Representações de Alunos, Familiares e Professores Sobre Os Conflitos Escolares

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO SUL

INSTITUTO DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS


PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM SEGURANÇA CIDADÃ

CONVIVÊNCIAS ESCOLARES:

REPRESENTAÇÕES DE ALUNOS, FAMILIARES E PROFESSORES SOBRE OS


CONFLITOS ESCOLARES

Porto Alegre, março de 2021.


ii

FRANCINE SCHEFFLER

Convivências Escolares:

Representações de alunos, familiares e professores sobre os conflitos escolares

Dissertação apresentada ao Programa de


Pós-Graduação em Segurança Cidadã da
Universidade Federal do Rio Grande do Sul
como requisito parcial para a obtenção do
título de Mestra em Segurança Cidadã.

Orientadora: Profa. Dra. Rochele Fellini


Fachinetto

Porto Alegre, março de 2021.


iii
iv

FICHA CATALOGRÁFICA
Francine Scheffler

CONVIVÊNCIAS ESCOLARES:

Representações de alunos, familiares e professores sobre os conflitos escolares

Dissertação apresentada ao Programa de


Pós-Graduação em Segurança Cidadã da
Universidade Federal do Rio Grande do Sul
como requisito parcial para a obtenção do
título de Mestra em Segurança Cidadã.

Porto Alegre, 23 de março de 2021.

Resultado: Aprovada

BANCA EXAMINADORA:

Fernando Seffner

José Vicente Tavares dos Santos

Rosimeri Aquino da Silva


vi

À minha inspiração, minha La belle de jour... Elis.


vii

AGRADECIMENTOS

Agradeço à UFRGS e sua educação pública e de qualidade. Por abrir meus olhos e me
despertar para novos caminhos. Agradeço ao PPG em Segurança Cidadã, que com esforços
enormes de seus professores vem se mantendo em funcionamento.

Agradeço a todas as mulheres deste mundo que vieram antes de mim e lutaram para que
outras mulheres pudessem ser livres. Sem as lutas feministas, uma mulher, mãe, recém- parida,
jamais poderia sonhar com uma volta à Universidade para estudar. Foram tantas mulheres ao
longo da história da Humanidade que não me arrisco a citar.

Agradeço às mulheres do meu entorno. Minha orientadora Rochele, que possui uma
dose perfeita de presença e liberdade de escrita. É um exemplo de orientação que levo para a
vida.
Agradeço às duas grandes mulheres da minha vida: Fabi e mãe. Vocês sabem que são
meus amores eternos.
Agradeço às minhas amigas, que de longe ou de perto sempre torceram por mim. A cada
uma com quem me identifico e com quem divido angústias e alegrias. Mali, Lu, Sue, Leina,
Letícia, Lu Lauda, Karine, Patrícia, Fabiana, Roberta, Janaína. Vocês me fazem mais forte!
Agradeço à minha filha Elis, que veio a esse mundo quando as implantações de políticas
neoliberais à educação da Rede Municipal estavam em seu auge. Foram tantas vezes que a
peguei no colo e chorei... tão pequena... E já me acalentava sem saber... Me dava forças sem
nem entender o que estava acontecendo a sua volta... Obrigada filha por existir! Que este
trabalho, que nos privou de estarmos juntas muitas vezes, contribua para que as pautas
democráticas avancem e que teu mundo seja um pouco melhor!
Agradeço a todos os homens sensíveis às causas feministas, que no íntimo das suas vidas
cotidianas abrem espaços para que as mulheres que estão ao seu entorno realizem seus sonhos.
Dentre esses homens, Wagner, pai da minha filha e um grande companheiro, que sempre dividiu
todos os cuidados com ela para que eu pudesse estudar ou escrever. Dizem
viii

que aprendemos mais por ações do que por palavras, então, saibas que ensinas lindas lições a
ela!

Agradeço aos meus colegas de trabalho que no dia a dia das escolas públicas continuam
resistindo e lutando por um mundo melhor. Que bom poder compartilhar nossa caminhada!
Enfim, agradeço a todos que, de uma forma ou outra, me auxiliaram neste trabalho.
RESUMO

Esta dissertação trata das percepções que pais, alunos e professores têm das convivências
escolares que ocorrem numa escola da Rede Municipal de Porto Alegre. Entendemos o conceito
de convivências escolares como aquele que abarca as conflitualidades e as violências integrantes
do processo pedagógico e encara a escola como o espaço propício para a formação do ser
humano enquanto ser social e coletivo. O objetivo deste trabalho é analisar as representações
sociais que professores, alunos e pais têm sobre as conflitualidades que ocorrem no âmbito das
convivências escolares, bem como compreender os fatores e situações que desencadeiam
conflitualidades e as soluções propostas pelos sujeitos que participaram da pesquisa. A
abordagem teórico-analítica deste trabalho insere-se na perspectiva da sociologia da
conflitualidade e das representações sociais. O estudo possibilitou verificar que os conflitos
presentes na escola, em sua grande maioria, acontecem por falta de espaços de diálogo e
compreensão do ponto de vista do outro. Além disso, os que frequentam a instituição escolar
ainda acreditam e defendem uma postura punitiva como solução dos conflitos.

Palavras-chave: Convivência escolar. Conflitos sociais. Representação social. Sociologia da


conflitualidade. Relações sociais na escola.
ABSTRACT

This dissertation deals with the perceptions that parents, students and teachers have about school
experiences that occur in a school in the Municipal Network of Porto Alegre. We understand
the concept of school coexistence as one that embraces the conflicts and violence that are part
of the pedagogical process and sees the school as the propitious space for the formation of the
human being as a social and collective being. The objective of this work is to analyze the social
representations that teachers, students and parents have about the conflicts that occur in the
context of school life, as well as to understand the factors and situations that trigger conflicts
and the solutions proposed by the individuals who participated in the research. The theoretical-
analytical approach of this work is inserted in the perspective of the sociology of conflict and
social representations. The study made it possible to verify that the conflicts present at school,
for the most part, happen due to the lack of spaces for dialogue and understanding from the
other's point of view. In addition, those who attend the school still believe and defend a punitive
stance as a solution to conflicts.

Keywords: School coexistence. Social conflicts. Social representation. Sociology of conflict.


Social relations at school.
LISTA DE ILUSTRAÇÕES

Figura 1 Localização da escola 67


xii

LISTA DE TABELAS

Tabela 1 Técnicas metodológicas utilizadas 29


Tabela 2 Ordem cronológica das ações realizadas para coleta de dados
279
Tabela 3 Dimensões e indicadores sociais 31
Tabela 4 Rotina de uma escola no século XIX 55
Tabela 5 Mapeamento dos alunos participantes das entrevistas 69
Tabela 6 Mapeamento dos alunos participantes dos grupos focais 69
Tabela 7 Mapeamento das famílias participantes das entrevistas 73
Tabela 8 Mapeamento das famílias participantes dos grupos focais 73
Tabela 9 Mapeamento dos professores participantes das entrevistas 77
Tabela 10 Mapeamento dos professores participantes dos grupos focais 77
Tabela 11 Pergunta aos professores: o que você faz para lidar com o estresse? 81
SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO....................................................................................................................15

1.1 PROBLEMAS DE PESQUISA ................................................................................................... 19

1.2 RELEVÂNCIAS DO TEMA....................................................................................................... 20

1.3 OBJETIVOS ............................................................................................................................... 22

1.4 HIPÓTESES ............................................................................................................................... 22

1.5 PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS ............................................................................... ...23

1.6 MODELOS DE ANÁLISE .......................................................................................................... 30

2 A TEORIA QUE NOS AUXILIA A ENTENDER A REALIDADE................................34


2.1 O CONCEITO DAS VIOLÊNCIAS ESCOLARES ................................................................... ..34

2.2 O CONCEITO DOS CONFLITOS ESCOLARES...........................................................................41

2.3 O CONCEITO DAS CONVIVÊNCIAS ESCOLARES...................................................................45

2.4 O CONCEITO DAS REPRESENTAÇÕES SOCIAIS.....................................................................49

3 CONTEXTUALIZANDO A EDUCAÇÃO BRASILEIRA, O BAIRRO, A ESCOLA E


OS ATORES SOCIAIS ...................................................................................................... 53
3.1 UM PANORAMA DA EDUCAÇÃO BRASILEIRA: COMO CHEGAMOS À DIVERSIDADE
ESCOLAR E AOS SEUS CONFLITOS? .......................................................................................... 53

3.2 A REDE MUNICIPAL DE EDUCAÇÃO DE PORTO ALEGRE...................................................61

3.3 HISTÓRIA DO CONJUNTO RESIDENCIAL COHAB DO RUBEM BERTA E DA ESCOLA


MUNICIPAL GRANDE ORIENTE DO RIO GRANDE DO SUL..................................................... 64

3.4 PERFIS DOS ALUNOS PARTICIPANTES DA PESQUISA ...................................................... .67

3.5 PERFIL DAS FAMÍLIAS PARTICIPANTES DA PESQUISA.................................................... .71

3.6 PERFIL DOS PROFESSORES PARTICIPANTES DA PESQUISA .......................................... ...75

4 O QUE DIZEM OS DADOS.................................................................................................84


4.1 APONTAMENTOS DE ENCONTROS E DESENCONTROS .................................................. ....84

4.2 DIMENSÃO 1: AS RELAÇÕES SOCIAIS E OS CONFLITOS ESCOLARES ........................... ..85


4.3 DIMENSÃO 2: REPRESENTAÇÕES SOBRE A VIDA ESCOLAR ......................................... ..102
xiv
4.4 DIMENSÃO 3: AS RELAÇÕES SOCIAIS E A VIOLÊNCIA ESCOLAR ................................ ...111

4.5 DIMENSÃO 4: AS REGRAS E AS SANÇÕES DA ESCOLA .............................................. ......129

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS ............................................................................................139


REFERÊNCIAS ........................................................................................................... .......147
APÊNDICE A................................................................................................................... ...155
APÊNDICE B ................................................................................................................... ....156
15

1 INTRODUÇÃO

O Mestrado Profissional em Segurança Cidadã propunha que as pesquisas a serem


executadas fossem voltadas para os locais de trabalho de cada aluno. Essa perspectiva me
cativou, pois sou professora há alguns anos e, por diversas vezes, senti a vontade de voltar a
problematizar cientificamente situações que ali se estabeleciam. Assim, após as aulas teóricas
do mestrado, busquei encontrar um diálogo entre os conceitos abordados pela perspectiva da
Segurança Cidadã, as escolas, como representantes do Estado democrático, e o meu fazer
pedagógico. Durante minha carreira como professora, passei por diversas redes de ensino e, ao
vivenciar meu dia a dia profissional, muitas vezes questionei, silenciei e interroguei fatos que
ali ocorriam. Eram falas, queixas, elogios e pré-julgamentos sobre ‘os outros’ nas mais diversas
esferas: as roupas, as posturas de mundo, a organizações familiares, as colocações mediante os
fatos, as decisões sobre os acontecimentos, as situações que viraram notícias de corredor e
outras que passaram despercebidas. Observei encontros e desencontros das percepções,
atravessadas, com frequência, por visões cristalizadas, entre elas a da escola, representando a
verdade sobre as relações sociais. Outras em que o conflito não era resolvido e acabava
desencadeando situações violentas. Poder teorizar pela ótica da sociologia das conflitualidades
e das representações sociais o cotidiano escolar tornou-se um grande aprendizado e uma forma
de ressignificar aquilo que, muitas vezes, estava naturalizado.

Desses comentários frequentes surgiram meus primeiros questionamentos: como eram


as percepções das pessoas que estavam inseridas na escola a respeito das conflitualidades que
ocorriam nos intramuros? Havia atos percebidos como conflituosos entre os sujeitos que
estavam no dia a dia da escola, ou as situações eram consideradas habituais? Na concepção dos
atores, quando isso ocorria? Por quê? Quem eram as pessoas envolvidas? Haveria solução para
os conflitos? Quem tinha legitimidade para resolvê-los? Quais eram as propostas de resolução?

Para poder responder a essas perguntas, partimos da premissa de que a escola, por sisó,
é uma instituição cultural. A sua origem está inserida na função de transmitir
16

conhecimentos e oferecer às futuras gerações o que de melhor se produziu enquanto


humanidade. Segundo Sacristan (2001, p. 21),

A educação contribui consideravelmente para fundamentar e para manter a


ideia de progresso como processo de marcha ascendente na História (...).
Graças a ela, tornou-se possível acreditar na possibilidade de que o projeto
ilustrado pudesse triunfar devido ao desenvolvimento da inteligência, ao
exercício da racionalidade, à utilização do conhecimento científico e à geração
de uma nova ordem social mais racional.

Esse imaginário baseado numa ideia de progresso é o que embasa o pensamento sobre
cultura escolar hoje. Tal concepção escolhe e determina modelos e práticas educacionais e está
assentada sobre a ideia de igualdade e do direito à educação para todos e todas. Porém, essa
perspectiva guarda em si uma visão homogênea dos sujeitos que fazem parte da escola. Os que
são considerados ‘outros’, excluídos, minorias, os que se posicionam diferente rebateriam essa
lógica e a colocariam em xeque, levantando conflitos, criando tensões e legitimando o mal-estar
de que tantos educadores e estudantes se queixam.

Nessa perspectiva, a escola deixa de ser uma transmissora de cultura para tornar-se
uma arena de conflito de diferentes culturas. (MOREIRA; CANDAU, 2003). Esta é uma visão
progressista, que permite que as escolas não silenciem seus diversos atores, e sim abramespaços
para o diálogo nas diversidades, possibilitando a acomodação das pluralidades e das diferenças,
não mais tendendo a silenciá-las ou neutralizá-las. Desloca-se a perspectiva de uma educação
transmissora de valores para uma educação construtora de valores.

A ideia de políticas de convivência tenta traduzir as sensações coletivas existentes na


instituição escolar com base na composição dos vínculos estabelecidos nesse espaço,
construindo junto com ‘outro’ as relações sociais. Tais relações transformam-se num conceito
político, pois influenciam e ressignificam políticas educativas que podem promover a
participação na tomada de decisões sobre aspectos importantes da vida cotidiana da escola.
(VISCARDI; ALONSO, 2013).

Ouvimos, neste estudo, pais, alunos e professores da Escola Municipal de Ensino


Fundamental Grande Oriente do Rio Grande do Sul, localizada no bairro Rubem Berta, em
Porto Alegre, sobre suas representações sociais em relação à convivência escolar, observando
como os conflitos são relatados, que lugar ocupam nos discursos das convivências e como são
resolvidos – ou não – e subjetivados pelos sujeitos envolvidos. Nesse sentido, o enfoque de
17

análise proposto não pretende investigar o que é conflito ou tipificá-lo, e sim compreender o
que pensam os atores sociais sobre os conflitos escolares. Para essa tarefa, utilizamo-nos da
abordagem das representações sociais, surgida na psicologia e, em seguida, aplicada na
sociologia e em outras áreas.

Partimos do pressuposto de que o conflito faz parte das relações sociais da escola,
portanto, é elemento integrante das convivências escolares. Nossa proposta é entender o que os
atores sociais julgam serem relações conflituosas, como se posicionam perante essas
conflitualidades e como resolvem ou não tais situações. O foco principal é abordar as
conflitualidades pela perspectiva de que estas fazem parte das convivências escolares, numa
tentativa de ofertar mais um olhar. Utilizamos o conceito de convivências escolares como
fenômenos que abarcam todas as relações sociais que se estabelecem no espaço escolar e
verificamos como os atores as entendem, descobrindo quais são as representações que estes têm
dos fenômenos conflitivos.

Pesquisar as representações sociais dos atores que estão diariamente na escola a respeito
de como entendem as conflitualidades que fazem parte da convivência naquele ambiente e abrir
um espaço de compreensão dessas percepções permite um entendimento aprofundado da
realidade. Ao buscarmos esse entendimento, podemos apreender como e por que ocorrem
interações consideradas conflituosas, quando essas relações acabam desencadeando violências,
em que momento se dá vazão para que esses conflitos sejam colocados numa roda de conversa,
quando são silenciados ou quando são encaminhados a outras esferas para além da escola.

A abordagem da sociologia das conflitualidades auxilia nesse pensar, pois defende que,
devido aos processos de mundialização da sociedade e da economia global, há transformações
nas formas de viver em todo o planeta e, consequentemente, novas formas de conflitos, frutos
de lutas sociais e identitárias. (TAVARES DOS SANTOS; TEIXEIRA; RUSSO, 2011). É uma
abordagem que ressignifica o sentido social do conflito e o expande, retirando a conotação
negativa do termo e a sensação de que deveria ser superado ou silenciado. O conflito é visto
como fundamental para colocar em diálogo as diversidades que começam a se apresentar em
maior volume nas escolas quando esta começa a receber todas as classes sociais. Para os autores
dessa abordagem, quando a conflitualidade não encontra espaço, a violência é a resposta.
18

Assim, neste trabalho, os conflitos são entendidos como partes integrantes das
convivências escolares. Defendemos que eles têm centralidade nas convivências escolares, pois
representam o espaço do diálogo entre os diferentes e a possibilidade do avanço das pautas
democráticas dentro da instituição escolar, já que, ao se dar um ‘zoom’ no dia a dia de uma
escola, percebe-se que há muitos atravessamentos de conceitos nos imaginários daqueles que
estão inseridos na cotidianidade. Situações vistas como violências hoje talvez sejam
conflitualidades que ainda não receberam a devida atenção por parte dos atores sociais.

Este exercício de reflexão teórica é importante, pois “(...) a vulnerabilidade da escola


frente às violências tem efeito direto (...) na qualidade do ensino e no desenvolvimento dos
alunos.” (ABRAMOVAY; CUNHA; CALAF, 2009, p. 28). Ou seja, desnudar o que acontece
no interior da escola, para além de se entender o que ocorre dentro dela, é uma possibilidade de
pensar em estratégias e políticas públicas que auxiliem a superar dificuldades próprias desse
espaço e promover uma melhora na qualidade do serviço ofertado.

Quanto à estrutura do trabalho, ele está organizado em cinco capítulos. No primeiro,


tratamos do problema de pesquisa, sua relevância, objetivos, hipóteses e procedimentos
metodológicos. O segundo aborda o referencial teórico que nos auxilia a pensar sobre os
conceitos de violência, conflitos e convivências escolares que se articulam entre si, além de
apresentar uma breve explicação sobre o que são as representações sociais e suas formas de
abordagem. No terceiro capítulo, realizamos uma contextualização histórica, situando
rapidamente como a educação brasileira organizou-se até hoje, e verificando como, nos
documentos oficiais, a questão da conflitualidade se apresenta. No mesmo capítulo há, ainda,
um apanhado histórico da escola e do bairro onde a pesquisa foi realizada e a construção dos
perfis dos sujeitos pesquisados, o que nos possibilita entender quais são os lugares de fala de
cada participante da pesquisa. O quarto capítulo apresenta a análise dos dados, na qual
consideram-se quatro dimensões: as relações sociais e os conflitos escolares, as representações
sobre a vida escolar, as relações sociais e a violência escolar e, por fim, as regras e as sanções
da escola. Para cada dimensão, foram construídos indicadores em forma de perguntas que
utilizamos como guia para as entrevistas e grupos focais realizados. Por fim, temos as
considerações finais, que constituem um apanhado geral das informações trazidas e apresentam
sugestões para o campo.
19

1.1 PROBLEMA DE PESQUISA

Esta dissertação propõe-se a investigar as representações sobre as conflitualidades que


atores sociais pertencentes a uma escola pública municipal de Porto Alegre têm sobre suas
vivências diárias no âmbito da unidade escolar. Essa instituição recebe crianças de quatro anos
até o término do Ensino Fundamental e está localizada na região chamada de COHABdo
bairro Rubem Berta, em Porto Alegre. Posicionada em uma das ruas principais do bairro, onde
também há o posto de saúde, a associação de moradores, mercados, padarias e farmácias,
caracteriza-se por ser o ‘centrinho’ da região. Depois dessa rua asfaltada, todas as ruas vicinais
são de becos ou vielas que dão acesso aos diversos blocos de moradia, constituídos de
apartamentos de 50 m², compostos por dois quartos, cozinha e banheiro. Todos os prédios
possuem quatro andares e as mesmas características arquitetônicas, pois foram construídos na
mesma época, pelo mesmo programa de habitação popular. As diferenças entre um bloco e
outro ocorreram na passagem do tempo, uma vez que alguns receberam mais investimentos de
conservação que outros ou ampliações feitas pelos próprios moradores.

Os alunos, em sua quase totalidade, são moradores desses blocos e vêm caminhando
para a escola, muitos acompanhados de seus pais ou outros familiares. Já os professores vêm de
diversas partes da cidade e muitos de municípios vizinhos, como Alvorada e Canoas, em
locomoção própria ou de ônibus. A região é abastecida pelas linhas municipais T6, Rubem
Berta/Cairú, Rubem Berta/Sertório, Rubem Berta/Protásio Alves e algumas linhas de lotação,
o que facilita a acessibilidade até a escola.

Partindo das diferentes perspectivas de vida que os atores sociais possuem, a questão
específica que norteou este trabalho é quais são as representações sociais que professores,
alunos e pais têm sobre as conflitualidades que ocorrem nas relações estabelecidas na esfera
escolar? Como perguntas secundárias, elegemos: quais fatores e situações desencadeiam as
conflitualidades na opinião desses atores sociais? Há espaço para a valorização das diferenças
ou estas são silenciadas quando as conflitualidades ocorrem? Como esses processos de diálogos
ou silenciamentos acontecem?
20

As representações sociais foram analisadas considerando quatro dimensões: as


representações sobre a vida escolar; as relações sociais e os conflitos escolares; as relações
sociais e a violência escolar; e as regras e as sanções. A partir dessas dimensões, foram
construídos os indicadores, com o intuito de compreender as representações sociais que os
atores fazem da convivência escolar. As representações sociais foram usadas de modo a elaborar
os perfis das conflitualidades que desencadeiam violência e as situações de vulnerabilidade a
que os atores sociais estão submetidos.

1.2 RELEVÂNCIA DO TEMA

Muito se fala nos jornais, editoriais e na mídia em geral sobre a questão da violência nas
escolas. É um tema global, que vem despertando interesse não só do mundo científico, mas
também da sociedade em geral, forçando o surgimento de políticas públicas e gerando, muitas
vezes, observações apressadas e conclusões precipitadas. Os discursos sobre o que deve ser e
o que deve acontecer na escola estão em disputa nos dias de hoje. Há desde pessoas que
defendem a ‘escola sem partido’ até outras a favor da autonomia da mesma, alegando que ela
nunca é neutra, entre tantos outros discursos presentes. Além disso, há todo um imaginário social
sobre para que e a quem ela deveria servir.

Hoje, os estudos acadêmicos debruçam-se significativamente sobre a temática da


violência no mundo escolar, tendendo a um aumento nos últimos anos, apesar de haver
pouquíssimas pesquisas estruturadas em nível nacional ou que se dediquem a um panorama
geral da educação brasileira no aspecto das relações sociais e do clima escolar, pois exigem
tempo e valores monetários elevados. Os esforços feitos por parte dos estudiosos para
compreender esse fenômeno são grandes, contudo, ainda necessitam de aprofundamentos, uma
vez que este é um campo em constante construção e que continua apresentando, muitas vezes,
vários conceitos antagônicos ou incompletos. (ZECHI, 2008).

Conforme declarou Miriam Abramovay, em entrevista para a revista Veja online, as


escolas precisam de políticas públicas que sejam voltadas para a temática das convivências
escolares. “Tem de haver uma política pública de convivência escolar, onde se realizem
21

diagnósticos. Sabemos qual escola tem a melhor nota, mas não sabemos absolutamente nada
sobre o clima escolar dentro dessas escolas.” (KIANEK; ROMANI, 20191).

Abordar os conflitos pela perspectiva das convivências escolares é uma forma de tratar
do assunto sem pré-julgamentos, debatendo estudos que valorizem a percepção de seus
integrantes e dando voz àqueles que convivem diariamente por tantas horas. As pesquisas têm
focado seus esforços no mapeamento das violências, possivelmente pelo fato de esse fenômeno
representar um rompimento da concepção de escola como um espaço de formação e
desenvolvimento humano. (CAMACHO, 2001; ABRAMOVAY, 2002; LEME, 2008). O uso
do conceito de representações sociais permite que possamos ampliar a compreensão desses
fenômenos, abordando-os através do olhar dos envolvidos.

Neste trabalho, o relevante é dar visibilidade aos sujeitos que participam do processo
escolar, às suas experiências individuais confrontadas com suas vivências coletivas, por meio
das falas de famílias, professores e alunos. Portanto, a importância deste trabalho reside na
possibilidade de um olhar subjetivo, de se entender como se dão as percepções sobre as
conflitualidades, as resoluções que se encontram e se tais respostas satisfazem aos diferentes
atores sociais.

Para a compreensão desse fenômeno, partimos do pressuposto de que todas as relações


sociais, e consequentemente as percepções que geram nos sujeitos, fazem parte das
convivências escolares. Utilizamos o conceito de convivência escolar como um fenômeno que
abarca todas as relações sociais e as percepções que estas suscitam, pois acreditamos que a
instituição escolar é um lugar privilegiado para que os conflitos sejam postos em diálogo,
tornando-se parte do processo de construção da identidade pessoal e social das crianças e
adolescentes.

1
Entrevista disponível no endereço: https://veja.abril.com.br/brasil/lider-na-agressao-de-professores-brasil-
convive-com-violencia-nas-escolas/.
22

1.3 OBJETIVOS

Os objetivos a serem atingidos neste trabalho são os que seguem:


 Analisar as representações sociais que professores, alunos e pais têm sobre as
conflitualidades que ocorrem no âmbito das convivências escolares.
 Compreender quais são os fatores e situações que desencadeiam as
conflitualidades na perspectiva dos atores sociais.
 Compreender quais as soluções que os atores sociais encontram para os
conflitos.

1.4 HIPÓTESES

As hipóteses deste trabalho baseiam-se nas concepções trazidas pela sociologia das
conflitualidades, em que o conflito social é entendido como um processo de disputas de
diferentes pontos de vista que modelam processos e regras, gerando vínculos sociais e novos
pontos de vista. (TAVARES DOS SANTOS apud VISCARDI; ALONSO, 2013). Desse modo,
dispomos das seguintes hipóteses:

 As representações que os atores sociais têm sobre o ambiente escolar, sobre si,
sobre seus pares e sobre outros agentes que dividem o espaço escolar estão
colocadas sob a égide da violência, ou seja, os fatos conflituosos que ocorrem na
escola são compreendidos como violências.
 Os conflitos são silenciados e/ou controlados pelos atores sociais, havendo
poucos espaços adequados para que as conflitualidades sejam discutidas.
 Os atores sociais – pais, alunos e professores – esperam ações punitivas para a
resolução das conflitualidades que ocorrem no âmbito das convivências
escolares.
23

1.5 PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS

O trabalho foi realizado a partir de um estudo de caso em uma escola da rede municipal
de Porto Alegre. A opção pela instituição deu-se pelo motivo da inserção da pesquisadora como
professora na mesma, o que ampliava as possibilidades de coleta de dados e atendia aos
interesses do Mestrado Profissional em Segurança Cidadã, gerando novas perspectivas para o
campo de atuação profissional.

Conforme André (1984), um estudo de caso tem características próprias, pois dialoga
com aspectos não previstos e dimensões que não foram vistas a priori, ou seja, o entendimento
sobre o objeto vem dos dados coletados e em função deles. O estudo de caso privilegia o
contexto, o ponto de vista dos entrevistados e suas representações e precisa de uma variedade
de fontes de informação, retratando a realidade de forma mais aprofundada e revelando
múltiplas dimensões de um mesmo objeto.

As técnicas de coletas foram pensadas em função do próprio contexto no qual se realizou


a pesquisa, pois se trata de uma realidade institucional, de modo que a relação entre
pesquisadora e pesquisados assume posição centralizada. Reuniu-se o maior número de
informações possíveis, em um prazo total de três meses, utilizando-se duas estratégias
metodológicas: os grupos focais e as entrevistas semiestruturadas2.

Muito provavelmente o grupo ouvido não representa uma maioria, e este estudo não
pretende ter validade quantitativa. A sua riqueza se estabelece na tentativa de configurar
algumas de suas vozes que nos ofereçam novas perspectivas. Segundo Mosquera e Stobäus
(2001, p. 97), “frequentemente nos custa muito parar para ouvir os outros, estamos muito mais
preocupados em que nos ouçam, porém pouco dispostos a ouvir”. Este trabalho quis ocupar
esse lugar de escuta, quis possibilitar novos olhares, gerando ações menos censuradoras e
reflexões com mais (auto)críticas do que de costume.

2
Segundo Boni e Quaresma (2005), entrevistas semiestruturadas são aquelas realizadas mediante um
questionário estruturado, no qual as perguntas são previamente formuladas, tendo-se o cuidado de não fugir a
elas, porém respeitando o espaço de fala se outras questões surgirem. O pesquisador faz o movimento de sempre
voltar à pauta.
24

Propor-se a fazer um trabalho investigativo é aceitar passar por um processo educativo


de nós mesmos, nossas escritas e reescritas que vão sendo produzidas, deletadas, repensadas em
linha contínua à nossa temática. É durante essa prática investigativa que exercitamos a
suspeição, deixamos em dúvida se aquilo que vemos é tudo que podemos enxergar, sem cometer
a gafe de substituir nossas conclusões pelos pontos de vista exclusivos dos nossos sujeitos de
pesquisa. Não há neutralidade naquilo que produzimos. Fazer ciência é posicionar-se e realizar
um determinado recorte da realidade.

Essa situação complexifica-se ainda mais quando se desenvolvem análises dentro do seu
próprio local de trabalho, pois as posturas assumidas enquanto trabalhador(a) estarão, mesmo
que involuntariamente, ligadas a essa construção contínua da pesquisa. Esse fato faz com que
realizemos análises críticas constantes e repensemos formulações e ações enquanto vamos
atuando no nosso fazer laboral. É dar-se conta ‘no ato’; um processo de escuta e observação
constante de si e do entorno. São vozes que ecoam na cabeça o tempo todo, sinais imperceptíveis
que agora tomam uma nova dimensão durante a execução do trabalho. É desafiar-se a ver a
teoria na prática em modo constante. É tornar-se pesquisadora- trabalhadora.

E nesse desafio metodológico, como realizar os recortes? Como decidir o que ‘entra’ e
o que ‘sai’ na pesquisa? Há perguntas norteadoras, os objetivos e as hipóteses. Entretanto, como
fazer uma definição daquilo que é relevante quando se está ‘vendo tudo’ o tempo todo? Que
técnica metodológica utilizar? Entrevistas, grupo focal, diário de campo, questionários,
fotografias, descrições de cenas? Esse foi o maior desafio metodológico do trabalho. Estava
tudo a mão, o tempo todo. Em paralelo, dificuldades para reunir as pessoas, horários diferentes,
negociações para entrar em salas de aula durante o andamento dos dias letivos, complicações
para envolver as famílias que nem sempre tinham tempo e vontade disponíveis.

De repente me via3 com muitas anotações e fotografias feitas rapidamente no celular e


registros, no canto dos meus cadernos de planejamento, de situações que eu não podiaesquecer.
Eram falas, situações interessantes e posturas de mundo que nem sempre me

3
Alterno, nesse trecho, o uso da primeira pessoa do singular para formular uma narrativa fidedigna da minha
experiência metodológica como pesquisadora e trabalhadora em uma mesma instituição, construindo também,
nessa alternância, impressões muito individuais.
25

agradavam. Nesse caldeirão de informações, foi necessário recorrer a Bachelard (1977), que
nos lembra da importância da vigilância epistemológica. Precisava utilizar-me dela para fazer
uma vigilância de mim mesma. A vigilância como a “(...) consciência de um sujeito que tem
um objeto: e consciência tão clara que o sujeito e seu objeto se esclarecem ao mesmo tempo,
acasalando-se (...)”. (BACHELARD, 1977, p. 93).

Vigilância epistemológica significava não abrir mão de anotações, de diários de campo


improvisados em blocos de notas do celular ou de observações de cenas descritas rapidamente
em cadernos, pois tudo isso formava um contexto que antes passava imperceptível e que se
tornava valioso na tarefa pesquisadora-trabalhadora, porém saber que havia a necessidade de
um foco. Era necessário estruturar essa ida a campo, pois, afinal, ia-se para lá com outros
objetivos todos os dias. A coleta de dados ocorreu de outubro de 2019 a janeiro de 2020. Os
turnos de entrevista e a realização de grupos focais seriam aqueles em que a pesquisadora não
estaria em sala de aula, para poder preparar-se para a tarefa proposta. É importante salientar que
as aulas foram até 24/01/2020, com a escola funcionando na sua normalidade, em função de
recuperação de carga horária de greve por parte dos servidores municipais ocorrida naquele ano.

Nessa perspectiva de vigilância metodológica, decidimos que, para participar da


pesquisa, os alunos deveriam ter mais de 10 anos e estar cursando a partir do 3º ano do 2º ciclo4.
Essa definição correspondeu a nossa crença de que tal faixa etária contribuiria com percepções
próprias da adolescência sobre as conflitualidades presentes nas convivências escolares, fato
que vai ao encontro do foco do trabalho. Além disso, não era a faixa etária dos alunos com os
quais a pesquisadora trabalha, ação tomada para não gerar um mal-estar no sentido de ter uma
relação de poder direta sobre os participantes da pesquisa.

Para realizar a gravação das entrevistas e dos grupos focais, utilizou-se um celular marca
Motorola, modelo Moto G6, versão PPSS29.55.37-7-6, e o aplicativo chamado Gravador de
Voz, baixado da loja Play Store e instalado no celular. O aplicativo salvou as

4
A Rede Municipal de Educação é ciclada, composta de três ciclos (A, B, C), cada um com duração de três
anos.
26

conversas em mp3, com a qualidade de 44 kHz, e estas foram depois transcritas para o programa
Microsoft Word.

Para conduzir as entrevistas, foram planejados sorteios antecipados com todos os alunos
presentes na lista de chamadas a partir do 3º ano do 2º ciclo. No entanto, como a escola enfrenta
um número significativo de evasões, infrequências e transferências, percebeu-se que esta não
seria a melhor forma, já que, muitas vezes, os alunos não estavam frequentando a escola ou não
traziam a autorização assinada pelos responsáveis para poder participar da pesquisa. Dessa
forma, optou-se por outra técnica: a pesquisadora ingressou no dia 10/10/19 (Tabela 1) em todas
as salas a partir do 3º ano do 2º ciclo – totalizando 12 turmas, tanto no turno da manhã como no
turno da tarde – explicando o que era um curso de pós-graduação, os procedimentos básicos e
a temática geral e os convidou a participar. Houve uma euforia, em alguns grupos, em querer
fazer parte da pesquisa, então limitou-se a dez autorizações por sala de aula para que os alunos
levassem para casa e solicitassem assinatura e ciência da família para participar dos grupos
focais ou entrevistas. Cada conjunto de alunos reagiu de um modo; uns mais participativos,
outros menos. Ao todo, foram entregues 107 autorizações para serem encaminhadas aos
responsáveis, contendo uma breve explicação de como o trabalho seria desenvolvido, conforme
apêndice A, e solicitando suas assinaturas.

Das 107 autorizações, retornaram 32 assinadas. A partir das autorizações que voltaram,
sorteamos quatro alunos e iniciamos o agendamento das entrevistas. Segundo Haguette (1997,
p. 50), a entrevista é um “(...) processo de interação social entre duas pessoas na qual uma delas,
o entrevistador, tem por objetivo a obtenção de informações por parte do outro, o entrevistado.”
Com esse foco, a primeira entrevista com os alunos ocorreu dia 18/10/2019, pela manhã; a
segunda entrevista, no mesmo dia, pelo período da tarde. A terceira aconteceu dia 25/10/2019,
pela manhã, e a última entrevista, dia 25/10/2019 pela tarde (Tabela 1).

No dia 16/10/2019 (Tabela 1), a pesquisadora fez uma breve fala na sala dos professores
explicando o caráter da pesquisa e tirando dúvidas dos docentes. Definiu-se que, para as
entrevistas, seriam sorteados três professores, um de cada ciclo, a partir da lista que se
encontrava na secretaria da escola.
27

Após o convite a cada professor sorteado (sendo que todos haviam aceitado), as
entrevistas aconteceram no horário de almoço ou nas chamadas ‘janelas’, quando os docentes
não possuíam turmas a atender. As entrevistas aconteceram na sala dos professores, em uma
parte mais reservada. Algumas precisaram ser retomadas em outros momentos, ou aconteceram
em duas partes, para que todo o roteiro semiestruturado preestabelecido fosse cumprido. A
primeira entrevista aconteceu no dia 23/10/2019, a segunda, dia 30/10/2019 e a última, dia
06/11/2019 (Tabela 1).

Para obter o consentimento das famílias, a pesquisadora dirigiu-se à frente da escola e


fez convites aleatórios aos pais que chegavam para levar ou buscar seus filhos, momento em
que explicava brevemente a temática da pesquisa e as estratégias que seriam utilizadas. Houve
vários diálogos solícitos, porém dificuldades em concretizar os encontros. Várias entrevistas
foram agendadas, e as famílias não compareceram. Por fim, duas mães comprometeram-se a
virem até a escola. As entrevistas aconteceram nos dias 12 e 27/12/2019, respectivamente, em
uma sala reservada disponibilizada pela escola (Tabela 1).

Tabela 1 – Ordem cronológica das ações realizadas para coleta de dados


Ações Data
Conversa com as turmas de alunos 10/10/2019
Conversa com os professores 16/10/2019
Entrevista 1 – alunos 18/10/2019
Entrevista 2 – alunos 18/10/2019
Entrevista 1 – professores 23/10/2019
Entrevista 3 – alunos 25/10/2019
Entrevista 4 – alunos 25/10/2019
Entrevista 2 – professores 30/10/2019
Grupo focal 1 – alunos 03/11/2019
Entrevista 3 – professores 06/11/2019
Grupo focal 2 – alunos 22/11/2019
Grupo focal 1 – professores 27/11/2019
Grupo focal 2 – professores 29/11/2019
Entrevista 1 – famílias 12/12/2019
Entrevista 2 – famílias 27/12/2019
28

Grupo focal – famílias 08/01/2020


Fonte: própria pesquisadora.
Enquanto as entrevistas aconteciam, concluímos que seria interessante organizar grupos
focais com o objetivo de proporcionar um espaço de discussão e troca de informações sobre as
questões presentes nas dimensões de análise previamente elaboradas que estruturaram a
entrevista a partir do roteiro de perguntas (Tabela 3). Consideramos que a metodologia do grupo
focal poderia enriquecer a pesquisa. Julgou-se importante ofertar esse momento de troca para
que fossem contempladas situações que, em uma conversa individual, não seria possível pelas
limitações do método. Por exemplo, em grupo, os alunos poderiam sentir-se mais seguros a
fazer colocações ou apontamentos, e tanto professores como familiares teriam a possibilidade
de tecer comentários que trouxessem reflexões que enriqueceriam a captação de dados para
análise.

A utilização de mais de uma técnica foi possível porque havia facilidade de acesso ao
campo e vontade da pesquisadora em ofertar mais momentos de interação. Como elucida
Bourdieu (1999), a escolha do método de pesquisa não deve ser rígida, e sim exigente; ou seja,
o pesquisador não necessita fazer uso de um único modo de captação de informações, mas, ao
serem aplicados, os procedimentos devem ter rigor (Tabela 2).

Tabela 2 – Técnicas metodológicas utilizadas


Pais Alunos Professores
Entrevista 2 4 3
Grupo 1: 8 pessoas Grupo 1: 3 pessoas
Grupo focal Grupo 1: 4 pessoas
Grupo 2: 5 pessoas Grupo 2: 4 pessoas
Fonte: própria pesquisadora.
As perguntas levadas para os grupos focais foram as mesmas das entrevistas para nortear
o início da conversa, considerando que em “(...) este método (...) os participantes levam em
conta os pontos de vista dos outros para a formulação de suas respostas e também podem tecer
comentários sobre suas experiências e dos outros.” (BONI; QUARESMA, 2005,
p. 73). Os alunos foram sorteados pelas autorizações que a pesquisadora já tinha em mãos.
Optou-se pelo número de oito participantes em dois grupos focais, totalizando 16 pessoas, que
se entendeu ser um número razoável de alunos para que o grupo não ficasse muito grande e
nem tão pequeno.
29

Os grupos focais ocorreram durante os períodos de aula, com o consentimento oral dos
professores responsáveis por aquele momento, que liberaram os alunos para sair de sala de aula.
O primeiro grupo foi formado pelos oito alunos, provenientes do turno da manhã, no dia
03/11/2019 (Tabela 1). O segundo grupo ocorreu dia 22/11/2019 (Tabela 1), do qual
participaram cinco jovens no período da tarde. Três estudantes estavam ausentes naquele dia e,
portanto, não participaram. Dirigimo-nos a uma sala de aula vazia, onde as discussões tiveram
duração de mais de uma hora e encerraram-se com a proximidade do fim do turno de aulas. Para
iniciar, depois de uma breve apresentação da pesquisadora, todos os alunos diziam seus nomes,
turma e idade e o roteiro era seguido, atentando-se ao cumprimento das perguntas-chave, porém,
ofertando-se espaços para que outras questões entrassem em jogo caso os alunos as trouxessem
como contribuição.

Quanto aos professores, decidiu-se seguir as mesmas estratégias metodológicas.


Realizamos dois grupos focais, que aconteceram no horário do almoço. A título de organização,
sorteamos novamente os educadores pela lista ofertada pela secretaria da escola. A ideia inicial
era a de que houvesse cinco pessoas em cada grupo focal, totalizando 10 participantes, já que,
proporcionalmente, o número de professores é bem menor que o de alunos, bem como seria
complicado reunir um número mais expressivo de professores no mesmo horário, devido à
dinâmica do dia a dia. Ainda assim, foi bastante difícil reunir a todos. Por fim, os grupos focais
aconteceram no dia 27/11/2019, com três professores, e no dia 29/11/2019, com quatro
professores (Tabela 1).

Para o grupo focal das famílias, resolveu-se chamar as participantes do Conselho


Escolar. São famílias presentes no dia a dia da escola e que participam das decisões importantes
daquele ambiente. O grupo focal, então, ocorreu no dia 08/01/2020 (Tabela 1), com a
participação de quatro pessoas. A conversa aconteceu na biblioteca, tendo a duração de uma
hora e 40 minutos. É importante registrar que as entrevistas e os grupos focais foram realizados
somente com figuras maternas – mães ou avós –, pois nenhuma figura paterna compareceu.
Para se compreender brevemente quem são os sujeitos participantes da pesquisa, foram
feitas perguntas por escrito aos participantes, sempre antes de começar as entrevistas ou os
grupos focais, para que retornassem à pesquisadora. A elaboração ficou a cargo da pesquisadora
e sua íntegra constitui o apêndice B, tendo por base o perfil sociodemográfico
30

construído por Abramovay, Cunha e Calaf (2009), no livro “Revelando tramas, descobrindo
segredos; violência e convivência nas escolas”, sobre seus pesquisados – alunos e professores
da rede pública do Distrito Federal.

Uma das ferramentas utilizadas para a análise das respostas dos participantes às
perguntas da pesquisadora foi o software NVIVO, versão 12. Desse programa, o recurso
utilizado foi a opção “Contagem de palavras”, em que as falas em análise dos participantes são
copiadas e coladas em janelas que verificam as palavras mais recorrentes, ofertando, assim, as
palavras-chave dos assuntos abordados. Essa ferramenta possibilita uma análise mais dinâmica
de um volume grande de informações. Conforme Alves, Figueiredo Filho e Henrique (2015, p.
124),
É importante ressaltar que esses programas são facilitadores no processo
analítico dos dados e não substituem a responsabilidade do pesquisador na
interpretação substantiva dos resultados. Portanto, é uma ferramenta que
possibilita análises interessantes, mas não exime o pesquisador de criar suas
próprias análises para fazer um bom uso da ferramenta.

Essa ferramenta não foi usada em todos os trechos das transcrições dos grupos focais e
entrevistas, somente naqueles que a pesquisadora achou pertinente. Quando se tratava de
perguntas que abordavam o mesmo assunto para pais, alunos e professores, cabia verificar as
palavras-chave de cada segmento sobre determinada temática.

1.6. MODELOS DE ANÁLISE

Para entender como as conflitualidades estão presentes no imaginário das representações


sociais daqueles que estão inseridos na escola pesquisada, propomos a criação de indicadores
para interpretar os dados. Segundo Brasil (2010, p. 21), “(...) os indicadores são instrumentos
que permitem identificar e medir aspectos relacionados a um determinado conceito, fenômeno,
problema ou resultado de uma intervenção na realidade.” Nesse caso, os indicadores construídos
pretendem trazer à tona, de forma mensurável, as representações sociais de conflitualidades que
os atores sociais possuem, sendo suas funções na ordem descritiva, traduzindo a realidade
empírica da escola e fazendo um diagnóstico da situação. Para isso, construímos quatro
dimensões (1, 2, 3 e 4) que abarcam diferentes características das convivências na escola,
apresentamos os públicos-alvo e os indicadores concebidos
31

(Tabela 3). A construção dessas dimensões baseou-se no trabalho de Melo (2015), que criou
dimensões para avaliar o clima escolar em escolas públicas de São Paulo.

Tabela 1 – Dimensões e indicadores sociais


Dimensão 1: As relações sociais e os conflitos escolares
Características
Mapear, pela ótica dos atores sociais pesquisados, quando há conflitos no espaço escolar
no que tange aos comportamentos. O indicador utilizado é a existência ou inexistência
do uso de espaços democráticos de construção de diálogos.
Indicadores para alunos
Quando a escola é boa? Quando ela é ruim? Qual sua principal motivação para ir à
escola? O que seria um comportamento ideal de aluno para você? E de professor? A sua
família acompanha sua vida escolar? Qual a sua percepção em relação ao seu próprio
comportamento?
Indicadores para pais
Quando você considera que a escola é boa? Quando ela é ruim? Qual sua principal
motivação para mandar o filho para a escola? O que seria um comportamento ideal de
aluno para você? E de professor? Você acompanha a vida escolar do seu filho?
Indicadores para professores
Quando você considera que a escola é boa? Quando ela é ruim? Qual a sua principal
motivação para vir trabalhar todos os dias? O que seria um comportamento ideal de
aluno para você? Os pais acompanham a vida escolar de seus filhos?
Dimensão 2: Representações sobre a vida escolar
Características
Mapear, pela ótica dos atores sociais pesquisados, como estes sentem-se na escola no
seu dia a dia e como estabelecem as percepções sobre convivência escolar. O indicador
utilizado é se há espaço para que os conflitos sejam colocados em diálogo.
Indicadores para alunos
Qual a sua percepção em relação aos seus colegas a respeito da convivência? Qual a sua
percepção em relação aos seus professores a respeito da convivência? Qual a sua
percepção sobre a escola em relação à convivência? Ela estabelece diálogos? Oferta
espaços de resolução de conflitos? O que você acha da infraestrutura da escola? Ela
oferece espaços de socialização?
Indicadores para pais
Qual a sua percepção sobre os relacionamentos dos alunos entre si? Qual a sua
percepção em relação aos relacionamentos entre alunos e professores? Qual a sua
percepção sobre a escola em relação à convivência? Ela estabelece diálogos? Oferta
espaço de resolução de conflitos? O que você acha da infraestrutura da escola? Ela
oferece espaços de socialização?
32

Indicadores para professores


Qual a sua percepção sobre os relacionamentos dos alunos entre si? Qual a sua
percepção em relação aos relacionamentos entre alunos e professores? Qual a sua
percepção sobre a escola em relação à convivência? Ela estabelece diálogos? Oferta
espaço de resolução de conflitos? O que você acha da infraestrutura da escola? Ela
oferece espaços de socialização?
Dimensão 3: As relações sociais e a violência escolar
Características
Mapear se, pela ótica dos atores sociais pesquisados, há ou não cenas de violências no
espaço escolar e como estas são vistas a partir do conceito de que a violência ocorre
devido ao silenciamento do conflito. O indicador é avaliado a partir da existência ou
inexistência de momentos violentos e de como estes são resolvidos. Também pretende
entender a sensação de segurança, ou seja, se a escola é considerada um lugar seguro ou
não.
Indicadores para os alunos
Você acha que há cenas de violência na escola? Se sim, quando esta ocorreu? Você já
viu a guarda municipal ou outro tipo de policiamento ser chamado na escola? Quando
isso ocorreu? Como foi? Para você, a escola é um lugar seguro?
Indicadores para pais
Você acha que há cenas de violência na escola? Se sim, quando esta ocorreu? Você já
viu a guarda municipal ou outro tipo de policiamento ser chamado na escola? Quando
isso ocorreu? Como foi? Para você, a escola é um lugar seguro?
Indicadores para professores
Você acha que há cenas de violência na escola? Se sim, quando esta ocorreu? Você já
viu a guarda municipal ou outro tipo de policiamento ser chamado na escola? Quando
isso ocorreu? Como foi? Para você, a escola é um lugar seguro?
Dimensão 4: As regras e as sanções da escola
Características
Este indicador pretende compreender como professores, alunos e pais entendem as
regras da escola. Se os integrantes têm acesso aos regimentos e aos encaminhamentos
realizados e se acham justas as sanções quando estas ocorrem.
Indicadores para alunos
Você conhece as regras da escola? Como ficou sabendo delas? Você concorda ou
discorda das regras? Há algo que deveria ser proibido ou permitido no ambiente escolar?
Se há punições, você concorda ou discorda delas?
Indicadores para pais
Você conhece as regras da escola? Como ficou sabendo delas? Você concorda ou
discorda das regras? Há algo que deveria ser proibido ou permitido no ambiente escolar?
Se há punições, você concorda ou discorda delas?
33

Indicadores para professores


Você conhece as regras da escola? Como ficou sabendo delas? Você concorda ou
discorda das regras? Há algo que deveria ser proibido ou permitido no ambiente escolar?
Se há punições, você concorda ou discorda delas?
Fonte: própria pesquisadora.

Esses indicadores foram elaborados em forma de perguntas e utilizados nas entrevistas


semiestruturadas e nos grupos focais. Eles possibilitaram à pesquisadora retomar o foco das
entrevistas, quando necessário, ou estimular os entrevistados menos falantes a exporem o que
pensavam. Nem sempre foram feitas na ordem construída academicamente, pois, algumas
vezes, as conversas tomavam outros rumos e era necessário retomar perguntas, ou eliminar
outras que os entrevistados já haviam respondido espontaneamente. As questões serviram como
uma espécie de guia, norteando o que deveria ser perguntado.

Além de servirem de guia para a coleta dos dados, as dimensões também foram
utilizadas para organizar as informações e compuseram o capítulo 4, em que são analisadas as
respostas dos participantes a respeito de cada dimensão.
34

2 A TEORIA QUE NOS AUXILIA A ENTENDER A REALIDADE

Para este trabalho, defendemos que os conflitos fazem parte das relações humanas, são
saudáveis e fundamentais para a existência democrática entre os sujeitos. Acreditamos que um
conflito não resolvido pode gerar ações violentas como discriminações, ameaças, vandalismos,
entre outras. Olhar de forma mais ampla os fenômenos, entendendo-os como parte das
convivências escolares, possibilita-nos defender que a escola é capaz de prevenir alguns tipos
de violências desencadeadas pelas conflitualidades mal resolvidas, já que é um fenômeno
construído socialmente e, portanto, capaz de ser evitado através do diálogo.

Sabemos que a escola sozinha não consegue modificar problemas estruturais que
transpassam as paredes escolares, mas cremos que ela pode desenvolver um olhar menos
condenatório e mais democrático sobre os acontecimentos. Nessa linha de raciocínio,
aprofundamo-nos em três conceitos teóricos importantes, que geraram três subcapítulos: o
conceito das violências escolares, dos conflitos escolares e, por fim, das convivências escolares.

O último subcapítulo trata-se de uma revisão do conceito de representações sociais, que


tem como objetivo, enquanto ferramenta teórica, ofertar a possibilidade de que os grupos sociais
inseridos diretamente nos fenômenos relatem, através de suas narrativas, seus pontosde vista
e compreensões sobre os fatos.

2.1. O CONCEITO DAS VIOLÊNCIAS ESCOLARES

Historicamente, a temática da violência escolar brasileira entra na pauta das pesquisas


acadêmicas nos anos de 1980 e impulsiona-se nos anos de 1990, na esteira do processo de
redemocratização. Antes dos anos 90, os estudos estavam mais focados no levantamento de
depredações, furtos e invasões, portanto, canalizados na parte física da instituição escolar.
(SPOSITO, 2001). A partir de 1988, com a abertura democrática, o estabelecimento do ECA
(Estatuto da Criança e do Adolescente) e uma pressão social maior sobre a educação
35

brasileira, há um aumento do interesse acadêmico pela temática. (ABRAMOVAY; CUNHA;


CALAF, 2009). A sociedade civil, que tinha uma demanda reprimida pela situação política,
apresenta-se preocupada com a questão da segurança e faz um esforço para democratizar as
instituições da esfera do Estado. (SPOSITO, 2001). Nesse cenário, começam as surgir as
primeiras pesquisas sobre violência escolar.

Essas análises apontam ter havido, nos anos 90,

(...) uma mudança no padrão da violência observada nas escolas públicas,


atingindo não só os atos de vandalismo, que continuaram a ocorrer, mas as
práticas de agressões interpessoais, sobretudo entre o público estudantil.
Dentre estas últimas, as agressões verbais e ameaças são mais frequentes.
(SPOSITO, 2001, p. 94)

Os estudos deixaram de focar na estrutura física da escola e começaram a problematizar


a questão das relações interpessoais e suas consequências. Portanto, não ocorreu um aumento
das violências nos espaços educativos, mas sim uma entrada maior da população brasileira nesse
espaço, a partir da obrigatoriedade da lei de todos na escola5, e um maior número de estudos
sobre esse fenômeno, que passa a registrar dados até então não revelados. A partir dos anos de
2000, há um aprofundamento nas discussões sobre a violência escolar no sentido de entendê-la
nas suas relações.

Há um avanço significativo, então, na compreensão desse conceito quando


pesquisadores como Tavares dos Santos, Didonet e Simon (1998) demonstram que as violências
seriam os abusos de poder sobre o outro, nos quais a exibição da força física seria uma resposta
à negação do diálogo, tanto em nível macro como em nível microssocial. A forma
contemporânea de aparecimento das violências estaria posta no

excesso de poder que impede o reconhecimento do outro – pessoa, classe,


gênero ou raça – mediante o uso da força ou da coerção, provocando algum
tipo de dano, configurando o oposto das possibilidades da sociedade

5
Segundo Breda (2016), o ensino brasileiro tornou-se obrigatório na Constituição de 1934, através do artigo
150, alínea a. Entretanto, a lei não previa como ser implementada essa obrigatoriedade, nem indicava a idade
escolar ou a série. Em 1967, então, a lei fixou a faixa etária de 7 a 14 anos como a idade escolar obrigatória;
em 2005, a idade de 6 a 14 anos, e, em 2009, a idade de 4 a 14 anos. “Os índices de frequência em instituições
escolares nas três últimas décadas do século XX para as crianças entre cinco e nove anos de idade eram de 44%
em 1980, 62% em 1990 e 85% em 2000” (p. 13). Portanto, foi entre a década de 80 e os anos 2000 que grande
parte da população brasileira começou a ter acesso ao ensino fundamental público pela primeira vez.
36

democrática contemporânea. (TAVARES DOS SANTOS; DIDONET;


SIMON, 1998, p. 107)

Para o autor, não há fronteiras definidas entre violências físicas e violências simbólicas.
As violências estariam difusas (TAVARES DOS SANTOS, 2004), ou seja, em todos os lugares,
presentes de várias formas, ampliando o conceito ao extremo, abarcando as violências
simbólicas, as violências brutas e as sensações de insegurança. A vida cotidiana estaria baseada
nesses tipos de violência, que “abarca (...) uma inter-relação entre mal-estar, violência simbólica
e sentimento de insegurança.” (TAVARES DOS SANTOS, 2002, p. 22). Todas as mudanças
que a sociedade está vivendo, apontadas pelo autor, não poupam nenhum espaço social, estando
a instituição escolar também exposta às transformações. Para exemplificar, determinado
palavrão pode ser considerado um ato violento em sala de aula, enquanto no campo de futebol,
não. Da mesma forma, podem-se aceitar certos palavrões entre colegas de aula, mas condená-
los quando dirigidos a professores. Defendemos que o espaço escolar possui singularidades
culturais que atuam sobre as representações que os sujeitos têm das violências, causando
sensações diferentes entre os agentes sociais.

Sposito (2001) explica que a violência escolar apresenta uma variedade de conceitos, o
que dificulta definir o que pode ser considerado violência e o que seria indisciplina. Para
explicar o que ocorre nas escolas brasileiras, a autora prefere utilizar o conceito de incivilidades.
As incivilidades abordam as pequenas violências cotidianas, que acabam não sendo registradas
e, muitas vezes, nem notadas. Algumas não são nem consideradas, por consenso, como
violências: os apelidos jocosos, as pequenas ameaças, as algazarras e os barulhos que perturbam
a ordem pública, por exemplo. Essas microviolências seriam as causadoras de rupturas da boa
convivência nos locais públicos. Ou seja, ocorreriam quando se faz um mau uso do espaço
coletivo, destruindo as concepções de cidadania e de segurança pública. (ABRAMOVAY;
CUNHA; CALAF, 2009).

Sposito, em 2002, publica um estudo sobre políticas públicas no meio escolar e seu
impacto pela perspectiva dos jovens. Ali, são apresentadas as diferenças entre violência social
e violência escolar. A violência social seria aquela que está no entorno da escola, que tem
relação com o aumento da criminalidade, mas não pode ser definida como uma violência
escolar. Seriam aqueles delitos criminosos que afetam o dia a dia de qualquer cidadão e que,
eventualmente, ocorrem dentro da escola, como estupros, furtos ou roubos.
37

Já a violência escolar é classificada pela autora em dois tipos: o primeiro tipo é aquele
que danifica o patrimônio escolar – pichações, vidros quebrados, banheiros danificados –, e o
segundo tipo, aquele que está na esfera das relações interpessoais, quando as pessoas inseridas
no meio escolar agridem-se verbal ou fisicamente. Esse segundo tipo de violência é difícil de
ser classificado, pois entrelaça-se às vivências de um determinado coletivo ou de um indivíduo,
já que aquilo que ofende a si ou a um grupo pode não fazer diferença nenhuma para o outro.

Camacho (2001) apresenta um estudo realizado com alunos de classe média, utilizando
o conceito de moratória social, que se refere a pessoas que possuem tempo e condições
financeiras para viver um período de suas vidas com relativa despreocupação e isenção de
responsabilidades. Ao pesquisar o meio escolar desses alunos, a autora também percebe, tal
como no estudo mencionado no parágrafo anterior, uma dificuldade em separar indisciplina de
violência, não sendo possível distingui-las enquanto fenômenos. Camacho utiliza Durkheim
para explicar disciplina a partir dos processos de socialização. Para Durkheim, segundo ela, nos
processos de socialização, está incutido o desenvolvimento do disciplinamento, sendo dever
dos adultos transformar as crianças em seres sociais e morais, ea escola constitui o espaço ideal
para esse evento. Contudo, a autora ressalta que hoje a escola passa por uma crise em relação a
sua função de socialização, pois a ideia rígida de subordinação do aluno ao professor não faz
mais sentido. Além disso, os novos modelos de educação ainda necessitam de aprofundamentos
sobre o que seja indisciplina escolar, uma vez que a hierarquia anteriormente posta transformou-
se na busca por autonomia, com a desobediência, inclusive, chegando a ser vista como positiva.
“Muitas vezes, ela (a indisciplina) se torna instrumento de resistência à dominação, à submissão,
às injustiças, às desigualdades e às discriminações em busca da identidade e dos direitos.”
(CAMACHO, 2001, p. 130).

Debarbieux (2001) identificou três tipos de violência escolar: a violência penal, de


vitimização e delitos; as incivilidades ou conflitos de civilidade; e, por último, o sentimento de
insegurança que atinge a percepção da violência. Para o autor, a incivilidade estaria ligadaà
falta de capacidade das escolas em promover a integração social. A escola fica com a tarefa de
ensinar a controlar as emoções e as condutas, dominando os impulsos agressivos, porém, não
consegue dar ferramentas para uma inserção na sociedade de forma igualitária, a partir de
38

uma convivência democrática. Tal fato gera frustração e eleva o número de práticas violentas
dentro da escola, aumentando o nível de tensão de todos os envolvidos.

Charlot (2002) faz uma distinção importante: ele explicita a diferença entre a violência
na escola, violência à escola e a violência da escola. A violência na escola é aquela em que a
instituição é a arena do conflito. Ela poderia acontecer em qualquer outro espaço – na rua, na
igreja, dentro das casas; a escola é apenas o ‘pano de fundo’. Já a violência à escola é aquela
que atinge diretamente a parte física (fogo em banheiros, pichações) e seus agentes (bater em
professores, destratar funcionários). Por último, temos a violência da escola, que é aquela
violência institucional, intrínseca ao espaço, simbólica (os maus tratos verbais, o racismo, a
homofobia). Para o autor, essa distinção é importante, porque “(...) se a escola é largamente
(mas não totalmente) impotente face à violência na escola, ela dispõe (ainda) de margens de
ação face à violência à escola e da escola.” (CHARLOT, 2002, p. 435). Esses dois últimos tipos
de violência precisariam ser, em primeiro lugar, assumidos pela escola como um problema real
e, em segundo lugar, como algo a ser combatido e entendido por todos, paraque a educação
democrática saísse fortalecida.

A questão da violência é complexa, e o entendimento sobre ela varia conforme a época


pesquisada, a cultura em que se está inserido e as ferramentas teóricas que se utilizam. É um
fenômeno difícil de delimitar, pois se altera ao longo do processo histórico, sendo dinâmico e
volátil. Suas formas de entendimento sobre o que são ou não agressividades modificam-se
conforme as sociedades das quais os sujeitos fazem parte, portanto, definir o que sejam atos
agressivos, conceituando-os teoricamente, torna-se um desafio, já que é necessário ter o cuidado
metodológico de situá-los no tempo e no espaço. Em resumo, é preciso que se entenda que, ao
classificar o que é violência, decidimos o que é violência e o que não é; no entanto, esta pode
alterar-se ao longo do tempo, e, então, atos que anteriormente eram considerados violentos, hoje
podem não o ser e vice-versa.

Abramovay, Cunha e Calaf (2009, p. 20) afirmam que não se pode compreender a
violência como algo dado e concreto. A violência é “(...) uma espécie de ameaça constante. Ela
permeia o cotidiano, mas nem sempre se fundamenta em atos ou crimes reais: a violência é,
também, algo que paira sobre os indivíduos como uma espécie de sentimento de insegurança”.
Essa sensação de insegurança não pode ser confundida com o medo, que está no âmbito
pessoal, e sim considerada um fato que abarca uma percepção coletiva, posta nas
39

mais diversas situações e locais; mesmo a escola, que participava de uma visão romântica, na
qual a sociedade a via como um espaço idealizado para reproduzir valores éticos, encontra-se
hoje enredada também nesses sentimentos de insegurança.

Ao nos aprofundarmos na temática da violência escolar, percebemos que já está na pauta


acadêmica há algum tempo, é abordada por diversas áreas, sob diversos aspectos, cada um deles
com um enfoque diferente à questão. Não podemos explicar o assunto a partir de umúnico fator,
mas sim perceber que há sortidos elementos que influenciam o tópico. Cada autor, ao realizar
suas pesquisas, criou categorias de classificação para os diferentes tipos de violência a que as
escolas e seus atores sociais estavam submetidos. A principal conclusão de todos esses estudos
é a de que as violências estão – na sua maioria – na esfera das incivilidades ou das
microviolências, mesmo que midiaticamente, muitas vezes, tenhamos a sensação contrária.

Em vista disso, tais pesquisas também apontam que as grandes preocupações das escolas
deveriam ser as incivilidades que acabam passando despercebidas no dia a dia da instituição e
que ferem muito mais as subjetividades e as identidades dos sujeitos do que seus corpos. Elas
acabam em danos físicos somente em casos extremos; contudo, atingem as dimensões
subjetivas, minando a existência do outro e alimentando o sentimento de insegurança de todos
na escola. Segundo Abramovay e Castro (2006, p. 53), “(...) nas escolas tais atitudes raramente
são penalizadas, sendo tratadas como delitos secundários ou comportamentos naturais, típicos
de determinadas fases ou idade”. Por ‘cair no esquecimento’, as incivilidades acabam gerando
um sentimento de impunidade e insegurança às vítimas, aumentando a sensação de falta de
cidadania e justiça. Ou, ao contrário, são punidas sem uma reflexão de quem cometeu o delito
e de seus pares – com advertências, afastamentos e até expulsões – resolvendo os problemas
de forma simplista, sem um avanço na pauta da prevenção, e sim um reforço na agenda da
punição, rompendo com o espaço democrático de discussão e negando a escola como um local
que abraça as pautas progressistas.

Com frequência, as equipes diretivas e os professores não sabem como se colocar


perante as microviolências diárias. Os alunos, por outro lado, fazem que nada viram, gerando
a lei do silêncio entre todos, ou sentem-se injustiçados por penalizações que não compreendem,
aumentando a sensação de que estão sozinhos naquele espaço e que vivem
40

cada um por si. Ficam todos com medo de represálias ou de serem estigmatizados, e, aos
poucos, a cultura do medo ou da impunidade vai se ampliando e desorganizando o espaço
público da escola, gerando um sentimento de falta de pertencimento, corroendo relações de
amizade e de solidariedade.

Em resumo, a proposta é a de debruçarmo-nos sobre o que Debarbieux (2001) chama de


incivilidades e sensações de insegurança, Charlot (2002) denomina violências da escola e à
escola e Sposito (2001) classifica como violências escolares. Nesse exercício acadêmico,
queremos trazer essas formas de violências para a arena das convivências escolares, defendendo
que as escolas podem e devem pensar em formas de combatê-las ou minimizá-las, pois são
passíveis de serem discutidas através do que Viscardi e Alonso (2013) chamam de gramáticas
de convivência. As gramáticas de convivência consistem em todas as regras e normas que regem
um determinado espaço social, que vão para além do nível das leis jurídicas, sendo as práticas
e fluxos próprios de uma instituição, e que podem garantir um espaço mais ou menos
democrático.

Para avançarmos nessa pauta, e não apenas diagnosticar atos de incivilidades ou outros
tipos de violência, faz-se necessário um entendimento de como os atores envolvidos –
professores, alunos e famílias – entendem essas violências e as subjetivam. No dia a dia das
escolas, há uma série de conflitualidades que são fontes de tensão e que rapidamente
transformam-se em violências, nem sempre havendo espaços para a reflexão e a busca de novas
relações que permitam o conflito. A conflitualidade acaba sendo anulada e a violência
exacerbada, invertendo a agenda da democracia e da pluralidade.

Um exemplo desse fato é quando um professor recebe um bilhete escrito a próprio punho
por um pai autorizando-o a colocar seu filho de castigo caso este não se comporte. O caso ilustra
uma legitimação do uso da violência e um cessar do diálogo por parte daqueles que estão em
uma postura de autoridade perante aquela criança/adolescente. A conflitualidade é negada, e a
violência impera como uma resposta para os problemas postos naquela situação.
41

2.2. O CONCEITO DOS CONFLITOS ESCOLARES

A educação brasileira, em comparação a outros países em desenvolvimento, ainda está


em processo de garantir a entrada e a manutenção de todos na escola. Segundo os dados
retirados do Pnad Contínua (BRASIL, 2018, p. 30), 75,9% dos jovens brasileiros de até 16 anos
concluíram o Ensino Fundamental em 2017, demonstrando que ainda há um número
significativo de crianças e adolescentes que evadem antes de completarem o ensino
fundamental. Além disso, tais dados apontam uma distorção idade-série, agravada por
desigualdades de raça/cor, renda e localização regional, embora a distância entre o acesso dos
mais ricos e dos mais pobres, assim como de brancos e negros, tenha diminuído nas últimas
décadas.

Conforme avançarmos na massificação da educação básica, possivelmente


enfrentaremos problemas semelhantes aos de países que já passaram por esse processo.
Precisaremos aprender a lidar com a diversidade, com alunos que vêm de famílias que não têm
caminhada escolar, sem um formato padrão ou perfil ideal. A massificação amplia o número de
alunos e traz um estudante distinto daquele com quem a escola até então estava acostumada a
lidar, gerando uma desestabilização da organização preexistente, um conflito de ideias e
posições de mundo. Aliada a esse fator, temos a perda do poder aquisitivo dos professores, a
ampliação da rede pública sem a devida qualidade, a cobrança das comunidades sem a existência
de canais de diálogo e o desemprego dos pais e alunos-trabalhadores. Todos esses aspectos –
somados à realidade da sociedade contemporânea, difusa, líquida e de mudanças velozes –
geram tensões que, se não canalizadas, acabarão fortalecendo a violência.

A esse respeito, Viscardi (1999, p. 347) relata que

(...) a violência é, por definição, a negação da palavra e do diálogo, sendo


precisamente o que deveria permanecer fora da escola. Retrocesso em relação
à capacidade do sistema educativo de se ampliar cumprindo com sua função
de transmissão de valores e de conhecimentos de uma geração à outra.
Paradoxalmente, no momento em que o sistema público logra expandir-se a
vastos setores sociais e ter a função educativa integradora, de acesso ao mundo
social e do trabalho, a violência parece instalar-se nos locais de ensino, pondo
em questão a capacidade dos sistemas de educação para se transformarem em
sistemas de integração social.
42

Segundo a autora, a violência consiste no silenciamento do outro, quando não há mais


espaços para diálogos. Pensando que começamos a encarar, neste início de século, uma escola
extremamente heterogênea sob vários aspectos, como já mencionado, inserida em um mundo
contemporâneo em que não há verdades cristalizadas, como o problema da convivência é
compreendido por aqueles que estão inseridos no ambiente escolar? Como o conflito é
significado por aqueles que apresentam tanta diferença nas formas de compreender o mundo?

Collins (2009) faz um resgate da teoria sociológica do conflito, expondo que este
aparece já nos escritos de Heráclito em 500 a.C., porém não tendo sido contemplado em todos
os períodos históricos desde então. O autor defende que, para se ter uma análise não
romantizada de uma certa sociedade, seria importante que o conflito fosse valorizado como
estrutura social. Ele explicita que essa ferramenta teórica foi utilizada por Marx e Engels ao
explicar a teoria das classes sociais, na qual “(...) demonstraram como qualquer luta política
pode ser analisada a partir dos conflitos e alianças entre classes sociais que perseguem diferentes
interesses econômicos”. (COLLINS, 2009, p. 64). A ótica sociológica do conflito também foi
empregada na teoria do conflito político, na qual as diferentes classes entrariam em conflito no
espaço político para manter ou melhorar sua situação social e, ainda, na teoria da estratificação
sexual, desta vez elaborada somente por Engels, que começou a apontar uma desigualdade entre
os gêneros.

O conflito seria o alicerce de uma sociedade mais justa, pois, “(...) quando o conflito não
é explícito, ocorre um processo de dominação.” (COLLINS, 2009, p. 49). Ou seja, o conflito
poderia ser uma resposta para o mal-estar que vivemos atualmente e um espaço para
valorizarmos nossas diferenças, opondo-se ao extremo que vivemos hoje, em que o diálogo é
silenciado e o ódio alimentado, fenômeno visto nas mais diversas esferas das relações humanas.

Max Weber também é um representante da teoria dos conflitos. Para o intelectual, a


história era composta de conflitos confusos que poderiam ser explicados através de tipos ideais
sobrepostos. Os tipos ideias ilustrariam a forma como as sociedades estruturam-se e “(...)
adquirem uma legalidade própria, dando origem às teorias de classes, de organizações e coisas
do tipo, oferecendo um conteúdo real para a teoria weberiana do conflito.” (COLLINS, 2009,
p. 81).
43

Simmel, segundo Collins (2009, p. 102), segue uma linha da compreensão da teoria do
conflito tratando-o como um importante elemento da sociedade, mas que não produz mudança
social. A visão de Simmel foi refinada por Coser, que encontrou três princípios fundamentais
para a teoria: o conflito é a percepção sobre os limites de um grupo; ele é mais intenso entre
grupos ou indivíduos que são mais próximos; e, por fim, os conflitos externos forçam uma
coesão do grupo atingido.

Além desses autores, Collins refere-se a vários outros sociólogos que demonstraram o
quanto o conflito está presente na organização das sociedades. Alguns deles são Mannheim,
que apresenta a teoria da racionalidade substantiva e racionalidade funcional6 ; C. Wright Mills,
nos EUA, em 1956, com o livro The Power Elite; Dahrendorf, que “(...) toma emprestada a
concepção de classe formulada por Marx e Engels, a generaliza num sentido weberiano, fazendo
com que o conflito pelo poder tenha um caráter mais essencial” (COLLINS, 2009, p. 95),
ampliando essa concepção para além do marxismo, e tantos outros pesquisadores.

A teoria do conflito é amplamente utilizada na área das ciências sociais até hoje,
originando os estudos da Sociologia das Conflitualidades, que, no Brasil, têm como seus
expoentes os pesquisadores Tavares dos Santos, Sérgio Adorno, César Barreira e tantos outros.
A teoria do conflito também alcança outras áreas das ciências humanas e acaba sendo aplicada
em estudos na área da educação. Os pesquisadores utilizam o conceito de conflito não como
um inimigo da ordem ou da normatização, mas sim como uma noção na qual se entende que os
diferentes e as diferenças podem conviver no espaço escolar. Assim, nessa teoria, o conflito é o
espaço da diversidade, da tolerância e do diálogo nas relações sociais.

Segundo Chrispino e Chrispino (2002, p. 29), o conflito “(...) se origina da diferença


de interesses, de desejos e de aspirações. Percebe-se que não existe aqui a noção estrita de erro
e de acerto, mas de posições que são defendidas frente às outras, diferentes.”. Para tais autores,
nossa dificuldade enquanto sociedade está colocada em perceber o conflito somente quando
este já é uma violência. Nesse sentido, seria importante entender que o conflito faz

6
A racionalidade substantiva seria a percepção humana em relação ao modo como os meios levam a certos
fins, e a racionalidade funcional seria o cumprimento de regras e regulamentações ao pé da letra, que permitiria
um funcionamento mais eficiente da sociedade (COLLINS, 2009, p. 88).
44

parte da vida humana (ir/não ir; casar/não casar; comprar/não comprar) e aceitar que ele é parte
integrante da vida social.

Para Estevão (2008), a escola deveria ser a arena do conflito onde jogos de poder,
confrontos, alianças, pactos e coligações acontecem, estimulando a micropolítica entre os
alunos; isso implica uma necessária e constante vigilância no sentido de não se favorecer os já
favorecidos ou aumentar o poder de quem já é poderoso. Também, segundo o autor, faz-se
necessário evitar o autoritarismo, a retirada de direitos dos alunos, a falta de transparência e a
impunidade, a avaliação como arma para hierarquizar, a rotulagem etc. “(...) O conflito na
escola ganha um novo sentido: ele é encarado de modo positivo e até como necessário ao
crescimento dinâmico do ser humano.” (ESTEVÃO, 2008, p. 510).

Segundo Galvão (2004, p. 15), os conflitos seriam atos de oposição

(...) necessários à vida, inerente e constitutivo, tanto da vida psíquica, como da


dinâmica social. Sua ausência indica apatia, total submissão e, no limite,
remete a morte. Sua não explicitação pode levar à violência. Mesmo que se
possa confundir com ela, conflito não é sinônimo de violência. Violentos
podem ser os meios de resolução ou os atos que tentam expressar um conflito
que não pôde ser formulado, explicitado.

Para a autora, uma vida sem conflito seria uma vida apática, na qual o ser humano não
conseguiria participar da vida social nem evoluir como pessoa. A escola deveria ser o espaço
em que o aluno é acolhido quanto aos seus conflitos pessoais e também a desencadeadora de
novos conflitos, que seriam estimulados por uma educação coletiva. Por meio de suas pesquisas,
Galvão (2004) mapeou três tipos de tendências em relação aos conflitos escolares. A primeira
seria a de camuflar, tentando resolvê-los sem uma devida análise e reflexão, ou seja,
“empurrando-os para debaixo do tapete”. A segunda tendência seria a de atribuir a
responsabilidade de todo e qualquer conflito para o aluno ou seus pais através de alegações
relacionadas ao que é externo: “a aluna é problemática”, “a família é desestruturada” etc.,
transferindo o conflito para uma esfera na qual ‘ninguém’ é responsável. A terceira tendência
seria a de vivenciar o conflito como fracasso, quando professores e alunos desestruturam-se
com suas ocorrências, sentem-se incompetentes para lidar com o fato e, muitas vezes, desistem
ou são coniventes.

A pesquisadora conclui que a violência ocorre quando os conflitos não são explicitados;
ao mesmo tempo, lembra-nos de que eles nem sempre têm solução, mas que o
45

fato de serem olhados poderia possibilitar uma melhor gestão, eliminando o discurso do culpado
e avançando para uma vida mais plena.

Nas concepções abordadas, a forma como os conflitos são geridos revela-nos


possibilidades de se compreender como os atores sociais entendem as relações que acontecem
nas escolas, fazendo avançar o entendimento dessa temática no meio escolar.

2.3. O CONCEITO DAS CONVIVÊNCIAS ESCOLARES

A convivência escolar é um conceito que vem sendo trabalhado principalmente por


pesquisadores originários de países de língua espanhola. Há duas perspectivas na abordagem
sobre a temática. Alguns estão apoiados na literatura francesa, que defende a necessidade da
discussão sobre violências de forma mais ampliada, abarcando os conceitos das microviolências
e violências simbólicas e argumentando que estas são as responsáveis pelo clima de insegurança
nas escolas. Outros vinculam-se à abordagem americana, que se debruça mais sobre as
violências duras, levantando estatísticas sobre homicídios e bullying. (ABRAMOVAY;
CUNHA; CALAF, 2009).

A pesquisa aqui realizada vai ao encontro dos conceitos trazidos pela abordagem
francesa, que acredita que os conflitos, quando não resolvidos, podem se transformar em
violências e são importantes para se compreender os fenômenos das convivências escolares,
partindo da perspectiva de que o que acontece na esfera das relações sociais deve ser
considerado convivência, pois estão no campo das relações interpessoais.

Ortega e Rey (2002) expõem que as relações interpessoais são redes sociais de
participação em que todos estão inseridos, conscientemente ou não. Essa inserção gera
identidades sociais, aprendizagens e processos de desenvolvimento, e a educação – tanto a
formal quanto a informal – tem um papel importante nisso.

A educação é, em grande parte, um processo que acontece nos âmbitos de


atividade e comunicação em que vivemos. Âmbitos esses, nos quais, além do
cenário mais ou menos fixo, composto pelas condições que nos são dadas (...)
e que são condições determinadas por fatores econômicos, culturais e políticos
– nem sempre por nós controlados – estão presentes, permanentemente, as
redes de relações interpessoais, que compõem o tecido humano no qual
vivemos, e sobre o qual poderíamos ter uma influência mais
46

objetiva. São os sistemas de relações entre as pessoas o núcleo básico da


convivência, do qual, em grande parte, dependemos e sobre o qual podemos
influir, à medida que vamos adquirindo consciência de como são essasrelações
e de como poderiam ser melhoradas. (ORTEGA; REY, 2002, p. 19)

A educação – formal e informal – é a arena que, inserida em determinado contexto


histórico, apresenta possibilidades de conscientização sobre nosso lugar no mundo e melhorias
das convivências interpessoais, tornando-se um indicativo de bem-estar social. (ORTEGA;
REY, 2002, p. 22).

Portanto, é importante não negar os conflitos, pois eles são intrínsecos às relações
sociais, conforme o campo da sociologia das conflitualidades. Segundo Fachinetto (2018, p.
71), “(...) o conflito não se constitui um processo necessariamente desagregador da sociedade,
mas inerente às relações sociais e potencialmente criador de outras relações sociais”. O conflito
é um elemento pertencente às normas vigentes – conscientes e inconscientes – e nem sempre
traduz violência, mas sim formas opostas de se relacionar, que muitas vezes são diferentes e,
portanto, conflitantes. (TAVARES DOS SANTOS, 2009).

Ao ignorar como os conflitos e as relações sociais se estabelecem, as escolas incorrem


no erro de focar na parte dos conteúdos tradicionais e ignorar o desenvolvimento social e
afetivo, dando espaço para que a violência se propague como forma de convivência. Mesmo
quando abordam a perspectiva socioemocional, muitas vezes utiliza-se de um olhar
individualizante, dando um viés psicológico e privativo a tais questões, esquecendo a influência
da própria construção social da escola e todas as normas e regras visíveis e invisíveis que se
estabelecem ali. Rejeita-se a maneira como se transmite o currículo, ou o clima escolar, como
uma construção sociológica. (RUIZ, 2009, p. 97).

Estevão (2008) corrobora a importância de não se negar o conflito. Para o autor, a


modernidade tardia apresenta-se como uma dicotomia para o ser humano, pois, de um lado,
realça sua individualidade e, do outro, o integra cada vez mais em redes complexas de relações
sociais. A escola não fica de fora dessa mudança de paradigma, disputando recursos em um
Estado que precisa ser empresarial e voltado para o mundo financeiro, não para o bem-estar
social. Assim, a escola é uma arena política de batalhas de discursos e posições de mundo e
um espaço de exercícios de poder.

Segundo assevera o autor (p. 509),


47

(...) a escola deverá dar uma resposta: ou fechar-se no seu casulo, procurando
deste modo escapar às vicissitudes do seu meio mantendo-se imaculada; ou
então transformar-se internamente num espaço público exposto, numa
organização educativa essencialmente comunicativa e convivencial,
assumindo a responsabilidade social de contribuir para a resolução dos
problemas da coletividade ao mesmo tempo que procura internamente
construir consensos de uma forma argumentada, mas sem desprezar o conflito
ou o dissenso. (ESTEVÃO, 2008, p. 509)

O conflito é visto como positivo e salutar, abrindo espaços para o amadurecimento de


pautas caras às sociedades, transformando o mero disciplinamento em ‘disciplina democrática’,
baseada no respeito mútuo e nas normas de convivência.

Viscardi e Alonso (2013, p. 32) corroboram essa visão trazendo o conceito de políticas
de convivência, pautados na ideia de que a convivência escolar é um conceito político, pois se
trata de um direito social. Para assumirmos esse entendimento, algumas dimensões deveriam
ser consideradas essenciais: a não naturalização daquilo que acontece na escola, entendendo- se
que qualquer situação é uma construção social; a educação para cidadania como eixo do
trabalho a ser desenvolvido, sem criminalizar adolescentes e jovens, compreendendo-se que
estes estão em processo de formação cidadã; e o afastamento da visão tutelar/assistencialista,
avançando-se na construção do conceito do jovem como um sujeito de direitos.

Esses autores defendem que a convivência escolar deve ser situada como uma política
pública orientada para a ampliação do exercício da democracia. Ela é o estado do convívio que
expressa tensões do mundo da vida cotidiana, das práticas pedagógicas e das relações dos atores
sociais. Logo, em termos de políticas públicas, a convivência escolar pode ser uma saída para
orientar a resolução de conflitos através de dinâmicas dialógicas, nas quais o sujeito esteja em
uma posição de cidadão, gerando acordos coletivos, promoção da participação, exercício de
direitos e vínculo com a comunidade escolar em que está inserido e aumentando sua
participação na vida democrática. (VISCARDI; ALONSO, 2013, p. 34-35).

Conforme esses autores, para que a convivência escolar seja afirmada como política
pública, é necessário que se identifiquem os espaços mais excludentes e as relações mais
discriminatórias das escolas. Deve-se levar em consideração que muitos dos discursos
pedagógicos falam em comunidade escolar e em participação de todos, no entanto, na prática,
isso não ocorre, pois há hierarquias dentro da própria escola que precisariam ser revistas, que
dificultam o desenvolvimento do sentimento de pertença e uma identificação com o coletivo.
48

“Assim, para o desenvolvimento de uma cultura democrática de convivência é necessário que


alunos, funcionários, pais e docentes participem de uma vida escolar ativa, para reverter o vazio
de sentido que, em grande parte, está na origem da problemática.” (VISCARDI; ALONSO,
2013, p. 105).

As convivências escolares abrangem todas as relações sociais que têm como pano de
fundo a escola, não importando se são consideradas pacíficas ou violentas. Defendemos que as
pessoas que estão vinculadas à escola encontram-se inseridas em processos de aprendizagem;
portanto, suas ações são discutíveis e passíveis de soluções justas e democráticas. Sabemos que
as maiores partes dos acontecimentos ocorridos na escola estão na área das incivilidades, sendo
fundamental solucioná-los de forma não condenatória, e sim reflexiva, que leve a uma
possibilidade de mudanças de postura. (SPOSITO, 2001, p. 100). Além disso, a própria escola
concebe processos de exclusão, apesar de legalmente se dizer universal, possuindo normas e
regulamentações que podem gerar desistências de quem está lá, reforçando uma postura de
normatização e hierarquização social.

As violências escolares podem ser abordadas a partir da compreensão de que estamos


tratando de processos de encontros e desencontros, que surgem no dia a dia da vida cotidiana
escolar, aos quais todos estamos sujeitos. Enfrentar esse fenômeno significa aceitar que ele deve
ser evidenciado – não de forma condenatória, mas sim democrática –, discutido e resolvido de
maneira justa e equânime. Assim, a escola assume seu caráter educativo, em que as identidades
sociais e pessoais estão em constante construção, sujeitas a transformações ao longo da
trajetória escolar.

Nossa contribuição reside em descobrir como os atores sociais inseridos nesse contexto
compreendem e subjetivam as relações sociais que estabelecem. A esfera da subjetividade e a
forma como os fenômenos impactam as pessoas também são partes do desdobramento do
conceito de convivências escolares. Propor-se a entender essas relações significa compreender
como os conflitos são incorporados, resolvidos ou ignorados pelos agentes sociais. Para avançar
nesse tipo de pesquisa, é necessário contar com o conceito de representações sociais, que nos
instrumentaliza a compreender os imaginários que fazem parte daqueles inseridos no contexto
escolar.
49

Em resumo, o conceito de convivências escolares abarca as conflitualidades e as


violências como parte do processo pedagógico e encara a escola como o espaço propício para
a formação do ser humano enquanto ser social e coletivo. Ter essa visão humanista proporciona
tirar o foco de ações condenatórias e estimular o desenvolvimento de atitudes progressistas, que
garantam os direitos dos pertencentes à comunidade escolar e seu pleno desenvolvimento
enquanto sujeitos em formação. As conflitualidades e as violências são vistas como partes
integrantes das convivências escolares, não centrais, nem periféricas, mas constituintes dos
processos de aprendizagem; portanto, precisam ser colocadas em diálogo para gerar discussões
que propiciem o avanço da pauta democrática enquanto sujeitos diversos que somos e que
solucionem o problema da busca da violência como resposta para os conflitos.

2.4. O CONCEITO DAS REPRESENTAÇÕES SOCIAIS

O conceito de representações sociais tem sua origem nos estudos da Psicologia. Um dos
primeiros autores a abordar o tema é Serge Moscovici, que, em 1976, tenta entender como a
psicanálise era assimilada pelo leigo, ou seja, como o senso comum entendia o saber científico.
O autor inaugura uma nova forma de pensar, em que o sujeito é produtor e produto de uma
determinada sociedade. A representação social é, assim, uma construção do sujeito sobre o
objeto, ou seja, como ele ressignifica o objeto para si. (SANTOS, 2005).

Segundo Jodelet (2017), as representações sociais são sistemas de interpretação que


conduzem a forma de entendermos e posicionarmo-nos no mundo, fazendo avançar maneiras
de ser e estar coletiva e individualmente. As representações sociais são responsáveis por
definirem identidades de pessoas, de coletivos, de instituições, gerando constantes
transformações sociais. São entendidas como ‘teorias do senso comum’, já que definem a
diferença entre fenômeno e representação, ou seja, distinguem o que realmente ocorre da
representação que as pessoas têm dos fenômenos. Porto (2015, p. 32) exemplifica como
metodologicamente esse conceito é útil.

Da perspectiva metodológica, o conhecimento via representações sociais é um


tipo de conhecimento que poderia ser considerado (e assim o tenho chamado)
de segundo grau, ou de “segunda mão”, não por ser menos
50

relevante do que aquele obtido de “primeira mão”, mas na medida em que se


chega a ele interrogando a realidade através do que se pensa sobre ela.
Exemplificando: ao invés de centrar a análise no(s) dado(s) bruto(s) do
fenômeno, interroga(m)-se o(s) imaginário(s) construído(s) sobre o mesmo.
É um enfoque que privilegia a linguagem em sua condição de dispositivo
analítico, indagando-se sobre que discursos e narrativas são aí produzidos.

As representações são, então, ‘blocos de sentido’ que determinados grupos sociais dão
a certos conceitos, permitindo a quem analisa aprofundar-se na forma de pensar de um grupo.
Essa teoria é capaz de descrever e mostrar a realidade pelo viés daqueles que estão inseridos no
fenômeno, fornecendo novas ferramentas de análise.

Além disso, pode-se dizer que as representações sociais são maneiras como certos
grupos entendem os fatos que ocorrem na vida cotidiana, variando ao longo da história. Sua
preocupação reside no entender “(...) os sentidos, os valores e as crenças que estruturam a vida
social.” (PORTO, 2006, p. 250). Por exemplo, há pouco tempo, muitas das relações sociais
tinham a violência física ou de efeito moral como forma de regulamentação. Na escola, havia
o uso de palmatórias, de ‘orelhas de burro’, o ato de ajoelhar em milhos ou tampinhas, a cadeira
do castigo para crianças pequenas, entre outros métodos que eramconsiderados educativos.
Hoje, tais formas de agir sobre as crianças ou adolescentes seriam consideradas abusivas. Essa
mudança do olhar sobre o objeto faz com que as percepções das pessoas alterem-se a respeito
do que pode ser considerado um ato de violência.

Na seara das violências, em específico, Porto (2015) explica que, no Brasil, devido a
nosso processo histórico recente de redemocratização, as violências eram consideradas, até
pouco tempo atrás, como importantes regulamentadoras das relações sociais. As violências que
ocorriam dentro da esfera doméstica ou institucional eram, inclusive, concebidas como de ordem
privada. Assim, as violências não foram nomeadas como tal, o que retardou os estudos sobre
esse objeto sociológico, que esteve inserido em dois processos aparentemente contraditórios.
Por um lado, o uso recorrente, na sociedade civil, das violências como forma de resolução de
conflitos; por outro, o surgimento de um movimento de recusa do uso desses atos. Esse segundo
movimento fomenta, a partir dos anos 90, a discussão sobre as violências, que passaram a
ocupar centralidade no entendimento da história brasileira, sendo, então, construídas como
objeto de estudos sociológicos. (PORTO, 2015).

Ao aprofundar a reflexão sobre as questões conceituais, torna-se cada vez


mais relevante privilegiar a análise do fenômeno da violência a partir dos
51

conteúdos de valores e normas – os quais, na condição de representações


sociais, informam práticas sociais e orientam condutas de indivíduos em seu
cotidiano, recolocando a função pragmática das representações. Valores e
normas que participam da constituição do capital simbólico disponível nas
sociedades e que se caracterizam por seu caráter histórico, mutável e plural.
(PORTO, 2015, p. 28)

As representações sociais possibilitam-nos analisar as conflitualidades – nas quais, com


frequência, a violência é uma forma de estabelecer relações – sem pré-julgamentos, uma vez
que se quer acessar não o legal ou normativamente correto, mas o efetivamente vigente; ou
seja, quer-se entender o que está estabelecido empiricamente, tanto quanto ou até mais que a
ordem legal. Os sentidos empíricos dados pelo senso comum – julgamentos de valor e efeitos
de hierarquização – são os fatos centrais da análise, permitindo ao pesquisador entender quais
valores e crenças estruturam a vida social de determinado local ou grupo social. Ao fazer isso,
há a possibilidade de se apontar novos caminhos com a utilização de ferramentas mais
democráticas, como o diálogo, o exercício da tolerância e a aceitação dos diferentes.

Porto (2015, p. 33) elucida que a teoria das representações sociais, apesar de ter nascido
na esfera da psicologia social, diferencia-se dela ao ser utilizada pela sociologia, pois, para esta
disciplina, a teoria tem um caráter ‘utilitarista’ e a característica de ser uma ferramenta
metodológica que analisa o todo e o plural das redes de significações criadas. Para a autora, há
quatro pontos importantes (PORTO, 2015, p. 33):

1. o resultado das vivências é pessoal, mas elas estão condicionadas ao tipo de


inserção social que cada indivíduo tem na sociedade;
2. as representações sociais expressam visões de mundo ao mesmo tempo que
as ressignificam, em um círculo contínuo;
3. na ordem prática da vida, as representações sociais se expressam na forma
de orientadoras de condutas;
4. as representações sociais são a matéria-prima do fazer sociológico.
A autora defende que a relação indivíduo/sociedade é de interdependência, podendo ser
dialeticamente conflituosa ou harmoniosa, e o indivíduo não é mero suporte de macroestruturas,
sendo capaz de fazer escolhas e tomar decisões, mesmo que de modo limitado. Além disso, as
representações não podem ser consideradas resultados de pesquisas
52

cristalizadas, mas sim pontos de partidas de mais questionamentos, valorizando-se a


experiência entre sujeito/objeto em detrimento do resultado final. (PORTO, 2015).

Ao analisar o fenômeno das conflitualidades através das representações sociais,


valorizamos a possibilidade de relativizar os conceitos, realocando-os teoricamente, dando
novos significados aos valores orientadores de conduta e defendendo que estes valores não são
independentes do campo social no qual são construídos. Ou seja, quando afirmamos que as
conflitualidades são partes das convivências escolares, entendemos que as representações sobre
esse conceito ajudam-nos a elaborar estratégias democráticas de solução de conflitos, dentro do
contexto escolar, como processo de aprendizagem da vida pública.

É a partir dessa dinâmica que pretendemos entender as convivências escolares,


indagando a população que frequenta a escola a explicar como se dão as percepções sobre as
conflitualidades presentes nas relações sociais, analisando os sentidos empíricos, formulados
pelo senso comum, portanto, permeados por julgamentos de valor e hierarquizações.
53

3 CONTEXTUALIZANDO A EDUCAÇÃO BRASILEIRA, O BAIRRO, A ESCOLA E


OS ATORES SOCIAIS

A história de vida de cada um interage com a vida dos outros das mais diversas formas,
criando cenas nos corredores, pátios e salas de aulas, relações que se estabelecem e se misturam
com a própria história da educação brasileira e da instituição. Além das características próprias
de cada local, os sujeitos que nela circulam pautam-se pelos traços da comunidade em que estão
inseridos e do contexto ao qual pertencem.

Este capítulo tem por finalidade contextualizar brevemente essa conjuntura, partindo de
uma situação macro para uma situação micro. A primeira parte pretende elucidar brevemente
como chegamos enquanto país a uma diversidade tão grande presente na escola, na qual
meninos e meninas, negros(as) e brancos(as), jovens e velhos(as), com mais ou menoscondições
financeiras, provenientes de famílias ‘tradicionais’ ou de lares de passagem fazem parte.
Depois, propõe-se delinear como a rede municipal de educação entrelaça-se à história pessoal
de cada um, influenciando a vida daqueles que fazem parte do conjunto residencial Rubem
Berta e o dia a dia da escola pesquisada, pois todos esses elementos contribuem para nossa
compreensão de como os participantes desta pesquisa entendem seu local de estudo ou trabalho.

3.1. UM PANORAMA DA EDUCAÇÃO BRASILEIRA: COMO CHEGAMOS À


DIVERSIDADE ESCOLAR E AOS SEUS CONFLITOS?

Partindo do pressuposto de que tudo tem um início, quem inventou a escola? Como ela
chegou até o Brasil, com tanta diversidade e tantos desafios? Por que entendemos que temos
tantos conflitos na escola hoje? Quais são as subjetividades e relações que estão ali colocadas?
Entendendo os conflitos, como podemos melhorar a convivência e fazer expandir tal conceito,
aceitando que ele faz parte do dia a dia das atividades humanas e escolares?

A educação sempre fez parte da história, inicialmente, nas sociedades primitivas, mais
informais, visando ao ensino de coisas práticas da vida coletiva e sem a estrutura da escola
54

que conhecemos hoje. Depois, com a expansão da cultura grega, surge o termo scholé, que
significa “lazer, tempo livre”. Esse termo era usado para nomear os locais onde a educação da
elite grega ocorria. O mestre filósofo era o responsável pelos ensinamentos dos seus discípulos,
ministrando Política, Artes, Aritmética e Filosofia. (DUSSEL, 2003). Embora o termo
signifique ‘tempo livre’, já havia certa estrutura posta.

Na Idade Média europeia, o conhecimento ficou restrito aos mosteiros e a cargo da Igreja
Católica. A educação era elitizada, para os nobres que precisavam aprender a governar, e restrita
aos homens. Nessa época, começa-se a considerar interessante a ideia de oferecer ensinamentos
já na infância, apesar dessa categoria ainda não existir. (DUSSEL, 2003).

Com o desenvolvimento do capitalismo, a burguesia começa a exercer pressões para o


surgimento de uma escola com ensinos práticos para a vida e para os interesses da classe
emergente. Assim, o período da Revolução Industrial e a consequente necessidade de mão-de-
obra qualificada fez surgir uma instituição escolar para grandes massas. Nesse processo de
massificação, era necessário, para civilizar, colocar ordem em tudo: nos tempos, espaços, meios
e métodos. Com a intenção de ordenar os ritos dos espaços educativos, expande-se, na Didactica
Magna (1632) de Comenius, o discurso de homogeneização e da unificação do ensino.
Estabelecem-se, então, os meios e métodos para se ensinar tudo a qualquer pessoa. (COSTA,
2009).

Conforme resgata Dussel (2003),

[...] os docentes devem começar por tornar seus alunos dóceis e atentos,
basear-se em seus gostos e suas vontades, e educar seu entendimento e suas
memórias. Essas são as raízes do ensino-aprendizagem. (COMENIO, 1986,
p. 156-158 apud DUSSEL, 2003, p. 68)

A escola moderna surge paralelamente a outras instituições reguladoras, como a fábrica,


o hospital e a prisão. Inicia-se o processo de transformar o indivíduo em objeto do saber, e então
sobre ele é exercido o poder controlado. Ao definir os lugares dos indivíduos, criava-se a
possibilidade de controlar cada um e o trabalho simultâneo de todos. Assim, organiza-se uma
nova forma de tempo de aprendizagem, mais econômica, o que resultava na transformação do
espaço escolar em uma máquina de aprender, mas também de vigiar, de hierarquizar e de
recompensar. (DUSSEL, 2003).
55

Essa ideia de rotina, organização e vigilância estritas é ilustrada em uma anotação da


agenda de um professor do século XIX, retirada do livro A invenção da sala de aula (DUSSEL,
2003, p. 129):

Tabela 2 – Rotina de uma escola no século XIX


9:00 – 9:10 Sentar-se. Fazer contas ou figuras nas lousas.
9:10 – 9:30 Aula. Primeira lição: gramática, geografia.
9:30 – 9:45 Exercícios simultâneos de escrita.
9:45 – 10:00 Corrigir erros de sintaxe.
10:00 – 10:30 A escola deve estar em silêncio. O sinal toca quatro vezes; levar os alun até
os monitores que estão nos corredores. Os temas, de acordo com a aul
gramática, geografia, escrita e leitura.
10:30 – 10:45 Toca o sinal; os monitores recolhem os livros. Escrever palavras dadas pe
monitor.
10:45 – 11:15 Gramática e geografia simultâneas.
11:15 – 12:00 Escrita, primeiras cinco lições em papel, as seguintes na lousa.
12:00 Saída.
2:00 – 2:10 Reunião igual à manhã.
2:10 – 2:30 Aula. Primeira lição: aritmética.
2:30 – 3:15 Com os monitores nos corredores: aritmética, exceto na primeira classe, q
estuda geografia com mapas que estão pendurados na parede mais alta
sala. O professor examina por 15 minutos a primeira classe.
3:15 Voltam aos seus bancos
3:15 – 4:00 Quadros simultâneos, com explicação incluída.
4:00 – 5:00 Contas
5:00 Saída
Fonte: Dussel, 2003, p. 129.

Há uma preocupação com os ritos, os tempos e um controle sobre corpos e mentes que,
até então, era exclusivo de outras instituições, como a religiosa. Essa ideia de controle dos
tempos e corpos prolonga-se até os dias de hoje, já que o imaginário do senso comum sobre
escola a tem como um espaço de ordenamento e ritos.

O Brasil não fica de fora desse processo, uma vez que as primeiras escolas daqui foram
as responsáveis por ‘educar’ os indígenas, por meio de instituições religiosas, principalmente
pelos jesuítas, que, inspirados nessa filosofia europeia do vigiar, punir e hierarquizar, seguiram
impondo sua cultura sobre a cultura indígena. Esse processo durou de meados de 1550 até 1760,
quando os jesuítas tiveram que sair do país. Em 1808, foi aprovado um tipo de método de ensino
baseado em filosofias extremamente rígidas no qual os melhores alunos eram usados como
monitores e auxiliares. Essa forma de organização exigia regras predeterminadas, rigorosa
disciplina, distribuição ordenada dos alunos e um sistema de
56

avaliação do aproveitamento e do comportamento do estudante, que deveria soletrar e silabar


junto com os professores e manter sua voz baixinha. (SAVIANI, 2005).

Já no século XX, há a homogeneização e a centralização das formas de educar em torno


de um ensino simultâneo e a criação de métodos globais. Os estados assumem a tarefa do
ensino, e as escolas públicas surgem em massa. No Brasil, esse fenômeno começa nos anos 30,
junto com o movimento escolanovista, que defende os interesses da criança a partir da
concepção de que o indivíduo a ser educado não deveria exercitar apenas suas funções
intelectuais, mas também aprender criatividade, autonomia e liberdade, sabendo controlar seus
impulsos, sendo cooperativo e generoso (DUSSEL, 2003), ou seja, aprendendo para além dos
conteúdos considerados formais como português e matemática.

Esse movimento altera profundamente os discursos vigentes até então, de uma escola
posta sob a luz da rigidez e da exigência de uma postura sóbria por parte dos professores.
Avançam as manifestações sobre os direitos das crianças pelo mundo e um novo olhar sob essa
categoria social, o que faz com que a escola também repense suas formas de organização.

No Brasil, as teorias da escola nova defenderam que a ciência deveria ser a base do
progresso, a democracia deveria ser o centro do processo, bem como o autoritarismo deveria
ser rechaçado, para preparar o indivíduo a viver em uma sociedade mutável. (SAVIANI, 2005).
Era um sopro do pensamento progressista que chegava por aqui. A filosofia da educação da
época trazia a escola nova como um processo que abria espaço para o aluno se manifestar, em
que o diálogo ganhava centralidade e a forma de construir o conhecimento se alterava
profundamente. De uma ideia de um professor que tudo sabia, passava-se à concepção da
construção do conhecimento, uma visão mais voltada para o processo do que para o resultado.

Contudo, a educação, nessa época, ainda não era para todos, apesar de os intelectuais da
época defenderem arduamente essa ideia. As políticas educacionais do país não atingiam grande
parte da população brasileira, que foi ter acesso à escola somente depois da abertura
democrática.

Com a chegada da ditadura militar na década de 60, há uma grande reviravolta, e a


educação brasileira é atropelada pela visão tecnocrática de ensino, na qual o professor era um
transmissor do conhecimento e sua tarefa, mecânica, e havia um peso maior nas avaliações
57

através de provas e aplicações de punições caso cometessem-se infrações. Ou seja, há uma


aposta no castigo para resolver os problemas de convivência que pudessem ocorrer no espaço
escolar, atropelando-se, assim, os discursos anteriores recém-chegados que iam à direção
oposta. Esses elementos fazem com que a educação brasileira volte atrás e novamente ganhe
uma roupagem mais conservadora, autoritária e antidemocrática.

Com a abertura da democracia, a consolidação da Constituição Federal de 1988 e a


entrada de novas teorias educacionais, houve mudanças profundas no cenário da educação
brasileira, principalmente no sentido da garantia de todos na escola. Quanto aos avanços
trazidos pela Constituição, um dos mais importantes é a gratuidade do ensino nos
estabelecimentos oficiais; a educação, a partir de então, é um direito de todos e dever do Estado,
fato que aparece pela primeira vez em um documento oficial nacional de tal porte. A partir da
Constituição, podemos afirmar que finalmente, na história brasileira, as portas das salas de aula
se abrem para todos.

Para ilustrar o fato, o artigo 205 da Constituição Federal (BRASIL, 1988) delibera que

A educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida


e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno
desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua
qualificação para o trabalho.

Esse artigo garante situações importantes para a ampliação da ideia de educação. Ali
está colocado não apenas que a educação formal é importante, mas também a relevância das
aprendizagens que acontecem para além da escola, bem como aquela ofertada pela família,
exigindo que a sociedade também se sinta responsável pelos cidadãos em formação. O objetivo
primeiro seria o ‘pleno desenvolvimento da pessoa’, ou seja, não apenas as aprendizagens
consideradas curriculares (português, matemática, história), mas também conteúdos e assuntos
que auxiliem no avanço da democracia. Há o intuito de que as pessoas sejam vistas como
merecedoras de respeito e consideração por parte do estado e da comunidade a qual pertencem.

O segundo objetivo trazido pela redação fala sobre ‘preparo para o exercício da
cidadania’. Segundo Vianna (2006, p. 135), a cidadania ali retratada não é apenas de direitos
políticos, mas também “(...) voltada para qualificar os agentes da vida do Estado, reconhecendo
cada indivíduo como pessoa integrada na sociedade estatal.”. Portanto, a meta é
58

uma educação voltada para a ampliação dos avanços sociais, com um Estado que se submeta às
vontades da população. O último objetivo é a ‘qualificação para o trabalho’, que não retrata
apenas a instrumentalização para o seu desempenho, mas também valoriza o exercício da justiça
social e o sentimento de pertença e contribuição à sociedade.

O texto do artigo 205 da Constituição Federal ilustra a sua inspiração democrática e


como, a partir dela, vieram novos elementos para a educação brasileira. São vários documentos
que vão à defesa do direito de todos na escola. O surgimento do Estatuto da Criança e do
Adolescente, a Lei de Diretrizes e Bases Nacional, os Parâmetros Curriculares Nacionais, entre
outras legislações nos níveis estadual e municipal por todo o país. Esse fato levou as discussões
internas e externas para outro patamar.

Em 1996, na esteira da redemocratização, há a aprovação de mais um documento


importante: a Lei de Diretrizes e Bases (LDB), que, orientada pelos artigos dos fundamentos da
educação presentes na Constituição, faz o Brasil avançar na possibilidade de todos na escola –
ao menos no Ensino Fundamental. Pela primeira vez, há diretrizes que orientam as escolas
quanto ao que deve ser ministrado e aprendido pelos alunos. A LDB é fruto de várias discussões
na esfera política e, desde 1996, vem sofrendo várias alterações, sendo campo de disputas de
discursos.

Na sua origem, a LDB surge como uma forma de complementar a Constituição Federal
trazendo a necessidade de um novo pacto social, pois nossa sociedade passa de uma perspectiva
ditatorial para uma democrática. Os artigos fundamentais da Constituição Federal retratam essa
perspectiva:
Art. 2º A educação, dever da família e do Estado, inspirada nos princípios de
liberdade e nos ideais de solidariedade humana, tem por finalidade o pleno
desenvolvimento do educando, seu preparo para o exercício da cidadania e sua
qualificação para o trabalho.
Art. 3º O ensino será ministrado com base nos seguintes princípios:
I - igualdade de condições para o acesso e permanência na escola;
II - liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar a cultura, o
pensamento, a arte e o saber;
III - pluralismo de ideias e de concepções pedagógicas;
IV - respeito à liberdade e apreço à tolerância;
V - coexistência de instituições públicas e privadas de ensino;
VI - gratuidade do ensino público em estabelecimentos oficiais;
VII - valorização do profissional da educação escolar;
VIII - gestão democrática do ensino público, na forma desta Lei e da
legislação dos sistemas de ensino;
IX - garantia de padrão de qualidade;
59

X - valorização da experiência extraescolar;


XI - vinculação entre a educação escolar, o trabalho e as práticas sociais.
XII - consideração com a diversidade étnico-racial. (Incluído pela Lei nº
12.796, de 2013)
XIII - garantia do direito à educação e à aprendizagem ao longo da vida.
(Incluído pela Lei nº 13.632, de 2018). (BRASIL, 1996)

Esses dois artigos, que tratam dos princípios e fins da educação nacional, representam
essa visão democrática de ensino, inspirada nos princípios franceses da liberdade, igualdade e
fraternidade, próprios da democracia constitucional. Neles estão garantidos vários
fundamentos, todos visando à ampliação dos direitos sociais.

Logo em seguida, em 1997, há a publicação dos PCN (Parâmetros Curriculares


Nacionais), que são resoluções nacionais relativas às diretrizes curriculares do ensino
fundamental e médio e que vêm para complementar a LDB. Segundo Libâneo, Oliveira e Toschi
(2011, p. 177), os PCN foram

(...) elaborados com a preocupação de respeitar as diversidades regionais,


culturais e políticas existentes no País, ir além do respeito, da convivência
pacífica entre as diferenças, requerendo que as escolas e professores assumam
o conflito e busquem interferir nos fatores causadores das diferenças.

Estes três documentos – Constituição Federal, Diretrizes e Bases da educação e


Parâmetros Curriculares Nacionais – marcam o início de uma nova história para a educação
brasileira. Eles também exigem que assuntos até então não abordados sejam pautas dos
documentos oficiais da escola, como nos Projetos Político-Pedagógicos (PPP) e nas esferas
maiores – municipais e estaduais –, desencadeando uma porção de novas leis que vêm ao
encontro dessas discussões mais atuais.

Juntamente às leis que dão um espírito mais crítico à educação brasileira, várias são
deliberadas para forçar a entrada da camada da população excluída socialmente e que agora está
tendo possibilidade de ingressar na instituição escolar pela primeira vez, além de todas as
minorias que começam a ter seus direitos garantidos na participação da vida escolar, como
indígenas, comunidades quilombolas, alunos com necessidades especiais, entre outros. Dessa
forma, traz-se uma diversidade para a escola pública que, enquanto país, ainda não tínhamos
experimentado. Apesar disso, a escola continuou organizada da mesma forma que sempre foi,
em um formato que atende bem as classes médias, que já têm certo poder de pressão sobre o
Estado, mas é insuficiente com a população mais carente, já que se desorganiza quando
60

precisa receber a camada mais pobre da população. Esse grupo nem sempre traz os elementos
esperados, como a valorização do ensino por parte da família, ou um comportamento tido como
adequado para aquele ambiente por parte dos alunos. Essa conjuntura força a readequação dos
currículos, que agora precisam atender também a temáticas relativas a questões de classe social,
etnia, gênero e outros.

O próximo documento federal criado para orientar as temáticas escolares para a


educação básica foi a BNCC (Base Nacional Curricular Comum), promulgada no dia
20/12/2017, sob o governo Temer, com pouca discussão e muitas imposições. Esse documento,
sem divulgação ampla na sua construção, foi escrito e promulgado em menos de um ano e
marcado pela forte presença empresarial como Fundação Lemann, Instituto Natura, Instituto
Ayrton Senna, Instituto Unibanco, Fundação SM, Insper e Instituto Fernando Henrique
Cardoso. (FREITAS, 2014).

A BNCC ainda está em estudo em muitas escolas e é organizada em habilidades e


competências que devem ser desenvolvidas por ano/ciclo, desde educação infantil até ensino
médio. No ensino fundamental, por exemplo, aparecem habilidades e competências para as
disciplinas de língua portuguesa, artes, educação física, língua inglesa, matemática, ciências,
geografia, história e ensino religioso. Entre as habilidades presentes, estão as ‘socioemocionais’
– chamadas de ‘não cognitivas’ –, que aparecem como assuntos transversais.

Com esses breves relatos da história da educação do Brasil, concluímos que há vários
documentos oficiais que retratam de diferentes formas a relevância das relações humanas na
escola – como a LDB, em que há regulamentações específicas para certas minorias, os PCN,
que retratam a importância dos temas transversais, como o eixo ‘Ética’, ou o mais recente
documento, chamado de BNCC, com suas habilidades socioemocionais. Esses materiais
orientam posturas esperadas dos alunos e professores Brasil afora, são uma arena de disputa
sobre visões de mundo – de pensadores da linha crítica ou pós-crítica à linha neoliberal – e
influenciam o clima escolar e a forma como entendemos essa instituição, sua organização e sua
influência sobre as pessoas.
61

Hoje nos encontramos em um momento histórico no qual conseguimos colocar


praticamente todas as crianças, de diversas realidades sociais, na escola7, e o desafio concentra-
se em manter, com qualidade, esses jovens na instituição. Para isso, é necessário repensar a
estrutura da escola, a forma como esta se organiza e a própria formação dos professores, pois
estes também se sentem desafiados a lidar com a pluralidade presente nas legislações brasileiras
que hoje batem à porta da escola.

Nesse processo de compreensão da realidade a partir das representações sociais de um


determinado grupo, além de sabermos sobre as legislações, em nível nacional, que regem os
fazeres da escola, é importante sabermos sobre o ambiente que esses atores sociais estão
inseridos. No próximo subcapítulo, então, apresentamos brevemente essa realidade, retratando
a história da rede municipal de educação de Porto Alegre, a história do conjunto habitacional
do qual a escola faz parte e a própria história da escola.

3.2. A REDE MUNICIPAL DE EDUCAÇÃO DE PORTO ALEGRE

A Rede Municipal de Porto Alegre inicia sua história em 1955, como um departamento
de assistência, e consolida-se como Rede de Ensino entre 1960 e 1963, na mesma época em que
foi aprovada a primeira LDB (1961). A LDB da época defendia a democratização da educação,
com oferta gratuita para todos os cidadãos dos sete aos 14 anos. Mesmo a lei não tendo
conseguido atingir a maior parte da população brasileira, em Porto Alegre, as escolas municipais
expandiram sua atuação com um viés humanista, instalando-se nas partes mais periféricas da
cidade. (SMED, 2019).

Com a redemocratização do país em 1988, as políticas públicas em educação foram


alçadas a um novo patamar no país. Iniciou-se um processo de discussões mais democráticas
envolvendo a sociedade como um todo nos problemas estruturais que tínhamos enquanto

7
Segundo Torkarnia (2018), atingimos o índice de 97,8% das crianças brasileiras ingressando na escola, em
2017, no primeiro ano do Ensino Fundamental. Esse dado significa praticamente um atendimento universal,
apesar de que, em números totais, ainda há uma grande quantidade de crianças fora da escola. Atualmente,
nosso problema reside na manutenção desses alunos na escola, que evadem ao longo do Ensino Fundamental
e Médio.
62

Estado. (GADOTTI, 2013). Em todo o país, desenvolveram-se projetos progressistas,


preocupados com a participação popular e a educação para todos. Dentre esses projetos, estava
a Rede Municipal de Ensino de Porto Alegre (RMEPOA), que era chamada de Escola Cidadã
pelo fato de atender às necessidades da população das periferias da cidade. (AGUIAR, 2019).
Assim, uma grande parte da população que até então não tinha acesso à escolacomeçou
a frequentá-la.

A Escola Cidadã fomentou discussões sobre o projeto político-pedagógico da Rede,


criou congressos constituintes e conselhos escolares (CE), dos quais participam pais,
professores, alunos e funcionários nas principais decisões da regência da escola. A ideia era
avançar a participação da comunidade escolar, expandir os espaços de diálogo e democratizar
as relações entre a comunidade e a escola e destas com a SMED (Secretaria Municipal de
Educação). (AGUIAR, 2019).

Houve a implantação dos ciclos de formação, e as teorias construtivistas – que defendem


a construção do conhecimento a partir do que o aluno já sabe – foram expandidas. Dentre as
novidades trazidas pela Escola Cidadã, estava a garantia de reuniões pedagógicas coletivas
semanais que aconteciam com a participação de todos os docentes.

Segundo lembra Bossle (2008), essas reuniões garantiam um espaço privilegiado para
troca de informações, tomadas de decisões, reforçando laços de amizades e solidariedade,
diminuindo conflitos e elevando a sensação de eficiência daqueles que estavam em sala de aula
todos os dias. No entanto, as reuniões não ocorrem mais desde 2017, o que impacta as relações
pessoais dos professores e consequentemente o trabalho docente e a sua relação com os alunos,
gerando conflitos que antes conseguiam ser discutidos nessas reuniões.

Em 2005, inicia-se a gestão de José Fogaça (PPS), e a Escola Cidadã passa por
reformulações, perdendo seu caráter popular e inclusivo com o avanço da burocratização e a
diminuição da participação das comunidades. (SOUZA, 2010). Além disso, outro fator que
impactou as relações sociais foi que o último governo (2017-2020) utilizou-se do discurso da
flexibilização dos currículos sem uma política educacional clara. Isso fez com que houvesse
uma

(...) responsabilização dos professores e professoras sobre a formulação das


estratégias curriculares nas escolas e da gestão dos meios e fins do trabalho
escolar. Essa responsabilidade intensificou o trabalho docente, com aumento
63

da carga de trabalho sem suporte de formação e assessoria. (AGUIAR, 2019,


p. 37)

Com a retirada das reuniões pedagógicas e o aumento do trabalho docente, há uma


elevação dos episódios de conflito, já que os professores apresentam-se mais cansados e sem
paciência para atender às demandas emocionais trazidas pelos alunos e comunidade em geral
e não têm mais espaço de diálogo para resolvê-los como faziam nas reuniões pedagógicas
semanais.

Além disso, desde 2017, as escolas não possuem mais Guardas Municipais nas entradas
e saídas das aulas. A reportagem de Fonseca e Silva (2018) feita com diretores de escolas
municipais, publicada na GaúchaZH online, mostra que a impressão destes era de que os
conflitos e debates cotidianos passaram a resultar em episódios de violência depois da retirada
da guarda da porta das escolas. Apresentamos trecho da reportagem:

Sem guardas, professores dizem estar em risco


A retirada dos guardas leva a outro efeito, segundo o levantamento. Direções
informam que eventuais situações de conflito físico — em geral, entre os
próprios alunos — passaram a ser resolvidas pelos próprios professores,
também despreparados profissionalmente para agir nessas situações e sujeitos
a riscos ao apartar brigas. Situações do tipo se multiplicam. Houve registro de
agressões físicas em 82% das instituições pesquisadas.
— As agressões são mais frequentes entre alunos, e os professores acabam
tendo que intervir, colocando a sua integridade física em risco. Neste ano,
tivemos um professor afastado por acidente de trabalho após intervenção em
uma briga entre alunas. O caso foi comunicado à Secretaria Municipal de
Educação (Smed) através do laudo de acidente de trabalho padrão, semretorno
— relata a direção de colégio da Zona Leste.
Os dirigentes também relatam mais dificuldades em impedir que pessoas de
fora — em geral, familiares de alunos — invadam suas dependências para
resolver desavenças. Em uma instituição da Zona Sul, a solução foi impedir
a entrada no pavilhão escolar para conversar com professores sem hora
marcada:
— Pais entravam no colégio para bater em alunos que tinham ofendido ou
agredido seus filhos em brincadeiras no intervalo. Mães contrariadas já
invadiram sala de aula para bater na professora. Dois casos foram às vias de
fato e muitos outros foram contidos — conta a direção. Questionados sobre
as medidas que seriam mais eficientes no combate à violência, os itens mais
citados foram presença da Guarda Municipal (91%), mais opções de projetos
extracurriculares (77%), reposição do corpo docente (72%) e projetos de
prevenção e combate à violência (72%). (FONSECA; SILVA, 2018)

Todos esses desmantelamentos que aconteceram a partir de 2017, caracterizados por


uma maior burocratização das atividades escolares, falta de norteamento dos currículos,
64

centralização das ações nos professores e individualização das atividades de cada escola,
desconstruindo a ideia de rede, fizeram com que a sensação de violência aumentasse entre todos
os segmentos. (AGUIAR, 2019).

3.3. HISTÓRIA DO CONJUNTO RESIDENCIAL COHAB DO RUBEM BERTA E DA


ESCOLA MUNICIPAL GRANDE ORIENTE DO RIO GRANDE DO SUL

A escola pesquisada fica localizada no bairro Rubem Berta, uma região distante do
centro da cidade. O bairro foi criado e delimitado pela Lei Municipal nº 3.159, de 09/07/1968,
e abrange uma grande extensão. Segundo os dados do IBGE (2011), o bairro conta com uma
população de 82.260 pessoas, que representam cerca de 6% da população de Porto Alegre. Ele
é composto por uma série de loteamentos, vilas e conjuntos habitacionais.

Dentre esses loteamentos, há o Conjunto Residencial Rubem Berta, também conhecido


entre os moradores como a Cohab do Rubem Berta. A origem do nome se deve ao fato de que
os prédios foram construídos pela Companhia de Habitação do Estado do Rio Grande do Sul8
(Cohab/RS), no decorrer da década de 70, no local que anteriormente era uma região de
fazendas. A construtora que prestou serviço à Companhia de Habitação declarou falência antes
da conclusão dos prédios, abandonando a obra de forma inacabada. O local ficou totalmente
abandonado durante quatro anos até que os blocos de moradia passaram por um processo de
ocupação pela população, com pessoas vindas de diferentes lugares do Estado em busca de
trabalho na capital. (FIGUEIREDO, 2014).

Como as obras eram inacabadas – alguns prédios estavam mais avançados em suas
construções, enquanto outros tinham somente as paredes –, essa ocupação exigiu uma grande

8
As políticas públicas na área das moradias ganham força no final da década de 60 e começo da década de 70,
após o início do movimento de urbanização brasileiro, que fez com que as cidades crescessem
desordenadamente. Nessa época, surgiu o Sistema Financeiro de Habitação (SFH), que financiou moradias
através de recursos do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS) e de recursos individuais das
cadernetas de poupança. Quem geria essa política pública nos estados e municípios eram as Cohab
(Companhias de Habitação). Porém, tal política pública não atingiu os mais pobres, já que o financiador
precisava ter a capacidade de pagar integralmente pelo imóvel ao longo do período financiado. (HOLZ;
MONTEIRO, 2008).
65

união das pessoas, que precisaram fazer reuniões e mutirões para terminar os prédios – muitos
ainda sem rebocos ou escadas – e melhorar a qualidade de vida, já que, no início, não havia
água encanada, esgoto ou luz elétrica. (FIGUEIREDO, 2014). Dessa união surgiu a Associação
Comunitária do Rubem Berta (Amorb), que hoje tem sede própria, localizada em frente à escola
pesquisada.

Atualmente, o conjunto habitacional faz fronteira com o bairro Mário Quintana ao sul,
com o Loteamento Timbaúva a leste, com a vila Jardim Leopoldina a oeste e com habitações
individuais ao norte. Os dados censitários mostram que a Cohab do Rubem Berta possui uma
população de 17.562 moradores, que vivem tanto nos apartamentos como nas chamadas
‘garagens9’ – construções posteriores à Cohab que se configuram como uma espécie de
‘puxadinho’ entre um bloco e outro. (FIGUEIREDO, 2014).

Como já mencionado, os prédios foram construídos nos anos 70, formando o total de 39
núcleos residenciais, com quatro conjuntos de blocos em cada núcleo e 32 apartamentos de em
média 50m² em cada bloco. Foi durante a época da ocupação que houve uma grande procura
por vagas nas escolas da região, que precisaram readequar seus espaços para atender à demanda.
A escola foi inaugurada em 1986, já com um número significativo de alunos. Em março de
2020, fará 34 anos.

Obtivemos acesso a relatos em pesquisas realizadas por alunos da própria escola com
moradores da região, entre os anos 90 e 200010, nos quais descobrimos que a escola não estava
pronta para receber um número tão grande de pessoas que precisavam de um lugar para estudar,
havendo falta de recursos materiais e de funcionários. Também não havia linhas de ônibus que
transportassem os trabalhadores, constituindo uma dificuldade para aqueles que trabalhavam
diariamente na escola e também para as famílias que precisavam se deslocar para outras regiões
da cidade. A escola surge concomitantemente à Constituição Federal, criadora

9
Há o documentário Dasgaragens (2005), elaborado pelo Núcleo de Estudos e Projetos do Departamento de
Arquitetura da Ufrgs, abordando o relato de pessoas que moram nas garagens e suas percepções sobre esses
locais. (DASGARAGENS, 2005).
10
Esses trabalhos escolares foram encontrados na biblioteca da escola na forma de folhas mimeografadas ou
escritas à mão, com o nome dos alunos autores e dos professores que orientaram essas pesquisas. São fontes
de dados muito interessantes, pois possuem relatos e fotos da época da criação da escola e dos anos posteriores.
66

de políticas públicas de obrigatoriedade de todos na escola, e gera, como se pode constatar, uma
demanda até então inexistente.

Em um primeiro momento, a escola seria estadual, mas, devido a lutas políticas da


época, acabou sendo incorporada à rede municipal. Sua construção foi financiada por maçons,
que entregaram a obra para o poder público depois de pronta. Esse fato explica por que a
estrutura da escola é diferente das restantes da rede municipal, tendo um espaço físico generoso
e sendo composta por quatro blocos de salas de aula, maior que outras escolas da região.
Também o nome da instituição faz alusão à maçonaria, sendo uma homenagem do poder
público aos que financiaram a construção.

Desde então, a escola atende um número grande de alunos, variando ao longo dos anos.
Em 2019, foram 1054 estudantes atendidos11, em três turnos: matutino, vespertino e noturno.
Observando-se os dados da secretaria da escola, percebemos que ao longo das décadas o número
de alunos vem diminuindo, o que condiz com a queda da taxa de natalidade que vem ocorrendo
no Rio Grande do Sul, seguindo uma tendência demográfica brasileira. Segundo Pessoa (2017,
p. 1), o Rio Grande do Sul “(...) vem apresentando uma baixa dinâmica populacional, a ponto
de, entre 2000 e 2010, aparecer como o estado brasileiro que teve a menor taxa de crescimento”.
Em 2018, a taxa de crescimento do Rio Grande do Sul foi de 0,42% ao ano, sendo que a média
nacional foi de 0,79% ao ano. Porto Alegre foi a capital que apresentou o menor crescimento
populacional do país em 2018, resultando em uma média de 0,32%, menor que a taxa média
estadual e a brasileira. (PESSOA, 2017).

A escola oferece educação infantil a partir dos quatro anos, ensino fundamental
completo e educação de jovens e adultos de nível fundamental. Fornece café da manhã, lanche
e almoço para os alunos da manhã, almoço e lanche para os alunos da tarde e janta para os
alunos da noite. À noite, as aulas são exclusivas da educação de jovens e adultos. A instituição
organiza-se em turmas de educação infantil e mais três ciclos (A, B e C); cada um desses ciclos
possui três anos de duração. O primeiro ciclo compreende os níveis A10, A20,

11
Dados retirados da secretaria da escola através do Censo Escolar, organizado pelo Ministério da Educação,
que utiliza a data de corte de 30 de maio de todos os anos para uma ‘fotografia’ da escola e de todas as escolas
brasileiras. Esse número é utilizado para fomentar as políticas públicas em educação, como as verbas federais
que chegam nas escolas.
67

A30; o segundo ciclo, B10, B20 e B30, e o terceiro ciclo, C10, C20 e C30, todos com duração
anual. As turmas do noturno são organizadas em forma semestral, distribuídas em seis blocos
(T1, T2, T3, T4, T5 e T6), perfazendo três anos. Todos esses níveis totalizam 1054 alunos nos
três turnos.
Quanto aos professores, a escola possui 68 docentes que atendem os três turnos, além
de trabalharem nos setores como biblioteca, supervisão escolar, orientação escolar, direção ou
laboratório de aprendizagem. Atualmente são 67 professores concursados e uma professora em
contrato temporário.
Figura 1 – Localização da escola

Fonte: Google Maps, alterada pela própria pesquisadora.

3.4. PERFIS DOS ALUNOS PARTICIPANTES DA PESQUISA

Este subcapítulo propõe-se a traçar um perfil dos alunos que participaram da pesquisa
realizada na EMEF Grande Oriente do RS. Na primeira parte do texto, trazemos as
peculiaridades dos alunos de periferia e suas relações escolares; em um segundo momento,
expomos o perfil dos alunos participantes da pesquisa.
68

Sabemos que o Brasil é marcado por profunda desigualdade social. São marcas
históricas que carregamos na pele, nas condições de vida e no acesso aos bens materiais. A
escola pública também é assinalada por essas desigualdades e tantas outras. Sem ser considerada
prioridade nacional, é um dos poucos espaços públicos, ainda que muitas vezes precários, com
o acesso plenamente garantido pelo Estado. A lei exige vaga para todos na Educação Básica,
não importa quem seja o(a) aluno(a), sua origem ou local de moradia. Essa diversidade chega
às escolas todos os dias. São jovens que provêm de famílias cujos pais não terminaram os
estudos, ou que são partes da minorias sociais como negros, deficientes, pessoas do sexo
feminino, além de adolescentes que se descobrem homossexuais e tantas outras variáveis das
identidades de cada sujeito. Essas singularidades geram confrontos internos na escola, pois se
deparam com tantas outras identidades, suscitando tensionamentos entre a estrutura escolar
tradicional, os professores, os alunos e todos os que participam do dia a dia da escola.

O termo periferia é usado para designar locais onde vivem pessoas com menores rendas
econômicas, sendo o oposto do centro, onde se situam os bens e os serviços. Assim, a ‘pessoa
de periferia’ entra na “(...) lógica do ‘vi um, vi todos’ (...) como se uma pessoa do grupo
traduzisse ou representasse a forma de ser e ver o mundo todo do grupo ao qual pertence”.
(MECENA, 2011, p. 86). A periferia constitui-se por cenários de alteridades, essas relações
entre centro e periferia que marcam identidades de seus moradores que frequentam a escola
pública.

A relação que cada aluno constrói com a escola de periferia – que é a representante mais
constante do Estado na vida desses jovens – é marcada por singularidades e subjetividades que
não podem ser explicadas sem se entender a história de cada um. A escola não é uma instituição
social qualquer; ela é a garantidora do saber baseado na ciência. Quem são esses jovens que se
mantêm em um lugar com tal peculiaridade?

Logo, iniciamos o mapeamento desses alunos que persistem frequentando a escola,


dando algum significado a ela que lhes garanta acordar todos os dias e para lá se encaminhar.
Verificar quem são os jovens que frequentam a escola, como se vêem enquanto sujeitos e alunos
e como estabelecem relações com outros sujeitos – entre pais e professores – propicia uma
melhor compreensão sobre se há conflitos na escola e em que circunstâncias ocorrem.
69

Tabela 3 – Mapeamento dos alunos participantes das entrevistas


Entrevista Sexo Idade Turma Raça/etnia Local de moradia
1 Masculino 14 anos C20 Negro* Cohab Rubem Berta
2 Feminino 13 anos B30 Parda* Cohab Rubem Berta
3 Feminino 12 anos C10 Branca itálica Cohab Rubem Berta
4 Feminino 14 anos C20 Negra* Cohab Rubem Berta
Fonte: própria pesquisadora.

*Os alunos autoidentificaram-se quanto a sua etnia e para fins de pesquisa optamos por manter a autodeclaração,
mesmo sabendo que oficialmente não existem certas denominações étnicas.

Tabela 4 – Mapeamento dos alunos participantes dos grupos focais


Grupo focal Sexo Idade Turma Raça/etnia Local de moradia
Grupo 1
Feminino 10 anos B20 Negra* Cohab Rubem Berta
Aluno 1
Grupo 1 Feminino 10 anos B20 Negra* Cohab Rubem Berta
Aluno 2
Grupo 1
Masculino 11 anos B20 Branco* Cohab Rubem Berta
Aluno 3
Grupo 1 Masculino 13 anos C10 Branco* Cohab Rubem Berta
Aluno 4
Grupo 1
Masculino 14 anos C10 Café com leite Cohab Rubem Berta
Aluno 5
Grupo 1
Feminino 12 anos C10 Negra* Cohab Rubem Berta
Aluno 6
Grupo 1
Feminino 12 anos C10 Negra* Cohab Rubem Berta
Aluno 7
Grupo 1 Feminino 13 anos C10 Branca* Cohab Rubem Berta
Aluno 8
Grupo 2
Feminino 13 anos B30 Morena* Cohab Rubem Berta
Aluno 1
Grupo 2 Feminino 12 anos B30 Morena* Cohab Rubem Berta
Aluno 2
Grupo 2
Masculino 15 anos C20 Negro* Cohab Rubem Berta
Aluno 3
Grupo 2 Feminino 14 anos C30 Branca* Cohab Rubem Berta
Aluno 4
Grupo 2
Feminino 14 anos C30 Branca* Cohab Rubem Berta
Aluno 5
Fonte: própria pesquisadora.

*Os alunos autoidentificaram-se quanto a sua etnia e para fins de pesquisa optamos por manter a autodeclaração,
mesmo sabendo que oficialmente não existem certas denominações étnicas.
70

Analisando-se os dados dos alunos que participaram das entrevistas e dos grupos focais,
podemos afirmar que 12 são meninas, perfazendo 70,6% dos integrantes, enquanto cinco são
meninos, perfazendo 29,4% dos participantes.

Destes, dois alunos têm 10 anos, um tem 11 anos, quatro têm 12 anos, quatro têm 13
anos, cinco têm 14 anos e um tem 15 anos. As idades apresentam algumas distorções de idade-
série12, como nos seguintes casos: a entrevistada número 2 tem 13 anos e se encontra em uma
turma de B30; o aluno cinco do grupo focal um tem 14 anos cursando a C10; a aluna um do
grupo focal dois tem 13 anos cursando a B30; o aluno três do grupo focal dois tem 15 anos
estudando em uma C20. Todos esses casos relatados de distorção-idade série, porém, não
extrapolam mais que dois anos de diferença. Não temos alunos com mais de 15 anos
entrevistados, pois, em sua maioria, quando chegam nessa idade, os alunos acabam sendo
encaminhados para EJA (Educação de Jovens e Adultos)13, que ocorre normalmente no período
noturno.

Quanto às turmas, temos três alunos de B20, três alunos de B30, seis alunos de C10, três
alunos de C20 e dois alunos de C30.

Quanto à raça/etnia, perguntávamos: qual sua raça/etnia? As respostas dadas foram


negro, branco, morena, café com leite, parda, branca itálica. Podemos verificar que as respostas
apresentam formas únicas de se identificar, criadas pelos próprios informantes, como ‘branca
itálica’ ou ‘café com leite’.

Essa forma de responder sobre a própria cor vai ao encontro do que pesquisas de larga
escala também têm verificado. Esses estudos mostram mais da metade de suas respostas uma
única vez, em função de uma variedade infindável de denominações para a cor, que seguem
variações regionais. Rocha e Rosemberg (2007, p. 762) explicam-nos que a especificidade da

12
A distorção idade-série é a proporção de alunos com mais de 2 anos de atraso escolar. No Brasil, a criança
deve ingressar no 1º ano do ensino fundamental aos 6 anos de idade, permanecendo no Ensino Fundamental
até o 9º ano, com a expectativa de que conclua os estudos nesta modalidade até os 14 anos de idade. (INEP,
2019).
13
O termo Educação de Jovens e Adultos surge nos anos de 1980 em virtude da presença de jovens nessa
modalidade de ensino. Conforme a Lei 9.394/1996, em seu artigo 37, a EJA constitui uma modalidade de
ensino da educação básica para aqueles que, na faixa etária apropriada, não tiveram acesso ou não obtiveram
sucesso no Ensino Fundamental ou no Ensino Médio Regular. (BRASIL/CNE, 2000, p. 27).
71

classificação racial brasileira reside em localizar-se na aparência e não na ascendência,


diferentemente do que acontece em outros países, como nos EUA. Aqui no Brasil, a cor que
se aparenta é mais importante que a família de origem, fazendo com que existam vastas
denominações de cor quando aplicados questionários do tipo resposta ‘aberta’.

Segundo Petruccelli (2000, p. 16), essa multiplicidade de termos é uma tentativa de


procurar uma melhor aceitação social “(...) eliminando nominalmente os pólos geradores
míticos do conflito”. Por exemplo, a palavra ‘morena’ demonstra uma cor ‘média’, ‘neutra’,
assim como a cor ‘café com leite’ e a cor ‘parda’. A palavra ‘pardo’ aparece já nos escritos de
Pero Vaz de Caminha, quando denomina os indígenas aqui encontrados, e é definida como “(...)
de cor entre o branco e o preto, mulato”. (CUNHA apud PETRUCCELLI, 2000, p. 16).

As variações da palavra ‘branco’ manifestam-se como um qualitativo particular e


criador de uma esfera mais positiva. (PETRUCCELLI, 2000, p. 18). No nosso caso, esse fato
ocorreu quando a aluna autodenominou-se ‘branca itálica’; o itálico como um reforçador do
quão branco se é, junto à palavra ‘branco’, reitera uma identidade positiva. Essas variedades
de vocabulário ao se autodeclararem são pistas do silenciamento que ainda há sobre a temática
entre os atores sociais na escola.

Em resposta à pergunta Onde mora?, os estudantes afirmaram residir na Cohab do


Rubem Berta. Portanto, podemos concluir que os alunos residem próximos ou muito próximos
da escola, fato que se deve principalmente à organização urbana, pois a instituição está inserida
entre blocos de prédios de moradia bastante populosos, o que faz com que as vagas da escola
sejam plenamente ocupadas.

3.5. PERFIL DAS FAMÍLIAS PARTICIPANTES DA PESQUISA

Na categoria família, aplicou-se um breve questionário socioeconômico aos


participantes da pesquisa (apêndice B). Optamos por utilizar o termo família apesar de haver
apenas participação feminina tanto nas entrevistas quanto no grupo focal. Historicamente a
obrigatoriedade de acompanhamento da criança na escola tem se limitado à função materna
no contexto da divisão sexual do trabalho. O trabalho doméstico e o cuidado com as crianças
72

– incluindo as tarefas escolares – recai sobre as mulheres, e a escola naturaliza esse fato.
Segundo Carvalho (2004, p. 55-56),

Coloca as mais pesadas expectativas sobre as mães, reproduzindo a assimetria


de papéis sexuais e de gênero que faz recair sobre as mulheres toda a
responsabilidade pela educação das crianças, em casa e na escola. Ao usar o
termo genérico pais mantêm invisíveis e deixa de reconhecer o trabalho
educacional importante e exclusivo das mães.

A pesquisa demonstra que, nessa comunidade, há uma importante questão de gênero,


já que o cuidado com a educação das crianças ainda recai sobre as mulheres, sendo elas que
compareceram ao grupo focal e às entrevistas. Seguimos utilizando o termo famílias neste
trabalho para não naturalizar ainda mais o papel da mãe como a única responsável pelo cuidado
da educação escolar das crianças, contudo, registramos aqui o quanto ainda esta tarefa está
atrelada à figura feminina.
73

Tabela 5 – Mapeamento das famílias participantes das entrevistas


Entrevista Sexo Idade Tipo de Raça/etnia Local de Religião Condições de Renda familiar Escolarização
família moradia moradia
Mãe 1 Feminino 32 anos Conjugal Branca* Cohab Rubem Universal Própria 1 a 3 salários Ensino fundamenta
Berta mínimos incompleto
Mãe 2 Feminino 26 anos Conjugal Branca* Cohab Rubem Nação Aluguel 1 salário mínim Ensino fundamenta
Berta completo
Fonte: própria pesquisadora.

*As famílias autoidentificaram-se quanto a sua etnia e para fins de pesquisa optamos por manter a autodeclaração.

Tabela 8 – Mapeamento das famílias participantes dos grupos focais


Grupo Tipo de Local de Religião Condições de Renda Escolarização
Sexo Idade Raça/etnia
focal família moradia moradia familiar
Batuque Própria 1a3 Ensino fundamental
Mãe 1 Feminino 54 Composta Negra* Mário Quintana salários incompleto
mínimos
Sem religião Própria 1a3 Ensino médio
Cohab Rubem
Mãe 2 Feminino 23 Matrifocal Branca* salários incompleto
Berta
mínimos
Cohab Rubem Assembleia de Deu Aluguel 1 salário Ensino fundamental
Mãe 3 Feminino 31 Conjugal Branca*
Berta e Batuque mínimo completo
Cohab Rubem Assembleia de Deu Ensino médio
Feminino 35 Matrifocal Negra* Própria 1 salário
Mãe 4 incompleto
Berta mínimo

Fonte: própria pesquisadora.

*Os alunos autoidentificaram-se quanto a sua etnia e para fins de pesquisa optamos por manter a autodeclaração.
74

A primeira pergunta foi em relação à idade das mães, cujas respostas foram: 54, 32, 23,
31, 35 e 26 anos. A média de idade foi de 33,5 anos.

Houve relatos de três tipos de famílias. O primeiro tipo denominamos de famílias


conjugais, já que as mães moravam com seus companheiros. Conforme os dados, são três
mulheres que, além dos filhos, coabitavam com o marido. A mulher participante da entrevista
1 tem três crianças provenientes da mesma união, sendo que um dos meninos estuda na escola,
e os outros dois ainda não estão em fase de escolarização. A entrevistada número 2 tem dois
filhos, o primeiro proveniente de uma relação anterior em que o pai biológico é ausente, e a
criança chama de pai, então, o companheiro atual da mãe. A mãe número 3 do grupo focal
também está inclusa nessa categoria, pois possui um filho e é casada com o pai dessa criança
desde adolescente.

O segundo tipo de família chamamos de matrifocal (FONSECA, 2004), já que designa


mulheres que moram e criam sozinhas seus filhos. Há duas pessoas nessa categoria: a
entrevistada número 4 do grupo focal, que vive com seus quatro filhos, dois que estudam na
escola e outros dois que já estão com o ensino fundamental concluído, e outra, denominada
número 2, que tem três filhos e todos são alunos da escola.

O último tipo de família denominamos de composta, pois se trata de uma mãe que mora
com o companheiro, um sobrinho maior de idade, dois genros e mais três filhas. A filha mais
velha tem três crianças na escola, e a mais nova ainda é aluna da instituição. A avó/mãe se diz
responsável pela vida escolar desses quatro alunos. Essa entrevistada é a número 1 do grupo
focal.

Quatro mães identificaram-se como brancas e duas afirmaram ser negras. Não
apareceram outras designações, diferentemente dos alunos e professores, que utilizaram um
maior número de formas de autodeclaração. Há três mulheres que se identificaram como
participantes de religiões evangélicas pentecostais, e, destas, uma relatou também fazer parte
de religiões afrobrasileiras. Além dessa, mais duas disseram ser participantes de religiões
afrobrasileiras. Por fim, uma se diz sem religião.

Todas essas mulheres residem na Cohab do Rubem Berta, em diferentes núcleos, com
exceção de uma que declarou morar no bairro Mário Quintana, que é limítrofe com o bairro
75

Rubem Berta. Sobre condições de moradia, quatro participantes relataram possuir casa própria,
fato explicado por ser a Cohab um local que passou por processo de legalização de moradias,
conforme abordado no subcapítulo 3.3, e duas delas afirmaram pagar aluguel.

A próxima pergunta tratava da renda familiar. Todas responderam que recebem até três
salários mínimos, sendo que três afirmaram ganhar até um salário mínimo, somada toda a renda
da família.
A última questão era relativa à escolaridade. Duas mães relataram não ter terminado o
ensino fundamental, duas possuíam o ensino fundamental completo e duas o ensino médio
incompleto.
Concluímos que as participantes da pesquisa são de famílias de baixa renda, baixa
escolaridade, com moradia própria, com formas diversas de organização familiar, em sua
maioria considerando-se branca e tendo a média de 33,5 anos.

3.6. PERFIL DOS PROFESSORES PARTICIPANTES DA PESQUISA

Com mais de 186 mil escolas espalhadas pelo país inteiro e mais de 2,5 milhões de
docentes na educação básica14, o magistério abarca um grande número dos profissionais
brasileiros. Esses educadores estão em contato com seus alunos todos os dias, não só ensinando
conteúdos, mas também interagindo com eles, apresentando novas formas de pensar e jeitos de
agir. Conforme Tardif e Lessard (2009, p. 23), “(...) a escolarização repousa basicamente sobre
as interações cotidianas entre os professores e alunos. Sem essas interações a escola não é nada
mais do que uma imensa concha vazia”. Na escola, nessa interação entre professores e alunos,
é quando “(...) os modos de socialização anteriores serão remodelados, abolidos, adaptados ou
transformados em função dos dispositivos próprios do trabalho dos professores na escola.”
(ibidem, p. 23).

Entender o perfil dos professores que ocupam a escola pública periférica, seus motivos
para estarem ali e suas formas de interagirem com os outros atores sociais revela como esses

14
Dados retirados do Censo Escolar 2018, direto da página do INEP: http://portal.inep.gov.br/artigo/-
/asset_publisher/B4AQV9zFY7Bv/content/censos-educacionais-do-inep-revelam-mais-de-2-5-milhoes-de-
professores-no-brasil/21206. Acessado em 18 mar. 2020.
76

convívios se estabelecem e qual é a base de pensamento e as formas de ver o mundo que os


docentes comunicam e oferecem aos seus alunos.

Nessas interseccionalidades, fazem-se notar algumas peculiaridades desse grupo social,


principalmente dos que trabalham na rede municipal de Porto Alegre. A imensa maioria do
corpo docente é feminina, com salários congelados há mais de três anos, sem reposição da
inflação do período e sob uma gestão que tem preocupações gerencialistas que pretendem
transformar os professores e professoras em pequenos empreendedores. Ou seja, toda a
responsabilidade (do planejamento, método, resultado) está centralizada em cada trabalhador,
uma vez que distante dos discursos progressistas que já estiveram presentes nos documentos
orientadores e no dia a dia da organização das escolas que anteriormente eram chamadas de
educação popular. (AGUIAR, 2019).

Assim, a partir do levantamento de dados sobre os professores participantes da pesquisa


imediatamente antes de iniciarmos as entrevistas e grupos focais, construímos um breve perfil
dos mesmos (conforme apêndice B). Dos 10 professores participantes das entrevistas e grupos
focais, nove são mulheres. Isso pode ser explicado pela representação histórica que se tem da
mulher como professora. Conforme Louro (1998), na feminização do magistério, a tarefa de ser
professor(a) passou a ser estimulada para mulheres viúvas, órfãs e ‘solteironas’, na metade do
século XX, “(...) como um exercício de doação e amor análogo ao casamento e à maternidade,
destinos tidos como naturais.’’ (RIPOLL, 2002, p. 74). Assim permanecemos até hoje,
comprovando que a presença feminina no papel de docente no ambiente escolar é maior que a
masculina.
77

Tabela 6 – Mapeamento dos professores participantes das entrevistas


Local de Condições de
Entrevista Sexo Idade Raça/etnia Tipo de famíli Religião Renda familiar
moradia moradia
Feminino 41 ano Branca Sozinha Passo D’Areia Espírita Mais de 6 salários
Profe 1 Própria
mínimos
Profe 2 Feminino 30 ano Negra Sozinha Petrópolis Umbanda Aluguel 3 a 6 salários mínim
Mais de 6 salários
Profe 3 Feminino 43 ano Branca Matrifocal Santana Católica Própria
mínimos

Fonte: própria pesquisadora.


Tabela 7 – Mapeamento dos professores participantes dos grupos focais
Tipo de Condições de
Grupo focal Sexo Idade Raça/etnia Local de moradia Religião
Renda familiar
família moradia
1 56 Mais de 6 salários
Feminino Branca Conjugal Cristo Redentor IELB Própria
Profe 1 ano mínimos
1 40 Sem Mais de 6 salários
Feminino Branca Conjugal Jardim Itu-Sabará Própria
Profe 2 ano religião mínimos
1 51
Feminino Branca Matrifocal São João Católica Própria 3 a 6 salários mínimos
Profe 3 ano
Mais de 6 salários
2 53 Branca Sozinha Rio Branco Atéia Própria
Feminino
Profe 1 ano mínimos
2 40 Sem Mais de 6 salários
Masculino Branco Conjugal Cristal Própria
Profe 2 ano religião mínimos
2 41
Feminino Negra Conjugal Humaitá Católica Financiada 3 a 6 salários mínimos
2 3
Profe 35
ano
Feminino Branca Conjugal Floresta Batista Própria 3 a 6 salários mínimos

Profe 4 ano
Fonte: própria pesquisadora.
78

As idades dos professores foram 41, 30, 43, 56, 40, 51, 53, 40, 41 e 35 anos, constituindo
uma média de 43 anos.

Os docentes, em sua maioria, identificam-se como brancos. Duas professoras


autodeclararam-se negras. Realizando um comparativo entre o número de alunos e o número de
professores que se autodenominaram negros ou utilizaram palavras adjacentes, como pardos,
café com leite etc., percebemos que alcançamos um índice mais expressivo de pessoasnegras
entre a categoria estudantes. Portanto, podemos afirmar que se tratam de professores, em sua
maioria, brancos, que ministram aula para uma população predominantemente negra.

Refletindo sobre o que esse fato representa, utilizamos os conhecimentos trazidos por
Nilma Gomes (2003) ao explicar que todas as identidades são construídas (de gênero, de classe,
nacionalidade etc.) e relatar que a identidade negra também passa por esse processo de
construção histórica e social. A partir disso, ela indaga, em seu texto, sobre como se dá a
construção da identidade de um grupo étnico/racial sobre si mesmo e sobre os outros na relação
com outro grupo étnico racial, questiona se na escola há espaço para tais reflexões e interroga
se esses fatos são motivos para conflitos escolares. A autora chega à conclusão de que a
educação pública pode ser um espaço no qual

(...) o olhar lançado sobre o negro e sua cultura, na escola, tanto pode valorizar
identidades e diferenças quanto pode estigmatizá-las, discriminá- las, segregá-
las e até mesmo negá-las. É importante lembrar que a identidadeconstruída
pelo negro se dá não só por oposição ao branco, mas também pela negociação,
pelo conflito e pelo diálogo com este. (GOMES, 2003, p. 171- 172)

Gomes (2003) adiciona ainda que, na instituição escolar, há processos de aprendizagens


para além dos currículos, listas de exercícios, regimentos, normas, provas e conteúdos. Esses
processos de aprendizagem ‘invisíveis’ são os que permitem a construção das identidades
negras, que precisam estar baseadas nas diferenças e na aprendizagem do respeito por essas
diferenças. A autora defende a importância da representatividade da população negra dentro da
escola, ocupando os espaços de fala como alunos e também como professores ou diretores. Para
ela, “(...) a discussão sobre raça negra e educação, nos seus múltiplos desdobramentos, é um
dever dos educadores e educadoras.” (GOMES, 2003, p. 181).
79

Mesmo com ações afirmativas, quando, nos últimos anos, houve uma entrada maior de
professores negros nos concursos públicos, ainda temos uma maioria branca que dialoga todos
os dias para uma população negra. É importante observar como esse aspecto se desenvolve na
trajetória escolar de professores e alunos, brancos e negros e como impacta na convivência
escolar e nos conflitos diários.

No aspecto religião, notamos diferenças significativas entre as famílias e os professores.


Os educadores exibem uma variação maior de religiões, predominando as mais tradicionais,
como o catolicismo e as de origem evangélica de missão, perfazendo metade das respostas do
grupo. Além disso, aparecem duas categorias que, entre as famílias, não ocorrem: os ateus e os
espíritas. Por fim, um professor relata ser da religião umbanda, e outros dois afirmam não ter
religião, mas serem cristãos.

Os dados sobre religião vão ao encontro do que o IBGE mostrou no Censo Demográfico
de 2010, que apresentou um crescimento da diversidade dos grupos religiosos no Brasil, com a
redução de católicos e aumento de evangélicos neopentecostais entre os mais pobres. Além
disso, a religião espírita está ligada às pessoas com indicadores maiores de renda e educação,
consequentemente aparecendo apenas nas estatísticas dos educadores. (NERI, 2011).

Entre os professores, manifesta-se uma gama menor de formas de organização familiar,


com diferenças acentuadas em relação ao modo como as famílias coabitam. Enquanto há, entre
as famílias, o que categorizamos como famílias compostas – um número grande de pessoas,
entre avós, tios e outros parentes, residindo juntos –, dentre a categoria professores a lógica se
inverte, sendo que muitos deles moram sozinhos. Em ambas as categorias, há porcentagem
significativa de famílias conjugais, formadas por homens e mulheres que coabitam a mesma
residência. Duas professoras afirmaram morar sozinhas com seus filhos e serem as principais
responsáveis financeiras, ao que chamamos de famílias matrifocais.

Ambas as organizações familiares – tanto das famílias quanto dos professores


participantes deste estudo – demonstram mudanças que já são apontadas há alguns anos por
estudos socioeconômicos, como queda da fecundidade, envelhecimento da população,
diminuição de casamentos formais e aumento de separações. Ademais, percebemos um
80

número significativo de núcleos familiares compostos por mãe com filhos em ambas as
categorias, e o destaque para o arranjo de pessoas sozinhas e, muitas vezes, sem filhos em casas
com maior renda. (LEONE; BALTAR; MAIA, 2010).

Assim como as famílias, a maioria dos professores possui imóvel próprio. Contudo,
quando indagados sobre o local de moradia, percebemos que são lugares com valor imobiliário
mais elevado. Os bairros de moradia citados pelos professores foram: Passo D’Areia, Santana,
Floresta, Jardim Itu-Sabará, Rio Branco, Cristo Redentor, Cristal, Humaitá, São João e
Petrópolis. Esses bairros têm, em média, o valor de R$ 5.340 reais o metro quadrado para venda.
Já no bairro Rubem Berta, onde está localizada a escola e a maioria das moradias dos alunos, a
média do metro quadrado para compra custa R$ 2.75815.

Ainda sobre a Tabela 10, os professores da rede municipal têm uma boa remuneração,
o que se reflete nas suas condições de vida. Segundo Aguiar (2019), os bons salários estão
ligados ao processo de valorização salarial e de formação continuada do plano de carreira do
magistério, que coloca essa rede entre as mais bem pagas das capitais do Brasil, apesar dos
salários congelados há mais de três anos. Isso significa que o fator classe social também
apresenta divergências na relação entre famílias, alunos e professores, sendo os docentes
privilegiados por terem acesso a bens de consumo que não estão ao alcance dos estudantes e
seus familiares.
Somos conscientes das desigualdades que nosso país enfrenta, portanto, defendemos a
importância de a profissão do magistério ser valorizada, atrativa e bem paga. A dificuldade,
entretanto, refere-se à baixa expectativa de aprendizagem e capacidade de resolução de conflitos
que estudos apontam que professores têm em relação aos seus alunos provenientes de faixas de
renda menores, fator que marca a forma como os docentes percebem seus alunos. Segundo
Vidal e Vieira (2017), o questionário do Professor da Prova Brasil/Avaliação Nacional da
Educação Básica de 2013, que foi aplicado a uma amostra de docentes do 5º e do 9º anos de
todo o país, nas redes federais, estaduais e municipais, revela que os professores atribuem os
problemas de aprendizagem dos alunos a fatores externos à escola, principalmente ao meio
social em que o aluno vive (80,7% e 79,0%), ao nível cultural (80,4%

15
Dados retirados do site Secovi (Sindicato da Habitação do RS) para o mês de dezembro de 2019.
Disponível em: https://www.secovirsagademi.com.br/. Acesso em: 20 mar. 2020.
81

e 78,65%), ao desinteresse e à falta de esforço (85,6% e 92,0%) e, por fim, à indisciplina em


sala de aula (63,3% e 72,6%), todas as porcentagens representando respectivamente os
professores de 5º e 9º anos.

Dessa forma,

(...) as expectativas docentes funcionam como fatores determinantes que


marcam a instituição escolar e isentam-nos de qualquer resultado em relação
ao sucesso escolar; afinal, suas percepções estão ancoradas no fato de que os
fatores externos às escolas, de que os alunos são portadores, são determinantes
nas suas vidas escolares, e sobre isso não há muito que fazer. (VIDAL;
VIEIRA, 2017, p. 96)

A questão que as pesquisadoras levantam é a de que haveria, entre os professores, uma


visão de que a educação está posta sob certo determinismo social, e que estes não têm muito
que fazer para mudar a realidade. Esse entendimento gera discriminações, discursos opressores
e imposições de verdade de um grupo social sobre o outro, que podem ser lidos como violências
ou assédios.

Também incluímos no questionário aos professores uma questão sobre estresse. A


pergunta era do tipo aberta e, para tabulação de dados, utilizamos todas as respostas dadas por
eles, que podiam escrever mais de uma opção, elencando tudo que faziam para aliviar a tensão
do dia a dia.
Entendemos que, para serem capazes de gerir os conflitos escolares, os professores
devem estar em plenas condições físicas e mentais para lidarem com as demandas emocionais
trazidas pelas diferentes categorias. Nesse sentido, é importante entender se e como os
professores conseguem ter alguma oportunidade para aliviar as pressões que vivem diariamente.
As respostas tabuladas foram as seguintes:

Tabela 8 – Pergunta aos professores: o que você faz para lidar com o estresse?
Respostas dos professores Quantidade de respostas
Encontrar amigos/conversar 5
Medicação 3
Viajar/descansar 3
Conforto espiritual/Orações 2
Atividade física 1
Terapia/psicólogo 1
Compras 1
Fonte: própria pesquisadora.
82

Trabalhar com a educação, em geral, exige dos envolvidos várias habilidades e há


pesquisas que demonstram que, nos últimos anos, houve crescimento no nível de estresse entre
essa categoria, sendo nomeado inclusive como uma síndrome, conhecida como Síndrome de
Burnout. Segundo o portal do Ministério da Saúde,
A Síndrome de Burnout é um estado físico, emocional e mental de exaustão
extrema, decorrência do acúmulo excessivo em situações de trabalho que são
emocionalmente exigentes e/ou estressantes (...) especialmente nas áreas de
educação e saúde. A principal causa da doença, conhecida também como
'Síndrome do Esgotamento Profissional', é exatamente o excesso de trabalho.
Esta síndrome é corriqueira em profissionais que operam diariamente sob
pressão e com responsabilidades constantes, como médicos, enfermeiros,
professores, policiais, jornalistas, dentre outros. (BRASIL, 2013)

A atividade mais citada pelos professores para aliviar o estresse foi a de reunir-se com
os amigos e conversar. Logo depois, encontramos um número significativo de pessoas que
fazem o uso contínuo de medicações, seguido pelas categorias viajar/descansar, conforto
espiritual/orar, atividade física, terapia/psicólogo e comprar.

Como a pergunta era do tipo aberta, ou seja, cada um respondia o que achava mais
adequado e se quisesse, é surpreendente o número de pessoas que afirmaram fazer uso de
medicamentos para ‘dar conta’ das exigências do dia a dia, tópico que, inclusive, surge em uma
das entrevistas realizadas.

Acho a profissão desgastante, lida com nossos limites o tempo todo. Já tive
depressão e precisei me afastar. Faço terapia e tomo medicação. Sem Rivotril16
não consigo vir trabalhar. (Professora, 51 anos, grupo focal)

Os motivos para tanto são os mais variados. As condições de trabalho, a desvalorização


profissional, a precária qualidade de vida, a rotina extenuante e a pressão das demandas
emocionais de gerir uma sala de aula são alguns exemplos dos fatores que desencadeiam a
necessidade do uso de medicamentos, que não aparecem de forma repentina, mas se
desenvolvem no dia a dia, gerando sintomas de depressão, fadiga, insatisfação, frustração,
medo, angústia, cansaço físico e mental. Essa situação periclitante do professor

16
Nome comercial para o remédio clonazepam, tendo como principais propriedades inibição leve das funções
do sistema nervoso central, permitindo assim uma ação anticonvulsivante, alguma sedação, relaxamento
muscular e efeito tranquilizante. (Fonte: Wikipedia)
83

pode ser um dos motivos causadores de dificuldades em gerir conflitos, pois, para orientar
alunos, dar vazão às diferenças, evitar a exclusão, a ameça e a humilhação, é necessário um
professor com paciência para escutar, capaz de propor alternativas e que tenha uma postura
positiva para que os alunos sintam-se acolhidos, amados e à vontade para exporem suas
subjetividades, medos e sentimentos em geral.

Concluímos que os professores esforçam-se na busca de soluções para aliviar o estresse


do seu local de trabalho; porém, notamos também que há uma forte medicalização desse
processo em detrimento de outras formas de gerir a pressão do dia a dia.
84

4 O QUE DIZEM OS DADOS

4.1 APONTAMENTOS DE ENCONTROS E DESENCONTROS

A partir da análise dos participantes dos grupos focais e entrevistas, concluímos que
professores, alunos e famílias possuem suas próprias singularidades. Essas diferenças de
observação sobre o mundo fazem com que as percepções sobre um mesmo objeto sejam
divergentes, e as experiências sejam resultados das relações entre esses diferentes (pais, alunos
e professores).

A ideia de consubstancialidade e coextensividade abordadas por Kergoat (2010) auxilia-


nos a entender como se dão as relações sociais entre as diversas percepções sobre os fatos
ocorridos. Para a autora, toda relação social é conflituosa, consubstancial e coextensiva;
consubstancial porque as categorias não podem ser entendidas de forma separada – apenas na
análise acadêmica – sobrepondo-se uma sobre as outras de maneira constante, no momento em
que as relações se estabelecem. E coextensiva porque, ao se reproduzirem, novamente se
coproduzem, gerando novas desigualdades, em uma espécie de espiral histórico, no qual a tríade
“raça”17, gênero, classe e outras categorias se relacionam e engendram novas cartografias de
posicionamento de mundo.

A autora retoma a importância de não se dissociar as categorias das relações sociais às


quais pertencem, para não corrermos o risco de mascararmos formas de dominação e
dificultarmos estratégias de resistência. Em outras palavras, ter a vigilância de observar que não
há ‘posições’ fixas, que estas estão inseridas em relações dinâmicas e em eterna evolução e
renegociação, sendo que nenhuma categoria é mais importante do que a outra. (KERGOAT,
2010).

A pesquisadora descreve três imperativos que se colocam sobre as relações sociais: o


imperativo materialista – as relações de raça, classe e gênero são relações de produção; o

17
Kergoat (2010) utiliza o termo raça no seu artigo, explicando que a trata como uma categoria socialmente
construída, fruto de movimentos de discriminação e de ideologias. Opta por colocá-la entre aspas, deixando
claro que aqui não se está abordando um conceito biológico.
85

imperativo histórico – as relações são dinâmicas, pois estão inseridas em um determinado


contexto histórico; e o imperativo das invariantes – as invariantes são ‘verdades’ colocadas nos
discursos coletivos, por exemplo: o trabalho do homem vale mais do que o da mulher.
(KERGOAT, 2010).

Partimos da teoria de que a escola é uma instituição cultural com modelos e práticas
educacionais que busca uma visão de homogeneidade dos atores que dela fazem parte. O
discurso da igualdade e do acesso a todos esconde uma pluralidade que se faz silenciada e
neutralizada e se sobrepõe aos sujeitos, em uma espécie de macroestrutura, com discursos
ideológicos que se colocam sobre esses sujeitos.

Ao analisar uma categoria social, torna-se necessário abordar as outras categorias, pois
as percepções se dão nas relações, podendo ou não gerarem situações conflituosas. Portanto,
aqui, não queremos estabelecer um comparativo, mas sim observar como diferentes sujeitos
percebem as situações do cotidiano escolar e que tipos de soluções encontram para esses fatos.

4.2 DIMENSÃO 1: AS RELAÇÕES SOCIAIS E OS CONFLITOS ESCOLARES

A primeira dimensão pretende mapear, pela ótica dos atores sociais, quando há conflitos
no espaço escolar em relação aos comportamentos dos diversos atores. O indicador principal é
a existência ou inexistência de espaços democráticos de construção de diálogos. Para verificar
essa dimensão, realizou-se uma análise das respostas dos participantes dapesquisa, além de um
recorte das respostas dos alunos, pais e professores sobre a pergunta ‘quando a escola é boa?’
tanto nos grupos focais como nas entrevistas individuais. Tais respostas foram analisadas pelo
programa NVivo, por meio do recurso ‘contagem de palavras’. Para os alunos, as palavras que
mais apareceram foram ‘escola’ (seis vezes) e ‘comer’ (quatro vezes). Isso demonstra que, para
eles, a escola é considerada boa no momento em que oferta refeições de qualidade.

Quando tem comida boa. Tipo, em dias especiais. Dia da criança ano passado
teve hambúrguer e suco. Foi muito bom. Se bem que eu sempre almoço pra
não comer besteira. Eu vi na TV que ajuda na dieta comer arroz
86

e feijão e como eu preciso emagrecer uns quilinhos... Aí tento comer aqui pra
não comer besteira. (Aluna, 13 anos, entrevista)

Além disso, foram citadas as atividades além de ‘quadro e giz’, como festividades
ofertadas pela escola.

Quando é dia especial, tipo dia das crianças, Halloween. (Aluno, 13 anos,
grupo focal)

Em geral, as perspectivas dos alunos são positivas em relação à escola, abarcando


sentimentos de amizade, qualidade do ensino, boas relações com os professores.

Eu vou pra escola pra estudar, aqui é sempre bom. (Aluno, 14 anos,
entrevista)

Ou dão explicações utilitaristas para o fato de a escola ser boa:

Eu acho que a escola tem um grau de ensino bom. Eu quero ser biólogo e
acho que a escola tá me ajudando pra isso. (Aluno, 15 anos, grupo focal)

Com os pais, utilizou-se o mesmo método, com recorte das respostas dadas à pergunta
‘quando a escola é boa?’, posteriormente inseridas no programa NVivo, no recurso ‘contagem
de palavras’. Para eles, a escola boa é aquela que cuida. A palavra ‘cuidado’ foi citada três vezes
por meio da contagem de palavras criada pelo programa Nvivo, apresentando uma visão positiva
do trabalho executado pela instituição.

Eu acho a escola boa quando as crianças aprendem, são bem cuidadas. Eu vejo
que a escola tem muita coisa boa, muita atividade boa pra eles. (Mãe, 32
anos, entrevista)

Quando a gente pode sair em paz daqui e saber que vão tá bem cuidados, que
não vai ter confusão no recreio. (Mãe, 31 anos, grupo focal)

A respeito das falas dos professores, ocorreu o mesmo processo: um recorte das
percepções sobre quando a escola é boa e a posterior análise na opção ‘contagem de palavras’
no programa NVivo. Eles relataram que a escola pode ser considerada boa quando consegue
incluir e manter os mais diversos alunos, ou seja, ampliar sua ação democrática. As palavras
democracia/cidadania e derivados (cidadão, urbanidade) apareceram quatro vezes, tanto nas
entrevistas como nos grupos focais. Na primeira entrevista realizada, a professora explica que
a escola, por conta do modelo que vigora, ainda não consegue evitar a evasão daqueles que não
se enquadram aos parâmetros esperados.
87

A escola é boa quando consegue dar conta de todos os tipos de aluno, não só
os de educação especial, não só isso. (Professora, 30 anos, entrevista)

Em outra entrevista, a professora relata que, mais do que problemas de indisciplina, a


escola precisa enfrentar a evasão escolar. Para isso, menciona a importância de uma escola
acolhedora, que tenha profissionais e alunos felizes para executar suas aprendizagens.

A escola é boa quando o aluno quer ir pra escola.(...) Não que eu ache que não
tem brigas, eu sei que tem, mas enquanto tem evasão escolar, enquanto o aluno
não quer estar na escola, e ele não vai querer se o professor estiver
desmotivado, pra mim a escola é o aluno, que precisa do professor, que precisa
estar bem para o que o aluno fique bem. Então tudo gira pro mesmo objetivo.
Não tem um bom professor insatisfeito. E não tem aluno feliz com professor
insatisfeito. A escola boa é aquela que consegue manter o aluno aprendendo.
(Professora, 43 anos, entrevista)

As abordagens das professoras entrevistadas vão ao encontro do que Neri (2009) aponta
em seus estudos sobre evasão escolar. O autor alega que o sistema educativo apresenta uma
tendência de expulsar certos estudantes que não se enquadram nas expectativas de funcionários
e professores; assim, não podemos pensar na evasão como um processo de fracasso individual,
mas sim como um processo coletivo, que envolve a ação e a percepção de muitas pessoas.
Também há um reforço por parte dos professores de que escola boa é aquela que socialmente
atinge seus objetivos, levando outras vivências aos alunos.

Eu acho que a escola boa é aquela que atende as demandas da sociedade.


Consegue trazer novas perspectivas para aquela pessoa, outras vivências.
(Professora, 41 anos, grupo focal)

A ideia de oportunizar novas vivências aborda a possibilidade de a escola ser o espaço


legítimo do encontro entre os alunos e os processos democráticos de uma sociedade. A escola
ultrapassa a ideia de ensino-aprendizagem, sendo o lugar onde as relações interpessoais têm
centralidade. A centralidade das relações interpessoais exige construir relações de troca e
reciprocidade que permitem a coexistência estruturada na base de diálogos, sensação de
pertencimento e justiça, com respeito a todos que fazem parte da comunidade escolar. O
primeiro passo, segundo Viscardi e Alonso (2013, p. 37), é reconhecer o outro como pessoa
com direito de ser diferente, portanto não se limitando a mera tolerância, mas implementando
o direito à diferença.

Quando os alunos foram perguntados sobre ‘quando a escola é ruim’, verificamos que
a maior parte das respostas foi em relação à questão física da escola e falta de infraestrutura.
88

Segundo Abramovay, Cunha e Calaf (2009), a questão da infraestrutura tem centralidade ao


garantir que todos se sintam mais motivados e tenham mais apreço pela escola e respeito por
esse ambiente. Situações como pichações, mesas quebradas, janelas sujas, banheiros
descuidados, falta de iluminação, canos de esgoto e tantas outras situações “(...) podem criar
um sentimento de não responsabilidade para com o espaço público – a escola que pertence a
todos.” (ABRAMOVAY; CUNHA; CALAF, 2009, p. 89). Esse sentimento faz com que a ideia
de cidadania seja corrompida.

Houve queixas em relação aos banheiros, citadas por quatro alunos entre entrevistas e
grupo focal. Inclusive, houve relatos de alunos que passavam muitas horas na escola sem
frequentá-los.

Eu não acho a escola ruim, é ruim os banheiros, não vou no banheiro aqui.
Mas daí não é culpa da escola né, é dos políticos que não mandam dinheiro.
(Aluno, 14 anos, entrevista)

Também se verificaram comentários sobre falta de materiais em geral e de bola para


jogar na hora do recreio.

O problema daqui são as coisas, tipo, falta material para o professor dar aula,
agora há uns dias não tinha bola pra gente jogar na hora do recreio. (Aluno,
15 anos, grupo focal)

Outra queixa foi a sala de informática sucateada, que, segundo uma aluna, ‘foi
arrumada’, mas eles não tinham acesso. Ou seja, talvez ela até estivesse disponível, mas não era
usada conforme esperado pelos alunos.

Não tem sala de informática. Disseram que arrumaram mas a gente ainda não
pode ir lá. E é tudo empoeirado, parece sujo. As pessoas também não cuidam
né. (Aluna, 12 anos, grupo focal)

Houve novamente comentários a respeito da comida, que, podemos deduzir, possui uma
centralidade importante na vida escolar. A reclamação era a de que, quando havia comida
considerada boa, esta era limitada, não podendo repetir-se o prato.

O problema é que as tias não dão comida a mais quando é coisa boa. (Aluna,
14 anos, entrevista)

Outra reclamação dos alunos diz respeito às brigas e violências em geral, que
incomodam. As agressões podem ser classificadas como violências quando são usadas para
intimidar, diminuir ou machucar o outro. As brigas muitas vezes podem parecer começar por
89

motivos estranhos a quem não está envolvido ou não domina os códigos e condutas próprios de
determinados grupos de adolescentes. (ABRAMOVAY; CUNHA; CALAF, 2009). Aqui a
queixa é o uso do palavrão e o quanto tais atitudes irritam os que não estão diretamente
envolvidos na situação.

Quando os meus colegas brigam e não se ajudam. É o tempo todo é palavrão,


mandando todo mundo tomar no cu. Isso irrita sabe? Tu tá lá no teu canto e
tem que ficar ouvindo os neguinhos bater boca. (Aluna, 13 anos, entrevista)

Quando tem violência (...) de tudo que é tipo, aí é arreganho que vira briga.
(Aluna, 10 anos, grupo focal)

A palavra arreganho, no dicionário Houaiss, possui dois significados: 1. abertura da


boca mostrando os dentes; 2. atitude ou semblante de desafio, ameaça, intimidação. Na
pesquisa, observou-se o uso dessa palavra com bastante frequência, o que despertou interesse
em entender o seu uso nesse contexto. Rolim (2008) já havia mapeado esse linguajar em sua
pesquisa, na cidade de Porto Alegre, em 2008. É uma expressão que se mantém para explicar
‘brincadeiras’ de caráter provocativo, que não possuem regras definidas. Nunca se sabe ao certo
o ponto em que deixa de ser uma ‘brincadeira’ para virar uma importunação. Muitas vezes,
segundo o autor, “(...) a intenção pode ser exatamente a de ultrapassar o limite para medir a
reação do outro.” (ROLIM, 2008, p. 98). São, em resumo, atitudes de caráter provocativo que
servem para ‘medir a paciência’ do outro, esperando uma reação sua e construindo uma imagem
violenta desse sujeito perante o grupo, que se torna, então, ‘alvo’ fácil e corriqueiro, pois
corresponde às provocações do grupo ou de determinados sujeitos.

Outro fator trazido pelos alunos como ruim é a falta de professores. Muitas vezes, há
falta de um professor de determinado conteúdo e a necessidade não é suprida. Quando ele
retorna de seu afastamento, precisa ‘acelerar’ conteúdos para atender às demandas. Essa
situação faz com que os alunos se sintam pressionados a produzir e acompanhar aprendizagens
que necessitariam de mais tempo e condições.

Quando os professores não vêm, tem uns que acabam faltando muito, aí a
gente perde a matéria e depois fica difícil de acompanhar tudo. (Aluna, 12
anos, entrevista)

É ruim também quando falta professor. Aí a gente perde muita matéria. Tipo,
o professor fica doente muito tempo e não mandam ninguém no lugar. (Aluna,
13 anos, grupo focal)
90

Para as famílias, a falta de professores também é um problema. Com as políticas públicas


atuais, quando um professor precisa faltar ou tirar alguma licença mais prolongada, a secretaria
de educação não repõe aquela necessidade no quadro docente da escola. O resultado é que outros
setores, como biblioteca ou orientação educacional, precisam entrar em sala de aula para suprir
a demanda, o que gera uma diminuição na qualidade do atendimento. Quando isso não é viável,
as turmas são dispensadas mais cedo, havendo o término da aula na metade da manhã ou na
metade da tarde, o que gera grandes transtornos aos responsáveis, que precisam se reorganizar
naquele dia para buscarem os filhos mais cedo, atendendo às demandas da escola.

O problema é a falta de professor. Todo dia tu tem que chegar e perguntar se


tem aula e que hora eles soltam. Aí é ruim porque às vezes as crianças
pequenas precisam ir embora sozinhas no meio do turno ou ficar esperando
um tempão aqui no colégio. Eu já falei com o diretor, mas ele me disse queos
professores faltam muito e ele não pode fazer nada. (Mãe, 54 anos, grupo
focal)

Quando falta professores, quando as crianças são liberadas mais cedo porque
não tem aula. (Mãe, 32 anos, entrevista)

Quando falta professor. Vejo que isso melhorou bastante nos últimos tempos,
ano passado a ‘X’ tinha uma professora que faltava muito. (Mãe, 31 anos,
grupo focal)

Esse fato afeta diretamente o direito dos alunos de frequentarem a escola e torna-se um
problema para as famílias, principalmente para aquelas que trabalham em horário comercial ou
que têm mais filhos – e, consequentemente, a saída em horários diferentes –, precisando rever
sua logística e diminuindo a sensação de segurança entre seus membros.

Outra situação citada por uma das mães é quando a escola não consegue atingir seu
objetivo principal: proporcionar situações de ensino e aprendizagem. Há várias razões para esse
fato, desde falta de qualificação docente quanto dificuldades próprias dos alunos geradas por
acesso precário à alimentação e aos bens culturais. Nessa instância, o foco é evidenciar o quanto
tal fato pode ser desencadeador de conflitos, uma vez que o relato da mãe ocorre no sentido de
tentar ajudar a criança e não saber como fazê-lo, individualizando uma situação que é coletiva
e social.

Quando as crianças não conseguem aprender, aí fica a gente em casa tentando


ajudar e não consegue. (Mãe, 23 anos, grupo focal)
91

Para os professores, a escola passa por uma fase ruim. Segundo eles, o grande problema
do momento são as relações interpessoais entre os próprios membros do corpo docente. As
queixas relacionam-se ao fato de não haver mais reuniões, conselhos de classe ou
confraternizações fora da escola para que se estabeleçam momentos de diálogo em que seja
possível trocar informações, qualificar o trabalho e resolver as questões de conflito.

A gente não tem tempo de convivência mais. A gente não conhece os colegas,
nem o nome dos colegas. Eu não sei quem é quem. Eu não sei quemé professor
e quem é monitor. Eu não sei quem é contrato e quem não é, enão é só isso, é
saber, não de fofoca, da vida do outro, mas de saber que a fulana é casada com
o ciclano, que tem filhos, que a gente conversa sobre isso. Se o filho tá isso, tá
aquilo. A gente não sabe mais nada. A gente não tem mais intimidade.
(Professor, 40 anos, grupo focal)

Acho que aquilo que a gente prega com os alunos a gente não consegue entre
nós. Porque o que eu noto assim... uma intolerância com o jeito de ser do outro,
todos nós temos os nossos defeitos, nós não somos perfeitos. E acho que tem
pessoas que têm mais dificuldade de entender o outro como ele é, aí é aquela
coisa, a cada cinco minutos que tem começa a criticar o colega. Eu acho que
isso mina o ambiente, isso é desgastante e desgosto. (Professora, 41 anos,
grupo focal)

Só queria que tu anotasse aí que as coisas pioraram muito quando começaram


a obrigar a gente ficar aqui direto. Isso aqui tá me deixando doente e esse é o
motivo de eu precisar tomar remédios. Nós professores estamos ficando muito
doentes e alguém tem que fazer alguma coisa. Espero poder ajudar.
(Professora, 53 anos, grupo focal)

Aguiar (2019) afirma, em sua dissertação, que as políticas públicas que estão em vigor
na rede municipal de educação promovem uma drástica diminuição dos espaços de diálogo
entre os professores, gerando o que ele chama de ‘institucionalização do individualismo’ (p.
155). Para o pesquisador, essa política estimula o empobrecimento da produção do
conhecimento ao reforçar o ideário de que a escola é apenas reprodutora de informações.

Ainda sobre a última fala da professora, a secretaria de educação alterou recentemente


a rotina das escolas, fazendo com que os professores estejam na instituição todos os dias da
semana, sem poder planejar em casa, como anteriormente acontecia. Como resultado, os
professores passam muitas horas na escola, o que em princípio parece interessante; no entanto,
como ela não oferta infraestrutura adequada para planejamento, o que acaba ocorrendo é um
grande desgaste do corpo docente.
92

Voltando aos jovens, a pergunta sobre sua motivação para irem à escola obteve
respostas, em sua maioria, voltadas para o futuro.

Para eu conseguir um emprego bom no futuro. (Aluno, 13 anos, grupo focal)

Porque é importante para meu futuro. (Aluna, 12 anos, entrevista)

Para receber meus direitos no futuro. (Aluna, 12 anos, grupo focal)

A importância da escola está ligada, portanto, às possibilidades de mobilidade social.


Ser alguém no futuro parece constituir uma das categorias mais importantes nas aspirações dos
alunos. Houve também um número expressivo de estudantes que disseram vir à escola porque
são obrigados pela família ou pelo Conselho Tutelar18.

Minha mãe me obriga. (Aluno, 15 anos, grupo focal)

Porque não dá pra ficar em casa dormindo se eu quero ser alguém. (Aluna,
12 anos, grupo focal)

Porque sou obrigada, senão o conselho tutelar vai na minha casa, e também
vou na escola para ser alguém na vida. (Aluna, 13 anos, grupo focal)

Por que eu acho que já rodei um ano, eu vi que tipo, não vale a pena perder
um ano, cada vez um ano a mais da minha vida, porque eu podia tá
trabalhando, fazendo várias coisas, mas não, tive que rodar, pra fazer tudo de
novo e por isso que eu venho. Ninguém me obriga. Eu venho porque eu tenho
vontade. (Aluno, 14 anos, entrevista)

As famílias também evidenciaram que a escola é uma aposta para um futuro melhor.
Muitas relataram histórias difíceis e garantiram que desejam outra vida para seus filhos, e a
educação formal seria a chave para tanto, o que posiciona a escola como um possível trampolim
para uma vida mais digna.

Eu trabalho duro para dar o melhor para os meus filhos, quero um futuro
melhor pra eles. (Mãe, 32 anos, entrevista)

Eu moro no Mário Quintana e mando minhas filhas pra cá pra elas terem um
futuro. Eu fui mãe com 14 anos, não quero isso pra elas. (Mãe, 54 anos, grupo
focal)

18
Desde 1997, a rede municipal de educação conta com um instrumento chamado ‘Ficha de controle de
infrequência’, que deve ser preenchido pela orientação educacional. Após, a escola faz tudo que estiver a seu
alcance para que o aluno retorne às aulas. Obtendo sucesso, a FICAI é encerrada, mas, em caso negativo,
encaminhada ao Conselho Tutelar.
93

Para Viana (2003), estudos têm apontado que as camadas populares criam com a escola
e os processos de escolarização uma relação tensa e marcada por idas e vindas, motivadas por
fortes expectativas de uma vida melhor. O acesso ao estudo da ‘cultura legítima’ representa,
para as camadas populares, a possibilidade de entrarem em contato com pessoas de outros meios
sociais e alcançarem outros status de pertencimento. Assim, mesmo que obrigados pela família
ou nem sempre gostando do que acontece na escola, os alunos acreditam nos discursos
provenientes dos seus responsáveis de que a instituição é um passaporte para um futuro melhor.

Quando os professores foram indagados sobre o motivo por que se tornaram docentes,
as respostas foram afetivas. Muitos emocionaram-se relatando a trajetória de estudos que
tiveram, o quanto desejaram estar na profissão e como gostam de exercê-la, expondo que ‘já
nasceram professores’. Um número elevado apontou a influência da família na sua escolha.

Eu gosto das crianças, elas merecem boas aulas. (Professora, 35 anos, grupo
focal)

Eu acho que a gente já nasce professor, é a profissão que escolhe a gente.


Nasci e sou criado numa família de professores, minha mãe é professora,
aposentada agora. (Professor, 40 anos, grupo focal)

Eu nasci professora, eu não sei nem em que idade eu comecei a dizer isso, eu
não tinha nem entrado na primeira série, no pré e foi um sonho que me
acompanhou a vida toda. (Professora, 43 anos, entrevista)

Aqui as percepções constituem certa unanimidade. Tanto alunos quanto pais depositam
na escola uma esperança de um futuro melhor. Já os professores relatam muito orgulho em
exercer a profissão.

As percepções sobre si e sobre os outros são a chave para interpretar como as identidades
escolares se constroem. (ABRAMOVAY; CUNHA; CALAF, 2009). Sobre as percepções de
um comportamento ideal, os estudantes afirmam que um bom aluno é aquele que ‘obedece ao
professor’, é bem esperto, um nerd19.

19
Matos (2011) explica que os nerds, há pouco tempo, eram considerados jovens muito estudiosos, mas
inadequados socialmente, e agora são vistos como descolados, ocupando cada vez mais espaço na cultura pop.
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Um ótimo aluno é alguém que não fala nome, que copia tudo, que é bem
esperto. Tipo, uma pessoa nerd, que gosta de ler, de escrever, de fazer tudo.
(Aluno, 11 anos, grupo focal)

Um fato interessante é que os alunos associam ser bons estudantes com o ato de copiar
todas as atividades do quadro. Aquele que ‘copia tudo’ é considerado bom aluno, e esse aspecto
está presente em várias falas. Talvez a cópia das atividades nos cadernos seja algo concreto,
mensurável para eles, o que gera uma sensação de aprendizagem.

O Fulano. Ele fica bem quietinho na sala de aula e presta atenção e copia tudo.
(Aluno, 14 anos, entrevista)

Aquele que copia tudo e vem pra aula, não bagunça. (Aluna, 13 anos,
entrevista)

Aquele que os professores gostam, que copia tudo, vai bem nas notas. (Aluno,
13 anos, grupo focal)

Quando perguntados se estudam em casa, há um alto índice de alunos que afirmaram


estudar pouco ou encontrar dificuldades para isso em casa. Observamos que este é ponto
divergente. Enquanto os professores demonstram um desejo de que os alunos façam as tarefas
e tenham mais autonomia, as famílias relatam que têm dificuldades de se organizar para atender
às demandas escolares, que, por vezes, também se mostram confusas.

A fala da aluna revela que, para ela, estudar em casa é algo muito importante e é prova
de que é boa aluna. Na sequência, uma professora também declara que um aluno que estuda em
casa é um aluno ideal.

É, eu acho muito importante estudar, saber das coisas, eu gosto muito de


estudar. Eu até estudo em casa. (Aluna, 13 anos, grupo focal – grifo nosso)

Um aluno ideal é um aluno interessado, que vá além, que estude em casa.


(Professora, 30 anos, entrevista)

Já os professores apontam dificuldades para entrar em contato com as famílias e


entender como se organizam nos cuidados das crianças. Suas queixas giram em torno da
mutabilidade dos responsáveis, inclusive afirmando que hoje os pais trabalham muitas horas
fora de casa e não conseguem orientar seus filhos. Da mesma forma, sustentam que as famílias
não têm mais domínio sobre sua prole, pois o tema de casa é considerado uma obrigação que,
muitas vezes, não é cumprida.
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Os pais são bem omissos. Tem gente que nunca aparece e a maioria não sabe
que turma seu filho estuda. Não sabe nada. Eles têm cinco, seis filhos e não
sabem nada. Aí tu tá lá falando sobre a criatura e daqui a pouco essa pessoa
avisa que é a tia da criança. E tu achando que tava falando com a mãe. Aí te
contam que a criança tá na tia porque a mãe tá presa e assim vai. Quando não
é uma vizinha que vem porque ficou cuidando da criança uns dias até a mãe
se ajeitar e coisas assim. A gente nem imagina a realidade deles. Não consegue
entender, mesmo que a gente se esforce. É muito longe do nosso mundo.
(Professora, 53 anos, grupo focal)

O relato da professora evidencia situações abordadas por Fonseca (2002), que dizem
respeito ao imaginário tradicional de família nuclear formada por pai, mãe e filhos. Em seu
texto, Fonseca apresenta argumentos que demonstram que há uma grande variedade nas formas
de as famílias se organizarem, havendo situações em que não só os pais são responsáveis pela
criação das crianças, mas também avós, tios e outros parentes. Esse fenômeno acontece tanto
nas classes médias como nas classes populares, porém, o estigma recai mais fortemente nas
periferias, pois há uma associação a situações conflituosas, de abandono ou violência, o que
muitas vezes não é fato. Fonseca (2002) explica que, em muitas situações, o casal ou a pessoa
responsável legalmente pela criança precisa de auxílio da família – tios, irmãos, avós – em vista
da falta de equipamentos públicos, como creches, escola em tempo integral para auxiliar nas
rotinas do dia a dia, ou porque simplesmente está passando por um momento difícil e precisa
contar com a ajuda dos parentes, mas isso não está ligado, necessariamente, a atitudes de
abandono.

Acho que o fato das pessoas trabalharem muito fora, também se chega em casa
mais cansados e aí realmente, ficam se isentando da sua função de orientar os
filhos. Há poucos dias atendi uma mãe que veio me dizer que não era pra
mandar mais tema pra filha dela porque a filha dela não quer fazer tema e o
que ela pode fazer se a filha não quer fazer? Aí tu fica pensando... pô, mas a
menina tem 11 anos. Tem querer? Acho que desde cedo eles têm que ter saber
o que é dever e o que é direito, e o que é obrigação. Me parece que isso não
tem mais... eles só têm direito. E aí eu acho que tá faltando dos pais também...
Eu fico pensando o que vai ser dessa geração... (Professora, 35 anos, grupo
focal)

Já as famílias defendem que as tarefas escolares são relevantes, inclusive explicando


que apelam para atitudes violentas caso a criança não faça o que a escola exige. Uma das mães
diz não ter clareza sobre quando a escola envia tarefas, o que dificulta o controle.

Meus filhos eu obrigo a estudar. Em casa tem que sentar na mesa e fazer o
tema. Não tem papo. Pode ser meia-noite. Se eu chego do trabalho em casa e
não fizeram as coisas, sabem que vão levar um pau. (...) Às vezes é difícil de
96

acompanhar, porque o guri diz que não tem nada pra fazer e tu acredita. Por
isso eu gosto quando a professora manda bilhete, aí eu sei que ele tá
aprontando. (Mãe, 23 anos, grupo focal)

O uso da violência para resolução de problemas domésticos começou a entrar em


discussão em nível nacional em meados da década de 80 e ganhou força após a promulgação do
ECA (Estatuto da Criança e Adolescente), quando crianças e adolescentes foram ascendidos a
sujeitos de direito. Houve avanços significativos desde então, trazendo as violências domésticas
à tona; contudo, ainda há situações em que o uso desses mecanismos é visto como necessário e
aceitável. No excerto anterior, a mãe relata que usa a violência física para a construção da
importância de se cumprir as tarefas diárias, entre elas as escolares, em um momento de
conversa coletiva com outras mães, e nenhuma das integrantes opõe-se ao uso desse mecanismo
de poder. Essa ausência de oposição mostra o quanto ainda está legitimado o uso da violência
física em relação às crianças, a partir do discurso de ser necessário para educá-las.

Nessa situação, a violência é usada como uma forma de linguagem. Assim, “(...) a
violência vai configurando-se como linguagem e como norma social (...), em contraponto
àquelas denominadas de normas civilizadas, marcadas pelo autocontrole e pelo controle social
institucionalizado.” (TAVARES DOS SANTOS, 2002, p. 23). Isto é, quando há um
esvaziamento de canais comunicacionais, a violência se impõe diante da dificuldade ou da
impossibilidade de falar, tornando-se uma forma de comunicação entre os sujeitos.

Ainda sobre tarefas escolares, uma mãe relata:

Então, às vezes não tem tema, eu até acho estranho. Já o outro, que tá de tarde,
tem um monte de tema. Por isso eu não sei direito quando tem. Mas também
já são grandes, né? Se a professora manda, tem que fazer. (Mãe, 35 anos, grupo
focal)

Segundo Alves (2010), monitoramento da vida escolar, reforço positivo, elaboração de


altas expectativas e participação na escola são fatores que influenciam o alto desempenho
escolar. Especificamente, no caso do monitoramento da vida escolar, a autora explica que a
preocupação da família em acompanhar ativamente a trajetória de vida das crianças e jovens,
fazendo cobranças referentes à realização das tarefas escolares, geram resultados positivos ao
exercer também uma cobrança por parte do próprio estudante sobre seus resultados. Alves
(2010) também demonstra que famílias que apresentam atitudes de confiança em relação à
97

escola, acreditando nos posicionamentos dos professores/direção, fazendo o que a escola lhes
pede, ou tecendo críticas contundentes, aumentam as possiblidades de promoção do sucesso
educacional.

Assim, mesmo não entrando nessa seara – sobre se os alunos devem ou não receber
tarefas escolares para fazer em casa –, podemos afirmar que, quando há um diálogo saudável
entre família e escola, quem ganha é o aluno. No nosso estudo, percebemos que há, por parte
dos professores, uma dificuldade em entender como as famílias se organizam, o que faz com
que acreditem que elas não acompanham os estudos dos seus filhos.

As crianças vêm muito sem material, ninguém olha as mochilas, depois de


duas semanas ainda tem farelo de bolo da semana anterior. O caderno, muitas
vezes é aberto só na sala de aula, tando incompleto, amassado ou sujo. Aí
começo a aula e três estão sem lápis. (Professora, 35 anos, grupo focal)

Por outro lado, as famílias garantem que participam.

Eles aprendem direitinho, o boletim deles têm notas boas. (Mãe, 43 anos,
entrevista)

Segundo indica Resende (2012), as condições culturais e materiais dos pais limitam sua
participação. A autora destaca que é importante frisar essas limitações das camadas populares,
porque ainda existe o argumento da “omissão parental” por parte dos educadores. A autora
descobre, assim como nos dados que encontramos, que as famílias afirmam ter estratégias para
acompanhar os filhos. O ponto divergente encontra-se na forma pela qual esseacompanhamento
ocorre. As percepções do que seja participar do desenvolvimento de um filho/estudante são
diferentes. Enquanto os professores gostariam que as famílias assessorassem mais o dia a dia
da rotina escolar – olhando suas mochilas, seus cadernos, perguntando como foi ir à escola e o
que aprenderam – as famílias baseiam-se no boletim e no que os professores escrevem como
retorno; quando estes não o fazem, acreditam que está tudo bem. Há, na verdade, um
desencontro de perspectivas.

Quando os alunos foram questionados sobre se as famílias participam da vida escolar


de seus filhos, houve um índice relevante de alunos que afirmaram, em suas respostas, que suas
famílias buscam o boletim e que vêm quando chamadas.

Sim, minha mãe ou meu pai sempre vem buscar o boletim. (Aluno, 14 anos,
entrevista)
98

Percebemos que as famílias das camadas populares ‘aguardam’ uma sinalização sobre
como seus filhos estão na escola e sobre o que devem fazer para acompanhar e melhorar o
desempenho. Constatamos que a família tem um foco muito grande no resultado e pouco no
processo. O importante é a ‘nota final’, e não como as aprendizagens se constituíram durante
o ano. Então, um choque de visão é gerado, pois os professores parecem estar mais preocupados
em como e se as aprendizagens ocorrem.

Eu sempre digo pros meus filhos: aproveitem as oportunidades que eu não


tive, na idade de vocês eu já tinha que cuidar dos meus irmãos. Estudem,
obedeçam os professores, eles são como pais para vocês. Quero que o boletim
tenha notas boas, isso eu cobro. (Mãe, 35 anos, grupo focal)

Quando a escola me chama eu sempre venho. E olho os cadernos pra ver se


tem bilhete da professora. Busco o boletim pra ver se tem notas boas. (Mãe,
26 anos, entrevista)

A mesma pergunta foi feita ao núcleo de professores. Percebemos que há uma visão
negativa sobre o acompanhamento da família na vida escolar do aluno. Esses dados apontam
que, na perspectiva de professores x alunos x pais sobre a aprendizagem, os professores, pela
formação docente que receberam, acreditam e valorizam os processos que estão imbuídos na
aprendizagem e importam-se com a ausência de mecanismos para que ela ocorra, e não tanto
com o resultado final. Já as famílias, por não terem tanta clareza desses processos, valorizam
o produto final, ou seja, o boletim ou algum bilhete que o professor envie. Esse fato é ilustrado
pelo diálogo a seguir, coletado em uma das entrevistas realizadas com os docentes:

Às vezes é difícil fazer os pais entenderem o que tá acontecendo. Lembro de


uma vez que expliquei pra família que a criança tinha reprovado não porque
não era capaz, mas por algum motivo não aprendia e eu não sabia o que se
passava. (...) Aí é um peso pra nós profes porque eu sabia que a criança
precisava de um atendimento psicopedagógico ou psicológico, sei lá, mas não
chegava a ser uma síndrome, era um bloqueio, sabe. Aí o posto não ia atender,
nem adiantava encaminhar. E no fim de toda minha explicação o pai diz que o
guri é burro mesmo. Me senti mal, mais de meia hora de conversa e não
consegui fazer ele entender que não era o aluno o culpado. (Professora, 30
anos, entrevista)

Os professores também constatam que os pais acompanham a aprendizagem das


crianças até certa idade, depois acabam se distanciando da rotina escolar dos filhos.

O que eu percebo é que os pais, até uma faixa etária acompanham, mas depois
meio que abandonam. Aí vai arranjar trabalho e manda se virar. E eu acho que,
por mais difícil que seja, tem que tá olhando, acho que a família tem que ter
esse olhar, porque na verdade todos nós estamos em formação,
99

mas a criança de uma maneira especial, independente da faixa etária sempre


tem que ter um olhar, algumas vezes mais próximo, algumas vezes mais longe
pra dar espaço pra ela, mas tem que ter esse olhar. Acho que as pessoas vêm
pouco, as famílias vêm pouco. Esse meio campo que tem que ter entre escola
e família, seja de novo, no perfil social que for. (Professor, 40 anos, grupo
focal)

Esse professor, inclusive, aponta soluções, adicionando que seria efetivo um


investimento no diálogo, instrumentalizando os pais sobre como os jovens aprendem,
construindo junto com a família possibilidades de ajudar a criança em casa. Além disso,
considera que se faz necessário que a escola tenha posturas mais claras e coletivas sobre o que
exigirá do aluno. Ele menciona que as decisões ficam muito centradas na figura do professor,
que sozinho define como se darão os processos (quantidade de tarefas escolares, grau de
exigência, cobranças de posturas), o que gera dúvidas nas famílias que não sabem quando e o
que cobrar dos seus filhos, responsabilizando-os de forma individual por sua competência
acadêmica.

Ainda no tópico do acompanhamento dos alunos pelas famílias, também há queixas em


relação ao atendimento ofertado pela rede pública, que deveria apoiar os casos mais complexos
de alunos que precisam de um atendimento mais especializado. Nessas situações, os professores
sentem-se de ‘mãos atadas’, porque não têm para onde encaminhar ou sabem que os retornos
são muito lentos.

Então às vezes a gente tá solicitando coisas para a família e depende do posto


de saúde ou depende de atendimentos que não existem na rede pública.
(Professora, 30 anos, entrevista)

Vivemos num país que estão destruindo as instituições, as redes de


atendimento para as crianças de nível social difícil tão cada vez menores e
mais defasadas. Então a gente sente essa dificuldade. (Professora, 40 anos,
grupo focal)

No tópico da competência docente, é interessante observar que o bom professor é aquele


que tem paciência para explicar muitas vezes e que propõe atividades diferenciadas.

O que explica bem e faz umas atividades boas, não só copiar coisas do quadro.
(Aluno, 14 anos, entrevista)

Pelo relato dos alunos, há professores que conseguem estabelecer boas relações até com
estudantes mais ‘difíceis’, e outros que entram em sala de aula com posturas autoritárias que
incomodam os jovens e os fazem entrar em atritos desnecessários.
100

Os professores nem sempre respeitam os alunos. Já vi professor falando


palavrão pra aluno, empurrando pra fora da sala, fechando a porta na cara.
(Aluno, 14 anos, grupo focal)

Eu odeio algumas professoras. Elas são muito chatas, implicam com tudo.
“Senta direito”, “Não fala assim comigo”, “Sou mais velha”. Nem minha mãe
me trata assim. (Aluna, 13 anos, grupo focal)

Já os professores, quando avaliaram sua própria atuação, concordaram com os alunos


de que são um quadro de profissionais competentes, mas que se encontram em dificuldades para
lidar com os problemas atuais da escola. Os professores têm uma percepção de que seus
companheiros de magistério exibem um número grande de faltas laborais.

Eu acho que tá difícil pintar uma imagem perfeita de professor, é aquele que
aguenta a situação que estamos vivendo e ainda consegue se posicionar
minimamente. (Professora, 51 anos, grupo focal)

Acho que tem tudo que é tipo de professor, gente interessada e gente que ‘leva
nas coxas’. Mas eu prefiro não falar dos meus colegas, não sei das dores deles.
Mas vejo uma falta grande de trabalho, bastante biometrias. Até porque é um
trabalho que exige muito emocionalmente. (Professora, 43 anos, entrevista)

Essa visão pode ser resultado de um discurso proferido pela própria secretaria de
educação. Segundo Ribeiro (2017), em uma reportagem dada ao Jornal do Comércio, o atual
secretário de educação relata que

(...) a falta de professores por pedidos de licença é uma grande preocupação.


'São em torno de 700 pedidos por mês e, além disso, um número grande de
educadores que não podem exercer sua tarefa de regência em sala de aula, por
orientação médica, mas seguem ocupando as vagas', cita.

Esse discurso de que os professores tiram muitas licenças faz com que seus colegas de
profissão, que, da mesma forma, estão com carga de trabalho exaustiva, considerem que as
faltas são elevadas. Quando um professor falta, outros precisam suprir essa ausência, ou a turma
em questão necessitará ser dispensada e essas aulas repostas, após o calendário escolar estar
concluído, provocando o adiamento da saída dos professores para o recesso.

Um dos problemas da nossa escola é que tem gente que quer tirar vantagem
e trabalha pouco. Tem gente em setor e outros professores que não exercem
suas funções adequadamente. (Professora, 35 anos, grupo focal)
10

Tal perspectiva também permeia o entendimento dos pais, que consideram que os
professores faltam muito por ‘doenças’. Por outro lado, as famílias teceram vários elogios à
paciência dos educadores para ensinar e ressaltaram sua importância para seus filhos.

Eu entendo que as professoras têm filhos e que eles ficam doentes, mas tem
gente que o filho fica doente sempre. (Mãe, 54 anos, grupo focal)

A professora da minha filha é muito boa. Ela é bem pacienciosa. No


aniversário dela as crianças fizeram festinha surpresa, achei muito bom, sinal
que gostam dela, né. (Mãe, 54 anos, grupo focal)

Para finalizar esta dimensão, concluímos que, relativamente ao significado de uma


escola boa, podemos observar que há um desencontro de expectativas entre os diversos sujeitos.
Enquanto para os alunos é aquela que oferta comida de qualidade e atividades diversificadas,
para as famílias, ela gira em torno do cuidado, e, para os professores, é aquela que consegue
ampliar sua atuação, atendendo a todos, independentemente do lugar que ocupam na sociedade.

Para os alunos, um dos grandes problemas da escola é a sua infraestrutura, as brigas


entre colegas e a falta de professores. Para os pais, é a falta de professores, assim como os
problemas de aprendizagem. Já entre os professores, a sensação é de que a escola piorou nos
últimos anos, principalmente após a gestão 2017-2020, que implantou uma forma gerencialista
de educação, sobrecarregando os educadores.

Em relação à importância da escola, há uma visão mais homogênea entre os sujeitos,


defendendo que ela é importante para um futuro melhor. Os professores também entendem sua
profissão como honrada e fundamental para a sociedade.

Sobre as percepções dos discentes a respeito de si próprios e de suas atuações em relação


à escola, de uma forma geral, um bom aluno é aquele que copia tudo, fica quieto, não bagunça
e faz as atividades escolares. Observamos comportamento e aprendizagem como fatores
interligados. Quanto à atuação dos pais, encontramos uma situação divergente. Enquanto, para
alunos e pais, o bom pai é aquele que busca o boletim e olha os cadernos para ver se tem bilhete
sobre o aluno, para os professores, é aquele que se interessa pela vida escolar do filho como um
todo, observando se este tem aprendido ou não, acompanhando mais o processo do que os
resultados.
102

Por fim, sobre as motivações e olhares sobre si próprios, os professores se reconhecem


em uma situação de vulnerabilidade que, segundo eles, acaba gerando muitas faltas ao trabalho.

Observamos que há alguns espaços para diálogo entre os diferentes atores sociais, que
necessitam, entretanto, ser aprimorados para evitar que os momentos conflitivos tornem-se
violências. Os atores sociais concordam com a importância da escola, porém divergem no seu
modo de atuação no processo educativo. Pais e alunos esperam uma escola mais voltada às
questões assistenciais, como alimentação e cuidado, e aguardam retornos ‘concretos’ por parte
da escola, como bilhetes e boletins. Já os professores estão mais preocupados com os processos
de aprendizagens e com uma atuação mais ampla da escola, abarcando aqueles alunos que hoje
não se enquadram no processo.

4.3 DIMENSÃO 2: REPRESENTAÇÕES SOBRE A VIDA ESCOLAR

Esta dimensão pretende entender como cada sujeito se sente em relação à convivência
escolar, como vê a atuação dos diferentes atores e se, na sua percepção, há espaços para que os
conflitos sejam colocados em diálogo. Nesta dimensão, a primeira pergunta era em relação às
pessoas e à convivência escolar, como cada sujeito via a questão da convivência no espaço
escolar. Para os alunos, a partir de seus relatos, a sociabilidade junto aos seus colegas e
professores é muito importante, ou seja, a escola não é um lugar somente para aprender
conteúdos formais, mas é percebida como um importante espaço de socialização.

Tenho muitos amigos aqui. (Aluna, 12 anos, grupo focal)

Adoro quando tem funk no recreio. É muito divertido e é bom dançar com as
minhas amigas. (Aluna, 12 anos, grupo focal)

O relacionamento entre os alunos compõe-se por marcas de necessidade da confiança


no outro, do encontro de interesses semelhantes aos seus, de forma que o colega possa vir a se
tornar um amigo. Constituir laços de amizade na escola contribui para que o estudante a veja
como prazerosa. Neste excerto, o aluno relata que tem bom relacionamento com certas pessoas
que considera amigas, pois elas não gostam de briga, fato que têm em comum.
10

Com meus amigos sim (tem bom relacionamento), mas tem outros que eu
não gosto. Tem uns que só querem briga e eu nunca brigo. (Aluno, 14 anos,
entrevista, explicação em itálico adicionada pela pesquisadora)

Para os alunos, é considerada corriqueira a situação de a turma estar dividida em


pequenos grupos de amizade que têm afinidades em comum.

Sim, a gente se dá bem, se ajuda. Tem um grupinho que não se mistura muito
e uns meninos que são mais velhos que não falam muito com a gente, mas a
maioria dos colegas são legais. (Aluna, 12 anos, entrevista)

Para as famílias, os grupos de amizade algumas vezes preocupam, e outras, agradam.


Segundo uma mãe, os grupos são permeados de cumplicidade, inclusive para encobrir quando
os alunos estão burlando alguma regra social, como beber álcool sendo menor de idade.

Tem bons grupinhos de amizade. Pro bem e pro mal. Tipo, semana passada
tinha um grupinho de alunas bebendo corote20 na frente da escola, aí elas se
protegem né. Tem toda uma relação de cumplicidade. (Mãe, 32 anos,
entrevista)

As razões pelas quais os alunos gostam da escola podem, também, ter ligações com os
professores e com a direção, que aparecem como referência. Nesse sentido, a escola cumpre um
papel essencial na construção de capital social.

Tenho uma professora maravilhosa que educa a gente, que não xinga, que não
grita. Humm... gritar toda professora grita, né. Não tem como mudar isso. Mas
ela é uma carinhosa, divertida, dá ensino pra gente. (Aluna, 12 anos,
entrevista)

Capital social é uma forma de designar algumas características dos agentes sociais que
advêm nos grupos dos quais o ator participa. No momento das interações sociais, o indivíduo
faz trocas materiais e simbólicas que se tornam uma rede de recursos. Essa rede pode ser de
recursos econômicos, culturais ou simbólicos, que estão intimamente ligados à pessoa que os
aciona. (BOURDIEU, 2002).

O capital social é o conjunto de recursos atuais ou potenciais que estão ligados


à posse de uma rede durável de relações mais ou menos institucionalizadas de
reconhecimento e de inter-reconhecimento ou, em

20
O corote é uma bebida com um teor alcoólico muito alto e um preço muito baixo, disponível em vários
sabores “atrativos”, que vão de morango e pêssego a baunilha com limão e canela. É composta de cachaça,
água e açúcar, em embalagens pequenas de 300 ou 500 ml. Ao visitar os três minimercados próximos da escola,
em todos encontramos a bebida para venda.
104

outros termos, à vinculação a um grupo, como conjunto de agentes que não


somente são dotados de propriedades comuns (passíveis de serem percebidas
pelo observador, pelos outros ou por eles mesmos), mas também são unidos
por ligações permanentes e úteis. (BOURDIEU, 2002, p. 67)

A escola se torna um relevante espaço de desenvolvimento do capital social. Os que


ali frequentam podem tanto criar laços que os façam reconhecerem-se como pessoas, como
sentirem-se pertencentes a um grupo, além de terem contato com outras formas de organização
e estilos de vida, que permitam ampliar seus horizontes de experiências culturais.

Existem, da mesma forma, relatos em torno de fofocas, que aparecem no cotidiano como
um controlador social. São situações relatadas como ‘me disseram’, ‘me contaram’, mas que,
quando se questiona o autor do relato, este não tem certeza. Segundo Elias e Scotson (2000, p.
121), a fofoca “(...) não é um fenômeno independente”. Ela precisa apoiar-se nas crenças do
outro e ter em comum o que seja considerado depreciativo ou elogioso sobre terceiros. As
fofocas acabam servindo como processos de regulação entre os grupos.

Eu tenho uma colega que fuma maconha. Ela já teve até filho, me disseram,
mas ela perdeu. Ela tirou porque o guri era bem mais velho do que ela e foi
considerado estupro. (Aluna, 12 anos, grupo focal)

Também tem uma guria na minha turma que me contaram que tentou se matar
e que também bebe. Ela tem depressão. A gente tenta ajudar, manda ela parar
de cortar, mas ela fica fazendo draminha. (Aluna, 10 anos, grupo focal)

Em princípio, parece-nos que há situações consideradas criminosas pelos alunos, como


maconha, aborto e automutilação, que reforçam estigmas e provam a inferioridade do outro,
definindo quem é digno de amizade e quem não é. Além disso, observamos que há registros de
relações permeadas pelo esgaçamento social, com alunos relatando problemas de convivência
com professores e com seus colegas.

Eu sei que algumas professoras me odeiam, eu não respeito elas porque não
merecem. Elas ficam lá achando que sabem das coisas, mas nem sabem de
nada. Neguinho tem que resolver mil tretas e elas acham que sabem da vida.
(Aluno, 15 anos, grupo focal)

Meus colegas são um porre. Vivem brigando, não se ajudam. O tempo todo é
palavrão, mandando todo mundo tomar no cu. Isso irrita sabe? Tu tá lá no teu
canto e tem que ficar ouvindo neguinho bater boca. (Aluno, 15 anos, grupo
focal)
10

Nas falas registradas dos alunos, vemos que o desafio maior da escola recai sobre as
relações interpessoais, tanto na esfera entre alunos como entre alunos e professores. Osdesafios
referentes à melhora da qualidade das convivências estão na necessidade de combater práticas
cotidianas de discriminação, preconceito entre alunos, crise de autoridade por parte dos
professores e sua falta de capacidade de gestão dos conflitos, ao criarem-se formas mais justas
e democráticas de resolução dos problemas. (SPOSITO, 2002). São esferas complementares,
uma vez que, quando os alunos conseguem ter espaço para resolução de seus conflitos
interpessoais, os professores estão fazendo a gestão desse momento e melhorando o clima
escolar como um todo.

No entanto, para que isso aconteça, é necessário que a convivência entre os professores
também seja ressignificada. Como já apresentado na dimensão 1 (as relações sociais e os
conflitos escolares), subseção 4.2, os professores demonstram estar muito preocupados com
seus problemas interpessoais, citando-os como parte importante a respeito do que está ruim na
escola.

Para a compreensão desse fenômeno, que perpassa por condições de trabalho que vêm
se precarizando nos últimos anos, como já brevemente relatado, é necessário entender que a
rede municipal passou por diversas alterações na sua forma de organização, o que fez diminuir
drasticamente os espaços de diálogo. Foram ações como a retirada dos conselhos de classe, que
hoje devem acontecer todos em um dia, e das horas de reunião e planejamento coletivo e a
obrigatoriedade dos professores de se manterem na escola, mas sem conseguir encontrar seus
pares ou a todos. Essa falta de espaço para diálogos aumenta a sensação de incapacidade de
gerenciar conflitos.

Então a pessoa vai lá dá seu período e não tem período de convivência, não
tem janelas. É o período do recreio, que as pessoas fazem suas necessidades,
comem uma coisinha e só. (Professor, 40 anos, grupo focal)

Conforme Aguiar (2019) retrata em sua pesquisa, uma de suas entrevistadas – professora
da rede municipal – menciona a ‘solidão pedagógica’, que representa essa falta de diálogo que
acarreta a diminuição das possibilidades de aperfeiçoamento do trabalho realizado pelos
professores para a melhoria da convivência. Essa impossibilidade faz com que a função do
docente se restrinja a transmitir conteúdos, o que aumenta a sensação de impotência perante os
problemas de convivência que ali se colocam.
106

Eu vejo os professores bem desmotivados. Eu mesma já tive momentos bem


de cansaço mesmo. Eu vejo os professores muito desgastados, com uma carga
muito grande em cima deles, um grau de responsabilidade muito grande sem
apoio e é difícil de tu conseguir manter isso, porque tu precisa deum apoio. Já
é difícil a situação de ser professor, é uma arte muito difícil de desenvolver e
tu não consegue ser professor sozinho. Ninguém é professor sozinho, tu
precisa de uma rede a tua volta. Tu precisa dos pais, tu precisa entender os
pais, se tu não entender os pais, os pais não te entendem. Tu precisa entender
o aluno pra que o aluno te entenda e como o aluno não é perfeito, tu também
não é. Tu precisa de uma direção que te entenda e que tu entenda a direção.
Então, eu acho que tem que ter consciência dos dois lados. Uma
administração que queira que dê certo. Às vezes eu acordo e acredito que a
nossa mantenedora luta para nos derrubar, luta para que não dê certo. Porque
se ela não lutasse, se ela só ficasse ali e deixasse acontecer, a educação
aconteceria por si só. Então, parece que eles travaram uma batalha para provar
que não dá certo. (Professora, 43 anos, entrevista)

Essas ações de retirada de espaços de diálogo vão contra documentos oficiais, como os
PCN, que afirmam que “[a] escola deve ser um lugar onde os valores morais são pensados,
refletidos, e não meramente impostos ou frutos do hábito” (BRASIL, 1997), ou a BNCC, que
coloca a capacidade de diálogo como uma habilidade a ser desenvolvida pelas mais variadas
disciplinas e em diferentes ambientes. Assim, a volta dos espaços de trocas entre os professores
seria uma forma de melhorar as condições de convivência no ambiente escolar.

Nos sentimentos dos professores em relação aos seus alunos, há uma sensação de
diminuição da capacidade de estabelecer diálogos com eles.

Esse ano nós estamos no décimo mês de trabalho e convivendo com os alunos
intensamente. E aí é que tá, às vezes os alunos não querem tá ali, aí tão ali por
obrigação, pra cumprir protocolo, pra não acionar conselhotutelar, não perder
bolsa família e não porque a família valoriza a escola. (Professora, 51 anos,
grupo focal)

Então os alunos estão cada vez com mais dificuldades financeiras e isso gera
mais transtornos, as famílias estão cada vez com menos emprego então isso
também gera mais problemas. Então já vem pais com problemas, alunos com
problemas e é difícil tu intermediar e estabelecer uma conversa. Alguém tem
essa capacidade? (Professora, 41 anos, entrevista)

Os docentes alegam que as famílias não se mostram interessadas, nem valorizam o


ambiente escolar, ou estão com problemas externos que atingem também o dia a dia da escola.
De acordo com o que vários estudos demonstram, a melhora na convivência passa pelo estímulo
de uma comunicação positiva entre famílias e escola, principalmente com aquelas crianças em
quem se percebem mais dificuldades de adaptação à vida escolar,
10

independentemente dos fatores, evitando-se o paternalismo e a estigmatização. (JALÓN, 2005).


Auxiliar os professores a superar essa visão limitada seria importante para uma melhor
convivência.

O problema é o pai que não chega na escola e nós temos muitos pais que não
acreditam na educação, porque têm problemas que são maiores que isso, têm
que alimentar, têm que dar roupa, têm que ter emprego... têm outros problemas
mais urgentes. Assim como também tem pais que têm uma estrutura e não
acreditam na educação mesmo porque isso vem de uma cultura também.
Muitos não tiveram isso, muitos não são alfabetizados ou cursaram poucos
anos. A vida ensina de uma forma muito cruel que não adiantou, porque é
difícil. (Professora, 43 anos, entrevista)

Os professores que trabalham no Serviço de Orientação Educacional (SOE) são alguns


dos responsáveis pelas mediações de conflitos. Eles conseguem ter uma visão rica dos fatos.
Uma dessas professoras relatou que docentes que conseguem ter uma postura menos
estigmatizada sobre os outros e que veem os conflitos como um problema ‘seu’ conseguem
ter um gerenciamento de sala de aula que garante a permanência dos alunos.

O relacionamento entre professores e alunos depende muito da pessoa. Eu vejo


que de um modo geral a tolerância do professor anda menor, inclusive
situações que eu acho que poderiam ser resolvidas em sala de aula, os profes
acabam se livrando, digamos assim. E tem profes que são mais tranquilos,
outros que arrumam mais problemas com os alunos e aí tanto do currículo das
séries iniciais como das finais. Às vezes é mais fácil mandar para fora da sala.
E a gente nota também que algumas turmas, com alguns professores são super
de boa e com outras eles apresentam mais atritos. Tem profes que tentam
solucionar os conflitos, já outros que mandam sair e dizem que não é sua
tarefa. E às vezes você sabe que poderia ser resolvido ali. É só uma atenção.
(Professora, 41 anos, grupo focal)

A parte da infraestrutura aparece relacionada às dificuldades de convivência, tanto nos


relatos dos alunos, como no de professores e da comunidade. Os professores contam que há
falta de material adequado para o desenvolvimento das aulas, não há laboratórios para
desenvolver pesquisas, os equipamentos de informática estão desatualizados e sem revisão
adequada e há falta de wi-fi. Quando os docentes foram questionados sobre se a escola era
malcuidada, a resposta 'sim' foi unânime. Porém, eles não a consideram um espaço feio, e sim
afirmam que ela está pouco conservada. Em relação às refeições, acreditam que estas são de
qualidade.

A aparência da escola é de descuido. Não é um ambiente agradável.


(Professora, 41 anos, grupo focal)
108

Acho que um dos grandes problemas da escola é a falta de tecnologia. As


crianças, mesmo as mais pobres, vem com seu celularzinho velho e tela
quebrada, mas eles sabem usar. Aí a gente não tem nada pra ofertar. Fica
cansativo né. Pra eles e pra nós. Tipo, fiz um monte de curso, mas tudo precisa
de projetor e a gente não tem. (Professora, 51 anos, grupo focal)

A infraestrutura tem efeito na relação que os atores sociais estabelecem com a escola
ao influenciar no clima escolar. Pichações, lixo pelo chão, janelas sujas, banheiros descuidados,
esgoto a céu aberto e falta de iluminação criam sentimentos de não responsabilidade com o
espaço público, desgastando a sensação de que a escola pertence a todos e por todos deve ser
cuidada.

Para os alunos, a escola também é malcuidada, à exceção do refeitório, porque


consideram as refeições boas, de qualidade. Os alunos reforçam a importância do ambiente do
refeitório como um espaço saudável de convivência.

Quando tem cachorro-quente no refeitório a gente sabe que é dia de festa. Aí


eu e meus amigos sempre repetimos. (Aluno, 13 anos, grupo focal)

Um amigo falou hoje no refeitório que ia bater no outro. Mas ele não bateu. A
professora ficou conversando com ele. (Aluna, 13 anos, grupo focal)

Eu aprendi a comer muita coisa aqui na escola. A sora come com a gente, aí
tu te obriga a experimentar as coisas. Esses dias eu comi alface, aí a sora disse:
pica bem pequeno, esconde no meio da comida que nem vai sentir. E daí até
que eu gostei. (Aluno, 11 anos, grupo focal)

O refeitório constitui-se um espaço importante de convivência. Além da refeição emsi,


ali parece ser um espaço de diálogos mais informais, onde os alunos podem contar suas histórias,
mostrando ser um espaço importante para a resolução de conflitos. Durante as refeições, há
trocas de informações, novas aprendizagens e a não necessidade de um formalismo como na
sala de aula, o que gera um espaço de diálogos ricos. Os alunos menores, até 5º ano (B20),
inclusive almoçam com seus professores, fato que se apresenta como importante para eles.

Como mencionado, o cuidado com a higiene e a limpeza também é um fator que


influencia no ambiente escolar e no clima de convivência. Os banheiros foram criticados,
considerados sem condições de uso. Situações embaraçosas são descritas. O caso dos banheiros
implica não somente uma questão de limpeza, mas também de qualidade de vida que influencia
nas relações humanas.
10

Um problema é que os banheiros fedem. (Aluna, 13 anos, grupo focal)

(...) não vou no banheiro aqui. (Aluna, 12 anos, entrevista)

De modo geral, o espaço físico foi apontado como um problema tanto por professores
como por alunos. Encontramos críticas às pichações, que estão associadas ao malcuidado com
a escola; sua presença faz com que os alunos associem a escola aos presídios, bem como a
quantidade de grades que há nos prédios.

Essa história de pichação é complicada. Tem até dentro de sala de aula.


(Professora, 53 anos, grupo focal)

A escola tem tanta grade que parece um presídio. (Aluno, 14 anos, grupo focal)

Debarbieux (2001) explica que incivilidades como pichações, janelas quebradas e outras
pequenas depredações aumentam a sensação de insegurança e provocam nas pessoas menos
credibilidade no trabalho desenvolvido naquele ambiente. A exceção parece ser o refeitório, um
local que é visto como agradável por todos. A biblioteca também é considerada um lugar bom
de estar, no entanto, lamenta-se que passe tanto tempo fechada. Uma mãe menciona que era
frequentadora da biblioteca, mas que, nos últimos três anos, não teve mais acesso a ela.

Eu gostava de ir na biblioteca com meu filho mais velho, acho que ela tem
bastante livros. Agora ela tá sempre fechada. (Mãe, 54 anos, grupo focal)

Gosto da biblioteca, acho que ela tem um bom acervo. Uma pena que esteja
sem uso por falta de gente lá. Na época que tinha gente pra manter a biblioteca
aberta era bem melhor. Qualificava nosso trabalho. (Professora, 56 anos,
grupo focal)

A falta do atendimento da biblioteca para os alunos e o público em geral faz com que a
mesma perca sua finalidade educativa como local privilegiado para agregar toda a comunidade
a desenvolver o gosto pela leitura. Depois que um aluno domina a decodificação das sílabas –
aprende a ler –, é fundamental que ele desenvolva o que chamamos de letramento, ou seja, vá
além do simples ler, e sim compreender, amplie seus horizontes e crieo hábito da leitura.

Conforme Abramovay, Cunha e Calaf (2009, p. 93),

(...) a aprendizagem é então dupla: por um lado, o prazer de ler e da


assimilação de novos dados; por outro lado, o aprofundamento dessa mesma
110

informação, de certa forma primária, com obras de referência impressas ou


digitais. Nesse sentido, é fundamental garantir a disponibilidade de materiais
didáticos e lúdicos sempre variados, atualizados, claros na sua organização
conceitual e física, correspondendo às exigências dos projetos pedagógicos e
transportando para a escola a realidade social.

O impacto da falta de tecnologia aparece mais para a categoria professores. Eles


sinalizaram em suas falas a dificuldade de planejarem aulas sem os recursos necessários e a
frustração gerada quando querem preparar alguma atividade em especial. A queixa dos docentes
vai no sentido de não ter acesso àquilo que a escola já possui – como projetor, por exemplo –
pois há pouca quantidade se levarmos em conta o número de alunos, gerando dificuldade de
acesso aos materiais.

Aí tu prepara a aula e quando chega na escola a sala de vídeo tá sendo usada


por uma turma que ficou sem professor e colocaram lá no vídeo, aí tu desanima
né. (Professora, 51 anos, grupo focal)

Esses pequenos ‘desânimos docentes’ (falta de auxílio no encaminhamento de alunos,


falta de estrutura, excesso de trabalho, discursos midiáticos que diminuem o trabalho da escola
etc.) ampliam e reforçam os sentimentos de não diálogo, dando a sensação de que não há espaço
para resolução de conflitos, apesar de os alunos afirmarem que respeitam seus professores e de
os docentes garantirem que fazem o que está ao seu alcance para melhorar o ambiente escolar.
Galvão (2004) defende a ideia de que não podemos culpabilizar nem o aluno, nem o professor,
mas entender o processo no qual ambos estão entrelaçados. A autora inclusive sugere que nem
todos os conflitos terão solução; contudo, se postos em diálogo, poderão gerar novas
acomodações ao abolirem o termo “culpa” do repertório da escola.
Em vista de todos esses aspectos, percebemos que a escola passa por uma criseprofunda,
na qual as trocas para um diálogo eficaz – que faça a democracia avançar – estão limitadas,
diminuídas ou até inexistentes. Pais foram afastados da escola – um exemplo é o fechamento
da biblioteca para atendimento à comunidade –, e os professores se sentem em ‘solidão
pedagógica’. Esses fatores fazem com que o aluno, que deveria ser a centralidade do processo,
perca oportunidades de desenvolver uma ética de solidariedade, humanista e cooperativa, e uma
relação prazerosa de construção da cidadania.
De um modo geral, podemos observar que, para os alunos, a escola é um espaço
importante de socialização, sendo ponto de encontro. Além disso, eles organizam-se através de
pequenos grupos por afinidade/cumplicidade, fato que nem sempre é bem visto pelas
11

famílias. Há também relatos de alunos que possuem bom relacionamento com professores e
direção. A dificuldade de resolução dos conflitos está na seara da falta de diálogos, quando
aparecem problemas de convivência entre os próprios professores devido à falta de reuniões
pedagógicas, queixas dos docentes sobre famílias que não comparecem à escola e fofocas que
acabam se tornando ‘lendas urbanas’ entre os alunos, gerando diferenciações entre os que são
bem vistos e mal vistos. Por fim, professores observam que o gerenciamento da sala de aula
está muito ligado ao seu preparo. Podem muitas vezes demonstrar bom manejo da sala de aula
e outras vezes terem uma postura na qual os problemas de relacionamento não são seus.
Por fim, a infraestrutura da escola em geral aparece como problema, à exceção do
refeitório, visto como um lugar afetivo onde há bons espaços de diálogo. Os alunos relatam que
a escola muitas vezes lembra um presídio, com suas pichações e excesso de grades. Os pais
sentem falta da biblioteca, que, em outras épocas, era aberta à comunidade. Os professores
sentem falta de mais acesso a recursos tecnológicos. Concluímos, por fim, que a questão de ter
ou não momentos para que os conflitos sejam colocados em diálogo depende muito dos sujeitos
envolvidos, pois não há uma unanimidade sobre tal perspectiva.

4.4 DIMENSÃO 3: AS RELAÇÕES SOCIAIS E A VIOLÊNCIA ESCOLAR

Esta dimensão pretende mapear se há cenas de violência no espaço escolar pela


percepção dos sujeitos e entender se esta ocorre devido aos silenciamentos de conflitos. O
indicador é avaliado pela existência ou não de momentos violentos e como tais situações se
resolvem. O objetivo principal não é mapeá-los ou descrevê-los em forma de narrativas, mas
entender quando os conflitos não encontram uma solução que promova novas formas de
sociabilidade e acabam sendo classificados pelos sujeitos como uma ação violenta. Fez-se uma
escuta atenta, não tanto para o fato em si, mas para captar o que está posto para além da cena,
como aquelas situações subjetivam os sujeitos envolvidos.

A primeira pergunta desta dimensão, para todos os participantes – famílias, alunos e


professores – era se já haviam visto cenas de violência na escola e, em caso positivo, quando
estas ocorriam. Foram relatados momentos tensos por todos os segmentos e envolvendo os mais
variados sujeitos. Em relação às famílias, as mães contam que precisaram agir ‘em causa
própria’ – algumas motivadas a assegurar a honra pela família e outras alegando que a escola
112

nada faz –, enquanto os professores dizem estar muito preocupados com a crescente violência
por parte dos alunos e pais e sentirem-se impotentes diante do fato.

Também, aqueles colegas dela só batem nela. Eu já dei uns cascudos neles
também. Contando que bateu nos colegas da irmã mais nova. (Aluna, 12 anos,
grupo focal, explicação nossa em itálico)

Eu cuido do meu sobrinho. A mãe dele que pede. Os guris da turma dele sabem
que se se meterem com ele, vão levar. (Aluno, 13 anos, grupo focal)

Há um número significativo de relatos de mães que vieram resolver os conflitos dos


filhos.

(...) a guria falou pra mãe dela que a outra queria bater nela e aí a mãe foi lá
e bateu na guria que queria bater aqui na escola. A mãe entrou aqui na escola,
bateu na menina e foi embora? Sim. E o que aconteceu com essa mãe? Não
sei. Mas as duas tão frequentando a escola (mãe e filha). Tão vindo na escola
normal. Mas a menina que a mãe bateu eu nunca mais vi. Vocês acham que
ela deixou de frequentar escola? Acho que sim. (Aluna, 12 anos, entrevista
– grifos representam as perguntas da entrevistadora)

Já vi as gurias se batendo e mãe vindo bater na criança que bateu no filho.


(Aluno, 14 anos, entrevista)

Um dia a gente tava ouvindo música e um guri menor veio incomodar e depois
disse que a gente tava fazendo bullying com ele. Aí a mãe dele veio tirar
satisfação com a gente. A mãe veio falar com vocês ou com a escola? Com a
gente. (Aluna, 12 anos, grupo focal – grifos representam as perguntas da
entrevistadora)

Todas essas cenas de violência envolvem ações agressivas por parte de alunos e pais em
relação aos outros membros da comunidade escolar na tentativa de protegerem as pessoas das
suas famílias. Esse fenômeno parece-nos que está colocado sob a égide da defesa da honra, da
consanguinidade, em que os mais velhos (o que pode significar apenas dois ou três anos a mais)
precisam proteger os seus parentes mais jovens. A violência torna-se rotineira, uma forma de
comunicação nas relações estabelecidas entre as diferentes famílias dentro da escola, e há a
naturalização de agressões contra e entre menores de idade. Isso manifesta o quanto as crianças
e adolescentes estão física e emocionalmente expostas a situações de vulnerabilidade. As
famílias apostam nessa forma para resolver as questões entre seus filhosao negarem a escola
e seus profissionais como uma possível intermediadora dos conflitos. As agressões são
percebidas como uma forma eficaz de conseguir o controle sobre as crianças, e
11

os maus tratos não são reconhecidos como problemas. Considera-se a violência uma prática
aceitável e corriqueira.

Uma professora relata:

E eu sei que entre os pequenos a mãe de um veio xingar, bater no outro


pequeno. Isso acontece muito na fila, pai brigando com as crianças que nem
são seus filhos. (Professora, 41 anos, grupo focal)

Explica Fonseca (2004) que a noção de família nas comunidades mais carentes está
fundamentada em torno do eixo moral, abrangendo toda a extensão correspondente a traços
consanguíneos, incluindo tios, sobrinhos, primos de segundo ou terceiro grau, pois são aqueles
em quem se pode confiar e que, consequentemente, precisam ser protegidos. O conceito de
moralidade abrange garantir o bem-estar e a boa reputação daquelas pessoas. ‘Tirar satisfação’
do coleguinha do sobrinho, ficar de olho nos ‘seus’, são atribuições dessa tarefa do bem-educar,
pois garantem a moralidade daquela pessoa, já que ela não está só, tem uma família que a
protege e cuida. Nesse cuidar entra a necessidade do uso de atos violentos, pois não há outra
linguagem em vigor.

Assim, a escola se configura como ineficiente para a família na resolução dos conflitos,
fazendo-se necessário o uso de outros mecanismos para proteção de seus entes, afinal, as
crianças tão tudo soltas na pracinha (Mãe, 54 anos, grupo focal), conforme o seguinte relato
de uma mãe.

Eu tô sempre na escola, de olho nos meus. Venho pra cá meio-dia, saio daqui
só depois que entram na aula. Final da tarde é mesma coisa. Não deixo solto
ninguém. Já disse pro diretor que eu cuido o recreio se eles quiserem. Já vi
professora no celular e as crianças tudo soltas na pracinha. (Mãe, 54 anos,
grupo focal)

Percebemos que as famílias se fazem presentes na escola em função da violência e dos


conflitos, a fim de garantirem o bem-estar dos seus parentes. A violência seria a justificativa
para que a família venha à escola, indo, assim, de encontro à ideia de certo descaso por parte
dos pais em relação aos seus filhos. A preocupação da família recai sobre a segurança da
criança, para que esta não sofra nenhuma violência.

Além disso, prevalece nesse discurso a falta de vigilância direta e constante por parte da
escola, principalmente em relação ao controle dos comportamentos. Segundo Thin (2006), nas
classes populares, a autoridade dos pais organiza-se sob poucas regras que dirigem a vida
114

criança – na rua ou em casa –, mas a transgressão desses limites não pode ser permitida, o que
dá ‘direito’ aos pais de utilizarem diferentes formas de repreensão, inclusive de fazerem uso de
forças físicas ou verbais; esta ação, por parte de vizinhos e amigos, é até mesmo estimulada.

Minha neta reclamava muito de uma coleguinha, aí cheguei na menina e


perguntei: – Qual é a tua? Vou chamar tua mãe. (Mãe, 54 anos, grupo focal)

Thin (2006) registra que a autoridade se manifesta na forma de tomada de atitudes


pontuais entre as famílias de classe popular, ou seja, sanções aplicadas diretamente ao fato que
deve ser repreendido, com o objetivo de interromper o ato, e não de fazer uma reflexão moral
aprofundada.

Já escondi bilhete da minha mãe. Ela ía me matar. Uma vez ela me bateu de
colher de pau. Nunca mais tirei nota baixa. (Aluna, 13 anos, grupo focal)

Professores afirmam que as famílias tratam as meninas diferentes dos meninos,


alegando que, em relação às gurias, as famílias conversam mais e usam menos violência física.

Eu acho que tem um recorte de gênero aí, eu acho que os meninos apanham
mais que as meninas. Eles teoricamente aprontam mais e aí as famílias são
mais duras. Tenho a impressão que com as meninas as famílias conversam
mais. São mais tolerantes, sabe. (Professora, 30 anos, entrevista)

Essa forma de socialização entra em choque com o que a escola propaga, um aumento
da autonomia, entendida como a capacidade de as crianças controlarem a si mesmas, de acordo
com as regras da vida escolar. A autonomia (que também é uma forma de controle) é esperada
pelos professores que gostariam que seus alunos fossem mais independentes (essa
independência entendida aqui a partir do seu ponto de vista). Assim, as atitudes de repreensão
dos atos, sem uma reflexão moral, fazem com que os professores acreditem que as famílias
possuam práticas não adequadas de controle sobre seus filhos. (THIN, 2006).

Eu acho que também tem a ver com o contexto, o tipo de relação que eles têm
com os outros, eles resolvem assim. Sabemos de muitos alunos que são
agredidos e aí agridem. A gente sabe de casos que apanha muito em casa, aí
às vezes a gente nem leva pra família porque sabe que o guri vai apanhar mais
ainda. (Professora, 41 anos, grupo focal)

As diferentes formas de perceber a socialização das crianças fazem com que os pais
sejam vistos como muito permissivos ou muito autoritários. Outra consequência é que os
11

professores temem que os pais tomem atitudes consideradas por eles como violentas. Thin
(2006) explica que isso desqualifica duplamente os pais: primeiro, porque causa nestes o
sentimento de não controle sobre seus filhos e, segundo, porque a forma como lidam com os
comportamentos ‘desviantes’ seria muito prejudicial à autonomia das crianças pelo ponto de
vista da escola. Além disso, esse fato torna-se um desafio para os professores, que possuem
outra forma de estabelecer autoridade sobre a criança e, então, nem sempre conseguem atingi-
la sem se utilizarem desses mecanismos considerados mais violentos.

O que vem me assustando é que eles estão resolvendo por si. Eles estão
entrando na escola e estão tirando satisfação da outra criança. Isso vem me
assustando muito, alguma coisa a gente tem que fazer, ou bloquear os pais até
um limite, que eles não possam entrar no portão. Pra mim o pai não podia mais
nem entrar no portão, larga aqui que depois é nosso. Então, 11h45, nessa
entrada e saída eles vão onde tem que ir, lá no refeitório, por exemplo, e botam
o dedo na cara do adolescente, da outra criança, agridem, ameaçam. Então eles
tão meio que se resolvendo. Querendo resolver desta forma. Alguns pais até
trazem pra gente, aqueles que são mais ponderados trazem pra gente pra gente
conversar, pra gente tentar resolver. Mas tem também os que atropelam o
processo ou eles vão direto aos pais da criança. Ao invés deles relatarem,
pedirem ajuda, eles vão direto. E hoje em dia eles fazem os grupos do
Whatsapp e já chegou aqui discussões por causa desses grupos de Whatsapp.
Inclusive um dia eu expliquei que eu não tinha o que fazer porqueera fora da
escola. Aí é como um tratou o filho da outra, ameaça que fez. (Professora, 41
anos, grupo focal)

As redes sociais complexificaram essas relações. Há inúmeros relatos de situações que


se iniciaram no mundo virtual e acabaram chegando até as paredes escolares. As redes sociais
virtuais se mostram como uma extensão das trocas pessoais, sendo usadas não só para marcar
encontros e festas, mas também para brigas e acertos de contas. Os pais trocam cada vez mais
informações pelo aplicativo Whatsapp, o que pode ser positivo, ampliando o diálogo, mas
também pode aumentar o volume de pontos conflitivos que acabam chegando à escola.

Na era digital as brigas são marcadas por Facebook. Marcadas fora da escola
e mesmo assim aconteciam, vinham estourar aqui e a gente tem que separar.
Tudo acaba na escola né. Mesmo as coisas não acontecendo na escola.
(Professora, 41 anos, grupo focal)

Essas formas de sociabilidade existem a partir da relação que ali está posta. Os alunos
e pais não estão completamente livres da influência das lógicas escolares, e os professores, por
sua vez, também não estão imunes. Prova disso é a valorização da escola pelas famílias ao
acreditarem que, ao mandarem seus filhos para lá, esta pode lhe trazer ‘futuro’, reconhecendo-
a como “(...) uma instituição que se tornou central tanto no processo de socialização quanto
116

no de reprodução social.” (THIN, 2006, p. 222). Assim, pais expressam um sentimento difuso
relativamente à escola. Por um lado, afirmam crer na sua eficiência, por outro, manifestam
receios de que talvez a escola não seja feita para eles ou para seus filhos, por não se
‘encaixarem’.

Antes dava bastante briga na hora do recreio, mas agora não, agora tá mais
calmo. Antes tu diz quando? Mais pro início do ano. E porque tu acha que
acalmou? Porque ninguém mais brigou e teve uns que saíram do colégio. Os
que brigavam saíram do colégio. Então os que puxavam as brigas acabaram
saindo? (afirmativo com a cabeça) E vocês sabem por que eles saíram? Uma
foi por causa que ela brigava com todo mundo. E ela que saiu ou a escola
tirou? A escola tirou ela. E a outra? A mãe tirou. (Aluna, 14 anos, grupo focal,
perguntas da entrevistadora em itálico)

Thin (2006) relata que a ambivalência também aparece quando os pais solicitam aos
professores que sejam mais rígidos e, ao mesmo tempo, reclamam de atitudes que os docentes
tenham tomado: de um lado, esperam que a ordem escolar corresponda a um modo autoritário,
de outro, procuram proteger seus entes de ‘injustiças’ que a escola possa cometer. A
ambivalência também está na relação com os professores. Os pais confiam nos professores, pois
estes têm competências pedagógicas e saberes exclusivos, e desconfiam, porque acreditam que
por vezes os professores são muito permissivos – quando dão jogos, por exemplo, o que não é
considerado como aula efetiva.

Eu sei que tem dias que eles mal têm aula. Aí a professora deixa eles jogando.
(Mãe, 26 anos, entrevista)

Essas divergências pedagógicas e de relações sociais penetram também os discursos dos


professores, que, por vezes, mostram-se impotentes diante da forma como as crianças
socializam e defendem que acabam ‘naturalizando’ certas atitudes, já que desistem de ‘lutar
contra’.

Os professores, inclusive, devido ao nível de violência que as crianças trazem,


naturalizam e aceitam, permitindo mais a violência que normalmentea gente
não aceitaria, mas num entorno que é tão violento que pras crianças é tão
natural, que até para as professoras acaba se naturalizando. (Professora, 30
anos, entrevista)

Tal naturalização está ligada ao modo de estabelecer as relações sociais, chamado de


arreganho pelos alunos. Quando perguntados sobre o que significava essa palavra, suas
explicações mencionaram a provocação de um com o outro, socos ou chutes leves, que não
11

eram de ‘verdade’ e sim ‘brincadeiras’. Eventualmente, esses arreganhos se tornam sérios e


acabam desencadeando fatos que são considerados violentos pelos alunos. Em geral, mesmo
deixando marcas pelo corpo, essas ‘brincadeiras’ não são consideradas como um ato agressivo.

Os guris é mais arreganho do que briga mesmo. Os guris fazem arreganho


com vocês, isso? Que tipo de arreganho? Eles incomodam. Tá, mas
incomodando como? Me contem uma cena, uma coisa que aconteceu. Tá, eu
tenho um colega, o Fulano*. Ele pega a minha caneta, aí ele fica correndo com
a minha caneta, aí eu tipo, devolve minha caneta. Mexe no meu estojo,
mochila, mas é arreganho, porque depois ele devolve. (Aluna, 14 anos, grupo
focal – *nome do aluno foi ocultado. Grifos são perguntas da entrevistadora)

Nunca ninguém te bateu? Só de arreganho. (Aluno, 13 anos, grupo focal)

Eu não gosto quando os guris começam com arreganhos. Sempre fico com
roxo nas pernas. (Aluna, 12 anos, entrevista)

Esses arreganhos causam estranhamento e desconforto nos professores, que vivem sob
outros códigos sociais.

Percebo na nossa escola uma cultura de violência muito grande entre os


alunos. É o tempo todo o corpo falando, se chutando, batendo, empurrando. E
as famílias também têm a corporeidade da violência. Eu percebo que é o jeito
que as pessoas se relacionam aqui. É a linguagem que é usada. (Professora, 30
anos, entrevista)

Fachinetto (2018) elucida que uma forma de violência presente na escola são essas
sociabilidades marcadas pela violência que ocorrem entre os jovens. Suas características
principais encontram-se pautadas em uma socialização marcada por ‘códigos violentos’. (2018,
p. 73). A violência, nesses casos, não é vista como um problema, mas uma forma de
comunicação, ainda que gere prejuízos físicos e simbólicos para os envolvidos. Nesse contexto,
o autor ou quem sofreu o dano não veem aquele movimento como violência, mas sim como
uma forma de relação, de criar vínculos com o outro. (TAVARES DOS SANTOS, 1997).

Viscardi (2016) complementa ao afirmar que um dos fatores que complexificam as


relações sociais é a figura de jovens representados como violentos, responsáveis pelo conflito
escolar. E a escola, ao optar por sanções individuais, acaba reforçando ainda mais essa visão.
A autora defende que, para superar essas dificuldades, é necessário compreender quais são as
dinâmicas sociais que fazem parte da cultura local e propor saídas coletivas através da
118

construção de espaços onde se possa discutir cidadania. Tavares dos Santos (1997) defende que
se problematize como se constroem essas linguagens para que possamos entender quando a
violência se torna uma forma de relação social.

Além disso, houve relatos de professores sobre sua própria atuação em sala de aula,
admitindo que já viram ou exerceram situações coercitivas ou de violência.

(...) já presenciei dois momentos de violência física dentro da escola. De


esgotamento mesmo do professor. Uma de pegar pelo braço, enfim. E a
violência simbólica, que é o grito, que tira os alunos da sala, às vezes sem
motivo porque não consegue mais lidar com aquele aluno. Às vezes sem um
motivo explícito. (Professora, 30 anos, entrevista)

Surtar, tenho muito, muito surto. Minhas caras de louca meus alunos
reconhecem de longe. Quando eu fico braba, eu fico mesmo. (Professora, 35
anos, grupo focal)

O fenômeno da violência do professor contra o aluno é um dos assuntos mais difíceis


de se abordar, porque, além de todos os tabus que a própria violência já carrega, há a sensação
de que um professor, ao realizar algum ato violento, estaria legitimado por ser autoridade
naquele momento. Muito já se falou sobre a diferença entre autoridade e autoritarismo e, apesar
de ser aparentemente menor a quantidade de relatos de violência de professores contra alunos,
ela ainda acontece. Conforme Guimarães (2005, p. 77),

A instituição escolar não pode ser vista apenas como reprodutora das
experiências de opressão, de violência, de conflitos, advindas do plano
macroestrutural. É importante argumentar que, apesar dos mecanismos de
reprodução social e cultural, as escolas também produzem sua própria
violência e sua própria indisciplina.

No relato de uma professora:

Me parece que a violência do aluno para o professor é mais permissivo do que


do professor pro aluno porque o professor tem menos proteções com relação a
isso. Tem a questão da ética, da carreira, ele pensa mil vezes antes de recorrer
a isso né. O aluno não, ele não vai perder nada com isso. Já teve professores
que receberam uma garrafada d'agua, um empurrão, um encontrão. Aqui na
escola, esse ano. A violência por parte do aluno tem mais possibilidade de
ocorrer porque é isso, o aluno não tem nada a perder né. E o professor já pensa
nas N coisas que podem acontecer com ele. (Professora, 30 anos, entrevista)

Segundo a entrevistada, o uso da violência física ou simbólica por parte do professor


seria o seu último recurso, momento em que abandonaria a civilidade e se esqueceria do seu
papel de educador, diferentemente, portanto, da violência do aluno contra o professor, que não
11

tem ‘nada a perder’. A violência que o professor comete seria mais grave, pois este é adulto e
responsável pela situação.

Outro momento em que o uso da violência torna-se presente nos relatos é para justificar
o uso da força física ou verbal no sentido de garantir a ordem, o respeito pelas hierarquias.

Bati nos meu colega porque ele não parava de encher o saco da professora. A
professora me mandou pro SOE e eu não entendi nada. (Aluno, 14 anos,
entrevista)

Aqui os personagens aparecem invertidos: o aluno toma uma atitude violenta para
assegurar a ordem em sala de aula e se queixa de que não sabe por que a professora o
encaminhou para o Serviço de Orientação. Talvez, se a mesma situação tivesse acontecido com
outros sujeitos e de outra forma (professor no lugar do aluno/gritar ao invés de bater), as
percepções seriam diferentes.

Temos a construção da noção de hierarquias de violência e de relações sociais, em que


certas atitudes tomadas por determinadas pessoas podem ser consideradas ‘normais’, enquanto,
por outras, escandalizam. É como se houvesse acordos tácitos, nos quais há ações aceitáveis e
ações condenáveis, mas que não estão escritas em lugar nenhum. Percebemos na fala de muitos
alunos uma defesa de que não se deve fazer nenhuma ação violenta contra o professor, e este,
por sua vez, também não pode agredi-lo fisicamente ou humilhá-lo. A maior parte dos relatos
dos alunos são de que jamais viram violência sendo produzida por parte dos professores, que
estes seriam ‘intocáveis’ ou ‘perfeitos’.

Nunca ameacei professor, tenho noção né. (Aluno, 14 anos, grupo focal)

Tipo, as crianças se batem, mas os professores não. Nunca nenhum professor


bateu em mim ou apontou o dedo na minha cara. (Aluna, 12 anos, grupo focal)

E você acha os professores violentos? Não. Nunca aconteceu nenhuma cena


de violência envolvendo professores? Não, nunca. (Aluna, 13 anos, grupo
focal, – grifos são perguntas feitas pela entrevistadora)

No entanto, os professores afirmaram que já viram violências exercidas por outros


colegas de profissão e muitos relataram eventuais ‘surtadas’, momentos em que necessitaram
sair de sala de aula para se acalmar. Isso demonstra que os alunos e as famílias aceitam certos
tipos de violência por parte dos professores ao não as reconhecer como tal.
120

Agora eu já aprendi que quando eu vou perder a cabeça acabo saindo da sala
chamando alguém da coordenação. É muito ruim os alunos te verem surtado.
Não é bom. (Professor, 40 anos, grupo focal)

Mas já presenciei dois momentos de violência física dentro da escola. De


esgotamento mesmo do professor. Uma de pegar pelo braço, enfim. E a
violência simbólica, que é o grito, que tira os alunos da sala, às vezes sem
motivo porque não consegue mais lidar com aquele aluno. Às vezes sem um
motivo explícito. (Professora, 30 anos, entrevista)

Segundo Fachinetto, Seffner e Santos (2018), uma característica do professor


contemporâneo é atuar como um ponto de referência, alguém que mostre como o mundo dos
adultos se organiza, de quem se espera um grau de civilidade que permita a discussão dos mais
variados assuntos, tendo como base o respeito pela diversidade de opiniões, a ética e a
aprendizagem da negociação das diferenças. Quando um professor relata chegar ao seu limite,
‘surtar’, ‘perder a cabeça’, significa que esse acordo de civilidade tácito se rompeu e cedeu lugar
à ‘barbárie’, situação em que escorre pelas mãos a possibilidade de se educar pelo caminho do
diálogo.

Uma professora explica a importância de um docente se autoconhecer, de saber quando


chegou ao limite, quando precisa de ajuda e não consegue mais se colocar perante a situação de
forma civilizada.

A hora de encaminhar adiante é quando tu percebe que tu vai sair do teu limite.
Eu acho que é ali. Isso tem a ver com autoconhecimento, cada um deve saber
seus limites. Não tem uma receita de bolo, tipo, ah, quando chegar aqui, passa.
Não, tem que se conhecer. É um autoconhecimento. Tô chegando no limite,
vou estourar, vou surtar. Aí acho que é ali um momento bom pra chamar um
auxílio. (Professora, 35 anos, grupo focal)

Para entender melhor o fenômeno do surto, é necessário que olhemos para a profissão
professor por meio de uma visão global. Tardif e Lessard (2009) relatam que o trabalho da
docência continua sendo negligenciado, sem ter pesquisas que se debrucem sobre os fenômenos
de tempo de trabalho, condições, número de alunos, recursos disponíveis, dificuldades
presentes, relações com os colegas de trabalho, controle administrativo, burocracias, ou seja, a
especialização e a divisão próprias desse trabalho. Ainda faltam estudos sobre os impactos da
vida profissional do professor na resolução de conflitos; contudo, sabemos que o gerenciamento
de pessoas exige ferramentas de conhecimento sobre mediação de conflitos, que passa pela
necessidade de formação profissional e investimentos públicos na carreira de uma forma geral.
12

A Rede Municipal de Porto Alegre passou por mudanças drásticas na sua forma de
organização desde 2017, com a entrada do PSDB no governo municipal. Foram alterações na
rotina escolar, com a diminuição das horas-aula ofertadas aos alunos, política de fechamento de
turmas integralizadas (que passavam 7 horas na escola), políticas de responsabilização
individual do professor e modificações no plano de carreira, congelamento de salários,
ampliação das parcerias público-privadas, retirada de guardas municipais da porta das escolas,
diminuição do número de contratos de serviços em geral e alterações na forma da secretaria
da educação se relacionar com as escolas por meio da burocratização dos processos. (AGUIAR,
2019). Todas essas transformações impactaram a qualidade do trabalho dos professores, que se
sentiram mais responsabilizados pelas situações conflitivas, já que os espaços de
compartilhamento de informações foram retirados, e estes, então, não possuem mais reuniões
pedagógicas semanais nem conselhos de classe em que possam dividir situações, angústias e
pensar em soluções coletivas.

Hoje a política educacional em vigor é gerencialista; isso significa que, entre diversos
aspectos, ela diminui as possibilidades de sociabilidade entre os pares e a realização de
planejamentos coletivos, aumentando a sensação de isolamento. Todo esse cenário faz crescer
a culpabilização, que provoca esgotamento emocional e limita o controle sobre os próprios
sentimentos. (AGUIAR, 2019).

Ainda sobre hierarquia, houve relatos de que professores têm pequenas vantagens em
relação aos alunos no dia a dia da escola, criando uma hierarquia invisível entre eles. Esses fatos
são contados pelos próprios professores; nas falas dos alunos, não há nada nesse sentido.

Ah, os professores podem tudo. E os alunos veem isso né. Aí fica uma situação
ruim. Tipo, já vi professor ganhando certas coisas no refeitório e pros alunos
não tinha. Bah, complicado. (Professora, 30 anos, entrevista)

O nosso banheiro é limpo, tem espelho, papel. Já o das alunas foi recém-
reformado e já tá horrível. Às vezes passa o dia e ninguém limpa. (Professora,
40 anos, grupo focal)

As sensações de violência abrem espaço para debates sobre as estratégias mais eficazes
para superar as dificuldades que as escolas vêm enfrentando. Uma das opções que surge nos
diálogos é a presença das Guardas Municipais – que inclusive foram retiradas pelo
122

governo municipal atual, que optou por deslocar os agentes para outros locais21. Para entender
a opinião dos atores sociais sobre o tópico, foi perguntado se já viram guardas municipais ou
outros tipos de policiamento e o que achavam desse fato. As respostas se dividiram entre os que
achavam muito bom, pois trazia sensação de segurança, e outros que faziam ponderações sobre
sua atuação no ambiente escolar. Abramovay e Rua (2002) encontraram dados semelhantes, em
que a ação dos agentes policiais é elogiada, mas também criticada no seu modo de agir, além
do reconhecimento de que a atuação policial tem limites no controle e prevenção da violência
na escola.

Observamos que os professores defendem a ação policial quando relatam episódios da


ordem de conflitos e criminalidades externas à escola, ou quando as violências que acontecem
dentro dos muros escolares estão ligadas às criminalidades mais ‘duras’, sendo justificada a
ação policial. A respeito da violência do cotidiano escolar, apontada como a mais frequente e
a que mais incomoda, tecem-se críticas quando há um envolvimento externo.

Ainda dentro dessa discussão, é necessário entender qual é a função da guarda municipal
e da polícia com base na legislação. Segundo a Constituição Federal (BRASIL, 1988), cabe à
Polícia Militar fazer o policiamento ostensivo, ou seja, inibir a ação de criminosos e preservar
a ordem pública nas ruas e nos locais públicos, atuando quando houver necessidade. Já a da
Guarda Municipal é atuar na esfera do patrimônio municipal, protegendo escolas, postos de
saúde, praças etc.

A maior parte dos alunos relata perceber a Guarda Municipal ou a Brigada Militar
eventualmente circulando pelo ambiente escolar e, então, sentir mais segurança quando os veem
pela escola. Eles defendem essa presença, o que configura, nesta investigação, que o policial é
visto como uma solução para os conflitos em geral da escola, pois impõe sensação de respeito.

Eles vieram conversar com o diretor. E também eles tavam parado, que nem
eles ficam. Eu acho legal, me sinto mais segura quando vejo eles. (Aluna, 12
anos, entrevista)

21
Desde o início de 2017, os guardas municipais foram reorganizados pela prefeitura, trabalhando em ‘postos
fixos’ e se deslocando caso a escola chame. Há muitas reportagens na mídia local sobre tal fato, como por
exemplo esta: https://gauchazh.clicrbs.com.br/porto-alegre/noticia/2018/06/escolas-municipais-da-capital-
ficam-sem-servico-fixo-da-guarda-municipal-cjiz73evg0hed01pazc6jn7a7.html.
12

Sim, já vi a guarda e a brigada dentro da escola. A guarda era muito presente


antes deste governo. Eu sempre achei muito importante a guarda. Eles têm um
papel muito legal. (Professor, 40 anos, grupo focal)

Antes a guarda vinha sempre, agora só vem quando são acionadas porque
aconteceu alguma coisa. Foi tirada as guardas das escolas e sinto muita falta
da guarda dentro da escola. (Professora, 43 anos, entrevista)

Alguns professores também acenam positivamente para a presença do policiamento na


escola e nas cercanias. Para eles, a polícia é fundamental para manter a normalidade, para que
a escola funcione bem. Segundo Abramovay (2005), essa percepção pode estar relacionada a
transformações das relações entre escola e comunidade, em que a escola não é mais vista como
um território protegido, podendo ser alvo de diversos ataques.

A Brigada inclusive veio se apresentar semana passada dizendo que vai fazer
umas rondas periódicas, todas as sextas-feiras. E a Guarda Municipal quando
a gente chama, eles vêm. Quando a gente avisa... tal dia a gente precisa de
reforço, de vocês porque pode ser que aconteça tal coisa, eles vêm. Tipo, na
festa junina que é aberta, circula muita gente, aí tem sempre os guardas aqui,
até pra cuidar do patrimônio né. Eu acho muito importante eles estarem aqui,
quando eles vêm a gente tenta receber super bem, tipo, criar o vínculo. Esses
dias até comentamos de oferecer o almoço no refeitório, para eles virem
almoçar aqui, algo nesse sentido. Acho que são relações que tem que estreitar.
(Professora, 40 anos, grupo focal)

De acordo com os adultos, a polícia também é convocada nas situações em que se


considera que o caso ultrapassa o âmbito pedagógico, porque envolve famílias ou porque a
escola não sabe como solucionar, mesmo que o fato ocorra em suas dependências.

Eu já tive que ir na orientação porque duas mães se pegaram, por causa das
filhas que brigavam fora da escola e elas vieram resolver dentro da escola e se
pegaram fisicamente. Tivemos que no fim chamar a Brigada. (Professora, 51
anos, grupo focal)

Quando ultrapassa os limites, quando tem arma envolvida, aí é necessário


chamar a Brigada. (Professor, 40 anos, grupo focal)

A polícia vem em função de casos mais graves, como drogas e questões de


agressividade, de alunos que vieram alterados ou armados. Mães que
ameaçaram direção. (Professora, 51 anos, grupo focal)

Devine (1996 apud ABRAMOVAY, 2005) ilustra que discussões dessa esfera já foram
feitas sobre o ingresso da polícia nas escolas de Nova York. Nessa cidade, a polícia passou a
fazer parte da rotina escolar em um contexto de mudança do modelo de relacionamento entre
escola e comunidade, quando a cultura de rua entrou em conflito com a
124

cultura escolar, gerando novas situações com que os atores sociais não estavam acostumados
a lidar. Tais situações não se enquadravam nos mecanismos institucionais convencionais das
escolas ao extrapolarem os âmbitos das suas regras de convivência.

Uma das soluções encontradas foi a entrada do policiamento nas escolas. Isso fez com
que o modelo antigo, em que os professores eram responsáveis pela mente (aprendizagem
intelectual) e pelos corpos (disciplina), passasse a ser dividido com os profissionais da
segurança, ocasionando uma mudança de padrão – a disciplina, então, passou a ser
responsabilidade dos policiais. Os impactos dessa nova configuração fizeram com que alunos
perdessem as referências de quem é a figura de autoridade na escola e os professores
fracassassem nos seus papéis de educadores na totalidade.

São fatores como esse que levam a uma ambiguidade no que diz respeito à presença de
policiais dentro da escola. Constata-se que o policial e o guarda podem ter o objetivo de
intimidar, amedrontar, mais do que propriamente evitar ou solucionar problemas.

Eles têm o lado bom e o lado ruim. Se tu souber lidar com isso, tu tem um
apoio muito grande, porque a nossa comunidade é muito agressiva, então eles
acabam inibindo pessoas estranhas aqui, pessoas de outros lugares que querem
circular aqui, inibindo assaltos que acontecem aqui próximo, inibindo drogas
dentro da escola, porque o traficante pequeno já fica receoso e é difícil de tu
controlar. (Professora, 41 anos, grupo focal)

Esse borramento de fronteiras faz com que o papel que a polícia desempenha na escola
fique confuso, nem sempre harmonioso, pelo contrário, pode ser permeado de conflitos, pois
gera uma ambiguidade a respeito de quem possui o poder e o controle. Além disso, a
administração escolar fica mais complexa, já que as formas de resolução de conflitos são
diferentes. Enquanto policiais e guardas seguem um tipo de protocolo, professores seguem
outro.

Eu presenciei uns momentos difíceis também da guarda. Tem as coisas boas


assim como tem as ruins. A guarda tem aquela coisa social de inibição e de
vez em quando vi alunos sendo tratados não como alunos, mas como
infratores. Apesar de ter que ter um jogo de cintura por ser ambiente escolar,
acabamos fechando os olhos para alguns abusos para podermos continuar a ter
a guarda. Mas eu acho que se tá dentro da escola, tem que ser tratado como
estudante. Como um aluno que tá ali pra buscar o conhecimento, buscar o
algo a mais. E muitas vezes alguns alunos, independente do que tem feito aí
fora, aqui dentro é escola, aí eu acho que foi desrespeitado alguns direitos por
uso da força. Mas por boa política com a guarda a gente fechou os olhos.
(Professor, 40 anos, grupo focal)
12

Enquanto professores defendem que os alunos, no ambiente escolar, devem ser tratados
como aprendizes, independente do que tenham feito, os policiais cumprem o protocolo próprio
da polícia. Essa situação se complexifica ainda mais quando levamos em consideração que a
escola deixou de ser elitista e passou a ser uma escola aberta a todos os sujeitos, que traz a mais
diversificada forma de ser e estar no mundo.

Assim, quando policiais e guardas municipais decidem tomar atitudes na esfera


pedagógica, podem agir de forma equivocada.

Eu já vi a guarda aqui na escola e inclusive eu vi o guarda municipal fazendo


um aluno copiar a bíblia. Ele tava aqui dentro da escola e resolveu ajudar,
digamos assim, obrigando o guri a copiar a bíblia. (Professora, 30 anos,
entrevista)

A presença da Guarda Municipal e da Brigada Militar acarreta o rompimento de um


modelo de relacionamento entre professores e alunos, trazendo uma nova forma de controle do
comportamento e disciplina. Além de se terceirizar a responsabilidade pelo cumprimento das
regras para os guardas municipais, também se permite a estes escolherem as sanções, como no
caso da cópia da bíblia, entrando em uma esfera pedagógica.

Além disso, a presença de policiais na escola pode causar impactos psicológicos,


principalmente em crianças pequenas, como no caso relatado a seguir pela professora, que conta
sobre os medos de uma criança de cinco anos quando viu um policial na escola, após uma prisão
violenta que aconteceu contra o pai.

Eu já vi a Brigada aqui, inclusive semana passada. E eu tenho um aluno da


manhã que ficou muito apavorado. Ele veio pro meu lado e perguntou: – Sora,
por que a polícia tá aí? Aí ele ficou no meu colo até a polícia sair. Depois
descobri que o pai foi preso, que o menino viu tudo e que foi bem violento e
o menino tem só 5 anos né. Não sei o que eles vieram fazer. Acho que uma
ronda normal. (Professora, 35 anos, grupo focal)

Assim, essa relação entre os profissionais da segurança e o corpo escolar não é uma
simples intervenção, como faz crer o senso comum. Ela adiciona nuances e contornos na
percepção dos atores sobre o que significa sua presença, atuação ou omissão. A escola é um
espaço diferente dos demais espaços públicos, pois ali há ações intencionais de educação, de
formação integral do ser humano. No entanto, a escola não está imune às ações violentas, e os
profissionais que ali trabalham não têm preparo para lidar com certas situações, fazendo-se
necessária a presença da guarda municipal nesse ambiente para exercer algumas funções,
126

como de vigilância e segurança. Há a necessidade de se ampliar os estudos sobre a atuação


policial no ambiente escolar e criar protocolos sobre como agir nesse ambiente em conjunto
com a comunidade escolar, que precisa também fazer parte de tal discussão e se sentir
pertencente.

A presença ou não dos policiais na escola faz emergir uma nova equação: se a escola é
ou não um ambiente seguro. Abramovay (2005) indica que, no Brasil, não temos fonte oficial
de registro de violências e delitos cometidos dentro da escola. Isso pode ser visto como um fato
positivo, demonstrando que a escola consegue resolver a maior parte dos seus conflitos de
forma interna, sem precisar encaminhar para as autoridades.

A sensação de segurança está ligada diretamente à vontade do aluno de vir à escola,


incidindo na sua frequência. Episódios variados de ameaças ou brigas fazem com que alunos
evadam, tanto quando sofrem a ameça como quando se envolvem em episódios de briga.

E vocês sabem por que eles saíram? Uma foi por causa que elas brigavam com
todo mundo. (Aluna, 14 anos, entrevista – grifo representa pergunta da
entrevistadora)

Depois que a mãe da guria entrou aqui, ameaçou ela, eu nunca mais vi ela na
escola. (Aluna, 13 anos, entrevista)

Entretanto, ainda assim os alunos consideram a escola um lugar seguro, um lugar no


qual se sentem bem, enfatizando a importância dos espaços de convivência do colégio.

Aqui a gente pode jogar nossa bolinha em paz, encontrar os amigos. É


diferente de tá na rua, aqui me sinto seguro. (Aluno, 13 anos, grupo focal)

Uma professora ilustra a importância da escola na periferia, sustentando que ela é um


ambiente preservado, que proporciona um espaço de convivência importante. As famílias
inclusive defendem que a escola é o melhor lugar para o jovem estar.

Eu acho que pra comunidade a escola é um lugar seguro, que aqui ainda se
tem muito respeito pelos professores. E a escola é o que há de mais preservado
dentro da periferia. (Professora, 43 anos, entrevista)

Os pais veem a escola como lugar seguro, alguns sim. Eu sei que ele tá rodado,
mas eu quero que ele fique na escola, aí dentro, não quero que ele fique na rua.
(Professora, 41 anos, grupo focal)
12

Há relatos de episódios de assalto e roubos na escola envolvendo os professores, que faz


com que a sensação de insegurança aumente. A escola passa a ser vista como um lugar
desprotegido, estando suscetível a episódios violentos.

Mas eu não me sinto muito segura. Já fui roubada o celular dentro de sala de
aula por uma mãe. (Professora, 30 anos, entrevista)

Não, a escola não é um lugar seguro, definitivamente. Pra vocês terem uma
ideia, há um tempo atrás estávamos na sala dos professores uns quatro ou cinco
professores, uma pessoa simplesmente passou pela portaria e entrou como se
fosse na secretaria e assaltou a gente na sala dos professores. E ainda podia
ter feito trocentas outras coisas então, de maneira nenhuma, a gente não tem o
mínimo de segurança. Se alguém quiser entrar e dizer que vai na secretaria
pode acessar qualquer espaço e fazer o que quiser. Pode ir até o banheiro,
encontrar uma criança... (Professora, 51 anos, grupo focal)

Esse sentimento de vulnerabilidade é fortalecido quando se percebe a influência de


fatores externos à rotina escolar, como a invasão de pessoas estranhas à escola. A sensação de
falta de segurança é uma espécie de ‘fantasma’ que ronda as pessoas e ameaça sua integridade
física e psicológica.

Lembro de uma vez que entrou um maluco e todo mundo saiu correndo. Então
eu acho que a gente se fecha, se fecha, mas não é tão seguro. (Professora, 30
anos, entrevista)

O portão e a entrada e saída da escola é o que se representa como mais vulnerável para
os professores. Foi recorrente em suas falas o problema do portão. A escola, enquanto
instituição, passa pelo processo da vulnerabilidade imaginária – uma sensação de insegurança
a que supostamente estaria sujeita –, mas também passa pelo processo da vulnerabilidade real,
que atinge as escolas que estão localizadas em certas áreas urbanas, que têm instalações
precárias, falta de pessoal especializado para trabalhar nos portões das escolas e falta de
mecanismos de vigilância da entrada e saída das pessoas.

Tem como tu entrar com facilidade, mesmo que o portão esteja trancado. O
acesso é para qualquer um, tu não tá livre. (Professora, 51 anos, grupo focal)

E a escola é um lugar que chama atenção, é um lugar que como não tem a
proteção devida ele acaba sendo muito vulnerável, de fácil acesso, qualquer
um entra pelo portão. (Professora, 41 anos, grupo focal)

Percebe-se, de uma forma geral, que, para a comunidade, a escola ainda é um lugar
seguro, e a sensação de insegurança prevalece quando há fatos que poderiam acontecer em
qualquer lugar – furtos, entrada de pessoas estranhas etc. Assim, o ponto vulnerável da escola
128

é o portão de entrada e saída, nos momentos em que há mais pessoas circulando pelo ambiente
escolar.

Nesta dimensão, observamos que todas as pessoas entrevistadas tiveram cenas de


violência para relatar. É um fato corriqueiro da nossa sociedade, ao qual a escola não está imune.
A diferença se faz presente nas formas de resolução dos problemas. Enquanto as famílias
buscam sanarem por si mesmas as suas questões, muitas vezes utilizando-se de mecanismos
violentos, os professores esperam pela escola ou pela Guarda Municipal/Brigada Militar para
resolver as questões mais graves.

As famílias recorrem ao uso da violência, porém, entre elas, esta é uma forma de
comunicação. O ato é visto como um cuidado com aqueles que são integrantes da sua parentela.
A escola torna-se ineficiente, pois a comunidade deseja resoluções pontuais, imediatas. Assim,
a forma de socialização proposta pela escola (mais autonomia, uso da conversa, compreensão
do problema em uma esfera macroestrutural) não é bem compreendida pelas famílias, que tem
a sensação de que a escola nada faz. O uso da violência reverte-se em uma forma de colocar um
limite, sem passar pela direção ou pela orientação educacional, visto que os docentes, muitas
vezes, são vistos como permissivos demais. As famílias preferem resolver por si só. As redes
sociais complexificam ainda mais essa questão, já que muitas divergências acontecem no
Whatsapp ou Facebook e acabam sendo solucionadas na escola.

Os alunos também fazem uso dessa linguagem violenta, a que chamam de arreganho.
São pequenas agressões que até deixam marcas no corpo; contudo, ao mesmo tempo, são vistas
como parte integrante da sua linguagem corporal, uma forma de estabelecerem relações com o
outro. Os professores, da mesma forma, não estão imunes e acabam cometendo atos violentos
ou tendo algumas benesses, como banheiros limpos ou alguma alimentação especial. A agressão
cometida pelos docentes é observada, em sua maior parte, por seus pares, já que, para os alunos,
muitas das atitudes tomadas pelos professores são vistas como normais. Poderíamos concluir
que, dentro da escola, a depender de quem tem certo comportamento, se está mais ou menos
autorizado à utilização de mecanismos violentos para resolver seus conflitos.
12

Sobre policiamento, concluímos que, de uma forma geral, é entendido como positivo e
importante, principalmente para intimidar pessoas que não fazem parte da comunidade escolar.
Entretanto, há ressalvas em relação às posturas tomadas tanto por parte da escola sobre quando
chamar a Guarda Municipal/Brigada Militar, quanto por parte da Guarda Municipal/Brigada
Militar sobre como agir nessas situações. Não há um consenso de quais seriam as ações ideais
a serem tomadas pelas polícias, principalmente em relação aos alunos, ao infringirem a lei. Há
certo consenso de que os protocolos policiais podem ser seguidos sem restrição naquelas
violências denominadas ‘na escola’ (CHARLOT, 2002), ou seja, as que poderiam acontecer em
qualquer lugar, apenas o cenário é a instituição escolar, com a ressalva de que não sejam os
alunos os envolvidos. No momento em que os alunos são as vítimas ou os infratores, a situação
é mais delicada, uma vez que não há acordo sobre se os fatos devem ser tratados pela esfera
pedagógica, ou pela esfera dos protocolos policiais.

Em relação às sensações, de um modo geral, os professores acham a escola insegura,


principalmente em relação aos horários de entrada e saída, quando os portões se mantêm
abertos. Já para a comunidade, a escola é um espaço seguro e bom para seus filhos.

Chegamos à conclusão de que há muitos momentos violentos na esfera escolar e poucos


espaços de diálogos, devido a vários motivos. Alguns seriam o ‘atalhamento’ que as famílias
fazem ao resolver seus problemas sem passar pela escola, as diferentes visões sobre as ações
pedagógicas que ocorrem na escola e, por fim, as dificuldades em lidar com as situações que
envolvem a Brigada Militar/Guarda Municipal.

4.5 DIMENSÃO 4: AS REGRAS E AS SANÇÕES DA ESCOLA

Este subcapítulo tem como foco entender como se dão as compreensões acerca das
regras da escola e das sanções aplicadas. Para tanto, foram realizadas as seguintes perguntas
aos sujeitos entrevistados: Você conhece as regras da escola? Como ficou sabendo delas? Você
concorda ou discorda delas? Há algo que deveria ser proibido ou permitido na escola? Se há
punições, você concorda ou discorda delas?

Certos alunos disseram desconhecer as regras da escola e ter a sensação de que ninguém
obedece nada.
130

Uma vez a diretora foi lá na nossa sala e disse que a escola tinha regras, que
tinha que seguir, mas não disse elas. (Aluna, 12 anos, grupo focal)

Não sei, ninguém obedece nada. Nenhuma regra da escola é obedecida, tipo
celular não era pra usar, tá todo mundo usando. As caixinhas de som eram
proibidas, tá todo mundo usando. Horário ninguém respeita. As pessoas
acordam atrasadas, então saem atrasadas e chegam atrasadas. (Aluna, 14 anos,
grupo focal)

Outros alunos relataram que o ambiente escolar tem regras, porém não estão claras:

Depende do professor. Tem uns que deixam comer na sala, outros proíbem.
(Aluna, 13 anos, grupo focal)

Para os professores, também há problemas com as regras escolares. Eles alegam que
falta clareza nos procedimentos e na construção das normas gerais da escola.

Penso que a escola em geral passa por um grande problema de indisciplina,


não só a nossa. Mas aqui faltam regras, as coisas não são bem claras. E a
coordenação de turno faz um bom trabalho, mas às vezes vejo aquela sala
cheia, com um monte de alunos e me pergunto se é a melhor solução. Acho
que os alunos precisam de mais clareza do que é proibido e do que é permitido.
Isso não tá claro pra eles e nem pra nós. (Professora, 43 anos, entrevista)

Uma exceção seriam as regras construídas na sala de aula com os alunos, para aquele
ambiente. Professores relatam que essa prática deixa de acontecer quando os alunos crescem,
dando a entender que, depois de ‘maiorzinhos’, já não precisam mais dessa intervenção, pois
‘já precisam saber’.

Na sala de aula a gente até constrói as regras e consegue de certa forma cobrar.
Eles respeitam muito mais quando participam da escrita. Eles construíram
junto, né. (Professora, 43 anos, entrevista)

Nós professoras dos pequenos construímos as regras com eles, depois eles
ficam maiorzinhos e não sei se os profes fazem essa prática. Mas aí também
eles já tem que saber, né. (Professora, 40 anos, grupo focal)

Na opinião de alguns professores, a necessidade de regras escolares está ligada


diretamente aos limites. Para eles, os alunos têm seus direitos cerceados pela sociedade e pela
escola, o que gera uma dificuldade em respeitar as regras necessárias para que haja aprendizado;
assim, os alunos estariam cada vez mais sem limites, e as famílias não seriam efetivas em fazê-
lo.

Eles precisam de limites e se dá cada vez menos limites. Os pais não


conseguem dar limites, a sociedade não consegue dar limites. A sociedade, o
13

que ela faz, ela tá privando das coisas básicas necessárias o que é muito
diferente de limites. Aí acaba se tendo os alunos com muita dificuldade de
respeitar, de desenvolver as coisas básicas que tu precisa pra desenvolver o
aprendizado. Necessitam de civilidade, regras de convivência, porque senão
não tem aprendizagem. (Professora, 56 anos, grupo focal)

A defesa das regras da escola acontece quando se acredita que ela estrutura o espaço,
quando sua função é entendida por todos que fazem parte da rotina escolar. Portanto, algumas
regras podem ser consideradas boas para alguns segmentos e ruim para outros. Existem ali
conflitos que, se elucidados, discutidos e reconstruídos, gerariam convivências mais pacíficas.
A fala da professora aponta para algo importante, a relevância de se respeitar aquilo que é de
direito dos alunos. Pode-se até aprofundar a discussão e pensar no que é de direito do professor,
dos pais e dos outros membros da escola.

Para as regras serem consideradas boas, é necessário que elas permitam uma
convivência harmoniosa. (ABRAMOVAY, 2005). E os alunos defendem que as regras são
importantes, sendo a favor das normas, que influenciam na caracterização de uma escola boa.

Lá na escola X eles eram, tipo, um professor tá falando e ninguém dava bola


pro que o professor tava falando. Aí a gente ficava gritando, rindo, quando o
professor saia a gente começava a cantar e era assim... Mas aqui já eles ficam
quietos quando eles falam (os professores) e aí é bem diferente de lá, vejo que
tem mais regras, a turma é mais calma. (Aluna, 14 anos, grupo focal – grifo
explicação da entrevistadora)

Aqui a aluna retrata que, na escola pesquisada, onde ela estuda atualmente, sente ter
mais regras e isso torna a turma mais calma, o que geraria mais aprendizagens, já que mais
alunos prestam atenção e conseguem parar para ouvir os professores. A manutenção da ordem
gera a sensação do cumprimento dos objetivos escolares para os alunos.

Para as mães, as regras estão de acordo com as necessidades da escola e foram


informadas na hora da matrícula.

Sim, quando matriculei a Fulana aqui já tinham me avisado que tinha regras,
aí recebi um bilhete na secretaria que eu assinei com as regras da escola. (Mãe,
32 anos, entrevista)

As mães concordam com as regras da escola e consideram bem organizados os fluxos


de informações, apontando que um dos problemas de cumprimento de regras da escola reside
na questão do respeito aos horários.
132

Sim, concordo com as regras. Todo lugar tem regras, é necessário. Vejo que
é um problema o portão e a entrada em sala de aula fora do horário. Já vi brigas
feias no portão porque tinha aluno atrasado e pais querendo entrar. (Mãe, 54
anos, grupo focal)

Quando indagados sobre as proibições e permissões da escola, uma das situações que
mais incomoda os estudantes é a questão do celular. Eles dizem se sentir muito injustiçados por
não poderem usar, pois alegam que os professores fazem uso irrestrito.

Tem sora que usa o celular pra ver as horas, mas tem sora que fica lá noFace,
no Whats e isso eu acho injusto. (Aluno, 11 anos, grupo focal)

Uma professora afirma que desconhece as regras do que seja permitido ou proibido.

Eu desconheço, pois não temos PPP. Quer dizer, se a escola tem regimento ou
algo assim, nunca soube. Então, proibido ou permitido para os alunos só o
que a legislação maior regulamenta como danos ao patrimônio, agressão
física. (Professora, 51 anos, grupo focal)

Alguns docentes abordaram a questão das regras sobre si próprios, explicando que há a
legislação municipal que rege sua carreira. Também há citação das regras em relação à função,
principalmente a respeito do ponto eletrônico, que preocupa a muitos.

O que está no Estatuto do Servidores Municipais, lá está nossos direitos e


deveres. E também na legislação geral do país que regulamenta dentre outras
coisas, a proibição de fumar em locais públicos, fechados etc. (Professora,
45 anos, grupo focal)

E a gente vive o estresse do ponto eletrônico. É medo de esquecer de bater,


marcar errado, não compensar os atrasos, não registrar alterações. (Professor,
40 anos, grupo focal)

Em relação aos pais, os professores disseram que

Vejo que as famílias têm dificuldade de respeitar os horários da escola,


entrando nas salas de aula pra conversar com a gente e atrapalhando, ou
entrando fora do horário pra ver a criança na pracinha e coisas assim. Eles
rompem muito o limite entre escola e direção e professores e não seguem o
fluxo de marcar horário e tudo mais. (Professora, 43 anos, entrevista)

Vemos que há dificuldades na comunicação entre famílias e professores, que


mencionam a entrada dos pais para buscar esclarecimentos ou mais informações em horário ou
de forma inapropriada. Esse fluxo de diálogo não está bem estabelecido, gerando ruídos e
aumento de situações conflituosas mal resolvidas. Viscardi e Alonso (2013) alertam para a
importância de se repensarem as regras, ritos e normas a partir da perspectiva do impacto que
13

geram nos sentimentos coletivos dos estudantes, docentes e famílias. Muitas dessas regras
surgiram em uma época em que a ideia de autoridade e suas formas de legitimação eram muito
diferentes.

De uma forma geral, podemos observar que os sujeitos sabem da existência das regras,
mas não sabem claramente quais são. Ortega e Rey (2002) defendem que é muito importante
a construção de senso de pertencimento junto à comunidade escolar, fomentando uma cultura
de paz; para isso existir, o primeiro passo é a escola construir regras claras, consultando os
segmentos, a fim de que todos se sintam representados. No entanto, vê-se que tal situação não
tem acontecido. A revisão do regimento da escola não se torna prioridade no dia a dia, e as
decisões acabam configurando-se na ordem do pessoal, individual, na seara do subjetivo.

Sobre as regras da escola, o papelzinho das regras vai pra família né. Mas isso
não é discutido né. Nem construído junto com as famílias. (Professora, 43
anos, entrevista)

Sabe a história do é assim, continua assim e de repente a gente vê que passou


10 anos e não mudou nada? É assim que eu vejo o regimento de escola. Dentro
de todas as coisas que não são construídas, nem debatidas. Elas já existem num
ano, começamos um novo ano e as regras permanecem. Vamos conversar, ver
o que achamos de importante pros alunos, o que é importante pros professores
e pros pais e ali através da conversa construir qual é o direito e qual é o dever
de cada um. (Professora, 56 anos, grupo focal)

Assim, as regras e normas, por serem pouco discutidas, podem virar situações mal
resolvidas, já que a pouca clareza sobre elas oportuniza a cada sujeito ter uma interpretação. As
críticas às normas escolares acontecem no sentido de como são elucidadas. Analisando-se as
falas, percebe-se que não há um padrão de encaminhamento, o que gera indignação por parte
dos alunos e ‘saias justas’ para os professores responsáveis em resolver as questões de
convivência, como o setor de orientação educacional e a coordenação de turno, que são
responsáveis pela organização da rotina escolar de uma forma geral.

A escola não está pronta para certos casos. Tipo, semana passada um aluno foi
suspenso porque não ficava em sala e ele me perguntou: – Ô professora,
porque não me dão mais uma ocorrência? Daí eu disse, olha, com a quantidade
de ocorrência que tu tem dá até pra fazer um cordel, então a escola chegou na
última possibilidade de medida disciplinar que existe. A escola é excludente,
não tem um olhar sobre os alunos que fogem do eixo, que é o teu caso. Tu não
consegue sentar, não consegue fazer as atividades. A escola é pra maioria que
consegue se encaixar num padrão só e ele é da minoria, não se encaixa. E
ele ficou bem triste de perder aula e tal. Eu
134

gostaria que a escola conseguisse ser diferente para atender esses alunos que
são de um ritmo diferente. (Professora, 30 anos, entrevista)

Nesse caso a punição foi a suspensão – ficar três dias sem ir à escola conforme
informado pela professora – porque o aluno não conseguia permanecer em sala de aula. Aqui
a professora relata que a solução encontrada pela escola foi suspender, já que a instituição não
consegue atender alunos que têm características especiais, como esse, que pelo relato “não para
sentado”. A professora inclusive diz que ele ficou bastante triste e que ela gostaria que a escola
mudasse para atender os alunos que têm um ritmo diferente. A suspensão seria uma forma de
punição mais severa, quando as outras punições já teriam sido feitas e não surtiram efeito, como
a ocorrência ou a chamada dos pais. Uma professora explica o processo:

Primeiro fizemos a ocorrência, aí, quando o aluno tem três ocorrências a gente
chama os pais e depois se não deu jeito, acaba dando a suspensão. (Professora,
41 anos, grupo focal)

Uma professora faz uma ponderação, continuando o diálogo.

Ah, mas eu sei de um monte de aluno que tem bem mais de três ocorrências
e nunca aconteceu nada com ele. (Professora, 56 anos, grupo focal)

E outra responde.

Sim, mas isso não tá bem claro. Tem gente que manda o aluno pro SOE e ele
leva ocorrência por nada. (Professora, 41 anos, grupo focal)

Percebemos nesse diálogo que as situações a serem resolvidas pela escola não são
discutidas e não são bem claras. Esse aspecto faz com que a escola não consiga desenvolver o
que Chrispino e Chrispino (2002) chama de territorialidade, que é a necessidade de a escola
marcar seu espaço de autoridade, suas regras claras e objetivas, em uma espécie de demarcação
de espaços de limite.

Os professores consideram a suspensão como o ato mais extremo, mas também o mais
eficaz, principalmente quando a indisciplina é recorrente. Os alunos, da mesma forma, afirmam
que a suspensão é uma forma eficiente de resolver conflitos, o que gera umadificuldade de
pensar em outra linha de ação.

Dependendo do caso, só suspendendo mesmo. Aí dá um alívio na sala. (Aluna,


12 anos, grupo focal)
13

Sei que a suspensão não é mais permitida por lei, mas às vezes não tem o
que fazer, tá tão insustentável a situação que tirar aquele aluno uns dias do
foco é bom. (Professora, 40 anos, grupo focal)

Casos de vandalismo são tratados com rigor, exigindo-se ressarcimento à família do


bem que foi destruído.

Eu já vi um guri dando um soco num vidro e quebrando o vidro. Porta sendo


arrombada, meu colega se jogou na porta até que ela quebrou. Aí os pais foram
chamados e tiveram que pagar. (Aluna, 12 anos, grupo focal)

Porém, isso não é uma normativa em todas as ações, porque há relatos de outros danos
ao patrimônio resolvidos de forma diferente.

Meus colegas tavam brigando por um livro da escola e aí cada um ficou com
um pedaço e eles juntaram pra professora não ver. E o livro era da professora.
E ela encaminhou? Não, ela conversou com ele e ele pediu desculpas. (Aluno,
13 anos, grupo focal – grifo representa a fala da entrevistadora)

A questão de não haver uma padronização também pode ter seu lado positivo, pois
permite que o professor, que é a figura que representa a autoridade máxima na escola, possa
decidir o que fazer, o que gera uma política de maior gerenciamento e empoderamento, levando
em consideração todo o contexto da situação. Isso exige, por parte do educador, um tempo para
ouvir, refletir e decidir sobre a melhor solução, o que nem sempre considera como seu dever.

Não é meu dever educar, meu dever é ensinar. Eu tô aqui pra ensinar a matéria.
A parte do comportamento eu encaminho para o Soe. (Professora, 51 anos,
grupo focal)

Para os professores, há uma descaracterização da própria escola, que agora está


responsável por tarefas que, em tese, acreditam que não deveria cumprir. A função de educar,
segundo tais perspectivas, vem sendo passada para a escola. Assim, em muitos casos, os
professores alegam chamar a família e esta não se mostrar presente.

Sayaão e Aquino (2006) defendem que atualmente tanto os adultos da família como os
adultos da escola demonstram estar, por vezes, bastante inseguros em relação às crianças e
adolescentes, que diferem de si e do seu tempo, pois estão inseridas em um mundo mais
dinâmico, mais globalizado, que traz novas perspectivas. Esse fato gera inseguranças sobre a
construção das autoridades. Em consequência, por vezes, a escola acaba encaminhando para
instâncias externas, principalmente os casos considerados mais graves.
136

Tem aluno que já chega aqui drogado, aí, dependendo de como a coisa anda,
se a gente não consegue entrar em contato com a família ele vai direto para o
DECA (Delegacia Especial da Criança e Adolescente) e faz ocorrência lá, aí
os pais são obrigados a buscar. Porque nestes casos o aluno tá com um
problema sério e a escola não tem como lidar. O que vai fazer com um aluno
que já chega alterado, agressivo? Essa é a solução encontrada. (Professora, 40
anos, grupo focal)

Já soube de aluno que foi levado pro Conselho Tutelar porque tava três dias
sem banho, sem comida e a família não aparecia na escola. (Professora, 35
anos, grupo focal)

A instância externa é buscada quando não se consegue um contato com a família e


quando o fato ocorrido é considerado grave, envolvendo negligência ou incapacidade de a
escola lidar com o caso. Isso sugere que, no imaginário dos entrevistados, o Conselho Tutelar
e o DECA teriam um caráter mais punitivo tanto para as crianças como para seus pais.
(ABRAMOVAY, 2005).

Nem sempre a escola atende a todos os conflitos, pois inúmeras vezes nem fica sabendo
ou não chega a instâncias maiores. Na rotina do dia a dia, muitas situações acabam passando
sem uma devida reflexão.

Já vi cadeira sendo destruída, minha colega tirou todos os parafusos da cadeira


e aí ela ficou renga, mas aí ninguém sabia quem foi e ficou por isso mesmo.
(Aluna, 13 anos, grupo focal)

Abramovay (2005) explica que a omissão pode ser justificada pela falta de preparo dos
professores para lidar com situações de violência na escola ou por acreditarem não ser sua
responsabilidade, optando por eximirem-se de buscar solução para o problema.

Além disso, várias vezes os alunos criam uma espécie de pacto social, como já relatado
na dimensão 3, no qual todos afirmam que ninguém viu nada, principalmente entre os grupos de
amizade. São táticas que os estudantes adotam para burlarem as normas de forma que não sejam
pegos e se protegerem das regras da escola, o que acaba fortalecendo os sentimentos de amizade
e cumplicidade entre os jovens.

Em relação às punições, os alunos afirmam que são aplicadas de forma justa.

Eu tinha um amigo que avacalhava muito, sabe. Aí ele brigava muito e o


colégio tirou ele. Mas aí chegou um limite, tipo, que a escola falou, tá, agora
deu. E aí elas fizeram todas uma transferência pra explicar qual é o motivode
tá saindo do colégio e falaram: – Agora só queremos que tu assine aqui
13

que teu filho vai ter que sair do colégio. Eu achei justo, chegou num limite,
sabe. (Aluna, 13 anos, grupo focal)

Inclusive há o relato de uma aluna que sofreu a sanção de ser retirada da escola que
frequentava, no início do ano; ao analisar o processo, considerou que foi muito positivo para
ela.

E por que tu brigou? Como é brigar pra ti? Ah... como eu posso dizer... eu
perdi minha mãe muito cedo e aí eles sabiam da minha fraqueza, aí qualquer
coisa que falavam da minha mãe eu já queria bater neles e eu era muito brigona
por causa disso. Eles nunca falaram uma coisa minha assim, pessoal, mas tipo,
da minha mãe. Aí quando falavam da minha mãe me incomodava. E por que
tu acha que aqui no Grande Oriente tu não briga? Porque aqui ninguém sabe
da minha vida. Pra mim foi bom trocar de escola. Lá eles sabiam muito da
minha vida. (Aluna, 14 anos, grupo focal)

De uma forma geral, os estudantes dizem que o ato de punir em si não é injusto, e sim
o tipo da punição aplicada, ou quando esta não atinge os considerados culpados.

Teve uma vez que eu nem fiz nada, tava só de arreganho, aí a professora
deixou todo mundo sem recreio. E o que tu achou disso? Eu achei errado, não
era todo mundo, sabe. Aí a gente ficou lá na sala sentadinho. (Aluna, 12 anos,
entrevista)

Já os professores relatam que evitam as punições, tentando usar o diálogo para resolver
os conflitos. Contam que acreditam que as punições devem ser a última alternativa, para não se
perder a autoridade dentro de sala de aula.

A sala de aula é muita gente pra gente dar conta. Eu tento resolver as coisas
mais no diálogo do que com punições. (Professora, 53 anos, grupo focal)

Embora o objetivo fosse entender como as sanções são adotadas e percebidas pelos
sujeitos envolvidos, observamos que o que se sobressai são situações de omissão e falta de
padrão nas atitudes tomadas pela escola, o que causa uma sensação de injustiça entre os alunos
e professores. Para os pais, as regras estariam dentro do esperado, talvez porque sejam menos
impactados por elas. Descobrimos que não há uma clareza das regras da escola, tanto para
professores como para os alunos, o que gera arbitrariedade nas medidas tomadas. Além disso,
entre os adultos, há divergências nas escolhas de como proceder em cada caso, entrando em uma
seara subjetiva, em que muitas vezes a escola recorre aos pais dos alunos e a instâncias externas
– como o Conselho Tutelar ou a Guarda Municipal/Brigada Militar – para solucionar problemas
internos. Esses órgãos são vistos como punitivos, uma alçada superior aos encaminhamentos
dados pela escola.
138

Quanto às punições, os alunos em geral não as julgam injustas, defendendo inclusive


que, dependendo do caso, são importantes, porém, alegam que o problema estaria na forma da
punição e nas vezes em que esta atinge quem não estava envolvido no caso. Já os professores
defendem que a punição deve ser a última instância e que só se recorre a ela quando não há
mais diálogo. Como estamos sob um sistema de rede de ensino baseado no modo gerencialista
de se organizar, centrado muito na figura do professor, as decisões também recaem sobre ele.
Tal aspecto tem o lado bom, pois cada um pode gerenciar as situações com mais justiça, mas
também o lado negativo, pois a responsabilidade se amplia e nem sempre há uma uniformidade
nas atitudes, podendo gerar sensação de injustiça para os envolvidos.

Concluímos que os participantes da pesquisa não têm acesso ao regimento e à parte


formal das regras escolares, sendo urgente discutir, refletir sobre as situações e reescrever essas
normas. De uma forma geral, são a favor de punições, desde que bem aplicadas.
139

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Pensar as conflitualidades no âmbito das convivências escolares é um exercício


acadêmico de analisar os conflitos como integrantes da vida cotidiana. Propomo-nos o desafio
de ir à busca das percepções que os sujeitos dão aos conflitos escolares que fazem parte da
convivência escolar e das situações que acabam desencadeando violências devido aos
silenciamentos dos conflitos. Para se entender a problemática, foi necessário reconstruir um
pouco da história do local, da instituição e das pessoas que ali frequentam, uma vez que
defendemos que os sentidos que os sujeitos dão à escola estão ligados diretamente aosprocessos
pelos quais já passaram, evitando a naturalização de qualquer situação.

A escola é hoje um local que, em princípio, deve ser para todos os indivíduos, não apenas
através do direito de acessá-la, mas também pela garantia da permanência e daparticipação nas
suas decisões, promovendo o pertencimento àquele lugar. No entanto, como registrado em
muitos momentos, ela nem sempre consegue ser democrática e igualitária. Deseja-se que a
escola seja um espaço de inclusão, de convivência das diversidades e que coloque em diálogo
os sujeitos para a resolução dos conflitos, mas inúmeras vezes ela apresenta mecanismos
próprios de exclusão, definindo quem fica e quem sai.

Essas contradições que fazem parte da dinâmica da escola hoje precisam ser reavaliadas
e corrigidas, e, para tanto, há a necessidade da defesa de uma educação democrática e
progressista. É necessário perceber que a escola está inserida em uma estrutura social maior que
impacta a todos – alunos, professores, funcionários e famílias –, e que os estimula a ir em certas
direções. Questionar o lugar da escola e o seu papel na sociedade é decidir que tipo de formação
humana se quer. Dar espaço para as conflitualidades e estimular as convivências em que o
diálogo seja a chave central são ferramentas necessárias para que os sujeitos consigam
compartilhar conhecimentos de maneira a não reforçarem as estruturas de dominação existentes,
como as hierarquias de raça, gênero, classe e tantas outras.

As políticas de convivências escolares devem propor a formação cidadã sem


criminalizar situações ou pessoas, apoiando-se no conceito de sujeitos de direito. Conforme
Viscardi e Alonso (2013, p. 35), as convivências escolares “(...) expressam as tensões da vida
140

cotidiana, das práticas pedagógicas e das relações entre os atores.” As ações devem procurar
orientar os conflitos para “(...) aprofundamento de acordos, construção de acordos coletivos,
promoção da participação, exercício dos direitos e vínculo com a comunidade.”.

A resolução das conflitualidades passa por reconhecer os outros como pessoas com
direitos à diferença, aceitando que muitos vínculos são formados por meio dos conflitos e seus
desencontros. Conforme Viscardi e Alonso (2013, p. 39), “democracia, convivência e
conhecimento estão em íntima conexão. Tanto para meninos, meninas, adolescentes e jovens
como para os adultos, a possibilidade de participar da vida do centro educativo e criar laços de
pertencimento coletivo depende deste exercício democrático.”.

Dado o caráter desta pesquisa, que procurou analisar as representações sociais que um
determinado coletivo de pessoas faz a respeito das conflitualidades presentes nas convivências
escolares, a metodologia possibilitou imersão aprofundada no cotidiano analisado com a
possiblidade de se olhar a realidade a partir dos referenciais teóricos das representações sociais
e da sociologia das conflitualidades. Preservou-se a singularidade dos relatos, os quais, a cada
exposição, possuíram muitos sentidos dados pelos sujeitos. Esses sentimentos são os que
impactam o cotidiano das pessoas e sua qualidade de vida, interferindo nas convivências
escolares.

Nosso objetivo com este trabalho foi o de entender as representações sociais que
professores alunos e famílias têm sobre as conflitualidades que ocorrem no âmbito das
convivências escolares, compreender quais são os fatores e situações que desencadeiam essas
situações e analisar as soluções propostas por esses atores.

Verificamos que a escola vive a ambiguidade de ser central na vida dos atores sociais
e, ao mesmo tempo, constituir-se em um espaço de discriminações e mal-entendidos que nem
sempre conseguem ser resolvidos. Muitas das soluções propostas pelos entrevistados foram
punitivas, mostrando que nossas hipóteses estavam certas, como no caso de se propor que a
solução para alunos que não se enquadram seja a suspensão do direito de vir à escola, ou quando
familiares relatam bater nas crianças porque estas estão com dificuldades de aprendizagem, ou
ainda quando há relatos de professores que retiram alunos de sala de aula por problemas de
convivência. Os diálogos muitas vezes não ocorrem, e os silenciamentos geram situações que
eventualmente acabam em violências físicas ou verbais. A questão
141

punitiva apareceu como um aspecto positivo, sendo uma forma de resposta para todos os
segmentos pesquisados.

Assumir a necessidade de se observar as práticas e normas que geram violência


institucional e simbólica no interior da escola e adotar a busca de novos mecanismos de diálogo
para a resolução dos problemas e para a canalização dos conflitos mostra-se uma resposta fértil
para avançarmos sobre o mal-estar que muitas vezes paira sobre alunos, professores e famílias,
pois, segundo Viscardi e Alonso (2013, p. 71), “(...) o mal-estar na educação é expressão do
estado das relações de convivência.”. Ortega e Rey (2002) defendemque a melhoria das relações
contempla o combate à violência escolar, ao atuar na esfera preventiva nos processos de
convivência escolar, já que situações prolongadas de conflitos não resolvidos podem aumentar,
“(...) de forma importante, outros riscos sociais, como a tendência ao consumo de produtos
nocivos à saúde, hábitos de consumo de fumo e álcool, etc.” (ORTEGA; REY, 2002, p. 22).

Utilizando-se o indicador da existência ou não de espaços de diálogo entre os atores


sociais da escola, percebe-se que há situações em que se conseguem estabelecer os ambientes
necessários, já outras que são consideradas pontos conflitivos e podem gerar soluções
inadequadas. Em geral, quanto à indagação sobre a escola ser boa, todos – pais, alunos e
professores – consideram que ela é positiva. Cada segmento, por motivos diferentes, acredita
na escola como um bem comum. As famílias e os alunos apontam como falta de diálogo, por
parte do Estado, o sucateamento geral da escola: banheiros sujos, falta de professores, salas
sucateadas. Já os professores indicam a falta de espaços de diálogo entre si, a ausência de
reuniões pedagógicas, de conselhos de classe e confraternizações em geral, como elementos
que dificultam a organização da escola como um todo.

Essa falta de espaço de planejamento coletivo, conselhos de classe e reuniões


pedagógicas produz pontos conflitivos relevantes entre pais e professores. Os professores não
têm tempo disponível para organizar seus trabalhos pedagógicos com qualidade de maneira
coletiva, o que faz com que as decisões sejam tomadas individualmente, confundindo as
famílias. Um exemplo de tal situação é quando uma família diz que crianças do mesmo ano
escolar têm frequências diferentes de atividades para fazer em casa, porque cada professora
toma sua decisão sobre esse fluxo sozinha, e isso gera confusão na organização familiar de
acompanhamento das rotinas escolares.
142

Os pais colocam mais foco no resultado do desempenho do seu filho (boletins ou bilhetes
enviados pelos professores) e menos nos processos de aprendizagens. Já os professores
consideram os processos de aprendizagem mais importantes que o resultado final. Essa
divergência de concepções faz com que o diálogo entre as famílias e professores se complique.
Professores queixam-se que os pais não acompanham as aprendizagens, principalmente quando
os alunos são maiores, provocando uma sensação de abandono da criança por parte da família.
Professores alegam possuir dificuldades de entender como a família se organiza. Já os pais
dizem que têm dificuldades em monitorar a vida escolar dos filhos, pois não sentem clareza,
por parte da escola, sobre o que se espera deles. Tais impasses ocasionam o uso da violência
física, por parte das famílias, para resolver os dilemas trazidos pela escola, como quando os
alunos não prestam atenção em aula, não fazem as atividades etc. Com frequência, as famílias
não conseguem entender os processos de aprendizagem pelos quais as crianças estão passando
e suas dificuldades, encontrando-se sozinhas, sem terem a quem recorrer – inclusive com postos
de saúde sucateados, falta de capacidade de comprar materiais escolares etc. Já a escola passa
as dificuldades dos alunos para a família sem conseguir ser clara ou capaz de propor soluções
para as situações. A família, por sua vez, não sabe o que fazer e, como solução da demanda,
encontra as violências como resposta (castigos, chineladas etc.).

Um segundo indicador é o entendimento de como cada sujeito se sente em relação à


convivência escolar e como vê a atuação dos outros sujeitos que fazem parte dela. Percebe-se
que, nessa esfera, tanto alunos, professores como familiares acreditam na escola como um
espaço de criação de novas amizades e de desenvolvimento de laços afetivos. Porém, creem que
essas amizades desenvolvidas na escola necessitam de monitoramento por parte dos pais, para
não haver ‘má influência’. As fofocas tomam centralidade nas relações entre os alunos,
professores e familiares e se tornam criadoras de regulação entre os grupos, delimitando quem
são pessoas dignas de amizade e quem não são. Há muitas falas como “ouvi dizer que”, “soube
que” sobre atitudes que seriam consideradas recriminatórias. Determinados alunos não fariam
jus ao direito de estarem na escola, já que sua família ou eles próprios teriam realizado ações
consideradas imorais e, portanto, condenatórias por parte da comunidade escolar, mesmo que
o fato em questão não tenha ocorrido nesse ambiente ou não seja verdade. Essa autorregulação
dos grupos traz a necessidade, por parte da escola, de pensar em ações que
143

combatam essas discriminações, falatórios e preconceitos que minam as relações sociais e


forçam a exclusão daqueles que são vítimas. É interessante observar como os espaços para além
da sala de aula – biblioteca, refeitório, corredores, pátio – são apontados como locais de trocas
de ideias, que possibilitam momentos de comunicação positivos entre os que fazem parte da
comunidade escolar. Esse dado reforça a importância de uma escola que propicie espaços de
convivência entre estudantes, professores e famílias.

Outro indicador analisado é a existência ou não de momentos violentos e como essas


situações se resolvem no ambiente escolar. A pergunta sobre se há cenas de violência na escola
foi respondida afirmativamente por pais, alunos e professores. Todos os segmentos tiveram
fatos violentos para relatar. A principal diferença localizou-se nas formas como as pessoas
lidaram com os conflitos. Os professores têm a postura de encaminhar as questões para que a
escola resolva, inclusive esperando que a instituição chame a Guarda Municipal ou a Brigada
Militar quando for algo que considera fora de sua alçada, como armas, drogas ilícitas, brigas
entre famílias que se iniciam fora do ambiente escolar. Já as famílias buscam, muitas vezes,
resolver sozinhas suas questões, ignorando a escola como mediadora de conflitos e a
considerando ineficiente para intermediar as situações conflitivas. A violência torna-se uma
forma de comunicação entre as pessoas da comunidade. Verificamos que aqui há um ponto
conflitivo importante entre a escola e a comunidade: a comunidade deseja resoluções pontuais,
mais punitivas; já o que a escola oferta – por meio do desenvolvimento da autonomia, do uso
do diálogo, da intermediação com o uso de atas, relatos, sem a força física – é considerado
pouco efetivo, promovendo uma sensação de que a escola nada faz.

Assim, há um dilema para os professores: evitar atitudes violentas e, ao mesmo tempo,


ser vistos como permissivos pela comunidade. Além disso, muitos dos conflitos relatados
tornaram-se mais complexos a partir da existência de ferramentas como Whatsapp e Facebook,
já que situações que ocorrem no mundo virtual acabam chegando à escola para ali serem
resolvidas.

Outra constatação foi o uso da linguagem violenta por parte dos alunos, que estes
denominam de arreganho. Essa linguagem, apesar de muitas vezes incomodar os que estão
envolvidos ou gerar consequências graves, como machucar algum colega, não é considerada
uma violência, e sim uma forma de relacionamento entre pares. Além disso, quem não está
envolvido diretamente na situação tem dificuldade em entender essa linguagem. Já a violência
144

cometida pelos professores é mais difícil de se medir, já que estes estão em uma posição em
que podem ter suas atitudes legitimadas como ‘normais’. As agressões em que docentes se
envolvem acabam sendo diagnosticadas mais facilmente pelos seus próprios pares. Assim,
podemos concluir que, dentro da instituição escolar, dependendo de quem tem determinados
comportamentos, este é mais ou menos legitimado a utilizar-se de mecanismos violentos para
resolver seus conflitos.

O policiamento é visto como positivo e importante. As ressalvas diagnosticadas na


análise estão na esfera das posturas adotadas pela Guarda Municipal/Brigada Militar, uma vez
que seguem protocolos tradicionais de atuação e não trabalham de forma preventiva ou
educativa, e sim de maneira mais punitiva.

Chegamos à conclusão de que há vários momentos violentos na esfera escolar, que


envolvem todos que ali convivem; por mais que haja tentativas de espaços de diálogo, essas
ainda são ineficientes. Por isso, é necessário pensar em ações tanto na esfera pedagógica como
na esfera da segurança pública para que a escola seja um ambiente que transmita sensação de
segurança. Acreditamos que precisamos desenvolver um novo olhar sobre essa escola e tantas
outras, para que as conflitualidades achem espaço, sendo postas em diálogo, melhorando a
qualidade das convivências escolares.

Em relação às regras e sanções, percebemos que tanto pais quanto alunos e professores
consideram importante que o espaço tenha regras claras e objetivas para que todos possam
compreendê-las. Porém, a sensação que se tem é a de que é o outro quem não sabe segui-las.
Os professores julgam que as famílias não respeitam os combinados, e os alunos consideram
que ninguém obedece a nada. Os responsáveis, por sua vez, são os que mais demonstram
concordar com as regras postas, sejam elas quais forem. Além disso, há uma certa aprovação
no uso de punições como suspensões, que a família pague caso o aluno deprede alguma coisa,
ou que o aluno seja retirado de sala de aula caso não se comporte conforme o esperado. Por
outro lado, há a queixa dos alunos de que, muitas vezes, essas punições são muito severas ou
mal-aplicadas.

Portanto, recomendamos, para diminuir a violência escolar, a escrita e a execução de um


projeto de convivências baseadas na gestão democrática, ou seja, na possiblidade de canais de
comunicação entre famílias, alunos e professores com a oportunidade de tomada de
145

decisões importantes em diferentes esferas da escola. A potencialização da participação de todos


na escola pode fazer com que cada um se sinta protagonista e responsável por mudar aspectos
da convivência na instituição. O caminho pode ser basear a tomada de decisões no diálogo, mas
também na responsabilidade pelo cumprimento dos acordos, e vincular as normas, claras e
obtidas por consenso, ao respeito de direitos básicos, que não devem ser apresentados de forma
abstrata, mas como hábitos e atitudes sensatas e positivas.

Percebemos que as representações sociais que professores, alunos e pais têm sobre as
conflitualidades nas convivências escolares frequentemente divergem, já que cada segmento
parte de um ponto de vista e de vivências diferentes. A estimulação do diálogo e de espaços
para debater e encontrar pontos em comum torna-se essencial para superar esses pontos e
construir um espaço de respeito mútuo.

Os fatores e situações que desencadeiam as conflitualidades ocorrem de duas formas:


entre os mesmos segmentos (aluno/aluno; professor/professor) e entre segmentos diferentes
(aluno/professor; professor/famílias). Entre os mesmos segmentos, podemos citar os
professores que relataram dificuldades de diálogo com colegas de trabalho, os alunos que
entraram em conflito por diversos motivos, ou as famílias que discutem entre si tentando
defender sua prole. Entre os segmentos diferentes, há a questão hierárquica de legitimidade.
Professores, por exemplo, poderiam ter ações que, aos olhos dos alunos, não são consideradas
violentas, mas que, quando executadas ou observadas por outra pessoa, talvez sejam. Por
exemplo, um professor possui legitimidade para gritar em sala de aula; isso é visto como
‘normal’. Já a situação de um aluno gritar com outro é entendida como uma violência. Assim
também o é em relação às famílias com seus filhos, que, inúmeras vezes, para resolver
problemas de ordem escolar, tomam ações que podem ser consideradas violentas, como
castigos, chineladas e puxadas de orelha, utilizando-se de sua posição de poder familiar; no
entanto, defendem seus filhos ao resolverem as situações entre eles e seus colegas muitas vezes
por meio da intimidação.

Assim, as situações que provocam conflitualidades são muito variadas, girando em torno
da falta de entendimento de como o outro pensa, em sua maioria, na esfera do preconceito e dos
desencontros de compreensão de mundo. São conflitos originados em torno de usos, costumes
e valores em vez de delitos ou crimes graves.
146

Em relação às soluções que os atores sociais encontram para seus conflitos, elas ficaram
na esfera disciplinar. São regramentos, condutas, sanções, bilhetes e ocorrências no caderno da
coordenação. Práticas que não geram solução dos conflitos, mas punições determinadas por
alguém colocado hierarquicamente acima. Não é uma aprendizagem para a cidadania, mas
apenas uma solução momentânea.

A contribuição central deste estudo foi constatar que o conflito faz parte da realidade
escolar e seu paradigma encontra-se em estabelecer espaços de diálogo para que ele não vire
violência. Além disso, evidenciamos, ainda, que as soluções se encontram muito na esfera
punitiva, com saídas rápidas que não promovem melhorias na qualidade das convivências
escolares. A escola, em última análise, ainda está permeada por resoluções violentas adotadas
por seus integrantes, deixando de ser um espaço democrático e de diálogo.
147

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Presidente Prudente, 2008.
155

APÊNDICE A

Termo de consentimento livre e esclarecido

Autorização para familiares

Prezada família, seu filho(a) está sendo convidado(a) a participar, como


voluntário(a), da pesquisa de Mestrado de Francine Scheffler, participante do Programa
de Pós-Graduação em Segurança Cidadã – UFRGS.
A participação de seu filho(a) consistirá em conceder uma entrevista e autorizar
que a mesma seja gravada em áudio e transcrita posteriormente. Os dados serão
utilizados na análise do estudo em questão.

Eu, ,
autorizo o(a) aluno(a) a
participar da pesquisa acima citada.

Assinatura:
156

APÊNDICE B
Questionários aplicados para construção do perfil dos participantes

UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDO DO SUL – UFRGS

Instituto de Filosofia e Ciências Humanas

Programa de Pós-Graduação em Segurança Cidadã

QUESTIONÁRIO SOBRE CONVIVÊNCIA ESCOLAR – ALUNOS

Qual seu sexo? Qual sua idade?

Qual sua turma? Qual sua raça/etnia?


Qual seu endereço (bairro e cidade)?

UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDO DO SUL – UFRGS

Instituto de Filosofia e Ciências Humanas

Programa de Pós-Graduação em Segurança Cidadã

QUESTIONÁRIO SOBRE CONVIVÊNCIA ESCOLAR – FAMÍLIAS

Qual seu sexo? Qual sua idade?

Com quem você mora?

Qual sua raça/etnia?

Qual seu endereço (bairro e cidade)?


157

Se caso possui, qual a sua religião?

Quais suas condições de moradia? ( ) Casa própria ( ) Aluguel ( ) Ocupação

Qual sua renda familiar? ( ) Até 1 salário mínimo ( ) 1 a 3 salários mínimos


( ) Mais de 3 salários mínimos

Qual sua escolaridade?

UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDO DO SUL – UFRGS

Instituto de Filosofia e Ciências Humanas

Programa de Pós-Graduação em Segurança Cidadã

QUESTIONÁRIO SOBRE CONVIVÊNCIA ESCOLAR - PROFESSORES

Qual seu sexo? Qual sua idade?

Com quem você mora?

Qual sua raça/etnia?

Qual seu endereço (bairro e cidade)?

Se caso possui, qual a sua religião?

Quais suas condições de moradia? ( ) Casa própria ( ) Aluguel

Qual sua renda familiar? ( ) 1 a 3 salários mínimos ( ) 3 a 6 salários mínimos


( ) Mais de 6 salários mínimos

Caso sinta-se estressado, faz algo para enfrentar este problema? Em caso positivo,
158

relate o que:

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