O Embuste - Comentários Do Livro O Código Da Vinci de Simon Cox
O Embuste - Comentários Do Livro O Código Da Vinci de Simon Cox
O Embuste - Comentários Do Livro O Código Da Vinci de Simon Cox
Índice
1. Introdução
2. Ankh
3. Asmodeus
4. Bieil, Irmã Sandrine
5. Culto da Deusa
6. Dossiers Secretos
7. Geometria Sagrada
8. Gnómon em St.-Sulpice
9. Heréticos
10. «Hieros Gamos»
11. «Holy Blood, Holy Grail»
12. Santo Graal
(NOTA: Este capítulo é ainda um esboço! Faltam ainda comentários a mais de metade dos tópicos
do livro de Simon Cox, e mesmo os comentários que aqui são já apresentados, estão ainda
incompletos, ainda não se fazem acompanhar de documentos e de ilustrações, pelo que tudo isto
irá crescer com o tempo. O livro de Simon Cox já vai na sétima edição! A urgência desta situação
ditou a publicação - certamente precoce - deste trabalho ainda em fase embrionária.
Adicionalmente, muitos dos tópicos históricos que Simon Cox aborda com ligeireza requerem muito
trabalho de pesquisa, de forma a serem apresentados corretamente)
Neste capítulo falarei de vários embustes, aparentemente isolados, mas que fazem parte de
um grande Embuste. Ligar todas as peças do puzzle não é fácil. Na onda de paranóia levantada
pelo best seller "O Código Da Vinci" do escritor americano Dan Brown, o leitor menos acostumado
a estas andanças poderá sentir-se facilmente confuso. Certamente, serão poucos aqueles que
reconhecerão, nas esguias tiradas literárias de Dan Brown, os contornos do Mistério de Rennes-le-
Château. Contudo, quase todas as "teorias" usadas por Dan Brown já existiam antes. Já tinham
sido avançadas por autores como Henry Lincoln, Michael Baigent e Richard Leigh, os primeiros a
relacionar o embuste da "linhagem merovíngia" inventada por Pierre Plantard e Phillipe de
Chérisey com a tese da "linhagem sagrada" de Jesus e Maria Madalena. Contudo, Dan Brown não
se ficou pela escrita de um romance baseado na obra do trio anglo-saxónico. Ele introduziu mais
algumas teses da feminista Margaret Starbird, adepta fervorosa do "culto da Deusa" e do "sagrado
feminino", que ela insiste em ver por todo o lado. E juntou ainda umas pitadas do duo Lynn Picknett
e Clive Prince, os primeiros a falar em "códigos Da Vinci".
Dan Brown deixa a questão em aberto, mas sugere logo uma resposta, ao colocar nas primeiras
páginas do seu romance uma referência suspeita e dúbia à veracidade das obras de arte, dos
rituais e das organizações mencionadas no enredo. Ele fala verdade? De certa forma pode-se dizer
que sim: Leonardo da Vinci existiu, o quadro da "Última Ceia" também, o Opus Dei é uma
organização real, e por acaso, até existe um Priorado de Sião (doravante, usaremos esta
expressão, mas a original é "Prieuré de Sion", mas outras expressões comuns são "Monastério de
Sião" - expressão que nos chega da tradução brasileira da obra do trio anglo-saxónico, "The Holy
Blood and The Holy Grail"). Mas o Priorado de Sião é algo totalmente diferente daquilo que Dan
Brown nos quer "revelar". Por isso, o romance começa logo mal com aquela pequena, mas grave e
falsa palavra "FACTO: (...)". Porquê? Porque o Priorado de Sião não foi criado no século XI, mas
sim em 1956.
Porque é que não me irei debruçar sobre o romance de Dan Brown? Porque é um romance.
Porque muitas pessoas insistem que um romance é sempre inofensivo. Porque muitas pessoas
nunca leram o site de Dan Brown e não conhecem ainda as propostas revolucionárias do autor
americano para a reforma do Cristianismo. Por isso, irei incidir o presente capítulo na obra
panfletária de Simon Cox, "O Código Da Vinci Descodificado - O Guia Não Autorizado dos Factos
por Detrás da Ficção". Dan Brown não passará por pessoa culta ou informada aos olhos do leitor
sensato. Mas Simon Cox vence Dan Brown no que toca a um medíocre conhecimento destas
temáticas. Simon Cox, com este seu livro, dá-nos um excelente exemplo de que quando não
conhecemos um determinado assunto, nos devemos abster de o comentar, quanto mais de
escrever uma obra que pretende ser séria e verídica. Por isto tudo, a obra de Simon Cox é ainda
mais perigosa. Apresentada como uma resenha de factos históricos que pretende contar a
"verdade" escondida no romance de Dan Brown, o que o livro faz é fornecer ao leitor menos
informado um molhe de informações parciais, adulteradas, inventadas, deturpadas, e tratadas de
forma profundamente medíocre, de forma a convencê-lo que, no fundo, Dan Brown nos está a
contar "verdades romanceadas", a revelar-nos "segredos escondidos" no seu romance. O leitor
incauto e menos informado não tem forma de se dar conta da extensão e da profundidade do
embuste que constitui esta obra de Simon Cox. Mas antes de principiarmos, aqui ficam algumas
questões que me têm sido dirigidas e as respectivas respostas...
Apenas uma nota antes de principiarmos: o leitor vai dar-se conta, repetidas vezes, do uso por
parte de Simon Cox de expressões como "pensa-se", "crê-se", "diz-se", "julga-se". O uso de verbos
conjugados na forma reflexa é uma velha artimanha, que os seus percussores Henry Lincoln,
Michael Baigent e Richard Leigh usaram até à exaustão. Nunca se sabe de quem falam eles, ou
seja, nunca se sabe quem "pensa", quem "crê", quem "diz", ou quem "julga". Se calhar, o mais
certo é... ninguém!
Ankh
Asmodeus
Estátua do Diabo, à entrada da igreja de Rennes-le-Château.
Asmodeus é, de fato, o guardião dos tesouros escondidos. E existe, é verdade, uma lenda que
o associa à construção do Templo de Salomão. O problema é que a estátua à entrada da igreja de
Santa Maria Madalena, em Rennes-le-Château, não é a estátua de Asmodeus, mas sim a do
Diabo, prefiguração da República. Para o padre Saunière, que foi quem empreendeu todos os
trabalhos de restauro na igreja, em finais do século XIX, a República era o Diabo a vencer, nestes
tempos em que a França rural, monárquica e católica, tentava impedir o avanço dos ideais
republicanos e anticlericais. Após a primeira volta das eleições de 4 de Outubro de 1885, Saunière
faz este discurso perante a população de Rennes:
Texto original:
"Les élections du 4 octobre ont donné de magnifiques résultats, mais la victoire n'est pas complète... Le moment est
venu; il faut employer toutes nos forces contre nos adversaires. Il faut voter et bien voter. Les femmes de la paroisse doivent
éclairer les électeurs peu instruits, pour les convaincre de nommer les défenseurs de la religion. (...). Les Républicains, voilá
de Diable à vaincre et qui doit plier le genou sous le poids de la Religion et des baptisés. Le signe de la croix est victorieux
et avec nous (...) Que le 18 octobre devienne pour nous une journée de délivrance..."
Tradução:
"As eleições de 4 de Outubro produziram magníficos resultados, mas a vitória ainda não é
completa... Chegou o momento; é preciso usar todas as nossas forças contra os nossos
adversários. Há que votar e votar bem. As mulheres da paróquia devem esclarecer os eleitores
menos instruídos, para os convencer a eleger os defensores da religião. (...) Os Republicanos, eis
o Diabo a vencer, e que deve ajoelhar-se sob o peso da Religião e dos batizados. O sinal da cruz
vencerá conosco (...) Que 18 de Outubro se torne para nós um dia de libertação..."
Está lá tudo no discurso: a posição contra "os Republicanos", que eram "o Diabo a vencer", o
Diabo que "deve ajoelhar-se sob o peso da Religião e dos batizados" (a pia batismal que esmaga o
Diabo no conjunto estatuário à entra da igreja de Rennes-le-Château é precisamente uma
representação física do peso da Religião e do batismo a obrigar o Diabo a "ajoelhar-se"), e para
terminar, também lá está o "sinal da cruz", que no conjunto de estátuas é figurado por quatro anjos
dispostos em cruz, com a inscrição "par ce signe tu le vaincras" ("por este sinal tu o vencerás").
Resumindo: o conjunto estatuário é a versão escultural das idéias católicas e anti-republicanas de
Saunière, conforme expostas no seu discurso em 1885.
A origem do nome desta personagem está corretamente apontada por Simon Cox. O atual
secretário da nova versão pós-Plantard do Priorado de Sião é um membro de uma associação
sindical francesa, e chama-se Gino Sandri. É daqui que vem o "Sandrine". Bieil vem, de facto, do
abade Bieil, do Seminário de Saint-Sulpice em Paris no século XIX. Diz-se, mas não é verdade,
que Bérenger Saunière, o padre de Rennes-le-Château, visitou o abade Bieil, levando-lhe os
pergaminhos encontrados durante as obras de restauro da sua igreja. Mas como vimos, esses
pergaminhos nunca existiram. O texto dos pergaminhos foi inventado por Phillipe de Chérisey,
partindo de um excerto latino antigo do Evangelho de S. João, retirado da monumental obra de
Dom Ferdinand Cabrol, "Archéologie Chrétienne et Liturgie". Por isso, o padre Saunière nunca
descobriu esses pergaminhos, porque foram inventados cinqüenta anos depois da sua morte pelo
Marquês de Chérisey. Adicionalmente, não há qualquer registro ou prova de que Saunière terá
atravessado toda a França para ir a Paris. Naquele tempo, tais viagens eram dispendiosas, e
seriam feitas apenas em casos excepcionais. Não há qualquer documento, e a vida de Saunière
está bem documentada em virtude da sua abundante correspondência e do número elevado de
bens que este adquiria, que ateste que o padre Saunière tenha estado em Paris. A sua estadia em
Paris com o abade Bieil é, por isso, totalmente fantasiosa, bem como o envolvimento do jovem
oblato Emile Hoffet na tradução dos ditos pergaminhos. Todavia, Emile Hoffet é uma personagem
real. Sigamos o historiador René Descadeillas, de Carcassonne:
"Alsaciano, nascido em Schiltigheim a 11 de Maio de 1873 sob o regime alemão. O seu pai era
provavelmente luterano porque a sua família gerou vários pastores; mas a sua mãe, Sophie
Feisthammel, era católica. Ela conseguiu que o seu filho fosse batizado em Paris. O que sucedeu
em 1884, ano no qual ele começou a sua instrução na "Maîtrise" de Monmartre. Ele continuou os
seus estudos no Noviciado ou Pequeno Seminário de Notre-Dame de Sion, em Meurthe-et-
Moselle, onde os Oblatos de Maria preparavam os jovens que deveriam seguir uma vocação
religiosa nesta congregação. Entrou no noviciado em Saint-Gerlach (Holanda, província de
Limbourg) e tomou o hábito a 14 de Agosto de 1892. Recebeu a oblação perpétua em Liège a 15
de Agosto de 1894 e foi nesta cidade que ele foi ordenado padre a 10 de Junho de 1898.
A sua vida foi de missionário, na Córsega, depois no sul e no norte de França; exerceu como
professor no Noviciado de Notre-Dame-des-Lumières no Vaucluse, passou um ano em Roma de
1903 A 1904, e entre 1905 e 1908 dirigiu a revista Petites Annales que pertencia à Ordem.
Estava em Paris em 1914. Mas a congregação estava dispersa, os religiosos ocupavam todos
um domicílio particular. Ele residia no nº 7 da Rue Blanche. Esta rua encontrava-se na paróquia da
Trinité, e deram-lhe em 1919 poderes para esta igreja, onde ele celebrou o culto durante
numerosos anos. Mas em 1923, a ordem voltou a reinstalar-se em França criando uma casa em
Paris. O Padre Hoffet retirou-se para esta casa em 1945. Morreu em Março de 1946 aos 73 anos.
Ele escreveu bastante sobre assuntos de história religiosa, nomeadamente em revistas. Para
além destes artigos, ele assinou apenas duas brochuras. Mas ele era notório pelos seus
conhecimentos em lingüística e ele mantinha relações com sumidades, nomeadamente altos
especialistas e professores da Sorbonne. Deixou um maço de notas em grego, em hebreu, em
sânscrito, sem ordem. Pensou-se que elas teriam sido enviadas para os arquivos da casa mãe, em
Roma, como é costume com o trabalho dos padres defuntos, mas infelizmente nunca se encontrou
nada.
Em todo o caso, religiosos que conheceram e se deram com o Padre Hoffet afirmam que ele
nunca se ocupou dos Merovíngios e que é impossível que o tenham vindo consultar em 1892,
porque foi neste ano que ele terminou a sua Retórica e que ele tomou solenemente o seu hábito
como noviço na Holanda.
De tudo o que se fala nos papéis Lobineau, dois fatos apenas são exatos: ele morou no nº 7 da
Rue Blanche e ele teve a reputação de ser um sábio em lingüística. O resto não passa de pura
invenção."
- René Descadeillas, "Mythologie du Trésor de Rennes", pp. 83-84.
Avisa-se o leitor de que René Descadeillas usa o termo "papéis Lobineau" sempre que se refere
aos Dossiers Secrets. "Lobineau" foi um dos vários nomes reais usurpados abusivamente por
Pierre Plantard.
Culto da Deusa
Este é um dos capítulos mais criativos do livro de Simon Cox. Tudo isto vem, claro está, da
imaginação fértil de Margaret Starbird, que se acha uma autoridade no "sagrado feminino". Diz
Simon Cox:
"N'O Código Da Vinci, também se torna claro que a figura de Maria Madalena representa e
simboliza a deusa original e a sua subseqüente veneração".
Bem, mais correto seria dizer que Dan Brown "quer tornar claro que a figura de Maria
Madalena, etc, etc...".
"O culto da Deusa é a mais antiga das religiões mundiais".
Esta é para rir. Mas, infelizmente, são poucas as pessoas que acham isto matéria de riso. Ora
vejamos: a "teoria" em voga é a da onipresença do "progresso". Ou seja, toda a gente concorda,
hoje em dia, que antigamente os homens e as mulheres eram mentecaptos, quase animais, e que
faziam estátuas gordas porque veneravam "deusas". Esta "infantilização" dos nossos
antepassados faz falta a muita gente, que se quer ver hoje em dia como "civilizada", "instruída",
enfim, "evoluída".
Na prática, o que sucedeu foi o seguinte: qualquer povo com tradição que se preze, e que
conceba uma divindade todo-poderosa, terá que a conceber como "una", ou seja, toda a doutrina
tende a unificar a multiplicidade do mundo manifestado na unidade do Princípio originador. Este
axioma metafísico, o da Unidade do Princípio, está presente em toda a cultura com um mínimo de
metafísica. Assim, existiram sempre, em qualquer cultura antiga, pessoas instruídas encarregadas
de preservar e ensinar as doutrinas da sua cultura, que teriam quase sempre alguns rudimentos,
senão mesmo conhecimentos profundos, de Metafísica. Por isso, seriam perfeitamente capazes de
discernir a unidade na multiplicidade do mundo que os rodeava. E Deus, para qualquer mente
inteligente que se preze, não é macho nem fêmea. Pelo simples fato de que Deus não tem sexo.
Não tem gênero. Daqui, todos os disparates sobre "deusas" caem por terra. A devoção popular, por
pura superstição, a "deusas" não implica que essa mesma devoção fosse praticada pelas camadas
inteligentes e cultas da população, que saberiam certamente que o Princípio ao qual se chama na
nossa cultura de "Deus" não tem sexo.
"...onde a religião Hindu levou o culto da deusa a uma plataforma espiritual mais elevada":
Sucede que o hinduísmo não é uma "religião", mas sim uma doutrina metafísica, como explica
René Guénon. Mais uma vez, a mania de alguns ocidentais modernos em etiquetar com conceitos
puramente ocidentais realidades que nada têm a ver com as nossas. O Hinduísmo, apesar de ter
"deusas" e "deuses" (que equivalem um pouco ao papel dos "anjos" do catolicismo, no sentido em
que são entidades supra-humanas, e infradivinas), é uma doutrina essencialmente fundada na
unidade de Brahma. A multiplicidade de "deuses" não permite que se apelide, como tantos fazem,
o Hinduísmo de "politeísmo". Toda a multiplicidade do panteão hindu se funde na unidade de
Brahma. Por isso, o papel desempenhado por "deusas" e "deuses" no hinduísmo é um papel
menor, face ao Eterno e Uno Brahma.
"Na verdade, foi apenas em anos recentes que a Igreja Cristã elegeu mulheres sacerdotes,
mostrando quão completa fora a subjugação da mulher pela doutrina judaico-cristã".
Por "Igreja Cristã", o autor deverá estar a referir-se ao protestantismo cristão. Estas palavras
escritas por um feminista convicto deveriam fazer sorrir qualquer pessoa, mas hoje em dia,
surpreendentemente, são bem poucos os que sorririam. Simon Cox demonstra, simplesmente,
uma gritante ignorância da natureza do sacerdócio cristão.
"Também no Islão parece que a supressão do feminino teve lugar, com alguns investigadores
teorizando que as origens da suprema divindade islâmica, Allah, reside na deusa Al-lat a qual foi
associada com a Kaaba em Meca, um altar pré-muçulmano que foi usurpado para a fé islâmica
pelo próprio Maomé".
A quantidade de asneiras neste parágrafo é impressionante! Comecemos pela "supressão do
feminino" no Islão, que só pode vir do preconceito de Simon Cox imaginar o islamismo pelos olhos
de Bin Laden e das mulheres de burka! Simon Cox confunde o fanatismo que se diz islâmico com o
próprio Islão, e imaginando-o como algo onde o feminino foi "suprimido", esquece-se dos milhões
de mulheres muçulmanas, profundamente devotas, espalhadas por esse mundo fora. Depois,
temos de novo "alguns" investigadores "teorizando" sobre as origens de Allah. Repetimos: Allah
não tem sexo, nem masculino nem feminino. Há certamente confusão entre o papel de shekinah
(lugar de manifestação ou presença divina) da pedra Kaaba, em Meca, e a própria divindade Allah.
O caráter de qualquer shekinah vem do fato de, sendo um lugar terreno da manifestação de Deus,
esse lugar ser feito com uma base "substancial", usando um termo aristotélico. A presença da
"essência" divina necessita do suporte "substancial" de um lugar, de um ser, ou de um objeto
material em concreto. A Kaaba, em Meca, é um desses "lugares sagrados" que servem de ponte
para o divino. O lugar da presença de Deus não pode ser confundido com o próprio Deus. A deusa
Al-lat não pode ser a origem de Allah. Tal afirmação é absurda. De um ponto de vista estritamente
doutrinal, Deus é a origem d'Ele próprio.
Adicionalmente, Simon Cox demonstra mais uma vez como são feitos os seus preconceitos:
Maomé não usurpou o lugar da Kaaba, porque a reutilização de lugares sagrados nada tem a ver
com "roubo" ou "usurpação", mas sim com uma profunda compreensão da sacralidade do espaço.
Há lugares mais adequados ao sagrado, e lugares menos adequados. Tal observação serve
também para aqueles que dizem que o cristianismo usurpou templos pagãos. O cristianismo
apenas reutilizou, rejuvenescendo-os, lugares que já serviam para o sagrado, e que evidenciavam
por tal uma predisposição natural desses lugares para esse tipo de funções. Os locais usados por
doutrinas cessantes são freqüentemente recuperados e reutilizados por doutrinas nascentes.
A confusão que Simon Cox faz de assuntos que não compreende é gritante:
"No Egito, Ísis foi vista como a derradeira personificação do feminino, com um certo número de
outras divindades superiores...".
Ou seja, Simon Cox entende, e bem que Ísis representa um papel feminino preponderante, mas
depois adiciona à equação um "certo número" de outras divindades das quais ele não percebe nem
uma vírgula quem são nem o que estão lá a fazer...
Mas o pior está no final do artigo:
"No Concílio de Éfeso em 342 d.C., uma reunião de bispos cristãos decidiu que a Virgem Maria
deveria ser conhecida como Theotokos, ou «Mãe de Deus», colocando-a assim no papel da
deusa".
Maria, mãe de Cristo, não é deusa coisa nenhuma, nem nunca ocuparia um papel de deusa. Ela
é a Mãe de Deus, pessoa fundamental para que a divindade pudesse assumir forma humana.
Maria não é Deus, nem nenhum tipo de divindade. É, isso sim, Co-Redentora pelo seu papel único
na Redenção, ao dar à luz o Filho de Deus. Simon Cox teoriza, como já o haviam feito os seus
predecessores, que a Igreja "conspirou" para colocar Maria, Mãe de Deus, no lugar da "deusa"
Maria Madalena. Um perfeito disparate...
No fundo, o que parece escapar a tanta gente que adora estas teorias é que a Virgem Maria fica
sempre posta de parte. Onde fica ela? Para onde vai? Para que serve Maria, mãe de Jesus, no
esquema teórico destes nossos "renovadores" do cristianismo, se a "deusa" Maria Madalena
aparece como a figura feminina principal? Dá para ver claramente em tudo isto uma intenção
"renovadora" que pretende lançar o cristianismo para as urtigas...
"... embora fossem cuidadosos em não lhe conceder os habituais atributos de fertilidade
associados com as figuras da deusa".
Aqui, Simon Cox está em pura conjetura. Os bispos foram "cuidadosos", diz Simon Cox... O
autor parece ter provas de que, debruçados uns sobre os outros numa roda conspiratória, os
bispos retiraram em comum acordo os atributos de fertilidade a Maria (o que não deixa de ser
irónico, porque isto destrói a tese de Simon Cox - uma Maria estéril não poderia ter gerado Jesus
sem deixar de o ser, pelo que negar a fertilidade a Maria é uma perfeita asneira). Mas Simon Cox
sabe o que está a fazer! Está a usar a psique hodierna e a idéia que esta faz da classe sacerdotal:
os bispos, esses malandros, odeiam a fertilidade porque são celibatários sapudos, e possuem
apetites sexuais perversos... Tudo isto é medonho, e medonhamente induzido no leitor incauto, a
pouco e pouco, palavra a palavra...
"... embora na Igreja Católica Romana, Maria seja vista como mãe submissa e uma figura
complacente...".
O que Simon Cox desconhece é que esse caráter submisso e complacente de Maria
corresponde doutrinalmente com exatidão ao papel passivo daquela que serviu de suporte à
manifestação terrena de Deus. Um papel análogo (à parte das devidas mudanças de contexto e de
domínio descritivo) ao da Prakriti hindu, a Substância Universal, que serve de suporte a Purusha, a
Essência Universal. Sucede que o fiat voluntas Tua ("seja feita a Tua vontade") de Maria é a
concordância plena da Mãe de Deus com os desígnios transcendentes que lhe foram conferidos
por Deus, e sob outro ponto de vista, a concordância plena do catolicismo com as restantes
tradições espalhadas por esse mundo fora.
A submissão de Maria não é um tipo doentio de escravidão de uma mulher ao "machismo" de
um Deus masculino, como muitos vêem, mas sim a constatação e aceitação por parte de Maria do
papel incrível que ela iria desempenhar, e a aceitação do plano divino é o gesto mais natural, puro
e desinteressado do ser finito perante a onipotência do divino transcendente.
"Na Europa Medieval, muitos milhares de mulheres foram queimadas vivas por práticas de
bruxaria. Esta cruzada contra o feminino reprimiu, mais uma vez, o desenvolvimento do poder e da
independência femininos, e subjugou o culto da deusa que estava a ganhar ímpeto".
Bem, ao menos Simon Cox já desceu o valor dos milhões de Dan Brown para um valor de
milhares de mulheres queimadas. Menos mal, no que trata à verdade dos números! É inegável que
muitas mulheres poderão ter sido condenadas injustamente por bruxaria. Daí a negar que houve (e
que há) verdadeiras bruxas, vai um grande salto! A bruxa não é, como dão a entender estes
nossos amigos, uma lutadora pelos direitos das mulheres! Mas Simon Cox não pára aqui, nesta
sua "cruzada" para ilibar a bruxaria: ele acha mesmo que as bruxas estavam a colocar em marcha
o "desenvolvimento do poder e da independência femininos", o que mostra claramente o feminismo
descarado de Simon Cox, e da sua impressionante ignorância face à bruxaria... Faz pensar que
Simon Cox deveria passar um dia com uma bruxa a sério, para ele ver o que é o "poder" e a
"independência" que ele tanto defende. Não deixa de ser notório que este senhor julgue que a
bruxaria era o "culto da deusa" sob disfarce, seja lá o que isso for, esse fantasioso "culto da
deusa", que só ele, Dan Brown, e Margaret Starbird é que poderiam ter tido o atrevimento e a
ignorância de propagar como algo de real.
Eis senão quando, e ao mudar de capítulo, surge aquilo que já fazia falta! O Wicca! Sim, esse
neopaganismo bruxesco que faz furor nos Estados Unidos da América (obviamente), e que
pretende ser um tipo de "renascimento pagão". Em tempos, tivemos o desprazer de tentar explicar
a um moderno "bruxo", um americano adepto do "Wicca", que a bruxaria não era coisa boa, e que
pior do que isso era perfeitamente imbecil tentar reavivar o "paganismo" porque tudo não passava
de uma amálgama de idéias velhas e mal compreendidas. Um pouco à semelhança dos neoceltas,
que julgam poder reavivar os cultos celtas, apesar de nenhum celta ter sobrevivido para explicar
em que é que consistiam estes cultos. Os celtas, para piorar, transmitiam os seus ensinamentos
por via exclusivamente oral, e com o passar do tempo, o esquecimento garantiu que nada sobraria
para evidenciar como seriam os seus cultos ou as suas doutrinas. Mas os modernos fãs dos celtas
crêem poder praticar "espiritualidade celta" em condições de tão patética ignorância e falta
descarada de informação genuína sobre esses cultos. O "Wicca" é um disparate semelhante.
Funciona um pouco como um "protestantismo de Pã", no sentido em que é uma versão "magia
branca", ou seja, edulcorada e "espiritualmente correta", da adoração de Pã propagandeada pelo
mago negro Aleister Crowley.
É especialmente inapropriada a expressão "ressurgimento da religião Wicca" usada por Simon
Cox, o que é uma mentira detestável, porque só ressurge o que antes existiu, e o Wicca é uma
invenção americana do século XX.
Há muita gente hoje em dia a associar a espiritualidade celta à bruxaria (mesmo à chamada
"magia branca") e a um neopaganismo, quando são coisas que não têm nada a ver. Tudo isto é
misturado, numa perpétua e insolúvel confusão entre o domínio "mágico" e o domínio "espiritual"
como se tais domínios fossem idênticos.
"... e hoje em dia, o culto da deusa está de novo a gozar um renascimento".
O que é isto senão um convite descarado de Simon Cox: "Sigamos Dan Brown! Adoremos a
Deusa!?”.
"Desde tempos antigos, a deusa foi associada com a Lua".
Desta vez, Cox não anda longe. O seu termo vago "a deusa" é contrabalançado pela justeza da
sua afirmação de que a Lua tem um caráter feminino, e que por isso, muitas deusas da antiguidade
são associadas corretamente à Lua. Contudo, logo a seguir encontramos mais um parágrafo
panfletário a esta nova religião da Deusa:
"Atualmente, a veneração e a compreensão da energia e da espiritualidade da deusa estão, de
novo, em evidência (...). A deusa pode, na verdade, reivindicar a sua posição como a divindade
original e a mais antiga".
Depois de uma frase "de seita" como esta (da seita da Deusa, obviamente), como pode Simon
Cox intitular este seu livro de "a verdade por detrás dos fatos"? É chocante! Esse último parágrafo
poderia ter sido retirado de um cartaz qualquer de uma seita lunática e pseudo-esotérica, a
propagandear cultos estranhos celebrados em florestas por pessoas sem roupa. Sim, porque para
estes lunáticos, "energia" é, obviamente, "sexo"!
Dossiers Secretos
Bom, este é, sem dúvida, o artigo mais falso de todo o livro. E aquele que mais nos faz pensar
em omissões deliberadas por parte de Simon Cox. Sobretudo porque a falsidade destes famosos
(e fumosos) Dossiers Secrets há muito que é sabida.
Os Dossiers Secrets, uma amálgama de textos falsificados depositados ao longo de vários anos
na Biblioteca Nacional em Paris por Pierre Plantard e a sua claque de seguidores, não são para ser
levados a sério. É incrível o tempo que Simon Cox perde a explicar os detalhes da organização do
Priorado de Sião, quando tudo não passa de uma invenção de Pierre Plantard! Diz Simon Cox:
"Os Dossiers Secretos são, em geral, vistos como os arquivos secretos do Priorado de Sião".
De novo, a referência vaga: “... são, em geral, vistos como...". Mas são vistos por quem? Só se
for por quem não sabe o que está a dizer! Os Dossiers Secrets constituem uma amálgama de
documentos, na sua maioria forjados ou copiados de outras fontes, que foram depositados na
Biblioteca Nacional, em Paris, entre 1964 e 1969. Fazem parte de um grande processo
desinformativo lançado por Pierre Plantard e Phillipe de Chérisey. Ao longo dos anos, outras
pessoas terão participado nesta constante vaga desinformativa de textos depositados na Biblioteca
Nacional, como a primeira mulher de Plantard, Anne Léa Hisler, e um admirador de Plantard, Louis
Vazart (associado ainda hoje ao Cercle Saint Dagobert II). A lista completa destes textos forjados
encontra-se detalhada e comentada na página Apócrifos na Biblioteca Nacional de Paris.
Antes de prosseguir, convém uma nota de bom senso: quem quiser, poderá depositar
documentos em bibliotecas, sejam elas municipais ou nacionais; basta pagar os emolumentos da
operação, que se chama "depósito legal". Que fique bem claro que o depósito de textos (sejam
eles quais forem) em bibliotecas nada implica relativamente a um suposto aval das bibliotecas ao
conteúdo que é depositado! Adicionalmente, o depósito legal de documentos ou obras é uma forma
de as tornar públicas e de facilitar o acesso a elas, porque passam a constar do catálogo geral de
obras que é peça fundamental em qualquer biblioteca. Assim, é com facilidade que nos
apercebemos de que o móbil dos "depositantes" dos Dossiers Secrets é o de dar o máximo
possível de visibilidade às suas obras, numa altura em que não havia Internet, e em que a
imprensa nunca lhes daria o poder desinformativo que eles procuravam.
Uma interessante viagem aos bastidores desta farsa encontra-se neste relato fiável da obra
"Mythologie du Trésor de Rennes" do historiador René Descadeillas (1909-1986), que foi em
tempos bibliotecário municipal em Carcassone, e conservador do museu de Belas Artes da cidade.
A segunda e última revisão a esta obra foi depositada nos Arquivos do Aude a 10 de Junho de
1968. Trata-se, por isso, de um texto perfeitamente contemporâneo de toda esta charada, o que diz
muito da sua importância como testemunho fidedigno e original. Temos a certeza de que o leitor
não dará por mal empregue o seu tempo na leitura deste extenso, mas revelador trecho de René
Descadeillas:
"Em 1965, apareceu na região um personagem que não estávamos acostumados a encontrar.
Era um jornalista, o senhor de Sède. Ele vinha de Paris. Era conhecido por ter, dois anos mais
cedo, publicado na editora Julliard um livro, «Les Templiers Sont Parmi Nous», onde ele se tinha
esforçado por demonstrar que os Templários, prevendo a interdição da sua ordem, teriam
escondido os seus imensos bens no castelo de Gisors, no Vexin. Numa tarde de Março de 1966,
ele chegou a Carcassonne depois de uma paragem em Villarzel-du-Razès onde lhe teriam negado,
dizia ele, o acesso à biblioteca do falecido padre Courtauly”.
De que vinha ele à procura?
Segundo ele, o padre Courtauly, falecido em 1964, possuia obras raras, nomeadamente uma
obra de Stüblein, «Pierres gravées du Languedoc», indispensável a quem quer que tentasse
penetrar no mistério de Rennes. Uma olhada na «Bibliographie de l'Aude», do padre Sabarthès: a
obra em questão não figurava nem sob a assinatura de Stüblein, nem sob qualquer outra. Que livro
seria este?
O senhor de Sède possuía também fotocópias de dois documentos estranhos pela sua
disposição e pela sua grafia: eram reproduções dos «pergaminhos» descobertos pelo padre
Saunière quando da demolição do altar-mor da sua igreja. Onde teria ele obtido os originais? Outro
segredo. Aparentemente, o autor desta série de disparates tinha tentado imitar uma escrita da
Idade Média. Mas a contrafação era tão grosseira e tão inapropriada que um estudante de primeiro
ano não a teria aceitado sem exame. Foram submetidos à perspicácia do arquivista departamental
cuja opinião foi prontamente sabida.
O senhor de Sède procurava ainda duas publicações recentes:
MÉTRAUX Maurice, «Les Blanquefort et les origines vikings, dites normandes, de la Guyenne
sous la Féodalité», Bordéus, Imp. Samie, 21, Rue Teulère, 1964, brochura de 24 páginas com
gravuras, e
LOBINEAU Henry, «Généalogie des rois mérovingiens et origine des diverses familles
françaises et étrangères de souche mérovingienne, d'après l'abbé Pichon, le docteur Hervé et les
parchemins de l'abbé Saunière, de Rennes-le-Château (Aude)», in-fólio de 45 páginas, ilustrações
a cores, esgotado, multigrafado, Genève, edição do autor, 22, Place du Mollard.
Feita a verificação, estas duas obras figuravam no «Catalogue Général de la Librairie
Française» do ano 1964, na secção «Histoire» e na página 508.
Enfim, pensamos, eis algo de inédito sobre a história de Rennes! Como explicar que até ao
presente ninguém tinha conhecimento destes livros?
Faltava encontrá-los.
Pedimos o Métraux ao seu editor, em Bordéus, o Lobineau à Biblioteca Universitária de Genève,
o Stüblein às Bibliotecas Universitárias de Toulouse e Montpellier.
As respostas chegaram depressa.
A tipografia Samie, em Bordéus, apenas conseguiu obter a morada do senhor Métraux em
Sullens, perto de Lausanne. Em Genève, ninguém conhecia o Lobineau nem na Biblioteca
Universitária, nem na Biblioteca Municipal. Identicamente, nem em Montpellier nem em Toulouse
alguém tinha ouvido falar do Stüblein.
Um fato mais grave, a Biblioteca Universitária de Genève afirmava que não existia nenhum
Lobineau em Genève, nem no número 22 da Place du Mollard nem em lado nenhum. A Place du
Mollard, contando apenas 11 números, nunca poderia ter uma morada no número 22. A morada
inscrita no «Catalogue Général de la Libraries Française» era então falsa.
Pouco a pouco, as trevas começaram a aclarar. Em 1964, a Biblioteca Nacional, em Paris, tinha
recebido por Depósito Legal a obra de Lobineau, cuja página de título indicava que ela tinha sido
composta a partir do ano 1956.
Um estudante que trabalhava numa tese de história na Biblioteca Nacional aceitou examiná-la e
dar-nos conta do seu conteúdo. Ele fez-nos chegar uma análise detalhada fazendo notar que a
falta deste documento nas nossas bibliotecas de província não era causa para manchar a sua
reputação.
Não obstante, valia a pena ir vê-las de mais perto.
Em Paris, pudemos dar-nos conta de que se tratava de uma obra, não impressa, mas
multigrafada. Nela encontramos lado a lado:
um conjunto de tábuas genealógicas assinadas algumas por Henri Lobineau, outras por um
antigo vigário de Sainte-Clotilde, todas dedicadas à descendência dos reis merovíngios desde
Clóvis e contando no total 26 páginas; uma brochura atribuída a um certo Antoine l'Ermite,
contendo uma relação fantasiosa da vida de Béranger Saunière; uma outra pequena brochura
composta de pranchas fotocopiadas representando lápides funerárias, um mapa do Razès, o
extrato de um pretenso testamento e depositado no notário Captier, em Espéraza, em 1644, que
teria sido dado ao autor pelo padre Courtauly; este teria retirado tudo da obra «Pierres gravées du
Languedoc» por Stüblein, impressa em Limoux em 1884; uma brochura assinada com o nome de
Madeleine Blancassal, «Les descendants mérovingiens ou l'Énigme du Razès Wisigoth», traduzida
do alemão por Walter Celse Nazaire, com tábuas genealógicas de Henri Lobineau, brochura
relatando ainda uma vez mais a vida do padre Saunière.
A obra do senhor Métraux estava, soubemos do seu autor, depositada na Biblioteca
Universitária de Bordéus, que no-la enviou. Decepção: este pequeno trabalho, de uma leitura
agradável, referia-se a Blanquefort, bonita capital de cantão da Gironde, e nada tinha a ver com
Rennes-le-Château.
Faltavam as «Pierres gravées du Languedoc», por Stüblein, do qual os papéis Lobineau nos
davam um aperitivo. A obra permaneceu impossível de encontrar. Não voltamos a pensar no
assunto e possivelmente nos teríamos esquecido dela se, no início de Setembro de 1966, o padre
de Rennes-les-Bains não tivesse recebido de Paris, em sobrescrito lacrado, de um «termalista
desconhecido», uma pequena brochura contendo fotocópias de gravuras parecidas às que
figuravam no Lobineau com, à guisa de prefácio, algumas palavras do padre Courtauly. Este
declarava em resumo «com o objetivo de ser útil aos pesquisadores» ter extraído da obra de
Stüblein as gravuras que diziam respeito a Rennes-le-Château e a Rennes-les-Bains. A estranheza
desta brochura, a sua total falta de autenticidade, os propósitos atribuídos ao padre defunto e
incapaz de protestar, reforçaram ainda mais a suspeição que tínhamos sobre esta literatura.
Não basta ter dúvidas. É preciso justificá-las. Este foi o ponto de partida de uma longa busca
que só se tornou eficaz com o aparecimento da obra que o senhor de Sède tinha anunciado: «L'Or
de Rennes ou la Vie insolite de Béranger Saunière, curé de Rennes-le-Château», editada pela
Julliard em Outubro de 1967 (esta obra seria reeditada no ano seguinte, em 1968, numa edição de
luxo distribuida pelo «Cercle du Nouveau Livre», e depois numa coleção de bolso, pelas Editions
J'ai Lu, sob o título «Le Trésor maudit de Rennes-le-Château» [N.T.: segundo Henry Lincoln, em
«Holy Blood, Holy Grail» foi a leitura deste livro durante um verão passado no sul de França que o
fez despertar para este assunto]). Era conforme à idéia que tínhamos daquilo que sabíamos sobre
a documentação do autor.
Em linhas gerais, este quer provar que o padre Saunière descobriu um segredo ciosamente
guardado desde o fundo dos tempos: a sobrevivência de um rebento do rei merovíngio Dagoberto
II que teria dissimulado em Rennes tesouros imensos com o objetivo de reconquistar a Aquitânia,
tarefa que ele não pôde empreender por causa da sua morte prematura. O padre foi autorizado a
usufruir o maná real, com a condição de guardar o segredo. Mas este sucesso providencial levou-o
a efetuar despesas excessivas, a espojar-se num luxo dispendioso, até ao dia em que, enfim
satisfeito, ele dispôs os marcos necessários para que depois dele outros tivessem acesso ao
esconderijo. Ele morreu, no entanto, sonhando fundar uma nova religião da qual ele seria o chefe.
Para apoiar as suas afirmações, o autor oferece a reprodução de documentos escondidos na
igreja, de monumentos inexistentes ou falsamente reproduzidos, de vias sacras pretensamente
codificadas ou cifradas, polvilhadas de sinais misteriosos, uma documentação desconhecida de
todo o mundo e cuja autenticidade seria bem difícil demonstrar, pois que ele não diferencia nem a
origem nem o destino, que se abriga sob nomes hipotéticos e que nem sequer sabemos quem a
fez chegar há nove anos atrás ao Depósito Legal, na Biblioteca Nacional...
Adicionalmente, das pessoas citadas em referência, postas em causa ou invocadas como
testemunhas, muitas não pronunciaram as palavras que lhes atribuem, nem fizeram os gestos que
lhes atribuem.
(...)
As «Pierres gravées du Languedoc» são então um mito e, não hesitamos em afirmá-lo, a
pequena brochura de extratos fotocopiados imputada ao padre Courtauly que nunca se interessou
por arqueologia, é uma falsificação. Como são falsas as reproduções que ela contém: pedras ou
lajes contendo sinais cabalísticos, a cabeça esculpida do presbitério de Rennes-les-Bains
travestida em Dagoberto, os quadrados mágicos ou ditos mágicos e «tutti quanti».
Mas porquê utilizar o nome do padre Courtauly? Porquê escolher este padre de preferência a
outro qualquer? Porquê misturá-lo nestas fabulações, neste esoterismo primário? Prestar-se-ia a
uma exploração ultrajosa dos seus feitos e gestos? Nada que se pareça: o padre Courtauly
permaneceu toda a sua vida o bom e modesto padre de aldeia que ele sempre quis ser, não tendo
outra preocupação senão as suas ovelhas e as suas homilias dominicais.
Nascido em Villarzel-du-Razès a 31 de Maio de 1890, ele fez os seus estudos em Saint
Stanislas, em Carcassonne. Ele não tinha ainda terminado o seu serviço militar quando a guerra
eclodiu. Tendo entrado no Grande Seminário após o final das hostilidades, ele foi ordenado padre a
26 de Junho de 1921. Depois de ter exercido durante dois anos no Pequeno Seminário de
Castelnaudary como professor, tornou-se cura de Orsans. No seguimento, foi chamado
sucessivamente a Villar-St-Anselme, em 1933, a Montmaur em 1940, a Soupex em 1945, a Ladern
em 1957. Foi nesta localidade que chegou ao fim o seu ministério. Reformado por razões de saúde
na sua aldeia natal a 24 de Agosto de 1961, ele morreu a 11 de Novembro de 1964, com a idade
de 71 anos (Arquivos Diocesanos).
Como teria este bom e velho padre acabado por ter o seu nome associado a estas fabulações
aberrantes? Por que surpreendente concurso de circunstâncias? Ainda nos perguntaríamos se não
tivéssemos sabido que nos seus últimos anos de vida, quando ele estava a banhos em Rennes-
les-Bains, ele encontrava freqüentemente uma curiosa personagem que começava a ser costume
ver a rodar por estas paragens desde o final dos anos cinqüenta. Ele morava em Paris. Não tinha
ligações à região nem relações conhecidas. Era um indivíduo difícil de definir, apagado, secreto,
cauteloso, não desprovido de uma eloqüência que aqueles que o interpelaram diziam ser imbatível.
Ele não seguia um tratamento médico regular. Assim questionava-se sobre as razões das suas
aparições repetidas, porque ele vinha mesmo no Inverno. Igualmente, conjeturava-se sobre o
interesse que despertavam nele as curiosidades naturais ou arqueológicas, porque não se tratava
de um intelectual. Ele intrigava as gentes pela estranheza das suas atitudes: ele ia, calcorreando a
região, inquirindo sobre a origem das propriedades, deitando de preferência o olho a matagais ou
terras abandonados que não interessavam a ninguém. Que queria ele fazer? Desbravar estas
terras desoladas e nelas lançar a charrua? Vocação bem tardia: ele já não era novo... «Passe
encore de bâtir...»
As suas idas e vindas, as questões que ele colocava a uns e a outros não podiam ficar sem
eco. Tinham-no por um maníaco e alguns possivelmente riam mesmo dele sem suspeitarem de
que o homem usava todos os estratagemas para constituir um dossiê onde os acontecimentos
banais, os pequenos fatos tomavam proporções inesperadas, onde reflexões sem interesse,
apreciações precipitadamente feitas, palavras no ar adquiriam tanto mais relevo quanto ele as
colocava na boca de pessoas respeitáveis e estimadas pela sua sabedoria, mas talvez
enfraquecidas pela idade. Ele não temia em atribuir-lhes declarações que ele gravava num
gravador de cassetes onde é possível, como se sabe, a quem quer que seja debitar uma história
qualquer. Assim o atribuiu ao padre Courtauly propósitos extravagantes que não concordam nem
com a vida nem com o caráter deste padre. Neste ponto, aqueles que conheceram e privaram com
o padre são formais.
Posto isto, damo-nos conta, pelo próprio jogo das concordâncias, que a mesma personagem
era o autor dos papéis Lobineau. Provavelmente estaremos perante um paranóico porque ele
próprio inscreveu o seu nome em bom lugar na pretensa descendência do rei Dagoberto II." - René
Descadeillas, "Mythologie du Trésor de Rennes", pág. 67 a 70, e 75 a 76.
Edificante, este relato em primeira mão de René Descadeillas! Apenas alguns comentários
breves, porque o relato fala por si: quando Descadeillas fala de "papéis Lobineau", ele está a
referir-se precisamente aos nossos Dossiers Secrets. Como podemos constatar, e a parte final do
trecho é suficientemente clara nesse ponto, Descadeillas refere-se a Pierre Plantard, que pelos
vistos fez bastante "trabalho de campo", neste caso no Sul de França, na região de Rennes, antes
de se pôr a inventar as suas efabulações. Não pode existir qualquer espécie de dúvida: Plantard é
o autor dos Dossiers Secrets!
Geometria Sagrada
A árvore dos zéfiros, que reflecte a essência da Cabala, na obra de Paulus Ricius, Portae
Lucis (Augsburgo, 1516)
A Cabala é o coração do esoterismo judaico. Contudo, esta definição é fraca e pouco rigorosa,
porque o termo "esoterismo" é um termo moderno. Melhor seria dizer que a Cabala representa um
corpo doutrinário interior ao judaísmo, que procura inteligir e compreender a estrutura da Criação e
da sua relação com o Criador. No coração da Cabala está a árvore dos zéfiros ("sefiroth"), que diz
respeito às enumerações divinas, e ao seu papel no processo criativo, na Formação. Trata-se de
um corpo de ensinamentos muito antigo, que assistiu a um rejuvenescimento nas comunidades
judaicas de corrente sefardita, estabelecidas na Península Ibérica durante a Idade Média. Nomes
como o de Isaac Luria estão associados indiscutivelmente com o estudo da Cabala. Com a
expulsão dos judeus de Espanha, em 1492, o cabalismo sefardita refugia-se na Terra Santa. Isaac
Luria funda um centro de exegese cabalística em Safed, na Alta Galileia.
Duas importantes obras cabalísticas são o Sepher Yetzirah ou o "Livro da Formação", e o
Zohar, ou o "Livro do Esplendor". A Cabala recorre ao símbolo gráfico da "árvore dos zéfiros" ou
"árvore sefirótica", que contém as esferas Kether ("Coroa"), Hochmah ("Sabedoria"), Binah
("Inteligência"), Geburah ("Severidade" ou "Rigor"), Hesed ("Misericórdia" ou "Clemência"), Tifereth
("Beleza"), Netzah ("Vitória"), Hod ("Esplendor"), Yesod ("Fundamento"), e Malcuth ("Reino"). São
as enumerações de Deus, os dez aspectos pelos quais Deus Se dá a conhecer. A palavra "zéfiro"
vem de "sepher", que em hebreu quer dizer "contar", e que equivale ao árabe "çifr" que deu o
termo "cifra". Assim, os dez zéfiros são também os dez nomes de Deus e os dez números de Deus,
que juntamente com as vinte e duas letras do alfabeto hebraico representam os vários planos da
Criação, e o seu processo formativo como emergente do intelecto divino.
A cabala hebraica também reparte os zéfiros em quatro mundos. Por ordem descendente, tem-
se o Mundo de Aziluth, que contém Kether, Hockmah e Binah, onde reina a eternidade da luz
divina. De seguida, o Mundo de Beriah (o Mundo do Trono), que é o das realidades informais, que
contém Geburah, Hesed e Tifereth. Este último zéfiro, o da Beleza, é já a ponte para o mundo
formal subtil, o Mundo de Yetzirah (também conhecido como o "Mundo dos Anjos"), que contém
Netzah, Hod e Yesod. Este último zéfiro, o do Fundamento, é a ponte para o mundo formal
grosseiro, o Mundo de Asiah, ou da Ação, que contém o zéfiro Malcuth, o Reino. As leis de Malcuth
são as leis naturais e materiais.
A árvore dos zéfiros, na obra Oedipus Aegyptiacus, de Athanasius Kircher (Roma, 1653).
A árvore dos zéfiros, na representação do jesuíta Kircher, apresenta-se como o sistema dos dez
nomes divinos ("X DIVINORVM NOMINVM"). Note-se como Kircher se baseia na árvore sefirótica
para representar o Templo de Salomão. Ao transpor Malcuth, o Reino, deparamo-nos com as
chamas de fogo no átrio do templo. Dentro do templo, no altar, está Tifereth, com a mesa dos pães
da propiciação do lado esquerdo, e o castiçal de sete braços do lado direito (a menorah).
Atravessando o véu do templo, entra-se no Santo dos Santos, onde vemos as duas Tábuas da Lei
mosaica (dentro da Arca da Aliança, não figurada no esquema de Kircher). Para lá das Tábuas da
Lei, e do mundo dos arquétipos (mundus archetypus), no centro do templo e no lugar mais oculto e
resguardado do templo, está a Shekinah, morada de Deus, local da presença de Deus.
A árvore dos zéfiros, na obra 'Utriusque Cosmi, Vol. II', de Robert Fludd (Frankfurt, 1621).
Este último exemplo, onde Robert Fludd dispõe a árvore dos zéfiros sobre uma árvore invertida,
é particularmente interessante, visto que a árvore invertida é também um símbolo oriental muito
antigo, sendo freqüente no hinduísmo. O particular interesse da árvore invertida está no fato de
que as raízes provêm de Kether, a Coroa. A árvore desenvolve o seu tronco e os seus ramos de
Kether para Malcuth. Os zéfiros contêm os vários nomes de Deus em hebraico.
Como pudemos ver, nada disto é "geometria sagrada", e associar a Cabala com este termo é
um disparate, a não ser que a associação seja tangencial, no sentido em que a geometria sagrada
também representa o caráter sagrado da estrutura da Criação, mas é uma aproximação muita
forçada de conceitos díspares. Simon Cox revela um profundo desconhecimento da Cabala, que
ele descreve de forma infantil como um "sistema religioso e filosófico", quando não é nada que se
pareça. A Cabala nada tem de filosófico (no sentido em que se entende a palavra grega "filosofia",
e no contexto em que esta sempre foi aplicada), e não é um sistema religioso à parte, mas sim um
corpo de ensinamento doutrinário interior à doutrina judaica.
"Como «simbologista», Langdon é um perito na matéria".
Ou seja, vamos levar a sério o que diz a personagem Langdon, porque se trata de um professor
de Simbologia em Harvard! O que é curioso é que apesar da disciplina de Simbologia não existir
em Harvard, este personagem psicologicamente inconsistente apresenta um tal desconhecimento
das matérias que se torna pouco convincente como professor universitário. Os erros históricos do
professor Langdon são o espelho das opiniões erradas do próprio Dan Brown, e
conseqüentemente, dos erros de Simon Cox. A função do personagem Langdon no romance é tão
somente a de emprestar credibilidade às teorias que saem da sua boca. Langdon serve de caixa
de ressonância às próprias teorias de Dan Brown e dos autores em que este se baseou. Dan
Brown leva a sério às teorias que insere no seu romance, e isso pode ser facilmente verificado pela
leitura da entrevista no seu site.
Gnómon em St.-Sulpice
O artigo até que começa bem, com Simon Cox a apresentar, para variar, alguns fatos verídicos,
mas de repente surge-nos isto:
"Os relógios solares têm sido usados para calcular o tempo há milênios: os antigos egípcios
sabiam que se uma estaca fosse verticalmente enfiada no chão, a sombra lançada pelo sol ao
meio-dia variaria de comprimento com o passar do tempo".
É verdade. Mas, de fato, qualquer pessoa que espete um pau no chão consegue constatar o
"fenômeno", não apenas os "antigos egípcios". ... A ciência está em conseguir obter as horas com
o recurso ao gnómon! Vê-se que Simon Cox, para este tópico, teve dificuldade em arranjar material
e não sabia bem o que escrever.
Heréticos
Diz Cox:
"A teoria em si mesma pode ser vista como uma heresia dos dias modernos à luz dos
tradicionais ensinamentos cristãos"
É verdade! Só que Simon Cox fala da heresia como fosse uma coisa boa, numa total perversão
e inversão do significado das palavras.
"Sendo um assunto específico do romance, os heréticos são descritos a Sophie como aqueles
que escolheram seguir a história original de Cristo, enquanto homem mortal, em vez da figura
divina esboçada no Concílio de Nicéia".
Há muita coisa que não bate certo na argumentação deste senhor. A heresia é, como diz
adiante, e bem, Simon Cox, "a posse de opiniões que contradizem a ortodoxia". Até aqui tudo bem,
só que Simon Cox omite o significado de "ortodoxia", que me parece fundamental: "ortodoxia"
("orthos"+"doxos") é literalmente "opinião correta". Por isso, a heresia surge como
fundamentalmente um erro, porque é a posse de uma opinião antagônica à "opinião correta", ou
seja, a heresia é uma "opinião incorreta". Mas, segundo Simon Cox e Dan Brown, os heréticos
"escolheram seguir a história original de Cristo". Isto não bate certo! A história original de Cristo
deverá ser, para qualquer pessoa racional, a história correta! Por isso, um herético nunca seguiria
a história correta, mas sim a história incorreta.
O cerne da questão está que, para Dan Brown e Simon Cox, a "história correta" é a de que
Jesus era mortal, e que foi Constantino que decidiu, no Concílio de Nicéia, elevar Jesus a
divindade. Já vimos noutro lado que esta "teoria" é pura asneira. Nem é preciso ir procurar pistas
da divindade de Jesus na história dos primeiros séculos do cristianismo antes do Concílio de Nicéia
em 325 d.C.. Basta ler os evangelhos canônicos para encontrarmos S. Tomé a exclamar: "Meu
Senhor e meu Deus"; e para nos darmos conta de que já no tempo de Jesus este era visto como
Deus pelos seus seguidores. A tese dos nossos amigos cai assim, bem facilmente, por terra.
Dentro da Igreja, a "opinião correta" era, e sempre foi, a do Jesus, Filho de Deus. Assim, somos
levados logicamente a concluir que a "tese errada" é a tese de Dan Brown, e que esta tese é, de
fato e literalmente, uma "tese herética".
Simon Cox segue uma táctica recorrente: menciona as perseguições da Igreja Católica
(nomeadamente a Cruzada contra os Cátaros), que foram naturalmente acontecimentos
horrorosos, para dar a idéia de que a Igreja estava assim a perseguir os "heréticos" como os
detentores da verdade sobre Jesus. O que é infame. Os heréticos arianos, cátaros, e todos os
outros, eram pessoas que possuíam opiniões erradas sobre a doutrina. Claro que isso não legitima
o assassinato dessas pessoas, nem tão pouco a sua perseguição física (se bem que o "combate
doutrinal" num domínio puramente intelectual seja totalmente legítimo), mas daí a querer afirmar
que essas perseguições tinham como razão a tentativa de esconder a verdade sobre Jesus vai um
grande e temerário salto em direção à asneira.
«Hieros Gamos»
Este capítulo tenta recuperar a obra do trio Lincoln, Baigent e Leigh, para que mais uma
geração inteira de leitores corra a comprá-lo e se deixe afundar nas suas pseudoteses.
"Embora hoje em dia, investigadores do Priorado de Sião continuem a debater a veracidade da
informação histórica contida no livro, existe um acordo geral global de que «Holy Blood, Holy Grail»
tem, para o melhor e para o pior, sido o grande responsável pela libertação de conceitos históricos
e religiosos revolucionários, que nunca foram publicamente examinados antes. Além disso, HBHG
é o único livro em língua inglesa entre a diversificada indústria de obras sobre o Priorado de Sião
que foi escrito por autores que, na verdade, tiveram acesso em primeira mão a um suposto Grão-
Mestre desta sociedade secreta".
Que vergonha, senhor Simon Cox, mentir tanto e de forma tão descarada! Já nenhum
"investigador" continua a debater a veracidade da informação histórica contida no livro, porque
essa veracidade não existe, e isso já foi demonstrado vezes sem conta! Só os tolos teimosos é que
continuam a levar esse livro a sério. A leitura do nosso trabalho sobre Rennes não deixa qualquer
margem para dúvidas. E porque é que este senhor fala em "conceitos revolucionários"? Porque é
que ele não diz "conceitos falsos", que seria a mais pura das verdades? Estará a apelar a uma
certa mentalidade que adere, independentemente do conteúdo, a tudo que seja "revolucionário",
como a tudo o que seja "inovador"? O que parece claro é que Simon Cox apenas leu os autores
anglo-saxônicos do costume, porque certamente não saberá ler noutras línguas. Por isso,
certamente que nunca leu as obras de René Descadeillas, de Pierre Jarnac (Michel Vallet), de
Jacques Rivière, de Jean Robin, de Jean-Jacques Bedu, de Claire Corbu e Antoine Captier, de
Jean-Luc Chaumeil, nem sequer a derradeira obra do famigerado Gérard de Sède, "Rennes-le-
Chateau - Le Dossier, Les Impostures, Les Phantasmes, Les Hypotheses", através da qual Gérard
de Sède veio contar como fora enganado por Plantard e Chérisey.
Ninguém sério confiaria cegamente em Gérard de Sède, porque sabemos bem que ele lucrou
financeiramente com tudo isto, mas até ele, um dos grandes responsáveis pela vaga
desinformativa, deixou uma derradeira obra a desmentir toda esta impostura. Mais grave ainda:
Plantard lança em 1989 uma nova versão do Priorado de Sião, em que ele vem negar toda a
mitologia do passado, mantendo apenas algumas coisas mais difíceis de verificar. Plantard reage
assim aos ataques refutatórios que tinham vindo a minar a sua mitologia durante décadas. Mas
nem isto Simon Cox sabe! Vê-se que Cox sofre de um contacto exclusivo com a literatura anglo-
saxônica sobre o tema, que é totalmente inválida e infundada. O Priorado é uma invenção de
franceses (Pierre Plantard e Phillipe de Chérisey), ocorrida em solo francês, dentro de uma cultura
francesa, baseado em mitos e lendas franceses, com personagens franceses, e com objetivos
especificamente franceses! Mas, no entanto, a incrível verborréia anglo-saxônica pró-Priorado não
pára nunca, e todos os anos surgem obras que continuam perpetuamente com esta farsa. A obra
"Holy Blood, Holy Grail" foi escrita por três amadores, que aproveitaram a loucura imaginativa de
Plantard para ganhar uns cobres! O que é especialmente grave é que o próprio Jean-Luc Chaumeil
tenha contatado Henry Lincoln antes da publicação da obra do trio, porque Chaumeil queria
esclarecer Lincoln da terrível embrulhada em que ele se estava a meter, e que Lincoln tenha pura e
simplesmente ignorado todos os avisos de Chaumeil relativos ao embuste! Lincoln sabia de tudo!
E, no entanto, cedeu à tentação de pôr a obra à venda. Que tal, para a honestidade do líder do
trio?
Como se poderá ver, lendo a secção do nosso trabalho sobre o Priorado de Sião, o trio anglo-
saxônico nada mais fez senão veicular as teses de Plantard e Chérisey, juntando-as a algumas
loucuras de sua própria autoria. Só Simon Cox, na sua profunda ignorância sobre o tema, para dar
valor ao fato do livro do trio ter valor acrescentado por ter sido escrito com "acesso em primeira
mão a um suposto Grão-Mestre"! Francamente! Plantard foi o inventor de tudo aquilo! Ele era o
principal interessado em passar a teoria para um público mais vasto. Plantard apenas aproveitou a
oportunidade proporcionada pelo trio... Mais tarde, sentir-se-ia manipulado e usado por este trio,
que soube, bem melhor que Plantard, tirar os devidos lucros do potencial desta farsa. O leitor que
conheça os contornos desta história não pode senão ficar enojado com o desenrolar das
"investigações" do trio: a sua surpreendente credulidade neste Plantard, cujas palavras eles bebem
como maná caído dos Céus, como se Plantard fosse um iniciado prestes a revelar-lhes o Santo
Graal! Mas é assim que o trio escreve a sua obra: tudo gira em torno dos encontros com Plantard,
com o pouco de informação (falsa) que este lhes vai passando... Infantilidade e ingenuidade por
parte do trio, que não sabia que estava a ser enganado? Antes fosse! Infelizmente, é a mais pura
das verdades que o trio já sabia de tudo, e a prova está na recusa da ajuda de Jean-Luc Chaumeil.
Somos então forçados a concluir que o trio escreveu a obra de má fé. Com vontade de vender,
desinformando. E, para arrancar o máximo de material a Plantard, tudo valia! Até a mais patética
idolatria, porque o trio, na sua primeira entrevista com Plantard, segundo nos conta a testemunha
presencial Jean-Luc Chaumeil, chamara-o de "Sa Majesté"!
Mas, no final, Simon Cox deixa cair um bocado o véu... Talvez com medo de ser atacado por
quem sabe do assunto, ele decide terminar esta secção de um modo mais prudente. Terminando a
sua divagação elogiosa à obra do trio, ele menciona que a obra nem sequer fora a primeira a
avançar a hipótese da "linhagem sagrada". Cox recorda "The Dreamer of the Vine", da astróloga
Liz Greene, e ainda bem que o faz, porque esta obra precede a obra "Holy Blood, Holy Grail".
Simon Cox, numa espantosa honestidade (ficámos supreendidos, mas por pouco tempo), revela ao
leitor que Liz Greene era irmã de Richard Leigh, e que "era na altura namorada de Michael
Baigent". E Cox levanta, e muito bem, a hipótese: "Assim, será que os autores de «Holy Blood,
Holy Grail» apenas se envolveram «por acaso» com o conceito da linhagem de Jesus e Maria
Madalena durante o decurso das suas discussões com Pierre Plantard, ou era este o destino do
livro desde o início?". Exatamente, Simon Cox! Exatamente! Conforme vimos atrás, não foi de
Plantard que veio a idéia do "casamento sagrado", apesar de Chérisey ser o adepto de Maria
Madalena da parelha. Apesar de Chérisey ter reagido com o agrado às teses do "casamento
sagrado" e da "linhagem sagrada", não foi ele quem as inventou, e faz todo o sentido pensar-se
nos bastidores desta torrente de ideias, que cresceu e muito com a obra do trio, e Liz Greene faz
com certeza parte da equação... Mas a pulhice de Simon Cox revela-se mesmo no fim: numa
táctica astuciosa, ele dá esta "no cravo", mas no final dá "na ferradura":
"Se for este o caso, estariam Baigent e Leigh na posse de algumas há muito suprimidas
informações internas, antes das primeiras palavras de «Holy Blood, Holy Grail» terem sido
colocadas numa folha? E se assim foi, quem estava realmente a manobrar quem... e estaremos
nós ainda em viagem?"
Simon Cox quer, com esta frase, deixar no leitor a seguinte ideia: "o mistério está em aberto".
Mas a idéia que deveria ficar no leitor é esta: não há mistério, Pierre Plantard e Phillipe de Chérisey
são os inventores únicos da farsa do Priorado; o trio Lincoln, Baigent e Leigh os seus
propagadores internacionais; Baigent e Leigh foram chamados porventura pela sua ligação a Liz
Greene, porque as teorias desta ajudariam a "engrossar o caudal"; o trio demonstra uma frieza
calculista e uma falta total de honestidade intelectual no delinear de um processo investigativo
totalmente falseado e viciado, onde eles já sabem exatamente a que conclusão querem chegar
com tal "investigação", e onde querem levar o público leitor. Uma vergonha...
Santo Graal
Num dos seus últimos artigos o senhor Charbonneau-Lassay assinalou muito justamente, como
se ligando ao que poderíamos chamar a «pré-história do Coração Eucarístico de Jesus», a lenda
do Santo Graal, escrita no século XII, mas bem anterior pelas suas origens, pois ela é na realidade
uma adaptação cristã de tradições célticas muito antigas. A idéia desta aproximação já nos tinha
surgido na ocasião do artigo anterior, extremamente interessante do ponto de vista no qual nos
colocamos, intitulado «O coração humano e a noção do Coração de Deus na religião do antigo
Egito», do qual recordamos a passagem seguinte: «Nos hieróglifos, escritura sagrada onde
freqüentemente a imagem da coisa representa a própria palavra que a designa, o coração foi
figurado por um só emblema: o vaso. O coração do homem não é com efeito o vaso onde a sua
vida se elabora continuamente com o seu sangue?». É este vaso, tomado como símbolo do
coração e substituindo-se a este na ideografia egípcia, que nos fez pensar imediatamente no Santo
Graal, ainda mais que neste último, para lá do sentido geral do símbolo (considerado aliás sob os
seus dois aspectos divino e humano), vemos ainda uma relação especial e muito mais direta com o
próprio Coração de Cristo.
O rei Artur rodeado dos Cavaleiros da Távola Redonda - o Santo Graal está no meio da
mesa.
Após a morte de Cristo, o Santo Graal foi, segundo a lenda, transportado para a Grã-Bretanha
por José de Arimateia e Nicodemos; começa então a desenrolar-se a história dos Cavaleiros da
Távola Redonda e das suas explorações, que não pretendemos seguir aqui. A Távola Redonda
estava destinada a receber o Graal quando um dos Cavaleiros o conseguisse conquistar e o
trouxesse da Grã-Bretanha à Armórica; esta mesa é também um símbolo verdadeiramente muito
antigo, um daqueles que foram associados à idéia dos centros espirituais aos quais aludimos. A
forma zodiacal da mesa está, aliás, ligada ao «ciclo zodiacal» (outro símbolo que mereceria ser
estudado de forma mais especial) pela presença à volta dela de doze personagens principais,
particularidade que se encontra na constituição de todos os referidos centros. Sendo assim, não
podemos ver no número dos doze Apóstolos, um sinal, entre tantos outros, da perfeita
conformidade do Cristianismo com a tradição primordial, à qual o nome de «pré-cristianismo»
conviria tão exatamente? E, por outro lado, a propósito de Távola Redonda, fizemos notar uma
estranha concordância nas revelações simbólicas feitas a Marie des Vallées (ver «Regnabit»,
Novembro de 1924), onde era mencionada «uma mesa redonda de jaspe, que representa o
Coração de Nosso Senhor», ao mesmo tempo em que se trata de «um jardim que é o Santo
Sacramento do altar», e que, com as suas «quatro fontes de água viva», se identifica
misteriosamente ao Paraíso terrestre; não estamos de novo perante uma confirmação
impressionante e inesperada das relações que atrás assinalamos?
Naturalmente, estas rápidas notas não teriam a pretensão de constituir um estudo completo
sobre uma questão tão pouco conhecida; devemos limitar-nos de momento a dar simples
indicações, e damo-nos conta de que há considerações que, numa primeira abordagem, são
susceptíveis de surpreender um pouco aqueles que não estão familiarizados com as tradições
antigas e com os seus modos habituais de expressão simbólica; mas reservamos o seu
desenvolvimento e também justificá-los mais amplamente, a artigos onde pensamos poder abordar
igualmente outros pontos que não são menos dignos de interesse.
Enquanto esperamos, mencionamos ainda, no que diz respeito à lenda do Santo Graal, uma
estranha complicação da qual ainda não nos tínhamos dado conta até agora: por uma destas
assimilações verbais que desempenham freqüentemente no simbolismo um papel não
negligenciável, e que, aliás, têm talvez razões mais profundas que se imaginaria à primeira vista, o
Graal é por vezes um vaso ("grasale") e um livro ("gradale" ou "graduale"). Em certas versões, os
dois sentidos encontram-se mesmo estreitamente relacionados, porque o livro torna-se então uma
inscrição traçada por Cristo ou por um anjo na própria taça. Não pretendemos atualmente tirar disto
qualquer conclusão, se bem que há aproximações fáceis de fazer com o «Livro da Vida» e com
certos elementos do simbolismo apocalíptico.
Acrescentamos também que a lenda associa o Graal a outros objetos, e nomeadamente a uma
lança, que, na adaptação cristã, não é outra senão a lança do centurião Longinus; mas o que é
ainda mais curioso, é a pré-existência desta lança ou de um qualquer dos seus equivalentes como
símbolo de certa forma complementar da taça nas tradições antigas. Por outro lado, nos Gregos, a
lança de Aquiles podia curar as feridas que ela teria causado; a lenda medieval atribui
precisamente a mesma virtude à lança da Paixão. E isto lembra-nos uma outra semelhança do
mesmo gênero: no mito de Adónis (cujo nome, de resto, significa «o Senhor»), quando o herói é
ferido de morte por uma presa de um javali (substituindo aqui a lança), o seu sangue, espalhando-
se pela terra, provoca o nascimento de uma flor; ora, o senhor Charbonneau assinalou «uma peça
em ferro para hóstias, do século XII, onde vemos o sangue das feridas do Crucificado tombar em
gotículas que se transformam em rosas, e o vitral do século XIII da Catedral de Angers, onde o
sangue divino, correndo em riachos, se desenvolve também sob formas de rosas». Poderemos
dentro em breve falar de novo do simbolismo floral, visto sob um aspecto um pouco diferente; mas,
qualquer que seja a multiplicidade dos sentidos que apresentam todos os símbolos, tudo isto se
completa e se harmoniza perfeitamente, e esta mesma multiplicidade, longe de ser um
inconveniente ou um defeito, é pelo contrário, para aqueles que a sabem compreender, uma das
vantagens principais de uma linguagem muito menos estreitamente limitada que a linguagem
comum.
fonte: http://bmotta.planetaclix.pt/embuste.html