1125-Texto Do Artigo-2268-1-10-20230422

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Experiências em Ensino de Ciências V.18, N.

1 2023

ALFABETIZAÇÃO CIENTÍFICA A PARTIR DO ESTUDO DAS CORUJAS SUINDARAS:


UM DIÁLOGO ENTRE ESCOLA, COMUNIDADE E UNIVERSIDADE
Scientific literacy through the barn owls study: a dialogue between school, community and the
university
Daniela Pedrosa de Souza [[email protected]]
Adriana Correia da Costa Leão [[email protected]]
Secretaria de Educação e Esportes de Pernambuco
Avenida Afonso Olindense, 1513, Várzea, Recife-Pernambuco.
Suzane Bezerra de França [[email protected]]
Universidade de Pernambuco
R. Amaro Maltês de Farias, Nazaré da Mata – PE
Recebido em: 29/06/2022
Aceito em: 12/01/2023

Resumo
O presente trabalho teve como objetivo refletir sobre o desenvolvimento de um projeto de ensino por
investigação envolvendo o estudo das corujas suindaras. O projeto foi desenvolvido com estudantes
do Ensino Médio de uma escola pública de Pernambuco e envolveu pesquisa, atividades de campo e
laboratorial, além de ações de conscientização destinadas à comunidade escolar. A promoção da
alfabetização científica dos estudantes envolvidos pode ser evidenciada na mobilização de
conhecimentos científicos para resolver uma problemática local e na compreensão de que a ciência
deve ser concebida como parte de um todo, que inclui sociedade e meio ambiente, impactando e sendo
impactada por estes.
Palavras – chave: Alfabetização Científica, Ensino de Zoologia, Suindaras.

Abstract
The current study has been developed with the aim to reflect on the development of a teaching project
by investigation involving the study of barn owls. The project was carried out together with high
school students of a public school of Pernambuco and included research, lab and field activities, as
well as awareness-raising actions intended to the school community. The promotion of the scientific
literacy of the students involved could be evidenced by the use of scientific knowledge to solve a
local problem as well as by the comprehension that science must be understood as part of a whole
which includes society and environment impacting and being impacted by them.
Key words: Scientific Literacy, Zoology Teaching, barn owls

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INTRODUÇÃO
Nas últimas décadas, uma expressiva quantidade de pesquisas tem destacado a importância do Ensino
das Ciências na sociedade contemporânea, por seu objetivo de formar, tanto futuros cientistas, como
também formar e preparar cidadãos atuantes frente às questões sociais, tecnológicas e ambientais
provocadas pelos processos de globalização (Bizzo, 2009; Cachapuz et al., 2005; Cardoso & Scarpa,
2018; Carvalho, 2018; Chassot, 2008; Franco & Munford, 2020; Gómez-Martínez; Carvalho &
Sasseron, 2015). Assim, o Ensino de Ciências se configura como uma base informacional para o
desenvolvimento de cidadãos ativos e críticos, capazes de utilizar os conhecimentos científicos para
promover melhorias, de forma individual ou coletiva, no meio ambiente e em diversos setores da
sociedade (Brasil, 2018).
Embora seja esperado que o ensino de Ciências promova a formação de pessoas preocupadas com a
conservação dos recursos naturais, nota-se ainda que nas escolas os conteúdos de Zoologia, com
frequência, são trabalhados de maneira superficial, dificultando a compreensão dos estudantes quanto
à importância dos animais na biodiversidade. Entendemos que o desenvolvimento de uma proposta
de ensino contemplando a biodiversidade local pode colaborar para promover atitudes e valores para
a conservação de animais encontrados na vida cotidiana dos estudantes.
Nessa direção, o estudo das suindaras apresenta enormes potencialidades, pois permite vivenciar a
Ciência a partir do estudo de uma espécie de ocorrência na região, propiciando a contextualização do
conteúdo e o estabelecimento de diálogos entre a escola, comunidade e universidade, para resolver
uma problemática local, enriquecendo as relações entre os saberes escolares, culturais e científicos e
contribuindo para a sensibilização quanto à importância da conservação da espécie.
As suindaras, também conhecidas como rasga-mortalha, coruja-das-torres e coruja das igrejas, são
aves de rapina pertencentes à ordem Strigiformes e à família Tytonidae. São animais noturnos bem
adaptados a ambientes antrópicos, habitando as partes altas de diversos tipos de edificações. No
Brasil, são encontradas em grande parte do país, exceto em áreas com florestas densas (Motta-Junior
et al, 2017; Sick, 2001; Souza, 2010). Devido ao hábito de utilizar construções humanas como
dormitórios e com sua dieta baseada fundamentalmente em pequenos mamíferos, principalmente
roedores, estas aves desempenham um papel muito importante no controle populacional de suas
presas, incluindo pragas urbanas e potenciais vetores de zoonose, em ambientes modificados pela
agricultura ou pela urbanização (Machado, 2011).
Apesar de sua importância, esta espécie tem sofrido impactos ao longo de sua distribuição que, de
acordo com Machado (2011), podem estar associados à intensificação da agricultura, à utilização de
pesticidas, ao desaparecimento de cavidades naturais e artificiais para nidificação e ao aumento do
tráfego que resulta em atropelamentos e na mortalidade a eles associada. Além disso, as suindaras
ainda são alvo de preconceito, sendo frequentemente associadas a mau agouro, e com isso afugentadas
ou mortas pela população. Nesse contexto, compreendemos que a construção de conhecimentos
biológicos sobre as suindaras constitui uma importante alternativa para sensibilizar a comunidade,
quanto à necessidade de manutenção dessas aves. Dessa forma, informações sobre a sua dieta e os
benefícios que a coruja representa no ambiente urbano precisam ser divulgadas para que o senso
comum de mau agouro seja desmistificado.
É importante destacar que as escolas são espaços educativos e dialógicos propícios à realização de
atividades que sensibilizem os estudantes para solucionar problemas cotidianos, como ampliar a
compreensão da comunidade local, quanto à importância das suindaras para o ecossistema. Nessa
direção, defendemos que as vivências curriculares devem privilegiar o diálogo entre os
conhecimentos científicos e culturais, pois a valorização das experiências e dos conhecimentos
prévios proporciona aos professores um melhor entendimento sobre os saberes dos estudantes, em
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relação ao ambiente em que vivem e possibilita, ao mesmo tempo, o engajamento dos educandos no
desenvolvimento de ações interventivas na comunidade.
Diante do exposto, o presente trabalho objetivou refletir sobre o desenvolvimento de um projeto de
ensino por investigação envolvendo o estudo das corujas suindaras, com estudantes do Ensino Médio.
A ideia do projeto partiu de questionamentos a respeito das suindaras trazidos pelos estudantes, no
contexto da realização de uma oficina de iniciação científica. Esses questionamentos foram
levantados durante as conversas iniciais para identificação das áreas de interesse dos estudantes,
quando a orientadora de Biologia socializou com o grupo a temática de sua pesquisa que realizou
durante o curso de Mestrado em Biologia Animal. A partir de então, os alunos demonstraram bastante
interesse pela espécie, que era muito comum nas proximidades da escola e que também era retratada
na saga Harry Potter, da qual a maioria era espectadora.
O projeto didático sobre as suindaras (Tyto furcata) contemplou estudo de bibliografia especializada
da área da zoologia, pesquisa de campo, realização de experimentos, visita escolar a um laboratório
da universidade, tratamento e discussão de dados, a partir de conceitos de Taxonomia, Ecologia,
Evolução e Conservação, em uma perspectiva interdisciplinar e colaborativa, contribuindo para a
compreensão da importância dessas aves em ambientes urbanizados.
Biologia e Conservação das Suindaras
As corujas suindaras apresentam a plumagem branca no ventre e dourada no dorso e, como
característica marcante das aves da família Tytonidae, verifica-se o disco facial em forma de coração,
principal responsável pela captação e detecção da direção de ondas sonoras. Possuem
aproximadamente 37 cm de comprimento e 310 g de massa, sendo a fêmea geralmente maior que o
macho. Reproduzem-se ao longo do ano, a incubação é realizada predominantemente pela fêmea,
com uma duração de 30 a 40 dias e a postura varia de três a doze ovos. São predadoras altamente
especializadas, com maior atividade caçadora no crepúsculo e no começo da noite, podendo também
forragear durante o dia em condições desfavoráveis. As especializações para a caça envolvem o bico
e as garras curvados, adaptados para dilacerar as presas; as penas macias, modificadas para um voo
silencioso; o ouvido interno bem desenvolvido, possibilitando capturar uma presa, guiando-se apenas
pela audição; e a capacidade de mover a cabeça em um ângulo de 270°, para compensar a
desvantagem causada pelos olhos imóveis (Sick, 2001).
Alimentam-se principalmente de roedores, mas também podem predar outros pequenos vertebrados
como marsupiais, morcegos, répteis, aves e anfíbios, além de insetos. São predadoras oportunistas,
isto é, a seleção das espécies e da quantidade de presas é feita de acordo com disponibilidade destas
na área da caça. Assim como todas as corujas, possuem um sistema digestório característico que lhe
permite regurgitar o material não digerível (pelotas) de suas presas, como pelos e ossos. As pelotas
são um material de grande utilidade para estudar a dieta das aves que as produzem, já que suas análises
constituem um método simples e confiável, que podem contribuir tanto para o conhecimento geral da
dieta e o papel ecológico dos predadores como para a identificação de espécies de pequenos
vertebrados em estudos taxonômicos e de distribuição (Cherem et al, 2018; Motta-Junior et al, 2017;
Souza et al, 2010).
Alfabetização Científica e o Ensino de Zoologia
O termo Alfabetização Científica tem sido empregado pelos investigadores e docentes de Ciências,
objetivando inserir nos currículos escolares conceitos científicos que sejam inerentes e importantes
no dia a dia dos alunos (Chassot, 2003; Sasseron & Carvalho, 2011). Assim, a proposição de
Alfabetização Científica é indicada por especialistas como um aspecto importante de
desenvolvimento dos estudantes, pois contribui na formação de cidadãos empenhados a se envolver
na tomada de decisões em temas que se relacionam com a Ciência e a Tecnologia (Cachapuz et al.,
2005; Melo, 2020; Mori & Marques, 2020; Rodrigues et al, 2020; Sasseron & Carvalho, 2011).
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Como forma de ilustrar a importância dos saberes da biologia na formação das pessoas, é oportuno
pontuar que no momento de elaboração deste texto, o mundo atravessa a pandemia da covid-19,
enfrentado suas consequências. Neste contexto, Raboni & Carvalho (2021) argumentam que não é
necessário detalhar aspectos técnicos sobre o coronavírus, quanto aos reflexos sociais, políticos e
econômicos para termos a clareza de que a compreensão da amplitude do problema exige a aquisição
de alguns conhecimentos biológicos. Haja vista que a situação exige tomada de decisões
cientificamente fundamentadas, do contrário pode colocar em risco a saúde individual e coletiva.
O ensino da biologia abarca uma diversidade de áreas de estudos, permeada por conceitos,
procedimentos, resultantes de um percurso histórico de investigação científica, que nos permite
compreender melhor a biodiversidade. Entretanto, apesar do avanço da ciência, há ainda no contexto
escolar abordagens de ensino, a partir com tendência utilitarista, doutrina filosófica, na qual os
animais são considerados como máquinas, em sua utilidade para a sociedade, promovendo, portanto,
um modelo de ensino não condizente com sua estrutura formativa, enquanto saber científico e escolar
(Azevedo et al., 2020).
No currículo escolar, o estudo da Zoologia encontra-se contemplado no Ensino Fundamental e Médio,
por meio de competências e habilidades, indicadas na Base Nacional Comum Curricular – BNCC
(Brasil, 2018). O Currículo de Pernambuco para o Ensino Médio (Pernambuco, 2021), construído a
partir da BNCC, orienta que os atuais avanços científicos e tecnológicos em ciências da natureza
evidenciam a necessidade de reconfigurar as formas de ensinar e aprender, pois como afirma Silva
(2021, p.24):
Faz-se urgente, e necessária, a transformação nas ações no ensino de Zoologia e o primeiro
passo é o rompimento com as práticas tradicionais, tendo como foco atividades que
incentivem a participação do aluno no processo de ensino e aprendizagem. Entendemos que
o Ensino de Zoologia deva basear-se em um ensino contextualizado, que permita ao aluno a
(re) significação dos conteúdos segundo suas relações com o ambiente, com suas relações
culturais e práticas sociais.

De acordo com Arrais (2016) o ensino de zoologia encontra-se pautado na transmissão e recepção de
informações, e não prioriza práticas voltadas para a investigação científica. Diante dessa
problemática, é preciso partir de um enfoque sistêmico do ambiente que demanda diálogos com as
diferentes áreas de conhecimentos, para entender e propor soluções (Mori & Marques, 2020; Souza
& Araújo, 2020). Para tanto, é imprescindível que os estudantes sejam progressivamente estimulados
e apoiados no planejamento e na realização de atividades investigativas, bem como no
compartilhamento dos resultados dessas investigações.
No ensino por investigação os estudantes têm a oportunidade de investigar um problema, buscar
soluções possíveis, fazer observações, elaborar perguntas, testar ideias, pensar criativamente e usar
sua intuição (Cardoso & Scarpa, 2018). Nesse sentido, práticas investigativas proporcionam o
envolvimento dos discentes com o fazer científico, em um ambiente no qual eles têm a oportunidade
de explorar possíveis soluções, desenvolver explicações para os fenômenos sob investigação, elaborar
conceitos e processos e avaliar seus entendimentos à luz das evidências disponíveis (Sasseron &
Duschl, 2016).

PERCURSO METODOLÓGICO
O presente trabalho se caracteriza como uma pesquisa-ação, uma vez que, como argumenta Teixeira
(2020), permite a análise de um problema ou de uma situação, dando oportunidade para que o
professor possa agir diretamente na causa. A alfabetização científica foi tomada com o objetivo de
engajar os estudantes na resolução de uma problemática local, por meio de um trabalho investigativo.
Além disso, a pesquisa envolveu um processo de parceria entre escola, comunidade e universidade.
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Dessa forma, a pesquisa contemplou um diagnóstico da relação da comunidade com as corujas e o


compartilhamento dos dados levantados ao longo do percurso investigativo, com a comunidade.
O projeto foi desenvolvido na Escola de Referência em Ensino Médio Professor Alfredo Freyre,
localizada no bairro de Água Fria, na cidade do Recife - Pernambuco, com estudantes do Ensino
Médio, durante o período de oito meses e contemplou as seguintes atividades: 1) discussão da
proposta; 2) construção de um plano de voo; 3) elaboração de um diário de bordo; 4) coleta de dados
com a comunidade; 5) coleta de campo; 6) análise laboratorial; 7) análise e sistematização dos dados;
8) visita à universidade; 9) sensibilização da comunidade; 10) escrita do trabalho científico; e 11)
divulgação científica. Algumas das atividades desenvolvidas encontram-se descritas no quadro 1.
Quadro 1: Atividades realizadas para desenvolvimento do projeto “Suindaras: Vilãs ou Heroínas?”.

Atividade realizada Descrição e objetivo

Realizada entre as professoras orientadoras e os estudantes,


Discussão da proposta do teve como objetivo definir as estratégias que seriam utilizadas
projeto para o desenvolvimento do projeto, de forma a alcançar os
objetivos pensados.

A construção de um diário de bordo pelos estudantes teve


Elaboração de um diário de
como objetivo registrar todas as atividades realizadas durante
bordo
o desenvolvimento do projeto.

Os estudantes realizaram entrevistas com moradores da


Coleta de dados com a comunidade local, objetivando identificar os conhecimentos
comunidade da população a respeito das suindaras, bem como definir
locais de pouso dessas corujas.

Realizada a partir das informações obtidas nas entrevistas


com os moradores, incluiu coleta das pelotas e caracterização
Coletas de campo
do ambiente, com objetivo de realizar um estudo da dieta das
suindaras.

As análises das pelotas foram realizadas no laboratório da


escola, com a orientação da professora de Biologia e na UFPE
com a orientação de professores e estudantes do laboratório
Análise laboratorial
de Mastozoologia. Teve como objetivo identificar as
principais presas consumidas pelas suindaras para
compreender a ecologia alimentar dessas aves.

Os estudantes, acompanhados das orientadoras, realizaram


visitas ao laboratório de Mastozoologia da UFPE, onde
puderam conhecer uma coleção zoológica e acompanhar a
Visita à Universidade
rotina dos pesquisadores. O objetivo desta etapa foi
aproximar os conhecimentos produzidos na Academia do
universo dos estudantes da Educação Básica.

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A partir dos resultados encontrados na pesquisa, os estudantes


desenvolveram campanhas de sensibilização para a
Sensibilização da
comunidade, que incluíram palestras e oficinas realizadas na
Comunidade
escola e visitas às residências com material informativo, com
objetivo de contribuir para a conservação da espécie.

O trabalho foi apresentado na MOSTRATEC, com o objetivo


de realizar divulgação científica de informações a respeito das
Divulgação científica suindaras e contribuir para a sua conservação. O trabalho foi
patrocinado e premiado com o 4° lugar na área de ciências
dos animais e das plantas.

Fonte: As autoras, 2022.

Para a elaboração deste trabalho, os dados foram tomados a partir do plano de voo e documento
textual, elaborado pelos estudantes sob orientação docente, constituído de tema, justificativa,
problema, referencial teórico, metodologia, resultados e discussão, produto, cronograma e
referências. A composição dos dados também abarcou o diário de bordo e as narrativas dos
participantes do projeto a partir do registro docente, ao longo do projeto.

RESULTADOS E DISCUSSÃO
Coletas de dados com a Comunidade
O bairro de Água Fria localiza-se na periferia da zona norte da Cidade do Recife, sendo
predominantemente residencial, com muitas casas e alguns condomínios de edifícios residenciais.
Tem um comércio popular bastante variado composto por feira livre, lojas de roupas, de calçados, de
eletrodomésticos, supermercados, lanchonetes, restaurantes, academias e outras opções comerciais
que atendem à comunidade. O bairro é cercado de outras comunidades, que demandam uma atenção
diferenciada nas questões sociais, de moradia e segurança.
Ao entrevistar a comunidade, os estudantes registraram que a presença das suindaras na região é de
conhecimento da maior parte da população. Devido às suas características morfológicas marcantes e
à sua ampla ocorrência, a espécie é facilmente identificada por moradores e estudantes, que, por sua
vez, relataram avistar essas aves frequentemente durante a noite, voando ou em pousos no telhado
das casas e no alto de edifícios residenciais e igrejas.
Foi possível evidenciar nos registros dos estudantes que os depoimentos dos moradores mais antigos
indicaram uma diminuição na frequência das observações visuais e auditivas, quando comparados a
anos anteriores, sugerindo um declínio da ocorrência dessas espécies na região. Quando questionados
sobre as razões para o declínio, os entrevistados apontaram como possíveis causas o afastamento e à
mortalidade desses animais, muitas vezes pela própria população, justificada pelas crenças negativas
atribuídas a essas corujas, como também o fato de os locais de nidificação sofrerem cada vez mais a
interferência dos humanos, como instalação de telas e uso de pesticidas.
Por outro lado, entre os jovens, os mitos relacionados à espécie tiveram uma menor relevância, no
que refere a crenças e sentimentos negativos. Essa parcela de entrevistados demonstrou entusiasmo e
admiração por essas corujas, o que pode ser evidenciado quando estas eram descritas como a coruja
misteriosa na saga Harry Potter. A curiosidade pelas lendas relacionadas à espécie, aliada às suas
características morfológicas e comportamentais foram fatores que contribuíram para despertar a
curiosidade dos entrevistados mais jovens e dos estudantes da escola pela Ciência e para a proteção
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e conservação da Natureza.
Compreender mais profundamente as razões e o impacto do declínio dessas corujas na região
constituiu-se uma tarefa complexa, especialmente no que se refere à identificação dos pousos
utilizados para a nidificação e descanso, onde a espécie costuma passar mais tempo. A importância
do diálogo com a comunidade para a identificação das causas do declínio das suindaras na área de
estudo consistiu na possibilidade de minimizar essa situação, por meio da divulgação de informações
sobre a biologia e o papel que esses animais desempenham no ambiente. Para isso, as estratégias
planejadas contemplaram o desenvolvimento de ações de sensibilização e Educação Ambiental,
dentre elas: a análise da dieta das suindaras, a aproximação com a universidade, a sensibilização da
comunidade e a divulgação dos resultados em mostras científicas.
Coletas de campo e análise da dieta das Suindaras
A análise das pelotas foi uma estratégia que permitiu compreender a ecologia alimentar das corujas
da região, resultando em informações importantes para as ações de sensibilização da comunidade. As
entrevistas realizadas com a comunidade escolar possibilitaram mapear os locais de pouso das
corujas, definir pontos de coleta das pelotas e identificar possíveis presas ocorrentes no local. Com
base nas informações obtidas, os estudantes definiram pontos de pouso das suindaras no forro de um
edifício residencial, situado no bairro. Após a definição, as coletas foram planejadas para serem
realizadas mensalmente pelos estudantes, com auxílio das professoras responsáveis e de moradores
locais. Ao todo, foram realizadas cinco coletas.
Após as coletas, os estudantes iniciaram um trabalho laboratorial na escola, no qual as pelotas
completas foram imersas em água, em recipientes individuais, para a separação das partes
identificáveis e contáveis das presas. Para cada coleta, os estudantes calcularam o diâmetro médio
das pelotas, o número médio de indivíduos por pelota e o número médio de pelotas. As presas foram
identificadas ao menor nível taxonômico possível com base nos crânios (completos ou fragmentados),
mandíbulas e molares, com auxílio de bibliografia especializada, além da comparação com
exemplares depositados na Coleção de Mamíferos do laboratório de Mastozoologia da UFPE. Todas
as espécies identificadas foram catalogadas e as informações sobre sua ecologia e distribuição foram
levantadas.
A identificação das presas permitiu aos estudantes constatarem que os pequenos mamíferos são as
espécies mais consumidas pelas suindaras. No total, dez espécies de presas foram identificadas nas
pelotas coletadas. As presas mais frequentes nas pelotas foram o rato preto (Rattus rattus) e o
camundongo (Mus musculus), mas também foram encontrados marsupiais (Monodelphis domestica)
e morcegos (Molossus molossus), além de pombos, sapos, lagartos e insetos. Através da comparação
dos dados obtidos na coleta com informações da literatura (Souza, 2009), os estudantes constataram
que as suindaras são predadoras oportunistas, isto é, substituem as presas de acordo com a
disponibilidade no ambiente, além de consumirem mais presas nos locais onde a oferta destas é maior.
Essa informação foi importante por permitir compreender o papel das suindaras no controle de
populações de roedores, potenciais vetores de doenças em ambientes urbanizados, avaliar os impactos
do afastamento dessas aves do ambiente e consequentemente, contribuir para a conservação da
espécie.
Estudos apontam que o envolvimento da universidade com a escola tem despertado cada vez mais o
interesse e a curiosidade dos estudantes da Educação Básica e favorecido a aprendizagem por meio
da aproximação entre a produção do conhecimento científico e o Ensino de Ciências (Machado et al,
2021; Scheid et al, 2009). Os benefícios dessa parceria são refletidos não apenas nos estudantes, mas
em todos os envolvidos no processo, pois como afirma Scheid et al (2009, p. 72):
Inicialmente, a inserção de acadêmicos na escola de educação básica é de grande valia para
os mesmos, considerando que lhes possibilita entrar em contato com a realidade escolar,

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dinamizando sua formação profissionalizante inicial construindo uma postura docente crítica
em constante transformação; para os professores já em exercício, oportuniza a formação
continuada, pois ao interagir com o mundo acadêmico, aperfeiçoam sua atuação no ensino; e
para a escola e a sociedade, representa uma alternativa de melhoria da educação que poderá
garantir a formação de cidadãos com uma educação científica adequada aos desafios atuais.

Corroborando com esses autores, o estudo da dieta das suindaras, ao oportunizar a aproximação da
escola com a universidade, trouxe resultados significativos no que se refere à motivação dos alunos
e ao intercâmbio entre conhecimentos populares e acadêmicos, proporcionando aos participantes
momentos ricos de trocas e aprendizados e contribuindo para uma concepção de Ciência como um
caminho possível para esses estudantes.
Sensibilização da Comunidade
Em posse de todas as informações obtidas no período de estudo, os estudantes elaboraram propostas
de divulgação dos resultados, bem como campanhas de sensibilização destinadas à comunidade
escolar. As ações envolveram palestras, oficinas e visitas às residências.
As palestras foram realizadas no auditório da escola e abertas ao público em geral. Todo o
planejamento e execução foram feitos pelos estudantes. A programação envolveu a reflexões em
torno da história da lenda das suindaras e origem das superstições contra a espécie, apresentação dos
resultados do trabalho, com as informações sobre as principais presas consumidas pelas suindaras na
área urbana e os possíveis impactos da retirada dessa coruja do ambiente.
As oficinas foram realizadas pela equipe participante da pesquisa para os demais estudantes da escola
e envolveu as etapas de análise das pelotas e identificação das presas, com o objetivo de vivenciar
atividades científicas laboratoriais e compartilhar com os pares as aprendizagens construídas durante
o projeto.
Por fim, os estudantes realizaram visitas a alguns estabelecimentos residenciais e comerciais para
distribuição de material informativo sobre a biologia das suindaras e seu papel no controle
populacional de possíveis vetores de zoonoses.
As ações de sensibilização contribuíram para que os estudantes envolvidos no projeto pudessem
desenvolver habilidades investigativas, conforme orientação da BNCC, que traz como competência
específica para a área de ciências na natureza, no Ensino Médio (Brasil, 2018, p. 553):
Analisar situações-problema e avaliar aplicações do conhecimento científico e tecnológico e
suas implicações no mundo, utilizando procedimentos e linguagens próprios das Ciências da
Natureza, para propor soluções que considerem demandas locais, regionais e/ou globais, e
comunicar suas descobertas e conclusões a públicos variados, em diversos contextos e por
meio de diferentes mídias e tecnologias digitais de informação e comunicação (TDICs).

Ainda de acordo com a BNCC, o desenvolvimento dessas habilidades se fundamenta na importância


do diálogo com o público em diferentes contextos, construindo narrativas variadas sobre os processos
e fenômenos analisados (Brasil, 2018).
Divulgação científica
Os resultados obtidos no projeto foram divulgados na MOSTRATEC – Mostra Internacional de
Ciência e Tecnologia - uma feira de ciência e tecnologia que ocorre anualmente na cidade de Novo
Hamburgo, Rio Grande do Sul, Brasil, organizada pela Fundação Liberato. O evento conta com
projetos de pesquisa da Educação Infantil ao Ensino Médio, além da Educação Profissional e Técnica.
Nessa Mostra, o trabalho foi classificado em quarto lugar da Categoria Ciências Animais e das
Plantas, recebendo como premiação a participação no Campamento Científico Interactivo que ocorre
anualmente na cidade de Cerrito, Entre Ríos, Argentina.

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A importância da participação em eventos científicos, como Mostras e Feiras de Ciências, para a


Alfabetização científica dos estudantes é destacada por Cabral & Barroso (2020, p. 3), que afirmam
que:
No atual contexto, o ensino de Ciências, passa por uma nova ressignificação no que diz
respeito à formação do cidadão, sendo os educadores desafiados a favorecer uma ação
pedagógica interligada aos conhecimentos das diversas áreas, de forma que dialoguem com
a realidade do aluno, ou seja, uma ação pedagógica de caráter interdisciplinar. Por sua vez,
a Mostra Científica ou Feiras de Ciências se inscrevem dentro desse novo circuito como
espaço e oportunidade privilegiada no campo educacional de iniciação à pesquisa e do
desenvolvimento criativo, ao mesmo tempo em que consolida a alfabetização científica no
chão da escola.

Em consonância com o trabalho dos autores, a apresentação dos resultados na Mostratec oportunizou
o intercâmbio científico com outras pesquisas e pesquisadores, bem como a aproximação com a
linguagem científica e a autonomia na comunicação dos conhecimentos, favorecendo, desse modo, a
alfabetização científica dos estudantes envolvidos.
Desenvolvimento de Habilidades
O currículo de Pernambuco para o Ensino Médio orienta que a escola deve oferecer situações que
favoreçam o desenvolvimento de habilidades que, nas práticas cotidianas, possibilitem a resolução
do saber fazer e do saber agir nos diversos espaços sociais, bem como a proposição de soluções
(Pernambuco, 2021). As contribuições da literatura permitem atestar que a atividade científica, de
uma maneira geral, não parte de um método científico único e que uma das etapas da pesquisa
científica é a socialização dos resultados (Gandra; Silva & Vinholi Junior, 2018). Nessa direção, o
trabalho didático aqui discutido mobilizou os estudantes a compartilharem os resultados alcançados
com a comunidade escolar e isso permitiu evidenciar indícios de que houve o desenvolvimento de
habilidades investigativas, como a argumentação na defesa de ideias mediante a comunidade. Além
das habilidades de construção social, habilidades investigativas de percepção, instrumental, de
pensamento, de construção conceitual, de construção metodológica e metacognitiva (Bayardo, 2005;
Gandra; Silva & Vinholi Junior, 2018) foram contempladas no desenvolvimento de atividades durante
a realização da pesquisa, conforme apresentado no quadro 2.
Quadro 2 - Habilidades desenvolvidas pelos estudantes

CATEGORIA DESCRIÇÃO (Bayardo, AÇÕES DISCENTES


2005; Gandra; Silva & Vinholi
Junior, 2018).

Percepção Sensibilidade aos fenômenos, Definição do problema de


intuição, extensão da pesquisa. Levantamento de
percepção e percepção seletiva. hipóteses.

Instrumental Dominar a leitura e a escrita, Pesquisa bibliográfica.


inferências, induções, Redação do trabalho científico.
deduções, análise, síntese, Análise e interpretação de
interpretação, observação e gráficos.
capacidade de questionar.

Pensamento Pensar criticamente, Reflexão crítica acerca do


reflexivamente, de maneira problema de pesquisa. Teste de
autônoma e a flexibilidade do hipóteses.
pensamento.

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Construção Conceitual Apropriar e reconstruir ideias, Compreensão da biologia das


gerar novas ideias, organizar, suindaras. Argumentação
expor e defender ideias, sobre a importância das
problematizar, delinear e suindaras para o ambiente.
construir um objeto de estudo e
realizar sínteses conceituais.

Construção Metodológica Construir o método de Estruturação da entrevista com


pesquisa, observações, os moradores locais. Definição
instrumentos de avaliação, dos pontos de coleta das
organizar, sistematizar e pelotas.
analisar os dados coletados.

Construção Social Trabalhar em grupo, Socialização dos


socializar o processo de conhecimentos produzidos,
construção do conhecimento, com a comunidade escolar.
socializar o conhecimento e Divulgação dos resultados em
comunicação dos resultados. Mostras científicas.

Metacognitiva Auto avaliar a relevância das Autoavaliação


ações intencionais da pesquisa
para a geração de
conhecimento, reavaliar a
aproximação do objeto de
estudo, questionar a
consistência e a validade dos
produtos obtidos pela pesquisa.
Fonte: As autoras, 2022.

Refletindo um pouco mais sobre as habilidades de pensamento, consideramos que elas são
fundamentais para a alfabetização científica dos estudantes, ao proporcionarem a mobilização de
conhecimentos para a resolução de problemas científicos, como enfatizado por Pires, Hennrich Junior
e Moreira (2018, p.154):
Julga-se, que o compromisso no desenvolvimento do pensamento crítico no contexto do
ensino de Ciência, paralelamente ao estudo do conteúdo é de extrema importância para
atuações mais comprometidas na sociedade, já que formar um aluno mais participativo, não
se reduz apenas ao acúmulo de conceitos, mas a possibilidade de conseguir interpretar melhor
as informações. Sob esse viés, defende-se, que no contexto escolar o pensamento crítico seja
assumido como uma necessidade, a fim de proporcionar às pessoas que dela participam, a
estruturação de maneiras de pensar por conta própria, bem como a capacidade de assumir
posições plausíveis frente às situações sociais que envolvam a sua realidade quanto às
questões culturais, políticas e científica.

De acordo com Vygotsky (2008), é por meio da interação com o outro que o ser humano se constitui
como sujeito e desenvolve funções mentais, como o pensamento. Para o autor, o pensamento nasce
por meio da palavra, e o seu desenvolvimento é determinado pela linguagem, sendo os dois processos
indissociáveis. Neste sentido, as atividades realizadas ao longo do projeto buscaram proporcionar aos
estudantes experiências nas quais pudessem refletir coletivamente sobre o problema de pesquisa, a
elaboração de hipóteses, bem como vivenciar as diferentes etapas da pesquisa de forma interativa e
tomar decisões exercitando o diálogo e a argumentação.
Para um olhar mais acurado sobre o desenvolvimento das habilidades de construção conceitual,
sentimos a necessidade de clarificar nosso entendimento acerca do papel dos conceitos científicos, na
formação dos estudantes. Nessa direção, trazemos aqui as ideias de Teixeira (2006), que propõe a
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noção de conceitos como “rede flexível de conhecimentos” em oposição à ideia de “rótulos”. De


acordo com a autora::
Os conceitos constituem explicações com as quais pensamos e sobre as quais podemos
pensar: Eles são, concomitantemente, os elementos com os quais articulamos informações e
os próprios conteúdos sobre os quais pensamos. Conceber conceitos como a articulação de
conhecimentos caracteriza-os como algo dinâmico, pois, dependendo do que for articulado,
teremos variações no produto final. Um mesmo indivíduo tanto pode dar diferentes direções
para a sua rede conceitual, diversificando o conteúdo do conceito, quanto variar a quantidade
de informações com as quais ele lida. Portanto, estamos admitindo a possibilidade de um
mesmo indivíduo ativar informações diferentes, de modo a apresentar, como produto,
conceitos diferenciados para um mesmo fato ou fenômeno (Teixeira, 2006, p.126).

Sobre a aquisição de construção dos novos conhecimentos, diversos estudos ao longo das últimas
décadas apontam a centralidade dos conhecimentos prévios para a sua estruturação, bem como a
importância do reconhecimento e articulação destes para o desenvolvimento do processo de ensino-
aprendizagem conduzido por docentes (Piaget, 1976; Ausubel, 1980; Mortimer, 1999, Vygotsky,
2002, Teixeira & Sobral, 2010). Dessa forma, durante o desenvolvimento do projeto, os
conhecimentos sobre a biologia e a importância ecológica das suindaras foram sendo construídos
pelos estudantes a partir de suas experiências pessoais, como é possível observar a seguir, em
narrativas sobre as suindaras, extraídas dos diários de bordo (quadro 3).
Quadro 3 – Narrativas dos estudantes sobre as suindaras

Início do Projeto Final do projeto

Uma delas levou o filhotinho da minha gata. Ela Aprendi que as suindaras são predadoras muito
tinha dado cria no meu quintal fazia poucos dias. eficientes. São noturnas também e se alimentam
de ratos, pombos e outros animais menores.

Elas fazem ninho em cima da igreja. Toda noite Fiquei impressionada quando identifiquei nas
passam voando “pra” lá. pelotas que elas comem morcego.

Quando elas passam gritando em cima da casa, Eu ainda tenho um pouco de medo delas, mas
é sinal que alguém vai morrer. agora sei que essas coisas de azar é tudo
invenção e que elas têm um papel importante na
cadeia alimentar.

Acho as corujas muito interessantes. Já li muitas Foi muito bom falar para as pessoas sobre a
curiosidades sobre elas por causa da Edwirges de importância das corujas, principalmente por
Harry Potter, acho que elas podem voar muito causa da sua alimentação.
longe, e que também se alimentam de animais e
vegetais.

No meu prédio tem muita [coruja], uma delas As suindaras são muito importantes. Enquanto
entrou no apartamento do vizinho e deu trabalho os humanos continuarem afastando ou matando
“pra” tirar. Quase ninguém gosta delas lá. elas, irão sofrer as consequências, como o
aumento de ratos, etc.

Como é possível verificar, no início do projeto os estudantes já apresentam um conjunto de saberes,


que realçam a experiência cotidiana com a espécie em estudo, como ao estabelecerem relação com a
obra Harry Potter. Entendemos que o reconhecimento e a valorização dessas ideias iniciais, no âmbito
do projeto, foram essenciais para reestruturar as informações, direcionando-as para a aquisição de
conceitos científicos, ampliando assim os conhecimentos sobre as corujas. Assim, nos relatos finais
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do projeto se pode observar os conceitos sendo remetidos às práticas sociais dos estudantes.
A construção das habilidades metacognitivas, na perspectiva dos autores, foi contemplada
posteriormente à conclusão das etapas de pesquisa, em um momento de autoavaliação quanto ao
desempenho no desenvolvimento do projeto e à apresentação do trabalho na MOSTRATEC. Os
relatos dos estudantes retratam suas perspectivas quanto à vivência do projeto. No depoimento abaixo,
a estudante 1 ressalta os resultados positivos da aproximação da escola com a comunidade
proporcionada pelo projeto:
Depois de vários dias conscientizando a comunidade de que as corujas têm um papel
fundamental na cadeia alimentar e no controle populacional de pombos, ratos e etc. essa
pesquisa científica impactou não só a gente, como também a comunidade ao redor da nossa
escola, que antes via as corujas como uma vilã nas suas residências.

Este depoimento evidencia a importância dessa aproximação, não só nas aprendizagens construídas
pelos estudantes e na sensibilização dos moradores locais sobre a importância da conservação das
suindaras, como também nas relações estabelecidas entre as pessoas que compõem estas duas
instituições.
No relato do estudante 2, a autoavaliação destaca a relação com a universidade e a apresentação do
trabalho:
Para sabermos identificar qual animal estava naquela pelota, tivemos que ter uma instrução
na Universidade Federal de Pernambuco. Sabendo como manusear as pelotas, precisaria
secar e identificar para assim levantar dados da nossa pesquisa. Como já não era o bastante,
conseguimos nos inscrever na Mostratec, com a inscrição aprovada, veio o patrocínio para
conseguir as passagens e o hotel no Rio Grande do Sul. Fizemos o nosso melhor e com isso
veio o resultado... Prêmio de 4° lugar na área de Ciências dos animais e das Plantas.

Por fim, as autoavaliações dos estudantes 3 e 4 destacam a importância de vivenciar a Ciência na


Educação Básica, para a sua formação acadêmica:
Trabalhar com iniciação científica no Ensino Médio me possibilitou entrar na universidade
com uma visão mais aguçada em relação à pesquisa. Esse contato prévio ajudou a chegar à
universidade, de certo ponto, um pouco mais confortável e preparado para o que viria. Hoje
colho frutos desse trabalho atuando com iniciação científica exercendo e realizando
atividades utilizando de ferramentas, já vistas durante o período escolar, com maior
facilidade.

Sou eternamente grata a essas professoras que me inspiraram para escolher a docência como
profissão para a minha vida, tenho comigo que a melhor forma de retribuir é ser alguém que
inspire outros também.

As narrativas dos estudantes reforçam a importância da vivência de projetos científicos na escola para
o desenvolvimento de habilidades que darão suporte aos seus projetos de vida, e que contribuirão
para formar cidadãos autônomos, capazes de atuar de forma crítica e consciente na sociedade.

CONSIDERAÇÕES FINAIS
Diante dos resultados apresentados, é possível considerar que o estudo das corujas suindaras
contribuiu para a promoção da alfabetização científica dos estudantes envolvidos, uma vez que os
conhecimentos científicos adquiridos durante esses estudos foram mobilizados para resolver uma
problemática do contexto local. Além disso, como afirma Sasseron & Carvalho (2011) os três eixos
estruturais que conceituam a alfabetização científica - a) compreensão básica de termos,
conhecimentos e conceitos científicos fundamentais; b) compreensão da natureza das ciências e dos
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fatores éticos e políticos que circundam sua prática; e c) entendimento das relações existentes entre
ciência, tecnologia, sociedade e meio ambiente - estiveram presentes durante o percurso trilhado pelos
estudantes no projeto.
Durante o período de pesquisa bibliográfica, coleta das pelotas e identificação das presas, os
estudantes puderam explorar conhecimentos e conceitos de zoologia relativos à biossegurança e
bioética nas atividades de campo e laboratorial; à taxonomia e ecologia das suindaras e suas presas.
A vivência da rotina da universidade, as visitas à coleção biológica, acompanhamento do trabalho de
especialistas, somados à apresentação dos resultados em mostra científica internacional foram
permeados de reflexões acerca de como a ciência é construída histórica e socialmente e como fatores
éticos e políticos são refletidos em sua prática. Por fim, o diálogo constante com a comunidade escolar
e a exploração do ambiente em torno da escola foram de fundamental importância para a compreensão
de como a ciência não pode ser concebida de forma isolada, mas sim como parte de um todo, que
inclui sociedade e meio ambiente, impactando e sendo impactada por estes.

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