Artigo Emilse Neves Novo Financiamento

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Brazilian Journal of Development 5362

ISSN: 2525-8761

Reflexões sobre o novo financiamento da atenção básica e as práticas


multiprofissionais

Reflections on the new financing of basic care and multiprofessional


practices

DOI:10.34117/bjdv7n1-363

Recebimento dos originais: 05/12/2020


Aceitação para publicação: 13/01/2021

Keytli Cardoso Paulino


Discente do Curso de Psicologia
Universidade Federal de Catalão
Endereço: Av.: Dr. Lamartine Pinto de Avelar, 1120. Setor Universitário – 75.704-020
– Catalão – Go
E-mail: [email protected]

Francieli Cristina da Silva


Discente do Curso de Enfermagem
Universidade Federal de Catalão
Endereço: Av.: Dr. Lamartine Pinto de Avelar, 1120. Setor Universitário – 75.704-020
– Catalão – Go
E-mail: [email protected]

Anna Paula de Mendonça Barros


Mestre em Saúde Coletiva, Docente do Curso de Enfermagem
Universidade Federal de Catalão
Endereço: Av.: Dr. Lamartine Pinto de Avelar, 1120. Setor Universitário – 75.704-020
– Catalão – Go
E-mail: [email protected]

Emilse Terezinha Naves


Doutora em Psicologia Clínica e Cultura, Docente do Curso de Psicologia
Universidade Federal de Catalão
Endereço: Av.: Dr. Lamartine Pinto de Avelar, 1120. Setor Universitário – 75.704-020
– Catalão – Go
E-mail: [email protected]

Ligia Maria Maia de Souza


Pós-graduada em Saúde Coletiva, Docente do Curso de Enfermagem
Universidade Federal de Catalão
Endereço: Av.: Dr. Lamartine Pinto de Avelar, 1120. Setor Universitário – 75.704-020
– Catalão – Go
E-mail: [email protected]

RESUMO
Em 2019, o Núcleo de Ampliado à Saúde da Família e Atenção Básica (Nasf-AB) foi
excluído dos programas que teriam custeio garantido dentro do novo financiamento da
Atenção Básica instituído pela Portaria n° 2.979, resultando na publicação da Nota

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Técnica n° 3/2020 que explana sobre essa exclusão. A publicação desses documentos,
bem como a importância de divulgar e monitorar as alterações dos custeios em saúde e
seus argumentos resultou no presente trabalho. Desse modo, este estudo objetiva analisar
justificativas apontadas pelos documentos supracitados para a exclusão do Nasf-AB. A
justificativa desse estudo se dá pela necessidade de compreender os impactos advindos
dessa normativa e suas consequências para a atenção integral à saúde da população. Para
elaboração do estudo, utilizou-se a metodologia qualitativa argumentativa através da
análise documental dos referidos documentos. Observou-se que a multiprofissionalidade
e a interdisciplinaridade não estão sendo garantidas e priorizadas, pois dependem
exclusivamente da atuação da gestão municipal para serem implementadas, sem nenhuma
garantia de existência, o que abre precedentes para a precarização do atendimento e
infringi os princípios de resolutividade, descentralização e longitudinalidade da
assistência. Considera-se que a continuidade do Nasf-AB é imprescindível no
atendimento à população, por garantir a implementação das ações características da
Atenção Básica e oferecer qualidade de vida aos usuários através do cumprimento do
princípio da integralidade, e que deve ser uma estratégia inclusa no novo financiamento
da Atenção Básica.

Palavras-chave: NASF-AB, Atenção Primária em Saúde, Financiamento da Assistência


à Saúde.

ABSTRACT
In 2019, the Expanded Family Health and Basic Care Center (Nasf-AB) was excluded
from the programs that would have been guaranteed funding within the new funding for
Basic Care established by Ordinance No. 2,979, resulting in the publication of Technical
Note No. 3/2020 which explains this exclusion. The publication of these documents, as
well as the importance of disclosing and monitoring the changes in health care funding
and its arguments resulted in the present work. Thus, this study aims at analyzing the
justifications pointed out by the above-mentioned documents for the exclusion of Nasf-
AB. The justification for this study is the need to understand the impacts resulting from
this regulation and its consequences for the integral attention to the population's health.
To elaborate the study, we used the argumentative qualitative methodology through the
documental analysis of the referred documents. It was observed that multiprofessionality
and interdisciplinarity are not being guaranteed and prioritized, since they depend
exclusively on the performance of municipal management to be implemented, without
any guarantee of existence, which opens precedents for the precariousness of care and
violates the principles of resolutiveness, decentralization and longitudinality of care. It is
considered that the continuity of Nasf-AB is essential in the care of the population,
because it guarantees the implementation of the characteristic actions of Basic Care and
offers quality of life to the users through the fulfillment of the principle of completeness,
and that it should be a strategy included in the new financing of Basic Care.

Keywords: NASF-AB, Primary Health Care, Health Care Funding.

1 INTRODUÇÃO
O Núcleo de Ampliado à Saúde da Família e Atenção Básica (Nasf-AB) foi criado
pelo Ministério da Saúde (MS) através da Portaria n° 154/2008 e reformulado pela
Portaria n.º 2.436/2017. Trata-se de uma equipe multiprofissional e interdisciplinar que

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atua em conjunto com a equipe de Saúde da Família (EqSF) com intuito de auxiliar e
aprimorar ações de saúde, potencializar ofertas de serviços e compartilhar práticas e
saberes em saúde a fim de ampliar a resolutividade e o escopo de ofertas da Atenção
Básica (AB). A seleção das áreas profissionais da saúde que compõem o Nasf-AB é
definida pelos gestores municipais, seguindo os critérios de prioridade identificados a
partir dos dados epidemiológicos e das necessidades locais e das equipes de saúde que
serão apoiadas (BRASIL, 2008; 2017).
Quanto ao financiamento do Nasf-AB, a Portaria n° 154/08 traz “[...] que os
recursos orçamentários [...] façam parte da fração variável do Piso de Atenção Básica
(PAB variável) e componham o bloco financeiro de Atenção Básica” (BRASIL, 2008).
Após a revisão normativa de 2012 (BRASIL, 2012) o Nasf-AB foi incorporado ao
Programa Nacional de Melhoria do Acesso e da Qualidade da Atenção Básica (PMAQ)
e cria mais um tipo de equipe com intuito de contemplar municípios pequenos, incorporar
novos profissionais e diminuir EqSF sob cobertura: NASF 1 é responsável por no mínimo
5 equipes e no máximo 9; NASF 2 por no mínimo 3 equipes e máximo de 4; e NASF 3,
no mínimo 1 equipe e no máximo 2. O PMAQ é um programa do MS, de adesão
voluntária entre os municípios, em formato de ciclos realizado por meio de parceria com
instituições de ensino e pesquisa que avalia e monitora a AB atentando-se à infraestrutura
das Unidades Básicas de Saúde (UBS), profissionais de saúde e usuários. Os municípios
que aderem ao PMAQ recebem importante incentivo financeiro para implantação de
EqSF e Nasf-AB (BROCADO et al., 2018).
A publicação da nova PNAB em 2017 ampliou a responsabilidade do Nasf-AB
para equipes de AB (EqAB), território e usuários, alterando também a nomenclatura da
sigla de “apoio” para “ampliado”, produzindo responsabilidade mútua pelo cuidado, a
fim de ampliar o escopo de ações e contribuir para o aumento da resolubilidade,
capacidade de análise, intervenção sobre problemas e necessidades de saúde, tanto em
termos clínicos quanto sanitários, integrando os diferentes núcleos profissionais que
compõem a AB (MENDES; CARNUT; GUERRA, 2018; BRASIL, 2017).
De acordo com a PNAB 2017, os recursos que integram o PAB Variável
continuariam sendo condicionados à implantação de estratégias e programas da AB para
os municípios que implantarem quaisquer uma das estratégias contempladas pelo piso,
incluindo o Nasf-AB (BRASIL, 2017). Ao incorporar incentivos financeiros referentes à
explicitação de alternativas para a configuração e implementação da AB, especificamente
com a introdução de recursos para equipes de AB que adotam padrões diferentes de ações

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e cuidados, o novo modelo de financiamento flexibiliza a garantia da integralidade em


saúde (MENDES; CARNUT; GUERRA, 2018).
Dois anos mais tarde, o MS implantou o programa Previne Brasil por meio da
Portaria nº 2.979, de 12 de novembro de 2019, no qual o Nasf-AB foi excluído das
estratégias, ações e programas da AB que teriam custeio garantido pelo MS. Este
programa apresentou propostas ao novo modelo de financiamento do SUS, alterando
formas de repasse das transferências para os municípios que passaram a ser distribuídas
com base em três critérios: capitação ponderada, pagamento por desempenho e incentivo
para ações estratégicas (BRASIL, 2019).
O Previne Brasil resultou na publicação da Nota Técnica (NT) n° 3 de 2020,
referente ao não credenciamento de equipes Nasf-AB a partir daquela data (BRASIL,
2020). Assim, houve um desestímulo por parte do MS à estratégia do Nasf-AB e à lógica
do apoio matricial, deixando a cargo do gestor local a escolha de manter os profissionais
neste ponto de atenção e a existência de equipes locais de Nasf-AB.
A publicação dos documentos supracitados, bem como a importância de divulgar
e monitorar as alterações dos custeios em saúde e seus argumentos provocou inquietações
aos membros do PET-Saúde/Interprofissionalidade da Universidade Federal de Catalão.
Desse modo, este estudo objetiva analisar justificativas apontadas pela Portaria n°
2.979/2019 e NT n°3/2020 para a exclusão do Nasf-AB das estratégias de continuidade
do novo financiamento da AB. A justificativa desse estudo se dá pela necessidade de
compreender os impactos advindos dessa normativa e suas consequências para a atenção
integral à saúde da população, uma vez que o Nasf-AB foi um ganho fundamental na
implementação do compartilhamento de práticas e experiências interprofissionais, o que
possibilitou uma melhoria substancial no cuidado ampliado em saúde. Nesse sentido, o
novo financiamento não estaria colocando em risco um dos princípios fundamentais do
SUS, que é a integralidade do cuidado?

2 METODOLOGIA
Para elaboração do presente trabalho, utilizou-se a metodologia qualitativa
argumentativa para analisar e refletir acerca da não adesão do NASF-AB dentro das
estratégias garantidas no novo financiamento da AB. Trata-se de uma análise documental
de duas publicações do Ministério da Saúde: a Portaria n° 2.979/2019 e a NT 03/2020.
A análise documental “[...] envolve a investigação em documentos internos (da
organização) ou externos (governamentais, de organizações não governamentais ou

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instituições de pesquisa, dentre outras)” (ZANELLA, 2013, p. 118). Além disso, “[...] se
caracteriza pelo estudo de documentos que ainda não receberam um tratamento analítico
em relação a um determinado objeto de estudo, mesmo que ele já tenha sido analisado
outras vezes sob o olhar de outro objeto de estudo” (CECHINEL et al., 2016, p. 6-7).
Inicialmente foi realizada a análise da Portaria n° 2.979/2019 e da NT n° 03/2020,
para compreender o novo custeio da AB e as estratégias abarcadas e o destaque dos
argumentos presentes para a não adesão ao Nasf-AB. Por fim, realizou-se a discussão
acerca dos argumentos observados e a interlocução com as diretrizes da saúde pública.

3 RESULTADOS E DISCUSSÕES
A Portaria n° 2.979/19 traz em suas considerações iniciais “[...] a necessidade de
ampliação da capacidade instalada e abrangência da oferta dos serviços da AB com atuação
de equipes multiprofissionais” (BRASIL, 2019). Para tal ampliação, institui o Programa
Previne Brasil, o qual estabelece que o financiamento da Atenção Primária (AP) seja
resultado de: “I: capitação ponderada; II: pagamento por desempenho; e III: incentivo para
ações estratégicas” (BRASIL, 2019). Com relação ao ponto III, o Art. 12 da referida
Portaria aponta quais são as estratégias, ações e programas que terão custeio e não citam o
Nasf-AB, sendo o motivo esclarecido com a NT n° 03/2020. Observam-se algumas das
justificativas através do ponto 2.2 da NT, conforme Brasil (2020):

[...] a composição de equipes multiprofissionais deixa de estar vinculada às


tipologias de equipes Nasf-AB. Com essa desvinculação, o gestor municipal
passa a ter autonomia para compor suas equipes multiprofissionais, definindo os
profissionais, a carga horária e os arranjos de equipe. O gestor municipal pode
então cadastrar esses profissionais diretamente nas equipes de Saúde da Família
(eSF) ou equipes de Atenção Primária (eAP), ampliando sua composição
mínima. Poderá, ainda, manter os profissionais cadastrados no SCNES [Sistema
de Cadastro Nacional de Estabelecimento de Saúde] como equipe NASF-AB ou
cadastrar os profissionais apenas no estabelecimento de atenção primária sem
vinculação a nenhuma equipe.

A NT n° 03/2020 enfatiza a autonomia do gestor municipal na composição da


equipe como um dos benefícios da exclusão do Nasf-AB, o que se mostra incoerente, uma
vez que o mesmo já possuía tal autonomia para escolha destes profissionais e da carga
horária (BRASIL, 2017). Logo, tal argumento não justifica e tampouco explica sua
exclusão. Além disso, a estruturação das estratégias de saúde deve ser pautada pela
tentativa de garantir a resolubilidade de acordo com a necessidade da população ao invés
de ser configurada para facilitar e favorecer a gestão.

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A supracitada NT traz também a perspectiva de que parte da população ainda terá


acesso aos serviços multiprofissionais, desde que o gestor inclua outros profissionais nas
equipes ou ao estabelecimento (BRASIL, 2020). Contudo, vale destacar que o Nasf-AB
não é apenas o acréscimo de outras áreas da saúde para apoiar as EqSF. Trata-se de uma
estratégia de ação ampliada que trabalha de forma interprofissional que atende ao princípio
de integralidade do Sistema Único de Saúde (SUS) (BRASIL, 2017). Para além do apoio,
são atribuições do Nasf-AB a realização do Projeto de Saúde no Território, Educação
Permanente em Saúde, Educação Popular em Saúde e o Projeto Terapêutico Singular
(BRASIL, 2017).
Além de possivelmente perder grande parte dessas ações realizadas pelo Nasf-AB,
depender da inclusão de outros profissionais para compor a interprofissionalidade que este
proporciona, significa que todas as UBS necessitarão desta medida, se não, apenas uma
parcela da população terá acesso a esse tipo de intervenção. Tal procedimento pode não ser
possível por conta da quantidade de novos profissionais a serem contratados para
caracterizar todas as equipes da AB como multiprofissionais, que não sejam apenas a
equipe mínima. Logo, o serviço estará centralizado em locais específicos, o que vai contra
a diretriz de descentralização do SUS (BRASIL, 2017). Deve-se ressaltar que o Nasf-AB
é responsável pelo apoio matricial de mais de uma equipe (BRASIL, 2017), sendo uma
estratégia que pode aumentar, portanto, a comunicação em rede pela possibilidade de
apoiar mais de um estabelecimento e também obter uma abrangência territorial
multiprofissional maior.
Nesse sentido, embora a referida NT traga que o custeio da AB prioriza o usuário
atendido e que as equipes multiprofissionais são importantes para garantir a qualidade
desse atendimento (BRASIL, 2020), projeta-se que a multiprofissionalidade e a
interdisciplinaridade não estão sendo garantidas e priorizadas, pois dependem
exclusivamente da atuação da gestão municipal para serem implementadas, sem nenhuma
garantia de existência, o que abre precedentes para a precarização do atendimento.
Outro ponto que ampara tal conclusão, é a defesa da citada NT de que o repasse
financeiro de 2020 é o maior repasse realizado em 2019 considerando o acréscimo referente
ao Nasf-AB (BRASIL, 2020), mas não discute sobre esse repasse aos municípios que
estavam em fase de credenciamento e, portanto, ainda não recebiam custeio para o Nasf-
AB. Assim, os municípios em fase de implementação e também os que não haviam iniciado
a solicitação desse processo, podem encontrar maiores dificuldades em tentar estruturar
equipes multiprofissionais por ter um repasse financeiro menor.

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Logo, realidades em que não há equipes multiprofissionais, além da equipe mínima,


só receberão um apoio financeiro maior que dê para contratar outros profissionais para
expandir suas equipes caso consigam melhorar a qualidade do atendimento através do
alcance dos indicadores de desempenho. Tal premissa é contraditória, pois a própria NT
aponta que a equipe multiprofissional é essencial para alcançar os índices de desempenho
do custeio da AP: “[...] as equipes multiprofissionais são importantes para o desempenho
da atenção primária do município em todos os componentes, [....] quanto mais apropriada
for a composição da equipe para resolver os problemas de saúde da população, melhor será
o desempenho [...]” (BRASIL, 2020). Deve-se questionar, portanto, como o novo
financiamento pretende melhorar a qualidade da AP sem incentivo financeiro prévio para
a multiprofissionalidade e excluindo uma estratégia como o Nasf-AB, uma vez que é
considerado que esse bom desempenho é atingido justamente através de equipes
multiprofissionais.
Além disso, dentro do caderno das diretrizes do Nasf, conforme Brasil (2010), está
descrito sobre a responsabilidade de que ele trabalhe com definição de indicadores e metas.
Ou seja, o Núcleo já possui o intuito de trabalhar com estratégias visadas pelo novo
financiamento, o qual traz que “o cálculo do incentivo financeiro do pagamento por
desempenho será efetuado considerando os resultados de indicadores alcançados pelas
equipes credenciadas e cadastradas no SCNES” (BRASIL, 2019, Art. 12-C). Então, além
do Nasf-AB resolver a problemática da impossibilidade de contratação de profissionais
para expandir todas as equipes da AB por ser uma estratégia que atua com mais de uma
equipe, ele também trabalha com metodologias que o novo financiamento da AP considera
essencial: indicadores e metas.
Ademais, a exclusão do Nasf-AB vai contra a produção de saúde pautada na
interprofissionalidade e no apoio matricial. De acordo com Horst e Orzechowski (2017,
p.195) “o atendimento interdisciplinar possibilita um atendimento diferenciado, centrado
na integralidade e qualidade na saúde do indivíduo, pressupondo um resultado positivo,
pelo fato de não ser tratado somente a sua queixa”. A interdisciplinaridade é uma estratégia
para o atendimento humanizado, em que as equipes “[...] buscam atuar resgatando a
atenção integral de seus pacientes, olhando para além da queixa objetiva buscando desvelar
suas necessidades também subjetivas, integral procurando desenvolver uma prática
humanizada e seus pacientes (HORT; ORZECHOWSKI, 2017, p. 200).
Segundo Cunha e Campos (2011, p.965), o “Apoio Matricial em saúde objetiva
assegurar retaguarda especializada a equipes e profissionais encarregados da atenção a

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problemas de saúde, de maneira personalizada e interativa”, podendo oferecer tanto um


respaldo à assistência aos pacientes quanto apoio técnico-pedagógico às equipes de
referência. Nesse sentido, essa ferramenta no trabalho em saúde permite minimizar a
fragmentação da atenção, bem como melhora a responsabilização dos vários atores
envolvidos no processo de atendimento ao usuário, facilitando o trabalho em rede e
permitindo uma maior integralidade na resolutividade do caso clínico atendido.
A interprofissionalidade, viabilizada pela atuação do NASF-AB, visa atender aos
princípios do SUS de integralidade e resolutividade. Deixar de garantir esse tipo de
atendimento é priorizar questões administrativas e financeiras ao invés de partir das
questões da saúde da população para formular o SUS e representa um desmonte da AB. Há
o risco de uma atuação pautada no modelo biomédico, sem a reflexão crítica acerca da
realidade que converge nos sintomas apresentados. Para a população significa a extinção
de uma oportunidade de ampliar o acesso à saúde para além da equipe mínima disponível.
Assim, “[...] a nova política pode contribuir para reverter conquistas históricas de redução
de desigualdades em saúde, ocorridas desde a implantação do SUS e da ESF. Trata-se,
portanto, de um retrocesso que deve ser enfrentado pelo conjunto da sociedade brasileira”
(MASSUDA, 2020, p.1186).

4 CONSIDERAÇÕES FINAIS
O Nasf-AB, enquanto uma equipe interprofissional, visa um processo de trabalho
compartilhado através de suas diretrizes e responsabilidades de atuação, proporcionando
impactos positivos para a atuação da promoção e prevenção em saúde e para que a
população tenha acesso a um atendimento integral.
A análise documental proporcionou a observação atenta de que os argumentos
para a exclusão de novas equipes Nasf-AB são rasos e incoerentes, pois o novo
financiamento abarca necessidades e métodos que já eram contemplados pelo Nasf-AB
e/ou coloca a liberdade financeira e administrativa acima da qualidade do serviço de saúde
e do acesso da população. Relevante ressaltar que excluir uma das principais estratégias
de interprofissionalidade da AB não garante que a atuação da equipe prioritária ocorra de
maneira integrada, interdisciplinar e multiprofissional, uma vez que será necessário maior
contratação de profissionais para as unidades de saúde, o que não condiz com a realidade
dos municípios de pequeno porte, infringindo os princípios de resolutividade,
descentralização e longitudinalidade da assistência, sem apoio matricial e dependentes da
ampliação da EqSF para ser contemplada com o conhecimento específico de outras áreas.

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Considera-se, por fim, que os usuários do SUS, sobretudo da AB, necessitam de


atendimento integral, multiprofissional e descentralizado, sendo imprescindível a
continuidade do Nasf-AB no atendimento à população, por garantir a implementação das
ações características da AB e oferecer qualidade de vida aos usuários através do
cumprimento do princípio da integralidade, e que deve ser uma estratégia inclusa no novo
financiamento da Atenção Básica.

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Brazilian Journal of Development, Curitiba, v.7, n.1, p.5362-5372 jan. 2021

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