Este documento discute as ideias de Rousseau sobre paz e guerra. Apresenta uma visão crítica dos projetos de paz perpétua de Saint-Pierre, destacando que Rousseau acreditava que a paz entre os estados dependia da forma de governo interno de cada um. Também contrasta as visões de Rousseau e Hobbes sobre a natureza humana e a necessidade de um estado forte.
Este documento discute as ideias de Rousseau sobre paz e guerra. Apresenta uma visão crítica dos projetos de paz perpétua de Saint-Pierre, destacando que Rousseau acreditava que a paz entre os estados dependia da forma de governo interno de cada um. Também contrasta as visões de Rousseau e Hobbes sobre a natureza humana e a necessidade de um estado forte.
Descrição original:
Benevides
Título original
Guerra e Paz Em Rousseau - Sobre o Projeto Da Paz Perpétua
Este documento discute as ideias de Rousseau sobre paz e guerra. Apresenta uma visão crítica dos projetos de paz perpétua de Saint-Pierre, destacando que Rousseau acreditava que a paz entre os estados dependia da forma de governo interno de cada um. Também contrasta as visões de Rousseau e Hobbes sobre a natureza humana e a necessidade de um estado forte.
Este documento discute as ideias de Rousseau sobre paz e guerra. Apresenta uma visão crítica dos projetos de paz perpétua de Saint-Pierre, destacando que Rousseau acreditava que a paz entre os estados dependia da forma de governo interno de cada um. Também contrasta as visões de Rousseau e Hobbes sobre a natureza humana e a necessidade de um estado forte.
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Guerra e Paz em Rousseau Sobre o Projeto da Paz Perptua
Maria Victoria de M. Benevides
(Faculdade de Educao da USP)
Democrata ou totalitrio, revolucionrio ou conservador, utpico
ou realista - tais antinomias marcam, com incmoda freqncia, a discusso sobre Rousseau e sua obra. Na verdade, o filsofo (pedagogo, romancista, msico, etnlogo, conselheiro poltico) franco-suo tem sido mais julgado pelo uso que feito de seu pensamento do que propriamente pelo contedo de suas idias. A Rousseau se atribui, entre outras inconvenincias, a paternidade inglria de alguns dos "piores erros" dos sculos XVIII e XIX, do romantismo em Literatura ao autoritarismo em Poltica.
Mais do que destemperos intelectuais ou justificativas
ideolgicas, essas "provocaes" revelam a dificuldade em se analisar, numa viso global, a obra de Rousseau e sua herana. Intil insistir, portanto, no ser este nosso objetivo. O que se pretende situar, em rpidas notas apenas indicativas, algumas concepes de Rousseau ao constatar - e profetizar - a banalidade trgica da constante oscilao dos Estados entre a guerra e a paz.
Poucos so os escritos de Rousseau dedicados exclusivamente s
condies de paz na sociedade internacional, quer una ou
fragmentada. O que desperta a ateno o entusiasmo quase
ingnuo das proposies, paradoxalmente vizinho veemncia das crticas e ao pessimismo inabalvel de seus prognsticos. Destaque-se, pela especificidade, a exposio e o julgamento dos projetos de Abb de Saint-Pierre.
De maneira difusa, tais idias tambm se encontram
nos Discours sur l'Inegalit, nos textos sobre L'tat de Guerre e certamente no Contrato Social, sobretudo atravs das crticas s teses blicas de Grotius, Pufendorf e Hobbes.
Em que pesem as visveis contradies (j se tornou comum
apontar a "inconseqncia" no discurso rousseauniano, da teoria ao), o pensamento de Rousseau, no campo especfico das questes sobre o conflito mundial, revela momentos inequvocos de uma certa ideologia e de uma prtica possvel, ou pelo menos desejvel.
bem verdade que o dizer e o fazer equilibram-se mal em
termos de propostas concretas e factveis; estas se expressam, teoricamente, na linguagem que oscila da admirao moral embora ctica e crtica - aos projetos de paz perptua de SaintPierre e Kant e a contestao, radical, da tese da "guerra de todos contra todos" de Hobbes. Mas a crtica freqente que aponta, de sada, as contradies e o idealismo das propostas polticas de Rousseau, embora pertinente, peca pelo imediatismo estril; destri a raiz das idias, empobrece a anlise.
Se o clssico desacordo entre moral e poltica assumido por
Rousseau como mito ou verdade pouco importa. D-se curso discusso, leitura. H que surgir, incompletamente que seja, a passagem da teoria prtica, do ideal ttica. Com razo ou emoo, utopia romntica ou realismo pessimista, impe-se um certo fascnio nas propostas de Rousseau: simultaneamente sedutoras, pela defesa do homem pacfico na natureza, e inquietantes, pela acusao do homem blico na sociedade. H que perceber, numa anlise que foge aos limites destas notas, de que maneira - e se - coexistem no Rousseau daqueles textos o Direito das Gentes e um possvel embrio do Direito Internacional. Ou em que medida se d a passagem da vontade geral vontade universal, da circunstncia norma, da barbrie ao Direito.
Rousseau e os projetos do Abb de Saint-Pierre
A Paix Perptuelle do Abb de Saint-Pierre (1658-1743) foi
originalmente publicada em 1712, ano da Paz de Utrecht, e seu Discours sur la Polysynodie em 1719, durante a Regncia aps a morte de Lus XIV. Re-escritos por Rousseau em 1756, sob a forma de Extraits, dele mereceram minuciosas crticas (os Jugements, publicados somente em 1782) sendo respeitados, no entanto, pela denncia, partilhada, do absurdo imoral das guerras e dos males de um Estado forte e centralizado. Os projetos de Saint-Pierre iluminariam, sem dvida, a teoria de
Rousseau sobre a Federao assim como a tese de Kant sobre a
Liga Mundial para a paz.
O projeto de paz perptua de Saint-Pierre parte de uma viso
histrica bastante ctica quanto s possibilidade de "fraternidade" entre os povos europeus, apesar de reconhecer os laos profundos que os unem contra o exterior, a "barbrie".
Essas ligaes seriam, na realidade, fonte de funestas divises; a
poltica dos tratados (trguas passageiras!) sbia no papel, porm dura e cruel na prtica. Mas essa unio imperfeita ainda melhor do que a desunio tout court; as imperfeies do meio social trazem em si, dialeticamente, os grmens da perfeio.
Trata-se, portanto, de transformar em paz perptua um estado de
guerra latente. Inexistindo um Direito Pblico comum Europa, valer sempre o direito do mais forte. Para uma unio slida e duradoura Saint-Pierre prope a confederao dos prncipes europeus baseada na interdependncia de seus membros. Deslumbra-se Saint-Pierre com a imagem de uma fortaleza europia contra toda e qualquer cobia brbara; substitui, como uma projeo da tentao capitalista, a arte da guerra pela arte do comrcio. E, na sua viso ao mesmo tempo idealista e utilitria, a paz seria funo da "sabedoria decorrente da lgica dos interesses de todos".
A proposta concreta de Saint-Pierre prev a criao de
Conselhos Deliberativos Permanentes - o Polisnodo - como a formao mais natural, justa e til para um governo pluralista com vistas paz perptua. O Rei precisa de ministros? Componha-se, ento, um governo misto, monrquico na deciso, republicano na deliberao. A virtude democrtica dos Conselhos estaria assegurada pela composio atravs do voto, do sistema de mrito, da rotatividade no comando. Revolucionrio para a poca, ou apenas ridculo para o cinismo dos poderosos, Saint-Pierre no considerava quimrico o seu projeto, mas essencialmente lgico, pois dependeria de uma feliz combinao entre a vontade do soberano e a conscincia de seus reais interesses. Assim, sua no-adoo revelaria a insensatez dos homens, e no a inviabilidade do projeto. Quase resignado, Saint-Pierre se compraz no aforismo de que uma espcie de loucura ser sensato entre os loucos.
Implacvel ser a crtica de Rousseau, embora generosa s
virtudes do sbio. Prevalece seu pessimismo radical ao insistir na tendncia natural das monarquias para as aristocracias e destas para os governos despticos e corruptos. A ambio - no necessariamente frtil, como supunha Saint-Pierre - dos soberanos ser sempre dupla: expandir sua fora externa ao mesmo tempo em que torna mais absoluta sua dominao interna.
Quanto possvel vigncia de um Polisnodo, indaga Rousseau
como subordinar, na prtica, o Executivo ao Legislativo, como supor, em todas as cabeas, a sabedoria que consolidaria o
consenso? Ressalta, igualmente, a precariedade dos benefcios
advindos da "arte do comrcio", pois quando as vantagens tornam-se comuns a todos, a ningum se apresentam como reais. Conclui Rousseau que o Polisnodo seria o pior dos Ministrios, pois propiciaria abusos em nome do bem pblico: a fora de ser bom senador, torna-se mau cidado!(1) Parece evidente a denncia perspectiva do pr-burgus, aristocrtico, oligrquico.
A leitura isolada de um e de outro pode oferece a imagem de
projees igualmente idlicas (ou maniquestas) sobre o bem e o mal. Mas ao se aceitar a crtica de Rousseau a Saint-Pierre h que assinalar, tam-bm, uma diferena essencial entre ambos: Saint-Pierre situa a possibilidade de paz no plano das relaes internacionais, considerando os Estados como entidades abstratas, no sentido de independentes de sua estrutura interna; para Rousseau, ao contrrio, as relaes entre os Estados vo depender, sempre, da forma como o poder exercido dentro de cada Estado.
Assim resgata Rousseau o conceito de soberania interna como
condio sine qua non para a paz externa. Estaria a, talvez, a nota mais pessimista que prev a correspondncia de uma poltica de guerras e conquistas, no plano externo, ao progresso do despotismo, no plano interno. Comprove-se: ..."d'un cot la guerre et les conqutes, et de l'autre le progrs du despotisme, s'entraident mutuellement... les princes conqurants font autant la guerre leurs sujets qu' leurs ennemis..."(2). Expanso e tirania, eis a os dois processos em alimentao recproca, em
intensidades paralelas. Estaria a, tambm, a raiz da corrente
jacobina da poltica externa, cujo maior representante ser Lenin: o imperialismo que denunciar apresenta-se como conseqncia da armadura interna do pas e, principalmente, da atuao de suas classes.
Rousseau, Hobbes e Kant
De maneira inequvoca situa-se Rousseau como anttese de
Hobbes e do Estado absolutista. Observador de guerras civis, Hobbes percebe na criao de um Estado forte e centralizado o recurso extremo de proteo e defesa da sociedade contra a inexorvel catstrofe da guerra de todos contra todos.
No modelo hobbesiano a luta competitiva a norma, num
quadro de referncia que se queria de lei e de ordem, mas onde tudo deriva da concentrao de poderes. A igualdade de todos decorre, num paradoxo apenas aparente, da insegurana comum. O equilbrio dos poderes, defendido por Hume, substitudo pelo poder hegemnico que garante a estabilidade necessria paz. O perigo do despotismo, para Hobbes, ainda um mal infinitamente menor do que "o reino da fora e da fraude, do lobo e da serpente, que tornara insuportvel a vida do homem no estado da natureza"(3).
Para Rousseau, ao contrrio de Hobbes, a guerra no inerente
natureza do homem, mas conseqncia da vida em sociedade, que agua a competio e conduz ao conflito. A criao de um Estado, portanto, no reduzir as tenses ou a violncia beligerante; um Estado forte ameaar a paz pela compulso da conquista, um fraco tornar-se- tentao para a cobia alheia...(4).
Assim, o equilbrio no ser automtico, mas difcil, laborioso.
A interdependncia econmica, supostamente garantia de paz, terminar por gerar mais tenses do que entendimentos. E das alianas, do excesso de proteo, no nascer a paz, mas a guerra.
Na oposio Hobbes-Rousseau dois pontos merecem especial
ateno:
O primeiro diz respeito impotncia de uma "vontade geral"
frente s desigualdades inevitveis entre sociedades diversas e a expanso ilimitada do Estado. Lembre-se que a vontade geral de Rousseau s geral, na realidade, para uma determinada sociedade, mas particular para as demais. A passagem da vontade geral - que no a soma das vontades individuais, no se confunde com a vontade coletiva - para uma vontade universal no pode deixar de levar em conta as desigualdades inerentes prpria desigualdade nos poderes, entre os Estados.
As alianas e os tratados, se no as aprofundam, pelo menos as
perpetuam.
Quanto ao segundo ponto, trata-se do problema da ausncia de
auto-controle no interior dos Estados, e de seus princpios expansionistas. O Estado no um ser natural, com limites prprios e definidos, mas um ente artificialmente "construdo", que tende a aumentar e multiplicar seus controles e poderes (raiz da tentao totalitria?), tornando-se, efetivamente, o temvel Leviat. Essa tendncia gera, inevitavelmente, a rivalidade entre os Estados que, em nome da segurana e da conservao, crescero sem cessar, s custas, inclusive, dos Estados vizinhos. Rousseau contesta, portanto, "l'odieux tableau" pintado por Hobbes da guerra de todos contra todos; pois no existiria guerra entre indivduos, mas entre Estados, a guerra de potncia a potncia(5).
Contra um certo "amoralismo poltico" de Hobbes erguem-se
Rousseau e Kant, pois para ambos a guerra , acima de tudo, absurdamente imoral.
Mas para Kant, ao contrrio de Rousseau, a luta entre o egosmo
e a moral uma constante na prpria natureza do homem, e no uma conseqncia da vida em sociedade. Esta seria a salvao do homem, a condio de seu progresso moral, e no causa de sua queda. Assim, para Kant, de nada adiantaria construir uma sociedade "perfeita", um Estado "ideal", se o homem permanece
intrinsecamente egosta e ento, propenso ao conflito pela
competio.
No nvel intersocietal essa patologia poderia ser sanada pelas
virtudes da interdependncia, que consolidaria a unio em torno de interesses comuns de proteo, defesa e, principalmente, comrcio.
Kant recupera a "arte do comrcio", sugerida por Saint-Pierre
em substituio arte guerreira e prope a criao de uma Liga Mundial, alicerada na interdependncia natural, necessria, benfica. Um governo mundial seria, portanto, um imperativo moral para os objetivos da paz perptua, de certo modo o "destino manifesto" da sociedade internacional. Rousseau renega esse trao burgus da perspectiva do comrcio como linguagem de paz(6), surpreendentemente presente nas propostas de Saint-Pierre a Kant. Considera a interdependncia econmica nefasta e sequer admite-a como um mal necessrio, como uma contingncia histrica, mas sempre como uma fatalidade. Isso porque interdependncia engendra dependncia e esta s agravar as tenses entre as sociedades ao destacar, inevitavelmente, as desigualdades de ordem natural e fsica (recursos) e de ordem moral e poltica (comandos, normas e valores). Rousseau duvida da inocncia de um governo mundial como a expresso de um ideal democrtico voltado para a paz.
Caso existisse, tal governo se tornaria, rapidamente, a
manifestao insofismvel de uma vontade imposta obviamente a do mais forte. Numa projeo futurstica, como sugere Hoffmann, esta vontade seria, tambm, a vontade dos tecnocratas, os verdadeiros executivos numa situao de vazio poltico(7).
interdependncia de Kant ope-se o isolamento de Rousseau.
Ambas utpicas, a sociedade ideal para Rousseau seria fechada e para Kant to aberta quanto possvel. Uma supe a coexistncia no isolamento, outra a cooperao no engajamento. Em outros termos, seria a passagem da norma negativa de absteno norma positiva de participao. Mas Rousseau percebe, tambm, que a prpria constituio de uma sociedade atravs do contrato social engendrar, necessariamente, novas sociedades. Impossvel, pois, a absteno total, o isolamento romntico.
a partir dessa constatao que se coloca a exigncia
do consenso para consolidar um possvel Direito Internacional como garantia de paz. Esse consenso s seria vlido e til se decorrer da conscincia que cada Estado tiver da necessidade e convenincia em acatar normas comuns, referentes a interesses comuns. Este ponto remete diretamente s propostas concretas de Rousseau.
Rousseau e o ideal grego redivivo: a federao de pequenos
Estados
O polisnodo invivel, o Estado absolutista um monstro, a Liga
Mundial uma utopia. O retorno ao estado perfeito da natureza, impossvel. E ento, diria Rousseau, j que o homem fadado a viver em sociedade, que o seja em sociedades pequenas e democrticas. Ou, pelo menos, to pequenas e democrticas quanto possvel. Essa medida do possvel seria dada, para cada sociedade, pela feliz combinao entre soberania frente s demais sociedades e legitimidade de comando, frente a seus prprios cidados.
A proposta de Rousseau consiste na formao de uma federao
de pequenos Estados com fins lucrativos, isto , uma unio de Estados cada qual soberano internamente, mas armado, em conjunto, contra a agresso externa.
Trata-se, na realidade, de uma confederao, cujos laos so
mais fracos que os de um Estado hobbesiano e mais fortes que um Tratado ou uma Aliana. Inspira-se Rousseau nos exemplos da Liga Aquia, na Unio de Cantes Suos da sua poca e na Amrica de Tocqueville. Insiste na soberania e no ideal grego da primazia poltica interna e prope a extenso, s diversas sociedades, dos direitos que o Contrato Social j legara ao indivduo, contra a tirania dos grandes Estados com tendncias
hegemnicas. O conflito no seria definitivamente aniquilado,
mas as tenses sensivelmente reduzidas.
O Estado ideal de Rousseau ser, portanto, pequeno (um
territrio muito grande diminuiria as possibilidades de autonomia real) e governado por uma vontade geral, indivisvel(8). Este Estado definido, na linha de Montesquieu, como uma unio de foras e de vontade, que consolidaria a vontade geral, consensual. A submisso recproca entre os Estados se expressaria num pacto de associao, e no de sujeio. Vale lembrar, aqui, que to violento quanto o ataque a Hobbes a recusa de Rousseau em aceitar os postulados de Grotius sobre os direitos de paz e guerra. Alm da crtica feroz aos mtodos de trabalho de Grotius un sophiste pay Rousseau acusa a imoralidade na justificao do despotismo atravs dos pretensos direitos de conquista e de dominao. alegada legitimidade de um pacto de sujeio, anlogo alienao dos direitos individuais pela relao senhor-escravo, Rousseau ope o pacto social, este desejado e legtimo, do Contrato Social. Esta anlise sugere, ento, o surgimento da noo de reciprocidade, pela qual as partes descobrem o interesse em acatar uma determinada norma, comum a todos. No mais a obrigao, pela fora, mas a persuaso, pela convico e partilha dos mesmos valores. Da a passagem (possvel ou apenas utpica?) do Direito das Gentes para um Direito Internacional e aqui no seria mais um Direito Internacional de Coexistncia, mas o Direito Internacional de Cooperao, essencialmente baseado no consenso(9)
Diante desta modelar confederao impe-se a questo de saber
como trancher entre dois direitos, ou seja, at onde se estendem os direitos da federao, em conjunto, sem infringir os direitos da soberania interna. Em caso de guerra civil, por exemplo, at que ponto a mediao exercida por outro Estado no engendraria funesta submisso, marcando uma inferioridade e um golpe fatal na soberania? Por outro lado, recusar a interveno, correndo o risco de submeter-se a um jogo interno ilegtimo, no seria a escolha absurda entre a tirania, porem domstica, e a justia, imposta de fora? Como sugere Vaughan, o ideal, na viso de Rousseau, seria a conjugao da potncia externa de uma grande nao com a poltica disciplinada e saudvel de um pequeno Estado: "tranquille au dedans, redoutable au dhors"!(10)
O ideal dos pequenos Estados revelou-se uma causa perdida.
Simplesmente no vingaram. No curso da Histria no sobreviveram, de qualquer modo, ao impacto da Revoluo Industrial, que levou expanso das fronteiras e interdependncia econmica, e ao fortalecimento dos nacionalismos que acirrou os conflitos externos. As antigas confederaes (germnica e sua) que, de certa forma, teriam realizado o ideal de Rousseau, transformaram-se em fortes Estados, assim como as naes expandiram-se em poderosos imprios. Os Estados ideais de Rousseau so ideais mesmo; se existissem no poderiam, manter a virt a no ser isolados. E o isolamento contraria a tendncia irreversvel do desenvolvimento econmico, do "vigor burgus".
De duas, uma: a proposta de Rousseau utpica porque percebe
a possibilidade de paz apenas num mundo ideal, logo inexistente, no qual a norma geral no seria desejvel nem mesmo necessria, ou porque, ao situ-la num mundo real, constata a inexistncia de uma ordem justa que garanta as condies de paz duradoura. A experincia histrica mostra que as desigualdades entre as naes tendem a aumentar, e no a se dissolverem: a desigualdade estimula o conflito e o apetite hegemnico que se revigora, hipocritamente, nos preparativos para a paz. Da o aparente paradoxo de que a guerra nasce da paz.
Uma considerao final: em relao a Grotius, Rousseau teria
inovado ao situar o estado de guerra sempre entre Estados, e no entre indivduos. No entanto, como lembra Hoffmann, se o Estado a expresso da vontade geral - e no o brao armado do prncipe, do tirano - a guerra entre os Estados seria, tambm, uma guerra entre populaes, entre homens. Nesta mesma linha Rousseau ope-se aos "cosmopolitismos" admitindo a associao de governos, mas no de povos. Mantinha-se, porm, eqidistante no revide s teses cosmopolitas e nacionalistas, embora no seu papel de conselheiro poltico tenha enfatizado, para os Corsos e para os Poloneses, o "orgulho nacional" como o verdadeiro motor da vontade geral. A defendia, ao invs da potncia nacional agressiva, o culto s virtudes cvicas, a paidia patritica.
Rousseau no chega, parece claro, a apontar solues concretas
para a ordenao do "caos internacional". Suas proposies, na
realidade, revelam a inviabilidade de um meio internacional
pacfico, pois predominar, sempre, a lei do mais forte, a lgica da fora. Permanece Rousseau dividido em sua dicotomia bsica: a f inabalvel na bondade natural do homem e o pessimismo radical quanto vigncia de uma sociedade justa.
Mas o pessimismo diante da teia sufocante e insofismavelmente
presente dos poderosos no esconde uma vocao totalitria. A leitura de Rousseau para fundamentar a impossibilidade de um regime democrtico, para ressaltar a fora contra o Direito, uma provocao recusada na fonte. Em nome do Rousseau do Contrato Social, do consenso, da legitimidade, da democracia.
1. "Jugement sur la Polysynodie", in C. E. Vaughan (ed.): Jean
Jacques Rousseau - The Political Writings, vol. I, p. 422. 2. Rosseau - "Jugement sur la Paix Perptuelle", The Political Writings, vol. I, p. 390. 3. Rousseau - "L'tat de Guerre", The Political Writings, vol. I, pp. 287-8. interessante lembrar que o ttulo original deste texto, escrito provavelmente entre 1753 e 1755, era "Que l'tat de guerre nait de l'tat social". 4. Stanley Hoffmann - "Rousseau, la guerre et la paix", in Rousseau et la Philosophie Politique, vrios autores, Paris: PUF, pp. 206-08. 5. Rousseau - "L'tat de Guerre", ed. cit. pp. 293-299.
6. Lembre-se, no discurso do Kennedy round que deixou
herdeiros, as propostas de consolidao da paz mundial atravs dos laos de dependncia comercial. 7. Hoffmann, citada, pp. 235-8. 8. Rousseau Ltat de Guerre, ed. citada, p. 299. 9. Sobre Rousseau e Grotius ver, de Robert Derath: J.J. Rousseau et la Science Politique de son Temps. Paris: PUF, 1950, pp. 71-78. 10. C. E. Vaughan - citada, p. 100, n.p.p. n 2.