MacIntyre - Depois Da Virtude
MacIntyre - Depois Da Virtude
MacIntyre - Depois Da Virtude
Conv~nios luperj - T ee
Bibliot eea
D ep ois d a v irtu d e
C oordenacdo Editorial
Irma jacinta Turolo Garcia
\ .
Assessoria Adm.inistratiua
Irma Teresa Ana Sofiatri
Um estudo em te.oria morel
A la sd a ir M a cInty re
I '
Tra d u < ;a o d e
Ju ssa ra Si.m oes
N ~~~J_=~--=--
IUPERJ BIBLIOTECA
D2ta2~ d..OOb
______ ~ ._~ .J
Coordenacdo da Colef ao Filosof ia e Politica
,Luiz Eugenio Vescio .
Revi sao t ecni ca de
Hel der Buenos Ai r es de Car val ho
.. Editota da Universidade do Sagrado Cora-;io
FILOSOFIA &POLITrCA c,
EOCISC
I'
\'
305 14. A natureza das virtudes.
343. 15. As virtudes, aunid~de da yida'hum~n~ e 0 conceito de .
tradir;ao
379 16. Das virtudes avirtude edepois da virrude
409 17. A jusrica como tuna virtude: concepcoes ern mudanca
.' '. i . l' .
429 18. A pr~cura da vi~tude: N~etzsche ou Arist6teles, TrOtsky~~
Sao B~nto '
i -,
443 19. Posfacio a segunda edi~ao
469 Bibliog;rafia
473 indice onornasrico
-,
'.
" )
-, r
i .
'-
( .
,--'.
1
t
r: )
I
~
t
I
I
, ~
" .
- ,( ,
Pr ef acio
Este livio nasceu de uma longa reflexao sobre a inade-
quac;ao de meus trabalhos de filosofia moral anteriores e de
uma insatisfac;ao cada vez maior com a concepc;ao de 'filo-
sofia moral' como area de pesquisa independente e isolave].
Urn dos tern as cerrrrais de grande parte, desses trabalhos
. anreniores (A Short Histoiy of Ethics, 1966;, Secularisation and
MOI 'al Change, 1967; Against the Self -I mages of the Age,
1971) era termos de aprender com a Historia e a Antropo~
logia acerca da diversidade de praticas rnorais, crencas e es-
quernas conceituais morais. E esreril a ideia de que 0filo-
sofo moral p'odeestudar os conceitos de moralidade por
meio de rnera reflexa~, no esrilo polrrona de Oxford, sobre
o que ele e os que 0cercam dizem e fazem. Nao enconrrei
born motivo para abandoner essa convicc;ao; e a emigrac;ao
para os Estados Unidos ensinou-me que, quando a polrro-
I
na esta 'em Cambridge, Massachusetts, ou em Princeton;
Nova Jersey, nao funciona melhor. Ao mesmo tempo, po-
rem, em que eu afirmava a diversidade e aheterogeneida-
de .de 'crenc;as,iprciticas e ~oriceitos morais, tornou-se claro
queeu estava me comprometendo com avaliaC;6es de dife-
rentes crenc;as, praticase conceitos particulares. Fiz, ou
tenrei fazer, por exemplo, relatosde ascensao e, quedadas
.diversas mora~idades;e estavaclaropara ourros, como de-
I!
9
",,"
. <.<' ~
.,
I,
uma delas sejam apenas rudimentares. As criancas decoram
as partes que restaram da tabela peri6dica erecitam alg~ns
teoremas de Euc1ides como selossemencantamentos. NIO-
guern, ou quase ninguern, perce be que 0que estao fazend.o
nao e ciencia natural em nenhum senti do adequado, pors
tudo 0que dizem e fazem obedece a cerras leis da compa-
tibil idade eda coerencia, eos contexros que seriam neces-
sarios para dar senti do a aguilo que eles estao fazendo
foram perdidos, talvez irrecuperaveis._
Em tal cultura, usar-se-iarn expressoes como "neutri-
no", "rnassa", "gravidade especffica", "peso arornico" em
{ormas sisternaticas e, nao raro, inter-relacionadas, que
pareceriam emm~ior ou menor grau aos modos como eram
usadas no passado, antes da perda da maior parte dos co-
nhecimentos cientfficos. Porern muitas das teorias pressu- '
postas pelo uso dessas expressoes estariarn perdidas epare-
ceria haver urn elernento de arbitrariedade, ou mesmo de
opcao, em sua aplicacao, que nos pareceria muiro surpreen-
denre. Haveria uma abundancia de premissas rivais e con-
correntes, as quais nao se poderia oferecer outros argumen-
tos.' Surgiriam teorias subjetivistas das ciencias e elas se-
riam criticadas pelos que afirmam que a ideia daverdade
contida no que consideram ser ciencia e incompatfvel tom
o subjetivismo. - .' , .
Esse possfvel mundo irnag inario e bem parecido com
.0 que alguns escritores de fic~ao cientffica criaram. Pode-
rnos descreve-Io como urn mundo no qual a linguagem
das ciencias riarurais, ou pelo menos partes dela, continua
a ser usada, mas esra num grave esrado 'de desordem.
Podemos observar que, se a filosofia analftica florescesse
nesse mundo irnag inario, jamais revelaria 0fato dessa de-
sordem, pois as tecnicas da filosofia analftica sao e~sencial-
I,
mente descritivas edescritivas da linguagem do presente.
o fi16sofo analftico conseguiria elucidar as estruturas con-
ceituais do que se.considerava ser 0pensamento e 0dis-
curso cientffico no mundo imaginario precisamente da
mesma forma como elucida as estruturas conceituais das
ciencias naturais comb elas sao.
A fenomenologia e0existencialismo tambem nao se-
riarn capazes de discernir nada de errado.Todas as estruru ,
ras da intencionaliqade seriam 0 que sao no rnornenro. A
tarefa de oferecer uma base epistemol6gica para esses f alsos
simulacros das ciencias naturais nao ~r distinguiria, em
rerrnos fenomenol6gicos, da tarefa que se contempla arual-
mente. Urn Husserl ou urn Merleau-Ponty esraria tao en-
ganado quanto urn Strawson ou urn Quine.
Por que inventar esse mundo irnag inario habirado por
pseudocientistas ficticios efilosofia real, genufna? A hip6-
tese que quero apresenfar eade que no mundo real que ha-
bitamos alinguagem da moralidade esra no mesmo esfado
de grave desordem, da mesma forma que a linguagem das
ciencias natLlrais no rnundo irnaginario que descrevi. 0
que possufmos, se essa teoria for verdadeira, SaDos frag-
rnentos de urn esquema conceitual, partes as quais atual-
rnente faltam os contextos de onde derivavam-seus signifi-
cados. Temos, na.verdade, simulacros da moralidade, con-
tinuamos ausar muitas das suas express6e.s principais. Mas
.perdernos - em grande parte, se nao total mente _ nossa
compreensao, tanto te6rica quanro prarica, da moralidade.
Mas como isso epossf vel? 0 impulso de rejeitar com-
pletamente essa bip6tese por ser descabida seria, com cer-
reza, fortfssimo. Nessa capacidade de usar a linguagem
' moral, de nos deixar conduzir pelos raciocfnios morais, de
definir nossas intera~6escom 0pr6ximo em termos morais
"\'.
".
, "
Y,
"
I
Capi~u!o 3
Emot;v;smo: COnleuC1o 'e contexto sooais
\ :,.. :..
Uma filosofia moral i." e0 emotivismo nao eexce~a~-
caracteristicamente pressupoo uma sociologia, poiscada fi-
Iosofia moral oferece, explfcita ou implicitamente, pelo
menos urnaanalise conceitllal parcial'da relac;ao entre 0
agente e suas razoes, motivos, intenc;oes e aros, e, ao faze-
10, em gera! pressupoe 'algurna afirmac;ao de gue esses con-
ceiros estejam expressos ou; pelo menos, possarn estar con-
tidos no mundo real social. Ate Kant, gue as vezes parece
restring ir a a~ao moral ao dornfnio interno do numenico,
conclui de outra forma nos escriros sobre direito, ilistoria e
.polfrica. Porranro, normalmente seria urna refuta~ao deci-
siva de uma filosofia moral demonstrargue 0 agir moral
por ela preconizado nao poderia nunca, por conta propria,
estar socialrnenrs expresso; segue-se tambem que so corn-
preenderemos totalmente as pretenso,es 'de gualquer
~filosofia moral depois de esclarecer qual seria Sua concreta
< expressao social. Alguns fjl,osofos morais, no passado, tal-
vez a maioria deles, compreenderam esse esclarecimento
como sendo ele proprio parte da'tarefa da filosofia moral.' "
Assim 0'ente!1deram, nem e'preciso dizer, Platao eAristo-'
reles, e tambern Hume eAdam Smith; porern, pelo menos
apartir de Moore, a:concepc;ao restritiva de filosofia moral '
, dominante tern levado os filosofos rnorais a ignoraressa ta-
\ .
Ie
refa, como 0fazem principalmente os proponentes do emo-
tivisrno. Precisamos, portanto, realiza-Ia por eles.
Qual ~a chave para 0conteudo social do ernorivismo? /
Eo fato'de que 0 ernotivisrno irnplica a destruicao de qual-
quer distincao genufna entre relacoes sociais manipulado-
ras e nao-manipuladoras. Vejamos,por exemplo, a diferen-
<;aentre a etica kantiana e 0 emotivismo nesse tema. Para
Kant - e pode-se tracar urn paralelo acerca de rnuitos fi16-
sofos rnoraii anteriores - a diferenca entre 0relacionamen-
to humano que' ignora a moralidade e 0que segue a mora-
'lidade e, precisarnenre, a diferenca entre a relacao em que
cada pessoa trata a' outra principalrnenre como meio para
seus pr6prios fin~e aquela. em que, cada urn trata 0outro
como urn firn. Tratar 0proximo como Urn fim elhe of ere-
cer a que cr'eio serern boas razoes para agir de, urn modo e
nao de 'outro; ma~deixandoque a' outra pessoa avalie essas
razoes.E nao desejar exercer influencia sobre a outra pes-
"soa, a nao ser por razoes que essa outra pessoa julgue boas.
E apelar para criterios .impessoais, de cuja validade cada
agente racional deva set: seu proprio juiz .. Por contraste,~
tratar alguern como meio eprocurar transforma-Io em ins-
trurhento de rninhas finalidades alegando quaisquer in-
, fluencias ou .considera<;6es que sejarn de faro eficazes para
, .tal ocasiao. As g~nera"liza~6es da Sociologia eda Psicologia
da persuasao serao o que e necessario para me orientar, e
nao~spadroes de urna racionalidade norma~iva. '. . '
, ' Se 0 ernotivisrrio for verdadeiro, essa distincao sera
ilus6?i'a, poisas elocucoes valorarivas podem, afinal, nao ter
razao de ser ou uso alern da expressao de meus proprios
sentirnentos ou atitudesea rransforrnacao dossentirnentos
e aritudes de outras pessoas. Nao posso genuinamente ape-
lar a criterios irnpessoais, pois criterios impessoais nao
'(
existem. Posso pensar que apelo, e as outras pessoas tam-
bem poderripensar que eu apelo, mas essas ideias serao
sernpre equfvocos. A iinica realidade do discurso distinta-
mente moral e a tentativa da vonrade de alinhar as ati-
tudes? sentimentos, preferencias e opcoes do ourro com as
suas. 0outro e sempre 0meio, e nao 0fim.
Como e que seria, enrao, 0 mundo social se visto por
olhos emotivistas' E como seriao rnundo social se a verda-
de do emotivismo chegasse a ser urn pressuposro arnpla-
, mente aceito? A forma geral da resposta a essas perguntas
agora esra clara, mas os detalhes socials dependem, em par- '
te, da natureza de determinados conrexros sociais; a diferen-
<;aestara em qual ambiente e a service de quais interesses
. particulares e especfficos se extinguiu a distincao entre as
relacoes sociais manipuladoras e as nao-manipuladoras.
William Gass afirmava que era uma preocuparao central de
Henry James examinar asconsequencias da extin<;iio dessa
distincao na vida de determinado tipo de europeus ricos em'
Retratode uma smho1'd (Gass 1971, pp. 181-90), que 0ro-
mance se revel a uma investiga<;ao, nas palavras de Gass, "do
que- significa ser consumidor de pessoas e do gue significa
ser uma pessoa consumida", A rnerafora do consumo rorna-
" se adequada aoambiente; James preocupa-se com os ricos ,
" esteras cujo interesse e)ivrar-se do tipo de rediotao carac-
-terfstico do ocio' moderno, maguinando comportamentos
em ourras pessoas que arendarn a seus desejos, que satisfa-
. -' ~am seu aperite saciado, Esses desejos pod em ser benevolos '
. bu nao, mas adisrincao entre os personagens que se apra-
.zem desejando 0bem alheio e os que buscam a realizacao de' '
seus desejos preocupando-se exclusivamente corn 0pr6prio
bern - adiferen<;a, no romance, entre Ralph Touchett e Gil-.
berr Osmond - nao e tao importante para James quanto a
,.53<,,
diferenca entre todo urn arnbienre social em que arnodali-
dade manipuladora de insrrurnentalismo moral rriunfou e
urn ambience, como aNova Inglaterra de as europeus,onde
isso nao acontecia, James preocupava-se,e claro, pelo me-
nos em Retrato de uma senbora, sornente com urn meio social
restrito e criteriosamente' identificado, com dererrninado
tipo de pessoa rica em epoca elocal espedficos. Mas isso nao
diminui, em. absolute, a importancia de seu trabalho nessa
pesquisa, De fato, aconrece que Retrato de uma senbora tern
lugar de destaque na longa cradicao dos cornentarios rno-
rais, cujos pioneiros foram asobrinbo de Rameau deDiderot
e au} ou de Kierkegaard. A preocupacao unificadora dessa
rradicao eacondicao daqueles que nao veern no mundo so-
cial nada alern de urn ponto de encontro para os desejos in-
dividuais, cada urn com seu proprio conjunto de atitudes e
preferencias, e que so entendem esse mundo como uma
arena para a realizacao da propria sarisfacao, ~queinterpre-
tam a realidade como uma serie de oportunidades para seu
proprio prazer epara quem 0pior inimigoer, tedio. jo-
vem Rameau, 0 "A" de Kierkegaard e Ralph Touchett
poem em ac;ao essa atitude estetica em ambientes bem dis-
tintos mas aatirude ereconhecivelmente amesma eate os
arnbientes tern algo em comum. sio arnbientes onde 0pro-
blema do prazer surge no contexte do ocio, nos quais gran-
des quantias d~dinheiro criararn certa distancia social da
necessidade de trabalhar. Ralph Touchett erico, "A" eabas-
tado, Rameau eurn parasita que vive a custa de fregueses e
clienres rices. Nao estou dizendo que 0dornfnio que Kier-
kegaard chamava de estetico se resrrinja aos ricos e a seus
vizinhos proxirnos; 0restante de nos quase sempre assurni-
mos as atitudes dos ricos na fantasia e nas aspiracoes. Nem
estou dizendo que todos os rices sao Toucherrsv Osmonds
. .
ou "A". Mas pretendo sugerir que se vamos mesmo com-
preender lnteiramente 0contexte social da extincao da dis-
tinc;ao entre as relac;oes sociais manipuladoras e nao-rnani-
puladoras que 0emotivismo irnplica, rambern devemos le-
var em conra alguns outros conrexros sociais.
Urn d~sses contextos que tern importancia,obvia e 0
proporcionado pel a vida das Qrganizac;oes, daquelas esrru-
turas buroctaticasque, sejam erripresas privadas ou orgaos
do goverrro, definern 0 trabalho de ranros dos nossos con-
temporaneos. Uma cornparacao agucada com avidados es-
teras rices chama atencao de irnediaro. estera rico, com
uma infinidade de meios, procura incessantemente os fins
para os quais emprega-Ios; mas a organizac;ao tern por ca-
racteristi~a a concorrsncia por recursos escassos para por a
servic;ode seus fins predetermi~1ados. Ii,portanto, uma das
incumbencias principais dos gerenres dirigir eredirecionar
os recurs os disponiveis de suas organizacoes, tanto hurna-
nos quanto nao-humanos, da maneira rnais eficienre possf-
vel para atingir esses fins. Todo orgao burocrarico adota
uma definic;ao explicita ou implfcita de CllSto e beneffcio,
de onde exrrai 'os crJterios de eficiencia. A racionalidade
burocrat ica e a racionalidad- de cornbinar meios e fins de
maneira econornira e eficaz.
. Devernos.Y claro, essa ideia conhecida - talvez agora
estejar;:os tent~dos aachar que esuper conhecida _ a Max
Weber. E torna-se de imediaro relevante que a ideia de
Weber conrem exatamente aquelas dicotomias contidas .
no emotivismo, e oblitera exatamente aquela distinc;ao
para a qual 0 ernotivismo tern de esrar cego. Quesroes de
fins sao questoes devalores e, no tocante aos valores a ra-
,
zao se cala; nao se consegue resolver de forma racional 0
confliro entre valores rivais. Pelo contrario, epreciso sirn-
55
plesmente optar - entre partidos, classes, na<;oes, causas,
ideais. A Entscbeidung (decisao, em alernao) tern no pensa-
mento de Weber 0mesmo papel da escolha de princfpios
no pensamento de Hare ou Sartre. "as valores", diz Ray-
mond Aron em sua exposicao das ideias de Weber, "sao
gerados pelas decisoes humanas ... " E ele tarnbem atr ibui
aWeber a ideia de que "a consciencia de cada homem e ir-
refuravel" eque os val ores dependem de "urna escolha cuja
justificativa e purarnenre subjetiva" (Aron T967, p. 206-
10 e p. 192). Nao e surpreendente que 0 enrendirnento
weberiano dos valores se deva principalmente aNietzsche
e que Donald G. Macrae, em seu livro sobre Weber
(1974), 0chame de existencialisra; pois, embora ele afir-
me que 0 agente pode ser mais ou menos racional ao agir
de forma compativel com seus valores, a escolha de qual-
quer postura ou cornprornisso valorarivos pode nao ser
mais racional do que a de qualquer outra. Todasas cren-
<;as e todos os juizos de valor sao igualmente nao-rar ir,
nais; todos sao instrucoes subjetivas dadas aos sent irnen-
tos e as ernocoes. Weber e, enrao, no senrido mais amplo
em que compreendi 0termo, ernotivisra, e sua descricao
da autoridade burocratica e urn retrato emotivista. A con-
sequencia do ernot ivisrno weberiano e que, em seu pensa-
rnenro, adiferenca entre poder eautoridade, embora baju-
lada, e de fato eliminada como urn caso especial dodesa-
parecirnenro da diferenca entre relacoes sociais manipula-
doras e nao-inanipuladoras. Weber, e claro, acreditava es-
tar distinguindo poder ,de auroridade, precisarnente por-
que aautoridade serve afins, aconvic<;oes. ConformePhi, .
lip Rieff apontou com perspicacia, porern, "os fins de We-
ber, as causas a atender, san meios de agir; nao conseguem
deixar de servir ao poder" (Rieff 1975, p. 22), pois,segun-
do Weber, nenhurn tipo de autor idade pode apelar a cri-
rerios racionais para validar asi mesma, anao ser 0tipo de
auroridade burocrarica que apela precisamente a sua pro-
pria ef iciencia. E 0 que esse apelo revel a e que a aurorida-
de burocratica nada mais e que 0 poder bem-sucedido.
A explicacao geral de Weber acerca das organizacoes
burocraricas tern recebido muitas crfticas convincenres de
sociologos que analisaram 0cararer especffico das burocra-
cias reais. E,portanro, imporranre assinalar que existe uma
area na qual sua analise foi justificada pela experiencia ena
qual as reorias de rnuitos sociologos, que acreditam ter re-
pudiado aanalise de Weber, na verdade areproduzern. Re-
firo-me precisarnenre asua explicacao de como se j ustif ica a
autoridade administrativa nas burocracias. Pois esses socio-
logos modernos, que em suas teorias deram destaque aos
aspectos do comporrarnenro adminisrrarivo ignorados QU.
\ '
subestimados por Web~r -como, .por exemplo, Likert sa-
Iientou anecessidade que os chefes 'tem de exercer influen-
cia sobre a motiva<;ao dos subordinados, e March e Simon
sua necessidade de garantir que os subo,rdinados argurnen-
tern com prernissas que levem a conc'ordanciacom suhs
proprias conc,lusoes anteriores - ainda encaram afuncao do '
administrador como afun<;ao de controlar 0cornportamen-
to ereprirnir conflitos, de certamaneira reforcando, em vez
de destruir, aideia weberiana da justificacao admiuistrari-
va. Assirn, ha muitas evidencias de que os administ'radores
incQrporamem seu comportamento essa parte essencia:l do
, conceito weberiano de autoridade burocrarica, conceiro
que pressupoe averdade do ernot ivisrno.
a original do personagem do rico empenhado na bus-
ca esrerica do proprio prazer, conforme descrito por Henry.
James, enconrrava-ss na Londres ena Paris do seculo passa-
.f
I.
.do; 0original do personagem do administrador descrito por
Max Weber residia na Alemanha guilhermina; mas ambos
ja foram domesticados em todos os pafses desenvolvidos e,
mais especialmente, .nos Estados Unidos. Os dois persQna-
gens podem ate ser encontrados numa so pessoa~que divi-
da avida entre ambos. Tarnbern nao sao figuras perifericas
do palco social da atualidade. Pretendo atribuir algurna se-
ri'edade aessa rnetafora teatral. Existe uma especie de tradi-
c;ao teatral - as pec;as Noh japonesas e as pecas moralistas
medievais inglesas sao exemplos - que possui urn conjunto
de personagens 'estereotipicos imediatamente reconhecidos
pela plareia. Esses personagens definem uma parte das pos-
sibilidades da trama eda acao. Entende-los e-esrar munido
de meiosde interpretar 0 comportamerito dos arores que os
interpretam, porque uma cornpreensao semelhante da for-
ma as inrencoes dos proprios arores; eos ourros arores.po-
dem definir seus papeis com rnencao especial aesses perso-
nagens principals. 0 mesmo acontece coni cerros tipos de
papers sociais especificos de determinadas culturas. Sao per-
sonagens reconhecfveis eapossibilidade de reconhece-Ios e
de grande irnportancia social, porgue 0conhecimento do
personagem proporciona interpretacao dos aros desses indi-
viduos que assumiram 0personagem. Isso acontece precisa-
mente porque esses individuos usam 0S mesmos conheci-
mentos para orientar eestruturarseu comportamento. Nao
devemos confundir ospersonagens assim.especificados com os
papeis sociais em'geral, pois sao urn tipo muito especial de
pape! social que estabelece urn certo tipo de restricao moral
na personalidade dos que os vivenciam, de urn modo que
muitos ourros papeis sociais nao 0fazern. Escolhi apalavra
"personagern" para eles, exatamente, devido ao modo como
ela faz associacoes teatrais emorais. Muitos papeisprofissio-
'58
. ':) '"\, .. :
nais rnoderrm, - 0do dentista ou do lixeiro, por exemplo _
nao sao personagens da mesma maneira que 0 adrninistrador
burocrarico; muitos papeis modernos - 0 do mem'bro da
clas~e media-b~ixa aposentado, por exemplo - nao sao per-
sonagens da maneira como o rico ocioso rnoderno 0 e. No
caso do personagem, 0papel e a personalidade se fundem dOe
maneira mais especffica do que em geral; no caso do perso-
nagel7l, as possibilidades de acao estao definidas de maneira
maislimitada do que em gera!. Urna dasprincipais diferen-
cas entre culturas esta na exrensao com que papeis sao per-
sonagens; mas 0que e.especffico acada cultura e, em grande
parte eprincipalmente, 0que e especffico aseu estogue de
personagens, Assim, acultura da 1nglaterra viroriana era de~.
finida, em parte, pelos personagens do diretor d~escola pu-
blica, do explorador edo engenheiro; eada Alemanha gui-
Ihermina era tarnbern definida por personagens como oda au- .
toridade prussiana, do professor edo social-dernocrara.
Os- personagens tern mais urna dirnensao digria de
nota. Sao, por assim dizer, os representanres morais de sua
cultura, e0~ao devido ao modo como as ideias e as teorias
morais e metaffsicas assumem, por interrnedio deles, urna.
existencia incorporada no mundo social. Os personagens sao
as mascaras usadas pelas filosofias morais. .Tais teorias -tais
filosofias, enrrarn, naruralrnenn-, na'vida social d~' in~lme~
[as maneiras: amais obvia talvez seja na form-ade ideias .ex-
plfcitas em livros, sefmoesoi, coriversas; ou como ternas
simbolicosem guadros, pecas de teatro ou sonbos. Masp~- .
demos esclarecer a maneira caracrerfsrica como d~o forma
avida dos personagens levando em conra como ospersonagens --
fundem 0que em geral se acredira pertencer ao.individuo :
e 0que normal mente se pensa perrencer a papers so~iais.
Tanto os individuos quanto os papei~j como os personage;ls,
.J
I .
podem incorporar, e incorporam, crencas, doutrinas e reo-
rias morais, mas cada urn 0faz a propria maneira. E s6 e
possfvel fazer urn esboco do modo como os personagens 0fa,
zem, fazendo-se cornparacao com eles.
~por rneio das intenc;oes que os indivfduos expressam
corposde crencas morais em seus atos, po is todas as inten-
c;oes pressupoemconjunros de crencas, as vezes de crencas
.morais, mais ou menos complexos, mais ou menos coeren-
tes, mais ou menos explfcitos. Assim, atos de pequena
escala, como 0envio de uma carta ou a entrega de urn pan-
fleto a urn passante, podern conter intencoes cujo signifi-
cado provern de algum projeto de grande monta do indivi-
.duo, urn projeto que s6 setorna inteligfvel denrro do con-
texto 'de' alg~m esquema de crencas igualmente grande ou
ainda rnaior. Ao enviar uma carra, alguern pode estar in-
gressando em algum tipo de carreira ernpresarial cuja espe-'
cificacao requer fe na viabilidade e na leg itirnidade das em-
presas rmiltinacionais; ao enrregar urn panfleto, alguern
pode estar expressando sua crenca na filosofia da hist6ria de
Lenin. Mas a cadeia de raciocinios praticos cujas conclusoes
.. .' - ,
se express am em atos como 0 envio de urna carta OU a dis-
, tribuic;~o depanfleros e, neste tipo de caso, urna orienracao
do proprio: indivfduo; e 0locus dessa'cadei; de raciocfnios,
o contexto que torna cada passo uma parte de urna sequen-
ciainteligfvel, eo' hist6rico de atos, 2'renc;a~, experiencia e
inreracao desse indivfduo em particular..' .
. Cornparernos a maneira ibern diferente como certo
tipo de papel social pqde incorp<{~ar crencas de modo que
as ideias, teorias e doutririasexpressas pelo papel, epor ele
pressupostas, -possam, pelo rnenos e111 algumas ocasioes, ser.
muito diferentes das ideias, teorias ~doutrinas nas quais. .
iacredita 0indivfduo que se enconrra naquele papel. 0 pa-
'_. I , ~ ,
60
dre cat6lico,devido a seu papel.rreal.izaa rnissa, realiza ou-
tros ritos e cerimonias; e participa de uma serie de ativida- _
des que concern 04' pressupoern, implicita ou explicira-
mente, as crencas do cristianisrnocarol ico. 'Nao obstante,
determinado individuo ordenado que faz todas essas coisas .
pode ter perdido a fe e suas pr6prias crencas tal~ez sejam
. bern distinras e estejam em conflito com as expressas nos'
atos apresentados por seu papel. Pode-se encontrar 0rnes-
mo tipo de diferenca entre papel e indivfduo em .mu itos
outros cases. Urn dirigente sindical, devido a seu papel,
negocia com representanres.dos parroes efaz campanha en-
tre seus correlig ionarios, de urn modo geral e caracrerfsti-
co, que pressupoe que as metas do sindicaro - salaries mais
altos, rnelhoria das condicoes de trabalho e aseguranca no
emprego dentro da conjuntura econ6mica arual >sejarn le-
gftimas para a classe trabalhadora e que os sindicatos sejam
instrumeritos apropriados para se alcancar essas meras. Nao
obstante, determinado dirigente sindical pode achar que os
sindicatos sao meros instrurnenros para dornesticar e cor-
romper a classe trabalhadora, desviando-os de qualquer in-
teresse na revolucao. As conviccoes que ele tern na alma sao
uma coisa; as conviccoes que seu papel expressa 'e pressu- '
pee sao bem outras,
Em muitos cases existe uma certa distancia entre pa:--
pel e individuoe, consequentemenre, uma serie de niveis
deduvida, compromisso, interpretacao qu cinisrno pode
interrnediar a relacao do .indivfduo com' 0papel, No 'caso
.do que chamei de personagens aconteceo contrario; e a: dife--
renc;a surge do fato' de que os requisites' dO'perso71agem sao
irnposicoes externas, proveniences do modo como as outras:
pessoas consideram eusam personagens par,~entender e ~va-
liar a si mesmas. Nos outrostiposde papelsocial, 0 papel
. \)
;
,"61
\
pode estar especificado de maneira adequada nas institui-.
~6es de cujas estruturas ele faz parte e na relacao com essas
insrituicoes dos individuos que os exercem. No caso do per-
sonagem, isso nao basta. 0personagem e alvo de atencao dos
membros da cultura em geral, oude algum setor significa-
tivo da cultura.Ele lhes proporciona urn ideal cultural e
moral. Donde se exige que nesse caso 0papel e a persona- .
lidade se fundem. Exige-se que 0 tipo social e 0 tipo psico-. '
logico coincidam. 0 personagem .Iegitirna moralmente urn
~odo de existencia social. '.
Espero que agora esteja claro 0 morivo da minha esco-
lha de exernplos quando mencionei a In.l,Slaterra vitoriana e
Alemanba guilhermina. 0 direror de escola publica da In-
glaterra e 0 professor Ba Alemanha, paracitar apenas dois
exemplos, naoerarn s}mples papeissociais: erarn 0foco mo-
.ral de todo urn conjunto de atitudes e atividades. Estavam
aptos a executar essa ftlO~ao 'precisamente porque .personifi-
cavam teorias e. pretensoes rnorais .e rnetafisicas. Ademais,
essas teorias epretensoes tinham certc-grau de cornplexida-.
de eexistia ali, dentrodacomunidade dos diretores de esco-' .
laspublicas e dentro da comunidade-Ide ,professores, urn
debate publico com' relacao ~imporrancia de seu papel e de
. suafuncao: 0Rugby de Tomas,A~roid nao' era 0Uppingham
de Edward Thring; Mommsen e Schrnoller representavam
posturas'acadernicas bemdiferentes das.de Max Weber. Mas
a expressaoda discordancia sernpre estava dentro do conrex-
to daqueleprofundo acordo m~ra'l que constituf aopersona-
gel;z que cadaindivfduo assimilava a,sua propria maneira.
, Arualmente, oemotivismo e uma teoria personificada
por personagens que compartilharri a mesma nocao ~motivis-
ta da distincao entrediscurso racional e nao-racional, mas '
I. '_'. '- " , .
. 'que representam a personificacao dessa distincao em con~ ,
t~xtos .sociais bern diferentes. Ja falamos de dois deles: 0es-, -,
teta rico e 0administrador. A eles devemos agora acrescen-
tar urn terceiro: 0 terapeuta. 0adrninistrador representa
em seu personagem a oblireracao da diferenca entre rela~oes'
sociais mariipuladoras e nao-manipuladoras; 0 terapeuta re-
presenra a mesma obliteracao ,no ambito da vida pessoal. 0 .'
administrador trata os fins como fatos consumados fora de
sua alcada.ocupa-se da tecnica, da eficiencia na tra~sforma-'
~ao da materia-prima em produto final, da rnao de obra
nao-qualificada em mao de obra qualificada, do invesri- '.
rnentoern lucra. Oterapeuta rarnbem trata os fins como fa-
tos consumados, fora de sua alcada; rarnbem se ocupa da
, recnica, da eficiencia na transforrnacao dos sinrornas neuro-
ticos em energia direcionada, dos individuos desajustados
em individuos ajusrados. Nem 0administrador nem 0 tera-
peura, .ern seus papeis de administrador e rerapeura, s'e
engajam ou sao capazes de se engajarem em urn debate rno-
ral. Se veern a si mesmos, e sao vistos por aqueles que os .:
veern da mesma forma que eles mesmos, como figuras in-
conresraveis, que declaram restringir-se aaqueles dominios
nos quais a concordancia racional e possivel - isto e, natu-. ';
ralrnenre, da perspectiva deles, ao dornfnio dos faros, ao do- '
minio dos meios, ao dornfnio da eficiencia rnensuravel. .
13, de faro, irnporranre que na nossa cultura 0concei-:
to de rerapeutico vern sendo aplicado muito alern da esfe-
rada medicina psicolog ica, que e obviamente seu Iugar le-
gftirno. Em 0triuj z/ o da terapetttica (The Triu171ph 0/ th~ The-
rapeutic) (1966) e rambern em To My Fellow Teachers
(1975), Philip Rieff docurnentou com arrasadora perspica-
cia iruimeros modos como a verdade tern sido descartada
como urn valor e substituida pela eficacia psicologica. 0'
jargao da terapia invadiucom muito exito esferas como a
" ,
[ ,.
I "
63
da educacao eada relig iao. Os tipos de teoria envolvidos e
invocados para jusrificar tais modalidades terapeuticas va-
riam muito; mas a rnodalidade .ern si e de muitfssirno
rnaior importancia social do que as teorias que tanta irn-
portancia tern para seus protagonistas.
Acerca dos personagens em geral, eu disse que sao aque-:
les papeis sociais que fornecem a cultura suas definicoes
rnorais; ede suma irnportancia salientar que, com isso, nao
quero dizer que as crencas mora is de determinada cultura
expressas pelos personagens, eneles personificadas, garan tam
aprovacao universal dentro daquela cultura. Pelo contrario,
e, em parte, por proporcionarem pontos [ocais para a dis-
cordancia, que conseguern realizar sua missao definidora.
Por conseguinte, 0 carater moralmente definidor do papel
dogerente na nossa cultura e'demonstrado quase com tan-
ta inrensidadepelos diversos ataquescontemporaneos as
modalidade~ adrninistrativas e rnanipuladoras de teoria e
pratica, quanto pela adesao a elas. Quem ataca com persis-
tencia aburocracia acaba por fortalecer aideia de que epor
rneio do relacionam~nto coni a burocracia que 0eu precisa
definir-se. Os reoricos das organizaroes neo-weberianos e
os herdeiros da Esc~l~de Frankfurt colaboram, sem perce-
ber, como urn coro no teatro do presente.
Nab quero \insinuar, e claro, ,'queexisra algo de pecu::-
liar. ao presente nesse tipo de fenorneno. E quase sempre, e
talvez sempre, por meio de conflito que 0ell recebe sua de-
finicao social. Issonao significa,. porern, como alguns reo-
ricos'supoern, que 0eu nao eou nao se torna nada alern dos
,papeis sociais.queherda. 0 eu, ao contrario de seus papeis,
tern urn historico e urn' hisrorico social, e0 historico do eu
emotrvista conremporaneo ~o,e inteligfvel como produto
final de conjunto exte~so 'e c?mplexo de aconteciment~s.
. . ( , " .
,'
,(
Com relacao ao ~uconforme apresentado pelo emoti-
vismo, devemos, de irnediato, salientar: que nao pode ser,
simples ou incondicionalmente, identificado com nenbtana
postura ou perspectiva moral em especial (inclusive com a
dos personagens que representam 0 ernotivismo) s6 por causa
do fato de seus juizos serem, no fim das contas, desprovidos
de criterio. '0 ell especificamente moderno, 0eu que chamei
de ernotivista, nao entontra limites estabel~cidos para aqui-
10 que possa julgar, pois tais limites so poderiam provir de
criterios racionais de avaliacao e, como vimos, faltam tais
criterios ao eu emotivista. Tudo pode ser criticado de qual-
quer perspectiva que 0eu adotar, inclusive apropria escolha
.da perspectiva a adotar. E nessa capacidade do eu de evitar
qualquer identificacao necessaria com quaisquer circunstan-
cias contingentes que alguns filosofos modernos, tanto anCl.:
'lfticos quanto existencialistas, tern visto a essencia do agir
moral. Ser urn agente moral e, neste caso, poder afastar-se de
qualquer situacao emque seesteja envolvido, de toda equal-
quer caracterfsticaque.se possua, e.emitir julzo sobre eta de
uma perspectiva universal e abstrata totalmente destacada
.de qualquer particularidade social. Qualquer pessoa pode,
entao, ser urn agente moral, porque eno eu, enao nos papeis
ou nos costumes sociais que deve residir 0agir moral. A di-
ferenca entre essadernocratizacao doagir moral eos mono-
p6lios elitisras dos especialistas adrninistrarivos e terapeuti-
cos nao poderia ser rnais nftida. Qualquer agente minima-
mente racional deve ser considerado urn agente moral; mas
os adrninistradores e oSI terapeutas gozam de seu status ,por
pertencerem ahierarquias de suposta experiencia econheci-
mento. No domfnio dos fatos ha rnetodos para eliminar .a
discordancia; no da moral, a supremacia da discordancia e
exaltada pelo titulo de "pluralisrno",
. ,
Esse eu democratizado que nao tern conteudo social
necessario nem identidade social necessaria pode ser, entao,
qualquer coisa,' pode assu~ir qualquer papel ou adotar
qualquer opiniao, porque 'nii'o e, em si epara si, nada. Essa
relacao do eu moderno com seus atos epapers foi definido
por seus teoricos mais sagazese perceptivos no que, a pri-
meira vista, parecern ser duas maneiras bem diferentes e
incornparfveis. Sartre -.:. refire-me ao Sartre das decadas de '
, . I.
1930 e 1940 - definiu 9eu como cornplerarnente diferen-
te de qualquer papel social em especial 'que, por acaso, as-
sumacErving Goffrnan, pelo conrrario, liquidou 0eu no
seu -exercitar de papeis, argumentando que 0eu nao passa
de urn "cabide" onde se pendurarn as' roupas do papel
(Goffman 1959, -P: 253). Para Sartre,o principal erro e ,
. iden~ificar 0 eu corn seus papeid, equfvoco que carrega 0 '
fardo da rna femoral e0daconfusao int~le~tual;para Goff-
man, o'pri'ncipal,erro esupor que existe urn eu substancial
, \ . . t' '..... '. F ,
acima e alern das cornplexas apresentacoes Cjueexercitarn
papeis, erro cornetido por aquelesCjue desejam manter
lima pa~te'do mundohurnano "a salvoda Sociologia". Nao
obstante, I as duas opinioes obviamentcem conflito tern
muitomais ern comum do que urna 'primeira declaracao
nos levari a a desconfiar:' Nas descricoesfacruais que Goff-
rrian faz do. mundo social,' ainda existe aquele "e~" espec-
, tral, 0'cabide psi~ologico' aquemGoffrnan nega identida-
'-- \".. >
desubstancial, flanando etereo deurna situacao solida, es-
rruturada pelo papel, para outra;e, para Sartre, aautodes-
/, coberta doeu caracteriza-se peladescoberra de que 0 eu e
o "~ada';,' nao eurna substancia, mas utn conjunro: de pos- '
sibilidades perpetuarnente em aberro, Assim, ,nun::t nfvel
Profundoe~lste certa conco~dancia entr~as discordancias ,,
superficiais de Sartre eGoffrnan; eeles concordam em riada .
'. . J. f ,
; ,
')
I ,
.mais que isto: que ambos veern 0eu em completa,oposiC;io
ao rriundo social. Na opiniao de Goffman, para quem 0
m~ndosocial e rudo, 0eu nao e, por conseguinte, absolu-
tamente nada, nao ocupa espac;o social. Para Sartre, qual-
quer que seja 0 espaco social ocupado por ele e rnerarnenre
acidental e, portanro, ele tarnbern nao ve 0eu.corno reali-
dade em hiporese alguma.
, Quais modalidades de moral se abrem para 0eu assim
concebido? Para responder aessa pergunra, precisamos an-:
tes recordar a segunda caracterfstica principal do eu erno-
tivista, sua falta de quaisquer cr iterios fundamentais.
Quando 0caracterizo assim, falo do que ja percebemos,
que sejam quais forem os- criterios, princfpios ou fidelida-
des normativas que 0eu emotivista professe, devem ser ex-
plicados como expressoes de atitudes, preferencias e esco-
lhas que, em si, nao saoregidas por criterios, princfpios
nem valores, jaque subjazem esao anteriores aqualquer fi-
delidade a crirerios, princfpios ou valores. Disso, porern,
segue-se que 0eu ernot ivisra nao pode ter hist6rico racio-
nal em suas transicoes de um estado de compromisso mo-
ral para outro. Os confliros interiores sao para ele, all.f ond,
; aconfronracao de uma arbitrariedade contingente com ou-
tra. E urn eu sell continuidades dadas, salvo as do corpo,
que e seu portador, e as das recordacoes que se empenha
por se concentrar no passado, E sabemos, dos resultados
das discussoes de Locke, Berkeley, Butler eHume acerca da
identidade pessoal, que nada_ disso, em separado ou em
. conjunro, e apropriado para especificar essa identidade e
continuidade da qual os eus reais tern tanta cerreza.
oeu assirn concebido, completamente distinro, por
urn lado, de suas expressoes sociais ea quem falta, por ou-
tro lado, qualquer historico racional propriarnente dito, tal-
vez paret;a ter urn carater abstrato eespectral. Vale, port::tn-
to, ressaltar que a explicacao behaviorista e tao plausfvel e
irnplausfvel no tocante ao eu assim concebido quanta a'do
eu concebida em qualquer outra teoria. '0 surgimento de
uma qualidade abstrata ou espectral nao provern de qual-
quer rerniniscencia do dualismo cartesiano, mas do grau de
contraste, na verdade do grau de perda, que surge quando
comparamos 0eu ernotivista aos seus antecessores histori-
cos, pois urn modo de re-imaginar 0eu ernorivista eque ele
tenha sofrido uma privacao, urn sequestro das qualidades
que antes se acreditavapertencer ao eu. 0 eu agora e tido
como carente de qualquer identidade social necessaria, por-
que 0tipode identidade social de que urn dia gozou nao
esta mais disponfvel; 0eu agora e tido como destitufdo de
criterios, porqueo tipo de telos sob cujas condicoes ele ou-
trora julgava eagia nao emais considerado digno de credi-
to~'Que tipo de identidade eque tipo de telos eram esses?
.Em rnuitas sociedades tradicionais pre-rnodernas, e
por intermedin de sua associacao auma serie de gr':lpos so-
ciais que 0 indivfduo se identifica ou e identificado pelos
outros. Sou irrnao, prime e nero, membra desta familia,
daquela aldeia, dessa tribo. Essas nao sao caracterfsticas
que perrencarn acidental~ente aos seres hllmanos, que se
possam despir para descobrir "0verdadeiro eu''. Fazem par-
te da minha substancia, definindo pelo menos em parte, e
asvezes totalmente, as minhas obrigacoes eos meus deve-
res. Os individuos herdam determinado espa<;o dentro de
urn ~onjunto inrerligado de relacoes sociais; quando lhes
falta esse' espaco, nao sao ninguem; ou, na melhor das hi-
poteses, estrangeiros.ou parias. Conhecer asi mesmo como
tal pessoa social nao'e, porern, ocuparurna posicao estatica
efixa. E encontrar:'se posicionado em dererrninado ponte
,.
numa jornada com objetivos definidos; caminhar pela vida
eprogredir - ou fracassar em progredir - rumo adererrni-
nado firn. Assim, avida completa e realizada e uma reali-
zacao e.a rnorte eo ponto no qual se pode ser julgado f eliz
ou infeliz: Donde 0antigo proverbio grego: "S6chamem
de fel iz quem ja rnorreu".
.. Esta concepcao -de uma vida humana inteira como
objeto primordial de avaliacao objetiva eimpessoal, de urn
tipo de avaliacao que proporciona 0 conteudo para se jul-
gar as acoes ou projetos particulares de um determinado
individuo, ealgo que deixa de ser praticamente disponfvel
no progresso - se eque podemos charna-lo assirn - rumo a .
modernidade. Passa, ate certo ponto, despercebido, pois e
celebrado historicamente, em grande parte; nao como per-
da, mas como ganho autogratificante, como 0surgimento
do individuo liberto, por urn lado, dos grilhoes sociais das
'hierarquias repressoras que 0mundo moderno rejeirou ao
nascer e, poroutto lado, do que amodernidade acredita se-
rem supersticoes da teleologia. Afirmar isso e, naturalrnen-
te, acelerar-me urn pouco demais para alern daminha atual
argurnenracao; mas epara observar qL~e0 eu moderno tfpi-
co, 0eu emotivista, ao alcancar asoberania em seu pr6prio
domfnio, perdeu seus limites rradiciohais proporcionados
por urna identidadesocial e uma visao da vida humana
como ordenada' adeterminado fim.
Nao obstante, como afirrnei antes, 0eu ernotrvrsta
tern seu pr6prio tipo de definicao social. Sente-se a vonta-
de num tipo caracterfstico de ordem social - e eparte in-
t~grante dela - aquela em que nos atualmente vivemos nos
chamados paises desenvolvidos. Sua definicao e a contra-
partida da definicao daqueles personagens que vivem eapre-
senrarn os papeis sociais predominantes. A bifurcacao do
)
69
mundo social conrernporfineo em urn dornlnio do organi-
zacional, onde os fi-nsSaD dados como fatos consumadose
nao esrao disponiveis para analise racional, e urn dornfnio
do pessoal, no qual 0 juizo e0 debate dos valores SaD faro-
res fundamentais, mas onde na? esta disponfvel nenhuma
resolucao social racional, encontra sua inreriorizacao, sua
representacao intima, na relacao do eu individual com os
papeis epersonagens da vida social. '
Essa bifurcacao eem si uma pista imporranre das prin-'
.cipais caracterfsticas das sociedades modernas e que pode
perrnitir que eviternos ser enganados por seus pr6prios de-
bates politicos internes. Esses debates quase sempre se rea-
lizarn sob as' condicoes de uma suposta oposicao entre. 0in-
dividualisrno :e 0coletivismo, cada urn se apresentando
numa serie de formas dcurrinatias. De urn lado surgem os
autoproclarriados protagonistas da liberdade individual; do
ourro lado, os autoproclamatlos protagonistas do planeja-
. menro.e da regularnentacao.rdos bens que estao disponfveis
por interrnedio da organizacao burocratica .. Mas 0 que e
fundamehtal de faro e0ponte em que as' partes adversarias
concord am, a saber, que s6 ha dois modos alrernarivos de
vida social abertos para n6s, urn deles e aquele em que as
opcoes livres e arbierarias dos individuos sao soberanas, e
outro em que a burocracia e soberana, precisarnente de
modo apoder limitar as opcoes livres earbirrarias dos indi-
'vfduo~. Dado essa profunda concordancia cultural, naoe de
surpreender que a politica das.sociedades modernas oscile
entre a liberdade que nao passa de falta de regulamentacao
do comporramenro jndividual e formas de controle coleti-
vista destinados somente a limitar a anarquia do interesse
proprio.rAs consequencias da vitoria de urn lado ou de ou-
tro nao.raro s.ab damaior irnportancia imediata; mas, con-
" ,,
(
".:.~o.
forme Solzhenitzyn entendia tao bern, ambos os modos de
vida sao inroleraveis a longo prazo. Assim, asociedade em
que vivernos e uma sociedade onde a burocracia e0indivi-
dualismo sao tanto parceiros quanta antagonisras, E e no
,ambiente cultural desse individualismo burocrarico que 0
eu emotivista se sente naturalmente a vonrade.
Espero que agora esteja claro 0paralelo entre 0meu
tratarnento do que chamei de eu ernotivista e0. meu trata-
menro das teorias ernotivistas do jufzo moral ~seja ele sre-
vensoniano, nietzscheano ou sartreano. Em ambos os casos,
argumentei que nos deparamos com 0 que so e inteligfvel
Como produto final de urn processo de transforrnacao histo-
rica; em ambos os casos, cornparei posicoes te6ricas cujos
protagonistas afirmam que 0que creio serem caracrerfsticas
. historicarnenre produzidas do que eespedfico da moderni-
Clade.sao, na verdade, caracterfsticas eternarnente necessa-
rias de .todo e qualquer jufzo moral, de toda e qualquer
identidade. Se minha argurnentacao estiver correta, nao so-
mos, embora muitos de n6s tenhamos nos tornado total ou
completamente, 0que Sartre eGoffman dizem que sornos,
precisamente porque somos os ulrirnos herdeiros - ate 0
rnornento - de urn processo de transforrnacao hist6rica.
Essa transforrnacao do eu e de seu relacionamento
com seus papeis, das modalidades mais tradicionais de
existencia para as fo~mas ernotivisras conrernporaneas nao
poderia ter acontecido, e claro, se as formas do disc'urso
\ moral, alinguagem da moralidade, nao tivessem rarnbern
sido transformadas ao mesmo tempo. De faro, eerrado se- .
parar a hist6ria do eu e seus papeis da hist6ria da lingua-
gem que 0eu especifica e porinrerrnedio da qual os pa-
peis ganham expressaovO que descobrimos e uma unica
hist6ria,e nao duas historias, paralelas. Salienrei no infcio
dois fatores fundamentais da elocucao moral conrempora-
nea. Urn era a diversidade e evidenre incornensurabilida-
de dos conceitos evocados. 0outro era 0 uso assertivo de
principios ulrimos nas tenrarivas de encerrar 0debate mo-
ra1.Descobrir de onde provern essas caracterfsticas do nos-
so discurso, como e por que foram <;riadas, e, por conse-
guinte, uma e?trategia obvia da ~inha investigac;ao. Diri-
jo-rne agora a essa tarefa. (
\ '
"
" ;
c
i
. 1'4
,/'
t' J2
'--
,"
capitulo 4
A cultura predeces,~;'i~:'~:b projeto i'luminista
dejustific::ar a rTloraUdade
oque yOU sugerir e' que os principais episodios da
hisroria social que transforrnararn, fraginentaram e, se rni-
nha opiniao radical estiver correta, deslocararn rnuito a
. . ,
moralidade - e, assirn, geraram apossibilidade do eu erno-'
tivista, corn sua fo~'ri1a' caracterfstica de relacionamentos e
modalidades de discurso '- foram episodios da historia da
Filosofia, que esomenre a luz dessa historia que podemos
entender como surgirarn as idiossincrasias do discurso
moral conrernporaneo cotidiano e, assirn, cornoo eu emo-
tivista conseguiu encontrar urn meio de expressao. Contu-
do', como isso se da? Na 'nossa propria cultura, ,a filosofia
academics e uma atividade marginalizada e especializada ..
Os professores de Filosofia de vez em quando renrarn ves-
rir as roupas cia irnportancia e algumas pessoas com for-
macae universiraria sao assombradas por vagas mernorias
de Inrroducao a Filosofia. Mas ambos achariam surpreen-
derite, e urn publico, maioracharia ainda .mais surpreen-
denre, eu agora afirrnar que' as raizes de alguns problemas
que hoje engajam a arencao especializada dos filosofos aC9--
demicos e as rafzesde alguns dos principalsproblemas do
nosso coridiano social e pratico sao exatamente as mesmas.
So mente incredulidade .viria apos asurpresa, se eu ainda
\'
, ,/
. ,
, ,
",
(
\
capitulo 9
Nietzsch~QU'A.rist6teleS?
Avisao conrernporanea do mundo, assim tenl~o afir-
mado, e predominantemente weberiana, embora nem
sempre no detalhe. Havera protestos de irnediato. A maio-
ria dos liberais argurnenrarao que nao existe umaiinica vi-
sao conrernporfinea do mundo; existe uma multiplicidade
de visoes oriundas da irredutfvel pluralidade de valores da
qual Sir Isa~ah Berlin se destaca como 0mais sistematico
e convincente defensor. Muitos socialistas argurnenrarao
que avisao conrernporanea do mundo ernarxista, que We-'
ber e uieux [eu, suasdeclaracoes fatalmente destruidas por
seus crfticos da esquerda. Ao primeiro responderei que
.acreditar nurna pluralidade irredutfvel de valores e urn
tema weberiano insisrenre e fundamental. E ao segundo, I
direi que quandoos marxistas se organizam e se movem
,rumo ao poder sempre 'se torn am e sempre se rornararn
substancialmente weberianos, mesmo que perrnanecarn
rnarxisras em rerorica; pois na nossacultura nao conhece-.
mos movirnenro organizado rumo ao poder que nao seja
burocrarico eadminisrrarivr, no"modo enao temos conhe-
cimento de justificativas para aautoridade que nao sejam ~,
weberianas na forma. E seisso for verdade acerca do mar-
xismo quando a caminho do poder, muito mais verdadei-
I
. " ../"
"I
.'~.J 89 .
j
~- - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - - ..........
ro se torna quando assume o poder. Todo poder tende a
cooptar, e0 poder absoluto coopta absolutamente.
Contudo, se minha argumenracao estiver correta, essa
visao weberiana do rnundo nao pode ser racionalmente sus-
tentada; ela disfarca edissimula, em vez de esdarecer, ede-
pende do disfarce e da dissirnulacao bem-sucedida para
manter 0seu poder. Neste ponto, hayed urn segundo gru-
po de protestos. Por que, em toda minha argumenracao,
nao houve lugar para a palavra "ideologia"? Por que falei
tanto a respeito de mascaras edissirnulacoes e tao POLKO -
quase nada - acerca do que esra mascarado edissimulado?
A resposta curta para asegunda pergunta e que nao tenho
resposta geral para dar; mas "nao alego mera ignorancia.
Quando Marx rnudou 0significado da palavra "ideolog ia"
e a lancou em seu trajeto moderno, em algumas ocasioes
el~0 fez com relacao a certos exemplos defacil compreen-
sao. Os revolucionarios franceses de 1789, por exernplo, se-
gundo Marx, viam-se como possuidoresdas mesmas moda-
lidades deexistencia moral epolfrica que os antigos repu-
blicanos; assim, ocultavarn de si mesmos seus papeis so-
ciais deporta-vozes da burguesia. Os revolucionarios in-
gleses de 1649, de maneira sernelhante viam-se como os
servos, .do Deus do Velho Testamento; e assim disfarcavarn
seu papel social. Mas, quando 05 exemplos peculiares de
Marx eram generalizados numa teoria ~pelo proprio Marx
ou por outros - surg iarn quesroes de tipo bem diferente,
pois ageneralidadeda reoria provinha precisarnente de sua
tentativa de expressao da' teoria nurn conjunto degenerali-
.'zacoes legiforrnes que, unem as condicces rnareriais e as es-
trururas de classes das sociedades como tipos de causas as
crencas .ideologicamenre instrufdas como ripos de efeiros:
Esse e 0verdadei'ro significadodasprimeiras forrnulacoes
, . (. ,!
,
de~arx eEngel em A ideo!ogia a!ema, assim como das pos-
rerrores de Engel em Anti-Diihring. Assim, a reoria da
ideologia tornou-se rnais urn exernplo do tipo de pseudo-
ciencia que, segundo venho argumentando, tanto represen-
ta falsamente a forma das descobenas reais doscientistas
sociais quanto ela propria funciona como uma forma de ex-
-pressao disfarcada de preferencias arbirrarias. Na verdade
ateoria da ideologia revela-se mais um exemplo do prop~i~
fenomeno que seus proponentes pretendiam enrender. Por
conseguinte, embora ainda tenhamos muito a aprender
com a historia do Dezoito Bnmzdrio, ateoria .geral rnarxisra
da ideologia e suas ranras herdeiras sao apenas mais urn'
conjunto de sintomas disfar<;ado~de diagnosticos. ,
, Contudo, uma parreida concepcao de ideologia da
qual Marx e progenitor - eque foi posta numa serie de
uso~esclaf(~cedores por pensadores tao diversos quanro
Karl Mannheim e Lucien G.oldmann - esra realrnenre na
base da minha tese principal acerca da moralidade. Se a
elocucao moral eposra aservico da vontade arbirraria, e da
vonrade arbitraria de alguem; e perguntar quem e 0dono
dessa vontade tern imporrancia obviarnente tanto politica
quanro moral. Mas a minha tarefa nao e responder a essa
. pergunra. 0 que precise demonstrar para realizar minha
tarefa arual eapenas como amoralidade se tornou disporu-
vel para cerro tipo de uso eque eassirn usada. .
Precisamos, portanro, para complementar 0tipo de
explicaran que dei acerca do discurso edos metodos morais
especificamente modernos, de uma serie de teorias hisrori-
cas que dernonsrrem como hoje em dia se pode da~uma
fei<;ao moral a causas demais, como a forma da elocucao
moral euma possfvel mascara para quase rodos os rosros. A
moralidade, pois, tornou-se disponf ve! em gerat de .rnaneira
. ,
.cornplerarnente nova. De faro, a percepcao de Nietzsche
dessa flexibilidade vulgarizada do discurso moral moderno
foi, em parte, responsavel por sua aversao aele. E essa per-
cepcao e uma das caracterfsticas da filosofia moral de
Nietzsche que arorna uma das duas opcoes reoricas genuf-
nas com que se depara qualquer pessoa que rente analisar a
situacao moral da nossa cultura, se minha argumenracao
ate aqui estiver substancialmente correra. Porque? Uma
resposta adequada exige que, em primeiro lugar, eu diga
algo rriais a~erca da minha propria tese e, em segundo lu-
gar, diga algo sobre as descobertas de Nietzsche.
! Uma parte-fundamental da minha tese eafirmar que 0 ,
di~curso eos rnerodosda moral moderna so podemser com-
preendidos como urna serie de fragmentos rernanescentes
de urn passado rnais antigo e que os problemas insoluveis
que 'gerararn para os teoricos modernos da moral perrnane-
cerao insohiveis ate que isso seja bem compreendido. Se 0
carater de~ntologico dos juizos rnorais e0fantasma das con-
cep\oes da lei divina, que e.ccmpleramenteesrranha a me-
taffsica da rnodernidade, e, se 0carater releologico e, de rna-
-neira sernelhanre, 0fantasma d~s concepcoes <;Janatureza e
I da arividade humanas, que tambe~ estao deslocadas no
, mundo moderno, devernos esperar que os problemas do en-
tendirnento eda atribuicao deurn status inteligfve,l aos jui-
zos morais.continuern asurgir ease demonsrrar hosris aso-
lucoes filosoficas.Alem de perspicacia filosofica, tarnbern
precisarrios do tipo de v~sao que ?S melho~esantrop610gos
levam a observacao de outras culturas, ,permitindo-Ihes
id~nl:ificar objetos rernanescenres e-ininteligiveis nao perce-
"bidos.pelos que habitam essas culturas. UI? modo de edu-
car nossa propria visao talvez seja investigar se os problemas
da nossa situacao cultural e moral nao se assemelham aos
.: '; j (
. '.
)
I
i92
das ordens sociais que ate 0 momento temos considerado
muito diferentes das nossas. 0exemplo especffico que te-
nho em mente e0 de certos reinos insulares do Pacffico em
fins do seculo XVIII einfcio do sec~lo XIX.
No diario de sua terceira viagem, acomandante COok
registra aprimeira descobertafeita pelos anglOfonos da pa-
lavra polinesia taboo (em diversas formas). Os marinheiros
ingleses ficaram atdnitos com 0que acreditavam ser habi-
tos sexuais liberais dos polinesios eficaram ainda mais per-
plexos ao descobrir 0forte COl'ltraste com arigorosa proibi-
<;aoimposta a conduta daqueles homens ,e mulheres de fa-
zerem suas refeicoes juntos. Quando perguntatam por que
homens e mulheres eram proibidos de comer juntos, res-
ponderam-Ihes que aquilo era urn taboo. Mas, quando per-"
gunrararn .o,que significava tpboo, conseguiram poucas in-
forma\oes. E claro que taboo nao significa simplesmente
-f roibido, pois dizer que algo - pessoa, costume ou teoria _
e taboo e dar algum .tipo de motivo especial para sua proi-
bi\ao: Mas que especie de motivo? Nao foram apenas os ~
marinheiros de Cook que encontraram dificuldades nessa
quesrao; de Frazer eTylor aFranz Steiner eMary Douglas, .
os antropologos tern lutado com ela. Dessa Iura surgem
duas pistas para asolu<;ao do problema. A primeira eairn-
. portancia do fato de o,s marinheiros de Cook nao terem
conseguido nenhurna resposta inreligfv-l para suas per-
guntas aos informantes nativos. Isso nos leva adeduzir _ e
qualquer hiporese e, decerta forma, especulativa _ que os
pr6prios informantes nativos nao entendiam bem apalavra
que usavam, e essa conclusao encontra refor<;o na facilida-
de com que Kamehameha IIaboliti os tabus no Havaf qua-
renra anos depois, em 1819, eaausencia de conseqiiencias
sociaisquando 0fez.
'I
!
Mas poderiam os polinesios estar usando uma palavra
que eles mesmos nao compreendiam? E aqui que Steiner e
Douglas sao esclarecedores, pois 0 que ambos deduzem e
que as leis que especificam proibicoes quase sempre'i e tal-
vez seja essa sua caracterfsrica, tern uma hist6ria de dois es-
ragios. No primeiro esragio, pertencem aurn conrexto que
lhes confere inteligibilidade. Assim, Mary Douglas argu-
menta que as proibicoes do Deureronornio pressup6em
cerro tipo de cosmologia e uma taxionomia. Quando pri-
vadas de seu contexte original essas proibicoes passam
imediatamente aaparecer como urn conjunto de proibicoes
arbitrarias, como de fato costurnam aparecer quando se
perde 0contexto inicial, quando sao abandonadas e tam~
bern esquecidas aquelas crencas que lhes serviarn de funda-
mento e a.tuz das quais os tabus eram cornpreendidos.
Em tal sit uacao, as leis' perderarn qualquer status que
lhes garantisse autoridade e, se njio alcan~are01 urn novo
status rapidarnenre, tanto sua inrerpretacao quanto sua
jusrificacao se tornam discutfveis. Quando OSI recursos ~as
culturas sao escassos demais para realizar a tarefa da rein-
terpreracao, ada justificacao rarnbern se torna irnpossfvel.
Como consequencia disso, a vit6ria relativamente facil,
ernbora .inacrediravel para alguns observadores contempo-
raneos de Karnehameha II sobre os tabus (e a consequen-
te cri~~ao de u~ vacuo moral onde as banalidades dos
missionaries protesrantes da Nova Inglaterra foram rece-
bidas com grande rapidez). Porern,: se a cultura polinesia
tivessed~sfru'tado das ben~aos da filosofia analftica, e cia-
,ro quea questao do significado de tabu poderia rer sido
\resolvida dediversas maneiras, Haveria quem dissesse que
Taboo' e,ciaramente, 0nome de uma propriedade nao-na-
rural; ',e esraria ao alcance daquele P?VO 0mesrnfssimo ra~
. , . .
ciocinio que levou Moore aconsiderar 0bem como 0nome
de tal propriedade, e Prichard e Ross a considerar obriga-
torio ecerto os nomes de tais propriedades, para demonsttar
que taboo e 0 nome de tal propriedade. Ourro fil6sofcr te-
ria, com certeza, argumentado que "Isso etaboo" significa
"Desaprovo isto; desaprove tambern"; e rarnbem estaria
disponivel omesrno raciocinio que levou Stevenson eAyer
a considerar "bern" como algo que tern urn uso principal-
, ,
mente ernotivo em apoio a teoriaemotivista do taboo. Tal-
vez tivesse surgido uma terceira pessoa para argumentar
que a forma gramatical "Isro e taboo" disfarca urn coman-
doim perativo passivel de universaliza<;ao.
A falta de sentido desse debate ilJlaginario provern de
urn pr~ssupostb em cornum entre aspartesadversarias, asa-
ber, queo conjunto de normas cujo status e justifica<;ao es-
tao investigando e urn assunto adequadamente demarcado
para investiga<;ao, oferece material para urn campo .autono-
mo de estudos. Do nosso ponro de vista no mundo real, sa-
bemos que nao e isso, que nao ha como entender 0cararer .
das leis proibitivas, anao ser como remanescentes de algum
elaborado ambiente CUltural anterior. Tambem sabernos.
.' ,
conseqi.ientemente, que qualquer teoria que tome inteligi-
veis as leis de proibi<;ao da.Polinesia em fins do seculo
XVIII exatamente, cornosiin, -sern consulta a sua hist6ria, e
necessariamente uma teoria falsa; a unica teoria verdadeira
seria aque apresentasse sua ausencia de inteligibilidade na-
quele rnornenro exato. Ademais, a unica hisroria verdadei-
ra adequada sera aque nos perrnit ira tanto distinguir entre
o que e uI? conjunro de regras e prat icas' tabus estar em
born esrado e0que e urn conjunro de tais regras epraticas
estar fragmentado elancado no caos quanto nos permitir en-
tender as rransicoes hist6ricaspor 'intermedio das quais 0
r
segundo estado brotou do prirneiro. So a escrita de cerro
tipo de historia nos fornecera aquilo de que precis~mos.
E agora surge inexoravelmente apergunta que ratifi-
ca meu proprio argurnenro anterior: por que devemos pen-
sar em filosofos-morais analiticos verdadeiros como Moore,
Ross, Prichard, Stevenson, Hare eos outros de maneira di-
ferenre daquela como estavarnos pensando ha pouco com
relacao a suas contrapartidas polinesias imaginarias? Por
que devernos pensar no nosso uso moderno de bom, certo e
obrigatorio de rnaneira diferente daquela como .pensarnos
com relacao aos usos da palavra taboo na Polinesia em fins
do seculo XVIII? E por que nao devemos pensar em
Nietzsche como 0Karneharneha II da tradicao europeia?
A realizacao historica de, Nietzsche foi entender mais
claramente do que qualquer outro filosofo - decerto com
mais clareza do que suas contrapartidas do emotivisrno an-:
glo-saxao edo existencialisrno continental- nao so que 0que
.se faziapassar por apelos a objetividade eram, de fato, expres-
soes da vontade subjetiva,' mas rambern a natureza dos pro-
blemas que iS50 represenrou para afilosofiamoral. E verdade
. que Nietzsche; como argUme~tareiadiante, generalizou das
condicoes do juizo moral em sua propria epoca para a natu-
reza da moralidade como tal; eeu ja disse palavras justifica-
da~ente duras a respeito da invencao nietzscheana daquela
fanta,;;~aabsurda e perigosa, 0 ( jbermenscb. Mas vale reparar
como ate aquela invencao partiu de urn verdadeiro insight.
Num rrecho farnoso .de A gaia cienci (secao 335),
Nietzschezornbada ideia de fundarnentar amoralidade em
'sentirnenros morais Intirnos, naconsciencia,' por urn lado,.
ou no imperative categorico kantiano, na possibilidade de
universalizacao, por outro. Em cinco paragrafos curtos e
co~vincentes,. eledescarta 0 que chamei de projeto do Ilu-
1'"96
minismo de descobrir fundamentos racionais para urna rno-
ralidade objetiva e aconfianca do agenre moral comum na
cultura pos-ilurninisra de que seus rnerodos e seu discurso
moral estao em ordern. Mas Nietzsche passa, enrao, a en- I
frentar 0problema que esse aro de desrruicao criou. A es-
trutura inrerna de sua argumenracao easeguinte: se arno-
ralidade nao for nada mais que express6es da vontade, rni-
nha moralidade s6 pode ser 0que minha vontade criar. Nao
pode haver lugar para fic<;6es como direitos naturais, utili-
dade, a maior felicidade do maior mimero de pessoas. Eu
mesmo devo agora criar "novas tabelas do que e born".
'."Nos, porern, querenzos nos tornar 0 que somas - seres humanos
que sejam novos, singulares, incomparaveis, que se outor-
.\.gam leis, que criam asi mesrnos". (p. 266). 0racional era-
cionalmente justificado sujeiro moral autonomo do seculo
XVIII e uma fic<;ao, uma ilusao; entao, decide Nietzsche,
que avontade subsritua arazao eque nostornernos sujeitos
morais auronornos por meio de urn ato gigantesco e heroi-
co da vontade, urn aro da vonrade que, por sua qualidade,
possa nos lembrar daquela antiga auto-afirrnacao aristocra-
tica que precedeu 0que Nietzsche considera acatastrofe da
moralidade eque, devido asua eficiencia, pode ser aprecur-
, sora proferica de uma nova era. 0problema, entao, ecomo
t~nstruir de maneira totalmenre original, como inventar
urnanova tabela do que eborn edo que euma lei, urn pro-,
blema que surge para cada indivfduo. Esse problema cons-
tituiria 0 ruicleo de uma filosofia moral niet?scheana,' por-
que ena su~incessante pesquisado problema, enao em suas
solucoes frfvolas,que esta agrandeza de Nietzsche, agran-
deza que faz dele 0 grande f i16sof o mora! se as unicas alrerna-
tivas a filosofia moral de Nietzsche forem aquelas formula-
das pelos filosofos do Iluminismo esells sucessores.
Nietzsche tambem' e 0 filosofo moral da presence
epoca em outro aspecro. ]a argumentei que a era atual e
predominantemente weberiana em sua apresentacaods si
parasi mesma; e tarnbern salienrei que a tese principal de
Nietzsche foi pressuposra pelas categorias centrais do pen-
samento de. Weber. Consequenrernenre, 0 irracionalismo
proferico de Nietzsche - irracionalismo porque os proble-
mas de Nietzsche'permanecem irresolutos e suas solucoes
desafiarn arazao - perrnanece imanente as formas adrninis-
trativas weberianas da nossa cultura.
. Quando aqueles que estao irnersos na cultura burocra-
ticadesta era tentam raciocinar arespeiro dos fundamentos
marais dbIque sao e do que fazem, descobrem premissas
nierzscheanas suprimidas. E, pot conseguinte, e possfvel
..prever com seguranca que; nos' contextos aparenrernente
bem iml?,rovaveis das sociedades 'burocniticas modernas.)
surgirao movirnenros sociais periodicos fundamentados
exatarnente nesse tipo de irracionalisrno profetico do qual 0'
pensamento de Nietzsche eancestral. Defaro, porque eat~
a ponto em que ,0 marxisrno conrernporfineo e substancial-
mente weberiano,podemqs esperar irracionalismos profeti-
.cas tanto daesquerda quanro cla direira. Foi a que aconre-
ceu, em grande parte, com-o radicalisrno esrudanril da de-
cada de 1960. (Ver ver~oes teoricas desse nietzscheanisrno
de esquerda n9S trabalhos de.,Kathryn Pyne Parsons eTracy,
Strong em Sol;mon '1973 eMiller 1979). II' '.
Assim,Weber e Nietzsche, juntos, nos fornecem os,
principais enunciados reoricos da ordem social contempo-,
ranea; mas a que delrne iam dio claramente sao as c;,aracte-
rfsticas degrafide es~ala predominantes -no cenario social"
moderno. Pot' sei~m tao eficienres nesse raspecro, 'talvez
\ \ ., .' J
.pouco ajudem adecifrar as contrapartidas de pequena esca-
. '-., . I.
\
la dessas caracterfsricas nas transa~oes mundanas da vida
cotidiana. Felizmente, c;omo salientei anteriormente, ja te-
mos uma sociologia do cotidiano que e a exata contrapar-
tida do pensamento de Weber eNietzsche; asociologia da
inreracao elaborada par Erving Goffman.
oprincip,~.l contrasrs contido na sociologia de Goff-
man ea mesmissimo contido no emotivismo. E adiferen~a
enrre 0suposto significado e senrido das nossas elocucoes e
a usa que realrnenre se faz delas, entre as apresenracoes su-
perficiais do comportamento easestrategias usadas para rea-
lizar essas apresenracoss. A unidade de analise nos textos de
Goffman esempre a individuo que interpreta apapel lutan-
do para realizar sua vontade dentro de uma situacao estrut u-
rada em torno de urn.pape], A meta do ator goffmanesco ea
eficiencia, e a exito no universo social de Goffman nao e
nada alern do que se faz passar par exito. Nao ha nada mais
que possa ser, pois a mundo de Goffman 'estavazio de rno-
delos objetivosde r'ealiza~at>; esta definido de modo que nao
, co. Nao eque tal ciencia seja impossfvel; mas nao hal nada
que faca dela algo mais que uma ciencia nao-iriterpretada
dos movimentos ffsicos, como pretende B. F. Skinner. Nao
faz parte desta minha tarefa examinar os problemas de
Skinner; mas vale salientar que nao esta absolutamente cla-
ro 0que poderia ser a experiencia ciehrffica, caso Fosse
skinneriana; ja que a concepcao de uma experiencia e, cer-
tarnente, a de cornportamento instrufdo pela intencao - e
pela crenca. E 0que estaria totalrnenre condenado ao fra-
casso seria 0projeto de uma ciencia do, digamos, compor-
tamento politico, destacada de urn estudo das inten<;6es,\
,crencas ecenarios. Talvez valha apena assinalar que quan-
do aexpressao "as ciencias do cornportamenro" recebeu sua
primeira aplicacao importante num F ad Foundation Report
de 1953,0 termo "cornportamento" foi definidode modo'
a center 0 que se chamava "cornporrarnenros subjetivos
como arirudes, crencas, expectativas, rnorivarfies e aspjra~
<;6es", bem como "atos prernedirados". Mas 0que 0con-
teudo do Report parece irnplicar eque ele esra catalogando
dois conjunros distintos de objeros, disponfveis para estu-
do~independentes. Se a argurnenracao estiver correra ate
aqui, entao s6 ha 'urn conjunto de objetos).
1_, .
Vejarnos o que ~argurnentacao, ate ,0memento, irn-
plica acerta das ~nter-rela<;6es do inrencional, do social edo
, historico. S6 identificarnos urna a<;ao particular ao invocar
'dois. tipos de conrextos implfciros, se nao explicitarnenre.
Afirmei que colocarnos as inrencoes doagenre em ~rdem
temporal ecausal com relacao aseu papel na hist6ria desse
agente; etarnbem as colocarnos cornrelacao aseu papel ,na
" historia 'do-cenario ou dos cenarios aos quais elas perten-
'cern. Ao faze-lo, ao determi~arque eficacia causal tiverarn
as inrencoes do agenre ef!1 urna ou mats dire<;6~s, e COIDO
:.}SO
suas inten<;6es de rurro praia conseguiram ou nao ser cons-
titutivas de inten<;5es de longo prazo, n6s mesmos escreve-
mas mais uma parte dessas hist6~ias. A hist6ria narrativa
de urn cerro tipo revela-se 0genero fundamental e essen-
cial p~ra a caracteriza<;ao das a<;5es humanas.
E importante que fique claro que aperspectivapres_
suposra pel a argumenta<;ao ate aqui e bern diferenre da-
qu_ela dos [il6sofos analfticos que criaram explica<;5es das
a<;oes humanas que tornam fundamental a ideia de "urn"
~to humano.Uma sequencia de evenros humanos e, enrao,
lnterpretada comouma seqliencia complexa de atos indi-
viduais" eLimapergunra natural e: Como individualizar as
a<;6e~human~s? Existem COntextos em que essas Iio<;6es ~e
encarxarn rnuiro bem. Nas receitas de urn livro de culina-
ria, por exemplo, os aros sao individualizados da mesma
forn:~que al~uns fil6sofos analfticos supunham ser POSSI-
vel com re~a<;aoa codas as a<;6es. "Pegar seis ovos. Quebra.
los numa tlgela.,Acrescentar farinha, sal, aciicar etc.". Mas '
aquesrao nessas sequencias egue cada urn de seus elemen-
tos sera int'eligfvel como urna acao sornenrs enquanto urn-
elementoiPossivel-numa_sequencia: AIem disso, mesmo
tal seq,uencia ~equ.er urn contexto para serinteligfveL Se,
no m,elq, da rninha aula sobrs a erica' de Kanr, eu subita-
~ente quebrasse seis ovos', nurna t,igela e acrescentasse fa-
nnha, e acucar, sem interroinper a minha explica<;ao.' de
Kant, ndo rerei, simplesmente .devid ao, fato de que esra-
va acom~anhando urna sequen~ia prescrita por Fanny Far-
" mer, reallzado uma a<;aointeligfveL, "
, A isso se pode teplicar que eu realizei umaa<;ao ou urri
co~}un,to' de a<;6es, rcesmo que nao uma a<;ao inteligiveL
~~ aI~SOquero COntestar que 0conceito de urna a<;aoirite-:
IIglvel emais fundamental do que 0 de urna a<;3:6como tal:
I
i
I
,351':
0' '
j
As acoes ininteligiveis sac candidatas reprovadas ao status de '
ac;ao inte'ligivel; e juntar acoes ininteligiveis e inteligivels
numa so classe de acoes e, depois, caracterizar aac;ao seguli-
do 0que os itens de cada conjunto tern em comum ecome-
ter 0erro de ignorar isto. Tarnbern e menosprezar a irnpor-
tancia fundamental do conceito de inteligibilidade .
. A importancia do conceito de inteligibilidade tern re-
lac;ao intima .com 0faro CIeque a distincao mais basica de
tudo 0que esta contido no nosso discurso ena nossa pratica
nessa area eaquela entre os seres humanos eoutrosseres. Os
seres humanos podern ser considerados responsaveis por
aquilo de que sap autores; outros seres nao p~dem. Ident~fi':
ca/urna ocorrencia como uma ac;ao e, nos exemplos paradig-
maticos, identifica-la com urn ripo de descricao que nos per-
'mita vertal ocorrenba'como fluindo inteligivelmente de in-
tencoes, motivacoes, paixoes epropositos de, urn agente hu- '_
mano, ,E, porranre, compreender 0 ate como algo pelo q,uat
alguern 'e responsavel, sobreo qual esernpre apropriadope.-
, dir ao agen~e uma explicacao.inreligfvel, Quando uma ocor- '
rencia e clararnente a ac;ao pretendid~pelo agentehumano,
porern nao conseguimos idenrifica-Ia assirn, ficarnos tanto
'intelectual quanta praticamente frustrados. Nao sabemos
cornoreagir; nao sabemos como explicar; nao sabernos nem
como caracrerizar minimarnente como uma ac;ao inteligivel;
nossa distinc;ao entre 0 humanamente explicavel e 0 mera-
,men~e naturalparere ter-se destrufda. E esse tipo de frustra-~
c;ao ocorre; de faro, em.inurneros tipos de situac;~o; quando
entrarnos em culturas estrangeiras, all mesmo em estruturas '
sociais est;~nhas dentro da nossa propria cultura, quando
nos depararnos com certos. ripos de pacienre n~uro~ico ou
psicoricote, de faro, aini~teligibilidade dos atos de tais pa-
tientes que os leva a ser tratados coo:o pacientes; os atos '
J
, ,
ininteligiveis para 0age'nte e tambem para todas as outras
pessoas sao entendidos - cor~etamente _ como Ulna especie
de sofrimento), mas tambem em situaC;6es Cotidianas. Veja-
mos urn exemplo.
, , ,
Estou esperando -urn onibus e 0jovern que esra ao
meu lado diz subitamente: "0 nome do pato selvagem co-
mum eHistrionicus histrionicushistrionicus". Nao ha proble-
ma quanro ao significado da frase que ele pronunciou; 0
problema e como responder apergunta: 0que ele esta fa-
zendo ao dizer isso? Vamos supor que ele dizessas frases a
interval!?s aleatorios, seria uma forma possivel deloucura.
Ele tornariainteligivel seu aro elocui:orio se uma das se-
guintes condic;6es se revelasse verdadeira: Ele m~confun-
diu com alguern que se aproximara dele nabiblioteca na
vespera elhe perguntou: "Voce saberi a, por acaso, 0nome
cientffico do paro selvagem comum?" Ou ele acabade'sair
de uma sessao de psicoterapia que 0convenceu a veneer a
timidez conversando Com estranhq~. - Mas 0 que devo di-
zer?- Ah, qualquer coisa! Ou ele eurn espiao sovietico que
m.arco~enc~nt:ro ali eesra dizendo ~senha mal-escolhida que
o Iden9ficara para apessoapor quem espera ..Em cada wit dos
casos 0ato elccutorio rotnou':se inteligfvel ao encontrar seu
lugar nurna narrative!' -).: ,
Pode-se replicar que nao efl'ecessario oferecer uma nar-
/' ~ativ~~a'ratornar talato inteligfveL So epreciso c~nseguir,
IdentlfIcar 0devido ripo deato de fala (ex.: "Elee~tava res- '
ponde~doa urna pergunta") ou\alguma finalidad~ a,que Sua
docuc;ao atenda (ex.: "Ele estava tehtando cha~ar a sua
atenc;ao''>.. Mas os aros da fala e'as finalidades 'tambem po-
dem ser Inteligfveis ,ou.ininteligfveis. Vamos supor que 0'
homem que esta no POnto do onibu5 explica seu aro elocu-
rorio dizendo: - Eu estava respondendo auma p~rgu,nta. E~
, )
..
, '. . I , ..
respondo: - Mas ~u na'o the pergunrei nada que pudesse re-:
ceber aquela resposra. Ele diz: :- Ah;eu seidisso. Novarnen-
re; seu ato se torna ininteligivel. E'poderiamos' criar com fa-
cilidade urn exemplo paralelo para demonstrar que 0mero
faro de uma a~ao servir aalguma finalidade de tipo reconhe-
cido nao esuficiente para tornar 0ato inteligiveL Tanto as .
finalidades quanto os atos da fala requerern contexro. ,
otipo mais conhecido de contexto no qual' osatos da /
fala e as finalidades se torn am inteligfveis e a conversa. A
conversa e urn' traco tao presence no mundo humano que
cosrurna escapar a atencao filosofica. Nao obstante, se a' I.
cooversa for elirninada da vida humaoa, 0que resta? Aoa-
lisem~s, enrao,' em que 'coosiste acompaohar uma conversa
e achar se e intdigivel ou iointeligivel. (Achar a cooversa, .
int~ligivel nao'e 0.mesmo que enrende-Ia; pois a conversa .
que entre~uc;o, pode ser inteligivel, mas posso nao enrende- .
la.) Se ouco uma.cooversa entre.duas pessoas, minha capa-
'/~cidade de pegar ofio ciameada cbnsisrira oa capacidade de
encaixa-Ia nurn corijunro de descric;oesno qual se revele 0
grau eo .ripo de coerencia da conversa: "conversa debeba-
dos", "u~ s'eri(j desacordo Tntelecrual", "urn tragi co rnal-
. enteodido entre as d~as pessoas", "entendimentofocorret?
ecomico ou mesilla caricato, dos .rnot ivos de urn ede ou-
tro", "Lima pr~fundatroca de ideias",' "tenrativa.da urn do-,
rninar 0outro", "urn exernplo trivial defofoca". . .'
ousodas palavrasvtragiro", "cornico" e"caricato"
nao e irrelevanre em tais :lvalia'c;oes .. Classificamos as
conversas ern g@~er6s, exatamente Como fazerrios com as
narrarivas Iirerarias. De fato,- a vconversa e urna' obra
' '. , {
dramatica( rnesmo que curta, na qual os participante~
sao alern de arores os co-aurores, elabonindo em con cor-
., . . , -' -, ( -
danciariu discordancia a modalidade de sua producao,
'" -'VI ._
".
\
As conversas, nao pertencem' apenas ageneros, do mesmo
' modo que as pec;as e OS,romances; elas tambem tern inf-
cio, rneio efim, como as obras literarias. Elas Contem in-
versoes e reconhecimentos; dirigem-se ao climax e dele
se afastam. Numa Cooversa'mais looga, pode haver des-
vios e subtramas, ate desvios deotro de desvios esubtra-
mas dentro de subtramas.
Porem, se isso e verdadeiro com relaC;ao a conversas,
rambern everdadeiro mlltatis mutandis com rela~ao a bata-
lhas, partidas de xadrez, oamoros, semioarios de filosofia,
f~mflias amesa de janrar, executivos. oegociaodo Contratos
~isto e, com rela~ao as interac;oes humanas em geral. A
cooversa, pois, compreeodida no sentido rnais amplo, e a
forma das interaC;6es humaoas em geral. 0 comportamen_
.to Cooversacional oao e urn tipo. ou aspecto especial do
comportamento humano, embora as forrnas de uso da lin-
guagem e de vida humaoa sejam rais que os atos das ou-
tras pessoas falem tantopor elas quanrn suas palavras. I sso
s6 epossfvel porgue sao atos daqueles que tern palavras.
Esrou apresentando taoto as cooversas,' em especial,
quanrn as ac;oes humaoas, em geral, como oarrativas ence-
nadas. Narrativanao e a obra de poetas, dramaturgos ou
r6maocistas que pooderam sobre fatos que nao tioham OF
demo narrativaantes de lhes ser imposta pelo cantor ou
pelo escritor; aforma narrativa nao edisfarce nem decora-
.c;ao. Ao discunr 0mesmo assUnto, Barbara Hardy escre-
veu que "sonhamos em forma de oa,rrativa, devaoeamos
.ern narrativa, recordamos, prevemos, desejamos, nos de-
sesperamos; duvidamos, plaoejamos, reconsideramos, cri-
ticamos, inventamos, mexericamos, aprendemos, odia~os
e amamos por meio de narrativas" (Hardy 1968, p. 5).
No ioicio deste capitulo, argumeotei que, ao identifi-
sar ecompreeoder corn sucesso 0que alguern esra fazeodo,
' I . ,
sempre nos movemos no se,ntido de situar urn episodic
particular no contexte de urn conjunto de .historias narra-
tivas, historias tanto dos .indivfduos envolvidos quanto (dos
cenarios nos quais atuarn esofrem. Agora 'esta se tornando
claro que tornamos inteli~fveis os atos de outras pessoas
dessa forma porque 0ato em si tern urn cararer fundarnen- .
talrnente hisrorico. E porque todos yivenciamos narrativas
nas nossas vidas e porque enrendernos nossa propria vida
nos terrnos das narrativas que vivenciamos, que aforma de
narrariva eadequada para se entsnder os atos de outras pes-
soas. As historias sjio vividas antes de serem contadas _ a
nao ser em' caso de fio;ao. \
Isso tern sido negado nos debates recenres, e claro,
Louis O. Mink, ao discordar da tese de Barbara Hardy, afir-
,mou: "As hisrorias nao sao vividas, porern conradas. A vida
nao tern infcio, meio nem fim; ha enconrros, mas 0infcio
de urn caso pertence it his tori aque contamos anos mesrnos
mais tarde, e ha separacoes, mas separacfies derradeiras so-
mente na historia. Ha esperancas, planos, batalhas eideias,
mas so em hisrorias rerrospectivas,as esperancas nao se rea-
Iizarn, os pianos fracassam, as batalhas sao decisivas e as)
ideias saosern inais. So na hisroria eaAmerica que Colom-.
bo descobre, e sornente na historia perde-se 0reino pela
falra de u~prego." (Mink 1970, p. 557-8).:
oque dizer com relacao a isso? E cerro que devemos
concordar que eso retrospectivamente ql!e se pocie caracte- .
. rizar as esperancas como nao-realizadas ou as ba.fa!ha~
co~o' de'cisivas ere. Mas assim as caracterizamos tanto na
vida quanto 'na arte. E para quem diz que na vida nao ha /
finais, ouque. as separac;6es definitivas so acontecem nas
historias, ficamos ten~ados a responder: "Mas voce nunca
ouviu falar na m'arte?" Homero nao tinha de contar 0 caso
, ">,
p
de Heitor antes que Andromaca lamentasse asesperanc;as
frustradas easeparac;ao final. Existem incontaveis heitoi:es
eincontaveis andromacas cujas vidas assumiram aforma de
seus homonimos homericos que, todavia, nunca chamaram
a atenc;ao de poera nenhum. A verdade e que,ao conside-
rarmos determinado acontecimento como infcio ou final
. ,
nos the atribufmos uma importancia que pode ser discuu-
vel. A republica romana acabou com a morte de Jl'dio Ce-
sar, ou em Filipos, ou com a instituiC;ao do principado? A
resposta e que, segurameote, como ade Carlos II, foi uma
morte muito lenra; mas essa resposra implica tanto areali-
dade de seu final quanro qualquer uma das antecedentes.
Ha urn sentido fundamental no qual constituem in1cios 0
.principado de Augusto, ou 0jurarnenm na quadra de te-
nis, ou a decisao de co~srruir urna bomba atom ica em Los
Alamos; apaz de 404 a.c., aabolicao do Parlamento Esco-
.ces eabatalha de WCl.terloo, igualmente, constituem finais;
embora existarn muitos ourros eventos que sao tanto come-
C;OScomo finC!is.
Assim como os infcios, os meios eos fins, rambern os
generos e 0fenomeno da inserC;ao. Vejamos a pergunra
acerca de aqual geriero perrence avida de'Thomas Becket,
I uma pergunra que e preciso perguntar eresponder para
que se possa decidir como deve ser redigida. (Na opiniao
paradoxal de Mink, so se deve formular essa pergunra de-
. pois de escrita abiografia.) Em algumas das vers6es medie-
vais, a carreira de Thomas e apresentada segundo os dog-
"mas da hagiografia medieval. Na Thomas Saga islandesa,
ele e apresentado como heroi de uma saga. ;Na' biografia
moderna de Dorn David Knowles, a hisroria e uma trage-
dia, 0 trag ico relacionamento de Thomas e Henrique II; e,
.ambos atendem a exigencia de Arist6teles de que 0 herrii
seja urn grande homem com urna falha fatal. Agora faz sen-
'- ,,, \, I' '" '(,
tido 'pergunrar quem esta certo, se e que aguem. esta cer-
ro: 0 monge William de CanterburYl auror da saga, ou 0
Professor Erneriro de Cambridge? A resposta parece, clara-
mente, ser a ultima. 0verdadeiro genera da vida Hao e a
hagiografia nem asaga, mas a tragedia. Porranro, com re-
la~ao aternas da narrativa moderns" como avida de Trotsky
ou ade Lenin, ahistoria do partido comunista sovietico ou
da presidencia d~s Estados Unidos, tarnbern podemos per-
guntar: A que genero sua historia pertence? E essa e uma
pergunta identica a: Qu.e tipo de explicacao de sua historia
sera tanto verdadeiro quanro inteligfvel?
Ou analisernos novamente como uma narrativa pode
' . ,
estar embutida em outra. Tanto nas pecas quanto nos ro-
mances ha exemplos bem conhecidos: apecaque ha dentro '
da pe~a em Hamlet, ahistoria de Wandering WiIIie em.Red~ /
gauntlet, a narrativa de Eneias a Dido no livro 2 da Eneida
etc. Mas tarnbem ha exemplos conhecidos navida real. Pen-
semos novamente no modo como acarreira de Becket como
arcebispo e chanceIer esra embutida no reinado de Henri-:
que II, ou no modo como avida tragica de Mary Stuart esta
inserida na de Isabel I, ou a historia da Confedera~ao den-.
tro da ilistoria dos Estados Unidos. Pode-se descobrir (ou
nao descobrir) que tal pessoa epersonagem de var!as narra-
tivas ao mesmo tempo, algumas delas ernbutidas em outras.
Ou, repito, 0que parecia ser uma narrativa ,inteligivel na
qual se estava interpretando urn papel pode transforrnar-se-
complera ou parcialmente numa historia de episodios inin-
teligiveis. Foi isso que aconteceu com 0personagem K. de .
Kafkatanto em 0processo quanro em f)Castelo. (Nao era por
acaso que Kafka nao conseguia terminar seus romances,
pois a ideia de urn final, assirn como ade urn inicio;:.so _tern
senrido nos termos da nariativa inteligiveL) , ,
,
r,
,
Falei anteriormente 90 agente, .nao so como aror, mas
.como autor. Agora precise salientar que 0que 0agente eca-
paz de dizer efazet de maneira inteIigivel enquanto ator re-
cebe profundas influencias do fato de nao sermos nunca nada
mais (e as vezes menos) 'que co-autores das nossas proprias
narrativas. So na fantasia vivemos as historias que nos agra-
dam. Na vida, como Aristoteles eEngels salientaram, esra-
mos sernpre sob certas restri~6es. Subimos em urn palco que
nao criamos e-nos surpreendemos participando de uma a~ao
que nao foi cria~ao nossa. Cada urn de nos, sendo 0protago-
nista de seu proprio drama, tern papeis coadjuvantes nos
dramas de outras pessoas, e cada drama restringe os ourros.
No meu drama, talvez, sou Hamlet au Iago, ou, pelo menos,
o pastor de porcos que pode urn dia tornar-se principe, mas,
'para voce, sou apenas urn cavalheiro ou.na melhor das hipo-
teses, urn segundo assassinn, ao passo que voce e0meu Po-
, IOnio ou meu coveiro, menos seu proprio heroi. Cada urn dos
nossos dramas apIica restri~6es aos outros, tornando 0 todo
diferente das partes, porern ainda dramatico.
Sao pondera~6es complexas como essas que contri.
buem para transforrnar aideia de inteIigibilidade no do de
liga~a~ conceitual entre a ideia de a~ao e a de narrativa.
Quando entendemos sua impordincia, aafirma~ao de que 0
conceito de uma a~ao esecundario ao de uma a~ao inreligj.
'vel talvez pareca rnenos esquisiro, assirn como a afirma~ao
de.quea nocao de "uma")a~ao, embora da mais aha impor-
tancia pratica, e sempre uma abstra~ao enganadora em po-
'tenci<:tL"Uma ~ao eurn momenta numa historia possivel au C
real, ou em varias historias. A ideia de urna historia e tao
fundamental quanro a ideia de uma a~ao. Uma precisa da
ourra. Mas nao posso dizer isso sem reparar que eprecisa-
rnenre isso que Sattre nega - como, de faro, roda sua teoria
do eu, que capta tao bem 0espfrito da modernidade~ r~quer
que ele far;a. EmA nausea,Sartre faz com que Antoine Ro-
quentin argumenre nao so 0 que Mink argumenta, qu~a
-narrativa ebem diferente da vida, mas que apresentar avida
humana em forma de narrativa e sempre deturpa-la. Nao
existem nem podem existir historias verdadeiras. A vida hu-
mana consiste em acoes que nao levam alugar nenhum, qu~
nao tern ordem; 0contador de historias irnpoe aos aconteci-
rnentos humanos uma ordem retrospectiva que nao tinham
quando fora~ vividos. E claro que, se .sartre/~oque~:in es-
tiver cerro - falo de Sartre/Roquenrin para diferencia-lo de
'outros personagens conhecidos como Sartre/Heideg~er e
Sartre/Marx - minha refutacao deve estar errada. Ha, po-
rem. urn ponto de acordo irnportante entre minha tese e a
de Sartre/Roquenrin. Estamos de acordo na identificacao da
inteligibilidade de uma ar;ao com seu lugar numa seq~encia
narrativa. So que Sartre/Roquentin acha que os atos huma- .
nos sao, comotais, ocorrencias ininteligfveis: ea descoberta
,das implicacoes met~fisicas disso que Roquentin elevado no
decorrer do romance, ea consequencia prarica sobre ~leeen-
cerrar seu proprio projeto de escrever uma biografia histori-
ca. Esse projeto naofaz m~is,sentido. Ou ele es~reve,a ~e~-
dade ou escreve uma historia inreligfvel, mas uma possibi-
, , , '. ',." I
lidade exclui aoutra. Sera que Sartre/Roquenrin esta certo .
. "Iernos duas maneiras de descobrir 0que l~ade errado
na tese de 'Sartre~U~a delas e perguntar: como seriam os
atos humanos destituidos de qualqll:er narrativa deturpa-
dora? Sartrenurka, responde a essa pergunta; e impressio-
nanre que, paraprovar que nao existem narrativasverda-
deira~, ele proprio escreva uma narrariva, embor~ fiufcia:
'Mas 0iinico rerrato que me considero capaz de formar da
. natureza humana an-sich, an,tes da suposta m'a interpreta- ;.
r;ao ~a narranva, eo tipo de sequencia deslocada que 0Dr. '
Johnson oferece em suas notas de viagens na Franca: "La
atendemos as damas- Morville. - Espanha. Cidades do
interior cheias de mendigos. Em Dijon, nao ~onseguimos
encontrar 0carninho para 'Orleans. Encruzilhadas da
Franr;a muito ruins. - Cinco soldados. - Mulheres. '_ Sol-
- .
dados fugiram. - 0coronel. nao queria perder cinco ho-
mens por causa deuma mulher. ., 0magistrado nao con-
segue pren,cjer 0 soJdado, mas, com permissao do coronel
.ere, ere." (citado em Hobsbaum 1973, p. 32).0 que i5S0
sugere eaquilo que acrediro ser verdade, asaber, que aca-
racterizar;ao dos arcs supostamente antes da imposir;ao de
qualquer forma niltrativa sobre eles acabara sempre send6
a:apreSentar;ao do que sao claramente' as partes des'conexas
de urna possiveCnarrativa.
Tambem pod emos tratar da questao de ourra forma .
oque chamo de historiae urna narrativa drarnarira ence-
'nada, na qual os personagens rambern SaDautores. Os pe~-
sonagens, natural mente, nunca comer;am literalm~nte ab
initio; eles mergulbam in medias res, os infciosde ,suas his-
to;rias ja fe'itos para eles ,porquem ou pelo que passou por.
all antes;Porem,~ quando Julian Grenfell OU Edward Tho-
mas partirarn para aFranr;a na guerra de 1914-18, nao en-
, cenaram menos urna narrativa do que Menelau ou Odis-
' seu quando eles partiram. A diferenr;a entre personagens
imaginarios e reais'nao esta na forma nar~ativa do que fa-
ze~; esra no, nivel de autoria daquela forma ede seus pro- '
pr10S atos. E claro que, assirn como nao comer;am onde
lhes agrada, rambern nao podemprosseguir exatamente
ycomo lhes ~prouver; cada per~onagem sofre restrir;oes das
acoes de ourros edos 'cenarios socials pressup9stos em suas
ar;oes ,ena deles, tese erifarica de Marx no classico, embo-
. , ,
". ;;
I ;
ra uma explicacao nao total mente satisfatoria acerca d.a'
vida human acomo narrativa dramarica encenada.D dezoi- .
to brumdrio de Louis Bonaparte .. ' ,'. " (
Digo que a tese de Marx nao e satlsfa~,ona"em parte,
porque ele quer apresentar anarrativa da vida s~c~al hun:a-
na de urn modo que seja compatfvel com uma visao da vida
regida por leis eprevisivel de maneira peculiar. ~as- ef~n- .
darnental que, em deterrninado ponto de uma rrarratrva .
drarnatica encenada, nao'sabemos 0 que acon~ecera a se-
guir. 0ripo de imprevisibilidade sobre aq~al argu~e~tei
no Capitulo 8 enecessario aestrutura narfattv~~a vida hu-
mana; e as generalizacoes e exploracoes ernpincas :l~eos.
cientistas sociais descobrem proporcionam uma especie de'
entendimento da vidanumanaque eperfeitarnenre compa- .
./ ' ",:' : ,:--'; ,
tfvel com essa estrutura. . /' , .
'Essa imprevisibilidade 20existe com urna seg~nda ca-
racterfstica' fundamental detodas as.narrativas vividas, urn,
' cerro cararer releologico. Vivernos nossas vidas, tanto indi-
.v~dualmenteciuanto nos nossos relacionamenros, a.luz de
certas conc'ep~6es de urn possivel futuro cornpartilhado,
urn futuro no qual certas possibilidades nos i?'lpelem para
a frente eoutras nos fazern recuar, algumas parecern ja ex
c
-
cl~idas e oiItras,' talvez, inevit~veis.Nao existe presente
que nao' sej~insrrufdo. pela im~gem dealgum futuro, e.
uma imagem do futuro que sempre se ap~esenta na ~or~a,
de urn telos - ou de uma serie de fins ou metas em cuja ~I- ,
recao esramos sempre nos rnovendo ou?eixando .d: nos
movef ~opresente. A imFrevisibilidade eateieol,ogla; por-
tanto, coexisrern em nossas vidas; assim como os ~ersona-
gens ,de uma narrativa ficticia, nao sabemos oque ac:onte:-,.'
cera. a: seguir, porern nossa vida tern urna forma qu~s~pro-
jeta na direcao do nosso futuro. ~ssim, as narrattv~ que
'( , I" ":_.' /
-::
'L:,362
./
vivernos tern urn caf<ltet tanto imprevisfvel quanro parcial-
mente teleologico. Se a narrativa da nossa vida individual
ou social river de continuar inteligfvel _ e ambos os tipos
de narrativa podern cair na ininteligibilidade _ sempre ha
restn~oes com rela~ao a como a bistoria pode continuar e
dentro dessas restri~6es existem indefinidamente muitos
modos que ela pode COntinuar.
Come~a asurgir, entao, uma tese principal: 0 homem
e, em suas a~6es epraricas, bem como em suas fic~6es, es-
sencialmente urn animal Contador de historias. Nao e, em'
essencia, mas se torna no decorrer de sua lusroria, urn Con-
tador de historias que aspiram a verdade Mas a questiio
principal nao e sobre Sua propria autoria; so posso .respon-
' der a pergunra "0que d~vo fazer?" se souber responder a
.pergunta "De que bist6ria ou hist6rias estou fazendo par-
te?" Isro e, ingressamos na sociedade humana com urn ou
mais papeis a n6s atribufdos - papers para os quais fomos
recrutados - e ternos de aprender 0que sao para poder en-
tender como os ourros reagem a nos e como nossas,rea~6es
a eles poderao ser interpretadas. E ouvindo historias sobre
~adrastas mal vadas,. crian~as p~tdidas, reis bons, porern
Imprudentes, lobos que amarnentam gemeos, filhos ca~ulas
'qu~nao recebem heran~a, mas precisam veneer na vida efi-
lhos mais velhos que desperdi~am Sua heran~a nurna vida
d~sregrada e vao para 0 exflio viver com porcos, que as
cflan~as aprendem ou aprendem equivocadamente 0 que e
urn filho e 0 que e urn pai, qual pode ser 0 elencoda peca
dentro da qual nasceram ecomo eo mundo lafora. Privar
as cri~n~as dessas bistorias .e deixa-Ias sem script, ansiosa;,
hesitantes tanto nas a~6es quanro nas palavras. Por c6nse~.
guinte, naoha como nos oferecer entendimento de socieda:" '
de nenhuIpa, inclusive da nossa, anao ser por inter~edio do
I
. \
363- '
.. - _.
estoque de hisrorias que constituem seus prirneirosrecursos
dramaticos. A rriitologia, em seu sentido original, esta no
amago de'tudo. Vico estav~cerro eJo:,ce tambe~: E tan;-
bem e claro, a tradicao moral das socl~dades heroicas para
seusherdeiros medievais, segundo os quais contar hist6rias
tern papel fundamental na nossa educacao para as virtudes.
Afirmei anreriorrnente que' "uma'' ac;;ao e sernpre urn ,
epis6dio de urna possivel historia: agora eu gosta~ia de fa-
zer uma afirrnacao semelhante sobre outro concerto, 0 da
identid~de .pessoal. Derek Parfi~~outros ~ecerite~:~te ,
chamaram nossa arencao para adiferenca entre os crrrerrosr
da ide~tidade estrita, que e uma questao detudo ounada
~ ( o~ 0reclamante do patrirnonio dos Tichborne e Q ,ulti~o
herdeiroda familia Tichborne oa nao e; ou todas as proprie-
dades d~ul:imo herdeiro perrencern ao reclarnanre ouo re-
clamante nao e,0 herdeiro ., aplica-se a lei deLe.ibniz) eas
continuidades psicologicas da personalidade, que sao uma
questao de_mais ou rnenos: Sereiaos cinque~ta ano: ~mes-
mo homem que era aos quarenta no tocante amemona, po-
der intelectual; reacoes dlticas?' Mais ou inenos. Mas ,0
fundamentil para os seres h~manos epquanto'personagc;ns
em narrativas encenadas e que, possuindo sornente os re-
c~rs~s da continuidad~ p~icoI6gica, precisamos estar aptos",
a reagir a: irnputacao de, identidade estrita. Serei eterna~
mente 0 que fui igualquer tempo para oucras.pessoas=- e" .\,
posse, arqualquefrnomen~o, ser charnado aresfon~er P?f
isso -por mais queeu est~ja mudado~agora. Nao ha com:o I
I' / undar minha identidade - ou afalta dela - sobre a,con~~- .
) nuidade -ou desconrinuidade psicol6gica do eu.-O ~u habi-
ta urn personagern cuja unidade edac;la como aunidade de
urnpersonagern. Mais uma vezha uma discordaricia ..fun-
damehtal corn os fi16sofos ernpiristas ou.analfticos, de urn ./
r lado e com os'existencialistas, de ontro ..'
, "'!" ,. , ,- "
,,,", ~
as empiristas, como Locke ou Hume, teritaram expli-
, car a identidade pessoal somente em termos de eventos ou
, estados pSicol6gicos. as fil6sofos analfticos, em tantos as-
pectos seus herdeiros, bem como seus criticos, tern lutado
com a hgaC;;ao entre esses estados e eventos ea identidade
estrita segundo a lei de Leibniz. Ambos deixaram de 'per-
ceber que foi omitido urn hist6rico, cuja falta torna os pro-
blemas insohiveis. 0 que fornece 0 hist6rico eo conceito
de hist6ria e daquela especie de unidade do personagem
que ahistoria requer. Assim como uma hist6ria nao e uma
sequencia de acoes, 'mas 0conceito de uma aC;;aoeaquele de
urn rnornenro .numa hist6ria real ou possfvel, abstraido por
algum prop6sito daquela hist6ria, assim os personagens da
hist6ria nao sao uma colecao de pessoas, porern 0 concei to
de pessoa e0 de urn personagem abstraido da hist6ria.
, . a que 0conceiro narrativo da identidade requer edu-
plo. Em primeiro lugar, sou 0 que ourras pessoas.possam,
.justificadamente,r pensar que Sou no decorrer da vivencia
J ,
de urna hist6ria que vai do meu nascimento i minha mor-
te; sou 0suj ~ito de uma hist6ria que eminha ede ninguern, ,
mais, que tern seu pr6prio significado peculiar. Quando al~
guern reclama - como alguns dos que teritarn ou cometem
suiddlo -;- que sua vida nao tern sentido, essa pessoa esra
guase sempre,e talvez caracteristicamente, reclamando
' . .- \
que anarrativa de sua vida se tOl,'pou inint~ligZvel para ela.'
que nao tern razao de set, nao se dirige a urn climax nem a" (
urn teios, Por conseguinte, 0sentido de fa~er qualqu~r icoi_/-
sa ~m vez de outra em niomentos cruciais da vida parece,
.para tal pes,soa',ter sido perdido.
Ser 0sujeito de. urna narrativa que vai do nascimento
a morte'e, comentei < anreriorrnenre, ser responsavel pelos '
.at~s eexperiencias que compoern urna vida narrave], Isto e,
,'
I"
) -.
estar aberto para ser chamadoa fornecer cerro tipo de ex-
plica<;ao do que fez ou 0que lhe aconteceu, ou 0que teste- ,
munhou 'em algum momento da vida de alguern anterior
ao momento'da pergunta. E claro que a pesso
a
pode ter es-
queCido, sofrido'danos cerebrais, ou simples,mel).te nao rer-,
, r prestadoaten<;ao suficiente na epocapara poder dar a expli-
'cac;ao releyant~. Por~.m, dize~ de alguern sob certa descri-
<;ao Co prisioneiro de Chateau d'If") que e a mesma pessoa
que alguern caracterizou de forma bem diferente CO con-
.de de Monte Cristo") e, precisamente, dizer que faz senti-
do pedit~lhe urna explica<;ao narrativa inteligfvel' que nos
permita enten'der como foi possfvel para ela, em .epocas di-
',ferentes e em lugares diferentes, ser a mesmfssi;na pesso
a
embora caracterizada'de maneiras tao diferentes. Assim, a
'identidade pessoal e exitamente aquela identiciade pressu-
, posta;pela unidade do personagem que a unidade, na narra-
.tiva requer. Serri tal unidade, naQ haveria protagonistas so-
bre os quais se pudesse conrar hist6rias. " '
. OoutrO aspecto da identidade narrativa e correlativo:
nao sou apenas responsavel,sou alguem que pode sempre
\_ I I
pedi.r uma explica<;ao aos outros, que pode questiOAar os
, ' , . " ,
outrOs. Faco parte' dahist6ria dessas outras pesso
as
, da
mesma forma que elas fazemparte da minha. A narrativa
de"quat'quer vida faz parte de urn conjuntointerligado de
'narrativas.Ademais, esse pedidod~ explica<;ao,e a explica-
c;a'o ~ferecida tem papel importante~a constitui<;ao de
nar1;ativas.Perguntar 0qu~voce fez ~'por-que; dizer 0que
eu fiz e por que, ponderar acerca das difer~n\as entre sua
explita<;a~/do que e~fiz e a minha explica<;ao do que eu'
, fiz, e vie;e-versa, sao constituintesessenciais de rodas, me-
,nos das .narracivas mais s'i~ples e resumidas. Assim, sern )
a'responsabilidade do eu cujas sequencias de ,eventosque
")- "
, ..
L.. '
. <.
" /'
or
constituem tudo' 0
. , ' menos nas narrari ,
surnidas, I SSO niio poderi ivas rnais simples e re-
bi , Ia ocorrer: e
ponsa IlIdade, faltaria ' .' ' , sem essa mesma res-
ne ,. ,as narrarrvas aouela ron-:
, cessapa para que elas e _ que a contll1uidade
torne~ inteliglveis. as ac;oes que as constituem se
E importanre reparar ue n- '
os ~onceitos de narrativa d~' aI~e~t?~ argumentando que
sabdidade sejam mais fund inte I?IbllIdade, ou de respon-
de I arnentais do '
pessoa . Os conceitos d " que os da identida-
ponsabilidade pres5upoen: ~artat~v~, .1nteligibilidade e res-
conceito de identidade pe PIOSsI~IlIdade de aplica<;ao do
a p ibilida-l ssoa aSSIm
OSSl 1idade de aplica
r
-' d I' como esre pressupoe
cada urn d A 'sao e es e tambem
os tres pressupoe a " , como, de faro
outros dois A I _, posslbdldade de apli . - d '
q , . re a<;ao e de pressupos' _ , lCa<;ao os
u~, naturalmente, todas as . icao mutua. Segue-se
~e .1dentidade pessoal isolad t~ntatlvas de elucidar a nocao
Ilgibilida,de e responsabilida:de as n~<;oes de narrativa, inre-
como fracassaram todas as t ~stao fadadas ao fracasso
. A' entatlvas desse ' '
, : gora e possfvel volrar a q _ npo,
essa"ll1vestiga<;ao d uestao que deu i ' '
d d
', a natureza da - 1 ' n1(10 a
a e: Em que cons' ,a<;ao .iurnana e da id '
A ' rste a unidade de u " entr-
,resposta e que sua unidade e . ma VIda lOdividuaP ,
va expr e e a unidade d ' ~ "
essa numa tiriica vid e uma narrati- '
para rnirn?" , a. Pergunrar "0 'b I
d . e perguntar como d ' . que e om
ade e leva-I a a cabo P evo viver melhor essa uni
mern?" , . erguntar "0que' b . 1-
0, epergunrar 0que toda e 0 em para oho-
ter~or devern rer em com ~as resposras apergunta an-
fat izar que e a formula<;ao
u
:;:. a~~gora e importante en-
tas e a tent ' ternarrca dessas d
atrva de responde-I' uas pergun-
palavras q as tanto em ato
d ue proporci0nam unid d " s quanto em
, a~e de uma vida humana e iida a VIda moral. A uni-
rat iva B' a uru ade de b '
. uscas as vezes frac' uma usca nar
assam, sao frustradas ab d-
, an 0-
r ",361'