O Processo Criativo de Pina Bausch - Priscila Sztejnman e Fernanda Gonzales PDF
O Processo Criativo de Pina Bausch - Priscila Sztejnman e Fernanda Gonzales PDF
O Processo Criativo de Pina Bausch - Priscila Sztejnman e Fernanda Gonzales PDF
Rio de Janeiro
2011
Rio de janeiro/2011
AGRADECIMENTO S
Dedico essa pesquisa minha me Lcia Helena Gonzlez, memria do meu pai; Jos
Vitor Pimentel, minha av Dalva Pimentel e a toda minha famlia que sempre me
apoiou.
Fernanda Gonzlez
Dedico essa pesquisa meu pai Jankiel por ter sempre me instigado a realizar minhas
inquietaes, minha me Vitoria por ter estimulado meus desejos e virtudes, meus
irmos Illan e Alexandre por terem sido cmplices da minha trajetria e ao Leonardo
Zonenschein por ter feito parte do meu processo artstico dentro e fora da faculdade.
Priscila Sztejnman
SUMRIO:
Epgrafe
1. Introduo ---------------------------------------------------------------------------------1
2. Sobre Pina Baush -------------------------------------------------------------------------3
2.1-
2.2-
2.3-
Minha vida vai ser longussima porque cada instante . A impresso que estou por
nascer e no consigo. Sou um corao batendo no mundo. Voc que me l que me ajude
a nascer.
(Clarisse Lispector)
Eu no investigo como as pessoas se movem, mas o que as move.
(Pina Bausch)
1- Introduo.
Eu queria fazer algo bem bonito, mas no d. Eu queria ter algo bem
bonito para falar, mas eu vou tentar fazer. Ento, em primeiro lugar,
eu ia pegar uma folha de papel, depois rasgar e colar o mais depressa
possvel.Ento, eu queria enlouquecer, eu ia ficar completamente
louca.(...)A, eu queria que alguma coisa bonita acontecesse, bem aqui
no centro do palco, e eu ia ficar ali observando.
(Ruth Amarante, no espetculo gua).
O nosso projeto parte desse ponto, dessa descoberta como metodologia para a
criao de uma obra. Projetamos a ideia de elaborar uma pergunta como guia para o
nosso trabalho. Mas, ao invs de somente nos perguntarmos, decidimos ir perguntar s
pessoas na rua, exatamente porque buscamos as relaes humanas como linguagem.
Traamos vrias perguntas, at chegar qual realmente nos serviria para abrir um leque
de possibilidades, sem nos distanciar do nosso objetivo.
Se voc pudesse repetir algum momento da sua vida, qual momento voc
repetiria?. Essa pergunta foi escolhida, pois ela ao mesmo tempo especfica e
universal; e junto com ela ns poderamos focar a repetio como a linguagem central.
Com esse questionamento, ns fomos atrs de respostas que poderiam ser
atravs de palavras com as pessoas nas ruas e para ns atravs de movimentos, palavras
e composio. Recolhemos material com pessoas diversas. E depois fizemos uma leitura
a partir das respostas obtidas e filmadas. A partir disso analisamos os temas mais
frequentes, ou mais marcantes e desenvolvermos a nossa perspectiva sobre o todo.
Ao longo dos ensaios, nos apropriamos de temas que se destacaram ao longo da
nossa pesquisa tais como: o processo criativo elaborado pela Pina Bausch; a repetio
como uma forma de linguagem; a subjetividade como possibilidade de transparecer o
outro; e a composio como metodologia para a criao da dramaturgia.
Jooss nunca poupou elogios ao dizer que Bausch era o maior talento que ele j havia
visto.
2.1-Tanztheater Wuppertal
2.2-
Pina Bausch passa, ento, a apresentar questes aos bailarinos. Muitas vezes
uma pergunta, uma palavra, um som ou uma frase. Em sua maioria, as questes devem
ser respondidas em forma de movimento. No primeiro ensaio de Bandoneon (1980) ela
mandou uma tarefa aos bailarinos:
Apenas uma simples frase. Pode ser uma questo, se voc quiser. De qualquer
forma, no uma frase longa. Escreva-a em algum lugar. Voc no a deve mudar
mais tarde. Apenas brincando, atuando com gestos. Tente expressar o que voc
escreveu. Voc tambm pode simplific-la; at mesmo mudar a ordem. (...) S
veja se voc pode pass-la para ns atravs de gestos. Ento, vamos ver se nos
entendemos.
(Fernandes, 2007, pg.48)
A partir ento das respostas dos bailarinos ela vai escolhendo as cenas, que so
repetidas por algum tempo pelos bailarinos. E Dessas, ela peneira ainda mais. Tudo
re-moldado por ela para uma forma esttica. O movimento repleto de possibilidades,
quando mais voc vai repetindo, eles vo se transformando e se adicionando. Ao final,
ela vai tentando juntar um movimento com outro, mudando os bailarinos de parceiros,
testando, mexendo, recortando.
2.3-
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Escolhemos usar da composio, visto que essa ferramenta abriga por completo
a nossa inteno de utilizar histrias que remetem s sensaes. O nosso trabalho no
tem como base um texto fixo, ou uma dramaturgia fechada, e sim desejamos criar uma
construo cnica particular derivada do nosso trabalho de pesquisa.
A linguagem da composio foi utilizada, pois ela resultante da reunio de
elementos distintos entre si, mas que juntos formam um novo significado. um
somatrio de elementos que foram por ns pr-selecionados durante o processo, e que
se transformaram em uma construo cnica de carter nico.
No primeiro ensaio, cada uma elaborou uma ideia de composio a ser realizada.
Ns queramos trazer para o nosso encontro uma proposta de resposta para a pergunta
central do nosso projeto. Fernanda trouxe uma partitura em que respondia cenicamente
qual momento ela repetiria. Priscila props um exerccio em que as duas se colocariam
em lugares opostos no espao e precisavam desejar se abraar, porm quando houvesse
a aproximao dos dois corpos, o momento se congelaria, e cada uma voltaria para o
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seu lugar inicial. Isso porque no geral, todas as respostas obtidas derivavam do desejo
de querer encontrar algo impossvel de alcanar. Era uma sensao que conduzia a um
movimento da subjetividade de cada um, que na verdade se transformaria numa
frustrao, pela impossibilidade real de concretizao.
Coincidentemente, as duas elaboraram uma ao que era conduzida por um
abrao. A partir dessa experincia, o trabalho encontrou um direcionamento que durante
a construo de todo o material cnico, acabou por transpassar e interligar todas as
sensaes.
Os estmulos para o abrao so sempre diferentes, o desejo de querer abraar
muda a cada momento, de acordo com a fala e sentimento executados durante a cena;
conduzindo a vontade de abraar. Mas no momento em que o abrao est prestes a ser
concretizado, a realidade faz com que ele se desmanche. Pois impossvel abraar, ir de
encontro a algo que j aconteceu j que a sensao diferente a cada momento,
impossibilitando a repetio, mesmo que a ao seja precisamente a mesma.
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5.1-
Experincia artstica
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Foram cem pessoas, pois assim, tivemos uma margem significativa para iniciarmos
nossa dramaturgia.
Gravamos essas entrevistas, assistimos, transcrevemos e transpusemos as
respostas selecionadas para a cena tanto atravs da fala, como simbolicamente. Muitos
entrevistados interpretaram as respostas desvirtuando da pergunta. Respondiam de
forma saudosista o que gostariam de ter feito ou mudado no passado, e no o que
repetiriam no presente. Com isso, percebemos que poderamos questionar todas essas
possibilidades de respostas em cena.
O passado, presente e futuro ficaram dispostos de forma cclica evidenciando o
agora como a nica vivncia real. Na cena, retomamos constantemente a experincia
do agora atravs da repetio da exploso da bola com gua em nossas cabeas. Essa
ao pretende justificar a nossa inteno de dialogar com o presente. Pois o que de
fato pode ser vivenciado. O questionamento do tempo perpassa toda a nossa cena, no
como tema central, mas como uma repetio em busca da transformao corporal,
esttica, re-significando as sensaes apresentadas.
5.1.1 Experincia como atrizes
Ao longo do nosso processo na faculdade a relao com o outro foi base para
alcanarmos um maior estado de presena em cena. Nessa pesquisa buscamos como
atrizes, valorizar ao mximo nossa relao. J que falamos bastante sobre a relao
humana no trabalho da Pina Bausch, no podamos esquecer-nos da relao mais
importante. A nossa relao em cena e a relao com o pblico. Tentamos colocar em
questo nossos sentimentos mais sinceros; nossas dores, nossa angstia, nossa alegria.
Houve alguns ensaios em que priorizamos investigar a nossa relao em cena.
Chegamos a abrir mo de ensaiar apenas a dramaturgia como texto, e fazamos
exerccios que potencializassem a nossa relao, com isso quando comevamos a cena
em si, j estvamos em outro lugar, mais presentes e unidas.
Os exerccios nos serviam para encontrar uma respirao em comum. O tempo
individual de cada uma de ns diferente, e quase oposto, mas durante o nosso
processo, foi interessante vivenciar e observar o caminho que traamos como atrizes
para buscar uma relao em que o nosso ritmo dialogasse de forma nica.
A repetio da bola cheia de gua estourando nas nossas cabeas trouxe uma
presena que nem ns espervamos. Fortaleceu a nossa relao e o nosso jogo. J que
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cada uma tem a sua especificidade, mas juntas realizamos uma mesma ao que
influencia o carter de unicidade a nossa cena.
5.2-
Escolhas cnicas
ainda no escuro, no fundo, dentro do corpo. Atrs de um tecido branco foi o melhor
meio para efetivar essa ideia. Como algo da imaginao, e no apenas do fsico
resolvemos utilizar uma cortina para remeter algo onrico.
O som do batimento de um corao foi usado como estmulo sonoro, para
despertar um ritmo relacionado ao tema central desse fragmento.
Uma mulher de sessenta e quatro anos, Sra. Dalva respondeu que repetiria a
natao. Essa reao nos causou tantos questionamentos que resolvemos usar esse
desejo em algum momento na cena. Ao longo dos ensaios, esse desejo dominou toda a
nossa cena que praticamente toda conduzida com momentos em que a gua
utilizada. Houve uma pessoa que respondeu que repetiria o aniversrio, com isso
comeamos a improvisar usando bola de encher, que era um elemento que nos remetia
ao aniversrio. Eram bolas coloridas j que muitas outras pessoas tambm responderam
que repetiriam a infncia. Ao longo dos improvisos em cena, misturamos a resposta da
infncia com a natao, e enchemos as bolas com gua para serem estouradas durante a
cena. Nossa ideia foi representar simbolicamente como seria a natao cenicamente.
A gua um elemento que escolhemos enfatizar por ter significaespertinentes
a nossa pesquisa de campo com a entrevistada. Ao longo dos ensaios, percebemos como
a gua era capaz de nos desconstruir em cena. Comeamos em um lugar sensorial e
conforme a gua despejada sobre nossos corpos, nossa disponibilidade e dilogo com
o tempo presente intensificada.
Essa caracterstica do nosso trabalho pode ser relacionada com um espetculo de
Pina Bausch que estreou na Alemanha em 2001, nomeado gua. Essa apresentao
foi elaborada durante uma viagem da companhia Wuppertal para o Brasil. A gua era
utilizada a todo momento nesse espetculo, com poas no cho pelo palco inteiro, por
onde os atores-danarinos transitavam.
A gua um elemento transformador. Por mais que ela esteja presente no nosso
trabalho repetidamente, a realizao consecutiva de estourar a bola traz cada vez uma
sensao diferente, transformado pela repetio. Conforme a repetio acontece, as
possibilidades vo crescendo e se adicionando a novos significados.
No final de um ensaio, percebemos como at o espao que utilizamos estava
transformado. O que antes era um espao limpo, depois do acontecimento se
transformou numa placenta estourada. Como Pina Bausch disse sobre a utilizao de
elementos da natureza em seus espetculos: Eu amo o real, a vida nunca como um
palco de dana, liso e tranqilo. (Cypriano, 2005, pag.113).
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19
6. Memorial
Ainda na turma da noite e com outra dupla. Eu no sentia que era aquilo. As coisas pra
mim pareciam no fluir. No me movia. S me travava. Era naquele lugar mesmo que
eu queria estar? Teria feito a escolha certa? Me perguntava. Os dias passavam...
Alguma coisa precisava mudar. Meu parceiro inicial estava certo que queria adentrar
no mundo da comdia, do clown. Eu me perguntava mais. Sobre o que mesmo eu quero
falar? Que caminho eu vou seguir nessa pesquisa? Eu queria dizer tanta coisa, mas eu
ainda no sabia o que era. Eu estava perdida. Alguma coisa no me satisfazia. A turma
muito cheia me incomodava. Sentia que ali o tempo ia ser bem apertado. Eu no estava
feliz. No fundo, no fundo eu sentia que precisava mudar. O Joo me chamou pra
assistir uma aula na turma da tarde com a Maria. Decidi ir ver com meus prprios
olhos e sentir onde eu queria ficar. Chameivoc pra ir comigo. Fomos ento, em busca
de um novo caminho. Uma tentativa. Falamos sobre o desejo de repente fazermos
juntas esse processo. Voc que j ia seguindo sozinha e eu que ia seguindo com o
Alexandre. J na aula, conversamos, ouvimos sobre a pesquisa dos outros alunos.
Falamos sobre a nossa vontade. E voc lanou uma idia. Vamos fazer sobre o
processe de criao da Pina Bausch? Na hora me veio muitas imagens. Lembrava
daqueles bailarinos/atores deslizando sobre a gua no palco, lembrava da fora
corporal e da vivacidade que eles proporcionavam sempre aos olhos de quem v. E do
quanto eu sempre olhava aqueles espetculos, maravilhada, mesmo que eu ainda s
tivesse visto em vdeos. Eu que sempre fui ligada as prticas corporais acima de tudo.
Topei na hora. Nessa mesma semana, a companhia da Pina Bausch se apresentava no
Teatro Municipal. Passamos ento, da turma da noite para a turma da tarde. O
Alexandre no podia, porque trabalhava o dia inteiro e precisava permanecer noite.
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Camos de pra-quedas uma no colo da outra. Assim, sem planejar. Aconteceu, como
as coisas que fluem e acontecem naturalmente. Agora estamos juntas. Eu e voc. Voc.
Eu. E claro, PinaBaush! Mudana de rota. Novo caminho.
I! Beijo, F.
falou para eu ter ainda pacincia e no abrir mo do meu projeto porque ele era muito
interessante.
Quando acabou a apresentao, voc veio rindo pra mim falando do que eu mostrei em
sala, eu ri junto! Ficamos rindo e relembrando vrias coisas que j fizemos.
Conversamos sobre idias, voc me falou que ia fazer com o Xandelle, e que queria
fazer algo relacionado ao perodo de comdia., com o velhinho que voc apresentou.
Rimos lembrando dessa histria.
Fui pra casa pensando, ser que eu falo com ela? Ser que fazemos juntas? Ser que
ela vai querer fazer sobre a Pina? Depois que algo me despertou interesse pra
monografia, no queria mias abrir mo!!!! na verdade difcil encontrar a real
vontade.
Esperei mais um pouquinho para falar com voc porque queria ter certeza, mesmo essa
certeza sendo mutvel. At que juntas conversando surgiu a idia: vamos fazer juntas?
Eu falei que queria fazer algo sobre a Pina, voc falou que queria fazer algo sobre
Meyerhold. Fui para casa pensando se haveria dilogo entre a alem e o russo. Pensei
muito, fiquei muito na dvida, voc me conhece, essa dvida e questionamentos sobre
tudo me acompanha em todos os campos da vida, e no seria diferente.
Vamos fazer? Vamos!! Rimos. agradvel ver como nossas decises por mais que
angustiantes, foram aplicadas quase sempre na alegria, e no no sofrimento. Existe,
claro algum lugar do trabalho que di, que at enche o saco as vezes, mas um sorriso
vem sempre antes ou depois da idia.
Fomos assistir a uma aula da tarde despretensiosamente, e acabamos ficando razes,
na aula seguinte j comeamos a apresentar idias, textos, a vagar, a viajar, a ir por
caminhos tortos...
Fomos encontrando juntas o que queremos, e amiga, olha s o que est nascendo?!?!!?
Literalmente!!!!!
Um processo em eterno processo!
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aperto a pessoa com as mos, com o corpo. Quando eu abrao algum com paixo eu
quero entrar na pessoa, junto com uma vontade de se sentir um s. De compartilhar um
momento nico, prazeroso. Eu gosto de abraar as pessoas mas tenho receio de
abraar algumas. No gosto disso, mas sinto. Pr-conceito? Medo? Defesa? Abraar!
Que significa envolver-se com os braos, dispor-se em torno de; cercar,
seguir(profisso, idia, causa). Quando eu abrao e sou abraada me sinto a pessoa
mais poderosa do mundo e logo imagino algum que nunca pode sentir essa sensao.
Uma coisa to simples. Carinho. Afeto. A cumplicidade de estar vivo, disponvel para o
outro. Trocando sensaes que nos remetem a outros abraos cada vez num novo
abrao.
Um abrao bem apertado,
F.
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Eu queria sair correndo, mas no podia. Com uma leso no joelho, me sinto um pouco
aprisionada. Eu que sempre fui atleta. Que sempre amei e tirei meus tempos para
praticar esporte. Sem esporte eu no vivia. Fui judoca at os 14 anos, onde arrumei
uma leso no trapzio. Jogava futebol, vlei, basquete, queimado, taco, andava de
bicicleta, fazia natao, trepava em rvore, escalava... E cada vez mais, cada vez mais,
eu gostava mais de correr. O futebol eu parei quando numa dividida, acabei estirando
meu ligamento colateral medial do joelho que me rendeu uns meses de fisioterapia.
Quando entrei pro teatro me identifiquei de cara com as aulas de prticas corporais.
Ali era o meu lugar. Eu contava as horas pra chegar logo. Ali eu me sentia viva, eu
conhecia pedaos de mim que estavam l registrados no meu corpo e que podiam ser
acessados a qualquer momento. Entrando na univercidade encontrei muita resistncia
no meu corpo. Eu tinha muita fora, eu tinha muito flego pra fazer qualquer coisa,
mas meu corpo ia me dando sinais. No primeiro perodo com Fred Tolipan e Andra
Maciel minha coluna se mostrou as avessas. Eu sentia muita dor. Descobri ento que
eu tinha lordose, que minha bacia tem um lado mais alto que o outro,que minha perna
arcada e meu joelho pra dentro facilitavam leses no joelho. Parti ento, para as aulas
de correo postural (RPG). Ao longo do curso atravessei com a coluna as vezes me
incomodando, mas j seguindo seus passos sozinha. E no terceiro perodo com Fred
Tolipan novamente e Andria Maciel. Batata! O exerccio de exausto me dava muita
dor. Comecei a faz-lo s usando os braos, parada. O texto exigia muito, trabalhamos
com tragdia esse perodo. Terminei o terceiro perodo e precisei trancar a faculdade,
meu pai se encontrava doente, eu precisava lev-lo para fazer tratamento e trabalhava
com ele para ajud-lo e no momento a gente no tinha dinheiro pra pagar minha
faculdade. S tnhamos uma prioridade, curar papai! Voltei seis meses depois com a
vida um pouco mais estruturada e no quarto perodo novamente com a Andria Maciel
e Andr Paes Leme meu joelho deu sinal de dores. Fisioterapia, l vou eu! Afastada um
tempo das aulas de corpo, que, claro, no me deixava nem um pouco feliz, fui
voltando aos poucos e consegui bons resultados em pouco tempo. Vim seguindo at o
sexto perodo numa boa, fazendo meus esportes fora da faculdade. E correndo.
Correndo quase todo dia. Como um catlico precisa ir igreja rezar seu pai nosso, eu
precisava correr no mnimo meia hora praticamente todo dia e fazer meus
alongamentos. No incio desse ano, um tombo de skate me gerou uma leso no menisco
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do joelho direito, o mesmo joelho que eu j havia machucado quando era mais nova
jogando futebol. Nada de corridas pra mim por enquanto. A soluo? Operar. Costurar
a fissura que se abriu no menisco para que essa no aumente, gerando uma leso
maior. Sem tempo para operar antes da monografia, sigo fazendo fisioterapia e alongo
todo dia meu quadrceps juntamente com exerccios para fortalecimento para que meu
joelho suporte at o fim dessa etapa para ento operar quando me fechar esse ciclo.
Tudo vai indo bem, mas dentro do meu limite. Nos ensaios,preciso estar sempre atenta.
Na nossa partitura do nascimento, tento transferir ao mximo o peso do corpo nos
outros apoios para no forar em cima da leso. Tenho aprendido a trabalhar dentro
do limite do que meu corpo exige no momento. Mesmo que no seja fcil, porque tem
horas que ele quer explodir, expandir, quer pular, sair correndo, mas por enquanto no
d. E isso tambm vai passar!
Tenho aprendido cada vez mais a ar-ti-cu-lar as palavras e esse vai ser um exerccio
sempre necessrio nos meus processos. Dentro dos nossos limites vamos caminhando,
entendendo nossas necessidades e buscando um equilbrio para nossos corpos em cena.
exatamente disso que a vida feita, de momentos. Momentos que temos que passar,
sendo bons ou ruins, para o nosso prprio aprendizado. Nunca esquecendo do mais
importante, nada na vida por acaso. Absolutamente nada, por isso temos que nos
preocupar em fazer a nossa parte, da melhor forma possvel. A vida nem sempre segue
a nossa vontade, mas ela perfeita naquilo que tem que ser. Chico Xavier
Beijo,
F.
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29
Com carinho,
F.
muitos exames e descobriram que ele era soro positivo. Quando ele soube do resultado,
caiu de vez. Do quarto foi pra UTI e de l meu amigo no voltou mais. Foram tempos
difceis, mais de um ms no CTI em coma, eu ia l quase todo dia, sempre que podia,
passar uma hora de visita do lado dele. Eu ficava l dando a mo pra ele, eu rezava, eu
cantava, conversava, pedia pra ele ser forte, falava que eu estava do lado dele pro que
fosse, mas s ouvia o apitar das mquinas. Eu queria estar l todo dia fazendo
companhia pra ele, mas meu dinheiro no era muito pra isso pois o hospital era longe e
eu tambm tinha que vir pra faculdade todo dia. Um dia, pra minha surpresa, cheguei
l e ele estava acordado, ele me olhava com aquele olhar verde-diamante e eu,
surpresa, no sabia o que fazer. Ele no podia falar, estava com uma traque ostomia,
s se comunicava atravs do olhar. Eu nunca acreditei que eu, logo eu, to chorona,
fosse ter fora pra dar fora pra algum numa situao daquela. Mas eu tive, tive por
ele, tive por papai, tive por amor, tive por ter crescido diante das situaes que a vida
impe a gente. Quando voc se depara com acontecimentos como esses, voc se
aborrece to menos com pequenas coisas. Porque pelo menos, tem que ter um lado
bom, passar por uma coisa ruim. Hoje eu tento fazer de tudo para viver melhor o
momento presente, eu penso com mais cuidado nas escolhas que eu fao, porque vi ao
vivo e cores que paga-se muito caro por fazer escolhas erradas, a gente paga com a
vida. E mesmo assim, no se sabe, no se sabe se amanh, voc vai estar vivo. Muito
menos eu. Mas enquanto eu to aqui eu quero tentar ser uma pessoa melhor, eu quero
cuidar das pessoas que esto ao meu redor, quero faz-las felizes mesmo que seja s
por um momento. E L estava eu de novo, perdendo outra pessoa que eu amo tanto.
Meu amigo morreu com 30 anos, faz mais ou menos dois meses, acho que j falei isso
aqui mas que repito mesmo para ver se acredito que isso realmente aconteceu. s
vezes parece que no. At papai que j se foi tem um ano e dois meses, s vezes parece
que vai aparecer a qualquer momento com aquele sorriso mais bonito e dizer:Ol!
Na cena tento contenho ao mximo minha emoo, tento deix-la escapar em apenas
uma ou duas frases. Mas no sei como vai ser no dia da defesa, com minha famlia toda
l, minha me, meus amigos, com toda a emoo e saudade que j vou sentir de estar
fechando mais um ciclo. Porque quando estamos ensaiando eu e a Pri, eu no me
emociono, tento ser seca. Mas quando apresentamos na aula com a Maria e a turma,
eu me emociono. Seguro, seguro e tento direcion-la da melhor maneira no meu texto.
A busca que a cena no fique piegas. Que seja contida. Com pequena pontuao de
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Deuuuuuus,
como
ruim
tomar
banho
gelado
nesse
frio,
incomoda? D-me muito nervoso, porque a gente acaba ajeitando para no pisar uma
na outra. Precisamos ter mais ateno com isso. Mais treino, mais treino, mais treino!!!
O tempo voou amiga, ontem mesmo lembro-me da gente ainda fazendo as entrevistas. E
depois lembro tambm de ns duas sem saber o que fazer com elas. Lembro da gente a
primeira vez naquele salo de dana enorme. Olhando uma pra outra sem saber pra
onde ir. Perdidinhas. Combinamos de responder a pergunta uma pra outra. De
maneiras diferentes, compartilhamos de uma mesma resposta. O abrao. Que se tornou
um abrao impossvel de ser realizado. E que realmente, muito difcil fazer esse
abrao. Pensamos em tirar algumas vezes, mas no. No desistimos. De tudo que
testamos nos ensaios, ele vem nos acompanhando desde o incio. E alguns momentos
em cena, confesso, di no concretizar esse abrao. Traz-nos para a realidade. Mostranos que o nico e exclusivo momento que podemos repetir o agora.
Lembro tambm de como conduzimos nosso trabalho atravs da alegria. E como agora
essa alegria se modificou. E de como a repetio nos coloca nesse lugar, estranho. De
no querer, de no achar super legal e agradvel uma bola cheia dgua gelada
estourando na nossa cabea a cena inteira.
Eu estava aqui agora, olhando umas fotos no celular e achei vrias fotos nossas num
ensaio, no meio das bolas, no cho. Acredito que tenha sido nosso ensaio mais
divertido de todos. Voc chegou sem a menor vontade de ensaiar nesse dia. Comeamos
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a alongar, aquecer e de repente tocou uma msica que ns duas amamos! The dog
days are over Florence and the machine
The dog days are over
The dog days are done
The horses are coming
So you better run
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com o nosso jogo que resolvemos ajudar a Manu, na monografia dela. E mais uma vez,
percebi o quanto ns, atores, precisamos ser generosos. Voc, logo depois veio
comentar comigo, F, ns somos muito doidas de nos meter em mais uma
monografia. Risos! E sim, somos mesmo. E abraamos nossa loucura de peito aberto
nesse processo, sem medo do que ia se tornar. At porque, de perto ningum normal.
No consigo nem explicar a sensao que eu tive depois do dia de ensaios, debates e
trabalho que tivemos. Eu deitei l na sua cama e meu estmago parecia um
liquidificador. Um furaco. Borboletas! Meu corpo estava muito tenso. Meu pescoo
duro. Comecei a respirar, s respirar. Respirar fundo. Tentando relaxar. E as lgrimas
caam. Chorei tanto, lembrando de todo nosso processo. Lembrando do que vivemos
nesse ensaio. Emocionada. Muito emocionada com a nossa experincia, com a nossa
cumplicidade, com a nossa amizade, com nosso carinho e cuidado com essa pesquisa.
Triste tambm, por falar em saudade. Por sentir tanta saudade dos que se foram, mas
feliz de ter certeza que de onde quer que eles estejam estaro muito felizes por ns,
abrindo o sorriso mais lindo do mundo! Eu transbordei.Feliz por ns estarmos
finalizando um ciclo to importante para nossa carreira como atrizes. E com toda a
certeza, que estamos s comeando um trabalho que teremos a vida inteira; repetir,
repetir, repetir... Para pode esquecer... E viver! Construir para desconstruir. Criar, se
jogar!Pulamos de bumg-jump nesse processo com toda nossa alegria e leveza.
Repetindo, repetindo e repetindo tudo foi se transformando. E no que dizem, que
para ser ator tem que ser muito louco. Se assim, quero ser louca para sempre!
7. Concluso
8. Bibliografia
Cypriano, Fabio. Pina Bausch . So Paulo :Cosac Naify, 2005.
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9. Anexo
Anexo 1
A dramaturgia
A platia entra no espao enquanto a luz est apagada, e um projetor exibe
imagens das entrevistas editadas sem som. As imagens a seleo de cenas em que
os entrevistados esto pensando.
(Atrs de uma cortina branca transparente, meia luz, esto Fernanda e Priscila. A
posio corporal das duas se encaixa de forma que paream um corpo s. Essa viso
proporcionada ao pblico atravs da sombra dos corpos em movimento. Aos poucos o
som de um batimento de corao feito por um cajon, predomina e estimula a
movimentao dos corpos. Fernanda e Priscila atravs de uma partitura simbolizam o
nascimento. O som de
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[PARTITURA DO ABRAO]
F: (Comea a aplaudir)
Pri: Eu repetiria na minha primeira apresentao de teatro que vi meu pai me
aplaudindo na platia.
Pri: Oi, qual o seu nome?
F: Silvia.
Pri: Silvia, voc se importa de responder uma pergunta para nossa pesquisa de
monografia da faculdade de teatro?
F: Vai demorar muito?
Pri: Depende de voc.
F: Ih.... Tudo bem, vai.
Pri: Qual o seu nome e idade?
F: Silvia, Rio de janeiro.
Pri: No, no, no, idade!
F: Ah, ta! Silvia, 38 anos.
Pri: Silvia, se voc pudesse repetir algum momento na sua vida, qual momento
voc repetiria?
F: Agora? (bola)
Pri: Agora. (bola)
F: Eu nasceria de novo.
[PARTITURA DO ABRAO]
Anexo 2
As 100 entrevistas
SE VOC PUDESSE REPETIR ALGUM MOMENTO DA SUA, QUAL
MOMENTO VOC REPETIRIA?
1. Reginaldo 55 anos
Repetiria um momento com a minha primeira namorada.
2. Silvia- 38 anos
Nasceria de novo
3. Vernica 40 anos
Nascimento dos filhos
4. Marcos 14 anos
Viajaria para a Disney de novo
5. Amanda 20 anos
Passaria de novo no vestibular
6. Cristina 37 anos
Infncia- quando meus pais estavam vivos, porque eles morreram cedo.
7. Ilana - 37 anos
A poca que eu morei em Londres porque eu fui muito certina minha vida toda,
eu faria mais loucuras
8. Robson 11 anos
Namorar
9. Gaston 56anos
Nascimento do meuprimeirofilho
10. Valeria 52 anos
Resgatar raiz Eu moraria nos mesmos paises que morei quando eu era pequena
de novo com a idade que estou agora.
11. Plnio - 53 anos
A poca que eu no tinha obrigao.
12. Rafael 32 anos
Meu primeiro primeiro emprego porque ele tinha um cargo bom, e hoje no.
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