Maquiavel e Hobbes - Individuo
Maquiavel e Hobbes - Individuo
Maquiavel e Hobbes - Individuo
“Por mais que seja mais forte que o outro, ou mais forte de espírito,
olhando o homem como um todo, as diferenças são muito pequenas. Desse
modo, se um indivíduo é capaz de matar com força, por ser forte de corpo, o
outro pode matar o mais forte através da maquinação ou aliança com os
outros que sofrem o mesmo mal. Há uma igualdade de ação possível. Os
homens não obtém prazer nessa relação de igualdade.”(O Leviatã, p.14)
Para resolver essa contradição lógica, segundo Hobbes, não era necessário ser bom
ou corajoso, bastava um pouco de engenhosidade, de inteligência. É partindo da premissa
de que o medo da morte também é igual para todos, que a razão humana constata o absurdo
da guerra e busca da paz. A razão de todos para inventar e produzir efeitos- é o
mecanismo hobbiano. O estado é obra pois, de todos os indivíduos e não de um como em
Maquiavel. O indivíduo de Hobbes é autor dos atos do soberano “porque o último é
representante”. O homem é um ser de artifício e invenção. O indivíduo e sua vontade são o
fundamento da legitimidade política. É esse individualismo que está na origem de seu
absolutismo, pois:
Mas, afinal, o que faz das obras de Maquiavel e Hobbes elos tão fortes na
compreensão deste mundo que se pretende pós-moderno? Não há dúvidas de que a
resposta, por tudo que já foi apresentado, seria longa: autoridade, razão de estado,
segurança pública, relação igreja-estado... Mas um aspecto aqui será recolocado com maior
ênfase – a questão do indivíduo. É certo que a história do termo individualismo é
relativamente simples. Tocqueville foi um dos primeiros a utilizar este vocábulo, que é
apresentado como um neologismo no segundo capítulo de “A democracia na América”.
Para Tocqueville, ele significa a renúncia dos interesses públicos em favor da esfera
privada. Trata-se da substituição da comunidade única pela infinitude de células
autônomas, uma conseqüência do espírito igualitário que reina na democracia. O horizonte
do individualismo, portanto, é a solidão. Mas o termo adquiriu também um sentido mais
amplo, segundo o qual ele descreve a ideologia de uma sociedade que toma o indivíduo
como seu valor primeiro. Neste sentido mais amplo e mais “positivo” o individualismo tem
sido a tônica dominante da moderna sociedade ocidental desde o renascimento. É nessa
última concepção que nos deparamos com Hobbes e Maquiavel. Certo é que entre o
indivíduo excepcional de Maquiavel – o príncipe – e os indivíduos hobbianos que em
desordem e guerra, criaram o gigante coroado – o Leviatã – há diferenças.
Independentemente do lugar reservado a este – o indivíduo – criava-se ali uma marca
indelével de nossos tempos: o um, o particular, o átomo social; ainda que hoje muito mais
próximo da solidão e do egoísmo, já apontados por Tocqueville.
Seus espíritos fundadores do individualismo foram vitais até mesmo para a
fundação dos maiores mitos do individualismo moderno europeu. Afinal, o “Doctor
Faustus” (1592) de Marlowe – não é um homem que aspira ao conhecimento absoluto a fim
de obter o poder absoluto e indiferente aos meios, promove o pacto com Metistófeles? Que
dizer do “Dom Quixote”de Cervantes (1615) que repudia o mundo e confunde desejo com
realidade, paixões e apetites? Como compreender “Dom Juan Tenório”(1616), personagem
da obra de Tirso de Molina que deseja seduzir mulheres e empregar quaisquer meios? E,
por fim, não é “Robinson Crusoé”(1719) de Defoe uma celebração da autonomia, da
capacidade racional de superar adversidades? Todos tornaram-se personagens edificantes,
atraentes, sedutores. Todos celebram o indivíduo, percebido como sujeito de direito e
possuidor de um valor irredutível. Maquiavel e Hobbes forneceram a base, a literatura
moderna deu o tom.
E quanto a nós, “pós-modernos”? Vivenciamos – num misto de solidão e egoísmo,
amparados na expressão liberdade. Chamamos de ideologia o que há muito se fixou como
comportamento, como mentalidade; legitimamos como atributo da democracia, exercício
salutar da diferença. Exteriorizamos as arestas desse sótão aparentemente ventilado,
disfarçamos a difícil trajetória que nos atrela ao porão do egoísmo. Maquiavel e Hobbes
apontam, celebram e explicitam. Nesse sentido, resgata-se o já colocado: tão distantes e tão
próximos deles hoje estamos... Talvez já estejamos devidamente trajados e
confortavelmente instalados em outra espécie de torre de marfim.
BIBLIOGRAFIA
01 – BOBBIO, Norberto. Dicionário de política. 2v. 9ed. DF, NUB, 1991. 1318p.
02 – CHATÊLET, F. História das idéias políticas. 1ed. RJ, Zahar, 1980. 158p.
03 – CHEVALIER, J. As grandes obras políticas de Maquiavel a nossos dias. 8ed. RJ, Agir
1993. 342p.
05 – LOPES, Marcos Antonio. A imagem da realeza. 1ed. SP, Ática, 1994. 88p.