas e participação ativa nos momentos de interação e debate
etc. Tanto no projeto interdisciplinar quanto no plano de aula a
avaliação é parte importante a ser discutida no início de cada
processo, pois o aluno tem o direito de saber o que se espera dele.
Portanto, para nós, planejamento e avaliação precisam ser
pensados juntos.
No desenvolvimento do tema/conteúdo/competência, o professor
poderá listar o conjunto de atividades, ou a sequência pedagógica
a ser desenvolvida em aula. Sugerimos que seja uma descrição
compreensível para o professor. Muitas vezes uma narrativa tão
detalhada da sequência de atividades não é indicada, pois como já
mencionamos, o plano de aula pode ser uma ferramenta flexível.
Entendemos esse detalhamento como um roteiro, ou um passo a
passo, do que o professor irá desenvolver em aula, além das
estratégias e procedimentos que vai utilizar, para que a aula seja
compartilhada. No desenvolvimento estão as atividades, as
intervenções do professor, o processo de acompanhamento que ele
vai realizar, o que faz parte do processo de avaliação. Uma aula
pode ter características diagnósticas, de acompanhamento e ou de
sistematização. Já a avaliação, nem sempre é de sistematização, mas
ela pode ser prevista no plano interdisciplinar ou no projeto que
está sendo realizado.
O fechamento da aula consiste em “amarrar” os principais
assuntos que foram desenvolvidos. O professor pode fazer uma
espécie de resgate, uma “costura” dos principais pontos
trabalhados, ou um resumo do que foi tratado, deixando
encaminhado, ou fazendo menção ao que será trabalhado no
próximo encontro. Esse processo também pode ser realizado junto
com o aluno e com uso das tecnologias, como por exemplo, as que
utilizamos na AA, dentre elas o Mentimenter11 e o Padlet12.
104
A avaliação é uma etapa fundamental no processo de ensino e
aprendizagem. No entanto, ela precisa ser definida juntamente com
o planejamento inicial, pois o professor precisa socializar para os
alunos logo no início da atividade, juntamente com o seu
planejamento. Com o avanço das aulas a proposta avaliativa pode
ser retomada e atualizada, porém necessita ser contratada e
socializada aos alunos. Como já destacamos anteriormente,
defendemos uma perspectiva de avaliação com características
processuais e formativa, onde o estudante não é avaliado apenas
em um dia específico, de forma episódica, por meio de um único
instrumento, como por exemplo, somente uma prova final, ou um
trabalho avaliativo. Ela pode ser realizada durante as aulas, e o
professor pode planejar estratégias para analisar as dificuldades
dos alunos, através da avaliação diagnóstica e de
acompanhamento. No entanto, destacamos que, em alguns
momentos do período letivo, o professor precisa realizar uma
sistematização do trabalho realizado, isto é, um momento com um
conjunto de atividades já definidas desde o início do período letivo,
que pode ser composta por atividades individuais e em grupos,
dentre elas provas, trabalhos, seminários, pesquisas, grupos de
discussão, dentre outros. Além destas, citamos a estratégia da
autoavaliação, onde o aluno acompanha sistematicamente todo o
processo, e em todas as aulas, pois o estudante precisa conhecer seu
processo educativo e formativo, sabendo o que precisa de mais
dedicação e estudo, o que ele precisa perguntar, buscar e trabalhar
para resolver os problemas que ainda não consegue. Essa ressalva
é importante, pois consideramos que diferentes instrumentos
podem ser usados para acompanhar o processo de ensino e
aprendizagem, ou ainda o processo educativo; sendo assim,
destacamos que a avaliação não se resume apenas ao resultado de
fechamento do processo.
Apontamos que o professor tenha cuidado ao utilizar, como
critério de avaliação, a participação do estudante, pois entendemos
que essa atitude já faz parte das responsabilidades e atribuições do
aluno. Se a participação do estudante for avaliada, o professor
105
precisa especificar o tipo de participação que espera de seu aluno.
Nesse sentido, Biesta (2020) colabora com esse entendimento
quando desenvolve o conceito de alunar, pois entende, a partir dos
estudos de Fenstermacher (1986) que a tarefa do “[...] aprender —
como tarefa e como realização — é ‘do aprendiz’, e que os professores
devem tentar realizar não a aprendizagem em si, mas a atividade de
alunar. [...] A aprendizagem é, no máximo, o ‘efeito’ da atividade
de alunar, mas não da atividade de ensinar” (Biesta, 2020, p. 67,
grifos nossos). Esse é o desafio dos professores: possibilitar aos
alunos que se responsabilizem pelo “alunar”, e que a avaliação seja
mais um dos processos dessa relação que se estabelece entre ensino
e aprendizagem.
A partir desses elementos, observamos em nossos alunos na
AA um movimento de (re)pensar sobre sua docência, a partir do
exercício do pensamento, observado na elaboração do plano de
aula e, também, na relação estabelecida com os professores da AA,
pois durante todo o desenvolvimento da sua microaula, nós os
acompanhamos, dando sugestões de como o plano poderia ser
qualificado, ser bem-feito no sentido sennettiano. Podemos ver esse
movimento no relato de uma aluna sobre esse processo, descrito
em seu making of:
106
assistir o vídeo que selecionei? Estariam animados, extasiados para
viverem essa experiência? Tantos questionamentos...
01/10/21: Após as contribuições feitas pelas professoras, decidi
modificar algumas questões da minha microaula. Por isso, escolhi
fazer uma aula que traga a origem do conceito de solidariedade e suas
primeiras aplicações e que, ainda, ofereça aos alunos uma ideia para o
início dos seus relatórios (a partir dos materiais coletados na saída de
campo para conhecer os bairros da cidade, na semana anterior). Nesse
sentido, pretendo explanar sobre o conceito solidariedade, e falar
brevemente sobre o que precisa constar nesse relatório que,
posteriormente, será entregue na prefeitura do município.
09/11/21: Hoje após a aula percebi o quão superficial meu projeto
estava, eu realmente não tinha entendido algumas questões. Percebi
que eu precisava exercitar meu pensamento e pensar melhor sobre
essa microaula. Algumas questões colocadas pela Profª Elí me fizeram
refletir muito… Como eu faria meu aluno participar alunando? Como
eu iria professorar? Compreendi que eu precisava dar vida a minha
aula, e que questão importante. Como eu darei vida a minha aula?
Pensei que talvez me aproximando mais dos meus alunos, e
interagindo o tempo inteiro com eles… estabelecendo uma relação de
igualdade, onde eles aprendem e eu também. Além disso, percebi o
quão importante são os outros tipos de avaliação que não a
somativa… nesse sentido optei por realizar uma avaliação formativa,
diagnóstica, de acompanhamento…
Fonte: Material da disciplina de Planejamento e Avaliação
(2021/02, grifos nossos).
107
Durante essa experiência na AA nem todos os alunos tiveram
abertura para aprender por meio deste processo, pois buscamos
mostrar um modo de realizar o planejamento e avaliação, a partir
da nossa forma de organização da disciplina, no acompanhamento
dos alunos e na avaliação processual. Alguns alunos ainda ficaram
apegados a um modelo de plano de aula burocrático, em que o
professor apenas preenche o documento de maneira simplificada,
descrevendo sucintamente as atividades, e ao final propondo a
aplicação de uma prova. No quadro 3, percebemos no relato da
aluna 2 outro posicionamento: “[...] percebi o quão importante são
os outros tipos de avaliação que não a somativa… nesse sentido
optei por realizar uma avaliação formativa, diagnóstica, de
acompanhamento…” (Aluna 2, 2021/02).
Diante desses diferentes relatos, destacamos que foi muito
gratificante acompanhar o processo de cada estudante, perceber
suas transformações na AA, desencadeadas principalmente pela
experiência da artesania, que tinha como principal objetivo que o
aluno realizasse um trabalho bem-feito, um trabalho com tempo de
reflexão, de fazer e refazer, para desenvolver uma habilidade
artesanal (Sennett, 2013). Após este relato de experiência,
ressaltamos que a AA também contribuiu e enriqueceu o nosso
processo de nos tornarmos professores, enquanto estagiários no
ensino superior, pois independente do nível de formação
profissional, o nosso processo de constituição da docência sempre
estará em constante construção.
108
em mente sua intencionalidade pedagógica e possam também
avaliar sua docência, suas aulas e seus alunos.
Temos o intuito de que os alunos construam o que Deleuze
chamou de “caixa de ferramenta”. De acordo com o autor isso
“Nada tem a ver com o significante... É preciso que sirva, é preciso
que funcione” (Deleuze, 1972 p. 132). Nesse sentido entendemos
que o professor pode se tornar um artesão intelectual, que
109
registra o planejamento de como a docência será desenvolvida em
uma aula ou em um determinado tempo (no caso de um projeto).
Os principais argumentos desenvolvidos ao longo do texto,
sobre o plano de aula, ressignificam nossa compreensão sobre essa
ferramenta pedagógica. Não é suficiente apenas destacar sua
importância e que o professor faça uso do plano de aula
diariamente em suas aulas. O que pretendemos foi mostrar a
potência do plano de aula como exercício do pensamento, como
uma forma de o professor estudar e ensaiar sua aula de maneira
intencional e responsável. Sabemos também que o plano de aula
não é uma mera tarefa que o professor precisa realizar,
considerando que ele dispõe de uma carga horária semanal para
elaborar o planejamento, isso faz parte das atribuições do
professor.
O que defendemos é que o plano possa ser compreendido
como uma possibilidade de ensaio ou uma ferramenta para a
(trans)formação de nossas docências, no sentido que qualificá-las e
aproximá-las das expectativas e necessidades de nossos estudantes.
Não tivemos por pretensão, neste texto, dar uma receita de
como um plano deve ser feito, mas mostrar um pouco dessa “caixa
de ferramentas” e, por meio do nosso relato de experiência, mostrar
como essa oportunidade modificou nossa docência e os nossos
modos de ser docente, tendo como disparador uma experiência
coformativa em uma AA em que fomos estagiários do ES.
Ao fazermos essa breve retomada dos principais elementos
que trabalhamos ao longo do texto, não podemos deixar de citar
que para nós, estudantes do curso de doutorado em educação, o
estágio em docência foi uma experiência relevante no que se refere
ao “tornar-se professor do ensino superior”. A ação de constituir-
se professor implica em uma experiência de aprender, ao mesmo
tempo em que se ensina. Nesse sentido, salientamos que nossa
experiência acadêmica teve orientação e participação de uma
professora titular da AA. Esse acompanhamento constante
certamente facilitou nossa participação e atuação, nos
proporcionado maior segurança para a nossa atuação profissional.
110
Uma experiência de coformação entre nós e a professora titular,
entre nós como estagiários no ES, e que também buscamos
desenvolver com nossos alunos da graduação.
Referências
111
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112
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113
114
V
CONHECER AS
ESPECIFICIDADES DOS
ALUNOS:
uma ferramenta para o
planejamento
115
CONHECER AS ESPECIFICIDADES DOS ALUNOS:
uma ferramenta para o planejamento
1.Introdução
116
Para orientar este trabalho, nos pautamos pelo mapeamento
de especificidades e concepções da turma de estudantes, para que
o planejamento da Atividade Acadêmica fosse pensado a partir de
um panorama da caracterização da turma. Chamamos de
especificidades as condições de cada aluno com relação ao seu
tempo livre, rotina de trabalho, tecnologias disponíveis e
propósitos formativos. Da mesma forma, entendemos como
concepções os conhecimentos consolidados pelos estudantes ao
ingressar na Atividade Acadêmica.
A referida Atividade Acadêmica aborda a temática do
planejamento pedagógico e da avaliação. E neste sentido, mais
importante do que a escolha das literaturas, é o modo de fazer, a
intencionalidade formativa, o exemplo que irá marcar o futuro
professor, que pode constituir o modo de ser do aluno no exercício
da docência.
Por isso, tomamos como premissa a responsabilidade
pedagógica em um curso que forma professores para a educação
básica. Bernardete Gatti, importante pesquisadora sobre formação
docente, ressalta que “[...] pensar e fazer a formação de professores
envolve considerar condições situacionais e conscientizar-se das
finalidades dessa formação, considerar os porquês, o para quê e o
para quem é realizada essa formação, assumindo compromissos
éticos e sociais” (2017, p. 722).
Entendemos que o planejamento pedagógico se iniciaria a
partir da elaboração do Plano de Ensino que envolve a definição de
objetivos, metodologias e formas de avaliação, para o
desenvolvimento das atividades educativas. As diretrizes
curriculares da instituição, o contexto sociocultural e as
necessidades dos alunos, são pautas que devem ser consideradas
no planejamento como ferramenta para uma experiência educativa
enriquecedora.
Entre as dimensões que envolvem o planejamento pedagógico,
este texto tem como objetivo abordar as especificidades de uma
turma de licenciandos de diferentes áreas de formação, e
problematiza como a caracterização de um grupo e o mapeamento
117
de suas concepções e percepções podem contribuir para o
refinamento do Plano de Ensino, tornando-o mais adequado a uma
determinada realidade.
Como estudo de caso, apresentaremos a produção de dados
realizada durante o planejamento da Atividade Acadêmica de
Planejamento e Avaliação para alunos das Licenciaturas da
Unisinos, ofertada de forma remota presencial, com 96 horas-aula
desenvolvidas ao longo do semestre de 2023/01, em um contexto de
Estágio Docência, previsto no currículo do Programa de Pós-
Graduação em Educação da mesma Universidade.
118
aptidões e competências que os tornam mais capazes de se
adaptarem a situações futuras.
Com isso, não estamos dizendo que não nos preocupamos com
a aprendizagem dos alunos, mas temos como compromisso
primeiro o ensino como uma ação educativa, considerando os
alunos como sujeitos, ocupando um lugar diferente, em resposta ao
impacto da lógica da aprendizagem na Educação. Portanto,
concordamos que
119
partida original e fundamental. Responsabilidade pedagógica, ou
escolar, dos professores não está apenas no fato de que são
responsáveis pelo crescimento e desenvolvimento de jovens vidas.
Ela também reside no fato de que compartilham o mundo com elas
em suas partes e particularidades.
120
juntos no mesmo ambiente, nos obriga a pensar nas condições de
acesso e de participação dos estudantes, visto que o ambiente
remoto complexifica as relações.
É fundamental pensarmos em modos de acompanhar as
aprendizagens e desenvolver formas de ensino que sejam
adequadas a este espaço que, embora seja remoto, têm a presença
do outro. Como exemplo, quanto aos recursos de
acompanhamento das aulas síncronas, tínhamos como informação
que cinco estudantes assistiam pelos seus celulares, o que nos fez
pensar na formatação das aulas expositivas adequadas para a tela
do celular, com o tempo mais curto de exposição dos conteúdos,
tamanho adequados de fonte nos arquivos utilizados, promovendo
um ambiente “[...] de leitura, de escrita, de conversação, talvez de
pensamento” (Larrosa, 2019, p. 37).
Contudo, torna-se necessário também pensar na
responsabilidade que temos com o tempo do aluno, com o tempo
em que estamos juntos, mesmo que remotamente, e o tempo que
ele consegue dedicar aos seus estudos, ou seja, o tempo fora do
ambiente escolar. Como nos diz Masschelein e Simons (2013, p. 98,
grifo do autor),
121
fazer docente. Conhecer esta rotina nos possibilitou pensar em
estratégias adequadas para cada estudante para o alcance do
objetivo da Atividade Acadêmica.
Da mesma forma, é preciso considerar o tempo do professor,
para que ele possa também pensar, refletir, adequar, planejar
outros modos, para que a formação não seja aligeirada, atropelada
por inúmeros textos sem sentido, pois, como afirma Larrosa (2018,
p. 37),
122
ao fazer docente, pois “[...] é preciso disposição e comprometimento
de cada um com o seu processo formativo; é preciso ser capaz de
fazer a crítica de si mesmo para transformar-se e transformar o
próprio processo” (Fabris, 2015, p. 445).
Sennett (2020, p. 289) em seus estudos sobre a cooperação
afirma que “[...] precisamos estar com os outros para fazer aquilo
que não podemos fazer sozinhos e para aprendermos a lidar com
as diferenças”. De uma maneira geral, nos acostumamos a buscar
parcerias com nossos pares, entre iguais, e a tese do referido autor
nos leva a pensar no potencial do trabalho cooperativo entre
pessoas diferentes, neste caso estudantes com distintas formações,
e voltados para a atuação em diferentes etapas da educação básica.
Ao conviver e estabelecer trocas com pessoas de outras culturas,
refletimos sobre o nosso próprio modo de fazer (hooks, 2021).
Da mesma forma, concordamos com Masschelein e Simons
(2013, p. 98), ao afirmar que
123
metade da turma disponibilizava de uma a duas horas por semana.
Ainda constatamos que uma grande parte dos estudantes tinha
ocupação de trabalho durante todo o dia (manhã e tarde), e alguns,
inclusive, em finais de semana. Estes dados nos fizeram pensar se
as atividades prévias estariam de acordo com o tempo dos alunos,
e, também nos ajudou a refletir e definir quais leituras seriam
imprescindíveis, como obrigatórias, e quais seriam
complementares.
Outrossim, nos questionamos sobre as estratégias usadas para
a realização de trabalhos em grupo, já que a Atividade Acadêmica
tinha como objetivo a elaboração de um Projeto Interdisciplinar,
contemplando as diferentes áreas de formação. Tínhamos como
hipótese que, em uma realidade na qual muitos alunos trabalham,
restariam poucos momentos para o estudo fora da sala de aula.
Neste sentido, foi importante a transformação da sala de aula em
um ateliê, em um laboratório, possibilitando um espaço livre
dentro do horário da aula, onde os alunos, acompanhados pelos
professores, pudessem construir suas atividades e debater sobre as
atividades acadêmicas com seus colegas, nos indicando a
importância de valorizar os momentos síncronos de prática-teoria.
Ainda, sobre os trabalhos em grupo, três estudantes
sinalizaram que se sentiam desconfortáveis com esta prática. A
característica sinalizada por esses estudantes nos fez pensar em um
momento de abordagens sobre a importância desta habilidade para
a docência, o necessário estudo para a resolução de problemas por
meio da interdisciplinaridade, um dos conceitos estudados na
Atividade Acadêmica. Desta forma buscamos conscientizar
preventivamente a turma sobre a importância do convívio, da
partilha e do desenvolvimento de atividades no coletivo e,
especialmente, da coformação.
Contudo, ressaltamos que planejar pensando em cada turma,
em cada grupo, diz respeito à singularidade do professor, no sentido
dado por Larrosa (2019), de uma característica que se remete a uma
maneira própria de fazer as coisas. Sennett (2020) nos diz que
decidimos nos comprometer com algo quando entendemos seu
124
significado, e ao apresentarmos a proposta de Plano de Ensino,
justificando cada uma das estratégias e decisões por meio das
especificidades da turma, fomos ao encontro de um maior
comprometimento dos estudantes com as atividades, a presença e a
participação. Efeitos provocados pelo que bell hooks (2021) descreve
como uma docência engajada, um fazer docente voltado para o ato
de ensinar um grupo específico onde a escuta precede a fala.
125
sinalizando uma preocupação com a responsabilidade pedagógica,
como podemos observar nos excertos a seguir.
Planejar a aula de uma maneira que pode ser aplicada a mais de uma turma
com mais de uma variação devido a necessidade (Estudante da
Licenciatura em Física, grifo nosso).
126
determinado pelo currículo escolar, enfatizando também a lógica
da linguagem da aprendizagem, presente nos discursos
contemporâneos acerca da formação de professores, criticada por
Silva (2018) e Biesta (2020). Da mesma forma, preocupado apenas
com a questão metodológica, de aplicação do conteúdo.
127
Avaliação em Educação é o processo em que, por meio de métodos
avaliativos, como testes e trabalhos, um professor pode fazer um
levantamento do nível de aprendizado de cada aluno individualmente e,
então, da turma como um todo, visando sempre atingir os objetivos
estipulados pelo planejamento (Estudante da Licenciatura em Letras,
grifo nosso).
128
significativamente para a emergência de uma ‘dieta’ educacional
um tanto restritiva, em que o único foco da Educação se tornou o
de produzir ‘resultados de aprendizagem’ mensuráveis em um
pequeno número de áreas curriculares”.
Neste sentido, a avaliação assume um caráter de medição,
classificação e aferição de resultados. Veiga-Neto (2013, p. 6, grifo
nosso) nos explica como a avaliação, com estas premissas, ganhou
espaço na educação escolarizada. Diz ele:
129
que não servem a todos (Estudante da Licenciatura em Letras, grifo
nosso).
130
Planejar e avaliar com esse entendimento e, convocando desde
o início do processo os alunos para um trabalho compartilhado, nos
posicionou como professores junto com eles, com a função docente
reforçada, mas contando com o engajamento de cada um para um
trabalho de coformação. Os alunos estavam imersos em um
processo contínuo de avaliação e tiveram a oportunidade de se ver
enquanto alunos sendo avaliados processualmente, bem como de
repensar em suas concepções de avaliação como finalidade da
Educação.
5. Considerações
131
professores implica a criação de um novo ambiente para a
formação profissional docente”, compromisso que assumimos
junto com a universidade. A busca das concepções dos alunos nos
possibilitou estabelecer um ambiente pautado no exercício da
escuta e no respeito com o saber do professor em formação.
Planejar e avaliar com foco na formação exige cuidado e atenção
com os saberes e conhecimentos do outro.
A segunda questão significativa faz referência a uma educação
democrática, que considera as especificidades e diferenças. Laval e
Vergne (2023, p. 75), defendem que, para construirmos uma
Educação Democrática, precisamos perguntar “[...] quais são as
condições concretas que todos os indivíduos de uma sociedade
democrática e ecológica devem desfrutar para estarem em
condições de terem acesso a uma cultura comum de alto nível?”.
Os autores nos fazem pensar em como tornar a escola um espaço
igualitário diante de uma sociedade injusta. Neste sentido,
buscamos refletir a partir da iniciativa de conhecer a turma, suas
rotinas, seus tempos, seus recursos e seus propósitos, não como um
exercício instrumental, mas para que, ao conhecer as condições
desses alunos, possamos incidir sobre elas nossa ação educativa e
formativa.
Bernard Charlot (2013, p. 103), ao comentar sobre os contrastes
sociais na escola, salienta que “[...] os modos como são geridas as
tensões e as formas que tomam as contradições dependem da
prática do professor e, também, da organização escolar, do
funcionamento da instituição escolar e do que a sociedade espera
desta”. Ainda, diz que “[...] a escola contemporânea não deve
apenas respeitar as diferenças, ela deve também fazer aparecer e
registrar diferenças entre os alunos” (Charlot, 2013, p. 119). Em um
ambiente com pessoas diversas realizando atividades distintas
aumentam-se as possibilidades de trabalhar diferentes propósitos
e até mesmo abrem-se possibilidades de surgir o inusitado, em
detrimento aos espaços homogêneos, controlados e com todas as
atividades previstas.
132
Por fim, acreditamos que a experiência também dá sentido aos
escritos e inspirados em Larrosa e Kohan (2018, p. 3), que escrevem
sob inspiração foucaultiana, nos aliamos a eles, quando
argumentam que
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135
136
VI
EXPERIÊNCIAS DISCENTES:
relações que se estabelecem
entre o alunar e o professorar
Carolina Haussmann
Eduarda Sebastiany
137
EXPERIÊNCIAS DISCENTES:
relações que se estabelecem entre o alunar e o professorar
Carolina Haussmann1
Eduarda Sebastiany2
138
Muitas foram as aulas que participamos, mas nem todas foram
espaços de relação pedagógica. Tal relação, como a proposta por
Masschelein e Simons (2014) na epígrafe escolhida, desafia a
simplificação de enxergar o ensino como uma mera hierarquia ou
simetria entre professor e aluno. O diálogo é apontado como o
cerne dessa interação, transcendendo papéis pré-determinados e
estabelecendo uma conexão mais profunda entre os sujeitos. Ou
seja, tornar uma sala de aula um espaço de relação pedagógica
requer um certo esforço.
Vivemos, enquanto alunas do curso de Pedagogia da
Universidade do Vale do Rio dos Sinos (UNISINOS), encontros e
relações pedagógicas com alguns professores. Mas, neste capítulo
em especial, queremos narrar sobre experiências discentes com a
organizadora deste livro, a professora Elí Fabris. Pois ela, em suas
aulas, não apenas compartilha o conhecimento, mas também
estabelece um ambiente propício ao exercício de pensamento. Ao
criar um espaço de estudo permeado pela escuta e abertura ao
outro, ela reforça a importância do diálogo na formação docente.
Reforça, além disso, pautada em Biesta (2020), que o aluno precisa
alunar e, o professor, professorar.
Para Biesta (2020) a tarefa do professor, ao professorar, se
traduz em despertar em outro ser humano o desejo de querer
existir no e com o mundo de uma forma adulta, isto é, como sujeito.
Ele precisa conduzir o processo educativo e despertar o alunar dos
alunos, ou seja, mobilizar os alunos a assumir a responsabilidade
em seu processo educativo, a serem ativos e participantes deste
processo. O que não significa apenas ser ativo participante, mas
estar engajado, participar responsavelmente. Não para prestar
contas ou obter uma boa nota ou avaliação, mas por se sentir
responsável e comprometido com a própria formação.
Neste capítulo, iremos narrar algumas experiências
vivenciadas pela primeira autora, ao cursar a atividade acadêmica
de Planejamento e Avaliação (no primeiro semestre do ano de
2022), ministrada pela Professora Elí Fabris e pela doutoranda
139
Luciane Frosi Piva (realizando estágio docente), à qual a segunda
autora participou como convidada.
140
permitindo-nos reassumir nossas funções e posições de estudantes,
acadêmicas e futuras professoras.
No decorrer das aulas, a professora Luciane Piva,
compartilhou conosco obras artísticas que oportunizavam espaços
de discussão sobre as nossas concepções e os nossos olhares para a
profissão que escolhemos seguir. Profissão essa que exige coragem.
Coragem para enfrentar os desafios que percorrem a carreira
docente. Coragem para enfrentar os ataques à educação. Coragem
para enfrentar, por vezes, a solidão que se faz presente no processo
formativo. Coragem para se desconstruir e reconstruir.
O próximo desafio apresentado era de criarmos um Projeto
Interdisciplinar, no qual fomos divididos em pequenos grupos.
141
seriam trabalhadas dentro do planejamento, o que acabou afetando
a produtividade do trabalho em grupo: de unir diferentes
conhecimentos, olhares, perspectivas e recursos para criar um
projeto interdisciplinar. Não havia experiência e entendimento do
trabalho interdisciplinar entre o grupo.
A partir disso, as professoras, através de suas avaliações sobre
o andamento do projeto, quando passavam para dar assistência aos
grupos, traziam indagações, sugestões e sanavam dúvidas,
encaminhando o trabalho, o que auxiliou para o engajamento do
grupo e desenvolvimento do projeto. No entanto, é preciso
ressaltar que todos os grupos apresentaram dificuldades em saber
trabalhar em grupo de forma participativa e equilibrada. Muitos
colegas ainda acreditam que trabalhar em grupo é discutir o
trabalho e deixar sob a responsabilidade de um ou dois colegas. No
grupo em questão, por sermos em três licenciandas do curso de
Pedagogia, o engajamento aconteceu de forma mais rápida.
Resolvemos trabalhar sobre a importância do patrimônio
cultural, histórico, material e imaterial através da perspectiva da
fotografia. As escolhas que fizemos deixaram-me muito feliz e
entusiasmada com o planejamento do projeto, pois tinha uma
viagem marcada para aquele final de semana, com destino à casa
dos meus avós maternos, em Teutônia (RS). Meus avós guardavam
muitos materiais e objetos pessoais do meu bisavô já falecido, que
havia se tornado o primeiro professor do município.
Na viagem, consegui coletar materiais enriquecedores e cheios
de memórias afetivas para a minha família, como: fotos de grupo
de professores em formação na década de 1930, livros didáticos,
fotos de casamento, de turmas da década de 1950, e uma câmera do
meu bisavô, vinda da Alemanha. Todos esses materiais trouxeram
inspiração para a montagem do projeto, possibilitando extensas
trocas e diálogos entre o grupo.
O projeto foi estruturado conforme as sugestões apresentadas
pelas professoras, seguindo um roteiro. A cada aula trabalhávamos
com diferentes assuntos e temáticas que serviram como
embasamento para a realização do trabalho. As professoras
142
preparavam materiais e disponibilizavam textos para debates
coletivos em aula, dividindo a turma em pequenos grupos com
perguntas e/ou pautas específicas sobre o material que deveriam
ser apresentadas posteriormente para o grande grupo.
Trabalhamos com a Base Nacional Comum Curricular (BNCC,
2017), com o Referencial Curricular Gaúcho (2018), também com
autores importantes que tratam sobre a importância do
planejamento e da avaliação, sobre a intencionalidade pedagógica,
a responsabilidade pedagógica e sobre como estamos nos
constituindo professoras. Todas essas discussões foram
importantes e indispensáveis para a formação acadêmica de
licenciatura em Pedagogia, pois reforçam a postura ética e
comprometida que devemos assumir enquanto profissionais da
educação, de permitir se expor e compartilhar vivências com os
demais colegas e com as professoras.
Fundamentada nisso, o projeto interdisciplinar foi
desenvolvido para uma turma do 3° ano dos Anos Iniciais do
Ensino Fundamental, centrando-se nas áreas do conhecimento de
Linguagens e Ciências Humanas, como Língua Portuguesa, Artes,
História e Geografia. O objetivo do projeto era trabalhar com
Educação Patrimonial, buscando desenvolver a compreensão dos
alunos para essa temática tão importante, evidenciando as
mudanças históricas e culturais da comunidade em que vivem e
trazendo reflexões através da perspectiva da fotografia, tal qual nos
ensina Dalla Zen (2013, p. 21) quando diz:
143
grupo humano tem modos de viver, saberes e fazeres que reforçam
a noção de identidade (pessoal e coletiva)” (Dalla Zen, 2013, p. 15).
Entendemos, a partir de Dalla Zen (2013, p, 15) que a cultura é
dinâmica, ela é transmitida e apreendida, e é no convívio social,
fazendo parte do grupo ao qual pertencemos, que vamos
adquirindo a nossa própria identidade.
Nesse sentido, torna-se significativo que nós, como futuras
professoras e estudantes de Pedagogia, saibamos compreender a
necessidade de estimular os alunos a respeitarem todas as culturas
(no plural, por não existir apenas uma), enfatizando a importância
da historicização, dos equívocos e estereotipização existentes na
sociedade em que vivemos, bem como sinalizar que nenhuma
cultura é melhor e/ou anula outra.
Considerando essas argumentações, trabalhamos, dentro do
projeto, sobre a linguagem da fotografia e de que forma ela está
inserida em nossas vidas – seja ela impressa/revelada, através de
celulares, computadores, tablets e/ou máquinas fotográficas. A
partir disso, buscamos criar um projeto interdisciplinar que
tornasse possível encantar os alunos com o compartilhamento de
histórias familiares e debates coletivos, bem como a valorização da
conservação de tradições e identidades dos povos da comunidade,
o conhecimento dos valores culturais através de fotos na montagem
de um observatório cultural, e o acesso a outros objetos de estudo.
Ao finalizarmos a estruturação do projeto interdisciplinar,
iniciamos a montagem da apresentação. Para produzir o material de
apresentação do projeto, dedicamos tempo para criar vídeos e
imagens dos materiais coletados na viagem e que seriam utilizados se
o projeto interdisciplinar fosse acontecer de forma presencial, em uma
sala de aula, “tirando-o do papel”. Essa apresentação foi realizada
para os colegas e as professoras, no momento de aula online.
O momento de apresentação dos projetos foi de grande
encanto e prestígio. Cada grupo apresentou projetos
interdisciplinares instigantes e com distintas especificidades e
singularidades. Estávamos muito curiosas e interessadas no que
havia sido produzido pelos diferentes grupos, de que modo
144
haviam planejado interdisciplinarmente, combinando, por
exemplo, as áreas de Biologia, História, Física, Educação Física etc.
Acreditamos que aquele momento tenha sido muito importante
para todos os colegas, pois foram notadas as dificuldades de
compreensão no que se refere à interdisciplinaridade ao longo das
aulas, de construir um projeto que abraçasse diferentes áreas do
conhecimento, a intersecção dos conteúdos, bem como o
posicionamento de cada acadêmico.
Após a finalização do Projeto Interdisciplinar e das
apresentações dos grupos, fomos chamadas a planejar e a produzir
uma microaula, relacionando-a conforme a estruturação do projeto
anterior.
145
Segundo as autoras do artigo em questão, existe uma
compreensão equivocada sobre o planejamento, de que ele é
apenas uma tarefa meramente burocrática da ação pedagógica,
uma função naturalizada na docência. Ao contrário disso, elas
entendem:
146
um dos maiores desafios que enfrentei, e que por muitas vezes tirou-
me da zona de conforto e da quietude, foi o de montar um roteiro de
apresentação que não ultrapassasse os 10 minutos, como se eu
estivesse em uma sala de aula com meus alunos.
Este exercício exigiu mergulho profundo nas temáticas que
seriam trabalhadas dentro do planejamento da microaula e
dedicação nos ensaios para a apresentação. Dessa forma, utilizo
como inspiração para descrever os meus aprendizados o conceito
de (de)formação discutido e apresentado por Elí Fabris (2020, p. 13-
14), ao dizer que:
147
microaula. As devolutivas ocorreram no início, meio e fim. Nunca
estive só neste processo, o que demonstra o comprometimento das
professoras com a tarefa educativa e com o nosso processo
formativo dentro da universidade. Além de pareceres, as
professoras deixaram comentários no texto, fazendo sugestões e, se
necessário, correções. Exemplo disso está no feedback recebido.
Considerações finais
148
a dimensão deste trabalho. O semestre, com tantos desafios que
fomos convidadas a enfrentar juntas, possibilitou a produção de
algo que não acreditávamos que seria possível, nos fortalecendo
enquanto licenciandas e futuras professoras. As experiências
apresentadas causaram aquele friozinho na barriga de quem está
iniciando na profissão e de quem realmente se importa e realiza
com seriedade as atividades desenvolvidas na graduação.
A modo de conclusão, expressamos nossa gratidão às
professoras Elí e Luciane. Guardaremos com grande estima os
valiosos ensinamentos partilhados e as aulas ministradas com
entusiasmo por professoras comprometidas com sua profissão.
Agradecemos pelas inspirações e pelas marcas positivas que
deixaram em nosso percurso formativo, as quais impactaram
grandemente em nossa constituição docente.
Referências
149
150
VII
PLANEJAMENTO PEDAGÓGICO,
EXERCÍCIO DE PENSAMENTO E
CUIDADO DE SI: o que se aprende na
elaboração de microaulas na
formação inicial de professores?
Maurício Ferreira
Samantha Dias de Lima
151
PLANEJAMENTO PEDAGÓGICO, EXERCÍCIO DE
PENSAMENTO E CUIDADO DE SI: o que se aprende na
elaboração de microaulas na formação inicial de professores?
Maurício Ferreira1
Samantha Dias de Lima2
Eu acredito é na rapaziada
Que segue em frente e segura o rojão
Eu ponho fé é na fé da moçada
Que não foge da fera e enfrenta o leão
Eu vou à luta com essa juventude
Que não corre da raia a troco de nada
Eu vou no bloco dessa mocidade
Que não tá na saudade e constrói
A manhã desejada.
Gonzaguinha
1.Notas introdutórias
152
docente no contemporâneo implica em estarmos atentos ao mundo
em que vivemos de modo integral, ou seja, estarmos conscientes de
que temos, também, um compromisso com o passado, o presente e
o futuro nos cursos de formação inicial de professores e
professoras.
Ser docente no contemporâneo3 tem exigido uma constante
atualização e adaptação às mudanças sociais e educacionais deste
tempo, destacando o período pandêmico que mudou,
radicalmente, as nossas relações com as tecnologias e,
consequentemente, os modos de ser professor, de ensinar e de
promover a aprendizagem. Deste modo, entendemos que as
docências no contemporâneo ocorrem de múltiplas formas. São
modos de ser e fazer que coadunam com os professores e suas
artesanias. Ocorrem na interação com os múltiplos tempos
(individuais, coletivos, institucionais e da experiência) através da
intencionalidade pedagógica. Articulam-se com os territórios
habitados, sejam eles físicos ou virtuais.
Nessa esteira de pensar o ofício de professor, Boff e Lima
(2022, p. 76), apontam que
153
Cabe-nos, na condição de formadores de formadores, manter
um compromisso com os “recém-chegados” na profissão. São
esses, os licenciandos e licenciandas, que destacamos em nosso
texto. Trata-se de um grupo que, apesar das dificuldades, da pouca
valorização da carreira e do empresariamento da educação (Klaus,
2017), “não foge da fera e enfrenta um leão”, tal como anunciado
na epígrafe. Adiante, observaremos que o conjunto dos materiais
analisados para este capítulo ratificam, pelo menos entre os(as)
mais destemidos(as) e dedicados(as), o desejo de construírem um
outro amanhã por meio da educação. É a partir dessa “aposta” de
ordem intelectual, técnica e política que nos mobilizamos para
responder, mesmo que provisoriamente, à seguinte questão: o que
os professores em formação aprendem na elaboração de microaulas
nos cursos de Licenciatura?
Para tanto, foi necessário articular esse exercício formativo no
contexto do planejamento pedagógico4 - cerne desta obra. Embora o
planejamento pedagógico tenha se configurado como uma
dimensão constituinte do trabalho docente, uma pauta defendida
nos cursos de formação inicial e continuada de professores, faz-se
urgente voltar ao tema a fim de garantir aquilo que Gandin (1985,
p. 22) defendia já na década de 1980:
154
outras de ordem mais democrática e justa, parece um caminho
promissor para redefinir, em outros termos e lógicas, as práticas de
organização e planejamento pedagógico. Assumir esse desafio que
é tanto epistemológico quanto operacional, contribuiria, também,
para a superação daquilo que Rodrigues (2011, p. 30) observava nos
planejamentos das alunas do curso Normal – mas que é
reproduzido por parte das licenciandas e licenciandos – ao
manifestarem “[...] o quão mecânico para elas era o ato de planejar,
expressavam essa constatação nos exercícios, como alunas, e, na
prática de sala de aula, como estagiárias”.
Em um artigo mais recente, Silva (2018), por sua vez, identifica
como controversa a questão do planejamento pedagógico na
literatura contemporânea, o que nos permite examinar com
cuidado essa dimensão das práticas docentes. O autor aponta três
questões sobre o planejamento: primeiro, trata-se das abordagens
mais culturalistas do currículo que compreendem o papel da escola
como responsável por ampliar o repertório cultural das crianças e
dos jovens. Essa orientação por si só não resolveria a questão das
exclusões e valorização das manifestações culturais hegemônicas.
Para tanto, o professor deveria desenvolver, em seu planejamento,
uma postura de permanente questionamento sobre o que conta
como válido culturalmente.
O segundo aspecto refere-se à “cultura da medição” discutida
por Biesta (2012), que atribui mais peso às questões de gestão
(indicadores, rankings, relatórios de desempenho e outros) do que
à dimensão pedagógica. O planejamento, aqui, estaria à serviço de
uma meta educacional definida em um contexto de comparação e
competição. Para o autor holandês, “a ironia desses argumentos é
que a responsabilização é com frequência limitada à escolha a partir
de um cardápio fixo e, assim sendo, lhe falta a dimensão
democrática” (Biesta, 2012, p. 811).
O terceiro e último argumento versa sobre a urgência de
ressignificar as ciências pedagógicas a fim de que sejam,
novamente, capazes de reinventar as práticas que circulam na
escola contemporânea. Tal movimento está, intrinsecamente,
155
comprometido com a própria decisão de adjetivarmos o
planejamento como “pedagógico”. Retomaríamos, assim, sua
especificidade em uma nova posição de destaque. Por fim, Silva
(2018, p. 187-188) arremata suas observações ao pontuar que,
5Os referidos cursos são: Biologia, Ciências Sociais, Educação Física, Filosofia,
História, Letras Português, Letras Inglês; Letras Português-Inglês, Matemática e
Pedagogia.
156
metodológicos”; “Planejar, pensar e cuidar de si”; e as
“Considerações finais”.
2. Procedimentos metodológicos
157
pode ser entendido como um modo de organizar os materiais
empíricos das pesquisas a partir das perguntas investigativas e da
perspectiva de análise; ele é escrutinado e ganha uma nova
organização, a partir de narrativas semelhantes e recorrentes,
silêncios ou, ainda, sentidos dissonantes. Portanto, grupos de
sentido são o resultado desses movimentos.
Deste modo, com base nas recorrências das narrativas dos
alunos e alunas, foi possível organizar dois grupos de sentidos
para a construção deste texto: “Planejar e avaliar como estratégia
de pensamento” e “Cuidado de si”, que apresentaremos nas
seções analíticas a seguir.
Parece-nos importante destacarmos que as turmas que
geraram as narrativas tiveram como perspectiva teórica principal
a docência como artesania. Não é nosso objetivo aqui discutir ou
mesmo operar com essa noção, que está apresentada e
desenvolvida por Fabris (2015), Fabris e Oliveira (2020), e Boff e
Lima (2021). Porém, compreendemos que essa especificidade
marca, de alguma forma, tanto o encadeamento das atividades
propostas nas aulas quanto as provocações feitas pela professora
e estagiários(as). Como será possível observar, essa compreensão
de artesania, inspirada sobretudo em Sennett (2019), aparece em
certas narrativas.
158
vai criar uma forma de ensinar que seja própria do que entende por
ensino e sobre como a criança, o jovem ou o adulto aprende. Também
entrará no jogo a questão de como o professor vai avaliar o que o
aluno aprendeu. Então, ensino, aprendizagem e avaliação formam a
tríade de concepções necessárias ou essenciais para a construção do
planejamento docente (Fabris; Oliveira; Lima, 2020, p. 2.).
159
mesmo”. [...]. A epiméleia não designa simplesmente esta atitude
geral ou essa forma de atenção voltada para si. Também designa
sempre algumas ações, ações que são exercidas de si para consigo,
ações pelas quais nos assumimos, nos modificamos, nos purificamos,
nos transformamos e nos transfiguramos
160
Com relação a este fazer artesanal que envolve pensar e fazer
em prol de planejar, trazemos as narrativas do Aluno 18:
161
Evidenciamos nesses licenciandos em formação a preocupação
com o desafio que implica a docência, que se dá neste exemplo em
pensar em um planejamento que seja significativo com a habilidade
que se deseja desenvolver, mas também com a sociedade que
acreditamos ser necessária para os tempos contemporâneos.
162
processo, o caminho percorrido na sala de aula. Para Larrosa e Rechia,
o primeiro e fundamental entre os artefatos docentes é a sala de aula.
Para os autores estes artefatos do professor são as ferramentas, os
instrumentos e também as tecnologias do seu ofício.
“A sala de aula é fundamental porque constitui um espaço
público, porque permite separar tempos e espaços e porque é, ou
pode ser, uma cápsula atencional” (Larrosa; Rechia, 2018, p. 60).
Neste sentido, a sala de aula ocupa o espaço de um laboratório, um
espaço de vivências para a promoção de experiências educativas.
163
E esse exercício de pensamento nos tensiona a pensarmos e
agirmos coadunados ao contexto em que estamos inseridos, tanto
na perspectiva micro (a nossa sala de aula), como na macro (que
envolve as questões éticas, estéticas e políticas) da nossa profissão,
como podemos observar nas narrativas anteriores, dos alunos 21 e
23. E, também, na narrativa a seguir:
164
efeitos gerados nos modos de pensar de licenciandos e licenciandas
de uma turma de planejamento e avaliação na qual a perspectiva
teórica assumida pelas formadoras é a docência como artesania
(Fabris; Oliveira; Lima, 2020).
Assim, avançaremos em outras direções, e em outras
articulações que permitam compreender, agora, as imbricações
políticas, éticas e estéticas contidas no princípio helenístico e
romano do cuidado de si, estudado por Foucault (2010). Como nos
alerta Gros (2010, p. 486):
165
essas práticas de si estão entrelaçadas umas às outras e apoiam-se
simultaneamente. Por isso, essa divisão é meramente analítica.
Iniciemos nossa análise.
Os seguintes destaques do material empírico abordam o
exercício realizado pela turma de gravar as microaulas, assistirem-
se e ajustar o que lhes parecia inadequado em sua prática e
regravar. Uma sequência que liga o planejamento, a execução, o
olhar e o ajuste do modo de ser em sala de aula. Vejamos:
[...] Tive que regravar algumas vezes, pois falava as palavras erradas,
minha postura não ficava muito boa, ou algo havia atrapalhado a
filmagem. Aluna 28
Depois da edição, olhei todo vídeo. Percebi que falei de uma forma um
pouco “infantilizada”, ainda que seja com bebês. Mudaria isso no caso
de gravar novamente. Aluna 6
166
ou seja, escrevem “[...] de uma vez só, às vezes a partir de um
esboço geral, e geralmente na noite anterior à data de entrega. Os
estudantes de graduação não têm tempo de reescrever, visto que
muitas vezes precisam entregar vários trabalhos na mesma época
do ano”. Esse “método” repete-se nas demais atividades
acadêmicas.
Entretanto, na microaula as exigências e as condições são
outras. É necessário assistir-se e é sabido, antecipadamente, que os
colegas também lhe assistirão7. O que talvez não estivesse, ainda,
evidente para as alunas é que estavam em uma experiência
artesanal (Sennett, 2019). Um professor que se reconhece como
artífice compreende a importância do esboço; acolhe a positividade
das contingências e limitações para o aperfeiçoamento do trabalho;
evita ser inflexível nos modos de fazer; reconhece que o
perfeccionismo tende a torná-lo individualista; e sabe a hora de
parar e seguir em frente.
Essas questões são complexas e requerem estudos
aprofundados no campo das docências. Porém, seja em uma ou
noutra direção em que se desenhe os modos de ser das Alunas 1 e
28, seus registros no making of apontam para uma prática do olhar
sobre si mesmas. Anunciam um interesse em aperfeiçoar-se.
Entregarem-se, por completo, a um trabalho bem-feito. Afinal,
“fazer as coisas direito – seja na perfeição funcional ou mecânica –
não deve ser uma alternativa quando não nos esclarece sobre nós
mesmos” (Sennett, 2019, p. 122). Como veremos adiante,
167
assumimos que não é tanto o conhecimento de si que orienta o
olhar, mas sim o cuidado de si mesmo.
Na mesma esteira, a Aluna 6 assiste à gravação da sua
microaula voltada para a Educação Infantil. Porém, percebe que
mantém uma fala inadequada diante das possíveis crianças para as
quais planejou sua intervenção pedagógica. Ao adjetivar sua
comunicação como “infantilizada”, mostra reconhecer os padrões
e os rituais exigidos na condução dialógica da docência nessa etapa
da Educação Básica.
A licencianda em questão talvez não tenha, ainda, articulado
de forma mais ampla ou profunda seus atos de fala com a artesania
docente, mas já percebe que sua ação intencional de educar passa
pela potência de sua palavra. Nessa direção, Larrosa (2018, p. 194)
discute o “drama da mediação” e aponta que, “[...] como sua
presença se faz através da palavra, o mestre é também um artesão
da palavra ou, melhor, da oscilação entre a palavra e o silêncio.
Dando sua palavra, o mestre abre o diálogo e se converte, portanto,
em um artesão do diálogo”.
O conceito de presença trata menos do comparecimento físico
e mais da disposição e entrega do professor aos seus alunos e ao
conhecimento que ministra. Por meio de sua postura, atitudes e
palavras ele marca que a turma existe, que cada um e cada uma são
importantes e aquilo que ensina é extremamente relevante
(Masschelein; Simons, 2013). Emerge, assim, o artesão da palavra
capaz de capturar a atenção e o interesse do aprendiz. Mas, por onde
começar? Qual o caminho a percorrer? Uma pista deixada pelo excerto
é o olhar para si, passando em revista o que fez ou deixou de fazer
na sala de aula, ou na chamada sala de referência da Educação
Infantil.
Por fim, temos a Aluna 7, que reflete a respeito da importância
de sua imagem pessoal para o exercício da docência. Podemos nos
perguntar sobre em que consiste essa imagem docente destacada
pela licencianda? Poderíamos supor que se trata das vestimentas,
corte de cabelo e penteado. Talvez a referência seja sobre o trato
social, hábitos de higiene, etiqueta e bons modos. Em outra direção,
168
seriam aspectos relacionados à lisura, justeza e gentileza. Todas
essas imagens já estiveram, em algum momento, não somente
associadas à figura do professor como, também, exigidas em maior
ou menor grau de acordo com a época em que apareciam.
Porém, o contexto do exercício da microaula é outro. A aluna
acredita, após repassar o vídeo, que tem “capacidade para ensinar”.
Isso nos leva a inferir que não se trata de moda ou decoro. Reflete
sobre outros aspectos relacionados à postura e disposição
profissional diante dos alunos, que são percebidos somente quando
vê a si mesma desenvolvendo o que planejou; uma forma de
conduzir a aula que marca um jeito singular de ser professor.
Diríamos que tal perspectiva se alinha ao que Pennac (2008, p. 208)
aponta sobre seus professores inesquecíveis e marcantes:
169
processo longo e contínuo de assumir sua própria constituição
(formação), a qual Foucault (2010) chamou de “autossubjetivação”.
Nesse sentido, há uma ruptura operada durante o processo. Não no
interior do sujeito, mas “[...] em relação ao que cerca o eu. É em torno
do eu, para que ele já não seja escravo, dependente e cerceado, que
se deve operar essa ruptura” (Ibdem, p. 191).
Essa noção de conversão é muito potente para pensarmos no
processo de formação das alunas que olham para si por meio dos
vídeos e assumem certa liberdade e responsabilidade sobre sua
formação. Nesse sentido, o exercício de planejamento pedagógico
e seu ensaio parecem romper, momentaneamente, com a
170
quando convertem o olhar para si mesmos? Na cultura de si, na
forma como assumimos, nesta análise, as práticas históricas de
conversão, o esforço está em desviar o olhar do outro e de tudo que
o cerca. Não para decifrar-se como objeto de conhecimento, mas
com o intuito de tornar clara, diante dos olhos, a meta que deseja
em termos de modos de existência. Na relação entre o eu e a meta,
bem como no vazio a ser preenchido entre ambas. Deve-se assumir
a própria vida como uma obra de arte; uma tékhne toûs bíou (uma
arte de viver) que precisa ser construída. Em outras palavras,
4. Considerações finais
171
nas práticas de cuidado de si em uma disciplina dos cursos de
Licenciatura.
O planejamento pedagógico é, inapelavelmente, atravessado
pelas concepções que os professores carregam, nem sempre
explícitas para o próprio sujeito. Segundo Rodrigues (2011), faz-se
necessário instaurar um processo de reflexão e ação da prática
docente que estabeleça pressupostos formulados a partir do estudo
de certos eixos, quais sejam: sociedade, sujeito, conhecimento,
educação, aprendizagem, currículo e cultura. Acrescentaríamos, ao
rol das discussões conceituais, as noções de ensino, metodologia,
docência e formação. Portanto, o desafio de inventar novas formas
de planejamento pedagógico inicia-se pelo estudo minucioso
desses eixos que o sustentam. Trata-se de estabelecer seus nexos
contemporâneos com a racionalidade neoliberal, seguir seus
rastros históricos de continuidade e descontinuidade.
Tudo isso parece-nos válido e urgente. Todavia, o que o breve
ensaio forneceu são pistas a respeito da potência do planejamento
pedagógico para a formação e ação docente. Sua elaboração e
experimentação no formato de microaulas assemelha-se a uma
série de práticas que os gregos e romanos exerciam no intuito de
prepararem-se para uma tarefa real. Uma sequência de atos
denominados de meletân/gráphein/gymnázein. Esclarece-nos
Foucault (2010, p. 382) que,
172
Ainda a esse respeito, o filósofo aponta que estamos diante de
um jogo que possui suas regras e técnicas específicas que precisam
ser dominadas. Mas, é, também, um espaço de liberdade “[...] onde
cada qual improvisa um pouco em função de suas conveniências,
de suas necessidades e da situação” (Ibidem, p. 383). Em nossas
análises diríamos que o exercício de pensamento e a conversão do
olhar são indissociáveis na prática do planejamento pedagógico, tal
como apresentado na série greco-romana. A experiência final da
disciplina acadêmica levou os licenciandos e as licenciandas a
pensarem no desejo de ser professor e professora, na importância
do estudo sério e na liberdade e vontade de criar algo significativo.
Tudo isso articulado ao movimento que os fez parar e voltar o olhar
para si mesmos, para o modo que pretendem assumir a docência,
despertando, destarte, uma capacidade ainda embrionária de
resistência.
Referimo-nos, ao fim e ao cabo, sobre a possibilidade de
qualificar a intencionalidade pedagógica que repercutirá na forma
de pensar e organizar os conhecimentos, elencará estratégias de
ensino, definirá os tempos geral e específico de cada etapa,
organizará os espaços possíveis, avaliará as aprendizagens e
assumirá o que lhe cabe no próprio processo formativo.
Referências
173
BECKER, Howard S. Truques da escrita: para começar e terminar
teses, livros e artigos. Rio de Janeiro: Zahar, 2015.
BIESTA, Gert J. J. A (Re)descoberta do Ensino. São Carlos: Pedro &
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AUTORAS E AUTORES
Eduarda Sebastiany
Mestranda em Educação pela Universidade do Vale do Rio dos
Sinos (Unisinos), na Linha de Pesquisa Formação, Pedagogias e
Transformação Digital. Membro do Grupo Interinstitucional de
Pesquisa em Pedagogias, Docências e Diferenças (GIPEDI/
Unisinos) e do Laboratório de Docências Contemporâneas
(LABDOC/UNISINOS/CNPq). Professora da Rede Municipal de
Ensino de Novo Hamburgo (RS). E-mail:
[email protected]
Caroline Haussmann
Graduanda no curso de Pedagogia pela Universidade do Vale do
Rio dos Sinos (Unisinos). Bolsista de Iniciação Científica
(PIBIC/CNPQ). Integrante do Grupo Interinstitucional de Pesquisa
em Docências, Pedagogias e Diferenças (GIPEDI/CNPq), e do
Laboratório de Docências Contemporâneas (LABDOC/
UNISINOS/CNPq). E-mail: [email protected].
177
Luciane Frosi Piva
Doutoranda em Educação na Universidade do Vale do Rio dos
Sinos (Unisinos) na Linha de Pesquisa Formação, Pedagogias e
Transformação Digital (Bolsista PROEX/CAPES). Mestra em
Educação pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul
(UFRGS). Especialista em Educação Infantil (Unisinos) e
Coordenação Pedagógica (UFRGS). Professora da Rede Municipal
de São Leopoldo e de Novo Hamburgo. Assessora pedagógica no
Núcleo da Educação Infantil na Secretaria Municipal de Educação
de Novo Hamburgo (SMED/NH). Membro do Observatório da
Cultura Infantil (OBECI) e do Grupo Interinstitucional de Pesquisa
em Pedagogias, Docências e Diferenças (GIPEDI/CNPq/Unisinos).
Professora pesquisadora do LABDOC/Unisinos. - E-mail:
[email protected]
178
de Nível Superior (CAPES) pela bolsa integral (Proex) para estudos
stricto sensu. E-mail: [email protected].
Sandra de Oliveira
Pedagoga. Doutora em Educação pela Universidade do Vale do Rio
do Sinos (Unisinos). Bolsista Pós-doutorado Júnior CNPq (2020-
2021). Professora Substituta no Instituto Federal do Rio Grande do
Sul - IFRS Campus Feliz/RS, e Coordenadora da Extensão na
Diretoria de Pesquisa, Extensão e Inovação - DPEI da Fundação
Liberato, Novo Hamburgo/RS. Integra o Grupo Interinstitucional
de Pesquisa em Docências, Pedagogias e Diferenças (GIPEDI/
CNPq) e o Laboratório de Docências Contemporâneas (LABDOC/
UNISINOS/CNPq). Email: [email protected]
Tiago Locatelli
Doutorando em Educação pela Universidade do Vale do Rio dos
Sinos (Unisinos), na Linha de Pesquisa Formação, Pedagogias e
Transformação Digital. Mestre em Educação pela Unisinos.
Membro do Grupo Interinstitucional de Pesquisa em Pedagogias,
Docências e Diferenças (GIPEDI/Unisinos). Professor do Ensino
Básico, Técnico e Tecnológico no Instituto Federal de Educação,
Ciência e Tecnologia do Rio Grande do Sul, campus Bento
179
Gonçalves. Agradece o apoio do IFRS pelo afastamento integral
para estudos stricto sensu. E-mail: [email protected].
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