Ciência: & Saúde Coletiva

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Ciência & Saúde Coletiva

cienciaesaudecoletiva.com.br DOI: 10.1590/1413-81232024296.04112023


ISSN 1413-8123. v.29, n.6

Desempenho da atenção primária à saúde no estado de São Paulo, 1

Brasil, no período de 2010-2019

TEMAS LIVRES
Performance of primary health care in São Paulo state, Brazil,
during the period 2010-2019

Arnaldo Sala (https://orcid.org/0000-0002-8941-8045) 1


Carla Gianna Luppi (https://orcid.org/0000-0001-9183-8594) 2
Gabriela Arantes Wagner (https://orcid.org/0000-0001-6070-7233) 2
Raimundo Valdemy Borges Pinheiro Junior (https://orcid.org/0000-0001-9758-8856) 3
Nivaldo Carneiro Junior (https://orcid.org/0000-0003-1358-9160) 4

Abstract This article presents the results of an Resumo O artigo apresenta uma análise do
analysis of the performance of primary heal- desempenho da APS no estado de São Paulo na
th care in São Paulo state over the last decade última década, em contexto de crise econômica e
against a backdrop of financial crisis and he- retração dos investimentos em saúde. Utilizaram-
alth funding cuts. We conducted a time series -se indicadores de desempenho, determinantes em
analysis (2010-2019) of performance indicators saúde e sistema de saúde, em série temporal (2010
across the following dimensions based on an a 2019), a partir de matriz conceitual adaptada.
adapted conceptual framework: health service Foram calculadas variações percentuais anuais
performance, health system, and determinants (VPA) de cada indicador em modelo log-linear.
of health. Annual percentage change was cal- Os indicadores de desempenho apresentaram,
culated for each indicator using a log-linear no geral, evolução favorável; no entanto, ocorreu
model. Performance across the indicators was piora em indicadores relacionados à qualidade do
generally positive; however, there was a decline cuidado (sífilis congênita, partos cesáreos e rastre-
in performance across indicators of quality of amento de câncer de colo uterino). Verificou-se,
care (congenital syphilis, cesarean section rate ainda, um potencial aumento das demandas ao
and cervical cancer screening). The findings also SUS (envelhecimento da população e redução da
1
Secretaria de Estado da show a potential rise in demand for public ser- cobertura da saúde suplementar) e aumento das
Saúde de São Paulo. Av.
Doutor Arnaldo 351, 5º
vices (due to population aging and a reduction despesas em saúde em contexto de redução do
andar. 01246-901 São Paulo in the percentage of the population with private PIB per capita.
SP Brasil. health insurance) and increase in health expen- Palavras-chave Atenção primária à saúde, Indi-
[email protected]
2
Departamento de
diture against a backdrop of falling GDP per cadores básicos de saúde, Estudos de séries tem-
Medicina Preventiva, capita. porais, Brasil
Universidade Federal de São Key words Primary health care, Primary care
Paulo. São Paulo SP Brasil.
3
Programa de Pós-
indicators, Time series studies, Brazil
Graduação em Saúde
Coletiva, Universidade
Federal de São Paulo. São
Paulo SP Brasil.
4
Departamento de Saúde
Coletiva, Faculdade de
Ciências Médicas da Santa
Casa de São Paulo. São
Paulo SP Brasil.
Cien Saude Colet 2024; 29:e04112023
2
Sala A et al.

Introdução por apresentar a maior população estimada e ri-


queza produzida no país15, em 2009 apresentava
A atenção primária à Saúde (APS) tem sido de- baixa cobertura de ESF, o que contrastava com as
nominada como um ponto de atenção à saúde demais UF, em parte devido ao modelo de aten-
que oferece um conjunto de ações individuais ção programático, caracterizado por sua ampla
e coletivas articuladas em um sistema de saú- rede de Centros de Saúde, anterior à implantação
de com o objetivo de conferir atenção integral do SUS16. Em 2019, o ESP tinha população esti-
à população1. No Brasil, avanços significativos mada de 45.919.049 habitantes, correspondendo
na organização da APS ocorreram a partir da a 22% do total do país, distribuída em 645 mu-
implantação do Sistema Único de Saúde (SUS). nicípios, com 76% da população vivendo nos 81
Instituiu-se um novo modelo tecnológico de or- municípios com mais de 100 mil habitantes15,17.
ganização, denominado de atenção básica (AB), Nessa perspectiva, o objetivo deste artigo é
centrado na territorialização e adscrição da po- analisar as tendências temporais dos indicadores
pulação à equipe de saúde, com foco na família e de desempenho da APS no estado de São Paulo
na comunidade e com a implantação progressiva no período de 2010 a 2019.
da Estratégia Saúde da Família (ESF)2.
Para a indução desse modelo de atenção em
território nacional, foram publicadas as Políti- Materiais e métodos
cas Nacionais de Atenção Básica (PNAB) (2006,
2012 e 2017)3-5, que se pautaram na centralidade Este estudo ecológico de série temporal de indi-
da ESF e disciplinaram as regras de financiamen- cadores relacionados à APS integra o projeto de
to para a sua expansão. Adicionalmente, desta- pesquisa intitulado “participação das organiza-
cou-se também a promulgação da lei dos Mais ções sociais na gestão da atenção básica em saúde
Médicos, em 2013, que propiciou, além de dispo- em municípios do Estado de São Paulo” (FAPES-
sitivos para ampliação e qualificação da formação P-PPSUS, nº 2019/03961-8), e compreende o pe-
médica, um aumento significativo de sua dispo- ríodo de 2010 a 2019.
nibilidade na rede da AB6.
A partir de 2017, ocorreu inflexão na direção Indicadores e fontes de dados
das políticas de AB: perda da centralidade no
modelo e mudança do modelo de financiamen- Os indicadores selecionados compõem uma
to, com prejuízos na manutenção da ESF como matriz conceitual para monitoramento da AB,
indutora da reorientação da APS5-9. Além das adaptada das proposições do Projeto de Ava-
mudanças nas regras a Emenda Constitucional liação de Desempenho do Sistema de Saúde
nº 95/2016 – “teto de gastos” – que congelou por (PROADESS) 18, composta pelas dimensões de
20 anos os recursos destinados à saúde, o que desempenho dos serviços de saúde, sistema de
contribuiu para prejuízos ao já deficitário finan- saúde e determinantes da saúde. A primeira di-
ciamento do SUS, e consequentemente da AB10. mensão foi composta pelas subdimensões de
O monitoramento e avaliação da APS são acesso, efetividade e adequação relacionadas à
instrumentos essenciais à gestão pública da saú- APS. A dimensão de sistema de saúde considerou
de11-14. Em decorrência das mudanças nas políti- a subdimensão de financiamento, e a dimensão
cas públicas no período e do contexto político e de determinantes da saúde, as subdimensões so-
econômico no país nas últimas duas décadas, tor- cioeconômica e demográfica.
na-se oportuno a necessidade de compreensão da A seleção dos indicadores privilegiou a ques-
efetivação da AB. tão da viabilidade de obtenção dos dados, a
É nesse contexto que se buscou analisar como partir de bases de dados oficiais, de acesso livre
a APS vem desenvolvendo suas ações, observadas e vinculadas ao SUS, adotando-se os critérios
a partir de um conjunto de indicadores de desem- de validade, confiabilidade e sensibilidade19. Os
penho, nessa última década em uma de suas uni- indicadores considerados, as fontes dos dados e
dades da federação (UF): o estado de São Paulo os métodos de cálculo das respectivas taxas são
(ESP). Se por um lado esse estado é caracterizado apresentados no Quadro 1.
3

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Quadro 1. Indicadores utilizados e respectivos numeradores, denominadores, método de cálculo e fonte de dados.
Dimensão e Fontes de
Indicador Numerador Denominador Método de cálculo
subdimensão dados
1. Desempenho dos serviços
Cobertura da APS Carga horária População total [(Carga horária médica e-Gestor AB1
médica na APS na APS / 40) * 3.000] /
População total
Acesso
Cobertura populacional Carga horária População total [(Carga horária cirurgião e-Gestor AB1
estimada pelas equipes de cirurgião dentista na APS / 40) *
saúde bucal dentista na APS 3.000] / População total
Taxa de internação por Número de População de 0 a Número de internações SIH3/SEADE2
asma em menores de 10 internações 9 anos por asma de 0 a 9 anos
anos por asma em de idade * 100.000 /
menores de 10 População menor de 10
anos anos
Taxa de internação por Número de População de 30 a Número de internações SIH3/SEADE2
acidente vascular cerebral internações por 59 anos por AVC de 30 a 59 anos
(AVC) em pessoas de 30 AVC de 30 a 59 * 100.000 / População de
a 59 anos de idade anos 30 a 59 anos
Taxa de internação por Número de População menor Número de internações SIH3/SEADE2
infecção respiratória internações de 5 anos por IRA em menores de
aguda (IRA) em crianças por IRA em 5 anos de idade * 10.000
menores de 5 anos de menores de 5 / População menor de
idade anos de idade 5 anos
Taxa de mortalidade Óbitos em Nascidos vivos Óbitos em menores SIM4/
infantil menores de um de um ano * 1.000 / SINASC5
ano Nascidos vivos
Taxa de mortalidade Óbitos em Nascidos vivos Óbitos em menores de SIM4/
neonatal menores de 28 28 dias * 1000 / Nascidos SINASC5
dias vivos
Taxa de mortalidade pós- Óbitos de 28 Nascidos vivos Óbitos de 28 a 365 dias SIM4/
neonatal a 365 dias de de vida * 1000 / Nascidos SINASC5
Efetividade vida vivos
Proporção de recém- Recém- Nascidos vivos Recém-nascidos filhos SINASC5
nascidos filhos de mães nascidos de mães adolescentes (<
adolescentes menores de filhos de mães 20 anos) * 100 / Nascidos
20 anos adolescentes vivos
(< 20 anos)
Proporção de recém- Recém- Nascidos vivos Recém-nascidos com SINASC5
nascidos com baixo peso nascidos com baixo peso ao nascer
ao nascer baixo peso ao (peso < 2.500 gramas) *
nascer (peso < 100 / Nascidos vivos
2.500 gramas)
Taxa de detecção de sífilis Número de Nascidos vivos Número de gestantes SINAN6/
em gestante gestantes notificadas com sífilis * SINASC5
notificadas com 1000 / Nascidos vivos
sífilis
Taxa de sífilis congênita Número Nascidos vivos Número de casos SINAN6/
de casos notificados de sífilis SINASC5
notificados de congênita * 1.000 /
sífilis congênita Nascidos vivos
Porcentual de internações Número de Total de Número de internações SIH3
por condições sensíveis internações internações por condições sensíveis
à APS por condições à APS * 100 / Total de
sensíveis à APS internações
continua
4
Sala A et al.

Quadro 1. Indicadores utilizados e respectivos numeradores, denominadores, método de cálculo e fonte de dados.
Dimensão e Fontes de
Indicador Numerador Denominador Método de cálculo
subdimensão dados
Proporção de cesarianas Número Número de partos Número de partos SINASC5
entre os partos de partos totais cesarianas * 100 /
cesarianas Número de partos totais
Proporção de cesarianas Número Número de partos Número de partos SIH3
entre os partos no SUS de partos SUS cesarianas * 100 /
cesarianas Número de partos SUS
Porcentagem de Número de Nascidos vivos Número de nascidos SINASC5
nascidos-vivos cujas nascidos vivos vivos cujas mães fizeram
mães fizeram sete e mais cujas mães sete e mais consultas
consultas de pré-natal fizeram sete e de pré-natal * 100 /
mais consultas Nascidos vivos
de pré-natal
Razão de exames Número População Número de exames SIA7
Adequação
citopatológicos cérvico- de exames feminina de 24 a citopatológicos cérvico-
vaginais na faixa etária de citopatológicos 64 anos de idade vaginais na faixa etária
25 a 64 anos cérvico- de 25 a 64 anos /
vaginais na (População feminina de
faixa etária de 24 a 64 anos de idade / 3)
25 a 64 anos
Razão de exames Número de População Número de exames SIA7
de mamografia de exames de feminina de 50 a de mamografia de
rastreamento realizados mamografia de 69 anos de idade rastreamento realizados
em mulheres de 50 a rastreamento em mulheres de 50 a
69 anos e população da realizados em 69 anos / (População
mesma faixa mulheres de 50 feminina de 50 a 69 anos
a 69 anos de idade / 2)
2. Determinantes de saúde
Proporção de idosos no Número de População total Número de pessoas com SEADE2
total da população pessoas com menos de 60 anos de
menos de 60 idade * 100 / População
anos de idade total
PIB municipal per capita Produto População total Produto interno bruto IBGE8
Socioeconômica interno bruto em reais X 1.000.000/
e demográfica em reais População total
Percentual de população Número População total Número de pessoas ANS9/SEADE2
beneficiária de saúde de pessoas beneficiária da saúde
suplementar beneficiária suplementar * 100 /
da saúde População total
suplementar
3. Sistema de saúde
Despesa total em saúde Despesa total População total Despesa total em Saúde / SIOPS10
per capita em Saúde População total
Percentual de recursos Despesa total Receita de Despesa total em Saúde SIOPS10
Financiamento
orçamentários em saúde em Saúde impostos e / Receita de impostos
transferências e transferências
constitucionais constitucionais
1. Informação e Gestão da Atenção Básica - e-Gestor AB (https://egestorab.saude.gov.br/); 2. Fundação Sistema Estadual de Análise de Dados
(https://www.seade.gov.br/); 3. Sistema de Informações Hospitalares (http://sihd.datasus.gov.br/principal/index.php); 4. Sistema de Informações
sobre Mortalidade (http://www2.datasus.gov.br/DATASUS/index.php?area=060701); 5. Sistema de Informações sobre Nascidos Vivos (http://
www2.datasus.gov.br/DATASUS/index.php?area=060702); 6. Sistema de Informação de Agravos de Notificação (https://portalsinan.saude.gov.
br/); 7. Sistema de Informações Ambulatoriais do SUS (http://sia.datasus.gov.br/versao/versao.php); 8. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
(https://www.ibge.gov.br/); 9. Agência Nacional de Saúde (https://www.gov.br/ans/pt-br); 10. Sistema de Informações sobre Orçamentos Públicos
em Saúde (https://www.gov.br/saude/pt-br/acesso-a-informacao/siops).

Fonte: Autores.
5

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Os indicadores foram obtidos dos seguintes Resultados
sistemas de informação em saúde (SIS): Sistema
de Informação sobre Mortalidade (SIM); Siste- A distribuição das taxas de cada um dos 23 indi-
ma de Informação de Nascidos Vivos (SINASC); cadores selecionados para o ESP segundo ano é
Cadastro Nacional de Estabelecimentos de Saúde apresentada na Tabela 1. Em relação à dimensão
(CNES); Sistema de Informação de Agravos de de desempenho dos serviços, no período obser-
Notificação (SINAN); Sistema de Informação do vado destacaram-se: elevação da cobertura da
Programa Nacional de Imunização (SI-PNI); Sis- APS de 51,03% para 60,33%; a redução das taxas
tema de Informações sobre Orçamentos Públicos de internação (por asma em menores de 10 anos;
em Saúde (SIOPS). Foram extraídos das seguin- por AVC em pessoas de 30 a 59 anos de idade,
tes interfaces: Informação e Gestão da Atenção por IRA em crianças menores de 5 anos de ida-
Básica (e-Gestor AB); Secretaria de Saúde do de); redução discreta da taxa de mortalidade in-
Estado de São Paulo (SES-SP); Departamento de fantil e seus componentes; redução de RN filhos
Informática do Sistema Único de Saúde (DATA- de mães adolescentes (< 20 anos) e de RN com
SUS) do Brasil; Fundação Sistema Estadual de baixo peso ao nascer; e redução do percentual de
Dados (SEADE). Os valores anuais do PIB per internações por condições sensíveis à APS. As
capita e da despesa em saúde per capita foram taxas de incidência de sífilis congênita e a taxa
deflacionados pelo Índice Nacional de Preços ao de detecção de sífilis em gestantes apresentaram
Consumidor Amplo (IPCA), por meio da calcu- elevação. Destacam-se, ainda, a elevação da pro-
ladora do IPCA. As bases de dados consultadas porção de cesarianas entre os partos no SUS e a
são de acesso público, disponíveis na internet e já diminuição da razão de exames citopatológicos
apresentavam as taxas dos indicadores calculadas cérvico-vaginais na faixa etária de 25 a 64 anos.
para os anos incluídos na investigação. Na dimensão de determinantes em saúde
destaca-se o aumento na proporção de idosos no
Análise estatística total da população, em todo o período estudado.
Na dimensão de sistema de saúde verifica-se
As tendências de cada um dos indicadores aumento da despesa total em saúde per capita en-
selecionados foram analisadas em modelo log- tre os anos de 2010 e 2014 e de redução a partir de
-linear, sendo o ano considerado a variável inde- 2015, com discreta recuperação no último ano.
pendente e as taxas de cada indicador as variá- Na análise das tendências temporais desses
veis dependentes. Calcularam-se as estimativas indicadores, apresentadas na Tabela 2, a cober-
de variação percentual anual (annual percent tura da APS apresentou aumento consistente
change –APC) dessas taxas no período analisa- (AAPC = 1,9; IC95% 1,4; 2,5); já a cobertura po-
do, utilizando-se o software Joinpoint Regression pulacional estimada pelas equipes de saúde bucal
Program 4.8.0.0. O software analisou as variações apresentou redução consistente no período (APC
percentuais anuais no período, identificando os = -0,4; IC95%: -0,8; -0,1 – dimensão de desempe-
eventuais pontos de inflexão (joinpoint) na curva nho dos serviços).
de tendência, traduzindo uma mudança signifi- Dos 11 indicadores considerados na subdimen-
cativa da APC no decorrer do período estudado. são de efetividade, 9 apresentaram tendência de
Na ocorrência de joinpoint, foram calcula- redução no período de 2010 a 2019 (Tabela 2), in-
das as APC correspondentes a cada segmento da cluindo o percentual de internações por condições
curva. Adicionalmente, foi calculada também a sensíveis à APS, que apresentou redução em todo o
variação percentual anual média para o período período analisado (APC = -1,4; IC 95%: -1,5; -1,3).
inteiro (average annual percent change – AAPC). A taxa de sífilis congênita, nessa subdimen-
Ainda foram calculados os intervalos de confian- são de efetividade, destacou-se por apresentar
ça (IC) para 95%. tendência desfavorável, com APC = 25,0 (IC95%:
20,6; 29,6) no período de 2010 a 2015; no perío-
Considerações éticas do subsequente, de 2015 a 2019, não apresentou
APC significativa. No entanto, a variação per-
O projeto foi aprovado pelo Comitê de Ética centual anual média do período inteiro mostrou
em Pesquisa da Irmandade da Santa Casa de Mi- importante tendência de aumento (AAPC = 14,3;
sericórdia de São Paulo, sob parecer nº 4.007.368. IC95%: 11,7; 17,0). Destacou-se, ainda, a taxa de
detecção de sífilis em gestantes, que apresentou
aumento considerável no período de 2010 até
2017 (APC = 24,1; IC95%: 19,5; 28,9), com esta-
6
Sala A et al.

Tabela 1. Taxas anuais dos indicadores de APS de acordo com as dimensões e subdimensões para os anos de 2010 a 2019.
Ano
Dimen­são SD Indicador
2010 2011 2012 2013 2014 2015 2016 2017 2018 2019
Desempenho Acesso Cobertura da APS 51,03 51,72 53,74 54,81 57,88 58,75 60,56 59,94 60,30 60,33
dos serviços Cobertura populacional estimada pelas equipes de 35,26 35,45 35,91 35,67 35,27 35,32 35,43 34,11 34,15 34,46
saúde bucal
Efeti­vidade Taxa de internação por asma em menores de 10 190,17 173,08 160,67 171,61 138,30 166,36 139,29 139,36 160,01 129,49
anos
Taxa de internação por AVC em pessoas de 30 a 62,65 62,22 58,21 56,42 56,04 55,44 56,40 55,29 56,95 55,89
59 anos de idade
Taxa de internação por IRA em crianças menores 244,77 233,96 224,30 215,53 197,92 186,65 195,65 193,89 193,41 186,45
de 5 anos de idade
Taxa de mortalidade infantil 11,86 11,58 11,52 11,53 11,45 10,80 11,08 10,90 10,76 11,05
Taxa de mortalidade neonatal 8,13 7,90 7,91 7,86 7,87 7,57 7,66 7,66 7,44 7,77
Taxa de mortalidade pós-neonatal 3,73 3,68 3,61 3,67 3,58 3,22 3,42 3,23 3,33 3,28
Proporção de RN filhos de mães adolescentes (< 14,77 14,77 14,85 14,94 14,55 13,82 13,18 12,10 11,20 10,43
20 anos)
Proporção de RN com baixo peso ao nascer 9,12 9,30 9,28 9,30 9,13 9,10 9,12 9,15 9,17 9,37
Taxa de sífilis congênita 1,90 2,40 3,10 3,90 4,80 5,40 6,10 6,70 6,60 6,00
Taxa de detecção de sífilis em gestante 3,60 5,30 6,30 8,20 10,20 11,20 14,00 17,50 20,50 18,90
Porcentual de internações por condições sensíveis 16,82 16,58 16,37 15,93 15,72 15,66 15,40 15,28 14,99 14,74
à APS
Ade­quação Proporção de cesarianas entre todos os partos 58,68 59,97 60,89 61,88 61,41 59,32 59,00 59,16 58,57 58,82
Proporção de cesarianas entre os partos no SUS 40,35 41,15 42,65 43,51 43,50 42,78 43,31 43,89 43,72 44,69
Porcentagem de nascidos-vivos cujas mães 77,75 77,89 75,57 75,78 76,07 76,93 78,12 79,65 79,72 80,20
fizeram sete e/ou mais consultas de pré-natal
Razão de exames citopatológicos cérvico-vaginais 0,53 0,52 0,51 0,49 0,46 0,43 0,45 0,42 0,43 0,38
na faixa etária de 25 a 64 anos
Razão de mamografia de rastreamento em 0,26 0,30 0,30 0,31 0,32 0,30 0,31 0,31 0,30 0,31
mulheres de 50 a 69 anos
Deter­minan­tes Socio­­ Proporção de idosos no total da população 11,57 11,88 12,20 12,52 12,85 13,19 13,60 14,01 14,43 14,86
de saúde econômica e PIB Per capita 51318,08 52869,29 53549,59 55020,73 55965,72 54061,51 50952,22 49944,48 48206,62
demo­gráfica Percentual de população beneficiária de saúde 42,16 42,34 42,92 43,78 43,85 42,22 40,19 39,26 38,99 38,61
suplementar
Sistema de Financia­mento Despesa total em saúde per capita 751,86 801,64 852,36 919,36 971,80 938,21 931,34 911,99 931,50 960,92
saúde Percentual de recursos orçamentários em saúde 21,24 21,48 22,26 23,01 23,91 24,42 25,86 25,44 24,12 23,54
Fonte: Informação e Gestão da Atenção Básica (e-Gestor AB); Sistema de Informações sobre Mortalidade (SIM); Sistema de Informações Hospitalares (SIH); Sistema de Informações sobre
Nascidos Vivos (SINASC); Sistema de Informação de Agravos de Notificação (SINAN); Sistema de Informação Ambulatorial (SIA); Fundação Sistema Estadual de Análise de Dados (SEADE);
Sistema de Informações sobre Orçamentos Públicos em Saúde (SIOPS); Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS); Cadastro Nacional de Estabelecimentos de Saúde (CNES); e Instituto
Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
7

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Tabela 2. Variação percentual anual (APC) dos indicadores selecionados de APS e variação percentual anual média (AAPC)
para os indicadores que apresentaram ponto de inflexão (joinpoint) na curva de tendência, e respectivos intervalos de confiança
para 95% (IC 95%).
Dimensão Subdimensão Indicadores Período APC IC 95% AAPC IC 95%
Acesso Cobertura da APS 2010 - 2016 3,0 2,4 - 3,6 1,9 1,4 - 2,5
2016 - 2019 -0,2 -1,9 - 1,6
Cobertura populacional estimada 2010 - 2019 -0,4 -0,8 - -0,1
pelas equipes de saúde bucal
Efetividade Taxa de internação por asma em 2010 - 2019 -3,1 -5,2 - -0,9
menores de 10 anos
Taxa de internação por AVC em 2010 - 2013 -4,0 -6,6 - -1,3 -1,4 -2,2 - -0,5
pessoas de 30 a 59 anos de idade
2013 - 2019 0,0 -1,0 - 0,9
Taxa de internação por IRA em 2010 - 2015 -4,9 -6,0 - -3,8 -2,8 -3,5 - -2,1
crianças menores de 5 anos de
idade
2015 - 2019 -0,1 -1,7 - 1,5
Taxa de mortalidade infantil 2010 - 2019 -1,0 -1,4 - -0,5
Taxa de mortalidade neonatal 2010 - 2019 -0,7 -1,1 - -0,2
Taxa de mortalidade pós-neonatal 2010 - 2019 -1,6 -2,4 - -0,9
Proporção de recém-nascidos filhos 2010 - 2014 0,1 -0,9 – 1,0 -3,7 -4,2 - -3,3
de mães adolescentes menores de
20 anos
2014 - 2019 -6,7 -7,3 - -6,0
Proporção de RN com baixo peso 2010 - 2019 0,0 -0,3 - 0,3
ao nascer
Desempenho Taxa de sífilis congênita 2010 - 2015 25,0 20,6 - 29,6 14,3 11,7 - 17,0
dos serviços 2015 - 2019 2,2 -2,8 - 7,5
Taxa de detecção de sífilis em 2010 - 2017 24,1 19,5 - 28,9 19,3 13,2 - 25,8
gestante
2017 - 2019 3,9 -21,7 - 37,8
Porcentual de internações por 2010 - 2019 -1,4 -1,5 - -1,3
condições sensíveis à APS
Adequação Proporção de cesarianas entre 2010 - 2013 1,4 -0,5 - 3,4 -0,2 -0,7 - 0,4
todos os partos
2013 - 2019 -0,9 -1,6 - -0,3
Proporção de cesarianas entre os 2010 - 2012 3,1 -0,9 - 7,3 1,1 0,3 - 1,8
partos no SUS
2012 - 2019 0,5 0,0 - 1,0
Porcentagem de nascidos-vivos 2010 - 2013 -1,10 -2,5 - 0,4 0,4 -0,1 - 0,8
cujas mães fizeram sete e/ou mais
consultas de pré-natal
2013 - 2019 1,1 0,6 - 1,6
Razão de exames citopatológicos 2010 - 2019 -3,3 -4,1 - -2,5
cérvico-vaginais na faixa etária de
25 a 64 anos
Razão de mamografia de 2010 - 2012 8,0 -0,7 - 17,5 1,6 0,0 - 3,2
rastreamento em mulheres de 50 a
69 anos
2012 - 2019 -0,2 -1,3 - 0,9
continua
8
Sala A et al.

Tabela 2. Variação percentual anual (APC) dos indicadores selecionados de APS e variação percentual anual média (AAPC)
para os indicadores que apresentaram ponto de inflexão (joinpoint) na curva de tendência, e respectivos intervalos de confiança
para 95% (IC 95%).
Dimensão Subdimensão Indicadores Período APC IC 95% AAPC IC 95%
Socio­ Proporção de idosos no total da 2010 - 2015 2,7 2,6 - 2,7 2,8
econômica e população
demo­gráfica 2015 - 2019 3,0 3,0 – 3,0
Determinantes PIB per capita (reais) 2010 - 2014 2,1 0,9 - 3,3 -0,9 -1,5 - -0,3
de saúde 2014 - 2018 -3,8 -4,9 - -2,7
Percentual de população 2010 - 2013 1,6 -1,3 - 4,6 -1,1 -1,9 - -0,2
beneficiária de saúde suplementar
2013 - 2019 -2,3 -3,3 - -1,4
Financiamento Despesa total em saúde per capita 2010 - 2014 6,0 4,1 - 7,9 2,3 1,5 - 3,2
2014 - 2019 -0,5 -1,8 - 0,8
Sistema de
Percentual de recursos 2010 - 2016 3,5 2,9 - 4,0 1,4 0,9 - 1,9
Saúde
orçamentários em saúde
2016 - 2019 -2,7 -4,3 - -1,1
Fonte: Autores.

bilização no período subsequente. Para o período inflexão ocorreram, respectivamente, em 2014 e


inteiro, a AAPC foi de 19,3 (IC95%: 19,3; 25,8). 2016.
Na subdimensão de adequação, embora a O Quadro 2 apresenta a síntese dos resulta-
proporção de partos cesáreos tenha apresentado dos segundo as dimensões, apontando a tendên-
tendência significativa de redução no período de cia no período completo de observação e as even-
2013 a 2019, nos partos realizados no SUS ve- tuais inflexões ocorridas.
rificou-se um aumento consistente no período
inteiro (AAPC = 1,1; IC95%: 0,3; 1,8). A razão
de exames citopatológicos cérvico-vaginais apre- Discussão
sentou redução sustentada no período de 2010 a
2019 (APC = -3,3; IC95%: -4,1; -2,5). A razão de Ao se analisar a tendência dos indicadores de
mamografia de rastreamento em mulheres não desempenho da AB, ficou claro que, apesar da
apresentou tendência significativa (Tabela 2). ampliação do acesso à APS no ESP, no período
Na dimensão de determinantes de saúde os observado, os indicadores de desempenho rela-
indicadores apresentaram ponto de inflexão, mas cionados à qualidade do cuidado apresentaram
com comportamentos distintos: a proporção resultados desfavoráveis, apontando o desafio do
de idosos no total da população teve, no perío- ESP na qualificação das ações da AB. Observou-
do inteiro, tendência de aumento (AAPC = 2,8; -se que a maioria dos indicadores de desempe-
IC95%: 2,8; 2,8), enquanto o percentual de popu- nho, de acesso e efetividade exibiram tendência
lação beneficiária de saúde suplementar apresen- favorável; apenas a taxa de incidência de sífilis
tou tendência de redução no período de 2013 a congênita destacou-se por apresentar tendência
2019, com APC = -2,3 (IC95%: -3,3; -1,4). O PIB inversa. Os indicadores de adequação tiveram
per capita teve variação positiva até 2014 (APC tendência de desempenho desfavorável ou está-
= 2,1; IC95%: 0,9; 3,3), seguido por período de veis no período, indicando que, apesar de o ESP
variação negativa até 2019 (APC = -3,8; IC95%: ter apresentado ampliação do acesso, a qualidade
-4,9; -2,7). da atenção ainda constitui um desafio.
Na dimensão de sistema de saúde, a despesa Em relação ao acesso, destacou-se o indi-
total em saúde per capita e o percentual de recur- cador de cobertura da APS, com elevação até
sos orçamentários em saúde apresentaram pon- 2016, possivelmente relacionada à proposição
to de inflexão, com um primeiro período com do PMM20, que alocou 14.256 profissionais nas
tendência de aumento significativo, seguido por equipes de Saúde da Família em todo o país nos
período com tendência de estabilização (despesa dois primeiros anos de implantação6. No perío-
total em saúde) ou de diminuição (percentual de do seguinte, a estabilização da cobertura da APS
recursos orçamentários em saúde). Os pontos de pode ser decorrente de diversos fatores presentes
9

Ciência & Saúde Coletiva, 29(6):1-13, 2024


Quadro 2. Síntese dos resultados segundo as dimensões e subdimensões, com a tendência média no período, presença de ponto
de inflexão, e tendência em cada segmento a partir do ponto de inflexão.
Tendência média Ponto
Tendência
Dimensão Subdimensão Indicador no período de
em cada segmento *
2010-2019 * inflexão
Acesso Cobertura da APS Aumento Em 2016 Aumento/estável
Cobertura populacional estimada Diminuição Não
pelas equipes de saúde bucal
Efetividade Taxa de internação por asma em Diminuição Não
menores de 10 anos
Taxa de internação por AVC em Diminuição Em 2013 Diminuição/estável
pessoas de 30 a 59 anos de idade
Taxa de internação por IRA em Diminuição Em 2015 Diminuição/estável
crianças menores de 5 anos de idade
Taxa de mortalidade infantil Diminuição Não
Taxa de mortalidade neonatal Diminuição Não
Taxa de mortalidade pós-neonatal Diminuição Não
Proporção de RN filhos de mães Diminuição Em 2014 Estável/diminuição
adolescentes (<20 anos)
Proporção de RN com baixo peso Estável Não
ao nascer
Desempenho
Taxa de sífilis congênita Aumento Em 2015 Aumento/estável
dos serviços
Taxa de detecção de sífilis em Aumento Em 2017 Aumento/estável
gestante
Porcentual de internações por Diminuição Não
condições sensíveis à APS
Adequação Proporção de cesarianas entre todos Diminuição Em 2013 Estável/diminuição
os partos
Proporção de cesarianas entre os Aumento Em 2012 Estável/aumento
partos no SUS
Porcentagem de nascidos-vivos Estável Em 2013 Estável/estável
cujas mães fizeram sete e/ou mais
consultas de pré-natal
Razão de exames citopatológicos Diminuição Não
cérvico-vaginais na faixa etária de 25
a 64 anos
Razão de mamografia de Estável Em 2012 Estável/estável
rastreamento em mulheres de 50 a
69 anos
Socioeconômica Proporção de idosos no total da Aumento Em 2015 Aumento/aumento
e demográfica população
Determinantes PIB Per capita Diminuição Em 2014 Aumento/diminuição
de saúde
Percentual de população beneficiária Diminuição Em 2013 Estável/diminuição
de saúde suplementar
Financiamento Despesa total em saúde per capita Aumento Em 2014 Aumento/estável
Sistema de
saúde Percentual de recursos Aumento Em 2016 Aumento/diminuição
orçamentários em saúde
* Variação estatisticamente significativa.

Fonte: Autores.

nos últimos anos, entre eles os constrangimentos de saúde bucal apresentou tendência de decrésci-
financeiros que impactaram as ações em saúde, a mo no período. Em estudo com dados nacionais
reorientação da PNAB e a redução de médicos na de cobertura populacional de equipes de saúde
APS, em especial após 201810,21. O indicador de bucal, observou-se elevação de 2008 a 2015, com
cobertura populacional estimada pelas equipes discreta redução em 2016 e estabilização poste-
10
Sala A et al.

rior; ao se analisar o total de repasse financeiro foram insatisfatórios, indicando falhas na quali-
em saúde bucal, os autores observaram que ocor- dade dos serviços na APS.
reu tendência crescente até 2010, e a partir de Em relação aos indicadores de adequação, o
então, estabilidade22. Em análise acerca do incre- percentual de nascidos vivos cujas mães fizeram
mento de cobertura de saúde bucal nas diferentes sete ou mais consultas de pré-natal oscilou entre
macrorregiões brasileiras, foi observado, entre 75% e 80%, com um discreto aumento de 2013 a
2001 e 2013, que a região Sudeste apresentou a 2019, apesar de esse resultado não ser estatica-
menor expansão de cobertura23. mente significativo para todo o período. Em es-
Com exceção do indicador relacionado à in- tudo de âmbito nacional com usuárias da APS,
fecção por sífilis congênita, os demais indicadores nos anos de 2012 e 2013, 89% delas referiram ter
de efetividade mostraram variações percentuais se submetido a seis ou mais consultas durante a
anuais favoráveis, sobretudo aqueles relaciona- gestação, mas um percentual menor teve acesso
dos às internações – asma, AVC e IRA, com as à realização de todos os exames preconizados
maiores reduções. Essas condições de internação, (69%), a todas as orientações (60%) e a todos os
que integram a Lista Brasileira de Internações procedimentos de exame físico (24%), expondo
por Condições Sensíveis à Atenção Primária24, a questão da qualidade do pré-natal33. Em revi-
se reduzem com uma melhor assistência na APS. são de artigos acerca da assistência pré-natal no
O percentual de internações por condições sen- Brasil, foi apontado o aumento da cobertura da
síveis à APS apresentou redução em todo o pe- atenção pré-natal ao longo do período de 2005
ríodo. O aumento de cobertura da APS e da ESF a 2015, mas com variabilidade na qualidade da
podem estar implicados nessa redução; estudos assistência, envolvendo não só o número de con-
de desenho ecológico mostraram a associação sultas, mas a realização dos exames de rotina, as
entre o aumento de cobertura da ESF e a redução orientações em saúde e os procedimentos técni-
de internações e mortalidade por causas sensíveis cos básicos34.
à APS25-28. As ações de rastreamento de câncer de colo
A tendência do indicador referente à sífi- uterino e de mama são estratégias importantes
lis congênita, com variação anual de 25% entre de prevenção para a redução da mortalidade
2010 e 2015, é preocupante, indicando falha na por essas duas causas. Os respectivos indicado-
atenção às gestantes29. O aumento expressivo na res considerados na análise apontaram para uma
detecção de sífilis em gestantes, que aponta um baixa cobertura das ações de rastreamento, com
adequado processo de identificação dos casos en- tendência de piora em relação ao câncer de colo,
tre as gestantes, não se traduziu em tratamento e de estagnação em relação ao de mama. No en-
satisfatório, seja na prescrição e aplicação do tra- tanto, estudos revelaram a redução da mortali-
tamento correto nas Unidades Básicas de Saúde dade por câncer de mama e de colo nas capitais
(UBS), seja por uma eventual e persistente falha dos estados da região Sudeste do país, sobretudo
na qualidade assistencial de pré-natal, em que em decorrência do diagnóstico e do tratamento
permanecem sem assistência integral um con- precoce. Essa tendência de redução ocorreu de
junto de gestantes expostas à infecção pela sífilis. forma mais expressiva para o câncer cervical35,36.
Em estudo que analisou a evolução da média da Ao se analisar o rastreamento de câncer cervical
taxa de sífilis congênita no Brasil, observou-se e de mama no Brasil, por meio de dados da Vi-
elevação no período de 2010 a 2015, e correla- gilância de Doenças Crônicas por Inquérito Te-
ção com a elevação da taxa de sífilis em gestantes, lefônico (VIGITEL) no período de 2007 a 2017,
apontado para uma baixa qualidade do cuidado observou-se tendência crescente de cobertura de
prestado às gestantes com sífilis30. rastreamento para câncer de mama e de estabi-
Os indicadores de adequação mostraram lidade para a cobertura de citologia oncótica no
pouco progresso, e até mesmo retrocesso. As al- país. O ESP apresentou cobertura superior a 90%
tas taxas de partos cesáreos no SUS e nos partos de rastreamento para câncer cervical e 80% para
fora do sistema público revelam um modelo de câncer de mama em 201837. Note-se que a me-
assistência que privilegia os interesses dos profis- todologia do VIGITEL consiste em entrevistas
sionais e das parturientes, resultando em inter- telefônicas por amostra, restritas às capitais de
venções no parto que não são, necessariamente, cada uma das unidades da federação. A divergên-
decorrentes de situações de risco obstétrico31. cia com os valores dos indicadores deste estudo
Mesmo com os esforços decorrentes das propo- pode ser, em parte, decorrente da metodologia de
sições da Rede Cegonha32 na qualificação da as- cálculo, que considera apenas os procedimentos
sistência ao parto no SUS, os resultados obtidos de rastreamento realizados no âmbito do SUS; o
11

Ciência & Saúde Coletiva, 29(6):1-13, 2024


viés de uma entrevista por telefone também pode tanto na reorientação da política da atenção bá-
estar contribuindo para essa divergência. sica (revisão da PNAB ocorrida em 2017) como
A análise do indicador de rastreamento do nas estratégias e na capacidade de financiamento
câncer de colo uterino indica a necessidade de verificadas nos anos mais recentes, com destaque
ampliação dos esforços da APS para elevar a para a Emenda Constitucional nº 95/2016.
cobertura do exame de rastreamento, que é ha- Na dimensão de sistema de saúde, os indi-
bitualmente feito na UBS. No rastreamento do cadores de financiamento, partindo de uma ten-
câncer de mama, o esforço será no sentido do dência a princípio favorável, mostraram inflexão
encaminhamento dessas mulheres para serviços no período estudado, certamente impactados
que realizam mamografia. A APS, já tendo um pela crise econômica que se instalou no país a
amplo cadastro da população vinculada a cada partir de 2015. Essa inflexão no financiamento
uma das equipes de Saúde da Família, estendido das ações em saúde no SUS, por sua vez, indica
para as demais equipes de saúde da APS, precisa um tensionamento na estrutura e na oferta dos
estabelecer estratégias ativas para o acolhimento serviços da APS40.
dessas mulheres. Uma limitação deste estudo foi a análise dos
Na dimensão de determinantes de saúde, os indicadores para o ESP sem desagregação por
indicadores selecionados mostraram, primeiro, regiões ou por outras características dos municí-
a tendência de envelhecimento da população, pios, o que pode ter dificultado a visualização de
com a consequente demanda progressivamente tendências mais acentuadas na evolução do de-
maior de serviços e ações relacionadas ao enve- sempenho da APS em grupos mais homogêneos
lhecimento, como as doenças neoplásicas, as do de municípios.
aparelho circulatório e as sequelas neurológi-
cas decorrentes de AVC. A chamada “transição
demográfica” e o envelhecimento da população Conclusão
trazem modificações no perfil de adoecimento e
de morte38 que precisam ser reconhecidas para a As políticas nacionais do Brasil que incidiram di-
adequação das políticas públicas em saúde nessa retamente sobre a APS nessa última década4-6 am-
perspectiva39. pliaram a cobertura e o acesso ao sistema de saúde,
Além do aumento da proporção de idosos, a mas sofreram reorientações nos últimos anos8,10.
redução do PIB per capita e do percentual de po- No ESP, houve expansão de cobertura da APS até
pulação beneficiária de saúde suplementar apon- 2016, seguida por período de estabilização, espe-
tam para um cenário de aumento da pressão de lhando essas políticas e suas reorientações.
demanda por assistência à saúde no âmbito do No contexto estrutural e de demandas po-
SUS, e consequentemente na APS. tenciais em saúde, os dados dos indicadores de
Considerando todo o período observado, é sistema de saúde e de determinantes em saúde
importante ressaltar que ocorreu uma tendência mostraram também um movimento de inflexão
de elevação, tanto nas despesas em saúde per ca- na segunda metade da década, com redução do
pita quanto no percentual de recursos orçamen- financiamento em saúde e desaceleração da eco-
tários investidos em saúde, embora com inflexão nomia (redução do PIB per capita), que poten-
das tendências no decorrer do período do estudo. cialmente fragilizariam as respostas da APS fren-
Os pontos de inflexões observados nas curvas de te ao envelhecimento da população e ao aumento
tendência desses dois indicadores de financia- das pessoas dependentes exclusivamente do SUS.
mento revelaram que, nos anos mais recentes, São preocupantes, por fim, as tendências des-
tem ocorrido retração dos recursos financeiros, favoráveis ou estabilizadas em níveis ainda não
em um contexto de retração do PIB per capita e satisfatórios dos indicadores de adequação da
de aumento de demandas em saúde para o SUS, APS e da transmissão vertical da sífilis, apon-
delineando assim um cenário potencialmente tando a persistência de problemas na qualidade
desfavorável para o atendimento às demandas no da assistência oferecida à população. Esses pon-
SUS e na APS. A inflexão nas tendências aponta- tos precisam ser problematizados e enfrentados
das neste estudo mostra a provável influência das pelas instâncias de gestão e de planejamento em
mudanças, também ocorrida no mesmo período, saúde no estado de São Paulo.
12
Sala A et al.

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do trabalho; aquisição, análise e interpretação Atenção Básica (PNAB), estabelecendo a revisão de
de dados; redação e revisão crítica do conteúdo diretrizes e normas para a organização da Atenção
intelectual; aprovação final da versão a ser publi- Básica, para o Programa Saúde da Família (PSF) e o
Programa Agentes Comunitários de Saúde (PACS).
cada. Todos os autores manifestam concordância
Diário Oficial da União 2006; 29 mar.
em assumir responsabilidade por todos os as- 4. Brasil. Ministério da Saúde (MS). Portaria nº 2.488,
pectos do trabalho, assegurando que as pergun- de 21 de outubro de 2011. Aprova a Política Nacional
tas relacionadas com precisão ou integridade de de Atenção Básica (PNAB), estabelecendo a revisão
qualquer parte do estudo sejam apropriadamente de diretrizes e normas para a organização da Atenção
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investigadas e resolvidas.
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