ANO XXVIII - No. 296 - JANEIRO DE 1987

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Projeto

PERGUNTE
E
RESPONDEREMOS
ON-LINE

Apostolado Veritatis Spiendor


com autorizagáo de
Dom Estéváo Tavares Bettencourt, osb
(in memoríam)
APRESENTAQÁO
DA EDigÁO ON-LINE
Diz Sao Pedro que devemos
estar preparados para dar a razáo da
nossa esperanca a todo aquele que no-la
pedir (1 Pedro 3,15).

Esta necessidade de darmos


conta da nossa esperanca e da nossa fé
hoje é mais premente do que outrora,
visto que somos bombardeados por
numerosas correntes filosóficas e
religiosas contrarias á fé católica. Somos
assim incitados a procurar consolidar
nossa crenca católica mediante um
aprofundamento do nosso estudo.

Eis o que neste site Pergunte e


Responderemos propoe aos seus leitores:
aborda questóes da atualidade
controvertidas, elucidando-as do ponto de
£L vista cristáo a fim de que as dúvidas se
. ^ dissipem e a vivencia católica se fortaleca
"*" no Brasil e no mundo. Queira Deus
abencoar este trabalho assim como a
equipe de Veritatis Splendor que se
encarrega do respectivo site.

Rio de Janeiro, 30 de julho de 2003.

Pe. Estevao Bettencourt, OSB

NOTA DO APOSTOLADO VERITATIS SPLENDOR

Celebramos convenio com d. Estevao Bettencourt e


passamos a disponibilizar nesta área, o excelente e sempre atual
conteúdo da revista teológico - filosófica "Pergunte e
Responderemos", que conta com mais de 40 anos de publicagáo.
A d. Estéváo Bettencourt agradecemos a confiaca
depositada em nosso trabalho, bem como pela generosidade e
zelo pastoral assim demonstrados.
SUMARIO

"Eis que bato á porta..."

A fé, a Igreja e a vida hoje

"Meu Deus em quem confio"

Intercomunháo católico-protestante

Igreja, povo de Deus

Secularizacáfo e secularismo

As traducoes da Biblia

ANO XXVIII - JANEIRO - 1987 296


PERGUNTE E RESPONDEREMOS JANEIRO-1987
Publicado mensal IM9 296

SUMARIO

Diretor-Responsável:
"EIS QUE BATO A PORTA" 1
Estévao Bettencourt OSB
Autor e Redator de toda a materia O Papa aos jovens:
publicada neste periódico
A FÉ, A IGREJA E A VIDA HOJE 2
DiretorAdministrador
D. Hildebrando P. Martins OSB Um testemunho de vida:
"MEU DEUS EM QUEM CONFIO". 12
Administracao e distribuicao:
Em certos lugares do Brasil:
Edicoes Lumen Christi
Dom Gerardo, 40-5° andar, S/501 INTERCOMUNHAO CATÓLICO-PROTESTAN
Tel.:<021) 291-7122 TE 22
Caixa postal 2666
20001 - Rio de Janeiro - RJ Clareando conceitos:
IGREJA, POVO DE DEUS 30

Cornposlcáo a Impronto
Que sao
"MARQUÍS-SARAIVA"
rifAffirCIMfMfOf CIJ/KOI 1 A. SECULARIZACÁO E SECULARISMO? 33

mmíru
Urna questao candante:
AS TRADUgÓES DA BIBLIA 40

ASS1NATURA EM 1987:
NO PRÓXIMO NÚMERO
A partir de Janeiro de 1987 Cz$ 200,00
Número avulso: CzS 20,00 297 -Fevereiro- 1987

Queira depositar a importancia no Banco O porqué do sofrimento — Pena de morte:


do Brasil para crédito na Conta Córrante sim ou nao? — Para que ter religiao? — "Luz
n' 0031 304-1 em nome do Mosteiro de sobre a Idade Media" (R. Pernoud) — A Inqui-
Sao Bento do Rio de Janeiro, pagável na
sicáo Espanhola.
Agenda da Praca Mauá (n- 0435) ou en
viar VALE POSTAL pagável na Agencia
Central dos Correios do Rio de Janeiro.
APROVACÁO ECLESIÁSTICA

RENOVÉ QUANTO ANTES COMUNIQUE-NOS QUALQUER


ASUAASSINATURA MUDANCA DE ENDERECO
"Eis que bato a porta..."
(Ap 3.20)

Os cap. 2-3 do Apocalipse apresentam sete cartas dirigidas a sete co


munidades da Asia Menor, propondo a cada destinatario um balanco da sua
vida. A comunidade mais censurada é a de Laodicéia (Ap 3,14-22). Oscris-
taos daquela cidade haviam perdido seu fervor inicial e viviam em tibieza
{nem quentes nem fríos); nao tinham á coragem nem para avanpar nem para
recuar. . . Tal condipio é muito freqüente na vida dos seres humanos em ge-
ral; o ideal abracado é exigente, o esforco feito para atingi-lo cansa e desgas
ta; entao a covardia inata tende a provocar a desistencia, em favor de um
tipo de vida "acomodada"; guardam-se as aparéncias, mas já nao se tem o
fmpeto interior!

Ora o Senhor Jesús censura severamente a mornura de ánimo dos lao-


dicenos: "Estou prestes a te vomitar" (3,16). Mas propoe o remedio: "Todos
aqueles que amo, eu os repreendo e educo" (3,19). Acrescenta, a seguir,
urna das mais belas passagens do Novo Testamento: "Eis que estou á porta e
bato; se alguém ouvir a minha voz e abrir a porta, entrarei em sua casa e
cearei com ele e ele comigo" (3,20). Estas palavras lembram que, mesmo
quando censura os homens, Deus é amor. . ., aquele amor que nos amou
primeiro (cf. Uo 4,19) e que nSo pode deixar de amar, por mais ingrata que
seja a criatura (cf. Os 11, 8s). A cada individuo que se queira converter ou
despertar da sua tibieza, Ele oferece um convivio de profunda ¡ntimidade,
simbolizada pela ¡magem da ceia. Esta é clássica ñas Escrituras para designar
a bem-aventuranpa celeste ou o antegozo da mesma através da graca dada ao
cristao peregrino. No caso do Apocalipse, um trapo peculiar chama a aten-
pao: nao sao os homens que entram no palacio do Rei Divino para cear, mas
é o Senhor que se digna de pedir entrada no corapa*o do homem, fazendo pa
ralelo a atitude do Esposo que, no Cántico dos Cánticos, bate a porta da es
posa: "Abre, minha amada. . . Tenho a cabepa orvalhada, meus cábelos go-
tejam sereno" (Ct 5,2).

Já que a Palavra de Deus tem valor perene e universal, ela fala ainda
hoje a todo cristao abatido pela inclemencia da caminhada. Estamos inician
do novo ano "da grapa de Nosso Senhor Jesús Cristo". Isto equivale a urna
visita do Senhor ao fntimo de cada um dos seus fiéis; Ele pede acolhida ge
nerosa e pronta, para fazer crescer a sementé de vida eterna ai' lanpada pelo
Batismo e alimentada pela Eucaristía..., mas ameapada pelos ventos alheios
da borrasca.

1 E.B
«PERGUNTE E RESPONDEREMOS»
ANO XXVIII - rf? 296 - Janeiro de 1987

O Papa aos jovens:

Á Fé, a Igreja e a Vida hoje

Em sfntese: Aos 5/10/86. o S. Padre encontrou-se com dezenas de mi-


Ihares de Jovens franceses em LiSo (Franca) e respondeu as perguntas que
Ihe fizeram sobre Fé, Igreja e Compromisso no Mundo. Tratase de propo
sites multo concretas e lúcidas, eco do Evangelho apregoado em toda asua
autenticidade.

0 Papa Joao Paulo II encontrou-se no domingo 5 de outubro pp, 18 h,


com jovens franceses no Estadio Gerland de Ligo. Eram 50.000, de 15 a 25
anos, dentro do Estadio, ao passo que dezenas de milhares de outros jovens,
em lugar anexo, acompanhavam o evento mediante um servico de televisao.
Tal encontró foi preparado durante seis meses por um milhSo de jovens;
quinze mil cartas foram entrementes dirigidas a S. Santidade, portadoras de
perguntas da juventude francesa.

A cerimdnia do encontró foi dividida em tres partes, cada qual ilustra


da por urna representacáo cénica; correspondiam aos tres temas abordados: a
Fé, a Igreja, a Vida do Cristáo hoje.

As questoes seriam as dos jovens — e adultos — do próprio BrasiL O


Santo Padre Ihes deu respostas claras e corajosas, dasquais nos parece opor
tuno transmitir as principáis secSes ao público leitor de PR.

1. A Fé

A propósito tais foram as afirmativas e as questdes dirigidas áo Santo


Padre:

1. Nao é fácil dar testemunho.


Z Como partilhar a nossa fé com os outros?
FÉ. IGREJAEVIDA

3. Os companheiros zombam de nos se falamos de Deus.


4. Com as suas ciencias e as suas técnicas o mundo nao cessa de ques-
tionar a nossa fé.
5. Temos sempre sede de Deus; mas para que serve crer?
6. Há urna oportunidade de conhecer o Cristo.
7. Mas como viver Deus hoje?
8. Como encontrar o fervor primitivo?
9. Onde está, pois, este primeiro Amor?
10. Dizei-nos, Santo Padre, se os ¡ovens dos outros países pSem os mes-
mos problemas que nos.
11. E Vos, Santo Padre, chegais a ter dúvidas?"

As respostas se foram sucedendo em tom tranquilo e simples, como se


poderá depreender dos segmentos transcritos a seguir:

1.1. Deus presente ao homem ausente

"5. Deus está presente, mas é também verdade que nos podemos estar
ausentes. Nao é Deus que deixa de vir ao encontró de nos, somos nos que
corremos o perigo de nao ir ao encontró d'Ele. Santo Agostinho, convertido
em 386 - acabamos de festejar este aniversario -, confessava a Deus, depois
de ter procurado a felicidade em muitas estradas falsas: "Tarde Vos amei, ó
beleza tafo antiga e tao nova!. . . Vos estáveis dentro de mim, mas eu esteva
fora, e fora de mim Vos procurava... Estáveis comigo, e eu nSo estava con-
vosco". Muitos dos nossos contemporáneos vivem, deste modo, na indiferen-
ca religiosa, no esquecimento de Deus, organizando a própria vida sem Ele;
experimentam todos os caminhos da felicidade, sem ousar crer que Cristo é
a Verdade, o Caminho, a Vida. Oxalá eles se despertem, venha a despertar
se neles o dom de Deus, déem atencffo Áquele que bate á sua porta, ou, an
tes, que é intimo deles mais do que eles sSo de si mesmos! Vos ná*o estáis in
diferentes. Reconheceis que no fundo de vos mesmos tendes sede de Deus,
mas sofreís por causa da ¡ndiferenca atual".

1.2. As zombarias dos incrédulos

"6. E vos sofreís mais aínda por causa das objecdes, da oposicao, das
zombarias dos outros quando falais de Deus. Os Profetas provaram este mes-
mo sofrimento: "Quem acreditou no nosso anuncio?" (Is. 53,1). Jesús nos
advertiu: "Bem-aventurados seréis quando vos insultarem... por minha cau
sa!" (Mt. 5,11). Todos nos somos chamados á coragem de testemunhá-1'0
sem nos envergonharmos. SSo Paulo viveu estas mesmas tribulacGes. Porven-
tura nao escutastes na Missa de boje como ele advertía o seu discípulo Timo
teo: "Pois Deus ná*o nos deu um espirito de timidez, mas de fortaleza, amor
"PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 296/1987

e sabedoria. Nao te envargonhei, portanto, do testemunho de Nosso Senhor,


nem de mim, seu prisioneiro; participa comigo nos trabalhos do Evangelho,
fortificado peló poder de Deus" (2 Tim. 1,7-9)? Os vossos mártires sofreram
as piores sevicias para serem fiéis. E esta historia continua, em toda a parte,
ainda hoje. Aqui, á vossa geracSo,. nffo é dada a ocasiSo de resistir até ao san-
gue (cf. Heb. 12,4). Mas vos sofreís por n§o pódenles partilhar a vossa fé.
Deus é o único juiz da consciéncia dos nossos ¡raíaos que créem de outro
modo ou que nffo acreditam; a Ele pertence fazer frutificar a sua verdade ñas
mentes e nos coracdes, que O acolhem livremente, sem constrangimento.
Devemos agir sempre com respeito, paciencia e amor. Mas desejamos com
todas as nossas forcas que todos conhecam a Deus na sua plenitude; pedimos
que este dom de Deus encontré a disponibilidade deles; e devemos trabalhar
ciarte sentido, dar um testemunho claro da fé que recebemos, num diálogo
atento ás missSes particulares, preocupados com o modo de falar que sensi
biliza e confiantes no Espirito Santo que neles atua. Jesús diz também a vas:
"Seréis as Minhas testemunhas". Se ná*o fordes testemunhas no próprio am
biente — na vossa familia, na escola, nos vossos grupos de lazer, ñas vossas
equipes de trabalho -, quem o será em vosso lugar?"

1.3. Estar seguro da própria fé

'7. Mas, para dar testemunho, é preciso estar seguro da própria fé. E
acontece que duvidais. As descobertas da ciencia, as possibilidades da técni
ca vos surpreendem, a respeito da eficacia misteriosa da fé. Deveis enfrentar
estes problemas. Oxalá descubráis que Deus é de urna outra ordem, diferen
te do visfvel e do comensurável das ciencias, que Ele nato é nem sequer o in-
cognoscfvel que numerosos filósofos agnósticos tém á parte: Ele está na fon-
te do ser, e é da ordem do amor, como dizia Pascal! Vos sois convidados a
aprofundar constantemente as vossas razSes de crer, e sobretudo a ter co-
nhecimento de Deus tal como Ele se revelou em Jesús Cristo. Este é o objeto
das vossas catequeses, das vossas reunidas, das vossas revisSes de vida, das
vossas leituras, dos vossos retiros, da vossa orac3o. A prova da dúvida pode
levar-vos a urna fé purificada. Entáo estaréis prontos, como dizia o Apostólo
Pedro, "a responder a todo aquele que vos perguntar a razffo da vossa espe-
ranca" (1 Ped. 3,15)".

1.4. Para que serve crer?

"8. "Para que serve crer?"

Eis a última pergunta pungente, que retem muitos dos vossos amigos.
Perguntar-vos-ei antes de mais: de que utilidade falais? Se procuráis instru-
mentalizar diretamente Deus e a religiío como um complemento para reali-
FÉ, IGREJA E VIDA

zardes a vossa felicidade sensfvel, para servirdes os vossos interessesou a efi


cacia de empreendimentos que dependem da natureza, da inteligencia e do
coracao que Deus vos deu a fim de dominar o mundo, e até para aperfeicoar-
des a vossa estatura moral, vos corréis o perigo de ser engañados. Deus nSo é
da ordem dos meios para suprir as nossas carencias. Ele é Alguém. Existe por
Si mesmo, ácima de tudo. Ele merece ser condecido, adorado, servido, ama
do gratuitamente, por Si mesmo. E é também verdade que Ele quer a nossa
total realizacao.

Ireneu, sucessor de Potino e segundo Bispo de Liá*o, dizia: "A gloria


de Deus é o homem vivo, e a vida do homem é a visfo de Deus." Alguns de
vos pediram-me que falasse da vida eterna. Caros amigos, desejais verdadera
mente ver Deus? Face a face noutro mundo, depois de O terdes encontrado
neste mundo na fé? Desejais participar desde agora da vida divina, ser salvos
daquilo que vos afasta d'Ele, ser perdoados dos vossos pecados? Tais grapas
nao estío em vosso poder. So Deus pode concédelas a vos. E, a partir daí,
militas outras coisas Ele fará aínda, além disso. Mais que mudar as coisas que
Lhe pedís, Ele vos mudará a vos mesmos. A medida que olhardes para Deus,
que acreditardes n'Ele, que O invocardes, que vos nutrirdes d'Ele, que fizer-
des a verdade com Ele, e sobretudo á medida que responderdes ao manda-
mento do amor, vos nao seréis mais os mesmos. Sim, neste sentido, a fé é
muito eficaz. Eis os caminhos para viver Deus, como dizeis. Deus é maior do
que o nosso coracSo."

2. A Igreja

Foi este o questionário apresentado:

"J. Nao redamo urna Igreja 'toda pronta' ou urna Igreja que domina o
mundo inteiro como um arranha-céus. Desejaría urna Igreja a construimos
¡untos.
2. A Igreja interessa-nos. Para nos, é urna op$ao, um empenbo pessoal.
3. Mas por que tan tos jovens, na Franca, se afastaram déla?
4. Por que tao freqüentemente nSo compreendemos tantas coisas que
E/a diz?
5. Tenho tanta necessidade de que um sacerdote me escute; por que
sSo eles tao poucos?
& A Igreja precisa de nos; nSo é o que parece.
7. Santo Padre, falai-nos da Igreja, mas nao da Igreja que está nos ¡i-
vros ou ñas grandes idéias. Falai-nos de urna Igreja que nos ajude a viver na
nossa vida de cada día".
6 "PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 296/19B7

E¡s alguns trapos mais marcantes das respostas:

2.1. A Igreja Santa e o pecado

"11. . . Sabéis que seria ilusorio pretender conservar a fé em Cristo


sem a Igreja.

12. Isto nao vos impede de sofrer pelas imperfeicdes que vos parece
afligiremna, sobretudo quando vedes outros jovens afastarem-se déla apre-
sentando esta razáfo. Vos quererieis que ela fosse sempre acolhedora, cheia
de juventude, transparente ao Evangelho. Eu também a quererla assim, e tra-
balho incesantemente para isso, com a grapa de Deus. S3o Paulo dizia: Mari
dos, amai as vossas mulheres, como também Cristo amou a Igreja, e por ela
Se entregou para a santificar.. . para a apresentar a Si mesmo como Igreja
gloriosa sem mancha nem ruga, nem qualquer coisa semelhante, mas santa e
imaculada (Ef. 5,25-27).

E de fato a Igreja é assim, no projeto de Deus e na sua realidade atual,


invisível. O Concilio Vaticano II descreve o misterio da Igreja antes de falar
das suas estruturas e diz: O Espirito Santo habita a Igreja... rejuvenesce-a
continuamente e leva-a á un ¡ao perfelta com o seu Esposo (cf. Lumen gen-
tium, 4). Neste sentido, poder-se-ia falar de um Pentecostés perpetuo.

13. Sem mancha nem ruga. .. Mas a Igreja tem rugas. Alias, pode te
las. Hoje já nao é urna adolescente, é urna Mae que, há dois mil anos, está su-
jeita as agitacSes da historia e as tentacdes do mundo. No decurso dos sé-
culos, ela conheceu perseguicóes, que despertaran! um novo fervor. Mas al
guns dos seus membros também conheceram as seducoes do espirito do mal,
o bem-estar na riqueza, a rotina, ou simplesmente a tentacao dos compro-
mistos no necesario diálogo da salvacSb com o mundo. Jesús tinha implo
rado ao Seu Pai: Ná"o peco que os tiréis do mundo, mas que os tiréis do mal
(Jo. 17,15). A Igreja na"o é um clube de membros que se possam dizer perfei-
tos, mas um conjunto de pecadores reconciliados, em caminho para Cristo,
com as suas fraquezas humanas.

Urna das grandes desgracas da Igreja foi a divisaTo dos seus filhos, e é
urgente procurar a unidade com todos os nossos irmSos separados, como
para isso trabalhava ta"o bem S3o Francisco de Sales, com os meiosdo Evange
lho: o amor e a busca da verdade. Porque a inf idelidade a verdade seria outra
desgraca.

14. Vede, caros amigos, a Igreja permanece santa, porque ela foi san
tificada por Cristo. Mas a santidade efetiva dos seus membros nunca é com-
FÉ, IGREJA E VIDA

pleta, como urna casa da qual se tém as "chaves na mSo". Está sempre parase
construir, para reconstruir, para purificar. E como se hSo-de julgar os defei-
tos dos nossos antepassados, se o pecado nos atinge a nos próprios? Diante
do Senhor todos somos pobres e pecadores. E no entanto a Igreja conduz-
nos para as fontes da santidade desde o nosso batismo. Ela é nossa Mié.
Urna Mae que alimenta e que reconcilia. Urna Mae nSó pode ser criticada co
mo um estranho, porque amamos aqueta que nos deu a vida!

Os santos, esses, sá*o as testemunhas visfveis da santidade misteriosa da


Igreja. Eles continuara!» a ser os homens mais humanos, mas a luz de Cristo
penetrou toda a sua humanidade. O impulso que os animou nao envelhece
de modo algum. Há os santos que a Igreja beatifica e canoniza, mas também
todos os santos ocultos, anónimos: eles salvam a Igreja da mediocridade, re-
formam-na a partir de dentro, diría por contagio, e conduzem-na para aquilo
que ela deve ser. Os Papas vém inclinar-se diante destes servos de Deus, co
mo o Cura d'Ars ou o Padre Chevrier. Caros amigos, mediante os santos,
Deut faz-nos sinal. Todos sois chamados, também vos, á santidade:"

2.2. Vocagoes

"15. Vos, jovens, batizados e confirmados, com todos os leigos cris-


tios, sois as células de base, sem as quais náb haveria o corpo. Um organismo
diferenciado, segundo as situacSes: criqnca, jovem, solteiro, casado, homem
e mulher, segundo as vossas profissdes, segundo as capacidades que pondes
ao servíco dos outros, segundo as tarefas de apostolado ou mesmo os minis
terios nao ordenados que recebéis para a animacío das vossas comunidades.
Nao existe aqui nenhuma diferenca essencial entre homens e mulheres. Se,
no plano hierárquico, os homens sao os únicos sucessores dos Apostólos, no
plano carismático as mulheres animam a Igreja tanto quanto os homens (cf.
Discurso aos jovens, no "Pare des Princes". Paris 1980, n. 18). Sim, a Igreja
conta verdaderamente com cada um da vos: antes de tudo, para que desen
volváis em vos esta vida divina que vos foi dada e para que toméis a vossa
parte do servico da Igreja e da vossa missao de testemunhas junto dos vossos
companheiros.

16. No Corpo de Cristo, outros membros sentem-se chamados a deixar


tudo para seguir Cristo á letra, na vida religiosa ou nos institutos de vida
consagrada, conservando-se castos, pobres, disponíveis, para manifestar me-
Ihor o Reino de Deus que há de vir. É urna vocacSo maravilhosa, também ela
essencial á Igreja. Nao se explica senSo com um acréscimo de amor por Cris
to, como o da esposa pelo esposo. Bem-aventurados aqueles que ouvem este
apelo, e nao o abafam! Alguns confessaranvme: Temos medo de ser chama
dos para urna vida consagrada. Nao credes que Cristo é capaz de vos cumular
com a sua alegría e a sua forca?"
8 "PERPUNTE E RESPONDEREMOS" 296/19B7

2.3. Os sacerdotes

"17. No Corpo de Cristo, um lugar particular compete aos sacerdotes.


Ninguém pode acedar ao sacerdocio sem para ele ser chamado pela Igreja e
ordenado. Porque o sacerdote desempenha urna funcffo distinta da dos ou-
tros batizados: no nome de Cristo, Cabeca do Corpo, ele reúne os seus ir-
máos como o Pastor, vela por que a sua Palavra auténtica Ihes saja acessfvel,
perdoa os pecados, torna presente o corpo e o sangue de Cristo para alimen
tar com ales os seus irmSos, e f ica á sua disposicao para os amparar e aconse-
Ihar.

Como é belo ouvir dizer a um de vos: Preciso tanto de um sacerdote


que me escute!. Sim, o sacerdote está próximo de vos, embora permanecen-
do em íntima uniáo com Cristo, consagrado totalmente ao Evangelho, dis-
ponfvel para todos os homens: o seu compromisso ao celibato é-lhe necessá-
rio. Amanhi, em Ars, falarei disto a todos os seminaristas da Franca, tendo
sob os olhos o misterio f ormidável do Cura d'Ars. O sacerdote, por outro la
do, faz mais do que escutar-vos: ele pode oferecer urna resposta ás vossas dú-
vidas, e sobretudo pode dar a resposta de Deus ás vossas fraquezas confessa-
das: é o perdió de Deus, no sacramento da reconciliacab. Ides procurar este
perdáo junto do sacerdote?

Por que é que há tao poucos sacerdotes, quando eles sao ¡ndisiaensá-
veis para a vida do Corpo? Pergunto-o a vos, caros amigos. Como é possfvel
que do grupo de jovens crentes que vos sois, generosos e ansiosos de cons
truir a Igreja, nao germinem vocacSes sacerdotais e religiosas? Estou certo de
que muitos sentem este apelo. O que é que vos desencoraja? Compete a vos,
caros amigos, ref letir nisto. Eu tenho conf tanca. E vejo que o recrutamento
de sacerdotes conhece um renovamento em muitos países do mundo."

2.4. A Igreja tem futuro?

"20. A Igreja tem futuro? — pergunta um de vos. Tenvno, porque ela


está fundada em Cristo vivo. Tem um futuro risonho em tal ou tal regiá*o? Is-
to depende também dos cristábs.

A Igreja evoluirá? Ela náb pode mudar os fundamentos da fé, da mo


ral, dos sacramentos, da estrutura do Corpo de Cristo; nSo se inventa urna
Igreja de Cristo no ano 2000! Mas ela pode, deve renovar-se, em face dos no
vo» problemas, das novas descrencas. Tem capacidade para isso, com o Espi
rito Santo. A descristianizapSo nSo é fatal, é urna doenca de percurso, um
desafio a aceitar.

8
FÉ, IGREJAE VIDA

Igreja da Franca, deixa-te interpelar pelas jovens Igrejas, as que os teus


missionários foram implantar. Talvez elas tenham um novo impulso a dar
te! A Franca era a filha mais velha da Igreja, entre as novas nacSes, depois
da invasao dos bárbaros; a Igreja tem outras filhas que cresceram! Mas nos
contamos sempre muito convosco, jovens da Franca, que recebestes tantas
gracas no decurso da vossa historia.

Com os vossos bispos, no nome de Cristo que deu esse mandato aos
Apostólos, envio-vos em missfo!"

3. O Compromisso no Mundo

Entre outras, foram formuladas as seguintes perguntas:

"5. Um mundo com o seu Terceiro Mundo e o seu Quarto Mundo, tan-
gados como urna culpa sobre os nossos ombros...

"6. O desemprego é culpa nossa?...

11. Santo Padre, que farfeis em nosso lugar?

12. Por favor. Santo Padre, nao'nos deis sentencas de protbicao, mas
razoes para viver".

Das respostas salientamos os trechos seguintes:

3.1. Responsabilidade e conversad

"24. Vos, estai lúcidos. Nao viváis por isso na angustia. A superabun
dante difusao de noticias trágicas, de problemas insolúveis, pode por sobre
os vossos ombros um fardo muito pesado a transportar. A vossa angustia nao
levaría nada aos pobres. É porventura necessário que vos sintáis culpados,
que experimentéis em vos a culpa de todos estes males? Nao, vos nío sois,
no sentido estrito, responsáveis destas grandes miserias, mas pouco a pouco
vos tereis urna responsabilidade no contributo a dar para remedíalas. Nao
levantéis com tanta pressa o vosso dedo acusador sobre os 'grandes' deste
mundo, sobre outras categorías de pessoas, sobre outros países. A responsa
bilidade humana existe para muito* destes males, é verdade. Todavía, ela é
complexa, muitos tém parte nisto de maneira solidaria. Deus criou o mundo
solidario, e o mundo faz uso disto, para o melhor e para o pior. Mas esta so-
lidariedade é urna oportunidade; ela permite-nos reagir juntos.

9
10 "PERPUNTE E RESPONDEREMOS" 296/1987

25. É preciso que as coisas mudam. Em primeiro lugar é preciso que


o coracao do homem mude. Do coráceo depende o olhar atento e benévolo,
do coracao depende o gesto de ajuda recíproca das míos."

3.2. Preparar-se e comprometer-se

"27. E vos, caros jovens, desde agora, na vossa idade, onde quer que
estojáis, tomai a vossa parte no reerguimento do mundo. Em primeiro lugar,
preparai-vos para asumir nele urna tarefa, urna funcaode servípo, por meio
de todas as competencias humanas, científicas, técnicas que estáis a adquirir
na escola, na Universidade ou no vosso aprendizado. E, sobretudo, fortif ¡caí
em vos os valores moráis de retidSo do coracSo, de lealdade, de pureza, de
respeito aos outras, de espirito de servico, de dom de si, de resistencia no
esforco, sem os quais a transformacá*o material e técnica do mundo ná*o re
sultaría num progresso. Vá-se isto nalguns países que creram progredir ao
mudarem de regime político ou económico, sem elevar o valor moral das
pessoas.

Mas, além desta importante preparadlo, vos deveis desde hoje empe-
nharvos, nao só no apoio verbal e macico das grandes causas mediante a so-
lidariedade com os esforcos dos homens por um mundo melhor, mas tam-
bém nos milhares de gestos concretos que inventáis e realizáis, pessoalmente
ou em grupo, para melhorar a sorte daqueles que vos drcundam e também
dos que estao longe, para ajudar as mentalidades a transformarenvse. De
monstráis entSo que sais de vos mesmos para vos preocupardes dosoutros.
Nao desprezeis estas pequeñas coisas que valem muito diante de Deus, e que
nunca se perdem, porque realizadas na caridade de Cristo. Jesús atribuía
importancia e urna recompensa no céu áquele que oferecia um simples 'co
po de agua fresca' a um dos seus discípulos (cf. Mt. 11,42), áquele que ga-
nhava com esforco alguns talentos (cf. Mt. 25,23). Por qué? Porque Cristo
toma em suas maos o pao e o peixe do jovem. Ele multiplica-os como Lhe
apraz. Vos esbocastes um gesto de amor, de justica, de perdSo. Cristo acolhe
a vossa oferta como sua. Ele chegou, através da Paixao, á sua RessurreicSo.
Ela inaugurou o mundo novo. Sim, o mundo novo é gerado hoje, através dos
vossos gestos de amor e grecas ao sopro do Espirito Santo!"

3.3. "Levanta-te e anda!"

"29. Eis, caros amigos, as razdes de viver. Se elas comportam algumas


proibicdes, é porque o mal moral permanece sempre proibido, ná*o em pri
meiro lugar pelo Papa, mas pela consciéncia de cada um que se une á vonta-
de de Deus. É o mal, qualquer que seja, que fere a dignidade do homem, a

10
FE, IGREJAE VIDA 11

sua felicidade, a sua human¡dade. Mas Cristo nao nos abandona nunca no
mal. Ao pecador, ao homem débil que n'Ele deposita a sua confianca. Ele
diz: 'Levanta-te e anda!' "

Como se vé, o S. Padre encarou com muita coragem as interrogares


dos jovens. E respondeu-lhes sem minimizar as exigencias da fé e da vida
crista; partiu das premissas, por vezes "escandalosas", do Evangelho, sem
atenuar o séu significado pungente. Sua Santidade sabe que, para atrair os
jovens (e também os adultos), é preciso propor-lhes ideáis nobres e puros,
apresentados em sua auténtica grandeza, sem os truncamentos que parecem
facilitar a adesao dos homens, mas que, na verdade, sao formas de traicao de
Cristo e motivos de af estamento dos coracoes generosos.

Possam a palavra e o testemunho do S. Padre calar fundo ñas mentes


dos homens de hoje e fortalecer os pregadores da Boa-Nova na transmissao
incólume das verdades da fé!

Textos extraídos de L 'OSSER VA TORE ROMANO, ed. portuguesa se-


mana/de 12/10/86, pp. 10-14.

(Continuacáo da p. 29) _

A descoberta nos faz recuar quatro sáculos na historia do texto sagra


do, pois até 1982 só se conheciam manuscritos do sáculo llla.C. encontra
dos a Nordoeste do Mar Morto, na regiao de Qumran.

O primeiro vocábulo identificado foi o nome Jahveh (o Senhor),que


designa Oeus; o resto do texto, obscuro e fragmentario, aínda resistiu aos es-
forcos de leitura dos estudiosos.

Os amuletos eram dotados de argolas para que, mediante um fio, pu-


dessem ser pendurados ao pescoco do judeu fiel. Este era sepultado com os
amuletos, que constavam de urna liga de 99% de prata e 1%de cobre. Atual-
mente estáo expostos ao público no Museu de Israel (Jerusalém).

Tal achado arqueológico nos permite verificar a fidelidade dos israeli


tas na transmissao do texto em pauta. Com efeito; o manuscrito do sáculo
Vil a.C. apresenta quase o mesmo teor que o texto massorético (que é urna
copia do sáculo X d.C); como se compreende, já nao se tém os autógrafos,
mas julga-se que é confiável o texto sagrado a nos transmitido.

11
Um testemunho de vida:

"Meu Deus em quem confio"


por Jacques Loew

Em síntese: Jacques Loew é alguém que tem um itinerario de vida as-


saz addentado: freqüentou o Catolicismo, o protestantismo, as rodas do
ateísmo amargurado e cético; voltou-se para o islamismo e o budismo. E fi
nalmente fixou-se no Catolicismo, onde se fez frade pregador (dominicano),
mensageiro da Boa-Nova entre intelectuais e operarios. Ao completar cin-
qüenta anos de conversao, escreveu o livro "Meu Deus em quem confio", no
qual expoe algo de suas experiencias de "peregrino do Absoluto" e reflete
profundamente sobre Deus, o homem e o mundo. O livro é especialmente
interessante por apresentar o embate do homem diante da fé e do Transcen
dental; mostra as reacoes psicológicas do ser humano destituido de precon-
ositos diante da mensagem do Absoluto. - Do livro em pauta foram extraí
dos tópicos relevantes, que vio expostos ñas páginas subseqüentes.

Jacques Loew nasceu em Clermont-Ferrand (Franga) aos 31/08/1908,


de pais católicos nao praticantes. Estudou em escolas protestantes e final
mente tomou-se ateu. Formou-se em Direito e exerceu a sua profissao no '
Tribunal de Nice desde 1929. Converteu-se ao Catolicismo em 1932, e en-
trou na Ordem Dominicana em 1934, sendo ordenado sacerdote aos
29/10/1939. Em 1942 passou a viver qual padre-operário, ganhando o seu
salario como estivador em Marselha. Em 1955 f undou a MissSo Operária Sao
Pedro e Sao Paulo (M.O.P.), que se estendeu para a África e a América do
Sul (inclusive o Brasil); de 1964 a 1973 passava nove meses por ano no Bra
sil (periferia de Sao Paulo). Em 1969 deu inicio á Escola de Fé em Friburgo
(Sufea), destinada ao aprofundamento da fé e á formagao de pregadores do
Evangelho, Religiosos e leigos. De 28/02 a 05/03/1970 pregou o retiro ao S.
Padre e a membros da Curia Romana, donde resultou o livro "Jésus qu'on
appelle le Christ" (traduzido para o portugués pelas EdicSes Paulinas). Final
mente em 1981 renunciou á direpao da Escola de Fé e as demais atividades
apostólicas para retirar-se ao mosteiro dos Trapistas em Citeaux (Franca),
onde vive a vida monástica na espera do último e definitivo encontró com o
Senhor Deus.

12
"MEU DEUS, EM QUEM CONFIO"

Em 1982, ao completar cinqüenta anos de conversao, Jacques Loew


quis escrever mais um livro, que record a o seu passado, no intuito de louvar
a Deus, que se manifestou cheio de amor a esse "peregrino do Absoluto".
Traduzido para o portugués, tem o título "Meu Deus, em quem confío"1.
— Dado o valor desse testemunho, vamos, a seguir, apresentar alguns tópicos
dos mais interessantes de tal obra.

1. A conversao

"Meus pais, teóricamente católicos, fizeram-me batizar e educar no


protestantismo, de maneira muito vaga, alias, como reacio a Igreja Católica.
Meu pai. . . considerava inimigo o clericalismo... Sob a influencia de pasto
res que conhecera em Cannes, preferiu educar-me na religiao protestante,
que I he parecía mais simples" (p. 18).

"Quando se falou da decisáo de me encaminharem para a Igreja pro


testante, fui acometido de um verdadeiro acesso de desespero. Nítidamente
ainda me vejo entrando na igreja Nossa Senhora de Cannes e lá, agarrado ás
grades do coro, repetir: 'Nao quero ser protestante! Nao quero ser protestan
te!' Mas fui para a Escola Dominical e minha fé se extinguiu" (p. 20).

Jacques Loew formou-se em Direito. Aos vinte anos de idade, adoeceu


e passou doze meses no Sanatorio de Leysin, na Sut'ca. Aos vinte e quatro
anos, adoeceu de novo e voltou para o mesmo Sanatorio; como fosse advo-
gado iniciante, recebeu urna ajuda da Ordem dos Advogados de Nice para
pagar seu tratamento. Segutu para a Suíca assaz desanimado: "Andava tao
enojado de mim mesmo, da vida e até dos prazeres que me cercavam, que as-
pirava por esta especie de parénteses" (p. 15). Quería refletír e, por isto, le-
vou em sua bagagem os mais diversos lívros: o Novo Testamento, "Les Nour-
ritures Terrestres" de André Gide (ateu), urna obra sobre Gandhi, "A Imita-
gao de Cristo". . . Freqüentava autores ateuscomo Anatole Franee (que Ihe
transmitirá o cet¡cismo), Emest Renán, também cético, Maupassant, que o
deixavam descrente e amargurado.

No Sanatorio Jacques leu assiduamente, sem chegar a conclusao algu-


ma a respe¡to da existencia ou nao de Deus.

1 "Meu Deus em quem confio", por Jacques Loew. Colegio "Agua Viva"
n? 13. Traducio de María Cecilia Duprat. - Ed. Paulinas, Sao Paulo 1986.
160 x 235 mm, 214 pp.

13
14 "PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 296/1987

Aconteceu que certa vez urna amiga manifestou-lhe o desejo de visíta


lo em Leysin ñas ferias de Páscoa. Jacques nao estava disposto a dar-lhe
atencao. Perguntou enta*o a um companheiro de Sanatorio se conhecia al-
gum lugar aonde se pudesse retirar durante a Semana Santa. 0 amigo indi-
cou-lhe a Cartuxa de Valsainte, onde ele mesmo passara dias agradáveis.

"Escrevi entlo a um dos monges expondo-lhe tanto a minha descrenca


quanto o meu desejo de passar as ferias de Páscoa naquele mosteiro. Urna
resposta alegre, fraterna e muito original nao tardou a chegar, e assim, na se-
gunda-feira da Semana Santa, tomei o trem rumo á Cartuxa de Valsainte"
(p.21).

Chegando ¿ Cartuxa, entrou no quarto de madeira clara para onde o


monge hospedeiro o levara, e instintivamente caiu de joelhos, dizendo: "Meu
Oeus, se existes, faze-me conhecer-te". "E o Pai Nosso me veio á lembranca,
como se o tivesse pronunciado todos os dias da minha vida" (p. 22).

"Assisti, depois, sem ter a menor idéia do que aquelas cerimdnias sig-
nificavam, aos oficios da Semana Santa. Nada compreendia do que se desen-
rolava diante de meus olhos, mas o espetáculo daqueles monges, o rosto
avermethado pelo frió, que permanecíam durante horas a fio naquelas esta
las, impressionava-me intensamente. Esses homens teriam, pois, descoberto
Deus e descobriram-no a ponto de toda a sua felicidade consistir em viver
para sempre com ele, nesta solideo glacial.

Na manhá seguinte, recebi a visita do monge hospedeiro, visita que


também me surpreendeu profundamente. Preparava-me para receber urna es
pecie de vigário que viesse tomar-me, se ná"o pela mao, pelo menos pelo espi
rito, e explicarme - como dois e dois sao quatro - que Deus existia! Qual
nao foi minha surpresa ao ver-me diante de um homem que falava e me fazia
falar de Valéry e de Gide, dos escritores mais modernos e que se limitou a
dizer-me: "Vocé está num bom caminho, continué".

Na Quinta-feira Santa fui ao oficio da manha, como nos outros dias.


Vi, entao, os monges que se colocavam em círculo, em torno do altar, para
comungar. Vi, depois, os irmaos se aproximarem para também comungare,
por fim, os quinze hospedes que lá se encontravam, fizeram o mesmo. De
repente, vi-me sozinho naquele ángulo da tribuna. Todos os outros habi
tantes daquele enorme convento reuniram-se em volta do altar, recebendo a
Comunhao. Onde estava realmente o louco? Onde estava o homem sensato?
Pedería eu considerar loucos todos esses Cartuxos, que me pareciam, pelo
contrario, tao equilibrados e cujo modo de vida eu presenciava? Poderia eu
imaginar que estivessem fadados a urna ilusSo monumental? Ou estaría eu,
com minha negacao de Deus, mergulhado ñas trevas?

14
"MEU DEUS. EM QUEM CONFIO" 15_

Os poucos dias da Semana Santa passaram rápidamente. No final, par-


ticipei das Matinas da Anunciacao que fora adiada, naquele ano, para depois
da Páscoa. Essa oracao noturna, aqueles homens que cantavam com urna
voz forte e serena parae em nome da human¡dade que os ignorava por com
pleto, marcaram-me profundamente.

A idéia da conversao surgia pouco a pouco em mim e eu nem sequer


tinha resolvido o problema de Deus! Perguntava-me.e disso conserve¡ urna
nftida lembranca: Se vocé se converter, como será sua vida depois? A quan-
tas coisas terá de renunciar! E, revisando o que compunha a trama de minha
vida em Ni ce, passava pelo crivo minhas diferentes atividades: Isso e aquilo
nao poderei mais fazer, e toda urna serie de espetáculos e de prazeres pare-
ciam-me dever ser interditados, quando se-descobre Deus. Aceitava renun
ciar a alguns, enquanto outros, pelo contrario, pareciam-me compatfveis: tal
concertó, tal filme, aquela pega de teatro. Mas, se urna triagem era possfvel
de ser feita, eu me indagava se realmente chegaria a livrar-me daquela escra-
vidao dos sentidos na qual vivia desde tantos anos.

E os Cartuxos, como o conseguiram? No íntimo, tal fato parecia-me


tao inacreditável quanto a existencia de Deus...

Onde se achava, realmente, a verdadeira inteligencia do homem? Esta


ría nesta técnisa tao extraordinaria que até parecia de outro mundo? Ou a
verdadeira sabedoria e a verdadeira inteligencia encontravam-se naqueles
Cartuxos que, desde a Idade Media, levavam a mesma vida imutável havia
cerca de mil anos?

Para que lado deveria eu orientar minha vida? Para o lado destas técni
cas, deste comercio e de tudo o que compunha a minha própria vida de ad-
vogado, ou deveria dirigi-la para o lado desta busca permanente de Deus e
sua verdade?"

Continua Jacques Loew a narrar suas impressoes subseqüentes á expe


riencia da Semana Santa, desta vez já de volta de Leysin:

"Sem dúvida, o problema de minha vida estava longe de ser resolvido


e minha demanda de Deus nSo se processava sem este terrível ponto de in-
terrogacáo: Como poderia eu viver na presenpa de Deus? Repito o que já
contei: desde a idade de 11 ou 12 anos minha mente e minha carne viviam li
teralmente assediadas por urna ansia de prazer.

É preciso ter vivido, real e pessoalmente, nesta especie de obsessao im-


possível de ser satisfeita, para compreender o que seja a escravidáo dos sentí-

15
16 "PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 296/1987

dos que impede o ato de dar verdaderamente o coracSo e a alma a alguém,


pelo fato de procurar únicamente o que satisfaz o próprio prazer.

Desde alguns anos, é verdade, essas exigencias vinham-me desagradan


do, mas havia uma corrente que eu na*o conseguia romper. Tendo crescido
neste ambiente de Nice, com seus cassinos, seus palacetes e jantares de luxo,
tendo ganho de meus pais o primeiro smoking aos 13 anos, muito cedo me
corrompí numa vida que, entretanto, parecia muito razoável aos olhos da-
queles que me cercavam. Sentia, porém, profundamente essa contradigao
que reinava em cada um de meus membros. E, ácima de tudo, a experiencia
me havia mostrado que nenhuma saída era possível.

Na solidao de meu quarto, continuava a voltar-me para o Evangelho.


Este Cristo me atraía. Nao falava á maneira dos homens e eu passei a me di
rigir a ele, embora nao tivesse ainda muita certeza da existencia de Deus. E,
nesta especie de matemática onde eu procurava a solucáo de um Cristo des-
conhecido, pressenti que a mae de semelhante homem devia ter um poten
cial de pureza extraordinario. Foi assim que, embora ainda me considerando
um incrédulo, lembrei-me de invocar a Virgem María, para que ela me líber-
tasse de todas as paixoes acumuladas havia tantos anos...

Como que para confirmar o novo rumo de meus pensamentos, fui sur-
preendido pela carta de uma amiga, estudante em París, aluna do filósofo
Alain. Num curso de admissao á Escola Normal, um de seus meIhores cole
gas acabara de se suiddar por fidelidade - segundo diziam - as idéias de
Gide.

Compreendi perfeitamente a atitude deste jovem, preferíndo morrer a


continuar uma vida absurda e sem fito algum. Mas, no momento em que eu
mesmo vislumbrava esta sarda, o fato ¡mpelíu-me a aprofundar-me ainda
mais em minha busca e a pensar que, se um dia eu viesse a descobrir real
mente a luz total, procuraría, como os monges que vi na Cartuxa, consagrar
me a esta única verdade. Mais tarde, ao ingressar na Ordem Dominicana, fi-
quei surpreendido ao saber que a divisa da Ordem era Ventas.

Estas descobertas se processaram na primavera de 1932. Amava cada


vez mais a solidao, se é que se pode chamar solidao este diálogo permanente
com Deus. Quanto á Virgem Maria, se eu a invocava, fazia-o sem me apro-
fundar na realidade de sua existencia, sem mesmo pensar que seria atendido;
bem mais tarde é que me dei conta disto.

Restava a Igreja. . . A primavera findara, o verSo se prenunciava. Esta


Igreja, eu a abordava repleto de preconceitos que constituiam um verdadei-
ro muro entre ela e mim. Uma brecha se abriu, quando, alguns meses antes,

16
"MEU DEUS. EM QUEM CONFIO" V7

reli Gandhi. após ter visitado os Cartuxos. Gandhi elogiava - o que me im-
pressionou grandemente — a pobreza, a castidade e até mesmo urna especie
de obediencia a que se submete um chele que chega a sacrificar-se pelos seus
subalternos. Encontrar tais valores neste homem ¡mpressionoume aínda
mais, pois percebi que estes valores eram o próprio fundamento da vida dos
monges da Cartuxa. Eram pobres, eram castos e eram obedientes."

Urna vez restabelecido, Jacques voltou para a Franca, indo ter com
seus pais, que faziam urna estacao de aguas em Aix-les-Bains.

"No primeiro domingo fui á Missa. Para dizer a verdade, ná*o era pro-
priamente a Missa que me atraía naquela man ha. Postado no fundo da igreja,
o que eu procurava era a maneira de fazer o sinal da cruz. Católico que deci
dirá ser, até entao nao o aprenderá. Vía por onde comecava, mas depois? de-
veria tocar o ombro direito ou o esquerdo? Atento esperava ver que de que
modo os cristaos e aquela élite de Aix-les-Bains o tragavam. Muitos, na entrada
ou na saída da igreja, faziam um gesto circular que partía da testa, mas per-
dia-se em seguida no temo ou no vestido, sem que eu realmente conseguisse
saber como era feito. Por fim, urna pobre velha, trópega e com lenco preto
amarrado na cabeca, saiu por último e vi, tracado por ela, um belo sinal da
cruz. Foí assim que aprendí a fazé-lo.

Voltei para casa, ou melhor, para o hotel, com o coráceo repleto de


¡mensa alegría. Parecia-me que, naquele momento, eu ¡ngressava na Igreja
Católica, sabendo o sinal pelo qual o cristao se identíficava. Algumas sema
nas depois, indo a París, escrevi para um endereco que o monge Cartuxo me
dera, quando lá estive. Dissera-me textualmente: 'Se um dia vocé quiser ¡r
mais longe na fé católica, procure estes meus amigos, que moram em Paris.
Sao escritores e artistas, mas, por eles, vocé chegará a se compreender e
será bem recebido' ".

O enderego indicado pelo Cartuxo era o de Stanislas Fumet e sua es


posa, que mui'to bem acolheram Jacques. Encaminharam-no para um mis-
sionário, Mestre de Novicos da Congrega?ao do Espirito Santo, na Rúa Lho-
mond em Paris.

"Lá tudo se processou rápidamente, visto que, dentro de poucos días,


pude-me confessar e comungar. Esta confissao vinha realmente me libertar
de todo o passado e dar-me aquela forca que havía tanto tempo eu esperava.
A Missa de Primeira Eucaristía e a Confirmacao na manhS seguinte, domin
go, foram-me luminosas. Tudo aconteceu como a coisa mais simples do
mundo, ao lado de meus padrinhos, os Fumet."

17
18 "PERPUNTE E RESPONDEREMOS" 296/1987

Alias, a respeito da Confissáo sacramental observa Jacques em página


anterior:

"Desconheria tudo da religiáo católica, mas, déla, urna coisa eu real


mente admirava e parecia-me profundamente ¡nvejável: a confissáo. Poder
procurar um homem preparado para isso, embora mesmo sem a qualidade de
pastor, mas apto e disposto a ouvir nossas miserias, a compreendé-las! Se-
quer pensava: a perdoá-las! Um homem cujo papel era ser atento, secreta
mente disposto a nos acolher, apesar das torpezas que Irte podramos confiar.
Muitas vezes pensei nesta realidade como coisa linda e grandiosa".

Eis a historia da conversao de Jacques. — É de notar que nlo foram


tanto os livros que o ajudaram a encontrar Deus e seu caminho definitivo,
mas dois fatores parecem ter influido decisivamente na sua conversao: 1) o
testemunho dos monges cartuxos, cuja vida muito o impressionou, e 2} a ob-
servacao da natureza: o livro tern longas consideracoes sobre os f locos de ne
vé (p. 24), sobre a papoula (pp. 53-65), sobre o "saber olhar a natureza" (as
pp. 40-42 tém por título "A escola do olhar").

2. Comunhao dos Santos

Jacques Loew sabe que a sua conversao nao foi a simples descoberta
de valores novos por parte de um hábil pesquisador. Ele tem consciéncia de
que foi obra da graca, que irmaos conhecidos e desconhecidos impetraram
do Senhor Deus. Por isto refere-se ele á comunhao dos santos, na qual uns
ajudam os outros, sem que o saibam:

"O menor ato nosso. . . Mas, quando este ato é urna oracao, quao
¡mensa é sua repercussao!

'Meu Deus, se existes, faze-me conhecer-te'. Lance i esta súplica 'na


noite', como o Padre Foucauld e tantos outros. Nao sabíamos que já estáva-
mos envolvidos pela oracao de urna multidao. Oracoes de nossos amigos, de
nossos pais, oracoes de santa Mónica por seu filho Agostinho, de Madame de
Bondy por seu primo Carlos, Visconde de Foucauld.

E também o ¡menso, o anónimo reservatório de oracao sempre em vi-


gflia dos conventos. E, mais vasto aínda, tal como o océano, a oracao inume-
rável dos doentes, dos velhos, os tercos e peregrinacoes, as oracoes das noi-
tes insones.

Todas assinalam estradas, como as lampadas azuladas, á noite, indicam


as pistas de aterrissagem dos aeroportos.

18
"MEUDEUS, EMQUEM CONFIO" 19

O homem que langa um apelo a Deus, pensa que sua oracao é solitaria.
Nunca o é. Acontece mesmo, por vezes, descobrimos-lhe a fonte. Esta feli-
cidade foi-me dada; tinha eu mais de quarenta anos. Padre-operário, devia ir
a Roma. Minha mae pediu-me que fosse fazer uma visita e cumprimentar,
em seu nome, uma velha amiga: quando enancas, freqüentaram o mesmo co
legio. Depois, essa amiga entrou no convento e fez-se Irmazinha da Assun-
gao. Residía em Roma.

Encontrei uma Religiosa que, embora já de idade, mostrava-se cheia


de vida. Alegre, recebeu-me com um cerimonioso 'Reverendo Padre'. Sua es-
pontaneidade, porém, depressa sobrepujou a etiqueta e ela exclamou: 'Meu
Jacquinho!' Depois, revivendo sua juventude, contou-me: 'Quando vocé ñas-
ceu, eu era novica, no convento das Irmazinhas da Assuncáo. Tinha certeza
de que sua mae o educaría com grande amor, mas, certamente, sem uma pie-
dade equivalente. Entao no meu fervor de jovem religiosa, rezei por este Jac
quinho como nunca o fiz por ninguém!'

Coincidencia? Acaso? Cada um dirá o que quiser. Lenta germinacáo,


frutificando vinte e quatro anos depois? Realidade da o rapa o?

Para mim, nao há a menor dúvida. E esta certeza tem um nome: Co-
munhao dos Santos".

3. A Igreja

A respe ito da Igreja, cuja face visível I he causara dificuldades quando


hesitava em Leysin, Jacques Loew tem belas páginas no seu livro:

"Instituipao e comunháo, tais sao as duas faces através das quais abor-
dei a Igreja. Deter-me ai seria omitir a palavra que hoje me parece a mais es-
sencial para defini-la, a palavra que une, numa única realidade, estes dois as
pectos — face visível e vida secreta — da Igreja única, palavra que, de modo
especial, é a mais antiga tradipáo dos sáculos cristSos.

Sei que muitos a pronunciam com dificuldade e eu mesmo levei tem-


po para dizé-la. Sem dúvida, porque ela se apresentava diluida nos anuncios
estereotipados de falecimentos: 'confortado com os sacramentos da Santa
Madre Igreja...'

Sim, a palavra de que me aposso hoje, após cinqüenta anos de vida na


Igreja, é a de máe. Compreendida como convém, conduz ao próprio coracao
do misterio e exprime a razáo de ser da Igreja...

A célebre frase de Sao Cipriano: 'A esposa de Cristo gera espiritual-


mente filhos para Deus. . . Para que alguém possa ter Deus como Pai, pro-

19
20 "PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 296/1987

cure ter antes a Igreja como mae!' nao é um ¡solado brado de entusiasmo,
mas o condensado de séculos precedentes.,

De Sao Paulo, que fala da 'Jerusalém do Alto, nossa míe', que faz de
nos homens livres, de Sao Joáo que fala 'a Senhora eleita e a seus filhos', ás
testemunhas dos primeiros séculos, Irineu, Orígenes, Basilio, Agostinho.es-
se mesmo pensamento predomina, expresso em termos semelhantes.

Mae, a Igreja gerou-me para Cristo. É ela que me dá sua Palavra. Jesús,
antes de deixar a térra, nao nos legou livro nem código, nem catecismo, mas
urna Igreja na qual nasceram os Evangelhos e que, inspirada pelo Espirito de
Cristo, selecionou, de urna colecao de documentos, os escritos do futuro
Novo Testamento. É ela que hoje me diz: Toma e lé.. .' E foi em seu seio
que o Símbolo dos Apostólos, o auténtico resumo de minha fé, tomou cor-
po. E quem, se nao a Igreja Mater et Magistra, mae e mestra de vida, educou-
me e ensinou-me cada dia a 'viver segundo a fé', a discernir o que é confor
me ao Evangelho?

Ainda mais Mae, a Igreja dá-me vida, através dos sacramentos de Cris
to: os gestos que Jesús realizou durante sua vida terrestre foram confiados a
ela através déla chegaram até mim: alimentam-me curam-me, restabele-
cem-me na amizade de Deus, unem-me aos outros. Mae, ela o é, minha Igreja
e mae de filhos incontáveis! Quanto mais aceito e entro em sua maternidade,
melhor se realiza o meu nascimento nunca terminado em Cristo, e mais me
tomo, para mim, e para os outros, a I greja.

Nao se trata de urna teoria — mae nunca foi teoria! Áquele menino
chinés, tao profundamente compromissado com Deus, ninguém ensinara a
resposta que daria aos guardas vermelhos que haviam fechado a igreja local
e proibido o acesso: 'Vai embora, a Igreja nao existe mais!' disseram eles. 'A
que igreja o senhor se refere? a Igreja sou eu\ Do pequenino chinés deseo-
nhecido aos maiores santos, esta conviccao nossa de ser a Igreja, é fonte de
discemimento, reconhecemos tarefas a cumprir — e fonte de humildade, nao
nos esgotamos em críticas.

Em Roma, um jornalista interpelou Madre Teresa de Calcuta: 'Madre,


em sua opiniao, que anda errado na Igreja?' E a resposta brotou ¡mediata: 'O
senhor eeu!'

A historia da Igreja nao dissimula faltas e erros que a toldaram, e mos-


tra também que, nestes momentos de trevas mais densas, surge, de seu pro-
prio seio, um homem ou urna mulher que, de modo misterioso, traz a luz e
remedio para os males.

20
"MEU DEUS, EM QUEM CONFIO" 21

Em meio as piores libertinagens do Renascimento italiano, a brutali-


dade, ao luxo desenfreado e costumes licenciosos de sua corte, Luíz Gonza
ga, ele mesmo príncipe do Sacro Imperio, renuncia a seu título de Marqués
de Mántova; ¡ngressa na Ordem dos Jesuítas, morre aos 33 anos, de peste, ao
assistir as ¡numeras vítimas daquela calamidade. Saneou também a Igreja de
seu tempo e ¡números contemporáneos seus.

De onde vem esta forca secreta? De Jesús Cristo, dizem estes servido
res da Igreja, mas o monge cisterciense Isaac da Estrela tembra-nos as tres
presencas atuantes de Jesús: em María, na Igreja e em nossa alma:

No tabernáculo do seio de Maria, Jesús permaneceu nove meses. No


tabernáculo da fé — a Igreja — ele permanece até a consumacao do mundo.
No conhecimento e no amor da alma fiel, permanecerá nos séculos dos sé-
culos (sermao 61, sobre a Assuncao, P.L. 194, 1865).

Nestas tres moradas do Senhor, nesta proximidade plena de promes-


sas, encontra-se o segredo da Igreja e daqueles que créem."

4. Conclusao

O livro de Jacques Loew é valioso porque nos aprésenla a historia do


homem de todos os tempos ou do homem que procura o sentido da vida1;
considera diversas tentativas de resposta: a atéia cética, a muculmana, a bu
dista, a crista, e, dentro do Cristianismo, a protestante e a católica. Finalmen
te, após muito hesitar e haver feito a experiencia da procura livre do prazer,
opta pelo Cristo em sua Igreja entregue a Pedro e seus sucessores. E torna-se,
daí por diante, um frade pregador, um arauto convicto desta mensagem nos
meios intelectuais académicos e nos meios operarios.

A experiencia de Loew pode servir a muitas pessoas que ¡ndagam se-


quiosamente a respeito da razSo de ser da sua existencia. Todos nos temos a
mesma estrutura básica, de modo que a sorte de uns pode ser referencial pa
ra outros.

Agradecemos, pois, a Jacques Loew por nos ter falado do íntimo da


alma neste seu último livro. O leitor encontrará af um espécimen típico do
que é o ser humano na sua realidade mais profunda e auténtica.

1 A necessidade de o descobrir é a mais fundamenta! do ser humano. Ver


Viktor Frankl, Psicoterapia e Sentido da Vida, novaedipao. Ed. Quadrante,
Rúa Iperoig 604 - 05016 Sao Paulo (SP).

21
Em certos lugares do Brasil:

Intercomunhao católico - protestante

Em síntese: Em afguns pontos do Brasil e da Igreja Universal, verifica


se a tendencia a intercomunhao católico-protestante ou, maisprecisamente,
a oferecer a Comunhao Eucaristica católica aos irmaos protestantes. — Tal
prática foi recentemente rejeitada pelos Bispos suíqos, bascados no Diretó-
rio Ecuménico da Santa Sé (1967):somente em perigo de morte ou em caso
de premente necessidade, observadas certas cláusulas, é licito ministrara Eu
caristía a um crente evangélico. A advertencia é válida também para a Igre/a
no Brasil. As razoes desta atitude de recusa nio sao de ordem meramente
humana, mas de ordem teológica e transcendental: auem comunga com o
Corpo de Cristo Eucaristico, comunga também com o Corpo de Cristo ecle-
sial. Ora, se o crente protestante nao aceita a Igreja Católica com a sua fé e
as suas instituicoes visfveis, lógicamente nao pode aceitar o sacramento da
Comunhao Eucaristica. Outra é a posicSo do crente evangélico que deseja
participar da Eucaristía Católica: para ele, a Igreja é urna sociedade de valor
relativo e a Eucaristía é mero memorial psicológico da PaixSo de Cristo; por
isto a intercomunhao, para ele, significa magnanimidade humana, géneros-
dade no relacionamento social — o que nio condiz com a doutrina tradicio
nal guardada pela Igreja de Cristo.

Sabe-se que em alguns pontos do Brasil se vem difundindo, de maneira


quase habitual, o costume de se ministrar o sacramento da Eucaristía a ir-
mábs protestantes. Acontece mesmo que os protestantes f reqüentam as suas
assembléias de culto com a respectiva "Santa Ceia" e se aproximam da Co
munhao Eucarística em templos católicos. Tal prática é inspirada por um
ecumenismo mal entendido, mais sentimental do que teológico; na verdade,
a questao nao é de liberalidade, magnanimidade ou abertura de horizontes,
mas, sim, de fidelidade á Verdade Revelada, que pode exigir sacrificios e re
nuncias por parte dos fiéis.

Para ilustrar a situacao existente no Brasil, parece oportuno considerar


o teor de urna Declaracao da Conferencia Nacional dos Bispos da Su fea data-

22
INTERCOMUNHÁO 23

da de setembro de 1986 e destinada a esclarecer os fiéis a tal propósito. Os


seus dizeres tém ámbito universal, válidos tambérn para a nossa patria.

1. Os Bispos da Suípa

1. Reunidos em Assembléia Ordinaria aos 1-3/09/86, os Bispos da


Suíca enviaram a todos os sacerdotes dedicados ao ministerio pastoral da-
quele pai's urna Nota que lembra quao raras devem ser as excecoes em favor
da "¡ntercomunhao eucarística católico-protestante". — Na verdade, o Diré-
torio Ecuménico, emanado da Santa Sé em 14/05/67, previa o seguinte:

Em perigo de morte ou em caso de urgente necessidade (perseguido,


cárcere), os sacramentos poderáo ser administrados a um cristáfo evangélico
separado da Igreja Católica, desde que

— ele nao se possa dirigir a um ministro de sua Comunhao;


— espontáneamente pepa os sacramentos a um sacerdote católico;
— exprima urna fé conforme á da Igreja no tocante a esses sacramen
tos {basta que declare de maneira geral aceitar o que a Igreja professa a tal
respeito),
— e esteja bem disposto, isto é, movido por reta intencao, desejoso de
se unir a Cristo e salvar a sua alma.

O Bispo local ou as Conferencias Episcopais podem determinar casos


semelhantes em que seja lícito administrar os sacramentos católicos a irmaos
protestantes.

Ora, em vista de ¡nterpretacdes excessivamente liberáis de taisdisposi-


coes da Santa Sé, os Bispos suícos houveram por bem observar: neste País
em que "os católicos vivem em contato mais ou menos estreito com cristaos
de outras confissoes", os Bispos "pedem sejam levadas muito a serio as ra-
zoes dogmáticas que motivam a legislacao da Igreja".

2. Tais raides se depreendem do próprio conceito de Eucaristía: esta


implica comunhao com Cristo. . ., com Cristo Cabeca e Corpo prolongado
ou Corpo Místico; a Igreja, fundada por Cristo sobre o alicerce de Pedro (Mt
16, 16-19), é inseparável do próprio Cristo. Em conseqüéncia, se alguém nao
está em plena comunhao com a Igreja de Cristo, nao pode comungar com
Cristo na Eucaristía. Antes de haver intercomunhSo eucarfstica entre católi
cos e protestantes, deve, portanto, promover-se o diálogo teológico para que
se aplainem os obstáculos á plena comunhSo eclesíal; urna vez estabelecida
esta, poderá haver a comunhao sacramental, expressao e vínculo fortalece
dor da comunhao eclesial. — É por isto que, ao prever a intercomunhao em

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24 "PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 296/1987

perigo de morte ou em urgente necessidade, o Diretório Ecuménico estipula


haja urna profissáo de fé do irmlo protestante na Eucaristia tal como a Igre-
ja Católica a entende (com outras palavras: requer um mínimo de común nao
eclesial que é tal profissáo de fé).

3. Os Bispos su icos em sua Nota tecem ulteriores consíderacoes: "Em


muitos lugares registra-se urna prática que pretende ser ecuménica, mas que
na verdade prejudica o ecumenismo, porque nao corresponde ás exigencias
da fé católica". .. "Existe... um Mame profundo entre a unidade eclesial na
mesma fé e a recepcáo da Eucaristia. Eis por que o fiel católico comunga
com o Corpo de Cristo na sua Igreja juntamente com outros católicos que
professam, implícitamente ao menos, a mesma fé. Mas com i rmaos de outra
confissao crista cuja profíssao de fé divirja da nossa, a ¡ntercomunháo euca
ristía nao é possível fora dos casos de necessidade. Se aceitamos a interco-
munhao eucarfstica de modo regular, estamos rompendo necessariamente o
vínculo profundo que deve ligar o sacramento do Senhor á unidade eclesial
cimentada pela mesma fé".

De tudo ¡sto se segué que um cristao nao católico só pode excepcio-


nalmente receber a Eucaristia; segue-se também que um pastor protestante,
mesmo após ter pronunciado a homilía no decorrer de urna Míssa, nao pode
nem receber nem distribuir a Eucaristia; segue-se ainda que um católico ná*o
pode participar da Ceia protestante. "NSo é possfvel aderir simultáneamente
a duas comunidades de fé diferentes". A fé nao é símplesmente um sentí-
mentó subjetivo, mas é a adesao á verdade revelada, que deve ser respeitada.

O último parágrafo da Declaracao dos Bispos mantém o seu tom de


firmeza, embora preveja as possfveis conseqüincias de tal posicáb: "Temos
consoiéncia de que esta admoestacao doutrinária será causa de sofrimento
para alguns de nossos ¡rmaos católicos e reformados comprometidos no diá
logo ecuménico. Em presenca do misterio central da Eucaristia, desejamos
caminhar sempre pela estrada do ecumenismo, mas nao nos podemos permi
tir práticas que déem lugar a equívocos e ambigüidades, das quais acabará re
sultando detrimento para a causa da unidade crista".

2. A réplica protestante

Como era de esperar, os ¡rmaos protestantes manifestaran! seu desagra


do diante do texto dos Bispos da Sufca.

Com efeito. Aos 09/09/86, a Conferencia das Confissoes Protestantes


da Su fea Alema, reunida em Zurique, pediu a Federacáfo das Igrejas Protes
tantes da Sufca que reagisse a esse documento dos Bispos. Tres días mais tar-

24
INTERCOMUNHÁO 25

de, a Conferencia das Igrejas Protestantes da Suíca Romanche também deba-


teu a Declaragáo.

Em réplica a tal documento, a Comunidade de Trabalho das Igrejas


Cristas da Suíca declarou que adiava urna viagem a Roma, desde muito pre
vista para novembro de 1986. Fora convidada pelo Papa por ocasiao de sua
visita á Suíca em 1984, no intuito de promover o diálogo com o Secretaria
do para a Unidade dos Cristaos.

O Conselho da Federagao das Igrejas Protestantes da Suíca emitiu a


propósito um Comunicado que "deplorava enormemente" a atitude dos
Bispos católicos segundo a qual fica proibida a prática da comunhao recípro
ca na Santa Ceia. Eis o texto exato de tal pronunciamento:

"As Igrejas Protestantes estao convictas de que o Cristo convida á


Santa Ceia todos aqueles e aquelas que confessam Jesús Cristo como Deus e
Salvador. Esta conviccao foi, de novo modo, enfatizada pela assembléia dos
Delegados da Federacto das Igrejas Protestantes da Suíca em junho de 1986
na cidade de Locarno. Segundo o Conselho, os Bispos subestimam a signifi-
cacao do convite recíproco para a Santa Ceia, e isto de diversas maneiras: as-
sim, e de modo especial, na vida comum das Igrejas, nos casamentos mistos,
ñas capelanias dos hospitais e das torcas Armadas. Tal atitude afeta a credi-
bilidade do compromisso ecuménico da Igreja Católica Romana. É lamenta-
vel, por outro lado, que a Conferencia dos Bispos tenha publicado sua De-
claracáo sem levar em conta os esforcos ecuménicos. Do ponto de vista do
Conselho da Federacao das Igrejas Protestantes da Suíca, tanto a tradicSo
quanto a teología católica romanas fornecem argumentos em favor da Ínter-
comunhao na Santa Ceia. Mais: já ná*o se emende que, em seu documento,
a Conferencia dos Bispos fale da 'Igreja' como se existisse apenas urna Igreja
válida. A Federacao das Igrejas Protestantes da Suíca lembra que, por oca
siao da visita á Suíca, o Papa exortou todas as Igrejas a demolirem as mura-
Ihas que fecham o caminho da unidade. As Igrejas Protestantes, em todo ca
so, estao dispostas, independentemente da Declaracao dos Bispos, a aprofun-
dar juntamente com seus irmSos e suas irmas católicos romanos a comunhao
ecuménica desejada pelo próprio Cristo".

Este texto sugere algumas reflexoes, que passamos a tecer.

3. Consideracoes teológicas

Como dito, o assunto nao é de ordem diplomática, política, afetiva ou


social, mas se prende á fé revelada por Cristo, ou é de ordem transcendental.
Passamos, poís a explanar as razSes por que a Igreja Católica se mantém con-

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26 "PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 296/1987

trária á ¡ntercomunhao, apesar das ponderales apresentadas pela Federacáo


das Igrejas Protestantes da Su fea.

3.1. Igreja e Sacramento

1. A dificuldade experimentada pelos evangélicos para entender a po-


sicao católica deve-se, em última análise, aos conceitos protestantes de Santa
Ceia e Igreja.

A Santa Ceia, para os protestantes, é apenas um memorial da Paixao


do Senhor. A participacao dos católicos neste rito seria um sinal ou símbolo
de amor fraterno (alias, em geral toda refeigao tomada em comum tem a
funcao de estreitar a amizade dos convivas entre si). A Santa Ceia, para os
protestantes, nao se liga necessariamente ao conceito de Igreja.

De resto, a Igreja para os protestantes é a soma dos homens que a in-


tegram; se tais homens edificam, a Igreja tem valor; mas, se nao edif icam tal
ou tal membro, a Igreja perde o valor para esse eren te, que entao está habi
litado a mudar de Igreja ou a fundar nova Igreja ou a ficar fora de Igreja.
Donde se vé que Igreja, para os protestantes, significa algo de relativamente
secundario. Nao professam o conceito católico de Igreja-sacramento fundada
e vivificada por Cristo através dos sáculos, apesar da fraqueza dos homens
que a compóem; a Igreja-sacramento, para os católicos, é intocável em sua
estrutura e em sua unicidade, embora possa e deva constantemente ser reno
vada em seus aspectos parciais.

Pelo fato de professarem tais nocoes de Santa Ceia e Igreja, entende-


se a insistencia dos protestantes sobre a ¡ntercomunhao; esta reduz-se a um
testemunho de amor fraterno. Em conseqüéncia, recusá-lo pode parecer
mesquinhés, resquicio de épocas passadas/que a mentalidade aberta e liberal
dos nossos dias repudia.

2. Os católicos ná"o compartilham tal posicSo porque receberam de


Cristo e da Tradicüo crista urna nocao muito mais densa de Igreja e de Euca
ristía. Para eles, a Igreja e a Eucaristía esta"o intimamente ligadas entre si; pa-
ticipam da ordem sacramental ou do Sacramento. Esta nocáo pode ser assim
explicitada: Deus quer dar-se aos homens mediante sinais ou cañáis sensíveis;
destes, o mais denso é a santfssima humanidade de Cristo, ligada ao misterio
da Encarnaplo; a humanidade de Cristo é a primeira realizacao do Sacramen
to (canal sensível da graca); ela se prolonga na Igreja fundada por Cristo e
entregue a Pedro, a qual, por conseguinte, é a continuacáo do Sacramento
Primordial. Por sua vez, a Igreja se estende a todos os homens mediante os
ritos chamados "sacramentos", que sao os filetes termináis da grande caudal

26
INTERCOMUNHAO 27

sacramental. Estas tres realizares do Sacramento ou do Corpo de Cristo sao


¡nseparáveis entre si, de modo que quem recebe a Eucaristía (Corpo de Cris
to eucan'stico) comunga também com a Igreja que a ministra (Corpo de Cris
to eclesial). Diz-se, alias, com acertó: "A Igreja faz a Eucaristía, e a Eucaris
tía faz a Igreja", isto é, a Eucaristía incorpora cada vez mais os homens na
Igreja que a celebra.

Eis por que nao podem os católicos subscrever á fórmula do Conselho


da Federadlo das Igrejas Protestantes da Suíca: "O Cristo convida para a
Santa Ceia todos aqueles e aquelas que confessam Jesús Cristo como Deus e
Salvador". — A propósito impoe-se breve reflexao sobre

3.2. O teor da fé

A fé em "Jesús Cristo como Oeus e Salvador" seria a mínima exigen


cia imposta aos crentes para que haja ¡ntercomunhao, segundo os protestan
tes su icos. — Os católicos, porém, julgam que o Credo é mais estenso e que
os seus doze artigos ¡ntegram o índívísível patrimonio da fé. Sem dúvida,
quem professa que Jesús é Deus, implícitamente professa a SS. Trindade ou
um so Deus em tres Pessoas. Mas quem afirma que Jesús é Salvador deixa
aberta a questao das modalidades da obra salvffica de Jesús: compreende a
mediacao da Igreja-sacramento ou nao? Faz-se mediante sinais sensfveís ou
nao? - Ora os católicos afirmam qué a salvacSo nao se realiza apenas me
díante a fé dos crístüos, mas Deus quer outorgá-la mediante o misterio da
Encarnacao levado ás últimas conseqüéncías.

Eis por que, normalmente, a participapao na Eucaristía requer, da par


te do cristáo, a profissao de fé em todas as verdades que Cristo revelou e que
confiou á sua Santa Igreja.

3.3. "A Igreja" ou "urna Igreja"?

A Federacao Protestante Suíca estranhou que os Bíspos tenham falado


"da Igreja como se só existisse urna Igreja válida".

A respeito ocorre observar o seguínte:

O Concilio do Vaticano II afirma que a Igreja de Cristo compreende


varios elementos essenciaís deduzidos dos própríos livros do Novo Testamen
to: a adesao a Jesús Cristo, a fé na Palavra de Deus e na sua mensagem (uso
da S. Escritura), o Batismo, os outros sacramentos, o ministerio apostólico,
o episcopado, o Papado. . . Ora a Igreja Católica Apostólica Romana (entre
gue a Pedro) possui e oferece todos esses elementos na sua íntegra. Por isto
a Igreja de Cristo subsiste na Igreja Católica Apostólica Romana. Foradesta

?7
28 "PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 296/1987

existem elementos da Igreja de Cristo em proporcoes diversas, de modo que


cada denominacao crista* nao católica realiza, de modo imperfeito ou incom
pleto, o conceito de Igreja de Cristo ou, ainda, está em comunhSo imperfei-
ta com a Igreja de Cristo. Tenha-se em vista o seguinte texto da Constituicao
Lumen Gentium n?8:

"Esta é a única Igreja de Cristo, que no Símbolo confessamos una, santa,


católica e apostólica; que nosso Salvador, depois de sua ressurreicffo, entre-
gou a Pedro para apascentar e confiou a ele e aos demais apostólos para a
propagarem e regerem, levantando-a para sempre como coluna e fundamen
to da verdade (1Tm 3,15). Esta Igreja, constituida e organizada neste mun
do como urna sociedade, subsiste na Igreja Católica governada pelo sucessor
de Pedro e pelos Bispos em comunhá*o com ele, embora fora de sua visfvel
estrutura se encontrem varios elementos de santificado e verdade. Estes «le-
mentos, como dons próprios á Igreja de Cristo, impelem á unidade católica".

Ainda com outras palavras: a Igreja de Cristo compreende todas as de-


nominacóes cristas onde haja realmente elementos eclesiais: a Bfblia, afé, a
oracao, a caridade, a renuncia ao pecado, o Batismo. . . Todavía a Igreja de
Cristo só subsiste de maneira plena e adequada na Igreja Católica Apostólica
entregue a Pedro (ou Romana); sonriente nesta se encontram todos os ele
mentos constitutivos da Igreja: os sete sacramentos com seu centro na Euca
ristía, a hierarquia instituida por Cristo e chefiada por Pedro, a Biblia... As
demais denominacóes (cristSs nao católicas), pelo fato de possuírem alguns
ou varios destes elementos, pertencem á Igreja de Cristo, mas estao em co
rrí un hao imperfeita e inacabada com a Igreja Católica Apostólica Romana;
essa comunhao imperfeita ou parcial deve ser levada á plenitude ou a totali-
dade pelo movimento ecuménico.

Veja-se outrossim o decreto sobre o Ecumenismo, n?3, do Concilio


do Vaticano II.

É esta doutrina que está subjacente ao modo de falar dos Bispos suí-
eos. É o próprio ensinamento do Concilio do Vaticano II, que permanece
válido, pois foi reafirmado pelo sinodo dos Bispos reunido em 1985 para re
ver os vinte anos do pós-Concilio.

É certo que o Senhor Jesús anseia pela re-uniao dos seus discípulos nu-
ma só comunhao eclesial; dado, porém, que a Igreja nS*o é obra humana ou
nao se deriva da intuifao e da iniciativa de um chefe humano, mas é fundada
pelo próprio Oeus, nao seria licito á Igreja retocar o patrimonio da fé e da
Moral que Cristo Ihe entregou para facilitar a recomposicao da unidade vio
lada. Antes, compete á Igreja ilustrar esse patrimonio e depurá-lo de toda a

28
INTERCOMUNHAO 29

escoria que Ihe tenha aderido, a fim de que, mais eloqüentemente e sem
equívocos, possa falar aos irmaos separados.

Em concluslo: verificamos, com os próprios Bispos su icos, que a po-


sicao por eles assumida é pouco flexível e agradável; tal é, porém, a conse-
qüéncia da fidelidade.. . Ser fiel custa sacrificios a quem o empreende; to
davía é um servíco prestado mesmo as pessoas que n3o o entendem. A fide
lidade b a coeréncía sao virtudes rarefeitas em nossos dias, de tal modo que,
quando postas em foco, ná*o podem deixar de suscitar o reconhecímento e a
admiracao do público.

A propósito

Concilio do Vaticano II, Constituicao Lumen Gentium; Decreto Uni-


tatis Redintegratio (sobre o Ecumenismo). PR 96/1967, pp. 527-539.

NOTA

Descoberto o mais antigo fragmento bíblico

O mais antigo manuscrito bíblico existente apresenta um texto do li-


vro dos Números do século VII a. C. Esse texto é urna copia do autógrafo que
já nao existe, mas nao dista muito (cronológicamente) do respectivo autó
grafo. Trata-se de Nm 6,24-26, ou seja, da béncáo sacerdotal de Aarüo redi-
gida em termos quase iguais aos do texto massorético (hebraico) utilizado
atualmente: "0 Senhor te abencoe e te guarde; o Senhor ilumine o seu rosto
sobre ti e tenha compaixao de ti; o Senhor te revele a sua face e te dé a
paz!"

A descoberta ocorreu quando o arqueólogo Gabriel Barkai, da Univer-


sidade de Tel-Aviv (Israel), vasculhava um túmulo de familia da época do
Primeiro Templo (entre 950 aproximadamente a 587 a.C.) situado no vale
do Hinnon, no contorno de Jerusalém (junto as muralhas meridionais da Ci-
dade Antiga). Havia ai amuletos enrolados que faziam parte do tesouro de
positado na sepultura. A primeira tomada de contato com esses objetos deu-
se em 1979, mas a decifragáo dos mesmos só foi feita tres anos depois, visto
que os arqueólogos receavam abrir tais objetos enrolados, frágeis como
eram.

(Continua na p. 11)

29
Clareando conceitos:

Igreja, povo de Deus

Em sfntese: Segue-se um discurso do Sr. Arcebispo Johannes Dyba, de


Fulda (Alemanha), que responde a pergunta: poderte a Igreja ser equiparada
a urna democracia e assumir formas de Governo semelhantes ás de urna Re
pública? — 5. Excia. Revma. lembra que a Igreja é Sacramento, onde vale o
principio enunciado pelo Senhor Jesús: "Nao fostes vos que me escolhestes,
mas fui eu que vos escofhi" (Jo 15,16). Quem esquecesse isto, destruiría a
Igreja. Recordar tal verdade é, por vezes, doloroso aos pastores, mas é dever
ao qual nao se podem subtrair em consciéncia.

A reuniao de outono da Conferencia dos Bispos da Alemanha Ociden-


tal em 1985 encerrou-se com urna paraliturgia de acao de grapas, durante a
qual o arcebispo Mons. Johannes Dyba, de Fulda, proferiu a seguinte alo-
cugao referente ao conceito de Igreja. Publicamos abaixo a traducao portu
guesa deste interessante texto, tal como se encontra no jornal suíco DAS
NEUEVOLK, 20/11/85, p. 3:

POVO DE DEUS, CHAMADO DO ALTO

"O papel do povo no plano político é radicalmente diverso do papel


do povo no plano religioso. Na Igreja vale o principio: "Nao fostes vos que
me escolhestes, mas fui eu que vos escolhi" (Jo 15,16). O Senhor escolhe pa
ra Si um povo, dá-lhe os seus pastores, e o papel do povo de Deus é servir ao
Senhor; em consequéncia, o principio que origina a estrutura desse povo, é o
da vocacSo do Alto.

As coisas sao bem diferentes no setor político. Neste o povo adulto es


colhe o seu próprio Governo, e este é obrigado a prestar contas ao povo. 0
principio que dá origem á estrutura dessa sociedade, é o da construcSo de
baixo para cima.

Quem quisesse construir o povo de Deus segundo o modelo político


da democracia, produziria urna Igreja sem Deus, sem vocacá"o e sem promes-

30
IGREJA, PQVQ DE DEUS

sas; originaria um mero clube de debates, urna torre de Babel. Por isto a Teo
logía Política de nossos dias é, em seu cerne, profundamente nao crista, pois
ela foge da ousadia mais auténtica ou ela nao corresponde á exigencia daque-
le que diz: "Procurai primeramente o Reino de Oeus e a sua justíca, e tudo
mais vos será dado por acréscimo" (Mt 6,33). Nao é tarefa da Igreja cons
truir urna sociedade melhor que salve o homem; é, antes, sua missáo levar a
Redencao aos homens, que, conseqüentemente, poderao criar urna socieda
de de paz e de amor fraterno.

Seria precario consolar-nos, neste momento, dizendo que a Teología


Política de nossos dias há de desiludir os seus adeptos como o fizeram as
suas precursoras desde Bizáncio, passando por Joaquim de Fiore, até Savo-
narola e Thomas Münzer1. Na verdade, enquanto ela nao decepciona, ela
perturba os ánimos e confunde os conceitos na medida em que propoe a
Igreja como ¡nst¡tu¡cá"o da sociedade, as bases2 como fonte da Revelacao e
propugna a re-leitura da Biblia3, a remodelaclo da Teologia, a análise mar-
xista e experiencias hermenéuticas de todo tipo. Ora, sempre que se propa-
gam tais motivos de ¡nquietacao e inseguranca, sempre que as verdades bá
sicas da nossa fé sao obnubiladas e falsificadas, toca aos Bispos como respon-
sáveis diante de Deus exortar, advertir e esclarecer. E isto, meus caros fiéis,
muí tas vezes é difícil tarefa. Freqüentemente somos tentados a ceder ao
erro quando este é renitente, ou a nao perseverar como urna muralha de
bronze segundo o modelo de Jeremías (-1,18), mas antes a fugir conforme o
exemplo de Joñas. Isto, porém, seria trair a nossa tarefa de anunciar a Pala-
vra de Oeus sem acanhamento e sem truncamentos, por mais incómodo que
isto se possa tornar. Diz o Senhor por meio de Isaías: 'Sobre os teus muros,
Jerusalém, estabeleci vigias. NSo há*o de se calar nem de dia nem de noite!'
(Is 62,6). É conscientes disto que nos achamos em meio aos debates espiri-
tuais de nosso tempo".

Antes de qualquer comentario, compete apresentar o significado teo


lógico dos nomes citados no texto:

Bizáneio era a capital do Imperio greco-romano desde 330. Ali o Im


perador praticou o cesaropapismo, que propugnava a ¡ntervencao radical do
poder civil dentro da ¡nstituicab da Igreja ou o íntimo entrelacamento da
que le e desta. A teologia oriental foi um tanto complacente para com tal

1 Ver elucidario dos termos á p. 32.


2 As bases significan), no caso, a mentalidade popular.
3 Por "re-leitura da Biblia" entende-se neste contexto a re-interpretacao da
Biblia em chave política.

31
32 "PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 296/1987

mentalidade dos Imperadores.Muito prejudicou a Igreja; visto que os criterios


dos Imperadores eram mais políticos do que teológicos.

Joaquim de Fiore (1145-1202) foi abade do mosteiro cisterciense de


Corazzo (Italia meridional). Professava tendencias apocalípticas, a saber: a
era do Pai teria abrangido o Antigo Testamento; a era do Filho correría até
1260; em breve ir rompería a era do Espirito Santo, em que predominaría
urna concepgáo meramente espiritualista do Evangelho de Cristo; as instituí-
coes da Igreja seriam espiritualizadas sob a inspiracao do "Evangelho eter
no" (cf. Ap 14,6). Estas idéias calaram fundo em alguns frades franciscanos
ditos "Espirituais" ou Fraticelli, que pretenderán! reformar a Igreja e o Es
tado em funcao das mesmas.

Girolamo Savonarola (1452-1498) era frade dominicano, que apregoa-


va reforma dos costumes individuáis, sociais, eclesiásticos e políticos da sua
época, mesclando teología e reformas estruturais. - Tinha razSo ao preconi
zar a mudanca dos costumes da época. Todavía a sua atuaca*o social e polí
tica foí demasiado passional.

Thomas Münzer (1498-1525) foi o chefe Jos anabatistas, cristaos que


na época de Lutero constituiram urna seita ferrenha. Negavam a validade do
Batismo das enancas; rebatizavam os adultos, julgavam possuir urna luz inte
rior particular; queriam a superacao de toda autoridade, de toda lei e de to
da ¡nstituicao eclesiástica visível; em breve, a historia acabaría e Cristo esta-
beleceria um reino de mil anos de paz sobre a térra. O movimento anabatís-
ta arregimentou camponeses e tecelaes, mas n§o conseguiu fundar o almeja-
do "novo reino crístao". Os seus guerreiros foram vencidos pelos príncipes
alemáes em Frankenhausen e os seus profetas banidos.

Quanto ás palavras do Sr. Arcebispo Johannes Dyba, lembram o sacra


mento ou o misterio da Igreja: esta é o Cristo prolongado, estendendo a sua
Encarnacao através dos sáculos. Por conseguinte, a sua forma de governo
nao pode ser assemelhada á de outras sociedades meramente humanas. —
Verdade é que a autoridade das criaturas pode falhar na Igreja; nunca, po-
rém, a ponto de deturpar a fé e a Moral do Evangelho; o Espirito do Senhor
serve-se da própria fraqueza humana para melhor patentear a sua acao divi
na ou transcendental na Igreja; Sao Paulo dizia oportunamente: "De bom
ánimo gloriar-me-ei das minhas fraquezas para que pouse sobre mim a forca
de Cristo... Pois, quando sou fraco, entao é que sou forte" (2Cor 12,9s).

32
Que sao

Secularizacao e secularismo?

Em sintese: A distincao entre "Reino de Deus"e "Igreja" tem servido


para justificar certos regimes que dizem ter acabado com a miseria material,
as custas, porém, da liberdade dos cidadaos, especialmente da liberdade reli
giosa. O Reino de Deusjá estaría realizado no plano material ou natural, en-
quanto a Igreja estaría sufocada. — Ora na verdade o Reino de Deus se inicia
com o sacramento da Igreja,... Igreja que tem sua Liturgia, sua pregacao de
fé, sua teología da Cruz. . . Por conseguinte, urna realidade é inseparávelda
outra;se a Igreja é amordacada, o Reino de Deus também é atrofiado.

A distincao mencionada se deve á corrente de pensamento chamada


"secularismo" ou "teología da marte efe Deus". Segundo esta, o cristáo de-
vería guardar a sua fé no foro da consciéncia apenas e. de resto, viver "como
se Deus nao existísse" (D. Bonhoeffer), exercendo atividades meramente
profanas ou leigas (como seriam as do atendimento ás necessidades materiais
do ser humano).

Urna das dificuldades que os teólogos encontrarn em nossos días para


dialogar, é a existencia de palavras ambiguas ou polivalentes: assim "Reino
de Oeus, justica, fé, pecado, verdade, liberdade e Iibertac5o..." Nao raro os
debates se prolongam estérilmente por causa da polivalencia dos vocábulos
em foco. Alias, tal situacfo nao é nova na historia da Igreja: no sáculo IV
teólogos e fiéis leigos discutiam calorosamente sobre os termos homolO-
ousios, geni nietos, nikenon (nikainon). . .; através de palavras quase idénti
cas, exprimíam conceitos incompatíveis entre si — oque desgastava terrivel-
rrtente os ánimos na época do Arianismo, Semiarianismo, Macedón ¡anismo...

A fim de elucidar um pouco da problemática de nossos dias, vamos de-


ter-nos, ñas páginas subseqüentes, na consideracao de secularizaca"o e secula
rismo, vocábulos geradores de problemas no diálogo teológico.

33
34 "PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 296/1987

1. Secularizacao e secularismo
1. Por "secularizacao" entende-se o reconhecimento da relativa autono
mía que as ciencias e as atividades humanas tém em relacáo á religiao. Rela
tiva. . . porque, em última instancia, todo valor humano é aterido, ao menos
negativamente, pela fé e a Moral cristas (nao pode ser verídica qualquer pro-
posicao que contradiga as verdades da fé ou da Moral); se está em contradi-
cao com estas, é falsa. Isto, porém, néfo deve destruir a ¡dentidade dos valo
res humanos. Por conseguinte, a medicina, a economía, a política... h¿fo de
se reger por seus principios próprios, e na*o pelos da religiao; esta nao tem
receitas para curar doencas, nem para o bom éxito nos negocios, ñas viagens,
nos casamentos. . . A medicina que se rege pelos principios da religiao, e
nao pelos seus próprios, é o curandeirismo (que nao é nem medicina nem
religiao); o cidadao que se dirige segundo o horóscopo ou segundo as forcas
"mágicas" dos astros, está cultivando nao a astronomía, mas a astrologia
(que nao é nem ciencia nem religiao). É preciso, pois, que nSo se faca da re
ligiao a chave "mágica" para resolver todos os problemas. Tal conclusao,
apregoada pelos bons pensadores católicos, especialmente em nossos días,
chamase "secularizacSo"1; esta dessacraliza as atividades humanas na medi
da em que estejam impregnadas de supersticSo e magia ñas culturas primiti
vas. Nao exclui, porém, a reverencia a Deus e aos criterios da fé e da Moral;
ao contrario, pode contribuir para que a fé verdadeira seja mais puramente
reconhecida porque dissocíada de suas contrafacSes. O próprío Concilio do
Vaticano II afirmou tais principios nos seguintes termos:

"Muitos contemporáneos nossos parecem temer a uniá*o mais íntima


da atividade humana com a religiao; véem nela um perigo para a autonomía
dos homens, das sociedades e das ciencias.

Se por autonomía das realidades terrestres entendemos que as coisas


criadas e as próprias sociedades gozam de leis e valores próprios, a serem re-
conhecidos, usados e ordenados gradativamente pelo homem, é neoessário
absolutamente exigí-la. Isto nao é só reivindicado pelos homens de nosso
tempo, mas também está de acordó com a vontade do Criador. Pela própria
condipao da críacSb, todas as coisas sao dotadas de fundamento próprio,
verdade, bondade, leis e ordem específicas. O homem deve respeitar tudo is
to, reconhecendo os métodos próprios de cada ciencia e arte. Portanto, se a
pesquisa metódica, em todas as ciencias, proceder de maneira verdadera
mente científica e segundo as leis moráis, na realidade nunca será oposta á
fé; tanto as realidades profanas quanto as da fé oríginam-se do mesmo Deus.

1 Secularizaca"o vem de saeculum, palavra que pode significar "mundo". Se


cularizar seria, pois, mundanizar, laicizar, em oposicaoa "sacrafizar" e "ri-
tualizar".

34
SECULARIZACAO E SECULARISMQ 35

Mais ainda: Aquele que tenta perscrutar com humildade e perseverarla os


segredos das coisas, ainda que disto ná"o tome consciéncia, é como que con-
duzido pela mffo de Deus, que sustenta todas as coisas, fazendo que elas se-
jam o que sao. Portanto, permita-se-nos lamentar algumas atitudes que nao
faltaram, as vezas, entre os próprios cristSos, por ná*o se reconhecer claramen
te a legítima autonomía das ciencias. Ñas disputas e controversias suscitadas
por este motivo, levaram a mente de muitos a julgar que a fé e a ciencia se
opunham entre si.

Todavía, se pelas palavras 'autonomía das realidades temporais' se en-


tende que as coisas criadas n5o dependem de Deus e o homem as pode usar
sem referencia ao Criador, todo aquele que admite Deus percebe quanto se-
jam falsas tais máximas. Na verdade, sem o Criador, a criatura esvai-se. Além
disto, todos os crentes, de qualquer religiSo, sempre ouviram a voz de Deus
e sua manifestacáo na linguagem das criaturas. £ pelo esquecimento de Deus
a própria criatura torna-se obscura" (Constituicao Gentium et Spes n°36).

Vé-se, pois, que a secularizado entendida como o Concilio a concebe


é algo de válido e desejável; significa a eliminagSo de toda crendice e supers-
tigáo.

2. A palavra "secularismo", ao contrario, tem sentido pejorativo. Sig


nifica o apagamento nao so das superstrcSes, mas das próprias expressSes da
fé e da auténtica religiao. Os seus arautos compartí I ham as teses da "teología
da morte de Deus", que assim raciocina: Deusé urna palavra mona (embora
a realidade de Deus seja viva para todo eren te); é palavra sem ressonancia
nem aceitacao no mundo de hoje; por conseguinte, se os cristaos querem
dialogar com este mundo, devem calar o nome de Deus e todos os sinais da
fé explícita, para se interessar por assuntos seculares (deste mundo), ná*o di-
ratamente ligados a religiao; tais ser iam o homem e suas carencias (escola,
hospital, trabalho, creches...). O crístao deve, pois, viver ac si Deus non da-
retur (como se Deus nao existisse)1, embora guarde a fé no íntimo do seu
coracao; a atividade do crístao há de ser secular, profana, leiga, como a dos
homens sem fé. — Nao se espante o cristlo com esta norma, dizem os arau
tos desta corrente, pois quem serve ao homem já está se rv indo a Deus; os
valores humanos (justica, trabalho, educacao, saúde ) sao valores sagrados,
de modo que basta cultivá-los para cumprir os deveres para com Deus. Esta
'atitude redunda praticamente em ateísmo; nSo combate Deus (longe disto.')
'mas aos poucos faz da explícita profissao de fé em Deus algo de secundario
e adventicio, pois o essencial vem a ser a promocao do ser humano nesta vi
da terrestre.

1 Expressao de Dietrich Bonhoeffer, um dos "teólogos da morte de Deus".

35
36 "PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 296/1987

Os adeptos do secularismo distinguem entre "Igreja" e "Reino de


Deus". Aquela lembra a sacralidade explícita, a Liturgia, a catequese, a pre-
gapao das verdades da fé, ao passo que "Reino de Deus" significa, para eles,
"justica social, sociedade sem classes, extirpapao da miseria material. . .".
Ora, dizem, se o Reino de Deus é realizado (nos termos secularistas atrás
mencionados), a Igreja pode estar amordazada; o cristao tratará de postular
ulteriormente, e por acréscimo, para a Igreja uma liberdade compatível com
o secularismo (praticamente o ateísmo) dominante num determinado país.
Sao estas as idéias que Frei Clodovis Boff professa numa anáiise da situacao
redigida após visita a ilha de Fidel Castro:

"Na superacáo das situares que desumanizam o homem, o teólogo


percebe a realizado do Reino na historia. .. O plano de Deus, que é a vida,
encentra af uma resposta concreta. Com toda certeza o povo cubano fez seu
'éxodo' do Egito e da 'casa da servidáV. Vocé acha isso pouca coisa?

'Mas estamos aquí no nfvel puramente natural' — poderia vocé me fa-


zer observar. Sim, mas no plano de Deus a ordem da graca compreende a
ordem da natureza, ainda que superando-a (sem a suprimir)... Nessa I uta to
da flui e está fluindo muita solidariedade humana, muita fraternidade, mui-
ta generosidade e espirito de sacrificio, enfim, muito amor fraterno. E isso
nao revela a 'sobrenaturalidade' dessa empresa? Se assim é, o pá*o que se co
me á suficiencia nao é mediacao de dignidade humana e de caridade frater
na? Esse gigantesco esforco de todo um povo de, juntos, conquistar as con-
dicóes mínimas de uma vida digna nSo representa a realizaca"o política das
obras de misericordia de Mt 25,31 s? Que essa gesta se tenha realizado cons
cientemente sob o signo de Jesús ou ná*o, importa menos (ainda que impor
te) que o próprio fato de ter sido livremente realizada" (Carta Teológica so
bre Cuba, em REB, vol. 46, fascículo 182, junho de 1986, pp. 353s).

Como se vé, o autor justifica a tese de que o Reino de Deus se realiza


em Cuba, mediante a alegaplo de que existe "pao em suficiencia" para to
dos os cidadaos (que nao estao nos campos de concentrapSo!)'. — Ora a res-
peito observamos:

1 A propósito convém lembrar as memorias de prisSo do escritor cubano Ar


mando Valladares, que passou vinte e dois anos ñas piores condicSes caree-
rárias que se possam imaginar. Uma sfntese deseus sofrimemos encontrase
em PR 288/1986, pp. 201216. O livro foi editado no Brasil pela Ed. ínter-
mundo Ltda., Sao Paulo 1986.
Outros depoimentos de prísioneiros cubanos horrivelmente maltratados
e mutilados se encontram em PR 294/1986, pp. 446-457.

36
SECULARIZACAO E SECULARISMO 37

- os valores naturais (pao, casa, educacáo. . .) sSo valores que o Cris


tianismo aceita e apregoa, em vista, porém, da plena realizacao do ser huma
no na vida postuma ou no Reino transcendental de Deus. Se esses valores
perdem seu encaminhamento para o transcendental (como acontece em
Cuba, onde as expressoes da fé crista sao sufocadas), deixam de ser cristfos;
tornam-se semi-valores ou até contra-valores, porque iludem o homem, fa-
zendo-o esquecer que é peregrino na térra e deve orientar-se por criterios
transcendental ou sobrenatural (cf. 1 Pd 2,11);

— para o cristáo, a vida de fé e a práticadas virtudes evangélicas (que


incluem a Cruz e a teología da Cruz) tém o primado sobre os valores terres
tres e passageiros. Em conseqüéncia, a presenta do Reino de Deus há de ser
aferida, numa sociedade, pela liberdade dos cidadaos no campo religioso. Se
nao há liberdade religiosa ou liberdade para cultuar a Deus, nao há Reino de
Deus. Com efeito; o simples fato de distribuir pao e trabalho a cercos cida
daos é muito ambiguo; pode estar associado ao amor a Cristo e á fidelidade
ao Evangelho (cf. Mt 25,31-46); mas pode também provir de um filan tropis
mo ateu, materialista, ¡nfenso a Cristo. 0 verdadeiro amor cristao, que Jesús
elogia em Mt 25,31-46, é amor a todos os homens, até aos inimígos (como
ensina o Senhor em Mt 5,44); jamáis se coaduna com torturase campos de
concentracao para os cidadáos cujo único crime seja o de ter urna filosofía
de vida auténticamente crista e nao materialista ou atéia (marxista). Pode-se
mesmo dizer que a apregoada justica existente em Cuba ná*o passa de urna
farsa, pois é notorio que na ilha existem opressores e oprimidos, perseguido
res e perseguidos por motivos meramente políticos e ideológicos; nao se diga
que a ordem de coisas instaurada em Cuba é a realizaplo do ser humano no
plano natural, pois em Cuba há milhares de cidadaos tratados em condicSes
de fome e brutalidade pelo único fato de nao com partí Iharem a concepcao
marxista de vida.

Torna-se assim evidente que o adjetivo "cristSo" e a expressSo "Reino


de Deus" sao manipulados pelos defensores do marxismo que professam ser
cristSos. Entendem, através dessas palavras, a implantacao do comunismo
ateu e perseguidor do culto a Deus. Urna vez exposta a problemática do se-
cularismo, perguntamos:

2. Que dizer aínda?

Proporemos tres considerares:

1. O fato de alguém propugnar distribuicao de pao e bens materiaís


nao pode ser, como tal, argüido de erro; ao contrarío, o Evangelho o reco-
menda. A falha grave, porém; existe quando o secularismo faz desses bens

37
38 "PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 296/1987

materiais algo de principal, subordinando-Ihes os valores da fé. Os arautos do


secularismo proferem meias-verdades. . ., calam-se a respeito dos valores
transcendentais. Ora precisamente este silencio é err&neo; ilude os homense
deve ser desmascarado. O cristlo nfo pode deixar de proclamar a primazia
absoluta dos bens sobrenaturais (a filiacao divina pela graca, a participacao
na vida trinitaria mediante a Eucaristía, a pregacüb do misterio da Cruz sal-
vífica...).

Precisamente urna das dificuldades do diálogo com os secularistas está


em que, & primeira vista, afir mam proposicoes de justica e fraternidade que
parecem irrefutáveis. Tais proposigóes, porém, hipertrofiadas a ponto de su
focar os valores religiosos e a própria dignidade humana (conculcada pelo
marxismo), se tornam erróneas, pois nao sonriente violam os di re ¡tos de
Deus; vilipendiam também os direitos do homem.

2. Se o diálogo com os secularistas é difícil por causa da ambigüidade


das propostas que fazem, nSo se torna tao penoso desmascará-los quando se
leva em conta a prática concreta das ideologias materialistas. Nao há um país
marxista que nao tenha torturas, campos de concentracSo com trabalhos
toreados, prisoes mortíferas, "lavagem de cranio", "reeducacSo política",
supressao das liberdades do individuo, vigilancia continua sobre a conduta
dos cidadáos... Fidel Castro faz questao de afirmar que em Cuba tais proce-
dimentos aviltantes nSo existem (cf. PR 288/1986, p. 216). Sabe-se, porém,
pelo depoimento de vítimas cubanas egressas dos campos de concentracSo,
quanto é desumano o regime de opressáo na ilha de Fidel; tenha-se em vista
especialmente o caso já citado do poeta Armando Valladares; este, após "22
anos de Gulag das Américas", escreveu suas memorias de prisá"o com o título
"Contra Toda Esperanca"; tendo vindo ao Brasil, foi-lhe negada urna sala
para falar na Universidade de Brasilia assim como outras oportunidades de
acolhida Ihe foram subtraídas. Esta recusa de ouvir urna testemunha dos car-
ceras cubanos nao seria o sinal mais eloqüente da má consciéncia dos defen
sores do regime cubano?

A respeito ainda pode-se citar urna reportagem da revista Figaro-Ma-


gazine, edicao de 14/06/86, pp. 114-120, onde se lé o seguinte:

"Numa entrevista Fidel Castro. . . declara que a liberdade socialista


nada tem que ver com a liberdade burguesa. E afirma que todos aqueles que
querem deixar Cuba podem fazé-lo livremente.

Em outra entrevista o dissidente Ricardo Bofill descreve as perseguí-


coes que ele sofreu por delitos de opiniáo. Apesar dos seus reiterados pedi
dos, recusam-lhe sempre a autorizado para deixar Havana a f im de se reunir
á sua familia exilada" (p. 114).

38
SECULARIZAQAO E SECULARISMO 39

Nao sao raros os depoimentos que desmascaram a falsidade dos dizeres


e do comportamenio dos chefes revolucionarios marxistas. Tais fatos sSo su
ficientemente significativos para mostrar que é ilusorio o "Reino de Deus"
apregoado pelos secularistas: nada tem de Reino de Deus, mas é o reino do
homem que domina os homens.

3. A distintió entre o Reino de Deus e a Igreja tornou-se freqüente


nos escritos de certos autores que defendem o secularismo. O Reino de Deus
seria a ordem temporal instaurada por regimes socialistas, que dízem ter aca
bado com a miseria material e o subdesenvol vi mentó económico, sacrifican
do, porém, os valores religiosos e a atividade pastoral da Igreja. Tal distinpao
permite aos mencionados autores elogiar, em nome da "fé", as sociedades
marxistas.

Todavía este modo de pensar deturpa radicalmente a mensagem cris


ta. Para esta, o Reino de Deus comeca com as sementes de eternidade que
Jesús confiou a sua Igreja e que nos sao transmitidas através do sacramento
da Igreja; por conseguinte. Reino de Deus e Igreja crescem conjuntamente;
o Reino de Deus inclui a proclamagao integral das verdades apregoadas por
Jesús Cristo, incluindo o misterio da Cruz que é loucura e escándalo aos
olhos da razao natural (cf. ICor 1,23). A propósito já se exprimía o S. Padre
Joao Paulo II em seu discurso aos Bispos latino-americanos reunidos em
Puebla (1970):

"Na ampia documentacao com que tendes preparado esta Conferen


cia. .. percebe-se, por vezes, um certo mal-estar com respeito á interpretado
da natureza e da missao da Igreja. Alude-se, por exemplo, á separacao que
alguns estabelecem entre Igreja e Reino de Deus. Este, esvaziado do seu con-
teúdo total, é entendido em sentido mais secularista: ao Reino nao se chega-
ría pela fé e pela pertenca á Igreja, mas pela melhor mudanca estrutural e
pelo compromisso sócio-polftico. Onde exista um certotipo de compromis-
so e de praxis pela justica, ali estaría já presente o Reino. Esquece-se deste
modo que 'a Igreja recebe a missao de anunciar o Reino de Cristo e de Deus
e instaurá-lo em todos os povos e constituí na térra o germen e o principio
deste Reino' (Constituicáo Lumen Gentium n?5).

Em urna de suas belas catequeses, o Papa Joáto Paulo I, falando da vir-


tude da esperanca, advertía: 'é um erro afirmar que a UbertacSo política,
económica e social coincide com a saivacá'o em Jesús Cristo; que o Regnum
Dei se identifica com o Regnum hominis' (Joao Paulo I, Catequese sobre a
Virtude Teologal da Esperanza, 20/09/1978)".

Sao estas algumas das cqnsideracoes que nos sugerem a palavra "se
cularismo" e suas expressoes concretas na vida contemporánea.

39
Urna questáfo candente:

As traducoes da Biblia

Em síntese: Registrase a tendencia a fazer novas traduces da Biblia


e/77 estilo popular. A propósito observamos que urna coisa é tornar acessívef
as carnadas mais simples da populacao o texto sagrado; outra coisa é imitar a
linguagem da gente simples, que carece, mw'tas vezes, de lógica e de vocabu
lario adequado para se exprimir. A fim de facilitar a compreensSo bíblica do
povo, pode-se usar urna traducao de nivel medio fsem frases bombásticas
nem vocábulos raros), pois, se o povo nao costuma falar bem, ele costuma
compreender o portugués bem falado (como é o do Telejornal); o mimetis
mo da linguagem popular, em vez de servico, é desservico prestado ao povo,
pois o "achata" no seu mais baixo nivel cultural, em vez de o despertar para
nivel superior. — Além do mais, a dignidade do texto bíblico pede que o seu
nobre conteúdo sefa apresentado em roupagem correta e digna.
* W *

O movimento de volta as fontes, inclusive á Sagrada Escritura, tem


suscitado a necessidade de se tomar acessfvel ao grande público o texto sa
grado. Em vista disto, tém sido realizadas traducñes brasileiras dos escritos
bíblicos em linguagem popular. Merece especial referencia a chamada "Bi
blia na Linguagem de Hoje", doravante BLH, que, alias, so contém o Novo
Testamento; foi editada pela Sociedade Bíblica do Brasil e aprovada pela Co-
missáo de Pastoral da Conferencia Nacional dos Bispos do Brasil em 1973. A
edicao de 1973 foi revista por urna comissao de peritos católicos, que apon-
taram muitas falhas lingüísticase teológicas no texto existente; destas observa-
cóes, parte foi levada em consideracáo, parte nao. Como quer que seja, a se
gunda edicto foi menos censurável do que a primeira. A propósito dos serios
defeitos dessa traducao, ver PR 216/1977, pp. 520-529.

Ora no tocante a esta tradupao popular da Biblia, o Ir. Israel Nery, as-
sessor nacional de Catequese da CNBB, declarou ao jornal LAR CATÓLICO
que "a Sociedade Bíblica do Brasil, juntamente com a Igreja Católica, está
preparando para daqui a um ano e meio o restante da traducao da 'Biblia na
Linguagem de Hoje'; em 1975 saiu a primeira parte, com o Novo Testamen-

40
TRADUCOES DA BIBLIA

to" (LAR CATÓLICO, edicao de 22 a 28 de setembro de 1986, p. 3, sob o


título "CNBB quer Biblia em Linguagem Popular").

A respeito da tendencia a linguagem popular na traducaoda Biblia, a


experiencia brasileira é assaz significativa; há náfo sonriente livros, mas tam-
bém folhetos litúrgicos portadores de versoes populares, que nao podem dei-
xar de chamar a atencáo dos estudiosos católicos. Eis por que nos voltamos
para esta temática ñas' páginas subseqüentes.

1. Linguagem acessível e linguagem vulgar

NSo há quem nao deseje que a Biblia se torne compreensfvel a todas


as carnadas da populacao. Acontece, porém, que alguns estudiosos julgam
que, para torná-la útil aos leitores mais simples, devem reproduzir a lingua
gem das pessoas incultas ou até mesmo a gíria; em conseqüéncia, temos tra-
ducoes da Biblia de baixo padrao lingüístico e de conteúdo teológico ambi
guo ou mesmo infiel aos textos origináis.

Ora em toda essa problemática está subjacente um equivoco: o povo


pode nao falar bem o portugués, mas costuma entender o portugués bem fa
lado (desde que nib recorra a vocábulos e construcSes rebuscados); tenha-se
em vista a enorme audiencia do Jornal Falado na televisSo, cuja linguagem é
simples e correta, digna de qualquer carnada da populacSo.

Ademáis é para desejar que o povo ouca um portugués de bom nivel


(sem traeos de erudicá*o bombástica) a fim de que possa melhorar o seu pro-
prio linguajar. Quem apresenta tal oportunidade á gente simples, presta-I he
um servico, ao passo que quem confirma o povo numa linguagem de baixo
padrao, prejudica-o, pois Ihe subtrai a ocasiao de crescer; antes, confirma-o
na sua pobreza cultural.

Observamos ainda que as assembtéias de culto católicas sSo constitui


das também por pessoas de certo nivel intelectual, habituadas a urna lingua
gem correta e digna. Pergunta-se entao: por que nivelar por baixo o portu
gués falado? — A opefo pelos pobres nao significa esquecer ou ignorar a pre-
senca e a partidpacao dos nSo pobres na Igreja; esta é chamada por Cristo a
servir a uns e outros, levando todos á grapa da salvacSo adquirida pelo Se-
nhor.

De resto, o teor da Biblia Sagrada é denso e nobre; trata-se do mais


precioso livro que os cristáos possam imaginar. Ora tal conteúdo deve apre-
sentar-se com roupagem condizente, ou seja, num portugués que nada tenha
de destoante em materia de vocabulario e construcao de frases. Afirma o Pe.
Manuel Bernardes em seu estilo próprio:

41
42 "PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 296/19B7

"A forma costuma seguir o modo da materia; se a materia das nossas


palavras for boa, também as palavras serao boas" (SermSes e Práticas vol I.
p.41).

Examinaremos agora, de modo especial, a traducáo da BLH (Novo


Testamento).

2. Pontos que tocam a fé

Registraremos os quatro seguintes:

1) Rm 1,17b; Gl3,1 Ib, onde se l§: "Quemé aceito por Deus pormeio
da fé vivera". O original grego diz simplesmente: Ho de dikaiosek pisteoos
zeesetai - o que, ao pé da letra, significa: "O justo, porém, pela fé vivera".
Com estes termos, que sao retirados da traducSo grega do livro do profeta
Habacuc (2,4) e que nao de ser interpretados á luz do mesmo, Sao Paulo
quer ensinar que "a pessoa reta ou santa vivera (= tem a vida eterna) pela fé,
ou seja, pela f¡delidade a Palavra de Deus".

Todavía a traducáo da BLH é ambigua, pois pode ser entendida no


sentido de que "a pessoa que, mediante a fé, se tornou justa ou aceita por
Deus, obterá a vida eterna".

A traducáo francesa correspondente á BLH professa explícitamente


este modo de ver, dando a ler: "Celui qui est juste aux yeux de Dieu par la
foi, vivra" (Gl 3,11; Rm 1,17), o que significa: "Aquele que é justo aos
olhos de Deus pela fé, vivera". Ora esta é urna doutrina luterana, que nao
corresponde ao que o profeta Habacuc e o Apostólo Sfo Paulo querem dizer
no caso. Alias, é de notar que a primeira edicSo do BLH colocava urna vírgu
la após "por meio da fé", insinuando exatamente que "quem foi justificado
pela fé, vivera". A segunda edica*o, após as observacSes feitas pela comissa*o
revisora, jé nSo traz a vírgula, mas deixa o texto em ambigüidade, podendo
ainda ser entendido no sentido luterano.

Ainda nos chama a atencio o teor de Rm 1,17a na primeira edipáo de


BLH: "O Evangelho mostra como Deus nos aceita: é por meio da fé, e so-
mente pela fé". - Esta fórmula era urna profissá*o explícita da doutrina lu
terana da "sola fides" (somonte a fé). A segunda edicSo dissipou a tenden-
ciosidade da primeira neste ponto, dando a ler: "O Evangelho mostra que
Deus nos aceita por meio da fé, do comeco ao fim" (tirou-se o somente).

Para se dissipar toda obscuridade do texto da BLH, seria preciso guar


dar a palma "justo" (dikaios) e nSo a substituir por "aceito por Deus" (o que
vem a ser um participio passado e atrai o instrumental "por meio da fé").

2) Le 2,7: "EntSo (María) deu a luz o seu primeiro filho".Em portu


gués usual, a expressSo "primeiro filho" insinúa "segundo, terceiro, quar-

42
TRADUgOESDABrBLIA 43

to.. .", ou seja, a teoría de que os chamados "irmaos de Jesús" eram filhos
de María e José.

Ora a palavra grega protótokos, traduzida por "primetro filho", há de


ser entendida no contexto da mentalidade semita que Le 1-2 supóe. Em he
braico e aramaico, a palavra bekor, primogénito, ná"o designava sempre o pri
metro, mas, sim, por vezes, o bem-amado, pois, na verdade, o primeiro filho
é aquele no qual, a principio, se concentra todo o amor de pai e mae. O pri
mogénito era petos israelitas julgado alvo de especial amor da parte de Oeus,
pois devia ser consagrado ao Senhor desde os seus primeiros dias (cf. Le 2,22;
Ex 13,2; 34,19). A palavra "primogénito" podia mesmo ser sinónima de
"unigénito", pois que um e outro vocábulos na mentalidade semita desig-
nam"o bem-amado". Tenha-se em vista, porexemplo, Zc 12,10s:

"Derramarei sobre a casa de Davi e sobre os habitantes de Jerusalem


um espirito de graca e de oraca"o, e eles voltarSo os seus olhos para Mim.
Quanto áquele que transpassaram, chorá-lo-So como se chora um filho uni
génito; pranteálo-ao como se pranteia um primogénito".

Aqui se vé nítidamente que sao sinónimos entre si os termos "unigéni


to" e "primogénito" (inseridos no paralelismo poético), significando, em
ambos os casos, o bem-amado.

Por conseguinte, traduzir "protótokon" por "primeiro filho" equiva


le a fazer urna opelo ou urna interpretacSó do texto, que nao condiz com o
contexto da Biblia.

3) At 20,28; Rm 3,25; 5,9; Ef 1,7; 2,13; Cl 1,20; Hb 10,29; 13,20;


1Pd 1,19; Ap 1,5;5,9. - A palavra grega haima é a( traduzida nao por san-
gue como seria de prever, mas por morte. - Ora, se bem que a morte possa
em alguns casos lembrar sangue, ná"o se deveria deixar de usar o vocabulo
sangue em tais passagens, pois ó este que poe em relevo o valor da morte de
Cristo como sacrificio ou como vítima de expiacáo pelos pecados do mun
do. O carater sacrificial da morte de Cristo é essencial á mensagem do Novo
Testamento.

4) Mt 16,19. Diz Jesús a Pedro, conforme a BLH: "Eu I he darei as


chaves do Reino do céu; o que vocé proibir na térra, será proibido no céu, e
o que permitir na térra será permitido no céu".

Os tradutores puseram "proibir-permitir" em lugar de "ligar-desligar".


Ora o binomio "ligar-desligar" (em aramaico, asare sherá ou hithir) é da lin-
guagem técnica rabinica; significa, antes do mais, atos de jurisdipSo, pelos
quais os rabinos excomungavam (ligavam) ou absolviam da excomunhao
(desligavam). Ulteriormente significava decisoes doutrinárias ou jurídicas,
que ou proibiam, declaravam ¡licito (ligavam) ou permitiam, declaravam lí-

43
44 "PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 296/1987

cito (desligavam). — Donde se vé que a traducSo "proibir-permitir" nSo


abrange todo o conteúdo do texto original, reduzindo-o a materia de Moral,
quando, na verdade, o que Jesús entrega a Pedro, conforme o texto original,
é o poder de governar a Igreja tanto no plano jurídico, como no da Moral e
no da doutrina. A própria imagem das chaves, que Jesús consigna a Pedro,
lembra a jurisdicao, ou seja, o poder de abrir e fechar a comunhSo com a
Igreja em nome do Senhor Jesús. As sentencas de Pedro s3o confirmadas
pelo próprio Deus.

Em conseqüéncia, teria sido necessário conservar o binomio "ligar-


desligar" na traducao; o seu significado técnico poderia ser explicado no vo
cabulario da BLH (pp. 719-728). Qualquer tentativa de substituir o binomio
"ligar-desligar" equivale a urna interpretado, que pode ser tendenciosa, co
mo é de fato no caso da BLH. — A propósito do significado de tal binomio
na teología dos rabinos antigos, veja PR 132/1970, pp. 538s. 543-547.

As mesmas observacoes devem ser feitas a respeito de Mt 18,18, onde


reaparece o binomio "ligar-desligar", desta vez para designar o poder de ju-
risdicSo e magisterio que toca aos doze apostólos reunidos em colegiado.

3. Outras mudanzas de sentido

Acontece que as traducSes populares, querendo evitar palavras técni


cas ou específicas do vocabulario bfblico-teológico, substituem-nas por ter
mos mas comuns, todavia menos significativos ou portadores de sentido va
go e genérico. Cometem-se entáo auténticas ambigüidades ou mesmo erros
de traducSo, que afetam a própria mensagem bíblica. Considerem-se os se-
guintes pontos:

1) O texto da BLH nlo usa o vocábulo alianca, substituindo-o por


acordó; cf. Le 22,20; Hb 10,29... - Ora a palavra alianca é teológicamente
consagrada; tem ressonáncia que acordó nlo tem. Na verdade, importa usar
a palavra alianca (que nSo é de todo estranha ao povo), pois o seu emprego
abre ao leitor o acesso aos escritos do Antigo Testamento, que tratam da
teologia da alianca, ao passo que a omissfo deste vocábulo o torna cada vez
mais hermético ao leitor de pouca formacífo religiosa.

2) A primeira bem-aventuranca (Mt 5,3) reza na BLH: "Felizesos que


sabem que sao espiritualmente pobres. . ."Primeramente pergunta-se: qual
a razao de nao manter a palavra bem-aventurados, já inveterada na lingua-
gem crista? Em segunda instancia, observamos que a primeira bem-aventu
ranca nao consiste em saber. . ., mas, sim, em viver; ela é dirigida aqueles
que tém um coráceo simples, humilde e despretensioso como é dos pobres
(anawim), que o Antigo Testamento muito louva, na medida em que sío os

44
TRADUCOES DA BIBLIA 45

fiéis de Deus, despojados de qualquer ¡lusao a respeito da escala dos valores;


os anawim sao os que confiam em Deus, e nao em si, como fazia S. Teresi-
nha do Menino Jesús, que viveu intensamente a primeira benvaventuranca.

3) Em Hb 11,1 a BLH dá a ler: "Ter fé é estar cerro de que vamos re-


ceber as coisas que esperamos, e ter a certeza de que existem as coisas que
nao vemos".

Nesta frase aparece duas vezes o radical carto (certeza) para traduzir
vocábufos gregos diferentes, a saber: hypóstasis (garantía, penhor) e élenchos
(demonstrado, prova). Percebe-se, pois, que a traducao é pobre em recursos
de vocabulario, com detrimento da significacfo do texto bíblico traduzido.

4) Em At 18,6 a BLH emprega o termo xingarem lugar de blasfemar


(ao contrarío, em Mt 26,65 fícou a palavra blasfemar, em fidelidade ao texto
grego). Ora blasfemar é injuriar a Deus, ao passo que xingar é, geralmente,
ofender os homens.

5) A BLH nunca usa o vocábulo parábola, mas substitui-o por compa*


racao (cf., por exemplo, Mt 13,10). Ora a parábola é processo didático já
vicíente entre os rabinos; o nome está consagrado pelo uso na linguagem cris
ta; ao contrario, oomparaca"o é vocábulo mais pobre de sentido e mais gené
rico.

6) A BLH em Mt 22,21 utiliza Imperador em lugar de César. - Note-se


que está consagrado o adagio "Dai a Deus o que é de Deus, e a César o que é
de César". Se a linguagem popular em si é pobre, observa-se que ela se foi
enriquecendo no decorrer dos tempos precisamente por assimilar textos e
termos bíblicos; se retiramos esses termos ao povo, empobrecemo-lo mais
aínda.

7) Empregado miserável aparece em vez de servo mau em BLH (Mt


18,32). A expressffo miserável é mais passional e teatral do que mau (termo
mais sobrio). Ademáis nao se pode dizer que o povo nSo conhece a palavra
mau.

8) Maluco em lugar de louco ocorre em At 12,15; 26,24 (BLH). Ora ma


luco tem conotacSes vulgares (o que naoé a mesmacoisaque populares);ade
máis o povo sabe perfeitamente o que é estar louco.

9) Bobo e tolo substítuem insensato gm Mt 23,17; ICor 15,36; Gl 3,1


(BLH). - Sabe-se que a palavra insensato é um pejorativo mais nobre e dig
no do que bobo e tolo.

10) Antepassados está em tugar de antigos em Mt 5,33 (BLH). O povo


sabe muito bem o que quer dizer antigos; saberia tao bem o que sa*o os ante-
pássados?

45
46 "PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 296/1987

11) Em Mt 28,12; 26,56; 27,1 (BLH) líderes judeus aparece em vez de


anciSos. — Ora líder éum anglicismo desnecessário; ademáis significa dirigen
te em geral, quando os andaos eram um tipo de dirigentes que se distingui-
am dos chefes dos sacerdotes de Israel.

12) Casa de oracao encontra-se em lugar de sinagoga em Mt 4,23; 10,17;


Le 7,5. Sinagoga é mais preciso do que o seu substitutivo, que pode designar
também igrejas e templos cristaos.

13) Pegar em lugar de tomar ocorre freqüentemente na BLH; cf. Mt


26,26s; Me 9,27.36... Pegar é um tanto vulgar; de outro lado, nSo há quem
ignore o que é tomar.

14) Em Tg 2,20 a BLH substitui: "Queres, ó homem insensato, a prova


de que a fé sem as obras é va?" por "Seu tolo! Vocé quer saber de urna coi-
sa? A fé sem boas acóes nao vale nada". Ora a traducao substitutiva é mais
agressiva do que a anterior; envolve um tom de ameaca que nSo existe no
texto anterior; mais urna vez cede á tendencia para o teatral que por vezes
caracteriza a BLH. Além disto, o Apostólo está oferecendo urna prova de
que a fé sem as obras é morta (prova formulada no v. 21) - o que nSo apare
ce na nova traducao.

15) Ainda em Le 8,49 a BLH tem um acréscimo ao texto original que


se torna grotesco. Tal é o interpelativo: "Seu Jairo, a menina já morreu. Nao
aborreca mais o Mestre"; cf. Me 5,35. O original diz simplesmente: "Tua fi-
Iha morreu; nao perturbes mais o Mestre!"

Outros muitos exemplos se poderiam aduzir. Evidenciam todos que


nao se devem trocar expressoes consagradas do texto bíblico, pois freqüen
temente as palavras substitutivas nSo exprimem o que as anteriores dizem; o
novo texto se toma, por vezes, irreconhecível, quando nao desviado do seu
significado original. - Seria, pois, para desejar que, conservadas as palavras
típicas da Biblia, se pusessem notas de roda-pé explicativas dos termos que
possam causar algumas dificuldades. Assim, de um lado, nao se correría o
perigo de alterar o sentido do texto e, de outro lado, dar-se-ia aos leitores
nao instruidos a ocasilo de aprender algo de novo.

4. O tratamento "vocé, voces"

As clássicas traducoes portuguesas usam os pronomes tu e vos, sendo


que tu é forma consagrada em muitas línguas como tratamento devido á
Divindade, de acordó com os modelos grego e latino; ten hamos em vista o
espanhol tu, o francés tu, o rumeno tu, o inglés Thou, o alemSo Ou.

46
TRADUgOESDABl'BLIA 47_

As novas traducoes brasiieiras tém preferido o par vocé, voces, aprova-


do por pequeña maioria em Assembléia da CNBB. Com o respeito devido a
CNBB, desejamos propor algumas considerares sobre o assunto:

— o tratamento vocé nao é usado por todo o povo de I fngua portu


guesa, nem mesmo ñas varias regices do territorio brasileiro, pois no Sul pre
valece tu;

— os pronomes vocé, voces nao tém casos obl fquos próprios, de modo
que é preciso recorrer aos pronomes ele, ala, ales, elas (a saber: o, a, os, as;
Ihe, Ihes). Ora isto redunda em ambigüidades; para evitar que estas ocorram,
usa-se o pronome vocé com a preposicao a (a vocé, em vez de Ihe), o que
torna a construíao da frase monótona e enfadonha;

— o povo simples compreende fácilmente o tratamento em tu. Quan-


to á fórmula vos, ele a pode aceitar sem grande dificuldade, como aceita
muitas palavras da linguagem técnica moderna {algumas derivadas do inglés
ou do francés), que se vao (ou foram) incorporando á nossa I fngua.

Donde se vé que nao há necessidade de trocar o tratamento tu, vos por


vocé.vocés. Este tende a banalizar muitas cenas de alto valor religioso, le
vando-as ao grotesco; tenham-se em vista o episodio da AnunciacSo do anjo
a Maria, onde a BLH apresenta os seguirjtes dizeres:

"Nao tenha medo, Maria. Deus está contente com vocé. Vocé vai f icar
grávida, dará á luz um filho e vai chamá-lo de Jesús" (Le 1,30s).

Notem-se neste texto a repeticao consecutiva de vocé, a cacofonía de


rivada de ficar grávida, o duplo vai a significar o futuro.

O anjo diz a Zacarías: "Sua mulher vai ter um filho e vocé dará a ele o
nome de Joáo" (Le 1,13 na BLH).

O anjo di? ás mulheres após a ressurreícao: "Sei que voces estao pro
curando Jesús, que foi crucificado. . . Ele ressuscitou e vai adiante de voces
para a Galiláia. Lá voces váfo vé-lo!" <Mt 28,5.7).

Além da multiplicacao de vocé(s), necessáría para evitar as ambigüida


des, o texto (e, em geral, as traducBes populares) evita a forma sintética de
futuro, usando o verbo ir com o infinitivo (vai ter, vSo ver...). Ora também
isto banaliza a linguagem; nem é necessário para a boa compreensa*o do po
vo, pois este entende o futuro sintético (serei, terei, ¡reí...). Vé-se, pois, que
em muitos e muitos casos as novas traducSes ná*o estao preocupadas apenas

47
48 "PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 296/1987

com a assimilacao popular do texto bíblico, mas se empenham por um au


téntico mimetismo da linguagem grotesca, chegando mesmo a reproduzir
erras de gramática ou de sintaxe. Ora o mimetismo é supérfluo para a boa
Pastoral; so traz desvantagens, como temos procurado mostrar (tenhamos
em vista especialmente Le 8,49: "Seu Jaira...)".

5. Argumentando...

Aínda merecem aten pao dois argumentos geralmente aduzidos para fa


vorecer as novas traducoes:

1) "O povo entende milito melhor o texto novo. Portante..."


- Nao negamos que o povo leia e compreenda melhor as versSes no
vas. Mas perguntamos: está compreendendo melhor a B (blia ou urna paráfra-
se e interpretado da Biblia?. . . paráfrase de sentido depauperado ou diluí-
do. Sabemos que nem todo texto fácil e agradável é, por isto mesmo, mere
cedor de aprovacáo. Por conseguinte, nSo basta tomar como criterio de ava-
liacao das novas traduedes a sua capacidade de ser assimiladas pela gente
simples.

2) "Nao temos o direito de impor ao povo modesto categorías, e ex-


pressdes das classes dominantes. Nao queiramo» ser opressores nem no pla
no da cultura religiosa".

- Respondemos que o povo mesmo se compraz em falar urna lingua


gem mais lógica, mais conforme os padrees da gramática e da sintaxe. As
pessoas simples anseiam por subir de nivel cultural (espontáneamente usam
palavras raras e diffoeis quando o podem). Em conseqüéncia, quem as ajuda
a elevar-se, presta-lhes grande servico, ao passo que quem as "achata" em
baixo m'vel cultural, as oprime. Existem normas de lógica e de construcSo de
frases que sao objetivas e que valem para todas as carnadas sociais.

Verdade é que toda língua viva evolui. Mas eremos que os fatores
de evolucao nao devem ser a pobreza cultural, a ignorancia, a mfngua de vo-
cábulos e a falta de lógica ou de raciocinio, a preguica de pensar... Temos a
obrigacao de procurar cultivar a riqueza da mente e fazer que esta seja o
apanágio de todas as classes sociais. Urna vez garantido este valor, deixemos
que a Ifngua evolua; ela evoluirá por si mesma...

Eis algumas considerares que nos ocorria formular a respeito das nu


merosas "tradicóes populares" da Biblia que se oferecem ao público brasilei-
ro e deíxam muitas pessoas perplexas.

UN i«n^ F«F«S
EstévSo Bettencourt O.S.B.

48
PRÓXIMO LANCAMENTO DAS EDICÓES "LUMEN CHRISTI":

D. PEDRO MARÍA DE LACERDA


ÚLTIMO BISPO DO RIO DE JANEIRO NO IMPERIO
(1868-1890)

Para elaborar o presente livro, o autor, D. Jerónimo de Lemos


O.S.B., além de consultar ampia bibliografía, viu também 6 arquivo de D.
Lacerda, lendo su a correspondencia, escritos, e preciosa documentacáo
até hoje inédita, bem como jornais daquele tempo, gragas ao que pode
contribuir para urna perspectiva inteiramente nova sobre a pessoa e
acontecimentos da época em que viveu esse bispo, que, durante mais de
vinte anos dirigiu espiritualmente os destinos da extensa diocese de Sao
Sebastiáo do Rio de Janeiro, a qual, naquela época, nao se restringía ao
assim chamado Municipio Neutro, mas abrangia todo o Estado do Rio e
Espirito Santo, e territorios das provincias de Santa Catarina e Minas
Gerais. - 600 páginas.

2a Edicáo de:
DIÁLOGO ECUMÉNICO, Temas controvertidos.

Em 18 capítulos, sendo acrescentados nesta edicáo:


"Capítulo IV: A Santíssima Trindade: Fórmula paga?"
"Capítulo XVIII: Seita e espirito sectario".
Seu Autor, D. Estéváo Bettencóurt, considera os principáis pontos
da clássica controversia entre Católicos e Protestantes, procurando mos
trar que a discussáo no plano teológico perdeu muito de sua razáo de ser,
pois, nao raro, versa mais sobre palavras do que sobre conceitos ou pro-
posicóes. - 380 páginas - CzS 120,00

RIQUEZAS DA MENSAGEM CRISTA (2a edicáo), por D. Cirilo Folch


Gomes O.S.B. - Continua sendo muito procurado este "manual" de
Teología que estuda de maneíra completa e extensa todo o conteú-
do do "Credo do povo de Deus". O autor, falecido a 2/12/1983, de-
dícou sua vida de estudos ao aprofundamento das mais variadas
questóes teológicas. 690 páginas CzS 73,80.

EM COMUNHÁO
Revista bimestral, editada pelo Mosteiro de Sao Bento, destina-se
aos Oblatos e ás pessoas interessadas em assuntos de espirítualídade
monástica. Além da conferencia espiritual mensal de D. Estéváo Betten
cóurt para os Oblatos, contém traducóes de comentarios sobre a Regra
beneditina e outros assuntos monásticos. - Assinatura anual em 1987:
CtSSOJOQ.
5 .

Para assinatura dirija-se ao Armando Rezende Filíio


(Caixa Postal 3608 - 20001 Rio de Janeiro - RJÍou ás Edicóes "Lumen
Christi" ICaixa Postal 2666 - 20001 Rio de Janeiro:- RJ).

ATENDE-SE PELO REEMBOLSO POSTAL


OOCUMENTOS
HISTÓRICOS
5
LIVROS
DO
TOMBO
Foimaio 21119,$
Leitura, introducáo e índices pelo Prof. Deoclécio Leite Macedo.
Apresentacáo por D. Inácio Accioly, Abade do Mosteiro de Sao Bento.
I vol. (destruido pelos invasores franceses); II vol. (1688-1793); III
vol. (1793-1829); IV vol. (1829-1906); V vol. (1906-1924); VI vol.
(1924.-1943).
O Mosteiro de Sao Bento, fundado em 1586-1593, é das mais ami
gas e tradicionais instituicoes do Rio.
Colonia, Monarquía, República se sucederam, e os monges benedi-
tinos continuam sua vida monástica dedicada h Oracáo e ao Trabaího
(Ora et Labora) no alto da colina de Sao Bento, onde se situam a histórica
igreja no estilo barroco, inaugurada a 21 de marco de 1641 e seu Colegio
fundado por Frei Luis da Conceicáo Saraiva, monge e Bispo do Mara-
nh§o, em 1858.
Obra enriquecida com reproducóes de textos antigos, em sua orto
grafía original, plantas e gráficos da época e ampios índices que muito
facilitaráo as pesquisas dos estudiosos (índice: cronológico, onomástico,
de Oficios, toponímico, de assuntos) - 5 Volumes - Cz$ 15.000
FREÍ DOMINGOS DA TRANSFIGURADO MACHADO, o Restau
rador da Conqregacáo Beneditina do Brasil, por Michael Emilio Scherer
OSB.
O Autor estuda o período de 1890, desde o final do Imperio até os
primeiros anos da República. Frei Domingos foi o último Abade Geral da
antiga Congregado Brasileira: solicitou ao Papa Leáo XIII ajuda de
mosteiros da Europa para povoar os mosteiros do Brasil, proibidos de
admitir novigos brasileiros por ordem do regime masónico que antece-
deu a República.
Publicado em 1980,185 páginas - Cz$ 48,00.
Pedidos ás Edicóes "Lumen Christi"
EDIQÓES "LUMEN CHRISTI"
MOSTEIRO DE SAO BENTO
Rúa Dom Gerardo 40, - 59 andar - Sala 501
Caixa Postal 2666 -Tel.: (021) 291-7122
20001 - Rio de Janeiro - RJ

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