Espiritismo e Politica Os Tortuosos Cami

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ESPIRITISMO E POLÍTICA:

OS TORTUOSOS CAMINHOS
DO CONSERVADORISMO RELIGIOSO
E SUAS CONTRADIÇÕES NO BRASIL*
Luiz Signates**

Resumo: Trata este trabalho das transformações do espiritismo em sua relação com os
sentidos da política. Destaca-se inicialmente a predominância do individualis-
mo moralista nos fundamentos doutrinários do espiritismo. No Brasil, o espiri-
tismo emerge como religião, e segue num quadro de forte despolitização, exceto
na afirmação da liberdade religiosa, no Império (Questão Religiosa) e quando
emergem debates públicos sobre aborto e pena de morte. Entretanto, em meio
ao debate das eleições de 2018, emergiu na internet uma controvérsia envolven-
do a figura de Divaldo Pereira Franco, em Goiânia, que tem alterado o modo
como os espíritas lidam com as temáticas políticas.

Palavras-chave: Espiritismo. Política. Religião e Política no Brasil.

A
temática das relações entre religião e política é uma das mais instigantes, tanto
na área das ciências sociais, quanto na das ciências da religião. São, indiscuti-
velmente, as duas atividades mais mobilizadoras dos coletivos humanos na his-
tória. Ambas apelam profundamente à alma humana, uma pelo poder, outra pela
salvação, e, embora atualmente sejam abordadas de forma disjuntiva, no quadro
da grande dicotomia de Bobbio – público e privado –, não raro seus sentidos se
encontram e, quando isso ocorre, pouca coisa se conserva como estava, no âm-
bito da produção histórica dos sentidos sociais.
–––––––––––––––––
* Recebido em: 27.08.2019. Aprovado em: 04.11.2019.Este texto é produto de conferência feita no
III Colóquio Internacional do NEARG, pronunciada em 5 de abril de 2019, na Escola de Formação
de Professores e Humanidades da Pontifícia Universidade Católica de Goiás (PUC Goiás).
** Doutor em Ciências da Comunicação (USP). Mestre em Comunicação (UnB). Especialista
em Políticas Públicas (UFG). Graduado em Comunicação Social-Jornalismo (UFG). Docente
na PUC Goiás e na UFG. E-mail: [email protected]

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Este trabalho percorre essa interface de poderosos sentidos, centrado numa tradição
religiosa muito específica e extremamente relevante da cultura brasileira: o
espiritismo, em sua vertente majoritária e hegemônica, o kardecismo, obser-
vado em suas características complexas, de produtor e influenciador de várias
tradições religiosas no Brasil, e de lugar típico onde aportaram várias expec-
tativas e ideologias, religiosas ou não, características das classes média e alta
brasileira. Como é comum perceber nas mais diferentes tradições religiosas,
também no espiritismo a intersecção com a política não ocorre, nem jamais
ocorreu, de forma pacífica ou harmônica, tanto pelos seus sentidos teológicos
ou discursivos originários, quanto pelas razões do macro contexto iluminista
contemporâneo, exigente de uma separação entre religião e Estado.
A abordagem deste trabalho, além de procurar fazer um rápido repertório dos diferen-
tes modos como o espiritismo relacionou-se, tanto em termos doutrinários,
quanto sociológicos, com as questões políticas de cada época, busca descrever e
registrar o modo como o recente episódio da radicalização que tipificou as eleições
presidenciais brasileiras de 2018 tem alterado a relação histórica dos espíritas com
a política. Caso a interpretação deste trabalho esteja correta, é possível inferir
que novas conflitualidades estejam em curso no espiritismo contemporâneo,
modificando tanto a compreensão historicamente conservadora da doutrina,
como transformando relações conservadoras de indiferença ou repressão, típi-
cas do modo especifico como os espíritas tratam as próprias diferenças (SIG-
NATES, 2001; 2013), em eventos de conflitualidade pública e explícita, que
ocorrem sem ainda assumirem o condão de efetuar rupturas identitárias ou
institucionais relevantes.

A CONTROVÉRSIA ÍNTIMO-PÚBLICO NO ESPIRITISMO BRASILEIRO

A relação entre espiritismo e política sempre foi polêmica e controversa no Brasil. Em


geral, o espírita brasileiro é infenso à discussão política. A interpretação espí-
rita sempre tendeu à perspectiva psicológica, individualista. O espírita acre-
dita piamente que qualquer mudança autêntica na sociedade só se dá se for
antecedida de uma transformação no interior do indivíduo1. É o pensamento
individual ou o sentimento, específicos da intimidade da alma, que produz a
relação, jamais o contrário. Eis porque, para o espírita, é o campo moral, per-
cebido não como âmbito da cultura ou das regras sociais, e sim como postura
íntima, sentimental e espiritual, o lugar por excelência de qualquer atuação
transformadora do homem.
Esse individualismo moralista tem fortes raízes dogmáticas no espiritismo. A noção
de “espírito” presente desde a codificação do espiritismo, por Allan Kardec, é
fortemente individualista, e a ponto que até as tragédias naturais ou acidentais

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e mesmo os fenômenos de crime e genocídio são usualmente interpretados
pelos espíritas como resultantes combinadas de pertinências e compromissos
reencarnatórios. A noção de justiça divina, num contexto em que, como já
expusemos em outros trabalhos (SIGNATES, 2019), a ação do sagrado se dá
num vínculo forte com a experiência profana, é admitida num quadro quase
determinista, em que, efetivamente, nada aconteceria por acaso. Em outras pa-
lavras, o coletivo apenas acontece a partir do âmbito do individual e em regime
de subalternidade a este.
O corolário moral do individualismo espírita é a concepção de que não há transfor-
mação válida e eficaz senão a individual, a pessoal, a da intimidade da alma
humana. É nessa dimensão da dogmática espírita que se percebe a centralidade
da noção de “reforma íntima”, como fundamento para todo e qualquer desen-
volvimento histórico ou social, uma visão que alimentou bastante as diferentes
correntes espiritualistas New Age, fonte da enorme e lucrativa literatura de au-
toajuda, que também produz um discurso reformista subjetivo, individualista
e profundamente despolitizado.
Em termos epistêmicos, isso significa que não há um raciocínio sociológico ou político
estruturado na teologia espírita. Os poucos livros espíritas escritos sobre o
assunto, ou trabalharam para justificar a posição individualista (LOBO, 1992;
LOBO, 1994; PINHEIRO, 2001), ou buscaram a reinterpretação dos dogmas
espíritas a partir de teorizações sociológicas ou políticas em voga (DENIS,
1982; PORTEIRO, 1990; LAVIGNE; DO PRADO, 1955).
Isso obriga a que toda e qualquer interpretação consistente da relação entre religião e
política, tomando por base o espiritismo kardecista no Brasil, deva conside-
rar de modo central a experiência empírica do movimento espírita, percebido
como movimento social religioso. E isso passa, inclusive, pela percepção de
que o espiritismo francês sofreu profundas alterações, na recepção brasileira
da doutrina e nas práticas que se seguiram, dentro do contexto da cultura bra-
sileira a partir da segunda metade do século 19 (AUBRÉE; LAPLANTINE,
2009; SIGNATES, 2019).
Por serem razões sociológicas e históricas de diferenças de contexto cultural,
essa distinção pode ser feita também no modo como se tratou a política.

ESPIRITISMO NA FRANÇA: ENTRE O LIBERALISMO E O SOCIALISMO


UTÓPICO

Apesar da noção de “espírito” em Kardec ter desde o princípio o traço individualista


que comentamos, é possível inferir que os debates sociais e políticos tinham
menos rejeição entre os primeiros autores espíritas na França. São bastante
nítidos os posicionamentos de Kardec (e, claro, dos ditados espirituais que ele

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utilizou para a codificação da doutrina espírita) tanto em direção a um libera-
lismo próximo de Adam Smith (DE MAURO, 1985), quanto na percepção do
socialismo utópico (AUBRÉE; LAPLANTINE, 2009, p. 100-101), que anima-
va muito a intelectualidade francesa e a nascente sociologia de sua época, em
que nem Marx, nem Comte ainda haviam consolidado seu pensamento e sua
influência.
Entre Adam Smith e Saint Simon (este, professor de Pestalozzi, do qual Kardec foi alu-
no), o espiritualismo espírita nascente assumiu a postura de uma justiça social
decorrente do convencimento dos ricos para a responsabilidade distributiva da
riqueza e para a generosidade e a caridade cristãs, e nessa direção carimbou
o processo evolutivo, como realização positiva, insofismável e inevitável do
progresso da razão.
Há registros de envolvimento de Kardec com a esquerda francesa, especialmente os so-
cialistas utópicos, que eram em geral espiritualistas. Incontri e Bigheto (2004,
p. 2) afirmam que

Kardec era um educador preocupado com as questões sociais, que militava pela
educação popular. Já aos 24 anos de idade, escreveu brilhante ensaio Proposta
para a melhoria da Instrução Pública (ver RIVAIL, 2000) e durante décadas
deu cursos gratuitos, em sua própria casa, de química, matemática, astronomia,
fisiologia, gramática… numa tentativa de democratizar o conhecimento. Ao que
parece, manteve relações com os socialistas (depois chamados de utópicos por
Marx e Engels), pois em sua fase espírita, os cita constantemente, entre eles,
Fourier, e Saint-Simon. (Robert Owen, por sua vez, recebeu influência de Pesta-
lozzi, pois o visitou em Iverdon e mais tarde tornou-se adepto do espiritismo).
O pesquisador francês François Gaudin descobriu recentemente documentos
ainda inéditos, revelando a parceria de Kardec com o amigo Maurice Lachâtre,
conhecido socialista de tendência anarquista e editor das obras de Marx, em
fascículos populares. Ambos tiveram um projeto economicamente fracassado
da fundação de um banco popular, possivelmente nos moldes do que queriam os
socialistas pré-marxianos e os anarquistas como Proudhon.

Ainda na França, surpreendemos naquele que, após a morte de Kardec, se tornou o


principal intelectual do espiritismo na virada do século 19 para o século 20,
León Denis, um filósofo autodidata, maçom e socialista utópico (LUCE, 1978;
MONTEIRO, 2003; LEFRAISE; MONTEIRO, 2007), e que efetuou um inte-
ressante debate sobre a proximidade das ideias espíritas com as ideias socia-
listas, num livro chamado “Socialismo e Espiritismo”, publicado pela primeira
vez em Francês na Revue Spirite, a partir de 1924, e transformada em livro no
Brasil, em 1982 (DENIS, 1982).

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Nesta obra, ele posiciona o pacifismo como núcleo de uma ideia política no espiritis-
mo, e faz forte crítica à estratégia da violência revolucionária do marxismo.
Num juízo moral, típico dos espíritas, ele afirmou que o marxismo tornou a
ideia socialista uma ideia antipática para as camadas ajuizadas e racionais da
burguesia europeia, e defendeu a proposição de que nada que fosse feito com
violência poderia culminar em paz e justiça, e, portanto, qualquer condução
da sociedade capitalista para a socialista deveria ser feita pelo convencimento
moral das classes. Denis se baseia em vários socialistas de fundamentação
idealista, de sua época.

Antes de Karl Marx, o socialismo era profundamente simpático graças a ele, é


hoje execrado. A luta de classes é uma tática perniciosa que desviava do socia-
lismo aqueles que seriam seus melhores elementos, sem lhe conceder a mínima
força. A classe operária sozinha é incapaz de transformar a sociedade e dirigir
o mundo novo (DESLINIÉRES apud DENIS, 1982, p. 90-91).

Em seguida, preceitua Denis (1982, p. 93-95), sem deixar margem para dúvidas:

Ao invés de atiçar as más paixões e impelir a luta de classes, aprendamos todos


a grande lei que regula o destino dos indivíduos e dos povos e faz tombar sobre
eles as consequências das ações cometidas [...]. ... o verdadeiro ponto de par-
tida dos socialistas deveria ser a educação, o ensino. O progresso intelectual e
moral realizando-se de início o ensinamento, em razão disso o progresso mate-
rial seria inelutável consequência.

Apesar disso, a preocupação que concentrava os espíritas da segunda década do século


20 na Europa não eram as questões sociais. No ano seguinte, em 1925, ocor-
reu, sob a presidência do próprio Léon Denis, em Bruxelas, o III Congresso
Espírita Internacional, e a grande temática foi a disputa de sentidos do espiri-
tismo experimental, concentrada na “distinção entre a experimentação espírita
e a experimentação metapsíquica” (LUCE, 1978, p. 186).

ESPIRITISMO BRASILEIRO: POLÍTICA SEM POLITIZAÇÃO

No Brasil espírita, jamais o debate político ou social teve esse nível de sofisticação ide-
ológica. Aqui, o espiritismo se constrói numa forte luta pelo direito à identida-
de religiosa, debaixo do pesado combate da Igreja Católica, num momento em
que o romanismo reprimia inclusive o catolicismo popular. É historicamente
compreensível que o espiritismo sofresse esse nível de oposição, afinal eram
católicos praticantes os primeiros espíritas (STOLL, 2003; THEODORIDIS,

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2016) e a prática espírita brasileira erigiu-se institucionalmente usando o coti-
diano católico como referência.

A introdução do espiritismo originou uma situação bem diferente [das tradições


religiosas de origem africana]: ocorreu na população branca, de classe domi-
nante, nos mais poderosos centros políticos e administrativos do país (Salvador
e Rio de Janeiro). Apesar de não haver consenso entre os seguidores do espiritis-
mo sobre se deveriam enfatizá-lo como ciência ou religião, a hierarquia católica
deu logo sinal de que se tratava de uma ameaça (DOS SANTOS, 1997, p. 13).

Essa herança cultural de índole católica não arrefeceu, contudo, em razão dos combates
promovidos pela Igreja. A partir da década de 1930, começa a influência de
Francisco Cândido Xavier, que contribuiria para consolidar a cultura espírita
hegemônica, exclusivamente religiosa aos moldes católicos.

Esse modo católico de ser espírita, concretizado por Chico Xavier através do
exemplo de vida, parece ser responsável, em larga medida, pela transformação
dessa que era uma doutrina estrangeira em religião integrante do ethos nacio-
nal. Da moda de salão, da atividade de cunho terapêutico, o Espiritismo passou
a integrar o imaginário brasileiro. Parte desse tributo se deve a Chico Xavier.
É dele [...] a construção do ‘estilo brasileiro’ de ser espírita. Um estilo que tem
por fundamento a noção cristã de santidade, um dos valores fundantes da cultu-
ra religiosa nacional (STOLL, 2003, p. 196).

Até hoje, as ritualidades de uma reunião de “palestra pública” espírita, tal como de-
finida desde 1977 pela Federação Espírita Brasileira (FEB, 2006, p. 23-26),
especialmente quando é procedida de aplicação de passes e oferta de água
fluidificada, segue em linhas gerais a liturgia da missa (orações antes e após a
liturgia da palavra; eucaristia; e oferta final da hóstia).
Estabelecido como religião abraçada pelas elites do Rio, de São Paulo e das capitais do
Nordeste, o espiritismo brasileiro passou a vicejar como caridade e mediuni-
dade, a serviço dos pobres, e assim ganhou ao longo do século todos os rincões
do país. Muita espiritualidade fenomênica, muita ação social, mas pouco estu-
do, o que possibilitou inclusive que experiências religiosas negras pudessem
surgir em seu bojo, como a Umbanda, sem a necessidade de qualquer esforço
intelectual ou teológico (ORTIZ, 1991).
Mesmo quando intelectuais, usualmente vinculados a profissões médicas e psicológi-
cas, começaram a produzir um pensamento espírita mais próximo da lingua-
gem científica ou filosófica (HESS, 1991), como era recomendação original de
Kardec, não havia uma articulação voltada para as ciências sociais ou políti-

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cas. Ao contrário, as discussões políticas eram banidas como mundanas, rejei-
tadas como materialistas e, sobretudo, desprezadas como propulsoras de refor-
mas superficiais, passageiras, que não lidavam com aquilo que era principal,
o interior da alma humana, sua vontade, suas angústias, seus sentimentos, sua
individualidade jamais redutível a nenhum coletivo. Destacamos um exemplo
típico, numa recomendação do espírito Emmanuel, através da mediunidade de
Chico Xavier, inscrita no livro “O Consolador”:

O espiritista sincero deve compreender que a iluminação de uma consciência é


como se fora a iluminação de um mundo, salientando-se que a tarefa do Evan-
gelho, junto das almas encarnadas na Terra, é a mais importante de todas, visto
constituir uma realização definitiva e real. A missão da doutrina é consolar e
instruir, em Jesus, para que todos mobilizem as suas possibilidades divinas no
caminho da vida. Trocá-la por um lugar no banquete dos Estados é inverter o
valor dos ensinos, porque todas as organizações humanas são passageiras em
face da necessidade de renovação de todas as fórmulas do homem na lei do pro-
gresso universal, depreendendo-se daí que a verdadeira construção da felicida-
de geral só será efetiva com bases legítimas no Espírito das criaturas (XAVIER/
EMMANUEL, 2009, p. 28).

Essa separação entre o individual e o coletivo, entre os sentidos sociais e os psicológi-


cos, determinou o espiritismo como um movimento caridoso, generoso, pací-
fico, porém alienado dos sentidos sociais e políticos da sociedade brasileira.
Não que os espíritas não pudessem ser políticos, até porque várias de suas
lideranças foram políticos, alguns de expressão, como Bezerra de Menezes2,
Bittencourt Sampaio3, Eurípedes Barsanulfo4, Cairbar Schutel5 e outros.
E nem tampouco porque as ideias espíritas não sofressem interferência dos debates
políticos das diferentes épocas da conturbada história da república brasilei-
ra. Há quem perceba vínculos entre as descrições feitas pelo espírito André
Luiz, por meio de Chico Xavier, da cidade espiritual Nosso Lar6, com o
integralismo da ditadura Vargas, que vigorava na época em que o livro foi
psicografado pelo médium mineiro. Essa passageira simpatia espírita pelo
fascismo ou pelo integralismo tem sido bastante documentada pelos traba-
lhos de análise histórica de Sinuê Miguel, a partir de estudos documentais
dos periódicos doutrinários em circulação no movimento espírita da época
(MIGUEL, 2009), embora este mesmo pesquisador evidencie os conflitos de-
rivados da forte aliança dos movimentos integralistas com a Igreja Católica,
motivo pelo qual este grupo político participava do combate ao espiritismo,
forçando, no mínimo uma isenção dos espíritas em relação aos sentidos da
política na época (MIGUEL, 2010).

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E não que as instituições espíritas não se relacionassem com o Estado, pois as obras
sociais espíritas cresceram em proporção às vezes gigantesca, graças ao aces-
so às verbas sociais dos governos, razão pela qual a relação dos espíritas com
os governantes sempre foi marcada pelo clientelismo e recompensada às vezes
por uma quase sempre discreta campanha eleitoral junto às comunidades es-
píritas.

A ampliação dos trabalhos assistenciais requer, dos espíritas, uma maior inter-
locução com o Estado, com as agências que formam a rede de serviços assisten-
ciais, uma estruturação mais autônoma da área assistencial no centro espírita,
a busca de mais recursos, a incorporação de profissionais para atuação (e não
somente voluntários), enfim, um conjunto amplo de tarefas que fazem com que
os espíritas se vejam em atividades que, aparentemente, nada tem a ver com o
atendimento direto ao assistido. Se de um lado, todas essas atividades acarre-
tam em uma possibilidade de ampliação e diversificação dos trabalhos assisten-
ciais, por outro, os espíritas parecem preferir permanecer em suas atividades
menores, em uma ação mais direta e moral junto ao assistido do que ter que
afastar-se dessas atividades para cumprir exigências formais, de um lado, e, de
outro, ter que ceder a outros discursos (do Estado, de outras agências privadas
e dos profissionais) na ação assistencial (SIMÕES, 2015, p. 1889-1890).

Evidentemente, não se pretende aqui “explicar” a assistência social espírita tão somen-
te pelas relações com o Estado, afinal, como asseverou Cavalcanti (1983), a
caridade, além da mediunidade e do estudo, constitui um dos elementos do
“sistema ritual espírita”. Tornada “assistência social”, na sua institucionali-
zação pelos Centros Espíritas ou em instituições especializadas (ARRIBAS,
2010), estabelece-se como uma atividade que se relaciona, mas também ultra-
passa, por razões doutrinárias, o espectro da negociação política. Como revela
Simões Neto (2017, p. 158), em resultado de extensa pesquisa empírica feita
junto aos adeptos, “a conceituação [de assistência social] construída pelos es-
píritas entrevistados estava mais referida ao universo interno à religião do que
dialogava com o contexto social”.
A atividade eleitoral, porém, é uma atividade sempre controversa. Em geral, o espírita
sequer vota no espírita. Alguém que faça campanha eleitoral explícita no inte-
rior de centros espíritas recebe rejeição imediata7. Aparentemente, a separação
iluminista entre estado e religião infundiu uma convicção profunda no adepto.
Observa-se, portanto, que em certos momentos históricos, o movimento es-
pírita foi influenciado pelas correntes políticas em voga. No Brasil, contudo,
isso jamais se tornou um movimento organizado, ou mesmo uma corrente in-
terna do movimento. Prevaleceu aqui a despolitização que conhecemos nas

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religiões espiritualistas de classe média, o que, aparentemente, relegava à vida
privada as tendências claramente conservadoras que vicejavam no interior do
movimento. Temas como família, moralidade, paz como ausência de qualquer
conflito são até hoje muito caros aos espíritas brasileiros.
Na história do espiritismo brasileiro, apenas em três ocasiões o movimento espírita
foi explicitamente à esfera pública, participar de alguma forma da disputa por
sentidos de interesse público junto ao Estado.
A primeira vez foi no início, no final do século 19, quando as lideranças do espiritis-
mo iniciante, recém-chegado da Europa, diante da violenta oposição católica,
reivindicaram junto a D. Pedro II o direito à liberdade religiosa. Nessa época,
os espíritas caminharam unidos aos maçons, pela laicização do Estado, e com
os protestantes, pela liberdade de culto religioso. Existem evidências que dão
conta de que a conformação fortemente religiosa do espiritismo no Brasil, ao
contrário do que ocorreu na Europa da época, se deu justamente por conta
dessa discussão, que se tornou conhecida como Questão Religiosa.
As outras duas vezes são momentos episódicos, quando emergem no legislativo ou no
judiciário as discussões sobre duas temáticas específicas: aborto e pena de
morte. Por estas questões, os espíritas mobilizam grupos explícitos de pressão,
junto às instâncias legislativas e judiciárias.

Católicos, evangélicos e espíritas reuniram-se em 08 de agosto de 2012 em Forta-


leza, para o lançamento do Movimento Nacional da Cidadania pela Vida – Brasil
sem Aborto. Apresentado como supra-partidário e supra-religioso o movimento é,
no entanto, apoiado basicamente pela CNBB, pela Frente de Deputados Evangé-
licos e pela Federação Espírita Brasileira (MIRANDA, 2013, p. 71).

Em relação à pena de morte, a mobilização dos espíritas nunca foi assim, tão intensa,
em razão dessa questão jamais ter sido reivindicada por nenhum segmento
social. Evidentemente, esses temas chamam a atenção não por serem deba-
tes humanistas, de alta repercussão social e ética, caso contrário os espíritas
se mobilizariam fortemente também quando temáticas semelhantes, de alta
consequência social, como as injustiças sociais, a corrupção e a desigualdade,
são lançados à esfera pública. As temáticas do abortamento e da pena de mor-
te mobilizam os espíritas por serem proposições dogmáticas no espiritismo.
Allan Kardec posicionou-se fortemente contra elas e isso torna tais dogmas
uma posição fechada para os espíritas.
As demais ações de natureza política do movimento espírita brasileiro, registradas pela
história, são pontuais e nem sempre mobilizadas pelo interesse público, ainda
que inspiradas, como é comum nas religiões, pela dogmatização interna que
impõe posições a priori. Foi o caso, por exemplo, da exclusão espírita das

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ritualidades negras e do diálogo com as correntes esotéricas, especialmente
a partir da década de 1970, decorrentes da autoafirmação do kardecismo pela
motivação federativa da pureza doutrinária, que temos analisado em vários
de nossos trabalhos acadêmicos (SIGNATES, 2014; 2019). Foi registrada por
Ivonne Maggie (1992), em sua célebre tese doutoral “O medo do feitiço”, o
colaboracionismo da Federação Espírita do Estado de São Paulo com a repres-
são da polícia durante a ditadura Vargas, contra os terreiros de umbanda que
ousavam se autonomearem espíritas, a fim de fugirem da perseguição policial.
Nenhuma dessas controvérsias, contudo, teve o condão de se tornar discussão
pública ou polêmica de sentido político. Em geral, foram ações e disputas
ocorridas no interior do movimento e que engendraram, pela força institucio-
nal com que foram assumidas, transformações dogmáticas ou rituais pratica-
mente sem repercussão na esfera pública mais ampla da sociedade civil.
Eis porque a temática que pretendemos abordar com centralidade neste trabalho, a da
disputa havida no movimento espírita brasileiro, através e sobretudo nas redes
sociais virtuais, em torno da Lava jato e da candidatura Bolsonaro, constitui
um evento específico de alta relevância qualitativa para a análise da relação
entre espiritismo e política no Brasil.

DIVALDO FRANCO E O CONFLITO DIREITA/ESQUERDA NO ESPIRITISMO


CONTEMPORÂNEO

Em fevereiro de 2018, o conferencista espírita Divaldo Pereira Franco, o mais festejado


orador espírita da atualidade e o único assumido sem reservas pela Federação
Espírita Brasileira, participava em Goiânia, nos dias de carnaval, como faz
todos os anos há mais de 30 anos, do Congresso que a Federação Espirita do
Estado de Goiás promove, no Centro de Cultura e Convenções de Goiânia.
Numa reunião, que era para ser um encontro informal com a juventude espírita, Dival-
do respondia às perguntas que os jovens lhe faziam (DIÁRIO DA MANHÃ,
2018). A determinada altura, um deles, de nome Fernando, o indagou: “O que
dizer sobre a ideologia de gênero?” Não deve ser segredo para ninguém que
a expressão “ideologia de gênero” é um termo pejorativo, usado pela primei-
ra vez em 1998, pela Igreja Católica, em uma nota emitida pela Conferência
Episcopal do Peru. O termo expressa uma crítica conservadora a atividades pe-
dagógicas voltadas para a questão de gênero e sexualidades nas escolas, pelo
temor de que vá contra os valores da família e de que se estimulem crianças a
serem homossexuais ou transexuais.
A resposta do líder espírita foi um verdadeiro libelo de posicionamento político de di-
reita. Ele começou relacionando a suposta ideologia de gênero ao marxismo.
Ouçam o que ele disse:

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– A tese é profundamente comunista e ela foi lançada por Marx, sobre outras
condições, que a melhor maneira de submeter um povo não era escravizá-lo
economicamente, era escravizá-lo moralmente. Como nós vemos através de vá-
rios recursos que tem sido aplicado no Brasil, nos últimos nove anos, dez, em
que o Poder Central tem feito todo o esforço para tornar-se o patrão de uma
sociedade em plena miséria econômica e moral.
.
Em seguida, numa digressão ao assunto que lhe foi perguntado, ele desferiu um elogio
ao então juiz Sérgio Moro:

– Todas essas manifestações que estamos vendo graças à República de Curitiba,


cujo presidente é o Dr. Moro, e deve ser o desnudar da hipocrisia e da criminali-
dade. Aliás, o Evangelho recomenda que não deveremos provocar o escândalo e
o nosso venerando juiz não provocou escândalo: atendeu a uma denúncia muito
singela e, no entanto, levantou o véu que ocultava crimes hediondos profundos.

E, por fim, dentre outros comentários, Divaldo Franco repercutiu uma das grandes
fakenews da campanha Bolsonaro, a da suposta existência de cartilhas do
MEC que estimulam a sexualidade precoce das crianças:

– Falávamos, ontem, a respeito de cartilhas do Ministério da Educação, depra-


vadas, para corromper as crianças e que as escolas estão devolvendo ao Minis-
tério. Que Ministério de Educação é esse que estabelece fatos de uma indigni-
dade muito grande? Os pais devem vigiar os livros de seus filhos e naturalmente
recusarem. Nós temos o direito de recusar, nós temos o dever de recusar!

Esse pronunciamento, feito numa reunião informal com jovens, teria sido assimilada
e caído no esquecimento, como todas as outras que os espíritas tratam, para a
disseminação do conservadorismo que caracteriza o movimento espírita hoje.
Afinal, em outubro do ano anterior, 2017, o mesmo Divaldo Franco havia fei-
to, sem grande alarde, uma homenagem pública ao então prefeito de São Paulo
João Dória, no Auditório do Ibirapuera (CIDADE DE SÃO PAULO, 2017).
A fala de Divaldo, portanto, seria consumida e segregada à reunião onde fora
dita. Entretanto, a entrevista foi transmitida ao vivo pela internet e dissemina-
da em seguida pelos admiradores de Divaldo Franco, naturalmente movidos
pelo entusiasmo de ver o grande líder espírita adotar uma posição política que
já vicejava com força na classe média brasileira.
O que não era esperado foi a reação dos espíritas de esquerda. Na semana seguinte,
liderados pela pedagoga paulista Dora Incontri, presidente da Associação Bra-
sileira de Pedagogia Espírita, um grupo de 62 espíritas de diferentes estados

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do Brasil, a maioria do estado de São Paulo, publicaram um manifesto em que
protestaram contra o posicionamento direitista do orador (GGN, 2018). O ma-
nifesto responde diretamente ao que foi dito: desmente que exista uma “repú-
blica de Curitiba”, questiona a parcialidade do juiz Moro e acusa o orador de
levar a sério uma fakenews, a do kit gay nas escolas, exprimindo com isso um
preconceito no trato das questões relacionadas à orientação sexual. Por fim, o
palestrante é desqualificado como alguém que apenas emitia sua opinião pes-
soal, conservadora e retrógrada, e não falava, portanto, pelo espiritismo. Diz o
manifesto, em sua desautorização ao médium Franco, sem citá-lo diretamente:

Consideramos que as manifestações de médiuns, lideranças e dirigentes espíri-


tas são livres e podem e devem ser analisadas e discutidas de forma respeitosa
e racional. O exercício da mediunidade e os postos de liderança não conferem
autoridade incontestável em nenhum assunto.

A partir de então, nas redes sociais ao longo do ano de 2018, muitas lideranças espíritas
brasileiras e mesmo sites jornalísticos se posicionaram, seja defendendo Dival-
do Franco e fazendo-lhe coro (GAZETA DO POVO, 2018), seja contestando-o
e assumindo uma posição contra hegemônica (BRASIL 247, 2018). Ao longo
de vários meses, o orador baiano não se posicionou a respeito da controvérsia
gerada por ele. Discretamente, a instituição que ele dirige, o Centro Espírita
Caminho da Redenção, reivindicou ao Youtube os direitos autorais do vídeo
publicado, razão pela qual o link que leva ao vídeo foi anulado em vários sites,
mas ainda pode ser encontrado no Youtube (YOUTUBE, 2018a).
A postura institucional de retirada do vídeo da internet, bem como o silêncio de Di-
valdo ante a controvérsia sinalizavam o eventual interesse dele em finalizar a
querela, como, aliás, é bem próprio da atitude espírita, de evitar conflitos ou
controvérsias públicas. Entretanto, em 22 de agosto, já iniciada a campanha
eleitoral no Brasil, eis que Divaldo Franco fala na cidade de Santa Maria, no
Rio Grande do Sul, e, em novo pronunciamento transformado em vídeo e que
também passou a circular na internet, volta a carga contra Marx e o marxismo.
Desfere críticas ferinas e pessoais ao filósofo, dizendo que era um ocioso, que
jamais trabalhou, que passou a vida às expensas da esposa rica, acusa-o de
ensinar como devastar um povo destruindo a família, degradando a sociedade,

para que se perca os padrões éticos, como estamos vendo no Brasil, especial-
mente quando a digna ex-presidente da república apresentou um projeto a res-
peito da liberdade infantil de escolher o sexo que deseja ter. Não é importante
a anatomia para o marxismo, porque o que interessa é a desordem. [...] É a
ausência total da dignidade ética (YOUTUBE, 2018b).

149 , Goiânia, Especial, v. 17, p. 138-154, 2019.


A crítica moralista da política é o tom da direita espírita, sintonizada com a
onda conservadora que percorreu a sociedade nos últimos anos.
O resultado disso é história. No primeiro turno das eleições de 2018, o Instituto Data-
Folha (ESTADÃO, 2018a) testemunhou o perfil do espírita kardecista brasi-
leiro: 40% votaram em Jair Bolsonaro, 13% em Ciro Gomes, do PDT, 13% em
Haddad, do PT, 11% em Geraldo Alkimin, do PSDB e 7% em João Amoedo,
do NOVO. Em outras palavras, as candidaturas de esquerda obtiveram 26%
das preferências e as de direita, 58%. Os demais candidatos receberam 7% dos
votos e um total de 6% declarou branco ou nulo. De cada 3 espíritas no Brasil,
dois são posicionados à direita do espectro de preferências políticas.
No segundo turno, eleição polarizada entre Jair Bolsonaro (PSL) e Fernando Haddad
(PT), a diferença diminui, mas o favoritismo da candidatura de direita pros-
seguiu expressiva: 48% votaram em Bolsonaro e 39% em Haddad, de acordo
com o mesmo DataFolha (ESTADÃO, 2018b).
A disputa de sentidos fundada ano passado no movimento espírita brasileiro prossegue
até os dias atuais e, aparentemente, não terá solução de continuidade tão cedo.
Isso porque, no lado esquerdista da discussão, grupos se formaram, pelas re-
des de relacionamento do Whatsapp e do Facebook, e até instituições foram
fundadas, como, no final do ano passado, ainda sob o calor da vitória eleitoral
de Bolsonaro, aqui em Goiânia, a Abrepaz, a Associação Brasileira Espírita
de Defesa dos Direitos Humanos e Cultura da Paz8. Tenho frequentado, como
observador participante, todos esses movimentos e os documentado, para reg-
istro histórico e análise no âmbito das ciências da religião.
O que nos demonstram esses dados? Há uma série de conjecturas, que passo a
elencar como hipóteses de trabalho, em uma pesquisa que está apenas iniciada
sobre a questão.
A primeira, e talvez sociologicamente mais interessante delas, é a de que o processo de
institucionalização do movimento espírita brasileiro, que se deu a partir das
décadas de 1940 e 1950, com o estabelecimento do Conselho Federativo Na-
cional, sob o forte controle ideológico da Federação Espírita Brasileira, está
fazendo água, por conta da aparentemente involuntária provocação promovida
por Divaldo Franco em 2018 e que gerou essa querela interminável.
A segunda é que está em franca alteração o modo como os espíritas encaram
a política, saindo de uma atitude conservadora, porém discreta, para uma em
que as disputas por posicionamento se tornam visíveis, evidentemente moti-
vadas tais condições pela polarização da própria discussão política brasileira,
após a queda de Dilma e a vitória de Bolsonaro, ambas sustentadas por um
forte antipetismo disseminado nas diferentes classe sociais.
A terceira hipótese diz respeito ao papel cada vez mais central da internet não somente
na produção complexa da opinião pública brasileira, mas também nas formas

150 , Goiânia, Especial, v. 17, p. 138-154, 2019.


de organização das comunidades religiosas, cujas instituições asseguradoras
da identidade por meio das vigilâncias dogmática e ritual surpreendem um
imediato e contínuo enfraquecimento de sua capacidade de controle e de pro-
dução de sentido.
Tudo isso demonstra que a religião não é, se é que algum dia foi, uma atividade res-
trita ao mundo privado, como pretenderam os sentidos do iluminismo e da
racionalidade moderna, com os processos de laicização e de desencantamento
do mundo. E isso se pode dizer não apenas no sentido que se empresta às re-
alidades históricas de países como o Brasil, nos quais a laicização do Estado
jamais ocorreu verdadeiramente, mas também no sentido de que a emergência
do fenômeno “privado em público”, típico das grandes redes de comunicação
eletrônica, e que se torna paroxístico com a internet, é estruturante das rela-
ções religiosas.

SPIRITISM AND POLITICS: THE TORTUOUS PATHS OF RELIGIOUS


CONSERVATISM AND ITS CONTRADICTIONS IN BRAZIL

Abstract: This paper thematizes the transformations between spiritism and politics.
It stands out initially the predominance of the moralistic individualism in
the doctrinal foundations of the Spiritism. In Brazil, spiritism emerges as a
religion, and continues in a context of strong depoliticization, except in the
affirmation of religious freedom in the 19th Century (Religious Question) and
when public debates about abortion and the death penalty emerge. However,
during the 2018 elections debate, a controversy surfaced on the internet in-
volving the figure of Divaldo Pereira Franco in Goiânia, which has altered the
way spiritists deal with political issues.

Keywords: Spiritism. Politics. Religion and Politics in Brazil.

Notas
1 O problema do individualismo no espiritismo tem raízes religiosas e antropológicas conhe-
cidas (LEWGOY, 2006; 2008; STOLL, 2002).
2 Adolfo Bezerra de Menezes Cavalcanti foi um dos mais destacados espíritas do final do
século XIX, tendo sido Presidente da Federação Espírita Brasileira num de seus momentos
de crise, resultante do conflito entre os “cientificistas”, que propugnavam que o espiritismo
fosse uma ciência, e os “místicos” (entre os quais perfilava o próprio Bezerra de Menezes),
que defendiam o caráter religioso. Menezes foi vereador e deputado geral pelo Partido
Liberal, no Rio de Janeiro, capital do Império, entre 1861 e 1885 (WANTUIL, 1981).
3 Francisco Leite Bittencourt Sampaio foi uma expressiva liderança espírita contemporânea
de Bezerra de Menezes. Também pertencente ao Partido Liberal, foi deputado entre 1864
e 1870 (WANTUIL, 1981).

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4 Eurípedes Barsanulfo foi, sem dúvida, a maior personalidade do espiritismo mineiro do
início do século XX, tendo deixado uma verdadeira tradição na implantação do movimento
espírita no centro-oeste brasileiro, onde até hoje dezenas de centros espíritas levam seu
nome. Sua atuação na política foi episódica e rápida, por apenas 6 anos, na cidade de
Sacramento-MG, onde nasceu e passou a vida inteira (WANTUIL, 1981).
5 Cairbar de Souza Schutel foi uma das mais notáveis lideranças espíritas do final do século
XIX, em São Paulo. Nascido no Rio de Janeiro, sua trajetória se destacaria em Matão, no
interior de São Paulo, cidade cuja emancipação (era então distrito de Araraquara) teve nele
um dos principais ativistas, razão pela qual foi seu primeiro Presidente da Câmara Mu-
nicipal (cargo correspondente ao de Prefeito). Sua trajetória política é, no entanto, pouco
documentada (WANTUIL, 1981).
6 Talvez não seja coincidência que, no integralismo, a ideia de “Pátria” era denominada pela
expressão “Nosso Lar” (DUTRA, 2012; HANSEN, 2014)
7 O veto a campanhas eleitorais em ambientes espírita é um ponto doutrinário consolidado.
Ver, a respeito, a página “Nos embates políticos”, de Luiz, André/Xavier e Vieira (2007, p.
27-28).
8 A instituição possui site próprio, que pode ser acessado pelo link: https://www.abrepaz.org/

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