Funk Como Metodo Pedagogico Na Educacao Musical

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Funk como método pedagógico na Educação Musical

Lázaro Licasalio1*; Fernanda Agum1


1
Instituto Federal de Educação,Ciência e Tecnologia Fluminense campus Campos-Guarus
*[email protected]

Resumo
O presente trabalho visa contribuir com as discussões existentes a respeito do Funk no contexto da
educação básica, tendo como suporte uma compreensão democrática que reconheça os conhecimentos
desse movimento marginalizado e experiências em sua vertente crítica e transformadora da educação
popular de base Freiriana. Este estudo foi realizado por meio de uma pesquisa historiográfica do estilo
musical, fomentando debates que giram em torno deste tema, como criminalização e perseguição dessa
cultura popular, provocando questionamentos e reflexões sobre como o Funk pode servir para promoção
de diálogos e motivações curriculares, contribuindo para o envolvimento dos educandos em um processo
de reconhecimento como sujeitos sociais e protagonistas de suas histórias. Procurando ainda aproximar
o campo teórico de formação do campo prático através de um mapeamento experenciado com métodos
pedagógicos em um Colégio Estadual no interior do Rio de Janeiro.

Palavras-chave: Pedagogia Musical, Funk e Instituição Escolar

1. Introdução
Muitas vezes marginalizado, o funk sempre foi e é um gênero de expressão musical/cultural
visto como vulgar e tocado no submundo da música brasileira, mas o gênero sempre me atraiu
de alguma forma, estando presente em toda minha vida, e conforme o tempo passava fui
adquirindo cada vez mais gosto pelas músicas, batidas e me questionando a respeito das
constantes críticas. Com o tempo, percebi que tais críticas são infundadas e reproduzem um
preconceito profundamente arraigado em nossa sociedade, principalmente porque “é um som
de preto, e de favelado”.
Enquanto estive participando do estágio supervisionado do curso de Licenciatura em
Música, percebi que poderia iniciar essa pesquisa pensando no Funk como método pedagógico
voltado para a educação musical, me aproximando dos ideais de Paulo Freire, olhando o entorno
para trabalhar a partir das vivências dos educandos que faziam parte daquela escola. Ao fim das
atividades de estágio, pedi uma autorização as diretoras da instituição para desenvolver algumas
atividades com os educandos de todo ensino fundamental II, prontamente meu pedido foi
atendido, e tive total liberdade para estar com os educandos em sala de aula.
Um ritmo escrito em compasso quaternário, com o primeiro tempo acentuado é a
característica marcante do Funk e ao longo dos anos, foi possível que o ritmo passou por
diversas transformações, adquirindo caráter próprio, tornando-se uma expressão cultural única.
E, nesse processo de nacionalização, o ritmo adquiriu novos elementos com características
musicais regionais, que abre um leque de possibilidades que podem ser explorados em sala de
aula, fazendo com que a instituição escolar consiga conectar essa cultura juvenil ao contexto e
que vivem.
Gomes (2003)[1] enfatiza que os educadores devem compreender como povos historicamente
diferentes classificaram a si mesmos e aos outros. E que também é tarefa dos educadores
compreender a gama de representações do negro que existem na sociedade e nas escolas, e
enfatizar as representações positivas construídas politicamente pelos movimentos negros e pela
comunidade negra.
Leis importantes e, no entanto, tardias, foram criadas, a exemplo a Lei 10.639/03, que
oficializa o dia 20 de novembro como dia Nacional da Consciência Negra, e que torna
obrigatório o ensino de Cultura Afro-brasileira a fim de assegurar o sentimento de
pertencimento e conhecimento de sua história, aos educandos brasileiros, os colocando em um
novo patamar, o de protagonistas.
Associada à juventude negra da classe popular brasileira, a diáspora do funk se manifesta
através da música, do corpo e do estilo. O funk pode ser entendido como uma interessante
expressão da cultura popular, não apenas um gênero musical, o gênero é um modo de vida para
os jovens brasileiros. Esse modo de vida é caracterizado por referências à cultura negra, no
entanto amando ou odiando o funk, ele vai muito além do jogo de dicotomia entre perseguição
e resistência, apego e rejeição. O que não pode ser ignorado é o impacto social e cultural do
funk. O gênero atravessa décadas e é hoje uma das principais forças de socialização e lazer em
comunidades pobres no país.

2. Métodos

2.1. Metodologia

A música é uma forma natural de comunicação humana, uma forma específica de expressão
que não pode ser substituída por nenhuma outra. Podemos nos perguntar como as palavras são
diferentes da música. Ao tentar defini-la, Schafer (1992)[2] argumentou que "a linguagem é
comunicação por meio da organização simbólica de fonemas" e "música é comunicação por
meio da organização de sons e objetos sonoros". Ainda acrescenta: "Para que a linguagem
funcione como música, ela deve primeiro fazê-la soar, e então tornar esses sons festivos e
significativos. Quando os sons ganham vida, o significado morre, e quando as palavras se
tornam canções, as palavras têm significado (1992, p. 239-240).
Portanto para investigar, mapear e refletir às práticas educacionais, os passos metodológicos
que conduziram essa pesquisa qualitativa, partiu de uma análise sobre os principais motivos
para a utilização do funk no ensino da escola pública, a fim de levantar debates em sala de aula
que possibilitem a elaboração de argumentos consistentes, que possam ser utilizados na
formação de opinião dos educandos.
Derivando-se dessas concepções, atividades nas quais o Funk seja um poderoso método
pedagógico na educação musical, foram planejadas e reproduzidas em um Colégio Estadual, no
município de Campos dos Goytacazes, interior do Rio de Janeiro, com o intuito de contribuir
para a efetivação do ensino de música na educação básica e a afirmação do gênero musical
quanto recurso motivador.
As atividades contaram com a participação de educandos de quatro salas do 6°, 7°, 8° e uma
do 9° ano, com uma média de 30 crianças por turma, por cerca de 1 mês. O colégio em que
foram aplicadas foi fundado em 1962 e está inserido numa zona periférica da cidade, sendo que
o perfil socioeconômico dos alunos é da classe menos abastada da sociedade, sendo a maioria
classificada, segundo a composição étnica, como negros ou pardos.
3. Resultados e Discussão
O funk como método pedagógico pôde ser justificado, aproximando o conteúdo escolar da
real situação dos educandos, fazendo com que o uso do gênero em sala de aula fosse uma
aproximação dos conhecimentos fornecidos pelos educandos, ao mesmo tempo em que
contribuiu para a construção de uma educação antirracista. E ao utilizar de práticas sociais
letradas do universo do aluno, foi possível estar ideologicamente reconhecendo o seu discurso
e criando dentro da escola um espaço mais democrático e acolhedor da diversidade
Além de pensar nas possibilidades que temos de trabalhar com o Funk de uma forma muito
rica e criativa em sala de aula, permitiu que educandos que nunca foram expostos ao trabalho
criativo pudessem se expressar livremente. Isso também levou em conta a precariedade de
aquisição de instrumentos musicais na educação formal. Como o funk está tão intimamente
relacionado com a ideia de composição, foi possível traçar paralelos com o que alguns
educadores musicais têm dito, que a composição é uma das formas mais ricas de se trabalhar
em música.
A atividade de criação deixou os educandos empolgados, pois foi mais um momento
descontraído, divertido em que puderam explorar suas playlists e exercitar a escrita e imaginação,
A proposta didática relacionada, executada no Colégio foram com as músicas de paródia, os
educandos tiveram que pensar em uma música do gênero Funk, escolher apenas um trecho e
mudar a letra da música criando assim a paródia musical, sem mudar o ritmo.
Outra prática de criação incluiu também fazer uma contextualização histórica, com as
chamadas fanfics, entendendo onde o Funk ocorreu e ocorre nos dias de hoje, entendendo por
que esse gênero, tão comum em nosso cotidiano, deve ser discutido e estudado, além de que foi
possível fornecer uma base para a conexão interdisciplinar.
A realização da contextualização histórica dentro da sala de aula não foi uma proposta
isolada, pois existe em vários os outros pontos levantados neste trabalho, como por exemplo,
para analisar um estilo em profundidade, devemos saber que outros gêneros musicais
influenciaram ou ainda influenciam ele para que se tornasse o que é. E para entender o
surgimento de subgêneros em estilos musicais como o funk, é preciso entender o contexto
histórico em que o gênero surgiu, e a ideia de fazer produção literária em uma linguagem
adolescente faz com que o conteúdo seja absorvido de maneira lúdica dentro do contexto em
que estão habituados.
No entanto, discutir a existência do Funk como parte do ensino de música nas escolas começa
no refletir sobre seu papel no processo de formação humana e as limitações de caracterizar a
particularidade das instituições escolares, compreender fenômenos educacionais à luz das
concepções que traçaram o caminho histórico que vieram a estruturar a educação e a música.

4. Conclusões
A análise do Funk como método pedagógico voltado para a educação musical, teve
implicações importantes para a contribuição com a discussão sobre a compreensão e integração
dos alunos do ciclo básico em contextos culturais, sociais, históricos e sociológicos presentes
no estilo musical. “Pensar as formas de atravessamento que as aulas poderiam causar na
formação dos educandos foi uma maneira não só de descolonizar (Oliveira e Candau, 2010)[3]
o pensamento a respeito do uso de fontes históricas de favelas e periferias na sala de aula,
atravessando o currículo tradicional, mas também de uma constante busca por uma educação
como prática da liberdade.”.
Trabalhando nas escolas, o Funk pode contribuir para a valorização da cultura popular negra.
Pois com uma linguagem moderna e de fácil apelo entre jovens, principalmente nas periferias,
o Funk deixa de ser percebido pelo seu aspecto meramente musical e passa a ser considerado
uma linguagem de negros e favelados, descendente em parte de batuques africanos e espaço por
excelência da agência negra. Portanto, o uso do funk em sala de aula também deve ser
justificado, pois pode aproximar o conteúdo da escola da realidade dos alunos, pois, como
argumenta Paulo Freire, ensinar exige respeito aos saberes dos educandos (FREIRE, 1996, p.
15)[4].
Com esse trabalho, se epera que ele possa servir de inspiração para outros pesquisadores,
educadores e educandos conhecerem mais sobre o Funk e a importância dos valores musicais e
simbólicos de trazer tais expressões culturais para as instituições escolares. Espero que os
educadores musicais vejam o potencial do funk como meio de desenvolver instituições mais
criativas e inclusivas, contra a educação musical, que no Brasil em geral é quase totalmente
voltada para técnica e teoria, no entanto estas sozinhas não dizem nada, e deveriam sempre ser
encaradas como meios para um fim, e não serem o objetivo principal de uma instituição que
visa ensinar o fazer musical. Para isso, deve haver trabalhos, como esse, práticos e relacionados
à música, composição, audição e criação; pois em muitos casos, são deixados de lado nas
instituições escolares.
O funk é um gênero democrático e diretamente ligado com o trabalho de criação, a partir
disto, recomendo que nós educadores o usemos para construir uma educação melhor, uma
educação em que a criação musical possa acontecer, uma educação que tenha um valor
simbólico real para educandos e educadores, uma educação que seja verdadeiramente para
todos.

Agradecimentos
Agradeço a minha orientadora Fernanda Agum, pela confiança e grandes contribuições com
trocas que muito agregaram no meu desenvolvimento, acompanhando de perto toda minha
trajetória enquanto discente do curso de licenciatura em música.
Às diretoras do Colégio Estadual Desembargador Álvaro Ferreira Pinto, juntamente dos
professores pela receptividade, carinho, acolhimento e grande apoio para o desenvolvimento
desta pesquisa, participando das atividades pedagógicas. E também todos educandos que
participaram, direta ou indiretamente do desenvolvimento deste trabalho de pesquisa,
enriquecendo todo meu processo de aprendizado.

Referências
[1] GOMES, Nilma Lino. Cultura negra e educação. Revista Brasileira de Educação, Belo Horizonte, v. 23, p. 1-
11, 2003.
[2] SCHAFER, Raymond Murray. O ouvido pensante. Tradução de Marisa T. O. Fonterrada, Magda R. G. Silva
e Maria Lúcia Pascoal, São Paulo: Editora UNESP, 1991.
[3] OLIVEIRA, Luiz; CANDAU, Vera. Pedagogia Decolonial e Educação Antirracista e Intercultural No Brasil.
2010.
[4] FREIRE, Paulo. Pedagogia da autonomia: saberes necessários a pratica educativa. São Paulo: Paz e Terra,
1996.

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