Artigo - Diego Willams Santos Oliveira

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CENTRO UNIVERSITÁRIO TABOSA DE ALMEIDA

ASCES-UNITA
CURSO DE DIREITO

O PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR NA POLÍCIA


MILITAR DE PERNAMBUCO COMO INSTRUMENTO DE
EFETIVAÇÃO AO DIREITO FUNDAMENTAL DO DEVIDO PROCESSO
LEGAL

DIEGO WILLAMS SANTOS OLIVEIRA

CARUARU
2019
DIEGO WILLAMS SANTOS OLIVEIRA

O PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR NA POLÍCIA


MILITAR DE PERNAMBUCO COMO INSTRUMENTO DE
EFETIVAÇÃO AO DIREITO FUNDAMENTAL DO DEVIDO PROCESSO
LEGAL

Artigo apresentado como Trabalho de Conclusão


de Curso (TCC) para graduação em Direito no
Centro Universitário Tabosa de Almeida
ASCES/UNITA, orientado pelo Prof. Dr. Ademario
Tavares.

CARUARU
2019
BANCA EXAMINADORA

Aprovada em: ___/___/___

__________________________________

Presidente – Prof. Dr. Ademario Tavares

_____________________________________

Primeiro Avaliador

_____________________________________

Segundo Avaliador
RESUMO

O processo administrativo disciplinar no âmbito da Polícia Militar de Pernambuco se


coaduna com o ordenamento jurídico nacional vigente em consonância com os
direitos e garantias fundamentais e com o fim de preservar a hierarquia e disciplina
das instituições militares. Todavia, uma interpretação equivocada por parte da
autoridade administrativa pode violar o devido processo legal e consequentemente
gerar insegurança jurídica aos militares estaduais no tocante ao vínculo
administrativo disciplinar. A Administração Pública tem o dever de promover o bem
comum e, deve utilizar dos meios necessários em sede de processo administrativo
disciplinar para atingir esta finalidade, entretanto, jamais esse poder/dever terá o
condão de mitigar direitos fundamentais em detrimento do segmento profissional dos
militares, mesmo com o compromisso do risco da própria vida.

Palavras-Chave: Processo Administrativo Disciplinar; Direito Fundamental; Devido


Processo Legal; Compromisso; Policial Militar.
ABSTRACT

The administrative disciplinary process in the scope of the Military Police of


Pernambuco is in line with the national legal system in force in accordance with the
fundamental rights and guarantees and with the purpose of preserving the hierarchy
and discipline of military institutions. However, a misinterpretation by the
administrative authority may violate due process of law and consequently create
legal uncertainty for the state military regarding the administrative disciplinary link.
The Public Administration has the duty to promote the common good and must use
the necessary means in administrative disciplinary process to achieve this purpose,
however, this power / duty will never have the power to mitigate fundamental rights to
the detriment of the professional segment of the military, even with the commitment
of life risk.

Keywords: Administrative Disciplinary Process; Fundamental right; Due Process


Legal; Commitment; Military police;
SUMÁRIO

INTRODUÇÃO 6

1. DIREITOS FUNDAMENTAIS E HUMANOS APLICADOS AOS MEMBROS


7
DAS FORÇAS DE SEGURANÇA PÚBLICA.

2. DO PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR E DA TRANSGRESSÃO


15
DISCIPLINAR.

3. LIMITAÇÕES CONSTITUCIONAIS AO COMPROMISSO FIRMADO PELO


19
AGENTE DE SEGURANÇA PÚBLICA.

4. A NATUREZA JURÍDICA E AS ESPÉCIES DE PENAS E PROCESSOS


24
ADMINISTRATIVOS DISCIPLINARES MILITARES

CONCLUSÃO 30

REFERÊNCIAS 33
6

INTRODUÇÃO

O presente artigo tem por objetivo proceder à análise do processo


administrativo disciplinar na apuração das transgressões dos agentes públicos
militares no âmbito da Polícia Militar de Pernambuco, de modo a observar os
princípios basilares da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, que
foi reconhecida como a “constituição cidadã”, pois garante a todos os cidadãos,
independente de origem, raça, sexo, cor, idade ou profissão o direito de usufruir das
garantias constitucionais fundamentais frente aos abusos e excessos que podem ser
perpetrados pelo Estado e seus agentes públicos.
Outrossim, após trinta anos da promulgação da constituinte e dada a
exponencial efetivação da aplicabilidade direta das normas constitucionais ao caso
concreto, fenômeno este impulsionado devido à acessibilidade e ampliação do
conhecimento dos cidadãos quanto ao direito constitucional, torna-se imperioso e
inadmissível que alguns dispositivos de uma lei promulgada posteriormente como,
por exemplo, o Código Disciplinar dos Militares do Estado de Pernambuco, Lei nº
11.817, de 24 de julho de 2000, possa vigorar no ordenamento jurídico vigente não
se coadunando com a Carta Magna.
É certo que por outro lado, o Estado detém o jus puniendi, que é o poder-
dever no sentido de sancionar os agentes transgressores com vistas a evitar
prejuízos para a Administração Pública. E essa sanção deve obrigatoriamente
observar o devido processo legal e o limite constitucional estabelecido com o fim de
desviar-se de exacerbações que maculam o processo administrativo disciplinar,
gerando nulidades formais ou materiais que viciam o processo.
Em hipótese alguma este trabalho almeja esgotar o tema relativo ao processo
administrativo disciplinar no âmbito da Polícia Militar de Pernambuco ou eliminar a
discussão da matéria consoante à esfera jurídica, mas visa trazer de forma simples e
pedagógica no meio acadêmico, o fomento para que se avance o Direito Militar no
intuito de gerar benefícios para o agente público militar e consequentemente o bem-
estar social como um todo.
Os agentes públicos que exercem funções na categoria militar devem ter um
regulamento diferenciado dos civis, que se justifica dada a especialidade da matéria
e especificidades da profissão com suas peculiaridades. Esta constatação não
7

afasta, porém, direitos e prerrogativas inerentes aos militares que estão inseridos
nesta sociedade.
O artigo em questão traz à baila os aspectos constitucionais e legais
consoantes ao processo administrativo disciplinar no âmbito da Polícia Militar de
Pernambuco, expondo sua relevância jurídica e importância para a Administração
Pública e, concomitantemente, para o bem-estar do agente público militar no
desempenho dos serviços públicos a ele inerentes de modo a evitar sanções
desproporcionais. O método de abordagem utilizado foi o de pesquisa exploratória
que segundo Gil (1999) tem como principal finalidade desenvolver, esclarecer e
modificar conceitos e ideias, com vistas na formulação de problemas mais precisos
ou hipóteses pesquisáveis para estudos posteriores. E a técnica de pesquisa
bibliográfica que segundo Lakatos (1991) consiste em pré-fase que engloba a
leitura, com análise interpretativa textual no que diz respeito a toda pesquisa, é
elaborada com base em material já publicado, como, livros, artigos e material
disponível na Internet.
A base jurídica pesquisada foi a Constituição Federal, normas
infraconstitucionais e posicionamentos doutrinários. No entanto, houve ainda o
exame pormenorizado de aspectos legais específicos, os quais regem a matéria do
processo administrativo disciplinar na Polícia Militar de Pernambuco.
Vale destacar que a discussão e o fomento no tocante aos temas aqui
abordados revelará maior segurança para os operadores das ciências jurídicas e
aplicadores do direito teleologicamente na pacificação dos conflitos, haja vista a
escassez de material doutrinário referente ao tema.

1. DIREITOS FUNDAMENTAIS E HUMANOS APLICADOS AOS MEMBROS


DAS FORÇAS DE SEGURANÇA PÚBLICA.

Em um primeiro momento impende afirmar que os direitos humanos e


fundamentais são destinados a todas as pessoas. Os membros das forças de
segurança pública são destinatários, bem como toda a sociedade,
independentemente de cor, raça, sexo, crença religiosa, profissão ou qualquer outra
característica que qualifique o ser humano, todas as pessoas naturais, sejam
nacionais natos, naturalizados, estrangeiros residentes no país ou não, e até mesmo
as pessoas que não possuem nacionalidade (apátridas), gozam do instituto ante a
8

natureza universal dos direitos humanos e fundamentais. Sendo assim, os membros


das forças armadas e, por extensão, os policiais e bombeiros militares, estão
inseridos neste contexto constitucional. Partindo dessa premissa, pode-se afirmar
que estes destinatários da norma constituinte podem gozar e usufruir destes direitos,
ainda que com alguma limitação, posto que são legítimos detentores de direitos
humanos que se aplicam a sociedade em geral, não havendo qualquer distinção ou
acepção de pessoa.
Desta forma, a interpretação no que se refere aos direitos humanos e
fundamentais inerentes à pessoa humana na qualidade de militar estadual deve
ser desmistificada, e assim, se resguardar esses direitos tão essenciais num Estado
democrático de direito. Entretanto, pode se afirmar que existem pontuais violações,
que se estabelecem e são perpetradas pela ausência de conhecimento dos que são
acometidos com essas sanções.
De maneira globalizante, os direitos humanos abrangem os conceitos de
direitos do homem que são inatos a todos os seres humanos como, por exemplo,
vida e liberdade, bem como os direitos fundamentais que se caracterizam por
estarem positivados por um processo Constituinte. Sendo assim, entende-se por
direitos humanos a totalidade de normas jurídicas externas e internas que tem o
objetivo de tutelar direitos à pessoa humana, contidas em normas como as
Constituições dos Estados, tratados, pactos internacionais, legislação
infraconstitucional dos Estados, convenções e acordos internacionais.
Impende sobrelevar que o gênero são os direitos individuais, na medida em
que as espécies são os direitos do homem, fundamentais e humanos. Desta forma,
considera-se como direitos de primeira geração, pois o seu conteúdo impinge no
âmbito de interesse tutelado de um ser humano.
Nesse diapasão, o regime jurídico dos direitos individuais se destaca pela sua
robustez, com características que merecem e devem ser destacadas para que se
tenha uma compreensão da amplitude e profundidade dos direitos humanos no
tocante a aplicação aos membros das forças de segurança pública.
As características revelam-se na universalidade, onde todo ser humano
(inclusive o policial militar apesar de estar submetido à hierarquia, disciplina e
legislação específica) é sujeito ativo no que concerne a esses direitos e pode
postular em foro de abrangência nacional ou internacional a sua proteção. A
indivisibilidade é um conjunto de direitos que não pode ser dividido e a
9

interdependência vincula esses direitos, desta forma, não se podem dividir os


direitos do policial militar, tampouco, mitigar a uma condição dependência.
Na inter-relacionalidade, o indivíduo tem a possibilidade de escolher o meio
hábil que proteja o seu direito, quer seja uma tutela globalizada ou regionalizada. A
imprescritibilidade é uma característica essencial, visto que os direitos humanos são
eternos, pois não sofrem mudanças com o decurso tempo. A individualidade é uma
marca dos direitos humanos, em razão de ser exercida por somente um indivíduo.
Desta forma, é um direito individual inerente a cada ser humano, incluindo os
policiais militares, não se admitindo a ideia de segregação por causa de segmento
profissional.
Na complementariedade, não existe hierarquia nos direitos humanos, para
uma exata compreensão se faz necessário uma interpretação conjunta de direitos.
Na inviolabilidade, nenhum indivíduo ou autoridade (administrativa militar) pode
violar ou descumprir os direitos humanos. Já na indisponibilidade, igualmente
qualquer pessoa seja militar ou civil não pode dispor desses direitos. A
inalienabilidade revela-se em não existir a possibilidade de comercializar os direitos
humanos.
A historicidade vincula os direitos humanos de forma cultural e histórica ao
desenvolvimento humano. Na irrenunciabilidade, os agentes de segurança (como
qualquer pessoa) não podem renunciar aos direitos humanos. Uma característica
que merece destaque é a vedação do retrocesso, no momento em que se
estabelecem os direitos humanos, não se admite limitação ou diminuição desses
direitos. Neste sentido, essa característica premente tem aplicação cogente aos
membros das forças de segurança pública.
Na inerência, os direitos humanos estão ligados naturalmente aos seres
humanos em geral. Na efetividade, o Estado deve garantir que os direitos humanos
sejam efetivados, inclusive aos policiais militares, pois são garantidores dos direitos
humanos para toda sociedade e, nesse contexto não seria razoável excluir os
militares que protegem direitos e garantias fundamentais.
A característica da essencialidade dos direitos humanos é vital a todo ser
humano, concebendo-se uma divisão material e formal no intuito de garantir uma
maior proteção frente aos abusos que podem ser perpetrados pelo Estado e seus
agentes. A limitabilidade é característica interessante, pois demonstra que em
10

situações excepcionais com previsão legislativa os direitos humanos podem ser


limitados.
Por fim os direitos humanos são inesgotáveis ou inexauríveis, ou seja, não
estão delimitados em um rol fechado ou taxativo, mas ampliam-se no decurso do
tempo de acordo com a evolução da sociedade. Ante o exposto, o conceito e
características dos direitos humanos revela que são direitos fundamentais que
ganharam status constitucional, ou seja, saíram do plano jusnaturalista do direito
internacional e passaram para o plano positivo do direito constitucional, de modo a
gerar maior efetividade para a sociedade no plano interno, bem como para os
agentes de segurança pública como um todo.
Um tema que não pode ser deixado de lado no que diz respeito aos direitos
fundamentais é o princípio da igualdade, que se revela em formal, quando todos têm
tratamento igualitário perante a lei sem existir qualquer tipo de distinção subjetiva.
Há também a igualdade material, que consiste em tratar os iguais na proporção de
sua igualdade e atribuir tratamento desigual aos desiguais na medida de suas
desigualdades, para que haja um equilíbrio nas relações jurídicas tuteladas pelo
Estado revelando eficácia vertical.
A temática acima ventilada tem sua importância no contexto, visto que o
princípio da igualdade também se aplica aos membros das forças de segurança
pública, de modo a refutar e concomitantemente eliminar uma interpretação
unilateral descabida que comprometa a interpretação teleológica e sistemática
quanto a esse princípio fundamental, respeitadas as limitações e restrições
constitucionais no que concerne às regras de competências estabelecidas na
legislação nacional vigente.
A limitação dos direitos fundamentais é outro assunto que não pode deixar de
ser trazido à baila, pois não há no sistema normativo interno direito absoluto. Desta
forma, os direitos fundamentais são atingidos pela relativização e restrição que se
apresenta no caso concreto, onde o magistrado deverá sopesar levando em conta
que não existe um direito fundamental que esteja acima dos outros ou que não se
possa tocar e mitigar nos casos permitidos pela Carta Magna.
Todavia, essa limitação também sofre uma restrição devido à evolução do
direito constitucional conforme Luciano Dutra (2017). Este autor destaca que
fundado na “teoria dos limites dos limites” aos direitos fundamentais (chamado pela
doutrina alemã de Schranken-Schranken). Esta teoria dos limites dos limites à
11

restrição ao direito fundamental é consequência resultante da interpretação


sistemática da Constituição Federal, e só tem validade se respeitar o núcleo
essencial da Carta Política. O núcleo essencial é o elemento ínfimo e intocável do
direito fundamental, sendo obrigação por parte do legislador e intérprete, bem como
do executor, tutelar em qualquer circunstância, pois o seu não atendimento pode
levar a uma insegurança jurídica gravíssima.
Não se pode conceber esse desnível constitucional em mitigar um direito
fundamental em relação aos agentes de segurança pública, visto que o simples
argumento de ser militar não justifica nem se coaduna aos ideais perquiridos de
justiça e democracia que estão estatuídos no texto constitucional. À vista disso, o
que se infere é um atrelamento dos direitos fundamentais e humanos ao militar, pois
é detentor e destinatário desses direitos. Desta forma, um desnível constitucional em
relação aos militares no tocante aos direitos fundamentais e humanos, revela-se
inacreditável e contestável diante do ordenamento jurídico brasileiro; não se admite
uma interpretação em que o Estado concede direitos a todos os cidadãos e
concomitantemente impeça que específico segmento profissional usufrua desses
direitos. Deste modo, evidentemente, a norma constitucional originária, garante
esses direitos aos militares com base na característica da universalidade dos direitos
fundamentais e humanos.
Os agentes militares - sejam da União ou dos Estados - estão regidos por
Estatutos, vale dizer, que, cada Estado Federado tem o seu respectivo estatuto no
tocante aos policiais e bombeiros militares. As Forças Armadas são regidas por
normas federais próprias. Desta feita, extrai-se de forma ainda que sucinta que os
estatutos disciplinam regras de cunho geral e específico referentes à carreira militar,
trazendo o conceito de militar, as pessoas que se encaixam no conceito de militar,
as garantias e prerrogativas de cada posto e graduação, como também, honrarias,
obrigações, direitos e deveres e os critérios de promoção baseados na antiguidade,
merecimento, além de outros critérios. Ressalte-se que basicamente os militares são
divididos em postos em relação aos oficiais e graduação referente às praças. Tudo
isso que foi exposto acima pauta-se na hierarquia e disciplina como princípios
basilares das instituições militares.
No que se refere à legislação dos militares e sua relação com os direitos
fundamentais estabelecidos na Constituição Federal de 1988, é comum quando se
menciona a disciplina jurídica que regulamenta os militares, a afirmação de que
12

estes são regidos por legislação própria, e até mesmo em sentenças judiciais se
emprega este conceito, embora não deixe de ser em parte verdadeiro, visto que os
militares realmente estão submetidos aos seus estatutos, regulamentos e códigos.
Nesse sentido se suscita de forma equivocada, que os militares estariam
separados de outras disciplinas jurídicas como o Direito Civil e Processo Civil. O que
na verdade se busca com esse argumento é justificar a imposição de limitações para
essa categoria de profissionais, e que, por muitas vezes até no meio laboral dos
próprios militares se difunde esse tipo de afirmação. O que restaria configurado
como um retrocesso e afronta ao Estado Democrático de Direito.
Apesar de que se vivencia, no Brasil, um regime democrático de direito, ainda
é muito corriqueiro notar o uso da argumentação de que os militares, de forma geral,
são regulamentados por legislação específica, e que de certo modo tem sua razão
de ser. No entanto, até determinado ponto de vista pode ser correta essa afirmação,
visto que, apesar de estarem submetidos a códigos, estatutos e regulamentos, em
hipótese nenhuma estas leis infraconstitucionais fundadas na hierarquia e disciplina
que são os pilares da vida castrense, terão o condão de se sobrepor a norma
fundante do ordenamento jurídico que é a Carta Magna, ou eliminar direitos
fundamentais e humanos que são garantidos a todos os humanos (os direitos
humanos), inclusive os membros das forças de segurança pública.
Imprescindível destacar aos que enveredam pelo caminho de tentar justificar
restrições aos agentes de segurança pública, fundados sob o argumento de que é
para a manutenção da hierarquia e disciplina ou pelo motivo de estarem os militares
submetidos a uma legislação específica, revela-se contrária aos fundamentos e
princípios constitucionais dos direitos fundamentais e humanos.
É fato que os militares, pelas especificidades peculiares de suas atividades
laborais, se impõem regulamentos específicos com bases na hierarquia e disciplina
e, por conseguinte se estendem seus conceitos e valores aos códigos disciplinares
de modo a adequar a vida na caserna. Todavia, a situação de estarem submetidos à
hierarquia e disciplina e seus estatutos que regulam os comportamentos no âmbito
militar, não formam elementos jurídicos hábeis suficientes para retirar dos militares
direitos garantidos na Constituição.
Nesse contexto, a hierarquia se traduz na distribuição de atribuições e
competências e funções de forma escalonada, assim sendo, quanto maior o grau
hierárquico, igualmente será maior a carga de responsabilidades. Já a disciplina
13

revela-se no fiel cumprimento das obrigações e deveres no pronto atendimento das


ordens manifestamente legais emitidas por superiores hierárquicos que por
consequência haja um vínculo jurídico de subordinação funcional.
Sendo assim, a qualidade de militares não retira direitos, ante a alegação
extremamente errônea de que por serem os militares regidos por legislação própria,
teriam seus direitos constitucionais mitigados, visto que estão pautados na
hierarquia e disciplina. A hierarquia, segundo Guilhermo (2001 apud ASSIS, 2012) é
a posição em que cada integrante militar ocupa na escala hierárquica com graus de
responsabilidades e atribuições distintas. Quanto maior o posto, maior será a
responsabilidade.
No mesmo sentido corrobora Tomaz (2001 apud ASSIS, 2012), dizendo que
“a base da instituição militar é a hierarquia”. Outrossim, Luna Paulino (1998 apud
ASSIS, 2012) esclarece que “a hierarquia é a capacidade de liderança sobre os seus
componentes, que está devidamente regulamentada por lei”. E prosseguindo, Jorge
César de Assis (2012), coloca como sendo “conditio sine qua non que garante a
existência das instituições militares”.
Em hipótese alguma a submissão dos militares ao regime de hierarquia e
disciplina justifica a limitação de direitos fundamentais de status constitucional, que
no caso em tela, revelaria grave lesão a um bem tão importante e juridicamente
tutelado. A prática de limitar direitos em detrimento de seguimento profissional
mostra-se extremamente frágil e falho, não se coadunando com os preceitos
estabelecidos na Carta Magna nacional vigente. Talvez esse entendimento de
limitação permaneça nos dias atuais por causa do período da ditadura militar que
vigorou durante 21 anos antes da Constituição Federal de 1988, pois a hierarquia e
a disciplina que são a base das instituições militares, e não tem o condão de
sobrepujar, mitigar ou eliminar direitos fundamentais como o do devido processo
legal.
Para uma melhor noção de direito militar, é oportuno trazer o entendimento de
Assis (2012) que afirma:

A sociedade militar é peculiar; possui modus vivendi próprio; todavia,


submete-se aos princípios gerais do direito, amoldando-se ao
ordenamento jurídico nacional; pode e deve ser submetida ao
controle judicial do qual ninguém pode furtar-se. Esta peculiaridade
exige sacrifícios extremos (a própria vida), que é mais do que
14

simples risco de serviço das atividades tidas como penosas ou


insalubres como um todo.
Para condições tão especiais de trabalho, especial também será o
regime disciplinar, de modo a conciliar tanto os interesses da
instituição como os direitos dos que a ele se submetem. A rigidez do
regime disciplinar e a severidade das sanções não podem ser
confundidas como supressão dos seus direitos.

Da análise dos ensinamentos elencados, emerge limitações no tocante à


conjuntura no desempenho da atividade policial militar, onde se chega à conclusão
de tudo apurado após cognição exauriente que o agente de segurança pública
possui um modo de viver próprio e peculiar.
Destarte, que segundo Assis (2012) “o Direito Militar é compreendido como o
conjunto legislativo consubstanciado no Direito Penal Militar e o Direito Disciplinar
Militar que liga tanto as Forças Armadas como as polícias militares e os corpos de
bombeiros militares, subsumindo esses agentes a estes regramentos, o que implica
em restrição do conceito”.
Já Bisnetto (2018) destaca que “o Direito Militar compreende o Direito Penal
Militar, Processo Penal Militar e Direito Administrativo Militar”.
O Direito Penal Militar, bem como o Processo Penal Militar se voltam para a
subsunção dos crimes propriamente militares, tendo como objetivo identificar a
autoria e materialidade do delito. Entretanto, o Direito Administrativo Militar está
pautado em normas administrativas que se aplicam aos membros das forças de
segurança pública, bem como as regras que regem o desenvolvimento do Processo
Administrativo Disciplinar.
É certo que o Direito Militar nas esferas criminal e administrativa como
matérias específicas, estão abaixo da Constituição Federal, e, portanto,
subordinados aos preceitos estabelecidos no texto maior e consequentemente aos
direitos fundamentais e humanos.
Logo, infere-se que os membros das forças de segurança pública regidos por
legislação específica, no que tange aos regulamentos referentes ao elo jurídico no
tocante a profissão dos militares e seus agentes, não justifica a limitação dos direitos
fundamentais e humanos que dignificam a pessoa humana, independente de
qualquer razão ou motivo determinante que tente de forma açodada elidir o status
constitucional dos agentes militares.
15

Para obter uma melhor compreensão do tema, se faz mister entender esse
labor, que por diversas vezes a sociedade e a mídia em geral mistifica como heróis,
quando no exercício da profissão alcançam êxito nas missões bem executadas, e
verdugos quando no mau ou insuficiente desempenho de suas atividades.
Destarte, impende enaltecer que a Emenda Constitucional nº 18, de 5 de
fevereiro de 1998, estabeleceu status constitucional à hierarquia e disciplina e
modificou a categoria onde os militares antes eram considerados servidores
militares. No entanto, após a Emenda, foram incluídos em uma nova categoria de
agentes públicos que é a dos Militares, conferindo a estes maiores níveis de
responsabilidade, posto que estas instituições de segurança pública estadual
igualmente se fundam na hierarquia e disciplina como as forças armadas federais,
respeitando-se os regulamentos e estatutos de cada ente da federação (BISNETTO,
2017, p. 46).
Os policiais militares possuem natureza jurídica extremamente idiossincrática,
haja vista o estabelecido no artigo 144, §6º, da Constituição Federal, que afirma que
as Polícias Militares dos Estados são Forças Auxiliares e Reserva do Exército e
estão diretamente subordinadas aos Governadores de Estado. É oportuno pontuar
que a CF/88, apesar de ter garantido vários direitos fundamentais aos brasileiros, no
tocante aos militares cerceou alguns direitos por estarem inseridos na condição de
militar e impinge ordens específicas que não se aplicam a outro profissional. Neste
sentido, como exemplo, cabe trazer à baila o sacrifício da própria vida, a submissão
à hierarquia e disciplina, a vedação às atividades políticas, a proibição de
sindicalização e o direito de greve, além de impor regulamentos disciplinares,
legislação penal e processual especial.
Nesse diapasão, as instituições militares estão fundadas na hierarquia e
disciplina, o que exige uma interpretação quanto à realidade da vida na caserna da
instituição militar estadual, diante de sua atribuição constitucional às quais revelam
separação com o cotidiano da sociedade civil, como no caso de transgressão
disciplinar que é um instituto adstrito aos militares.

2. DO PROCESSO ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR E DA TRANSGRESSÃO


DISCIPLINAR.

O melhor meio de coação na vida castrense sem sombra de dúvida é a


16

punição administrativa imposta quando do cometimento de uma transgressão


disciplinar. Vale ressaltar, que o motivo de tal afirmação se justifica porque o Poder
Judiciário está vedado de forma constitucional, de analisar o mérito de uma punição
disciplinar administrativa no tocante à conveniência e oportunidade do quantum
aplicado da pena, se houve justiça ou injustiça por parte da autoridade
administrativa, conforme decisão judicial:

ADMINISTRATIVO. POLICIAL MILITAR. PROCESSO


ADMINISTRATIVO DISCIPLINAR. OBSERVÂNCIA DOS
PRINCÍPIOS DA LEGALIDADE, DEVIDO PROCESSO LEGAL,
CONTRADITÓRIO E AMPLA DEFESA. IMPOSSIBILIDADE DE
ANÁLISE PELO PODER JUDICIÁRIO DO MÉRITO
ADMINISTRATIVO. RECURSO DE AGRAVO DESPROVIDO. 1. O
agravante pretende a anulação do ato administrativo que o puniu
com 11 (onze) dias de detenção por estar, no horário de serviço, sem
o uso de sua cobertura, sem o cinto de guarnição tático, sem a
tarjeta de identificação e sem o distintivo de identificação da OME -
Organização Militar Estadual. 2. A Administração entendeu que o
Policial Militar cometeu transgressão média, de acordo com o art.
151 do CDMPE, com as agravantes dos incisos I, VI, IX do artigo 25
do mesmo diploma legal. 3. Segundo consta, o agravante, na data de
08/07/2011, quando em serviço na Guarnição Distrital, encontrava-se
no Corpo da Guarda da OME, por volta das 11:20 horas da manhã,
sem o uso dos seguintes itens obrigatórios, segundo artigo 151 do
Código Disciplinar Militar: cobertura, cinto de segurança, cinto de
guarnição tático, tarjeta de identificação e distintivo de identificação
da OME. 4. Consoante entendimento consagrado na jurisprudência,
o controle judicial do processo administrativo disciplinar restringe-se
à verificação da regularidade do procedimento e da legalidade do
ato, sendo vedada a incursão no mérito para se aferir a conveniência
e oportunidade da sanção, sob pena de afronta ao princípio
constitucional da separação dos poderes. 5. Ao contrário das
alegações trazidas pelo recorrente, restaram observados os
Princípios do contraditório e da ampla defesa, pois o militar foi
devidamente notificado do fato transgressor, tendo oferecido defesa
escrita, com a oportunidade de apresentação de provas, ou seja,
houve estrito cumprimento do Devido Processo Legal. 6. Assim, a
decisão agravada merece ser integralmente mantida, pois no
processo administrativo foram observados todos os ditames legais,
bem como os direitos de defesa e do contraditório do servidor. 7.
Recurso de Agravo desprovido. 8. Decisão Unânime.
(TJ-PE - AGV: 3936365 PE, Relator: Erik de Sousa Dantas Simões,
Data de Julgamento: 22/12/2015, 1ª Câmara de Direito Público, Data
de Publicação: 21/01/2016)

Na aplicação de uma sanção disciplinar a autoridade administrativa tem o


dever de observar obrigatoriamente, com toda diligência possível, o princípio da
proporcionalidade, de modo a sopesar e aquilatar a gravidade da transgressão
17

disciplinar e a lesão causada ao interesse e serviço público em geral, bem como a


responsabilidade civil, penal e administrativa, de modo a realizar se necessário, uma
devassa nos antecedentes funcionais, de maneira que desvele justiça na pena
imposta.
No tocante ao mérito administrativo, este se caracteriza em um juízo de valor
discricionário exarado pela autoridade administrativa competente, fundado na
conveniência e oportunidade. Tratando-se de transgressão disciplinar o rol é
taxativo, delimitando as penas a serem aplicadas em cada caso, restando à
autoridade determinar o quantum nos limites legais estabelecidos.
Destarte, a apuração de transgressão disciplinar somente pode ser procedida
através de Processo Administrativo Disciplinar (PAD), não se admitindo o instituto da
verdade sabida, que segundo Bisnetto (2017) é o conhecimento de determinada
infração administrativa por agente público (autoridade administrativa) e,
consequentemente, a aplicação de sanção disciplinar (pela mesma autoridade que
conheceu do ilícito), só que de forma “automática” ou mais precisamente: a
imposição de uma punição disciplinar de “ofício”, desta forma esse instituto revela-se
inconstitucional.
O mesmo autor, complementando o raciocínio, continua afirmando que
denota-se como totalmente inconstitucional a aplicação da verdade sabida
atualmente, pois ela se mostra contrária aos postulados insertos na Carta Magna de
1988 na medida em que a imposição “automática” ou de “ofício”, de sanção
disciplinar ao acusado da prática de transgressão subtrair-lhe a possibilidade de se
defender e contraditar os fatos que lhe são imputados, violando direitos e garantias
constitucionais consagrados como contraditório, ampla defesa e o devido processo
legal.
E tampouco, o superado instrumento do “deveis informar” tem aplicação e
espaço no ordenamento jurídico vigente. A título de conhecimento quanto ao
instituto do “deveis informar” Bisnetto (2017) esclarece que consistia na prática em
que uma autoridade militar superior e que detinha competência para impingir um ato
administrativo de punição disciplinar (por exemplo, o comandante de determinada
companhia) notificou um subordinado para que este, em cinco dias, apresentar
defesa sobre determinada transgressão que lhe era imputada.
Em verdade essa notificação consistia na própria acusação de um ilícito
administrativo emanada pela autoridade militar superior ao seu subordinado e,
18

quando expirado o prazo de notificação, apresentando ou não “defesa”, o


subordinado muitas vezes era punido pela autoridade que havia emitido a acusação
(o “deveis informar”).
Imagine, por exemplo, que um policial militar falta ao serviço de expediente
em determinado dia, e o comandante tendo ciência da falta, confecciona a
notificação do militar no mesmo dia. Em seguida, após ciência do militar no
documento de notificação, o mesmo apresenta razão de defesa, e, por conseguinte
a mesma autoridade que conhece do fato e notifica o agente, emite parecer
conclusivo determinando a punição disciplinar. Ora, outra compreensão não pode
ser aceita, senão, pela nulidade do ato punitivo por crassa inobservância e violação
ao sistema processual acusatório, pois a autoridade que pune é a mesma que
analisa eventual justificativa e mantém (quase sempre) sua própria decisão.
Nesse diapasão, é inconcebível em um sistema democrático de direito que
uma mesma autoridade administrativa proceda à acusação (que seria a própria
autoridade emitir a notificação disciplinar) e consequentemente julgar (impingir a
sanção disciplinar), ferindo o sistema acusatório que é a regra adotada no
ordenamento jurídico nacional vigente.
Neste sentido, fere princípios constitucionais que se aplicam ao PAD como o
princípio da imparcialidade do julgador. O ato retromencionado praticado pela
autoridade administrativa está eivado de vício insanável; tal entendimento se aplica
desde o seu nascedouro e revela-se em nulidade absoluta.
A não observância da instauração de PAD ou a violação de princípios
constitucionais em sede de imposição de punição disciplinar está sujeita à pena de
nulidade absoluta, visto que é um mandamento constitucional garantir ao militar a
ampla defesa e o contraditório, algo que jamais em um Estado Democrático de
Direito pode ser censurado.
O conceito de transgressão disciplinar utilizado é o contido na Lei Estadual
11.817 de 24 de julho de 2000, que estabelece o Código Disciplinar dos Militares do
Estado de Pernambuco (CDMEPE). O art.13º do CDMEPE assim determina:

Art. 13 - Transgressão disciplinar Militar, para os fins deste Código, é


toda ação ou omissão praticada por militar estadual que viole os
preceitos da ética e os valores militares, ou, que contrarie os deveres
e obrigações a que o mesmo está submetido, constituindo-se em
manifestações elementares e simples que não possam ser tipificadas
como crime ou contravenção.
19

O item acima faz uma clara distinção entre os três institutos: o crime militar, a
contravenção e as transgressões disciplinares. Do referido artigo pode-se perceber
que certa indeterminação surge quanto ao que seria uma transgressão disciplinar.
Todavia, na prática da vida castrense, o conceito em síntese apertada demonstra
que é qualquer ato de indisciplina por parte do militar, bastando ao seu superior
entender que está configurada a transgressão.
Um limitador exsurge à discricionariedade da autoridade militar quanto à
subsunção do caso concreto, é o parágrafo único que delineia sua previsão legal:

Parágrafo único. As transgressões disciplinares militares são as


previstas na Parte Especial deste Código, sem prejuízo de outras
definidas em lei ou regulamento, devendo sua aplicação,
necessariamente motivada, considerar sempre a natureza e a
gravidade da infração.

Da leitura do dispositivo supra referido em harmonia com o art. 37 da CF/88,


resta clara e exata a interpretação de obrigatoriedade de tipificação legislativa ainda
que de forma genérica do fato perpetrado pelo agente faltoso. Sendo assim, toda
punição administrativa que não se amolda ao texto constitucional no tocante aos
princípios estabelecidos padece de legalidade:

CF/88, Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer


dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos
Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade,
moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte:

Nestes termos, impende sobrelevar que toda a Administração Pública - quer


seja militar ou civil - está subordinada a esses princípios estatuídos de forma
indissociável.

3. LIMITAÇÕES CONSTITUCIONAIS AO COMPROMISSO FIRMADO PELO


AGENTE DE SEGURANÇA PÚBLICA.

O policial militar, ao ingressar na instituição militar, após difícil exame de


habilitação, faz um juramento chamado de tributo de sangue1, o que consiste de

1
VALLA (2015)
20

forma sucinta em cumprir a missão, ainda que com o risco da própria vida. Esses
valores devem ser seguidos por homens e mulheres submetidos ao regime militar
baseado na ética e no pundonor castrense. No tocante ao tributo acima citado, este
traduz-se na afirmação de forma solene onde se tomam por testemunha os símbolos
nacionais, as pessoas e autoridades presentes no ato de formatura ou conclusão de
curso. O juramento prestado por aquele que ingressa na instituição militar decorre
precipuamente da lei, tradição e influência histórica.
Sendo assim, todo e qualquer cidadão que devidamente preparado e
capacitado ingressar nas Forças Armadas ou Polícia Militar e Corpo de Bombeiros
Militar, tem o dever de prestar o compromisso de honra, no qual conscientemente
afirma ter ciência de suas obrigações e responsabilidades e expressa de maneira
livre e voluntária sua disposição indelével de bem e fielmente cumpri-los, mesmo
com o risco da própria vida. Estas declarações, realizadas de forma uníssonas por
aqueles que ingressam nas instituições militares, estão consubstanciadamente
carreadas de elevado valor patriótico nacional. O que gera uma compreensão exata
do nível de comprometimento, devoção, fidelidade, honra e dedicação exclusiva à
atividade laboral em defesa do Estado e das instituições.
O compromisso do policial militar está previsto em legislação própria, pois a
peculiaridade da profissão exige norma específica aplicada à vida na caserna para
preservação da instituição militar. É, por conseguinte, no Título II, Capítulo II, artigos
30, 31 e 32, da Lei Nº 6.783, de 16 de outubro de 1974, que dispõe sobre o Estatuto
dos Policiais-Militares do Estado de Pernambuco e dá outras providências. Nestes
termos estabelece:
CAPÍTULO II
DOS DEVERES POLICIAIS-MILITARES

Art. 30. Os deveres policiais-militares emanam de vínculos racionais


e morais que ligam o policial-militar à comunidade estadual e à sua
segurança, e compreendem, essencialmente:

I - a dedicação integral ao serviço policial-militar e a fidelidade à


instituição à que pertence, mesmo com o sacrifício da própria vida;
II - o culto aos símbolos nacionais;
III - a probidade e a lealdade em todas as circunstâncias;
IV - a disciplina e o respeito à hierarquia;
V - o rigoroso cumprimento das obrigações e ordens; e
VI - a obrigação de tratar o subordinado dignamente e com
urbanidade.

Seção II
21

Do compromisso policial-militar

Art. 31. Todo cidadão, após ingressar na Polícia Militar mediante


inclusão, matrícula ou nomeação, prestará compromisso de honra,
no qual afirmará a sua aceitação consciente das obrigações e dos
deveres policiais-militares e manifestará a sua firme disposição de
bem cumpri-los.

Art. 32. O compromisso a que se refere o artigo anterior terá caráter


solene e será prestado na presença de tropa, tão logo o policial-
militar tenha adquirido um grau de instrução compatível com o
perfeito entendimento de seus deveres como integrante da Polícia
Militar, conforme os seguintes dizeres: “Ao ingressar na Polícia Militar
do Estado de Pernambuco, prometo regular a minha conduta pelos
preceitos da moral, cumprir rigorosamente as ordens das autoridades
a que estiver subordinado e dedicar-me inteiramente ao serviço
policial-militar, à manutenção da ordem pública e à segurança da
comunidade, mesmo com o risco da própria vida”.

Como se pode perceber na leitura dos artigos acima, o compromisso firmado


pela praça se reveste de caráter solene, e tão elevado e especial que está
consubstanciado de um valor que se pode comparar a um sacerdócio, pois o texto
em sua exegese traduz e encerra um significado de renunciar a própria vida em
favor de outro. O tributo de sangue deve ser compreendido e interpretado conforme
a deontologia policial-militar, como bem classifica (VALLA apud ASSIS, 2012) a
deontologia. Portanto, aponta o conjunto de princípios ou valores e normas que
consagram a conduta de um profissional, razão pela qual o referido autor define “a
Deontologia Policial Militar como a ciência que, no âmbito da ética, trata da
concepção dos valores e da sistematização dos deveres, compromissos e outras
obrigações a que estão submetidos os integrantes das polícias militares”.
Neste sentido, o juramento realizado pelo agente que ingressa na instituição
militar caracteriza-se como verdadeira promessa indelegável que o acompanhará
por toda vida, revelando-se assim algo totalmente desassociado da vida civil que em
momento algum exige tamanho sacrifício em prol da sociedade. Entretanto, com a
realização do compromisso seria legalmente exigível do agente uma conduta que
colocasse em risco sua integridade física? A resposta a esse questionamento é
negativa, pois é um corolário de tutela à dignidade de toda e qualquer pessoa
humana o atendimento no que concerne ao respeito à integridade física e moral do
indivíduo. Corroborando esse entendimento numa interpretação teleológica, se aos
militares dos Estados, do Distrito Federal e dos Territórios são estabelecidas pela
Constituição Federal funções que tutelam a liberdade, integridade física e
22

propriedade dos cidadãos, seria um contrassenso retirar dos militares esse direito
básico e fundamental.
Outrossim, se a Constituição, de forma explícita garante às gestantes, presos
e aposentados o direito à integridade física (que, por óbvio se estende a qualquer
ser humano sob jurisdição nacional), como se exigir tamanho encargo dos agentes
militares que resguardam esse direito? Sendo assim, qualquer norma que determine
de forma expressa ou tácita a restrição do princípio fundamental da integridade física
deve ser considerada inconstitucional. Importante destacar que o princípio da
dignidade humana que se desdobra no princípio da integridade física, revela-se em
limitador estatal das exigências exacerbadas falsamente justificadas na hierarquia e
disciplina a título de manutenção das instituições militares.
A título de exemplo imagine-se um agente militar que deixa por qualquer que
seja a modalidade de culpa (stricto ou lato sensu) de utilizar equipamento necessário
ou utiliza equipamento de segurança (EPI) com defeito ou inadequado por falta de
conhecimento técnico específico no tocante aos diversos instrumentos utilizados em
missões pelas instituições militares, ou se submete a esforços físicos além de suas
condições físicas normais, o que no caso concreto, colocaria no mínimo em risco a
integridade física do agente.
Todo esse exemplo citado revela que premente se faz pela Administração
Pública militar uma rigorosa fiscalização e vigilância constante sobre os militares
administrados, com o fito de perquirir se todas as normas legais vigentes referentes
à segurança e integridade física do agente estão sendo garantidas.
Neste contexto, outro ponto que não pode deixar de ser abordado diz respeito
à execução da missão “mesmo com o risco da própria vida”. Contudo, como se exigir
legalmente que o militar oferte e sacrifique sua vida em favor de outrem? A leitura da
norma constitucional em uma interpretação literal de maneira perfunctória deixa
claro que todos são iguais perante a lei, sem haver qualquer distinção ou
discriminação de qualquer natureza, tutelando e garantindo a todas as pessoas o
direito à vida. Deste modo, a resposta ao questionamento acima é negativa; todavia,
o tema abordado será examinado de forma exauriente para melhor compreensão.
Alexandre de Moraes (2017) diz que: “O direito à vida é o mais fundamental
de todos os direitos, já que se constitui em pré-requisito à existência e exercício de
todos os demais direitos”. Por óbvio, não há como gozar, reaver, usar e dispor e
exercer tantos outros direitos, sem que primeiro se exerça o direito à vida; entretanto
23

esse direito não é absoluto. A CF/88 estabelece vedação expressa no tocante à


aplicação de pena de morte, bem como prevê uma exceção em caso de guerra
formalmente declarada, ratificando o entendimento de não existir um direito supremo
acima de todos os outros.
Vale destacar ainda no que tange ao direito à vida, as características de
indisponibilidade, como sendo condição não sujeita a negociação, e inalienabilidade
que é a vedação a qualquer ato de disposição de vontade ainda que consciente,
posto que em relação ao direito à vida, o compromisso policial militar sofre uma
mitigação de maneira contundente na acepção de execução da missão a qualquer
custo. Nesse diapasão, o Estado jamais poderá valer-se de condutas que afetem a
vida do cidadão comum, bem como do agente de segurança pública, visto que o
direito à vida possui como elemento estruturante a defesa contra atos arbitrários do
Estado. Contudo não se trata de liberdade do indivíduo, pois mesmo sendo titular do
direito, não pode escolher se quer viver ou morrer.
O direito à vida, ao trazer consigo a obrigação estatal de proteção do
particular em face de terceiros, não excluiu os agentes das Forças Auxiliares, sendo
ao mesmo tempo guardiões e detentores do direito fundamental à vida. Desta forma
o retromencionado direito tem precedência sobre os outros demais direitos
individuais, independentemente de ser militar ou civil.
Pode-se citar como exemplo cidades pequenas que dispõe de pouco efetivo
policial, onde infelizmente ocorre com certa frequência assaltos a bancos com
participação de número elevado de criminosos. Neste caso, seria exigível que o
reduzido efetivo policial enfrentasse os criminosos, colocando em risco de forma
desproporcional às suas vidas? A resposta a esse questionamento também é
negativa, pois o direito a vida é pressuposto elementar de todos direitos
fundamentais estabelecidos na Constituição. Sendo assim, não faz sentido
resguardar o patrimônio material e financeiro em detrimento da vida, deste modo a
sua relevância é superior a interesses patrimoniais secundários.
Neste sentido, Paulo Gustavo Gonet Branco (2017) citando tratados
internacionais que o Brasil faz parte, esclarece que:

A Convenção Americana de Direitos Humanos – o Pacto de San


José, de 1969, declara, no seu art. 4º, que “toda pessoa tem o direito
de que se respeite sua vida”, acrescentando que “esse direito deve
ser protegido pela lei e, em geral, desde o momento da concepção” e
que “ninguém pode ser privado da vida arbitrariamente”. Da mesma
24

forma, o Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos das Nações


Unidas, de 1968, 3, explicita que “o direito à vida é inerente à pessoa
humana” e que “este direito deverá ser protegido pela lei”, além de
dispor que “ninguém poderá ser arbitrariamente privado de sua vida”.

A proclamação do direito à vida configurada na afirmação dos tratados


supramencionados é uma imposição como pré-requisito do ordenamento jurídico
nacional vigente, que dá sentido aos demais direitos.
Adrede, o pressuposto essencial de todos os direitos é a vida, conforme
disposto na CF/88. Visto que não faz sentido algum declarar outro direito, se
primeiro não fosse garantido o direito à vida com o fim de usufruir e gozar desse
elemento. O direito à vida é proclamado como valor básico que serve de inspiração
para o rol de direitos fundamentais. Por conseguinte, toda pessoa deve ter
respeitada a dignidade, que se revela no respeito à existência humana. Desta forma,
tem aplicação direta para civis e militares sem acepção de qualquer natureza. Neste
sentido, a compreensão no tocante ao direito à vida jamais poderá sofrer
discriminação em relação aos titulares desse direito, quer sejam integrantes das
Forças Armadas, Polícias Militares e Corpos de Bombeiros Militares. A ideia de
graduar o direito à vida pelo fato do agente de segurança pública estar submetido a
um regime de hierarquia e disciplina e ter realizado um compromisso, fere de forma
contundente esse direito. Consequentemente o juramento realizado pela praça ou
oficial jamais terá o condão de mitigar um direito que é pré-requisito dos demais
direitos. Pode se afirmar que este ato é meramente ritualístico, não gerando, a partir
do mesmo, nenhum tipo de obrigação ou dever funcional para os que o proclamam.

4. A NATUREZA JURÍDICA E AS ESPÉCIES DE PENAS E PROCESSOS


ADMINISTRATIVOS DISCIPLINARES MILITARES.

O cometimento de uma transgressão disciplinar por parte do agente de


segurança pública faz nascer para a Administração Pública o jus puniendi, posto que
detém em relação a todos os seus administrados o Poder Disciplinar, conferindo-lhe
controle sobre os integrantes das forças de segurança pública. Essa prerrogativa da
Administração Pública visa proteger e resguardar as instituições militares, tendo
como objetivo final o bem comum da coletividade, revelado na supremacia e
indisponibilidade do interesse público. O uso desta prerrogativa disciplinadora deve
25

respeitar os direitos fundamentais e humanos para que não haja qualquer nulidade,
seja de cunho material ou processual no processo administrativo disciplinar,
evitando com isso vícios, e garantindo lisura e transparência do ato.
O poder disciplinar é uma prerrogativa interna outorgada à Administração
para os atos de seus agentes, podendo gerar sanções no tocante aos serviços que
de alguma forma são ofertados para a coletividade e violados pelo agente de
segurança pública.
É importante se fazer uma interpretação sistemática correlacionando o
processo administrativo disciplinar com os princípios do Direito Penal e Processo
Penal fundado no princípio da simetria, todavia, respeitando-se as peculiaridades de
cada matéria. A intenção não é de forma alguma de igualar processo penal e
processo administrativo, pois possuem naturezas distintas entre si, o que se almeja
com a aplicação da simetria processual é trazer maior plenitude das garantias
constitucionais no tocante à ampla defesa e contraditório.

Por essa razão a Carta Política no art. 5º, inciso LV, estabelece que:

LV - aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos


acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa,
com os meios e recursos a ela inerentes;

Desta forma, o PAD deve total obediência às normas constitucionais, sob


pena de nulidade absoluta, caracterizando-se em cerceamento de defesa a não
observância desse princípio fundamental.
Importante também trazer à baila para uma compreensão mais exata sobre
esse assunto o estabelecido na Súmula Vinculante 5: “A falta de defesa técnica por
advogado no processo administrativo disciplinar não ofende a Constituição”.
Uma interpretação com toda cautela que pode ser feita em relação aos
militares quanto a essa súmula é o entendimento que visa garantir a manutenção
das instituições militares no tocante à hierarquia e disciplina.
Imagine-se, por exemplo, um militar faltoso que foi devidamente notificado e
apresentou suas razões de defesa; todavia, não tem o seu pleito acolhido pela
autoridade competente, e que posteriormente valendo-se da própria torpeza alega
nulidade por falta de advogado constituído, isso causaria embaraço e morosidade na
26

aplicação da sanção ao militar infrator, o que enfraqueceria a manutenção dessas


instituições.
Um questionamento que pode ser aventado diz respeito sobre a necessidade
de prévio PAD para que se possa aplicar uma simples punição disciplinar. A razão
de prévio processo consiste em que somente através deste instituto será possível
garantir ao militar o pleno exercício de seus direitos constitucionais do contraditório e
ampla defesa, utilizando-se de meios, especialmente para tutelar o direito, com o
devido acompanhamento do processo pessoalmente ou por opção de intermédio de
procurador, podendo ainda, arrolar e reinquirir testemunhas, produzir todas as
provas e contraprovas admitidas em direito e formular questões, quando se tratar de
prova que exija perícia e apresentar fatos novos ou circunstâncias que julgue
relevantes suscetíveis justificadoras que a priori possa ensejar na inadequação da
sanção aplicada ao militar faltoso.
Agora, suponha-se que um militar, por motivos alheios a sua vontade ou de
força maior, chegou atrasado ao serviço e por esse fato, foi punido sumariamente
sem a oportunidade de se manifestar no PAD para explicar o motivo de seu atraso.
O contraditório e a ampla defesa são bens juridicamente tutelados pela Carta Magna
e revestem-se da indisponibilidade, bem como inalienabilidade, apaniguados por
cláusula pétrea, onde a Administração não pode de forma alguma se posicionar de
maneira contrária e indiferente.
Assim, cabe a Administração Pública rever seus atos quando eivados de
vícios ou nulidades, conforme súmula 473 do Supremo tribunal Federal: “A
administração pode anular seus próprios atos, quando eivados de vícios que os
tornam ilegais, porque deles não se originam direitos; ou revogá-los, por motivo de
conveniência ou oportunidade, respeitados os direitos adquiridos, e ressalvada, em
todos os casos, a apreciação judicial. ” A súmula citada revela de forma cristalina o
poder da Administração Pública fundado no princípio da autotutela para realização
do bem comum com justiça, equidade, razoabilidade e proporcionalidade.
Destarte, no que se refere à apreciação judicial do ato administrativo, esta
cabe apenas no tocante à requisitos de legalidade do ato, entretanto, jamais poderá
a decisão judicial adentrar no mérito administrativo, pois agindo dessa forma se
insere na competência da autoridade militar. No mesmo sentido da Súmula nº 473, o
art. 40, §1º, do CDMEPE ratifica esse entendimento onde diz:
27

Art. 40 - A anulação de pena consiste em tornar sem efeito a


publicação da mesma.
§ 1º Deve ser concedida a anulação quando ficar comprovado ter
ocorrido injustiça ou ilegalidade na sua aplicação.

Outra dúvida levantada surge da questão se os processos administrativos


disciplinares são regidos exclusivamente pelos regulamentos disciplinares militares.
A resposta é negativa, posto que a Constituição Federal, bem como princípios do
direito penal, processual penal e administrativo estão imbricados no arcabouço
jurídico que condiciona a aplicação do regime disciplinar, respeitada a autonomia de
cada matéria.
Por outro turno, o supracitado processo administrativo disciplinar coloca à
disposição do agente de segurança pública faltoso garantias estabelecidas na Lei
11.817 de 24 de julho de 2000 (Código Disciplinar dos Militares do Estado de
Pernambuco (CDMEPE)), que traz um rol taxativo que tipifica todas as
transgressões que podem ser cometidas por policiais militares e o modelo a ser
seguido.
Desta maneira, nenhuma sanção pode ser aplicada sem que anteriormente
tenha havido uma notificação disciplinar, exceção aos casos de flagrante delito que
exigem uma pronta intervenção da autoridade militar competente. Este dispositivo
garante a segurança jurídica no tocante a ampla defesa e contraditório e com a
devida separação de funções do sistema acusatório, pois desta forma revela a
limitação do poder estatal coadunando-se ao rol de direitos fundamentais
estabelecidos na Carta Política no art. 5º, inciso LXI, que afirma que ninguém será
preso senão em flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada de autoridade
judiciária competente, salvo nos casos de transgressão militar ou crime propriamente
militar, definidos em lei.
Nesse diapasão, o Código Disciplinar dos Militares do Estado de Pernambuco
apresenta-se em conformidade com a Constituição Federal, desvelando maior
segurança jurídica, no sentido de que foi editado posteriormente à CF/88, sendo
instituído por meio de lei e não por meio de decreto do Poder Executivo (neste último
caso seria considerado inconstitucional). Ante o exposto, a natureza jurídica do
Código Disciplinar Militar é de lei que advém do Poder Legislativo, de modo a ilidir
questionamentos no tocante à sua constitucionalidade formal.
28

É importante destacar quanto às espécies de processos e procedimentos


adotados no âmbito da Polícia Militar de Pernambuco tem-se de forma sucinta e
objetiva as Sindicâncias formais, Inquéritos Policiais Militares, Investigações
Preliminares, Processos de Licenciamento a bem da Disciplina e Conselho de
Disciplina e Justificação. Cada instituto retrorreferido está devidamente
regulamentado na legislação pertinente aos policiais militares do Estado de
Pernambuco.
No tocante às classificações das transgressões no CDMEPE, estas estão
estatuídas da seguinte forma:

Art. 26 - As transgressões disciplinares militares classificam-se,


segundo sua intensidade e desde que não haja causa de justificação,
em:
I - leves;
II - médias; e
III – graves

Por oportuno, impende destacar essa gradação das transgressões


disciplinares, pois se trata de critério basilar que deve ser observado pela autoridade
administrativa militar para a aplicação fundado nos princípios constitucionais da
razoabilidade e proporcionalidade como medida imposta de justiça ao militar infrator.
Discorrendo ainda sobre o CDMEPE, cabe trazer à baila as especificações
das penas trazidas no estatuto que diz:

Art. 28 - As penas disciplinares militares a que estão sujeitos os


militares estaduais, segundo o estabelecido na Parte Especial deste
Código, são as seguintes:
I - repreensão;
II - detenção;
III - prisão;
IV - licenciamento a bem da disciplina; e
V - exclusão a bem da disciplina

Um ponto interessante no tocante às penas disciplinares diz respeito à pena


de repreensão, que não está expressa de forma taxativa na Parte Especial do
CDMEPE. O código é silente no que se refere à aplicação desse dispositivo sobre
qualquer conduta humana.
O licenciamento a bem da disciplina e a exclusão configuram-se no
afastamento ex-officio do policial militar estadual das fileiras de sua Corporação,
conforme disposto em legislação própria. Somente se aplicam aos Aspirantes-a-
29

Oficial e as demais Praças, após o devido processo administrativo disciplinar militar


competente.
O licenciamento a bem da disciplina deve ser aplicado às praças sem
estabilidade (policial militar com menos de dez anos de serviço) assegurada, como
solução de processo administrativo disciplinar sumário, em que lhes sejam
garantidos a ampla defesa e o contraditório durante todo o processo.
Assim como existem essas modalidades de punição disciplinar, da mesma
forma surgem para o militar, recursos administrativos que em princípio suspendem a
aplicação imediata da sanção imposta:

Art. 51 - Os recursos disciplinares são os seguintes:


I - Reconsideração de Ato;
II - Queixa;
III - Representação; e
IV - Revisão Disciplinar.

Os recursos administrativos disciplinares devem tramitar com a mais devida


urgência, visto que, em sua grande maioria, a aplicação da pena significa o
cerceamento da liberdade do agente militar faltoso, incidindo e mitigando de maneira
contundente o direito fundamental de liberdade de locomoção.
Entretanto, é importante o policial militar, no momento em que lançar mão
desses recursos administrativos, atentar rigorosamente para os prazos previstos nos
arts. 53, §1º, e 55, §2º do CDMEPE, sob pena de incorrer em uma preclusão
temporal, e consequentemente, fulminando seu direito subjetivo.
Intencionalmente, se elenca a classificação das transgressões disciplinares,
bem como as penas que os militares estão submetidos e concomitantemente os
recursos que podem ser interpostos por esses agentes de segurança pública, para
que se tenha uma real compreensão da complexidade jurídica da vida na caserna e
da atividade desenvolvida pelo policial militar.
O Código Disciplinar dos Militares do Estado de Pernambuco estabelece
quais são as condutas juridicamente relevantes, visto que tipifica e exterioriza o
animus do agente militar, sendo instrumento de garantia que estabelece normas de
cunho processual e material para consecução da justiça no meio militar, social e
coletivo, em virtude da indisponibilidade e supremacia do interesse público, com o
objetivo de alcançar o norte constitucional e atingir o bem comum.
30

CONCLUSÃO

Os direitos e garantias fundamentais não são absolutos. Sendo assim, devem


conviver pacificamente com outros direitos de mesma envergadura. Todavia, os
direitos humanos fundamentais inerentes aos agentes de segurança pública não
podem ser mitigados sob o fundamento de manutenção das instituições militares
somente, pois trata-se de direito fundamental inerente a todo cidadão e seguindo
esse raciocínio, os policiais militares estão inseridos na sociedade como um todo.
Destarte, vislumbra-se que a atividade desempenhada pelos militares possui
características bastante peculiares, o que exige desses agentes um compromisso de
bom e fiel cumprimento das ordens emanadas das autoridades competentes.
Entretanto, quando esta ordem surge de capricho pessoal, é manifestamente ilegal
ou absurda, jamais se poderá exigir do policial militar ou bombeiro militar ou ainda
dos agentes das Forças Armadas a execução de tal determinação, pois os princípios
constitucionais da hierarquia e disciplina têm como fim o bem comum, o que justifica
a indisponibilidade do interesse público para execução desse serviço.
Nesse viés, toda conduta humana que envolva os interesses do Estado na
consecução do bem comum, quer seja militar ou civil, tem relevância jurídica, sendo
a manifestação exteriorizada de seus agentes. Desta forma, o direito positivo
legislado pelo Estado jamais poderá ser compreendido apenas como instrumento de
tutela de direitos, mas sim, como realizador de justiça social no meio da sociedade.
O ordenamento jurídico nacional vigente deve estar sempre em harmonia
com a Constituição Federal, se valendo de técnicas de interpretação que direcionam
e tem o fim de harmonizar as normas infraconstitucionais com a Carta política, de
modo a esclarecer dúvidas e eliminar contradições. Destarte, o processo
administrativo disciplinar no âmbito da Polícia Militar de Pernambuco, conquanto
seja instrumento de efetivação dos direitos fundamentais, sofre mitigação pelos
princípios da hierarquia e disciplina que estão inseridos na CF/88, e tem o objetivo
de realizar o bom funcionamento das instituições militares e sua devida manutenção.
Não se pode olvidar que a profissão executada pelos agentes de segurança
pública é consubstanciada de extrema especificidade, características estas que
fazem distinção das demais profissões, requerendo do militar um comportamento
equiparado ao sacerdócio dada sua magnitude, indo de encontro com um
31

comportamento medíocre. Neste sentido, o sacrifício que esta atividade exige, se


reveste de uma alta carga de comprometimento, conforme juramento realizado pelo
policial militar, o que é bem mais complexo e possui um elevado grau de abnegação
pessoal, com o fito de garantir a paz social e servir da melhor maneira possível à
sociedade. Como dito anteriormente, os militares possuem um modo de viver
próprio, o policial militar está subsumido ao código disciplinar que é constitucional,
pois foi criado por meio de lei evitando questionamentos quanto a sua
constitucionalidade, estando em sintonia com a Constituição Federal.
Com o cometimento de uma conduta contrária por parte do agente aos
princípios constitucionais da hierarquia e disciplina, caracteriza-se a transgressão
disciplinar e surge para o Estado o jus puniendi. Todavia, para que possa exercer
esse poder/dever, existe a obrigatoriedade de instaurar previamente o PAD, em
virtude de se garantir ao militar o contraditório e a ampla defesa. Vale destacar que
deve haver a separação de funções da autoridade administrativa competente em
contemplação a regra adotada no ordenamento jurídico do sistema acusatório.
Todas as transgressões disciplinares estão estabelecidas em lei, bem como a
sanção que deve ser aplicada, conforme indisponibilidade e supremacia do interesse
público de modo a revelar um caráter pedagógico e profilático. Inquestionável se
torna à Administração que o militar infrator seja responsabilizado integralmente
quando comete uma transgressão disciplinar para manutenção da instituição militar
com base na hierarquia e disciplina.
A importância do PAD como instrumento de efetivação do direito fundamental
ao devido processo legal surge da necessidade da isonomia material constitucional,
para que os militares não tenham seus direitos mitigados sob o fundamento da
hierarquia e disciplina, bem como de legislação específica. Impende sobrelevar, que
todas as transgressões disciplinares estão bem delineadas em rol taxativo, de modo
a elidir abusos que podem ser perpetrados pela Administração e suas autoridades
administrativas.
Propositadamente, foram trazidos os institutos específicos no tocante à
legislação especial dos policiais militares do Estado de Pernambuco no que se
refere aos assuntos de transgressão disciplinar, os deveres dos policiais militares, o
compromisso, a anulação e espécie de pena, a classificação das transgressões
disciplinares e os recursos disciplinares, tudo isso no intuito de subsidiar e se ter
32

uma melhor compreensão da realidade profissional, moral e ética vivenciada pelo


agente de segurança pública no cotidiano.
Os direitos e garantias constitucionais devem obrigatoriamente ser
observados e aplicados pelas instituições militares, não se esquecendo de que a
violação por parte da Administração desses direitos reflete em toda a corporação,
prejudicando a ordem constitucional democrática vigente. Neste sentido, a hierarquia
e disciplina destacam-se como pilares e condição essencial para o bom
desempenho e funcionamento da Organização Militar Estadual, manifestado na
pronta obediência dos militares às ordens emanadas das autoridades competentes e
o fiel cumprimento da missão. Entretanto, o aceite dos institutos supra referidos
jamais terá o condão de eliminar o entendimento que todos são iguais perante a lei
sem distinção de qualquer natureza, pois é direito fundamental que possui núcleo
essencial que reclama o respeito a esses direitos indissociáveis a qualquer pessoa,
inclusive os militares, mesmo tendo ciência o agente de segurança pública dos
perigos da profissão.
O policial militar, ao ingressar na corporação, faz um juramento que implica no
risco da própria vida, algo que não é exigido do cidadão comum - embora este ato
tenha como descrito anteriormente, mero caráter simbólico, não importando em uma
efetiva renúncia do direito à vida. Por este motivo, é inconcebível que o Estado exija
o sacrifício da vida do policial militar em favor de outrem, posto que o direito a vida é
pressuposto elementar que abarca todos os demais direitos fundamentais. Por fim,
reconhece-se que o direito à vida, bem como o princípio da integridade física, não é
absoluto; porém, se o Estado incumbe aos agentes de segurança pública a proteção
desses direitos, não seria coerente afastar os militares dessa tutela jurídica inclusive
o direito ao devido processo legal que se desdobra nos princípios da ampla defesa e
o contraditório em sede de Processo Administrativo Disciplinar.
33

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