Artigo - Discursos Sediciosos
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RESUMO:
Os Estados Unidos vem ocupando a vanguarda na difuso acadmica de um discurso
que nada tem de novo: o ignbil darwinismo social e o determinismo biolgico do
comportamento humano exaltados pelo positivismo criminolgico no sculo XIX so
agora recapitulados pelas neurocincias, mais especificamente ao que se tem
denominado de "neurocriminologia". Esse campo interdisciplinar do saber se prope a
explicar a etiologia da criminalidade a partir das cincias naturais, marginalizando,
assim, os processos de socializao e as questes polticas que atravessam a questo
criminal levantadas ainda no sculo passado pela Criminologia de matriz crtica.
Antecipando-se passiva importao desse anacrnico discurso pelos setores mais
conservadores da dogmtica nacional e de sua apropriao pelo senso comum, o artigo
pretende abrir o debate para as celeumas manejadas pela neurocriminologia e a
proximidade de suas propostas com a tese do direito penal do inimigo, revelando, pois,
patente incompatibilidade com os princpios mais elementares de um Direito Penal
Democrtico.
RESUMEN:
Los Estados Unidos ha estado ocupando la vanguardia en la difusin acadmica de un
discurso que no es nada nuevo: el innoble darwinismo social y el determinismo
biolgico de la conducta humana exaltada por el positivismo criminolgico en el siglo
XIX se han recapitulados por las neurociencias, ms especficamente a lo que se ha
llamado "neurocriminologia". Este campo interdisciplinario de conocimiento se
propone a explicar la etiologa de la delincuencia desde las ciencias naturales,
marginando as a los procesos de socializacin y cuestiones polticas que atraviesan la
materia penal planteadas aun en el siglo pasado por la Criminologa Crtica.
Anticipndose a la importacin pasiva de este discurso anacrnico por los sectores ms
conservadores de la dogmtica nacional y su apropiacin por el sentido comn, el
artculo pretende abrir el debate a las falacias gestionadas por la neurocriminologia y la
proximidad de sus propuestas con la tesis del derecho penal del enemigo, revelando
1 Doutor em Direito Penal pela Universidad Pablo de Olavide. Professor da Graduao, Mestrado e
Doutorado em Direito da Universidade Federal do Paran (UFPR). Procurador de Justia do MP/PR.
1. Introduo
3 GNTHER, Klaus. Accin voluntaria y responsabilidad criminal. In: Derecho penal de la culpabilidad y
neurociencias. Madrid: Thompson-Reuters, 2012. p. 127.
4 BATISTA, Vera Malaguti. Criminologia e Poltica Criminal. Passagens. Revista Internacional de Histria
Poltica e Cultura Jurdica. Rio de Janeiro: vol. 1. no.2, julho/dezembro 2009. p. 39.
5 PLATO. Apologia de Scrates/ Crton. Trad. de Manuel de Oliveira Pulqurio. Lisboa: Edies 70, 2009.
adquirido com o tempo; e a moral (ethos), resultante do hbito, na medida em que nos
tornaramos justos praticando atos justos e moderados agindo moderadamente. O
Estagirita, nota-se, inverte a concepo determinista platnico-socrtica ao asseverar
que nenhuma das virtudes morais surge em ns por natureza, visto que nada que
existe por natureza pode ser alterado pelo hbito" 6, assinalando a possibilidade de que
o atico se torne tico e, via de consequncia, que o criminoso deixe de s-lo, desde
que se aproxime do meio termo entre excesso e deficincia.
2. O ponto de retorno
O delito de tal forma situado no universo natural pelo mdico italiano Cesare
Lombroso, que sua ocorrncia no se restringiria coletividade de seres humanos: os
gorilas, exemplifica, so chefiados por um nico macho adulto, porque o mais forte
sempre caa os mais dbeis e os mata; entre as formigas haveria espcies que
exterminam formigueiros rivais a fim de rapinarem sua seiva; j as fmeas de
crocodilos frequentemente aniquilariam seus filhotes que no sabem nadar numa
analogia ao homicdio, ao latrocnio e ao infanticdio7.
7 LOMBROSO, Cesare. O homem delinquente. Trad. de Sebastio Jos Roque. So Paulo: cone, 2007. p.
25.
Clamando uma perspectiva darwiniana, Lombroso assinala que a tatuagem uma
marca singular de homens em seus estgios mais primitivos uma verdadeira
caracterstica anatmico-legal da "triste classe homem delinquente" 8, que as utilizam
para exprimir um nimo violento, vingativo e despudorado. A impudiccia e destemor
se comprovaria, ademais, pela constatao de que muitos criminosos faziam tatuagens
obscenas em regies bastante sensveis do corpo, como nos rgos genitais. O lugar da
pele que tatuado, o nmero de tatuagens e precoce idade em que feita assumem
grande relevncia antropolgica para Lombroso na mensurao da identidade
criminosa. A religio, a imitao, a ociosidade, o esprito de vingana, a vaidade, o
esprito gregrio, a paixo e, sobretudo, o atavismo, comporiam as principais
motivaes pelas quais o uso "to pouco vantajoso e at prejudicial" de tatuagens se
encontraria essencialmente entre os pobres e criminosos: "no h, penso, selvagem
que no seja mais ou menos tatuado"9. O nmero de cicatrizes na cabea e nos braos
distinguiriam facilmente um homem honesto e pacfico cidado de um malandro e
ladro, dado que haveria nestes uma insensibilidade dor fsica maior do que
naqueles.
8 Ibidem, p. 32.
9 Ibidem, p. 43.
10 Ibidem, p. 126.
modo que raramente conseguiriam empregar essa inteligncia para alar altos postos
na sociedade.
A demonstrao de que o conceito de livre arbtrio seria inservvel para o Direito Penal
teve em Enrico Ferri um grande porta-voz: o fim da pena, por excelncia, seria
defender a sociedade contra determinados indivduos de personalidade perigosa.
Classificava os criminosos em cinco categorias: os natos, de moral atrofiada em
11 Ibidem, p. 142.
12 Ibidem, p. 158.
13 Ibidem, p. 160.
decorrncia do atavismo e deformidades cerebrais; os loucos ou alienados; os
ocasionais, que praticam delitos apenas eventualmente; os habituais, reincidentes que
fariam do crime seu meio de vida; e os passionais, movidos pelo mpeto ou emoo.
Aos fatores individuais de raiz biolgica, Ferri acrescia ainda os geogrficos, como o
clima, e os sociais, como a educao.14
14 ANITUA, Gabriel Ignacio. Histria dos pensamentos criminolgicos. Trad. de Srgio Lamaro. Rio de
Janeiro: Revan, 2008. p. 311.
15 GAROFALO, Raffaele. La Criminologa: estudio sobre el delito y sobre la teora de la represin. Trad. de
Pedro Dorado Montero. Madrid: La Espaa Moderna, 1890. p. 10.
Argumentava Rodrigues que para as modernas cincias ele se referia sobretudo ao
darwinismo do final do sculo XIX , o aperfeioamento do sistema nervoso, a que se
vincularia inexoravelmente o desenvolvimento intelectual, dar-se-ia de forma bastante
lenta e progressiva atravs de inmeras geraes por meio da adaptao e da
hereditariedade. Assim, a capacidade cultural de um povo seria decorrncia direta de
sua fase de evoluo mental e estaria num movimento de crescente perfectibilidade,
no sendo possvel impor a civilizao abruptamente a um povo cujo grau de
desenvolvimento intelectual com ela incompatvel. Os seres humanos, mesmo sendo,
dentre os animais, o mais hbil em termos de adaptao, s levariam esta a cabo
gradativamente tendo em vista as acumulaes hereditrias. por essa razo que
resultaria invlida a pretenso de fazer um "povo selvagem" evoluir per saltum pelo
caminho dos povos civilizados.16
Com essa anotaes, Rodrigues estava convencido de que adotar um mesmo Cdigo
Penal indistintamente para todos os Estados-membros da novia Repblica brasileira
incorreria em grave equvoco ao ignorar as peculiaridades fisiolgicas das diferentes
etnias da populao nacional: enquanto no extremo sul haveria a predominncia de
imigrantes europeus, quer em estado "puro" ou "diludo" sob a forma de uma "maioria
de brancos crioulos no mesclados ou de pardos com fraca dose de sangue africano e
16 RODRIGUES, Raimundo Nina. As raas humanas e a responsabilidade penal no Brazil. 2 ed. Bahia: Ed.
Guanabara, 1894. p. 31.
17 Ibidem, p. 176.
ndio", no extremo norte (Amaznia) sobressairia o "cruzamento" dos mestios com o
ndio.18
3. A empreitada localizacionista
18 Ibidem,. p. 89.
19 Apud BATISTA, Vera Malaguti. Introduo Crtica Criminologia Brasileira. Rio de Janeiro: Revan,
2001. p. 47.
20 DE TONI, Plnio M.; ROMANELLI, Egdio J.; DE SALVO, Caroline G. A evoluo da neuropsicologia: da
antiguidade aos tempos modernos. Psicologia Argumento, Curitiba, v. 23, n. 41 p. 47-55, abr./jun. 2005.
Pierre Flourens, por outro lado, negou o frenologia: ao estudar leses produzidas em
animais, sustentou que todas as sensaes, percepes e vontades ocupariam o
mesmo espao no crebro, ou seja, uma s funo. Retomando o localizacionismo de
Gall, J. H. Jackson estudou pessoas com leses cerebrais, especialmente pacientes com
epilepsia, e realizou uma organizao topogrfica do crebro de modo a relacionar um
determinado movimento do corpo a uma regio especfica do crebro. Posteriormente,
Paul Broca e Carl Wernicke levaram a cabo pesquisas com pessoas que haviam perdido
a capacidade de falar ou de compreenso da fala e ento associaram as funes
neurais de expresso da linguagem ao lobo frontal esquerdo e a de compreenso da
linguagem parte posterior do lobo temporal esquerdo. Perscrutando uma anlise da
organizao celular do crtex, K. Broadmann o subdividiu em cinquenta e duas reas
diferentes atreladas a uma funo especfica, corroborando o ponto de vista
localizacionista.21
21 Ibidem.
22 VIVES ANTN, Toms. Ley, lenguahe y liberdad: sobre determinismo, libertades constitucionales e
Derecho penal. Teoria e Derecho: Revista de pensamento jurdico, Valencia, n. 11, jun. 2012. p. 181.
A noo prevalecente entre os neurocientista, como se percebe, a de que o sistema
nervoso consiste num mosaico de regies que possuem, cada qual, uma funo
especfica. H, na verdade, uma mera renovao dos meios para se ratificar um vetusto
discurso: a cranioscopia, tcnica rudimentar originariamente empregada pela
frenologia para mapear o crebro, agora sucedida por tomografias computadorizadas
(PET-Scan), mas o determinismo internalista outrora alimentado pela frenologia
permanece igualmente retroalimentado pelas neurocincias ao reduzir o
comportamento humano a fatores de ordem fisiolgica e anatmica, relegando os
aspectos sociolgicos e polticos a um plano demasiadamente perifrico.
De incio, Raine sublinha sua rejeio a uma pretensa escala evolutiva da espcie
humana, como fizera Lombroso ao classificar os italianos da regio norte como
superiores ao italianos da regio sul, mas logo aps insiste que a diferente taxa de
criminalidade entre as duas regies citadas no poderia ser fruto do mero acaso.
Adverte que, conquanto Lombroso tenha efetivamente "tropeado" em esteretipos
racistas, agira "bem-intencionado" e, no obstante as inmeras crticas que recebera,
trilhou o caminho de uma "verdade sublime": a de que a "fora das trevas de nosso
passado evolutivo" constituem os alicerces que fundamentam a anatomia da violncia
em suas mais diversas modalidades.23
24 Ibidem, p. 181.
25 Ibidem, p. 184.
carreiras criminais particularmente violentas" 26. A ns no s parece, como resta
manifesto, que Raine tenciona uma inverso das hipteses sobre os fatos com o
objetivo de corroborar suas opinies pessoais a todo custo e o que muito pior
elevar categoria de "cincia" o que no passa sequer por um rstico teste de
falseabilidade.
26 Ibidem, p. 185.
27 Ibidem, p. 37.
diverso, regurgitaria o mesmo nimo. Nesse sentido, os gmeos monozigticos, que
compartilham praticamente todo o mesmo material gentico, consistiriam num
problema muito maior do que os gmeos dizigticos, cujo nvel de material gentico
compartilhado cerca de metade. E isso porque, sendo a agresso e a violncia
caractersticas hereditrias, se um dos gmeos violento o outro inarredavelmente
tambm o seria, pelo que a loteria gentica brindaria a sociedade no s com um, mas
com dois sujeitos potencialmente perigosos e perturbadores da ordem social. 28 O
difundido provrbio popular "tal pai, tal filho" ganha um capcioso reforo das
neurocincias.
No menos risvel a correlao que estabelece entre acne e criminalidade: sim, Raine
acredita que sujeitos com acne severa teriam, recorrendo mais uma vez teologia
bblica, uma "marca de Caim" maldio atravs da qual a divindade marcara a pele do
citado personagem aps este ter assassinado o seu irmo, Abel. Para ratificar sua tese,
o cientista assinala que a acne estaria ligada a sujeitos portadores dos cromossomos
XXY que, embora no pratiquem mais crimes violentos do que as pessoas com
configurao gentica distinta, cometeriam com maior frequncia pequenas infraes
contra a propriedade.29 Furtos e roubos nada teriam a ver com a desigual distribuio
de recursos na sociedade: os cromossomos que incitam a rapina!
28 Ibidem, p. 39.
29Ibidem, p. 47.
30 Ibidem, p. 55.
Exames de ressonncia magntica comprovariam, conforme Raine, que indivduos
antissociais so o resultado de deficincias estruturais no crebro, quais sejam: a
significativa reduo no volume do crtex pr-frontal, na contundncia da pele e na
reatividade da frequncia cardaca durante a tarefa social estressora31. Os reincidentes
seriam aqueles incapazes de aprender com seus erros, os que perseveram em
comportamentos que preteritamente resultaram em punio, e isso ocorreria
justamente pelo menor volume da regio cerebral responsvel pelo controle do
condicionamento do medo os infratores seriam "desinibidos", enquanto os
psicopatas teriam falta de autopercepo.32
31 Ibidem, p. 146.
32 Ibidem, p. 148.
33 Ibidem, p. 149.
34 Ibidem, p. 207.
quelas que o consomem pelo menos uma vez por semana. E no para por a: mes
que no comem muito peixe durante a gravidez correriam o risco de dar luz um feto
potencialmente criminoso!35
35 Ibidem, p. 213.
36 Ibidem, p. 346.
37 Nas trilhas de FOUCAULT, Michel. Nascimento da biopoltica: curso dado no Collge de France (1978-
1979). So Paulo: Martins Fontes, 2008.
38Veja-se, a respeito: BLACK, Edwin. A guerra contra os fracos: a eugenia e a campanha norte-
americana para criar uma raa superior. Trad. Tuca Magalhes. So Paulo: A Girafa, 2003.
que, caso presentes, infirmariam a necessidade de encarceramento. Ernest van de
Haag, por seu turno, defendia que a nica coisa a se fazer com os homens "maus",
diferentemente dos "inocentes" e dos "calculistas", seria separ-los dos demais, dado
que a ressocializao implicaria um dispndio econmico muito grande para os
contribuintes.39
5. A biologia do inimigo
41 Ibidem, p. 356.
O pertencimento e o estranhamento sempre foram fatores modeladores da punio. Em
termos de Poltica Criminal, Zaffaroni assinala que so recorrentes as teorizaes sobre
estilos diferenciados de represso, reservando-se aos crimes considerados mais nocivos
("molestos") penas desproporcionais da segregao (dos loucos e incmodos)
eliminao (dos repugnantes). neste ltimo grupo, comovido por atos de incomum
gravidade, que Gnther Jakobs alocaria os "inimigos" j conhecidos da histria
poltica ocidental, como as bruxas da Idade Mdia. 42 No resta dvidas de que Raine
inclui nesse mesmo setor aqueles que herdaram as "sementes do pecado", indivduos
agressivos por natureza.
Para Jakobs, o sujeito que no se comporta de acordo com as normas realiza uma
"comunicao defeituosa" e, a despeito de atuar formalmente como "pessoa" pois
apenas o ser humano capaz de agir intencionalmente , substancialmente um
"indivduo" est no entorno do sistema , pois a natureza no mximo produziria
sinistros, e no delitos, de modo que esse indivduo estaria, ao mesmo tempo, dentro e
fora da sociedade. Portanto, queles que no oferecem um "suporte cognitivo" apto a
reforar a validade do ordenamento jurdico no se concederia o mesmo tratamento
dado aos cidados, funcionando a pena no somente como negao negao operada
pela perturbao da ordem (numa viso hegeliana), mas tambm como reao
configurao de um mundo paralelo (entorno) projetado e imposto arbitrariamente (e
ineficazmente) pelo infrator para desestabilizar o Direito.43
Pavarini constata com perplexidade que a teoria do direito penal do inimigo nasceu logo
na mais forte democracia e economia da Europa, a Alemanha, e que vem sendo
importada pelas "democracias dbeis" latino-americanas. O significativo acolhimento
das ideias de Jakobs num pas perifrico como a Colmbia onde as FARC (Foras
Armadas Revolucionrias da Colmbia) h muito foram traadas como o grande
inimigo pblico interno , revela claramente que esse debate de modo algum se
circunscreve dogmtica penal germnica onde nem mais sequer tem audincia.44
42ZAFFARONI, Eugenio Ral. La legitimacin del control penal de los "extraos". In: MELI,
Cancio; DEZ, Gmez-Jara (org.). Derecho Penal del Enemigo. El Discurso Penal de la Exclusin. v. 2.
Madrid: Edisofer, 2006. p. 1118.
43 JAKOBS, Gnther. Sociedad, norma y persona en una teora de un Derecho penal funcional. Traduo
de Manuel Cancio Meli e Bernardo Feiio Snchez. Madrid: Civitas, 2000. p. 18.
No Brasil, o processo de invaso das favelas do Rio de Janeiro com o implemento das
chamadas "Unidades de Polcia Pacificadora" (UPPs) um frtil campo de discusso
criminolgica acerca do direito penal do inimigo, porque os direitos e garantias de seus
moradores so limitados com uma amplitude tal que constitucionalmente apenas seria
legtimo com a excepcional decretao do "estado de stio". Os "Grupamentos de
Policiamento em reas Especiais" (GPAEs) antecederam as UPPS com a mesma
proposta de eliminar o poder paralelo do trfico, mas em pouco tempo perdeu apoio
popular em virtude da conivncia das autoridades com o retorno do comrcio ilcito de
entorpecentes sob uma configurao menos violenta.45
45 BUSATO, Paulo Csar. A realidade das unidades de polcia pacificadora e o discurso legitimador do
medo: mais um exemplo de direito penal do inimigo. In: BOZZA, Fbio; ZILIO, Jacson (Org.). Estudos
crticos sobre o sistema penal Homenagem ao Professor Doutor Juarez Cirino dos Santos por seu 70
aniversrio. Curitiba: LedZe, 2012. p. 585.
46 SCHNEMANN, Bernd. Derecho penal contemporneo: sistema y desarrollo, peligro y lmites. Buenos
Aires: Hammurabi, 2010. p. 164.
mais tempo no convvio comum sob o risco de contaminar os outros e provocar um
estado de anomia irreversvel. A construo do crime como produto de uma gama de
causas determinantes (paradigma etiolgico) pe de lado os problemas sociais da
economia capitalista e a reao social das agncias de controle social formal a partir de
esteretipos racistas e classistas. O atual discurso punitivo nem sequer se ampara mais
na ideia de correcionalismo, na pretenso de ressocializao do condenado: a pena vai
deixando de ser a medida da culpabilidade para se refuncionalizar como instrumento
de bice criminalidade futura, isto , numa punio antecipada hbil a neutralizar os
inimigos com base em previses estatsticas calculadas por programas de computador
segundo o histrico de vida do indivduo47 o "minority report" advogado por Raine.
47 Para um estudo pormenorizado sobre esse tema, veja-se: DIETER, Maurcio Stegemann. Poltica
Criminal Atuarial: a Criminologia do fim da histria. Rio de Janeiro: Revan, 2013.
48 Metarregras ou basic rules um termo empregado por Fritz Sack para indicar os preconceitos,
esteretipos e outros traos pessoais que atuam decisivamente no processo de criminalizao. Veja-se:
BARATTA, Alessandro. Criminologia Crtica e Crtica do Direito Penal: introduo Sociologia do Direito
Penal. Rio de Janeiro: Revan, 2011. p. 104-109.
49 ANDRADE, Vera Regina Pereira de. A iluso de segurana jurdica: do controle da violncia
violncia do controle penal. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2003. p. 57.
50 ARGELLO, Katie. Do Estado social ao Estado penal: invertendo o discurso da ordem. In: Discursos
Sediciosos: Crime, Direito e Sociedade, Rio de Janeiro, Ano 17, n. 19/20, 2012. p. 212-213.
detrimento da liberdade, sacralizando o eficientismo do discurso neoliberal, quando o
preo da liberdade exatamente uma parcela de insegurana. Num Estado que se
pretenda democrtico, o papel do Direito Penal deve ser a curto e mdio prazos o
de promover um garantismo criminologicamente fundamentado, no qual a crtica ao real
funcionamento do sistema criminal apurada pela Criminologia siga ao encontro do
aspecto garantidor da Dogmtica Penal.51
51 ANDRADE, Vera Regina Pereira de. Pelas Mos da Criminologia: o controle penal para alm da
(des)iluso. Rio de Janeiro: Revan, 2012. p. 233.
53 Ibidem, p. 355.
54 Ibidem, p. 335.
ao, tese que no se sustenta.55 O aparecimento da linguagem como processo de
desenvolvimento da evoluo natural, refora Vives Antn, dispensa o dualismo entre
corpo e alma, enquanto instncias autnomas, porquanto agir livremente no significa
total indeterminao, mas uma conjugao de diversos controles flexveis. O
determinismo confunde, assim, alienao social e alienao mental e tenta reduzir
toda enfermidade a uma perturbao do funcionamento nervoso.56
Ao contrrio das respostas oferecidas pelo Dr. Raine, a nossa nada tem de simples: a
responsabilidade penal se alberga em princpios limitadores do poder punitivo que so
irrenunciveis num Estado Democrtico de Direito algo que ele seguramente no
sabe o que significa. O grau jurdico de reprovao do agente guarda inequvoca
dependncia do desvalor da ao e do desvalor do resultado e se consubstancia em
culpabilidade pelo fato, no pelo modo de vida ou pela existncia do ser. Debelar-se
contra o discurso anacrnico injetado pelas neurocincias no envolve apenas um
fugaz "medo tico", mas um certeiro retrocesso que colocaria por terra a
responsabilidade pessoal pelo injusto em nome de uma higienista defesa social. a
isso que a neurocriminologia nos levar e no podemos correr tal risco.
REFERNCIAS
55 SCHNEMANN, Bernd. La funcin del princpio de culpabilidad em el Derecho penal preventivo. In:
El sistema moderno del Derecho penal: cuestiones fundamentales. Montevideo/Buenos Aires: BdeF,
2012. p. 192.
ZAFFARONI, Eugenio Ral. La legitimacin del control penal de los "extraos". In:
MELI, Cancio; DEZ, Gmez-Jara (org.). Derecho Penal del Enemigo. El Discurso
Penal de la Exclusin. v. 2. Madrid: Edisofer, 2006.