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A crise da década de 1970

observações sobre as ideias neoliberais e suas consequências

Gilmar Antonio Bedin


Joice Graciele Nielsson

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BEDIN, G. A., and NIELSSON, J. G. A crise da década de 1970: observações sobre as ideias
neoliberais e suas consequências. In: COSTA, L. C., NOGUEIRA, V. M. R., and SILVA, V. R., orgs.
A política social na América do Sul: perspectivas e desafios no século XXI [online]. Ponta Grossa:
Editora UEPG, 2013, pp. 27-41. ISBN 978-85-7798-231-8. Available from: doi:
10.7476/9788577982318.0002. Also available in ePUB from:
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A crise da década de 1970: observações sobre as
ideias neoliberais e suas consequências
Gilmar Antonio Bedin; Joice Graciele Nielsson

Introdução

As últimas quatro décadas constituem notadamente, quando vistas em


conjunto, um momento singular e muito significativo da trajetória moderna e
da caminhada da humanidade: o período da emergência de um novo tempo
do viver e do refletir humanos. Tempo da falência dos ambiciosos projetos
revolucionários, da fragmentação das grandes estruturas teóricas, do refluxo
das tentativas de emancipação humana, da banalização da violência, da relati-
vização do mundo do trabalho, da desorientação ideológica, da hipercomple-
xidade dos sistemas sociais, do domínio da alta tecnologia, da comunicação
instantânea, do mundo da informação digital e da realidade virtual. Tempo, em
poucas palavras, de configuração de uma nova etapa da sociedade.
Tempo de configuração de uma nova etapa da sociedade, mas ainda
não de definição duradoura de seu perfil econômico, político e social. Vive-
mos, neste sentido, em um momento de transição entre as chamadas socieda-
des modernas e uma nova forma de organização da sociedade, provisoriamen-
te denominada de pós-moderna1. Essa nova etapa é melhor ou pior do que
as etapas vivenciadas anteriormente? É pior e melhor, pode-se responder de
forma paradoxal. É que com a sua emergência estão dadas tanto as condições
mínimas para a hegemonia absoluta do mundo econômico – para o domínio
do horror econômico2 – e da destruição da espécie humana, mas também
estão criados os pressupostos necessários, ainda que não suficientes, para a
construção de uma sociedade melhor, justa e solidária e de alcance global3.
Essa ambiguidade deve ser compreendida e é uma condição para o desenho
de novas possibilidades.

1
A caracterização das sociedades atuais como sociedades pós-modernas significa que ainda não
temos condições de designá-las de forma positiva. É, portanto, uma designação negativa, designa-
ção do que elas não são: sociedades modernas.
2
Esta expressão é utilizada por Viviane Forrester em seu livro disponível no Brasil. Ver, neste senti-
do, FORRESTER, Viviane. O horror econômico. Trad. Álvaro Lorencini. São Paulo: UNESP, 1997.
3
Esta ambiguidade das atuais sociedades capitalistas é melhor analisada por nós em um outro
lugar. Ver, neste sentido, BEDIN, Gilmar Antonio. Estado, cidadania e a globalização do mundo:
algumas reflexões e possíveis desdobramentos. In: OLIVEIRA, Odete Maria (Org.). Relações
internacionais & globalização: grandes desafios. Ijuí: Editora UNIJUÍ, 1999.

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Gilmar Antonio Bedin; Joice Graciele Nielsson

Apesar da importância da exploração desta ambiguidade, o presente tex-


to analisa a sociedade atual na perspectiva do domínio dos interesses econômi-
cos dos detentores do grande capital internacional – o que significa, em outros
termos e numa linguagem atual, sob o domínio do ideário neoliberal – e de suas
consequências. Assim, a ideia central que o texto vai desenvolver é a de que o
mundo atual está passando por momento de substancial (re)mercadorização4
de suas diversas esferas e, em consequência, por um significativo processo de
restrição dos avanços viabilizados pelo Estado de bem-estar social. O texto tem
início com o resgate da trajetória do Estado, dos direitos humanos no mundo
moderno e de sua crescente configuração social; passa pela presença das ideias
socialistas, pela intervenção do Estado na gestão da economia e pela conse-
quente tendência à desmercadorização5 das sociedades capitalistas do período
do Estado de bem-estar social; e chega, finalmente, à crise dos anos setenta do
século 20 e à ruptura que ela produziu (e suas principais consequências sociais)6.

O Estado e os direitos humanos e a sua crescente configuração social

O Estado moderno percorreu, desde o seu nascimento até a atuali-


dade, um longo caminho de mais ou menos cinco séculos. Emergiu, inicial-
mente, a partir de uma ruptura com o que poderia ser chamado de “estado
medieval” ou, de forma mais apropriada, de organização política medieval. Essa
organização que era articulada a partir do poder fragmentado de cada senhor
feudal e se alicerçava numa relação indissociável entre o poder religioso e o
poder político. Por isso, o poder, nesse contexto, somente era legítimo à medida

4
Com esta expressão, estamos indicando que nas atuais sociedades capitalistas há uma crescente
retomada do status de pura mercadoria como um critério significativo para a análise das várias esfe-
ras da sociabilidade humana. Expressão semelhante – “desmercantilização” – é utilizada por Claus
Offe. Ver, neste sentido, OFFE, Claus. Problemas estruturais do Estado capitalista. Trad. de
Bárbara Freitag. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1984.
5
Com esta expressão, estamos indicando que nas sociedades capitalistas do período de construção
do Estado de bem-estar social, houve uma crescente relativização do critério do status de pura merca-
doria como sendo algo relevante – o que possibilitou que as pessoas pudessem se manter sem depen-
der, até certo ponto, do mercado. Essa expressão é utilizada por Gosta Esping-Andersen. Ver, neste
sentido, ESPING-ANDERSEN, Gosta. As três economias políticas do Welfare State. Lua Nova
- Revista de Cultura e Política. São Paulo, nº 24, p. 85-116, 1991.
6
Com o presente texto, não temos, obviamente, outra intenção a não ser a de realizar, como o
próprio subtítulo indica, apenas algumas observações. Além disso, é importante destacar que as
principais afirmações existentes no texto sobre o Estado e os direitos humanos têm como referência
principal o desenvolvimento desses fenômenos no continente europeu.

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A crise da década de 1970: observações sobre as ideias neoliberais ...

que aparecia como uma suposta concessão divina7. Além disso, cada indivíduo
tinha, desde o nascimento, um lugar pré-estabelecido no mundo – alguns nas-
ciam para orar, outros para lutar e outros ainda para trabalhar8.
A organização política moderna, ao contrário, começa por afirmar a
especificidade do fenômeno político e, consequentemente, a necessidade de
separação do poder político e do poder religioso9. Outro pressuposto inicial
importante é a busca da superação dos poderes locais e o estabelecimento de
uma administração centralizada e alicerçada sobre o conceito de soberania do
rei (BODIN, 1992)10. O rei somente será considerado legítimo nesse contexto
quando o seu poder resultar do consenso – revelado na forma de um contrato
social – dos vários indivíduos que constituem o Estado (HOBBES, 1988)11.
Além disso, não podemos esquecer que o Estado moderno pressupõe tam-
bém a liberação dos indivíduos de suas vinculações com a terra, com os seus
senhores e com os seus lugares predeterminados no mundo. Com estas rup-
turas, o indivíduo livre e solitário está pronto para ser o alicerce da sociedade
moderna (BEDIN, 1994)12.
O Estado moderno, delineados esses primeiros passos, vai se consoli-
dar, inicialmente, como centralizado, soberano e absoluto. Em outras palavras,
como Estado absolutista, típico dos séculos XVI e XVII. Vencida essa fase de
afirmação do Estado moderno, caminha-se para uma nova etapa da organiza-
ção política, na qual a dimensão absolutista do estado passa a ser questionada
e, num momento seguinte, refutada, sendo, finalmente, abandonada. Dessa
luta emerge, no século XVIII, o Estado moderno em sua versão liberal, o
qual passa a inspirar-se, entre outras referências, nas conquistas da Revolução

7
Esta é, por exemplo, a concepção de Dante Alighieri. Daí a sua afirmação de que é evidente que a
autoridade temporal do monarca desce sobre ele desde a fonte da autoridade universal, que é Deus.
Ver ALIGHIERI, Dante. Monarquia. Trad. Carlos do Soveral. São Paulo: Nova Cultural, 1988.
8
Neste sentido, ver DUBY, Georges. As três ordens ou o imaginário do feudalismo. Lisboa:
Estampa, 1982.
9
O primeiro grande autor a compreender e propor tal separação foi Nicolau Maquiavel. Neste senti-
do, ver MAQUIAVEL, Nicolau. O príncipe. Trad. Lívio Xavier. São Paulo: Tecnoprint, s/d.
10
O conceito de soberania é um elemento fundamental no mundo moderno e pode ser compreendi-
do de forma relativa – o poder deve estar submetido às leis naturais e às leis divinas -–, como o faz Jean
Bodin, ou de forma absoluta, como o faz Thomas Hobbes. Ver, nesse sentido, BODIN, Jean. Los seis
libros de la república. Trad. Pedro Bravo Galla. Madrid: Tecnos, 1992; HOBBES, Thomas. Leviatã
ou a matéria, forma e poder de um estado eclesiástico e civil. Trad. de João Paulo Monteiro e
Maria Beatriz Nizza da Silva. São Paulo: Nova Cultural, 1988.
11
Neste sentido, ver também BOBBIO, Norberto. Thomas Hobbes. Trad. Carlos Nelson Cou-
tinho. Rio de Janeiro: Campus, 1991.
12
Ver também, neste sentido, BOBBIO, Norberto. Sociedade e estado na filosofia política mo-
derna. Trad. Carlos Nelson Coutinho. São Paulo: Brasiliense, 1987.

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Gilmar Antonio Bedin; Joice Graciele Nielsson

Gloriosa (1688), nas ideias políticas desenvolvidas por John Locke (LOCKE,
1994) e nos extraordinários avanços legais e políticos da Revolução Francesa
(1789). O estado, portanto, continua centralizado e soberano, mas passa a ser
limitado por uma constituição e por uma declaração de direitos. Esta última
constitui-se, como lembra Manuel Gonçalves Ferreira Filho, o seu pacto social
fundamental (1995). Surgem, nesse contexto, os primeiros avanços do consti-
tucionalismo moderno e a luta pelos direitos humanos (BEDIN, 1997)13.
A luta pelos direitos humanos nasce, assim, de uma ruptura com o
Estado moderno em sua versão absolutista e com a arbitrariedade por ele re-
presentada, e está estritamente relacionada, nesse primeiro momento, com o
desenvolvimento das ideias liberais. Essa primeira etapa da luta pelos direitos
humanos deu origem à chamada primeira geração de direitos – denominada
de direitos civis ou liberdades civis clássicas14. Esta geração de direitos abran-
ge os chamados direitos negativos, ou seja, os direitos estabelecidos contra o
Estado. Daí, portanto, a afirmação de Norberto Bobbio de que entre eles es-
tão “todos aqueles direitos que tendem a limitar o poder do Estado e a reser-
var para o indivíduo, ou para os grupos particulares, uma esfera de liberdade
em relação ao Estado” (BOBBIO, 1992, p.32).
Esta primeira geração de direitos, condicionados pelo pressuposto há
pouco referido, estabelece, assim, um marco divisório entre a esfera pública (Es-
tado) e esfera privada (sociedade civil)15. Essa distinção entre as duas esferas
referidas se constitui numa das características fundamentais da sociedade mo-

13
As declarações de direitos de 1776 (Declaração da Virgínia) e de 1789 (Declaração de Direitos
do Homem e do Cidadão) são, nesse sentido, os primeiros grandes marcos dessa batalha pela afir-
mação dos direitos humanos no mundo.
14
A ideia de classificar os direitos humanos em gerações ou fases vem de longa data e possui
uma quase unanimidade entre os diversos pesquisadores, apesar das pequenas diferenças existentes
entre os diversos critérios utilizados na sua apresentação. Uma das poucas vozes discordantes é
a de Antônio Augusto Cançado Trindade. Ver, nesse sentido, a apresentação que o autor faz do
livro de J.A. Lindgren Alves. ALVES, J. A. Lindgren. Os direitos humanos como tema global.
São Paulo: Perspectiva; Brasília: Fundação Alexandre de Gusmão, 1994. Além disso, é importante
informar que, além das três gerações de direitos referidas no texto, é possível pensarmos ainda em
uma quarta geração. Geração essa que abrangeria os direitos humanos no âmbito internacional,
chamados normalmente direitos de solidariedade. Ver, neste sentido, BEDIN, Gilmar Antonio. Os
direitos do homem e o neoliberalismo. Ijuí: Editora UNIJUÍ, 1997. Ao contrário da classificação
em quatro gerações, muitos autores preferem classificar a luta pela cidadania em apenas três fases,
reunindo na mesma geração os direitos civis e os direitos políticos. Este tipo de posicionamento
pode ser encontrado em OLIVEIRA JUNIOR, José Alcebiades. Cidadania e novos direitos. In:
O novo em direito e política. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 1997.
15
Utilizamos a expressão estado e a expressão sociedade civil, neste ponto, no sentido marxiano.
Neste sentido, ver BOBBIO, Norberto. O conceito de sociedade civil. Trad. Carlos Nelson
Coutinho. Rio de Janeiro: Graal, 1982.

30
A crise da década de 1970: observações sobre as ideias neoliberais ...

derna, e é a partir dela que se estruturam, inicialmente, o pensamento liberal


e, posteriormente, o pensamento democrático. Entre esses diretos, podem ser
colocadas as liberdades físicas, a liberdade de expressão, a liberdade de cons-
ciência, o direito de propriedade privada, os direitos da pessoa acusada e as
chamadas garantias dos direitos.
Reconhecidos os direitos civis, a luta pelos direitos humanos voltou-se
para as prerrogativas que levam à formação e constituição do poder políti-
co. Essa nova etapa da luta pelos direitos humanos tem como data inicial de
emergência o século 19 e representa o surgimento do ideário democrático e a
superação da ideia de liberdade negativa, como não impedimento, pela ideia de
liberdade positiva, como autonomia, como desejo de participar na formação
e constituição do poder político. Em outras palavras, essa geração de direito
representa um momento de expansão do Estado moderno de sua versão libe-
ral para a sua forma democrática. Por isso, entre os direitos políticos estão o
direito ao sufrágio universal, o direito de constituir partidos políticos, o direito
de plebiscito, o direito de referendo e o direito de iniciativa popular.
As últimas décadas do século 19 e as primeiras décadas do século 20
– com a consolidação da chamada Revolução Industrial, com a emergência da
classe trabalhadora como força política e sua organização em partidos, com o
surgimento dos movimentos socialistas e com as revoluções sociais – estabe-
leceram novos desafios ao Estado moderno. Esses novos desafios passaram
a exigir que ele desempenhasse, a partir de então, novas funções, tornando
possível, assim, a criação de notáveis recursos de intervenção na organização
da sociedade. Com isso, o Estado moderno transformou-se em um estado in-
tervencionista16, que será consolidado e aprimorado – ganhando cada vez mais
feições sociais – após a Segunda Guerra Mundial. Surge, nesse contexto, uma
nova versão do Estado moderno: o estado de bem-estar social. O constitucio-
nalismo torna-se, com a Constituição Mexicana de 1917 e com a Constituição
de Weimar de 1919, constitucionalismo social, sendo reconhecidos também
novos direitos: denominados de direitos econômicos e sociais (LAFER, 1988).
Essa terceira geração de direitos compreende os chamados direitos de
créditos, ou seja, os direitos que tornam o estado devedor dos indivíduos, par-
ticularmente dos indivíduos trabalhadores e dos indivíduos marginalizados, no
que se refere à obrigação de realizar ações concretas, visando a lhes garantir um
mínimo de igualdade material e de bem-estar. Esses direitos, portanto, não são
direitos estabelecidos contra o estado ou direitos de participar na formação

16
Esta transformação do Estado moderno é muito importante e está no centro do debate con-
temporâneo sobre a crise do estado. Sobre as transformações do Estado moderno, pode-se ver
GARCÍA-PELAYO, Manuel. Las transformaciones del Estado contemporâneo. Madrid: Alianza
Editorial, 1982. Retomaremos esse tema no próximo ponto.

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Gilmar Antonio Bedin; Joice Graciele Nielsson

do poder político, mas sim direitos garantidos através ou por meio do estado.
Não se trata, assim, da emergência de um novo deslocamento da noção de
liberdade, por exemplo, como vimos, de não impedimento para autonomia,
mas sim da implementação prática do princípio da igualdade.
Por isso, podemos dizer que esta nova geração de direitos representa
não uma herança do liberalismo ou do pensamento democrático, como no
caso das duas primeiras gerações de direitos, mas sim “um legado do socia-
lismo” (LAFER, 1988, p.127)17. Entre essas prerrogativas, encontram-se duas
ordens de direitos: 1ª) os direitos relativos ao homem trabalhador; 2ª) os di-
reitos relativos ao homem consumidor de bens e serviços públicos. Entre os
primeiros, estão o direito à liberdade de trabalho, o direito ao salário mínimo,
o direito à jornada de trabalho de oito horas, o direito ao descanso semanal re-
munerado, o direito a férias anuais, o direito à igualdade de salários para traba-
lhos iguais, o direito à liberdade sindical e direito de greve. Entre os segundos,
estão o direito à seguridade social, o direito à educação e o direito à habitação.
Assim, com o reconhecimento dessa terceira geração de direito, o Es-
tado moderno se consolidou definitivamente como uma organização política
de profundo conteúdo social, estando entre as suas maiores conquistas a redu-
ção das desigualdades sociais, socialização da educação e o acesso universal à
saúde18. A efetivação dessas conquistas conduziu, por outro lado, a uma gran-
de legitimidade do Estado moderno e a uma acentuada desmercadorização
das diversas esferas das sociedades capitalistas. Além disso, o estado de bem-
-estar proporcionou também uma grande estabilidade ao sistema econômico,
através do planejamento estatal, e impulsionou uma era de grande crescimen-
to econômico (STOFFAËS, 1991; NUNES, 1991; HOBSBAWM, 1995).

17
Esta heterogeneidade de origem das duas primeiras gerações de direito em relação à terceira
tem levado alguns pensadores a afirmar que as referidas gerações de direitos são incompatíveis. Ver,
neste sentido, HAYEK, Friedrich August Von Hayek. Direito, legislação e liberdade. Trad. Henry
Maksoud. 3 v. São Paulo: Visão, 1985. Discordamos desses posicionamentos, pois, como nos diz
Luciano de Oliveira, “...se considerarmos a experiência histórica das democracias europeias, não
somente não havia incompatibilidade entre esses dois gêneros de direitos, mas o que é mais impor-
tante, haveria mesmo complementaridade – os direitos de créditos sendo, de uma certa maneira,
um prolongamento dos direitos-liberdades [direitos civis e direitos políticos], na medida em que a
dinâmica das sociedades democráticas consiste essencialmente em integrar, progressivamente, os
excluídos da liberdade.” (OLIVEIRA, 1992, p.8).
18
Esses tipos de conquistas são típicos dos países europeus desenvolvidos. Portanto, aplica-se
apenas parcialmente (se é que se aplica em muitos casos) à realidade dos países do chamado segundo
ou terceiro mundo.

32
A crise da década de 1970: observações sobre as ideias neoliberais ...

A crescente tendência social das sociedades capitalistas

Foi apontado, anteriormente, que a construção do estado de bem-


-estar social e do reconhecimento dos direitos econômicos e sociais se deu
num período histórico que abrange as duas últimas décadas do século 19 e al-
cança as primeiras sete décadas do século 20 (pelo menos, na Europa ociden-
tal). Este período, além de bastante abrangente, inclui momentos econômicos
bastante diversos. Em primeiro lugar, abrange o período da grande competi-
ção ou concorrência entre os principais impérios europeus pela hegemonia
no comércio internacional e que deu origem à Primeira Guerra Mundial. Em
segundo lugar, inclui o primeiro período de pós-guerra, período que chegou
até a grande depressão de 1929 e à formação dos sistemas totalitários italiano
e alemão, e que deu origem à Segunda Guerra Mundial. Em terceiro lugar,
abrange o segundo período de pós-guerra, período de reconstrução da
Europa, chegando até os anos setenta, e que se configurou sob o domínio dos
problemas políticos da Guerra Fria e da corrida armamentista19.
Feito este resgate da complexidade econômica do período referido,
é possível agora continuar as reflexões sobre o tema e indagar se existe ou
não algo em comum a todas aquelas décadas mencionadas como sendo o
momento de construção do estado de bem-estar social e do reconhecimento
dos direitos econômicos e sociais. A nossa resposta é de que existe algo em
comum, que se revela em ao menos três fatores fundamentais: a presença cada
vez mais marcante das ideias socialistas, a crescente participação do Estado
na gestão econômica e as ideias desenvolvidas por John Maynard Keynes20.
Com relação ao primeiro fator, pode-se dizer que ele foi tão determinante que
chegamos ao segundo período pós-guerra com grande parte da Europa e do
mundo sob o domínio de regimes designados de socialismo real ou de repúbli-
cas populares. Nesse sentido, podemos dizer que o reconhecimento das ideias
socialistas foi tão rápido e avassalador que talvez nem o próprio Marx e seus
principais seguidores do final do século 19 e do início do século 20 pudessem
prever, almejar ou, até mesmo, sonhar.
Essa rápida trajetória das ideias socialistas, no entanto, não esgotou
toda a sua força. Ao contrário, elas continuaram a avançar e nas mais diversas

19
Uma análise mais detalhada desses dados pode ser encontrada na obra Era dos extremos, de
Eric Hobsbawm. Ver, nesse sentido, HOBSBAWM, Eric. Era dos extremos: o breve século XX:
1914-1991. Trad. Marcos Santarrita. São Paulo: Companhia das Letras, 1995.
20
Não podemos esquecer, no entanto, que as ideias de John Maynard Keynes tornam-se impor-
tantes somente a partir da década de vinte do século passado. Sobre a vida de Keynes e o desen-
volvimento de suas ideias, pode ser visto HEILBRONER, Robert. A história do pensamento
econômico. Trad. Therezinha M. Deutsch e Sylvio Deutsch. São Paulo: Nova Cultural, 1996.

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Gilmar Antonio Bedin; Joice Graciele Nielsson

e inesperadas direções, passando inclusive a ser cada vez mais expressivas no


interior dos próprios regimes capitalistas – sejam eles do primeiro, segundo ou
terceiro mundo21. Além disso, é importante observar que a marcante presença
das ideias socialistas conduziu ainda ao reconhecimento de que a questão da
justiça social, da distribuição de riqueza e dos direitos da classe trabalhadora
são temas relevantes e que devem fazer parte dos programas de governo, seja
ele de esquerda ou de direita (se quiser se apresentar como sendo típico de um
país moderno e desenvolvido). Outra consequência fundamental é que os ideais
socialistas levaram alguns dos principais pensadores liberais a adotarem, em suas
formulações e referências, conteúdos de inegável conotação social. Por isso, o
liberalismo, durante um longo período, tornou-se liberalismo social22.
Essa forte ou marcante presença das ideias socialistas no decorrer do
período mencionado constituiu, por outro lado, um dos principais elementos
que levou à aceitação por parte dos representantes do grande capital – apesar
da perda de parte dos lucros – do pacto político que conduziu a um ciclo de
forte crescimento econômico, a um período de relativa distribuição da riqueza
e para a adoção de medidas sociais compensatórias e da política de pleno em-
prego. O pacto político mencionado, portanto, funcionou efetivamente, tendo
dele participado, de forma articulada, os principais grupos de trabalhadores, as
lideranças empresariais e sindicais e os mais influentes líderes políticos daquele
momento histórico. Após 1945, o pacto político referido foi definitivamente
institucionalizado nos principais países desenvolvidos e transformado oficial-
mente no que estamos chamando nesse texto de estado de bem-estar. Com
isso, pode-se dizer, talvez como uma síntese possível daquele período histó-
rico, que éramos todos tendencialmente socialistas – como hoje somos, ao
contrário, todos tendencialmente neoliberais ou, de forma eufemística, social-
-democratas conservadores23.
Com relação ao segundo fator – crescente participação do Estado na
gestão econômica –, não podemos dizer algo muito diferente, em termos de
sua importância histórica, do que afirmamos em relação à presença das ideias
socialistas. A participação do Estado na gestão econômica constitui-se, nesse

21
Um dos poucos países desenvolvidos que manteve, durante todo o período mencionado, uma
distância relativamente grande das ideias socialistas foi os Estados Unidos, apesar de que também
teve seu momento socializante com o movimento chamado New Deal.
22
Sobre a evolução do liberalismo, ver MERQUIOR, José Guilherme. Liberalismo Antigo e
moderno. Trad. de Henrique de Araújo Mesquita. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1991.
23
Obviamente esta afirmação é uma metáfora para expressar o consenso dominante. Ela não é,
portanto, utilizada no sentido literal, o que seria em qualquer das hipóteses um verdadeiro absurdo:
havia liberais bastante tradicionais no período de hegemonia das ideias socialistas, como há hoje
posturas muito diversas das posições (neo)liberais dominantes.

34
A crise da década de 1970: observações sobre as ideias neoliberais ...

sentido, além de um componente constante, também em um elemento cada


vez mais presente e marcante na definição do perfil econômico do período
de construção e consolidação do estado de bem-estar social e do reconheci-
mento dos direitos econômicos e sociais. A presença do Estado foi tornando-
-se, nesse sentido, cada vez mais imprescindível ao funcionamento do sistema
capitalista e à sua respectiva gestão econômica. A organização política estatal
passou, portanto, a desempenhar definitivamente, naquele período, um papel
estratégico no que se refere à formulação das grandes linhas do desenvolvi-
mento econômico e da definição das principais políticas públicas, bem como
assume a responsabilidade pelas estratégias de curto, médio e longo prazo de
distribuição de renda, de criação de emprego e de controle da inflação. No de-
sempenho dessas novas responsabilidades, o Estado obteve, obviamente, muitas
vitórias, tendo conseguindo, através do que se chamou de capitalismo organi-
zado, conduzir as sociedades capitalistas contemporâneas a uma era de ouro
de seu desenvolvimento econômico e social (1945 a 1970)24.
Mas isso, no entanto, não é tudo. O Estado moderno tornou-se tam-
bém, naquele período, um grande empresário25, que passou a comandar e ge-
renciar incontáveis empresas estatais com atuação destacada nos mais diversos
e complexos setores da economia capitalista. Essas empresas estatais passa-
ram a responder, quando vistas em conjunto, por significativos índices de par-
ticipação do produto interno bruto de cada país. Assim, o Estado moderno foi
se tornando, com a sua participação na gestão econômica, um megaestado, um
estado gigante (DRUCKER, 1996).
Neste sentido, é importante observar que, no início do século 20, o
peso do Estado na economia,
[...] dos países europeus, medido em termos da parcela dos orçamentos
públicos no PIB, representava apenas 5 a 10%. Esse peso aumentou ape-
nas ligeiramente até 1914, mas deu um salto no período entre as duas
guerras, elevando-se a cerca de 20%. Após 1945, efetua-se um novo salto:
o peso dos orçamentos públicos atinge de 25 a 30% [de participação no
PIB]. (STOFFAËS, 1991, p.128).

24
Essa é também a opinião de Cristian Stoffaës: “Do final da Segunda Guerra Mundial à crise
petrolífera de 1973, a economia mundial conheceu um período de crescimento sem precedentes his-
tóricos, quer pela intensidade, que pela duração. Assim, enquanto a taxa média anual de crescimento
econômico, no século XIX, era de apenas de 1,5 a 2% para os países desenvolvidos e, entre as duas
guerras, verificou-se uma situação próxima da estagnação, o crescimento foi de 5% ao ano ao longo
dos trinta anos do pós-guerra” (STOFFAËS, 1991, p.61).
25
Ver, nesse sentido, GARCÍA-PELAYO, Manuel. Las transformaciones del Estado contem-
porâneo. Madrid: Alianza Editorial, 1982.

35
Gilmar Antonio Bedin; Joice Graciele Nielsson

A forte presença das ideias socialistas e a crescente participação do Es-


tado na gestão da economia foram dois dos principais fatores que estruturaram
de forma definitiva – numa autoalimentação mútua e complementar – as nove
décadas apontadas como sendo o período de construção do estado de bem-
-estar social e do reconhecimento dos direitos econômicos e sociais. A presença
duradoura desses dois fatores, no entanto, somente foi possível com o surgi-
mento, nas décadas de vinte e trinta do século 20, das ideias do economista
John Maynard Keynes26, que os articulou de forma concreta nas sociedades
capitalistas e lhes deu viabilidade prática e respaldo intelectual – terceiro fator.
Esse autor foi um dos primeiros a transformar a questão do pleno emprego
em um dos temas centrais das preocupações da teoria econômica e,
[...] compreender a importância do Estado como agente econômico nas
sociedades capitalistas do seu tempo, partindo daí para justificar a existên-
cia de um setor estatal no seio da economia capitalista e para enquadrar
teoricamente e tornar respeitável perante teóricos e os homens de negócios
a intervenção do Estado na vida econômica [...]. (NUNES, 1991, p. 13-4).

Além disso, foi um dos primeiros a defender a introdução da política


fiscal como um instrumento
fundamental para controlar as flutuações da economia e para prosseguir os
objetivos do pleno emprego, da estabilidade dos preços e do equilíbrio da
balança de pagamento, objetivos de política econômica (aos quais alguns
acrescentam ainda a redistribuição do rendimento) que os governos passam
a assumir na sequência da revolução keynesiana. (NUNES, 1991, p.12).

Em síntese, pode-se perceber que a marcante presença das ideias so-


cialistas, a crescente participação do Estado na gestão econômica e as ideias
desenvolvidas por John Maynard Keynes convergiram para o mesmo ponto:
para a formação do estado de bem-estar social e para o reconhecimento dos
direitos econômicos e sociais. Mas essa não é, no entanto, a única coisa em
comum existente entre aqueles fatores mencionados: todos eles pressupõem
que o mercado não é um sistema perfeito, autossuficiente e dotado de racio-
nalidade. Ao contrário, defendem (diferente dos representantes da chamada
economia clássica27) que o mercado necessita, para funcionar, da intervenção

26
Um resumo das ideias de John Maynard Keynes pode ser encontrado em MOGGRIDGE, D. E.
As ideias de Keynes. Trad. Octavio Mendes Cajado. São Paulo : Cultrix, s/d. Quanto ao confronto
das ideias de Keynes com as novas ideias monetaristas, pode ser encontrado em NUNES, A. J. Avelãs.
O keynesianismo e a contra-revolução monetarista. Coimbra: Coimbra, 1991.
27
Principalmente Adam Smith. Ver, nesse sentido, SMITH, Adam. Investigación sobre la
naturaleza y causas de la riqueza de las naciones. México: Fundo de Cultura Económica, 1958.

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A crise da década de 1970: observações sobre as ideias neoliberais ...

constante da racionalidade política proporcionada pelo Estado. Em outras pa-


lavras, as ideias referidas defendem a relativização ou o abandono da crença
na mão invisível do mercado e de sua suposta autorregulação, bem como o
abandono do status de pura mercadoria e de valores de mercado como o cri-
tério predominante para a fixação de preços e para a alocação de recursos no
interior das sociedades capitalistas.
Com isso, temos uma profunda mudança de concepção sobre o fun-
cionamento do sistema capitalista e o reconhecimento de que somente o Esta-
do (e suas políticas intervencionistas) pode garantir a concretização da justiça
social, da distribuição mais justa da riqueza produzida e o respeito aos direitos
econômicos e sociais. Esta convergência gerou, no conjunto, uma crescente
tendência desmercadorizante das diversas esferas das sociedades capitalistas.

A crise dos anos setenta do século 20 e suas consequências

O período de construção do estado de bem-estar social e do reconhe-


cimento dos direitos econômicos e sociais perpassou, como foi visto, várias
décadas, chegado a alcançar os primeiros anos da década de setenta do século
20. Estes primeiros anos são também, contudo, o momento de surgimento
das primeiras dificuldades mais significativas do estado de bem-estar social
e do início do refluxo de sua trajetória crescentemente social e democrática.
Estas dificuldades foram frutos, entre outros fatores, da profunda estagnação
econômica das sociedades capitalistas daquele período, da elevação dos índi-
ces de inflação e da primeira grande crise do petróleo.
Neste sentido, é importante destacar que a economia mundial, ao lon-
go dos anos 70 do século 20, passou
da era da expansão à era da estagflação, isto é, uma situação marcada pela
coexistência da inflação e de um marasmo acompanhado de desemprego.
O processo foi progressivo e não brutal: contrariamente aos krachs e às de-
pressões do século XIX e de antes da guerra, não houve um afundamento
brutal. A crise contemporânea é um processo de lenta deterioração, um
cancro subtil e não um acesso de febre. Se bem que não se possa encon-
trar, a título de ilustração, uma data-símbolo análoga à que foi a ‘quinta-
-feira negra’ de outubro de 1929, o lento progresso da crise pode, apesar
de tudo, ser batizado por datas-chaves, que a história certamente fixará,
mesmo se aqueles que as viveram não lhes apreenderam de imediato o
alcance. Agosto de 1971, com a declaração de inconvertibilidade em ouro
do dólar; Outubro de 1973, com o primeiro choque petrolífero; Outubro
de 1979, com a aplicação de uma política monetária radical pela Reserva
Federal dos Estados Unidos; Fevereiro de 1981, com o anúncio do pro-
grama Reagan; Agosto de 1982, com as medidas de emergência tomadas

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Gilmar Antonio Bedin; Joice Graciele Nielsson

para evitar a bancarrota do México: eis, com um pouco de distanciamento,


alguns marcos da crise contemporânea. (STOFFAËS, 1991, p.64-5).

Assim, a crise em análise não foi mais uma crise conjuntural e passa-
geira como outras tantas que existiram no decorrer do século 20. Ao contrário,
foi uma crise que produziu uma notável virada histórica e uma grande mutação
da tendência dominante nas sociedades capitalistas. No que se refere à grande
mutação, quer se indicar principalmente que ela gerou o desenvolvimento de
um novo padrão tecnológico – baseado nas descobertas da microeletrônica e
nos avanços da informática – e um novo modelo de produção – denominado
modelo toyotista28. Em relação à notável virada histórica, quer se dizer que
a crise referida levou, por um lado, a uma crescente relativização das ideias
socialistas, a uma forte crítica da participação do Estado na economia e à refu-
tação das principais teses desenvolvidas por John Maynard Keynes – ou seja,
conduziu ao abandono de tudo aquilo que estruturou o período histórico res-
ponsável pela construção do estado de bem-estar e pelo reconhecimento dos
direitos econômicos e sociais – e, por outro, à adoção das ideias neoliberais, à
defesa da tese do estado mínimo e à supremacia das ideias monetaristas29. Daí,
portanto, em síntese, a substancial diferença existente entre a crise dos anos
setenta do século 20 e as demais crises conjunturais do mesmo século: ela nos
conduziu a uma nova hegemonia política, econômica e social – designada de
neoliberal – e a um novo modelo de sociedade – chamado de pós-moderno30.
Essa nova hegemonia política, econômica e social, gerada com a crise
dos anos setenta, consolidou-se de forma muito rápida nos anos subsequentes
ao início da crise, devido principalmente à incapacidade do estado de bem-es-
tar social em responder de maneira qualificada aos ataques destrutivos de seus

28
Sobre esses temas, pode ser visto, entre outros, THUROW, Lester C. O futuro do capitalismo.
Como as forças econômicas moldam o mundo de amanhã. Trad. Nivaldo Montingelli Jr. Rio de
Janeiro: Rocco, 1997.
29
As ideias monetaristas se distinguem das ideias keynesianas pelo fato de que ao contrário dessas
“concedem prioridade absoluta ao combate à inflação, privilegiando a estabilidade monetária como
objetivo de política econômica, no confronto com o objetivo do pleno emprego (ou da redução
do desemprego) [presentes nas ideias keynesianas]; procuram combater a inflação essencialmente
com base na redução do crescimento da oferta da moeda; apostam na reanimação da atividade
econômica a partir da redução da intervenção estatal, da liberação da economia e da destruição dos
monopólios sindicais” (NUNES, 1991, p.480).
30
É claro que esse novo modelo de sociedade vinha se desenhando há mais tempo, talvez como
quer Lyotard, desde os anos cinquenta (LYOTARD, Jean-François. O pós-moderno. Trad. Ricardo
Corrêa Barbosa. Rio de Janeiro: José Olympio, 1986). No entanto, o novo padrão tecnológico que
passa a sustentá-la somente adquiriu contornos precisos após os anos setenta. Além disso, é somen-
te nos anos noventa que tomamos consciência de estar vivendo em um novo modelo de sociedade.
Apesar da importância, esse tema, no entanto, não será diretamente abordado nesse texto.

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A crise da década de 1970: observações sobre as ideias neoliberais ...

oponentes neoliberais e à sua permanente crise fiscal, que o tornou impotente


diante das crescentes demandas da sociedade. Paralisado, o estado de bem-estar
social virou uma presa fácil aos representantes do novo consenso hegemônico,
sendo, em muito pouco tempo, transformado caricaturalmente no símbolo do
atraso, da lentidão e do desperdício – um elefante velho que se movimenta com
dificuldades e que deve dar lugar aos rápidos e “espertos” tigres do mercado.
Assim, segundo esse novo consenso, o mais importante não é a sustentação do
estado de bem-estar social e de suas políticas sociais compensatórias, mas sim
a competitividade das empresas, a obtenção do lucro, a eficiência econômica,
o respeito às regras do jogo e o predomínio do mercado – do mercado em
sentido absoluto, com a crença na sua suposta autossuficiência e racionalidade
intrínseca. Assistimos, em síntese, ao abandono das principais conquistas sociais
representadas pelo estado de bem-estar social e ao retorno à mão invisível do
mercado, que, teoricamente, segundo os seus defensores, tudo controla, racio-
naliza e distribui de forma justa e equitativa. Com isso, as sociedades se voltam
para a defesa de políticas típicas, em boa medida, do século 19.

Considerações Finais

Com este regresso, a estrutura típica do estado de bem-estar social


perde sua vitalidade e abre espaço para um cenário de incertezas e de possibili-
dades de relativização das principais conquistas sociais. Neste sentido, pode-se
perguntar como será o futuro das atuais sociedades capitalistas e sobre a pos-
sibilidade das grandes políticas sociais do estado de bem-estar serem ou não
mantidas. As respostas parecem indicar que está se consolidando um ciclo de
longo prazo de maior mercadorização das sociedades capitalistas e de ruptura
de algumas das principais políticas compensatórias implantadas pelo estado de
bem-estar social. Contudo, é sempre importante lembrar que a história conti-
nua, apesar de algumas tendências, aberta e indeterminada.
Por isso, este quadro adverso não nos deve conduzir a um momento
de desespero. O importante é continuar a tentar compreender este novo qua-
dro e pensar soluções diferenciadas. Neste sentido, o que conta hoje em dia
não é, como nos alerta Cristian Stoffaës,
tentar ler o futuro nas borras do café, porque os acontecimentos pode-
rão desmentir rapidamente as profecias demasiado peremptórias; o que
conta é, antes, tentar descobrir por que é que se queima atualmente com
entusiasmo o que se venerava ontem e como se chegou a essa situação.
(STOFFAËS, 1991, p.55).

Esta é, de fato, uma tarefa urgente dos cientistas sociais da atualidade.

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Gilmar Antonio Bedin; Joice Graciele Nielsson

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