Tese Renan Bernardi Kalil Maio 2019 Sme PDF

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RENAN BERNARDI KALIL

CAPITALISMO DE PLATAFORMA E DIREITO DO TRABALHO:


CROWDWORK E TRABALHO SOB DEMANDA POR MEIO DE
APLICATIVOS

TESE DE DOUTORADO

ORIENTADOR: PROFESSOR ASSOCIADO DR. OTAVIO PINTO E SILVA

UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO


FACULDADE DE DIREITO
São Paulo – SP
2019
RENAN BERNARDI KALIL

CAPITALISMO DE PLATAFORMA E DIREITO DO TRABALHO:


CROWDWORK E TRABALHO SOB DEMANDA POR MEIO DE
APLICATIVOS

Tese apresentada a Banca Examinadora do Programa de Pós-


Graduação em Direito, da Faculdade de Direito da Universidade de
São Paulo, como exigência parcial para obtenção do título de Doutor
em Direito, na área de concentração Direito do Trabalho e da
Seguridade Social, sob orientação do Prof. Associado Dr. Otavio
Pinto e Silva.

UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO


FACULDADE DE DIREITO
São Paulo – SP
2019
Versão corrigida em 09.05.2019. A versão original, em formato eletrônico (PDF),
encontra-se disponível na CPG da Unidade.
FICHA CATALOGRÁFICA

Kalil, Renan Bernardi


B523c Capitalismo de plataforma e Direito do Trabalho: crowdwork e
trabalho sob demanda por meio de aplicativos / Renan Bernardi Kalil;
orientador Otavio Pinto e Silva. - São Paulo, 2019.
366 f.

Tese (Doutorado)- Universidade de São Paulo, USP, Programa de


Pós-Graduação em Direito, Direito do Trabalho e da Seguridade
Social, 2019.

1. Capitalismo de plataforma. 2. Relações de Trabalho. 3.


Crowdwork. 4. Trabalho Sob Demanda. 5. Dependência. I. Pinto e
Silva, Otavio, orient. II. Título.
CDU
BANCA EXAMINADORA

____________________________________________________
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____________________________________________________
AGRADECIMENTOS

A condução da pesquisa para a elaboração desta tese de doutorado foi uma atividade
desafiadora e solitária. Ambas foram superadas graças ao apoio de pessoas e instituições,
com as quais divido o resultado obtido. Todos os equívocos e imprecisões são de minha
responsabilidade.
Ao Professor Otavio Pinto e Silva, presente e importante em minha trajetória como
pesquisador desde os meus primeiros passos, pela acolhida ao longo da elaboração desta
tese, pela confiança no projeto de pesquisa apresentado, pelos ensinamentos para o
desenvolvimento deste trabalho e pela disponibilidade e atenção no curso da orientação desta
pesquisa.
À Walküre, pelas lições sobre Direito do Trabalho e liberdade sindical que me
marcaram profundamente, pelos ensinamentos a respeito da vida acadêmica (e não
acadêmica), por confiar em mim como pesquisador e por acompanhar o desenvolvimento
deste trabalho.
À Professora Laura Valladão de Mattos e ao Professor Antonio Rodrigues de Freitas
Junior, membros da banca de qualificação, pelos comentários que estimularam relevantes
reflexões para a continuidade da pesquisa e para a definição dos rumos desta tese.
Ao Professor Diogo Coutinho, pelo estímulo e pelo apoio na concretização do
período de pesquisa na Escola de Direito da Universidade de Harvard.
Ao Professor Yochai Benkler, pela acolhida no período de pesquisa na Escola de
Direito da Universidade de Harvard, pelas estimulantes conversas e sugestões, que foram
centrais na elaboração desta tese, e pelas aulas ministradas, que despertaram em mim uma
perspectiva crítica sobre a relação entre tecnologia e trabalho.
À Janine Berg e à Professora Juliet Schor, pela disponibilidade em compartilhar
informações sobre as pesquisas com trabalhadores da Amazon Mechanical Turk e da Uber
e pelos diálogos que foram centrais na formatação dos estudos de caso desenvolvidos nesta
tese.
Ao Ministério Público do Trabalho, nas pessoas de Ronaldo Curado Fleury, Sandra
Lia Simón e Fabio Fernando Pássari, pelo estímulo para pesquisar o tema objeto deste
trabalho e pelo apoio institucional para o período de pesquisa na Escola de Direito da
Universidade de Harvard, essencial para a elaboração desta tese.
À minha mãe Tânia, ao meu pai Wilson e ao meu irmão Murilo, pelo amor, pelo
carinho, pela compreensão nas minhas ausências e pelo suporte para que eu trilhasse o
caminho que optei. Ao meu sobrinho Davi, por arrancar sorrisos mesmo nos momentos mais
improváveis.
Ao André e à Laura, amigos de mais de década e fundamentais na minha opção de
vida pelo Direito do Trabalho, pelo amor, pelo carinho, pelo companheirismo, pelas
inúmeras horas de conversa sobre o tema pesquisado nesta tese e pela atenciosa e zelosa
leitura deste trabalho.
Por último, e certamente não menos importante, à Raquel, pelo amor, pelo
companheirismo, pelo carinho, pela cumplicidade, pelo conforto nos momentos difíceis,
pelo estímulo para seguir o caminho da pesquisa, pela inspiração de coragem intelectual,
pelas inúmeras horas de conversas sobre as ideias que conformam este trabalho e,
especialmente nesses três últimos anos, por ter oferecido a mão para irmos em frente nesta
estrada de fazer o sonho acontecer.
“Você não sente não vê
Mas eu não posso deixar de dizer, meu amigo
Que uma nova mudança em breve vai acontecer
O que há algum tempo era novo, jovem
Hoje é antigo
E precisamos todos rejuvenescer”
(“Velha roupa colorida” – Belchior)

“- Você tem casa própria?


- Não, não tenho.
- Você aluga uma casa ou apartamento ou vive de graça com
alguém?
- Nenhum dos dois.
- Onde você mora?
- Aqui.
- No carro?
- No carro.”
(Trecho de uma entrevista realizada com motorista da Uber na
cidade de São Paulo entre agosto e outubro de 2018)
KALIL, Renan Bernardi. Capitalismo de plataforma e Direito do Trabalho: crowdwork e
trabalho sob demanda por meio de aplicativos. 366f. Doutorado - Faculdade de Direito,
Universidade de São Paulo, São Paulo, 2019.

RESUMO

Em um contexto de transformações no mundo do trabalho pelo uso de novas tecnologias, é


necessário desenvolver estudos que entendam as novas dinâmicas de trabalho e o papel do
Direito do Trabalho. Esta tese identifica duas formas de trabalho no capitalismo de
plataforma – o crowdwork e o trabalho sob demanda por meio de aplicativos – para
investigar os efeitos concretos das inovações tecnológicas nas relações de trabalho. Pretende
responder se as ferramentas do Direito do Trabalho protegem os trabalhadores que
desempenham atividades nas plataformas digitais. Para tanto, combinamos revisão de
literatura sobre as formas de trabalho e dois estudos de caso: um de crowdwork, com a
plataforma Amazon Mechanical Turk e um de trabalho sob demanda por meio de aplicativos,
com a plataforma Uber. Além da análise documental, foram conduzidas entrevistas do tipo
survey com trabalhadores brasileiros nessas duas plataformas. Identificamos quatro
características principais: (i) a existência de uma certa autonomia dos trabalhadores para
determinar a carga horária e a jornada de trabalho; (ii) uma relação direta entre dependência
e precariedade; (iii) o gerenciamento da força de trabalho pelo algoritmo, sendo que a
intensidade da coordenação e do controle de mão de obra varia em cada plataforma; e (iv)
uma acentuada desigualdade econômica entre os trabalhadores e as plataformas e os
tomadores de serviços. Nossa análise aponta para diferenças no trabalho desenvolvido nas
duas plataformas, especialmente quanto ao modo de execução de atividades. Ambas também
se diferenciam parcialmente do conceito de emprego previsto na legislação brasileira. Nesse
sentido, ressaltamos a necessidade de uma nova arquitetura jurídica capaz de oferecer
respostas às peculiaridades das formas de trabalho no capitalismo de plataforma.
Concluímos a pesquisa apresentando uma proposta de criação de uma legislação especial
circunscrita ao crowdwork e ao trabalho sob demanda por meio de aplicativos. Nela, os
trabalhadores são classificados em três categorias: autônomos, dependentes ou
subordinados, em que cada uma atrai um conjunto de direitos. Desta forma, levamos em
conta a complexidade que as inovações tecnológicas imprimem às relações de trabalho e
estendemos proteção social aos trabalhadores que participam do capitalismo de plataforma.

Palavras-chave: Capitalismo de Plataforma; Relações de Trabalho; Crowdwork: Trabalho


Sob Demanda; Dependência.
KALIL, Renan Bernardi. Platform capitalism and Employment Law: crowdwork and on-
demand work via apps. 2019. 366f. Doctor Degree - Law School, University of São Paulo,
São Paulo, 2019.

ABSTRACT

In a context of transformations in the world of work by new technologies, it is urgent to


conduct studies to understand new labor dynamics and the role of Employment Law. This
thesis identifies two forms of work in the platform capitalism – crowdwork and on-demand
work via apps – to investigate the concrete effects of technological innovations in the labor
relations. It aims to answer whether Employment Law categories protect workers who
develop activities on digital platforms. In order to do, we combine a literature review on
forms of work and two study cases: one of crowdwork, on Amazon Mechanical Turk, and
other of work on-demand via apps, on Uber. We analyze documents and conduct i interviews
with Brazilian workers on both platforms. As a result, we identified four main
characteristics: (i) the existence of a certain degree of workers autonomy in defining their
amount of work and working time; (ii) a direct relationship between dependence and
precarity; (iii) the management of the labor force by the algorithm, and its ability to
coordinate and control workers varies according to each platform; (iv) a stark economic
inequality among workers and platforms and contractors. Our analysis identifies differences
between the work done on both platforms, especially on how workers execute activities. The
work developed in both case studies are at least partially different from the Brazilian legal
employee concept. In this sense, we highlight the need for a new legal architecture to offer
answers to the peculiarities of work in the platform capitalism. We concluded our research
presenting a proposal to create a special law for crowdwork and on-demand work via apps.
Workers are to be classified as self-employees, dependents or employees, each category
providing a set of rights for each one. In doing so, we hope to acknowledge the complexity
technological innovations add to labor relations, while extending social protection for
workers who join platform capitalism.

Keywords: Platform Capitalism; Labor Relations; Crowdwork; On-demand Work;


Dependence.
KALIL, Renan Bernardi. Capitalisme de plateforme et Droit du Travail: crowdwork et
travail à la demande via applications mobiles. 2019. 366f. Doctorat – Faculté de Droit,
Université de São Paulo, São Paulo, 2019.

RÉSUMÉ

Dans un contexte de mutation du monde du travail par l’utilisation des nouvelles


technologies, il est nécessaire de développer des études qui identifient les nouvelles
dynamique du travail et le rôle du Droit du Travail. Cette thèse identifie deux formes de
travail dans le capitalisme de plateforme – le crowdwork et le travail à la demande via
applications mobiles – pour étudier les effets concrets des innovations technologiques sur
les relations de travail. Elle cherche à clarifier si les outils du Droit du Travail protègent les
travailleurs qui exercent des activités sur des plateformes numériques. Pour ce faire, nous
avons combiné une analyse documentaire sur les formes de travail et deux études de cas:
une de crowdwork, avec la plateforme Amazon Mechanical Turk, et une autre de travail à la
demande via applications mobiles, avec la plateforme Uber. En plus de l’analyse
documentaire, ont été menés des entretiens de type survey avec travailleurs brésiliens sur ces
deux plateformes. Nous avons identifié quatre caractéristiques principales : (i) l’existence
d’une certaine autonomie des travailleurs pour déterminer leur quantité et les horaires de
travail; (ii) une relation directe entre dépendance et précarité; (iii) la gestion de la main-
d'œuvre par l’algorithme, et l’intensité de la coordination et du contrôle du travail varient
sur chaque plateforme; (iv) une inégalité économique accentuée entre les travailleurs et les
plateformes et leurs clientes. Notre analyse met en évidence les différences dans le travail
développé sur les deux, notamment en ce qui concerne le mode d’exécution des activités.
Tous les deux se différencient en partie de la notion d’emploi prévue dans la législation
brésilienne. En ce sens, nous soulignons la nécessité d’une nouvelle architecture juridique
capable d’apporter des réponses aux particularités de ces formes de travail. Nous concluons
la recherche en présentant une proposition visant à créer une législation spéciale circonscrite
au crowdwork et au travail à la demande via applications mobiles. Les travailleurs y sont
classés en trois catégories: autonomes, dépendantes ou subordonnés, dans lesquelles chacun
jouit d’un ensemble de droits. De cette manière, nous prenons en compte la complexité que
les innovations technologiques imposent aux relations de travail et étendons la protection
sociale aux travailleurs qui participent au capitalisme de plateforme.

Mots-clefs: Capitalisme de Plateforme; Relations du Travail; Crowdwork; Travail à la


demande; Dépendance.
LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

3D: Três dimensões


AMT: Amazon Mechanical Turk
art.: Artigo
AWS: Amazon Web Services
CEO: Chief Executive Officer
CFC: Centro de Formação de Condutores
CLT: Consolidação das Leis do Trabalho
CMUV: Comitê Municipal de Uso Viário
CNH: Carteira Nacional de Habilitação
CONAFRET: Coordenadoria Nacional de Combate às Fraudes na Relação de Trabalho
Conduapp: Cadastro Municipal de Condutores de Veículo de Aplicativo
CRLV: Certificado de Registro e Licenciamento de Veículo
CSVAPP: Certificado de Segurança do Veículo de Aplicativo
CWA local 7777: Communications Workers of America local 7777
DTP: Departamento de Transportes Públicos
EAR: Exerce Atividade Remunerada
EUA: Estados Unidos da América
FGTS: Fundo de Garantia do Tempo de Serviço
GPS: Global Positioning System
GRU: Guarulhos
INSS: Instituto Nacional do Seguro Social
LGBTQ: Lésbicas, Gays, Bissexuais, Transexuais ou Transgêneros e Queers
MIT: Massachussetts Institute of Technology
MPT: Ministério Público do Trabalho
MTurk: Amazon Mechanical Turk
n.: Número
OIT: Organização Internacional do Trabalho
PIB: Produto Interno Bruto
SIMTRAPLIPE: Sindicato dos Motoristas de Transporte Privado Individual de Passageiros
por Aplicativos de Pernambuco
SIMTRATTIPPRJ: Sindicato dos Motoristas em Transporte Terrestre Individual Privado de
Passageiros por Aplicativo do Rio de Janeiro
SINDIMAAP: Sindicato dos Motoristas Autônomos de Transporte Privado Individual por
Aplicativos
STATTESP: Sindicato dos Trabalhadores com Aplicativos de Transporte Terrestre
Intermunicipal do Estado de São Paulo
SUV: Sport Utility Vehicule
TIH: Tarefas de Inteligência Humana
TRT: Tribunal Regional do Trabalho
TV: Televisão
UE: União Europeia
SUMÁRIO

INTRODUÇÃO................................................................................................................ 15
1. Justificativa e relevância do tema................................................................................... 17
2. Delimitação do tema....................................................................................................... 20
3. Metodologia.................................................................................................................... 23
3.1. Amazon Mechanical Turk.................................................................................... 25
3.2. Uber...................................................................................................................... 28
4. Contribuição original à ciência jurídica brasileira ......................................................... 30

CAPÍTULO 1. CAPITALISMO DE PLATAFORMA................................................. 33


1. Introdução....................................................................................................................... 33
2. Tecnologia, instituições e ideologia............................................................................... 34
2.1. Tecnologia como elemento externo..................................................................... 35
2.2. Tecnologia como elemento periférico.................................................................. 39
2.3. Tecnologia e suas relações com outros elementos............................................... 41
2.4. Tecnologia como parte de uma economia política multidimensional.................. 46
3. Tecnologia, instituições e ideologia nos trinta anos gloriosos....................................... 51
4. Tecnologia, instituições e ideologia no neoliberalismo................................................. 57
5. Tecnologia, instituições e ideologia no cenário de peças se movendo........................... 66
6. O futuro do trabalho....................................................................................................... 76
7. Inovações tecnológicas, economia e plataformas: diversidade conceitual e capitalismo de
plataforma........................................................................................................................... 94

CAPÍTULO 2. TRABALHO NO CAPITALISMO DE PLATAFORMA................. 115


1. Introdução...................................................................................................................... 115
2. Formas de trabalho no capitalismo de plataforma ........................................................ 116
2.1. Classificação........................................................................................................ 118
2.2. Condições de trabalho......................................................................................... 122
2.3. Os números de trabalhadores no trabalho sob demanda por meio de aplicativos e
no crowdwork ................................................................................................................... 128
2.4. Pontos positivos e pontos negativos.................................................................... 130
3. Trabalho sob demanda por meio de aplicativos............................................................ 134
3.1. Dinâmicas das relações de trabalho e modo de operação das plataformas......... 135
3.2. Os trabalhadores.................................................................................................. 136
3.3. Gerenciamento automático.................................................................................. 137
3.4. Dependência e precariedade................................................................................ 141
3.5. Uber..................................................................................................................... 143
3.5.1. Dinâmicas das relações de trabalho e modo de operação....................... 144
3.5.2. Condições de trabalho............................................................................. 152
3.5.3. Gerenciamento algorítmico..................................................................... 154
3.5.4. Empresa de tecnologia ou empresa de transportes?................................ 161
3.5.5. Dependência e precariedade................................................................... 165
4. Crowdwork.................................................................................................................... 169
4.1. Modelos de negócios, tipos de trabalho e trabalho cultural................................ 170
4.2. Dinâmicas das relações de trabalho.................................................................... 174
4.3. Vantagens e desvantagens para trabalhadores e empresas.................................. 174
4.4. Amazon Mechanical Turk................................................................................... 179
4.4.1. Dinâmica das relações de trabalho.......................................................... 181
4.4.2 Condições de trabalho.............................................................................. 185
4.4.3. Assimetria de poderes............................................................................. 191
4.4.4. Centralidade do crowdwork.................................................................... 193
4.4.5. Dependência e precariedade................................................................... 194
5. Síntese das características das formas de trabalho no capitalismo de plataforma......... 195

CAPÍTULO 3. O DIREITO DO TRABALHO E O CAPITALISMO DE


PLATAFORMA.............................................................................................................. 201
1. Introdução...................................................................................................................... 201
2. O papel do Direito do Trabalho no capitalismo de plataforma..................................... 202
3. A regulação do trabalho no capitalismo de plataforma................................................. 208
3.1. A dicotomia do trabalho: relação de emprego e autonomia................................ 210
3.1.1. Relação de emprego: a porta de entrada para a proteção trabalhista.... 211
3.1.1.1. A não eventualidade no capitalismo de plataforma...................... 215
3.1.1.2. A subordinação no capitalismo de plataforma.............................. 217
3.1.1.2.1. Uber................................................................................ 222
3.1.1.2.2. Amazon Mechanical Turk.............................................. 227
3.1.2. Trabalho autônomo............................................................................... 229
3.1.2.1. A autonomia e a liberdade do trabalhador no capitalismo de
plataforma.................................................................................................. 232
3.2. Novas formas de regulação................................................................................. 234
3.2.1. Uma categoria intermediária para classificar os trabalhadores............ 235
3.2.2. A reemergência da dependência........................................................... 243
3.2.3. Novas perspectivas sobre o conceito de empregador........................... 247
3.2.4. Contrato de trabalho especial............................................................... 251
3.2.5. Ampliação subjetiva do Direito do Trabalho....................................... 253
3.2.6. Vanguardismo inclusivo....................................................................... 255
3.3. Novos direitos..................................................................................................... 257
3.3.1. Sistemas de avaliação........................................................................... 259
3.3.2. Sistemas de remuneração e tempo de trabalho..................................... 262
3.4. Organização e atuação coletivas dos trabalhadores............................................ 268
3.4.1. Entidades sindicais............................................................................... 269
3.4.2. Cooperativismo de plataforma............................................................. 273
3.4.3. Espaços virtuais.................................................................................... 277
4. Como regular o trabalho no capitalismo de plataforma no Brasil................................. 278

CONCLUSÕES............................................................................................................... 299

BIBLIOGRAFIA............................................................................................................. 309

APÊNDICES.................................................................................................................... 338
APÊNDICE A - RESULTADO DO QUESTIONÁRIO – TRABALHADORES DA
AMAZON MECHANICAL TURK............................................................................... 339
APÊNDICE B - RESULTADO DO QUESTIONÁRIO – MOTORISTAS DA
UBER................................................................................................................................ 352
APÊNDICE C - TERMO DE CONSENTIMENTO DE PARTICIPAÇÃO............. 363
APÊNDICE D - TERMO DE CONSENTIMENTO DE PARTICIPAÇÃO............. 365
15

INTRODUÇÃO
Em setembro de 2006, em apresentação no Massachussetts Institute of Technology
(MIT), o Chief Executive Officer (CEO) da Amazon, Jeff Bezos, abordou os serviços
tecnológicos oferecidos por sua empresa. Ao explicar o funcionamento da plataforma
Amazon Mechanical Turk, afirmou “você já ouviu falar de software como um serviço. Bem,
isso [a plataforma] é basicamente uma pessoa como serviço”1. Em seus 57 minutos de fala,
as menções sobre os trabalhadores ocorreram em momentos pontuais.
Ainda assim, os trabalhadores são centrais para a MTurk, uma plataforma que
oferece serviços online de curta duração executados por seres humanos. As condições de
trabalho, no entanto, são muitas vezes invisibilizadas. Em pesquisa realizada com
trabalhadores brasileiros que atuam na MTurk, não faltaram relatos sobre suas dificuldades
na plataforma. A título de exemplo, destacamos dois: “é muito pouco para muito trabalho.
Eu me sinto uma escrava na China. Sinto que eu realmente moro em um país de terceiro
mundo, em que meu diploma não serve para nada e eu preciso me submeter a esses tipos de
trabalho” e “há sempre trabalhos que remuneram muito mal, esses estão sempre bastante
disponíveis e são amplamente executados por pessoas em países com condições humanas
muito baixas. Os works mais bem remunerados são frequentemente restritos a determinados
países (predominantemente EUA, Canadá e Inglaterra)”2.
Outra plataforma digital, a Uber, afirma oferecer um aplicativo que, por meio da
tecnologia, ajuda o motorista a tomar decisões sobre quando e como encontrar a demanda
por serviços de transporte. Prometem promover acesso a trabalho flexível, sem turnos ou
horários fixos, que permite que dirijam quando queiram. A remuneração dos motoristas,
segundo a empresa, depende da demanda por viagens, sendo que nos momentos em que
houver mais usuários realizando chamadas, os ganhos serão mais altos3.
Assim como a MTurk, há distância entre discurso e prática. Em nossa pesquisa feita
com motoristas da Uber na cidade de São Paulo, os trabalhadores relataram diversas
situações, como as seguintes: “trabalho por volta de 16 horas por dia, 7 dias da semana.
Ganho em média R$ 1.500 por semana, mas tirando todos os custos que tenho, sobra R$ 400.

1
MASSACHUSSETTS INSTITUTE OF TECHNOLOGY. Opening keynote and keynote interview with Jeff
Bezos, set. 2006. (1h02m38s). Disponível: <https://techtv.mit.edu/videos/16180-opening-keynote-and-
keynote-interview-with-jeff-bezos>. Acesso: 21 dez. 2018, tradução nossa de: “You’ve heard of software-as-
a-service. Well, this is basically human-as-a-service” (11m40s-11m44s).
2
A pesquisa que realizamos com os trabalhadores da Amazon Mechanical Turk será apresentada ao longo da
tese.
3
UBER. Open marketplace. Disponível em: <https://marketplace.uber.com/open-marketplace>. Acesso em: 07
out. 2018.
16

O preço da tarifa está defasado em relação aos aumentos de combustível” e “o valor das
corridas é baixo considerando os custos de manutenção que se tem com o veículo. Esse gasto
deixará de ser feito, pois os ganhos são baixos. Não fazendo manutenção, todos ficam em
risco. A Uber exige que os carros sejam fabricados a partir de determinado ano. Contudo, é
muito difícil trocar de veículo com os atuais preços das tarifas”4.
A emergência e a inserção de plataformas digitais em diversas esferas da vida
humana nos últimos anos produziram uma espécie de tecnoeuforia na sociedade. Nos
primeiros momentos de existência dessas infraestruturas, sobressaíram-se os seus aspectos
positivos: a comodidade na solicitação de um serviço, a redução do preço do trabalho e dos
serviços, a facilidade na contratação de uma tarefa, a criação de postos de trabalho, a oferta
de serviços de maior qualidade, o aumento da velocidade da comunicação, a diversificação
das possibilidades de relacionar-se virtualmente. A popularização dos smartphones e a
compatibilidade do uso das plataformas nesses aparelhos potencializou a sua disseminação
e, conjuntamente, o fascínio das pessoas. O termo mais utilizado para descrever o impacto
das plataformas na sociedade é disrupção, que trata de uma reorganização profunda em um
determinado mercado, em que atores econômicos outrora inexistentes assumem posição
predominante, enquanto antigas lideranças entram em declínio5.
Ao longo do tempo, passou-se a constatar outros efeitos ocasionados pelas
plataformas, que estavam distantes de serem positivos: aumento do tráfego de veículos e de
congestionamento em grandes cidades6, encarecimento no preço de aluguéis de imóveis7,
vazamento de dados pessoais para a manipulação de processos eleitorais 8 , jornadas de
trabalho extensas, remunerações baixas. Esse quadro deu início a debates sobre a
necessidade de regular as plataformas em distintas esferas, como urbanismo, moradia,
mobilidade urbana, eleições e trabalho, dentre outros.
Esta tese analisa as inter-relações entre tecnologia e trabalho e, a partir do estudo
sobre o futuro do trabalho e as inovações tecnológicas, identifica efeitos concretos que estão

4
A pesquisa que realizamos com os motoristas da Uber será apresentada ao longo da tese.
5
BOWER, Joseph L.; CHRISTENSEN, Clayton M. Disruptive Technologies: Catching the Wave. Harvard
Business Review, v. 73, n. 1, p. 43–53, fev. 1995; CHRISTENSEN, Clayton M.; RAYNOR, Michael E.;
MCDONALD, Rory. What Is Disruptive Innovation? Dezembro, 2015. Disponível em:
<https://hbr.org/2015/12/what-is-disruptive-innovation>. Acesso em: 25 jun. 2017.
6
SCHALLER CONSULT. The new automobility: Lyft, Uber and the future of American cities, jul. 2018.
Disponível em: <http://www.schallerconsult.com/rideservices/automobility.pdf>. Acesso: 20 dez. 2018.
7
BARRON, Kyle; KUNG, Edward; PROSERPIO, Davide. The sharing economy and housing affordability:
Evidence from Airbnb. Abril, 2018. Disponível em: <https://bit.ly/2rKEZhf>. Acesso em: 20 dez. 2018.
8
ROSENBERG, Matthew; CONFESSORE, Nicholas; CADWALLADR, Carole. How Trump consultants
exploited the Facebook data of millions. The New York Times, New York, 17 mar. 2018. Disponível em:
<https://www.nytimes.com/2018/03/17/us/politics/cambridge-analytica-trump-campaign.html>. Acesso em:
25 abr. 2018.
17

transformando as relações de trabalho, como é o caso do capitalismo de plataforma. Examina


duas formas de trabalho, crowdwork e o trabalho sob demanda por meio de aplicativos, para
compreender a dinâmica das relações de trabalho no capitalismo de plataforma. Por fim, esta
pesquisa analisa o papel do Direito do Trabalho diante das transformações na organização
da produção e da prestação de serviços.
Nesta tese, verificamos que as relações de trabalho no capitalismo de plataforma
diferem parcialmente do conceito de relação de emprego previsto na legislação trabalhista
brasileira. Coexistem uma certa autonomia dos trabalhadores para determinar a carga horária
e a jornada de trabalho com uma relação direta entre dependência e precariedade. Os
algoritmos ocupam papel de gerenciar a mão de obra, sendo que a intensidade na
coordenação e controle dos trabalhadores varia conforme cada plataforma. A acentuada
desigualdade econômica entre os trabalhadores e as plataformas e os tomadores de serviços
indica a importância da aplicação do Direito do Trabalho nessas relações. Contudo, as
características das relações de trabalho no capitalismo de plataforma apontam para a
necessidade de uma nova arquitetura jurídica capaz de oferecer respostas às peculiaridades
do trabalho sob demanda por meio de aplicativos e do crowdwork. A proposta apresentada
nesta pesquisa é a criação de uma legislação especial com três categorias para classificar os
trabalhadores: autônomos, dependentes e subordinados.

1. Justificativa e relevância do tema


O capitalismo de plataforma é um fenômeno contemporâneo e que está se
expandindo rapidamente. O seu desenvolvimento, que é majoritariamente viabilizado pelas
inovações tecnológicas, dá margem ao surgimento de novas atividades, reorganiza a
produção e a prestação de serviços. Como consequência, ele atribui novos contornos às
relações de trabalho.
Este fenômeno é uma das expressões da forma pela qual a tecnologia e o trabalho
interagirão daqui em diante. O futuro do trabalho e o impacto que novas tecnologias terão
para os trabalhadores é um tema que recentemente tem atraído muita atenção da opinião
pública. Contudo, ecoa a ideia de um futuro distópico no qual os trabalhadores não terão
lugar em qualquer atividade produtiva9. A capa da edição de 23 de outubro de 2017 da revista
The New Yorker ilustra perfeitamente esse estado de espírito: o cartum Tech Support, de R.

9
MISHEL, Lawrence; BIVENS, Josh. The zombie robot argument lurches on: There is no evidence that
automation leads to joblessness or inequality. 24 may 2017. Disponível em:
<http://www.epi.org/publication/the-zombie-robot-argument-lurches-on-there-is-no-evidence-that-
automation-leads-to-joblessness-or-inequality/>. Acesso em: 27 fev. 2018.
18

Kikuo Johnson, retrata uma cena em que robôs caminham em uma rua movimentada,
deslocando-se para algum lugar da cidade mexendo em seus aparelhos celulares, segurando
os seus cafés, carregando suas pastas e levando os seus cachorros-robô para passear. Ao
fundo, um dos robôs lança moedas no copo de um mendigo, o único ser humano na cena,
que está sentando no chão junto ao seu cachorro-animal10.
O maior problema de o debate sobre o futuro do trabalho ser pautado nesses termos
é consolidar a ideia de que a tecnologia é determinista, ou seja, há pouco o que fazer diante
de uma força inexorável que impactará a sociedade e não existe muita margem de manobra
para ação. Também, a condução do debate nesses termos ofusca os efeitos concretos que as
novas tecnologias produzem no mundo do trabalho. Contudo, há estudos nas ciências sociais
e na economia que apontam para um futuro do trabalho distinto, em que não se identificam
grandes oscilações numéricas, mas o fechamento de postos de trabalho em determinados
setores e a abertura em outros. É preciso, então, entender essas novas tecnologias e as
transformações no mundo do trabalho.
O capitalismo de plataforma é uma forma de organização da produção e da prestação
de serviços com enfoque na economia digital e no uso da tecnologia da informação, dados e
internet, além das plataformas como infraestruturas que viabilizam negócios. Em relação ao
seu tamanho, dados mais abrangentes sobre a sua extensão ainda são incipientes, mas é
possível obter informações sobre a sua dimensão em alguns mercados. De acordo com
pesquisa realizada pelo Pew Research Center, 8% dos norte-americanos obtiveram renda por
meio da realização de trabalho em plataformas digitais em 2016. Dentre esses 8%, mais da
metade (56%) afirmou que a remuneração é essencial ou importante para sua subsistência11.
No Brasil, a Uber, que oferece serviços de transporte de passageiros, ilustra as
mudanças que a tecnologia traz a um setor. A expansão no número de motoristas e usuários
ocorreu de forma exponencial na empresa que iniciou as suas atividades no país em 2014,
mas que em setembro de 2015 já contava com 5 mil motoristas e 500 mil clientes inscritos
na plataforma. Em outubro de 2016, a Uber contava com 50 mil trabalhadores e 4 milhões
de usuários, ou seja, cresceu 10 vezes em relação aos primeiros e 8 vezes quanto aos

10
THE NEW YORKER. R. Kikuo Johnson’s “Tech Support”. 23 out. 2017. Disponível em:
<https://www.newyorker.com/culture/cover-story/cover-story-2017-10-23>. Acesso em: 12 nov. 2017.
11
PEW RESEARCH CENTER. Gig work, online selling and home sharing. 17 nov. 2016. Disponível em:
<http://www.pewinternet.org/wp-content/uploads/sites/9/2016/11/PI_2016.11.17_Gig-
Workers_FINAL.pdf>. Acesso em: 20 set. 2017.
19

segundos12. Em abril de 2018, a plataforma atingiu o número de 500 mil motoristas e 20


milhões de clientes, um aumento em 10 e 2,5 vezes, respectivamente, em apenas um ano e
meio13.
A Amazon Mechanical Turk não divulga os dados sobre o número de trabalhadores
brasileiros e de usuários inscritos na plataforma.
Uma característica marcante do trabalho sob demanda por meio de aplicativos e do
crowdwork e, consequentemente, da Uber e da Amazon Mechanical Turk, é a invisibilidade
dos trabalhadores. A classificação como autônomos e a difusão da noção de liberdade no
trabalho esvazia o conteúdo laboral da atividade que os trabalhadores desempenham. No
caso da MTurk, isso é potencializado pelo fato de não haver contato entre o trabalhador e o
tomador de serviços, dado que a relação entre ambos é totalmente online e intermediada pela
plataforma. A invisibilidade das atividades nas plataformas encobre questões importantes,
como as condições de trabalho.
Há forte assimetria de poderes entre os trabalhadores e as plataformas, em que parte
considerável das condições de trabalho é determinada por essas. A coordenação e o controle
da força de trabalho são feitos por algoritmos, existe espaço para que os trabalhadores
decidam alguns aspectos das atividades que desempenham e quanto maior a dependência do
trabalhador em face de uma plataforma, maior a precariedade das condições de trabalho.
A reação do Direito do Trabalho a esse cenário, em especial no Brasil, ainda
apresenta grandes dissonâncias. A Uber, por ser a maior plataforma no país, monopolizou
os debates até o momento. A grande maioria das análises feitas enfoca a classificação dos
trabalhadores e debate se há relação de emprego ou trabalho por conta própria.
No Poder Judiciário Trabalhista, há decisões que reconhecem o vínculo entre o
motorista e a plataforma e outras que identificam um trabalho autônomo. O Ministério
Público do Trabalho divulgou estudo apresentando entendimento acerca da possibilidade de
aplicar o Direito do Trabalho aos trabalhadores em plataformas. A Auditoria-fiscal do
Trabalho aplicou multas nas plataformas Loggi e Rappido, que oferecem serviços de
motoentrega por meio de aplicativos, em razão de não registrarem o contrato de trabalho dos
motoqueiros14.

12
DIÓGENES, Juliana. Uber cresce 10 vezes e já tem 50 mil motoristas. O Estado de São Paulo, São Paulo,
18 out. 2016. Disponível em: < https://sao-paulo.estadao.com.br/noticias/geral,uber-cresce-10-vezes-e-ja-
tem-50-mil-motoristas,10000082769>. Acesso: 30 set. 2017.
13
UBER. Fatos e dados sobre a Uber. Disponível em: <https://www.uber.com/pt-BR/newsroom/fatos-e-dados-
sobre-uber/>. Acesso em 23 jun. 2018.
14
MINISTÉRIO DO TRABALHO. Ministério do Trabalho autua empresa que usa aplicativo para oferecer
serviços de motoboys. Disponível em: <http://trabalho.gov.br/noticias/5338-ministerio-do-trabalho-autua-
20

O debate trabalhista brasileiro enfrenta dois grandes problemas em relação a essa


matéria. O primeiro é a busca, por parte da doutrina e da jurisprudência, pela figura do
preposto, gerente, encarregado ou qualquer pessoa que seja responsável por dar ordens aos
trabalhadores para identificar a subordinação. Procurar pela pessoa que fica na empresa
coordenando pessoal e diretamente a atividade dos trabalhadores para, a partir daí,
reconhecer o vínculo empregatício, é condenar o Direito do Trabalho à tutelar somente o
trabalhador fabril dos séculos XIX e XX. As técnicas de gestão de mão de obra evoluíram
nas últimas décadas e, sem levar em consideração o papel da programação e do algoritmo
nas plataformas, não é possível entender as dinâmicas das relações de trabalho nesse modelo.
Por outro lado, a defesa irrestrita da legislação trabalhista vigente para dar respostas
a uma realidade que, se não é completamente nova, apresenta características inéditas,
também desconsidera as transformações na organização da produção e da prestação de
serviços. A insistência em aplicar as regras vigentes, sem a promoção de um debate sobre os
aspectos da lei que podem ser aperfeiçoados, pode não atender às demandas dos
trabalhadores e esfacelar o conceito de relação de emprego previsto na CLT.

2. Delimitação do tema
O estudo do impacto das inovações tecnológicas na organização da produção e no
mundo do trabalho envolve uma variedade de possibilidades, desde a abordagem de efeitos
projetados sobre o que virá a ser o futuro do trabalho, como as capacidades que os
trabalhadores deverão ter, até a forma pela qual deve ocorrer a interação entre o Direito e as
novas formas de trabalho. Diante disso, decidimos examinar o capitalismo de plataforma,
suas duas formas de trabalho – o crowdwork e o trabalho sob demanda por meio de
aplicativos – e o papel do Direito do Trabalho em face desse cenário.
No primeiro capítulo, apresentamos revisão de literatura sobre as inter-relações entre
tecnologia, instituições e ideologia. Enfocamos o posicionamento da tecnologia nas
dimensões econômica, política e social e, consequentemente, a sua relação com o mundo do
trabalho. Adotamos a economia política multidimensional desenvolvida por Yochai
Benkler15 porque não trata a tecnologia como um elemento neutro ou isolado do sistema

empresa-que-usa-aplicativo-para-oferecer-servico-de-motoboys>. Acesso em: 22 dez. 2018; PORTINARI,


Natalia. Grupo do iFood é multado em R$ 1 mi por desrespeito às leis trabalhistas. Folha de São Paulo, São
Paulo, 07 jun. 2018. Disponível em: <https://www1.folha.uol.com.br/mercado/2018/06/grupo-do-ifood-e-
multado-em-r-1-mi-por-desrespeito-as-leis-trabalhistas.shtml>. Acesso em: 22 dez. 2018.
15
BENKLER, Yochai. A political economy of oligarchy: Winner-takes-all ideology, superstar norms, and the
rise of the 1%. Sept. 2017. Disponível em: <http://www.benkler.org
/Political%20economy%20of%20oligarchy%2001.pdf>. Acesso em: 10 nov. 2017.
21

socioeconômico, mas influenciando e sendo influenciada pelas mencionadas dimensões que


conformam a nossa vida. Inclusive, o trabalho, suas condições e sua regulação.
Em seguida, apresentamos revisão de literatura sobre o futuro do trabalho e novas
tecnologias. Há perspectivas distintas sobre o tema, por exemplo, as que preveem um futuro
sem empregos e as que minimizam o impacto no número de postos de trabalho. Em seguida,
tratamos dos efeitos concretos das inovações tecnológicas na organização da produção e da
prestação de serviços e examinamos o capitalismo de plataforma, sendo que adotamos o
conceito – dentre a grande diversidade de nomenclaturas identificadas para analisar da
emergência das plataformas – em razão de situá-las no centro do debate e por ressaltar que
essas mudanças ocorrem de maneira integrada ao modo de produção dominante em nossa
sociedade.
No segundo capítulo aprofundamos a análise sobre os elementos constitutivos do
capitalismo de plataforma, em especial em relação às formas de trabalho. A partir da
classificação das formas de trabalho realizada por Valerio de Stefano16, tratamos do trabalho
sob demanda por meio de aplicativos, em que há combinação de oferta e demanda de mão
de obra por meio da internet e a execução das atividades ocorre presencialmente, e do
crowdwork, em que a plataforma é o espaço da procura pela força de trabalho e da realização
das tarefas contratadas.
Para compreender as características e o funcionamento das relações de trabalho no
capitalismo de plataforma, examinamos as dinâmicas de trabalho e o modo de operação, as
condições de trabalho, o gerenciamento algorítmico e as associações entre dependência e
precariedade em cada uma das formas de trabalho.
A revisão de literatura é insuficiente para termos um bom panorama sobre a dinâmica
dessas relações de trabalho, em razão da pouca quantidade de dados disponíveis, das poucas
informações sobre determinados aspectos do trabalho e da escassez de pesquisas que tratam
do tema.
Para aprofundar o estudo e entender mais pormenorizadamente a dinâmica de
trabalho nas plataformas digitais, desenvolvemos dois estudos de caso. Trata-se de uma
maneira de identificar as motivações na busca por essas atividades, as percepções dos
trabalhadores em sua interação com a plataforma, a dimensão da segurança econômica que
os ganhos proporcionam e o conteúdo da liberdade em estabelecer os seus horários de
trabalho.

16
DE STEFANO, Valerio. The rise of the “just-in-time workforce”: on-demand work, crowdwork, and labor
protection in the “gig-economy”. Comparative Labor Law & Policy Journal, v. 37, n. 3, p. 471–504, 2016.
22

Decidimos realizar o estudo de caso da Uber em relação ao trabalho sob demanda


por meio de aplicativos por diversas razões. É uma das plataformas mais proeminentes do
mundo que utiliza essa forma de trabalho, tanto que passou a ser a referência desse modelo
de negócios - uma série de outras plataformas adotam o seu modo de funcionamento e há
estudiosos que criaram o neologismo “uberização” para descrever essa forma de organizar a
prestação de serviços. É também a plataforma que tem o maior número de trabalhadores no
Brasil, com crescimento exponencial a cada ano de atividade no país.
Em relação ao crowdwork, escolhemos em desenvolver o estudo de caso da Amazon
Mechanical Turk por algumas razões. É uma das plataformas que foi pioneira em utilizar
essa forma de trabalho, é uma das referências no mundo para o crowdwork, estabeleceu uma
dinâmica de trabalho que posteriormente foi adotada por outras plataformas, tem uma grande
quantidade de trabalhadores cadastrados (aproximadamente 500 mil) e permite a
combinação de oferta e demanda da força de trabalho conforme a geolocalização do
trabalhador, o que foi fundamental para nós identificarmos brasileiros registrados na MTurk
dispostos a responderem o nosso questionário.
No terceiro capítulo, examinamos o instrumental do Direito do Trabalho para dar
respostas em face do cenário apresentado nos capítulos anteriores. O objeto de análise está
centrado no Direito Individual do Trabalho. Portanto, em um primeiro momento verificamos
a compatibilidade entre as categorias jurídicas previstas no ordenamento jurídico – o
trabalho subordinado e o trabalho autônomo – e as dinâmicas de trabalho nessas plataformas.
Concluímos que, em vista do desenvolvido nos capítulos anteriores, as categorias jurídicas
revelam-se insuficientes, uma vez que não levam em consideração características marcantes,
como as relações entre dependência e precariedade e as peculiaridades em relação à
transparência, sistema de avaliações, sistema de remuneração e de tempo de trabalho.
Por isso, investigamos propostas para regular o trabalho no capitalismo de plataforma
que vão além da dicotomia existente no ordenamento jurídico brasileiro e tratamos da
criação de novos direitos para os trabalhadores, sempre buscando lastro nos dados e nas
manifestações colhidas nos estudos de caso. Ainda que não seja objeto desta tese, abordamos
a organização e a atuação coletiva dos trabalhadores, como uma possível agenda de pesquisa
a ser considerada no futuro. Finalmente, desenvolvemos a nossa proposta para regular o
trabalho sob demanda por meio de aplicativos e o crowdwork.
Ao apresentarmos uma proposta para regular o trabalho sob demanda por meio de
aplicativos e o crowdwork, desenvolvemos um modelo que não está previsto no
ordenamento jurídico brasileiro. Ou seja, apesar de o estudo conter elementos importantes
23

para o cotidiano dos atores que operam no Poder Judiciário, o destinatário principal deste
trabalho são aqueles responsáveis pelo desenho inicial da proteção social no Brasil: o Poder
Legislativo e os formuladores de políticas públicas, além da academia. A combinação de
metodologias utilizada nessa tese e a classificação proposta oferecem instrumentos para uma
estruturação de política de proteção social17.

3. Metodologia
A perspectiva adotada nessa pesquisa é interdisciplinar, em que trazemos
instrumentos das ciências sociais para apoiar este estudo jurídico. As análises
exclusivamente teóricas sobre o Direito do Trabalho têm o valor de auxiliar no avanço da
doutrina, jurisprudência e legislação. Contudo, nesta pesquisa optamos por aproximar o fato
social – no caso, o trabalho nas plataformas digitais – da teoria. Assim, é possível aprofundar
a compreensão sobre as formas de trabalho no capitalismo de plataforma, permitindo-nos
analisar o papel e as possibilidades do Direito do Trabalho no crowdwork e no trabalho sob
demanda por meio de aplicativos.
No primeiro capítulo, introduzimos a economia política multidimensional, nos
termos colocados por Yochai Benkler, e utilizamos seus conceitos no intuito de desenvolver
o nosso entendimento sobre as interações entre tecnologia e trabalho. Nesta parte,
empregamos o método analítico-descritivo para abordar como são as inter-relações entre
tecnologia, instituições e ideologia e o que é o capitalismo de plataforma. A revisão da
literatura partiu da obra de Yochai Benkler a respeito da matéria e de pesquisas realizadas
nos sistemas Dedalus, da Universidade de São Paulo, e Hollis, da Universidade de Harvard,
sobre os seguintes termos: “futuro do trabalho” e “empregos”, “future of work” e “jobs”,
“capitalismo de plataforma”, “platform capitalism”, “economia de bico”, “gig economy”,
“sharing economy”, “economia de compartilhamento”.
No segundo capítulo, tratamos das formas de trabalho no capitalismo de plataforma
a partir da classificação realizada por Valerio de Stefano: trabalho sob demanda por meio de
aplicativos e crowdwork. Nesta parte, adotamos o método analítico-descritivo, em que
apontamos como é o trabalho nas plataformas digitais.
Abordamos o tema de duas formas. A primeira foi a revisão da literatura sobre o tema
em pesquisas nos sistemas Dedalus e Hollis buscando os seguintes termos: “trabalho sob

17
Para entender o papel que os juristas podem desempenhar na elaboração e execução de políticas públicas,
ver Diogo Rosenthal Coutinho (COUTINHO, Diogo Rosenthal. O direito nas políticas públicas. In:
MARQUES, Eduardo; FARIA, Carlos Aurélio Pimenta de (Orgs.). A política pública como campo
multidisciplinar. São Paulo: Editora Unesp, 2013, p. 181-200).
24

demanda por meio de aplicativos”, “on-demand work via apps”, “crowdwork”, “trabalho” e
“plataforma”, “work” e “platform”.
A segunda foram os estudos de caso sobre o trabalho na Uber e na Amazon
Mechanical Turk. Inicialmente, fizemos revisão de literatura, a partir de procura, nos
referidos sistemas, dos termos “Uber” e “trabalho”, “Uber” e “work”, “Amazon Mechanical
Turk” e “trabalho”, “Amazon Mechanical Turk” e “work”. Em seguida, desenvolvemos a
parte empírica da pesquisa, elaborando questionários e os aplicando em trabalhadores da
Uber e da Amazon Mechanical Turk, com o objetivo de apreender as dinâmicas de trabalho
nessas plataformas no Brasil e identificar a relação entre precariedade e dependência.
No terceiro capítulo, analisamos a maneira pela qual o Direito do Trabalho intervém
no capitalismo de plataforma. Nesta parte, adotamos os métodos analítico-descritivo, em que
abordamos a compatibilidade do ordenamento jurídico e as novas formas de trabalho, e
normativo, em que tratamos de como pode ser a aplicação do Direito do Trabalho nessa seara
e o que entendemos que deve ser o papel desse ramo jurídico no tema. Primeiramente,
fizemos uma revisão de literatura, a partir de busca nos sistemas Dedalus e Hollis e na
Biblioteca Digital da LTr procurando os termos: “trabalho sob demanda por meio de
aplicativos” e “direito do trabalho”, “on-demand work via apps” e “employment law”,
“trabalho sob demanda por meio de aplicativos” e “direito coletivo do trabalho”, “on-
demand work via apps” e “labor law”, “crowdwork” e “direito do trabalho”, “crowdwork”
e “employment law”, “crowdwork” e “direito coletivo do trabalho”, “crowdwork” e “labor
law”, “Uber” e “direito do trabalho”, “Uber” e employment law”, “Uber” e “direito coletivo
do trabalho”, “Uber” e “labor law”, “Amazon Mechanical Turk” e “direito do trabalho”,
“Amazon Mechanical Turk” e “employment law”, “Amazon Mechanical Turk” e “direito
coletivo do trabalho”, “Amazon Mechanical Turk” e “labor law”. No tocante à
jurisprudência, partimos de levantamento prévio realizado em outra pesquisa sobre as
reclamações trabalhistas em relação à Uber existentes no país e fizemos pesquisas nos
Tribunais Regionais do Trabalho que emitem online a certidão eletrônica de ações
trabalhistas para verificar o ajuizamento de reclamações em face da Amazon Mechanical
Turk.
A seguir, analisaremos mais detidamente a metodologia adotada para os estudos de
caso em cada uma das plataformas na parte empírica.
25

3.1. Amazon Mechanical Turk


Inicialmente, foi realizada revisão da literatura sobre a AMT, como mencionado, e
se identificaram pesquisas com trabalhadores que atuam na plataforma. Dentre as analisadas,
a conduzida pela Organização Internacional do Trabalho entre novembro e dezembro de
2015 com norte-americanos e indianos foi a mais abrangente, tratando de 5 grandes temas
que conformavam as relações de trabalho na plataforma18. Diante disso, decidimos utilizar
a referida pesquisa como parâmetro, o que nos permitiu abarcar aspectos importantes da
relação de trabalho e colocar a situação dos trabalhadores brasileiros em perspectiva com a
dos norte-americanos e dos indianos.
Em fevereiro de 2018, trocamos correspondência eletrônica com Janine Berg,
economista da Organização Internacional do Trabalho (OIT) e autora do artigo Income
security in the on-demand economy: Findings and policy lessons from a survey of
crowdworkers19, que discute os resultados da mencionada pesquisa da OIT. Janine Berg
demonstrou interesse na aplicação do questionário em trabalhadores brasileiros e nos enviou
maiores informações sobre a pesquisa.
O meio factível de encontrar os trabalhadores que atuam na MTurk é pela própria
plataforma, uma vez que são identificados somente por combinação de letras e números que
não permite que qualquer um, com exceção da própria AMT, saiba os dados de quem executa
as atividades. Desta forma, levando em conta que a MTurk não disponibiliza as informações
dos trabalhadores, há necessidade de inserir o questionário como uma tarefa a ser realizada
na plataforma, como as pesquisas que analisamos, dentre elas a da OIT, fizeram. Ou seja, há
necessidade de pagar o trabalhador para responder o questionário.
Diante disso, em março de 2018, apresentamos um requerimento para a Comissão
de Pós-Graduação, acompanhado de parecer circunstanciado elaborado pelo orientador,
Professor Otavio Pinto e Silva, solicitando a aprovação ética da realização da pesquisa nesses
moldes. Em maio de 2018, fomos informados que em abril, o Professor José Eduardo Faria,
Presidente da Comissão de Ética da Faculdade de Direito, aprovou o pedido.
No mês de maio, exploramos detidamente a plataforma, para compreender o
mecanismo de oferta de tarefas e a dinâmica com os trabalhadores, com o objetivo de evitar
contratempos no período em que os questionários estivessem disponíveis para serem
respondidos, como a falta de geração de código ao final da pesquisa, que permite analisar se

18
INTERNATIONAL LABOUR ORGANIZATION. Understanding crowdwork: a survey of crowdworkers.
Geneva: ILO, 2015.
19
BERG, Janine. Income Security in the On-Demand Economy: Findings and Policy Lessons from a Survey
of Crowdworkers. Comparative Labor Law & Policy Journal, v. 37, p. 543-576, 2016
26

o questionário foi respondido e, consequentemente, pagar o trabalhador. Além disso,


desenvolvemos o questionário, a partir da pesquisa realizada pela OIT e de reflexões com o
Professor Otavio Pinto e Silva, traduzindo-o e fazendo adaptações. O questionário foi
dividido em 5 blocos e as questões traziam alternativas em que os trabalhadores deveriam
optar por uma (ou algumas, dependendo da pergunta) ao respondê-las.
No primeiro, colocamos 7 questões principais 20 sobre temas sociodemográficos,
como o estado em que viviam, ano de nascimento, sexo biológico, estado civil e grau de
instrução, para obtenção de dados sobre o contexto social em que os participantes da
pesquisa estavam inseridos e sobre o perfil pessoal dos trabalhadores.
No segundo, inserimos 21 questões principais sobre as condições de trabalho, como
o crowdwork ser a principal atividade profissional, a frequência com que trabalham, a
satisfação com a atividade, o valor da remuneração média e os motivos de terem procurado
a plataforma, para compreender a dinâmica entre os trabalhadores, as plataformas e os
tomadores de serviços, a centralidade do crowdwork na vida dos trabalhadores e as
características mais importantes da relação de trabalho.
No terceiro, apresentamos 2 questões principais a respeito de outros trabalhos que os
participantes da pesquisa tinham, como suas características, remuneração, carga horária e
importância no orçamento doméstico, para analisar as demais atividades desenvolvidas pelos
trabalhadores e como se relacionavam com o crowdwork.
No quarto, colocamos 2 questões principais sobre a situação profissional prévia dos
trabalhadores, como as atividades que realizavam antes de iniciar o crowdwork, as razões
para o término do trabalho, as características da prestação de serviço, os ganhos e o tempo
em que trabalharam nessa atividade, para identificar as circunstâncias que levaram os
trabalhadores a procurarem a MTurk.
No quinto, inserimos 13 perguntas principais sobre a situação socioeconômica, como
o valor total do orçamento familiar, a centralidade dos ganhos obtidos pelo participante para
a subsistência da família, a suficiência da remuneração e o acesso à previdência social e
saúde, para conhecer de uma forma global a renda do trabalhador e de sua família.
Finalmente, foi apresentada uma pergunta acerca de mudanças que os trabalhadores
gostariam que fossem implementadas no crowdwork e uma outra sobre considerações que
os participantes quisessem nos apresentar. Ambas demandavam o oferecimento da resposta
de forma escrita.

20
Dependendo da resposta na questão principal, é possível que uma outra questão, relacionada com aquela, seja
apresentada ao participante.
27

Além disso, inserimos 5 perguntas-teste simples em cada um dos blocos


mencionados para verificar a atenção dos trabalhadores. Foram as questões 1.8, 2.19, 3.3,
4.3 e 5.14. Os trabalhadores que erraram ao menos uma dessas respostas foram considerados
como desatentos e não se levou em conta o seu questionário para efeitos do resultado total.
Como mencionamos, não há uma base de dados universal dos trabalhadores que
atuam na AMT para que fosse possível estabelecer uma amostragem prévia. Em razão disso,
ao inserirmos o questionário como tarefa a ser executada na plataforma – o que também foi
feito pela OIT -, estabelecemos como único critério o trabalhador estar localizado no Brasil.
Não foram colocados outros critérios, como número mínimo de tarefas realizadas, para se
ter acesso ao maior número possível de trabalhadores brasileiros. Considerando que a imensa
maioria de trabalhadores vive nos EUA ou na Índia, indicar um outro critério além da
localização poderia restringir em demasia o número de participantes.
Antes de o trabalhador começar a responder as perguntas do questionário, foi inserida
uma página inicial contendo o termo de consentimento de participação, expondo os dados
do pesquisador responsável, o objeto, justificativa e procedimento da pesquisa, a inexistência
de desconfortos, riscos e despesas para os participantes, os benefícios do estudo, a
participação voluntária e o compromisso de assegurar o sigilo e a privacidade do trabalhador
e colocou-se um e-mail para contato. Ao clicar para iniciar o questionário, o trabalhador
expressava a sua concordância com o referido termo.
A pesquisa ficou no ar entre 01 e 25 de junho de 2018 e foi realizada por 56
trabalhadores. Os questionários de 4 trabalhadores não foram contabilizados em razão de
terem errado ao menos uma das perguntas-teste. O tempo médio de resposta dos 52
trabalhadores foi de 18 minutos e 49 segundos. Os trabalhadores receberam US$ 4 para
responder ao questionário, o mesmo valor pago pela OIT em 2015. Não houve contratempos
nos dias em que a pesquisa esteve aberta para receber respostas.
Em todo o período em que a pesquisa esteve disponível para ser executada na
plataforma, observamos as diretrizes para solicitantes acadêmicos criadas pelo Projeto We
are Dynamo, em que se estabelecem regras para ser um bom solicitante, como descrever
claramente a tarefa que deve ser executada, apresentar informações sobre a pesquisa que está
sendo realizada, indicar um tempo razoável para o desenvolvimento do trabalho, aprovar a
atividade com a maior brevidade possível, manter a privacidade do trabalhador, mencionar
28

de forma transparente o que motiva a rejeição de uma tarefa e oferecer o pagamento de, ao
menos, o valor do salário mínimo hora21.
O resultado completo da pesquisa com os trabalhadores brasileiros da Amazon
Mechanical Turk está no apêndice A desta tese.

3.2. Uber
Primeiramente, foi realizada revisão da literatura sobre a Uber, como mencionado, e
se identificaram pesquisas com trabalhadores que atuam na plataforma. Em algumas delas,
verificou -se a aplicação de questionário e a condução de entrevistas com seus os motoristas.
Dentre elas, interessou-nos o artigo Dependence and precarity in the platform economy,
escrito por Juliet Schor, Will Attwood-Charles, Mehmet Cansoy, Isak Ladegaard e Robert
Wengronowitz 22 , em que se analisou dados de entrevistas feitas com trabalhadores de
diversas plataformas, pela relação que se identificou entre dependência e precariedade dos
motoristas da Uber.
Em um momento inicial, consideramos em adotar a referida pesquisa como padrão.
Trocamos correspondências eletrônicas com a Professora Juliet Schor, da Boston College,
que se mostrou receptiva em compartilhar informações e experiências sobre a pesquisa. Em
março de 2018, reunimo-nos com a Professora em Boston e discutimos os méritos, as
limitações e as dificuldades com aquelas entrevistas.
Levando em conta a conversa com a Professora Juliet Schor e a importância em ter
elementos que permitissem uma análise com indicadores semelhantes entre a Uber e a AMT,
em razão da tese estudar as duas formas de trabalho, decidimos elaborar um questionário
que se aproximasse daquele da Mechanical Turk e tivessem elementos da pesquisa
conduzida pela Professora Juliet Schor. No mês de julho de 2018, desenvolvemos o
questionário, em constante diálogo com o Professor Otavio Pinto e Silva, e também o
dividimos em 5 blocos. As respostas dos trabalhadores eram oferecidas conforme
alternativas previamente apresentadas.

21
WE ARE DYNAMO. Guidelines for academic requesters. Disponível em:
<http://guidelines.wearedynamo.org>. Acesso em: 02 fev 2018.
22
SCHOR, Juliet; ATTWOOD-CHARLES, William; CANSOY, Mehmet; LADEGAARD, Isak;
WENGRONOWITZ, Robert. Dependence and precarity in the platform economy. Feb. 2017. Disponível
em:
<http://www.bc.edu/content/dam/files/schools/cas_sites/sociology/pdf/Dependence%20and%20Precarity%
20Feb%202017.pdf>. Acesso em: 13 dez. 2017, p. 1-40.
29

No primeiro, colocamos 6 questões principais23 sobre aspectos sociodemográficos,


como cidade em que moravam, ano de nascimento, estado civil e grau de instrução, para
compreender o perfil pessoal dos participantes e o contexto social em que estavam inseridos.
No segundo, apresentamos 29 questões principais sobre as condições de trabalho,
como há quanto tempo dirigiam na plataforma, a centralidade da atividade em sua vida
profissional, a opinião sobre o sistema de avaliações, o valor da remuneração e a carga
horária, para entender a dinâmica de trabalho entre o motorista, a plataforma e os clientes da
Uber e as principais notas distintivas da atividade.
No terceiro, inserimos 2 perguntas principais sobre as demais atividades que os
motoristas realizavam além de dirigir para a Uber, como se houve procura por uma outra
ocupação e se possuía um segundo trabalho, para analisar a relação das tarefas desenvolvidas
na Uber com outras que eventualmente tivessem.
No quarto, colocamos 2 perguntas principais sobre as experiências profissionais
prévias, como a tarefa que realizava antes de começar na Uber e se o vínculo foi rompido
para iniciar na plataforma, no intuito de apreender os motivos que levaram os trabalhadores
a procurar o trabalho sob demanda por meio de aplicativos.
No quinto, apresentamos 11 questões principais sobre a situação socioeconômica do
motorista, como a comparação com o quadro de um ano atrás, o valor total da renda familiar,
a suficiência das remunerações para a subsistência mensal e a participação de outras pessoas
no orçamento familiar, para compreender a segurança econômica do trabalhador e de sua
família.
Por fim, elaboramos uma pergunta sobre os aspectos do trabalho na Uber que os
motoristas mudariam e uma outra sobre comentários que o participante poderia fazer a
respeito da pesquisa e do trabalho sob demanda por meio de aplicativos. Nessas duas não
havia alternativas pré-estabelecidas.
Não existe uma base de dados pública dos motoristas que trabalham para a Uber.
Sendo assim, optamos por abordar os motoristas para responderem ao questionário em
viagens que fizemos com a Uber na cidade de São Paulo. A pesquisa conduzida pela
Professora Juliet Schor adotou o mesmo método para se aproximar dos motoristas em Boston.
Cogitamos ir ao espaço destinado aos trabalhadores da plataforma que aguardam chamada
no Aeroporto Internacional de Guarulhos. Entretanto, as diversas restrições impostas pela

23
Dependendo da resposta na questão principal, é possível que uma outra questão, relacionada com aquela,
seja apresentada ao participante.
30

Uber para acessar o local 24 e o relato feito por participantes da pesquisa sobre o rígido
controle de entrada fizeram-nos desistir dessa forma de contato.
Criamos uma versão online do questionário para facilitar a compilação dos dados e
a condução da pesquisa com os motoristas. Nos momentos em que precisávamos nos
deslocar pela cidade, fazíamos um pedido de viagem pelo aplicativo e, ao ingressar no
veículo, apresentávamo-nos, explicávamos do que se tratava a pesquisa e o termo de
consentimento de participação. Em alguns casos, os motoristas pediram para que fosse lido
na íntegra, o que foi realizado. Assim que o motorista concordava em participar da pesquisa,
dávamos início à aplicação do questionário. No término da viagem, o participante lia o termo
e o assinava, sendo-lhe fornecida uma cópia do documento. Antes do início da viagem,
também avisávamos que atribuiríamos a nota máxima ao final da corrida,
independentemente da concordância em responder o questionário, para que a participação
na pesquisa não fosse influenciada pela avaliação feita pelo passageiro ao término da viagem.
Em 11 casos, os motoristas não concordaram em participar da pesquisa, apesar da
explicação do seu objeto e do conteúdo do termo de consentimento de participação. A
maioria das negativas deu-se por receios de a privacidade não ser resguardada - mesmo isso
sendo assegurado por nós -, a plataforma ter conhecimento de posicionamentos dos
motoristas e ocorrer alguma espécie de represália. Nos casos em que houve a negativa em
participar, seguimos viagem normalmente até o destino final e nenhuma informação foi
coletada para essa pesquisa.
Os questionários foram aplicados entre 17 de agosto a 04 de outubro de 2018 e contou
com a participação de 102 trabalhadores. O tempo médio de resposta foi de 31 minutos e 12
segundos. Não houve contratempos no período em que realizamos a pesquisa.
O resultado completo da pesquisa com os motoristas da Uber em São Paulo está no
apêndice B desta tese.

4. Contribuição original à ciência jurídica brasileira


A contribuição original à ciência jurídica brasileira dada por esta tese se divide em
duas. A primeira é a interdisciplinaridade do estudo desenvolvido nesta pesquisa. Os
referenciais teóricos utilizados encontram-se muito pouco explorados pela academia
brasileira, especialmente por aqueles que estudam o mundo do trabalho. O trabalho de
sistematização e a síntese deste material podem ser utilizados para embasar outras

24
UBER. Aeroporto de Guarulhos (GRU): Instruções aos motoristas parceiros. Disponível em:
<https://www.uber.com/pt-BR/drive/sao-paulo/airports/guarulhos-airport/>. Acesso em: 16 dez. 2018.
31

abordagens sobre a relação entre tecnologia e trabalho. Da mesma forma, os estudos de caso,
com revisão de literatura e parte empírica, da Uber e da Amazon Mechanical Turk apresenta
à ciência jurídica brasileira as dinâmicas de trabalho nessas plataformas em profundidade e
detalhe ainda não encontrados, oferecendo maiores subsídios para o estudo jurídico da
matéria.
A segunda parte da contribuição oferecida por esta tese é uma nova proposta de
regular o trabalho nestas plataformas. Para tanto, é mapeado o ordenamento jurídico
brasileiro, seus instrumentos, além do debate sobre alternativas possíveis no Direito do
Trabalho. Acreditamos que a proposta - criação de uma legislação especial com três
categorias para classificar os trabalhadores: autônomos, dependentes e subordinados, e a
atribuição de direitos conforme o enquadramento – se adequa à complexidade que as
inovações tecnológicas imprimem às relações de trabalho e, ao mesmo tempo, oferece
proteção social àqueles que participam do capitalismo de plataforma.
32
33

CAPÍTULO 1. CAPITALISMO DE PLATAFORMA

1. Introdução
O objeto do presente capítulo é a análise da relação entre a tecnologia e o mundo do
trabalho. A finalidade é apresentar a posição que a tecnologia ocupa no desenho da produção
e distribuição de bens na sociedade, verificar o seu papel nos novos contornos adquiridos
pela economia, política e sociedade, compreender seus potenciais e limites na configuração
do mercado de trabalho e identificar como as novas tecnologias de informação e
comunicação influenciam a formatação das relações de trabalho. Com o intuito de cumprir
o objetivo proposto, realizaremos uma revisão de literatura e apresentaremos o estado da
arte sobre o tema, além de estabelecermos as premissas teóricas deste trabalho.
Primeiramente, dissertaremos sobre as relações entre a tecnologia e outras dimensões
que conformam a vida em sociedade, como ideologia, instituições, direito, política, normas
sociais, mercado, dentre outras, a partir das distintas perspectivas que a tecnologia interage
com essas outras dimensões. Este trabalho adotará a explicação construída por Yochai
Benkler, a partir de uma economia política multidimensional na qual o poder se expressa nas
relações entre tecnologia, instituições e ideologia25.
Em seguida, trataremos do desenvolvimento, das ligações e dos papeis assumidos
pela tecnologia, instituições e ideologia nos últimos 70 anos, com início nos trinta anos
gloriosos, passando pelo neoliberalismo, até chegarmos ao contexto presente. A descrição
histórica da dinâmica entre tecnologia, instituições e ideologia fornecerá subsídios para
entendermos como as relações de trabalho se desenvolveram nesses períodos e as mudanças
que estão ocorrendo nesse campo em um contexto de transformações em andamento.
Adiante, apresentaremos o debate sobre o futuro do trabalho e o impacto que as novas
tecnologias da informação e comunicação, robôs e inteligência artificial podem ter nas
relações de trabalho. Nesse ponto, a compreensão do papel da tecnologia na produção e
distribuição de bens e da forma pela qual se relaciona com outras dimensões permite-nos ter
uma avaliação mais precisa do cenário existente e elaborar políticas efetivas para lidar com
essas inovações tecnológicas.
Finalmente, realizaremos um mapeamento das formas pelas quais autores têm
descrito a parcela da economia que organiza a produção a partir das inovações tecnológicas
para termos dimensão do fenômeno sob análise. Este estudo se filiará ao conceito de

25
BENKLER, Yochai. op. cit.
34

capitalismo de plataforma, nos termos desenvolvidos por Sascha Lobo e Nick Srnicek e
complementado por Frank Pasquale e Paul Langley e Andrew Leyshon26.
O presente capítulo, ao expor a dinâmica das interações entre tecnologia, instituições
e ideologia, os alcances e as restrições da tecnologia nas relações de trabalho e as
características da economia que se configuram sob o enfoque das novas tecnologias da
informação e comunicação, proverá o contexto no qual ocorrem as transformações no mundo
do trabalho e fornecerá as bases para a investigação realizada nos próximos capítulos, que
analisarão o trabalho no capitalismo de plataforma, por meio de abordagens teóricas e de
estudos de casos, sob as formas do crowdwork e do trabalho sob demanda por meio de
aplicativos, além de analisar as respostas que o Direito do Trabalho pode oferecer nesse
cenário.

2. Tecnologia, instituições e ideologia


A tecnologia engloba o conjunto de técnicas, métodos e processos próprios de uma
determinada ciência ou atividade econômica e é habitualmente associada ao progresso.
Trata-se de um elemento que interage com outras dimensões da vida socioeconômica, sendo
que a interpretação sobre a maneira pela qual isso ocorre afeta a elaboração das políticas
públicas direcionadas para potencializar os efeitos da tecnologia na sociedade27.
Há distintas formas de olhar para o papel que a tecnologia ocupa na organização da
produção. Adotamos a classificação realizada por Yochai Benkler 28 , em que essas
perspectivas são congregadas em quatro grupos: (i) como um elemento externo às dimensões
econômicas, políticas e sociais, seja como parte de um processo autônomo, com dinâmica
própria e que impõe restrições às condições de produção29, seja como um elemento exógeno
às demais dimensões socioeconômicas, desempenhando apenas uma função ativa de moldá-

26
LOBO, Sascha. S.P.O.N. - Die Mensch-Maschine: Auf dem Weg in die Dumpinghölle. Der Spiegel,
Hamburg, 03 set. 2014. Disponível em: <http://www.spiegel.de/netzwelt/netzpolitik/sascha-lobo-sharing-
economy-wie-bei-uber-ist-plattform-kapitalismus-a-989584.html>. Acesso em 28 jun. 2017; SRNICEK,
Nick. Platform capitalism. Cambridge: Polity, 2017; PASQUALE, Frank. Two Narratives of Platform
Capitalism Feature: Essays from the Law and Inequality Conference. Yale Law & Policy Review, New Haven,
v. 35, p. 311, 2016; LANGLEY, Paul; LEYSHON, Andrew. Platform capitalism: The intermediation and
capitalisation of digital economic circulation. Finance and Society, 2016.
27
SPEMOLLA, Gerardo Cedrola. El trabajo en la era digital: Reflexiones sobre el impacto de la digitalización
en el trabajo, la regulación laboral y las relaciones laborales. Revista Internacional y Comparada de
Relaciones Laborales y Derecho del Empleo, v. 5, n. 1, p. 11, ene. /mar. 2017.
28
BENKLER, Yochai. op. cit., p. 1-5.
29
MUMFORD, Lewis. Technics and civilization. New York: Harcourt, Brace and Co., 1934; MUMFORD,
Lewis. Authoritarian and Democratic Technics. Technology and Culture, Norman, v. 5, n. 1, p. 1–8, 1964.
35

las30; (ii) como um elemento marginal no processo produtivo, com reduzida influência na
produção e distribuição de bens31; (iii) como um elemento que estabelece parâmetros das
disputas sociais, políticas e econômicas, assim como é permeável para ser influenciada por
32
essas dimensões ; (iv) como parte de uma economia política multidimensional,
relacionando-se com instituições e ideologia33.
Exploraremos essas diversas perspectivas sobre a tecnologia e apontaremos o viés
adotado neste trabalho e que dará apoio aos demais desenvolvimentos promovidos nesta tese.

2.1. Tecnologia como elemento externo


Lewis Mumford identifica a existência de relações entre tecnologia e ciência de
forma isolada das outras dimensões socioeconômicas, interagindo entre si e criando
inovações que impactam e conformam as condições da produção, como a estratégia de
organização, mercados e relações de trabalho. Ou seja, tecnologia e ciência fazem parte de
um processo autônomo cujo resultado impacta na organização social e econômica. Contudo,
essas relações se desenvolvem conforme o contexto político em um dado momento histórico
e marcam a forma tomada pelas inovações. Para ilustrar o argumento, o autor parte da
comparação entre o carvão e a eletricidade como fontes de energia das atividades fabris34.
No contexto em que o carvão era a principal força motriz da indústria, denominado
de período “paleotécnico”, a produção era centralizada e concentrada. As máquinas a vapor
possuíam um eixo único e não podiam se dispersar geograficamente em razão da perda de
energia que ocorria conforme a distância do gerador central. A tecnologia da comunicação
não era desenvolvida e demandava estruturas gerenciais e organizacionais aglutinadas em
um único espaço. Quando a eletricidade se tornou o principal meio de funcionamento
industrial no século XIX, dando início ao período “neotécnico”, houve mecanismos para a
descentralização em escala global da produção, tendo em vista que as plantas fabris puderam

30
BRYNJOLFSSON, Erik; MCAFEE, Andrew. The second machine age: work, progress, and prosperity in a
time of brilliant technologies. 1ª edição. New York: W. W. Norton & Company, 2014.
31
MISHEL, Lawrence; SHIERHOLZ, Heidi; SCHMITT, John. Don’t blame the robots: assessing the job
polarization explanation of growing wage inequality. 19 nov. 2013. Disponível em: <
https://www.epi.org/publication/technology-inequality-dont-blame-the-robots>. Acesso em: 10 out. 2017;
MISHEL, Lawrence; SCHMITT, John; SHIERHOLZ, Heidi. Wage inequality: A story of policy choices.
New Labor Forum, New York, v. 23, n. 3, p. 26–31, Aug. 2014. FREEMAN, Richard. Who Owns the Robots
Rules the World. Harvard Magazine, Cambridge, maio 2016. Disponível em:
<http://harvardmagazine.com/2016/05/who-owns-the-robots-rules-the-world>. Acesso em: 06 set. 2017.
32
POLANYI, Karl. The great transformation: the political and economic origins of our time. 2a. ed. Boston:
Beacon Press, 2001; WINNER, Langdon. Do Artifacts Have Politics? Daedalus, v. 109, n. 1, p. 121–136,
1980.
33
BENKLER, Yochai. op. cit., p. 1-5.
34
MUMFORD, Lewis. Technics and civilization. cit., p. 221-225.
36

se organizar de forma mais segura e funcional sem dependerem de maneira fulcral da


proximidade do centro distribuidor de energia. A eletricidade podia ser obtida por variadas
fontes: além do carvão, dos rios, quedas d’água, vento, Sol, dentre outras. Ademais, a
tecnologia da comunicação permitiu a expansão do controle gerencial sobre amplas áreas e
a dispersão da produção. Nota-se que, de acordo com a análise do autor, em ambos os casos
foram desenvolvidas forças-motrizes para a indústria de forma autônoma e, uma vez
disseminadas, influenciaram a organização da produção. Ainda, o papel da ciência é
destacado na concepção e desenvolvimento das novas fontes de energia, como as
contribuições de Michael Faraday, Benjamin Franklin, Georg Simon Ohm e Hans Christian
Oersted35.
A inovação, uma vez que sai da esfera da tecnologia e da ciência e passa a moldar a
os elementos da dimensão socioeconômica, deixa de operar no âmbito daquela e começa a
funcionar na dinâmica desta. Lewis Mumford, ao analisar o comportamento que os agentes
econômicos adotaram a partir do uso da energia elétrica com a possibilidade de pulverizarem
seus negócios, afirma que
o maior não mais significa automaticamente o melhor: flexibilidade da
unidade de força, adaptação mais próxima dos meios aos fins, melhores
tempos de operação são as novas marcas de uma indústria eficiente. Ainda
que a concentração possa permanecer, é em larga medida um fenômeno de
mercado ao invés de ser técnico: promovido por astutos financistas que
veem nas grandes organizações um mecanismo mais fácil para suas
manipulações de crédito, inflação dos valores de capital, controle
monopolístico36.
O autor entende que a tecnologia e a ciência, apesar de trabalharem na mencionada
dinâmica com as referidas dimensões socioeconômicas, operam dentro dos valores políticos
preponderantes na sociedade. Nesse sentido, existiriam dois tipos de tecnologia: uma
autoritária, centrada no sistema, muito potente, mas inerentemente instável; e outra
democrática, focada no ser humano, relativamente fraca, mas engenhosa e durável 37 . A
compreensão de uma tecnologia autoritária e outra democrática ainda ressoa em alguns
debates sobre os efeitos das inovações na sociedade, como se notou nos movimentos anti-

35
MUMFORD, Lewis. Technics and civilization. cit., p. 221-225.
36
Id. Ibid., p. 226, tradução nossa de: “Bigger no longer automatically means better: flexibility of the power
unit, closer adaptation of means to ends, nicer timing of operation, are the new marks of the efficient industry.
So far as concentration may remain, it is largely a phenomenon of the market, rather than of technics:
promoted by astute financiers who see in the large organization an easier mechanism for their manipulation
of credit, for their inflation of capital values, for their monopolistic controls”.
37
MUMFORD, Lewis. Authoritarian and Democratic Technics. cit., p. 2.
37

nuclear e pró-solar nos anos 1970, em que se apontava a energia nuclear como característica
de regimes autoritários, enquanto a solar estaria mais próxima dos valores democráticos38.
De forma semelhante a Lewis Mumford, Andrew McAfee e Erik Brynjolfsson
compreendem a tecnologia como elemento exógeno às dinâmicas desenvolvidas entre as
dimensões econômicas, políticas e sociais, existindo uma relação unidirecional em que
somente aquela influencia estas, que devem se adaptar para usufruir todas as possibilidades
oferecidas pelas inovações tecnológicas. A maior diferença entre essas perspectivas é que
Lewis Mumford coloca a ciência como parte essencial no processo de inovação em conjunto
com a tecnologia, o que não é objeto da análise de Andrew McAfee e Erik Brynjolfsson.
Andrew McAfee e Erik Brynjolfsson analisam as transformações em curso a partir
do exame do progresso da sociedade na história. De acordo com os autores, durante milhares
de anos o desenvolvimento social humano ocorreu de forma lenta, gradual e de difícil
percepção para a população. Isso muda completamente a partir do século XVIII com o
advento da Revolução Industrial. As inovações tecnológicas produzidas nesse período,
consubstanciadas em diversos desenvolvimentos quase simultâneos em química, metalurgia,
engenharia mecânica, dentre outros campos do conhecimento, permitiu um salto agudo,
repentino e sustentável no progresso humano39.
O instrumento que simbolizou a Revolução Industrial, por permitir o
desenvolvimento de inúmeras inovações, foi a máquina a vapor, especificamente a criada
por James Watt na segunda metade do século XVIII. Entre 1765 e 1776, a eficiência dessa
máquina foi triplicada, o que permitiu a superação das limitações do uso da força física
humana e animal, e viabilizou a geração de grandes quantidades de energia útil conforme as
necessidades humanas. A máquina a vapor proporcionou a existência da fábrica e da
produção em massa, das ferrovias e da disseminação do transporte de cargas, modificando
de maneira central a organização da sociedade. De acordo com os autores, “a Revolução
Industrial inaugurou a primeira era da máquina na humanidade – a primeira vez na história
em que o progresso humano foi conduzido principalmente pela inovação tecnológica – e foi
o momento da mais profunda transformação que o mundo jamais viu”40.
Andrew McAfee e Erik Brynjolfsson colocam que o desenvolvimento das recentes
inovações tecnológicas originou a “segunda era das máquinas”. Nesse período, há

38
WINNER, Langdon. op. cit., p. 121.
39
BRYNJOLFSSON, Erik; MCAFEE, Andrew. op. cit., p. 7-8.
40
Id. Ibid., p. 8, tradução nossa de: “The Industrial Revolution ushered in humanity’s first machine age – the
first time our progress was driven primarily by technological innovation – and it was the most profound time
of transformation our world has ever seen”.
38

protagonismo dos computadores e dos equipamentos digitais, fazendo pelo poder da mente
(a habilidade de usar o cérebro para entender e moldar o nosso entorno) o mesmo que a
máquina a vapor e suas descendentes fizeram pelo poder muscular. Isso permite a superação
de limitações anteriormente existentes e leva a sociedade para um novo território. A forma
pela qual será promovida a transição entre as eras das máquinas ainda é incerta. Contudo, é
possível apontar o aumento vertiginoso do progresso humano com a consolidação dessas
novas tecnologias, pois o poder da mente é tão importante quanto o poder físico para o uso
das nossas capacidades41.
Os autores fazem três constatações sobre a “segunda era das máquinas”. A primeira
é a existência de um incrível progresso experimentado a partir de tecnologias digitais,
especialmente as dotadas de redes, hardware e software de computadores. É verdade que
essas tecnologias não são propriamente novas, dado que surgiram há pelo menos 50 anos.
Entretanto, da mesma forma que a máquina a vapor foi aprimorada por gerações até ser
capaz de guiar o progresso social no século XVIII, vivencia-se um intenso refinamento dos
aparelhos digitais, sendo que os computadores continuarão a serem aperfeiçoados e a
modificarem substancialmente a sociedade e a economia. Estamos vivendo um ponto de
inflexão na história das nossas sociedades e economias por conta do uso de força total da
digitalização, principalmente por conta da automação, em que há prevalência da abundância
em face da escassez e da liberdade sobre a restrição. Os desafios colocados apresentam-se
sobre a forma de gerenciar esse novo cenário 42.
A segunda é o caráter benéfico das transformações para a sociedade. A “segunda era
das máquinas” será melhor que a “primeira era das máquinas”, uma vez que tornará
disponíveis mais bens, em quantidade e em qualidade, para a população. A ampliação das
opções para consumo permitirá o acesso a bens hoje inexistentes e que poderão ter grande
interesse para as pessoas, assim como o aumento da variedade garantirá o uso dos produtos
em melhores condições. O desenvolvimento tecnológico fornece mais oportunidades de
escolha. Ademais, considerando que se projeta um crescimento exponencial do progresso
técnico, o mesmo deve ocorrer em relação aos benefícios ofertados43.
A terceira constatação refere-se aos intrincados desafios que a “segunda era das
máquinas” nos apresenta. Os autores mencionam que na “primeira era das máquinas”,
mesmo com as inovações tecnológicas que incrementaram a vida da população, também

41
BRYNJOLFSSON, Erik; MCAFEE, Andrew. op. cit., p. 8-9.
42
Id. Ibid., p. 9-10.
43
Id., loc. cit.
39

houve consequências negativas, como as péssimas condições de trabalho. Portanto, não seria
uma surpresa a ocorrência de problemas sociais sérios. É possível que o avanço tecnológico
tenha dificuldades em incluir parcela da população, pelo descompasso entre a educação
formal das escolas e universidades e as habilidades exigidas pelas mudanças tecnológicas.
O mais relevante, em relação a esse tema, é a promoção da discussão sobre os prováveis
efeitos negativos que a “segunda era das máquinas” pode ter sobre a população e a adoção
de medidas para mitigá-los antecipadamente44.
Percebe-se que na “segunda era das máquinas” existe somente um vetor de influência
que parte da tecnologia com destino às dinâmicas entre as dimensões econômicas, políticas
e sociais e que, uma vez disseminada a tecnologia nesses campos, há necessidade de
adaptação a uma nova realidade moldada por essas inovações. Nessa perspectiva, a
tecnologia sempre tem um papel ativo, enquanto as outras dimensões operam de maneira
reativa.

2.2. Tecnologia como elemento periférico


Lawrence Mishel, Heidi Shierholz e John Schmitt não identificam a tecnologia como
parte relevante nas dinâmicas entre as dimensões econômicas, políticas e sociais, havendo
uma intensa interação entre instituições e mercado, do qual fazem parte trabalho, máquinas
e empresas. A análise dos autores é feita a partir do estudo sobre o aumento da desigualdade
e a redução salarial nos Estados Unidos, da década de 1970 em diante, e ressalta que o
excesso de destaque dado à tecnologia como responsável por influenciar as instituições e o
mercado para justificar o quadro atual acaba por desviar a atenção das causas reais da
desigualdade e dos temas que deveriam ser melhor analisados45.
Lawrence Mishel, Heidi Shierholz e John Schmitt afirmam que diversas decisões
sobre política econômica tomadas ao longo nos últimos 40 anos moldaram as características
do mercado atual e são responsáveis pelas perdas sofridas pelos trabalhadores nesse período.
Segundo os autores, a desregulação de diversos setores da economia, a abertura da economia
para o comércio internacional, a redução de impostos para os mais ricos, a adoção de uma
política monetária em que se obtinha uma inflação baixa às custas de um elevado número de
desempregados, a erosão do poder de compra do salário mínimo pela ausência de reajustes
por longos períodos e a adoção de uma postura governamental antissindical que enfraqueceu

44
BRYNJOLFSSON, Erik; MCAFEE, Andrew. op. cit., p. 9-10.
45
MISHEL, Lawrence.; SCHMITT, John; SHIERHOLZ, Heidi. Wage inequality: A story of policy choices.
cit., p. 1.
40

o poder coletivo dos trabalhadores são exemplos de decisões que, tomadas no âmbito das
instituições, estruturaram o mercado e impactaram significativamente a organização do
capital e do trabalho. Nesse sentido, o mercado seria uma arena de poder modulada pelas
instituições e o foco do debate deveria ser em torno das escolhas feitas em matéria de política
econômica46.
Os autores afirmam que a tecnologia não ocupa um espaço de destaque na
formatação do mercado, assim como não faz parte do instrumental utilizado pelas
instituições para influenciá-lo. Lawrence Mishel, Heidi Shierholz e John Schmitt
reconhecem algum impacto das inovações tecnológicas na conformação do mercado de
trabalho e na definição dos contornos da estrutura ocupacional do emprego. De acordo com
os autores, a análise da trajetória histórica do pós-II Guerra Mundial mostra como as
mudanças tecnológicas contribuíram para a redução de postos de trabalho que exigem
qualificação média e o aumento de ocupações que demandam alta e baixa qualificação47.
Contudo, Lawrence Mishel e Josh Bivens entendem que a tecnologia não é um dos
condutores das questões centrais que requerem o enfrentamento pela sociedade, como a
estagnação salarial, o aumento da desigualdade, a expansão da polarização do mercado de
trabalho (em que há o crescimento dos postos de trabalho com salários altos e baixos e o
esvaziamento das ocupações com salários médios) e o crescimento do número de
desempregados48.
A partir dessa perspectiva, considera-se a tecnologia como um elemento periférico e
com maiores interações com fatores secundários na dinâmica entre as dimensões econômica,
política e social, como a educação, na medida em que é relevante para a estrutura
ocupacional do emprego. Contudo, é importante a constatação de que a tecnologia não faz
parte do núcleo de vetores que conformam as relações entre as referidas dimensões,
especialmente para que intervenções socioeconômicas adequadas sejam implementadas com
o objetivo de melhorar a condição média da população.
Richard Freeman, ao analisar o mercado de trabalho e a situação dos trabalhadores
nos últimos 100 anos, entende que a tecnologia, considerada isoladamente, não tem um
impacto relevante no mercado. Os resultados produzidos pelas inovações e a maneira pela

46
MISHEL, Lawrence.; SCHMITT, John; SHIERHOLZ, Heidi. Wage inequality: A story of policy choices.
cit., p. 1-2; MISHEL, Lawrence; SHIERHOLZ, Heidi; SCHMITT, John. Don’t blame the robots: assessing
the job polarization explanation of growing wage inequality. cit., p. 17-18.
47
MISHEL, Lawrence; SHIERHOLZ, Heidi; SCHMITT, John. op. cit., p. 18.
48
MISHEL, Lawrence; BIVENS, Josh. op. cit., p. 5.
41

qual repercute na economia e na sociedade dependem das escolhas feitas pelas empresas e
pelas políticas públicas adotadas pelos governos49.
O autor aponta que o crescimento da desigualdade em escala global, a queda da renda
oriunda do trabalho nas economias nacionais e o enfraquecimento do sindicalismo foram as
principais causas que afetaram negativamente os trabalhadores. A tecnologia, por outro lado,
apenas teve papel na forma pela qual os trabalhos são desempenhados, especialmente com
o aumento das habilidades dos robôs em executarem tarefas físicas e de rotina. Para Richard
Freeman, o debate central relacionado à tecnologia é sobre quem são os proprietários dos
robôs e como viabilizar o acesso dos trabalhadores aos proventos advindos do uso das
inovações tecnológicas. Para tanto, há necessidade de o governo criar estímulos, tributários
e societários, para que as empresas implementem cotas de participação na propriedade e
concedam espaços para que os trabalhadores opinem sobre a adoção da tecnologia no local
de trabalho50.
Portanto, percebe-se que, tanto na visão de Lawrence Mishel, Heidi Shierholz e John
Schmitt e de Lawrence Mishel e Josh Bivens, como na perspectiva de Richard Freeman, a
tecnologia não é um vetor nuclear que perpassa as dinâmicas entre as dimensões econômicas,
sociais e políticas, sendo parte de escolhas feitas no âmbito das instituições que modulam o
mercado e afetam a vida da população. Nesta ótica, a tecnologia ocupa um papel periférico,
uma vez que a sua utilização é consequência de políticas adotadas em outros âmbitos.

2.3. Tecnologia e suas relações com outros elementos


Karl Polanyi identifica a tecnologia como um relevante elemento ativo e passivo nas
dinâmicas entre as dimensões econômicas, políticas e sociais. O ponto de vista do autor é
verificado em sua compreensão do processo de transformação provocado pela Revolução
Industrial na Inglaterra entre os séculos XVIII e XIX51.
No período anterior à Revolução Industrial, Karl Polanyi afirma que o acesso à terra
era garantido pela herança familiar, a alocação de recursos era determinada pela lei e pelos
costumes, a obtenção de bens era assegurada pela posição social e a extensão da atividade
produtiva era estabelecida conforme as necessidades de subsistência e cumprimento de
obrigações (como pagar impostos, observar regras do trabalho feudal, contribuir com as
guildas, dentre outras). Nesse contexto, o mercado ocupa uma posição marginal, em que as

49
FREEMAN, Richard. op. cit.
50
Id. Ibid.
51
POLANYI, Karl. op. cit., p. 35-44; 59-80.
42

trocas comerciais não são suficientes para satisfazer as demandas da vida, e terra e trabalho
estavam incorporados nas relações sociais. Ou seja, não existia uma economia de mercado52.
A dimensão política (abrangendo o direito, a aplicação formal de normas e o uso da
violência para moldar a ação coletiva) e social (considerando os costumes e o cumprimento
social normativo) interagiam intensamente entre si e subordinavam a esfera da economia
(especialmente a produção e distribuição de bens).
Contudo, a Revolução Industrial e o desenvolvimento da economia de mercado
alteraram esse panorama. A invenção de um mercado que se autorregula alterou a relação
entre as dimensões, fazendo com que a política ficasse subordinada à economia. A
tecnologia cumpriu um papel de destaque nessa mudança. Karl Polanyi, ao analisar os
fatores que conduziram à Revolução Industrial, menciona que
esses foram meramente incidentais à uma mudança básica, o
estabelecimento da economia de mercado, e a natureza dessa instituição
não pode ser totalmente compreendida a menos que o impacto da máquina
na sociedade comercial seja percebido. Nós não pretendemos afirmar que
as máquinas causaram o que ocorreu, mas insistimos que, uma vez que as
máquinas e fábricas aperfeiçoadas foram utilizadas na produção em uma
sociedade comercial, a ideia de um sistema de mercado autorregulado
estava pronto para tomar forma53.
O aumento da complexidade da atividade produtiva, em grande parte ocasionado
pelo desenvolvimento tecnológico, exigiu que a oferta de determinados fatores de produção
fosse garantida, sendo três de fundamental importância: trabalho, terra e moeda. Na
sociedade comercial, a disponibilização desses fatores somente poderia ocorrer por meio da
possibilidade de compra, transformando-os em commodities e, em última instância, em
mercadorias fictícias. O autor, ao tratar desses três fatores de produção, coloca que
um se destaca: trabalho é o termo técnico para seres humanos, na medida
em que não sejam empregadores, mas empregados; como consequência,
daqui em diante a organização do trabalho muda de forma concomitante
com a organização do sistema de mercado. Mas como a organização do
trabalho é somente outra palavra para as formas de vida das pessoas
comuns, isso significa que o desenvolvimento do sistema de mercado seria

52
POLANYI, Karl. op. cit., p. 35-44.
53
Id. Ibid., p. 42-43, tradução nossa de: “(...) these were merely incidental to one basic change, the
establishment of market economy, and that the nature of this institution cannot be fully grasped unless the
impact of the machine on a commercial society is realized. We do not intend to assert that the machine caused
that which happened, but we insist that once elaborate machines and plant were used for production in a
commercial society, the idea of a self-regulating market system was bound to take shape”.
43

acompanhado pela mudança da própria sociedade. Em termos gerais, a


sociedade humana se tornou acessória ao sistema econômico54.
Karl Polanyi critica a perspectiva da existência de um progresso espontâneo, no qual
haveria uma evolução natural no âmbito socioeconômico. A adoção desse ponto de vista
desdenha da função do governo na determinação dos rumos da economia e menospreza
qualquer possibilidade de intervenção estatal. O autor, ao estudar a forma pela qual ocorrem
as mudanças, afasta a visão de que há uma marcha automática liderada pela tecnologia e
afirma que é possível determinar a velocidade em que as alterações ocorrem, mas não o seu
direcionamento. Nesse sentido, seria possível implementar um conjunto de ações para
acelerar ou retardar a adoção de uma determinada inovação tecnológica, conforme os
objetivos governamentais para a sociedade55.
No novo cenário delineado a partir da Revolução Industrial, a dinâmica entre as
dimensões econômicas, políticas e sociais são variadas e com o predomínio da primeira:
tecnologia e política se relacionam de forma dual, ideologia (especialmente pelas ideias do
mercado autorregulado e a crença no progresso espontâneo) influencia a política e as
instituições, a política afeta as instituições e ocorre interação mútua entre a sociedade de
mercado e as instituições.
Diogo Rosenthal Coutinho, ao analisar a tradição da economia política institucional,
ressalta o papel do Estado como agente de promoção de mudanças institucionais e
tecnológicas de forma coordenada. Por esse viés, instituições habilitadoras são criadas para
serem vetores de mudanças nos âmbitos econômico, político e social. A tecnologia não é
produto de um processo exógeno, mas é desenvolvida a partir da ação das instituições, como
o Estado56.
Langdon Winner parte da constatação de que a ideia de a tecnologia ter
características políticas é provocativa, em que máquinas e artefatos técnicos deveriam ser
analisados não apenas por suas contribuições à eficiência e produtividade, mas por
incorporarem formas específicas de poder e autoridade. O tema suscitou o desenvolvimento
de duas teorias. Por um lado, há a determinação social da tecnologia, em que se defende que

54
POLANYI, Karl. op. cit., p. 79, tradução nossa de: “one stands out: labor is the technical term used for human
beings, insofar as they are not employers, but employed; it follows that henceforth the organization of labor
would change concurrently with the organization of the market system. But as the organization of labor is
only another word for the forms of life of the common people, this means that the development of the market
system would be accompanied by a change in the organization of society itself. All along the line human
society had become an accessory of the economic system”.
55
Id. Ibid., p. 39.
56
COUTINHO, Diogo Rosenthal. Direito e institucionalismo econômico: apontamentos sobre uma fértil
agenda de pesquisa. Revista de Economia Política, v. 37, n. 3, p. 581-583, jul./set. 2017.
44

a tecnologia em si não tem valor, sendo importante o sistema socioeconômico em que está
inserida. O mérito dessa teoria reside em apontar as circunstâncias sociais da implantação,
aprimoramento e uso das inovações tecnológicas, ao invés de centrar a análise somente nas
consequências da adoção de um determinado artefato técnico. Contudo, o seu defeito é
justamente desconsiderar por completo o valor da tecnologia. De outro lado, há o
determinismo tecnológico cândido, em que as inovações são frutos de interações internas da
tecnologia e, sem qualquer influência sobre si, molda a sociedade para que essa se ajuste aos
seus padrões57.
Como alternativa a essas teorias, foi criada a teoria da política tecnológica, em que
se destaca a dinâmica dos sistemas sociotécnicos de grande escala, a resposta das sociedades
modernas para determinados imperativos tecnológicos e os sinais comuns de adaptação dos
fins humanos aos meios técnicos. A relevância dessa teoria está em dar a devida importância
à tecnologia, uma vez que aponta a necessidade de se prestar atenção às características dos
artefatos técnicos e aos significados dessas características. Ou, segundo o autor, “uma das
forças desse ponto de vista é levar os artefatos técnicos a sério”58.
Langdon Winner afirma que há duas situações em que a tecnologia detém
propriedades políticas. Na primeira, menciona que invenções, desenhos ou arranjos de um
aparelho ou sistema técnico específico tornam-se uma forma de resolver um problema para
uma comunidade particular. Na segunda, coloca a existência das tecnologias inerentemente
políticas, sistemas criados pelo homem e que exigem tipos particulares de relações
políticas59.
Para exemplificar as profundas interações entre tecnologia e política, o autor
descreve três casos. Robert Moses foi um engenheiro norte-americano que, entre as décadas
de 1920 e 1970, foi responsável por diversas construções na região de Nova Iorque. Muitas
de suas obras refletiam o seu preconceito social e de classe. As estradas eram concebidas
para que os carros de propriedade das famílias brancas dos estratos altos e médios da
sociedade pudessem trafegar em busca de lazer e deslocamento ao trabalho. As pessoas
pobres e negras, que normalmente usavam transporte público, não podiam usar essas
estradas porque os ônibus não conseguiam passar debaixo dos viadutos. Uma das
consequências foi limitar o acesso dos grupos de baixa renda e de minorias raciais a belos
parques públicos, como o de Jones Beach, situado a aproximadamente 40 quilômetros de

57
WINNER, Langdon. op. cit., p. 121–122.
58
Id. Ibid., p. 123, tradução nossa de: “one strength of this point of view is that it takes technical artifacts
seriously”.
59
Id. Ibid., p. 123.
45

Nova Iorque. Ainda, Robert Moses trabalhou para vetar uma proposta de estender a linha de
trem de Long Island até o referido parque, como forma de manter o isolamento do local60.
Cyrus McCormick era proprietário de uma indústria que produzia ceifadeiras no
século XIX, em Chicago. No meio da década de 1880, foram introduzidas máquinas de
moldagem pneumática, uma nova e não testada inovação à época, que custou
aproximadamente quinhentos mil dólares. Uma interpretação estritamente econômica
indicaria que a adoção do novo maquinário pretendia modernizar a fábrica e incrementar a
eficiência da planta. Contudo, naquele momento histórico, o proprietário da empresa estava
em uma disputa com o sindicato que representava os seus empregados. As novas máquinas
substituíram os trabalhadores qualificados, que eram os líderes do sindicato em Chicago. As
inovações implementadas por Cyrus McCormick produziram material de pior qualidade a
um custo maior que o processo anterior. Depois de três anos de uso das máquinas,
abandonou-se o processo. Contudo, o objetivo de inviabilizar a organização sindical dos
trabalhadores foi atingido61.
Por fim, Langdon Winner indica o caso do movimento das pessoas com deficiência,
que na década de 1970 apontou inúmeras maneiras em que máquinas, instrumentos e
estruturas de uso comum (como ônibus, prédios e calçadas) eram impossíveis de serem
usados livremente por esse grupo, o que os excluía de forma sistemática da vida pública. Em
sua perspectiva, isso ocorreu mais por negligência do que por uma deliberação de uma
pessoa ou instituição, o que não impediu a produção de consequências políticas negativas e
concretas62.
O autor afirma que, levando em consideração os casos mencionados, nota-se a
importância dos arranjos e desenhos técnicos e do componente político que precedem o uso
da inovação tecnológica pela sociedade. A falta de atenção a esses elementos retira uma
perspectiva central para analisar a tecnologia, deixando-nos desassistidos sob um viés
intelectual e prático63.
Langdon Winner coloca que, para uma dada categoria de mudanças tecnológicas, há
duas espécies de escolhas a serem feitas e que afetam a distribuição de poder e autoridade
em uma comunidade. A primeira é se se deve desenvolver e adotar um determinado artefato.
A segunda, diz respeito às características específicas que a inovação terá, como os seus

60
WINNER, Langdon. op. cit., p. 124.
61
Id. Ibid., p. 124-125.
62
Id. Ibid., p. 125.
63
Id. Ibid., p. 126.
46

arranjos e desenhos, considerando ser possível a inserção de valores culturais e políticos


nessas características64.
A síntese do papel que os artefatos técnicos detêm para o autor é expressa quando
afirma que
as coisas que chamamos de ‘tecnologias’ são formas de construir ordem
no nosso mundo. Muitos aparelhos técnicos e sistemas importantes no
cotidiano contêm possibilidades para diversas formas distintas de
organizar a atividade humana. Conscientemente ou não, deliberadamente
ou inadvertidamente, sociedades escolhem estruturas para tecnologias que
influenciam o modo como as pessoas vão trabalhar, comunicar-se, viajar e
consumir por um longo tempo65.

2.4. Tecnologia como parte de uma economia política multidimensional


Yochai Benkler desenvolve uma economia política multidimensional que tem o
objetivo de integrar diversos âmbitos que moldam a produção e a distribuição de bens na
sociedade. A elaboração parte da análise das profundas mudanças econômicas, políticas e
sociais que ocorreram nos últimos 40 anos, com enfoque nos países do Atlântico Norte e,
mais detidamente, nos Estados Unidos, em que se verifica um crescimento reduzido da
produtividade, a disseminação da insegurança econômica e uma extrema concentração de
renda como reflexo da alteração da dinâmica do poder em distintas dimensões, como as
instituições (abrangendo política, direito, práticas organizacionais, normas sociais e
mercados), a ideologia (ou saber, refere-se à compreensão sobre a maneira pela qual o
mundo funciona e como se dão as relações de causalidade na prática) e a tecnologia66.
O autor destaca que há uma corrente de interpretação sobre esse período que
identifica a tecnologia como um elemento exógeno e uma força condutora de mudanças que,
ao atingir o mercado, leva-o a adotar novas formas que afetam a sociedade, sem qualquer
relevância das instituições sociais e políticas. Esse posicionamento legitima o aumento da
desigualdade e restringe o leque de opções políticas para reagir à extração de valor pelas
classes gerenciais e financeiras em detrimento do restante da sociedade. Por outro lado,

64
WINNER, Langdon. op. cit., p. 127.
65
Id. Ibid., p. 127, tradução nossa de: “the things we call ‘technologies’ are ways of building order in our world.
Many technical devices and systems important in everyday life contain possibilities for many different ways
of ordering human activity. Consciously or not, deliberately or inadvertently, societies choose structures for
technologies that influence how people are going to work, communicate, travel, consume, and so forth over
a very long time”.
66
BENKLER, Yochai. op. cit., p. 1-2.
47

tendo a perspectiva de que a situação em que nos encontramos é resultado de decisões


políticas e de mudanças institucionais que impactam diretamente a sociedade, há uma série
de estudos que salientam outros motivos, como o enfraquecimento do sindicalismo, a
ascensão do neoliberalismo, a financeirização, a ofensiva de uma atuação organizada dos
empresários na política, dentre outros. Normalmente, esses estudos se concentram em uma
ou duas causas, reconhecendo a importância das demais. Nessa linha, o autor propõe-se a
construir uma análise que reúna os acúmulos produzidos por esses últimos estudos,
enfatizando a forma como ocorre a interação entre as diferentes dimensões67.
Yochai Benkler coloca que sua perspectiva é orientada a partir de duas questões que
estão interligadas e são fundamentais para interpretar as mudanças que ocorreram nas
últimas quatro décadas e a forma pela qual se pensam as intervenções para o futuro. A
primeira diz respeito à eficiência dos mercados. A segunda, sobre a importância das
instituições (que inclui o mercado), ideologia e tecnologia. Trataremos ambas conjuntamente,
em razão de englobarem as três dimensões analisadas nesse tópico68.
As instituições, como foi destacado, abarcam uma série de elementos: política,
direito, práticas organizacionais, normas sociais e mercados. Segundo o autor, o mercado
opera em um sistema no qual o poder decisório dos agentes econômicos, e não
necessariamente a busca pela eficiência, é a força propulsora da organização do trabalho e
da produção e distribuição de bens. Os preços dos ativos não correspondem necessariamente
ao seu valor real, uma vez que são influenciados por especuladores, investidores interessados
unicamente em acelerar os seus ganhos e instituições que comercializam ações por razões
distintas do seu valor fundamental. Nesse quadro, as pessoas não são “maximizadoras”, mas
“satisfeitoras”69, com acesso a informações imprecisas para a tomada de decisões, sendo as
suas preferências construídas socialmente e induzidas pelo marketing e propaganda. Trata-
se do cenário apresentado pela teoria dos “mercados ruidosos”70.
Cabe ressaltar que é o referido posicionamento é divergente daquele predominante
na economia, em que se anuncia que o necessário para o mercado funcionar adequadamente
é uma legislação que ofereça segurança jurídica sobre contratos e propriedade e um Estado

67
BENKLER, Yochai. op. cit., p. 1, 5, 7, 8.
68
Id. Ibid., p. 9.
69
“Maximizadores” seriam pessoas que têm uma elevada preocupação a respeito de suas decisões, em que há
uma busca incessante sobre o máximo de proveito a se tirar de uma dada situação. Os “satisfeitores” seriam
pessoas que, uma vez identificado que o procurado está dentro dos seus padrões aceitáveis, cessam a busca
(FOROOHAR, Rana. Makers and takers: how Wall Street destroyed Main Street. New York: Crown
Business, 2016, p. 126)
70
BENKLER, Yochai. op. cit., p. 9.
48

que desenvolva uma atividade regulatória mínima. Nesse cenário, as pessoas têm
consciência sobre seus desejos, interesses e preferências, sendo que, com acesso à
informação, fazem escolhas cientes de suas implicações. Essa é a maneira pela qual a teoria
dos “mercados eficientes” entende as interações socioeconômicas71.
O direito ocupa um papel de destaque sob a ótica institucional apresentada pelo autor,
uma vez que é a órbita em que se delimitam os espaços do Direito Individual e Coletivo do
Trabalho, da regulação da atividade econômica, das fronteiras da governança corporativa,
das políticas direcionadas aos desempregados, dentre outras. Ou seja, é o instrumento capaz
de distribuir a extensão de poder nas negociações realizadas pelos agentes econômicos, cuja
principal consequência é a modulação da organização da produção e da distribuição de bens.
Nota-se que nessa perspectiva o direito assume uma função mais importante do que
unicamente garantir o funcionamento dos “mercados eficientes”72.
As práticas organizacionais são analisadas sob a ótica sociológica, em que as
organizações são diversas e não adotam práticas uniformes, na qual existem empresas que
pagam mais do que as outras para as mesmas ocupações, há empregadores que utilizam um
sistema não-hierárquico e baseado na confiança, enquanto outros empregam um método
oposto, dentre inúmeras diferenças que é possível observar no cotidiano dos negócios. Essas
características afetam o bem-estar das pessoas que se relacionam com a empresa e a
produtividade dos trabalhadores. Da mesma forma, os empregados não devem ser vistos
como indivíduos somente com maiores ou menores competências, devendo-se também olhar
para suas motivações e status pessoal. Essa visão se distancia de um olhar economicista das
organizações, em que são encaradas como entidades uniformes e dotadas apenas de funções
produtivas73.
As normas sociais são um conjunto de práticas socialmente aceitas, em que a
inobservância leva à rejeição pela comunidade, não sendo um mero agrupamento de
prescrições incólume a influências, mas permeáveis a interferências externas e produtoras
de efeitos em outras esferas. Há uma grande interdependência entre as normas sociais e
outros integrantes da dimensão institucional, especialmente a política, em que a influência é
mútua. As normas sociais devem estar incorporadas em outros sistemas de poder para guiar
comportamentos, uma vez que a promoção de mudanças que conta apenas com sistemas

71
BENKLER, Yochai. op. cit., p. 9-10.
72
Id. Ibid., p. 10-13.
73
Id. Ibid., p. 23-24.
49

formais de aplicação é de difícil execução e suscetível a sabotagens intencionais e uma


variedade de falhas indesejáveis74.
Esse conjunto de interações, somado aos contextos políticos de cada país, permite
explicar como aqueles que são tecnologicamente avançados e economicamente
desenvolvidos em patamares semelhantes, como as nações liberais anglo-americanas, as
democracias cristãs da Europa Continental e as socialdemocracias nórdicas, apresentam
padrões de desigualdade tão distintos75.
A ideologia, ao expressar visões de mundo predominantes em um dado momento
histórico, traz as ideias que delimitam as variedades de ações que podem ser colocadas em
prática. Ainda, revela os valores que conformam a tecnologia e os elementos que compõem
as instituições, da mesma forma que é passível de ser alterada conforme os movimentos que
ocorram dentro e entre essas esferas76.
A tecnologia desempenha um papel nas dinâmicas entre todos esses elementos ao
contribuir na formatação das interações humanas, determinando o conteúdo da ideologia,
das normas sociais, do mercado de trabalho, das práticas organizacionais, do direito e do
mercado de capitais, além de também ser influenciada pela ideologia, normas sociais e
direito. Nota-se que essa perspectiva não considera a tecnologia como um elemento
monolítico e exógeno às dinâmicas econômicas, políticas e sociais, mas a tem como produto
e como influenciadora dessas interações. As inovações tecnológicas são o resultado das
interações com instituições e ideologia ao mesmo tempo em que é agente ativo nas mudanças
que ocorrem nessas outras duas esferas77.
Em síntese, a economia política multidimensional opera com três grandes categorias,
sendo essas as instituições, a ideologia e a tecnologia, que se influenciam mutuamente na
determinação dos rumos econômicos, políticos e sociais.
Comparando com as demais óticas sobre tecnologia, a visão apresentada por Yochai
Benkler diverge diametralmente da perspectiva exógena, uma vez que a considera uma
categoria que interage com as demais dimensões e que não é fruto de um desenvolvimento
autônomo. Ainda, aponta que a tecnologia não é um elemento neutro que interfere nas
esferas econômica, política e social apenas quando está pronta para produzir efeitos no
mundo concreto, mas é produto de escolhas feitas no âmbito das referidas esferas.

74
BENKLER, Yochai. op. cit., p. 24-25.
75
Id. Ibid., p. 25.
76
Id. Ibid., p. 25-26.
77
Id. Ibid., p. 7-8; 16.
50

Em relação à visão da tecnologia como elemento periférico, o autor não se alinha à


corrente que a trata de forma marginal na conformação da economia e da sociedade, uma
vez que eleva a sua importância à condição de uma categoria que interage de maneira central
com as demais.
No tocante ao viés da tecnologia e suas relações com outros elementos, é possível
identificar que Yochai Benkler incorpora contribuições dos autores dessa corrente e adiciona
outras peças em sua chave de interpretação, como o faz com a ideologia, para apontar como
os três elementos operam nas dimensões econômica, política e social.
No âmbito do presente trabalho, é importante apontar como se compreende a
tecnologia, tendo em vista que seu objeto é como as inovações impactam o mundo do
trabalho e quais as possíveis formas de intervenção nesse âmbito. Adotamos a economia
política multidimensional construída por Yochai Benkler, em que se apresenta uma visão da
tecnologia como categoria que se relaciona com as instituições e a ideologia e permite a
elaboração de uma análise sobre os seus impactos econômicos, políticos e sociais com maior
precisão. As inovações tecnológicas não são forças isoladas produzidas por valores neutros
e interesses sem vinculação com as relações de poder instituídas, mas fazem parte de um
sistema socioeconômico, sendo geradas e utilizadas de acordo com os seus ditames. A noção
de tecnologia como força condutora de uma marcha inexorável a caminho de uma direção
unívoca despreza as possibilidades de intervenção na realidade para se moldar o presente e
o futuro a partir de formas alternativas e coloca-nos na única posição de moldar
marginalmente o que está por vir, cujos resultados mais substanciais já estão dados. Não há
precedente histórico no qual a tecnologia atue como um elemento independente das demais
dimensões econômicas, políticas e sociais e, para demonstrá-lo, estudaremos o papel
desempenhado pela tecnologia no período dos trinta anos gloriosos, da ascensão do
neoliberalismo e na atual conjuntura em que estamos vivendo. A tecnologia, como categoria
que interage com as instituições e a ideologia, também servirá de base para justificar a opção
por descrever as mudanças que vêm ocorrendo no mundo do trabalho sob as lentes do
capitalismo de plataforma.
A perspectiva da economia política multidimensional, no qual a tecnologia está
inserida nas dinâmicas entre a organização social e as contínuas disputas políticas, permite-
nos conceber políticas e intervenções para redirecionar a produção e a distribuição de bens,
como o Direito do Trabalho, para reorientar algumas tendências do mercado de trabalho com
o objetivo de reduzir as desigualdades econômicas, viabilizar melhores condições de
51

trabalho e, em última instância, criar condições para a construção de uma sociedade mais
livre, justa e solidária.
Por fim, destacamos que apesar de a construção sobre a economia política
multidimensional de Yochai Benkler ter como parâmetro o desenvolvimento das condições
econômicas, políticas e sociais dos países capitalistas centrais, entendemos que o núcleo de
sua elaboração é aplicável ao Brasil, tendo em vista que é um país capitalista periférico,
recebendo grande influência das conformações que ocorrem naqueles países, e pelo fato de
os contornos da tecnologia, instituições e ideologia nos países do Atlântico Norte terem
impactado significativamente o Brasil em outros momentos da história, como ocorreu ao
longo do século XX.

3. Tecnologia, instituições e ideologia nos trinta anos gloriosos

O período compreendido entre meados da década de 1940 até meados da década de


1970 é convencionalmente denominado de golden era (era de ouro)78 ou trente glorieuses
(trinta -anos- gloriosos)79, em que as principais características são a organização da produção
por meio do taylorismo-fordismo, a predominância de políticas econômicas keynesianas, a
intervenção estatal na economia, a construção de um Estado de Bem-Estar Social,
estabilidade nos preços e um considerável crescimento econômico, em que os países centrais
se expandiram, em média, 5% ao ano80.
Yochai Benkler classifica o período como a “jaula de ferro progressista” 81, baseado
nos estudos de Max Weber sobre a burocracia e na visão otimista e progressista a respeito
de uma variedade de práticas que foram denominadas de “modernismo”82 e gerencialismo83.

78
KAUFMAN, Bruce E. The global evolution of industrial relations: events, ideas and the IIRA. Geneva:
International Labour Office, 2004, p. 217; MUNCK, Ronaldo. Globalisation and labour: the new ‘Great
Transformation’. London: Zed Books, 2002, p. 24-50.
79
BÉROUD, Sophie; BOUFFARTIGUE, Paul. Introduction. In: BÉROUD, Sophie; BOUFFARTIGUE, Paul
(Dirs.). Quand le travail se précarise, quelles résistances collectives? Paris: La Dispute, 2009, p. 12; JUDT,
Tony. O mal ronda a terra: um tratado sobre as insatisfações do presente. Tradução Celso Nogueira. Rio de
Janeiro: Objetiva, 2011, p. 57.
80
HERRERA, Beethoven. El sindicalismo en el milenio de la globalización. Lima: Oficina Internacional del
Trabajo, 2001, p. 39; MUNCK, Ronaldo. op. cit., p. 31
81
Max Weber descreve a existência de organizações rigidamente hierarquizadas no capitalismo industrial,
dominadas pela burocracia, cuja racionalidade controla o comportamento e direciona a sociedade para
objetivos preestabelecidos. Nesse sentido, as pessoas são aprisionadas em “jaulas de ferro” (WEBER, Max.
The Protestant ethic and the spirit of capitalism. New York: Routledge, 2001, p. 119-125)
82
Modernismo foi um movimento que teve destaque nas décadas de 1950 e 1960, que expressava a crença que
a ciência e a tecnologia seriam meios para reorganizar o mundo social e natural. Há a prevalência da razão
abstrata e da defesa de um projeto que buscava a emancipação humana por meio da tecnologia, ciência e
razão (HARVEY, David. A condição pós-moderna: uma pesquisa sobre as origens da mudança cultural. 17ª.
ed. São Paulo: Loyola, 2008).
83
Gerencialismo é um conjunto de práticas adotadas no âmbito das empresas na busca de alcançar objetivos
52

Abrangeu o taylorismo e o fordismo nas relações industriais, o keynesianismo84 na economia,


o Estado Administrativo85 nos sistemas anglo-saxões, a economia de mercado social86 na
Alemanha e o dirigismo87 na França. A epistemologia nuclear foi ancorada na autoridade da
competência e na possibilidade de conhecer todas as partes de um sistema, de forma a
viabilizar-se a padronização de práticas e gerenciá-las eficazmente, independentemente da
organização econômica ou política da sociedade88.
O autor afirma que a estrutura epistemológica desse período é baseada na crença da
possibilidade de controlar e calcular, de forma exata, todas as informações e dados sobre
ações, condutas e relações dos seres humanos, para obter-se um ajuste ideal do
gerenciamento das pessoas e dos sistemas sociais. Pela perspectiva dessa estrutura, o mundo
pode ser compreendido por meio de unidades mensuráveis e padronizáveis com exatidão, é
passível de ser racionalmente planejado visando a otimização e é capaz de ser gerenciado
por meio da autoridade da competência aplicada ao controle hierárquico, em que há um fluxo
de informação para as posições de comando e de ordens para a classe executora. Toda essa
dinâmica ocorreria de maneira generalizada na sociedade89.

organizacionais e melhorar a eficiência, dentro das limitações financeiras da entidade, sob a liderança da
autoridade gerencial. (WALLACE, Susan. Managerialism. In: WALLACE, Susan. (Ed.) A Dictionary of
Education. Oxford: Oxford University Press, 2009).
84
O keynesianismo foi um conjunto de medidas econômicas idealizadas por John Maynard Keynes,
especialmente por meio de recursos do Estado e da política monetária, com o objetivo de estimular o
crescimento econômico, incrementar o valor dos salários, ampliar as taxas de lucro e aumentar as taxas de
emprego sem produzir uma pressão inflacionária. A ideia era que o Estado deveria atuar em campos que
anteriormente eram deixados somente para ação da iniciativa privada. (KEYNES, John Maynard. Chapter
24. Concluding notes on the social philosophy towards which the general theory might lead. In: KEYNES,
John Maynard. The general theory of employment, interest and money. Disponível em:
<http://www.marxists.org/reference/subject/economics/keynes/general-theory/ch24.htm>. Acesso em: 08
mar. 2018).
85
A noção de Estado Administrativo, cunhada por Dwight Waldo, enuncia um modelo em que se coloca o
corpo burocrático e técnico em posição de destaque e com grandes poderes para gerenciar o Estado,
especialmente em razão de sua especialidade, competência e ingresso na vida pública por métodos
meritocráticos (WALDO, Dwight. The administrative state: a study of the political theory of American
public administration. New York: The Ronald Press Company, 1948).
86
A economia social de mercado prescreve um modelo em que se pretende conjugar a liberdade de mercado
com a execução de políticas sociais em busca da equidade social. De acordo com Alfred Müller-Armack,
trata-se de um conceito que compreende várias medidas no âmbito social e uma reduzida gama de ações
econômicas, sendo que todas devem ser adequadamente coordenadas (MÜLLER-ARMACK, Alfred. The
social market economic as an economic and social order. Review of Social Economy, v. 36, n. 3, p. 325–331,
1978).
87
O dirigismo na França foi desenvolvido por Charles de Gaulle, em que havia uma forte presença do Estado
na economia, com inspiração keynesiana, para se alcançar os objetivos definidos em âmbito estatal
(WALLERSTEIN, Immanuel. ¿el fin del gaullismo? Junho, 2007. Disponível em: <
http://www.jornada.unam.mx/2007/06/30/index.php?section=opinion&article=020a1pol>. Acesso em: 08
mar. 2018)
88
BENKLER, Yochai. Network pragmatism: Towards an open social economy. May 2017. Disponível em:
<http://www.benkler.org/Benkler%20Network%20Pragmatism%20Open%20Social%20Economy%20PAS
S%20Proceedings%202017.pdf>. Acesso em: 10 nov. 2017, p. 1-2.
89
BENKLER, Yochai. op. cit., p. 5.
53

O maior expoente desse esforço é Frederick Winslow Taylor e sua teoria da


administração científica. O autor desenvolveu um estudo aprofundado sobre os movimentos
dos trabalhadores, decompondo-os nas menores categorias possíveis para, buscando
maximizar a eficiência na execução de uma determinada tarefa, prescrever como seriam as
ações que deveriam ser realizadas. A combinação entre cronometragem do tempo de
execução das tarefas, a análise minuciosa sobre os movimentos feitos pelos operários e o
estabelecimento de metas indicam o objetivo de controlar o trabalho 90 . Segundo David
Harvey, o taylorismo cria um padrão no qual “a produtividade do trabalho podia ser
radicalmente aumentada através da decomposição de cada processo de trabalho em
movimentos componentes e da organização de tarefas de trabalho fragmentadas segundo
padrões rigorosos de tempo e estudo do movimento”91.
No caminho aberto pelo taylorismo, o fordismo foi concebido em meados da década
de 1910. A principal contribuição feita por Henry Ford à administração científica de
Frederick Winslow Taylor foi a inserção da esteira móvel na linha de montagem da
produção92, em que o tempo disponível para a execução de uma tarefa era determinado pela
máquina. Nesse sentido, o fordismo sistematizou o controle sobre o trabalhador, uma vez
que a esteira regulava de forma precisa os movimentos que esse conseguia fazer e a
velocidade da execução da tarefa. Ricardo Antunes denomina o fenômeno de
“desantropomorfização do trabalho e sua conversão em apêndice da máquina”93.

90
TAYLOR, Frederick Winslow. Princípios de administração científica. Tradução Arlindo Vieira Ramos. 7ª.
ed. São Paulo: Atlas, 1970. p. 109-110.
91
HARVEY, David. op. cit., p. 121. Ainda sobre o objetivo do taylorismo em controlar todas as atividades dos
trabalhadores, Harry Braverman afirma que “Taylor elevou o conceito de controle a um plano inteiramente
novo quando asseverou como uma necessidade absoluta para a gerência adequada a imposição ao trabalhador
da maneira rigorosa pela qual o trabalho deve ser executado. Admitia-se em geral antes de Taylor que a
gerência tinha o direito de ‘controlar’ o trabalho, mas na prática esse direito usualmente significava apenas
a fixação de tarefas, com pouca interferência no modo de executá-las pelo trabalhador. A contribuição de
Taylor foi no sentido de inverter essa prática e substituí-la pelo seu oposto. Seu ‘sistema’ era tão-somente
um meio para que a gerência efetuasse o controle do modo concreto de execução de toda atividade no
trabalho, desde a mais simples à mais complicada. Nesse sentido, ele foi o pioneiro de uma revolução muito
maior na divisão do trabalho que qualquer outra havida” (BRAVERMAN, Harry. Trabalho e capital
monopolista: a degradação do trabalho no século XX. 3ª. ed. Rio de Janeiro: Zahar, 1981. p. 86).
92
MUNCK, Ronaldo. op. cit., p. 31.
93
ANTUNES, Ricardo. Os sentidos do trabalho: ensaio sobre a afirmação e a negação do trabalho. 1. ed. 9.
reimpr. São Paulo: Boitempo, 2007., p. 37. Ainda, Ricardo Antunes afirma que “o fordismo
fundamentalmente como a forma pela qual a indústria e o processo de trabalho consolidaram-se ao longo
deste século, cujos elementos constitutivos básicos eram dados pela produção em massa, através da linha de
montagem e de produtos mais homogêneos; através do controle dos tempos e movimentos pelo cronômetro
taylorista e da produção em série fordista; pela existência do trabalho parcelar e pela fragmentação das
funções; pela separação entre elaboração e execução no processo do trabalho; pela existência de unidades
fabris concentradas e verticalizadas e pela constituição/consolidação do operário-massa, do trabalhador
coletivo fabril, entre outras dimensões” (Id. Ibid., p. 25).
54

Uma segunda inovação foi a adoção do pagamento de cinco dólares para oito horas
de trabalho diárias, o que alterou de forma substancial o modelo de remuneração até então
comum, elevando o valor dos salários, aumentando os ganhos dos operários e permitindo
que os trabalhadores se tornassem consumidores e tivessem meios de adquirir os bens que
produziam. Tal medida ampliou o tamanho do mercado e melhorou as condições de vida do
proletariado94.
O fordismo teve êxito, pois conseguiu aumentar significativamente os índices de
produtividade. Contudo, constataram-se consequências negativas dessa forma de organizar
o trabalho para os operários, tendo em vista que ritmo de trabalho era acelerado e os
trabalhadores tiveram diversos problemas relativos à saúde em decorrência da repetição das
tarefas e do cansaço ocasionado pela intensificação do trabalho95.
O taylorismo e o fordismo expressam de forma apropriada a estrutura epistemológica
relacionada a controle, competência, neutralidade e padronização predominante durante os
anos da “jaula de ferro progressista” e que conformou todos os setores da vida social de
formas variadas.
Nesse período, há inúmeras manifestações de elementos ligados à tecnologia,
ideologia e instituições, que se relacionavam entre si e que fazem parte dos campos
econômico, político e social. Em relação às instituições, temos no aspecto econômico o
gerencialismo, o taylorismo-fordismo, o paradigma do Tratado de Detroit96 (nos EUA) para
as relações coletivas de trabalho, a emergência e consolidação do Direito do Trabalho, a ação
sindical e um cenário de considerável regulação da atividade econômica. Na área política,
há o Estado Administrativo (concebido para ser gerenciado por um corpo técnico neutro,
admitido no ente estatal de forma meritocrática, capaz de desempenhar as atividades do
Estado de forma racional e objetiva), em que a orientação e o planejamento eram construídos
tecnicamente por uma organização burocrática com enfoque no Estado-Nação. Por fim, no
setor social, há o ressurgimento da família patriarcal no período pós Segunda-Guerra
Mundial, após avanços para as mulheres no entreguerras, como o direito ao voto e a
participação na atividade econômica, em se que pretendia restaurar a estrutura de autoridade

94
BENKLER, Yochai. op. cit., p. 5.
95
MUNCK, Ronaldo. op. cit., p. 31-32.
96
Em 1950, a “United Auto Workers” (UAW) e a General Motors celebraram um acordo coletivo que ficou
conhecido como “Tratado de Detroit”, em que foram estabelecidas condições de trabalho favoráveis aos
trabalhadores, como melhorias na fórmula para calcular o custo de vida e o fator anual de melhoria (sendo
que ambos impactavam o salário), o pagamento de pensão no valor de US$ 125 ao mês e de metade do plano
de saúde (LICHTENSTEIN, Nelson. The most dangerous man in Detroit: Walter Reuther and the fate of
American labor. New York, NY: Basic Books, 1995, p. 279-280).
55

centrada no homem nas relações familiares. Os trabalhadores deveriam receber salários


suficientes para sustentarem toda a família, sendo que, nesse contexto, destinou-se à mulher
o papel de execução de todo o trabalho doméstico. Também nesse setor, a disseminação dos
meios de comunicação em massa, a profissionalização do jornalismo e a ascensão da
indústria do cinema em Hollywood tiveram papel relevante como elementos que
concentraram em poucos atores a construção do imaginário popular a respeito do que as
pessoas sabiam e como a sociedade se via97.
No tocante à ideologia, no âmbito econômico notou-se a disseminação da valorização
do conhecimento técnico, da padronização da produção, do “homem da empresa”, que
deveria ser leal ao empregador em troca da segurança no emprego, e da competência na
execução das tarefas. No aspecto político, há primazia da figura da autoridade que cultiva a
identidade nacional e estreita os laços de solidariedade entre os habitantes do país. Na área
social, identifica-se a disseminação do “homem de família”, responsável por prover
financeiramente todas as necessidades do lar, no intuito de reconstruir a noção de “família
estável”, que foi abalada pelas Guerras Mundiais. Ainda, surge nesse período o “alto
modernismo”, a cultura popular jovem dos anos 1950-1960 e a contracultura na década de
196098.
Sobre a tecnologia, no campo da economia tem-se a adoção da esteira móvel na linha
de montagem da produção, a disseminação da eletrificação e dos automóveis e o amplo uso
das rodovias nacionais e da aviação civil. Na área da política, o rádio e a televisão tornam-
se elementos centrais para atingir a população, tanto nos processos eleitorais como em
políticas prioritárias para os governos. No âmbito social, as lavadoras automáticas, máquinas
de secar roupa e de lavar prato e geladeira mudam as dinâmicas internas dos lares. A difusão
da cultura de massa baseada na televisão permitiu a consolidação do ideário propagado no
período da “jaula de ferro progressista”99.
As políticas criadas para organizar a economia, a política e a sociedade nos “trinta
anos gloriosos” entraram em colapso com a junção de diversos acontecimentos que
ocorreram entre o fim da década de 1960 e o início dos anos 1970, especialmente em 1968
e 1973.
No âmbito da epistemologia, houve questionamentos à direita e à esquerda do
espectro político. Por um lado, a crítica neoliberal em relação ao gerencialismo centrado no

97
BENKLER, Yochai. op. cit., p. 4-6; 14.
98
Id. Ibid., p. 4-6; 14.
99
Id. Ibid., p. 4-6; 14-16.
56

comando e controle e, de outro, a análise pós-moderna que colocava em xeque a construção


do conhecimento e do poder, desafiaram a neutralidade e a coerência do gerenciamento de
competências, que eram as bases do modelo da “jaula de ferro progressista”. No campo
político, a luta pelos direitos civis, pelos direitos das mulheres, o movimento antiguerra e
estudantil, que ocorriam simultaneamente em diversos lugares do mundo e tinham como
marco as manifestações que ocorreram em 1968, contestaram a legitimidade das fontes de
poder da burocracia estatal e da autoridade patriarcal da década de 1960100.
Na esfera econômica, David Harvey entende que o esgotamento desse modelo ocorre
a partir da combinação dos seguintes fatores: (i) finaliza-se o ciclo de recuperação econômica
do pós-Segunda Guerra na Europa Ocidental e Japão, criando condições para esses países
buscarem mercado além de suas fronteiras para vender os excedentes de produção; (ii) a
retração dos lucros e da produtividade nos Estados Unidos, ocasionou um grave problema
fiscal e levou ao aumento da inflação, cujo principal efeito foi a debilitação do dólar
enquanto moeda-reserva internacional (internamente, esse período é chamado de “A Grande
Inflação”); (iii) a conjunção da adoção de políticas de substituição de importações em países
em desenvolvimento com o investimento das multinacionais de países desenvolvidos no
exterior dá início ao processo de industrialização fordista em locais onde o trabalho era
pouco protegido, o que ocasiona a transferência de postos de trabalho entre esses países101.
Soma-se a isso a repentina elevação dos preços do petróleo entre 1973 e 1975 pelos países
produtores, o que afetou negativamente a economia de todo o mundo.
Especificamente em relação ao modelo taylorista-fordista, sua rigidez foi o objeto de
crítica especialmente pelas seguintes situações: (i) há dificuldade em promover o
planejamento flexível em um contexto de foco em investimentos de capital fixo de larga
escala e de longo prazo em produção em massa, que exigiam crescimento constante em
mercados de consumo estáveis; (ii) os contratos de trabalho não podiam ser alterados
facilmente e houve resistência das entidades sindicais para admitir arranjos mais flexíveis
(sendo que o poder sindical é alvo de ataques posteriores para facilitar a desregulamentação
do mercado de trabalho); e (iii) criticava-se o tamanho do Estado, especialmente em razão
do compromisso permanente em expandir os gastos para o financiamento de programas de
seguridade social102.

100
BENKLER, Yochai. op. cit., p. 2.
101
HARVEY, David. op. cit., p. 135.
102
Id. Ibid., p. 135-137.
57

4. Tecnologia, instituições e ideologia no neoliberalismo


A crise do modelo predominante no período da “jaula de ferro progressista” abriu
espaço para o surgimento de novas configurações da tecnologia, instituições e ideologia e
de diferentes formas de relação entre essas dimensões, propiciando condições para a
construção de um novo modelo de organização social, o que levou ao fim dos “trinta anos
gloriosos”.
Dentre as principais críticas feitas ao modelo predominante entre as décadas de 1940
e 1970, a mais importante e que serviu de guia para as mudanças implementadas no período
seguinte foi o questionamento do planejamento racional e da centralidade da padronização
da produção e do conhecimento, fortemente embasado nas liberdades políticas e econômicas.
Friedrich A. von Hayek foi o principal acadêmico que elaborou as críticas a partir de uma
perspectiva liberal, descrevendo a ordem socioeconômica como um dado multifacetado em
que os esforços para promover um planejamento centralizado e criar procedimentos sociais
padronizáveis acabavam por restringir o espírito humano e o comportamento social. O viés
econômico dessa vertente estabelecia que o mundo seria muito complexo para que um
pequeno grupo tivesse condições de prever o funcionamento da economia, sendo que as
organizações somente teriam êxito caso se adaptassem às circunstâncias peculiares de um
mercado competitivo. Por essa perspectiva, o planejamento tenderia ao fracasso, uma vez
que os responsáveis por sua realização não teriam a totalidade de informações necessárias
para se assegurar que os atores econômicos se comportariam da forma prevista e desejada,
além de o ente estatal acabar por impor um controle autoritário sobre o que as pessoas
poderiam fazer. Esse quadro demonstraria a necessidade de se abrir espaço ao livre mercado,
que daria as condições necessárias para a tomada de decisões apropriadas sobre a alocação
de recursos da maneira mais eficiente e guiadas pelo interesse individual do ator econômico
racional103. Friedrich A. von Hayek também aponta para o papel da concorrência e coloca
que
o argumento liberal é em favor de fazer o melhor uso possível das forças
de competição como meio de coordenação dos esforços humanos, não
como um argumento de deixar as coisas do jeito que estão. É baseado na
convicção de que onde a efetiva competição pode ser criada, é a melhor
forma de orientar os esforços individuais que qualquer outra104.

103
HAYEK, Friedrich A. Von. The road to serfdom. London: Routledge, 2001, p. 33-44.
104
Id. Ibid., p. 37, tradução nossa de: “The liberal argument is in favour of making the best possible use of the
forces of competition as a means of co-ordinating human efforts, not an argument for leaving things just as
58

A crítica por meio desse viés fomentou a ascensão do neoliberalismo enquanto um


movimento intelectual e político, com diversas ramificações sociais, e que norteou a
estruturação da economia, da política e da sociedade a partir da década de 1970 até a Grande
Recessão de 2008105.
Apesar de a linha crítica à “jaula de ferro progressista”, que hegemonizou a
sociedade a partir da década de 1970, operar no campo da direita no espectro da política,
também foram elaborados questionamentos à esquerda, em um movimento que foi
denominado de nova esquerda. A noção de competência é refutada, uma vez que seria
construída socialmente como reflexo do poder e privilégios das classes dominantes e
utilizada para a manutenção do status quo, ao invés de ser um elemento objetivo que
expressa as capacidades de fato dos indivíduos e permite o exercício de suas potencialidades
de forma plena106.
Um dos marcos desse movimento foram as manifestações de maio de 1968 na França
e o questionamento à autoridade e à hierarquia, noções fundamentais para o funcionamento
do modelo anterior, assim como aos tradicionais valores familiares patriarcais, em que se
idealizava um núcleo comandado por um homem que sustentava financeiramente o lar.
Outro epicentro de manifestações teve início nos Estados Unidos, a partir da ascensão do
movimento dos direitos civis e da contestação ao racismo, presente em diversas regiões do
país, em muitos casos legitimados por textos legais. Essas manifestações criaram condições
para se pleitear a adoção de medidas que garantissem igualdade material aos grupos
oprimidos e estimulou a luta pela aprovação de leis que combatessem práticas
discriminatórias. A emergência das pautas feminista, racial, LGBTQ – normalmente
apresentadas como “identitárias” -, nem sempre analisadas sob uma perspectiva de classe –
usualmente referidas como “econômicas -, abre um debate no campo da esquerda sobre se e
como essas pautas deveriam ser trabalhadas. Essa discussão continua atual, como se pode
verificar, dentre outros espaços, nas análises a respeito dos motivos que levaram à derrota
da candidata Hillary Clinton (do Partido Democrata) nas eleições presidenciais norte-
americanas de 2016107 e nos debates sobre os rumos que a esquerda brasileira deve tomar,

they are. It is based on the conviction that where effective competition can be created, it is a better way of
guiding individual efforts than any other”.
105
BENKLER, Yochai. op. cit., p. 2-3.
106
Id. Ibid., p. 3.
107
LILLA, Mark. The End of Identity Liberalism. The New York Times, New York, 20 nov. 2016. Disponível
em: <https://www.nytimes.com/2016/11/20/opinion/sunday/the-end-of-identity-liberalism.html>. Acesso
em: 26 mar. 2018; BAILEY, Issac. J. “Identity Politics,” Not Trump Voters, Will Save Democrats. Vice,
New York, 10 oct. 2017. Disponível em: <https://www.vice.com/en_us/article/43aekn/identity-politics-not-
trump-voters-will-save-democrats>. Acesso em: 26 mar. 2018.
59

especialmente após o impeachment da presidenta Dilma Rousseff (do Partido dos


Trabalhadores) no mesmo ano108.
Na economia, as críticas feitas por parte da nova esquerda ao modelo da “jaula de
ferro progressista” foram capitaneadas pelo movimento consumerista, inicialmente nos
Estados Unidos, influenciando a mudança do funcionamento de diversos setores da
economia, como o bancário, aeroviário e rodoviário, por meio de um questionamento acerca
da regulação então existente. Em alguns casos, os consumeristas entraram em rota de colisão
com o movimento sindical, uma vez que determinadas soluções acabaram por
desregulamentar inteiramente certos setores econômicos, o que resultou em prejuízos aos
trabalhadores. Essa linha coloca em segundo plano a solidariedade operária, dando ênfase à
soberania dos consumidores109. Posteriormente, diversos países passaram a debater o direito
dos consumidores, como o Brasil o fez com a inclusão na Constituição Federal de 1988 e a
criação do Código de Defesa do Consumidor em 1990.
Apesar da construção de questionamentos à direita e à esquerda em relação à
padronização do conhecimento e da produção, à autoridade da competência e à hierarquia
como valor positivo, somente os neoliberais criaram uma epistemologia alternativa e
propositiva à “jaula de ferro progressista”. A esquerda, embora tenha feito diversas
contestações e apontado como o conhecimento é utilizado para legitimar o poder nas
instituições sociais, não obteve êxito em ir além da crítica acadêmica e elaborar um projeto
alternativo de sociedade que oferecesse políticas concretas. Dentre os diversos ramos sociais
em que isso ocorreu, é emblemático o que se deu no campo jurídico: ao passo que o
movimento law and economics, de inspiração neoliberal, conseguiu traduzir seus
pressupostos teóricos em diversas propostas para inúmeros ramos do direito, o movimento
de estudos críticos do direito (critical legal studies) teve maior destaque pelas avaliações
aprofundadas e persuasivas do campo jurídico do que pelas propostas de reformas
programáticas do direito, sendo que a maioria das inovações influenciadas por essa escola
ocorreram somente nas esferas em que houve movimentação política contestatória nos anos
1960: feminismo, racial e direitos civis110.

108
BENJAMIN, Cid. A antipolítica e o risco de uma tempestade. MARINGONI, Gilberto; MEDEIROS,
Juliano; RAMOS, Adriana. (Orgs.). Cinco mil dias: o Brasil na era do lulismo. São Paulo, SP: Boitempo
Editorial, 2017; ROQUE, Tatiana. Subjetividades no ponto cego da esquerda. Le Monde Diplomatique
Brasil, São Paulo, 03 fev. 2017. Disponível em: <http://diplomatique.org.br/subjetividades-no-ponto-cego-
da-esquerda/>. Acesso em: 26 mar. 2018.
109
BENKLER, Yochai. A political economy of oligarchy: Winner-takes-all ideology, superstar norms, and the
rise of the 1%. cit., p. 3-6.
110
BENKLER, Yochai. Network pragmatism: Towards an open social economy. cit., p. 9; TELES, Steven
Michael. The rise of the conservative legal movement: the battle for control of the law. Princeton: Princeton
60

A esquerda passou por significativas alterações nesse período. Tradicionalmente


com enfoque nas instituições do mercado de trabalho, cuja principal bandeira era avançar os
ganhos econômicos de uma classe trabalhadora majoritariamente masculina e branca, passou
a olhar também para a igualdade de oportunidades e a redistribuição de poder nos âmbitos
político e doméstico, questionando o racismo e o sexismo estrutural arraigados em inúmeros
espaços socioeconômicos. Na esfera econômica, além da questão consumerista, também
entrou em pauta a matéria ambiental, sendo que em muitos casos ambas foram abordadas a
partir de um viés desregulatório e pró-mercado para se obter êxito em seus objetivos111.
A confluência das críticas realizadas por ambos os lados do espectro político abriu
espaço para a promoção de alterações institucionais a partir da década de 1970, em que se
implementam políticas inspiradas pelo neoliberalismo. Essas políticas, inicialmente
adotadas nos Estados Unidos e na Inglaterra, e posteriormente difundidas em inúmeros
países, desmontaram em grande medida a estrutura vigente nos “trinta anos gloriosos” e
impactaram significativamente a maioria da população, aprofundando a desigualdade
socioeconômica. As desregulações financeira e bancária promoveram alterações que criaram
ambiente para o aumento vertiginoso da renda do 1% mais rico da população, ao passo que
a teoria da agência 112 e o conceito de “valor para o acionista” 113 ofereceram as bases
intelectuais para o crescimento da renda dos gerentes e executivos das empresas e o
114
surgimento do mercado do “vencedor-ganha-tudo” (winner-takes-all-market) . As
mudanças no Direito Coletivo do Trabalho e a postura adotada pelos governos para
enfraquecer as entidades sindicais reduziram o poder negocial dos trabalhadores, o que
afetou negativamente os salários de renda média115. A emergência das cadeias produtivas
globais a partir da expansão do livre comércio e dos fluxos financeiros, a fragmentação da
organização do trabalho, o uso da terceirização e da offshoring, a disseminação dos tipos
contratuais de trabalho contingente, a flexibilização das relações de trabalho, o
direcionamento da produção para países de baixo custo e a casualização do trabalho nos

University Press, 2008, p. 90-134; 181-219.


111
BENKLER, Yochai. op. cit., p. 9-10.
112
A teoria da agência busca explicar a relação entre os um indivíduo ou grupo, denominados de principais, e
os agentes, em que estes são contratados por aqueles para a prestação de serviços e tomada de decisões (Id.
Ibid., p. 9).
113
A noção de valor para o acionista alinha os interesses das empresas ao dos acionistas, em que se busca
maximizar os retornos para esses em prazos reduzidos, sendo que a corporação deixa de levar em conta
outros interesses, como temas ambientais ou trabalhistas (Id. Ibid., op. cit., p. 9).
114
BENKLER, Yochai. A political economy of oligarchy: Winner-takes-all ideology, superstar norms, and the
rise of the 1%. cit., p. 29-30; DAVIS, Gerald. Managed by the markets: how finance reshaped America.
New York: Oxford University Press, 2009, p. 1-28; FOROOHAR, Rana. op. cit., p. 121-142.
115
MISHEL, Lawrence.; SCHMITT, John; SHIERHOLZ, Heidi. Wage inequality: A story of policy choices.
cit.
61

setores tradicionais também debilitou o poder de barganha dos trabalhadores e mudou as


normas de gerenciamento empresarial, especialmente na definição das políticas salariais dos
empregadores116. A maior parte dessas políticas, especialmente nos Estados Unidos, foram
implementadas a partir do realinhamento da estratégia da classe empresarial e da
intensificação de sua atuação no âmbito da política institucional para influenciar a
implementação de medidas de seu interesse pelos governos117.
Outro fenômeno marcante do período, com impactos na economia, política e
sociedade, é a globalização, processo multifacetado cujas principais características
refletiram os questionamentos do modelo predominante nos “trinta anos gloriosos”. De
acordo com Octavio Ianni, identifica-se um ponto de virada na história que afeta
mais ou menos drasticamente os quadros sociais e mentais de referência de
indivíduos e coletividades. Rompe e recria o mapa do mundo, inaugurando
outros processos, outras estruturas e outras formas de sociabilidade, que se
articulam e se impõem aos povos, tribos, nações e nacionalidades. Muito
do que se parecia estabelecido em termos de conceitos, categorias ou
interpretações, relativos aos mais diversos aspectos da realidade social,
parece perder significado, tornar-se anacrônico ou adquirir outros sentidos.
Os territórios e as fronteiras, os regimes políticos e os estilos de vida, as
culturas e as civilizações parecem mesclar-se, tensionar-se, dinamizar-se
em outras modalidades, direções ou possibilidades. As coisas, as gentes e
as ideias movem-se em múltiplas direções, desenraizam-se, tornam-se
volantes ou simplesmente desterritorializam-se. Alteram as sensações e as
noções de próximo e distante, lento e rápido, instantâneo e ubíquo, passado
e presente, atual e remoto, visível e invisível, singular e universal118.
No momento histórico do capitalismo em que esse processo se desenvolve, as esferas locais
e globais “determinam-se reciprocamente, umas vezes de modo congruente e consequente,
outras de modo desigual e concentrado. Mesclam-se e tencionam-se singularidades,
particularidades e universalidades”119.
As principais características da globalização são: (i) a queda da indústria e a
proeminência dos serviços, com ênfase no setor financeiro; (ii) a ascensão do

116
BENKLER, Yochai. op. cit., p. 30.
117
HACKER, Jacob; PIERSON, Paul. Winner-take-all politics: public policy, political organization, and the
precipitous rise of the top incomes in the United States. Politics & Society, v. 38, n. 2, p. 3, 2010.
118
IANNI, Octavio. As ciências sociais na época da globalização. Revista Brasileira de Ciências Sociais, v. 13,
n. 37, p. 33-41, jun. 1998.
119
IANNI, Octavio. Globalização: novo paradigma das ciências sociais. Estudos Avançados, São Paulo, v. 8,
n. 21, p. 151, ago. 1994.
62

desenvolvimento das atividades econômicas na esfera internacional; (iii) o questionamento


do papel do Estado, com a diminuição de suas funções, especialmente na economia, e dos
seus centros decisórios, e a crescente força das empresas transnacionais, com alta capacidade
de mobilidade entre os países; (iv) o rearranjo dos âmbitos e esferas local, nacional, regional
e internacional; (v) o movimento de maximizar o papel da economia e de estabelecer a
política, enquanto espaço de tomada de decisão, como um aspecto secundário, menos
importante e subjugado àquela120.
Na organização da produção, a crítica à rigidez e a busca pela flexibilidade
materializaram-se com o processo de reestruturação produtiva, em que o principal expoente
é o toyotismo. Implementaram-se medidas técnico-organizacionais com o objetivo de
adaptar as inovações tecnológicas dos anos 1970, como a robótica e a automação
microeletrônica, à estratégia das empresas em tornar o trabalho mais manejável conforme às
suas necessidades. No campo da gestão, foram adotados os círculos de controle de
qualidade121, o controle estatístico de processos122, o sistema just-in-time123 em conjunto do
kanban 124 e os sistemas de qualidade total 125 . A descentralização da produção torna a
empresa horizontal, com trabalhadores desempenhando funções diversas e trabalhando em
equipe, em contraposição à estrutura horizontal e à execução de tarefas especializadas,
características do fordismo.
As mudanças que ocorreram nos âmbitos econômico, político e social reforçaram as
características neoliberais, o que contribuiu de forma decisiva para a acentuada expansão da
desigualdade socioeconômica. O conjunto dessas políticas foi objeto de acordo entre as elites
globais, no que ficou conhecido com Consenso de Davos 126 , cidade suíça que sedia

120
SILVA, Walküre Lopes Ribeiro da. Crise de representatividade e participação dos sindicatos em políticas
ativas de emprego. 2001. Tese (Titular de Direito do Trabalho) – Faculdade de Direito, Universidade de
São Paulo, São Paulo, 2001, p. 35-44; MUNCK, Ronaldo. op. cit., p. 52; CHESNAIS, François. A
mundialização do capital. São Paulo: Xamã, 1996, p. 24; JUDT, Tony. op. cit., p. 176-177.
121
Os círculos de controle de qualidade promovem encontros de trabalhadores para se discutir o cotidiano da
empresa e sugerir melhorias no processo produtivo, com o objetivo de aumentar a produtividade e melhorar
a qualidade (ANTUNES, Ricardo. op. cit., p. 55).
122
O controle estatístico de processos pretende monitorar a produção em tempo real, o que incrementa
significativamente a qualidade dos bens fabricados pela empresa e a correção dos processos (Id. Ibid., p.
56).
123
O sistema just-in-time é um mecanismo de racionalização da produção, por meio da gestão de estoques e
economia de tempo, vinculando de forma mais incisiva a produção à demanda. É um dos maiores exemplos
da proposta de produção enxuta (Id. Ibid., p. 56-57).
124
O kanban é o instrumento que viabiliza a comunicação entre as fases da produção que permite a operação
com estoques reduzidos (Id. Ibid., p. 57-58).
125
Os sistemas de qualidade total englobam todas as características dos elementos anteriores e exigem o
engajamento dos trabalhadores com o desenvolvimento empresarial (Id. Ibid., p. 59).
126
O “Consenso de Davos” é o conjunto dos preceitos do Consenso de Washington e suas diretrizes neoliberais
no campo econômico, somado ao pluralismo (em que há uma tolerância e celebração das diferenças entre
os seres humanos, assim como dos esforços individuais das pessoas, em contraposição à solidariedade
63

anualmente o Fórum Econômico Mundial. De acordo com Yochai Benkler, essa conjuntura
deu origem à hegemonia de uma
oligarquia pluralista: um sistema político governado primariamente pelas
elites econômicas, orientado em direção à construção de um quadro
institucional que permite o 1% mais rico aumentar dramaticamente a sua
parcela na renda nacional, a elite econômica reproduzir-se e legitimar o seu
status como mérito e implementar uma variedade de reformas liberais de
caráter plural que reduziram substancialmente o racismo e o sexismo legal
e explícito e aumentou a realização pessoal individual nos âmbitos da
reprodução e da cultura127.
Esse contexto também é denominado de “neoliberalismo progressista”, em que há
uma aliança poderosa entre correntes dominantes dos novos movimentos sociais (feministas,
antirracistas, multiculturalistas, ambientalistas e LGBTQ) e os setores financeiros,
dinâmicos e desenvolvidos da economia norte-americana (Wall Street, Vale do Silício e
Hollywood). Conforme Nancy Fraser afirma,
o bloco neoliberal-progressista combinou um programa econômico
expropriatório e plutocrata com uma política liberal e meritocrática de
reconhecimento. Determinados em retirar as forças do mercado da mão
pesada do Estado e do moedor de ‘impostos e gastos’, as classes que
lideraram esse bloco tinham o objetivo de liberalizar e globalizar a
economia capitalista. O que significou, na prática, na financeirização:
diminuição de barreiras e proteções para a livre circulação do capital; a
desregulação do setor bancário e pagamentos extraordinários de débitos
predatórios; desindustrialização, enfraquecimento dos sindicatos e
disseminação de trabalho precário e mal remunerado128.

coletiva e aos esforços comunitários) e ao internacionalismo (em troca de uma estabilidade e paz, há uma
acentuada diminuição da participação popular na definição dos rumos dos governos) (BENKLER, Yochai.
Network pragmatism: Towards an open social economy. cit., p. 5).
127
Id. Ibid., p. 12, tradução nossa de: “pluralist oligarchy: a political system governed primarily by economic
elites, oriented toward constructing an institutional setting that enables the wealthiest centile to dramatically
increase its share of national income, the economic elite to reproduce itself and legitimate its status as merit,
and that implements a range of liberal pluralistic reforms that substantially reduced legal and explicit racism
and sexism and increase individual self-actualization in the domains of reproduction and culture”.
128
FRASER, Nancy. From progressive neoliberalism to Trump – and beyond. American Affairs, v. 1, n. 4,
inverno 2017, p. 46, tradução nossa de: “The progressive-neoliberal bloc combined an expropriative,
plutocratic economic program with a liberal-meritocratic politics of recognition. The distributive component
of this amalgam was neoliberal. Determined to unshackle market forces from the heavy hand of the state
and from the millstone of “tax and spend,” the classes that led this bloc aimed to liberalize and globalize the
capitalist economy. What that meant, in reality, was financialization: the dismantling of barriers to, and
protections from, the free movement of capital; the deregulation of banking and the ballooning of predatory
debt; deindustrialization, the weakening of unions, and the spread of precarious, badly paid work”.
64

Diversas inovações, segundo Yochai Benkler, apoiaram o desenvolvimento da


globalização e da financeirização, assim como esses elementos moldaram o surgimento de
novidades tecnológicas. Em relação à globalização, assumem papel de destaque o container
de transporte (que reduziu o custo e aumentou a velocidade do envio de produtos
internacionalmente), o código de barras (que viabilizou a implementação de cadeias
produtivas transnacionais e o gerenciamento de fluxos internos e de atendimento à demanda
por empresas grandes) e os cabos transoceânicos coaxiais (que aumentaram
significativamente a capacidade e a fidelidade dos fluxos de comunicações internacionais).
Para a financeirização, os computadores pessoais e as planilhas eletrônicas permitiram
colocar em prática as novas teorias financeiras da década de 1970 e os cabos de alta
capacidade permitiram a conexão dos mercados financeiros globais em rede129.
Diante das mudanças que ocorreram nesse período, são notórias as alterações que
acontecem no âmbito das instituições, ideologia e tecnologia, assim como na forma pela qual
esses elementos se relacionam entre si. No tocante às instituições, no âmbito econômico há
o avanço da desregulação e da privatização de empresas públicas, o desmonte do Direito do
Trabalho, a utilização da offshoring, da terceirização e da casualização do contrato de
trabalho, o surgimento dos salários das superestrelas e a busca da maximização dos lucros
para a satisfação dos acionistas da empresa. Na esfera política, nota-se uma forte influência
da ideia de ampliação do papel dos entes privados, com uma articulação mais intensa das
empresas para impactar as decisões do Executivo e do Legislativo, a disseminação da ideia
de um Estado Mínimo, a contraposição de interesses dos trabalhadores e dos consumidores,
com a prevalência desses, e a consagração do Consenso de Davos, em que se sobressai a
oligarquia pluralista. No aspecto social, o movimento feminista questiona a família patriarcal,
há uma diversificação da estrutura familiar, cresce o número de famílias monoparentais,
desponta uma geração individualista, o consumo passa a ser tratado como status social e a
cultura de massa incorpora o pluralismo130.
Em relação à ideologia, pelo viés econômico observa-se a predominância da noção
de mercados livres, da teoria do ator racional, do mercado do “vencedor-ganha-tudo” e as
marcas das empresas são encaradas como identidade pela sociedade. No âmbito da política,
as agências reguladoras são capturadas por atores econômicos, destaca-se a soberania dos

129
BENKLER, Yochai. A political economy of oligarchy: Winner-takes-all ideology, superstar norms, and the
rise of the 1%. cit., p. 45; WATSON, Bartholomew C. Barcode Empires: Politics, Digital Technology, and
Comparative Retail Firm Strategies. Journal of Industry, Competition and Trade, v. 11, n. 3, p. 309–324,
set. 2011.
130
BENKLER, Yochai. op. cit., p. 45-46.
65

consumidores (e a debilitação da solidariedade operária), as lutas sobre os direitos civis e as


pautas identitárias (como as raciais e de gênero) obtêm autonomia e se distanciam em relação
às lutas com enfoque econômico (como as baseadas na chave da luta de classes), o
pluralismo e o liberalismo político assumem protagonismo. No aspecto social, há um
tensionamento entre família e indivíduo e entre patriarcado e feminismo, a ascensão do
debate sobre orientação sexual e gênero, além da associação de determinadas marcas com
valores positivos, como a Nike e a autodisciplina e a Benetton e a diversidade131.
Sobre a tecnologia, no âmbito da economia, assumem protagonismo os mencionados
cabos transoceânicos de alta capacidade (que melhoram a comunicação), container (que
facilita a logística) e o código de barras e o leitor ótico (que criam condições para a
descentralização da produção), além da disseminação dos computadores e das planilhas
eletrônicas. No patamar da política, os canais de notícias em tempo integral e a TV a cabo
(com o objetivo de entretenimento) ganham relevância, especialmente por pautar a opinião
pública. E pelo viés social, fogões com dimensões menores, refrigeradores e micro-ondas,
dentre outros aparelhos eletrodomésticos, alteram a dinâmica do lar, reduzindo o tempo
necessário para a realização de atividades domésticas, criando espaço para a inserção da
mulher no mercado de trabalho132.
O neoliberalismo, predominante nos últimos 40 anos, entrou em crise no fim da
década de 2000. O Estado-Nação perdeu centralidade como ente organizador da economia
e da política e outros atores, internacionais (como agências financeiras) e nacionais (como
as empresas), ganharam protagonismo nesse campo. A economia desenvolvida sob os
parâmetros da privatização, desregulação, globalização e financeirização aumentou a
desigualdade socioeconômica em diversos países, cujo grau variou conforme o papel das
instituições em cada local, empobrecendo parcela expressiva de suas populações. Ainda,
nesse período ocorreram: (i) ciclos de altos e baixos na economia frequentemente, o que
contrasta com a estabilidade dos anos da “jaula de ferro progressista”; (ii) redução do
crescimento da produtividade nas economias mais avançadas, apesar das inúmeras
inovações nas tecnologias da informação e comunicação; (iii) elevada insegurança
econômica para a maioria da população, seja pela inserção no mercado de trabalho em tipos
contratuais precários, seja pela dificuldade em encontrar uma ocupação. Esse contexto

131
BENKLER, Yochai. op. cit., p. 2-3; 45-46.
132
Id. Ibid., p. 45-46.
66

culminou na crise financeira de 2008 e motivou reações reivindicando a mudança de rumo


na economia e na política em diversos países133.

5. Tecnologia, instituições e ideologia no cenário de peças se movendo


A crise do neoliberalismo abriu novamente espaço para o surgimento de alternativas
e de novas configurações nos âmbitos das instituições, ideologia e tecnologia, assim como
nas formas em que se relacionam entre si. Contudo, ainda não é possível apontar que o
período neoliberal se esgotou ou que há um modelo ganhando musculatura suficiente na
sociedade para substituí-lo. Nesse cenário em que há diversas peças se movendo,
analisaremos algumas propostas que surgiram na última década para moldar a economia, a
política e a sociedade, como o paternalismo libertário, o tecnolibertarianismo e o
tecnoliberalismo, o nacionalismo econômico, o pragmatismo em rede e a economia do
conhecimento.
O conceito de paternalismo libertário é construído por Cass Sunstein e Richard
Thaler134, fundado na noção de estímulo direcionado. Os autores reconhecem que à primeira
vista a proposta pode parecer contraditória, mas se os termos forem propriamente entendidos,
nota-se que fazem mais sentido se analisados em conjunto do que em separado. O aspecto
paternalista da formulação considera que é legítimo que se tente influenciar o
comportamento das pessoas no intuito de fazer com que suas vidas sejam melhores, mais
longevas e saudáveis. A ideia é que governos e instituições do setor privado direcionem os
cidadãos a tomarem as decisões que lhes ofereçam os maiores benefícios. Um dos pontos de
partida que coloca a importância em se adotar essa postura são evidências apresentadas pelas
ciências sociais, de que os indivíduos tomam más decisões em razão de falta de atenção, não
terem todas as informações necessárias, terem habilidades cognitivas limitadas e ausência
de autocontrole. Nesse sentido, os autores apontam que “uma política é ‘paternalista’ se tenta
influenciar as escolhas de uma forma que irá melhorar as condições daquele que toma a
decisão, desde que analisados por eles mesmos” 135 . A perspectiva libertária do conceito
reside no pressuposto que os indivíduos devem ter a liberdade de realizarem o que desejarem,
ou seja, há um enfoque na ideia que as pessoas são livres para escolherem. A proposta de
qualificar como libertário o paternalismo apresentado tem o objetivo de assegurar o exercício

133
BENKLER, Yochai. op. cit., p. 2- 3; FRASER, Nancy. op. cit., p. 48.
134
THALER, Richard H.; SUNSTEIN, Cass R. Nudge: improving decisions about health, wealth, and
happiness. New Haven: Yale University Press, 2008, p. 4-6.
135
THALER, Richard H.; SUNSTEIN, Cass R. op. cit., p. 5, tradução nossa de: “(…) a policy is ‘paternalistic’
if it tries to influence choices in a way that will make choosers better off, as judged by themselves”.
67

da liberdade. Segundo os autores, “os paternalistas libertários querem tornar fácil para as
pessoas seguirem os seus próprios caminhos; eles não querem sobrecarregar aqueles que
querem exercitar a sua liberdade”136.
De acordo com Yochai Benkler, a epistemologia proposta por Cass Sunstein e
Richad Thaler, em que a pesquisa científica realizada por especialistas é capaz de apresentar
as melhores práticas existentes e que as pessoas as adotariam a partir do estímulo direcionado
promovido por determinados atores, tendo em vista que a opção por esses caminhos
melhoraria a situação dessas pessoas, denota aproximação com o modelo da “janela de ferro
progressista”. A maior diferença entre ambos é que no paternalismo libertário se rejeita a
ideia de imposição de normas, com o objetivo de preservar a liberdade de escolha nos
mercados. Em relação ao neoliberalismo, a distinção mais patente é que o modelo proposto
por Cass Sunstein e Richard Thaler coloca uma orientação normativa progressista e admite
a existência de desvios da racionalidade pautada somente no interesse individual. Yochai
Benkler afirma que o paternalismo libertário carrega os problemas dos “trinta anos
gloriosos”, dado o risco de erro das autoridades, e do neoliberalismo, considerando a utópica
crença nos mercados como estrutura epistemológica e espaço de liberdade de ação137.
O tecnolibertarianismo e o tecnoliberalismo diferenciam-se pela importância
conferida às políticas para incluir a população mais pobre nos avanços proporcionados pela
tecnologia e na função do Estado de contrabalancear o poder do mercado, com maior
relevância no primeiro do que no segundo. Ambos não questionam o modelo neoliberal e de
reconhecimento, que reduz o papel de intervenção de forma incisiva do governo na economia
e nas escolhas de vida pessoais, e colocam a tecnologia como elemento central para assegurar
oportunidades de trabalho e diminuir a insegurança econômica, além de incrementar a
participação democrática, com o objetivo de legitimar os modelos e superar as limitações da
democracia participativa. A política pública social mais ambiciosa proposta é a renda básica
universal como mecanismo de desvincular o trabalho remunerado das necessidades de
subsistência. Aponta-se que as soluções tecnológicas podem ir além das propostas político-
institucionais nos campos econômico e social para melhorar a vida das pessoas. Em suma,
esses modelos amalgamam o neoliberalismo pluralista com a ideia da tecnologia eliminando
a escassez138.

136
THALER, Richard H.; SUNSTEIN, Cass R. op. cit., p. 5, tradução nossa de: “Libertarian paternalists want
to make it easy for people to go their own way; they do not want to burden those who want to exercise their
freedom”.
137
BENKLER, Yochai. op. cit., p. 3.
138
Id. Ibid., p. 3.
68

Há um campo de propostas que surgem a partir da ampla rejeição ao que Yochai


Benkler denomina de Consenso de Davos e ao que Nancy Fraser descreve como
neoliberalismo progressista. As consequências de quatro décadas de neoliberalismo, em que
a média das condições de vida da população foi rebaixada e os níveis de desigualdade
aumentaram demasiadamente, motivaram o surgimento de projetos que se opõem de maneira
frontal ao modelo vigente da década de 1970 até o presente. Entende-se como expressão
desse fenômeno a eleição de Donald Trump nos Estados Unidos, a vitória do Brexit no Reino
Unido, o questionamento da legitimidade da União Europeia e o declínio de partidos
socialdemocratas e de centro-direita na Europa, a ascensão de forças autoritárias na América
Latina, Ásia, Rússia, Turquia e Hungria. Em que pese o consenso no diagnóstico da situação,
a caracterização das propostas que apareceram não é unânime.
Yochai Benkler afirma que a maior força que surge nessa chave é o nacionalismo
econômico, que apresenta uma epistemologia comunitarista e autoritária, uma ordem
econômica nacional e corporativista e uma ordem política antiliberal. O corporativismo no
âmbito econômico advém da integração da tomada de decisões pelas empresas com as
diretrizes estabelecidas pelo governo nacional no intuito de garantir a segurança econômica
para estabilizar a política sem a alterar as condições de produção. Além disso, pretende
preservar o poder econômico das elites em troca da ampliação da renda obtida pelos
trabalhadores no país, em um contexto no qual a identidade nacional se sobrepõe aos
interesses de classe. Na política, há um nacionalismo étnico que rejeita o pluralismo e é
conduzido por uma liderança carismática que usa o apoio popular como fonte principal de
legitimação para se contrapor às elites tecnocráticas, como a mídia, os juízes e os cientistas,
que foram importantes para os modelos anteriores e passam a ser questionados se criam
obstáculos à implementação de políticas pelos chefes de governo. Indica-se, como exemplos,
os governos de Vladimir Putin (Rússia), Recep Tayyip Erdogan (Turquia) e Viktor Orbán
(Hungria), assim como alguns aspectos da administração de Donald Trump (EUA). Essa
seria a “terceira direita” (em que a primeira teria sido liderada por Dwight Eisenhower,
Winston Churchill, Konrad Adenauer e Charles De Gaulle e a segunda, por Ronald Reagan
e Margaret Thatcher)139.
Por outro lado, Nancy Fraser afirma que a crise de hegemonia do neoliberalismo deu
margem ao surgimento de propostas que convergem em relação à crítica de uma economia
capturada pelos interesses financistas e que não atenderia às necessidades reais da população.

139
BENKLER, Yochai. op. cit., p. 3.
69

Pela direita, surge o populismo reacionário, em que no campo da distribuição há propostas


nacionalistas e protecionistas e, no do reconhecimento, há um viés racista, misógino,
homofóbico, transfóbico, anti-imigrante e islamofóbico. O maior exemplo é Donald Trump,
apesar de ter abandonado parte importante de seu discurso de campanha no governo,
adotando políticas que podem ser classificadas como neoliberalismo hiper-reacionário. Pela
esquerda, há ascensão do populismo progressista, com medidas igualitárias e universalistas
na economia e políticas favoráveis às mulheres, negros e imigrantes na área de
reconhecimento. Além de Bernie Sanders, que é o melhor exemplo nos Estados Unidos,
poderiam ser classificados dessa forma Jeremy Corbyn (do Partido Trabalhista inglês) e
Jean-Luc Mélenchon (da França Insubmissa)140.
O pragmatismo em rede teve suas bases desenvolvidas a partir do êxito da internet
como uma infraestrutura técnica e se apresenta como uma epistemologia e uma prática social.
Seus principais pressupostos são: (i) considerando as incertezas e as falhas, o enfoque na
prática supera a centralidade na autoridade; (ii) a ideia de homo economicus, que se provou
incorreta e contraproducente, deve ser substituída pela noção de homo socialis141.
Em relação ao primeiro aspecto, considera-se que o open commons lida com as
incertezas de forma mais adequada que a propriedade e as hierarquias gerenciais, uma vez
que facilita a busca pela inovação e experimentação por ser mais flexível, e enfatiza os fluxos
de conhecimento e comunicação em contraposição a pacotes monolíticos e padronizados em
políticas de inovação. Um modelo baseado na propriedade e nas hierarquias gerenciais
centraliza informações e incentivos, de forma que a definição sobre quem e quando se tem
acesso a um certo recurso é determinado por forças assimétricas em que determinados
autores são privilegiados sem que necessariamente critérios de eficiência sejam levados em
consideração. Por outro lado, com open commons,
os recursos estão sujeitos a um conjunto de regras simétricas relacionadas
a acesso, uso, extração e gerenciamento. A ausência de assimetria retira o
proprietário como ponto focal para transações e como mecanismo de
coordenação para questões concorrenciais sobre o recurso. A simetria
permite que diversos usuários tenham a liberdade de operar sem
transacionar dentro das restrições da simetria e sujeitos às características
de cogestão do recurso142.

140
FRASER, Nancy, op. cit., p. 49. De forma distinta, Yochai Benkler classifica esses políticos como socialistas
da velha guarda (BENKLER, Yochai. op. cit., p. 2).
141
Id. Ibid., p. 17.
142
Id. Ibid., p. 17, tradução nossa de: “the resource is subject to a set of symmetric rules concerning access, use,
extraction, and management. The absence of asymmetry removes the owner as a focal point for transactions
70

Nesse modelo, as informações são agregadas e processadas por atores


descentralizados que não se concentram em um único ponto decisório, em que essas
informações são trabalhadas e trocadas sem a necessidade de ter como parâmetro uma
expressão universalmente conhecida (como o dinheiro). O âmbito da inovação foi o que
evidenciou com maior intensidade os efeitos da limitação da propriedade e os benefícios do
commons, especialmente pela ênfase nos fluxos de conhecimento e redes de
compartilhamento de aprendizado. Segundo Yochai Benkler,
a história econômica da inovação mudou o seu foco dos inventores
heroicos do modelo de Edison para descrições mais ricas de comunidades
de prática e redes de inovadores que dividem informação e experimentos
para produzir uma série de contribuições colaborativas incrementais ao
invés da imagem da lâmpada do gênio criativo individual143.
No tocante ao segundo ponto, leva-se em conta que o homo economicus é centrado
na racionalidade do interesse próprio e foi o principal argumento usado pelos neoliberais
para explicar o comportamento humano. Contudo, diversos estudos no campo da biologia
evolutiva, economia experimental, ciência política, psicologia e ciência da computação
demonstraram que essa forma de racionalidade não dá conta da complexidade das
motivações humanas. Primeiramente, porque há uma diversidade nas razões que levam os
seres humanos a se comportarem de determinada maneira e não um modelo único. Ou seja,
da mesma forma que existe os que atuam pautados sob a racionalidade do interesse próprio,
há os altruístas, os centrados na reciprocidade, os preocupados com o status social, dentre
outros. O principal elemento da crítica feita ao homo economicus é que as motivações
dependem em grande medida da forma pela qual as interações sociais do indivíduo ocorrem.
Em segundo lugar, as motivações não poderiam ser separadas do contexto em que os
indivíduos estão inseridos, não sendo algo exógeno à maneira em que as decisões são
tomadas. Nesse sentido, percebe-se que o enfoque na racionalidade do interesse próprio foi
um equívoco como meio para se prescrever políticas públicas e elaborar o desenho de
instituições nos últimos quarenta anos. Há a necessidade de levar-se em conta a diversidade

and as the coordinating mechanism for competing claims on the resource. The symmetry allows diverse
users the freedom to operate without transacting, within the symmetric constraints and subject to the
congestion characteristics of the resource”.
143
BENKLER, Yochai. op. cit., p. 18, tradução nossa de: “Economic history of innovation shifted its focus
from heroic inventors on the Edison model to richer descriptions of communities of practice, networks of
innovators who shared information and experiments to produce a series of incremental collaborative
contributions rather than the light bulb image of the individual creative genius”.
71

de motivações dos seres humanos e o contexto em que estão inseridos para se pensar em
intervenções econômicas, políticas e sociais144.
O pragmatismo em rede também parte da constatação de que as instituições criadas
pelos seres humanos são falhas, o que demanda a existência de mecanismos de participação,
espaço para a crítica e distintas visões para corrigir os erros detectados. Um modelo calcado
nessas premissas indica a necessidade de as relações serem abertas (os atores podem ser
inseridos e retirados das relações em rede, atuando de forma conjunta e com a possibilidade
de construir sistemas a partir do aprendizado mútuo) e acopladas de forma flexível (em que
os sistemas não são previamente determinados sobre os resultados das interações que
ocorrem internamente, com espaço para experimentação). Ambos evocam uma concepção
de liberdade que entende o comportamento humano e as relações sociais dentro de sistemas
com restrições e conformidade, em que há espaço para os indivíduos desenvolverem suas
crenças, preferências e princípios145.
Yochai Benkler afirma que o pragmatismo em rede, uma vez que não foi concebido
da forma coordenada como ocorreu com o neoliberalismo, mas é produto de resultados
obtidos pela prática e por desenvolvimentos científicos, tem suas prescrições de políticas
públicas e envolvimento com o sistema político articuladas de forma episódica e pouco
orgânica. Há alguns exemplos em que é evidente a distinção entre neoliberalismo e
pragmatismo em rede: neutralidade de rede, propriedade intelectual, gerenciamento de
direitos digitais e segredos comerciais. De acordo com o autor, é possível identificar três
dimensões iniciais que dão o contorno do pragmatismo em rede como uma política
econômica. A primeira é transformar as relações sociais construídas sob o paradigma de
empresas padrões, focadas nos investidores e nos moldes do homo economicus, em outras
baseadas em redes de aprendizado interno e conectadas com redes de aprendizado externas,
ou seja, transitar de uma teoria do “valor do acionista” para uma teoria do “valor das partes
interessadas” (em sentido mais amplo). A segunda é a adoção de medidas para tornar a
política econômica mais transparente, participativa e direcionada para uma produção
integrada em práticas sociais, com a aplicação de princípios das sociedades abertas na
condução da economia. A terceira é priorizar o desenvolvimento do cooperativismo de
plataforma, dando enfoque na ação coletiva sem propriedade ou hierarquia146.

144
BENKLER, Yochai. op. cit., p. 19-21.
145
Id. Ibid., p. 21-22.
146
Id. Ibid., p. 21-31.
72

Ricardo Abramovay aponta que vivemos um impasse. Embora a internet transmita


os valores de abertura, descentralização e comunicatividade, o poder opaco, concentrado e
fechado das grandes empresas digitais impede o desenvolvimento de todas as suas
potencialidades. O atual estágio do capitalismo, em que poucas entidades reúnem tanto poder
e dinheiro, é incompatível com o ideal liberal de prestigiar a competência e a inovação, em
que a igualdade é moldada pelo poder político e pela cidadania. Em face desse quadro, há a
necessidade de promover sete valores para que a internet volte a ser um bem comum
humano: (i) o respeito à privacidade; (ii) a descentralização; (iii) a aversão à desigualdade;
(iv) a inovação; (v) a participação e a diversidade; (vi) a transparência e a responsabilidade;
e (vii) o desenvolvimento sustentável147.
Finalmente, analisamos a economia do conhecimento a partir da perspectiva de
Roberto Mangabeira Unger. O autor parte da premissa que há dois conjuntos de problemas
a serem enfrentados: a estagnação da economia (ou seu baixo crescimento) e a exclusão e a
desigualdade. A forma mais adequada de enfrentá-los seria por meio de inovações
institucionais que estabeleceriam um vanguardismo inclusivo, tendo como elemento central
a democratização da economia de mercado. O desenvolvimento de alternativas estruturais
deve ser compreendido como parte de uma trajetória em direção a uma sociedade mais
democrática e inclusiva148.
Na visão de Roberto Mangabeira Unger, economia do conhecimento, nova economia
ou produção pós-fordista são sinônimos de um modelo focado no setor de alta tecnologia,
especialmente a de natureza digital. Há três grupos de características da economia do
conhecimento: (i) em um âmbito inicial, trata-se da acumulação de capital, conhecimento e
tecnologia; (ii) em um aspecto intermediário, opera por meio da engenharia de produção, em
que há a reconciliação da personalização com a escala, por meio da manufatura aditiva ou
impressoras 3D, e a descentralização das iniciativas com a manutenção da coerência e
direção do processo produtivo; (iii) em seu nível mais aprofundado, atenua o contraste entre
o planejamento e a execução do trabalho, relativizando todas as ocupações especializadas,
e exige um crescimento na confiança dada aos trabalhadores e na discricionariedade para
trabalhar, em um ambiente de cooperação competitiva149.

147
ABRAMOVAY, Ricardo. La urgente necesidad de democratizar el internet: mercado, Estado y sociedad
civil en la era digital. In: SCANNONE, Juan Carlos (Coord.). Sociedad civil y bien común: Hacia una nueva
articulación del mercado, el Estado y a sociedad civil. Córdoba, EDUCC, 2018, p. 304-337.
148
UNGER, Roberto Mangabeira. The knowledge economy. 2018. Disponível em:
<https://www.oecd.org/naec/THE-KNOWLEDGE-ECONOMY.pdf>. Acesso em: 20 set. 2018.
149
Id. Ibid., p. 8-12.
73

A economia do conhecimento atualmente se manifesta em franjas de setores


econômicos, como agricultura, serviços, indústria e em países em desenvolvimento e
desenvolvidos. Contudo, a ausência de condições para que possa se disseminar pela
sociedade faz com que essas práticas fiquem confinadas em espaços específicos, o que
contribui para alimentar o referido quadro de estagnação econômica, desigualdade e
exclusão. Para a superação dessa limitação, há a necessidade de se implementar reformas
nos âmbitos cognitivo-educacional, social-moral e legal-institucional150.
Em relação ao primeiro conjunto de reformas, o autor inicia pela educação em
sentido amplo, que deveria observar quatro atributos: (i) o maior objetivo deve ser ampliar
as capacidades de análise e síntese, ao invés do enfoque no domínio da informação; (ii) o
conteúdo ministrado nas salas de aula deve ser seletivo e aprofundado, ao contrário do
padrão fundado na superficialidade e quantidade; (iii) o modelo deve ser cooperativo e seguir
as práticas mais avançadas da ciência; e (iv) a condução do processo educacional deve
ocorrer de forma dialética. Na esfera da educação técnica, dá-se maior atenção às demandas
mais complexas e capacidades necessárias para o uso de instrumentos e máquinas mais
desenvolvidas151.
No tocante às exigências sociomorais, a economia do conhecimento requer a
acumulação de um capital social em que os indivíduos estejam dispostos a cooperarem e
tenham habilidades para tanto. Essas características não seriam necessariamente algo
inerente às sociedades, sendo possível conceber intervenções que as reforçariam em três
níveis: (i) a organização da educação, com atributos cooperativos e rejeitando o
individualismo e o autoritarismo; (ii) a forma pela qual os serviços públicos são oferecidos,
em que um conjunto mínimo de serviços é provido pelo Estado, com a complementação feita
pela sociedade civil, que atuaria como parceira; (iii) o serviço social, em que toda pessoa
deve cumprir dois papéis na sociedade, sendo um no sistema produtivo e outro cuidando de
uma outra pessoa que não seja do seu círculo familiar152.
Sobre as reformas legal-institucionais, Roberto Mangabeira Unger aponta a
existência de três estágios para a reconstrução institucional e legal da economia de mercado
em direção ao vanguardismo inclusivo: (i) ampliar o acesso ao crédito, à tecnologia, às
práticas mais avançadas e aos mercados nacional e global; (ii) desenvolver um espaço para
que a relação entre governos e empresas ocorra de forma coordenada, privilegiando o

150
UNGER, Roberto Mangabeira. op. cit., p.12-25.
151
Id. Ibid., p. 38-42.
152
Id. Ibid., p. 42-49.
74

pluralismo, a descentralização, a participação e a experimentação, e a relação entre as


empresas seja focada na cooperação para se atingir uma economia de escala em um cenário
que há competição; (iii) elaborar regimes alternativos de propriedade e de contratos, com o
objetivo de organizar o acesso descentralizado aos recursos produtivos e às oportunidades153.
As mudanças propostas pelo autor não seriam implementadas abruptamente, mas de
forma gradual conforme as condições da conjuntura. O sucesso da economia do
conhecimento demanda um contexto cultural em que há difusão de um impulso
experimentalista radical em todos os ramos da vida dos seres humanos e condições políticas
que admitam a existência de uma democracia de alta intensidade, com elevado grau de
participação popular, em que os impasses são rapidamente resolvidos e há espaço de
coexistência entre iniciativas lideradas pelo poder central com as desenvolvidas nas esferas
local e regional154.
A crise do neoliberalismo e a emergência de propostas para substituí-lo como modelo
predominante – como o paternalismo libertário, o tecnolibertarianismo e o tecnoliberalismo,
o nacionalismo econômico, o pragmatismo em rede e a economia do conhecimento – não
necessariamente significam que haverá a superação do primeiro para a instalação de um
novo paradigma. É possível que ocorra a acomodação de interesses sob a mesma política de
redistribuição neoliberal, como Nancy Fraser descreve alguns movimentos ocorridos nos
Estados Unidos sob a administração de Donald Trump, e a consolidação do neoliberalismo
hiper-reacionário155. No Brasil, a ascensão de Jair Bolsonaro e seu programa ultraliberal na
economia e conservador no campo do reconhecimento aponta que o país se direciona para
esse caminho. Independentemente do resultado da crise do neoliberalismo, é patente que há
uma conjuntura de peças se movimentando e que afetam a economia, a política e a sociedade,
cuja influência é decorrente das novas relações desenvolvidas pela tecnologia, instituições e
ideologia.
Nesse cenário de peças se movendo, há o desenvolvimento de diversas inovações,
denominadas de novas tecnologias da informação e comunicação, viabilizadas pelo grande
aperfeiçoamento de computadores e equipamentos digitais, e que têm como grandes
expoentes a digitalização, a inteligência artificial e as plataformas156.

153
UNGER, Roberto Mangabeira. op. cit., p. 49-58.
154
Id. Ibid., p. 58-67.
155
FRASER, Nancy. op. cit., p. 49.
156
BRYNJOLFSSON, Erik; MCAFEE, Andrew. op. cit.; EXECUTIVE OFFICE OF THE PRESIDENT OF
THE UNITED STATES. Artificial Intelligence, Automation, and the Economy: a Government Report. Dec.
2016. Disponível em:
<https://obamawhitehouse.archives.gov/sites/whitehouse.gov/files/documents/Artificial-Intelligence-
75

A digitalização é o trabalho de transformar todas as espécies de informação e mídia,


como textos, sons, fotos, vídeos, dentre outros, em uns e zeros - que são a língua nativa dos
computadores -, o que permite a manipulação eletrônica de dados. Partindo da constatação
de que a informação é cara para ser produzida, mas barata para se reproduzir, vários serviços
são viabilizados pela digitalização, como os de tradução online instantânea157.
Aran Sundararajan aponta que a digitalização influencia de forma decisiva a
economia a partir de três forças fundamentais. A primeira é a interpretação dos fatos como
informação e, em especial, como informação digital. Há um crescimento de situações
econômicas e sociais que se tornaram digitais, exemplificadas a partir do dinheiro, que
possui expressões relevantes nos serviços de internet ofertados pelos bancos, pelas contas
do sistema PayPal e do bitcoin blockchain, e da música e a sua comercialização por meio
de sistemas de transmissão (streaming). A segunda é o crescimento exponencial e
sustentável da capacidade do hardware e de armazenamento, bem como da miniaturização
dos equipamentos digitais. A terceira é o crescimento sustentável da programação, o que
permite agregar, codificar e integrar novas funções mais complexas em plataformas de
software158.
A inteligência artificial é o processo de trabalho de máquinas que exigiriam
inteligência se fossem realizadas por humanos. Tem o significado de investigação de
comportamentos inteligentes para resolução de problemas e de criar sistemas de
computadores inteligentes. Há duas espécies: a fraca, em que o computador é somente um
mecanismo para investigar o processo cognitivo, e a forte, na qual há a realização de
atividade intelectual e autodidata pela máquina159.
Há cinco setores econômicos em que a inteligência artificial é empregada com maior
frequência: (i) aprendizagem profunda (trata-se de máquinas de aprendizagem com um
conjunto de algoritmos que tentam modelar abstrações de alto nível de dados, na qual há
identificação e correção de erros); (ii) robotização (a partir do avanço de um processo que
ocorre desde o século XIX); (iii) desmaterialização (há a eliminação de produtos físicos, em
que o conteúdo é armazenado por meio de softwares); (iv) economia de bico (ou gig economy,

Automation-Economy.PDF>. Acesso em: 02 maio 2017. 2017; SCHWAB, Klaus. The fourth industrial
revolution. 1ª edição. New York: Crown Business, 2016.
157
BRYNJOLFSSON, Erik; MCAFEE, Andrew. op. cit., p. 36-41; SPREMOLLA, Gerardo Cedrola. op. cit.,
p. 13
158
SUNDARARAJAN, Aran. The sharing economy: the end of employment and the rise of crowd-based
capitalism. Cambridge, Massachusetts: The MIT Press, 2016, p. 54-55.
159
WISSKIRCHEN, Gerlind et al. Artificial Intelligence and Robotics and Their Impact on the Workplace.
Apr. 2017. Disponível em: <https://www.ibanet.org/Document/Default.aspx?DocumentUid=c06aa1a3-
d355-4866-beda-9a3a8779ba6e>. Acesso em: 01 jun. 2017, p. 10.
76

com acentuada contratração de trabalhadores como autônomos); e (v) direção autônoma


(com veículos autoguiados a partir de sensores e navegação sem a interferência humana)160.
Por fim, destacamos que na esfera da economia, ganha importância a internet de alta
velocidade, a computação ubíqua (ou seja, a onipresença da informática no cotidiano das
pessoas, como os telefones celulares e a internet das coisas), dados, inteligência artificial e
as impressoras 3D. No âmbito da política, as redes sociais passam a ocupar espaço cada vez
maior nos debates de interesse público e nos processos eleitorais. No campo social, as
plataformas e a disseminação de aparelhos que conectam as pessoas em tempo real
modificam as formas de relacionamento e o acesso ao trabalho161.

6. O futuro do trabalho
O impacto das inovações tecnológicas no mercado de trabalho é tópico de intensos
debates entre economistas e cientistas sociais. Há estudiosos que apontam para a redução
expressiva de postos de trabalho, sem que necessariamente ocorra a criação de novos
empregos. Por outro lado, acadêmicos apontam a existência de uma superlativização sobre
os efeitos que as novas tecnologias terão no mercado de trabalho, inexistindo alterações
significativas do ponto de vista quantitativo.
O gabinete executivo da presidência dos Estados Unidos da América, ao analisar o
histórico dos efeitos das inovações tecnológicas, aponta que o século XIX foi caracterizado
por mudanças que aumentaram a produtividade dos trabalhadores com pouca qualificação e
que diminuíram a produtividade relativa de alguns trabalhadores qualificados, o que foi
denominado de inovação técnica não especializada. De forma distinta, no fim do século XX,
o advento dos computadores e da internet ampliaram a produtividade relativa dos
trabalhadores qualificados, o que foi denominado de inovação técnica especializada.
Considerando que a mão de obra que ocupa essas posições já recebia salários maiores,
comparando com o restante da força de trabalho, a consequência imediata é o aumento da
desigualdade de renda. Há uma tendência de surgimento de postos de trabalho com essas
características conforme a inteligência artificial se integre continuamente à produção. Ainda
que se identifiquem efeitos positivos com a consolidação desse cenário, parcela significativa
da população não terá como usufruir desses avanços162.

160
WISSKIRCHEN, Gerlind et al. op. cit., p. 10-11.
161
BENKLER, Yochai. op. cit., p. 64-65.
162
EXECUTIVE OFFICE OF THE PRESIDENT OF THE UNITED STATES. op. cit., p. 11-14.
77

Identifica-se quatro categorias de trabalho que irão se expandir com o crescimento


guiado pela inteligência artificial: (i) os que demandarão envolvimento ativo dos
trabalhadores com a inteligência artificial durante todo o processo de realização de
determinada tarefa; (ii) os de técnicos e engenheiros altamente especializados para
desenvolver softwares; (iii) o de supervisão, em que há a necessidade de fornecer
monitoramento e manutenção para determinadas máquinas; (iv) o de responder às mudanças
de paradigma, tendo em vista que as máquinas dotadas de inteligência artificial poderão ter
a capacidade de modificar substancialmente determinados setores, que exigirão reações
velozes para lidar com uma nova realidade163.
Kai-Fu Lee coloca que o desenvolvimento da inteligência artificial extinguirá uma
quantidade expressiva de ocupações, sendo que não serão criados novos empregos na mesma
proporção dos que serão extintos, de modo a manter a população com trabalho. Além disso,
a maioria dos novos empregados terá remuneração baixa. Essa mudança aumentará
consideravelmente o lucro das empresas, concentrará ainda mais a riqueza e deixará muitas
pessoas sem ocupação. Parte da solução envolve prover treinamento para trabalhos que não
poderão ser desempenhados por máquinas com inteligência artificial. Existem os que
envolvem criatividade e planejamento, como a advocacia, mas por demandarem elevado
grau de qualificação, a princípio será difícil colocá-los como opção para a massa
desempregada. Outros são os que demandam interação humana, como garçom, mas a
quantidade de postos de trabalho que a sociedade demanda nessa área não é suficiente para
abranger todos os que ficarão sem emprego. A opção para a maior parte das pessoas será o
envolvimento com atividades de cuidado com idosos, crianças, dependentes químicos,
dentre outros grupos que requerem atenção humana. Um dos problemas é que uma parte
dessas tarefas é feita voluntariamente. O pagamento desses empregos ocorreria por meio de
políticas keynesianas, com o aumento do gasto público a partir da taxação das empresas que
se beneficiam com o desenvolvimento da inteligência artificial. Ainda, poderia ser
concedido o pagamento de uma renda básica universal condicionada, em que a remuneração
ocorreria se a pessoa em necessidade financeira concordasse em receber treinamento para
que tivesse meios de obter um emprego ou se comprometesse a trabalhar por um
determinado número de horas em serviços de cuidado voluntário164.

163
EXECUTIVE OFFICE OF THE PRESIDENT OF THE UNITED STATES. op. cit., p. 18-19.
164
LEE, Kai-Fu. The real threat of artificial intelligence. The New York Times, New York, 24 jun. 2017.
Disponível em: <https://www.nytimes.com/2017/06/24/opinion/sunday/artificial-intelligence-economic-
inequality.html>. Acesso em: 25 jun. 2017.
78

Para que seja viável a operacionalização desses projetos, há necessidade de os


impostos serem elevados, tendo em vista que o Estado financiará grande parte da
subsistência da população e deixará de recolher taxas que os trabalhadores atualmente pagam.
Contudo, há dois grandes problemas. O primeiro é que as empresas de inteligência artificial
se desenvolveram intensamente apenas nos Estados Unidos e na China e, considerando a
existência de um ciclo virtuoso que envolve informação, qualidade do produto e atração de
talentos, a tendência é que ambos os países continuem no topo dessa indústria. O segundo é
que nos países em desenvolvimento a população apresenta tendência de crescimento, o que
aumentará o problema sobre como lidar com os desempregados. Na visão do autor, a única
saída para esse intrincado cenário é que os países negociem com os Estados Unidos e China
e identifiquem qual dos dois será o seu fornecedor de máquinas de inteligência artificial,
demandando subsídios sociais em troca da permissão de o país auferir ganhos econômicos
com a dependência dos usuários locais. A complexidade do quadro indica a necessidade de
pensar a desigualdade econômica globalmente e demonstra que as soluções para os
problemas contemporâneos exigem um esforço conjunto dos países165.
Klaus Schwab entende que a natureza do trabalho irá mudar intensamente, sendo que
a maior dúvida se refere à extensão da substituição do trabalho humano pela automação. O
autor aponta que há duas visões diametralmente opostas que analisam o cenário: (i) os que
acreditam em um final feliz, em que todos os trabalhadores desempregados pela tecnologia
encontrarão uma nova ocupação; e (ii) os que entendem que haverá um “progressivo
Armageddon político e social”, com desemprego em massa. Apesar de o autor apontar que
deve se consolidar um cenário intermediário em face das posições mencionadas, os dados
que apresenta, do Programa de Tecnologia e Emprego da Universidade de Oxford e
relacionados à criação de empregos da quarta revolução industrial, não são positivos:
somente 0,5% da força de trabalho norte-americana está empregada em atividades que não
existiam há quinze anos, uma quantidade muito pequena quando se compara com os 8% que
estava ocupada em novas indústrias na década de 1980 e com os 4,5%, durante os anos 1990.
Há uma sinalização de que essas inovações aumentam a produtividade e substituem os
trabalhadores ao invés de criarem novos produtos que demandam mais trabalho humano para
produzi-los. De acordo com os dados que analisa, 5 milhões de postos de trabalho devem ser
extintos até 2020166.

165
LEE, Kai-Fu. op. cit.
166
SCHWAB, Klaus. op. cit., p. 36-38.
79

Na visão do autor, a tendência do mercado de trabalho é o crescimento de empregos


com altos salários e que demandam criatividade e de ocupações manuais com baixos salários,
enquanto haverá uma queda significativa de trabalhos de rotina e repetitivos com salários
médios. Ainda, há a necessidade de se antecipar a futuras demandas e tendências do mercado
de trabalho, especialmente relacionadas a conhecimentos e habilidades, para que os
trabalhadores tenham condições de se adaptar e encontrar ocupações. Isso ganha importância
em um mundo no qual o conhecimento será mais importante do que o capital para viabilizar
a inovação, a competitividade e o crescimento. Por conta desse cenário, é relevante que
lideranças políticas ofereçam meios para a força de trabalho se preparar e desenvolvam o
sistema educacional para que os cidadãos sejam capazes de operar máquinas inteligentes167.
Em 2018, o Fórum Econômico Mundial divulgou estudo sobre o futuro do trabalho
em que as conclusões apresentadas vão no sentido exposto por Klaus Schwab. De acordo
com a análise realizada em doze setores em vinte países que representam 70% do PIB
mundial, até 2022 haverá a criação de 133 milhões de empregos e a extinção de 75 milhões
de postos de trabalho. Os novos trabalhos demandarão criatividade, persuasão, negociação,
iniciativa e flexibilidade. Atualmente, a relação do trabalho desenvolvido por máquinas e
humanos é de 29% x 71%, devendo subir para 42% x 58% em 2022, até romper a barreira
dos 50% em 2025. Para a adequação dos trabalhadores a essa nova realidade, o estudo sugere
a reforma dos currículos escolares, a capacitação dos professores e a disseminação do ensino
profissionalizante168.
Sob uma perspectiva distinta, Steven Hill apresenta crítica aos efeitos que as
inovações tecnológicas estão provocando no mercado de trabalho. De acordo com o autor,
“a ‘mão invisível’ [do mercado] agora tem um braço robótico e não está com um espírito de
compartilhamento”169. A ótica positiva de que novos postos de trabalho surgirão à medida
que a tecnologia se desenvolva não emite sinais de que possa ocorrer e é fundada em uma
crença desmedida e instável. O cenário posto pelas pesquisas sobre o mercado de trabalho,
como a da Universidade de Oxford também citada por Klaus Schwab, aponta que não haverá
geração de empregos, sendo que a consequência será devastadora para grande parte da
população, que não terá como prover sua subsistência. Os dados que apresenta sobre a

167
SCHWAB, Klaus. op. cit., p. 38-41.
168
WORLD ECONOMIC FORUM. The future of jobs report. Sept. 2018. Disponível em:
<http://www3.weforum.org/docs/WEF_Future_of_Jobs_2018.pdf>. Acesso em: 29 set. 2018.
169
HILL, Steven. Raw deal: how the “Uber economy” and runaway capitalism are screwing American workers.
New k: St. Martin’s Press, 2015, p. 8, tradução nossa de: “the ‘invisible hand’ now has a robotic arm, and
it’s not in a sharing mood”.
80

atualidade não são animadores: na primeira década do século XXI, a criação de empregos
foi zero, fato que não ocorreu desde o pós-II Guerra Mundial nos Estados Unidos170.
Andrew McAfee e Erik Brynjolfsson identificam efeitos econômicos positivos e
negativos na “segunda era das máquinas”. As inovações tecnológicas são classificadas como
dádivas, na medida em que possibilitam o acesso a bens de forma mais fácil e barata, produto
do progresso combinado, exponencial e digital. Por outro lado, a forma pela qual ocorre a
sua propagação indica a existência de grandes e crescentes diferenças entre as pessoas em
relação à renda, riqueza e outras circunstâncias importantes da vida. Essas inovações
reproduzem ideias e conceitos relevantes a um baixo custo, gerando benefícios para a
sociedade e riqueza para os inovadores. Contudo, também diminuem a necessidade de
trabalhos anteriormente importantes, suprimindo a fonte de subsistência de diversos
trabalhadores. Os autores afirmam que esses dois efeitos colocam duas visões de mundo
contraditórias. A primeira enuncia que as inovações tecnológicas sempre elevam as rendas.
A segunda, que a automação reduz os salários, dado que os trabalhadores são substituídos
por máquinas. Ainda que seja possível verificar parcialmente ambas ocorrendo, a realidade
é mais complexa. Essas inovações estão gerando riquezas em elevadas dimensões, mas não
há qualquer regra econômica que assegure que os trabalhadores se beneficiarão nesse cenário.
Essa última constatação é comprovada pelo fato de que, apesar de a produtividade dos
trabalhadores ter aumentado nas últimas décadas, não houve uma elevação de renda
correspondente. Consequentemente, os maiores ganhadores dessa discrepância foram os
detentores de capital – físico e digital -, o que tem como principal consequência o aumento
da desigualdade171.
Andrew McAfee e Erik Brynjolfsson destacam a existência de uma dicotomia entre
crescimento e desigualdade. Nos Estados Unidos, as maiores evidências disso são o
descolamento da produtividade obtida pelo trabalho com o nível de emprego, sendo que
enquanto o primeiro cresceu, o segundo caiu, o elevado PIB e o rápido ritmo de
desenvolvimento, coexistindo com ampliação do pessimismo dos pais em relação ao futuro
de seus filhos e o aumento do número de bilionários, enquanto a renda média foi reduzida.
O desenvolvimento tecnológico favorece os mais capacitados em face dos menos
qualificados, aumenta o retorno dos proprietários do capital sobre o trabalho e amplia as
vantagens do 1% mais rico da população diante dos demais. Essas tendências aumentam a
desigualdade entre os que têm trabalho e os desempregados, os mais qualificados e instruídos

170
HILL, Steven. op. cit., p. 8-9.
171
BRYNJOLFSSON, Erik; MCAFEE, Andrew. op. cit., p. 73-74.
81

em face dos que tiveram menos acesso educacional, e as “superestrelas” e os 99% da


população. Nesse sentido, mantidas as condições, a tecnologia tenderia a aumentar a
desigualdade ao mesmo tempo que promoveria o crescimento econômico172.
Os autores apontam que, considerando que as inovações tecnológicas incrementarão
o desempenho da economia, é de se questionar a necessidade de preocupação com a
desigualdade. Embora a situação média dos trabalhadores nos Estados Unidos não seja boa
e exista a necessidade de se conceber políticas para que as condições de vida melhorem,
deve-se ter cautela para que o grau de intervenção não acabe por inibir o desenvolvimento
de novas tecnologias e haja um impacto negativo no crescimento da economia173.
O cenário estabelecido pelo desenvolvimento tecnológico cria um grande espaço
para a piora da condição econômica dos trabalhadores. Trata-se de um quadro no qual
se nem o trabalhador, nem qualquer empreendedor conseguirem pensar em
tarefas lucrativas que demandam as capacidades e conhecimentos do
trabalhador, então esse ficará desempregado indefinidamente. Na história,
isso ocorreu com diversos outros insumos da produção que foram valiosos,
desde o óleo de baleia até o trabalho do cavalo. Eles não são mais
necessários na economia de hoje nem a um custo zero. Em outras palavras,
da mesma forma que a tecnologia pode criar desigualdade, pode gerar
desemprego. E, em teoria, isso pode afetar um grande número de pessoas,
mesmo a maioria da população, ainda que a economia esteja crescendo174.
Andrew McAfee e Erik Brynjolfsson entendem que a minoria das inovações
tecnológicas substituirá totalmente os seres humanos pelos robôs, ao passo que a maioria irá
promover relações de complementariedade entre ambos. O rearranjo da organização da
produção eliminará vários trabalhos e criará outros. Os novos postos de trabalho gerados a
partir das inovações tecnológicas exigirão habilidades cognitivas e elevada qualificação dos
trabalhadores, sendo que a entrada e manutenção no mercado de trabalho dependerá
essencialmente do atendimento a esses requisitos. Os trabalhadores em postos de baixa
instrução terão os salários continuamente reduzidos ou ficarão desempregados. Nessa linha,
percebe-se que os autores são partidários da existência de uma mudança tecnológica

172
BRYNJOLFSSON, Erik; MCAFEE, Andrew. op. cit., p. 166-167.
173
Id. Ibid., p. 168-173.
174
Id. Ibid., p. 178, tradução nossa de: “If neither the worker nor any entrepreneur can think of a profitable task
that requires that worker’s skills and capabilities, then that worker will go unemployed indefinitely. Over
history, this has happened to many other inputs to production that were once valuable, from whale oil to
horse labor. They are no longer needed in today’s economy even at zero price. In other words, just as
technology can create inequality, it can also create unemployment. And in theory, this can affect a large
number of people even a majority of the population, and even if the overall economic pie is growing”.
82

enviesada pela qualificação (skill-biased technological change), em que parcela significativa


das recomendações feitas aos indivíduos e aos governos para enfrentar os desafios colocados
pela tecnologia é no investimento em educação175. Nesse sentido, nota-se uma aproximação
do posicionamento desses autores com Klaus Schwab e o Fórum Econômico Mundial.
Carl Benedikt Frey e Michael Osborne afirmam que há elementos significativos
apontando o impacto dos computadores no mercado de trabalho, como o declínio do
emprego em ocupações intensivas de rotina, que são aquelas cujas tarefas são estabelecidas
por procedimentos bem definidos e podem facilmente ser realizadas por algoritmos, e a
introdução de computadores nas tarefas de manufatura de rotina, o que produz uma mudança
estrutural, realocando trabalhadores de postos de trabalho de renda média no setor
manufatureiro para outros de baixa renda no setor de serviços. Simultaneamente, com a
queda dos preços dos computadores, a qualificação em resolver problemas se torna mais
importante, o que explicaria o aumento do emprego em ocupações que demandam a
execução de tarefas cognitivas, em que se valoriza a instrução do trabalhador 176 . Nesse
aspecto, nota-se um alinhamento das visões desses autores com as de Andrew McAfee e
Erik Brynjolfsson.
Carl Benedikt Frey e Michael Osborne afirmam que a dimensão da mecanização do
trabalho depende dos problemas da engenharia serem resolvidos pelas inovações
tecnológicas, delimitando o escopo da mecanização, e dos programadores serem capazes de
escreverem um conjunto de procedimentos ou regras que guiará o uso da tecnologia para um
determinado caso. Os autores pesquisaram o impacto dos computadores no mercado de
trabalho, com enfoque em aprendizado de máquinas, mineração de dados 177 , visão de
máquinas, estatística computacional e outras ramificações da inteligência artificial. A
classificação das tarefas foi dividida em dois eixos: um tratou das rotineiras e não rotineiras,
enquanto outro abordou as cognitivas e as manuais. As tarefas de rotina seguem regras
explícitas que podem ser observadas por máquinas, enquanto as de não rotina são de difícil
compreensão para serem traduzidas em código de computadores, o que está sendo mitigado
pelas tecnologias de big data e robôs móveis. Ambos os tipos de tarefas podem ser manuais

175
BRYNJOLFSSON, Erik; MCAFEE, Andrew. op. cit., p. 178-220.
176
FREY, Carl Benedikt; OSBORNE, Michael. The Future of Employment: How susceptible are jobs to
computerisation? Sept. 2013. Disponível em: <http://www.oxfordmartin.ox.ac.uk /publications/view/1314>.
Acesso em: 6 out. 2017, p. 1-3.
177
Mineração de dados é a atividade de extrair, explorar e analisar dados com o objetivo de identificar
tendências, padrões e associações que auxiliem entes a fazer escolhas e tomar decisões (Id. Ibid.).
83

ou cognitivos. Utilizando dados de 2010 do Departamento de Trabalho do governo dos


Estados Unidos, foi feita a análise da probabilidade de automação de 702 ocupações178.
Carl Benedikt Frey e Michael Osborne chegaram à conclusão de que o
desenvolvimento em aprendizado de máquinas reduzirá a demanda agregada por trabalho
em tarefas que podem ser padronizadas por meio de critérios de reconhecimento e aumentará
a demanda por trabalho em tarefas insuscetíveis de serem mecanizadas. Contudo, os autores
não fazem projeções sobre mudanças na composição da força de trabalho no futuro. Os dados
apresentados apontam que: (i) 47% das ocupações têm risco alto de serem automatizadas
nas próximas duas décadas, englobando tarefas desempenhadas no setor de transportes, de
logística, de manufatura, de serviços, nos escritórios e áreas administrativas, na construção
civil e no comércio; (ii) 19% das ocupações têm risco médio de serem mecanizadas, tendo
em vista que após uma primeira onda de automação, haverá uma redução da velocidade da
substituição de trabalhadores por máquinas em razão da persistência de inibidores nos
gargalos da engenharia para a mecanização e do trabalho humano continuar tendo vantagem
comparativa em face dos robôs nas tarefas que envolvem percepção e manipulação, o que
pode ser abrandado com o incremento tecnológico para lidar com essas atividades; (iii) 33%
das ocupações tem risco baixo de serem automatizadas, especialmente as que demandam
inteligência social, como na área de negócios, finanças e gerenciamento, assim como no
setor da educação, de saúde, de mídia e artístico, e os que requerem elevado grau de
inteligência criativa, como os cientistas, engenheiros e matemáticos. Em relação à
polarização do mercado de trabalho, os autores indicam uma mudança do atual quadro, que
aponta para o aumento de ocupações com salários altos e baixos e a contração dos trabalhos
de renda média, para um cenário de substituição das tarefas que demandam baixa instrução
e com baixa remuneração por máquinas. Tal dado indicaria a necessidade desses
trabalhadores obterem habilidades criativas e sociais para terem a condição de encontrarem
uma nova ocupação no mercado de trabalho179.
Daron Acemoglu e Pascual Restrepo desenvolveram pesquisa para analisar o
impacto dos robôs no mercado de trabalho nos Estados Unidos. O ponto de partida dos
autores se encontra no fato de que por muitos anos difundiu-se a previsão keynesiana sobre
as máquinas substituindo os trabalhadores e que, embora não tivesse ainda ocorrido, estaria
na iminência de acontecer, tanto pelos avanços na automação, robotização e inteligência
artificial, como pela mecanização de ocupações de média e baixa qualificação. São

178
FREY, Carl Benedikt; OSBORNE, Michael. op. cit., p. 14-31.
179
Id. Ibid., p. 36-42.
84

mencionadas diversas pesquisas que se propuseram a analisar a probabilidade de automação


dos empregos existentes, sendo citado o referido trabalho de Carl Benedikt Frey e Michael
Osborne, dentre outros. Contudo, Daron Acemoglu e Pascual Restrepo afirmam que os
estudos nessa linha não correspondem ao impacto do equilíbrio da automação nos salários e
empregos por duas razões: (i) ainda que os avanços tecnológicos se materializassem, não há
garantias de que todas as empresas optarão pela automação, especialmente pelos custos
envolvidos na compra de robôs e pelo valor dos salários dos trabalhadores substituídos; (ii)
o impacto no mercado de trabalho não depende somente dos setores atingidos, mas também
dos ajustes em outras partes da economia. A proposta da pesquisa é ir além dos estudos de
probabilidade e estimar o impacto de equilíbrio da presença dos robôs no mercado de
trabalho norte-americano180.
Os autores utilizam dados de 1990 a 2007, apontando que nesse período o número
de robôs nos Estados Unidos quadruplicou. Esse crescimento culminou na existência de um
robô para cada grupo de mil trabalhadores. Atualmente estima-se que há entre 1,5 milhão a
1,75 milhão de robôs em operação nos Estados Unidos, com a possibilidade de aumentar
para um número entre 4 a 6 milhões até 2025. Considerando os robôs existentes, os setores
que mais os adotam são o automotivo (39%), o eletrônico (19%), o de produtos metálicos
(9%) e o plástico e químico (9%)181.
O modelo construído pelos autores é focado nas tarefas que seres humanos e robôs
competem para realizar e indica que a inserção de robôs na economia afeta os salários e o
emprego de forma negativa, em razão do efeito de deslocamento (pelo fato dos trabalhadores
serem retirados das tarefas que desempenhavam anteriormente), e a produtividade,
positivamente. O trabalho empírico levou em consideração a aproximação de determinados
espaços geográficos nos Estados Unidos. A medida de exposição aos robôs foi construída
usando dados da Federação Internacional de Robótica sobre o aumento do uso de robôs em
19 setores e o patamar da parcela de emprego no Censo antes do surgimento das recentes
inovações na área da robótica, bem como os espaços geográficos em que os trabalhadores
estão inseridos. Nas áreas mais expostas, o emprego e o salário foram afetados
significativamente entre 1990 e 2007. O aumento da quantidade de robôs, na proporção de
aproximadamente um para cada mil trabalhadores, em zonas com exposição média, reduziu
o emprego para a população em 0,34% e o salário em 0,5%. Ou seja, para cada robô

180
ACEMOGLU, Daron; RESTREPO, Pascual. Robots and Jobs: Evidence from US Labor Markets. Mar. 2017.
Disponível em: <http://www.nber.org/papers/w23285>. Acesso em: 04 abr. 2018, p. 1-2.
181
Id. Ibid., p. 2.
85

introduzido, 5,6 trabalhadores perdem seus postos de trabalho. Considerando toda a


economia norte-americana, o número de empregos que foram extintos em razão dos robôs
varia entre 360.000 a 670.000, ou 0,18% a 0,34% de queda no emprego proporcionalmente
à população. Contudo, se a previsão de disseminação dos robôs pela economia se concretizar,
os efeitos podem ser mais intensos: (i) em um cenário agressivo, com a quadruplicação do
número de robôs até 2025, há o acréscimo de 5,25 robôs para cada mil trabalhadores, e a
redução entre 0,94% a 1,76% de emprego proporcionalmente à população e a queda dos
salários entre 1,3% a 2,6%; (ii) em um quadro mais conservador, com a triplicação de robôs,
o impacto é menor, com a redução entre 0,54% a 1% de emprego proporcionalmente à
população e a queda dos salários entre 0,75% a 1,5%. De qualquer forma, os autores alertam
que os efeitos sobre o equilíbrio geral podem aparecer lentamente, assim como podem ser
distintos os tempos em que haverá mudanças nos salários e empregos182.
Há evidências de que os efeitos no emprego pelos robôs são mais agudos no setor
manufatureiro, especialmente nas indústrias que mais os utilizam, em atividades manuais e
rotineiras e na linha de produção, assim como para trabalhadores que não detêm graduação
universitária. Não foram encontrados ganhos no emprego para nenhum grupo ocupacional
ou educacional, o que sugere que a necessidade de qualificação do trabalhador não é para a
melhoria de sua condição no mercado de trabalho, mas para que seja possível manter-se
empregado. Ainda, em relação aos efeitos dos robôs para homens e mulheres, a pesquisa
identificou maior impacto negativo no emprego masculino. Finalmente, destaca-se que
apesar do estudo focar nos efeitos dos robôs no mercado de trabalho, os autores indicam que
há evidências apontando que investimentos em tecnologia da informação não robótica têm
uma correlação positiva ou neutra com o emprego183.
Lawrence Mishel e Josh Bivens colocam que os meios de comunicação estão
construindo uma narrativa sobre o futuro do trabalho em que a inserção de robôs levará
inevitavelmente a um cenário de queda do emprego e redução dos salários, tornando parcela
significativa da força de trabalho obsoleta. Alguns veículos da mídia, ocasionalmente,
utilizam determinados estudos, como foi feito com o trabalho de Daron Acemoglu e Pascual
Restrepo, para descrever um cenário de “apocalipse robótico”. Os autores, que discordam
dessa análise, entendem que isso pode ter efeitos perniciosos, como exercer influência para
se adotar políticas equivocadas para enfrentar os problemas do mercado de trabalho, como
se dá com a excessiva insistência na qualificação dos trabalhadores como o principal

182
ACEMOGLU, Daron; RESTREPO, Pascual. op. cit., p. 36.
183
Id. Ibid., p. 2-5.
86

mecanismo para aumentar o salário e as oportunidades de emprego. Há a preocupação com


a situação do trabalhador que perde o emprego e tem dificuldade em encontrar outro posto
de trabalho. Contudo, o mero treinamento, como se propaga, não é suficiente, havendo a
necessidade de prover o trabalhador de instrumentos necessários para ser capaz de obter um
bom emprego e melhorar as suas condições de trabalho184.
Lawrence Mishel e Josh Bivens colocam em perspectiva os dados apresentados na
pesquisa de Daron Acemoglu e Pascual Restrepo, apontando que as perdas de emprego pela
inserção de robôs no mercado de trabalho são modestas quando se leva em consideração
outros referenciais. Primeiramente, destacam que tomando o número mais expressivo sobre
a redução de postos de trabalho (670 mil) e o mesmo período (1990-2007), verifica-se a
extinção de 40 mil empregos por ano, o que é pouco ao se olhar para os 2 milhões de postos
de trabalho criados recentemente. Quando se comparam com outras variáveis
macroeconômicas, os efeitos da robotização são ainda menores: no mesmo período estudado,
o desequilíbrio da balança comercial dos Estados Unidos com a China, em favor desta, teve
um impacto quatro vezes maior no mercado de trabalho que a inserção de robôs185.
Os autores colocam que a automação, considerando as tecnologias robóticas e não
robóticas, estão presentes no mercado de trabalho há muitas décadas. Sendo assim, se o seu
impacto observasse um padrão a cada dez anos, os seus efeitos seriam cumulativos e,
portanto, significativos. Entretanto, não há uma tendência unidirecional da média salarial e
do nível de emprego nos últimos 70 anos, com períodos de forte geração de postos de
trabalho e de crescimento salarial (como ocorreu entre as décadas de 1950 e 1960) e outros
de fechamento de empregos e estagnação salarial (como se deu na década de 1970). Ainda
que os robôs produzidos entre 1990 e 2007 tenham características diferentes dos anos
anteriores, não é possível afirmar que a automação teve um impacto maior na década de
2000 do que nas anteriores. De acordo com os autores,
o uso de robôs pode ser novo, mas não significa necessariamente uma
adição a outras formas de automação; ao contrário, robôs podem substituir
outras formas de automação implementadas nas décadas anteriores. Então,
o exame de uma nova tecnologia, os robôs, em um período não nos informa
sobre o impacto geral da automação em um período em face de outro186.

184
MISHEL, Lawrence; BIVENS, Josh. The zombie robot argument lurches on: There is no evidence that
automation leads to joblessness or inequality. cit., p. 4-5; 18.
185
Id. Ibid., p. 6-8.
186
Id. Ibid., p. 8, tradução nossa de: “Robot use may be new but it does not necessarily just represent an addition
to other forms of automation: rather, robots may well replace other forms of automation deployed in earlier
decades. So, the examination of one new technology, robots, in one time period does not inform us of the
87

Lawrence Mishel e Josh Bivens afirmam que a automação é o resultado da


implementação de novas tecnologias e de novo equipamento de capital ou de software para
substituir o trabalho humano na empresa. Ou seja, a produtividade do trabalho e o
investimento de capital são medidas do grau de automação e que informam o quadro de
substituição do trabalho pelo capital. Nesse sentido, se há um aumento no uso de robôs, deve
haver influência nos dados sobre produtividade, investimento de capital e de software.
Entretanto, de acordo com dados do Banco Central, os indicadores sugerem que a automação
desacelerou entre os últimos 10 a 15 anos187.
Os autores ainda questionam dois pressupostos adotados por Daron Acemoglu e
Pascual Restrepo. O primeiro é considerar a economia em equilíbrio, ou seja, com pleno
emprego, no início e fim da base de amostra temporal, em que os salários e empregos são
definidos pela intersecção das curvas de oferta e demanda, sem espaço para que a demanda
agregada (gastos pelos trabalhadores, empresas e governos) influencie o crescimento do
emprego. Contudo, não há indícios de que isso tenha ocorrido entre 1990 e 2007. Ademais,
em alguns anos desse período, as taxas de desemprego foram menores do que no início ou
no fim do intervalo analisado, o que indica ser impossível que somente mudanças
tecnológicas tenham impactado a força de trabalho nesses anos. O segundo é levar em conta
que o mercado de trabalho é perfeitamente competitivo, em que salários e empregos são
estabelecidos apenas pela intersecção da curva de oferta e demanda, sem margem de
manobra para as instituições determinarem a política salarial188.
Finalmente, Lawrence Mishel e Josh Bivens afirmam que a narrativa sobre a
automação como mecanismo responsável pela extinção de postos de trabalho e pela
ampliação da desigualdade socioeconômica não encontra amparo probatório que permita
esse tipo de associação. De acordo com os autores, não haverá aumento do desemprego em
razão dos robôs, uma vez que grande parte dos estudos que apontam para essa situação,
como o de Daron Acemoglu e Pascual Restrepo, apenas tratam de ocupações suscetíveis de
serem automatizadas, desconsiderando os efeitos da robotização nas perdas agregadas de
empregos e os novos postos de trabalho que surgirão pelo uso de inovações tecnológicas.
Ainda, a automação, em sentido amplo, não é responsável pela desigualdade salarial por
meio da polarização do emprego, uma vez que: (i) essa polarização não explica a duplicação
da renda e salário dos 0,1% e 1% mais ricos; (ii) a polarização não ocorre desde 1999, uma

overall impact of automation in one period relative to another”.


187
MISHEL, Lawrence; BIVENS, Josh. op. cit., p. 8-12.
188
Id. Ibid., p. 15-16.
88

vez que desse ano em diante a criação de empregos foi concentrada nos postos com salários
baixos, apontando que esse dado não é relevante para se pensar o futuro e não justifica as
recentes tendências; (iii) o padrão ocupacional dos empregos não oferece motivos para
explicar a desigualdade salarial189.
Robert Atkinson e John Wu afirmam que se tornou um “artigo de fé” a ideia que a
tecnologia ocasionará um elevado grau de desemprego, gerando uma elevada rotatividade
no mercado de trabalho. O trabalho de alguns autores, como Erik Brynjolfsson e Andrew
McAfee e Klaus Schwab, analisados acima, contribuem para alimentar um sentimento de
otimismo e ansiedade, especialmente ao apontarem para um contexto de mudanças
exponenciais pelas inovações tecnológicas. Contudo, dados sobre o histórico das mudanças
ocupacionais nos Estados Unidos nos últimos 150 anos apontam na direção oposta190.
Robert Atkinson e John Wu colocam que para se entender de forma adequada os
impactos da tecnologia no mercado de trabalho, deve-se ter em vista que mudanças nas
ocupações e no trabalho se dão por diferentes meios. O primeiro é que a tecnologia altera as
estruturas ocupacionais por meio de transformações nas indústrias e produtos, mencionando
o caso da fabricação de charretes e automóveis, em que conforme estes se tornaram mais
populares e, portanto, demandaram maior esforço produtivo, aqueles entraram em declínio.
O segundo é que a tecnologia gera e extingue empregos conforme a criação de novas
indústrias e ocupações, como ocorreu com o surgimento das estradas de ferro na década de
1850 e dos automóveis na década de 1910. Em relação às estradas de ferro, houve
crescimento do número de trabalhadores da década de 1850 até os anos 1920, a partir de
quando iniciou uma queda constante. No caso dos automóveis, há um aumento de quase
nenhum trabalhador na década de 1910 para 1,8 milhão nos anos 2000, havendo uma queda
na década seguinte em decorrência da melhoria da qualidade técnica dos carros, que
precisam de menos reparos. O terceiro é que a tecnologia pode eliminar alguns empregos ao
tornar algumas ocupações mais produtivas, como ocorreu com os telefonistas e operadores
cinematográficos. O quarto é que a rotatividade ocupacional pode acontecer por alterações
nas mudanças dos consumidores por bens e serviços, como se deu com o crescimento de
empregos na área de cuidado com os idosos, em razão do aumento da expectativa de vida da

189
MISHEL, Lawrence; BIVENS, Josh. op. cit., p. 16-20.
190
ATKINSON, Robert D.; WU, John. False alarmism: Technological disruption and the U.S. labor market,
1850-2015. May 2017. Disponível em: <http://www2.itif.org/2017-false-alarmism-technological-
disruption.pdf>. Acesso em: 02 dez. 2017, p. 1-4.
89

população, e na indústria de veículos militares, pela participação dos Estados Unidos nas
guerras no Afeganistão e no Iraque191.
Com o objetivo de analisar o histórico das mudanças ocupacionais nos Estados
Unidos, os autores utilizaram o banco de dados criado pelo Centro de População de
Minnesota (Minnesota Population Center) da Universidade de Minnesota, no qual foram
compilados dados do Escritório do Censo dos Estados Unidos (United States Census
Bureau) e do Escritório de Estatísticas do Trabalho (Bureau of Labor Statistics). Esse banco
de dados apresenta dois conjuntos de informações para compatibilizar o material produzido
por ambos os órgãos: (i) a classificação de ocupações de 1950 para estudar as mudanças que
ocorreram entre 1850 e 2015; (ii) a classificação ocupacional de 2010, para se analisar as
mudanças entre 1950 a 2015192.
Segundo os dados analisados, a taxa de rotatividade ocupacional nas últimas décadas
foi a menor na história estadunidense pelo menos desde a década de 1850. Conforme o
primeiro conjunto de informações, a rotatividade ocupacional superou 50% entre as décadas
de 1850 e 1870, ficou acima de 25% de 1920 a 1980, caiu para 20% nos anos 1980, atingiu
14% na década de 2000 e chegou em 6% na primeira metade da década de 2010. De acordo
com o segundo método, a rotatividade ocupacional ficou ao redor de 30% entre as décadas
de 1850 e 1870, oscilou entre pouco mais de 15% a 25% nos anos de 1920 a 1980, caiu para
15% na década de 1980, ficou um pouco acima de 10% nos anos 2000 e atingiu 5% na
primeira metade da década de 2010. Os autores apontam que os números do segundo critério
são mais baixos, pois uma quantidade menor de categorias ocupacionais foi definida como
objeto de rotatividade193.
Robert Atkinson e John Wu criticam as previsões catastrofistas sobre o futuro
distópico que a tecnologia promoverá no mercado de trabalho. O cálculo apresentado por
Klaus Schwab, de que os robôs e a inteligência artificial extinguirão 5 milhões de empregos
até 2020, não é relevante quando colocado em perspectiva com os dados compilados pelo
Centro de População de Minnesota. O estudo de Carl Benedikt Frey e Michael Osborne é
considerado como “claramente equivocado”, uma vez que as análises das 702 ocupações não
foram realizadas manualmente, mas aplicaram acrítica e automaticamente formulações do
Departamento de Trabalho. Robert Atkinson e John Wu mencionam que, caso houvesse

191
ATKINSON, Robert D.; WU, John. op. cit., p. 5-10.
192
Id. Ibid., p. 10-13.
193
Id. Ibid., p. 13-17.
90

ocorrido o estudo individual das ocupações, a quantidade de empregos sob o risco de serem
automatizados seria de, no máximo, 10%194.
Os autores mencionam que a narrativa de que a tecnologia extinguirá mais empregos
do que criará é uma constante dos últimos 160 anos. Contudo, a taxa de rotatividade em
razão das inovações tecnológicas nas duas últimas décadas foi uma das menores da história.
O fechamento de postos de trabalho nesse período ocorreu por outros motivos, como o
comércio exterior. O fato de a tecnologia fechar postos de trabalho é de ordem lógica, uma
vez que nenhuma organização gastará dinheiro para aumentar a produtividade a menos que
as economias sejam maiores que os gastos. Nesse sentido, se o número de empregados
necessários para fazer uma máquina for o mesmo número de postos fechados nas empresas
que usam essa máquina, pode ser que os custos não sejam reduzidos. Os novos empregos
não serão criados pelos empregadores que produzirão essas novas máquinas, mas pela
demanda que o aumento de produtividade gera. De acordo com os autores,
se o emprego em uma indústria ou uma empresa é reduzido ou eliminado
pela maior produtividade, então, por definição, os custos de produção caem.
Essas economias não serão colocadas embaixo do colchão; serão
reintroduzidas na economia, na maioria dos casos por meio de preços
menores ou salários maiores. Esse dinheiro então é gasto, o que cria
empregos nas indústrias que ofertam os bens e serviços em que as pessoas
gastam as suas maiores economias ou ganhos195.
Nesse sentido, Robert Atkinson e John Wu afirmam que a taxa de rotatividade do
mercado do trabalho está abaixo da média histórica, sendo importante a adoção de política
que estimule a inovação tecnológica como meio de aumentar a produtividade e,
consequentemente, gerar empregos. Ainda, destacam que os governos deveriam elaborar
políticas públicas para facilitar a transição dos trabalhadores no mercado de trabalho, como
renda temporária para quem está desempregado e recebimento do seguro-desemprego no
período em que o trabalhador está realizando treinamento196.
As inovações tecnológicas alteram determinadas características do capitalismo.
Patrick Cingolani destaca que a perenidade do capitalismo é fruto de sua capacidade,

194
ATKINSON, Robert D.; WU, John. op. cit., p. 22.
195
Id. Ibid., p. 20, tradução nossa de: “If jobs in one firm or industry are reduced or eliminated through higher
productivity, then, by definition, production costs decline. These savings are not put under the proverbial
mattress; they are recycled into the economy, in most cases though lower prices or higher wages. This money
is then spent, which creates jobs in whatever industries supply the goods and services that people spend their
increased savings or earnings on”.
196
Id. Ibid., p. 23-24.
91

manifestada em diversos momentos históricos, de dividir-se, segmentar-se e adaptar-se


como condição de dominação. Nesse sentido, as novas tecnologias da informação e
comunicação podem ser um importante instrumento para manter essa dominação. Uma das
características mais marcantes do capitalismo nos últimos 30 anos foi a externalização da
mão de obra por meio do trabalho temporário ou da terceirização. Há uma intensificação do
processo de terceirização no contexto da divisão internacional do trabalho e a transferência
da produção para países com mão de obra mais barata. As novas tecnologias da informação
e comunicação permitem o controle à distância das empresas terceirizadas e das cadeias
produtivas e a verificação da maneira pela qual os produtos serão transportados aos países
consumidores197.
David Weil afirma que o local de trabalho foi profundamente transformado, em que
o emprego não se traduz mais na bem definida relação entre o empregador e o empregado.
Atividades corriqueiras da relação de emprego, como a contratação, avaliação, pagamento,
supervisão, coordenação e treinamento, não são mais de responsabilidade somente de um
ente, mas de diversas organizações. Há uma fissura no local de trabalho, cujas consequências
são sérias para quem depende do seu trabalho para sobreviver, como a diminuição dos
ganhos econômicos, o aumento do risco de acidentes de trabalho e o crescimento da
possibilidade de os empregadores não cumprirem a legislação trabalhista. As maiores
expressões da fissuração do local de trabalho são a terceirização, a franchising e as cadeias
produtivas198.
O autor destaca que a opção pela fissuração do local de trabalho não decorre somente
pela busca em reduzir salários e cortar benefícios, mas é a intersecção de três estratégias
empresariais, focadas nos rendimentos, nos custos e em viabilizar que a estratégia de
descentralizar as atividades opere de forma eficiente. Isso ocorre em um contexto no qual o
mercado de capitais pressiona as empresas a adotarem medidas para criar valor para seus
investidores e consumidores. Uma das principais atrizes nesse processo é a tecnologia da
informação e comunicação, que permite a redução dos custos de coordenação de transação
de negócios199.

197
CINGOLANI, Patrick. Ubérisation, turc mécanique, économie à la demande : où va le capitalisme de
plateforme? The Conversation France, Paris, 26 août 2016. Disponível em:
<http://theconversation.com/uberisation-turc-mecanique-economie-a-la-demande-ou-va-le-capitalisme-de-
plateforme-64150>. Acesso em: 03 jun. 2017.
198
WEIL, David. The fissured workplace: why work became so bad for so many and what can be done to
improve it. Cambridge: Harvard University Press, 2014, p. 7.
199
Id. Ibid., p. 8-11.
92

A fissuração do local de trabalho pela concentração nos rendimentos se dá pelo


enfoque nos negócios centrais da empresa. Essa medida, adotada em grande parte pela
exigência feita pelo mercado financeiro, representou o direcionamento da atenção da
empresa para o desenvolvimento da marca e da identificação com o consumidor, em ampliar
a sua capacidade de criar novos produtos e em implementar economia de escala. Outras
atividades deveriam ser colocadas sob a responsabilidades de outros entes, o que foi feito
com a fragmentação da produção. O foco nos custos significou a transferência de parte da
atividade produtiva não central para outras empresas, que operam em mercados competitivos,
por meio da terceirização, permitindo que as empresas principais reduzissem os valores
pagos aos trabalhadores em setores secundários, uma vez que essa responsabilidade foi
repassada para as terceirizadas. Outro objetivo perseguido pelas empresas com essa
estratégia foi a de retirar de seus domínios a responsabilidade por cumprir a legislação
trabalhista. Por fim, o enfoque em viabilizar a estratégia de descentralização das atividades
eficientemente se relaciona com a conciliação das medidas anteriores. A empresa precisa
assegurar que a terceirização será desenvolvida de forma adequada, permitindo que se
dedique somente aos seus negócios nucleares sem que ocorram perdas. Nessa linha, as
empresas principais elaboram contratos ou desenvolvem estruturas organizacionais que as
permitem monitorar um padrão imposto às terceirizadas, imputando-lhes penalidades
financeiras caso não tenham êxito em prover as suas necessidades. Ao analisar o conjunto
dessas estratégias na prática, o autor aponta que muitas empresas principais, ainda que façam
um acompanhamento próximo das atividades das terceirizadas, criam um distanciamento
artificial quando se trata de verificar o cumprimento das obrigações trabalhistas. A
incapacidade dos formuladores de políticas públicas e dos legisladores em compreenderem
como se dá na prática a terceirização faz com que as empresas principais consigam ter o
melhor dos mundos: impõem padrões e regras para as terceirizadas, exercendo grande
controle sobre as atividades realizadas, ao mesmo tempo que não são responsabilizadas pelas
consequências desse controle200.
David Weil considera que a reorganização da produção pode apresentar efeitos
positivos, uma vez que a empresa pode se especializar no que importa, o que é facilitado
pela existência de organizações flexíveis, levando ao desenvolvimento de novos e melhores
produtos a custos menores, beneficiando investidores e consumidores. Contudo, se o aspecto
social não for levado em consideração, há consequências perniciosas para os trabalhadores,

200
WEIL, David. op. cit., p. 11-14.
93

que são os maiores prejudicados por esse modelo. Ao deslocar parte de suas necessidades
produtivas para as terceirizadas, as empresas principais criam mercados para serviços que
são muito competitivos, pressionando os preços para baixo. A implicação desse processo é
que as terceirizadas que almejam esses contratos não têm muita margem para oferecer
salários e condições de trabalho razoáveis, especialmente em setores nos quais há demanda
elástica de trabalho, a qualificação necessária é baixa e os custos trabalhistas são parte
relevante do custo geral da produção201.
O autor coloca que existem três principais motivos que causam preocupação sobre
as consequências sociais da fissuração do local de trabalho: (i) há o enfraquecimento do
cumprimento da legislação trabalhista, uma vez que as terceirizadas operam com margens
muito estreitas e são pressionadas a cortarem toda e qualquer despesa, além não haver grande
pressão para que ocorra o respeito à lei; (ii) a fragmentação da produção em unidades
menores torna a coordenação do trabalho mais difícil, resultando em externalidades que
levam a lesões, acidentes e mortes no local de trabalho, tendo em vista que o fracionamento
das atividades amplia as chances dessa coordenação falhar; (iii) a face distributiva dessa
estratégia se revela quando notamos que os ganhos gerados pela segmentação da produção
não são destinados aos trabalhadores, mas somente aos investidores202.
As alterações no local de trabalho apontadas por David Weil são resultado de um
processo de descentralização da produção que teve início no começo da década de 1970 e
ocorreu, em um primeiro momento, em países centrais do capitalismo, como Estados Unidos,
Japão, Grã-Bretanha e Itália. Fergus Murray afirma que a organização da produção fordista
foi uma especificidade histórica do pós-II Guerra Mundial, viabilizada pelo equilíbrio de
forças entre trabalhadores e empresas e pela tecnologia disponível à época. A aplicação da
tecnologia da informação ao gerenciamento da produção permitiu a coordenação da
exploração do trabalho disperso em unidades fabris menores. Nesse período, a fragmentação
do trabalho ocorreu de três formas: (i) a transferência do trabalho realizado em empresas
grandes para uma rede de pequenas empresas e domésticas; (ii) a divisão de grandes plantas
fabris em unidades de produção pequenas e especializadas; e (iii) no desenvolvimento de
uma economia densa de pequenas empresas em determinadas regiões203.
Finalmente, destacamos que inexiste consenso no meio acadêmico sobre os efeitos
futuros da tecnologia no mercado de trabalho sob uma perspectiva quantitativa. Entendemos

201
WEIL, David. op. cit., p. 15.
202
Id. Ibid., p. 15-20.
203
MURRAY, Fergus. The descentralisation of production - the decline of the mass-collective worker? Capital
& Class, v. 7, n. 1, p. 74–77, 1983.
94

que, por um lado, parece exagerado tomarmos como parâmetro geral pesquisas localizadas
e que isolam o elemento tecnologia de outros igualmente importantes no comportamento do
mercado de trabalho para guiar a elaboração de políticas públicas. Por outro lado, parece-
nos prematuro ter como pressuposto que inovações tecnológicas que transformam
consideravelmente a organização do trabalho não impactarão a criação e extinção de
empregos, especialmente levando em conta as inter-relações entre tecnologia, instituições e
ideologia na economia política multidimensional. Ainda, a posição de que as inovações
tecnológicas influenciarão positivamente a geração de empregos a partir de exemplos
focados no comportamento de agentes econômicos no passado pode minimizar elementos
que serão decisivos na criação de postos de trabalho, como o custo da automação. Diante
disso, considerando o atual estágio do debate sobre o tema e a falta de clareza sobre os efeitos
quantitativos no mercado de trabalho, entendemos não ser producente centrar as discussões
sobre as políticas que devem ser adotadas em face das relações entre trabalho e tecnologia a
partir desse posicionamento.
Do ponto de vista qualitativo, há maior número de pesquisas que apontam para as
mudanças em curso na organização do trabalho. Por um lado, há o posicionamento que
ressalta a alteração do conteúdo dos trabalhos que surgirão no futuro e a necessidade de
adequação do tipo de qualificação profissional oferecida à população. Em relação a esse
aspecto, entendemos que parte considerável das recomendações feitas por acadêmicos e
organismos internacionais é baseada em projeções que podem não se concretizar. Ademais,
intervenções nesse tema operam no setor da educação, ou seja, em um âmbito distinto do
objeto deste estudo. Por outro lado, existem pesquisas robustas que apontam para a
continuidade e o aprofundamento das transformações da organização da produção em
direção à fragmentação das atividades, o que em parte é viabilizado pelas inovações
tecnológicas. O uso da tecnologia da informação e comunicação facilita a fissura do local de
trabalho, tornando as ocupações mais instáveis sob a perspectiva do trabalhador. Nesse
sentido, levando em consideração os efeitos concretos – e visíveis – que as novas tecnologias
produzem na organização do trabalho, centraremos nossa análise sob esse viés.

7. Inovações tecnológicas, economia e plataformas: diversidade conceitual e


capitalismo de plataforma
Uma das expressões mais visíveis das inovações tecnológicas no mundo digital é o
desenvolvimento de atividades econômicas em que aplicativos ou plataformas facilitam
trocas de diversos produtos e serviços entre pessoas ou entre pessoas e empresas. As
95

inúmeras denominações dadas para esse fenômeno variam conforme a perspectiva adotada:
economia de compartilhamento, economia de pares, economia colaborativa, consumo
colaborativo, economia de bico, economia disruptiva, capitalismo de plataforma, economia
de acesso ao excesso, economia de acesso, economia sob demanda, economia virtual,
uberização, economia de plataforma e capitalismo baseado na multidão204.
Em diversos casos, alguns desses termos são utilizados como sinônimos e não há
predominância do uso de um conceito em face de outro quando se faz referência a uma
mesma situação. O relatório The European collaborative economy, elaborado por Funda
Celikel Esser e outros pesquisadores do Centro de Pesquisa Conjunta da União Europeia,
destaca que inexiste consenso a respeito de como definir o fenômeno, sendo que há muitos
conceitos que mudam conforme o ponto de vista do autor e que o termo compartilhamento
é frequentemente substituído por colaborativo 205 . Rachel Botsman afirma que mais
importante do que empregar um determinado termo, é o enfoque na atenção em como
explicá-lo, para que seu significado nuclear não seja incompreendido. A partir de uma
definição bem construída, é possível obter-se acordos em relação aos termos usados206. Erez
Aloni coloca que as convergências sobre esse modelo econômico são raras, uma vez que
praticamente tudo, desde a denominação até quanto a eventuais virtudes, é objeto de
divergências intensas. Por outro lado, há concordância de que essas atividades econômicas
produzem efeitos contundentes sobre as estruturas de negócios e de empregos, assim como
não se trata de um fenômeno efêmero207.
As plataformas digitais são elementos centrais para o desenvolvimento das atividades
a partir dessas novas tecnologias. Klaus Schwab destaca que essas plataformas decorrem de
um modelo viabilizado pelos efeitos em rede da digitalização, sendo intimamente ligadas ao
mundo físico, com uma estratégia voltada para o lucro e a disrupção da economia. O uso das
plataformas combinado com o direcionamento das atividades para os consumidores e a
oferta de bens com mais informações permite a mudança do enfoque da atuação empresarial

204
Em inglês, tratam-se das seguintes expressões: sharing economy, peer economy, collaborative economy,
collaborative consumption, gig economy, disruptive economy, platform capitalism, access-to-excess
economy, access economy, on-demand economy, virtual economy, uberization, platform economy e crowd-
based capitalism. O tema é analisado por Steven Greenhouse (GREENHOUSE, Steven. The
Whatchamacallit Economy. The New York Times, New York, 16 dec. 2016. Disponível em:
<https://www.nytimes.com/2016/12/16/opinion/the-whatchamacallit-economy.html>. Acesso em 26 mai.
2017).
205
CELIKEL ESSER, Funda et al. The european collaborative economy: A research agenda for policy support.
Luxemburgo: Publications Office of the European Union, 2016.
206
BOTSMAN, Rachel. The Sharing Economy Lacks A Shared Definition. Fast Company, New York, 21 nov.
2013. Disponível em: <https://www.fastcompany.com/3022028/the-sharing-economy-lacks-a-shared-
definition>. Acesso em: 03 jun. 2017.
207
ALONI, Erez. Pluralizing the Sharing Economy. Washington Law Review, v. 91, p. 1399, 2016.
96

da venda de produtos para a prestação de serviços. Isso permite que as transações sejam mais
transparentes e sustentáveis e coloca questões relacionadas à definição de propriedade,
gerenciamento de bens finitos e efeitos de plataformas com alcance global208.
Erez Aloni expõe que as plataformas digitais decorrem do uso da tecnologia
avançada, que oferece benefícios, tais como a redução dos custos de transação (pela
diminuição da necessidade de buscar informações e de realizar pesquisas sobre os bens e
serviços procurados), a grande disponibilidade de dados sobre a conduta de fornecedores e
consumidores (em razão do sistema de avaliação que os usuários utilizam ao fazer uma
transação), a existência de mecanismos de proteção contra fraudes (o que confere segurança
e confiança às trocas feitas) e a facilidade no uso (uma vez que basta ter acesso a um telefone
celular ou computador e a um cartão de crédito para fazer transações)209.
Paul Langley e Andrew Leyshon colocam que as plataformas se caracterizam por
serem um ambiente genérico capaz de relacionar potenciais consumidores a qualquer coisa
e qualquer um, desde outros indivíduos até empresas multinacionais, em que todos podem
se tornar fornecedores de produtos e serviços por meio da internet. A nota mais marcante
das plataformas é a lógica da intermediação, em que os problemas de coordenação nas
transações de mercado são resolvidos por meio do encurtamento das distâncias e da
facilitação do contato entre oferta e demanda. O sucesso na promoção da intermediação fez
com que as plataformas atingissem distintos domínios de circulação, como os mercados de
trocas online (p. ex., Amazon e Spotify), as mídias sociais (p. ex., Facebook e Twitter), a
economia de compartilhamento (p. ex., Uber e Airbnb), a crowdsourcing (p. ex., Upwork e
Amazon Mechanical Turk) e crowdfunding (p. ex., Kickstarter). Os autores pontuam que as
plataformas operam em três camadas que variam conforme o contexto do mercado e a
estratégia de competição: (i) rede ou comunidade, que são os participantes das plataformas
e a relação entre si; (ii) infraestrutura, vinculada aos instrumentos, regras e serviços de
software; e (iii) informação, que permite às plataformas combinar oferta e demanda210.
Em que pese as plataformas serem divulgadas como meios abertos, neutros,
igualitários e progressistas, Paul Langley e Andrew Leyshon apontam características em
sentido contrário, não sendo apenas canais pelos quais há circulação econômica. Os autores

208
SCHWAB, Klaus. op. cit., p. 58-59.
209
ALONI, Erez. op. cit., p. 1412. Jan Drahokoupil e Brian Fabo definem o conceito de plataforma de maneira
semelhante (DRAHOKOUPIL, Jan.; FABO, Brian. The Sharing Economy That Is Not: Platform Capitalism
Social Europe. Jul. 2016. Disponível em: <https://www.socialeurope.eu/2016/07/sharing-economy-not-
shaping-employment-platform-capitalism/>. Acesso em: 26 mai. 2017, p. 2).
210
LANGLEY, Paul; LEYSHON, Andrew. op. cit., p. 4-7.
97

afirmam que, por meio de algoritmos (que processam a relação de informações), protocolos
(que descrevem interações) e classificações (por meio de estatísticas e metadata), as
plataformas induzem, produzem e programam a circulação na economia digital. Todo esse
cenário faz parte de um processo de capitalização e valorização, com o estímulo da
participação dos usuários das plataformas, que geram dados e informações componentes da
infraestrutura desses meios para potencializar os retornos econômicos das empresas211.
Nick Srnicek afirma que as plataformas são infraestruturas digitais que permitem
dois ou mais grupos interagirem, colocando-se como intermediárias que conectam diversos
usuários, como consumidores, anunciantes, prestadores de serviços, produtores e
fornecedores. As plataformas oferecem mecanismos que possibilitam aos usuários
elaborarem seus próprios produtos, serviços e mercados. A maior vantagem em face dos
negócios tradicionais dá-se em relação aos dados, uma vez que se colocam entre os usuários
e, como são a base para que as atividades se desenvolvam, ficam em posição privilegiada
para coletá-los212.
As plataformas têm quatro características principais. A primeira é que não são
empresas de internet ou tecnologia, mas entes que conseguem operar de qualquer lugar em
que aconteça a interação digital. A segunda é que produzem e são dependentes dos efeitos
em rede, tendo em vista que quanto mais usuários a plataforma tiver, mais valiosa será para
todos. Contudo, isso gera um ciclo vicioso no qual o aumento de usuários tende naturalmente
à monopolização da atividade e ao aumento da quantidade de dados que consegue acessar.
A terceira é o uso do subsídio cruzado, no qual enquanto uma parte da empresa reduz o preço
do serviço ou do bem, chegando a oferecê-lo gratuitamente, a outra eleva os preços para
compensar eventuais perdas. O objetivo da estrutura de preços das plataformas é atrair um
grande número de usuários, para que se envolvam e acessem-nas frequentemente. A quarta
é que as plataformas são projetadas para serem atraentes para os seus diversos usuários.
Apesar de afirmarem ser um espaço vazio que deve ser preenchido pelos usuários, as
plataformas têm políticas, sendo que as regras dos produtos e do desenvolvimento de
serviços e as interações de mercado são definidas pelos proprietários da plataforma213.
Antonio Aloisi entende que as plataformas virtuais e os aplicativos para aparelhos
sem fio cumprem o papel de infraestrutura invisível, conectando oferta e demanda de
serviços e facilitando a interação entre indivíduos e empresas, além de atuarem como

211
LANGLEY, Paul; LEYSHON, Andrew. op. cit., p. 9-16.
212
SRNICEK, Nick. op. cit., p. 43-45.
213
Id. Ibid., p. 45-47.
98

intermediários. A adoção desses mecanismos permite que as empresas aumentem


consideravelmente seus lucros, uma vez que há corte de custos de transação e de custos fixos,
com a terceirização de mão de obra214.
A noção de economia de compartilhamento é uma das mais populares para descrever
essas atividades econômicas. Para Aran Sundararajan, a economia de compartilhamento
possui cinco características fundamentais: (i) é amplamente baseada no mercado, pois cria
espaços para a troca de bens e para o surgimento de novos serviços; (ii) é capital de alto
impacto, tendo em vista que abre a oportunidade para que tudo, de bens a habilidades, sejam
utilizados em suas capacidades plenas; (iii) existe o predomínio de redes baseadas nas
multidões, ao invés de instituições centralizadas e hierárquicas, na medida em que o
fornecimento de capital e trabalho ocorre por meio de multidões de indivíduos
descentralizados ao invés de empresas ou governos; (iv) há confusão entre as esferas
profissional e pessoal, uma vez que parcela das trocas comerciais acontece no curso de
atividades consideradas pessoais, como dar uma carona; (v) ocorre o obscurecimento das
fronteiras entre emprego em tempo integral e trabalho casual, entre trabalho dependente e
independente, entre trabalho e lazer. O maior motivador da realização de trocas comerciais
sob o paradigma da economia de compartilhamento são as inovações tecnológicas,
principalmente as plataformas digitais215.
Tom Slee afirma que a economia de compartilhamento abrange novos negócios que
usam a internet para colocar em contato clientes e prestadores de serviços para a realização
de trocas no mundo real, como aluguéis de imóveis de curto prazo, viagens de carro e tarefas
domésticas. No início, os seus entusiastas afirmavam que a economia de compartilhamento
permitiria indivíduos sem poder terem maior controle sobre suas vidas, com maior
flexibilidade no trabalho, tornando-se microempreendedores. Ainda, diziam que daria
condições para o desenvolvimento de uma economia sustentável, em que recursos
subutilizados seriam colocados em circulação. Contudo, essas promessas não se
concretizaram. Segundo o autor, a economia de compartilhamento
é um movimento pela desregulação. Grandes instituições financeiras e
influentes fundos de venture capital estão aproveitando a oportunidade
para desafiar as regras feitas por governos de cidades democráticas ao
redor do mundo e remodelar as cidades conforme os seus interesses. Não
se trata de construir uma alternativa para as economias de mercado

214
ALOISI, Antonio. Commoditized workers: case study research on labor law issues arising from a set of “on-
demand/gig economy” platforms. Comparative labor law and policy journal, v. 37, p. 654-656, 2016.
215
SUNDARARAJAN, Aran. op. cit., p. 26-27; 31-32.
99

conduzidas pelas empresas; trata-se de estender os mercados livres


desregulados em novas áreas de nossas vidas216.
Juliet Schor define a economia de compartilhamento como uma atividade econômica
entre pessoas facilitadas por plataformas digitais. Há necessidade de diferenciá-la das trocas
comerciais feitas entre empresas e pessoas, nas quais aquelas alugam ou fornecem um bem
ou um serviço para estas. A dimensão digital é relevante na medida em que viabiliza a
atividade econômica, seja por reduzir os custos de transação e o tempo utilizado para realizá-
la, seja por disseminar informações sobre reputação e avaliação de fornecedores e
consumidores, reduzindo os riscos de comercializar com quem não se conhece. Se o
compartilhamento não é uma atividade nova, fazê-lo com estranhos na escala desenvolvida
atualmente é inédito217.
A autora reconhece a dificuldade em apresentar uma definição de economia de
compartilhamento que transcreva com precisão as suas características. Em razão disso,
aponta quatro categorias que abrangem a maior parte das atividades da economia de
compartilhamento: (i) a recirculação de bens (como a venda de bens usados); (ii) aumento
do uso de bens duráveis (como o aluguel de quartos ou imóveis que não estão sendo
utilizados); (iii) troca de serviços (a partir do cumprimento de determinada tarefa); e (iv) o
compartilhamento de bens produtivos (em que o objetivo não é viabilizar o consumo, mas a
produção). Todas essas atividades ocorrem por meio de plataformas digitais que, segundo a
autora, podem ser classificadas de duas maneiras: quanto à forma do negócio (entre pessoas
ou entre empresas e pessoas) e quanto à orientação da plataforma (há lucro e não há lucro).
Em relação a esse último aspecto, destaca que, embora exista consenso sobre as plataformas
da economia de compartilhamento que promovem atividades sem o objetivo de lucrar, há
divergências quanto à possibilidade de se auferir valores218.
Ressalta esse desacordo o conceito apresentado por Rachel Botsman, ao apontar que
a economia de compartilhamento é um modelo econômico baseado na repartição de bens
subutilizados, abrangendo espaços, habilidades e objetos no intuito de se obter benefícios

216
SLEE, Tom. What’s yours is mine: against the sharing economy. New York: OR Books, 2015, p. 26-27,
tradução nossa de: “it is a movement for deregulation. Major financial institutions and influential venture
capital funds are seizing an opportunity to challenge rules made by democratic city governments around the
world, and to reshape cities in their own interests. It’s not about building an alternative to a corporate-driven
market economy, it’s about extending the deregulated free market into new areas of our lives”.
217
SCHOR, Juliet. Getting sharing right. Contexts, v. 14, n. 1, p. 13, 2015.
218
SCHOR, Juliet. Debating the Sharing Economy. 2015. Disponível em:
<http://www.greattransition.org/publication/debating-the-sharing-economy>. Acesso em: 4 jun. 2017; Id.
Getting sharing right. Contexts, v. 14, n. 1, p. 14, 2015.
100

monetários ou não monetários. As trocas comerciais podem ocorrer entre pessoas ou entre
empresas e pessoas219.
Rashmi Dyal-Chand entende que o compartilhamento é um instrumento de
participação no mercado por meio da oferta de acesso a bens sem uso momentâneo, em que
é possível auferir uma renda extra e formar uma comunidade de vendedores e consumidores
com perfis semelhantes. Os indivíduos dão início a essas transações em sites na internet ou
aplicativos de telefones celulares. Esses micronegócios são viáveis pelo fato de os
proprietários poderem dividir, com uma rede de outros microempreendedores, os custos de
propaganda, de formação de uma base de clientes, do desenvolvimento de produtos e de
celebração de contratos com os consumidores. A autora afirma que a economia de
compartilhamento é uma expressão distinta do capitalismo, considerando que o sistema
comporta variações em que microempreendedores, normalmente em tempo parcial, operam
pequenos negócios com auxílio de equipamentos digitais. Trata-se do que a autora denomina
de capitalismo coordenado220.
Há autores que criticam o uso do termo economia de compartilhamento para
denominar as atividades econômicas realizadas por meio de aplicativos ou plataformas.
Giana Eckhardt e Fleura Bardhi entendem que compartilhar é uma transação social que
ocorre entre pessoas que se conhecem sem a intenção de lucro, sendo que quando se divide
bens ou serviços cria-se uma relação baseada na identidade comunitária entre as pessoas.
Quando o compartilhamento ocorre no mercado, ou seja, quando uma empresa faz a
intermediação entre pessoas que não se conhecem, há uma relação de consumo e uma
transação econômica e não o propósito de compartilhar algo 221 . No mesmo sentido,
Christopher Mims aponta que não há nada de compartilhável na economia de
compartilhamento, sendo que todos os bens envolvidos nas trocas sob esse conceito ocorrem
expressamente com a intenção de lucro, como se dá na locação de imóveis (como o Airbnb),
nas corridas de carro (como a Uber) ou na oferta de mão de obra (como o TaskRabbit)222.
Ainda, Erez Aloni ressalta que mesmo que se identifique motivos altruísticos nessas
transações, o central resume-se à obtenção de valores, com todas as partes interessadas em

219
BOTSMAN, Rachel. op. cit.
220
DYAL-CHAND, Rashmi. Regulating Sharing: The Sharing Economy as an Alternative Capitalist System.
Tulane Law Review, v. 90, p. 243-248, 2016.
221
ECKHARDT, Giana M.; BARDHI, Fleura. The Sharing Economy Isn’t About Sharing at All. Harvard
Business Review, Cambridge, 28 jan. 2015. Disponível em: <https://hbr.org/2015/01/the-sharing-economy-
isnt-about-sharing-at-all>. Acesso em: 26 maio 2017.
222
MIMS, Christopher. How Everyone Gets the “Sharing” Economy Wrong. The Wall Street Journal, New
York, 24 may 2015. Disponível em: <http://www.wsj.com/articles/how-everyone-gets-the-sharing-
economy-wrong-1432495921>. Acesso em 03 jun. 2017.
101

auferir ganhos financeiros e buscar a satisfação do próprio interesse223. Tom Slee afirma que
o conceito de economia de compartilhamento é contraditório. Compartilhar transmite a ideia
de algo não comercial, de relações pessoais, de interação social e de trocas que não envolvem
dinheiro ou são motivadas pela generosidade e altruísmo. Por outro lado, economia implica
transações de mercado nas quais há o interesse na troca de dinheiro por bens ou serviços224.
O caráter inédito da economia de compartilhamento não é integral. Aran
Sundararajan destaca que a atual forma predominante de organização da economia é recente
na história da humanidade, uma vez que teve início na Revolução Industrial há
aproximadamente 200 anos. Previamente a esse período, uma quantidade significativa de
trocas comerciais ocorria entre pares, integradas em comunidades e ligadas por meio de
relações sociais. A confiança para a realização dessas trocas advinha dos laços sociais
existentes entre as pessoas. O autor ressalta que as transações e os trabalhos associados à
economia de compartilhamento não são novos. As inovações tecnológicas permitem a
retomada de comportamentos e formas de trocas em comunidade que existiram no passado.
É importante pontuar esse aspecto para que se verifique que não há criação de algo
completamente original, mas o aperfeiçoamento de padrões familiares às pessoas. O
ineditismo que se verifica contemporaneamente se refere a dois aspectos: (i) a ampliação do
conceito de comunidade econômica, tendo em vista que os equipamentos digitais permitem
que as pessoas realizem trocas com outras estranhas à sua convivência; e (ii) o estímulo ao
desenvolvimento de comportamentos empreendedores e de compartilhamento, valorizando-
se mais as trocas com multidões nos mercados digitais ao invés das empresas tradicionais225.
Outros autores também associam a economia de compartilhamento a características
do passado, mas sem necessariamente apontar aspectos positivos. Alison Griswold, partindo
da constatação de que a renda dos empregados é maior do que a dos autônomos, que o
predomínio do trabalho autônomo é característica de período anterior à Revolução Industrial
e que há um aumento do número de autônomos na economia de compartilhamento, afirma
que ganha espaço o que se denomina por economia pré-industrial 226 . Christopher Mims

223
ALONI, Erez. op. cit., p. 1407.
224
SLEE, Tom. op. cit., p. 11.
225
SUNDARARAJAN, Aran. op. cit., p. 4-6. No mesmo sentido, há artigo de Tawanna Dillahunt e Amelia
Malone (DILLAHUNT, Tawanna; MALONE, Amelia. The Promise of the Sharing Economy Among
Disadvantaged Communities. Apr. 2015. Disponível em: <http://doi.acm.org/10.1145/2702123.2702189>.
Acesso em 03 jun. 2017).
226
GRISWOLD, Alison. The Uber economy looks a lot like the pre-industrial economy. Quartz, New York, 11
Oct. 2016. Disponível em: <https://qz.com/806117/uber-and-the-gig-economy-look-a-lot-like-the-pre-
industrial-economy/>. Acesso em: 03 jun. 2017.
102

aponta que os críticos da economia de compartilhamento a chamam de novo feudalismo,


tendo em vista as condições precárias a que são submetidos os trabalhadores227.
Há autores que, ao analisar a economia de compartilhamento, indicam que no século
XX havia o hiperconsumo, em que o crédito e as propriedades do indivíduo o definiam,
enquanto no século XXI é a reputação, a comunidade e o que cada um consome que traduzem
o que a pessoa é. Atualmente, estaríamos vivenciando um cenário de consumo colaborativo,
caracterizado por ser um modelo econômico baseado no compartilhamento, troca e aluguel
de produtos e serviços, viabilizando o acesso a bens ao invés da propriedade desses. Há uma
rediscussão a respeito dos hábitos de consumo. É possível apontar três sistemas diferentes:
(i) redistribuição de mercados, em que se comercializam bens subutilizados; (ii) estilos de
vida colaborativos, em que ativos não produtivos, como espaço, são objeto de troca; e (iii)
sistemas de serviços e de produtos, em que se pondera o benefício de usar um objeto em face
da necessidade de tê-lo228.
Nessa linha, Rachel Botsman aponta a existência de uma economia colaborativa,
construída em redes distribuídas que conectam indivíduos e comunidades com instituições
centralizadas, impactando de forma relevante a vida das pessoas. Normalmente, ocorre em
quatro setores: na produção, consumo, finanças e educação229. Hugo Fernández Brignoni
afirma que a economia colaborativa envolve uma troca direta de bens e serviços entre
particulares, direcionando sua ação na manifestação da vontade de dividir e oferecer um bem
ou serviço determinado com outros que estejam na mesma posição ou que tenham a mesma
necessidade. Há uma complementação das atividades realizadas no âmbito da economia
tradicional que oferecem benefícios, como a queda dos custos de transação e vantagens
ecológicas230.
Em relação à economia de bico (gig economy), Sarah Donovan, David Bradley e Jon
Shimabukuro mencionam que se trata de uma coleção de mercados que liga fornecedores a
consumidores, a partir de um bico (ou uma tarefa) para prover um comércio sob demanda.
No modelo básico, os trabalhadores por bico acessam as empresas sob demanda para
fornecer serviços para os clientes dessas empresas. Os consumidores solicitam os serviços
por meio de plataformas baseadas na internet ou de aplicativos de telefones celulares que

227
MIMS, Christopher. op. cit.
228
DILLAHUNT, Tawanna; MALONE, Amelia. op. cit., p.1; BOTSMAN, Rachel. op. cit. SUNDARARAJAN,
Aran. op. cit., p. 28;
229
BOTSMAN, Rachel. op. cit.
230
BRIGNONI, Helio. Fernandez. Las empresas de aplicaciones tecnológicas y el fenómeno “Uber”: La
llamada “Economía disruptiva”. Derecho laboral, v. LIX, n. 261, p. 38–39, mar. 2016.
103

permitem a busca por fornecedores ou tarefas específicas. Os fornecedores que contratam


essas empresas executam os serviços solicitados e são remunerados. Os modelos de negócios
variam conforme o grau de interferência da empresa na definição do preço dos serviços
ofertados e na liberdade do fornecedor em aceitar ou recusar as demandas apresentadas pelos
clientes231.
Ludmila Costek Abilio coloca que a economia de bico é uma das expressões das
dificuldades de subsistência dos trabalhadores, expostos a trabalhos com alta rotatividade e
transitando entre os trabalhos formais e informais. De acordo com a autora,
a gig economy é feita de serviços remunerados, que mal têm a forma
trabalho, que contam com o engajamento do trabalhador-usuário, com seu
próprio gerenciamento e definição de suas estratégias pessoais. A gig
economy dá nome a uma multidão de trabalhadores just-in-time (como já
vislumbrava Francisco de Oliveira no início dos anos 2000 ou Naomi Klein
ao mapear o caminho das marcas até os trabalhadores), que aderem de
forma instável e sempre transitória, como meio de sobrevivência e por
outras motivações subjetivas que precisam ser mais bem compreendidas,
às mais diversas ocupações e atividades. Entretanto, essas atividades estão
subsumidas, sob formas de controle e expropriação ao mesmo tempo
evidentes e pouco localizáveis. A chamada descartabilidade social também
é produtiva. Ao menos por enquanto232.
Hugo Fernández Brignoni indica que a economia disruptiva se configura quando
ocorre a ação de agentes econômicos, especialmente empresas, que provocam a ruptura ou
interrupção brusca do mercado ou de um setor econômico, modificando de forma expressiva
o status quo. Trata-se de uma mudança no sistema capitalista promovida por inovações
tecnológicas. Uma de suas principais características é a constante janela para realização de
mudanças sem que haja qualquer estabilidade em relação à organização econômica, o que
provoca uma grande insegurança233.
Adrian Todolí-Signes afirma que a economia sob demanda trata de uma forma de
estruturar os negócios em que as plataformas digitais, por meio de novas tecnologias da
informação e comunicação e da internet, dispõem de um grande contingente de trabalhadores,

231
DONOVAN, Sarah A.; BRADLEY, David H.; SHIMABUKURO, Jon O. What Does the Gig Economy
Mean for Workers? Feb. 2016. Disponível em: <https://fas.org/sgp/crs/misc/R44365.pdf>. Acesso em: 10
jun. 2017, p. 1-2.
232
ABILIO, Luciana Costek. Uberização do trabalho: subsunção real da viração. Passa Palavra, São Paulo, 19
fev. 2017. Disponível em: <http://passapalavra.info/2017/02/110685>. Acesso em: 07 jun. 2017.
233
BRIGNONI, Hugo Fernandéz. op. cit., p. 37-38.
104

que ficam à espera de chamados de consumidores demandando a execução de uma


atividade234. A ideia principal é que as plataformas virtuais sejam um espaço para combinar
oferta e demanda de bens e serviços. Nota-se que o centro do conceito se contrapõe à
concepção tradicional de relação de emprego, uma vez que não há qualquer segurança ou
previsibilidade para os trabalhadores. Critica-se o uso do termo em razão de sua imprecisão,
uma vez que não há novidade em atividades que são desenvolvidas a partir da solicitação do
consumidor e, portanto, ele não auxilia a apontar as características que moldam esse novo
modelo de negócios. O autor menciona que o termo é muito abrangente para descrever
negócios muito distintos e aponta para a existência dos seguintes modelos: crowdsourcing
online, crowdsourcing offline, crowdsourcing genérico e crowdsourcing específico235.
Juan Raso Delgue adota conceito de economia sob demanda semelhante ao exposto
por Adrian Todolí-Signes, considerando-o uma espécie do gênero plataformas digitais. Uma
outra espécie seria a economia de compartilhamento, sendo a diferença fundamental entre
ambas o fato dessa ser fundada em relações de amizade ou comunitárias, enquanto aquela
teria o objetivo de obtenção de lucros236.
A economia de pares (peer economy) ou a economia entre pares (peer-to-peer) é
definida por Erez Aloni como o modelo econômico em que as pessoas trocam bens, serviços,
espaço e dinheiro entre si por meio de plataformas entre pares, que podem ter a intenção de
auferir lucros ou não. O uso do termo descreve o mercado em que se opera, abrangendo
atividades convencionais e atividades com escopo de acesso ao excesso. Essas atividades
são baseadas em dois conceitos principais: acesso temporário e capacidade em excesso. Em
relação ao primeiro, trata-se da situação em que o cliente usufrui de determinado bem ou
serviço em um dado e limitado espaço de tempo. A capacidade em excesso permite que
proprietários empreguem suas máquinas e instrumentos para produzir mais bens e serviços
sem novos investimentos em infraestrutura. O acesso ao excesso, desta forma, descreve
transações em que uma pessoa fornece o acesso a um bem que não está sendo usado para
uma outra pessoa com interesse em temporariamente usufruir desse produto237.
Rachel Botsman entende a economia de pares como mercados em que as pessoas
facilitam o compartilhamento e a troca direta de bens com base na confiança entre os pares.

234
TODOLÍ-SIGNES, Adrián. The end of the subordinate worker? The on-demand economy, the gig-economy,
and the need for protection for crowdworkers. International journal of comparative labour law and
industrial relations, v. 33, n. 2, p. 245, 2017.
235
Id. Ibid., p. 245.
236
DELGUE, Juan Raso. La empresa virtual: novos retos para el Derecho del Trabajo. Revista Internacional y
Comparada de Relaciones Laborales y Derecho del Empleo, n. 1, p. 82–83, 2017.
237
ALONI, Erez. op. cit., p. 1397; 1410.
105

A partir dos conceitos que elabora, entende que determinadas atividades da economia de
pares são integrantes da economia de compartilhamento, enquanto outras se enquadram em
modelos não caracterizados pelo compartilhar238.
A economia virtual, para Juan Raso Delgue, é um modelo construído a partir do
intercâmbio de bens e serviços na internet. Apesar de o autor reconhecer a influência de
equipamentos digitais na organização da produção, como o teletrabalho e a expansão do
local de trabalho por meio de máquinas conectadas ininterruptamente à internet, enfoca-se
nos dispositivos digitais avançados que permitem a construção de novas formas de
organização do trabalho e de novas estratégias produtivas, cujas consequências não são
visíveis, especialmente no mundo do trabalho e na economia como um todo. Há substituição
da ideia da empresa enxuta com ramificações externas, próprias da terceira revolução
industrial, para plataformas que captam, organizam e distribuem o trabalho239.
Jan Drahokoupil e Brian Fabo criticam a utilização dos termos economia de
colaboração, economia de compartilhamento, economia de pares e economia sob demanda
como sinônimos. Primeiramente, porque colaboração e interação entre pares representam
situações muito distintas do compartilhamento e essas três ideias não têm relação direta com
a noção de demanda. Ainda, apontam que o conceito de colaboração não é diretamente
associado com mercado, que é um espaço onde há a comercialização de bens e serviços. Os
autores destacam que um dos traços principais dessas atividades é a existência de
plataformas que criam espaços para transações melhor caracterizadas pelo alugar do que
pelo compartilhar. Optam pelo conceito de economia de plataforma, tendo em vista que o
fenômeno ocorre com o uso de plataformas que diminuem os custos de transação com a
terceirização da mão de obra e o acesso temporário a bens e serviços240.
Os termos uberização ou economia Uber indicam a investigação dessas atividades
econômicas ressaltando o modelo de negócios da referida empresa. Em linhas gerais, a Uber
entende ser uma intermediadora eletrônica entre oferta (motoristas) e demanda (clientes) e
que atua no setor de tecnologia. Patrick Cingolani identifica que o modelo se caracteriza pela
assimetria entre o poder social da máquina em face dos indivíduos separados e divididos241.
Márcio Pochmann entende que o modelo adotado pela empresa é a maior expressão da
terceirização no século XXI, em que se busca afastar a configuração da relação de emprego
e, consequentemente, o reconhecimento de direitos trabalhistas. Esse mecanismo adotado

238
BOTSMAN, Rachel. op. cit.
239
DELGUE, Juan Raso. op. cit., p. 77.
240
DRAHOKOUPIL, Jan; FABO, Brian. op. cit., p. 2.
241
CINGOLANI, Patrick. op. cit.
106

pela empresa foi denominado pelo autor de “modo Uber de precarização das contratações
de trabalho”242.
Ludmila Costek Abilio estuda o tema na mesma linha e expõe as razões pelas quais
a empresa se tornou referência para a análise dessas atividades econômicas. De acordo com
a autora, a uberização
refere-se a um novo estágio da exploração do trabalho, que traz mudanças
qualitativas ao estatuto do trabalhador, à configuração das empresas, assim
como às formas de controle, gerenciamento e expropriação do trabalho.
Trata-se de um novo passo nas terceirizações, que, entretanto, ao mesmo
tempo que se complementa também pode concorrer com o modelo anterior
das redes de subcontratações compostas pelos mais diversos tipos de
empresas. A uberização consolida a passagem do estatuto de trabalhador
para o de um nanoempresário-de-si permanentemente disponível ao
trabalho; retira-lhe garantias mínimas ao mesmo tempo que mantém sua
subordinação; ainda, se apropria, de modo administrado e produtivo, de
uma perda de formas publicamente estabelecidas e reguladas do trabalho.
Entretanto, essa apropriação e subordinação podem operar sob novas
lógicas. Podemos entender a uberização como um futuro possível para
empresas em geral, que se tornam responsáveis por prover a infraestrutura
para que seus ‘parceiros’ executem seu trabalho; não é difícil imaginar que
hospitais, universidades, empresas dos mais diversos ramos adotem esse
modelo, utilizando-se do trabalho de seus ‘colaboradores just-in-time’ de
acordo com sua necessidade. Este parece ser um futuro provável e
generalizável para o mundo do trabalho. Mas, se olharmos para o presente
da economia digital, com seus motoristas Uber, motofretistas Loggi,
trabalhadores executores de tarefas da Amazon Mechanical Turk, já
podemos ver o modelo funcionando em ato, assim como compreender que
não se trata apenas de eliminação de vínculo empregatício: a empresa Uber
deu visibilidade a um novo passo na subsunção real do trabalho, que
atravessa o mercado de trabalho em uma dimensão global, envolvendo
atualmente milhões de trabalhadores pelo mundo e que tem possibilidades
de generalizar-se pelas relações de trabalho em diversos setores243.

242
POCHMANN, Marcio. Terceirização, competitividade e uberização do trabalho no Brasil. In: TEIXEIRA,
Marilane Oliveira; ANDRADE, Helio Rodrigues de; COELHO, Elaine D’Ávila. Precarização e
terceirização: faces da mesma realidade. São Paulo: Sindicato dos químicos, 2016, p. 61-62.
243
ABILIO, Luciana Costek. op. cit.
107

Aran Sundararajan entende que a máquina capitalista de mercados de tecnologia


ampliou substancialmente os comportamentos empreendedores, dotando-os de uma
importância que jamais tiveram nas economias modernas. Modifica-se a fonte do que se
valoriza comercialmente nas empresas tradicionais em direção a uma multidão de
empreendedores que desenvolvem suas atividades no mercado digital. O que o autor
denomina por capitalismo baseado na multidão poderá transformar diversos aspectos da vida
das pessoas: o significado de ter um trabalho, o desenho dos marcos regulatórios, o sistema
de seguridade social lastreado no conceito de emprego, o modelo utilizado para financiar,
produzir, distribuir e consumir bens e serviços. Ainda, novas maneiras de organizar a
atividade econômica redefinirão a dimensão e extensão da confiança, as razões para se crer
em certos arranjos sociais, o que permite o acesso a oportunidades e o quão próximas as
pessoas sentir-se-ão umas das outras244.
O capitalismo baseado na multidão produz quatro efeitos econômicos. O primeiro é
a mudança do impacto do capital. Relaciona-se diretamente com a existência de ativos
inutilizados que, colocados no mercado, podem elevar a produtividade econômica. Uma
residência com um quarto extra possui, na verdade, um quarto vazio, ou seja, um ativo que
não está sendo aproveitado integralmente. Por meio de plataformas digitais é possível ofertá-
lo e fazer dessa troca uma fonte de renda. Da mesma forma, isso ocorre quando pequenos
investidores redirecionam valores em suas contas de poupança para empréstimos a pequenos
negócios. Nesses casos, há o aumento do impacto econômico do uso do capital e da produção
utilizando-se a mesma quantidade de ativos, o que possibilita a elevação da taxa de
crescimento econômico245.
O segundo se refere a economias de escala e os efeitos em rede locais.
Tradicionalmente, aponta-se que o progresso econômico viabilizado pela tecnologia permite
a criação de economias de escala maiores, em que empresas adquirem vantagens de custo
na medida em que aumenta a quantidade de produção, ou seja, o custo médio diminui
conforme a produção aumenta. Por 200 anos, isso ocorreu sob o ponto de vista da oferta.
Contudo, desde 1980, identifica-se um crescimento de economias de escala a partir da
perspectiva da demanda, em que há o aumento do valor do produto na medida em que cresce
o seu uso, o que é chamado de efeito em rede. No contexto do capitalismo baseado na
multidão, as economias de escala sob a perspectiva da demanda tornar-se-ão predominantes.

244
SUNDARARAJAN, Aran. op. cit., p. 6.
245
Id. Ibid., p. 114-117.
108

O impacto disso se concentra na esfera local ou global conforme a espécie de serviço


ofertado pela plataforma digital246.
O terceiro efeito parte da ideia de que o consumo cresce na medida em que a
variedade aumenta. As inovações tecnológicas não apenas substituem antigas formas de
negócios por novas formas digitais, mas também criam espaço para o surgimento de novas
atividades econômicas. As novas plataformas digitais de transporte e hospedagem, por
exemplo, não substituem os táxis e hotéis, mas oferecem opções adicionais aos
consumidores247.
O quarto efeito é a democratização de oportunidades. Parte-se da constatação de que
a desigualdade econômica cresceu consideravelmente nas últimas décadas, em grande parte
por conta do aprofundamento da concentração de renda. Com o objetivo de dar início à
reversão desse quadro, menciona-se que as pessoas poderão ganhar dinheiro investindo ou
utilizando seus ativos, passando da condição de empregados para a de empreendedores. Os
mecanismos que criavam barreiras para que as pessoas fizessem essa transição profissional
seriam minimizados pelas ofertas proporcionadas pelas inovações tecnológicas e pelo
desenvolvimento do capitalismo baseado na multidão248.
Finalmente, tratamos do capitalismo de plataforma. Sascha Lobo menciona que o
termo cumpre um papel importante na medida em que serve de contrapeso à narrativa
construída em torno da noção de economia de compartilhamento, que supostamente
promoveria atividades diversas e redistributivas, além de possibilitar novas formas de trocas
em rede. O termo destacado por Sascha Lobo coloca a plataforma no centro do debate e
aponta os diversos problemas que esse instrumento produz na economia, sem que haja
qualquer contribuição para a construção de uma sociedade menos desigual 249. As análises
desenvolvidas por Paul Langley e Andrew Leyshon, nos termos acima expostos, contribuem
para a identificação dos maiores desequilíbrios promovidos pelas plataformas em favor do
capital250.
Frank Pasquale entende que o capitalismo de plataforma oferece uma contra-
narrativa crítica à narrativa convencional das atividades econômicas realizadas em meio
digital e destaca diversos questionamentos a respeito do que seriam benefícios do referido
modelo. De acordo com o autor, a narrativa convencional afirma que as plataformas: (i)

246
SUNDARARAJAN, Aran. op. cit., p. 117-120.
247
Id. Ibid., p. 121-123.
248
Id. Ibid., p. 123-125.
249
LOBO, Sascha. op. cit.
250
LANGLEY, Paul; LEYSHON, Andrew. op. cit., p. 1-3.
109

promovem um mercado de trabalho mais justo, reduzindo o custo de entrada; (ii) diminuem
o impacto da discriminação, aumentando o número de plataformas prestadoras de serviços;
(iii) alteram o cenário em que reguladores defendem os interesses de setores constituídos
devido às suas ligações políticas; (iv) permitem a expansão de determinadas atividades por
meio da alta qualidade dos serviços ofertados; (v) promovem crescimento econômico,
inserindo mais pessoas no mercado de trabalho; (vi) promovem a flexibilidade do trabalho,
dividindo empregos em tarefas; (vii) a partir do uso de informações dos clientes e prestadores
de serviços, conseguem combinar oferta e demanda com maior eficiência. Por outro lado, a
contra-narrativa ressalta que as plataformas: (i) perpetuam as desigualdades e promovem a
precariedade do trabalho, reduzindo o poder de negociação dos trabalhadores e a estabilidade
no emprego; (ii) ampliam a discriminação ao identificarem o rosto dos consumidores antes
da concretização da transação comercial; (iii) concentram, em pequeno número de empresas,
uma série de atividades, fazendo com que o controle dos esforços de regulação ocorra em
benefício próprio; (iv) expandem-se inicialmente pela falta de regulação, pelo caráter de
novidade, pelos efeitos de rede e pelo baixo investimento inicial de capital; (v) criam
obstáculos para o crescimento econômico, na medida em que diminuem os salários; (vi)
fazem com que os trabalhadores, para conseguirem sobreviver, tenham de estar prontos para
aceitarem uma tarefa a qualquer momento; (vii) influenciam negativamente os usuários, uma
vez que podem manipular as informações disponibilizadas com o objetivo de efetivar
determinada transação comercial251.
Nick Srnicek também adota o conceito de capitalismo de plataforma. O autor afirma
que na economia digital se destacam os negócios que envolvem o uso da tecnologia da
informação, dados e internet. É um setor transversal, com aplicação em diversas áreas, como
a indústria, serviços, mineração e telecomunicações, tornando-se essencial para toda a
economia. A sua importância reside em três aspectos: (i) trata-se do setor mais dinâmico da
economia contemporânea; (ii) está se tornando sistematicamente relevante na medida em
que amplia os seus espaços como infraestrutura que viabiliza o desenvolvimento econômico;
(iii) graças ao seu dinamismo, apresenta-se como um ideal e legitima o capitalismo de
maneira ampla. A economia digital está se transformando em um modelo hegemônico, no
qual as cidades são dinâmicas, os negócios procuram ser disruptivos, os trabalhadores devem
ser flexíveis e os governos buscam ser enxutos252.

251
PASQUALE, Frank. op. cit., p. 311.
252
SRNICEK, Nick. op. cit., p. 4-6.
110

O capitalismo no século XXI tem como principal matéria prima os dados,


considerados como informações que algo aconteceu. A plataforma é o instrumento utilizado
para organizar os negócios de forma a permitir a monopolização desses dados e,
consequentemente, extração, análise e uso. Os dados não são uma matéria-prima imaterial,
uma vez que há o uso de sensores para capturá-los e de sistemas de armazenamento de
grande capacidade para guardá-los, há elevado consumo de energia (a internet é responsável
por 9,2% do consumo mundial de eletricidade), há a necessidade de organizar as
informações em formatos padronizados para que sejam utilizáveis e há algoritmos
customizados que são produzidos e inseridos manualmente nos sistemas. Isso significa que
a coleta de dados é dependente de uma grande infraestrutura para identificar, registrar e
analisar as informações253.
O uso de dados pelas empresas para promover os seus negócios não é uma atividade
inédita. Contudo, as inovações tecnológicas no século XXI tornou o registro de dados mais
barato, simples e possível de ocorrer em grandes quantidades. Nesse sentido, novos setores
surgem para extrair esses dados e utilizá-los para otimizar o processo produtivo, acessar
preferências dos consumidores, controlar trabalhadores, oferecer novas mercadorias e
serviços e vender produtos para anunciantes. Dessa forma, o uso de dados passa a ser um
recurso central para os negócios e desempenha diversas funções: (i) treinam e aprimoram
algoritmos; (ii) permitem a coordenação da terceirização de trabalhadores; (iii) viabilizam a
otimização e flexibilização do processo produtivo; (iv) transformam bens com baixas
margens de lucro em serviços com altas margens; e (v) a análise dos dados, em si, é geradora
de outros dados, o que cria um ciclo virtuoso254.
O principal problema enfrentado pelas empresas é que os antigos modelos de
negócios não foram concebidos para extrair e usar dados. As empresas funcionavam para
produzir os bens em uma fábrica onde a informação era perdida e não havia aprendizado a
respeito do consumidor ou de como o produto era usado. Apesar das mudanças introduzidas
com a produção enxuta e os avanços na logística global, o modelo continuou com muitas
perdas. Houve a necessidade de emergir um novo modelo de negócios em que as empresas
fossem capazes de aproveitar a queda do custo de registro de dados, sendo que é nesse
processo que surge a plataforma255. Segundo Nick Srnicek,

253
SRNICEK, Nick. op. cit., p. 39-40. O autor diferencia dados de conhecimento, em que este seria o conjunto
de informações sobre as razões pelas quais algo ocorreu.
254
Id. Ibid., p. 40-42.
255
Id. Ibid., p. 42-44.
111

frequentemente surgidas de necessidades internas em lidar com dados, as


plataformas tornaram-se um meio eficiente de monopolizar, extrair,
analisar e usar as quantidades de dados cada vez maiores que estavam
sendo registradas. Agora esse modelo chegou para se expandir pela
economia, assim como numerosas empresas incorporam plataformas:
empresas de tecnologia poderosas (Google, Facebook e Amazon), start-
ups dinâmicas (Uber, Airbnb), líderes industriais (GE, Siemens) e
potências da agricultura, para nomear algumas256.
Nick Srnicek coloca que os capitalistas são os proprietários das plataformas e não há
necessariamente a produção de um bem físico. Existem cinco tipos de plataformas: (i) de
propaganda, como Google e Facebook, em que se extrai informações dos usuários, é feita
uma análise e os produtos desse processo são vendidos como espaço de anúncios; (ii) de
nuvem, como AWS e Salesforce, que são proprietárias de hardware e software voltados para
negócios digitais, alugando-os conforme a demanda das empresas; (iii) industriais, como a
GE e a Siemens, que constroem hardware e software para transformar a manufatura
tradicional em produção conectada com a internet para a redução de custos e oferta de
serviços; (iv) de produtos, como a Rolls Royce e Spotify, em que a geração de renda ocorre
pelo uso de outras plataformas para transformar um bem em serviço e recolher aluguel ou
taxas de assinatura; (v) enxutas, como Uber e Airbnb, em que se defende a redução da
propriedade de bens a um mínimo para se ofertar a prestação de serviço relacionada a esse
mesmo bem e o lucro é oriundo da busca incessante pela redução de custos. A classificação
nos cinco tipos mencionados tem o objetivo de descrever as características das plataformas,
sendo que em muitos casos mais de um tipo é desenvolvido pela mesma empresa. Como
exemplo, cita-se o caso da Amazon que, comumente associada a uma empresa de comércio
eletrônico, expandiu suas atividades para logística e oferece execução de tarefas online
(como a Amazon Mechanical Turk), concentrando todos os cinco tipos de plataformas257.
O capitalismo de plataforma é a potencialização de movimentos concomitantes que
tiveram início na década de 1970: produção enxuta, cadeias produtivas just-in-time e
terceirização. As tecnologias digitais permitem que as plataformas despontem como
instrumentos de liderar e controlar setores da economia, tendo proeminência diante da

256
SRNICEK, Nick. op. cit., p. 43, tradução nossa de: “Often arising out of internal needs to handle data,
platforms became an efficient way to monopolise, extract, analyse, and use the increasingly large amounts
of data that were being recorded. Now this model has come to expand across the economy, as numerous
companies incorporate platforms: powerful technology companies (Google, Facebook, and Amazon),
dynamics start-ups (Uber, Airbnb), industrial leaders (GE, Siemens), and agricultural powerhouses (John
Deere, Monsanto), to name just a few”.
257
Id Ibid., p. 48-50.
112

manufatura, logística e design, uma vez que provê os meios que permitem o
desenvolvimento das empresas. O modo de operar dos negócios nesse contexto privilegia a
concentração da propriedade, em que as maiores plataformas criam grandes infraestruturas
e gastam quantias significativas na compra de outras empresas e no investimento da
expansão de suas capacidades. As plataformas estão se tornando proprietárias da
infraestrutura da sociedade, em que há fortes tendências à monopolização de setores
econômicos258.
Paul Langley e Andrew Leyshon afirmam que o conceito de capitalismo de
plataforma coloca em primeiro plano as características de infraestrutura e intermediação das
plataformas. Há a junção dos códigos de computadores e do comércio, em que as
infraestruturas de participação e conectividade são concebidas e as informações são obtidas
para colocar em funcionamento a intermediação da circulação da economia digital. Nesse
cenário, as plataformas são edifícios tecnoculturais e estruturas socioeconômicas,
padronizando a circulação em que se especializam, seja conhecimento, ideias, trabalho ou
comércio de bens inutilizados. Isso envolve questões legais, em que a caracterização do
negócio se relaciona com as classificações promovidas pelas empresas, como a forma de
contratação dos trabalhadores. Outra característica relevante para os mercados
multifacetados e a coordenação dos efeitos em rede é a avaliação e o ranqueamento dos
trabalhadores pelos usuários259.
Os autores ainda destacam que existem fortes evidências indicando que as
plataformas são um fenômeno perene da economia global, o que exige uma análise mais
detida de duas características importantes do capitalismo de plataforma pelos elaboradores
de políticas públicas. A primeira é a precarização das condições de trabalho, denominada de
apploitation, com a disseminação de contratos de trabalho de curto prazo ou intermitentes e
a classificação dos trabalhadores como autônomos, em que ocorre a redução de salários, não
há recebimento de benefícios e constata-se uma pretensa flexibilização que acaba por
intensificar a jornada de trabalho. A segunda é o modelo de negócios das plataformas
inserirem-se no ciclo do setor de venture capital, fazendo parte do portfólio de investimento
de fundos dessa natureza. A principal consequência dessa associação é a busca pela
monopolização e oligopolização dos mercados com o objetivo de promover o crescimento
agudo da empresa e garantir retornos financeiros elevados para os investidores no menor
espaço de tempo possível, o que denota uma política de curto-prazismo em que há uma

258
SRNICEK, Nick. op. cit., p. 90-92.
259
LANGLEY, Paul; LEYSHON, Andrew. op. cit., p. 9-16.
113

postura agressiva de corte de custos para potencializar os ganhos. Invariavelmente, a redução


de custos implica a diminuição da remuneração do trabalhador 260 . O aumento do
investimento do venture capital no capitalismo de plataforma evidencia o interesse desse
setor: em 2010, US$ 57 milhões foram investidos em plataformas digitais, saltando para
US$ 4 bilhões em 2014. Em 2017, investidores injetaram mais de US$ 12 bilhões somente
na Uber261.
Trebor Scholz aponta que adota o termo capitalismo de plataforma como forma de
se contrapor ao fraudulento uso de termos como parceria e compartilhamento. Não é possível
identificar intenções de colaboração quando, sob o manto dos referidos termos, há uma parte
que monetiza toda interação em benefício de um pequeno grupo de acionistas. As
plataformas estão modificando a organização empresarial e a descentralização das atividades
avançou ao ponto de empresas prestadoras de serviço serem substituídas por grandes grupos
de trabalhadores amadores262.
O autor ainda afirma que não é possível examinar esse fenômeno como algo isolado
das demais relações socioeconômicas. Trata-se de uma expressão do capitalismo e a
ausência de análise do tema sob esse viés encoberta diversos problemas que advêm dessa
forma de promover transações comerciais, como o aumento da desigualdade e a piora das
condições de trabalho. O autor adota o termo espoliação da multidão para descrever a
emergência de novas formas de exploração e a ampliação da concentração de riqueza263.
O presente trabalho adota a perspectiva do capitalismo de plataforma para estudar a
maneira pela qual se desenvolvem as atividades econômicas que ocorrem por meio de
plataformas digitais para viabilizar transações comerciais entre pessoas ou entre pessoas e
empresas pelos motivos que seguem: (i) coloca-se no centro do estudo a plataforma,
infraestrutura essencial que permite a organização da produção e da prestação de serviços a
partir da adoção de tecnologias da informação e comunicação; (ii) é relevante a análise desse
fenômeno considerando-o como um produto do modo de produção predominante em nossa
sociedade, devendo-se tratá-lo como elemento integrado – e não compartimentalizado – dos
demais aspectos da vida socioeconômica; (iii) também é colocado o capitalismo em
evidência, como força organizadora dominante na sociedade, com grande capacidade de

260
LANGLEY, Paul; LEYSHON, Andrew. op. cit., p. 16-17.
261
PRASSL, Jeremias. Humans as a service: the promises and perils of work in the gig economy. New York:
Oxford University Press, 2018, p. 18.
262
SCHOLZ, Trebor. Uberworked and underpaid: how workers are disrupting the digital economy. Malden:
Polity Press, 2017, p. 43-46.
263
Id. Ibid., p. 65-68.
114

adaptação; (iv) é importante que o exame realizado por essa pesquisa tenha em conta tanto
os benefícios como os prejuízos que afetam a sociedade, de modo que se permita apontar
soluções adequadas para os problemas existentes; (v) atenta para efeitos concretos e visíveis
que as novas tecnologias produzem na organização do trabalho, como a fragmentação e
fissuração das atividades; (vi) leva-se em consideração as inter-relações entre tecnologia,
instituições e ideologia nas dimensões econômica, política e social, uma vez que o conceito
coloca em destaque a predominância do neoliberalismo (ainda), do individualismo, da
tecnologia da informação e comunicação, da descentralização da produção, da desregulação,
do venture capital, dos consumidores em face dos trabalhadores, da busca por retornos
expressivos e rápidos para os acionistas das empresas e do enfraquecimento do Direito do
Trabalho.
O detalhamento das plataformas e dos domínios de circulação analisados são tratados
no próximo capítulo, que apresenta as formas de trabalho no capitalismo de plataforma e
que indica quais serão consideradas para estudo sob o ponto de vista da proteção social e do
Direito do Trabalho.
115

CAPÍTULO 2. TRABALHO NO CAPITALISMO DE PLATAFORMA

1. Introdução
No primeiro capítulo, analisamos as inter-relações entre tecnologia, instituições e
ideologia e situamos cada um dos elementos nos âmbitos econômico, político e social. A
partir da identificação do cenário de peças movendo-se, tratamos do futuro do trabalho e dos
possíveis impactos da tecnologia nesse campo. Por fim, abordamos a emergência de uma
das faces das inovações tecnológicas na organização da produção, o capitalismo de
plataforma.
Neste segundo capítulo, aprofundaremos o estudo desse fenômeno e descreveremos
e analisaremos as formas de trabalho desenvolvidas a partir da influência das novas
tecnologias da informação e comunicação. A finalidade é apresentar os contornos que as
relações de trabalho tomam no capitalismo de plataforma, analisar as suas especificidades e
compreender as mudanças em curso. Para atingir o objetivo proposto, promoveremos uma
revisão de literatura a respeito das novas formas de trabalho moldadas pelas inovações
tecnológicas e desenvolveremos dois estudos de caso, um com a Uber e outro com a Amazon
Mechanical Turk.
Em primeiro lugar, abordaremos as formas de trabalho no capitalismo de plataforma,
tratando dos elementos que estão mudando nas relações de trabalho, o papel que a tecnologia
tem nesse processo, as classificações criadas pelos estudiosos, os tipos de trabalhos
realizados nas plataformas, a função que os algoritmos desempenham no gerenciamento da
mão de obra, a dinâmica das relações de trabalho, a dimensão da vigilância a que estão
submetidos os trabalhadores, as condições de trabalho, o tamanho da força de trabalho, os
pontos positivos e negativos e os desafios colocados. Este estudo adotará a classificação
elaborada por Valerio de Stefano, que divide o fenômeno em crowdwork e trabalho sob
demanda por meio de aplicativos264.
Em seguida, analisaremos o trabalho sob demanda por meio de aplicativos,
descrevendo como se dá, os setores em que ocorre, as características do trabalhador, como
é feita a administração da força de trabalho, as formas pelas quais se identifica a
subordinação do trabalhador, as dinâmicas do algoritmo e do sistema de ranqueamento,
como a terceirização toma forma e a instabilidade e dependência a que estão submetidos os
trabalhadores. Para compreender essa forma de trabalho de maneira mais adequada,

264
DE STEFANO, Valerio. op. cit., p. 471–504.
116

realizaremos o estudo de caso da plataforma Uber, verificando as pesquisas já feitas, tratando


em maior detalhe os trabalhos realizados por Hillary C. Robinson265 e Juliet Schor, William
266
Attwood-Charles, Mehmet Cansoy, Isak Ladegaard e Robert Wengronowitz , e
estudaremos a situação dos trabalhadores da Uber na cidade de São Paulo.
Finalmente, analisaremos as plataformas de crowdwork, abordando a sua origem, o
seu conteúdo, as características do trabalhador, as condições de trabalho, as empresas que
adotam essa forma de trabalho, como se dá o controle do trabalhador e os pontos positivos
e negativos das plataformas. No intuito de aprofundar a análise, promoveremos o estudo de
caso da plataforma Amazon Mechanical Turk, verificando as análises já feitas, com maior
atenção na pesquisa realizada pela Organização Internacional do Trabalho (OIT)267 sobre os
trabalhadores no crowdwork e compararemos com a situação dos trabalhadores dessa
plataforma no Brasil.
O presente capítulo, ao descrever como a tecnologia da informação e comunicação
está influenciando as relações de trabalho e abordar o trabalho sob demanda por meio de
aplicativos e o crowdwork, em ambas as situações com estudos de caso para aprofundar o
entendimento do funcionamento das plataformas, permitirá a compreensão dessas novas
formas de trabalho e refinará a descrição do contexto no qual avaliaremos o papel do Direito
do Trabalho.

2. Formas de trabalho no capitalismo de plataforma


As novas tecnologias da informação e comunicação, que impulsionam o capitalismo
de plataforma, moldam e dão novos contornos às relações de trabalho. Esses instrumentos
potencializam quantitativamente as atividades desempenhadas pelos trabalhadores, que
passam a ser demandados em qualquer horário e em qualquer lugar. O trabalho torna-se mais
central e intenso no cotidiano das pessoas, em um contexto no qual os empregados têm
acesso ao correio eletrônico 24 horas por dia nos 7 dias da semana, os seus interlocutores
(empregadores e clientes) têm a expectativa de serem respondidos rapidamente, os
trabalhadores em contratos precários devem ficar online por muito tempo para conseguirem
ter acesso às tarefas ofertadas nas plataformas digitais, dentre outras situações que a

265
ROBINSON, Hillary C. Making a digital working class: Uber drivers in Boston, 2016-2017. 2017.
Disponível em: <https://dspace.mit.edu/handle/1721.1/113946>. Acesso em 10 jul. 2018.
266
SCHOR, Juliet; ATTWOOD-CHARLES, William; CANSOY, Mehmet; LADEGAARD, Isak;
WENGRONOWITZ, Robert. op. cit., p. 1-40.
267
INTERNATIONAL LABOUR ORGANIZATION. op. cit., p. 1-200.
117

tecnologia altera a dinâmica das relações de trabalho em que a internet é um elemento


essencial, tendo em vista que viabiliza a conexão entre as pessoas268.
O bem que melhor simboliza as mudanças em curso é o telefone celular. As pessoas
passam grande parte dos seus dias com esses aparelhos e realizam diversas atividades por
meio deles. Dos exemplos mencionados acima sobre o papel que o trabalho ocupa na vida
das pessoas em razão da tecnologia, todos são viabilizados por meio de telefones celulares.
Nicole Aschoff afirma que o telefone celular é o bem que define a era em que
vivemos, delineando, modulando e refletindo as relações sociais. Grande parte das interações
sociais ocorre por meio desse aparelho: trocar mensagens entre amigos, comentar
manifestações em redes sociais, ler notícias, colocar fotos, obter informações, dentre outras.
Ou seja, quando não estamos trabalhando, estamos relaxando, divertindo-nos ou criando, o
que demonstra que os telefones celulares ocupam papel central na construção das
individualidades e da ação coletiva269.
A autora pontua que o telefone celular torna menos claras as fronteiras entre trabalho
e lazer, produção e consumo, social e econômico, estruturas pré-capitalistas e capitalistas,
fazendo com que o uso do aparelho por qualquer pessoa ocorra sempre em benefício das
empresas. A expansão e a reprodução do capital são dependentes do desenvolvimento de
novos produtos e o telefone celular tem papel central nesse processo, dado que é um
instrumento físico que permite às pessoas ampliarem significativamente as suas conexões
com outras pessoas e entidades, que as expõe com maior intensidade a novos produtos e que
abre novos espaços para a comodificação270.
Nicole Aschoff ainda aponta que os telefones celulares podem ser chamados de
máquinas de mão, em que os trabalhadores os utilizam como instrumento de trabalho. As
demandas neoliberais por trabalhadores flexíveis, móveis e em rede tornam os telefones
celulares de grande importância no processo de acumulação. Não é por outra razão que o
mapa da cadeia produtiva dos telefones celulares são uma amostra de exploração global,
políticas de comércio, desenvolvimento desigual e desafios logísticos. Contudo, a autora
destaca que essas máquinas de mão fazem parte da vida das pessoas, têm o mérito de serem
úteis em diversos aspectos e podem potencializar ações transformadoras, como facilitar

268
FRAYSSÉ, Olivier; O’NEIL, Mathieu. Hacked in the USA: Prosumption and digital labour. In: FRAYSSÉ,
Olivier; O’NEIL, Mathieu (eds.). Digital labour and prosumer capitalism: The US matrix. New York:
Palgrave and Macmillan, 2015, p. 3-4.
269
ASCHOFF, Nicole. The Smartphone Society. Jacobin, New York, 17 mar. 2015. Disponível em:
<http://jacobinmag.com/2015/03/smartphone-usage-technology-aschoff>. Acesso em: 06 out. 2017.
270
Id. Ibid.
118

atividades coletivas que, sem esses aparelhos, seriam inviáveis ou extremamente difíceis de
acontecer271.
Ursula Huws afirma que as novas tecnologias organizam o trabalho de uma forma
inédita, em que plataformas digitais são utilizadas para acessar grupos de trabalhadores em
escala global de maneira imediata. Os trabalhadores e suas habilidades são apresentados ao
mundo no formato de um perfil padronizado, descrevendo as atividades que realizam a partir
de texto autopromocional. Terceiros têm condições de examinar a performance do
trabalhador por meio da análise das avaliações de atividades pretéritas, o que pode permitir
um julgamento adequado, mas também pode ser a indicação de más preferências de outros
contratantes ou de uma conduta cujo objetivo final é não pagar o trabalhador. Não há
qualquer previsibilidade quanto à disponibilidade de trabalho, o que leva os trabalhadores a
sempre estarem com seus telefones celulares próximos para aceitarem as ofertas que
surgirem. Ou seja, os trabalhadores ficam permanentemente à disposição. Parcela
significativa do trabalho é realizada online, fazendo com que todas as atividades sejam
registradas. Isso produz informação de maneira contínua, permitindo que o trabalhador seja
monitorado constantemente e que indicadores precisos de seu desempenho sejam
produzidos272.
A autora identifica a formação de uma força de trabalho atomizada, em que os
indivíduos são cada vez mais descartáveis. O seu trabalho é conectado em três perspectivas:
no sentido de ser dividido em pequenas unidades padronizadas, de ser ligado online e de ser
registrado para análise futura. O trabalho conectado, viabilizado pela organização do
trabalho por plataformas digitais, exprime uma nova forma de gerenciamento que se espalha
em diversos setores da economia: no público e no privado, nas atividades manuais, técnicas
e intelectuais, em trabalhos que demandam alta, média e baixa qualificação,
independentemente de se tratar de contratos de trabalho por tempo indeterminado,
determinado ou intermitente273.

2.1. Classificação
As perspectivas sobre como se configuram as relações de trabalho influenciadas pela
tecnologia da informação e comunicação variam conforme o critério utilizado pelos autores.
Há uma diversidade de classificações que organizam essas formas de trabalho. Determinados

271
ASCHOFF, Nicole. op. cit.
272
HUWS, Ursula. Logged labour: a new paradigm of work organisation? Work organisation, labour &
globalisation, v. 10, n. 1, p. 8, 21-22, 2016.
273
Id. Ibid., p. 6, 21-22.
119

estudiosos levam em consideração somente os trabalhos desenvolvidos no espaço virtual,


enquanto outros também analisam plataformas em que as atividades ocorrem nos ambientes
virtual e real.
Miriam Cherry identifica a existência de um trabalho virtual dividido em três
categorias: (i) mundo virtual, em que os trabalhadores desempenham atividades em
ambientes virtuais, seja em espaços novos, como na rede de relacionamento Second Life,
seja em serviços tradicionais, como no desenvolvimento de orientações técnicas; (ii)
crowdsourcing, em que computadores automatizam e dividem tarefas, que posteriormente
são oferecidas a seres humanos, sendo todas as atividades realizadas online; (iii) outras
formas de terceirização, como as fazendas de ouro, em que os trabalhadores são pagos para
obter tesouros virtuais em jogos online para posteriormente serem comercializados para
jogadores que vivem geralmente em países capitalistas centrais274. Ao analisar o crowdwork,
que é considerado de forma ampla e também abrange trabalho sob demanda, a autora aponta
as seguintes características: não há treinamento, a estrutura do trabalho é determinada por
microtarefas, o trabalho é realizado online ou no local especificado pelo cliente, a duração
das atividades é fixada em horas, minutos ou segundos, o processo de decisão e as relações
de autoridade são baseadas no gerenciamento automático, não há segurança laboral, a
remuneração é calculada conforme as tarefas feitas, considera-se como benefício a
flexibilidade de horários e a principal promessa da plataforma é o trabalhador se transformar
em um microempresário275.
Greetje Corporaal e Vili Lehdonvirta identificam dois principais tipos de plataformas,
as de bico locais e as de trabalho online. As primeiras realizam a mediação de trabalho
presencial e pessoal por um preço determinado pelas plataformas. As segundas criam um
mercado que conectam clientes e autônomos, no qual o trabalho pode ser feito remotamente
e as partes fixam o preço da atividade. Em relação às plataformas de trabalho online, os
autores pontuam que as empresas estão utilizando essas infraestruturas com maior
frequência para contratar trabalhadores sob demanda e indicam a existência de quatro tipos:
(i) crowdsourcing, em que se permite às empresas oferecer trabalho para um grupo
indefinido de trabalhadores; (ii) terceirização online, em que a oferta de trabalho se dá para
um indivíduo ou uma organização determinados, ao invés de ser dirigida a uma multidão;
(iii) de microtrabalho, em que é priorizada a velocidade e o reduzido gerenciamento de

274
CHERRY, Miriam. A taxonomy of virtual work. Georgia Law Review, v. 45, n. 4, p. 962–975, 2011.
275
CHERRY, Miriam. Beyond Misclassification: The Digital Transformation of Work. Comparative Labor
Law & Policy Journal, v. 37, p. 599, 2016.
120

tarefas simples e repetitivas que demandam pouco treinamento; (iv) de autônomos, em que
se privilegiam conhecimentos especializados e projetos de maior extensão276.
Cristiano Codagnone, Fabienne Abadie e Federico Biagi afirmam que o mercado de
trabalho digital pode ser dividido em dois. De um lado, há os trabalhos que podem ser
realizados remotamente, cujo produto final é enviado por meio de serviços de transmissão
eletrônica, como a internet. São denominados de mercados de trabalho online, que possuem
um potencial global e são subdivididos em dois, de acordo com a extensão das atividades:
(i) com enfoque no microtrabalho; (ii) para a realização de projetos complexos. Do outro
lado, existem os trabalhos cuja oferta e administração da mão de obra acontece digitalmente,
mas a execução da atividade exige presença física e interação humana. São denominados de
mercados de trabalho móveis, subdivididos em dois, conforme a qualificação do trabalhador:
(i) voltados para serviços físicos; (ii) para a realização de serviços interativos277.
Gérard Valenduc e Patricia Vendramim colocam que as novas formas de trabalho
podem ser analisadas a partir de dois eixos: o primeiro diz respeito à natureza da relação
empresário-trabalhador ou cliente-trabalhador e o segundo, à maneira pela qual o trabalho é
desempenhado. Apesar de identificarem nove formas de trabalho, os autores pontuam que
somente três são relevantes para o capitalismo de plataforma: (i) trabalhos móveis a partir
da tecnologia da informação e comunicação, em que se desempenham atividades em locais
que não são do tomador de serviço, com uso intensivo de computadores e internet; (ii)
crowdwork, em que as atividades são realizadas por meio de plataformas online, em que
indivíduos ou organizações conseguem acessar um grupo desconhecido e indeterminado de
trabalhadores preparados para resolver problemas específicos e prover determinados
serviços ou produtos em troca de pagamento; (iii) trabalho à disposição por meio de
plataformas, em que há o uso da tecnologia para a adoção do contrato de trabalho
intermitente278.
Trebor Scholz afirma que o trabalho digital possui duas dimensões: uma remunerada
e outra não remunerada. Na primeira estariam englobados o crowdwork (e as diversas
variações existentes entre as plataformas), a fazenda de conteúdo (ou content farming, que

276
CORPORAAL, Greetje; LEHDONVIRTA, Vili. How fortune 500 firms are adopting online freelancing
platforms. Oxford: Oxford Internet Institute, 2017, p. 3-5.
277
CODAGNONE, Cristiano; ABADIE, Fabienne; BIAGI, Federico. The future of work in the sharing
economy: Market efficiency and equitable opportunities or unfair precarisation? JCR Science for policy
report. Seville: Institute for Prospective Technological Studies, 2016, p. 5.
278
VALENDUC, Gérard; VENDRAMINI, Patricia. Work in the digital economy: sorting the old from the new.
Mar. 2016. Disponível em: <http://ftu-namur.org/fichiers/Work_in_the_digital_economy-ETUI2016-3-
EN.pdf>. Acesso em: 10 abr. 2017, p. 32-35.
121

busca maximizar a renda de propaganda a partir de histórias otimizadas por algoritmos, em


que os temas dos textos são definidos pela previsão do que atrairá maior atenção do público,
calculado pelo número por meio de cliques e buscas na internet), a fazenda de ouro, a
intermediação de trabalho online e o trabalho sob demanda. Por outro lado, o trabalho não
remunerado envolve atividades desenvolvidas cotidianamente e que produzem retornos
financeiros para as plataformas digitais, mas que não implicam contrapartidas para os
usuários, como a ativação em redes sociais, a produção de textos em sites e a elaboração de
avaliações de produtos e serviços279.
Valerio de Stefano aponta o trabalho sob demanda por meio de aplicativos e o
crowdwork como as dimensões do trabalho no capitalismo de plataforma. O autor não os
define de maneira distinta dos demais estudiosos. Há o reconhecimento de diferenças
significativas entre ambos, sendo que a mais relevante é o fato de as atividades no
crowdwork serem realizadas online, permitindo que a sua execução ocorra em qualquer lugar
do mundo, enquanto no trabalho sob demanda por meio de aplicativos, somente a
combinação de oferta e demanda da força de trabalho ocorre online, sendo as atividades
realizadas localmente. Ainda, mesmo essas categorias não são coesas ou homogêneas. No
crowdwork, as plataformas que operam nessa categoria têm distintas maneiras de distribuir
tarefas, fixar o valor dos trabalhos, pagar os trabalhadores, assim como a natureza e a
complexidade das atividades podem variar consideravelmente. No trabalho sob demanda por
meio de aplicativos, a principal distinção ocorre entre as plataformas que oferecem diversos
serviços daquelas especializadas em somente uma atividade280.
Apesar dessas diferenças, o autor menciona que existem características em comum
entre essas formas de trabalho que apontam para a adequação de tratá-las conjuntamente.
Primeiramente, ambas são viabilizadas pelo uso da tecnologia da informação e comunicação
e utilizam a internet para combinar oferta e demanda de trabalho rapidamente. Há
minimização dos custos de transação e redução da fricção dos mercados. A velocidade da
combinação da oferta e demanda da força de trabalho e a disseminação de plataformas e
aplicativos entre os trabalhadores permite que os contratantes tenham à disposição elevados
grupos de pessoas para executar atividades instantaneamente. Ou seja, as empresas que
adotam essas formas de trabalho compartilham as premissas de um modelo de negócio. Por
fim, o acesso em escala à mão de obra indica que essas plataformas abrem espaço para
rediscussão das fronteiras das empresas, redefinição do conceito de empregador e reanálise

279
SCHOLZ, Trebor. op. cit., p. 15-94.
280
DE STEFANO, Valerio. op. cit., p. 473–475.
122

da noção de hierarquia, em um contexto de potencialização e maximização da terceirização


e da fragmentação do trabalho propiciadas pelas inovações tecnológicas281.
Adotaremos nessa tese a classificação proposta por Valerio de Stefano.
Corroboramos os seus argumentos que justificam a categorização das novas formas de
trabalho a partir do uso de tecnologia da informação e comunicação em trabalho sob
demanda por meio de aplicativos e crowdwork. Ademais, destacamos a centralidade que as
plataformas ocupam em ambas as formas de trabalho, sendo a infraestrutura que permite o
desenvolvimento de ambas e proporciona a aglutinação de todas as características comuns
apontadas pelo autor. Em relação às diferenças, pontuamos que as existentes entre o trabalho
sob demanda por meio de aplicativos e o crowdwork acabam por ser a razão de haver uma
classificação que as distingue. No tocante às diferenças que se identificam internamente em
cada uma das referidas formas de trabalho, não há distinções relevantes a ponto de
descaracterizá-las, uma vez que os principais elementos que as definem estão presentes.
O trabalho sob demanda por meio de aplicativos e o crowdwork são utilizados para
a execução de atividades em diversos setores: elaboração de conteúdo de marketing e de
logomarcas, tradução, apoio administrativo, atendimento aos consumidores, tarefas criativas
e de design, desenvolvimento de software, criação de websites, execução de tarefas
domésticas, entrega de produtos, classificação de objetos, transcrições de áudios, revisão de
conteúdo, edição de texto, resposta de pesquisas, comentários sobre websites, identificação
de imagens, análise de dados brutos, limpeza, transporte, dentre outras282.
A maior parte dessas novas formas de trabalho se desenvolve a partir de relações
contratuais triangulares, das quais fazem parte a plataforma, os requerentes (que podem ser
empresas ou indivíduos) e os trabalhadores. Nessa linha, a ampla maioria das plataformas
entende que há uma relação de trabalho autônomo, desempenhando meramente um papel de
intermediadora entre as partes283. O enquadramento jurídico dos trabalhadores é um dos
temas que mais suscitam debates no capitalismo de plataforma atualmente, como veremos
adiante.

2.2. Condições de trabalho


As condições de trabalho variam de acordo com a forma de trabalho, a plataforma e
o tipo de atividades realizadas. Contudo, é possível identificar algumas características

281
DE STEFANO, Valerio. op. cit., p. 475-476.
282
CORPORAAL, Greetje; LEHDONVIRTA, Vili, op. cit.; CODAGNONE, Cristiano; ABADIE, Fabienne;
BIAGI, Federico, op. cit.
283
ALOISI, Antonio. op. cit., p. 656.
123

comuns, como a falta de controle ostensivo, pessoal e direto dos trabalhadores em relação
às atividades que desempenham e a realização de tarefas de maneira bem definida e
determinada pelos contratantes ou pelas plataformas284.
No trabalho sob demanda por meio de aplicativos e no crowdwork, há o uso de
códigos de computadores para mediar as relações de trabalho, o que se denomina por
gerenciamento automático ou gerenciamento algorítmico285.
Massimo Mazzotti afirma que tradicionalmente os algoritmos foram definidos como
um conjunto de instruções para a solução de problemas. Contudo, a palavra foi ressignificada
e atualmente se refere a programas funcionando em máquinas físicas e aos seus efeitos em
outros sistemas. Nesse sentido, os algoritmos se tornaram agentes que fazem coisas,
determinam aspectos da nossa realidade social e conformam as relações sociais286.
O autor destaca que o algoritmo é considerado invisível, apesar de integrado em
diversos aspectos do cotidiano das pessoas, torna-se uma caixa preta e é afastado do
escrutínio do público, passando a ser encarado como um elemento natural. Contudo, defende
que não há neutralidade no gerenciamento de informações que dependem de escolhas
procedimentais de uma máquina programada por pessoas para automatizar julgamentos que
emulam seres humanos por aproximação287.
A ideia do algoritmo como um sujeito que faz coisas é um equívoco. Primeiramente,
por ser determinista, uma vez que o representa como um mecanismo independente e
desconsidera o ambiente sociotécnico em que está inserido. Em segundo lugar, por esconder
o processo de modulação do algoritmo, ignorando os comandos humanos e as condições
materiais que o constrói288.
Christina Colclough destaca que o gerenciamento por algoritmo está sendo
disseminado, em que as empresas modulam a coordenação e o controle da mão de obra por
meio desses conjuntos de instruções. O processo de tomada de decisões desenvolvido pelo
algoritmo é conformado por parâmetros pré-determinados pela empresa, e não algo aleatório
sem a influência do proprietário desse mecanismo. Ou seja, as decisões do algoritmo devem
ser entendidas como decisões da empresa289.

284
ALOISI, Antonio. op. cit., p. 663.
285
Id., loc. cit.; CHERRY, Miriam. op. cit., p. 596.
286
MAZZOTTI, Massimo. Algorithmic life. In: PRIDMORE-BROWN, Michele; CROCKETT, Julien. The
digital revolution: debating the promises and perils of the Internet, automation, and algorithmic lives in the
last years of the Obama Administration. Los Angeles: Los Angeles Review of Books: 2017, p. 33.
287
Id. Ibid., p. 34-35.
288
Id. Ibid., p. 35-36.
289
COLCLOUGH, Christina. When algorithms hire and fire. International Centre for Trade Union Rights, v.
25, n. 3, p. 6-7, 2018.
124

Segundo Miriam Cherry, os algoritmos assumem papeis organizacionais


anteriormente realizados por gerentes e os códigos desempenham várias tarefas típicas de
supervisão, como determinar a execução de atividades, acelerar o processo de trabalho,
indicar o tempo e duração de pausas, avaliar os trabalhadores, dentre outros. Os códigos são
capazes de, rapidamente e em tempo real, analisar e decidir questões sobre as atividades
individualmente realizadas pelos trabalhadores e sobre as ações que devem ser feitas
imediatamente290.
Julia Tomassetti aponta que as plataformas oferecem uma narrativa que o algoritmo
seria um instrumento impenetrável e racional para a organização da produção, indo além das
capacidades gerenciais do ser humano. Estaríamos diante da “mão invisível do algoritmo”291,
que teria o objetivo somente de viabilizar um setor do mercado e tornar eficiente a oferta e
demanda de trabalho292.
Florian Schmidt denomina o gerenciamento algorítmico de algocracia, definindo-a
como o resultado da interação entre big data e essa sequência de códigos, em que os papeis
desempenhados por gerentes, contadores e serviço aos consumidores são transferidos para o
algoritmo e a administração de recursos humanos é transferida para os consumidores. Nesse
caso, os trabalhadores que recebem notas baixas têm maiores dificuldades para obter
trabalho, seja pela suspensão ou exclusão da plataforma, seja pelo não aparecimento de
tarefas para realizarem, o que é feito pelo algoritmo que coordena a distribuição de
atividades293.
A autora coloca que o gerenciamento algorítmico ocorre por meio do monitoramento
dos trabalhadores e do sistema de avaliações. No primeiro caso, a constante coleta de dados
que as plataformas fazem do desempenho dos seus trabalhadores se torna uma forma de
produzir um currículo permanentemente atualizado. No segundo, a consolidação das notas
dadas pelos clientes das plataformas aos trabalhadores transforma-se na referência a respeito
da qualidade do trabalho realizado. Ambas as situações são viabilizadas pelo algoritmo294.
Jeremias Prassl aponta que o gerenciamento algorítmico permite o controle dos
trabalhadores. Isso tem início quando o trabalhador se registra na plataforma, que pede

290
CHERRY, Miriam. op. cit., p. 596-597.
291
TOMASSETTI, Julia. Does Uber Redefine the Firm: The Postindustrial Corporation and Advanced
Information Technology. Hofstra Labor & Employment Law Journal, v. 34, p. 52, 2016, tradução nossa de:
“invisible hand of the algorithm”.
292
Id. Ibid., p. 52-53.
293
SCHMIDIT, Florian. Digital labour markets in the platform economy: Mapping the political challenges of
crowdwork and gig work. 2017. Disponível em: <http://library.fes.de/pdf-files/wiso/13164.pdf>. Acesso
em: 16 ago. 2018, p. 12.
294
Id. Ibid., p. 12-13.
125

diversas informações e examina detalhadamente os documentos enviados antes de ativar as


contas em um processo mais invasivo que outros serviços online. Assim que o trabalhador
pode operar na plataforma, o controle direciona como e quando as atividades são feitas e o
pagamento das tarefas. Mesmo nos casos em que há mais espaço para o consumidor escolher
o trabalhador que realizará a atividade, não se deve menosprezar o controle indireto
promovido pelos sistemas de ranqueamento, dado que muitas plataformas apresentam
classificações preliminares ou recomendações dos trabalhadores mais bem avaliados295.
O autor destaca que o sistema de avaliação desempenha um papel central no controle
dos trabalhadores. Esse método não leva em consideração somente as impressões dos
clientes, mas também a observância das políticas da empresa e a velocidade que o
trabalhador aceita uma nova tarefa. O objetivo é ter um controle restrito sobre como uma
ampla e invisível força de trabalho executa e entrega as atividades solicitadas. Um dos
grandes problemas do algoritmo que codifica as avaliações é a falta de transparência e
accountability, o que não permite que os trabalhadores saibam com clareza as regras do seu
funcionamento296.
O sistema de avaliação das plataformas é centrado em uma série de incentivos e
sanções aos trabalhadores. A qualidade e a quantidade do trabalho disponível se relacionam
ao status do trabalhador na plataforma, em que atividades bem pagas e mais atrativas são
reservadas para os que têm melhores avaliações, enquanto os que têm as piores notas ficam
circunscritos às tarefas de menor valor e podem sofrer punições, como suspensão ou
exclusão da plataforma297.
Trata-se de um sistema obscuro: geralmente os critérios para os trabalhadores
alcançarem os status mais elevados não são transparentes e as motivações das sanções
parecem operar de forma arbitrária e imprevisível, podendo em alguns casos ser racista ou
sexista. As punições ainda podem ser aplicadas sem aviso prévio e a queda das notas ocorrem
sem que os trabalhadores entendam a razão pela qual estão sendo penalizados298.
Outro aspecto em que há identidade entre ambas as formas de trabalho é no meio de
ingresso às empresas. Quando os trabalhadores se registram nas plataformas, aderem a um
contrato padronizado com diretrizes vinculantes e que definem as regras da prestação de
serviços, afastam garantias aos trabalhadores, restringem a responsabilidade da empresa e
indicam a jurisdição e as leis aplicáveis à relação de trabalho. Tudo isso ocorre por meio dos

295
PRASSL, Jeremias. op. cit, p. 56.
296
Id. Ibid., p. 54-55.
297
Id. Ibid., p. 61.
298
Id. Ibid., p. 62-63.
126

“acordos embrulhados pelo clique”299, no qual o usuário adere às condições impostas pela
plataforma para participar das atividades desenvolvidas pela empresa e geralmente expressa
consentimento ao clicar no botão de aceitação. Trata-se de uma situação em que as opções
do trabalhador se resumem a concordar – e dar início a uma relação que nasce desigual - ou
rejeitar as cláusulas – e ficar excluído do mercado. Ou seja, é um contrato de adesão300.
A invisibilidade é outro atributo de ambas as formas de trabalho. De acordo com
Miriam Cherry, Winifred Poster e Marion Crain, trabalho invisível envolve as
atividades que ocorrem no contexto de trabalho remunerado e que
trabalhadores executam em resposta às demandas (tanto implícitas como
explícitas) dos empregadores e que são essenciais para a geração de renda,
obtenção ou manutenção do trabalho e promoção da carreira, ainda que
sejam frequentemente negligenciadas, ignoradas e/ou desvalorizadas pelos
empregadores, consumidores, trabalhadores e, em última instância, pelo
próprio sistema jurídico301.
A manifestação do trabalho invisível no trabalho sob demanda por meio de
aplicativos e no crowdwork ocorre conforme as peculiaridades de cada um. Apesar disso,
dois atributos que estão presentes nessas duas formas de trabalho contribuem para o
fenômeno do desaparecimento dos trabalhadores. O primeiro é o uso de termos que buscam
dissociar as tarefas que as pessoas realizam por meio das plataformas da noção de trabalho.
As empresas não as chamam de trabalhadoras, mas de parceiras, como é o caso da Uber, e
turkers, pela Amazon Mechanical Turk, dentre outras denominações que esvaziam o
conteúdo laboral das atividades302.
A segunda é a classificação dos trabalhadores como autônomos ao invés de
empregados. Independentemente da adequação em os contratar dessa forma, transmite-se a
ideia de que trabalhadores que realizam atividades que demandam baixa qualificação são
proprietários de empresas ou microempreendedores. Entretanto, o pagamento no trabalho
sob demanda por meio de aplicativos e no crowdwork é geralmente feito pelos segundos ou

299
ALOISI, Antonio. op. cit., p. 671, tradução nossa de: “click-wrap agreements”.
300
Id. Ibid., p. 670-671.
301
CRAIN, Marion; POSTER, Winifred; CHERRY, Miriam. Introduction: conceptualizing invisible labor. In:
CRAIN, Marion; POSTER, Winifred; CHERRY, Miriam. (Eds.). Invisible labor: hidden work in the
contemporary world. Oakland, California: University of California Press, 2016, p. 6, tradução nossa de:
“activities that occur within the context of paid employment that workers perform in response to
requirements (either implicit or explicit) from employers and that are crucial for workers to generate income,
to obtain or retain their jobs, and to further their careers, yet are often overlooked, ignored, and/or devalued
by employers, consumers, workers, and ultimately the legal system itself”.
302
DE STEFANO, Valerio. Crowdsourcing, the Gig-Economy, and the Law Introduction. Comparative Labor
Law & Policy Journal, v. 37, n. 3, p. 462, 2016; CHERRY, Miriam. People Analytics and Invisible Labor
The Law and Business of People Analytics. Saint Louis University Law Journal, v. 61, p. 4, 2016.
127

pelos minutos trabalhados, sendo que em diversas situações não se consegue obter um salário
mínimo no final do mês – instituto criado justamente para proteger a renda de trabalhadores
que, dentre outras atividades, desempenham tarefas que não exigem alta ou média
qualificação303.
O uso do trabalho sob demanda por meio de aplicativos e o crowdwork é um sintoma
do impulso global em direção à descentralização das estruturas, à criação de redes de
produção dispersas e densas e à terceirização. A tecnologia da informação e comunicação
permite o acesso à mão de obra em escala, com custos reduzidos, e gerenciáveis pelo tempo
necessário para a execução dos serviços requisitados, além de permitir o pagamento dos
trabalhadores a cada atividade realizada. Contudo, as empresas conseguem promover a
terceirização de suas atividades sem abandonar o gerenciamento do que é essencial para o
negócio, tanto pela dependência econômica do trabalhador, como pelo sistema de reputação,
presente em grande escala nas plataformas. A expansão desse cenário acelera a desregulação
do mercado do trabalho, rebaixando o padrão de proteção trabalhista e tornando a renda dos
trabalhadores pouco previsível e, consequentemente, incerta304.
Ludmila Costek Abilio aponta que o trabalho sob demanda por meio de aplicativos
e o crowdwork avançam no processo de descentralização da produção e transferência de
responsabilidade, complementando e concorrendo com a terceirização. A complementação
ocorre quando o empresário adota essas formas de trabalho para realizar atividades que a
terceirização tradicional – em que é contratada uma empresa prestadora de serviços - não é
capaz de fazer. A concorrência dá-se nos casos em que as empresas terceirizadas são
substituídas pelas plataformas digitais. Para ilustrar essa última situação, a autora menciona
o caso dos motofretistas na cidade de São Paulo: até a década de 1980 eram contratados
diretamente pelas empresas, sendo que a partir da década de 1990 a atividade de retirada e
entrega de mercadorias por meio de motocicletas passou a ser feita por empresas
terceirizadas e, atualmente, há um crescente uso de plataformas digitais para a realização
dessa atividade305.
Nota-se que o argumento que geralmente é utilizado para justificar o uso da
terceirização – a transferência de serviços para empresa especializada que o faria melhor e
deixaria a empresa tomadora centrada em seu produto principal – é enfraquecido nesse
cenário, uma vez que os trabalhadores que atuam nas plataformas são, em sua maioria,

303
CHERRY, Miriam. op. cit., p. 4-5.
304
Id. Beyond Misclassification: The Digital Transformation of Work. op. cit., p. 657-663.
305
ABILIO, Ludmila Costek. op. cit.
128

amadores. A uberização evidencia que o motor da descentralização da produção é a redução


de custos, em que o trabalhador é diretamente afetado, penalizado e precarizado.
A precariedade do trabalho geralmente é associada com a combinação dos seguintes
fatores: (i) baixa remuneração, especialmente se os ganhos estão abaixo de padrões mínimos
e são variáveis; (ii) insegurança, pela ausência de certeza sobre a continuidade do trabalho e
pelo elevado risco de perda do emprego; (iii) reduzida margem de controle pelos
trabalhadores, com a falta de espaços para manifestação a respeito das condições de trabalho;
e (iv) desamparo, sem regulação do trabalho, por lei ou instrumento coletivo, em que se
disponha de proteções ao trabalhador306.

2.3. Os números de trabalhadores no trabalho sob demanda por meio de aplicativos e


no crowdwork
A exata dimensão do número de trabalhadores atuando no trabalho sob demanda por
meio de aplicativos e no crowdwork não é simples de ser capturada. Pesquisas realizadas
com o objetivo de mensurar a quantidade de trabalhadores apontam para resultados nem
sempre na mesma direção.
Cristiano Codagnone, Fabienne Abadie e Federico Biagi compilaram dados
disponíveis entre 2013 e 2015 de 39 plataformas em todo o mundo e concluíram que há mais
de 52,5 milhões de trabalhadores executando serviços no capitalismo de plataforma307.
Em 2015, a Burson-Marsteller, o Instituto Aspen e a Time conduziram uma pesquisa
para identificar o tamanho do trabalho sob demanda por meio de aplicativos nos Estados
Unidos. Os resultados apontaram que 22% da população (45 milhões de pessoas) já tinha
prestado serviços nessa modalidade de trabalho 308 . No mesmo ano, Seth Harris e Alan
Krueger destacaram que aproximadamente 600 mil trabalhadores, ou 0,4% da força de
trabalho, nos Estados Unidos desempenhavam atividades no capitalismo de plataforma309.
Ainda em 2015, relatório do Instituto Global da consultoria McKinsey indicou que em torno

306
RODGERS, Gerry. Precarious work in Western Europe: The state of the debate. In: RODGERS, Gerry;
RODGERS, Janine (Eds.). Precarious jobs in labour market regulation: the growth of atypical employment
in Western Europe. Geneva: International Labour Office, 1989, p. 3.
307
CODAGNONE, Cristiano; ABADIE, Fabienne; BIAGI, Federico, op. cit., p. 23.
308
BURSON MARSTELLER; ASPEN INSTITUTE; TIME. The On-Demand Economy Survey. 2015.
Disponível em: <https://www.burson-marsteller.com/what-we-do/our-thinking/the-on-demand-
economy/the-on-demand-economy-survey/>. Acesso em: 04 jun. 2018.
309
HARRIS, Seth; KRUEGER, Alan. A proposal for modernizing labor laws for twenty-first century work: the
“independent worker”. 2015. Disponível em: <
http://www.hamiltonproject.org/assets/files/modernizing_labor_laws_for_twenty_first_century_work_kru
eger_harris.pdf>. Acesso em 12 fev. 2016.
129

de 1% dos trabalhadores estadunidenses (1,6 milhão) atuavam nessas plataformas 310. Em


2018, Lawrence Mishel, ao analisar o tamanho e a importância da Uber no mercado de
trabalho dos Estados Unidos, afirmou que o trabalho sob demanda por meio de aplicativos
e o crowdwork abrangem somente 0,1% da força de trabalho empregada em tempo integral
e 0,8% do total dos trabalhadores311.
Ursula Huws e Simon Joyce fizeram pesquisas para a Universidade de Hertfordshire,
para a Fundação para Estudos Progressistas Europeus e para o Sindicato Europeu de
Trabalhadores de Serviços, com o objetivo de verificar o tamanho do capitalismo de
plataforma no Reino Unido e na Suécia. Em relação ao primeiro país, 21% das pessoas (9
milhões) procuraram trabalho nessas plataformas, 11% (4,9 milhões) trabalharam pelo
menos uma vez, 4% (1,8 milhão) trabalham todo mês e 3% (1,3 milhão), toda semana312. No
segundo, 24% (1,4 milhão) procuraram por trabalho, 12% (700 mil) trabalharam pelo menos
uma vez, 4% (245 mil) trabalham todo mês e 3% (170 mil), toda semana313.
Cristiano Codagnone, Fabienne Abadie e Federico Biagi consideram os dados
apresentados por Ursula Huws e Simon Joyce mais confiáveis, uma vez que as entrevistas
foram conduzidas pelo Instituto Ipsos MORI e baseadas em amostras representativas dos
países. Somando-se a isso o fato de que grande parte das plataformas foram criadas nos
Estados Unidos, os autores afirmam que enquanto algumas pesquisas subestimam o tamanho
do capitalismo de plataforma, outras superestimam. De acordo com suas avaliações, haveria
aproximadamente 6 milhões de trabalhadores atuando em plataformas (por volta de 4% da
força de trabalho) de forma constante no mundo314.
Antonio Aloisi entende que é impossível tentar contar de forma exata o número de
trabalhadores desempenhando atividades nas plataformas digitais. O autor destaca que não
há distinção entre as contas ativas e inativas nas plataformas, bem como esses conceitos

310
MCKINSEY GLOBAL INSTITUTE. A labor market that works: connecting talent with opportunity in the
digital age – full report. 2015. Disponível em:
<https://www.mckinsey.com/~/media/McKinsey/Global%20Themes/Employment%20and%20Growth/Co
nnecting%20talent%20with%20opportunity%20in%20the%20digital%20age/MGI_Online_talent_A_labo
r_market_that_works_Full_report_June_2015.ashx>. Acesso em: 04 jun. 2018, p. 33.
311
MISHEL, Lawrence. Uber and the labor market: Uber drivers’ compensation, wages, and the scale of Uber
and the gig economy. 12 may 2018. Disponível em: <https://www.epi.org/files/pdf/145552.pdf>. Acesso
em: 04 jun. 2018, p. 3.
312
HUWS, Ursula; JOYCE, Simon. Size of the UK’s “gig economy” revealed for the first time. 2016.
Disponível em: <http://www.feps-europe.eu/assets/a82bcd12-fb97-43a6-9346-24242695a183/crowd-
working-surveypdf.pdf>. Acesso em: 04 jun. 2018.
313
Id. Size of Sweden’s “gig economy” revealed for the first time. 2016. Disponível em: <http://www.feps-
europe.eu/assets/3f853cec-1358-4fb4-9552-274b55e05ecf/crowd-working-survey-swedenpdf.pdf>.
Acesso em: 04 jun. 2018.
314
CODAGNONE, Cristiano; ABADIE, Fabienne; BIAGI, Federico, op. cit., p. 22.
130

variarem no setor. Ou seja, os números fornecidos pelas plataformas podem não ser precisos.
Ademais, os trabalhadores podem se cadastrar em diversas plataformas, o que torna a mera
soma dos números disponibilizados passível de sobreposição315.
Jeremias Prassl coloca que os dados estatísticos disponíveis sobre a dimensão do
trabalho no capitalismo de plataforma focam em demasia nas pessoas que obtêm a renda
principal a partir do trabalho sob demanda por meio de aplicativos ou crowdwork, deixando
de contabilizar aqueles que as usam para complementar a renda. Assim, deixa-se de
mensurar parcela significativa da força de trabalho316.
No Brasil, não há estimativas sobre o impacto das plataformas digitais no mercado
de trabalho. No máximo, há algumas plataformas que divulgam o número de trabalhadores
que prestam serviço. De qualquer forma, o Instituto Global da consultoria McKinsey
identificou um grande potencial para o crescimento do capitalismo de plataforma no país até
2025. De acordo com o relatório de 2015, é possível vislumbrar a criação de 2,7 milhões de
postos de trabalho em tempo integral, aumentando a taxa de emprego em 2,6%317.

2.4. Pontos positivos e pontos negativos


Há estudiosos que identificam pontos positivos no surgimento dessas novas formas
de trabalho. Greetje Corporaal e Vili Lehdonvirta afirmam que, desde a década de 1980, as
empresas buscam força de trabalho mais flexível, especificamente em três aspectos: (i)
numérico, em que as empresas conseguem ajustar rapidamente o tamanho da mão de obra e
a quantidade de horas trabalhadas conforme a demanda da produção; (ii) funcional,
empregando trabalhadores com uma multiplicidade de qualificações e capazes de
desempenhar diversas atividades; e (iii) financeira, em que os empregadores ajustam o seu
custo do trabalho de acordo com o valor externo do trabalho. Nesse contexto, haveria um
núcleo de trabalhadores altamente qualificados e regularmente treinados (flexibilidade
funcional) e uma periferia de trabalhadores flexíveis com contratos temporários
(flexibilidade numérica e financeira). O uso das plataformas digitais de trabalho e de
trabalhadores autônomos permitiria realinhar essa distribuição da flexibilidade entre a força

315
ALOISI, Antonio. op. cit., p. 659.
316
PRASSL, Jeremias. op. cit., p. 16.
317
MCKINSEY GLOBAL INSTITUTE. A labor market that works: connecting talent with opportunity in the
digital age – appendix: country case studies. 2015. Disponível em:
<https://www.mckinsey.com/~/media/McKinsey/Global%20Themes/Employment%20and%20Growth/Co
nnecting%20talent%20with%20opportunity%20in%20the%20digital%20age/MGI_Online_talent_Append
ix_Country_case_study.ashx>. Acesso em: 04 jun. 2018.
131

de trabalho, tendo em vista que há plataformas que oferecem a execução de atividades


qualificadas e com alto grau de especialização318.
Mark Graham, Vili Lehdonvirta, Alex Wood, Helena Barnard, Isis Hjorth e David
Peter Simon realizaram pesquisa no Sudeste Asiático e na África subsaariana e constataram
que as plataformas de trabalho de bico online podem oferecer e ampliar os ganhos dos
trabalhadores, sendo uma das principais fontes de renda para algumas famílias. Além disso,
em determinadas plataformas os clientes dão espaço para os trabalhadores desenvolverem a
atividade solicitada, o que não ocorre em casos de terceirização focados no atendimento aos
consumidores319.
Miriam Cherry destaca que o espaço virtual facilita a combinação entre oferta e
demanda de mão de obra, o que cria mais oportunidades para os trabalhadores e torna o
mercado de trabalho mais eficiente. Esse cenário beneficia os trabalhadores, tanto por
aumentar a flexibilidade e o controle sobre o trabalho, uma vez que têm grande margem para
tomar decisões a respeito de suas atividades, como por ampliar os espaços para a organização
coletiva pelo meio virtual320.
Jeremias Prassl coloca que o capitalismo de plataforma oferece oportunidades para
os trabalhadores, como o trabalho flexível e a possibilidade de obterem renda extra, quando
necessário, sem recorrerem aos horários e ao gerenciamento de um emprego tradicional.
Ainda, pode ser o meio que garanta o acesso ao trabalho para grupos tradicionalmente
excluídos do mercado de trabalho, como os que vivem distantes dos centros de emprego, as
pessoas com deficiência, egressos do sistema prisional, dentre outros321.
Por outro lado, também são identificados pontos negativos nessas novas formas de
trabalho. Mark Graham, Vili Lehdonvirta, Alex Wood, Helena Barnard, Isis Hjorth e David
Peter Simon afirmam que, no Sudeste Asiático e na África subsaariana, o crescimento da
conectividade em todo o mundo e a ausência de bons empregos nos mercados de trabalho
locais podem levar a um aumento de procura pelas ocupações nas plataformas digitais. Se
não houver um aumento correspondente do lado da demanda, a consequência pode ser a

318
CORPORAAL, Greetje; LEHDONVIRTA, Vili. op. cit., 6-7.
319
GRAHAM, Mark; LEHDONVIRTA, Vili; WOOD, Alex; BARNARD, Helena; HJORTH, Isis; SIMON,
David Peter. Risks and rewards of online gig work at the global margins. 2017. Disponível em:
<https://www.oii.ox.ac.uk/publications/gigwork.pdf>. Acesso em: 02 fev. 2018, p. 2-6.
320
CHERRY, Miriam. A taxonomy of virtual work. cit., p. 959-960.
321
PRASSL, Jeremias. op. cit., p. 24.
132

ausência de trabalho e pressão para reduzir a remuneração, o que tende a ser mais acentuado
para os trabalhadores com baixa qualificação322.
Os autores ainda identificaram outros riscos: (i) insegurança no trabalho, dado que
os trabalhadores se sentem substituíveis e podem ser dispensados a qualquer momento; (ii)
discriminação, uma vez que nas plataformas que conectam empregadores e trabalhadores
em escala global, os requerentes oriundos de países de alta renda tendem a considerar o
trabalho das pessoas de países de média e baixa renda como inferiores, o que reduz os seus
ganhos; (iii) isolamento social, pois o trabalho em casa e a diferença entre os fusos horários
atrapalham a interação entre trabalhadores; (iv) excesso de trabalho, em que os trabalhadores
desempenham suas atividades por muitas horas e em alta intensidade, na maioria das vezes
com o objetivo de auferir maiores ganhos num contexto em que o valor da hora paga é baixo;
(v) opacidade, com empregadores se relacionando de forma pontual e esporádica com os
trabalhadores, o que dificulta o entendimento sobre o que deve ser feito; (vi) quarteirização,
uma vez que, considerando que a reputação dos prestadores de serviços é importante para os
clientes escolherem quem realizará a atividade, existem casos de trabalhadores com elevadas
avaliações que repassam as tarefas para outros trabalhadores e retêm parte do pagamento
para si323.
Miriam Cherry aponta que, nas últimas décadas, as empresas optaram por concentrar
a sua produção em locais com reduzido valor do trabalho e fraca regulação das relações de
emprego. Nesse contexto, a tecnologia pode acelerar esse movimento de busca por lugares
com frágil proteção trabalhista, levando ao enfraquecimento dos direitos dos trabalhadores
e potencializando a disseminação da terceirização. Como exemplo, descreve o caso das
operações de mineração de dados, em que os trabalhadores têm extensas jornadas e recebem
produtos em troca de suas atividades, em “sweatshops virtuais”324.
Jeremias Prassl destaca que a existência de péssimas condições de trabalho e de
remuneração insuficiente para sobreviver faz os trabalhadores necessitarem desempenhar
atividades por longas horas. Esse cenário, somado ao fato de a demanda de serviços dos
consumidores ser imprevisível, torna a suposta flexibilidade de horários uma ilusão325.
O cenário apresentado mostra que o trabalho sob demanda por meio de aplicativos e
o crowdwork colocam desafios a serem enfrentados. Gérard Valenduc e Patricia Vendramim

322
GRAHAM, Mark; LEHDONVIRTA, Vili; WOOD, Alex; BARNARD, Helena; HJORTH, Isis; SIMON,
David Peter. op. cit., p. 6.
323
Id. Ibid., p. 7-9.
324
CHERRY, Miriam. op. cit., p. 960-961.
325
PRASSL, Jeremias. op. cit., p. 26.
133

destacam que o fato de muitas dessas atividades serem realizadas na casa dos trabalhadores
torna a busca pelo equilíbrio entre trabalho e vida privada mais complexo de ser atingido.
Ainda, pontuam que diversas zonas cinzentas são criadas, como entre empregado e
autônomo, produtores e consumidores, empregados e usuários de plataformas,
empregadores e tomadores de serviço autônomo, indicando a importância em redefinir
conceitos para se minimizar os efeitos negativos na disseminação dessas formas de trabalho.
Outro tema que os autores enfatizam é a segurança e saúde do trabalho, com o possível
aumento de problemas relacionados à ergonomia, tecnoestresse, excesso de exposição a telas
de computador, burnout, dentre outros326.
Mark Graham, Vili Lehdonvirta, Alex Wood, Helena Barnard, Isis Hjorth e David
Peter Simon afirmam que diversas questões se apresentam para os atores envolvidos. Em
relação às plataformas, questionam: (i) a necessidade de existir a possibilidade de selecionar
o trabalhador de acordo com a nacionalidade, dado que isso permite a discriminação; (ii) a
opção de os trabalhadores serem contratados somente como autônomos, o que pode
precarizar a situação daqueles que não estão em posição de igualdade com o contratante e
dependem da plataforma para sobreviver, além de desvirtuar a relação de emprego; e (iii) os
mecanismos existentes à disposição dos trabalhadores para apresentarem as suas demandas
para as plataformas e tomadores de serviço. Para os elaboradores de políticas públicas,
indagam sobre: (i) a melhor maneira de regular o trabalho de bico online, sugerindo a
aplicação das leis trabalhistas do local do contratante, para que a procura por trabalhadores
de países de baixa renda não ocorra para burlar direitos trabalhistas; (ii) a necessidade de
limitar o monopólio do trabalho de bico online, num contexto em que uma plataforma pode
se tornar a principal infraestrutura de um setor e o trabalhador ficar dependente dela, dado
que seu histórico laboral fica na plataforma e não o acompanha, o que cria dificuldades para
se migrar para uma outra; (iii) a motivação dos governos em apoiar a criação de formas
alternativas de organização das plataformas, como as cooperativas de trabalho. No tocante
aos trabalhadores, mencionam: (i) as formas de organização que os trabalhadores podem
adotar e sejam adequadas à realidade do trabalho online de plataforma; (ii) os meios de
promover solidariedade entre trabalhadores que podem ter interesses distintos, que não
compartilham o mesmo espaço físico e que são estimulados a competirem entre si; (iii) os
instrumentos para responsabilizar empresas com complexas cadeias produtivas por más
condições de trabalho. Diante da sociedade, colocam o debate acerca da conveniência em

326
VALENDUC, Gérard; VENDRAMINI, Patricia. op. cit., p. 35-38.
134

certificar as plataformas que pagam salários adequados e garantem boas condições de


trabalho, como forma de estimular esse comportamento327.

3. Trabalho sob demanda por meio de aplicativos


O núcleo do trabalho sob demanda por meio de aplicativos é a relação de trabalho de
triangular, em que a plataforma viabiliza a combinação entre oferta e demanda de mão de
obra por meio do software para a execução de uma atividade nas proximidades ou no próprio
local em que está situado fisicamente o tomador de serviços. Em regra, o aplicativo, um
software que coordena o processamento de informações e dados para os seus usuários, é
utilizado principalmente em telefone celulares e computadores328 e não é o meio principal
para a execução da atividade, sendo por vezes usado de forma acessória e, em outras, sequer
acionado329.
Ruth Berins Collier, Veena Dubal e Christopher Carter afirmam que essa forma de
trabalho é um avanço na reestruturação das empresas e no processo de fragmentação do
trabalho, dado que o uso de telefones celulares e, especialmente, do algoritmo permitem a
coordenação virtual do trabalho e oferecem ao empregador meios para expandir, intensificar
e acelerar a contratação de trabalhadores autônomos para tarefas ou projetos específicos por
meio das plataformas330.
Os setores em que o trabalho sob demanda por meio de aplicativos é adotado com
maior frequência são: transporte, limpeza, trabalho doméstico, montagem e reparos de
móveis, instalação e vistoria da parte elétrica de imóveis, trabalho administrativo,
consultoria, assistência jurídica, assistência médica, serviço de retirada e entrega de
mercadorias e cuidados de pessoas em domicílio (especialmente idosos e crianças)331.

327
GRAHAM, Mark; LEHDONVIRTA, Vili; WOOD, Alex; BARNARD, Helena; HJORTH, Isis; SIMON,
David Peter. op. cit., p. 10-12.
328
PC MAGANIZE. Application program. Disponível em:
<https://www.pcmag.com/encyclopedia/term/37919/application-program>. Acesso em: 15 jun. 2018.
329
DE STEFANO, Valerio. The rise of the “just-in-time workforce”: on-demand work, crowdwork, and labor
protection in the “gig-economy”. cit., p. 471-474.
330
COLLIER, Ruth Berins; DUBAL, Veena; CARTER, Christopher. Labor platforms and gig work: the failure
to regulate. 17 sept. 2017. Disponível em: <http://www.irle.berkeley.edu/files/2017/Labor-Platforms-and-
Gig-Work.pdf>. Acesso em: 03 out. 2017, p. 3.
331
DE STEFANO, Valerio. op. cit., p. 474-475; ALOISI, Antonio. op. cit., p. 688-690; HUNT, Abigail;
MACHINGURA, Fortunate. A good gig? The rise of on-demand domestic work. Dec. 2016. Disponível em:
<https://www.odi.org/sites/odi.org.uk/files/resource-documents/11155.pdf>. Acesso em: 15 jun. 2018.
135

3.1. Dinâmicas das relações de trabalho e modo de operação das plataformas


Em regra, o trabalho ocorre da seguinte maneira: (i) o usuário da plataforma acessa
o aplicativo em busca de um serviço e o solicita; (ii) em algumas plataformas, é possível
indicar determinadas características que o trabalhador deve ter para executar a atividade –
como tempo de experiência -, ao passo que em outras, essa opção não é apresentada; (iii) a
oferta solicitada é apresentada aos trabalhadores que estão disponíveis e atendem aos
critérios da plataforma (como os casos em que se dá preferência aos mais fisicamente
próximos do usuário) e/ou do cliente; (iv) em algumas plataformas, o usuário também pode
escolher o trabalhador que executará a atividade; (v) havendo a combinação entre oferta e
demanda de mão de obra, seja pela ordem de chegada do trabalhador disponível, seja pela
escolha do trabalhador feita pelo usuário, a tarefa é executada; (vi) terminada a atividade, o
cliente realiza o pagamento para a intermediária, que normalmente retém a sua parte, e, em
seguida, repassa os valores devidos ao trabalhador; (vii) geralmente os trabalhadores são
avaliados pelos usuários e, em algumas plataformas, os prestadores de serviços também
avaliam os clientes.
A empresa é proprietária da infraestrutura que possibilita a conexão entre
consumidores, que buscam serviços mais baratos do que os oferecidos por meios tradicionais
e maior facilidade no acesso, e trabalhadores, que podem ser amadores ou profissionais e ter
baixa ou média qualificação conforme a natureza da atividade executada. As plataformas
frequentemente estabelecem de forma unilateral os termos de condição de uso – para
tomadores e prestadores de serviço. Na maioria dos casos, também fixam os valores do
trabalho e determinam padrões mínimos de qualidade do serviço. Atuam como
intermediárias, enunciando que criam um mercado virtual e aproximam oferta e demanda de
trabalho332.
Antonio Aloisi aponta que as empresas que utilizam essa forma de trabalho agregam
um conjunto de práticas – como geolocalização, pagamentos online, contratação e
gerenciamento de mão de obra e distribuição de serviços - em um aplicativo de fácil uso e
com poucos obstáculos de ingresso. O uso dessas práticas permite a calibração em tempo
real da demanda e da disponibilidade da mão de obra e torna o sistema mais eficiente do
ponto de vista do tomador de serviços333.
Ludmila Costek Abílio afirma que as empresas-aplicativo, denominação usada para
as organizações que adotam o trabalho sob demanda por meio de aplicativos, promovem a

332
DE STEFANO, Valerio. op. cit., p. 472; ABILIO, Ludmila Costek. op. cit.
333
ALOISI, Antonio. op. cit., p. 670-671; VALENDUC, Gérard; VENDRAMINI, Patricia. op. cit., p. 35.
136

transferência de riscos e custos para trabalhadores disponíveis e não para outras empresas,
como ocorre com a terceirização. Além disso, também há a transferência da administração
do trabalho não pago e do tempo de trabalho para o trabalhador. Essas transferências não
ocorrem aleatoriamente, uma vez que as empresas-aplicativo controlam, gerenciam e
acompanham a maneira pela qual as atividades são executadas, sendo que o software ocupa
um papel central para viabilizar essas ações pelas plataformas334. A intensidade do controle,
gerenciamento e acompanhamento varia entre as plataformas.

3.2. Os trabalhadores
As empresas-aplicativo têm poucos empregados, normalmente para realizar tarefas
administrativas, jurídicas, de relações públicas e lobby, e um grande número de
trabalhadores – considerados como autônomos pelas plataformas - que desenvolvem as
atividades centrais para o negócio, anunciadas e oferecidas para os consumidores335.
Os trabalhadores são classificados como autônomos pois, de acordo com as empresas,
há liberdade de planejamento dos horários de trabalho, não existindo o dever em
desempenhar uma quantidade mínima de horas por dia, semana ou mês. Nesse sentido, os
trabalhadores ficariam disponíveis para a execução de tarefas conforme os seus demais
compromissos pessoais ou profissionais. Contudo, em determinadas plataformas, assim que
o trabalhador se conecta, busca-se influenciar a sua conduta, indicando como deve ser o
comportamento perante o consumidor e a realização da tarefa, assim como mantê-lo em
atividade e em disponibilidade o maior tempo possível. Isso ocorre com maior frequência
no setor de transporte e de retirada e entrega de mercadorias, em que a oferta e a demanda
são mais intensas e dinâmicas, as tarefas duram minutos e o trabalhador just-in-time é central
para o desenvolvimento empresarial. Nos demais setores, as plataformas não atuam para
interferir, nesses moldes, no comportamento dos trabalhadores336.
Para que tenham condição de auferir os ganhos necessários para sobreviverem, os
trabalhadores são obrigados a criarem estratégias pessoais para enfrentarem a concorrência
dos demais prestadores de serviço e obterem renda dentro do tempo disponível para
trabalharem. Essa característica também é apontada para que os trabalhadores sejam
considerados como autônomos, uma vez que se aproximariam mais da figura do
microempreendedor do que da do empregado. Entretanto, o fato de os prestadores de serviço

334
ABILIO, Ludmila Costek. op. cit.
335
Id. Ibid.
336
Id. Ibid.; CUNNINGHAM-PARMETER, Keith. From Amazon to Uber: Defining Employment in the
Modern Economy. Boston University Law Review, v. 96, p. 1719–1721, 2016.
137

atuarem individualmente dentro da estrutura do negócio principal da plataforma, com


reduzida margem para estabelecerem condições de trabalho (como o valor do serviço) e
estarem sujeitos ao sistema de reputação enfraquece essa associação com o microempresário.
Estaríamos diante do que Ludmila Costek Abílio denomina de “nanoempresário-de-si
permanentemente disponível ao trabalho”337.
Em diversas plataformas, os trabalhadores devem ter a propriedade ou posse dos
principais equipamentos e instrumentos para a prestação do serviço, como o carro para
oferecerem transporte, o veículo para fazerem a retirada e entrega de mercadorias, as
ferramentas para executarem consertos e montarem móveis, os produtos para realizarem
limpeza, dentre outros. Em alguns casos, é a plataforma que determina a especificação desses
equipamentos ou instrumentos338.

3.3. Gerenciamento automático


As empresas-aplicativo que adotam o gerenciamento automático dependem
diretamente dos consumidores. Finalizada a tarefa executada pelo trabalhador, a plataforma
solicita que o cliente faça a avaliação do serviço, geralmente o classificando em uma escala
de um a cinco, sendo um a pior e cinco a melhor nota, ou como positivo ou negativo. Então,
as avaliações são consolidadas para se obter uma média. Algumas empresas utilizam essas
avaliações para que o consumidor tenha mais dados na hora de optar por um trabalhador,
quando isso é possível. Entretanto, outras usam as notas para analisar a pertinência de o
trabalhador continuar participando da plataforma para oferecer os seus serviços, podendo
suspendê-lo temporariamente ou até excluí-lo em definitivo. Tendo em vista que esses
processos ocorrem de forma automática a partir da consolidação de informações pelo
software, eles são denominados de “dispensa por algoritmos”339. O problema de as empresas
adotarem esse modo de operar é que os consumidores não são obrigados a fornecerem uma
justificativa para as avaliações baixas e não há meios do trabalhador apresentar argumentos
para não ser banido da plataforma. Ainda, há indícios de que a assinalação de notas baixas,
em muitas vezes, é fruto de preconceito racial ou religioso do cliente, o que torna a situação
ainda mais complexa340.
Determinadas plataformas também utilizam a nota média dos trabalhadores para
facilitar ou dificultar o acesso ao trabalho. Ou seja, os mais bem avaliados são colocados em

337
ABILIO, Ludmila Costek. op. cit.
338
CHERRY, Miriam. Beyond Misclassification: The Digital Transformation of Work. cit., p. 601.
339
Id. Ibid., p. 597, tradução nossa de: “firing by algorithm”.
340
Id. Ibid., p. 597-598.
138

maior evidência para os consumidores – quando há a possibilidade de escolha -, ou recebem


com alguma antecedência ou prioridade as demandas para execução de tarefas. Isso amplia
sua vinculação com uma plataforma específica, uma vez que a decisão de oferecer serviços
por meio de uma outra empresa-aplicativo implicaria iniciar a sua reputação do zero. Nesse
sentido, “o sistema de ranqueamento, combinado com a classificação baseada em aprovação
e outros elementos obscuros de algoritmos indescritíveis, é um uma forma de implementar
regras internas e condicionar a autonomia dos trabalhadores”341.
As empresas-aplicativo afirmam que o sistema de reputação é importante para que
os consumidores tenham maiores informações sobre os prestadores de serviço, para que os
bons executores de atividades possam se diferenciar dos demais e para estabelecer uma
relação de confiança entre as partes. As dificuldades envolvidas na contratação à distância
de trabalhadores e as consequências negativas advindas da realização de um serviço por
alguém com perfil inadequado para determinada tarefa deveriam estimular as partes
envolvidas a valorizarem mecanismos abertos e transparentes dessa natureza342.
Entretanto, Tom Slee entende que isso não passa de uma miragem. O autor destaca
que a regulação de atividades econômicas tem o objetivo de examinar elementos que os
consumidores não têm o conhecimento para analisar, como as condições do automóvel, o
que retira a objetividade do sistema. Ademais, casos em que há violação da lei, como assédio,
fraude, furto ou roubo, não se resolvem por meio de avaliações feitas pelos clientes. A única
utilidade do sistema é analisar questões menores, como pontualidade, limpeza, simpatia,
dentre outros343.
Tom Slee coloca que é necessário diferenciar confiança de reputação. Na área dos
negócios, confiança se obtém por meio de regulações, qualificações profissionais,
certificações, agências de análise independentes e compromissos empresariais individuais,
conforme o setor de atuação predominante. Diferentemente, reputação se constrói de forma
mais informal, social e pessoal, com a consolidação das opiniões de quem teve experiência
com o serviço ou produto. Nesse sentido, as empresas não oferecem um serviço confiável,
mas que as atividades sejam executadas por trabalhadores com boa reputação344.

341
ALOISI, Antonio. op. cit., p. 671, tradução nossa de: “the ranking system, combined with the approval rating
and other obscure elements of an indescribable algorithm, is a though way of implementing internal rules
and condition workers’ autonomy”.
342
PRASSL, Jeremias. op. cit., p. 53.
343
SLEE, Tom. op. cit., p. 92-93.
344
Id. Ibid., p. 94-95.
139

O autor ainda destaca que o sistema de reputação utilizado pelas empresas-aplicativo


tem dificuldades em cumprir o seu propósito. Primeiramente, porque há uma tendência dos
usuários em avaliar o trabalhador conforme a nota que esse possui. Ou seja, se em uma escala
de um a cinco, o cliente visualiza que a nota média do trabalhador é cinco, existe uma
inclinação para dar nota cinco. Nesse sentido, os consumidores apenas reforçariam o status
do prestador de serviço. Em segundo lugar, porque normas cotidianas de cortesia fazem com
que as pessoas se sintam relutantes em apresentar críticas públicas, o que faz com que parte
das avaliações não corresponda à realidade, tendo em vista que más experiências são sub-
relatadas. Em terceiro lugar, o fato de determinadas empresas também permitirem a
avaliação do consumidor pelo trabalhador insere o receio de retaliação em ambas as partes
e cria um estímulo para que a nota dada seja superestimada. Em quarto lugar, considerando
que diversas plataformas utilizam a nota média do trabalhador para decidir a sua
permanência na prestação de serviços, usuários apresentam avaliações acima das
vivenciadas por entenderem que uma nota mais baixa pode dar margem a uma consequência
desproporcional345. De qualquer forma, as empresas mantêm o discurso sobre esse sistema
ser um diferencial que garante a oferta de execução de tarefas com parâmetros adequados de
qualidade e os consumidores, em geral, continuam levando-o em consideração no momento
de optar pela contratação de um serviço346.
O sistema de reputação, majoritariamente alimentado pelas avaliações dos usuários,
é um mecanismo de manutenção de padrões mínimos - estabelecidos pela empresa - de
prestação de serviços e que promove uma vigilância constante dos trabalhadores. Segundo
Tom Slee,
sistemas de reputação não são substitutos para regulação. Ao contrário, são
um substituto para a estrutura gerencial da empresa e são ruins nisso. O
sistema de reputação é um chefe que veio do inferno: um gerente errático,
mal-humorado e sem transparência que pode te dispensar a qualquer
momento, em um impulso, sem direito de defesa347.
Esse sistema ainda coloca outros dois problemas para os trabalhadores. O primeiro é
a tendência a vinculá-los a uma (ou poucas) plataformas, tendo em vista que somente se leva
em consideração as avaliações feitas pelos clientes de uma determinada empresa, não

345
SLEE, Tom. op. cit., p. 96-103.
346
ABILIO, Ludmila Costek. op. cit.
347
SLEE, Tom. op. cit., p. 101, tradução nossa de: “reputation systems are no substitute for regulation. Instead,
they are a substitute for a company management structure, and a bad one at that. A reputation system is the
boss from hell: an erratic, bad-tempered and unaccountable manager that may fire you at any time, on a
whim, with no appeal”.
140

havendo um mecanismo que possibilite a comunicação da análise do desempenho do


trabalhador em diferentes plataformas. Ou seja, a avaliação não é do trabalhador em geral,
mas do seu desempenho em uma determinada empresa. O segundo é a situação de estágio
probatório sem fim que os trabalhadores vivenciam, uma vez que qualquer oscilação
negativa de sua nota média abaixo dos parâmetros impostos pela plataforma é razão para
suspensão ou desligamento348.
A política de transferência de atributos que tradicionalmente são reconhecidos como
das empresas para os trabalhadores e consumidores tem o objetivo de aprofundar a
descentralização laboral e afastar responsabilidades e obrigações que, na esfera trabalhista,
implicam o reconhecimento do vínculo empregatício e, consequentemente, o aumento do
custo do trabalho349.
Outro elemento que se relaciona com o gerenciamento automático é a forma pela
qual as plataformas extraem o conhecimento e experiência dos trabalhadores e dos
consumidores, codificam e processam essas informações para, em seguida, utilizarem-nas
no intuito de incrementarem a eficiência dos serviços prestados. Isso ocorre com maior
frequência nos setores de transporte e retirada e entrega de mercadorias, tanto na indicação
de uso de aplicativos de navegação por satélite, em que a sua precisão cresce conforme o
aumento de seu uso, como na aferição de oferta e demanda de serviços, o que é determinante
na fixação do valor do trabalho350.
Diversos autores apontam que o trabalho sob demanda por meio de aplicativos
também apresenta como nota distintiva a precarização. Miriam Cherry coloca que se associa
o trabalho precário à insegurança, incerteza, assunção de riscos, imprevisibilidade, falta de
confiança e descontinuidade, situações identificadas nessa forma de trabalho e que o contrato
de trabalho por tempo indeterminado – e que não é adotado nessa perspectiva – pretende
evitar ou, ao menos, mitigar. A expansão da precarização do mercado de trabalho ocorre em
um contexto de aumento das taxas de desemprego e de expansão dos contratos temporários,
de tempo parcial e intermitente351.

348
PRASSL, Jeremias. op. cit., p. 27; RISAK, Martin. Uber, Taskrabbit, and Co.: Platforms as Employers -
Rethinking the Legal Analysis of Crowdwork. Comparative Labor Law & Policy Journal, v. 37, p. 627,
2016.
349
ABILIO, Ludmila Costek. op. cit.
350
Id. Ibid.
351
CHERRY, Miriam. op. cit., p. 598.
141

3.4. Dependência e precariedade


Juliet Schor, William Attwood-Charles, Mehmet Cansoy, Isak Ladegaard e Robert
Wengronowitz conduziram pesquisa na região de Boston (EUA) para verificar as relações
entre dependência e precariedade em plataformas digitais nos setores de transporte,
hospedagem, retirada e entrega de mercadorias e execução de serviços domésticos. Os
resultados apresentaram questões relacionadas à dimensão em que os trabalhadores são
dependentes da plataforma para obterem renda para sobreviverem e à satisfação dos
trabalhadores com essas empresas, especialmente quanto ao ingresso, permanência e
condições de trabalho352.
Os autores identificaram três categorias de trabalhadores: (i) os dependentes (27%),
em que os trabalhadores dependem total ou majoritariamente da plataforma para
sobreviverem; (ii) parcialmente dependentes (41%), em que os trabalhadores contam com
os ganhos auferidos na plataforma para o sustento, mas também possuem outras fontes de
renda, como empregos em tempo parcial, a prestação de serviços em outras plataformas ou
o gerenciamento de pequenos negócios; e (iii) os que complementam a renda (32%), em que
os valores recebidos pelos serviços desenvolvidos na plataforma não compõem a renda
regular e são tidos como extras, sendo que os trabalhadores normalmente têm uma ocupação
em tempo integral ou desenvolvem uma outra atividade principal, como estudar353.
A dependência da plataforma tem uma intensa vinculação com a satisfação e a
precariedade vivenciada pelos trabalhadores. Aqueles que não dependem das plataformas
têm maior controle sobre quando, quanto e como trabalhar, conseguem escolher suas
programações de horários e para quem prestam serviços e têm maior poder para
estabelecerem suas condições de trabalho. Esse cenário permite que fiquem satisfeitos com
o trabalho e obtenham a renda desejada, assim como que evitem serviços que reputem
inseguros ou que não lhes paguem o que considerem adequado. Os autores afirmam que isso
ocorre pois os empregadores principais ou a fonte de renda primária, que garantem a
subsistência e a estabilidade, são o centro da segurança dos trabalhadores, sendo que as
plataformas “pegam carona” e se aproveitam da situação para construírem uma imagem
positiva com esses prestadores de serviço354.
De forma diferente, os trabalhadores que dependem das plataformas para terem
meios de pagar despesas básicas para sobreviverem sentem maior pressão para aceitarem

352
SCHOR, Juliet; ATTWOOD-CHARLES, William; CANSOY, Mehmet; LADEGAARD, Isak;
WENGRONOWITZ, Robert. op. cit., p. 1-40.
353
Id. Ibid., p. 1-5.
354
Id. Ibid., p. 2-4.
142

serviços e não têm como fazerem muitas escolhas, uma vez que a demanda por trabalho não
é suficiente. Eles expressam preocupação com o sistema de avaliação, com suas reputações
e com a permanência na plataforma e demonstram insatisfação com a precariedade de suas
situações355.
Apesar dos resultados gerais apresentados, os autores indicam algumas
peculiaridades conforme o setor da plataforma: (i) na hospedagem, os níveis de precariedade
são menores; (ii) na execução de serviços domésticos, há precariedade na auferição de
ganhos, mas com maior controle sobre os horários de trabalho; (iii) no transporte, há pouco
espaço para autonomia e controle e considerável competição entre os trabalhadores; (iv) na
retirada e entrega de mercadorias, somente há autonomia e controle de quem não é
dependente da plataforma356.
A lógica de funcionamento do trabalho sob demanda por meio de aplicativos pode
ser uma armadilha para os trabalhadores. Diante da necessidade de complementar renda
insuficiente que se consegue auferir no emprego principal, procura-se um trabalho extra nas
horas vagas para garantir a sobrevivência. Contudo, o comprometimento com a nova
ocupação, a dificuldade em administrar os horários de trabalho e o aumento exagerado da
carga laboral podem levar à dispensa do emprego principal, aprofundando a precarização do
trabalhador357.
Ludmila Costek Abílio afirma que as formas de trabalho do capitalismo de
plataforma levam a viração – ideia que expressa a necessidade constante em se procurar
trabalho para sobreviver, uma vez que os serviços encontrados são transitórios - a um
patamar internacional e globalizado, em que há uma massa de trabalhadores cuja opção se
resume ao trabalho instável e sem identidade, transitando entre bicos e atividades
temporárias para garantir a subsistência. Essa nova expressão da organização da produção
oferece serviços remunerados sem a tradicional forma do trabalho e colocam os
trabalhadores e consumidores em novas posições, em que esses colaboram com a empresa e
aqueles necessitam desenvolver estratégias pessoais e gerenciar suas atividades358.

355
SCHOR, Juliet; ATTWOOD-CHARLES, William; CANSOY, Mehmet; LADEGAARD, Isak;
WENGRONOWITZ, Robert. op. cit., p. 2-6.
356
Id. Ibid., p. 3-8.
357
CHERRY, Miriam. op. cit., p. 598.
358
ABILIO, Ludmila Costek. op. cit. A autora destaca que adota o termo viração conforme conceituado por
Vera da Silva Telles, em que os trabalhadores que vivem nas periferias brasileiras se veem obrigados a se
virar para sobreviver, aceitando as oportunidades que se apresentam diariamente para terem meios de
obterem renda e garantirem o seu sustento (TELLES, Vera da Silva. Mutações do trabalho e experiência
urbana. Tempo social, n. 18, v. 1, 2006, p. 173-195).
143

Ao analisar a situação do trabalho sob demanda por meio de aplicativos no Brasil,


especialmente quanto aos trabalhadores que dependem total ou parcialmente das plataformas,
a autora identifica que essa forma de trabalho aprofunda a viração, um processo presente
desde a constituição do mercado de trabalho brasileiro e que afeta principalmente os que têm
baixa qualificação e auferem rendimentos reduzidos. De acordo com a autora,
o ‘viver por um fio’ das periferias brasileiras significa um constante
agarrar-se às oportunidades, que em termos técnicos se traduz na alta
rotatividade do mercado de trabalho brasileiro, no trânsito permanente
entre trabalho formal e informal [...] na combinação de bicos, programas
sociais, atividades ilícitas e empregos359.
Com o objetivo de aprofundar a análise do trabalho sob demanda por meio de
aplicativos, desenvolveremos a seguir um estudo de caso sobre a Uber, uma plataforma
digital de transportes.

3.5. Uber
A Uber é a plataforma mais famosa no mundo do setor de transporte, que utiliza
trabalho sob demanda por meio de aplicativos. Fundada em 2010 e com sede em São
Francisco (EUA), tornou-se referência para empresas que adotam essa forma de trabalho.
Atualmente, opera em mais de 600 cidades no mundo de 65 países diferentes e com mais de
3 milhões de motoristas. No Brasil, atua em mais de 100 cidades e trabalha com mais de 500
mil motoristas. A plataforma não se considera uma empresa de transporte, mas de tecnologia
e que criou um aplicativo que conecta consumidores e motoristas que oferecem serviço de
transporte individual privado. A Uber considera os motoristas como parceiros e os classifica
como trabalhadores autônomos 360 . Em 2017, o valor de mercado da plataforma era de
US$ 48 bilhões361, teve uma receita de US$ 7,5 bilhões e um prejuízo de US$ 4,5 bilhões362.

359
ABILIO, Ludmila Costek. op. cit.
360
UBER. Fatos e dados sobre a Uber. cit.; Id. Termos e condições gerais dos serviços de intermediação digital.
São Paulo: mimeo, 2018, p. 9-10. Segundo os termos e condições gerais dos serviços de intermediação
digital, “a relação entre nós é exclusivamente de partes contratantes independentes. Estes Termos não
constituem um contrato de trabalho, nem criam uma relação de trabalho, joint venture, parceria, ou de
agenciamento entre nós, bem como não lhe concede autoridade de nos vincular ou de se apresentar como
nosso (a) empregado (a) ou representante autorizado” (Id. Ibid., p. 9-10)
361
ISAAC, Mike. Uber sells stake SoftBank, valuing ride-hailing giant at $ 48 billion. The New York Times,
New York, 28 dec. 2017. Disponível em: <https://www.nytimes.com/2017/12/28/technology/uber-
softbank-stake.html>. Acesso em: 23 jun. 2018.
362
NEWCOMER, Eric. Uber quartely sales rose 61% to $ 2 billion amid heavy loss. Bloomberg, New York,
13 feb. 2018. Disponível em: <https://www.bloomberg.com/news/articles/2018-02-13/uber-sales-reach-7-
5-billion-in-2017-despite-persistent-turmoil>. Acesso em 23 jun. 2018. O expressivo prejuízo que a Uber
teve em 2017 não é um acidente de percurso, mas a continuação de um processo que ocorre há 7 anos e que
totaliza perdas que superam US$ 17 bilhões. Debate-se como a Uber pode ser considerada uma empresa tão
144

A Uber anuncia que “oferece uma plataforma tecnológica para que motoristas
parceiros se conectem de forma fácil e descomplicada a usuários que buscam viagens
acessíveis e confiáveis”363. A plataforma afirma que é fornecedora de serviços de tecnologia
e nega ser uma empresa de transporte, um aplicativo de táxi, um serviço de carona paga ou
remunerada, empregar os motoristas e ser proprietária dos carros364.

3.5.1. Dinâmicas das relações de trabalho e modo de operação


O seu funcionamento é simples. Para se registrar e criar uma conta no Brasil, o
consumidor deve fazer o download do aplicativo em seu telefone celular e informar somente
o seu nome, sobrenome, endereço eletrônico e o número do telefone. O pagamento das
viagens pode ser feito por cartão de crédito ou débito e dinheiro. Recentemente, a plataforma
passou a admitir o registro diretamente por meio do uso do navegador no telefone celular,
tablet ou computador365.
No caso do motorista, o cadastro é feito mediante a apresentação da carteira nacional
de habilitação (CNH) com observação que exerce atividade remunerada (EAR), da foto de
perfil e do certificado de registro e licenciamento de veículo (CRLV). A Uber afirma que
analisa as informações da CNH para uma verificação de segurança, que é uma busca por
antecedentes criminais em âmbito federal e estadual, e confere se o motorista pode trabalhar

valiosa e continuar recebendo investimentos, apesar dos resultados apresentados. Há posicionamento que
identifica o fato de negócios na área da tecnologia iniciarem as suas atividades com perdas financeiras, tanto
para subsidiar os produtos ou serviços, como para ganhar visibilidade e participação no mercado. Isso ganha
maior importância em setores que os investidores buscam atingir efeitos de rede, em que se obtém ganhos
para todos os usuários de determinado serviço nos casos em que um consumidor adicional decide utilizá-lo.
No caso da Uber, um grande número de clientes cadastrados torna atrativo para motoristas realizarem
viagens por meio desse aplicativo. Da mesma forma, o aumento da oferta de motoristas faria com que as
corridas ficassem mais fáceis de serem pedidas e mais baratas, ampliando os incentivos para novos
trabalhadores ingressarem na plataforma. O efeito em rede permitiria que a Uber ganhasse escala e,
consequentemente, ter ganhos que compensassem as perdas iniciais (PRASSL, Jeremias. op. cit., p. 22-23).
Por outro lado, há análise que a Uber faz um movimento para monopolizar o mercado de transporte
individual de passageiros. Hubert Horan afirma que a plataforma não tem capacidade de auferir lucros de
forma sustentável em um mercado competitivo e que, para conseguir o retorno dos mais de US$ 17 bilhões
já investidos, terá de alcançar uma posição dominante no mercado para explorar condutas anticompetitivas.
O autor destaca que o crescimento da empresa foi baseado em elevados níveis de subsídios de investimento
predatório e que, apesar de terem oferecido benefícios temporários para clientes e motoristas, não são
sustentáveis. O objetivo da Uber seria atingir a dominância de um setor desregulado sob a perspectiva de
uma política não competitiva e da eliminação de todos os instrumentos legais e regulatórios que garantem
bem-estar econômico (HORAN, Hubert. Will the growth of Uber increase economic welfare?
Transportation Law Journal, v. 44, 2017, p. 38-44, 64-66).
363
UBER. Fatos e dados sobre a Uber. cit.
364
Id. Ibid.; Id. Termos e condições gerais dos serviços de intermediação digital. cit., p. 1.
365
Id. Fatos e dados sobre a Uber. cit.; Id. Como pedir um Uber sem precisar instalar o aplicativo. Disponível
em: <https://www.uber.com/pt-BR/blog/pedir-uber-sem-baixar-aplicativo>. Acesso em: 26 jun. 2018.
145

na plataforma. Há necessidade de concordar com os termos e condições gerais dos serviços


de intermediação, elaborados pela Uber366.
Para os trabalhadores que fazem viagens na cidade de São Paulo, é preciso apresentar
comprovante de residência, cadastro municipal de condutores (Conduapp) e o certificado de
segurança do veículo do aplicativo (CSVAPP). O cadastro é obtido após a realização de
curso de 16 horas ministrado pelas empresas (a própria Uber oferece o curso) ou por centros
de formação de condutores (CFC) credenciados pelo Departamento de Transportes Públicos
(DTP) do município. O certificado é adquirido após a realização de inspeção do veículo pelo
vistoriador. As regras específicas para a cidade de São Paulo decorrem de regulamentação
elaborada pela Prefeitura e estão previstas no Decreto n. 56.981, de maio de 2016 e entre os
artigos 2o ao 9o da Resolução n. 16 do Comitê Municipal do uso Viário (CMUV), de julho
de 2017367. No Brasil, as regras do transporte por aplicativos estão previstas nas Leis n.
12.578/12 e n. 13.640/18, em que parcela expressiva da regulação é atribuída aos municípios.
Mesmo sem ter um veículo, é possível realizar cadastro na Uber para prestar serviços.
A plataforma tem parcerias com empresas de locação de carros, oferecendo descontos,
franquias maiores e canais de comunicação exclusivos para motoristas da Uber368.
A criação de uma conta para realizar viagens pode ser feita por uma pessoa natural
ou uma pessoa jurídica. É possível colocar mais de um motorista para prestar serviços de
transporte em um mesmo cadastro. Nesse caso, os trabalhadores que forem adicionados a
essa conta também devem cumprir os requisitos para poderem acessar a plataforma e se
vinculam a todas as regras colocadas pela Uber 369.
Em relação aos veículos, os motoristas devem atender às exigências das categorias
de viagens que a plataforma oferece, sendo que no caso do: (i) UberX, o carro deve ser
modelo 2008 ou mais novo (com exceção de São Paulo, em que os veículos podem ter no
máximo 5 anos de fabricação ou 8 anos se tiverem sistema de freios ABS instalado,
conforme art. 7o, II e art. 13, parágrafo único da mencionada Resolução, sendo que essa regra

366
UBER. Como funciona a verificação de segurança na Uber. Disponível em: <https://www.uber.com/pt-
BR/drive/resources/duvidas-solucoes-aluguel-veiculos-uber/>. Acesso em: 26 jun. 2018.
367
Id. Saiba tudo sobre a documentação para o CONDUAPP. Disponível em: <https://www.uber.com/pt-
BR/drive/sao-paulo/resources/conduapp/>. Acesso em 25 jun. 2018.
368
Id. Aluguel de veículos. Disponível em: <https://www.uber.com/pt-BR/drive/resources/aluguel-veiculos-
uber/>. Acesso em 25 jun. 2018.
369
Id. Termos e condições gerais dos serviços de intermediação digital. cit., p. 1. De acordo com os termos e
condições gerais dos serviços de intermediação digital, “caso exista indivíduos que pretendam utilizar o
Aplicativo de Motorista diretamente vinculados à sua conta, você garante que eles concordam em ser
vinculados por estes Termos antes de utilizá-lo (e como parte dos Serviços, eles receberão estes Termos e
um Adendo de Motorista no Aplicativo de Motorista, os quais eles deverão aceitar antes que possam ser
conectados a Viagens)” (Id. Ibid., p. 2).
146

se aplica para as demais categorias; contudo, destacamos que o Decreto n. 58.595, de 04 de


janeiro de 2019, que introduziu o art. 15-D, IV no Decreto n. 56.981/16 e entrará em vigência
no início do mês de abril, somente estabelece a exigência dos veículos terem 8 anos de
fabricação); (ii) UberSELECT, o carro deve ser modelo 2012 ou mais novo (há uma lista
com 179 veículos modelo 2012 ou mais novo e 5 carros modelo 2014 ou mais novo aceitos
para 9 cidades e outra lista com 238 veículos modelo 2012 ou mais novo aceitos para 19
cidades); (iii) UberBLACK, o veículo deve ser SEDAN ou SUV, da cor preta e ter bancos
de couro e há uma lista em que são aceitos 1 carro modelo 2011 ou mais novo, 52 modelo
2012 ou mais novo, 15 modelo 2015 ou mais novo e 1 modelo 2016 ou mais novo, somente
em 5 cidades. Em 4 dessas 5 cidades, é possível trabalhar nas categorias UberX e
UberBLACK. Em todas as categorias, os veículos devem ter ar condicionado, 4 portas e 5
lugares. A plataforma não aceita carros com placa vermelha, pick-ups, vans e
caminhonetes370.
A Uber anuncia os seguintes serviços para os seus consumidores: (i) UberX, que
oferece viagens com preços acessíveis; (ii) UberSELECT, em que as viagens ocorrem em
carros mais confortáveis com preço, em média, 20% superior ao UberX e com motoristas
bem avaliados; (iii) UberBLACK, que oferece um serviço de alto padrão e “perfeito para
uma viagem a trabalho ou um encontro”371. Nas cidades de São Paulo e do Rio de Janeiro,
também é oferecido o UberPOOL, em que possibilita ao cliente o compartilhamento de
viagens com outros usuários em trajeto semelhante, fazendo com que o tempo de
deslocamento seja um pouco maior por um preço menor. Em São Paulo, também é possível
solicitar o UberBAG, em que há carros com porta-malas maior372.
A Uber provê cobertura de acidentes pessoais de passageiros (APP), por meio de
uma parceria com uma seguradora, protegendo usuários e motoristas. Para esses, a cobertura
inicia-se quando começa o deslocamento para buscar o passageiro e, para aqueles, assim que
entram no carro. A apólice prevê o pagamento de valores em caso de morte acidental,
invalidez permanente ou total e despesas médicas. A empresa afirma que o pagamento de
valores a título de acidentes pessoais de passageiro reduz qualquer responsabilidade que por

370
UBER. Requisitos para os motoristas parceiros. Disponível em: <https://www.uber.com/pt-
BR/drive/requirements/>. Acesso em: 24 jun. 2018
371
Id. UberBLACK. Disponível em: <https://www.uber.com/pt-BR/ride/uberblack/>. Acesso em: 24 jun. 2018.
372
Id. Fatos e dados sobre a Uber. cit.; Id. UberBLACK. cit.; Id. UberX. Disponível em:
<https://www.uber.com/pt-BR/ride/uberx/>. Acesso em: 24 jun. 2018; Id. UberSELECT. Disponível em:
<https://www.uber.com/pt-BR/ride/uberselect/>. Acesso em: 24 jun. 2018; Id. UberBAG. Disponível em:
<https://www.uber.com/pt-BR/blog/sao-paulo/a-uber-tem-uma-grande-novidade-pra-voce/>. Acesso em:
24 jun. 2018.
147

ventura tenha em face do trabalhador que se envolva em sinistro e que, em caso de acidente,
é dever do motorista fornecer toda a documentação relacionada ao caso e cooperar com a
seguradora da plataforma373.
Ainda, a plataforma exige que os motoristas mantenham as seguintes coberturas: (i)
seguro comercial de responsabilidade civil para automóveis para proteger terceiros de lesões
corporais e danos; (ii) seguro comercial de responsabilidade civil para proteger terceiros de
danos pessoais, publicidade e danos; e (iii) seguro de compensação ao trabalhador ou seguro
de acidente de trabalho e doença ocupacional374.
O serviço ocorre da seguinte maneira: (i) o consumidor abre o aplicativo, insere a
sua localização, manualmente ou por meio do GPS, aponta o destino desejado, indica o tipo
de serviço que deseja, recebe a informação do valor estimado e solicita a viagem – o
chamado também pode ser feito pelo navegador em telefone celular, tablet ou computador;
(ii) a Uber procura pelos motoristas mais próximos e oferece a viagem até alguém aceitá-la;
(iii) quando o motorista recebe a oferta da viagem, não tem conhecimento de quem é o
passageiro e do destino; (iv) ao assumir a realização da corrida, o motorista desloca-se até o
local em que o passageiro se encontra; (v) a partir do embarque no veículo, considera-se
iniciada a corrida e o motorista transporta o cliente até o destino desejado; (vi) o pagamento
é feito com dinheiro ou cartão (esse dado deve ser informado pelo passageiro antes do início
da viagem) e cliente e motorista podem avaliar um ao outro, anonimamente, em uma escala
de uma a cinco estrelas375.
O preço de cada viagem é calculado a partir da soma da tarifa-base, do valor por
quilômetro rodado (x R$/km) e do valor por tempo de deslocamento (x R$/min). Há uma
tarifa mínima cobrada independentemente da distância e tempo da viagem. A Uber
determina esses parâmetros sem debate com os motoristas e indica que o faz a título de
recomendação376.
O valor total devido ao trabalhador é calculado após o desconto da taxa da plataforma,
que varia conforme a categoria do serviço. Até junho de 2018, os valores da taxa eram os
seguintes: (i) para UberX e UberSELECT, de 25% do total da viagem; (ii) para UberBLACK,

373
UBER. Seguro para passageiros e motoristas parceiros na plataforma da Uber no Brasil. Disponível em:
<https://www.uber.com/pt-BR/blog/belo-horizonte/seguro-para-passageiros-e-motoristas-parceiros-na-
plataforma-da-uber-no-brasil/>. Acesso em: 25 jun. 2018; Id. Termos e condições gerais dos serviços de
intermediação digital. cit., p. 8.
374
Id. Seguro para passageiros e motoristas parceiros na plataforma da Uber no Brasil., cit.
375
Id. Termos e condições gerais dos serviços de intermediação digital. cit, p. 2-3.
376
Id. Dúvidas e perguntas frequentes. Disponível em: <https://www.uber.com/pt-BR/drive/resources/duvidas-
solucoes-aluguel-veiculos-uber/>. Acesso em: 26 jun. 2018; Id. Termos e condições gerais dos serviços de
intermediação digital. cit., p. 3-4.
148

de 20%; (iii) para UberPOOL, de 10% quando só houver um passageiro e de 30% com mais
de um. A partir de julho de 2018, a taxa passou a ser variável conforme o tempo e a distância
da viagem, sendo maior nas viagens mais longas e menor nas mais curtas. Segundo a
empresa, a taxa pode cair até 1%. Os motoristas relatam que há casos em que o valor chega
a 40%377.
A plataforma também adota o preço dinâmico, um mecanismo que aumenta o valor
das viagens conforme o incremento da demanda por parte dos passageiros em uma
determinada área, estimulando que motoristas se dirijam até esse local. A determinação do
preço dinâmico ocorre por meio de um algoritmo, com o objetivo de equilibrar oferta e
demanda por veículos. Para as viagens solicitadas nesses locais, aplica-se um multiplicador
à tarifa-base, tempo e distância percorridos. Por meio do mapa existente no aplicativo, o
motorista identifica as áreas com preço dinâmico e o multiplicador do valor das viagens378.
O pagamento da viagem é feito pelo usuário à Uber que, por sua vez, remunera os
motoristas de duas formas: (i) depósitos bancários semanais, às quintas-feiras, dos valores
dos trajetos realizados em um ciclo semanal (que tem início às 20h da segunda-feira até às
19h59 da segunda-feira seguinte) descontados eventuais valores devidos à plataforma; (ii)
transferências, que ocorrem fora do cronograma semanal de repasses e enseja o pagamento
de todo o saldo disponível do motorista em seu cartão de débito, sendo que o prazo varia de
acordo com o banco. Nos casos em que o usuário paga a viagem em dinheiro, a taxa da Uber
é deduzida de outros pagamentos eletrônicos. Caso seja insuficiente, o motorista deve pagar
à Uber os valores das taxas devidas por outros meios, como transferência bancária. Se o
saldo do trabalhador ficar negativo por mais de uma semana, a plataforma pode suspender a
sua conta. Em relação à forma em que o pagamento das viagens é feito, a plataforma se
considera um agente limitado de cobrança de pagamento. A Uber afirma que o motorista
tem o direito de cobrar do usuário um valor pela realização da viagem, mas aponta que a
aceitação em realizar uma corrida implica a concordância de cobrar do usuário o valor
recomendado. É possível um outro valor, porém somente se for menor que o recomendado.

377
VALOR ECONÔMICO. Uber extingue taxa fixa cobrada de motoristas. Valor Econômico, São Paulo, 02
jul. 2018. Disponível em: <https://www.valor.com.br/empresas/5633831/uber-extingue-taxa-fixa-cobrada-
de-motoristas>. Acesso em: 23 jul. 2018; UBER. Dúvidas e perguntas frequentes. Disponível em:
<https://www.uber.com/pt-BR/drive/resources/duvidas-solucoes-aluguel-veiculos-uber/>. Acesso em: 26
jun. 2018; Id. Termos e condições gerais dos serviços de intermediação digital. cit., p. 3-4. A cláusula 7.2
estabelece que “ao aceitar uma Viagem, Você declara sua concordância em cobrar do Usuário o valor
recomendado por nós como seu agente”.
378
Id. O que é preço dinâmico. Disponível em: <https://help.uber.com/pt_BR/h/e9375d5e-917b-4bc5-8142-
23b89a440eec>. Acesso em: 01 jul. 2018; Id. Perguntas e respostas sobre o preço dinâmico. Disponível em:
<https://www.uber.com/pt-BR/blog/aracaju/perguntas-e-respostas-sobre-o-preco-dinamico/>. Acesso em:
01 jul. 2018.
149

O preço da viagem e a taxa da Uber podem ser alterados e reajustados discricionariamente


pela plataforma. A oferta de gorjetas é facultativa, sendo apontado para o passageiro que
isso não é esperado ou necessário379.
Além disso, a plataforma arroga-se o direito de revisar o valor cobrado do usuário se
identificar problemas no trajeto, como a realização da viagem em rotas ineficientes – o que
significa não seguir o aplicativo de trânsito e navegação recomendado –, falha no
encerramento da viagem ou erro técnico da Uber380.
Os custos com combustível, seguro do veículo, manutenção do automóvel, telefonia
móvel, planos de dados e os que eventualmente existam com financiamento ou aluguel do
carro são de responsabilidade dos motoristas, assim como o recolhimento de tributos sobre
os seus rendimentos381.
A Uber tem um código de conduta que estabelece regras com uma série de práticas,
das quais se espera a observância de usuários e motoristas, e que norteia as avaliações feitas
ao término das viagens. Há diretrizes na área de qualidade, segurança, discriminação, fraude
e informações dos trabalhadores. Especificamente em relação aos motoristas, há situações
que podem culminar no bloqueio temporário ou na desativação da conta.
Em relação à qualidade, a plataforma aponta que espera dos motoristas a condução
dos veículos de forma segura, profissional e cortês. Nesse aspecto, há a avaliação por estrelas,

379
UBER. Dúvidas e perguntas frequentes. cit.; Id. Em que dia é feito o repasse semanal? Disponível em:
<https://help.uber.com/pt_BR/h/42973e65-45a8-4aaf-90d5-d3e97ab61267>. Acesso em: 08 set. 2018; Id.
Os preços das viagens incluem uma gorjeta? Disponível: <https://help.uber.com/pt_BR/h/c23aa32f-f9fc-
4671-b2cc-e419d67fe8f9>. Acesso em: 08 set. 2018; Id. Termos e condições gerais dos serviços de
intermediação digital. cit., p. 3-4. De acordo com a cláusula 7.2 dos termos e condições gerais dos serviços
de intermediação digital, o motorista “nomeia a Uber como seu agente limitado de cobrança de pagamento
unicamente com a finalidade de aceitar o Pagamento do Usuário através da funcionalidade de processamento
de pagamentos facilitada pelos nossos Serviços, e o Pagamento do Usuário feito à nós (atuando como seu
agente limitado de cobrança) será considerado como se o Usuário pagasse diretamente à Você. O Pagamento
do Usuário é o único pagamento que será feito à Você por um Usuário por uma Viagem específica” (Id.
Ibid, p. 4). Especificamente sobre as alterações de preço e da taxa de serviço, os referidos termos destacam
que “A UBER ENVIARÁ À VOCÊ UMA NOTIFICAÇÃO SOBRE QUALQUER ALTERAÇÃO EM
QUALQUER DOS VALORES DO PREÇO BASE, DISTÂNCIA E/OU TEMPO, ASSIM COMO NO
PREÇO FIXO E NO PREÇO MÍNIMO DE CADA VIAGEM. A SUA UTILIZAÇÃO DOS SERVIÇOS
DA UBER APÓS QUALQUER MUDANÇA NO CÁLCULO DO PREÇO SERÁ INTERPRETADA
COMO CONCORDÂNCIA SUA EM RELAÇÃO À MENCIONADA ALTERAÇÃO” e “A UBER
RESERVA O DIREITO DE AJUSTAR A FORMA COMO A TAXA DE SERVIÇO É CALCULADA E
A PARCELA FIXA A QUALQUER TEMPO, A CRITÉRIO EXCLUSIVO DA UBER, COM BASE NAS
CONDIÇÕES E FATORES DO MERCADO LOCAL” (Id. Ibid., p. 6, destaques do autor).
380
Id. Termos e condições gerais dos serviços de intermediação digital. cit., p. 6.
381
ALOISI, Antonio. op. cit., p. 673; UBER. Termos e condições gerais dos serviços de intermediação digital.
cit., p. 7. Em relação ao plano de dados, a Uber afirma nos termos e condições gerais dos serviços de
intermediação digital (cláusula 8) que “note que utilizar nossos Serviços poderá consumir uma quantidade
alta de dados, e recomendamos que você utilize um plano de dados ilimitado, ou no mínimo, com limites
muito altos de utilização de dados. Nós não cobriremos nenhuma taxa, custo ou excessos de uso associados
ao seu plano de dados” (Id. Ibid., p. 7).
150

em que ao final de cada viagem, os usuários podem dar notas de uma a cinco estrelas aos
motoristas, assim como apresentar comentários sobre a viagem. A avaliação do trabalhador
é calculada com base na média das notas recebidas nas últimas 500 viagens ou em todas as
viagens, se o total for menor de 500. Se o motorista atingir uma média inferior à nota mínima
estabelecida pela Uber na cidade em que dirige (varia entre 4,6 a 4,7, dependendo do local),
perde-se o acesso à conta. Outros elementos que a plataforma leva em consideração são as
taxas de cancelamento e de aceitação. A primeira refere-se à situação em que o trabalhador
aceita a corrida e depois a cancela. A Uber preocupa-se com isso, pois “minimizar
cancelamentos é fundamental para a confiabilidade do sistema”382. A taxa é calculada de
acordo com o número total de viagens aceitas e cada cidade tem uma média admitida que,
caso ultrapassada, leva à desativação da conta. No geral, a Uber recomenda uma taxa de
cancelamento menor que 10%. A segunda é a proporção de viagens que foram oferecidas e
o motorista aceitou fazê-las. A plataforma destaca que uma taxa de aceitação elevada é
importante para o oferecimento “de um serviço confiável e de alta qualidade” 383 .
Recomenda-se que os trabalhadores mantenham a taxa acima de 90%384.
O trabalhador ter uma boa avaliação pode torná-lo “motorista VIP”. Trata-se de um
programa existente em algumas cidades brasileiras, em que os motoristas com boas notas
são conectados aos usuários mais frequentes da Uber. As sugestões feitas aos trabalhadores
para que se tornem “motoristas VIP” são: ser educado, manter o carro limpo, perguntar para
o passageiro sobre o ar condicionado e dirigir com cuidado e atenção. As vantagens do
programa são: aumento no número de chamadas, maior segurança, mais benefícios e menor
tempo de espera nos aeroportos385.
No tocante à segurança, a plataforma coloca que não admite o contato físico entre
motorista e usuários, o uso de linguagem ou gestos inapropriados, o contato indesejado com
usuários após o término da viagem e a violação da lei enquanto usa a Uber, bem como espera
que a condução seja feita com segurança. A constatação de práticas violentas, abusivas,
assediadoras, discriminatórias, ilegais ou impróprias levam à desativação da conta386.

382
UBER. Como funcionam as taxas de aceitação e cancelamento. Disponível em: <https://www.uber.com/pt-
BR/blog/como-funciona-taxa-aceitacao-cancelamento/>. Acesso em: 27 jun. 2018
383
Id. Ibid.
384
Id. Código de conduta da comunidade Uber. Disponível em: <https://www.uber.com/legal/community-
guidelines/br-pt/>. Acesso em 27 jun. 2018; Id. Como funcionam as taxas de aceitação e cancelamento. cit.;
Id. Termos e condições gerais dos serviços de intermediação digital. cit., p. 2-3.
385
Id. Como funciona o Uber VIP. Disponível em: <https://www.uber.com/pt-BR/blog/saiba-como-funciona-
uber-vip/>. Acesso em: 27 jun. 2018.
386
Id. Código de conduta da comunidade Uber. cit.
151

A plataforma tem uma política de não admitir motoristas que dirijam sob o efeito de
álcool ou drogas ilícitas e que carregam armas de fogo. Ainda, classificam como atividades
inaceitáveis transportar passageiros que não estão cadastrados na plataforma enquanto o
aplicativo é utilizado, descumprir os termos e condições gerais dos serviços de
intermediação digital que os motoristas aceitam quando ocorre o cadastro na Uber (ou
quando realizam uma corrida após a atualização dos termos, o que é tido como aceitação do
novo conteúdo), oferecer serviços de transporte fora do aplicativo para clientes durante
viagem feita pelo aplicativo e instalar câmeras de vídeo internas no veículo. A contrariedade
a essas diretrizes leva à exclusão da plataforma387.
A Uber rejeita atividades fraudulentas por entender que a relação construída entre a
plataforma, motorista e usuário é fundada na confiança e qualquer conduta que a coloque
em risco é repudiada. Entende-se como fraude o aumento deliberado de tempo ou distância
das corridas, o registro de perfis falsos para burlar o sistema e a solicitação de pagamento
indevidos. A plataforma aponta como igualmente inadmissível a utilização de veículo não
cadastrado para a realização de viagem ou a permissão do uso da conta por terceiro. Há
grande preocupação em relação a esse último aspecto, dado que a Uber menciona como
medida de segurança a verificação de identidade dos motoristas, ao exigirem que façam fotos
de si próprios periodicamente quando acessam o aplicativo. Da mesma forma, a constatação
de qualquer dessas situações é motivo para desativação da conta388.
Em algumas cidades, a Uber exige que os veículos circulem pela cidade com
identificação da plataforma, geralmente um adesivo. Em São Paulo, o Decreto n. 58.595/19
introduziu o art. 15-D, V no Decreto n. 56.981/16, e condicionou a emissão do CSVAPP ao
uso de “dístico identificador das OTTCs”389.
A plataforma monitora de forma detalhada a movimentação física dos trabalhadores.
Sob a justificativa de promover a direção segura, a Uber desenvolveu um código que mede
os indicadores de condução dos motoristas, utilizando dados relativos à aceleração e
frenagem dos veículos. A velocidade é medida por meio do GPS existente nos telefones
celulares dos motoristas e a aceleração e frenagem, por meio do tratamento das informações
do GPS, obtendo estatísticas sobre essas situações. Esse processo também leva em conta as

387
UBER. Código de conduta da comunidade Uber. cit.; Id. Políticas e regras. Disponível em:
<https://www.uber.com/pt-BR/drive/resources/regras/>. Acesso em: 28 jun. 2018.
388
Id. Código de conduta da comunidade Uber. cit. Id. Segurança das viagens. Disponível em:
<https://www.uber.com/pt-BR/ride/safety/>. Acesso em: 30 jun. 2018.
389
OTTCs são as operadoras de tecnologia de transporte crendenciadas, ou seja, as plataformas de transporte.
152

avaliações dos passageiros sobre o tema e a plataforma utiliza um modelo de aprendizado


de máquina para identificar o comportamento do motorista390.
A Uber afirma que a principal vantagem da plataforma é a liberdade de o trabalhador
gerenciar os seus horários e administrar os seus ganhos. De acordo com a empresa, existem
pelo menos 8 motivos para se tornar um motorista: (i) autonomia para escolher quando
trabalhar; (ii) possibilidade de determinar os locais em que irá dirigir; (iii) receber conforme
a demanda das viagens e o tempo e a distância percorridos; (iv) garantia de segurança e
integridade dos motoristas, bem como da realização dos melhores trajetos por meio do
aplicativo oferecido pela plataforma; (v) recebimentos semanais; e a oferta de descontos para
(vi) locação de veículos, (vii) combustível e manutenção dos carros e (viii) telefones
celulares e assinaturas de plano de telefonia móvel391.

3.5.2. Condições de trabalho


A pesquisa realizada com motoristas da Uber na cidade de São Paulo teve 102
participantes, em que 96,1% são homens e 3,9%, mulheres. A média de idade é de 40 anos,
a maioria (57,8%) reside no próprio município e está casada (47%). A maior parte concluiu
o ensino médio (61,8%) e um pouco menos de um quarto (23,5%) tem ensino superior.
Os trabalhadores estão divididos entre os que estão há um período considerável na
plataforma (43,1% está há mais de um ano) e os que estão conhecendo como a atividade
funciona (56,9% iniciou o trabalho nos últimos 12 meses). Contudo, a grande maioria não
pretende sair tão cedo da plataforma: 76,5% afirmaram que ficarão indefinidamente na Uber.
A maior parte dos motoristas estão satisfeitos com o trabalho sob demanda por meio
de aplicativos (76,5%). A principal razão mencionada para justificar o contentamento com
a plataforma é a possibilidade de obter ganhos (36,3%), o que é potencializado em um
contexto de crise econômica e desemprego crescente no país 392. Isso está refletido quando

390
UBER. How Uber engineering increases safe driving with telematics. Disponível em:
<https://ubereng.wpengine.com/telematics/>. Acesso em: 17 set. 2018.
391
Id. Conheça mais sobre a Uber e veja por que vale a pena ser um motorista parceiro. Disponível em:
<https://www.uber.com/pt-BR/blog/dirigir-uber-vale-a-pena/>. Acesso em: 01 jul. 2018.
392
Tendo como referência o trimestre setembro, outubro e novembro, a taxa de desocupação no Brasil foi de
6,5% em 2014, 9% em 2015, 11,9% em 2016, 12% em 2017 e 11,6% em 2018 (INSTITUTO BRASILEIRO
DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA. Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua: Trimestre
móvel Set.-Nov. 2018. 28 dez. 2018. Disponível em:
<https://biblioteca.ibge.gov.br/visualizacao/periodicos/3086/pnacm_2018_nov.pdf>. Acesso em: 06 jan.
2019). Em relação ao Produto Interno Bruto, o Brasil apresentou crescimento de 0,5% em 2014, queda de
3,5% em 2015 e 2016, crescimento de 1,0% em 2017 e de 0,8% até setembro de 2018 (INSTITUTO
BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA. PIB avança 1,0% em 2017 e fecha ano em R$ 6,6
trilhões. 01 mar. 2018. Disponível em: <https://agenciadenoticias.ibge.gov.br/agencia-sala-de-
imprensa/2013-agencia-de-noticias/releases/20166-pib-avanca-1-0-em-2017-e-fecha-ano-em-r-6-6-
153

os trabalhadores apontam o motivo pelo qual procuraram esse trabalho: 28,4% afirma que
não consegue encontrar outra atividade e 32,4% aponta que o pagamento em outros trabalhos
é pior. Dos 68,6% dos motoristas que afirmaram querer trabalhar em atividade diferente do
trabalho sob demanda por meio de aplicativos, 60% colocaram que não o faz por inexistir
trabalho disponível. Ainda, 77,5% dos trabalhadores é economicamente dependente da Uber.
A carga horária dos motoristas é alta: 53% trabalha mais de 10 horas por dia.
Levando em consideração somente os trabalhadores que têm o trabalho sob demanda por
meio de aplicativos como sua principal fonte de renda, o número sobe para 60,8%. Quase
metade (49%) fica de 1 a 2 horas por dia em atividades não pagas, como aguardar o
recebimento de chamadas e deslocar-se até um passageiro para iniciar uma corrida. A
maioria (68,6%) trabalha mais de 5 dias na semana. Os trabalhadores realizam
aproximadamente 19 viagens por dia.
Em relação aos rendimentos, 43,1% ganha até R$ 200,00 por dia e 56,9%, mais de
R$ 200,00 até R$ 400,00. Em relação às despesas fixas diárias, como combustível, 8,8%
gasta mais de R$100,00 até R$ 200,00, 55,9% gasta mais de R$ 50,00 até R$ 100,00 e 35,3%
gasta até R$ 50,00. De acordo com os relatos apresentados pelos motoristas, ganha-se em
média entre R$ 20,00 e R$ 25,00 por hora393.
A maior parte dos trabalhadores (55,9%) define a carga horária diária conforme a
meta de ganhos que estabelecem e cujo montante é destinado ao pagamento de contas, como

trilhoes>. Acesso em: 06 jan. 2019; INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA. PIB
cresce 0,8% e chega a R$ 1,716 trilhão no 3º tri de 2018. 30 nov. 2018. Disponível em:
<https://agenciadenoticias.ibge.gov.br/agencia-sala-de-imprensa/2013-agencia-de-noticias/releases/23251-
pib-cresce-0-8-e-chega-a-r-1-716-trilhao-no-3-tri-de-2018>. Acesso em: 06 jan. 2019).
393
Para efeitos de comparação, Stephen Zoepf realizou pesquisa com 1.100 motoristas da Uber nos EUA no
intuito de apurar o valor obtido com o trabalho, levando em consideração os custos de adquirir, operar e
manter um veículo. Segundo os dados apresentados, os trabalhadores ganham em média US$ 8,55 (oito
dólares americanos e cinquenta e cinco centavos) por hora. Para 54% dos motoristas, a renda auferida na
Uber é menor que o salário mínimo estadual e 8% perde dinheiro (ZOEPF, Stephen. The economics of ride
hailing, revisited. 2018. Disponível em: <http://ceepr.mit.edu/files/papers/2018-
005%20Authors%20Statement.pdf>. Acesso em: 11 set. 2018). O lançamento do estudo de Stephen Zoepf
causou intenso debate na opinião pública. Inicialmente, apontava-se que os trabalhadores ganhavam
US$ 3,37 por hora, sendo que 74% dos trabalhadores ganhavam menos do que o salário mínimo estadual e
30% perdia dinheiro (ZOEPF, Stephen; CHEN, Stella; ADU, Paa; POZO, Gonzalo. The economics of ride-
hailing: driver revenue, expenses and taxes. 2018. Disponível em:
https://orfe.princeton.edu/~alaink/SmartDrivingCars/PDFs/Zoepf_The%20Economics%20of%20RideHial
ing_OriginalPdfFeb2018.pdf. Acesso em 11 set. 2018). Após a sua divulgação, o economista-chefe da
plataforma, Jonathan Hall, publicou texto com críticas à metodologia (HALL, Jonathan. An analysis of
CEEPR’s paper on “The economics of ride-hailing”. 2018. Disponível em: <https://medium.com/uber-
under-the-hood/an-analysis-of-ceeprs-paper-on-the-economics-of-ride-hailing-1c8bfbf1081d>. Acesso em:
11 set. 2018). Jonathan Hall apontou o que considerava erros e afirmou que, pelos dados obtidos por Stephen
Zoepf, os motoristas da Uber ganhavam entre US$ 13,04 e US$ 16,53. Stephen Zoepf respondeu o texto
acolhendo a crítica metodológica, mas ressaltou que os números obtidos ainda eram menores do que os
apontados por Jonathan Hall, como indicado acima.
154

eletricidade, água, aluguel e supermercado, e de dívidas. Ou seja, a quantidade de horas


trabalhadas por dia está diretamente relacionada à capacidade de auferir rendimentos
dirigindo.
Os trabalhadores não receberam qualquer instrumento de trabalho da Uber e a
maioria comprometeu seus rendimentos com a atividade: 35,3% comprou um carro para
dirigir para a Uber e 29,4% alugou o automóvel para poder trabalhar.

3.5.3. Gerenciamento algorítmico


Apesar do discurso apresentado pela Uber, existem pesquisas que questionam a
liberdade e autonomia que os motoristas teriam. Alex Rosenblat e Luke Stark afirmam que
há diversas evidências de que a empresa promove o gerenciamento algorítmico dos
trabalhadores. A mais significativa é a combinação da aceitação cega das viagens e dos
passageiros com a política de fixação das tarifas e a determinação do preço dinâmico pelo
algoritmo394.
O motorista, ao aceitar realizar uma viagem que a Uber lhe oferece, assume o risco
de o trajeto não ser lucrativo, uma vez que o destino e a estimativa de seus ganhos lhe são
informados somente após concordar com a oferta. O cancelamento de viagens não rentáveis,
que poderia ser um instrumento de expressão de insatisfação com a corrida, pode levar à
exclusão da plataforma. Trata-se de uma demonstração da maneira como a Uber usa a sua
vantagem diante dos trabalhadores para esconder informações relevantes sobre o mercado e
definir os padrões da prestação de serviços395.
O valor da tarifa, estabelecido unilateralmente pela plataforma, não é discutido com
os trabalhadores, sendo que os motoristas podem negociar com os passageiros somente
valores menores que o determinado pela Uber. Esse cenário demonstra que a plataforma tem
total poder em controlar e modificar os valores das viagens, o que limita de forma
significativa a retórica frequentemente usada pela Uber a respeito da autonomia dos
motoristas e do caráter empreendedor da atividade396.
A fixação de tarifas baixas para trabalho de rotina no setor de transporte estimula os
motoristas a trabalharem mais horas para atingirem suas necessidades financeiras, tornando
seu horário de trabalho mais rígido. Ainda, a Uber oferece vantagens para grupos de

394
ROSENBLAT, Alex; STARK, Luke. Algorithmic labor and information asymmetries: a case study of
Uber’s Drivers. International Journal of Communication, v. 10, p. 3762, 2016.
395
Id. Ibid., p. 3763; CALO, Ryan.; ROSENBLAT, Alex. The Taking Economy: Uber, Information, and Power.
Columbia Law Review, v. 117, n. 6, p. 1661, October 2017.
396
ROSENBLAT, Alex; STARK, Luke. op. cit., p. 3764.
155

motoristas que mantenham determinado desempenho, como aceitar uma determinada


porcentagem de viagens, completar um certo número de trajetos por hora, ficar online por
uma quantidade de minutos em uma hora e ter uma média de avaliações elevada. Diante
disso, Alex Rosenblat e Luke Stark afirmam que esse sistema
enfraquece a narrativa de liberdade e escolha que a Uber promove para os
seus motoristas, enquanto simultaneamente mascara a hierarquia em que
motoristas selecionados são convidados a ganhar mais com base em um
critério opaco. Motoristas têm liberdade de dirigir em horas “flexíveis” a
tarifas baixas, mas sua flexibilidade é modulada para a demanda e
dependente dessa, como da viabilidade das tarifas397.
No mesmo sentido, Jeremias Prassl afirma que os elevados custos para se manter um
veículo rodando e os reduzidos valores das tarifas levam os motoristas a dirigirem por muitas
horas. Os baixos pagamentos feitos aos trabalhadores são um dos principais instrumentos
para garantir que os motoristas ficarão disponíveis por muitas horas, o que é essencial para
atender rapidamente a demanda dos clientes da plataforma398.
O fato de a Uber apresentar-se como uma empresa de tecnologia que oferece um
software que conecta motoristas e passageiros busca fazer com que se exima de quaisquer
consequências negativas do negócio, atribuindo-as a elementos externos em vez de uma
hierarquia imposta ou uma questão da estrutura de poder da relação de trabalho399.
Nas disputas entre motoristas e passageiros, a Uber atua como instância decisória,
como na análise das reclamações sobre um trajeto maior do que o esperado, sobre sujeira ou
danificação do veículo, dentre outros. Dentre os trabalhadores, há uma percepção de que a
plataforma tende a decidir os casos em favor dos usuários. Geralmente, há um desequilíbrio
na relação: em muitas situações, a Uber é capaz de analisar a conduta dos motoristas por
meio de informações obtidas a partir do rastreamento de suas atividades, enquanto os
trabalhadores têm o ônus de apresentar os dados ou documentos para demonstrar que as suas
reivindicações procedem400.
Em relação ao preço dinâmico, a plataforma anuncia que o seu principal objetivo é
aumentar a oferta de viagens, apesar de existirem evidências indicando que ocorre apenas o

397
ROSENBLAT, Alex; STARK, Luke. op. cit., p. 3764, tradução nossa de: “buffers the narrative of freedom
and choice that Uber promotes to its drivers, while simultaneously masking a hierarchy in which select
drivers are invited to earn more based on opaque criteria. Drivers have the freedom to drive at “flexible”
hours at lower rates, but their flexibility is tailored to and dependent on demand as well as on the viability
of base rates”.
398
PRASSL, Jeremias, op. cit., p. 61.
399
ROSENBLAT, Alex; STARK, Luke. op. cit., p. 3765.
400
Id. Ibid., p. 3765.
156

redirecionamento físico dos motoristas trabalhando no momento em que a demanda aumenta.


Esse mecanismo não é confiável para os trabalhadores, tendo em vista que leva em conta o
local do passageiro e não do motorista. Assim, no caminho dos lugares em que há preço
dinâmico, pode ser oferecida uma viagem de um usuário que não está em local no qual a
demanda está maior e, se recusada, pode ensejar consequências negativas para o motorista.
Ainda, alguns passageiros manipulam o local de embarque para não ter que pagar a tarifa
com o preço dinâmico401.
A Uber afirma que o preço dinâmico é administrado de forma automatizada e por
algoritmos. Contudo, permite produzir e coordenar grupos de trabalhadores em resposta à
dinâmica das condições de mercado, sem justificar os incentivos para a conformação desses
grupos. Muitos motoristas ficam insatisfeitos com esse instrumento por ser determinado de
maneira inconstante e opaca402.
O preço dinâmico é parte de um esforço da Uber em estimular o comportamento dos
motoristas para exercer controle sobre suas atividades, incluindo mapas de calor para
mostrar as áreas mais atrativas para dirigir, fornecendo incentivos e fazendo contato
frequente por meio de mensagens. Os trabalhadores assumem os custos de ficarem
disponíveis e acessíveis o maior tempo possível à plataforma sem qualquer garantia de que
terão trabalho remunerado. Os estímulos dados pela plataforma aos seus trabalhadores são a
parte visível do sistema da Uber: há indução dos motoristas para que estejam em
determinados locais em certas horas, ao passo que se mantém a aparência de que o sistema
apenas reflete a demanda por trabalhadores, num quadro em que esses teriam total liberdade
de escolherem ignorar as mensagens do aplicativo403.
Na pesquisa realizada com os motoristas na cidade de São Paulo, 67,6% avaliam o
preço dinâmico como positivo e, nesse grupo, 76,8% colocam que o seu maior atrativo é a
possibilidade de ganhar mais. Nos casos em que identificam o preço dinâmico em
determinado local, 40,2% dos trabalhadores afirmaram que dirigem por mais tempo no dia.
Ainda, 24,5% entenderam que a Uber os induzem a realizarem mais corridas quando há
preço dinâmico, especialmente por enviarem mensagens aos motoristas sobre os locais em
que as tarifas estão mais altas e por aumentarem os ganhos.
A mesma lógica da autoridade e certeza do algoritmo é aplicada quando a plataforma
envia mensagens aos motoristas, como nos momentos em que estão para se desconectar do

401
ROSENBLAT, Alex; STARK, Luke. op. cit., p. 3766.
402
Id. Ibid., p. 3766-3767.
403
Id. Ibid., p. 3768.
157

aplicativo ou quando há previsão de maior movimento em determinada data e hora em uma


cidade. Nesse último caso, a precisão da informação de que o trabalhador conseguirá auferir
ganhos maiores é menor, dado que a verificação das solicitações dos passageiros não ocorre
em tempo real. Apesar disso, a plataforma consegue mobilizar a força de trabalho para
atender a um possível aumento da demanda404.
A comunicação entre os motoristas e a Uber ocorre de forma assimétrica. Os
mecanismos existentes para os trabalhadores se comunicarem com a plataforma são
limitados e distribuídos em centros de apoio decentralizados. Geralmente, os motoristas
conseguem apresentar demandas, mas não têm poderes para negociarem suas condições de
trabalho com representantes da empresa. Parte dos atendentes da Uber, que respondem aos
motoristas, trabalham em empresas terceirizadas e outra parte são robôs que tentam
solucionar casos a partir da identificação de palavras-chave nas mensagens enviadas405.
Na pesquisa com os motoristas de São Paulo, houve menção à necessidade de existir
um canal de comunicação mais eficaz com a Uber, uma vez que os trabalhadores não
identificam meios para levar suas demandas à plataforma de maneira efetiva.
Outro aspecto que demonstra o controle do trabalho pela plataforma é o sistema de
avaliação dos motoristas. Os passageiros são alçados à posição de gerentes, cuja atribuição
de nota após o término da viagem influencia diretamente a permanência do trabalhador na
plataforma e a quantidade de viagens recebidas. O parâmetro da avaliação é estabelecido
pela Uber ao criar expectativas sobre como o serviço deve ser prestado. Nesse sentido, para
obter boas notas, os motoristas devem se comportar de forma a proporcionarem uma
experiência homogênea para todos os usuários. Isso também levanta questionamentos a
respeito da autonomia e liberdade dos motoristas, dado que devem oferecer um serviço
padronizado pela Uber406.
No mesmo sentido, Ludmila Costek Abílio afirma que a plataforma define as regras
e os critérios de avaliação dos motoristas e seu trabalho, com os usuários analisando-os ao
término de cada viagem realizada. A fiscalização do trabalho é transferida para a esfera do
consumo, em que os usuários se transformam em um gerente coletivo que certifica
constantemente o serviço prestado. Assim, por meio de sistema de avaliação é possível
manter um determinado nível de produtividade dos motoristas e a adequação às regras

404
ROSENBLAT, Alex; STARK, Luke. op. cit., p. 3768.
405
Id. Ibid., p. 3771.
406
Id. Ibid., p. 3772.
158

estabelecidas, o que é essencial para a viabilização do serviço prestado e o cultivo da marca


perante o público407.
Na pesquisa feita com os motoristas na cidade de São Paulo, 60,8% afirmaram
considerar positivo o sistema de avaliações da Uber, enquanto 17,6% disseram ser negativo
e 21,6%, indiferente. Entre os 60,8%, 67,8% colocam que o sistema estimula os motoristas
a prestarem um bom serviço, sendo que para alguns é claro se tratar de um meio de controle
do trabalho: “é uma forma da plataforma controlar a prestação de serviço, fazendo com que
os motoristas observem os padrões da Uber”, “é um feedback bom dos clientes e é uma
forma de disciplinar os motoristas para esses oferecerem um padrão de qualidade”, “o cliente
tem como avaliar os motoristas, que devem se comportar como o mercado e a Uber mandam”.
A opacidade do sistema é mencionada por 24,5% dos trabalhadores, ao apontarem a
ausência de transparência no funcionamento das avaliações (p. ex., “os critérios de avaliação
são subjetivos”), a falta de critério (p. ex., “falta critério para uma avaliação precisa”), de
precisão (p. ex., “não é todo mundo que avalia e algumas avaliações não são precisas”) e de
correspondência com a realidade (p. ex., “as avaliações não refletem necessariamente o
trabalho dos motoristas”) nas notas atribuídas pelos passageiros aos motoristas e a
inexistência de contraditório, uma vez que o motorista não tem o direito de se contrapor à
uma reclamação ou avaliação negativa feita por um passageiro (p. ex., “deveria ter direito
de resposta quando é feita uma reclamação”).
Dos participantes da pesquisa, 7,8% afirmaram já terem sido suspensos pela Uber.
Entre os punidos, 88,9% disseram ter achado a suspensão injusta, uma vez que não foi
apresentada justificativa para a sanção e que os passageiros adotaram critérios equivocados
ao avaliarem negativamente os motoristas. Ainda, 41,2% têm receio de receberem uma
suspensão ou de serem excluídos da plataforma.
A Uber também interfere na quantidade de horas que o motorista pode trabalhar
diariamente. Em fevereiro de 2018, a plataforma anunciou que, nos Estados Unidos, os
motoristas que permanecessem 12 horas em atividade seriam colocados automaticamente
em modo offline. Após 6 horas de desconexão, poderiam ficar novamente online e voltar a
receber chamadas para viagens. A restrição foi divulgada como uma forma de combater a
condução de veículos por motoristas com sono. Assim, a Uber entende que garante a
segurança dos trabalhadores e usuários e preserva a flexibilidade de horários. Apesar disso,
foi entendida como uma resposta às pressões sofridas pela plataforma, especialmente após

407
ABILIO, Ludmila Costek. op. cit.
159

jornais publicarem relatos de motoristas dirigindo entre 16 e 19 horas para conseguirem


obter a renda necessária para sobreviver408.
No Brasil, não há nenhum anúncio formal nesse sentido. Entretanto, a versão de
junho de 2018 dos termos e condições gerais dos serviços de intermediação digital estabelece
na cláusula 4 que o motorista “decidirá exclusivamente quando, onde e por quanto tempo
utilizará o Aplicativo de Motorista (contudo, poderá haver limites ao tempo em que Você
poderá dirigir continuamente, por motivos de segurança pública)”409.
Existem outros mecanismos que a Uber utiliza para modular o comportamento dos
motoristas, com enfoque em incentivos psicológicos e outras técnicas criadas pelas ciências
sociais para influenciarem quando, onde e quanto os trabalhadores dirigirão. A plataforma
adota técnicas de vídeo game, gráficos e recompensas não monetárias de caráter simbólico
para induzir os motoristas a trabalharem mais, inclusive em horários e locais menos rentáveis
para eles410.
A empresa envia mensagens aos motoristas estimulando-os a atingirem um
determinado objetivo concreto e, assim, motivá-los a realizar viagens. Por exemplo, a
plataforma emite alertas para os trabalhadores avisando-os que estão próximos de
alcançarem suas metas financeiras para determinado dia (ou mesmo um valor arbitrário
fixado pela empresa) quando tentam se desconectarem do aplicativo e manda notificações
parabenizando-os de terem feito um certo número de viagens em um dado período. O
desenho do aplicativo também tem um papel importante nesse processo, uma vez que se
destacam as opções que mantêm os motoristas trabalhando. No primeiro exemplo, ao serem
avisados da proximidade em atingirem as suas metas, apresentam-se as alternativas de se
desconectarem-se ou continuarem dirigindo, com maior realce dessa opção411.
A Uber também envia mensagens aos motoristas com o objetivo de incitar um
espírito competitivo que alimenta uma compulsão comparável ao jogo, como a indicação do

408
UBER. Another step to prevent drowsy driving. Disponível em:
<https://www.uber.com/newsroom/drowsydriving/>. Acesso em: 08 jul. 2018; SADOWSKI, Christopher.
Uber drivers working up to 19 hours just to get by. New York Post, New York, 07 feb. 2016. Disponível:
<https://nypost.com/2016/02/07/uber-drivers-working-up-to-19-hours-a-day-just-to-get-by/>. Acesso em:
08 jul. 2018; SIDDIQUI, Faiz. Uber mandates a six-hour rest period for frequent drivers. The Washington
Post, Washington, 12 feb. 2018. Disponível: <https://www.washingtonpost.com/news/dr-
gridlock/wp/2018/02/12/uber-mandates-a-six-hour-rest-period-for-frequent-
drivers/?noredirect=on&utm_term=.76c56ae735ae>. Acesso em 08 jul. 2018.
409
Id. Termos e condições gerais dos serviços de intermediação digital. cit., p. 2.
410
SCHEIBER, Noam. How Uber uses psychological tricks to push its drivers’ buttons. The New York Times,
New York, 02 apr. 2017. Disponível em:
<https://www.nytimes.com/interactive/2017/04/02/technology/uber-drivers-psychological-tricks.html>.
Acesso em 10 out. 2017.
411
Id. Ibid.
160

número de viagens realizadas durante a semana, a quantia de dinheiro recebida, as horas


trabalhadas e a média de avaliações recebidas. Ainda, a plataforma atribui distintivos aos
motoristas que atingem determinados objetivos estabelecidos pela empresa. Essa técnica é
denominada de ludificação (ou gamificação), cujo principal objetivo, no caso concreto, é
induzir os motoristas a internalizarem o comportamento desejado pela empresa e atenderem
às demandas da plataforma412.
Exemplo da ludificação é a maneira pela qual engenheiros de software programam o
algoritmo da plataforma para manipular a oferta de bônus aos motoristas com objetivo de
fazê-los dirigir por mais horas. Os trabalhadores são comparados a coelhos, em que se deve
manter a cenoura (ou o dinheiro) à sua vista para que continuem andando (ou dirigindo)413.
Outra prática empregada pela Uber é o envio aos motoristas de ofertas de corridas
antes que a viagem em curso termine, por meio de um algoritmo chamado expedição
prospectiva. Para os trabalhadores, é positivo por não os fazer aguardar muito tempo para
uma nova corrida. Para a empresa, é importante por manter os motoristas dirigindo por mais
tempo em períodos de maior demanda. Contudo, há um grande espaço para enfraquecer o
autocontrole dos motoristas, uma vez que as ofertas aparecem automaticamente, a menos
que o trabalhador suspenda o envio414.
Também é exemplo de oferta de benefícios aos motoristas que se comportem como
a empresa deseja a criação de programas que oferecem recompensas monetárias. Como
exemplo, destacamos o Programa 6 Estrelas que a plataforma adota em algumas cidades
brasileiras. Existem 3 categorias de motoristas: prata, ouro e diamante, divididas conforme
a avaliação média do motorista e o número de viagens realizadas no mês. Os critérios variam
conforme o local, mas a nota mínima identificada foi de 4,75 e a menor quantidade de
corridas foi de 240. As vantagens concedidas aos motoristas nesse programa são: suporte
prioritário e promoções exclusivas para aumentar a remuneração para as três categorias e
multiplicador de ganhos das viagens conforme a categoria415.

412
SCHEIBER, Noam. op. cit.
413
FOWLER, Susan. “What Have We Done?”: Silicon Valley Engineers Fear They’ve Created a Monster.
Vanity Fair, New York, sept. 2018. Disponível em: <https://www.vanityfair.com/news/2018/08/silicon-
valley-engineers-fear-they-created-a-monster>. Acesso em: 11 set. 2018.
414
SCHEIBER, Noam. op. cit.
415
UBER. Clube 6 estrelas: o exclusivo clube de vantagens dos melhores motoristas parceiros da Uber.
Disponível em: <https://www.uber.com/pt-BR/blog/rio-de-janeiro/clube-6-estrelas-rio-de-janeiro-2/>.
Acesso em: 07 dez. 2018; Id. Clube 6 estrelas: o exclusivo clube de vantagens dos melhores motoristas
parceiros da Uber. Disponível em: <https://www.uber.com/pt-BR/blog/salvador/6-estrelas-ssa/>. Acesso
em: 07 dez. 2018.
161

Miriam Cherry afirma que a estrutura do trabalho na Uber aponta que diversas
atividades são invisíveis, sejam as que não se consideram para efeitos de remuneração –
como o motorista ficar online aguardando o recebimento de oferta para realizar uma viagem
–, sejam as que não são reconhecidas como trabalho. A caracterização da atividade do
motorista como empreendedora vai no mesmo sentido, esvaziando o conteúdo laboral do ato
de dirigir em troca do pagamento de valores. O fato de os trabalhadores terem de se
comportar conforme as diretrizes da empresa, esforçando-se para fazer da viagem uma
experiência agradável para o cliente – o que se denomina por trabalho emocional -, não é
considerado como atividade produtiva e é igualmente tornado invisível pela estrutura
posta416.
A dinâmica que a plataforma imprime nos termos e condições de serviço de
intermediação digital é outro elemento que demonstra a disparidade de forças na relação
entre a Uber e os motoristas. Além desses termos serem estabelecidos unilateralmente pela
empresa, há mudanças frequentes em seu conteúdo, com as quais os trabalhadores devem
concordar assim que acessam o aplicativo. Muitas vezes se alteram questões significativas,
como a fórmula de cálculo do preço das viagens, é dado o aceite para se realizar as viagens
e os termos são lidos posteriormente. Há casos em que são fixados termos mais agressivos
e, após um determinado período, retorna-se à situação anterior. A ausência de registro dos
termos que regem cada tempo da relação deixa os trabalhadores em desvantagem, dado que
lhes é disponibilizada somente a última versão. Nesse sentido, fica evidente que os
motoristas têm dificuldade em acompanhar as constantes mudanças e a complexidade dos
termos, o que deixa a plataforma com maior domínio da situação417.

3.5.4. Empresa de tecnologia ou empresa de transportes?


Em que pese a Uber se definir como uma empresa de tecnologia, todas as evidências
apontam em sentido distinto. O juiz norte-americano que tratou do caso O’Connor v. Uber
destacou que
a Uber não vende simplesmente software; vende corridas. A Uber não é
mais “empresa de tecnologia” do que a Yellow Cab é “empresa de
tecnologia” porque usa rádios para enviar táxis, John Deere é “empresa de
tecnologia” porque usa computadores e robôs para manufaturar cortadores
de grama ou Domino Sugar é “empresa de tecnologia” porque usa técnicas

416
CHERRY, Miriam. People Analytics and Invisible Labor. cit., p. 12-14.
417
CALO, Ryan; ROSENBLAT, Alex. op. cit., p. 1630; 1660-1661.
162

modernas de irrigação para fazer crescer cana-de-açúcar. De fato, poucas


empresas não são empresas de tecnologia se o foco é somente em como
criam ou distribuem seus produtos. Se, contudo, o foco é na substância do
que a empresa realmente faz (como vender corridas de táxi, cortar grama
ou açúcar), é claro que a Uber é uma empresa de transporte, embora
tecnologicamente sofisticada418.
No mesmo sentido, o magistrado que julgou o caso Aslam e Farrar v. Uber afirmou
que
em nossa opinião, é irreal negar que a Uber está nos negócios como um
fornecedor de serviços de transporte. [...] Além disso, o caso dos réus aqui
é, acreditamos, incompatível com o fato consensual de que a Uber
comercializa uma “gama de produtos”. Alguém pode perguntar: de quem
é essa gama de produtos se não da Uber? Os “produtos” falam por si
mesmos: eles são uma variedade de serviços de corridas. O sr. Aslam não
oferece essa gama. Nem o sr. Farrar ou qualquer outro motorista
individualmente. O marketing evidentemente não é feito para o benefício
de qualquer motorista individualmente. Igualmente evidente, é feito para
promover o nome da Uber e para vender os seus serviços de transporte419.
Acrescenta o magistrado que “a noção de que a Uber em Londres é um mosaico de 30.000
pequenos negócios relacionados por uma ‘plataforma’ comum é, para nós, francamente
ridícula. Em cada caso, o ‘negócio’ consiste em um homem com um carro buscando ganhar
a vida dirigindo”420.

418
UNITED STATES DISTRICT COURT, N.D. CALIFORNIA. Douglas O’Connor, et. al, Plaintffs v. Uber
Technologies, Inc., et. al., Defendants. Mar. 2015. Disponível em:
<https://h2o.law.harvard.edu/collages/42126/export>. Acesso em: 30 set. 2017, tradução nossa de: “Uber is
no more a "technology company" than Yellow Cab is a "technology company" because it uses CB radios to
dispatch taxi cabs, John Deere is a "technology company" because it uses computers and robots to
manufacture lawn mowers, or Domino Sugar is a "technology company" because it uses modern irrigation
techniques to grow its sugar cane. Indeed, very few (if any) firms are not technology companies if one
focuses solely on how they create or distribute their products. If, however, the focus is on the substance of
what the firm actually does (e.g., sells cab rides, lawn mowers, or sugar), it is clear that Uber is most
certainly a transportation company, albeit a technologically sophisticated one”.
419
JUDICIARY. Mr Y Aslam, Mr J Farrar and Others – V – Uber. Oct. 2016. Disponível em:
<https://www.judiciary.uk/wp-content/uploads/2016/10/aslam-and-farrar-v-uber-employment-judgment-
20161028-2.pdf>. Acesso em: 20 set. 2018, p. 27, tradução nossa de: “it is, in our opinion, unreal to deny
that Uber is in business as a supplier of transportation services. [...] Moreover, the Respondents’ case here
is, we think, incompatible with the agreed fact that Uber markets a ‘product range’. One might ask: Whose
product range is it if not Uber’s? The ‘product’ speaks for themselves: they are a variety of driving services.
Mr Aslam does not offer such a range. Nor does Mr Farrar, or any other solo driver. The marketing self-
evidently is not done for the benefit of any individual driver. Equally self-evidently, it is done to promote
Uber’s name and ‘sell’ its transportation services”.
420
Id. Ibid., tradução nossa de: “The notion that Uber in London is a mosaic of 30,000 small business linked by
a common ‘plataform’ is to our minds faintly ridiculous. In each case, the ‘business’ consists of a man with
a car seeking to make a living by driving it”.
163

A propaganda da Uber mostra que a análise da sentença está correta. A plataforma


anuncia que é “o motorista particular de todos [...] a missão da Uber é ir para toda a principal
cidade do mundo e implementar um sistema de transporte eficiente, conveniente e
elegante”421.
Corroborando os pontos de vista expostos na decisão britânica, a Corte de Justiça da
União Europeia decidiu, em relação à Uber, que
o serviço de intermediação deve ser considerado como parte integral de um
serviço geral, cujo principal componente é o serviço de transporte e, em
razão disso, não deve ser classificado como “serviço de sociedade de
informação” [...] mas como “serviço no campo do transporte”422.
Julia Tomassetti entende o tema de forma semelhante. A autora aponta que, caso a
Uber fosse somente um instrumento de combinação da oferta e demanda de mão de obra,
ela desempenharia mal a função, tendo em vista que os participantes do mercado deveriam
ter informações a respeito das opções disponíveis e das alternativas. Contudo, o que se
percebe é o controle do fluxo de informações em relação aos integrantes da plataforma, em
que o software é modelado para evitar o contato prévio entre motorista e passageiro e ambos
recebem as informações de forma espaçada (por exemplo, o motorista somente sabe o local
de destino da viagem quando dá início à corrida). Somente a Uber detém as informações
centrais para a concretização da atividade, repassando-as ao motorista e ao passageiro após
a aceitação da viagem pelo primeiro423.
Julia Tomassetti coloca que a identificação da Uber como uma empresa do setor de
transportes é menos visível, pois a plataforma coordena trabalho que ocorrem em distintos
locais, ou seja, é espacialmente disperso. A ocorrência de diversas viagens ao mesmo tempo
em diversos lugares e o consumo individual das corridas embaça a perspectiva coletiva do
trabalho e a centralização da coordenação e do controle pela empresa. A autora compara o
caso com um restaurante, em que há alocação temporal e espacial dos trabalhadores
considerando as mesas do estabelecimento. Tenta-se direcionar a atividade dos garçons e

421
UBER. Everyone’s private driver. Disponível em: <https://vimeo.com/58800109>. Acesso em: 07 dez. 2018,
tradução nossa de: “Everyone’s private driver […] Uber’s mission is to go to every major city in the world
and roll out an efficient, convenient, elegant transportation system”.
422
COURT OF JUSTICE OF THE EUROPEAN UNION. Case C-434/15. Dec. 2017. Disponível em:
http://curia.europa.eu/juris/document/document.jsf;jsessionid=9ea7d0f130dcb236077b2ccb4eac82eea27b
3c4d851c.e34KaxiLc3eQc40LaxqMbN4Pbh0Ke0?text=&docid=198047&pageIndex=0&doclang=en&mo
de=lst&dir=&occ=first&part=1&cid=634146. Acesso em: 20 set. 2018, tradução nossa de: “That
intermediation service must thus be regarded as forming an integral part of an overall service whose main
component is a transport service and, accordingly, must be classified not as ‘an information society service’
[…] but as ‘a service in the field of transport’”.
423
TOMASSETTI, Julia. op. cit., p. 27-28.
164

outros empregados para que os consumidores recebam serviço rápido e sem repetição. Nesse
sentido, ainda que cada um dos consumidores de cada mesa receba os serviços
individualmente, o atendimento realizado é fruto do trabalho coletivo. Da mesma forma, a
Uber coordena uma complexa divisão do trabalho no espaço e no tempo para oferecer
serviços de transporte. Contudo, a natureza coletiva do trabalho é mais difícil de ser
identificada quando os trabalhadores não estão no mesmo espaço e os consumidores
visualizam o recebimento do serviço de forma individual. A autora ainda pontua que a
aparência de que o trabalho é feito individualmente contribui para a impressão de o
trabalhador ser o proprietário dos meios de produção, especialmente por ser o dono do
veículo. Entretanto, o instrumento mais importante para viabilizar a atividade é a tecnologia
fornecida pela empresa424.
Julia Tomassetti acrescenta que a plataforma não é uma empresa que procura
maximizar os lucros a partir da produção e comercialização de bens e serviços. A Uber é
uma empresa que tem como objeto a venda de corridas e representa a emergência da
corporação pós-industrial, em que o objetivo é obter lucro por meio de outros mecanismos,
como especulação, burla da lei, evasão de divisas e manipulação de ativos425.
A burla legal é a manipulação da estrutura de um negócio para se aproveitar do vácuo
existente entre o conteúdo das transações econômicas e o seu regramento. Trata-se de uma
forma de organização do modelo empresarial para esconder a dinâmica real das relações
econômicas dos reguladores e, desta forma, ignorar a lei. Jeremias Prassl afirma que o acesso
a um grande número de trabalhadores é essencial para viabilizar o modelo de negócios da
Uber e classificar os trabalhadores como autônomos, ao invés de empregados, permite à
plataforma oferecer serviços sem arcar com o seu custo, havendo uma transferência de
despesas e responsabilidades para os trabalhadores426.
O autor ainda pontua que a burla legal produz externalidades negativas, em que o
custo social das atividades das plataformas é maior do que o custo privado. Para exemplificar,
menciona o número de carros nas ruas aguardando por uma chamada. As plataformas
procuram ter o maior número de motoristas disponíveis para facilitar a vida de seus clientes.
Contudo, os motoristas são prejudicados, dado que a Uber trabalha para que a oferta supere
a demanda. Desse modo, os algoritmos da plataforma colocam os trabalhadores em um meio
de baixa produtividade para que os chamados sejam atendidos o mais rápido possível,

424
TOMASSETTI, Julia. op. cit., p. 56-57.
425
Id. Ibid., p. 34.
426
PRASSL, Jeremias. op. cit., p. 20-21.
165

colocando em segundo plano os custos existentes para os motoristas esperarem por


passageiros, como o de seus tempos e do combustível do automóvel, além das implicações
ambientais ao estimular o aumento da circulação de carros nas cidades427.

3.5.5. Dependência e precariedade


Hillary C. Robinson conduziu um estudo de campo com os motoristas da Uber que
dirigem na cidade de Boston (EUA), com o objetivo de analisar a constituição de uma nova
classe trabalhadora em decorrência do uso de telefones celulares. A autora classifica-os em
duas categorias, de acordo com a quantidade de horas que trabalham e a dependência da
plataforma para obter renda428.
Na primeira encontram-se trabalhadores que dirigem até 35 horas por semana (com
uma média de 20) e que não precisam do que ganham com a Uber para sobreviverem. São
denominados de trabalhadores de meio período ou casuais. Os três subgrupos mais comuns
nessa categoria são: (i) pessoas que têm um emprego principal e usam o aplicativo como
uma fonte adicional de renda; (ii) estudantes em busca de uma atividade secundária para
obter dinheiro extra; (iii) pessoas que têm empregos com remunerações baixas ou que
desempenham atividades não pagas em casa e que procuram por meios alternativos para
ganharem dinheiro. As principais características desse grupo são: (i) não há controle sobre
os valores recebidos com o trabalho na Uber e nem dos gastos com a atividade de forma
rotineira (como combustível, manutenção do veículo, dentre outros), o que os faz analisar
seus ganhos de maneira bruta; (ii) não há clareza sobre o montante correto da taxa da Uber;
(iii) geralmente, a quantidade de trabalho é determinada por um objetivo financeiro
específico, como o pagamento do aluguel ou viabilizar uma viagem de lazer; (iv) valoriza-
se outras características do trabalho na Uber além da renda, como a oportunidade de
socialização com os passageiros; (v) a existência de uma fonte de renda principal que não a
Uber é o meio de subsistência desses trabalhadores, sendo que os ganhos obtidos com a
plataforma não afetam o seu bem-estar429.
Na segunda encontram-se trabalhadores que dirigem por mais de 35 horas semanais
e dependem da Uber para sobreviverem. São chamados de trabalhadores em tempo integral.
Os três subgrupos mais comuns nessa categoria são: (i) antigos e atuais motoristas de taxi e
profissionais que estão reagindo à queda da demanda por seus serviços, mudando para a

427
PRASSL, Jeremias. op. cit., p. 21.
428
ROBINSON, Hillary C. op. cit., p. 5-10.
429
Id. Ibid., p. 8-12.
166

plataforma; (ii) pessoas que tinham empregos de baixa remuneração e os trocaram para
dirigir na Uber em busca de maior flexibilidade; (iii) pessoas que perderam o emprego em
razão da crise econômica e não encontraram outra ocupação equivalente no mercado de
trabalho. As principais características desse grupo são: (i) há maior conhecimento a respeito
dos gastos envolvidos em trabalhar na plataforma, como gastos com combustível e seguro;
(ii) sabe-se com precisão a porcentagem que a Uber retém como taxa em cada viagem; (iii)
há ciência das mudanças feitas no modelo de negócios, como o valor pago por minuto e por
quilômetro de viagem e a inserção de novas modalidades de serviço, como o UberPool430.
Na pesquisa feita por Juliet Schor, William Attwood-Charles, Mehmet Cansoy, Isak
Ladegaard e Robert Wengronowitz, foi realizada análise da situação de motoristas de
aplicativos, como da Uber e Lyft. Os trabalhadores colocaram que para receber o mesmo
valor que o salário de um motorista de ônibus, é necessário dirigir nos horários de maior
movimento durante o período da manhã e da tarde e iniciar as atividades muito cedo. De
acordo com as experiências relatadas, há pouco trabalho no meio do dia e, para obter a renda
desejada, trabalha-se nos períodos em que a plataforma comunica que há maior demanda, o
que significa dirigir em horários não convencionais, como fins de semana e madrugadas.
Portanto, em vez de viabilizar o gerenciamento do tempo de forma a permitir usufruir de
atividades com a família e de lazer, os motoristas ficam circunscritos à oscilação da demanda,
o que é detectado pela experiência e pelas informações dadas pelo aplicativo, não tendo o
que fazer quando a maioria das pessoas está trabalhando e dirigindo nos momentos em que
os demais estão com tempo livre431.
Os trabalhadores também relatam que a constante alteração das regras – como o
sistema de avaliação - e dos preços estabelecidos pela plataforma causam ansiedade e
insegurança. Primeiramente, porque pode afetar a média de notas dos motoristas e
comprometer a permanência na empresa. Em segundo lugar, por criar dificuldades na
previsão da renda média possível de se obter. Essas mudanças ocorrem a partir de decisões
unilaterais feitas pela plataforma sem que os trabalhadores tenham a oportunidade de se
expressarem, o que causa insatisfação432.
Na pesquisa realizada com os motoristas na cidade de São Paulo, é possível
classificar os trabalhadores entre os que dependem economicamente da Uber para

430
ROBINSON, Hillary C. op. cit., p. 10-15.
431
SCHOR, Juliet; ATTWOOD-CHARLES, William; CANSOY, Mehmet; LADEGAARD, Isak;
WENGRONOWITZ, Robert. op. cit., p. 5-15.
432
Id. Ibid., p. 10-16.
167

sobreviverem e os que têm no trabalho sob demanda por meio de aplicativos uma fonte de
renda secundária.
No primeiro grupo, entre os dependentes (77,5%), identificam-se dois subgrupos: (i)
os que procuraram a plataforma por falta de opção no mercado de trabalho; e (ii) os que
optaram por dirigir em razão dos trabalhos disponíveis oferecerem baixos salários. As
principais características desse grupo são: (i) há uma elevada carga horária, sendo que todos
trabalham mais de 40 horas semanais, 75% trabalham pelo menos 6 dias na semana
(geralmente folgando no dia do rodízio municipal na cidade de São Paulo) e 33% trabalham
mais de 60 horas por semana; (ii) o rendimento diário bruto para 64,5% é maior que
R$ 200,00 até R$ 400,00, sendo que praticamente o mesmo número (63,2%) afirmam que
não conseguem economizar nenhum valor mensalmente; (iii) há um desejo de realizar
atividades fora do trabalho sob demanda por meio de aplicativos para 74,6%, mas a ausência
de trabalho disponível (44,3%) e os baixos salários (14%) são obstáculos para os motoristas;
(iv) os custos fixos diários são controlados por 77,3%, apesar de a maioria registrar como tal
somente os valores gastos para abastecer o veículo e não levar em conta outros custos como
manutenção, limpeza e plano de dados do telefone celular; (v) número considerável de
motoristas tem receio de ser punido pela Uber (46,8%) e avalia-se negativamente o sistema
de ratings da Uber acima da média (20,2%).
Portanto, nota-se que entre os dependentes há uma elevada jornada de trabalho, os
valores recebidos são destinados única e exclusivamente à subsistência, a permanência na
plataforma decorre da falta de opções no mercado de trabalho, há um esforço para gerenciar
os ganhos e custos da atividade e os trabalhadores se preocupam com as consequências
negativas que o sistema de avaliação pode ter em suas atividades.
No segundo grupo, entre os que a Uber é uma fonte adicional de renda, há dois
subgrupos: (i) os que têm uma ocupação principal, sendo que dirigem nos intervalos
interjornadas; e (ii) aposentados. As principais características desse grupo são: (i)
considerando somente as horas trabalhadas no aplicativo, a maioria (60,9%) dirige entre 4 e
8 horas diárias e, olhando apenas para a carga horária da atividade principal, 52,2% trabalha
entre 20 e 40 horas semanais; (ii) o rendimento bruto diário da maioria (69,6%) é de até
R$ 200,00, sendo que 52,2% consegue economizar pelo menos R$ 100,00 mensalmente;
(iii) não há desejo de realizar atividades por mais tempo no trabalho sob demanda por meio
de aplicativos para 65,2%, sendo que, em relação aos que têm outra ocupação, 57,9%
prefeririam trabalhar por mais tempo em seu trabalho principal se tivessem oportunidade,
considerando o valor recebido pela hora trabalhada; (iv) os custos diários não são
168

controlados por 39,2% dos motoristas e, mesmo os que afirmam fazer, levam em conta
apenas os gastos com combustível; e (v) a maioria não tem receio de ser suspensa ou excluída
do aplicativo (78,3%) e há uma percepção positiva sobre o sistema de avaliação (69,6%).
Ou seja, entre os que têm uma outra fonte de renda principal, a jornada na Uber é
menor (apesar de ser substancialmente elevada quando se tem em vista ambas as atividades),
é possível economizar para além das necessidades de sobrevivência, há uma preferência pelo
trabalho principal, são menores os esforços para administrar os valores obtidos com a
plataforma e há uma relação de menor temor com o sistema de avaliação da plataforma.
Uma questão comum para os economicamente dependentes da Uber e para os que
têm na plataforma uma fonte de renda adicional é a baixa remuneração que o trabalho sob
demanda por meio de aplicativos lhes proporcionam. Ao se manifestarem sobre o que
deveria ser mudado em suas atividades, 39,3% do primeiro grupo afirmaram que a taxa da
Uber deveria ser menor e 24,1%, que o valor da tarifa é baixo. Em relação ao segundo grupo,
30,5% apontaram que a taxa é muito alta e 21,7%, que o preço da corrida deveria ser mais
maior.
Sobre a percentagem que a Uber fica em cada corrida, além de ser excessiva, os
motoristas questionaram a recente alteração em seu cálculo, que leva em conta tempo e a
distância da viagem, e a falta de correspondência entre o que a plataforma recebe e oferece:
“Diminuiria a taxa que a Uber recebe em cada corrida. Tecnicamente é 25%, mas em corridas
mais longas fora do horário de pico, a taxa aumenta, podendo chegar a 40%”, “aumentaria
o preço da tarifa e reduziria a taxa da Uber. A taxa da Uber mudou a forma de cobrança e
estão ficando com até 1/3 da viagem dependendo da distância e do tempo da corrida”,
“diminuiria a taxa da Uber que é muito alta somente para administrar um software” e “a taxa
da Uber é muito alta, dado que ficam com 25% das corridas. Os motoristas são penalizados
nesse modelo, dado que já têm um custo alto para manterem o carro”.
No tocante ao preço das tarifas, além do valor baixo cobrado dos passageiros, os
motoristas questionaram a falta de reajuste e a necessidade de dirigir muitas horas para ser
possível obter uma renda para subsistência: “o preço da tarifa deveria acompanhar a
oscilação do preço da gasolina e da inflação”, “melhoria da remuneração, que piorou muito
hoje em relação ao que foi no passado”, “se o preço da tarifa fosse melhor, poderia trabalhar
menos horas e se dedicar mais a outras coisas. Para ganhar o que precisa hoje, tem que
trabalhar muito”.
169

4. Crowdwork
O crowdwork é uma forma de trabalho desempenhada remotamente em plataformas
digitais, geralmente utilizada por empresas cujo modelo de negócios é vinculado à internet
e que demandam o acesso a uma multidão de trabalhadores em escala global e de maneira
pontual e esporádica433.
O crowdwork é adotado no contexto da crowdsourcing de atividades comerciais,
expressão criada por Jeff Howe para explicar novos modelos de negócios relacionados com
a internet, que estavam surgindo na segunda metade da década de 2000. De acordo com o
autor, “crowdsourcing representa o ato de uma empresa ou instituição pegar uma função
antes feita por empregados e terceirizar para uma indefinida (e geralmente grande) rede de
pessoas na forma de uma chamada aberta”434. O mesmo fenômeno também é denominado
de terceirização online, definido por Siou Chew Kuek, Cecilia Paradi-Guilford, Toks Fayomi,
Saori Imaizumi e Panos Ipeirotis, em relatório do Banco Mundial, como
a contratação de trabalhadores ou prestadores de serviços terceirizados
(geralmente estrangeiros) para fornecer serviços ou realizar tarefas em
mercados baseados na internet ou em plataformas. Esses canais mediados
pela tecnologia permitem que clientes terceirizem suas atividades pagas
para um grupo amplo, distribuído e global de trabalhadores remotos, o que
permite a realização, coordenação, controle de qualidade, entrega e
pagamento desses serviços online435.
Lilly Irani afirma que o crowdwork dissemina e democratiza a terceirização para qualquer
empresa que tenha acesso a um computador e cartão de crédito436.
A crowdsourcing pode ser interna ou externa. No primeiro caso, a própria empresa
que realiza a crowdsourcing é proprietária da plataforma e as atividades são realizadas na

433
DE STEFANO, Valerio. op. cit., p. 473-474.
434
HOWE, Jeff. Crowdsourcing: A Definition. Junho, 2006. Disponível em:
http://www.crowdsourcing.com/cs/2006/06/crowdsourcing_a.html. Acesso em: 06 jun. 2017, tradução
nossa de: “crowdsourcing represents the act of a company or institution taking a function once performed
by employees and outsourcing it to an undefined (and generally large) network of people in the form of an
open call”.
435
KUEK, Siou Chew; PARADI-GUILDORD, Cecilia; FAYOMI, Toks; IMAIZUMI, Saori; IPEIROTIS,
Panos. The global opportunity in online outsourcing. June 2015. Disponível em:
http://documents.worldbank.org/curated/pt/138371468000900555/pdf/ACS14228-ESW-white-cover-
P149016-Box391478B-PUBLIC-World-Bank-Global-OO-Study-WB-Rpt-FinalS.pdf. Acesso em 06 ago.
2018, tradução nossa de: “the contracting of third-party Workers and providers (often overseas) to supply
services or perform tasks via Internet-based marketplaces or platform. These technology-mediated channels
allow clients to outsource their paid Work to a large, distributed, global labor pool of remote Workers, to
enable performance, coordination, quality control, delivery, and payment of such services online”
436
IRANI, Lilly. Justice for “Data Janitors”. Public Books, New York, 15 jan. 2015. Disponível em:
http://www.publicbooks.org/justice-for-data-janitors. Acesso em: 11 maio. 2018.
170

intranet por seus empregados. Trata-se da situação menos comum. No segundo, as tarefas
são colocadas em uma plataforma externa de um terceiro para que trabalhadores sem relação
prévia com a empresa as executem. A maioria das plataformas de crowdwork são externas.
Ainda, há as híbridas, em que atividades são realizadas na plataforma da empresa por pessoas
recrutadas externamente437.
A relação entre o requerente, a plataforma e o trabalhador pode ser bilateral ou
trilateral. No primeiro, a empresa que demanda o serviço é responsável pela plataforma,
existindo uma relação direta com o trabalhador. Esse modelo é mais comum na
crowdsourcing interna, em que o trabalhador geralmente é empregado da empresa, ou
híbrida, situação em que é considerado como autônomo. Na relação triangular há um vínculo
entre a plataforma e o trabalhador, entre o requerente e a plataforma e entre o trabalhador e
o requerente. Em regra, o trabalhador é contratado como autônomo e se considera a
plataforma como uma intermediária que oferece serviços para empresas que querem ter um
acesso flexível a um grande número de trabalhadores438.

4.1. Modelos de negócios, tipos de trabalho e trabalho cultural


Existem quatro modelos de negócios nas plataformas de crowdwork: agregador,
facilitador, regulador e árbitro. Eles refletem formas distintas em lidar com as principais
limitações da crowdsourcing: as dificuldades em se relacionar com trabalhadores virtuais e
desconhecidos e a capacidade reduzida em desenvolver projetos complexos e em larga escala.
A tipologia desses modelos é organizada em torno de dois temas: o responsável por
administrar as atividades (a plataforma ou o requerente) e por garantir a confiança no
controle de qualidade (a plataforma ou o trabalhador)439.
O agregador reúne milhares de microtarefas para serem executadas por diversos
trabalhadores e permite que grandes quantidades de atividades padronizadas sejam feitas

437
BERG, Janine. op. cit., p. 545; PRASSL, Jeremias; RISAK, Martin. Uber, Taskrabbit, and Co.: Platforms as
Employers - Rethinking the Legal Analysis of Crowdwork. cit., p. 623; WAAS, Bernd. Introduction. In:
WAAS, Bernd; LIEBMAN, Wilma; LYUBARSKY, ANDREW; KEZUKA, Katsutoshi. Crowdwork: a
comparative law perspective. Frankfurt am Main: Bund-Verlag, 2017, p. 14.
438
WAAS, Bernd. Introduction. In: WAAS, Bernd; LIEBMAN, Wilma; LYUBARSKY, ANDREW; KEZUKA,
Katsutoshi. Crowdwork: a comparative law perspective. Frankfurt am Main: Bund-Verlag, 2017, p. 14.;
WAAS, Bernd. Crowdwork in Germany. In: WAAS, Bernd; LIEBMAN, Wilma; LYUBARSKY,
ANDREW; KEZUKA, Katsutoshi. Crowdwork: a comparative law perspective. Frankfurt am Main: Bund-
Verlag, 2017, p. 144.
439
LIEBMAN, Wilma; LYUBARSKY, Andrew. Crowdworkers, the Law and the future of Work: The U.S. In:
WAAS, Bernd; LIEBMAN, Wilma; LYUBARSKY, ANDREW; KEZUKA, Katsutoshi. Crowdwork: a
comparative law perspective. Frankfurt am Main: Bund-Verlag, 2017, p 58-59.
171

rapidamente. A administração é realizada pelo requerente e a confiança é garantida pela


plataforma. São exemplos de agregadores a Amazon Mechanical Turk e a FigureEight 440.
O facilitador aproxima requerentes e trabalhadores diretamente por meio de um
processo de ofertas para realizar determinada atividade. Uma nota distintiva desse modelo é
a transparência em relação ao trabalhador, uma vez que é grande a quantidade de
informações a respeito de quem se propõe a executar o trabalho. A administração é feita
pelo requerente e a confiança é assegurada pelo trabalhador. São exemplos de facilitadores
a Upwork e a Freelancer441.
O regulador oferece uma coordenação qualificada e o gerenciamento de projetos
complexos, em que a plataforma tem um papel central para viabilização do negócio. São
usadas para vendas, marketing e desenvolvimento de software. A administração e a
certificação do trabalho são feitas pela plataforma. Como exemplo de regulador, menciona-
se a Topcoder442.
O árbitro é um modelo fundado na competição entre os trabalhadores e é usado para
design gráfico e solução de problemas científicos. Os requerentes escolhem o trabalho dentre
tarefas já realizadas, colocando-os em situação privilegiada para optar pelo de melhor
qualidade. A administração é feita pela plataforma e a qualidade é assegurada pelos
trabalhadores. Como exemplo de árbitros, menciona-se a InnoCentive e a crowdSPRING443.
Os tipos de trabalho solicitados nas plataformas de crowdwork se relacionam com os
modelos de negócios mencionados e são três: projetos, competições e microtarefas 444. O
referido relatório do Banco Mundial classifica os trabalhos de forma semelhante, apontando
para as microtarefas e o trabalho autônomo online, que abrange os projetos e as
competições445.

440
LIEBMAN, Wilma; LYUBARSKY, Andrew, op. cit., p. 59; AMAZON MECHANICAL TURK. Human
intelligence through an API. Disponível em: <https://www.mturk.com/>. Acesso em 05 ago. 2018;
FIGUREEIGHT. We make AI work in the real world. Disponível em: <https://www.figure-eight.com/>.
Acesso em 05 ago. 2018.
441
LIEBMAN, Wilma; LYUBARSKY, Andrew, op. cit., p. 58; UPWORK. Get the talent you need in 3 days,
not 30.Disponível em: <https://www.upwork.com>. Acesso em: 05 ago. 2018; FREELANCER. Hire expert
freelancers for any job, online. Disponível em: <https://www.freelancer.com>. Acesso em 05 ago. 2018.
442
LIEBMAN, Wilma; LYUBARSKY, Andrew, op. cit., p. 59; TOPCODER. Design & build high-quality
software with crowdsourcing. Disponível em: <https://www.topcoder.com>. Acesso em: 05 ago. 2018.
443
LIEBMAN, Wilma; LYUBARSKY, Andrew, op. cit., p. 59; INNOCENTIVE. Innovate with InnoCentive.
Disponível em: <https://www.innocentive.com>. Acesso em: 05 ago. 2018; CROWDSPRING. Design done
better. Disponível em: <https://www.crowdspring.com>. Acesso em: 05 ago. 2018.
444
KEZUKA, Katsutoshi. Crowdwork and the Law in Japan. In: WAAS, Bernd; LIEBMAN, Wilma;
LYUBARSKY, ANDREW; KEZUKA, Katsutoshi. Crowdwork: a comparative law perspective. Frankfurt
am Main: Bund-Verlag, 2017, p. 188-189.
445
KUEK, Siou Chew; PARADI-GUILDORD, Cecilia; FAYOMI, Toks; IMAIZUMI, Saori; IPEIROTIS,
Panos, op. cit.
172

Nos projetos, os requerentes, a partir das avaliações feitas por outros usuários da
plataforma e do resultado de outros trabalhos, escolhem um trabalhador para completar uma
atividade em um determinado período. Feita a seleção, o requerente negocia o preço com o
trabalhador, que pode ser uma quantia fixa ou um valor por hora. As atividades mais comuns
são a criação e o desenvolvimento de websites. A complexidade dos trabalhos é alta ou média
e a sua duração pode chegar a meses446.
Nas competições, os requerentes fazem uma chamada para trabalhadores se
inscreverem para realizar atividades, como a criação de logomarcas ou de folhetos e a
realização de pesquisa e desenvolvimento, dentre outras. Após receber as atividades
solicitadas por um determinado período, o requerente seleciona uma ou algumas vencedoras.
O preço é estabelecido previamente e somente é pago o trabalhador que teve a tarefa
escolhida. A complexidade dos trabalhos é média e a sua duração é de semanas a meses447.
As microtarefas, também chamadas de microtrabalho e trabalho-de-clique, são a
maioria das atividades existentes nas plataformas de crowdwork e não demandam muito
tempo e supervisão direta. Os requerentes fragmentam ao máximo uma atividade e as
inserem na plataforma, terceirizando-as. As principais categorias de microtarefas são: (i)
busca por informações, em que a pessoa tem de procurar dados na internet; (ii) verificação
e validação, como a averiguação da veracidade de um perfil em uma rede social; (iii)
interpretação e análise, em tarefas para classificar produtos; (iv) criação de conteúdo, como
resumir um documento ou transcrever uma gravação de áudio; (v) responder pesquisas, tanto
de empresas sobre um produto, como de acadêmicos sobre um estudo; (vi) acesso de
conteúdo, como utilizar determinados sites para consumir o que é ali produzido. A
complexidade das atividades é baixa, o valor pago é pequeno e a sua duração é de segundos
a minutos448.
Lilly Irani aponta que muitas das microtarefas são demandadas por empresas de
tecnologia que almejam expandir o escopo da cultura que mediam. Trata-se do trabalho
cultural, que se relaciona à classificação e ao processamento de grandes volumes de dados,
como novas formas de linguagem, imagem, sons e informações sensoriais. Esses tipos de
dados alimentam intensamente redes sociais, como o Facebook, canais de vídeo, como o
YouTube, sites de busca, como o Google, e telefones celulares. Os trabalhadores geram

446
KEZUKA, Katsutoshi. op. cit., p. 188-189; WEBSTER, Juliet. Microworkers of the Gig Economy: Separate
and Precarious. New Labor Forum, v. 25, n. 3, p. 56, Sept. 2016.
447
KEZUKA, Katsutoshi. op. cit., p. 189; WEBSTER, Juliet. op. cit., p. 56.
448
KEZUKA, Katsutoshi. op. cit., p. 188; WEBSTER, Juliet. op. cit., p. 56-57; BERG, Janine. op. cit., p. 545.
173

informações “treinadas” e customizadas, que ensinam algoritmos a combinar e compreender


padrões produzidos por seres humanos em face de determinados assuntos449.
As empresas de tecnologia precisam dos trabalhadores, pois os computadores não
têm as referências culturais necessárias para interpretar o tipo de material mencionado,
enquanto que as pessoas as têm. Muito pouco da face humana da tecnologia é mostrada,
apesar de o “trabalho escondido” viabilizar que empresas desenvolvam produtos dotados de
inteligência artificial, aprendizado de máquinas e big data 450 . Essas empresas, que se
vangloriam de ter a velocidade e a funcionalidade da inteligência artificial não conseguiriam
fazê-las sem manter pessoas trabalhando “atrás das cortinas”451. Nesse cenário, em que há
muito trabalho humano para configurar, calibrar e ajustar produtos que são anunciados como
se fossem essencialmente fruto da tecnologia, os trabalhadores do crowdwork são
denominados de “faxineiros de dados”452.
Lilly Irani menciona o exemplo da Google para ilustrar o caso. Para garantir um
mecanismo de busca de alta qualidade na internet, os trabalhadores, que não são empregados
contratados pela empresa, analisam as páginas com resultados das buscas e as avaliam.
Diante da resposta apresentada por esses trabalhadores, os engenheiros da Google ajustam o
algoritmo de busca, com o objetivo de aprimorar o mecanismo e manter-se como a referência
no mercado453.
O “trabalho escondido” e “atrás das cortinas” realizado pelos trabalhadores no
crowdwork é a expressão do trabalho invisível, característica das novas formas de trabalho
no capitalismo de plataforma, favorecido nesse caso pela distância física entre trabalhadores
e tomadores de serviço, falta de conhecimento sobre a identidade de quem realiza as
atividades, comunicação mínima e somente eletrônica entre as partes, além da opção por
adotar o crowdwork decorrer da intenção das empresas se apresentarem com o menor quadro
possível de empregados, tanto para consumidores, visando minimizar questionamentos
sobre como o produto ou serviço é oferecido, como para o mercado, no intuito de serem
valorizadas454.

449
IRANI, Lilly. op. cit; Id. New Media & Society, v. 17, n. 5, p. 723, may 2015.
450
IRANI, Lilly. The cultural work of microwork. cit., p. 723-724.
451
GRAY, Mary; SURI, Siddarth. The Humans Working Behind the AI Curtain. Havard Business Review,
Cambridge, jan. 2017. Disponível em: <https://hbr.org/2017/01/the-humans-working-behind-the-ai-
curtain>. Acesso em: 06 out. 2017.
452
LOHR, Steve. For big-data scientists, “janitor work” is key hurdle to insights. The New York Times, New
York, 18 ago. 2014. Disponível em: https://www.nytimes.com/2014/08/18/technology/for-big-data-
scientists-hurdle-to-insights-is-janitor-work.html. Acesso em: 08 ago. 2018.
453
IRANI, Lilly. Justice for “Data Janitors”. cit.
454
IRANI, Lilly. Justice for “Data Janitors”. cit.
174

4.2. Dinâmicas das relações de trabalho


Em geral, o trabalho no crowdwork se desenvolve da seguinte maneira (i) uma
empresa ou um indivíduo cadastrado na plataforma insere a demanda para a realização de
determinada atividade, estabelecendo os requisitos necessários para tanto; (ii) trabalhadores
registrados na plataforma analisam as tarefas disponíveis para execução e, existindo
interesse em algum dos trabalhos dos quais estejam aptos a executá-los, manifestam-se nesse
sentido; (iii) o trabalhador executa a atividade e entrega o seu resultado conforme
especificado no detalhamento da tarefa oferecida na plataforma; (iv) recebida a tarefa
demandada, o contratante faz uma análise do produto que lhe foi entregue; (v) por fim, há
variadas formas de os contratantes avaliarem o desempenho dos trabalhadores e expressarem
suas opiniões a respeito do trabalho feito: pagamento ou não pagamento, inserção de nota,
redação de comentários, dentre outros. Esse último aspecto, relacionado com a atribuição de
conceito sobre a atividade realizada por meio da plataforma, é um mecanismo de controle
para verificar se o trabalhador faz suas tarefas de acordo com as diretrizes da plataforma e
as instruções dadas pelos clientes.

4.3. Vantagens e desvantagens para trabalhadores e empresas


Segundo Alek Felstiner, as empresas também procuram o crowdwork para obter
ganhos de escala e acesso rápido ao trabalho, especialmente com as microtarefas. A grande
rede de trabalhadores que as plataformas colocam à disposição de seus clientes permite que
os trabalhadores executem tarefas de qualquer tamanho ou complexidade. A dimensão da
força de trabalho pode ser modulada de acordo com a flutuação da atividade empresarial,
sem custos de transação relevantes ou obstáculos logísticos. Pode-se recorrer, a qualquer
momento, a uma grande rede global de trabalho para evitar atrasos na produção associados
com a identificação e verificação de empresas terceirizadas ou custos relacionados com a
contratação de empregados. Ou seja, a existência de uma grande multidão de trabalhadores
disponível para realizar trabalho a qualquer tempo permite que as necessidades empresariais
sejam atendidas rapidamente por trabalhadores geograficamente dispersos e que competem
entre si455.
Essa flexibilidade tem um custo baixo, especialmente se a empresa não se preocupa
com padrões elevados de qualidade. Os trabalhadores recebem valores reduzidos, não há

455
FELSTINER, Alek. Working the Crowd: Employment and Labor Law in the Crowdsourcing Industry.
Berkeley Journal of Employment and Labor Law, v. 32, n. 1, p. 151–152, 2011; WAAS, Bernd. Introduction.
cit., p. 18; PRASSL, Jeremias; RISAK, Martin. op. cit., p. 625.
175

benefícios, segurança e estabilidade no trabalho e perspectivas de organização coletiva. As


empresas não oferecem instrumentos de trabalho, uma vez que as tarefas podem ser
executadas remotamente e em qualquer lugar, e não oferecem apoio aos trabalhadores,
especialmente para orientar a realização da atividade. Não há gastos com gerentes, dado que
as tarefas não são diretamente supervisionadas, com recrutamento, pois são os trabalhadores
que procuram as atividades, e com administração da força de trabalho, considerando que as
relações entre a empresa e os trabalhadores geralmente são anônimas e passageiras456.
Os principais problemas enfrentados pela empresa se relacionam com o controle e a
qualidade do trabalho. A ausência de domínio sobre a forma pela qual a tarefa é executada
leva a uma perda na certeza e na transparência da produção. Essas dificuldades fazem com
que seja difícil assegurar a qualidade do produto ou do serviço. Algumas das maneiras
utilizadas para superar esses problemas são a procura por plataformas em que seja possível
especificar a qualificação do trabalhador que realizará uma tarefa e a distribuição de uma
mesma atividade para diversos trabalhadores, com o objetivo de escolher a melhor executada.
A questão que se apresenta nessa última estratégia é que os demais trabalhadores que
também atenderam ao chamado da empresa, mas que não tiveram seu trabalho escolhido,
provavelmente não serão remunerados457.
Jeremias Prassl e Martin Risak afirmam que a ausência de controle direto é mitigada
pelo sistema de reputação digital presente nas plataformas. Esse mecanismo oferece um
parâmetro para a contratação de mão de obra e permite analisar a qualidade das tarefas
executadas. Se por um lado não há um supervisor imediato que gerencia as atividades do
trabalhador, por outro as tarefas não serão realizadas de forma relapsa, uma vez que há o
risco de receber uma avaliação baixa e de comprometer a sua capacidade de obter trabalho
futuro458.
A combinação do acesso rápido ao trabalho, da multidão de trabalhadores
disponíveis nas plataformas de crowdwork e do sistema de reputação digital permite às
empresas reduzir ou eliminar os custos dos tempos improdutivos no trabalho sem grandes
perdas no processo produtivo, reduzir o preço para os consumidores e aumentar a margem
de lucro das empresas459.

456
FELSTINER, Alek. op. cit., p. 152.
457
Id. Ibid., p. 154.
458
PRASSL, Jeremias; RISAK, Martin. op. cit., p. 625.
459
Id. Ibid., p. 625-626; PRASSL, Jeremias. op. cit., p. 3. Nesse sentido, o CEO da FigureEight (antiga
Crowdflower) expressou sua opinião sobre o grande diferencial do crowdwork: ”Antes da internet, seria
muito dificil encontrar alguém, sentar-se com ele por dez minutos, fazê-lo trabalhar para você por dez
minutos e então dispensá-lo depois desses dez minutos. Mas com a tecnologia, você realmente pode
176

Os trabalhadores são atraídos para atuar no crowdwork em razão da liberdade para


escolher onde e como trabalhar, quanto tempo gastar e que tarefas fazer. Essa situação lhes
permitiria administrar o tempo com maior autonomia, dando a possibilidade de conciliarem
a vida profissional com a pessoal460.
Os requisitos para poder iniciar o trabalho é ter um computador e acesso à uma
conexão de internet com boa velocidade, o que aponta para uma reduzida barreira de entrada
nesse mercado. Além disso, a variedade de atividades disponíveis para serem feitas nas
plataformas permite que se opte por realizar uma tarefa que se encaixe nos conhecimentos
prévios do trabalhador ou que se adeque aos interesses ainda não aprofundados e que se
deseja desenvolvê-los461.
Os trabalhadores com maior dificuldade de mobilidade, como os que residem em
áreas distantes dos centros urbanos, pessoas com deficiência, doentes ou que têm grandes
obrigações familiares, veem no crowdwork uma forma de ter acesso ao mercado de trabalho,
ainda que nem sempre de forma convencional e com remuneração satisfatória462.
Apesar dessas características serem geralmente associadas aos aspectos positivos do
crowdwork para o trabalhador, uma análise de maior profundidade aponta para uma
realidade mais complexa. Vili Lehdonvirta desenvolveu pesquisa em três plataformas de
crowdwork com o objetivo de estudar as restrições enfrentadas pelos trabalhadores
determinarem os seus próprios horários. Por um lado, identificou-se uma liberdade de
controle em estabelecer os horários, em que os trabalhadores conseguem decidir quanto e
quando trabalham. Por outro, constatou-se que fatores estruturais interferem negativamente
na capacidade de os trabalhadores gerenciarem o seu tempo, como a disponibilidade de
trabalho e a dependência econômica dessa atividade. Nessa linha, o autor verificou que se
há trabalho suficiente e os trabalhadores têm outras fontes de renda, há possibilidade de
fixação de seus horários de forma livre. Entretanto, se a disponibilidade de tarefas é baixa e

encontrá-lo, pagar uma pequena quantia de dinheiro e livrar-se dele quando não precisar mais” (É a tradução
nossa de: “Before the Internet, it would be really difficult to find someone, sit them down for ten minutes
and get them to work for you, and then fire them after those ten minutes. But with technology, you can
actually find them, pay them the tiny amount of money, and then get rid of them when you don’t need them
anymore”. MARVIT, Moshe. How crowdworkers became the ghosts in the digital machine. The Nation,
New York, 24 feb. 2014. Disponível em: https://www.thenation.com/article/how-crowdworkers-became-
ghosts-digital-machine. Acesso em: 16 ago. 2018).
460
FELSTINER, Alek. op. cit., p.154-155; FERNANDÉZ, María Luiz Rodriguez. Plataformas, microworkers
y otros retos del trabajo en la era digital. 2017. Disponível em:
<https://www.ilo.org/wcmsp5/groups/public/---europe/---ro-geneva/---ilo-
madrid/documents/article/wcms_548596.pdf>. Acesso em 16 ago. 2018, p. 9-12; PRASSL, Jeremias;
RISAK, Martin., op. cit., p. 626; WAAS, Bernd. Introduction. cit., p. 17-18.
461
FELSTINER, Alek. op. cit., p. 154-155.
462
FERNANDÉZ, María Luiz Rodriguez. op. cit.; PRASSL, Jeremias; RISAK, Martin. op. cit., p. 626.
177

existe uma dependência econômica dessa atividade, fica-se constantemente procurando e


realizando esses trabalhos, o que mitiga a autonomia dos trabalhadores463.
Além desses fatores estruturais, o autor identificou fatores cognitivos e culturais que
afetam a habilidade de os trabalhadores determinarem seus próprios horários, como a
dificuldade de encontrar motivação para realizar esses trabalhos e passar mais tempo na
plataforma do que se tinha inicialmente planejado, além da procrastinação e do
presenteísmo464.
As desvantagens para os trabalhadores não são desprezíveis. O que as empresas
identificam como positivo no crowdwork e as persuade em aceitar reduzir o controle sobre
quem faz e como são feitas as tarefas é o que coloca os trabalhadores em situação prejudicial.
O pagamento pela realização de trabalhos por peça de curta duração é extremamente baixo
e não há qualquer previsibilidade a respeito da quantidade de trabalho disponível465.
Soma-se a isso uma assimetria de informações entre, de um lado, a plataforma e o
cliente, e de outro, o trabalhador, uma vez que a quantidade de dados a respeito da tarefa
requerida geralmente é escassa. Há um grande impacto em dois campos. O primeiro é em
relação à satisfação, uma vez não ser obrigatória a justificativa para o cliente da plataforma
rejeitar um trabalho e, consequentemente, não pagar o trabalhador. Mesmo quando as
plataformas estabelecem sistemas de resolução de disputas, dificilmente o cliente tem seus
interesses contrariados, o que gera frustração nos trabalhadores. O segundo se vincula à
dificuldade de o trabalhador ter dimensão do todo do qual ele faz parte. Considerando que
parte significativa do crowdwork decorre da potencialização da fragmentação da produção,
especialmente as microtarefas, nega-se aos trabalhadores a possibilidade de terem uma visão
geral do processo produtivo do qual são parte, de compreenderem a contribuição dada a um
produto ou serviço e de valorarem o que fazem. Da produção de spams e de avaliações falsas
de produtos até escrever códigos para fabricantes de armas e identificar manifestantes em
protestos para governos autoritários, percebe-se que há uma ampla gama de atividades que
levantam questões morais e éticas e em que os trabalhadores podem estar inseridos sem que
necessariamente tenham conhecimento466.
Há espaços para violação da privacidade dos trabalhadores. Mesmo que não existam
tantos dados disponíveis de quem executa as tarefas – em algumas plataformas as partes se

463
LEHDONVIRTA, Vili. Flexibility in the gig economy: managing time on three online piecework platforms.
New technology, work and empoyment, v. 33, n. 1, p. 23, mar. 2018.
464
Id. Ibid., p. 23-24.
465
FELSTINER, Alek. op. cit., p. 155-156. PRASSL, Jeremias; RISAK, Martin. op. cit., p. 626-627.
466
FELSTINER, Alex. op. cit., p. 156-157; WEBSTER, Juliet. op. cit., p. 59.
178

identificam somente por apelidos -, quando se realiza pesquisa por empresas ou acadêmicos,
algumas informações pessoais podem ser reveladas sem que haja uma garantia de
confidencialidade ou de tratamento responsável e ético dos dados obtidos467.
A questão da construção da reputação também afeta os trabalhadores. Não é possível
transferir as avaliações recebidas dos requerentes entre as plataformas. Desta forma, muitas
pessoas acabam investindo tempo e energia em tarefas de uma determinada plataforma, que
não necessariamente corresponderá às expectativas do trabalhador. Em alguns casos, após
tentativas frustradas de combinar o recebimento de pagamentos razoáveis com uma
quantidade de trabalho que o mantenha ativo frequentemente, é preciso reiniciar os esforços
em uma outra plataforma. Optar por dividir o tempo em diversas plataformas pode tornar
lento o processo de receber boas avaliações e trabalho. O grau de reputação dos trabalhadores
é essencial, dado que ter um conceito baixo pode influenciar negativamente em sua
capacidade de receber tarefas e, dependendo do caso, levar à exclusão da plataforma. Ainda,
a contínua exposição dos trabalhadores às avaliações realizadas pelos clientes das
plataformas coloca-os em permanente estágio probatório468.
A insegurança em relação à quantidade de trabalho e as baixas remunerações fazem
com que os trabalhadores nas plataformas de crowdwork tentem maximizar os seus ganhos,
trabalhando a maior quantidade de tempo possível. Nesse sentido, segundo Juliet Webster,
as microtarefas evidenciam como o trabalho pode invadir o resto da vida dos trabalhadores,
dado que buscam preencher qualquer tempo livre com atividades que lhes permitam obter
renda suficiente para sobreviver469.
A flexibilidade do trabalhador na realização das atividades pode ser um vetor de
isolamento, uma vez que não há contato fácil com outros colegas de trabalho e que a relação
com os requerentes das atividades é geralmente episódica, distante e lacônica. Há um
processo de insulamento do trabalho, uma vez que as tarefas são feitas individualmente, há
necessidade de construir reputações online e de se apresentar positivamente perante o
mercado. Esse quadro dificulta iniciativas de organização coletiva dos trabalhadores470.
Contudo, segundo Mary Gray, Siddharth Suri, Syed Shoaib Ali e Deepti Kulkarni,
há experiências que demonstram o desenvolvimento de três tipos de colaboração entre os

467
FELSTINER, Alek, op. cit, p. 157.
468
Id. Ibid., p. 157-158; PRASSL, Jeremias; RISAK, Martin. op. cit., p. 627.
469
WEBSTER, Juliet. op. cit., p. 60.
470
PRASSL, Jeremias; RISAK, Martin. op. cit., p. 626-627; GRAY, Mary; SURI, Siddharth; ALI, Syed Shoaib;
KULKARNI, Deepti. The Crowd is a Collaborative Network. 2015. Disponível em:
<http://www.inthecrowd.org/wp-content/uploads/2015/10/collab_paper21.pdf>. Acesso em: 05 dez. 2017;
WEBSTER, Juliet. op. cit., p. 61.
179

trabalhadores para prover as suas necessidades técnicas e sociais. A primeira é para gerenciar
questões administrativas, como registrar-se na plataforma, evitar fraudes e receber
pagamentos, em que usuários mais antigos explicam os primeiros passos para iniciar
atividades em uma determinada plataforma. A segunda é para compartilhar informações
sobre novas tarefas – especialmente em relação ao valor - e bons requerentes - com enfoque
nas reputações -, sendo a comunicação feita por meio de telefone, fóruns online e redes
sociais. A terceira é para auxiliar na execução do trabalho, dividindo experiências, e oferecer
amparo entre si, estimulando o progresso e desenvolvimento471.
Também levando em consideração essas relações extra plataformas, Six Silberman
afirma que os mercados de trabalho online e os espaços sociotécnicos em seu entorno não
são ambientes perfeitamente competitivos e monolíticos, mas sistemas policêntricos
formados por complexas relações que interagem intensamente. A ideia de policentricidade
aponta que, apesar de a plataforma ser o local em que os atores sociais tomam decisões
relacionadas ao crowdwork, os resultados produzidos no mercado de trabalho online são
influenciados por escolhas feitas fora da plataforma, como os fóruns de trabalhadores. Esse
quadro forma um sistema único com múltiplos centros de decisão formalmente autônomos,
mas que se conectam e interagem472.

4.4. Amazon Mechanical Turk


A Amazon Mechanical Turk é uma das plataformas de crowdwork mais importantes
que existem. Trata-se de um serviço providenciado pela Amazon, também chamado de
MTurk, que estabelece um mercado online para a combinação de oferta e demanda de
trabalho. Foi lançado em novembro de 2005 e seu modo de operação se tornou um parâmetro
para as demais plataformas que foram criadas posteriormente473.
A plataforma tem suas origens em uma demanda da Amazon relacionada à
organização de produtos, imagens e objetos. A MTurk foi concebida para limpar
informações que eram inseridas no catálogo de produtos da Amazon, que concentrava suas

471
GRAY, Mary; SURI, Siddharth; ALI, Syed Shoaib; KULKARNI, Deepti. op. cit.
472
SILBERMAN, M. Six. Human-centered computing and the future of work: lessons from Mechanical Turk
and Turkopticon, 2008-2015. Irvine: UC Irvine, 2015, p. 26.
473
ALOISI, Antonio. op. cit., p. 666; SILBERMAN, M. Six; IRANI, Lilly. Operating an Employer Reputation
System: Lessons from Turkopticon, 2008-2015. Comparative Labor Law & Policy Journal, v. 37, p. 509,
2016. O nome Mechanical Turk tem origem em uma máquina que jogava xadrez encomendado pela
Imperatriz austríaca Maria Teresa. A máquina reconhecia a estratégia do oponente, pegava as peças e fazia
os próprios movimentos. Os desafiantes da Mechanical Turk pensavam que estavam jogando contra uma
máquina, quando na verdade havia um ser humano dentro do dispositivo, que movia as peças no tabuleiro
por meio de aparatos internos (HITLIN, Paul. Research in crowdsourcing age, a case study. Washington:
Pew Research Center, 2016, p. 11; PRASSL, Jeremias. op. cit., p. 1).
180

atividades em ser um centro coordenador de vendas para produtos de diferentes vendedores.


Existiam casos em que diferentes vendedores colocavam as mesmas informações para as
mesmas mercadorias, o que gerava transtornos para os consumidores que realizavam buscas
para esses produtos. A empresa avaliou que a retirada de dados duplicados seria uma tarefa
impossível de ser feita pelos engenheiros e não queria transferir essa atividade para os
vendedores. Desta forma, decidiu criar um website no qual os empregados da Amazon, em
seu período sem atividades, contribuíam identificando e escondendo os itens repetidos. O
projeto obteve êxito e a plataforma foi aberta para trabalhadores e requerentes fora da
empresa. Posteriormente, a MTurk ampliou a variedade de tarefas possíveis de serem feitas
por meio da plataforma e incluiu a possibilidade de pagamento de trabalhadores474.
A Amazon anuncia que apesar do desenvolvimento da tecnologia, muitas tarefas
ainda são realizadas de forma mais eficaz por seres humanos do que por computadores. Na
visão da empresa, geralmente essas atividades eram feitas por meio da contratação de uma
grande quantidade de mão de obra temporária (o que consome tempo, é cara e difícil de
gerenciar) ou não eram executadas. Em face dessa situação, a Amazon coloca que
a MTurk almeja tornar simples, em escala e econômico o acesso à
inteligência humana. Empresas ou desenvolvedores que precisam de
tarefas executadas (chamadas de tarefas de inteligência humana ou “TIH”)
podem usar a interface de programação de aplicativos da MTurk para
acessar milhares de trabalhadores sob demanda, globais e de alta qualidade
– e, então, integrar de forma programada os resultados desse trabalho
diretamente em seus processos de negócios ou sistemas. A MTurk permite
que desenvolvedores e empresas atinjam os seus objetivos mais rápidos e
a um custo menor do que anteriormente era possível475.
A MTurk afirma que são características da plataforma: (i) trabalhadores sob demanda,
disponíveis 24 horas por dia e 7 dias por semana, com uma grande variedade de

474
SILBERMAN, M. Six; IRANI, Lilly. op. cit., p. 509-510.
475
AMAZON MECHANICAL TURK. Human intelligence through an API. Disponível em: <
https://www.mturk.com/>. Acesso em 20 ago. 2018, tradução nossa de: “MTurk aims to make accessing
human intelligence simple, scalable, and cost-effective. Businesses or developers needing tasks done (called
Human Intelligence Tasks or “HITs”) can use the robust MTurk API to access thousands of high quality,
global, on-demand Workers—and then programmatically integrate the results of that work directly into their
business processes and systems. MTurk enables developers and businesses to achieve their goals more
quickly and at a lower cost than was previously possible”. Destacamos que a interface de programação de
aplicativo é um conjunto de rotinas de software, protocolos de comunicação e instrumentos que fornecem
ao programador os meios para desenvolver uma aplicação para uma determinada plataforma. Ainda, permite
a interface do programa criado com outros programas, com o objetivo de serem executados nessa plataforma
(BUSINESS DICTIONARY. Application programming interface. Disponível em: <
http://www.businessdictionary.com/definition/application-programming-interface-API.html>. Acesso em:
20 ago. 2018.
181

qualificações; (ii) mão de obra elástica, em que as empresas pagam somente pelo tempo que
os trabalhadores efetivamente realizam suas tarefas; (iii) uma estrutura de baixo custo, dado
que não há gastos para contratar e gerenciar mão de obra; (iv) gerenciamento de qualidade,
em que se oferecem instrumentos para manter elevada a qualidade das atividades feitas; (v)
viabilização de novos negócios, graças ao uso da inteligência humana476.
Segundo a Amazon, as tarefas solicitadas mais frequentemente pela plataforma são:
(i) processamento de imagens e vídeos, como a marcação de objetos encontrados em uma
imagem para melhorar a busca ou direcionamento de propaganda, a revisão de um conjunto
de imagens para selecionar a melhor foto que representará um produto, análise de imagens
para moderar conteúdo e classificação de objetos; (ii) verificação e limpeza de informações,
como a remoção de conteúdo de listas de empresas, identificação de listas incompletas ou
duplicadas de produtos em catálogos, verificação de detalhes de restaurantes, como contato
telefônico e horário de funcionamento e conversão de dados desestruturados sobre
localizações em endereços detalhados; (iii) aglutinação de informações, como escrever
conteúdo para websites, responder pesquisas de mercado ou questionários sobre uma
variedade de tópicos e identificar determinados elementos em documentos legais ou
governamentais; (iv) processamento de informações, como transcrição e edição de áudios,
serviços de tradução, avaliação da precisão de resultados de mecanismos de busca e
categorização de informações para corresponder a uma dada taxonomia477.
A Amazon coloca que há mais de 500 mil trabalhadores cadastrados na MTurk,
distribuídos por 190 países. De acordo com o monitoramento diário realizado por Panos
Ipeirotis sobre a nacionalidade dos trabalhadores que realizam tarefas na plataforma, os
estadunidenses variam de 69% a 77% do total, os indianos de 11% a 20%, e os demais, de
7% a 11%478.

4.4.1. Dinâmica das relações de trabalho


O funcionamento da MTurk ocorre geralmente da seguinte maneira: (i) uma pessoa
cadastra-se como requerente na plataforma e anuncia a demanda pela realização de uma
atividade, descrevendo o que deve ser feito, a estimativa do tempo para a conclusão da tarefa,

476
AMAZON MECHANICAL TURK. op. cit.
477
Id. Ibid.
478
Id. Overview of Mechanical Turk. Disponível em:
<https://docs.aws.amazon.com/AWSMechTurk/latest/RequesterUI/OverviewofMturk.html>. Acesso em:
20 ago. 2018; MTURK TRACKER. Countries. Disponível em: <http://demographics.mturk-
tracker.com/#/countries/all>. Acesso em 20 ago. 2018; IPEIROTIS, Panos. Analyzing the Amazon
Mechanical Turk marketplace. ACM XRDS, v. 17, n. 2, p. 16-21, 2010.
182

a remuneração oferecida, além de indicar o número de trabalhadores que precisa para fazer
o trabalho e de enviar o dinheiro necessário para o pagamento do trabalhador e da
plataforma; (ii) o requerente pode anunciar a atividade diretamente no website ou por meio
da interface de programação de aplicativos e pode demandá-las individualmente ou por meio
de grupos de tarefas de inteligência humana, que reúnem um conjunto de tarefas semelhantes
com o mesmo valor; (iii) uma pessoa inscreve-se como executora na plataforma, verifica na
lista de tarefas de inteligência humana os trabalhos disponíveis para serem feitos e opta pelo
que lhe é mais conveniente; (iv) o trabalhador, que é considerado como autônomo pela
MTurk, realiza a tarefa e a envia para a avaliação do requerente; (v) o pagamento ao
trabalhador é realizado pela plataforma e somente se a atividade é aceita pelo requerente, o
que ocorre automaticamente após determinado lapso temporal sem avaliação; (vi) a MTurk
recebe um percentual calculado sobre o valor pago pela atividade; (vii) independentemente
de o trabalho ser aceito ou rejeitado, o requerente fica com o produto da tarefa feita479.
Assim que uma tarefa é colocada na plataforma, aparece na lista de TIH. Agrupam-
se grupos de TIH por página (podem ser 10, 20, 50 ou 100) e os trabalhadores podem
visualizá-las conforme a quantidade disponível de TIH por grupo, o valor da remuneração e
a data da criação. É possível buscar tarefas a partir de palavras-chaves. Ainda, o trabalhador
pode filtrar as atividades a partir da qualificação exigida e da remuneração oferecida. Caso
haja interesse em determinado grupo, pode-se obter maiores detalhes, como o título do
trabalho, a sua descrição, o tempo previsto para conclusão, a data de expiração e as
qualificações exigidas. Se decidir realizar a tarefa, o trabalhador clica no botão “aceitar e
trabalhar” e inicia as atividades.
Quando o trabalhador finaliza a tarefa, envia para o requerente analisá-la, que pode
aprová-la ou rejeitá-la. Apenas as atividades aprovadas são pagas. Se o requerente fica inerte,
ocorre a autoaprovação. Geralmente, nos detalhes das TIH há indicação do tempo para
ocorrer a autoaprovação colocado pelo requerente, mas a plataforma estabelece que o prazo
máximo para tanto é de 30 dias.
O recurso de rejeitar a tarefa foi introduzido com o objetivo de inibir trabalhadores
de enviarem tarefas mal executadas aos requerentes e serem remunerados mesmo assim.
Trata-se de uma forma de controle de qualidade. O acordo de participação, que rege as
relações entre requerentes, trabalhadores e a MTurk, estabelece que a rejeição deve ocorrer

479
SILBERMAN, M. Six; IRANI, Lilly, op. cit., p. 511; IRANI, Lilly. Difference and Dependence among
Digital Workers: The Case of Amazon Mechanical Turk. South Atlantic Quarterly, v. 114, n. 1, p. 227, jan.
2015; ALOISI, Antonio. op. cit., p. 667; SILBERMAN, M. Six. op. cit., p. 43-44; FELSTINER, Alek. op.
cit., p. 161-162.
183

por “justa causa” (cláusula 3, a). Contudo, não há especificação do que seja “justa causa” e,
geralmente, quando há rejeição, os requerentes preenchem qualquer caractere no campo
destinado à apresentação da justificativa, como “.”, “x” ou “1”. Não há análise sobre a
motivação da rejeição. A MTurk afirma que não é responsável pelas condutas de requerentes
e trabalhadores e por resolver problemas entre ambos (cláusula 2)480.
A MTurk criou a categoria de mestre como mecanismo para os requerentes terem
opções para acessarem trabalhadores mais qualificados. A plataforma afirma que os mestres
são aqueles com alto índice de sucesso em realizar uma variedade de tarefas para distintos
requerentes e coloca que os identifica a partir de um modelo estatístico. Há grande
insatisfação dos trabalhadores sobre a forma pela qual a MTurk concede classificação aos
trabalhadores nessa categoria, especialmente pela falta de transparência sobre os requisitos
exigidos. Os mestres recebem valores maiores do que os demais481.
Em regra, os trabalhadores que desempenham atividades na MTurk são gerenciados
pelo algoritmo do requerente, em um esforço de colocar a administração do trabalho nos
sistemas de computador da empresa e de retirá-la das obrigações diárias dos gerentes
humanos. Nesse sentido, o algoritmo coloca as atividades nas plataformas e avalia o que os
trabalhadores executaram. É o gerenciamento automático482.
O acordo de participação coloca que a plataforma é um espaço para trabalhadores e
requerentes realizarem transações, não há controle sobre a qualidade, segurança ou
legalidade das tarefas solicitadas, sobre a capacidade dos trabalhadores desempenharem as
atividades que assumem e sobre o pagamento feito pelos requerentes (cláusula 2)483.
Contudo, o mencionado acordo, que requerentes e trabalhadores aderem quando se
inscrevem na plataforma, estabelece obrigações para ambos. Os requerentes devem interagir
de maneira profissional e cortês com os trabalhadores, descrever de forma precisa a atividade
demandada, esperar que os trabalhadores somente desempenhem as tarefas na plataforma,
pagar os trabalhadores assim que a atividade for aprovada e somente deixar de remunerar
com justa causa. Os trabalhadores devem interagir da mesma forma quanto ao
profissionalismo e cordialidade, usar inteligência humana para realizar as tarefas, oferecer

480
SILBERMAN, M. Six; IRANI, Lilly, op. cit., p. 514-515. AMAZON MECHANICAL TURK. Participation
agreement. Disponível em: <https://www.mturk.com/worker/participation-agreement>. Acesso em: 20 ago.
2018.
481
SILBERMAN, M. Six; IRANI, Lilly, op. cit., p. 515-516; AMAZON MECHANICAL TURK. FAQs.
Disponível em: <https://www.mturk.com/worker/help>. Acesso em: 30 ago. 2018.
482
IRANI, Lilly. The cultural work of microwork. cit., p. 728; Id. Difference and Dependence among Digital
Workers: The Case of Amazon Mechanical Turk. cit., p. 226.
483
AMAZON MECHANICAL TURK. Participation agreement. Disponível em:
<https://www.mturk.com/worker/participation-agreement>. Acesso em: 20 ago. 2018.
184

informações completas sobre os trabalhos que fizerem e desenvolver o trabalho na


plataforma, além de não poderem usar robôs ou meios automatizados para desempenhar a
atividade. Todos os direitos de propriedade, incluindo propriedade intelectual, do trabalho
realizado são do requerente (cláusulas 3 a, b e c)484.
Apesar da exigência de apresentação de justificativa para a rejeição das atividades, é
raro isso ocorrer. Os trabalhadores insatisfeitos com a situação procuram a MTurk para
resolver a disputa, sendo que a plataforma geralmente não atua de forma efetiva para elucidar
os casos que lhe são colocados. Muitos requerentes apontam que o tempo usado para
justificar uma rejeição de trabalho pode custar mais caro do que o valor que seria pago ao
trabalhador. Outros requerentes afirmam que a quantidade de reclamações feitas pelos
trabalhadores serve como um termômetro para avaliar se o algoritmo que realiza o
gerenciamento das tarefas está cometendo algum equívoco485.
No referido acordo, há cláusula específica sobre a classificação dos trabalhadores.
Segundo o documento,
trabalhadores fazem tarefas para solicitantes em seu nome pessoal como
autônomos e não como empregado do requerente ou da Amazon
Mechanical Turk. Como trabalhador, você concorda que: (i) é responsável
por e irá cumprir todas as leis aplicáveis e requerimentos de registro,
incluindo aqueles aplicáveis aos autônomos e as regulações sobre limite de
horas de trabalho; (ii) este acordo não cria uma associação, joint venture,
parceria, franquia ou relação de emprego entre você e os requerentes, ou
entre você e a Amazon Mechanical Turk; (iii) você não irá se apresentar
como empregado ou agente do requerente ou da Amazon Mechanical Turk;
(iv) você não terá direito a qualquer dos benefícios que o requerente ou a
Amazon Mechanical Turk disponibiliza para os seus empregados, como
férias, licença médica e programas de seguro, como plano de saúde ou
benefícios por aposentadoria; e (v) você não é elegível para recuperar
benefícios de compensação devidos aos trabalhadores em caso de lesão
(cláusula 3, d)486.

484
AMAZON MECHANICAL TURK. op. cit.
485
IRANI, Lilly. Difference and Dependence among Digital Workers: The Case of Amazon Mechanical Turk.
cit., p. 225.
486
AMAZON MECHANICAL TURK. op. cit., tradução nossa de: “Workers perform Tasks for Requesters in
their personal capacity as an independent contractor and not as an employee of a Requester or Amazon
Mechanical Turk. As a Worker, you agree that: (i) you are responsible for and will comply with all
applicable laws and registration requirements, including those applicable to independent contractors and
maximum working hours regulations; (ii) this Agreement does not create an association, joint venture,
partnership, franchise, or employer/employee relationship between you and Requesters, or you and Amazon
185

A precificação na MTurk ocorre da seguinte forma: (i) os requerentes decidem


quanto pagam para o trabalhador por tarefa realizada; (ii) os requerentes remuneram a
MTurk em 20% sobre o total pago ao trabalhador e, se há mais de 10 tarefas demandadas
em um trabalho colocado na plataforma, há uma taxa adicional de 20% sobre o valor total;
(iii) o valor mínimo que deve ser pago por tarefa é de US$ 0,01 (um centavo de dólar
americano); (iv) se é pedida a qualificação de mestre para realizar uma tarefa, há uma taxa
extra de 5% paga ao trabalhador; (v) se é pedida a qualificação premium, o valor mínimo
por tarefa tem início em US$ 0,05 (cinco centavos de dólar americano) e varia conforme as
qualificações disponíveis na plataforma487.
O pagamento dos trabalhadores ocorre conforme a localização. Os que atuam nos
EUA recebem em dólares e os que trabalham na Índia, em rúpias. Os trabalhadores que
executam as tarefas em outras localidades recebem créditos para serem utilizados na loja
virtual da Amazon.

4.4.2 Condições de trabalho


As condições de trabalho na MTurk serão analisadas a partir de pesquisas realizadas
com trabalhadores nos Estados Unidos, Índia e Brasil. Nos EUA, participaram 685 pessoas,
sendo 52,11% homens e 47,89% mulheres, com média de idade de 35,4 anos, em que a
maioria nunca casou (47,1%). Na Índia, participaram 128 pessoas, sendo 68,75% homens e
31,25% mulheres, com média de idade de 32,3 anos, em que a maioria estava casada
(60,1%)488. No Brasil, participaram 52 pessoas, sendo 73% homens e 27%, mulheres, em
que grande maioria é solteira (88,4%) e a média de idade é de 30,1 anos.
Em geral, os trabalhadores na MTurk têm elevado grau de educação formal. Nos
EUA, 45,1% possui pelo menos ensino superior completo. Na Índia, esse número sobe para
90,6%. A maioria dos participantes não estava realizando um curso (87,48% nos EUA e
88,28% na Índia)489.
Os brasileiros na MTurk também têm um elevado grau de educação formal. A
maioria possui pelo menos ensino superior completo (71,4% possuem ensino superior, 7,6%

Mechanical Turk; (iii) you will not represent yourself as an employee or agent of a Requester or Amazon
Mechanical Turk; (iv) you will not be entitled to any of the benefits that a Requester or Amazon Mechanical
Turk may make available to its employees, such as vacation pay, sick leave, and insurance programs,
including group health insurance or retirement benefits; and (v) you are not eligible to recover worker's
compensation benefits in the event of injury”.
487
AMAZON MECHANICAL TURK. Pricing. Disponível em: <https://www.mturk.com/pricing>. Acesso
em: 29 ago. 2018.
488
INTERNATIONAL LABOUR ORGANIZATION. op. cit., p. 6-15.
489
Id. Ibid., p. 10-15.
186

mestrado e 5,7% doutorado) e, dos 36,6% que estavam fazendo algum curso, 73,6% estavam
no ensino superior, 10,5% no mestrado e 15,9% no doutorado. É possível que a configuração
desse quadro se dê em razão da grande maioria das tarefas disponíveis na plataforma
demandarem o conhecimento da língua inglesa, o que no Brasil é geralmente associado com
maior grau de educação formal.
Há uma quantidade considerável de trabalhadores ativos no crowdwork por um
tempo significativo. Nos EUA, 51,3% realiza atividades na MTurk há pelo menos um ano.
Na Índia, 89% estão nessa situação490.
Por outro lado, no Brasil os trabalhadores ainda estão em processo de conhecimento
da plataforma. Dentre os participantes da pesquisa, 65,5% atua na MTurk há seis meses ou
menos e somente 28,7% está há mais de um ano. Realizaram até 200 tarefas na plataforma
65,3% dos trabalhadores. Considerando as plataformas de crowdwork, os trabalhadores
concentram as suas atividades na MTurk: 57,7% somente realizou tarefas por meio da
plataforma da Amazon.
A motivação dos trabalhadores para atuar no crowdwork é variável. Nos EUA, a
principal razão pela qual se procura a MTurk é para complementar a renda de outros
trabalhos (44,9%). Na Índia, os trabalhadores apontam que optam pela plataforma por
preferirem trabalhar em casa (31,7%), sendo que nos EUA esse motivo é o segundo mais
importante (19,3%). Há um significativo corte de gênero entre os trabalhadores que
indicaram essa razão para trabalharem na MTurk: nos EUA, 15,8% das mulheres
responderam preferir trabalhar de casa, ao passo que 4,8% dos homens o fizeram, e na Índia,
16,2% das mulheres e 7% dos homens optaram por essa alternativa. Isso está relacionado
com o fato de os trabalhadores afirmarem que a escolha de trabalhar em casa se dá por terem
responsabilidades de cuidar de crianças e idosos, papeis socialmente atribuídos às
mulheres491.
A conjuntura econômica dos países também influencia na motivação dos
trabalhadores. Enquanto somente 1% dos trabalhadores norte-americanos afirmaram que o
pagamento na MTurk é melhor do que nos demais disponíveis, 17,9% deram a mesma
resposta na Índia492.
Os motivos que levam os trabalhadores no Brasil a optarem por realizarem atividades
no crowdwork não destoa do verificado nos EUA e na Índia. A complementação de renda

490
INTERNATIONAL LABOUR ORGANIZATION. op. cit., p. 12-20.
491
Id. Ibid., p. 18-20.
492
Id. Ibid., p. 20-26.
187

(42,4%) e a possibilidade de trabalhar de casa (15,4%) foram as razões mais apontadas pelos
trabalhadores.
Em relação aos trabalhadores brasileiros que preferem trabalhar de casa, a proporção
de homens (15,8%) e mulheres (14,3%) é semelhante. Eles indicam que economizam com
deslocamento e alimentação, não enfrentam o trânsito, é uma alternativa ao trabalho
convencional em escritórios e há compatibilização com os estudos.
Nenhum dos participantes apontou o pagamento nas plataformas ser melhor do que
nos outros trabalhos disponíveis como a principal causa para procurarem pelo crowdwork.
Pode-se apontar como motivo para tanto o pagamento dos trabalhadores brasileiros não
ocorrer em espécie, como se dá nos EUA e na Índia.
Ainda que nos EUA parte significativa atue no crowdwork para complementar renda,
a MTurk é a principal fonte de renda para 38% dos trabalhadores que atuam na plataforma.
Entre os indianos, a MTurk é a principal fonte de renda para quase metade dos trabalhadores
(48,8%)493.
No Brasil, a maioria dos trabalhadores (75%) tem o crowdwork como meio de
complementar a renda, ou seja, não é a principal fonte de subsistência. Entendemos que o
número de trabalhadores dependentes é menor pelo fato da língua ser um obstáculo no acesso
às atividades, tendo em vista que a maioria das tarefas demanda o inglês para a execução, e
pelo crowdwork não ser tão difundido no país.
Antes de iniciar as atividades na MTurk, quase metade dos trabalhadores (46% nos
EUA e 49% na Índia) estava no mesmo emprego ou administrando a mesma empresa que
conciliam com o crowdwork. Outros estavam em um emprego diferente (26% nos EUA e
49% na Índia), administrando um negócio que não existia mais (4% nos EUA e 17% na
Índia), desempregados (33% nos EUA e 26% na Índia), estudando (18% nos EUA e 36% na
Índia) ou cuidando de criança, idosos ou pessoas com deficiência (26% nos EUA e 33% na
Índia). Entre os norte-americanos, o desemprego é um fator relevante: dos 38% que
afirmaram que o crowdwork é sua principal fonte de renda, 57% estava sem emprego antes
de começar a trabalhar na MTurk494.
Dentre os brasileiros, antes de iniciar as atividades no crowdwork, a metade dos
participantes da pesquisa trabalhava ou gerenciava uma empresa e continuava a fazê-lo
quando respondeu a pesquisa. Os demais estavam em um trabalho diferente (42,3%),
desempregados (32,7%), estudando (30,8%) ou cuidando de crianças, idosos ou pessoas com

493
INTERNATIONAL LABOUR ORGANIZATION. op. cit., p. 30-39.
494
Id. Ibid., p. 40-52.
188

deficiência (5,7%). O desemprego ocupa um papel importante para os que têm o crowdwork
como atividade principal: dos 25% nessa situação, 61,5% estavam sem ocupação antes de
começar a trabalhar.
Parcela expressiva dos trabalhadores tem outras posições além do trabalho na MTurk
(58,4% nos EUA e 49,5% na Índia). Dentre esses, a grande maioria está inserida em uma
relação de emprego (81,6% nos EUA e 84,3% na índia) sem vinculação com o capitalismo
de plataforma (somente 2,4% dos empregos dos norte-americanos eram nessa área e 9,8%
dos indianos)495. O mesmo ocorre no Brasil. Dos 67,3% que têm outros trabalhos, a maioria
é empregada (57,2%) em posição que não tem relação com o capitalismo de plataforma
(80%) e está nessa ocupação há mais de um ano (80,1%).
Em média, os trabalhadores norte-americanos da MTurk realizam 22,7 horas de
atividades pagas e 8,2 horas de tarefas não pagas, como procurar trabalhos, na plataforma
por semana. Os indianos fazem 24,4 horas de tarefas pagas e 7,3 horas de tarefas não pagas
semanalmente. Ou seja, enquanto nos EUA os trabalhadores gastam 21 minutos sem serem
pagos para realizarem uma hora de trabalho remunerado, na Índia, passam 18 minutos
procurando por uma hora de trabalho. Em ambos os países, os trabalhadores que
participaram da pesquisa realizaram, em média, atividades na plataforma por mais de 10
horas por dia em 4 vezes na semana e fizeram tarefas em mais de 5 dias na semana496.
A maior parte dos trabalhadores brasileiros não dedica muito tempo semanalmente
para o crowdwork. Dos participantes da pesquisa, 72,2% realizam até 10 horas de trabalho
na semana. Tendo em vista que 78,9% trabalham 3 dias ou mais por semana, pode-se afirmar
que as atividades são divididas ao longo da semana e não há dedicação de muitas horas
diárias para a MTurk. Somente 4% dos participantes ultrapassam 40 horas semanais e 17,3%
afirmam ter trabalhado pelo menos 10 horas por um dia no mês de junho de 2018.
Consequentemente, não há grande gasto de tempo em atividades não pagas. A maioria
(86,5%) fica até 10 horas por semana procurando por tarefas, enquanto 5,7% dos
trabalhadores passam entre 11 e 20 horas buscando atividades.
Os ganhos dos trabalhadores na MTurk são baixos. Nos EUA, considerando somente
o tempo gasto nas tarefas pagas, obtém-se em média US$ 6,07 por hora. Levando em conta
todo o período na MTurk, esse valor cai para US$ 4,46 por hora. No país, o salário mínimo
no âmbito federal é de US$ 7,25 por hora497.

495
INTERNATIONAL LABOUR ORGANIZATION. op. cit., p. 45-55.
496
Id. Ibid., p. 60-64.
497
Id. Ibid., p. 65-72.
189

Na Índia, os trabalhadores da MTurk recebem US$ 1,81 por hora, tendo-se em vista
somente o tempo gasto nas tarefas pagas. Olhando para todo o período na plataforma, esse
valor cai para US$ 1,39 por hora. No país, o salário mínimo no âmbito federal equivale a
US$ 0,31 por hora498.
Em decorrência do pouco tempo dedicado ao crowdwork entre os brasileiros, os
ganhos não são significativos. 76,9% recebe até R$ 100,00 por semana. A maior
remuneração identificada foi no grupo que recebe entre mais de R$ 250,00 até R$ 500,00
(5,6%).
O baixo valor pago é questão corrente nas insatisfações dos trabalhadores. Mais de
400 dos participantes da pesquisa com norte-americanos e indianos trataram do tema ao
responderem questões sobre o grau de satisfação ou o que poderia ser diferente na MTurk.
Em várias das manifestações, os trabalhadores reclamaram do valor pago, falaram que a
remuneração não é justa, apontaram a necessidade de aumentar o preço das tarefas e
sugeriram a fixação de um valor mínimo pela plataforma – em muitos casos, colocando que
o parâmetro deveria ser o salário mínimo499.
O tema também gera insatisfações entre os brasileiros. Ao descreverem as razões
pelas quais estão satisfeitos ou insatisfeitos com a plataforma, dos 50 que desenvolveram o
tópico, 21 reclamaram dos valores oferecidos. A título de exemplo, destacamos os seguintes
trechos: “Pouca remuneração, difícil se qualificar para novos trabalhos que pegam mais”,
“paga muito pouco, é só algo para se fazer quando não tem o que fazer”, “muitas vezes, é
muito trabalho e pouca remuneração, muita exploração”, “os valores das ‘HITs’ ainda são
muito baixos”, “ainda nem consigo ganhar o equivalente a um salário mínimo mesmo
trabalhando mais de 8h” e “os pagamentos costumam ser baixos. Muitas vezes após todo o
trabalho duro algum link para de funcionar e todo aquele tempo dedicado vai embora”.
Os trabalhadores da MTurk enfrentam falta de trabalho. A grande maioria dos norte-
americanos (81,6%) e dos indianos (95,1%) gostaria de atuar mais no crowdwork. As
maiores dificuldades são a falta de trabalho disponível (37,4% nos EUA e 35,7% na Índia)
e o pagamento das tarefas ser insuficiente (32,8% nos EUA e 23,4% na Índia). Ainda, parcela
expressiva gostaria de atuar fora do crowdwork, mas não o fazem por falta de trabalho
disponível (43,1% nos EUA e 46,1% na Índia), pagamento insuficiente (12% nos EUA e
23% na Índia) e falta de tempo (19,6% nos EUA e 13,8% na Índia)500.

498
INTERNATIONAL LABOUR ORGANIZATION. op. cit., p. 75-80.
499
BERG, Janine. op. cit., p. 557-559.
500
INTERNATIONAL LABOUR ORGANIZATION. op. cit., p. 80-94.
190

Os trabalhadores no Brasil também sofrem com a falta de atividades. Há um número


expressivo que gostaria de atuar mais no crowdwork (94,2%). Contudo, os participantes
colocam que o pagamento não é bom o suficiente (30,6%), não se sentem qualificados para
os trabalhos (22,5%), não têm mais tempo para trabalhar nas plataformas (22,5%) e não há
trabalho suficiente disponível (20,4%). Um grande número gostaria de realizar trabalhos fora
do crowdwork (90,3%). Apontam-se como os principais motivos para a sua inviabilidade a
falta de trabalhos disponíveis (38,3%) e a falta de tempo para fazê-los (25,5%).
A maioria dos trabalhadores na MTurk já executou tarefa sem a correspondente
remuneração (95,2% nos EUA e 87,3% na Índia), sendo que há um forte sentimento de
injustiça em relação à rejeição do trabalho não pago: somente 4,31% dos norte-americanos
e 8,8% dos indianos afirmam que todas as recusas foram justificáveis. De acordo com as
colocações feitas pelos trabalhadores, as rejeições decorrem da falta de instruções dos
requerentes na descrição da tarefa demandada e da impossibilidade de comunicação com os
tomadores de serviço501.
A situação não é diferente no Brasil. A maioria dos trabalhadores já realizou tarefas
sem a devida remuneração (55,8%). Somente 27,6% dos participantes que tiveram atividades
rejeitadas entendem que as recusas foram justificadas. Dentre as situações relatadas pelos
trabalhadores nas rejeições, destacam-se: “todos foram do mesmo ‘contratante’, as
instruções foram seguidas, mas o serviço foi rejeitado sem explicações”, “não houve
explicação porque foi rejeitado, fiz tudo certo de acordo com as instruções”, “em alguns
casos a descrição não é clara o suficiente em tarefas com avaliações subjetivas”, “às vezes
sinto que foram rejeitadas porque tarefas foram mal explicadas ou porque, no caso da
transcrição, a imagem era ilegível. Mas não recorro por se tratar de tarefas simples de alguns
centavos”, “uma tarefa é conhecida por aceitar alguns HITs para iludir os trabalhadores para
depois rejeitar tudo, mas ficar com os dados”, “já caí em golpes de rejeição em massa, onde
o contratante não paga ninguém, o que é injustificável” e “de acordo com os fóruns, quem
rejeitou meu trabalho não tem uma aprovação alta em relação aos turkers, ele tem uma fama
duvidosa”.
Finalmente, destacamos os aspectos que os trabalhadores brasileiros mudariam no
crowdwork. Os participantes da pesquisa mencionaram a necessidade de aumentar a
remuneração das tarefas (41,6%), a conveniência de receber os valores dos trabalhos

501
INTERNATIONAL LABOUR ORGANIZATION. op. cit., p. 85-100.
191

realizados em espécie ou em conta corrente e no Brasil (22,9%) e a inserção de mais detalhes


na descrição das tarefas ofertadas na MTurk (10%).

4.4.3. Assimetria de poderes


Sara Constance Kingsley, Mary Gray e Siddharth Suri afirmam que há evidências
concretas de desigualdade de poderes entre os requerentes e trabalhadores na MTurk,
especialmente quando se analisam as fricções do mercado de trabalho em relação às
informações disponíveis às partes e à concentração do mercado e a estrutura de remuneração
das atividades, com enfoque no momento em que ocorre, nas possibilidades de negociação
e na produtividade502.
No tocante ao primeiro aspecto, os autores afirmam que há informação imperfeita na
plataforma, uma vez que as partes não têm acesso às mesmas informações, com o
favorecimento dos requerentes. Como exemplo, destaca-se que enquanto os requerentes são
informados da média de avaliação dos trabalhadores e da taxa de aceitação das tarefas
executadas, os trabalhadores não sabem a taxa de rejeição de tarefas, a facilidade de
comunicação e o histórico de pagamento dos requerentes. Ou seja, há instrumentos para que
os trabalhadores sejam perscrutados, mas não os requerentes. Os trabalhadores podem ser
penalizados por requerentes que os avaliam negativamente com o impedimento da realização
de atividades, a retenção de pagamentos, a rejeição de atividades sem justificativa (e, por
vezes, recebendo o produto do trabalho solicitado) e a denúncia de desvios para a MTurk (o
que pode levar à exclusão da plataforma). Contudo, os trabalhadores não dispõem de meios
eficazes para encaminhar preocupações sobre os requerentes503.
Esse é um dos motivos que torna elevado o custo para os trabalhadores encontrarem
boas tarefas. Uma das formas encontradas para reduzir essa assimetria foi a criação de fóruns
online, como Turkoptikon e Turkernation, em que os trabalhadores avaliam requerentes e
têm à disposição as análises feitas por seus colegas, o que aumenta as possibilidades de
procurar por tarefas melhores. Entretanto, as assimetrias de poder de mercado não são
solucionadas, dado que esses fóruns não impedem que os requerentes rejeitem tarefas e
bloqueiem trabalhadores e não permitem a alteração de avaliações injustas ou equivocadas
e o pagamento por atividades indevidamente recusadas504.

502
GRAY, Mary; SURI, S.; KINGSLEY, S. C. Accounting for Market Frictions and Power Asymmetries in
Online Labor Markets. Policy and Internet, v. 7, n. 4, p. 386–396, 2015.
503
Id. Ibid., p. 387.
504
Id. Ibid., p. 387-388.
192

Ainda em relação às fricções de mercado de trabalho, há uma concentração de poucos


requerentes que demandam a expressiva maioria de atividades na plataforma.
Aproximadamente 10% dos requerentes demandam 98% das tarefas existentes na MTurk
nas áreas mais comuns em que há demanda de crowdwork. Isso significa que os
trabalhadores não possuem muitas oportunidades de ganhos em atividades que não sejam
dos maiores requerentes da plataforma e que a maioria da força de trabalho executa tarefas
para uma pequena fração de tomadores de serviços505.
Há três características determinantes a respeito da estrutura da remuneração das
tarefas na MTurk. A primeira e mais importante é a fixação dos valores pagos por cada tarefa
ocorrer assim que é colocada na plataforma, sem qualquer interação dos requerentes com os
interessados, a partir de pressupostos sobre a qualificação e o comportamento dos
trabalhadores. Esse cenário, somado com a concentração de poder dos requerentes, aumenta
os seus poderes de mercado506.
A segunda é a ausência de qualquer espaço para negociação dos valores, dado que as
partes não sabem a identidade uma da outra, o preço do trabalho é determinado assim que a
tarefa é solicitada e, após esse momento, não há canais de comunicação que permitam às
partes debaterem o assunto. Desta forma, as opções dos trabalhadores se reduzem a aceitar
a oferta identificada ou procurar novos trabalhos na MTurk ou, ainda, migrar para uma outra
plataforma. Quanto mais tempo e esforços dedicados na MTurk, menor a chance de ocorrer
a última alternativa. Esse quadro também indica poder de mercado em favor do requerente,
dada sua posição em determinar o valor do trabalho unilateralmente com poucas forças
externas pressionando contrariamente aos seus interesses507.
Por fim, há desestímulo para trabalhadores com produtividade mais elevada. Dado
que os preços das tarefas são estabelecidos previamente, a remuneração não leva em conta
o desempenho ou a qualificação dos trabalhadores, o que indica a natureza não competitiva
na fixação do valor das atividades e a ausência de razão para incrementar a execução do
trabalho508.
Outra característica da MTurk que coloca os requerentes em posição de vantagem
diante dos trabalhadores é a possibilidade de rejeição da atividade sem uma motivação
razoável e sem a devolução do produto da tarefa realizada. Considerando que a MTurk não
envida esforços para analisar a “justa causa” das rejeições, na prática inexiste diferença entre

505
GRAY, Mary; SURI, S.; KINGSLEY, S. C. op. cit., p. 388.
506
Id. Ibid., p. 388-389.
507
Id. Ibid., p. 388-390.
508
Id. Ibid., p. 389-390.
193

o inadimplemento de pagamento e o uso devido desse meio de controle de qualidade,


normalizando a primeira situação na plataforma. Esse quadro gera insegurança entre os
trabalhadores e contribui para um círculo vicioso de baixa remuneração e reduzida qualidade
das tarefas executadas509.

4.4.4. Centralidade do crowdwork


Six Silberman e Lilly Irani afirmam que a MTurk mostra como a produção
tecnológica especulativa gera valor por meio de novos processos de trabalho. As atividades
de processar informações culturais e preencher as lacunas deixadas pela inteligência
artificial são centrais para as empresas de tecnologia que organizam, armazenam e vigiam
grandes quantidades de materiais produzidos por usuários – como textos, imagens e sons –
geralmente em busca de lucro. A plataforma ocupa papel nuclear no processo produtivo ao
viabilizar a calibração de algoritmos de busca, o que fornece instrumentos para as empresas
extraírem informações importantes para o desenvolvimento dos seus negócios510.
Sistemas inteligentes, como a inteligência artificial, estão constantemente ganhando
espaço no cotidiano das pessoas e há a necessidade de treiná-los para desempenharem
atividades que historicamente foram consideradas muito complexas para computadores.
Uma forma corrente de ensinar esses sistemas é por meio de um grande número de exemplos
rotulados. Os sistemas de ensino de máquinas são alimentados com enormes volumes de
informação, em que se destacam os seus pontos de importância. O processo de ensinar
máquinas pelo exemplo é chamado de ensino supervisionado e a função de classificar os
dados é feita pelos trabalhadores da MTurk511.
Lilly Irani afirma que a MTurk desempenha o papel de “purificar o trabalho de
inovação”, especialmente pela terceirização das microtarefas monótonas, pelo aumento da
velocidade dos experimentos na produção e por empregadores, que utilizam trabalho
humano no desenvolvimento de sua atividade econômica, poderem se apresentar no mercado
unicamente como uma empresa de software e tecnologia. Há um grande esforço, por parte
dessa indústria, para transmitir a ideia de que o trabalho nesse setor não é repetitivo ou
monótono. Contudo, somente as empresas que conseguem transferir as atividades repetitivas

509
SILBERMAN, M. Six; IRANI, Lilly. op. cit., p. 518-519.
510
Id. Ibid., p. 510
511
REESE, Hope; HEATH, Nick. Inside Amazon’s clickworker platform: How half a million people are being
paid pennies to train AI. TechRepublic, San Francisco, 17 dec. 2016. Disponível em:
<http://www.techrepublic.com/article/inside-amazons-clickworker-platform-how-half-a-million-people-
are-training-ai-for-pennies-per-task/>. Acesso em: 04 out. 2017.
194

e de baixo valor têm condições de criar um ambiente de trabalho colaborativo, criativo e de


alto valor e, desta forma, apresentar a imagem da inovação512. O trabalho monótono envolve,
além da classificação de elementos, a depuração de dados, como retirar repetições e
preencher intervalos sem informações513.
As tarefas demandadas por meio da MTurk dificilmente atingirão um ponto de
saturação em breve. Avalia-se que conforme sistemas de inteligência se tornem mais comuns
e disseminados, haverá uma necessidade maior por classificação de informações. A
importância em enquadrar imagens, sons, discursos, emoções em contextos ou referências
culturais demandará a contribuição de seres humanos no processo de aprendizagem de
máquinas por um longo período514.
Outro atrativo para as empresas adotarem a MTurk é a possibilidade de esconderem
o trabalho, como já mencionado, o que é valorizado por investidores. Apresentar-se como
uma empresa de tecnologia, em vez de um empregador que contrata mão de obra, atrai com
mais facilidade capital de risco (venture capital), que tem intensificado o financiamento
dessas empresas515.

4.4.5. Dependência e precariedade


O grau de segurança financeira e de proteção social está diretamente relacionado com
a dependência do crowdwork como principal fonte de renda. Dos norte-americanos e
indianos que têm a MTurk como principal atividade, há necessidade de auxílio financeiro
dado pela família (nos EUA, 27,6% dos que têm o crowdwork como principal fonte de renda
estão nessa situação ao passo que 10,1% dos que têm outra atividade como principal
dependem da família e, na Índia, 48,5% dependem desse auxílio), enfrenta-se dificuldade
para pagar os gastos básicos para sobrevivência (nos EUA, 24,8% dos dependentes e 9,8%
dos não dependentes e na Índia, 31,4% dos dependentes e 21,1% dos não dependentes) e não
há reservas para despesas urgentes (nos EUA, 58,6% dos dependentes e 26,1% dos não
dependentes e na Índia, 43,1% dos dependentes e 23,1% dos não dependentes)516.
Ainda, dentre os que têm no crowdwork a principal atividade, somente 8,1% têm
aposentadoria privada e 9,4% contribuem para a Seguridade Social nos EUA. Na Índia, os

512
IRANI, Lilly. Difference and Dependence among Digital Workers: The Case of Amazon Mechanical Turk.
cit., p. 229.
513
REESE, Hope; HEATH, Nick. op. cit.
514
Id. Ibid.
515
IRANI, Lilly. op. cit., p. 231.
516
Id. Ibid., p. 231-232.
195

que têm o crowdwork como principal fonte de renda, contribuem muito menos para a
Seguridade Social (13,7%) do que aqueles que não (42,3%). Em relação à cobertura por
planos de saúde, estão desprotegidos 38,1% dos norte-americanos e 64,7% dos indianos que
têm o crowdwork como principal atividade. Em relação aos trabalhadores que têm o
crowdwork como fonte complementar de renda, essa taxa cai pela metade517.
Em relação aos trabalhadores brasileiros, também se identifica a relação entre a
dependência do crowdwork como principal fonte de renda e o grau de segurança financeira
e de proteção social. Contudo, isso ocorre de forma diferente da verificada nos EUA e na
Índia. Daqueles que têm a MTurk como atividade principal (25% do total), a família ajuda
financeiramente os trabalhadores (69% dos que dependem do crowdwork obtêm auxílio
familiar ao passo que 61% dos que têm outra atividade como principal recebem essa ajuda),
não há reservas para despesas urgentes (77% x 56,4%) e não se consegue economizar valores
mensalmente (54% x 28,3%). Entretanto, há maior capacidade em pagar os gastos básicos
(92,4% dos dependentes do crowdwork e 89,7% dos que dependem de outra fonte de renda),
o que pode estar relacionado com a dimensão da ajuda financeira dada pela família.
No tocante à aposentadoria, 77% daqueles que têm o crowdwork como principal
fonte de renda não fazem parte de sistema que lhes garantirá uma renda no futuro e 69,2%
daqueles que possuem outra atividade principal estão na mesma situação. Sobre a
participação em planos de saúde, 38,5% dos dependentes do crowdwork e 35,9% dos que
tem outra atividade principal não têm qualquer tipo de cobertura.

5. Síntese das características das formas de trabalho no capitalismo de plataforma


As plataformas digitais de trabalho sob demanda por meio de aplicativos e
crowdwork colocam-se como modelos de negócios que operam software capaz de promover
a combinação entre consumidores que demandam a realização de uma atividade com
trabalhadores dispostos a fazê-las. Contudo, conforme a análise realizada neste capítulo
aponta, essas plataformas vão além da mera promoção de ajuste entre a oferta e a demanda
de mão de obra.
O trabalho sob demanda por meio de aplicativos é uma relação triangular, geralmente
tendo a duração de minutos ou horas para cada tarefa. Trabalhadores manifestam a sua
disponibilidade em realizar determinada atividade, consumidores indicam a sua necessidade

517
BERG, Janine, op. cit., p. 562-563.
196

na execução de uma tarefa e a plataforma viabiliza a conexão entre ambos. O trabalho é feito
no local em que o trabalhador está ou no espaço que o cliente determinar. O grau de
intervenção da empresa na relação entre seus clientes e trabalhadores é variável,
especialmente quanto à pessoa que realizará a atividade e ao modo de execução da tarefa. A
intensidade do controle e da coordenação das atividades executadas pelos trabalhadores, que
ocorre pelo gerenciamento algorítmico, não é a mesma em todas as plataformas.
Especificamente em relação à Uber, identificam-se as seguintes características: (i) a
fixação do preço do trabalho e o momento em que o pagamento é feito são estabelecidos
unilateralmente pela plataforma, sem qualquer espaço para negociação; (ii) o controle do
trabalho é feito por meio do algoritmo, que gerencia a mão de obra a partir do processamento
de dados, como as avaliações feitas pelos usuários do aplicativo; (iii) a coordenação do
trabalho também é feita pelo algoritmo, influenciando o comportamento dos trabalhadores,
como na indicação de locais e horários específicos para dirigir; (iv) a Uber fixa diretrizes
que os motoristas devem seguir com o objetivo de padronizar a prestação de serviços, sendo
que a inobservância leva à punição; (v) há uma relação direta entre dependência econômica
da plataforma e precariedade, em que os trabalhadores devem dirigir muitas horas para que
seja possível obterem renda para sobreviver; (vi) o ator que ocupa maior proeminência em
moldar a forma da prestação de serviço é a Uber; e (vii) há uma forte assimetria de poderes
entre a plataforma e os trabalhadores, em favor da primeira.
O crowdwork é uma relação de trabalho triangular, cuja duração geralmente é de
segundos, minutos ou horas, desenvolvida no âmbito da crowdsourcing ou terceirização
online. Os tomadores de serviços solicitam a execução de tarefas online em plataformas e os
trabalhadores interessados manifestam interesse e a realizam. A plataforma oferece a
infraestrutura na qual desenvolve-se a relação entre o requerente e o trabalhador.
Especificamente em relação à plataforma de serviços Amazon Mechanical Turk,
verificamos as seguintes características: (i) a fixação do preço do trabalho e o momento em
que o pagamento é feito são decididos pelo cliente da plataforma; (ii) a coordenação do
trabalho é realizada pelos clientes e pela plataforma, uma vez que a forma pela qual a
atividade deve ser realizada é determinada por ambos; (iii) o controle do trabalho é feito
pelos clientes, que têm o poder de rejeitar as atividades e não pagá-las, com a aquiescência
da plataforma; (iv) há relação direta entre dependência econômica e precariedade, em que o
grau de segurança econômica e proteção social do trabalhador é inversamente proporcional
ao fato de a MTurk ser a principal fonte de renda do trabalhador; (v) os atores que ocupam
maior proeminência em estabelecer o conteúdo das relações de trabalho são a plataforma e
197

seus clientes; e (vi) há uma forte assimetria de poderes entre a plataforma e seus clientes e
os trabalhadores, em favor dos primeiros.
Em regra, as plataformas afirmam que são empresas do setor da tecnologia e apenas
otimizam o contato entre tomadores de serviço e trabalhadores. Contudo, não é isso o que
constatamos acima na análise realizada neste capítulo. A divergência entre discurso e prática
é o que Jeremias Prassl denomina de “paradoxo da plataforma”518: embora se considerem
como espaços virtuais em que tomadores e prestadores de serviços se encontram, atuam
muitas vezes como verdadeiros empregadores, ao confiarem nos sistemas de avaliação e no
controle algorítmico para assegurar que as tarefas sejam realizadas conforme as diretrizes da
plataforma e as instruções de seus clientes519.
Ainda, o autor afirma que a inovação do capitalismo de plataforma em relação ao
trabalho é um mito:
o software e o hardware em quais os aplicativos e as plataformas operam
são frequentemente o resultado direto de inovações e avanços realmente
revolucionários, de localizadores de GPS e a internet até processadores
poderosos que cabem na palma da sua mão. Entretanto, contrariamente às
afirmações feitas pelas empresas, o modelo de negócios é qualquer coisa
menos novo. Tarefas de baixa qualificação ao invés de trabalhos
complexos; intermediários poderosos controlando ampla força de trabalho;
arranjos híbridos entre mercado aberto e hierarquias fechadas: a economia
de bico é apenas o último (e talvez o mais extremo) exemplo de práticas
de mercado de trabalho que estiveram por aí por séculos520.
A identificação de serviços de intermediação do trabalho é essencial para a
compreensão dessas atividades no capitalismo de plataforma. Para se viabilizar no mercado,
as plataformas contam com uma grande quantidade de trabalhadores cadastrados – a
multidão -, dispostos a executar tarefas rapidamente por um valor baixo. A entrega do
produto ou do serviço demandado pelo cliente é moldada pelo gerenciamento automático
adotado por cada plataforma521.

518
PRASSL, Jeremias. op. cit., p. 4, tradução nossa de: “platform paradox”.
519
Id. Ibid., p. 4-5.
520
Id. Ibid., p. 72, tradução nossa de: “the software and hardware on which apps and platforms draw are often
the direct result of truly revolutionary innovation and breakthroughs, from GPS locators and the Internet, to
powerful processors that fit into the palm of your hand. Contrary to the industry’s claims, however, the
underlying business model is anything but novel. Low-skill tasks instead of complex jobs; powerful
intermediaries controlling large workforces; hybrid arrangements between open market and closed
hierarchies: the gig economy is but the latest (and perhaps the most extreme) example of labour-market that
have been around for centuries”.
521
Id. Ibid., p. 18.
198

As plataformas dão grande ênfase na centralidade que a tecnologia possui nas


atividades econômicas que viabilizam. No entanto, em diversas situações isso acaba por
colocar em segundo plano outros aspectos igualmente importantes, como o trabalho humano
responsável por executar as tarefas. Essa é uma das causas que torna o trabalho invisível,
como mencionado acima. Apesar de existir um esforço de se colocar o trabalho humano
como apêndice da tecnologia, verificamos que é um elemento central para as plataformas
digitais, sem o qual seria inviável a oferta de serviços e, consequentemente, a própria
existência dessas empresas522.
Além disso, não se deve perder de vista o cenário que permitiu a emergência do
trabalho sob demanda por meio de aplicativos e o crowdwork. Como destacamos no capítulo
anterior ao tratarmos das inter-relações entre tecnologia, instituições e ideologia no
neoliberalismo, empresários, com apoio dos governos nacionais, envidam esforços desde a
década de 1970 para reduzir ao máximo os custos com mão de obra, o que favoreceu a
fragmentação do trabalho. Esse foi um dos motivos que levou à dissociação do aumento dos
salários ao aumento da produtividade dos trabalhadores nos países do Atlântico Norte e
contribuiu para o aumento da desigualdade, em que se identificou o crescimento da renda
dos 20% mais ricos, com maior intensidade dos 1% mais ricos, e a diminuição da renda dos
50% mais pobres523. Como consequência, as práticas adotadas para o barateamento da mão
de obra, cujo maior exemplo é a terceirização dentre as diversas estratégias descritas por
David Weil524, disseminaram-se com sucesso pelo mundo.
As formas de trabalho no capitalismo de plataforma são a expressão mais recente da
busca pela diminuição dos custos laborais. Há um aprofundamento da fragmentação do
trabalho e um movimento para tornar invisível as atividades feitas pelo trabalhador. Apesar
do mencionado acirramento entre o projeto neoliberal e as propostas que focam nas
diminuições das desigualdades no campo das ideologias, verifica-se a predominância do
primeiro nesse tópico.
Levantar o véu que pretende encobrir o trabalho no capitalismo de plataforma e
identificar a continuidade de um processo de fissuração do local de trabalho são
fundamentais para se compreender a dinâmica das relações de trabalho, vislumbrar as
possibilidades de regulação do trabalho sob demanda por meio de aplicativos e do
crowdwork e analisar o papel que o Direito do Trabalho pode desempenhar para que as

522
PRASSL, Jeremias. op. cit., p. 6.
523
WEIL, David. op. cit., p. 280-282; PIKETTY, Thomas. Capital in the twenty-first century. Cambridge:
Harvard University Press, 2014, p. 304-335.
524
WEIL, David. op. cit., p. 99-177.
199

assimetrias de poder identificadas não sejam um instrumento de manutenção de uma


desigualdade que potencializa a precariedade vivenciada pelos trabalhadores.
200
201

CAPÍTULO 3. O DIREITO DO TRABALHO E O CAPITALISMO DE


PLATAFORMA

1. Introdução
A regulação das formas de trabalho no capitalismo de plataforma pode ocorrer por
diversos prismas. Existem propostas para induzir comportamentos por meio de regras
tributárias525, para estimular o empreendedorismo526, para proteger os consumidores diante
de lesões sofridas ao utilizarem os serviços das plataformas 527 , para compatibilizar a
classificação dos trabalhadores com a cobertura da seguridade social528, para garantir uma
renda básica universal529, dentre outras. O foco da nossa análise é o Direito do Trabalho,
tendo em vista ser o instrumento de justiça social que permite a distribuição de renda e a
promoção do bem-estar entre as pessoas em um contexto no qual a participação na vida
econômica ocorre a partir do trabalho. Ou seja, é o mecanismo de inserção socioeconômica
do ser humano no capitalismo530.
O presente capítulo está estruturado em três partes. Na primeira, trataremos do papel
que o Direito do Trabalho pode desempenhar no capitalismo de plataforma, levando em
consideração como as funções e princípios centrais que conformam esse ramo jurídico
especializado podem ser articulados com a nova morfologia do trabalho influenciada pelas
inovações tecnológicas.
Na segunda, analisaremos as possibilidades de regulação do trabalho sob demanda
por meio de aplicativos e do crowdwork pelo Direito do Trabalho em quatro eixos: (i)
trabalho subordinado e trabalho autônomo, estudando como cada uma dessas categorias é
concebida, as suas potencialidades para proteger os trabalhadores e como a doutrina e
jurisprudência trabalhista estão analisando o tema; (ii) novas formas de regulação, tratando
de propostas que ultrapassam as fronteiras da subordinação e da autonomia; (iii) novos

525
PRASSL, Jeremias. op. cit., p. 123-124; 129.
526
SUNDARARAJAN, Aran. op. cit., p. 177-187; 192-194.
527
PRASSL, Jeremias. op. cit., p. 128.
528
Id. Ibid., p. 125-127; SUNDARARAJAN, Aran. op. cit., p. 187-192.
529
STERN, Andy. Raising the floor: how a universal basic income can renew our economy and rebuild the
american dream. New York: Public Affairs, 2016; ROQUE, Tatiana. Por causa de robôs, ideia de renda
básica universal ganha mais adeptos. Folha de São Paulo, São Paulo, 17 fev. 2018. Disponível em:
<https://www1.folha.uol.com.br/ilustrissima/2018/02/por-causa-de-robos-ideia-de-renda-basica-universal-
ganha-mais-adeptos.shtml>. Acesso em: 19 fev. 2018.
530
DELGALDO, Maurício Godinho; DELGADO, Gabriela Neves. O Direito do Trabalho na
contemporaneidade: clássicas funções e novos desafios. In: LEME, Ana Carolina Paes; RODRIGUES,
Bruno Alves; CHAVES JÚNIOR, José Eduardo de Resende (Coords.). Tecnologias disruptivas e a
exploração do trabalho humano: a intermediação de mão de obra a partir das plataformas eletrônicas e seus
efeitos jurídicos e sociais. São Paulo: LTr, 2017, p. 17-21.
202

direitos, abordando garantias que surgem a partir de demandas criadas pelas peculiaridades
da nova morfologia do trabalho no capitalismo de plataforma; e (iv) ação coletiva dos
trabalhadores, analisando como as entidades sindicais podem ser a voz dos trabalhadores no
capitalismo de plataforma e como o cooperativismo de plataforma pode ser uma opção à
atual lógica pela qual o modelo de negócios está estruturado.
Na terceira, apontaremos os caminhos jurídicos mais adequados para assegurar a
proteção dos trabalhadores no capitalismo de plataforma no Brasil. Apresentaremos uma
proposta compatível com os modelos de negócios analisados nos capítulos anteriores, as
realidades dos trabalhadores no crowdwork e no trabalho sob demanda por meio de
aplicativos e os objetivos centrais do Direito do Trabalho.

2. O papel do Direito do Trabalho no capitalismo de plataforma


O Direito do Trabalho é uma evolução na regulação do trabalho. Fruto da superação
da aplicação de institutos civilistas e penais nas relações de trabalho no século XIX e início
do século XX e da ficção jurídica de igualdade e liberdade entre trabalhador e empresário, o
Direito do Trabalho foi concebido para apresentar respostas à desigualdade econômica entre
as partes do contrato de trabalho, estabelecendo disposições para corrigir essa assimetria e
compensá-la por meio de proteção jurídica ao trabalhador531.
O surgimento do Direito do Trabalho motivou o desenvolvimento de uma
racionalidade jurídica própria para viabilizar o cumprimento de seus objetivos. Américo Plá
Rodriguez afirma que existem seis princípios que o informam: (i) princípio da proteção, que
se expressa nas regras in dubio, pro operario, da norma mais favorável e da condição mais
benéfica; (ii) princípio da irrenunciabilidade; (iii) princípio da continuidade; (iv) princípio
da primazia da realidade; (v) princípio da razoabilidade; e (vi) princípio da boa-fé532.
O princípio da proteção está ligado diretamente à razão de ser do Direito do Trabalho.
Trata da mitigação da exploração do trabalho humano oriunda da maior capacidade e poder
econômicos do empregador por meio de um sistema legal que tutela o trabalhador. É um
princípio geral que inspira as normas trabalhistas e que deve ser considerado na sua
aplicação533.

531
PLÁ RODRIGUEZ, Américo. Princípios de Direito do Trabalho. São Paulo: LTr, 2015, p. 85-87;
BARBAGELATA, Héctor-Hugo. A evolução do pensamento do Direito do Trabalho. Tradução de Sidnei
Machado. São Paulo: LTr, 2012, p. 16-22; 48-59.
532
PLÁ RODRIGUEZ, Américo. op. cit, p. 85-433.
533
Id. Ibid., p. 85-102.
203

O princípio da irrenunciabilidade transmite o preceito da inviabilidade jurídica de o


trabalhador voluntariamente abrir mão de um direito trabalhista que lhe é reconhecido pelo
ordenamento jurídico. O princípio da continuidade aborda o fato de os contratos de trabalho
terem como característica o trato sucessivo, em que a relação de trabalho se estende
temporalmente e não se finda com a execução de um único ou poucos atos534.
O princípio da primazia da realidade informa que na divergência entre o conteúdo de
documentos e os fatos que efetivamente ocorrem na prática, há prevalência dos segundos.
Também chamado por alguns autores de contrato-realidade, este princípio pretende afastar
as formalidades e aparências para que o Direito do Trabalho seja aplicado em conformidade
com o que ocorre no mundo real dos fatos535.
O princípio da razoabilidade expressa a noção de que as partes envolvidas na relação
de trabalho devem atuar de maneira razoável e com base na equidade. O princípio da boa-fé
aborda a necessidade de o trabalhador e o empregador envidarem esforços para incrementar
a atividade econômica da empresa. Ambos os princípios não tratam diretamente de
compensações para o trabalhador e também são aplicados a outros ramos do direito536.
O surgimento e a afirmação do Direito do Trabalho levam-no a cumprir funções
específicas no campo socioeconômico. Maurício Godinho Delgado identifica quatro
funções: (i) melhoria das condições de pactuação e gestão do trabalho na vida
socioeconômica; (ii) econômica modernizante e progressista; (iii) civilizatória e
democrática; e (iv) conservadora537.
A função de melhoria das condições de pactuação e gestão do trabalho na vida
socioeconômica tem o objetivo de estabelecer restrições ao poder empresarial nas relações
de trabalho, criando normas cogentes para incrementar as condições de trabalho, reduzir a
desigualdade dessas relações e desmercantilizar o trabalho, não admitindo a conversão do
trabalho humano em simples mercadoria538.
A função econômica modernizante e progressista se expressa em quatro dimensões.
A primeira é disseminação, por meio da legislação trabalhista, de normas conquistadas e
criadas pelos grupos mais organizados dos trabalhadores e nos setores mais desenvolvidos
economicamente. A segunda é o estímulo constante ao investimento em tecnologia e

534
PLÁ RODRIGUEZ, Américo. op. cit, p. 141-142; 239-248
535
Id. Ibid., p. 339-361.
536
Id. Ibid., p. 392-394; 415-417.
537
DELGADO, Maurício Godinho. Curso de Direito do Trabalho. 17ª ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: LTr,
2018, p. 79-89.
538
Id. Ibid., p. 81-84.
204

capacitação dos trabalhadores para o aumento da produtividade, cuja consequência é a


modernização da economia. A terceira é o incentivo à adoção de métodos de gestão
trabalhista que sejam mais eficientes e focados no desenvolvimento do ser humano. A quarta
é capacidade de o Direito do Trabalho distribuir renda para os trabalhadores, o que tem
efeitos na economia ao fortalecer o mercado interno539.
A função civilizatória e democrática decorre de o Direito do Trabalho ser
simultaneamente o mecanismo de inserção daqueles que só têm a força de trabalho para
sobreviver e um dos instrumentos de moderação de uma das relações de poder mais
importantes em nossa sociedade, que é a relação de trabalho, atenuando as distorções
existentes no sistema capitalista540.
A função conservadora traduz o fato de que o Direito do Trabalho é um instrumento
de manutenção da ordem, uma vez que ao conferir legitimidade à forma pela qual ocorre a
exploração do trabalho contemporaneamente, oferece condições para a continuidade da
economia e sociedade capitalistas sem maiores percalços. Em outras palavras, ao se
comprometer com padrões mínimos aos trabalhadores, aceita-se o modo de produção
predominante541.
Guy Davidov elenca oito objetivos principais do Direito do Trabalho: (i) reduzir o
déficit democrático das relações de trabalho, estabelecendo regras que promovam a
democracia no local de trabalho; (ii) redistribuir recursos e poderes, como o reconhecimento
do salário mínimo e da negociação coletiva; (iii) proteger a dignidade humana, ao mitigar
determinadas restrições que impactam a capacidade de o trabalhador tomar decisões sobre
suas opções profissionais; (iv) minimizar a exclusão social; (v) oferecer segurança, na
medida em que concede previsibilidade econômica aos trabalhadores; (vi) eficiência, ao
corrigir determinadas falhas de mercado; (vii) promover a liberdade do trabalhador,
oferecendo uma capacidade real para ter uma vida com propósito; (viii) emancipação, dado
que resiste à comodificação do trabalho como fator de produção ao prever um papel protetivo
para o Estado e abrir espaço para os atores sociais serem protagonistas542.
Adrián Todolí-Signes afirma que a regulação do trabalho apresenta três principais
eixos e todos se verificam nas atividades desempenhadas no capitalismo de plataforma. As
falhas de mercado, como a assimetria de informações, a inelasticidade da oferta de trabalho,

539
PLÁ RODRIGUEZ, Américo. op. cit, p. 84-85.
540
Id. Ibid., p. 88-89.
541
Id. Ibid., p. 89.
542
DAVIDOV, Guy. A purposive approach on labour law. New York: Oxford University Press, 2016, p. 56-
88.
205

os problemas de ação coletiva e o baixo investimento na qualificação da mão de obra, afetam


negativamente os trabalhadores e devem ser tratadas em leis que permitam a organização e
a negociação coletiva, que fixem limitações do horário de trabalho e que prevejam regras de
segurança e saúde do trabalho543.
A necessidade de redistribuição de renda e da promoção do bem-estar dos
trabalhadores no capitalismo de plataforma deve ser encarada como resultado de um
processo deliberativo democrático, em que a sociedade entende que a ausência de regulação
leva a uma situação em que trabalhadores teriam dificuldades em receber uma
contraprestação financeira acima da faixa da pobreza544.
A desigualdade do poder de negociação desemboca na falta de genuína autonomia
dos trabalhadores quando aceitam as condições de trabalho impostas pelas plataformas
digitais. Assim como no surgimento do Direito do Trabalho, os trabalhadores no capitalismo
de plataforma não têm qualquer espaço para negociar as condições de trabalho com as
empresas, expondo-os a situações de baixos salários, excesso de horas de trabalho e assunção
de riscos que deveriam ser das plataformas545.
O Direito do Trabalho surge no século XIX e tem os seus institutos moldados a partir
das relações socioeconômicas nos seus períodos de sistematização, consolidação e
institucionalização 546 . As transformações tecnológicas que impactaram a organização da
produção em diversos momentos nos últimos 150 anos não mudaram as peculiaridades deste
ramo jurídico, que são a relevância do envolvimento pessoal do trabalhador na prestação do
serviço, o Direito do Trabalho ser uma das dimensões dos Direitos Humanos, a negativa em
explicar os fenômenos do mundo do trabalho a partir de categorias tradicionais do direito e
a interpretação e explicação jurídica trabalhista por meio de uma abordagem multidisciplinar
das ciências sociais547.
Hugo Fernández Brignoni parte da premissa de que os modelos de negócios baseados
nas plataformas digitais não são capazes de alterar a essência do Direito do Trabalho. O autor
admite que poderiam ocorrer transformações em relação ao seu paradigma, estrutura ou
funcionamento548.

543
TODOLÍ-SIGNES, Adrián. The end of the subordinate worker? The on-demand economy, the gig-economy,
and the need for protection for crowdworkers. International journal of comparative labour law and
industrial relations, v. 33, n. 2, p. 254-255, 2017.
544
Id. Ibid. p. 254.
545
Id. Ibid., p. 255.
546
DELGADO, Maurício Godinho. op. cit., p. 106.
547
BARBAGELATA, Héctor-Hugo. op. cit, p. 119.
548
BRIGNONI, Hugo Fernández. op. cit., p. 44.
206

No tocante aos paradigmas do Direito do Trabalho, a perspectiva racionalista aponta


que não é possível modificá-los, uma vez que isso nos levaria à etapa pré-histórica das
relações de trabalho, o que é inadmissível do ponto de vista evolutivo. Admitir a alteração
dos paradigmas do Direito do Trabalho seria como aceitar a mudança nas condições de
validade das leis, nas garantias de sua aplicação ou afastar a ideia de que devem ser criadas
e interpretadas conforme as normas constitucionais. A proteção do trabalho e a adoção do
princípio da igualdade para se alcançar a dignidade dos trabalhadores são referências
incontornáveis do Direito do Trabalho549.
As transformações produzidas pelas plataformas digitais também não justificam
mudanças na estrutura do Direito do Trabalho. A estrutura de um ramo jurídico está
vinculada aos seus paradigmas e objetos, e a trabalhista é apropriada. Da perspectiva dos
interesses, o Direito Individual e o Direito Coletivo do Trabalho convivem adequadamente
dentro das fronteiras estabelecidas pela prática e pela teoria. Do ponto de vista normativo,
as normas trabalhistas heterônomas e autônomas oferecem um quadro moderno,
democrático e participativo. Desta forma, não há razão para se alterar a sua estrutura550.
Em relação ao funcionamento do Direito do Trabalho, admite-se a sua mudança para
que seja possível cumprir o objetivo de proteger o trabalhador. Nesse aspecto, abre-se um
espaço para debater e verificar de que forma o Direito do Trabalho pode se posicionar frente
às inovações tecnológicas, como a suficiência de conceitos e técnicas jurídicas
tradicionalmente centrais nesse ramo do direito, a necessidade de redefinição de conceitos
ou categorias, a análise de conceitos que já existem na legislação trabalhista, mas que são
considerados secundários, a criação de novas figuras jurídicas e o realce do papel da doutrina
e da jurisprudência para a interpretação mais ampla do princípio da proteção551.
Márcio Toledo Gonçalves aponta que as atuais inovações tecnológicas criam espaços
para o avanço da acumulação de capital e a otimização do processo de extração de valor do
trabalho. Tendo em vista que a exploração da mão de obra é uma constante não modificada
no capitalismo de plataforma, inexistem razões para se afastar ou reduzir o espectro de
aplicação o Direito do Trabalho enquanto ramo jurídico concebido para regular o mercado
de trabalho e para assegurar um patamar civilizatório mínimo e a dignidade dos
trabalhadores552.

549
BRIGNONI, Hugo Fernández. op. cit., p. 44.
550
Id., loc. cit.
551
Id. Ibid., p. 45
552
GONÇALVES, Márcio Toledo. Uberização: um estudo de caso – as tecnologias disruptivas como padrão
de organização do Trabalho no século XXI. Revista LTr, v. 81, n. 3, p. 64, Mar.2017.
207

Gustavo Gauthier afirma que as relações de trabalho no capitalismo de plataforma


devem ser objeto de atenção do Direito do Trabalho e destaca que o principal debate
colocado pela doutrina é a respeito da proteção dos trabalhadores. De um lado, há um grupo
que entende as atuais categorias do Direito do Trabalho como suficientes, havendo somente
a necessidade de revisar a interpretação do conceito de subordinação. De outro, há aqueles
que apontam a insuficiência da visão tradicional, dado que seria incapaz de dar conta das
novas realidades553.
Os motivos que ensejaram o surgimento do Direito do Trabalho remanescem no
capitalismo de plataforma. A desigualdade de poder econômico do trabalhador frente às
plataformas, a assimetria de informações que coloca as empresas em situação privilegiada,
a necessidade de trabalhar por longas jornadas para ser possível auferir renda para
subsistência e os grandes obstáculos para promover ação coletiva dos trabalhadores são
características das relações de trabalho no capitalismo de plataforma que justificam a
intervenção do Direito do Trabalho para redistribuir renda e poder, tutelar a dignidade dos
trabalhadores, tornar o trabalho mais democrático e viabilizar a organização coletiva.
Comungamos da posição de Hugo Fernández Brignoni quanto aos efeitos do
capitalismo de plataforma no Direito do Trabalho. Não há transformações fulcrais na lógica
da exploração da mão de obra que coloquem em xeque a existência deste ramo jurídico ou
que abra espaço para o questionamento dos seus paradigmas ou de sua estrutura. Contudo,
existem mudanças nas dinâmicas das relações de trabalho que não podem ser ignoradas, sob
pena de deixar o trabalhador vulnerável e desprotegido. Portanto, devemos verificar como o
funcionamento do Direito do Trabalho pode ser adequado para que os seus objetivos sejam
alcançados.
As respostas que o Direito do Trabalho pode apresentar para regular as relações de
trabalho no capitalismo de plataforma devem ter em vista as inter-relações entre tecnologia,
ideologia e instituições. No cenário de peças movendo-se em que nos encontramos na atual
quadra histórica, identificamos três principais forças nesses campos quando se olha para a
configuração da organização da produção e do mundo do trabalho: tecnologia da informação
e comunicação e as plataformas digitais, o acirramento entre o neoliberalismo e propostas
centradas no combate às desigualdades e o Direito do Trabalho, em um contexto de
emergência do capitalismo de plataforma.

553
GAUTHIER, Gustavo. Nuevas tecnologías, economía colaborativa y trabajo. In: TEODORO, Maria Cecilia
Máximo; VIANA, Márcio Túlio; ALMEIDA, Cleber Lúcio de; NOGUEIRA, Sabrina Colares (Orgs.).
Direito material e processual do trabalho. São Paulo: LTr, 2017, p. 95.
208

Na relação entre tecnologia e ideologia, a tecnologia da informação e comunicação


e as plataformas digitais são influenciadas pelo neoliberalismo ou por uma proposta centrada
no combate às desigualdades, na medida em que a sua adoção pode privilegiar a produção
de resultados alinhados a uma ou outra ideologia. Da mesma forma, essas tecnologias podem
auxiliar a execução de políticas que tenham objetivos neoliberais ou de combate às
desigualdades.
Na relação entre tecnologia e instituições, a tecnologia da informação e comunicação
e as plataformas digitais podem fazer o Direito do Trabalho regular de maneira distinta da
tradicional ou não regular as formas de trabalho do capitalismo de plataforma. Ainda, o
Direito do Trabalho pode estabelecer regras que influenciem o funcionamento das
plataformas e a forma pela qual essas tecnologias moldarão o conteúdo do trabalho.
Na relação entre instituições e ideologia, o Direito do Trabalho pode ter um caráter
mais ou menos protetivo conforme a predominância do neoliberalismo ou de propostas
centradas no combate às desigualdades, assim como pode contribuir para a elaboração e
execução de políticas orientadas por uma ou por outra ideologia.
É importante ressaltar que a preocupação jurídica com os impactos da tecnologia na
organização do trabalho não é inédita. A Constituição Federal de 1988 estabeleceu no art.
7º, XXVII, que é direito dos trabalhadores a “proteção em face da automação, na forma da
lei”. Embora não estejamos tratando propriamente de automação no presente estudo, uma
vez que não se trata da substituição da força de trabalho humana por robôs, mas do uso da
tecnologia para intensificar a exploração da mão de obra, percebe-se que não houve
iniciativas para efetivar o referido dispositivo, mesmos após trinta anos da promulgação do
texto constitucional.
Finalmente, apontamos que as intervenções do Direito do Trabalho para proteger os
trabalhadores no crowdwork e no trabalho sob demanda por meio de aplicativos devem,
simultaneamente, ter em vista os seus princípios, objetivos e funções e as inter-relações entre
tecnologia, ideologia e instituições, o desenvolvimento da tecnologia da informação e
comunicação e das plataformas digitais e a emergência do capitalismo de plataforma, de
forma que a regulação aborde os problemas atuais que se colocam nessas novas dinâmicas
das relações de trabalho.

3. A regulação do trabalho no capitalismo de plataforma


O surgimento de formas de trabalho que destoam do modelo tradicional da relação
em que o trabalhador desempenha suas atividades de forma subordinada, não eventual,
209

onerosa e pessoal em uma relação bilateral levanta questões a respeito da capacidade das
categorias existentes no ordenamento jurídico darem conta de novas realidades e da
necessidade de inovar os desenhos regulatórios para proteger o trabalhador.
No Brasil, o trabalhador pode ser classificado como empregado ou como autônomo.
Outros países criaram figuras intermediárias para enquadrar aqueles que desempenhavam
atividades que se encontravam em uma zona cinzenta entre a subordinação e a autonomia.
Na Inglaterra, há o “trabalhador” (worker), na Itália, o parassubordinado (parasubordinati),
na Espanha, o trabalhador autônomo economicamente dependente (trabajador autónomo
económicamente dependiente), no Canadá, o contratado dependente (dependent contractor),
dentre outros. A classificação dos trabalhadores é um debate relevante, na medida em que
os enquadrar em uma ou outra categoria tem efeitos concretos e práticos nos seus direitos.
No tocante à relação de emprego, os conceitos, as categorias e os direitos que a
informam foram concebidos a partir da organização da produção no contexto das inter-
relações entre tecnologia, instituições e ideologia nos trinta anos gloriosos, como apontado
no capítulo 1. Considerando as transformações promovidas pelo capitalismo de plataforma,
debate-se como a subordinação e a não eventualidade se expressam nesse novo contexto.
Em relação ao trabalho autônomo, também se nota o efeito das transformações
produzidas pelo capitalismo de plataforma na organização da produção, como nos limites da
autonomia e da liberdade dos trabalhadores.
A regulação do trabalho no capitalismo de plataforma a partir da dualidade da
subordinação e autonomia é objeto de crítica, com propostas para a criação de uma terceira
categoria, intermediária entre as outras duas, permitindo a classificação adequada dos
trabalhadores, para o uso da dependência como critério para classificá-los, para a redefinição
do conceito de empregador, para o estabelecimento de um contrato de trabalho especial que
contemple as características do capitalismo de plataforma, para a tutela legal dos
trabalhadores conforme a capacidade de organização coletiva sob as premissas de um
vanguardismo inclusivo e para a ampliação subjetiva da cobertura do Direito do Trabalho.
As características do trabalho sob demanda por meio de aplicativos e do crowdwork
demonstram que a atual legislação não abarca algumas situações que ocorrem nessas formas
de trabalho e que, independentemente do enquadramento feito, deixa os trabalhadores
desguarnecidos. Temas como transparência, sistemas de avaliações, tempo de trabalho e
assimetria de informações não têm previsão no ordenamento jurídico ou foram concebidos
para uma realidade distinta.
210

Além da regulação voltada para as relações individuais de trabalho, é pertinente


olharmos para outras perspectivas com enfoque na organização e atuação coletivas dos
trabalhadores. Por meio das entidades sindicais, pode-se pensar na utilização de negociações
coletivas para regrar questões específicas de condições de trabalho e, dessa forma,
acompanhar as rápidas mudanças nos modelos de negócios. Por meio do cooperativismo de
plataforma, pode-se vislumbrar meios para o desenvolvimento econômico dos trabalhadores.
Em espaços virtuais, pode-se agrupar trabalhadores que estão geograficamente distantes para
debater as condições de trabalho.
Todos esses temas serão abordados nesta seção, levando-se em conta as dinâmicas
das relações de trabalho no capitalismo de plataforma e, especialmente, as características e
particularidades do trabalho sob demanda por meio de aplicativos, a partir do exemplo da
Uber, e do crowdwork, com o caso da Amazon Mechanical Turk, para, a seguir, apresentar
uma proposta de regulação do trabalho nas plataformas digitais.

3.1. A dicotomia do trabalho: relação de emprego e autonomia


O trabalho livre, enquanto categoria socioeconômica, torna-se elemento
predominante na organização da produção a partir do século XVIII nos países centrais do
capitalismo. As suas principais expressões, e que ainda se mantêm em grande parte
atualmente – especialmente no Brasil –, são o trabalho subordinado e o trabalho autônomo.
A existência da mão de obra livre e com poderes para expressar a sua vontade, em cenário
no qual inexiste uma sujeição pessoal do trabalhador, foi central para o florescimento e a
consolidação da democracia554.
A grande diferença entre relação de emprego e o trabalho autônomo é a dimensão da
liberdade do trabalhador. No primeiro caso, a vontade é limitada pelo conjunto de cláusulas
contratuais previamente determinadas pelo empregador, o que é uma das manifestações do
poder empregatício. Além dessas cláusulas, existem outras obrigações estabelecidas por lei,
atenuando a preponderância do empregador na relação de emprego, mas sem obscurecer essa
característica555.
No caso do trabalho autônomo, a liberdade é mais ampla. Há maior espaço para o
trabalhador e o contratante determinarem as obrigações de cada uma das partes, como o

554
DELGADO, Maurício Godinho. O poder empregatício. São Paulo: LTr, 1996, p. 105.
555
Id. Ibid., p. 105-106.
211

modo de execução do trabalho e a forma de remuneração, sendo que a atividade laboral é


desempenhada por conta própria556.
A razão pela qual a liberdade do trabalhador na relação de emprego é menor do que
a do trabalhador autônomo é o estado de subordinação do empregado. O objeto do contrato
de trabalho pode ser qualquer obrigação lícita, desde que o contratante – no caso, o
empregador –, tenha poder empregatício, determinando o modo de realização da prestação
de serviços. A subordinação é reflexo do poder de direção do empregador, sendo analisada
sob o viés objetivo, dado que não recai na pessoa do trabalhador, mas na forma pela qual o
trabalho é realizado557.
É possível a caracterização do trabalho autônomo com alguns dos elementos
presentes na relação de emprego, como a onerosidade e a pessoalidade. Contudo, a
identificação da subordinação afasta qualquer possibilidade de a atividade realizada pelo
trabalhador ser classificada como trabalho autônomo. Nesse sentido, pode-se afirmar que
um é a antítese do outro.
Jorge Luiz Souto Maior acrescenta uma outra perspectiva para distinguir a relação
de emprego do trabalho autônomo. De acordo com o autor, o afastamento do último da
incidência de normas trabalhistas não significa que não mereça a tutela da contraprestação
dos serviços realizados. Entretanto, não há sujeito responsável pelo cumprimento desses
direitos. A normativa que deve reger o trabalho autônomo é a do direito civil, uma vez que
as atividades desempenhadas autonomamente não operam segundo a lógica de exploração
do trabalho alheio como meio de enriquecimento por um ente empresarial558.
Tendo em vista a subordinação, ou a sua ausência, ser o elemento central para se
indicar a existência de uma relação de emprego ou de trabalho autônomo, esse conceito
ocupará papel central na análise do enquadramento jurídico do trabalho sob demanda por
meio de aplicativos e do crowdwork.

3.1.1. Relação de emprego: a porta de entrada para a proteção trabalhista


A classificação do trabalhador como empregado é o meio para que tenha acesso aos
direitos trabalhistas. A proteção conferida por este ramo jurídico ocorre pela identificação

556
MANNRICH, Nelson. Reinventando o Direito do Trabalho: novas dimensões do trabalho autônomo. In:
FREDIANI, Yone (Org.). A valorização do trabalho autônomo e a livre-iniciativa. Porto Alegre: Magister,
2015, p. 236.
557
DELGADO, Maurício Godinho. op. cit., p. 109.
558
SOUTO MAIOR, Jorge Luiz. Relação de emprego e Direito do Trabalho: no contexto da ampliação da
competência da Justiça do Trabalho. São Paulo: Editora LTr, 2007, p. 73-74.
212

da subordinação (ou controle), sendo que os demais elementos que caracterizam a relação
de emprego variam conforme o ordenamento jurídico.
O Direito do Trabalho viabiliza uma troca entre as partes: os trabalhadores aceitam
o poder do empregador e, em razão disso, recebem direitos que os tutelam. Assim, o
enquadramento do trabalhador como empregado lhe dá acesso a um conjunto mínimo de
direitos, que podem ser ampliados por liberalidade do empregador ou por meio de
negociação coletiva. E, com prerrogativas que lhe dão o poder de dirigir, regulamentar,
fiscalizar e disciplinar a prestação do trabalho, o empregador torna-se responsável por
assegurar que os empregados recebam os direitos trabalhistas559.
No Brasil, a relação de emprego é definida pela combinação dos arts. 2º e 3º da
Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), a partir dos conceitos legais de empregador e de
empregado. O art. 2º, caput, estabelece que “considera-se empregador a empresa, individual
ou coletiva, que, assumindo os riscos da atividade econômica, admite, assalaria e dirige a
prestação pessoal de serviço”. Por sua vez, o art. 3º, caput, determina que “considera-se
empregado toda pessoa física que prestar serviços de natureza não eventual a empregador,
sob dependência deste e mediante salário”.
A leitura combinada de ambos os dispositivos aponta que a relação de emprego no
ordenamento jurídico brasileiro tem cinco elementos fático-jurídicos: (i) prestação de
trabalho por pessoa natural; (ii) atividade realizada com pessoalidade pelo trabalhador; (iii)
prestação do trabalho feita com não eventualidade; (iv) atividade desenvolvida com
subordinação; e (v) trabalho realizado com onerosidade560.
O trabalho efetuado por pessoa natural decorre do fato de o Direito do Trabalho
tutelar bens jurídicos que podem ser usufruídos apenas por pessoas naturais e não, em sua
grande maioria, por pessoas jurídicas. Além disso, sempre que nos referirmos ao trabalho,
tem-se como pressuposto a execução por pessoa natural, enquanto os serviços podem ser
realizados tanto por pessoas naturais como por pessoas jurídicas561.
A prestação do trabalho com pessoalidade relaciona-se ao fato de o trabalhador ser
pessoa natural, mas esses elementos não se confundem. Para que se caracterize a relação de
emprego, é imprescindível a infungibilidade do trabalho. Ou seja, a relação jurídica é intuitu
personae no tocante ao prestador de serviços, sendo que a principal implicação é a
impossibilidade de o trabalhador se fazer substituir por um outro. As substituições pontuais

559
DELGADO, Maurício Godinho. Curso de Direito do Trabalho. cit., p. 786; PRASSL, Jeremias. op. cit., p.
93-96.
560
DELGADO, Maurício Godinho. op. cit., p. 337-338.
561
Id. Ibid., p. 338-339.
213

e autorizadas, por lei ou por norma coletiva, não descaracterizam esse elemento fático-
jurídico. A pessoalidade não se aplica ao empregador, dado que prevalece no Direito do
Trabalho a diretriz da despersonalização da figura do empregador, com a permissão da
alteração contratual subjetiva no âmbito patronal e a manutenção das regras para um mesmo
empregado562.
A ideia de permanência expressa-se por duas principais formas no Direito do
Trabalho. A primeira é a promoção da indeterminação do contrato de trabalho, reflexo do
princípio da continuidade, como tratado acima. A segunda é sua presença na formação sócio-
jurídica da categoria central do Direito do Trabalho, que é a relação de emprego. Para que
seja caracterizada, é necessário que o trabalho desenvolvido seja permanente e não
esporádico563.
O conceito de não eventualidade é controverso e há quatro teorias que modulam o
debate. A primeira é a teoria da descontinuidade, na qual se considera o trabalho descontínuo
e interrupto como eventual, sendo que a prestação de serviços de forma fragmentada e
dispersa no tempo afastaria a configuração da relação de emprego. A CLT, ao prever no art.
3º que o empregado é aquele que “prestar serviços de natureza não eventual” afastou essa
teoria, que se aplica no caso dos trabalhadores domésticos (Lei Complementar n.
150/2015)564.
A segunda é a teoria do evento, em que se tem como eventual o trabalhador que
executa uma atividade para atender um fato, acontecimento ou evento específico e
determinado. A terceira é a teoria dos fins do empreendimento, na qual se admite o trabalho
eventual somente em tarefas que não se relacionem com o principal objeto econômico da
empresa. A quarta é a teoria da fixação jurídica ao tomador de serviços, em que o eventual
não se fixa a uma fonte de trabalho. No Brasil, o conceito de não eventualidade abarca a
combinação dessas três teorias565.
Jorge Luiz Souto Maior destaca que não há necessidade da verificação da prestação
diária de trabalho para a caracterização da não eventualidade. O requisito para tanto é a
identificação da intenção das partes vincularem-se com essa característica atemporal566.
Com o objetivo de diferenciar o empregado do eventual, Maurício Godinho Delgado
define este último a partir de cinco características: (i) inexistência da permanência do

562
DELGADO, Maurício Godinho. op. cit., p. 339-340.
563
Id. Ibid., p. 340-341.
564
Id. Ibid., p. 341-342.
565
Id. Ibid., p. 342-344.
566
SOUTO MAIOR, Jorge Luiz. op. cit, p. 70.
214

trabalhador em uma empresa com ânimo definitivo; (ii) diversidade de tomadores de


serviços; (iii) curta duração das atividades desempenhadas; (iv) a tarefa se destina a um
evento certo, determinado e episódico; e (v) o trabalho não se insere nos fins normais da
empresa567.
A onerosidade é a dimensão econômica da relação de emprego, em que a força de
trabalho colocada à disposição do empregador tem uma correspondência pecuniária, que é o
salário. Esse elemento fático-jurídico deve ser analisado sob a perspectiva do trabalhador e
apresenta um plano objetivo e outro subjetivo. O primeiro ocorre pelo pagamento de valores
destinados a remunerar o trabalhador pelas atividades executadas. O segundo, pela intenção
econômica das partes, especialmente do prestador de serviços, relacionada às tarefas
desenvolvidas em benefício do empregador568.
A subordinação, como já mencionado anteriormente, é o elemento fático-jurídico
mais importante na caracterização da relação de emprego. Maurício Godinho Delgado
define-a como a “situação jurídica derivada do contrato de trabalho, pela qual o empregado
compromete-se a acolher o poder de direção empresarial no modo de realização de sua
prestação de serviços” 569 . Jorge Luiz Souto Maior destaca que essa caracterização da
subordinação demanda que se leve em conta a inserção da atividade efetuada pelo
trabalhador no bojo dos interesses do empregador, cuja finalidade é atingir os objetivos
produtivos570.
O alcance do conceito de subordinação foi alterado conforme as transformações na
organização da produção e as percepções do direito em face da evolução das dinâmicas das
relações entre empregados e empregadores. Nesse sentido, apontam-se para a existência de
três dimensões do fenômeno - clássica, objetiva ou estrutural -, que se complementam
harmonicamente e permitem uma compreensão mais ampla do fenômeno da subordinação
na atual organização da produção571.
A subordinação clássica (ou tradicional) é a que se manifesta pela intensidade e pela
forma direta que o empregador controla e gerencia as atividades dos empregados. Em geral,
há a constante emissão de ordens para os empregados, determina-se um horário de trabalho
rígido e fixo e as atividades laborais são feitas sob vigilância e controle imediatos do
empregador. Trata-se da dimensão que, sob uma perspectiva histórica, inicialmente deu os

567
DELGADO, Maurício Godinho. op. cit., p. 344.
568
Id. Ibid., p. 345-347.
569
Id. Ibid., p. 349.
570
SOUTO MAIOR, Jorge Luiz. op. cit., p. 70.
571
DELGADO, Maurício Godinho. op. cit., p. 352.
215

contornos da subordinação nas relações de emprego, sendo que atualmente ainda é sua
expressão mais comum572.
A subordinação objetiva é a que enfoca a integração do trabalhador e a relevância de
suas atividades dentro dos objetivos empresariais. Verifica-se como a prestação de trabalho,
que ocorre de maneira coordenada ou colaborativa, integra-se e se incorpora na finalidade
da empresa e faz parte da dinâmica geral do empregador. Nesse sentido, o trabalho realizado
pelo empregado é central para se atingir os fins da empresa573.
A subordinação estrutural traduz a ideia de que o trabalhador está inserido na
dinâmica da empresa e acolhe a estrutura da organização e funcionamento do empregador.
Nesse caso, o desempenho de atividades vinculadas à finalidade do tomador de serviços e o
recebimento de ordens diretas não são essenciais. O que ocupa papel central é a ligação
estrutural à dinâmica operativa da empresa574.
Os elementos fáticos-jurídicos que geram maior controvérsia para se caracterizar a
relação de emprego no capitalismo de plataforma são a não eventualidade e a subordinação,
que serão analisados a seguir a partir das perspectivas do trabalho sob demanda por meio de
aplicativos e do crowdwork.
No Brasil, a caracterização da relação de emprego, nos termos acima apontados, é a
porta de entrada da proteção trabalhista. O trabalhador assim enquadrado, tem direito ao
salário mínimo, limitação da jornada de trabalho, tutela quanto à forma da extinção do
contrato de trabalho, seguro-desemprego (em caso de desemprego involuntário), fundo de
garantia do tempo de serviço, décimo terceiro salário, repouso semanal remunerado, férias,
licença-maternidade e licença-paternidade, tutela quanto à segurança e saúde, registro em
carteira de trabalho, dentre outros previstos na Constituição Federal, CLT e leis esparsas. Os
trabalhadores autônomos e eventuais, por sua vez, não usufruem desses direitos.

3.1.1.1. A não eventualidade no capitalismo de plataforma


A constatação da não eventualidade nas relações de trabalho no capitalismo de
plataforma depende da teoria enfocada para analisar o desenvolvimento da atividade
executada pelo trabalhador em favor da empresa. Apesar da polêmica a respeito da
possibilidade de identificar esse elemento fático-jurídico no trabalho nas plataformas digitais,
a produção doutrinária sobre o tema é menor.

572
DELGADO, Maurício Godinho. op. cit., p. 352; PORTO, Lorena Vasconcelos. A subordinação no contrato
de trabalho: uma releitura necessária. São Paulo: LTr, 2009, p. 43.
573
DELGADO, Maurício Godinho. op. cit., p. 352; PORTO, Lorena Vasconcelos. op. cit., p. 69-71.
574
DELGADO, Maurício Godinho. op. cit., p. 352.
216

Elena Gramano coloca que há plataformas digitais que impõem aos trabalhadores
cláusulas contratuais que preveem um número mínimo de tarefas que devem executar e de
tempo que devem permanecer disponíveis semanalmente como condição de manterem o
acesso às ofertas de trabalho. A autora aponta que a falta da não eventualidade afasta a
identificação do vínculo empregatício. Contudo, a obrigação de estar disponível deve levar
em consideração se as atividades executadas são ocasionais ou não, independentemente de
serem contínuas ou fragmentadas. Esse elemento fático-jurídico é constatado nos casos das
relações de trabalho que perduram no tempo, em que o trabalhador se coloca à disposição
da plataforma de forma contínua575.
Maria Cecília Alves Pinto afirma que o fato das tarefas realizadas pelos trabalhadores
não ocorrerem em um espaço físico da empresa torna mais complexa a identificação dos
elementos fático-jurídicos da relação de emprego. Ainda, destaca que os novos métodos de
gestão de mão de obra, baseados na tecnologia da informação e comunicação, dificultam a
subsunção da situação fática laboral ao conceito previsto nos arts. 2º e 3º da CLT. A autora
entende que se deve combinar as teorias dos fins da empresa e da fixação jurídica, sendo que
a prestação de serviços em prol de uma pessoa natural ou jurídica determinada, em que essa
atividade esteja inserida no padrão dos fins normais da plataforma, permite aferir a não
eventualidade576. Além da adoção da referida combinação, afirma que há necessidade de
atentar à forma subordinativa ou não da prestação laboral, à condição
social de biscateiro do prestador, que denuncia autonomia negocial, à real
existência de ajuste prévio ou não da natureza da prestação e também à
preponderância ou não do resultado a ser alcançado pelo trabalho e não
deste como pura atividade. O objetivo é ampliar as hipóteses em que o
trabalho é reputado não eventual, tudo para que o trabalhador, pessoa física,
possa usufruir do rol de direitos e garantias trabalhistas, assegurados pela
legislação577.
Analisando especificamente o caso da Uber, José Carlos de Carvalho Baboin aponta
que o fato de a plataforma não determinar horários de seus trabalhadores pode levar à
conclusão de que inexiste o elemento fático-jurídico da não eventualidade. Contudo, ressalta

575
GRAMANO, Elena. Contribuición al debate sobre trabajo y gig-economy a la luz del ordenamento jurídico
italiano. Jan. 2018. Disponível em: <https://ssrn.com/abstract=3109481>. Acesso em: 25 jan. 2018.
576
PINTO, Maria Cecília Alves. As novas ferramentas tecnológicas de gestão de mão de obra e a necessária
releitura do elemento fático-jurídico da não eventualidade na relação de emprego. In: LEME, Ana Carolina
Paes; RODRIGUES, Bruno Alves; CHAVES JÚNIOR, José Eduardo de Resende (Coords.). Tecnologias
disruptivas e a exploração do trabalho humano: a intermediação de mão de obra a partir das plataformas
eletrônicas e seus efeitos jurídicos e sociais. São Paulo: LTr, 2017, p. 203.
577
Id. Ibid., p. 204.
217

que a regra é a habitualidade dos motoristas na prestação de serviços, sendo a ausência do


referido elemento investigada no caso concreto. Ainda, afirma que a plataforma monitora o
horário de trabalho de todos os motoristas578.
O autor destaca que a construção doutrinária trabalhista acerca da não eventualidade
não demanda horários fixos ou predeterminados ou a execução diária de atividades.
Identificado o ânimo de permanência do motorista, por período indeterminado e em tarefas
vinculadas à finalidade da empresa, constata-se a não eventualidade. Por fim, coloca que o
tema é melhor compreendido quando estudado em conjunto com a subordinação, uma vez
que o horário de trabalho dos motoristas se vincula à modalidade de controle exercida pelas
plataformas579.
Keith Cunningham-Parmeter entende que a determinação de horários de trabalho é
contraditória na Uber. Se por um lado os motoristas têm liberdade de opção para dirigir nos
horários que escolhem, assim que começam a trabalhar, a plataforma espera que as tarefas
oferecidas sejam aceitas, desativando os trabalhadores que tiverem um grau de rejeição
acima do admitido pela Uber – o que está longe de representar um poder de gerenciar a sua
própria atividade580.
Bruno Alves Rodrigues afirma que a não eventualidade é o elemento fático-jurídico
que determina a existência ou não da relação de emprego entre o motorista e a Uber, tendo
em vista que presentes os demais. Sendo assim, a não eventualidade seria o único fator que
exige a análise nos casos concretos para a caracterização do vínculo empregatício ou do
trabalho autônomo581.
A análise sobre a forma pela qual a jurisprudência trabalhista analisa o tema será
feita em conjunto com o estudo da subordinação.

3.1.1.2. A subordinação no capitalismo de plataforma


A identificação da subordinação nas relações entre os trabalhadores e as plataformas
digitais varia de acordo com a perspectiva que se adota do conceito. Existe uma tendência
na doutrina em se analisar o fenômeno sob um viés expansionista da subordinação,

578
BABOIN, José Carlos de Carvalho. Trabalhadores sob demanda: o caso “Uber”. Revista da LTr, v. 81, n. 3,
p. 336, Mar. 2017.
579
Id. Ibid., p. 336-337.
580
CUNNINGHAM-PARMETER, Keith. op. cit., p. 1673.
581
RODRIGUES, Bruno Alves. A relação de emprego no serviço de transporte de passageiros ofertado por
intermédio de plataforma eletrônica. In: LEME, Ana Carolina Paes; RODRIGUES, Bruno Alves; CHAVES
JÚNIOR, José Eduardo de Resende (Coords.). Tecnologias disruptivas e a exploração do trabalho humano:
a intermediação de mão de obra a partir das plataformas eletrônicas e seus efeitos jurídicos e sociais. São
Paulo: LTr, 2017, p. 217.
218

enfatizando o papel que o algoritmo desempenha no modelo de negócio. Contudo, algumas


abordagens adotam posturas mais conservadoras ao utilizarem somente a dimensão clássica
da subordinação, no sentido apontado na seção 3.1.1, para estudar as relações de trabalho no
capitalismo de plataforma.
Hugo Fernández Brignoni afirma que o caso dos trabalhadores integrados na
organização das plataformas digitais, em um contexto no qual não tomam decisões sobre o
funcionamento dos negócios, deve ser analisado sob um viés interpretativo elástico e criativo
da subordinação. Características que historicamente fizeram parte da configuração da
subordinação, como a determinação dos horários de trabalho pelo empregador, deixam de
ser relevantes e outras passam a ocupar centralidade582.
O autor aponta que os novos parâmetros da organização da produção no capitalismo
de plataforma abrem espaço para que a interpretação do conceito de subordinação seja feita
com base em três critérios: (i) expansivo, em conformidade com o princípio protetivo, para
que a regra do Direito do Trabalho seja a tutela do trabalhador; (ii) adequação aos fatos, em
linha com o princípio da primazia da realidade, para que a dinâmica da relação laboral seja
captada com a maior precisão possível; e (iii) complementação pelo conceito de dependência
econômica583.
Keith Cunningham-Parmeter afirma que as transformações no mundo do trabalho
exigem um novo olhar para a caracterização das relações de emprego a partir da noção de
controle. O autor defende uma abordagem expansionista ao tratar de três dimensões do
conceito: conteúdo, fluxo decisório e obrigações. Em relação ao primeiro aspecto, aponta
que tradicionalmente se procura identificar se o empregador tem o poder de contratar,
estabelecer horários de trabalho e supervisionar as atividades do empregado, ou seja, a
existência de controle direto. Contudo, as mudanças na organização do trabalho apontam a
redução do número de empresas que utilizam essa forma de gerenciar a mão de obra. Para
uma adequada investigação sobre o conteúdo do controle, deve-se verificar a capacidade de
a empresa influenciar todos os aspectos do trabalho, como o direcionamento das condições
de trabalho, determinação do local em que as atividades devem ser desempenhadas e fixação
de metas584.
No tocante ao fluxo decisório, coloca-se a necessidade de averiguação do trajeto das
determinações que implicam o controle da atividade. Se é unidirecional, em que há

582
BRIGNONI, Hugo Fernández. op. cit., p. 46-47.
583
Id. Ibid., p. 47.
584
CUNNINGHAM-PARMETER, Keith. op. cit., p. 1704–1708.
219

modulação na forma pela qual o trabalho é feito, desde a emissão de ordens diretas até
direcionamentos oriundos de intermediários, há controle concentrado e identifica-se a
relação de emprego. Se é bidirecional, em que a empresa influencia o modo de execução do
trabalho, mas o trabalhador também tem autonomia na realização da atividade e opera um
negócio autêntico à parte, há controle compartilhado e uma relação de trabalho autônomo585.
Em face das obrigações, destaca-se que a empresa com capacidade para controlar as
atividades dos trabalhadores deve se responsabilizar pelas obrigações trabalhistas. Esse tema
impacta com maior intensidade as terceirizações, sendo que a tomadora que detém os meios
para monitorar o desempenho, a qualidade e a velocidade da produção, também deve
investigar a reputação da terceirizada, pagar valores que não deem margem à violação das
leis e ser responsabilizada pelo inadimplemento trabalhista586.
Rodrigo de Lacerda Carelli coloca que o capitalismo de plataforma é centrado no
algoritmo, responsável por garantir que os objetivos da empresa sejam alcançados. Esse
mecanismo é reprogramado constantemente a partir do desenvolvimento da atividade e
molda as tarefas feitas pelos trabalhadores sem a necessidade de intervenção direta do
empregador. A liberdade que os empregados teriam nesse modelo é fictícia, dado que
respondem aos comandos do algoritmo. Nesse sentido, os trabalhadores têm uma autonomia
na subordinação e são controlados por programação ou algoritmos587.
A subordinação no capitalismo de plataforma é caracterizada pelo controle por
sanções e premiações (ou sticks and carrots), em que os trabalhadores que seguem a
programação estabelecida pelo algoritmo são recompensados, ao passo que a inobservância
pode leva-los à punição e à exclusão da plataforma588.
Uma das características da organização do trabalho no novo modelo, que é a
constante insegurança econômica dos trabalhadores, facilita o controle das atividades e leva
a um cenário de mobilização total, em que a mão de obra deve estar permanentemente
disponível589.
Outro fator que compõe o controle por programação (ou por algoritmos) no
capitalismo de plataforma é a avaliação da consecução dos objetivos, em que as atividades

585
CUNNINGHAM-PARMETER, Keith. op. cit., p. 1708-1710.
586
Id. Ibid., p. 1710-1714.
587
CARELLI, Rodrigo de Lacerda. O caso Uber e o controle por programação: de carona para o século XIX.
In: LEME, Ana Carolina Paes; RODRIGUES, Bruno Alves; CHAVES JÚNIOR, José Eduardo de Resende
(Coords.). Tecnologias disruptivas e a exploração do trabalho humano: a intermediação de mão de obra a
partir das plataformas eletrônicas e seus efeitos jurídicos e sociais. São Paulo: LTr, 2017, p. 141.
588
Id. Ibid., p. 141-142.
589
Id. Ibid., p. 142.
220

dos trabalhadores são examinadas qualitativa e quantitativamente. Trata-se de um meio de


reforçar a ideia da autonomia dos trabalhadores, uma vez que não importaria quando e como
as tarefas fossem realizadas, desde que atendidas as metas empresariais590.
Nesse cenário, a relação entre os trabalhadores e a plataforma gira em torno da ideia
de aliança. Há uma refeudalização das relações, exigindo um engajamento maior do
trabalhador, em que não aguarda mais ordens diretas do empregador em um dado tempo e
local, mas tem que se mobilizar para a consecução de resultados que lhe são impostos e se
submeter a avaliações em razão de seu desempenho591.
Elizabeth Tippet afirma que as plataformas digitais exercem controle por meio de
algoritmos, que são regras de software. Segundo a autora, essas regras atuam como
arquiteturas físicas e podem condicionar o comportamento dos trabalhadores, viabilizando
ou impedindo determinadas práticas. Para se analisar a dimensão do controle nas atividades
dos trabalhadores é necessário compreender o funcionamento do software592.
Para tanto, as regras do software precisam ser entendidas como decisões gerenciais.
O seu desenho e as limitações que estabelece não são obra do acaso, mas políticas
empresariais tomadas com o objetivo de maximizar os lucros. Se os algoritmos impõem
preços, fixam notas mínimas para os trabalhadores permanecerem nas empresas, não
permitem a comunicação fora da plataforma entre trabalhadores e clientes e sancionam os
trabalhadores que não aceitam tarefas que são oferecidas, fica evidente que estão aplicando
políticas da empresa593.
Daniela Muradas Reis e Eugênio Delmaestro Corassa compartilham a compreensão
a respeito da importância do algoritmo na maneira pela qual se dá a organização da produção.
A tecnologia da informação e comunicação permite às plataformas terem acesso a um grande
contingente de trabalhadores sem a necessidade de contato direto para organizar a atividade,
como determinar o horário de trabalho ou o valor da remuneração, e verificarem o
desempenho do trabalho por meio das opiniões dos seus clientes. O algoritmo, a partir de
todas as informações que lhe são apresentadas, é capaz de direcionar as tarefas dos
trabalhadores. É esse cenário que configura a subordinação por algoritmos594.

590
CARELLI, Rodrigo de Lacerda. op. cit., p. 141-142.
591
Id. Ibid., p. 141-142.
592
TIPPET, Elizabeth. Employee classification in the sharing economy. In: DAVIDSON, Nestor; INFRANCA,
John; FINCK, Michèle. (Eds.). The Cambridge handbook of law and regulation of the sharing economy.
New York: Cambridge University Press, 2018, p. 302.
593
Id. Ibid., p. 303.
594
REIS, Daniela Muradas; CORASSA, Eugênio Delmaestro. Aplicativos de transporte e plataforma de
controle: o mito da tecnologia disruptiva do emprego e a subordinação por algoritmos. In: LEME, Ana
Carolina Paes; RODRIGUES, Bruno Alves; CHAVES JÚNIOR, José Eduardo de Resende (Coords.).
221

Esse instrumento, ao sistematizar informações e dados para conformar o trabalho


humano, expressa o poder de direção do empregador. Não se deve perder de vista que os
algoritmos gerenciam os resultados desejados pelas plataformas por meio de comandos
estabelecidos conforme decisões empresariais. Ou seja, manuseiam uma grande quantidade
de dados, o que lhes permitem moldar continuamente o comportamento dos trabalhadores e,
assim, alcançar as suas metas595.
Ainda, o uso de sistemas integrados de informação pelas plataformas coloca os seus
consumidores em posição de avaliar as atividades realizadas pelos trabalhadores, o que
configura a expansão do sistema de controle total, método típico do toyotismo, como
mencionado no capítulo 1. Dessa forma, ampliam-se as possibilidades de controle do
trabalho596.
José Eduardo de Resende Chaves Júnior, Marcus Menezes Barberino Mendes e
Murilo Carvalho Sampaio Oliveira analisam a subordinação no capitalismo de plataforma a
partir das mudanças na organização da produção. Do século XIX até a primeira metade do
século XX, houve a busca de disciplinar a mão de obra em um modelo rígido de trabalho na
linha de produção, como ressaltado no capítulo 1, quando abordamos as inter-relações entre
tecnologia, instituições e ideologia nos trinta anos gloriosos, centrada na vigilância. As
características desse cenário são: tempo analógico e linear, relações de trabalho estáveis e
duráveis e captura do tempo de trabalho e da produtividade dos trabalhadores. A
subordinação clássica é a tradução jurídica da vigilância no contrato de trabalho597.
As mudanças na organização da produção a partir dos anos 1970, como destacado
no capítulo 1, quando tratamos das inter-relações entre tecnologia, instituições e ideologia
no neoliberalismo, levaram a uma procura pelo controle da mão de obra. Há uma
potencialização da flexibilização de diversos fatores de produção, dentre eles o trabalho. As
características nesse período são: tempo digital e real, relações de trabalho precárias e
descartáveis e captura das externalidades positivas de rede (como os conhecimentos

Tecnologias disruptivas e a exploração do trabalho humano: a intermediação de mão de obra a partir das
plataformas eletrônicas e seus efeitos jurídicos e sociais. São Paulo: LTr, 2017, p. 164.
595
REIS, Daniela Muradas; CORASSA, Eugênio Delmaestro. op. cit., p. 164.
596
Id. Ibid., p. 164-165.
597
CHAVES JUNIOR, José Eduardo de Resende; MENDES, Marcus Menezes Barberino; OLIVEIRA, Murilo
Carvalho Sampaio. Subordinação, dependência e alienidade no trânsito para o capitalismo tecnológico. In:
LEME, Ana Carolina Paes; RODRIGUES, Bruno Alves; CHAVES JÚNIOR, José Eduardo de Resende
(Coords.). Tecnologias disruptivas e a exploração do trabalho humano: a intermediação de mão de obra a
partir das plataformas eletrônicas e seus efeitos jurídicos e sociais. São Paulo: LTr, 2017, p. 170-172.
222

produzidos pelas coletividades). A alienidade reticular é a expressão jurídica do controle da


mão de obra598.
Os autores definem a alienidade reticular como um modo originário de aquisição de
propriedade por um ser distinto daquele que trabalha em um contexto de produção em rede.
Deve-se enfocar a condição de trabalho por conta alheia para se caracterizar o vínculo de
emprego quando há produção flexível em que organizações elásticas têm a capacidade de
operar em um cenário produtivo fragmentado sem qualquer prejuízo. Nesse sentido,
considerando que o capitalismo de plataforma exacerba as características da organização da
produção em rede, entende-se que a identificação da relação de emprego não deve ter como
norte a subordinação, mas a alienidade reticular599.
Contudo, há críticas à adoção do viés expansionista da subordinação para o trabalho
no capitalismo de plataforma. Antonio Rodrigues Freitas Junior e Victor Raduan da Silva
afirmam que é possível a interpretação do conceito de emprego – e consequentemente da
subordinação – para atividades que tiveram suas características alteradas ao longo do tempo,
especialmente pelo uso da flexibilização. Entretanto, isso seria inadequado para relações de
trabalho que operam a partir de uma lógica distinta, como ocorre no capitalismo de
plataforma600.

3.1.1.2.1. Uber
O estudo e a análise da subordinação na relação de trabalho entre motoristas e a Uber
têm suscitado distintos posicionamentos, tanto na doutrina como na jurisprudência
trabalhista. A dinâmica do trabalho, que não é a corriqueira no cotidiano laboral, contribui
para que a verificação do controle dos trabalhadores esteja em construção.
Guy Davidov trata da relação de trabalho entre os motoristas e a Uber pela
perspectiva da abordagem teleológica do Direito do Trabalho, em que problemas que não
podem ser resolvidos pela interpretação jurídica e demandam alterações legislativas são
expostos. Novas formas de trabalho, como as que emergem no capitalismo de plataforma,
não devem ser analisadas a partir da comparação com as formas tradicionais, mas sob a

598
CHAVES JUNIOR, José Eduardo de Resende; MENDES, Marcus Menezes Barberino; OLIVEIRA, Murilo
Carvalho Sampaio. op. cit., p. 172-173.
599
Id. Ibid., p. 174-175.
600
FREITAS JUNIOR, Antonio Rodrigues; SILVA, Victor Raduan. The uberization of work and the legal
regulation: the challenge of labor protection in semi-peripheral economies. Sept. 2017. Disponível em:
<http://www.labourlawresearch.net/sites/default/files/papers/FINAL%20LLRN3-1.02-Freitas-Junior-
Silva%20copy.pdf>. Acesso em 6 out. 2017. O autor se refere à economia criativa e economia de bico (gig
economy) para o que denominamos como capitalismo de plataforma.
223

perspectiva da necessidade de aplicação do Direito do Trabalho e levando em conta os seus


objetivos. O autor coloca que a definição de quem é empregado deve considerar
subordinação e dependência e a caracterização da relação de emprego deve ocorrer por meio
de um balanceamento entre as duas figuras: quanto mais se identifique a dependência do
empregado em face de uma empresa, menos haverá necessidade de demonstrar a
subordinação e vice-versa. Ainda, mesmo nos casos em que não exista subordinação, mas
se identifique dependência, é possível classificar os trabalhadores em uma categoria
intermediária e prever determinados direitos601.
O autor entende que os motoristas da Uber são empregados. Ao analisar a
subordinação, aponta que: (i) a tecnologia e o sistema de avaliação permitem que os
trabalhadores tenham o seu desempenho monitorado; (ii) existem regras da plataforma sobre
como prestar o serviço para os clientes; (iii) os motoristas prestam serviço da Uber para os
clientes da plataforma e em benefício da Uber, o que indica a integração dos trabalhadores
na organização da empresa; (iv) há um espaço para os motoristas determinarem o seu horário
de trabalho. Ainda que o último aspecto seja relevante, não é suficiente para afastar a
caracterização da subordinação602.
Em relação à dependência, o autor afirma que: (i) a plataforma estabelece o valor da
corrida e a remuneração do motorista de forma unilateral; (ii) os trabalhadores conseguem
modular os seus ganhos somente pela quantidade de horas trabalhadas; (iii) os motoristas
não têm controle das decisões sobre o modelo de negócios; (iv) o carro é propriedade do
trabalhador; e (v) há trabalhadores que dirigem em tempo integral e em tempo parcial.
Considerando todos os elementos, há fortes sinais de dependência econômica dos
motoristas603.
Keith Cunningham-Parmeter, ao estudar as dimensões do controle na relação de
trabalho na Uber, entende que é possível caracterizar o vínculo de emprego conforme cada
caso. O conteúdo do controle é influenciado pelos métodos de supervisão que não exigem a
presença de um preposto da empresa acompanhando o desenvolvimento do trabalho, como
os sistemas de avaliação, o que facilita a verificação do cumprimento dos termos de uso da
plataforma. O fluxo decisório ocorre de duas formas: é unidirecional quando a Uber fixa o
valor da remuneração e fiscaliza o desempenho dos motoristas e é bidirecional quando os
trabalhadores decidem onde e quando dirigirão. Finalmente, as obrigações decorrentes do

601
DAVIDOV, Guy. The status of Uber drivers: a purposive approach. Spanish Labour Law and Employment
Relations Journal, v. 6, n. 1-2, p. 9-11, Nov. 2017.
602
Id. Ibid., p. 11-12.
603
Id. Ibid., p. 13-14.
224

controle surgem conforme a quantidade de tempo que os motoristas se dedicam ao trabalho


para a plataforma. Portanto, depreende-se que a relação de emprego se configura de acordo
com o número de horas que o trabalhador dirige para a Uber604.
Jennifer Pinsof afirma que as características do trabalho dos motoristas da Uber
apontam para a existência de relação de emprego, o que ocorre pelo controle das atividades
dos trabalhadores. Em relação à supervisão, além da imposição de padrões de conduta e do
sistema de avaliações, a autora destaca que a plataforma pode realizar dispensas sem justa
causa, o que geralmente é feito quando o motorista tem notas abaixo do que a Uber
estabelece como critério para permanência, e fixa o método de pagamento dos trabalhadores.
Além disso, o fato de tratar-se de uma plataforma de transporte e do negócio não ser viável
sem o trabalho dos motoristas, demonstra como os motoristas estão integrados na estrutura
da empresa. Finalmente, menciona que apesar dos trabalhadores serem proprietários de seus
veículos, a plataforma estabelece os requisitos dos carros que os motoristas podem usar e os
auxilia no financiamento ou locação de veículos605.
Rodrigo de Lacerda Carelli afirma que a Uber se enquadra na organização do
trabalho por comandos. A aliança neofeudal identifica-se na suposta relação de parceria, em
que os motoristas teriam liberdade para determinar os seus horários de trabalho, mas que
isso é negado na medida em que há a obrigação de cumprir objetivos traçados pela Uber.
Aqui, teríamos a autonomia na subordinação606.
O controle dos trabalhadores ocorre por meio do algoritmo da plataforma, que os
aloca conforme a demanda, por meio do preço dinâmico, e fixa o preço das corridas. Esse
último aspecto é relevante, dado que permite o controle do mercado e do tempo de trabalho
pelo preço, fazendo os motoristas terem de trabalhar muitas horas para terem obterem
remuneração necessária para sobrevivência607.
O controle por meio do sistema de premiações e sanções expressa-se, na Uber, de
duas formas: (i) oferecendo incentivos financeiros para os trabalhadores dirigirem em
momentos de maior demanda, como o preço dinâmico e quando estabelecem bônus para
quem trabalhar em dias que a plataforma prevê maior quantidade de pedidos por corridas;
(ii) utilizando as notas dadas pelos passageiros, cujo critério é a propaganda que a Uber faz

604
CUNNINGHAM-PARMETER, Keith. op. cit., p. 1717-1723.
605
PINSOF, Jennifer. A New Take on an Old Problem: Employee Misclassification in the Modern Gig-
Economy Notes. Michigan Telecommunications and Technology Law Review, v. 22, p. 355-364, 2016.
606
CARELLI, Rodrigo de Lacerda. op. cit., p. 142.
607
Id. Ibid, p. 142-143.
225

do serviço que comercializa, para avaliar o trabalho dos motoristas e suspender ou excluir
aqueles cujo desempenho fica abaixo do mínimo esperado pela plataforma608.
O autor entende que o controle por programação adotado pela Uber é possível de ser
tratado pelo Direito do Trabalho brasileiro. Os arts. 2º e 3º da CLT não falam que o
trabalhador deve receber ordens ou da subordinação clássica. O que a CLT aponta é a direção
do trabalho e a realização do trabalho “sob dependência” do empregador, o que se identifica
no controle por programação. Ainda, reforça essa posição a equiparação dos meios
telemáticos e informatizados de comando, controle e supervisão, para fins de subordinação
jurídica, aos meios pessoais e diretos de comando, controle e supervisão de trabalho alheio,
previsto no parágrafo único do art. 6º da CLT609.
José Carlos de Carvalho Baboin analisa a subordinação dos motoristas da Uber tendo
em visa as três dimensões do fenômeno já abordadas. O primeiro aspecto identificado da
subordinação é a forma de comportamento dos trabalhadores quando estão realizando as
corridas, como as características do vestuário, ofertar água e balas para os passageiros,
envidar esforços para que a viagem seja a melhor possível, vedar a realização de propagandas
nos carros e de combinar viagens com os passageiros fora do aplicativo, bem como proibir
a instalação de câmeras nos veículos610.
Outros elementos que apontam para a subordinação são: (i) a forma de remuneração
é determinada pela empresa, num quadro em que o motorista não tem qualquer possibilidade
de influir no valor do preço da corrida, e o pagamento é feito semanalmente; (ii) a Uber
exclui motoristas da plataforma quando recebem notas baixas dos passageiros, sendo que a
avaliação é feita a partir de parâmetros estabelecidos pela empresa; (iii) a plataforma
gerencia os conflitos que existem entre clientes e trabalhadores; (iv) a falta de controle do
horário de trabalho dos motoristas é atenuada pelo fato da jornada ser imposta pela realidade
social, especialmente daqueles que são economicamente dependentes; (v) há gerenciamento
da mão de obra por meio do algoritmo, especialmente pelo preço dinâmico611.
O autor defende ser possível identificar as três dimensões da subordinação no
trabalho dos motoristas na Uber:
Seja porque recebe inúmeras ordens e é controlado em sua prestação
laboral, nos termos da visão clássica, seja porque está inerentemente
integrado nas atividades elementares da empresa, conforme a teoria

608
CARELLI, Rodrigo de Lacerda. op. cit., p. 143-144.
609
Id. Ibid., p. 144-145.
610
BABOIN, José Carlos de Carvalho. op. cit., p. 338.
611
Id. Ibid., p. 338-342.
226

objetiva, ou ainda, nos termos da teoria estrutural, por estar inserido na


dinâmica estrutural da Uber612.
Recentemente, o Poder Judiciário Trabalhista passou a ser demandado para analisar
o status dos motoristas da Uber no Brasil. Até julho de 2018, foram identificadas 137
reclamações trabalhistas requerendo o reconhecimento do vínculo empregatício em todo o
país. Destas, 42 tiveram sentença proferida, sendo que 38 foram improcedentes e 4,
procedentes, nos Tribunais Regionais do Trabalho (TRT) da 1ª, 2ª e 3ª Região. No âmbito
dos TRTs, foram proferidos 17 acórdãos, em que somente um foi favorável ao trabalhador,
no TRT da 2ª Região613.
As decisões judiciais que entenderam existir subordinação retomam argumentos
apresentados pelos autores mencionados acima e apontaram que: (i) há subordinação
clássica, dado que o trabalhador é submetido a controles contínuos e a ordens na execução
de suas tarefas, deve observar os regramentos sobre o comportamento e sujeitar-se ao
sistema de avaliação dos motoristas, além de ter que aceitar um elevado número de corridas
quando está conectado ao aplicativo, sob pena de suspensão; (ii) há subordinação objetiva,
uma vez que o motorista realiza os objetivos sociais da empresa; (iii) há subordinação
estrutural, uma vez que o trabalhador é inserido na organização, estrutura e dinâmica da
plataforma, caso contrário teria poder de negociar para dispor diretamente com os
passageiros quanto às condições do serviço; (iv) o empreendimento é da plataforma, que
estabelece o valor das corridas, e não do trabalhador; (v) o fato da Uber não determinar os
horários de trabalho não ocupa tanta relevância, na medida em que existe participação
integrativa do trabalhador na atividade da empresa614.
Por outro lado, as decisões que não identificaram subordinação, destacaram que: (i)
as regras de atendimento aos clientes não passam de meras sugestões; (ii) o trabalhador pode
decidir quando dirige e não existe fiscalização da sua atividade; (iii) o procedimento
determinado para a execução do trabalho tem o objetivo de evitar a prática de irregularidades
pelos motoristas, não existindo poder diretivo e não havendo a emissão de ordens diretas;

612
BABOIN, José Carlos de Carvalho. op. cit., p. 342.
613
LEME, Ana Carolina Reis Paes. Da máquina à nuvem: caminhos para o acesso à justiça pela via de direitos
dos motoristas da Uber. 2018. 157f. Dissertação (Mestrado em Direito) – Faculdade de Direito,
Universidade Federal de Minas Gerais, 2018, p. 90-91. Apesar da predominância de decisões improcedentes
que requisitaram o reconhecimento de vínculo empregatício, a autora aponta que no TRT da 3ª Região, a
plataforma adotou a estratégia de celebrar acordos judiciais em reclamações individuais em que se
considerava que o juiz ou o desembargador teria propensão a acolher a tese do empregado e deferir o pedido
de vínculo de emprego (Id. Ibid., p. 102-104).
614
Para a apresentação dos argumentos utilizados em decisões que identificaram a subordinação dos
trabalhadores, foram analisadas as sentenças dos processos 0011359-34.2016.5.03.0112, 1001492-
33.2016.5.02.0013, 1000123-89.2017.5.02.0038 e 0100351-05.2017.5.01.0075.
227

(iv) o motorista assume os riscos do negócio, dado que todos os custos exigidos pela
prestação do serviço são de sua responsabilidade; (v) a precificação das corridas pela Uber
não é indício de relação de emprego, dado que isso também ocorre em outros contratos,
como na representação comercial; e (vi) a Uber é uma plataforma que conecta os passageiros
aos motoristas cadastrados no aplicativo615.
O Ministério Público do Trabalho (MPT), por meio do Grupo de Estudos “Uber” da
Coordenadoria Nacional de Combate às Fraudes na Relação de Trabalho (CONAFRET),
elaborou estudo sobre as relações de trabalho na plataforma que dá nome ao Grupo, com o
objetivo de oferecer subsídios às investigações que analisavam a existência de vínculo
empregatício dos motoristas com a Uber. O MPT adota posicionamento na linha exposta por
Rodrigo de Lacerda Carelli, em que há um controle por programação (ou por comandos ou
por algoritmo), em que se passa da ficção do trabalhador-mercadoria dos trinta anos
gloriosos para a ficção do trabalhador-livre do capitalismo de plataforma616.
O MPT aponta que na Uber se identifica a mudança da forma, mas não da natureza
das relações de trabalho:
de um lado as pessoas, travestidas em realidades intersubjetivas
denominadas empresas, que detêm capital para investir na produção e
serviços e b) do outro lado os demais indivíduos que têm somente o
trabalho a ser utilizado e apropriado por essas realidades intersubjetivas
para a realização de sua atividade econômica. A exploração dos segundos
pelos primeiros continua a mesma617.
Segundo o entendimento do MPT, assim como Rodrigo de Lacerda Carelli, o ordenamento
jurídico trabalhista tem instrumental para lidar com gerenciamento da mão de obra da Uber
pelo controle por programação por meio dos arts. 2º, 3º e 6º da CLT618.

3.1.1.2.2. Amazon Mechanical Turk


A análise da relação entre a Amazon Mechanical Turk e os trabalhadores que atuam
na plataforma é menos desenvolvida que no caso da Uber. Existem alguns estudos
doutrinários sobre o tema, mas não foram identificadas decisões do Poder Judiciário.

615
Para a apresentação dos argumentos utilizados em decisões que não identificaram a subordinação dos
trabalhadores, foram analisadas as sentenças e acórdãos dos processos 0011359-34.2016.5.03.0112,
0001995-46.2016.5.10.0111, 0010729-56.2017.5.03.0010, 1001574-25.2016.5.02.0026, 1000123-
89.2017.5.02.00380 e 0011863-62.2016.5.03.0137.
616
MINISTÉRIO PÚBLICO DO TRABALHO. Relatório conclusivo: Grupo de Estudos “GE Uber”. Brasília:
MPT, 2017, p. 23.
617
Id. Ibid., p. 23-24.
618
Id. Ibid., p. 28-31.
228

Alex Felstiner afirma ser possível identificar sete aspectos em que a Mechanical Turk
controla as atividades dos trabalhadores. Primeiramente, a plataforma estabelece as cláusulas
do acordo de participação unilateralmente e, em uma delas, fixa uma condição de trabalho
central: a possibilidade de o tomador de serviços rejeitar o trabalho enviado pelo trabalhador
e ficar com o seu produto, sem qualquer compensação. Em segundo lugar, é permitida a
execução e emissão dos trabalhos somente na Mechanical Turk, o que aponta que a
plataforma quer ser o local exclusivo da troca comercial, não sendo admitida a contratação
fora da AMT. Em terceiro lugar, a Mechanical Turk exige que os trabalhadores abram mão
da propriedade intelectual de todas as tarefas feitas na plataforma619.
Em quarto lugar, a AMT veda que os trabalhadores utilizem outros meios ou pessoas
além de suas próprias capacidades para realizarem as atividades assumidas perante os
tomadores de serviços. Em quinto lugar, o acordo de participação prevê a não extensão de
benefícios que a Amazon ou os tomadores de serviço proveem aos seus empregados para os
trabalhadores da AMT e isso cria obstáculos para que esses possam negociar melhorias na
remuneração com os contratantes. Em sexto lugar, a AMT impõe cláusula de arbitragem
obrigatória e impossibilidade de arbitrar casos coletivos que se relacionem com questões do
acordo de participação. Por fim, a Mechanical Turk detém o poder de excluir o trabalhador
da plataforma620.
Em relação à supervisão do trabalho, o autor entende que a AMT possui vários
instrumentos que permitem o acompanhamento das atividades desempenhadas pelos
trabalhadores, como o histórico de tarefas aceitas e rejeitadas, o que serve como parâmetro
para os tomadores de serviços. Nesse sentido, a supervisão é realizada não pela plataforma,
mas pelos contratantes621.
No tocante à permanência na plataforma, aponta-se que apesar das relações entre os
tomadores e os prestadores de serviços serem geralmente esporádicas e de curto prazo, a
relação entre a Mechanical Turk e os trabalhadores tende a ser mais extensa, com início
assim que ocorre a aceitação dos termos e condições de uso. O trabalhador depende mais da
Amazon do que de qualquer tomador, dado que é a AMT que mantém e promove a
plataforma, além de viabilizar o trabalho e o seu pagamento622.
Sobre as tarifas e o método de pagamento, o autor destaca que o valor das tarefas é
estabelecido pelo tomador de serviços e a Mechanical Turk somente fixa o preço mínimo.

619
FELSTINER, Alex. op. cit., p. 191-192.
620
Id. Ibid., p. 192-194.
621
Id. Ibid., p. 194.
622
Id. Ibid., p. 195.
229

Contudo, a Amazon controla o processo de remuneração, tendo em vista que exige o


pagamento antecipado pelos tomadores das atividades solicitadas, além de reter os valores
até que a tarefa seja finalizada e aceita. Ainda, a plataforma estabelece que apenas os norte-
americanos e indianos recebam em espécie, sendo que os trabalhadores das demais
nacionalidades são pagos por meio de cupons da Amazon623.
Finalmente, o autor aponta que os trabalhadores são parte central do modelo de
negócios da Amazon, uma vez que a plataforma não seria comercialmente viável como
espaço de crowdsourcing se não tivesse uma grande quantidade de prestadores de serviços
cadastrados. O valor da AMT para o mercado reside na enorme disponibilidade de mão de
obra624.
Anna Ginès i Fabrellas identifica a existência de subordinação entre a Mechanical
Turk e os trabalhadores pelas seguintes razões: (i) os termos do acordo de participação são
impostos unilateralmente; (ii) as condições de pagamento são determinadas pela plataforma;
(iii) veda-se que os tomadores de serviço contratem os prestadores fora da AMT; (iv) os
trabalhadores são avaliados pelos clientes da plataforma, podendo ser excluídos de acordo
com o seu desempenho; (v) a Mechanical Turk torna disponível as tarefas para os
trabalhadores conforme o retrospecto laboral, o que influencia diretamente em suas
capacidades de obter ganhos625.
A autora ainda afirma que apesar de os trabalhadores terem liberdade para determinar
quando e quanto trabalharão, adotarem meios próprios para realizar as atividades e auferirem
valores proporcionais às tarefas feitas, eles não dispõem de uma organização empresarial
autônoma e própria e estão sujeitos ao controle e direção da AMT, dado que a plataforma
precisa conferir um mínimo de uniformidade para o serviço que oferta626.

3.1.2. Trabalho autônomo


O trabalho autônomo é geralmente apontado como a antítese do trabalho subordinado
e, portanto, da relação de emprego. Trata-se de relação em que os laços entre o tomador de
serviços e o trabalhador são mais fracos. É um modo de prestação do trabalho com origens

623
FELSTINER, Alex. op. cit., p. 195-196.
624
Id. Ibid., p. 196.
625
FABRELLAS, Anna Ginès i. Crowdsourcing sites y nuevas formas de trabajo: el caso de Amazon
Mechanical Turk. Revista Derecho y Empresa, n. 6, p. 83, Dez. 2016.
626
Id. Ibid., p. 83.
230

no direito romano e que foi se desenvolvendo ao longo da história, adaptando-se aos modos
de produção predominantes em cada época627.
No Brasil, o trabalho autônomo é regulado pelo Código Civil, nos arts. 593 a 609. O
tratamento da matéria não é minucioso. O art. 593 limita-se a dizer que “a prestação de
serviço, que não estiver sujeita às leis trabalhistas ou a lei especial, reger-se-á pelas
disposições deste Capítulo”. Ou seja, o Código Civil define o escopo do trabalho autônomo
a partir de tudo o que não for relação de emprego ou forma de trabalho regulada por
legislação especial. As demais disposições do Código Civil tratam do objeto da contratação,
forma contratual e de remuneração, tempo de duração e meios e consequências da extinção
do contrato.
O art. 442-B da CLT, introduzido pela Lei n. 13.467/17, estabelece que “a
contratação do autônomo, cumpridas por este todas as formalidades legais, com ou sem
exclusividade, de forma contínua ou não, afasta a qualidade de empregado prevista no art.
3º desta Consolidação”.
A Lei n. 8.213/91, ao estabelecer os segurados obrigatórios da Previdência Social,
oferece uma definição legal de trabalhador autônomo quando trata de “quem presta serviço
de natureza urbana ou rural, em caráter eventual, a uma ou mais pessoas, sem relação de
emprego” (art. 11, V, g) e “a pessoa física que exerce, por conta própria, atividade econômica
de natureza urbana, com fins lucrativos ou não” (art. 11, V, h). Um rol exemplificativo de
trabalhadores autônomos está no art. 9º, V do Decreto n. 3.048/99628.
O trabalho autônomo é o desenvolvido por pessoa que realiza tarefa por conta própria,
estabelece a si mesma as condições de trabalho e assume os riscos da atividade. O trabalho
é realizado de forma independente e viabilizado por uma estrutura empresarial gerenciada
pelo prestador de serviço. Nelson Mannrich aponta como características do trabalhador
autônomo: (i) pessoalidade; (ii) autonomia; (iii) exercício de atividade econômica; (iv)
habitualidade; (v) estrutura empresarial; (vi) independência econômica e técnica, ainda que
relativas. O autor identifica algumas atividades em que se contrata autônomos com maior
frequência: as que demandam conhecimento específico para executá-las, as que servem para
adaptação conjuntural de empresas para incrementar a competitividade, as que exigem
especialidade em tecnologia da informação e comunicação, as centradas no trabalho
intelectual e as que envolvem terceirização629.

627
SILVA, Otavio Pinto e. Subordinação, autonomia e parassubordinação nas relações de trabalho. São
Paulo: LTr, 2004, p. 41-42.
628
Id. Ibid., p. 50.
629
MANNRICH, Nelson. op. cit., p. 235.
231

Otavio Pinto e Silva afirma que o conceito de trabalho autônomo pode ser explicado
conforme o aspecto que se queira ressaltar. No tocante ao trabalho por conta própria, o
destaque recai no fato de os rendimentos da atividade realizada ficarem somente para o
trabalhador. Sobre a assunção do risco, ressalta-se que o trabalhador aufere os lucros ou
assume os prejuízos conforme o sucesso ou fracasso da atividade, o que também é uma
característica do conceito legal de empregador. Em relação ao modo de execução do trabalho,
verifica-se que o autônomo define como e quando a tarefa será realizada e o seu preço,
inexistindo fiscalização do tomador dos serviços630.
O autor ainda menciona que há tentativas de explicar o trabalho autônomo pela
finalidade da prestação dos serviços, pelo resultado do trabalho e pela propriedade dos
instrumentos de trabalho. Contudo, todas são insuficientes para tratar desta categoria. No
primeiro caso, a distinção entre obrigação de meio e obrigação de resultado para se associar
essa ao trabalho autônomo é insuficiente, dado que há situações em que se contrata
trabalhador para o desempenho de uma tarefa com qualidade, na qual o resultado tem
importância secundária. No segundo, a associação exclusiva entre resultado imediato e
trabalho autônomo não representa adequadamente o que se passa no cotidiano, sendo um
critério impreciso. No terceiro, apesar de se constatar que grande parte dos autônomos são
proprietários dos instrumentos necessários para a prestação do serviço, isso não é
característica exclusiva desses trabalhadores, uma vez ser possível que os empregados
utilizem suas próprias ferramentas, máquinas ou equipamentos para execução de suas
tarefas631.
Finalmente, destacamos que o art. 442-B da CLT insinua ser possível a contratação
do trabalho autônomo que seja exclusivo e contínuo. A leitura do artigo sugere a tentativa
de, por meio de lei, afastar o reconhecimento do vínculo empregatício entre o tomador de
serviços e o trabalhador contratado como autônomo.
A iniciativa não é criativa: o mesmo ocorreu com a inserção do parágrafo único do
art. 442 da CLT pela Lei n. 8.949/94 e a tentativa de inviabilizar o vínculo empregatício
entre a cooperativa e o cooperado. Nesse caso, os tribunais trabalhistas continuaram
declarando o vínculo empregatício entre o trabalhador e a cooperativa quando presentes os
elementos fático-jurídicos nos arts. 2º e 3º da CLT. Não há motivo para se comportar de
forma distinta diante da introdução do art. 442-B na CLT632.

630
SILVA, Otavio Pinto e. op. cit., p. 43-49.
631
Id. Ibid., p. 45-48.
632
DELGADO, Maurício Godinho; DELGADO, Gabriela Neves. A reforma trabalhista no Brasil: com os
comentários à Lei n. 13.467/2017. 2ª ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: LTr, 2018, p. 158-161.
232

Além disso, é importante pontuar que a exclusividade não é critério para a


caracterização da relação de emprego, assim como a continuidade – que, como já apontado,
é conceito distinto da não habitualidade. As formalidades legais a que o art. 442-B da CLT
faz referência são as dispostas entre os arts. 593 a 609 do Código Civil, que tratam da matéria.

3.1.2.1. A autonomia e a liberdade do trabalhador no capitalismo de plataforma


A identificação de trabalho autônomo na relação entre as plataformas digitais e os
trabalhadores varia conforme a relevância dada ao papel do algoritmo e da programação da
atividade, assim como às possibilidades de autodeterminação do horário de trabalho. A
maioria das plataformas digitais classifica os seus trabalhadores como autônomos,
enfatizando que as tarefas são realizadas conforme a conveniência dos prestadores de
serviços.
No caso da Uber, os principais elementos colocados para justificar a prevalência da
autonomia nessa relação são a liberdade de como, quando e quanto os motoristas dirigirão,
o que inviabilizaria a caracterização do trabalho subordinado, e a assunção dos riscos da
atividade econômica, o que apontaria para a capacidade do trabalhador gerenciar suas tarefas
e, a partir do resultado, auferir lucros ou sofrer prejuízos633.
No tocante ao primeiro aspecto, o poder de o motorista estabelecer o seu próprio
horário de trabalho é usado como atrativo para atrair trabalhadores para a plataforma.
Quando se enumeram as vantagens de trabalhar com a Uber, um dos principais é “defina seu
próprio horário: ganhe dinheiro no seu tempo e dirija quando quiser”634. Ao explicar o serviço
oferecido pela plataforma e como o motorista trabalha, afirma que “quando ele quer dirigir,
tudo o que ele precisa fazer é ligar o app. Não existe tempo mínimo diário, semanal ou
mensal para que o motorista parceiro use a plataforma. Ele tem total flexibilidade para
trabalhar como, quando e onde quiser”635.
Dario Rabay e Aldo Augusto Martinez Neto afirmam que a liberdade do motorista
fixar os seus próprios horários de trabalho é a antítese da subordinação. Ressaltam que a
atividade é semelhante à do taxista e que os tribunais trabalhistas pacificaram o
entendimento de que a relação entre o motorista e a empresa de rádio táxi é de trabalho

633
RABAY, Dario; MARTINEZ NETO, Aldo Augusto. Motoristas do Uber: empregados ou autônomos? O
Estado de São Paulo, São Paulo, 22 out. 2015. Disponível em: <https://politica.estadao.com.br/blogs/fausto-
macedo/motoristas-do-uber-empregados-ou-autonomos>. Acesso em 31 out. 2018.
634
UBER. Oportunidades em todo o lugar. Disponível em: <https://www.uber.com/br/pt-br/drive>. Acesso em
02 nov. 2018.
635
Id. Fatos e dados sobre a Uber. cit.
233

autônomo. Sendo assim, “a mudança da ferramenta de captação de clientes não pode alterar
a natureza de uma relação jurídica que já nasce autônoma”636.
Em relação à assunção dos riscos da atividade, os autores afirmam que o motorista é
responsável por comprar ou alugar o carro que dirige e por arcar com os custos relativos à
operação do veículo, como combustível, impostos, manutenção, dentre outros. Soma-se a
isso o fato de que os ganhos são definidos conforme os dias e horários que o trabalhador
decide dirigir, o que também é apontado pela Uber637.
Ambos os argumentos foram recepcionados por parte do Poder Judiciário Trabalhista
no Brasil, como se pode ver nos principais elementos levados em consideração para que não
fosse identificada a subordinação em reclamações trabalhistas julgadas improcedentes.
Cabe ainda mencionar que a Lei n. 12.587/12, recentemente modificada pela Lei n.
13.640/18, que regulamenta o transporte individual de passageiros, prevê no art. 11-A, §
único, III que
na regulamentação e fiscalização do serviço de transporte privado
individual de passageiros, os Municípios e o Distrito Federal deverão
observar as seguintes diretrizes, tendo em vista a eficiência, a eficácia, a
segurança e a efetividade na prestação do serviço: a exigência de inscrição
do motorista como contribuinte individual do Instituto Nacional do Seguro
Social (INSS), nos termos da alínea h do inciso V do art. 11 da Lei n. 8.213,
de 24 de julho de 1991.
No referido dispositivo mencionado pelo art. 11-A, § único, III da Lei n. 12.587/12, há
menção à “pessoa física que exerce, por conta própria, atividade econômica de natureza
urbana, com fins lucrativos ou não”. Ou seja, percebe-se que a Lei n. 12.587/12 trata o
motorista das plataformas como trabalhador autônomo e tenta afastar o elemento fático-
jurídico da subordinação dessa relação638.
A Amazon Mechanical Turk ressalta que as atividades disponíveis na plataforma são
para que os trabalhadores possam ganhar dinheiro em seu tempo livre. Desta forma, a
decisão sobre como, quando e quanto se dedicarão às tarefas na MTurk, e consequentemente
os valores que irão auferir, está sujeita à conveniência de cada um 639. Portanto, nota-se que

636
RABAY, Dario; MARTINEZ NETO, Aldo Augusto. op. cit.
637
Id. Ibid.
638
MIAZARA, Raphael. A Lei n. 13.640/18 e o vínculo empregatício dos motoristas em plataformas digitais.
Os Trabalhistas, Teresina, 07 nov. 2018. Disponível em: <http://ostrabalhistas.com.br/pela-lei-no-13-
6402018-motorista-do-uber-e-afins-nao-e-empregado-sera>. Acesso em: 08 nov. 2018.
639
AMAZON MECHANICAL TURK. Worker. Disponível em: <https://www.mturk.com/worker>. Acesso
em: 02 nov. 2018.
234

os mesmos argumentos utilizados pela Uber – liberdade de determinar o horário e assunção


dos riscos – são usados pela Amazon Mechanical Turk para justificar a classificação do
trabalho como autônomo.
Por fim, destaca-se que as duas plataformas – Uber e AMT – colocam, em seus
termos de condições de uso, que os seus trabalhadores são autônomos, como mencionado no
capítulo 2.

3.2. Novas formas de regulação


A dicotomia do trabalho em emprego e autonomia é objeto de crítica no Direito do
Trabalho há décadas e a emergência de novas formas de trabalho no capitalismo de
plataforma reforçou e reascendeu o debate acerca da necessidade de novas regulações do
mercado de trabalho. Um juiz norte-americano, ao analisar um processo que envolvia o
pedido de reconhecimento de vínculo empregatício entre um motorista e a plataforma de
transporte Lyft, que opera de forma semelhante à Uber, afirmou que “nesse caso, ao júri será
entregue um prego quadrado e será pedido que escolha entre dois buracos redondos”640.
Antonio Rodrigues Freitas Junior e Victor Raduan da Silva reconhecem a assimetria
de poderes entre os trabalhadores e as plataformas e, considerando as diferenças dessas
relações com o paradigma tradicional do emprego – especialmente em relação à frequência
no trabalho, forma e valor da remuneração, tempo de trabalho e de descanso e alocação do
risco da atividade e propriedade dos instrumentos de trabalho –, indicam a necessidade do
desenvolvimento de novas formas de proteção trabalhista641.
As dificuldades em classificar os trabalhadores no capitalismo de plataforma como
empregados ou autônomos motivou a elaboração de diversas propostas com o objetivo de
proteger os trabalhadores e oferecer condições de trabalho adequadas. As incongruências do
atual modelo apontadas para regular o trabalho variam. Destacam-se a existência de
características da subordinação e da autonomia nessas novas formas de trabalho, a
prevalência da dependência econômica – e não mais da subordinação – como elemento
característico da relação dos trabalhadores com as plataformas digitais, o desajustamento da
aplicação de um modelo concebido para a realidade dos séculos XIX e XX - apesar da
identificação da subordinação -, a necessidade de aumentar o escopo do Direito do Trabalho
e de tutelar outros tipos de trabalho além do subordinado e o fato da presente forma de

640
LEAGLE. Cotter v. Lyft, Inc. 2015. Disponível em:
<https://www.leagle.com/decision/infdco20150312a52>. Acesso em: 01 nov. 2018: “the jury in this case
will be handed a square peg and asked to choose betwen two round holes”.
641
FREITAS JUNIOR, Antonio Rodrigues; SILVA, Victor Raduan. op. cit., p. 24-25.
235

regulação ser datada, demandando a sua atualização com enfoque na atuação coletiva dos
trabalhadores.
Nesse sentido, analisaremos a seguir propostas com enfoque nas formas de trabalho
no capitalismo de plataforma: (i) criação de uma nova categoria para classificar os
trabalhadores; (ii) caracterização da relação de emprego a partir da dependência econômica;
(iii) reformulação do conceito de empregador; (iv) elaboração de um contrato de trabalho
adaptado ao trabalho sob demanda por meio de aplicativos e crowdwork; (v) ampliação
subjetiva do Direito do Trabalho; e (vi) instituição de regulação afinada com o vanguardismo
inclusivo.

3.2.1. Uma categoria intermediária para classificar os trabalhadores


A criação de uma categoria intermediária para regular o trabalho no capitalismo de
plataforma parte do pressuposto que o trabalho sob demanda por meio de aplicativos e o
crowdwork reúnem simultaneamente características do trabalho subordinado e do trabalho
autônomo, sendo que o modelo tudo ou nada prevalecente no Direito do Trabalho negaria
proteção aos trabalhadores, uma vez que faltariam alguns elementos fático-jurídicos para
classificá-los como empregados642.
A existência dessa zona intermediária é um dos motivos que levariam trabalhadores
a proporem ações judiciais requerendo o seu enquadramento jurídico adequado, dado que a
maioria das plataformas digitais os classifica como autônomos. Uma terceira categoria daria
segurança jurídica aos empregadores e um grau de proteção aos trabalhadores que inexiste
atualmente643.
Também se aponta que as empresas que operam no capitalismo de plataforma
deveriam ter um tratamento legal diferenciado, pois os modelos de negócios que lidam com
inovações tecnológicas não sobreviveriam em âmbitos com excesso de regulação. Desta
forma, uma categoria que previsse menos direitos aos trabalhadores daria margem para que
as plataformas digitais se desenvolvessem com maior facilidade. Esse argumento é
geralmente apresentado por empresas do Vale do Silício, nos Estados Unidos644.
Antes de analisar as propostas direcionadas para o capitalismo de plataforma, cabe
mencionar que não é nova a iniciativa de criar uma categoria intermediária para classificar

642
CHERRY, Miriam; ALOISI, Antonio. op. cit., p. 646-647.
643
Id. Ibid., p. 646.
644
Id. Ibid, p. 646-647.
236

trabalhadores. Há décadas países têm realizado reformas legislativas que introduzem uma
figura com notas de autonomia e dependência ou subordinação nos ordenamentos jurídicos.
No Canadá, alguns estados introduziram a figura do contratado dependente
(dependent contractor) em seus ordenamentos jurídicos, definindo-o a partir da prestação de
trabalho, em que há a obrigação de executar tarefas, mediante remuneração e existe
dependência econômica do trabalhador em face do tomador. As regulações sobre essa
categoria tratam de Direito Coletivo do Trabalho. No Reino Unido, há a figura do
trabalhador (worker), que é caracterizado pela prestação de trabalho de forma pessoal, em
que há contraprestação pecuniária, limitação para subcontratar a atividade e obrigação de
prestar e de dar trabalho no período contratual. Aplicam-se aos trabalhadores alguns direitos
dos empregados, como salário mínimo, limitação de jornada, proteção contra discriminação,
dentre outros. Contudo, não têm proteção contra dispensa arbitrária e indenização pelo
rompimento do contrato645. Nos casos analisados pelos tribunais trabalhistas britânicos sobre
o status dos motoristas da Uber, os trabalhadores foram classificados nessa categoria
intermediária. Segundo Valerio de Stefano, nas ações judiciais pede-se a classificação dos
motoristas como workers em razão do conceito de empregado ser muito rígido no Reino
Unido646.
Na Alemanha, criou-se a figura dos quase-empregados (arbeitnehmerähnliche
Person), em que o trabalhador deve prestar trabalho de forma pessoal em favor de um cliente
no escopo de um projeto específico. A atividade é realizada somente para um cliente, o qual
é responsável por pelo menos 50% da renda do trabalhador. Na Espanha, há o trabalhador
autônomo economicamente dependente (trabajador autónomo económicamente
dependiente), que desenvolve trabalho de forma pessoal, não pode subcontratar a tarefa,
assume o risco da atividade, tem os instrumentos necessários para executar o trabalho e
recebe pelo menos 75% da sua renda de um único tomador647.
Na Itália, há o trabalhador parassubordinado (lavoratore parasubordinato),
introduzido no ordenamento jurídico em 1973, em que a prestação de serviços é
caracterizada como uma atividade pessoal desempenhada de forma contínua e por meio de
colaboração coordenada. Ficaram conhecidos como co.co.co, ou colaboradores coordenados

645
CHERRY, Miriam; ALOISI, Antonio. op. cit., p. 651-656; DE STEFANO, Valerio. op. cit., p. 497.
646
DE STEFANO, op. cit., p. 497.
647
CHERRY, Miriam; ALOISI, Antonio. A critical examination of a third employment category for on-demand
work (in comparative perspective). In: DAVIDSON, Nestor; INFRANCA, John; FINCK, Michèle.
(Eds.). The Cambridge handbook of law and regulation of the sharing economy. New York: Cambridge
University Press, 2018, p. 326.
237

e contínuos. Inicialmente, as empresas contrataram parassubordinados para os casos típicos


de relação de emprego. Com o objetivo de desestimular a classificação incorreta dos
trabalhadores, na década de 2000 foram realizadas reformas legislativas para ampliar os
direitos dos parassubordinados. Em 2015, uma nova modificação legal foi feita, em que se
retomou a centralidade do trabalho subordinado, por meio da simplificação das regras e dos
tipos contratuais trabalhistas, expandindo conceito de emprego e restringindo a abrangência
do trabalho parassubordinado e dos direitos reconhecidos aos trabalhadores inseridos nesta
categoria648.
Adrián Goldin afirma que o movimento de criação da categoria intermediária decorre
da constatação de que quanto maior é a sujeição contratual, como a desigualdade entre as
partes, menos perceptível é a subordinação pessoal como elemento que define a relação entre
a empresa e o trabalhador. A iniciativa reconhece a insatisfação com a dicotomia
subordinação x autonomia e tem o objetivo de abranger situação de desigualdade contratual
em que não há proteção aos trabalhadores. Contudo, o autor destaca que a principal
dificuldade em definir a terceira categoria decorre do fato desse exercício demandar o
estabelecimento de distinções dentro do conceito de trabalhador autônomo, o que torna a
atividade intrincada considerando que os estudiosos do Direito do Trabalho não lidam
frequentemente com esse tema. Outra dificuldade advém de o conceito de trabalhador
autônomo geralmente ser elaborado de forma residual, identificado como tudo que não seja
o trabalho subordinado, fazendo com que as distinções entre a categoria intermediária e o
autônomo não sejam tão precisas649.
O debate sobre a criação de uma nova categoria para classificar os trabalhadores no
capitalismo de plataforma está mais desenvolvido nos Estados Unidos, dado que o trabalho
sob demanda por meio de aplicativos e o crowdwork tiveram suas primeiras aparições nesse
país e que o modelo trabalhista norte-americano é binário entre o empregado e o autônomo.
Megan Carboni sugeriu a introdução da categoria do contratado dependente, em que
o acerto entre trabalhador e empresa deveria ser registrado por escrito e as suas principais

648
CHERRY, Miriam; ALOISI, Antonio. “Dependent contractors” in the gig economy: a comparative approach.
cit., p. 656-667; DE STEFANO, Valerio, op. cit., p. 496-497; DEL CONTE, Maurizio; GRAMANO, Elena.
Looking to the other side of the bench: the new legal status of independent contractors under the Italian
legal system. Comparative labor law & policy journal, v. 39, n. 3, p. 625, 2018. Não é consensual o
entendimento que o parassubordinado é uma categoria intermediária. Antonio Aloisi afirma que se tratou
da disposição de algumas proteções para uma parte dos trabalhadores autônomos (ALOISI, Antonio.
Dispatch n. 13 – Italy – With great power comes virtual freedom: A review of the first Italian case holding
that (food-delivery) platform workers are not employees. Dezembro, 2018. Disponível em:
<https://cllpj.law.illinois.edu/dispatches>. Acesso em: 12 dez. 2018).
649
GOLDIN, Adrián. The subjective weakening of labour law. In: DAVIDOV, Guy; LANGILLE, Brian (Orgs.).
Boundaries and frontiers of labour law. Oxford: Hart, 2006, p. 123-124.
238

características são a posse ou propriedade dos instrumentos necessários para a execução da


tarefa para a qual foi contratado, a existência de algum grau de discricionariedade na
realização da atividade, ausência de controle direto e recebimento de valores conforme a
quantidade e qualidade do trabalho650.
A principal proposta foi elaborada por Seth Harris e Alan Krueger, tendo em vista
que pautou o debate, contrária e favoravelmente, no país. Parte-se da premissa de que os
trabalhadores que atuam nas plataformas digitais estão em uma área cinzenta. Por um lado,
não têm poder de negociação com as plataformas ou seus clientes, não são verdadeiros
empresários e não têm autonomia para estabelecer o valor da remuneração ou o conteúdo
dos termos de uso e serviço. Por outro, não há dependência, amplo controle ou permanência
na relação com as plataformas. O enquadramento dos trabalhadores em uma das categorias
existentes é insuficiente. Se autônomos, não se prevê qualquer proteção em uma relação na
qual a plataforma tem mais poder. Se empregados, ameaça o modelo de negócios das
plataformas e coloca em risco a situação dos trabalhadores que têm todas as características
da relação com vínculo empregatício. Nesse sentido, os autores propõem a criação do
trabalhador independente (independent worker)651.
Os trabalhadores independentes atuam em relações triangulares, cujo ponto central
são as plataformas digitais, por meio das quais os clientes solicitam a realização de
determinada atividade e os trabalhadores, ao identificarem a demanda, executam a tarefa. As
plataformas geralmente estabelecem parâmetros para admitir o ingresso de trabalhadores,
como a verificação de antecedentes criminais, e podem fixar regras relacionadas ao valor
das atividades. Não há controle sobre quando e como a atividade é feita e é o trabalhador
quem define a duração da relação652.
Seth Harris e Alan Krueger sugerem três princípios para orientar os benefícios e
proteções conferidas aos trabalhadores independentes. O primeiro é a impossibilidade de
mensurar as horas de trabalho, tendo em vista as situações em que os trabalhadores estão
conectados a mais de uma plataforma simultaneamente, em que podem estar em suas
residências e online em um aplicativo enquanto aguardam a oferta de uma atividade e a falta
de clareza em se apontar um determinado ente como responsável por contabilizar o horário

650
CARBONI, Megan. A new class of worker for the sharing economy. Richmond Journal of Law &
Technology, v. 22, n. 4, p. 39, 2016.
651
HARRIS, Seth; KRUEGER, Alan. op. cit., p. 6-9.
652
Id. Ibid., p. 9.
239

de trabalho. Dessa forma, não existiria justificativa em se prever direitos relacionados à


jornada de trabalho para os trabalhadores independentes653.
O segundo é a neutralidade do conceito de trabalhador independente, uma vez que
deve ser aplicado somente aos casos em que o trabalhador esteja em uma relação triangular,
dividindo poderes sobre a atividade com a plataforma. A utilização para desvirtuar a
classificação de empregados e, assim, obter vantagens indevidas pela sonegação de direitos
trabalhistas deve ser severamente reprimida pelo Estado, tanto por ser injusta com as
empresas que fazem o enquadramento corretamente, como por lesionar os trabalhadores.
Ainda, nos casos em que há similaridade entre empregados e trabalhadores independentes,
deve-se reconhecer os mesmos direitos, havendo a diferenciação apenas quando as
características são distintas654.
O terceiro é a eficiência, pois o enquadramento de um prestador de serviço como
trabalhador independente deve ocorrer para maximizar os ganhos para as partes envolvidas
nesse tipo contratual. A plataforma beneficia-se por contar com diversos trabalhadores sem
controlar a execução da atividade e sem ter os custos presentes na relação de emprego e os
trabalhadores têm a vantagem de obterem rendimentos a partir da realização de atividades
nos horários que escolhem655.
Os autores defendem que as reformas legais para a introdução da categoria do
trabalhador independente devem tratar de cinco questões principais. A primeira é o
reconhecimento do direito de organização coletiva, em que os trabalhadores poderiam
negociar coletivamente questões sensíveis da relação de trabalho, como o preço das
atividades. Esse tema ganha maior relevância nos Estados Unidos, tendo em vista que a
legislação permite que somente os empregados atuem coletivamente. A segunda é a
capacidade de partilhar, em que as plataformas se juntariam para oferecerem e
administrarem benefícios para trabalhadores que lhes prestassem serviços. A terceira é
proteção aos direitos civis, em que se estenderiam garantias antidiscriminatórias aos
trabalhadores independentes656.
A quarta é a retenção, pelas plataformas, de valores relativos ao pagamento de
imposto de renda e contribuições relativas à seguridade social – o que ocorre nos Estados
Unidos com os empregados –, para retirar o encargo dos trabalhadores terem de fazer o
recolhimento por conta própria e para melhorar a capacidade de arrecadação do Estado. A

653
HARRIS, Seth; KRUEGER, Alan. op. cit., p. 13.
654
Id. Ibid., p. 13-14.
655
Id. Ibid., p. 14.
656
Id. Ibid., p. 15-18.
240

quinta é a previsão de um seguro contra acidentes de trabalho, especialmente para lesões


sofridas pelos trabalhadores por negligência ou omissão das plataformas657.
Finalmente, ao apreciar o mérito econômico da proposta, os autores destacam (i) a
redução da insegurança jurídica, dado que as plataformas enquadrarão os trabalhadores com
respaldo legal, afastando a judicialização do tema; (ii) o aperfeiçoamento da eficiência
econômica, especialmente com a possibilidade de as plataformas concederem benefícios
conjuntamente aos trabalhadores; e (iii) fortalecimento do contrato social, uma vez que prevê
regulação adequada a uma nova realidade do mercado de trabalho658.
Orly Lobel afirma que a proposta de introduzir a categoria do trabalhador
independente no ordenamento jurídico é positiva por expressar a preocupação de garantir,
aos trabalhadores no capitalismo de plataforma, o direito de organização coletiva, o que é
essencial para avançarem em pautas que reputem importantes. Além das questões referidas
por Seth Harris e Alan Krueger como necessárias de serem asseguradas aos trabalhadores
independentes, o autor coloca a relevância de estender a eles as normas de segurança e saúde
no trabalho, para que a integridade física dos trabalhadores seja tutelada, não importando a
espécie de vínculo com a empresa659.
A necessidade da criação de categoria intermediária para classificar os trabalhadores
no capitalismo de plataforma não é unânime. Valerio de Stefano não é entusiasta da proposta,
apesar de identificar como positivas as motivações de tentar adequar a regulação do trabalho
às nuances entre o trabalho subordinado e o trabalho autônomo no capitalismo de plataforma.
A maior dificuldade é a incapacidade de a nova categoria dar conta das particularidades do
trabalho sob demanda por meio de aplicativos e do crowdwork e a classificação dos
trabalhadores tornar-se mais complexa. De acordo com o autor,
definições legais, entretanto, são sempre escorregadias quando aplicadas
na prática: o risco real é mudar a zona cinzenta para outro espaço sem
remover o risco de fraude e intensa litigância sobre o tema, especialmente
se os direitos atribuídos aos trabalhadores nessa categoria não oferecerem
qualquer proteção significativa660.

657
HARRIS, Seth; KRUEGER, Alan. op. cit., p. 18-20.
658
Id. Ibid., p. 25-26.
659
LOBEL, Orly. The gig economy & the future of employment and labor law. University of San Francisco
Law Review, v. 51, p. 64-69, 2017.
660
DE STEFANO, Valerio. op. cit., p. 495, tradução nossa de: “legal definitions, however, are always slippery
when they are applied in practice: the real risk is shifting the grey-zone somewhere else without removing
the risk of arbitrage and significant litigation in this respect, especially if the rights afforded to workers in
that category afford any meaningful protection”.
241

Valerio de Stefano aponta que a falta de controle direto e ostensivo das plataformas
sobre a execução do trabalho não justifica a criação de uma nova categoria. A análise da
subordinação dos trabalhadores não deve ser direcionada para a verificação de um
gerenciamento detalhado das suas atividades, como parte dos estudos sobre o capitalismo de
plataforma faz, mas para o papel atribuído à tecnologia adotada pela plataforma na
conformação das tarefas feitas pelos trabalhadores661.
Benjamin Sachs também não concorda com a proposta de Seth Harris e Alan Krueger.
Segundo o autor, para que uma terceira categoria seja criada, é preciso avaliar duas questões:
(i) se o modelo existente é incapaz de oferecer respostas às novas formas de trabalho; e (ii)
se a classificação dos trabalhadores como empregados inviabiliza o modelo de negócios das
plataformas digitais. A resposta encontrada para ambas não aponta para a necessidade de
uma categoria intermediária. Ainda, ressalta-se que a maior parte da análise que embasa a
criação da categoria do trabalhador independente é oriunda da realidade dos motoristas da
Uber662.
Em primeiro lugar, Benjamin Sachs assume essa premissa e destaca que as
características apontadas por Seth Harris e Alan Krueger para que os trabalhadores da Uber
não sejam classificados como empregados, como a inexistência de dependência em face de
um único empregador, o curto prazo das relações com as plataformas e o controle dos
horários e das estratégias para auferir ganhos, não são determinantes da relação de trabalho
a ponto de inviabilizar a identificação do vínculo empregatício. Pelo contrário, o autor
destaca que os seguintes elementos assumem protagonismo na relação de trabalho e,
consequentemente, indicam a existência de uma relação de emprego: (i) a plataforma
controla como o trabalho é executado; (ii) as tarefas desempenhadas pelos motoristas fazem
parte do negócio central da Uber; (iii) o investimento dos trabalhadores é sensivelmente
menor que da empresa quando se olha para a atividade econômica como um todo; (iv) os
trabalhadores não têm habilidades gerenciais para organizarem suas tarefas e
potencializarem os lucros; (v) suas atividades não demandam qualificação especifica; (vi) a
Uber controla o acesso dos motoristas à plataforma e determina o preço do trabalho663.
Sobre a impossibilidade de mensurar as horas de trabalho dos trabalhadores no
capitalismo de plataforma, e especificamente dos motoristas da Uber, Benjamin Sachs

661
DE STEFANO, Valerio. op. cit., p. 497-498.
662
SACHS, Benjamin. Do we need an “independent worker” category? OnLabor, Cambridge, 08 dez. 2015.
Disponivel em: <https://onlabor.org/do-we-need-an-independent-worker-category>. Acesso em: 31 jan.
2016.
663
Id. Ibid.
242

discorda do argumento. O autor afirma que as plataformas dispõem de ferramentas


tecnológicas que permitem acompanhar em tempo real as atividades realizadas. No caso dos
motoristas de plataformas de transporte, a solução para o trabalhador que atua com mais de
um aplicativo seria remunerar o trabalho a partir do momento em que aceita a corrida, uma
vez que se encontra a serviço da plataforma. A contabilização da jornada de trabalho desde
o momento em que o trabalhador acessa o aplicativo seria inadequada, tendo em vista que
permitiria o recebimento de valores sem a efetiva prestação de um serviço664.
Lawrence Mishel e Ross Eisenbrey também entendem que o capitalismo de
plataforma não demanda a criação de uma terceira categoria para classificar os trabalhadores.
Ao tratar da proposta de Seth Harris e Alan Krueger, os autores afirmam que os motoristas
da Uber são empregados e concentram a análise na impossibilidade de computar o horário
de trabalho. A plataforma monitora de maneira detalhada o número de horas que os
trabalhadores dirigem, aplicando punições aos motoristas que mantêm uma média de taxa
de aceitação inferior à estabelecida pela Uber. Desta forma, tendo em vista que a plataforma
coloca que os motoristas devem estar dispostos a aceitarem chamadas quando estão online
e que a recusa em realizar viagens acarreta em sanções, aponta-se que o tempo de espera
também deveria ser calculado para efeitos de mensurar a jornada de trabalho. No caso do
motorista que estiver com mais de um aplicativo ligado, a plataforma para a qual o
trabalhador aceitou a viagem fica responsável pelo pagamento do tempo de espera
imediatamente anterior665.
Graciela Bensusán, Werner Eichhorst e Juan Manuel Rodríguez, ao analisarem o
impacto do capitalismo de plataforma na América Latina, defendem a inclusão de categoria
intermediária entre o trabalho subordinado e autônomo nas legislações locais. Apesar das
críticas feitas a um possível desvirtuamento do seu uso pelos empregadores, os autores
apontam que a falta de previsão legal para tratar dessa situação acaba por deixar de
responsabilizar quem se beneficia do trabalho alheio desempenhado na zona cinzenta666.
No Brasil, apesar de ser incipiente o debate relacionado à criação de uma nova
categoria em razão das mudanças que ocorreram no mercado de trabalho a partir do

664
SACHS, Benjamin. op. cit.
665
MISHEL, Lawrence; EISENBREY, Ross. Uber business model does not justify a new “independent worker”
category. Março, 2016. Disponível em: <https://www.epi.org/publication/uber-business-model-does-not-
justify-a-new-independent-worker-category>. Acesso em: 05 dez. 2017.
666
BENSUSÁN, Graciela; EICHHORST, Werner; RODRÍGUEZ, Juan Manuel. Las transformaciones
tecnológicas y sus desafios para el empleo, las relaciones laborales y la identificación de la demanda de
cualificaciones. Novembro, 2017. Disponível em:
<https://repositorio.cepal.org/bitstream/handle/11362/42613/S1700870_es.pdf?sequence=1&isAllowed=>.
Acesso em: 09 nov. 2018, p. 143.
243

capitalismo de plataforma, as discussões a respeito da introdução de uma terceira


classificação, entre o empregado e o autônomo, não é nova.
Otavio Pinto e Silva, ao analisar o impacto das inovações tecnológicas no mercado
de trabalho na década de 2000, em que máquinas passaram a desempenhar atividade de
coordenação da produção, aponta que as novas formas de trabalho que surgem operam em
dinâmica distinta da do trabalho subordinado, abrindo espaço para uma nova regulação. Em
face desse cenário, o autor defende a adoção de parâmetros semelhantes à parassubordinação,
uma vez que as relações de trabalho se desenvolvem cada vez menos sob o paradigma do
controle direto das atividades e ganha espaço a execução de tarefas em que os trabalhadores
detêm um grande conhecimento técnico e atuam em coordenação com as empresas667.
Por sua vez, Lorena Vasconcelos Porto afirma que a criação de uma terceira categoria
não se justifica. Em primeiro lugar, porque as mudanças que se identificam nas relações de
trabalho não reduzem o controle das atividades executadas pelos trabalhadores, mas apenas
modificam como é feito. Além disso, uma nova categoria tende a favorecer a interpretação
da subordinação em sua dimensão tradicional, em que a atividade tem de estar sob supervisão
direta da empresa. A autora aponta que o movimento adequado seria a análise da
subordinação tendo em vista a nova realidade do mercado de trabalho, sob um viés
expansionista, e não a permissão de classificar o trabalhador em um tipo que reconhece
menos direitos que os previstos aos empregados668.

3.2.2. A reemergência da dependência


A noção de dependência, especialmente econômica, está presente do Direito do
Trabalho desde a origem deste ramo jurídico. Inicialmente, foi um dos instrumentos
utilizados para apontar a desigualdade ínsita da relação entre o trabalhador e o empregador
e, consequentemente, a necessidade de prever um mecanismo para amenizar a disparidade
de poder entre as partes. Nos debates para se estabelecer o critério que definiria a relação de
emprego, a doutrina considerou adotar a dependência. Entretanto, por tê-la como um
elemento extrajurídico, a maior parte da doutrina, jurisprudência e legislações trabalhistas
optaram pela subordinação jurídica para identificar o vínculo empregatício.
O surgimento das novas formas de trabalho no capitalismo de plataforma e o
questionamento a respeito da capacidade de o conceito de subordinação jurídica diferenciar
os trabalhadores que precisam dos que não demandam proteção propiciou a retomada do

667
SILVA, Otavio Pinto e. op. cit., p. 58-62.
668
PORTO, Lorena Vasconcelos. op. cit., p. 101-103.
244

debate a respeito de a dependência assumir papel de protagonismo na caracterização da


relação de emprego.
Alain Supiot afirma que a relação de emprego, no modelo taylorista-fordista até o
fim dos trinta anos gloriosos, baseou-se na troca da obediência do trabalhador pela segurança
oferecida pelo empregador, não havendo qualquer espaço para a autonomia dos primeiros.
A partir do modelo toyotista e no neoliberalismo, muda-se a organização da produção,
fragmenta-se o trabalho e os trabalhadores passam a ter algum grau de autonomia. Esse
processo é acelerado com as inovações no âmbito da tecnologia da informação e
comunicação e a emergência das plataformas digitais. Diante desse cenário, defende a
promoção de uma reforma no Direito do Trabalho, cujo ponto de partida deve ser a inserção
da dependência econômica no centro do contrato de trabalho669.
O autor entende que a adoção do mencionado critério tem o mérito de tornar mais
simples a identificação da relação de trabalho e de vincular a dimensão da proteção jurídica
do trabalhador conforme o grau de dependência em relação ao empregador. Ainda, sugere a
adoção dos conceitos previstos na Proposta de Código de Trabalho, elaborada por juristas
franceses e coordenada por Emmanuel Dockès670.
Na referida proposta, parte-se do reconhecimento das transformações do mercado de
trabalho nas últimas décadas e que a distinção entre trabalho subordinado e trabalho
autônomo se torna cada vez mais complexa. Aponta-se as tentativas de solucionar essa
questão, como o ocorreu com a introdução da parassubordinação na Itália e do trabalho
autônomo economicamente dependente na Espanha. Contudo, as experiências de criação de
uma terceira categoria acabaram por reduzir o grau de proteção dos trabalhadores e criaram
mais uma zona cinzenta: entre o empregado e o semiautônomo e entre o semiautônomo e o
autônomo. Para ser possível oferecer proteção jurídica aos trabalhadores inseridos em
relações desiguais com seus tomadores de serviço, devem estar no centro do Direito do
Trabalho tanto a subordinação como a dependência, ressaltando que essa é a realidade da
grande maioria de quem vende a sua força de trabalho atualmente671.
Na proposta, define-se o empregado como “uma pessoa natural que executa um
trabalho sob o poder de fato ou a dependência de outrem”672. Os autores conceituam poder

669
SUPIOT, Alain. Et si l’on refondait le droit du travail? Le Monde Diplomatique, Paris, oct. 2017. Disponível
em: <https://www.monde-diplomatique.fr/2017/10/SUPIOT/58009>. Acesso em: 15 out. 2017.
670
Id. Ibid.
671
DOCKÈS, Emmanuel et al. Proposition de code du travail. Paris: Dalloz, 2017, p. 2-4.
672
Id. Ibid., p. 5, tradução nossa de: “une personne physique qui execute um travail sous le pouvoir de fait ou
sous la dépendance d’autrui”.
245

de fato como “a capacidade prática que dispõe uma pessoa de comandar uma outra e de se
fazer obedecer” 673 , refletindo a ideia de subordinação. Continuando, indicam que “a
dependência é a situação de fragilidade que pode ser constatada quando a atividade
profissional de uma pessoa depende dos meios ou da vontade de outrem” 674 . Os
empregadores são “as pessoas naturais ou jurídicas que, separada ou conjuntamente,
exercem um poder de fato sobre os assalariados ou mantém os assalariados sob sua
dependência” 675 . Portanto, nota-se que a relação de emprego é caracterizada de forma
alternativa: subordinação ou dependência676.
Em razão das definições apresentadas acima e com enfoque no trabalhador que não
é subordinado, mas dependente, propõe-se a introdução da categoria do assalariado
autônomo, caracterizado como “um assalariado que é autônomo em seu trabalho e na
organização da sua utilização do tempo” 677 . Considera-se autônomo quem “não receba
ordens quanto às modalidades de execução de suas tarefas ou de suas missões”678. Em relação
aos seus horários, considera-se autônomo na organização do seu tempo aquele “que não
receba ordens nem do empregador nem de seus clientes quanto aos seus horários e dias de
trabalho e cuja utilização do tempo não seja restringida pela organização geral da empresa”679.
Brishen Rogers coloca que as relações caracterizadas pela dependência econômica e
pela desigualdade de poder na negociação devem ser protegidas da dominação, tanto a
diádica, que é aquela em que uma parte tem poder tão desproporcional diante da outra que a
submete a demandas arbitrárias, e a estrutural, que ocorre quando a parte mais fraca não tem
opção a não ser participar de uma determinada relação. O que se denomina como princípio
da antidominação coloca o Direito do Trabalho como instrumento para oferecer um mínimo
de dignidade e de equidade interpessoal aos trabalhadores e para criar e manter uma
economia política igualitária, enfraquecendo a dominação estrutural. O cenário analisado
pelo autor que o leva a apontar para a aplicação do Direito do Trabalho nos casos em que se

673
DOCKÈS, Emmanuel et al. op. cit., p. 5, tradução nossa de: “la capacite pratique dont dispose une personne
d’em commander une autre et s’em faire obéir”.
674
Id. Ibid., p. 6, tradução nossa de: “la dépendance est la situation de faiblesse qui peut être constatées lorsque
l’activité professionnelle d’une personne dépend des moyens ou de volonté d’autri”.
675
Id. Ibid., p. 6, tradução nossa de: “les personnes physiques ou morales qui, séparément ou ensemble, soit
exercent un pouvoir de fait sur le salarié, soit tiennent le salarié en leur dépendance”.
676
Id, Ibid, p. 6.
677
Id. Ibid., p. 7, tradução nossa de: “un salarié qui est autonome dans son travail et dans l’organisation de son
emploi du temps”.
678
Id. Ibid., p. 7, tradução nossa de: “ne reçoit pas de directives quant aux modalités d’exécution de as tâche ou
de ses missions”.
679
Id. Ibid., p. 207, tradução nossa de: “qui ne reçoit de directives ni de l’employer ni de ses clientes quant à
ses horaires et ses jours de travail et dont l’emploi du temps n’est pas constraint par l’organisation générale
de l’enterprise”.
246

verifica a dominação, independentemente de subordinação ou controle, é identificado no


capitalismo de plataforma680.
Murilo Carvalho Sampaio Oliveira defende a retomada da noção de dependência
como forma de superar os debates sobre a extensão interpretativa a ser conferida à
subordinação e para o Direito do Trabalho incorporar o trabalho dependente não subordinado
e as novas formas de trabalho, incluindo aquelas que emergiram com o capitalismo de
plataforma. Para tanto, é necessário superar o que o autor chama de “puritanismo conceitual
positivista” e adotar o conceito de dependência econômica, com todas as potencialidades
interdisciplinares que oferece681.
Murilo Carvalho Sampaio Oliveira coloca que a rejeição à centralidade da
dependência econômica no Direito do Trabalho decorreu de uma visão superficial do
conceito, tendo em vista que era associado meramente como a necessidade da
contraprestação pecuniária. Contudo, o autor afirma que o Direito do Trabalho é
essencialmente uma relação entre proprietários e não proprietários, em que esses são
dependentes previamente ao início do contrato justamente por não fazerem parte do primeiro
grupo. Nesse sentido, a propriedade ocupa um papel central, que legitima a relação de poder
existente entre o capitalista e o trabalhador, e que faz com que o integrante do segundo grupo
tenha de se sujeitar ao interesse de outrem pelo fato de não ser proprietário. Ainda, qualifica-
se a dependência como econômica em razão do sistema de propriedade e da relação de poder
que estão no núcleo do Direito do Trabalho fazerem parte do funcionamento do modo de
produção capitalista. Portanto, o autor afirma que
a dependência equivale à ‘sujeição’, destacando o traço do poder nesta
relação, enquanto a econômica elucida que o fundamento deste poder é a
propriedade. Enfim, serve para que não se esqueça que o Direito do
Trabalho é, essencialmente, o Direito Capitalista do Trabalho, que confere
uma dita civilidade à exploração do trabalho dos não-proprietários682.
No tocante à autonomia, a visão do autor contrasta com a de Alain Supiot e da
proposta coordenada por Emmanuel Dockès. Segundo Murilo Carvalho Sampaio Oliveira,
a autonomia é um atributo do proprietário, inexistindo para o trabalhador. Por fim, destaca
que não há necessidade de reformas na legislação brasileira, bastando interpretar a expressão

680
ROGERS, Brishen. Employment rights in the platform econmy: getting back to basics. Harvard Law and
Policy Review, v. 10, p. 500-505, 2016.
681
OLIVEIRA, Murilo Carvalho Sampaio. O retorno da dependência econômica no Direito do Trabalho.
Revista do TST, v. 79, n. 3, p. 200-202, Jul./Set. 2013; CHAVES JUNIOR, José Eduardo de Resende;
MENDES, Marcus Menezes Barberino; OLIVEIRA, Murilo Carvalho Sampaio. op. cit., p. 175.
682
OLIVEIRA, Murilo Carvalho Sampaio. op. cit., p. 234.
247

“sob dependência”, presente no art. 3º da CLT, sob um viés que enfatiza a dinâmica das
relações de poder no trabalho683.

3.2.3. Novas perspectivas sobre o conceito de empregador


Uma das características das formas de trabalho no capitalismo de plataforma que
pode gerar dificuldades na identificação dos papeis e na atribuição de responsabilidades de
cada uma das partes é a triangulação das relações entre os trabalhadores, a plataforma e seus
clientes. A apresentação de uma resposta pautada no modelo de uma plataforma, em um
contexto heterogêneo, é inadequada por não dar conta das múltiplas realidades existentes.
Jeremias Prassl afirma que as relações de trabalho geralmente são concebidas sob
um viés bilateral empregado-empregador, em que os deveres e direitos de cada um são
razoavelmente bem definidos e se admite somente uma parte em cada um dos polos na
relação. No capitalismo de plataforma, enquanto algumas empresas operam nos moldes
tradicionais, determinadas plataformas transferem o que habitualmente é apontado como
papel do empregador para os seus consumidores, enquanto outras permitem que
trabalhadores e clientes tenham certos controles sobre o trabalho que normalmente são
considerados como prerrogativa da empresa. Para lidar com esse cenário, o autor propõe
uma abordagem mais flexível para imputar responsabilidades nas relações de trabalho,
elaborando um conceito funcional do empregador684.
A proposta, construída a partir do direito inglês, parte da identificação de uma série
de funções que são atribuídas aos empregadores e, por razões analíticas, foram agrupadas
em cinco categorias: (i) início e término da relação de emprego, o que abrange todos os
poderes patronais sobre a existência da relação com o trabalhador, desde a seleção até a
dispensa; (ii) recebimento do trabalho e de seus frutos, relacionado com as obrigações do
empregado em face do empregador, com enfoque no desenvolvimento de atividades; (iii)
prover trabalho e pagamento, vinculado com as obrigações do empregador diante de seus
empregados; (iv) gerenciamento da empresa, no âmbito do seu mercado interno, em que há
coordenação, por meio de controle, dos fatores de produção, incluindo o poder de determinar
como e o que deve ser realizado; (v) gerenciamento da empresa, no âmbito do seu mercado
externo, em que o empregador assume o desenvolvimento da atividade econômica,

683
OLIVEIRA, Murilo Carvalho Sampaio. op. cit., p. 234-235; CHAVES JUNIOR, José Eduardo de Resende;
MENDES, Marcus Menezes Barberino; OLIVEIRA, Murilo Carvalho Sampaio. op. cit., p. 176.
684
PRASSL, Jeremias. op. cit, p. 100.
248

permitindo que aufira os lucros, assim como assuma os prejuízos diante do resultado do
empreendimento685.
O pressuposto é que nenhuma função é importante isoladamente, sendo que a
relevância está no conjunto de todas as cinco para a caracterização do empregador
multifuncional. Cada função abrange uma parcela do que é necessário para explorar
comercialmente o trabalho alheio em uma relação de emprego. A análise das cinco funções
permite a construção do conceito jurídico de empregador. Nesse sentido, o conceito
funcional de empregador não busca identificar um único ente, mas quem exerce as funções
que o caracteriza, independentemente de ser somente uma única entidade ou um grupo de
pessoas. A pergunta que deve ser feita é: quem está no comando?686
O conceito funcional de empregador elaborado por Jeremias Prassl trata da “entidade
ou combinação de entidades, desempenhando um papel decisivo no exercício de funções
empregatícias relacionais, reguladas e controladas, enquanto tal, em cada aspecto particular
do Direito do Trabalho”687. O objetivo central desse conceito é analisar o papel específico
que diferentes elementos desempenham em um dado contexto, ao invés de buscar a
existência ou ausência de características pré-determinadas688.
Jeremias Prassl e Martin Risak mencionam que há três particularidades na adoção
desse conceito. A primeira é que em modelos nos quais existem relações entre diversas
entidades, potencialmente há uma multiplicidade de empregadores. Contudo, estar presente
em um arranjo comercial com várias entidades não implica o reconhecimento como
empregador ou a necessidade de assumir obrigações trabalhistas. O que é decisivo para a
caracterização como empregador é o exercício de uma função específica, sendo a entidade
responsável por todas as que desempenhar. É nesse sentido que é viável a existência de
múltiplas entidades como empregadoras e que se contrapõe à noção de que o empregador é
um único ente689.
A segunda particularidade é que as responsabilidades estão acopladas a cada uma
das funções do empregador, independentemente de todas serem exercidas por uma única

685
PRASSL, Jeremias; RISAK, Martin. op. cit, p. 634-636; PRASSL, Jeremias. The concept of the employer.
Oxford: Oxford University Press, 2016, p. 31-36; 157-160.
686
PRASSL, Jeremias; RISAK, Martin. op. cit, p. 636; PRASSL, Jeremias. Humans as a service: the promises
and perils of work in the gig economy. cit., p. 101; PRASSL, Jeremias. The concept of the employer. cit., p.
157-160.
687
Id. Ibid., p. 155, tradução nossa de: “the entity, or the combination of entities, playing a decisive role in the
exercise of relational employing functions, and regulated or controlled as such as in the domain of
employment law”.
688
PRASSL, Jeremias; RISAK, Martin. op. cit., p. 647.
689
Id. Ibid., p. 647-648.
249

entidade ou divididas entre vários entes. Nesse sentido, se uma entidade desempenha todas
as cinco funções do empregador, é responsável por cumprir com todos os direitos trabalhistas
dos empregados. Entretanto, se uma empresa tem somente uma das funções do empregador,
sua responsabilidade fica limitada às obrigações que se relacionam com essa função. As
demais devem ser observadas pelas entidades que executam as outras funções690.
A terceira particularidade é que a definição do empregador se torna dependente do
contexto e da especificidade de relação com o empregado, dado que, conforme a situação e
a regulação prevalecente, cada uma das funções pode adquirir distintas importâncias para as
empresas e a caracterização de empregador varia de acordo com o ordenamento jurídico691.
Para analisar a aplicação do conceito funcional de empregador no capitalismo de
plataforma, verificaremos como o autor entende os casos da Uber e da Amazon Mechanical
Turk. Em relação à primeira, considera-se um “caso fácil”, em que há elementos suficientes
para apontar a plataforma como única empregadora, dado que exerce as cinco funções
atribuídas aos empregadores. A Uber exerce amplo controle na relação com o motorista. No
início e término da relação de trabalho, ressalta-se que os trabalhadores têm que acessar o
aplicativo para dirigir e que o processo de ingresso na plataforma vai além de um mero
registro, uma vez que a empresa pode impedir o uso de determinado automóvel, verifica as
licenças do veículo e do motorista e exige a contratação de seguro, cuja abrangência varia
de acordo com a localidade. Ainda, a Uber tem o poder de encerrar o acesso dos motoristas
à plataforma, desde por reclamações dos clientes até pela baixa média de avaliações692.
No recebimento do trabalho e seus frutos, destaca-se que a Uber, na maior parte dos
casos, recebe o pagamento diretamente dos consumidores e lida diretamente com cobranças
e reclamações. Todo o sistema é concebido para que as relações entre motoristas e
passageiros não envolva trocas financeiras em espécie. Na oferta de trabalho e pagamento,
os motoristas obtêm trabalho somente se acessarem o aplicativo para receberem chamados
dos clientes da Uber. Os motoristas em geral não são pagos diretamente: a plataforma recebe
o dinheiro dos passageiros e, após o desconto de uma taxa, faz o pagamento aos
trabalhadores em um dia da semana693.
No gerenciamento da empresa, no âmbito do seu mercado interno, a combinação da
tecnologia com fatores humanos permite que a Uber tenha um rígido controle sobre a forma
pela qual o trabalho é realizado. Assim que o motorista aceita uma corrida, é direcionado

690
PRASSL, Jeremias; RISAK, Martin. op. cit., p. 648.
691
Id. Ibid., p. 648.
692
Id. Ibid., p. 638-639.
693
Id. Ibid., p. 639.
250

para o endereço do passageiro e, em seguida, para o destino solicitado. Considerando que


toda a rota é registrada por meio do GPS, os consumidores podem reclamar caso se sintam
prejudicados em relação ao caminho feito. Soma-se a isso o sistema de avaliações, que
permite o exercício de controle sobre o comportamento dos trabalhadores diante dos
parâmetros estabelecidos pela plataforma. No gerenciamento da empresa, no âmbito do
mercado externo, é a Uber que conduz a atividade econômica e que, diante dos seus
resultados, aufere lucros ou tem prejuízos. Ainda que os motoristas tenham espaço para
definir os seus ganhos a partir da quantidade de horas que decidirem trabalhar, deve-se ter
em vista que o preço das corridas – um fator determinante para se avaliar a capacidade de
ganhos dos trabalhadores – é determinado unilateralmente pela plataforma694.
Em relação à Amazon Mechanical Turk, estamos diante de um “caso difícil”, em que
se identifica uma multiplicidade de empregadores. No início e término da relação, nota-se
que o controle está com a AMT, que estabelece os critérios para registro dos trabalhadores,
assim como tem o poder de excluir contas de quem não observar os termos de uso ou tiver
reclamações de usuários. No recebimento do trabalho e seus frutos, não há troca direta de
dinheiro entre os clientes e os trabalhadores, sendo que a Mechanical Turk organiza a
cobrança, desconta uma taxa e faz o pagamento695.
Na oferta de trabalho e pagamento, há divisão das funções de empregador entre a
plataforma e os seus clientes. Os usuários da AMT postam as tarefas na plataforma e os
trabalhadores as aceitam conforme sua conveniência, sendo que a atividade deve ser
realizada na plataforma. O pagamento é feito pela Mechanical Turk em intervalos regulares,
mas o preço e o tempo de cada tarefa são estabelecidos por seu cliente. A única intervenção
da AMT é a fixação de um preço mínimo por trabalho696.
No gerenciamento da atividade, no âmbito do mercado interno, o controle da tarefa
é feito pelo usuário, que pode rejeitar o trabalho e não fazer o pagamento. A AMT também
desempenha essa função, dado que não permite que os trabalhadores utilizem meios
computadorizados para a execução da atividade requisitada por seus clientes, assim como
veda a subcontratação da tarefa. No gerenciamento da atividade, no âmbito do mercado
externo, há divisão das funções entre as três partes: os trabalhadores utilizam os seus
instrumentos para a execução da atividade, os clientes estabelecem o valor da remuneração,
impactando diretamente a capacidade de ganho dos trabalhadores, e a plataforma é

694
PRASSL, Jeremias; RISAK, Martin. op. cit., p. 640-641.
695
PRASSL, Jeremias. Humans as a service: the promises and perils of work in the gig economy. cit., p. 103-
104; PRASSL, Jeremias; RISAK, Martin. op. cit., p. 642-646.
696
PRASSL, Jeremias. op. cit., p. 103-104; PRASSL, Jeremias; RISAK, Martin. op. cit., p. 642-646.
251

responsável por manter a infraestrutura que viabiliza as transações e por atrair e manter os
usuários697.

3.2.4. Contrato de trabalho especial


Uma alternativa regulatória debatida para proteger os trabalhadores no capitalismo
de plataforma é a criação de um contrato de trabalho específico e direcionado para abarcar
as novas formas de trabalho. Independentemente da discussão sobre subordinação e
autonomia, considera-se que o modelo de direitos previstos aos trabalhadores é datado e há
necessidade de reformulação para atender às necessidades contemporâneas.
Adrian Todolí-Signes afirma que é fundamental compreender as particularidades do
trabalho no capitalismo de plataforma para, a partir daí, conceber uma regulação factível. O
autor destaca cinco características que merecem ser observadas: (i) novas formas de controle,
em que sai de cena a supervisão direta pelo empregador ou seus prepostos e ganha
importância a apresentação de um padrão de conduta pela plataforma e a confiança na
avaliação dos clientes sobre a prestação do trabalho, que pode ter como consequência a
sanção daquele que tiver um desempenho abaixo do estabelecido pela empresa; (ii) o
controle necessário sobre a atividade, sendo que o objeto da análise não deve ser a
intensidade do exercício da supervisão feita pelo empregador, mas se a empresa tem o direito
de controlar os aspectos que precisa para desenvolver a atividade econômica; (iii) a
desigualdade do poder de negociação; (iv) a inserção dos trabalhadores em uma organização
externa, ou seja, a integração de suas atividades na estrutura de uma empresa ou o
trabalhador não ter uma estrutura empresarial própria; e (v) ausência de oportunidades em
auferir lucro, o que inviabiliza a possibilidade de caracterizar o trabalhador como
empreendedor. Ainda, aponta que mesmo que as novas formas de trabalho possam ser
caracterizadas pelos tribunais como relação de emprego nas legislações trabalhistas vigentes,
a consequência é a aplicação de um arcabouço jurídico não desenhado para o trabalho sob
demanda por meio de aplicativos e para o crowdwork698.
O autor defende a regulação específica para os trabalhadores no capitalismo de
plataforma. Ressalta que a Itália e a Espanha possuem legislação trabalhista especial para
estabelecer o regramento de altos gerentes, esportistas, trabalhadores domésticos, artistas,
advogados, dentre outros, em que o intuito é considerar as particularidades de determinada

697
PRASSL, Jeremias. op. cit., p. 103-104; PRASSL, Jeremias; RISAK, Martin. op. cit., p. 642-646.
698
TODOLÍ-SIGNES, Adrian. The “gig economy”: employee, self-employed or the need for a special
employment regulation? European review of labour and research, v. 23, n. 2, p. 194-200, 2017.
252

relação de trabalho. A proposta feita por Adrian Todolí-Signes objetiva tratar do trabalho
sob demanda por meio de aplicativos e estabelecer um contrato de trabalho especial para os
trabalhadores nessas relações, devendo abranger pelo menos seis aspectos: (i) no tocante às
instruções, retira-se a sua importância para o enquadramento do trabalhador, tratando
daqueles que executam tarefas por meio de uma plataforma digital com pouca dependência,
em que o empregador tem o direito de emitir somente as instruções necessárias para o
desenvolvimento da atividade econômica; (ii) em relação à jornada de trabalho, os
trabalhadores têm a liberdade de estabelecerem os seus horários, as plataformas podem fixar
um máximo de horas por semana e a legislação deve colocar um limite na jornada de
trabalho; (iii) os trabalhadores são livres para trabalharem para mais de uma plataforma; (iv)
as plataformas não são responsáveis por acidentes sofridos pelos trabalhadores, tendo em
vista a autonomia em como executar as atividades; (v) em face do salário mínimo, os
trabalhadores deveriam receber a remuneração correspondente aos períodos em que
estiverem prestando serviços para os clientes da plataforma e, nos momentos de não
atendimento aos consumidores da empresa, haveria também a necessidade de pagar salário,
com a possibilidade de fixar um valor abaixo do salário mínimo por meio de negociação
coletiva; (vi) em relação ao reembolso de despesas, os custos estruturais, como carro,
telefone celular e computador, são de responsabilidade do trabalhador, e os custos
consumíveis, que são os necessários para realizar a atividade, são pagos pela empresa. Por
fim, o autor sugere a aplicação subsidiária das regras gerais do Direito do Trabalho para
solucionar o que não for previsto na legislação especial699.
Contudo, a adoção de um contrato de trabalho especial é criticada. Philippe
Auvergnon afirma que a criação de um contrato de trabalho digital pode ter efeitos negativos
para o Direito do Trabalho e ter consequências nulas ou negativas para os trabalhadores. Em
relação ao primeiro aspecto, pontua que a criação de regras especiais pode ocasionar o
enfraquecimento das disposições gerais do Direito do Trabalho, especialmente se os limites
do novo contrato não forem bem delimitados. No tocante ao segundo aspecto, o autor
entende que as plataformas admitem os trabalhadores como autônomos pelo fato de o custo
com a força de trabalho ser menor. Nesse sentido, estabelecer um contrato de trabalho
especial e que aumente os custos com mão de obra não traria necessariamente segurança

699
TODOLÍ-SIGNES, Adrian. op. cit., p. 200-202.
253

jurídica e econômica. Pelo contrário, é possível que as plataformas continuem procurando


meios de não aplicarem a legislação trabalhista aos seus trabalhadores700.

3.2.5. Ampliação subjetiva do Direito do Trabalho


A proposta de aumentar o rol de sujeitos protegidos pelo Direito do Trabalho parte
do pressuposto que, para além das dificuldades existentes na classificação entre empregados
e autônomos, a distinção acaba por não tutelar trabalhadores que estão em situação de
vulnerabilidade socioeconômica. Tendo em vista as discussões em torno do enquadramento
dos trabalhadores no capitalismo de plataforma, essa proposta se coloca como uma
alternativa de regular as condições de trabalho nas plataformas digitais.
Um tópico corriqueiramente apontado como necessário de ser aplicado a todos os
trabalhadores são as disposições legais que tratam da vedação à discriminação por conta do
exercício de atividades profissionais. O tema ganha relevância quando essa proteção no
trabalho está vinculada à existência da relação de emprego, como ocorre nos Estados
Unidos701.
Outro assunto frequentemente mencionado como central de ser ampliado para todos
os trabalhadores é o direito de organização coletiva. Em alguns países, os autônomos não
têm a possibilidade de atuarem coletivamente, sob pena de violarem a legislação antitruste.
Apesar de verificar-se a justificativa para tanto, de forma a não permitir práticas
anticoncorrenciais, não se vislumbra a possibilidade de condutas dessa natureza ocorrerem
quando trabalhadores autônomos e que atuam sozinhos se organizam coletivamente702.
Orly Lobel sugere a desvinculação da concessão de determinados benefícios da
classificação do trabalhador como empregado. O autor ressalta que nos países que
construíram um modelo de bem-estar social, o debate não tem tanta pertinência como
naqueles em que o emprego também é a porta de entrada para benefícios sociais. Assim, o
seguro-desemprego, plano de saúde, afastamentos por razões de doenças ou acidentes e
licença maternidade e paternidade poderiam ser providenciados pelo Estado, por meio de
um sistema de seguridade social universal e financiado por tributos. O objetivo é que

700
AUVERGNON, Philippe. Angustias de uberización y retos que plantea el trabajo digital al derecho laboral.
Revista Derecho Social y Empresa, n. 6, p. 38, Dez. 2016.
701
LOBEL, Orly. op. cit., p. 64; TIPPETT, Elizabeth. op. cit., p. 303.
702
DRAHOKOUPIL, Jan; FABO, Brian. The platform economy and the disruption of the employment
relationship. ETUI Policy Brief, n. 5, p. 6, 2016; RISAK, Martin. Fair working conditions for platform
workers. Apr. 2018. Disponível em: <https://library.fes.de/pdf-files/id/ipa/14055.pdf>. Acesso em: 21 jul.
2018; STONE, Katherine. Employment protection for boundaryless workers. In: DAVIDOV, Guy;
LANGILLE, Brian (Orgs.). Boundaries and frontiers of labour law. Oxford: Hart, 2006, p. 175.
254

determinados direitos, na medida em que reconhecidos para todos os trabalhadores, não


recaiam financeiramente no empregador, mas em toda a sociedade703.
Emanuele Dagnino afirma que as mudanças promovidas pela tecnologia da
informação e comunicação no mundo do trabalho podem ser aproveitadas para reavaliar
quem o Direito do Trabalho tutela. A existência de problemas comuns a todos os que prestam
serviços, como os relacionados à representação coletiva, segurança econômica, segurança e
saúde e qualificação demanda uma abordagem mais ampla desse ramo jurídico. O autor
defende o estabelecimento de um parâmetro legal que contemple todos os trabalhadores,
independentemente do tipo de relação em que estejam inseridos. Questões relacionadas à
insegurança de renda, combate a práticas discriminatórias, privacidade, formação e
atualização profissional poderiam ser objeto de regulação para toda a força de trabalho. Além
do avanço do universalismo no Direito do Trabalho, uma regulação efetiva exigiria a fixação
de uma série de regramentos específicos e direcionados para relações de trabalho particulares,
de forma a complementar as regras gerais e oferecer meios de garantir juridicamente a
flexibilidade das novas formas de trabalho704.
Valerio de Stefano, Antonio Aloisi e Six Silberman defendem a aplicação de
parâmetros legais mínimos a todos os trabalhadores. Os autores afirmam que
independentemente de a pessoa realizar as suas atividades de forma amadora ou profissional,
deve-se assegurar um piso de direitos. No caso específico do capitalismo de plataforma,
mencionam sistemas de pagamentos e de avaliação transparentes, oportunidades de
treinamento e propriedade sobre as informações do seu histórico de trabalho705.
Maurizio Del Conte e Elena Gramano colocam que reforma promovida na Itália em
2017 criou a Lei n. 81, com medidas para proteger o autônomo não empreendedor e outras
para facilitar a articulação flexível do trabalho subordinado. Ficou conhecido como “Estatuto
do autônomo e smart work”, sendo a primeira vez que o trabalho autônomo é regulado pelo
Direito do Trabalho italiano. A nova lei excluiu expressamente de sua aplicação os
empregados e os autônomos empreendedores. Maurizio Del Conte e Elena Gramano
destacam que não foi criada uma terceira categoria, dado que os autônomos não
empreendedores se caracterizam por serem trabalhadores independentes706.

703
LOBEL, Orly. op. cit., p.70.
704
DAGNINO, Emanuele. Labour and labour law in the time of the on-demand economy. Revista Derecho
Social y Empresa, n. 6, p. 64-65, Dec. 2016.
705
DE STEFANO, Valerio; ALOISI, Antonio; SILBERMAN, Six. A manifesto to reform the gig economy.
Pagina 99, 29 magg. 2017. Disponível em: <http://www.pagina99.it/2017/05/29/a-manifesto-to-reform-
the-gig-economy>. Acesso em 20 out. 2017.
706
DEL CONTE, Maurizio; GRAMANO, Elena. op. cit., p. 626.
255

Os autores colocam que há três dimensões tutelares para os trabalhadores abrangidos


pela referida legislação: (i) proteções contratuais, com regras sobre prazos acerca do
pagamento das atividades realizadas pelos trabalhadores, vedação de cláusulas abusivas,
como as que permitem alterações unilaterais dos termos do contrato e rompimento contratual
sem aviso prévio, e proibição do abuso da dependência econômica, como a recusa de
comprar e a imposição de cláusulas discriminatórias; (ii) proteções no âmbito social, como
a possibilidade da mulher afastar-se do trabalho dois meses antes e três meses após o
nascimento da criança, sendo que esse período é pago pela seguridade social, e licença de
até seis meses para pais e mães que têm crianças com até três anos, em que recebem 30% da
renda sobre a qual é feito recolhimento para a seguridade social; e (iii) proteções no âmbito
do mercado de trabalho, em que a intermediação de trabalho realizada por centros públicos
deve ter meios de atender as demandas dos autônomos não empreendedores707.
Nelson Mannrich, ao analisar as propostas para o futuro do trabalho, destaca que a
teoria da extensão tem o intuito de abandonar as classificações para efeito de avaliar o
trabalhador abrangido pelo Direito do Trabalho e, assim, permitir que o modo de prestação
do trabalho seja escolhido somente considerando a demanda do tomador. Segundo o autor,
“a proposta é de transição para o chamado ‘Direito do Trabalho sem adjetivos’, ou a
passagem de um ‘direito da cidadania industrial para o que se poderia denominar ‘direito da
cidadania industriosa’”708.
Graciela Bensusán, Werner Eichhorst e Juan Manuel Rodríguez afirmam que,
embora seja importante construir uma legislação para regular o trabalho autônomo, essa
medida não poderia ocorrer sob o Direito do Trabalho, uma vez que não haveria quem
responsabilizar pelo cumprimento dos dispositivos destinados aos trabalhadores. Os autores
entendem que não seria conveniente a legislação trabalhista tratar de trabalhadores sem
subordinação ou dependência, sendo que outros ramos do direito poderiam regrar a aplicação
de Direitos Humanos aos autônomos709.

3.2.6. Vanguardismo inclusivo


Todas as alternativas regulatórias para o trabalho no capitalismo de plataforma
analisadas até o momento gravitam em torno da classificação tradicional de empregados e
autônomos: a criação de uma categoria com características da subordinação e autonomia

707
DEL CONTE, Maurizio; GRAMANO, Elena. op. cit., p. 626-627.
708
MANNRICH, Nelson. O futuro do Direito do Trabalho, no Brasil e no mundo. Revista LTr, v. 81, n. 11, p.
1296, Nov. 2017.
709
BENSUSÁN, Graciela; EICHHORST, Werner; RODRÍGUEZ, Juan Manuel. op. cit., p. 143-144.
256

para classificar os trabalhadores, o uso da dependência para definir a relação de emprego, o


estabelecimento de um novo tipo contratual para atender às especificidades do capitalismo
de plataforma e a ampliação subjetiva do Direito do Trabalho.
Roberto Mangabeira Unger, ao analisar os impactos dos avanços tecnológicos na
economia e as perspectivas de os trabalhadores se beneficiarem dos ganhos econômicos,
propõe uma mudança profunda no modelo de proteção do trabalhador. O autor aponta que
os trabalhadores somente terão meios de se contraporem aos empregadores se tiverem
espaço nos mercados produtivos mais desenvolvidos. No século XX, a forma disso ocorrer
foi por meio da organização coletiva, sendo que nos países do Atlântico Norte, a negociação
coletiva teve como parâmetro um modelo contratual, enquanto nos países latino-americanos,
prevaleceu o modelo corporativista. O paradigma do século XX foi a produção industrial em
massa que demandava muita mão de obra, arregimentada por meio de contratos estáveis, em
amplas unidades fabris710.
Contudo, a emergência do capitalismo de plataforma não opera de forma a substituir
o modelo fabril de produção em massa e tampouco indica o uso de uma força de trabalho
estável em um contrato por tempo indeterminado. O que se verifica, tanto nas empresas que
adotam parâmetros mais desenvolvidos como nas mais arcaicas, é a busca pelo trabalho
intermitente e precário, o que altera a dinâmica em torno da qual o Direito do Trabalho se
estruturou. Roberto Mangabeira Unger destaca ser possível o século XX ter sido um
intervalo entre dois grandes períodos em que os trabalhadores se inserem em modelos
contratuais descentralizados sem qualquer segurança econômica. As respostas existentes
para lidar com a nova realidade, a respeito de como sujeitar as plataformas digitais a novas
formas de governança, dividir os grandes oligopólios em empresas menores e adotar a
flexiseguridade, são insuficientes711.
Para que seja viável estimular as inovações do capitalismo de plataforma e incluir a
maior quantidade possível de trabalhadores nesse processo, o autor propõe a criação de um
novo modelo de Direito do Trabalho, uma vez que a estrutura vigente foi concebida para
uma forma de organizar a produção que está sendo extinta. A regulação do trabalho por meio
vanguardismo inclusivo deve assegurar a flexibilidade e oferecer segurança econômica712.
A proposta de Roberto Mangabeira Unger possui duas características centrais. A
primeira é adoção de uma escala móvel, em que o grau de organização coletiva dos

710
UNGER, Roberto Mangabeira. op. cit., p. 26. A noção de economia do conhecimento traz, em parte,
elementos do que chamamos de capitalismo de plataforma.
711
Id. Ibid., p. 26-27.
712
Id. Ibid., p. 28.
257

trabalhadores precários é inversamente proporcional à dimensão legal da proteção conferida


a eles. Ou seja, se um grupo de trabalhadores for capaz de se organizar de maneira efetiva
para contrabalancear o poder dos seus tomadores de serviço, é baixo o número de disposições
legais para regular as suas atividades. Por outro lado, se estamos diante de trabalhadores sem
qualquer capacidade organizacional, mais ampla a tutela prevista em lei713.
A segunda característica é a previsão legal de neutralidade de preço nas opções entre
trabalho estável, de tempo parcial e por tarefa. Ou seja, o trabalhador que não seja contratado
como empregado, deve receber o mesmo que a força de trabalho admitida por tempo
indeterminado. O objetivo é assegurar a flexibilidade que o capitalismo de plataforma
demanda na contratação de trabalhadores e não admitir que esse novo modelo seja utilizado
para rebaixar as condições de trabalho. De acordo com Roberto Mangabeira Unger, “um
vanguardismo inclusivo é a única resposta adequada aos desenvolvimentos que ameaçam e
acompanham a emergência da economia de conhecimento em sua forma globalizada atual,
porém insular”714.

3.3. Novos direitos


A regulação do trabalho dentro dos parâmetros existentes, seja por meio de uma
interpretação ampliativa da subordinação ou de uma releitura do conceito de empregador,
seja pelo enquadramento dos trabalhadores como autônomos, ou a elaboração de um novo
mecanismo para classificar os trabalhadores é insuficiente para se debater como o Direito do
Trabalho pode cumprir as suas funções no capitalismo de plataforma. O trabalho sob
demanda por meio de aplicativos e crowdwork possuem peculiaridades e,
independentemente da resposta acerca do enquadramento dos trabalhadores, há a
necessidade de analisar as situações que devem ser protegidas.
O Direito do Trabalho foi concebido a partir da organização da produção fordista,
que tinha como parâmetro o contrato de trabalho por tempo indeterminado, jornada de
trabalho de 8 horas diárias e a prestação do trabalho na fábrica. O capitalismo de plataforma
introduz características distintas nas relações de trabalho e, ainda que se considere a
manutenção da subordinação como nota distintiva da relação entre trabalhadores e
plataformas digitais, é preciso oferecer respostas para o que se apresenta de forma diferente.
Alegar que os instrumentos oferecidos pelo Direito do Trabalho atualmente dão conta de

713
UNGER, Roberto Mangabeira. op. cit., p. 28.
714
Id., loc. cit., p. 28, tradução nossa de: “an inclusive vanguardism is the sole adequate answer to the menacing
developments that accompany the rise of the knowledge economy in its present globalized but insular form”.
258

regular o trabalho sob demanda por meio de aplicativos e o crowdwork prejudica tanto o
trabalhador como o empregador e é disfuncional.
Um dos elementos-chave para se pensar em novos direitos nesse cenário é a
necessidade de transparência. A ausência de informações a respeito de diversos aspectos do
funcionamento das plataformas digitais é um dos pontos centrais que caracteriza a relação
entre os trabalhadores e as empresas. A dinâmica do trabalho é definida a partir da
programação realizada pela empresa e modulada a partir de aportes feitos pelos
consumidores. Os trabalhadores são passivos, tendo uma margem reduzida para organizarem
as suas atividades e para preverem minimamente os seus ganhos.
Kristy Milland afirma que a promoção de medidas legislativas com o objetivo de
assegurar transparência nas plataformas beneficia os trabalhadores e o governo. Em relação
aos primeiros, por permitir que se saiba quantos são e onde trabalham para as empresas,
assim como para se comunicarem, o que facilita a organização coletiva dos trabalhadores.
No tocante ao segundo, o fato de ter conhecimento da quantidade de trabalhadores e de
tomadores de serviços permite ao governo aplicar a legislação pertinente a essas relações 715.
A garantia de padrões mínimos de transparência a partir da disponibilização de dados
sobre a dinâmica de funcionamento das empresas é uma forma de tratar da assimetria de
informações e de poder que marca a relação entre trabalhadores e plataformas.
Valerio de Stefano destaca que, não obstante a importância em se debater novos
direitos que estejam em consonância com as necessidades dos trabalhadores, deve-se ter
como ponto de partida a aplicação dos Direitos Humanos, independentemente do
enquadramento legal, como a liberdade sindical e o direito à negociação coletiva, proibição
do trabalho forçado e infantil e o direito de não ser discriminado716.
Desta forma, tendo a transparência como norte para os direitos nas relações de
trabalho no capitalismo de plataforma e considerando as análises realizadas no capítulo 2
sobre as formas de trabalho, trataremos a seguir da regulação dos sistemas de avaliação, dos
sistemas de remuneração e tempo do trabalho e da flexibilidade na relação entre os
trabalhadores e as plataformas digitais.

715
MILLAND, Kristy. Crowdwork: shame, secrets, and na imminent threat to employment. Global Labour
Column, june 2016. Disponível em: <http://column.global-labour-university.org/2016/06/crowd-work-
shame-secrets-and-imminent.html>. Acesso em: 04 out. 2017.
716
DE STEFANO, Valerio. op. cit., p. 501.
259

3.3.1. Sistemas de avaliação


No geral, os sistemas de avaliação a que os trabalhadores estão submetidos no
capitalismo de plataforma são obscuros e desvantajosos, tendo em vista a falta de
informações sobre a sua dinâmica e a dimensão das consequências nos casos de não
atendimento aos parâmetros estabelecidos pelas empresas e às expectativas dos clientes das
plataformas.
Há plataformas que adotam o trabalho sob demanda por meio de aplicativos, como a
Uber, cuja média das avaliações dos trabalhadores é central para a definição das condições
de trabalho: ter uma média elevada permite ao trabalhador prestar serviços para clientes que
também tenham boas notas, o que é benéfico pois reduz a chance de haver problemas
relacionados ao pagamento ou ao comportamento do usuário, enquanto uma média baixa
pode causar a suspensão ou exclusão da plataforma.
Além disso, quando os trabalhadores recebem uma avaliação negativa, a nota é
automaticamente contabilizada em sua média, não havendo espaço para apresentação de um
ponto de vista alternativo sobre o fato que a motivou. As punições que os trabalhadores
recebem ocorrem sem aviso prévio e não há direito de questionamento antes da aplicação da
sanção.
Na pesquisa com os motoristas da Uber em São Paulo, como indicado na seção 3.5.3
do capítulo 2, quase um quarto dos trabalhadores destacam a opacidade do sistema de
avaliações e a necessidade de torná-lo mais transparente e representativo do trabalho
efetivamente prestado e de criar um mecanismo para questionar reclamações ou avaliações
negativas feitas por passageiros. Dentre os trabalhadores que foram suspensos, quase 90%
consideraram a punição injusta pela falta de critérios e de justificativa.
Plataformas de crowdwork, como a Amazon Mechanical Turk, vinculam a satisfação
do consumidor ao pagamento do trabalhador. O cliente, ao receber o resultado final da tarefa
que solicitou, avalia-o e, caso julgar inadequado, não remunera o trabalhador, apesar de ficar
com o produto do trabalho. Quando há o questionamento sobre a recusa de uma tarefa e,
consequentemente, a falta de pagamento, a plataforma não toma providências para, ao menos,
tentar esclarecer o caso.
Uma medida inicial para aprimorar os sistemas de avaliação seria torná-los
transparentes. Valerio de Stefano defende a criação de regras nesse sentido, no intuito de
reduzir a idiossincrasia que a reputação assume no capitalismo de plataforma e de fazer com
que as decisões das plataformas sejam tomadas com base em elementos suficientes para não
260

resultarem em injustiças, como em casos de aplicação de penalidades e de mudanças nos


termos e condições de uso e no pagamento das tarefas717.
Uma medida nesse sentido seria a exigência da apresentação de uma breve
justificativa pelos usuários que dessem notas que impactassem negativamente na média dos
motoristas. Desta forma, a plataforma teria condição de analisar os motivos que levaram à
insatisfação do cliente, assim como poderia dar a oportunidade para o trabalhador se
manifestar sobre a avaliação negativa a partir de fatos mais precisos. Além disso, os
trabalhadores deveriam ser notificados antecipadamente à aplicação de uma punição, para
que possam compreender as razões para tanto e, se entenderem necessário, apresentar
manifestação questionando a sanção.
Da mesma forma, nos sistemas em que a avaliação ocorre num modelo de tudo ou
nada e se relaciona com o pagamento dos trabalhadores, as plataformas devem exigir uma
breve fundamentação da recusa da atividade, não admitindo a inserção de alguns poucos
caracteres sem nexo e que nada explicam no campo destinado a justificar a recusa, como
ocorre em alguns casos atualmente.
Além disso, Valerio de Stefano, Antonio Aloisi e Six Silberman defendem que os
trabalhadores devem ter o direito de questionarem as recusas dos tomadores que entenderem
ser equivocadas, injustas ou fraudulentas. A reclamação seria avaliada por um sistema de
resolução de conflitos independente com representação das três partes envolvidas para
analisar a qualidade do serviço prestado718.
No Brasil, decisão de Juizado Especial Cível de São Paulo, que não tratou da natureza
do vínculo entre o motorista e a Uber, apontou que é dever da empresa permitir o exercício
de defesa do trabalhador, caso tenha a intenção de excluí-lo da plataforma, fundando o
entendimento na boa-fé objetiva e na função social da empresa. O rompimento brusco do
contrato, por parte da Uber, foi considerado inaceitável e desarrazoado719.
Outro aspecto dos sistemas de avaliação que pode ser regulado para beneficiar os
trabalhadores é a permissão de sua portabilidade. Desta forma, permite-se aos trabalhadores
optar por consolidar todas as suas avaliações em um único instrumento e que seria válido
para todas as plataformas para as quais prestassem serviços. O principal mérito da proposta
é mitigar a dependência de determinada plataforma720.

717
DE STEFANO, Valerio. op. cit., p. 500.
718
DE STEFANO, Valerio; ALOISI, Antonio; SILBERMAN, Six. op. cit.
719
Trata-se do processo 1007115-80.2018.8.26.0016. Na sentença, proferida em novembro de 2018, o juiz
decidiu pelo restabelecimento do cadastro do motorista e pelo pagamento de indenização por danos morais.
720
DE STEFANO, Valerio. op. cit., p. 500.
261

Jeremias Prassl afirma que o modelo adotado pelas plataformas atualmente acaba
vinculando os trabalhadores somente a uma empresa, aprofundando em muitos casos a
dependência econômica. A portabilidade daria margem aos trabalhadores apresentarem suas
demandas de forma mais efetiva e negociarem melhores condições de trabalho com as
empresas721.
O autor afirma que há exemplos legislativos na União Europeia que podem auxiliar
a elaboração de um sistema que assegure a portabilidade. O Regulamento (UE) 2016/679,
de 27 de abril de 2016, conhecido como a Regulação Geral de Proteção de Dados, prevê em
seu art. 20 o direito de portabilidade de dados, em que
o titular dos dados tem direito de receber os dados pessoais que lhe digam
respeito e que tenha fornecido a um responsável pelo tratamento, num
formato estruturado, de uso corrente e de leitura automática, e o direito de
transmitir esses dados a outro responsável pelo tratamento sem que o
responsável a quem os dados pessoais foram fornecidos o possa impedir.
A portabilidade de avaliações poderia ocorrer de forma semelhante, em que se fixariam
métricas gerais e padronizadas sobre a experiência do cliente e qualidade do trabalho e outras
específicas conforme o tipo da atividade oferecida pela plataforma722.
O Brasil possui dispositivo legal semelhante ao art. 20 da Regulação Geral de
Proteção de Dados da União Europeia. O art. 18, V da Lei n. 13.709/2018 prevê que
o titular dos dados pessoais tem direito a obter do controlador, em relação
aos dados do titular por ele tratados, a qualquer momento e mediante
requisição: portabilidade dos dados a outro fornecedor de serviço ou
produto, mediante requisição expressa e observados os segredos comercial
e industrial, de acordo com a regulamentação do órgão controlador.
Jeremias Prassl coloca que, ao garantir que as avaliações se tornem propriedade dos
trabalhadores transferíveis entre plataformas, o trabalho sob demanda por meio de
aplicativos e o crowdwork aproximam-se de um modelo em que há autonomia e
transparência, reduzindo as desigualdades entre as partes da relação de trabalho. O autor
ainda destaca a necessidade de debaterem-se determinados aspectos que surgiriam com a
regulamentação da portabilidade, como os casos de trabalhadores que desejassem abandonar
avaliações prévias e a previsão de uma forma de lidar com potencial discriminação
promovida pelos algoritmos723.

721
PRASSL, Jeremias. Humans as a service: the promises and perils of work in the gig economy. cit., p. 111.
722
Id. Ibid., p. 112.
723
Id., loc. cit.
262

Valerio de Stefano, Antonio Aloisi e Six Silberman também defendem a


portabilidade das avaliações, uma vez que as notas e comentários feitos pelos consumidores
a respeito do desempenho dos trabalhadores são os registros mais eficazes para demonstrar
o grau de profissionalismo e credibilidade. Para viabilizá-la, há a necessidade de tornar os
sistemas das plataformas adaptáveis e interoperacionais724.

3.3.2. Sistemas de remuneração e tempo de trabalho


As propostas relacionadas aos sistemas de remuneração e tempo de trabalho serão
tratadas conjuntamente, pois a maior parte das plataformas faz o pagamento dos
trabalhadores considerando o tempo utilizado para executar determinada atividade.
Algumas plataformas que adotam o trabalho sob demanda por meio de aplicativos,
como a Uber, têm um sistema de remuneração e de distribuição de atividades opaco, em que
há poucas informações disponíveis ao trabalhador sobre os seus ganhos e a demanda por
atividades. As dificuldades são expressivas: (i) quando uma tarefa é oferecida, o trabalhador
não tem conhecimento do valor que receberá e do tempo que gastará se aceitar executá-la;
(ii) não se tem qualquer dado sobre os fatores que influenciam o aumento do valor da tarefa
quando há excesso de demanda em um certo local; (iii) os trabalhadores não têm acesso aos
dados sobre a média da demanda relacionada aos locais e horários do dia em que os clientes
solicitam o serviço. Ou seja, percebe-se que há uma elevada imprevisibilidade no tocante à
quantidade de trabalho disponível, os momentos em que haverá demanda e os ganhos que
terão.
Para rebalancear a discrepância de poderes entre os trabalhadores e as plataformas,
concebem-se as seguintes medidas: (i) divulgação do tempo e do valor estimados para a
execução da tarefa no momento em que for apresentada a oferta; (ii) divulgação dos fatores
que influenciam na definição do valor da atividade nos casos em que a oscilação da demanda
é levada em consideração; (iii) revelar informações acerca dos padrões da demanda temporal
e espacialmente.
A adoção de medidas nesse sentido traria benefícios imediatos aos trabalhadores. Em
primeiro lugar, por permitir que tivessem maiores informações para decidir se aceitam ou
recusam a execução de uma tarefa. Tendo em vista que há plataformas que estabelecem taxas
mínimas de aceitação de atividades para o trabalhador conseguir se manter ativo, informar
o valor e o tempo da tarefa permite que as recusas ocorram de forma mais embasada e

724
DE STEFANO, Valerio; ALOISI, Antonio; SILBERMAN, Six. op. cit.
263

consciente. Em segundo lugar, existindo informações sobre o funcionamento da oscilação


do preço do trabalho, pode-se organizar a atividade para estar ou não estar presente quando
há preço dinâmico. Por fim, sabendo de antemão a probabilidade das demandas dos clientes
das plataformas, os trabalhadores podem organizar o seu tempo de forma mais efetiva,
desenvolvendo atividades nos horários em que há maior procura de serviços ou dirigindo-se
para as áreas em que existem mais pedidos nos momentos disponíveis para a execução de
tarefas.
Outro aspecto que favoreceria os trabalhadores seria a fixação de um salário mínimo
por hora, com o objetivo de garantir um rendimento que lhes possibilite viverem dignamente
e não os levem a trabalhar excessivamente para tanto. Os ganhos e a carga horária dos
trabalhadores, especialmente daqueles que dependem das plataformas para sobreviverem,
como apontado no capítulo 2, mostram a importância dessa medida.
A cidade de Nova Iorque (EUA) adotou iniciativa nesse sentido. Em agosto de 2018,
foi promulgada legislação que garante aos motoristas de plataformas de transporte o
recebimento de US$ 17,22 por hora, calculado após a exclusão das despesas. Nos casos em
que o motorista não obtiver esse valor em uma hora, a empresa deve complementar o restante.
A referida lei não tratou do enquadramento legal dos motoristas725.
Identifica-se o mesmo pressuposto na reforma trabalhista realizada pela Polônia em
2016, quando se previu o direito ao salário mínimo para todos os trabalhadores,
independentemente da sua classificação, como forma de combater o uso desvirtuado da
contratação de trabalhadores autônomos que, em verdade, eram empregados726.
Nesse sentido, Janine Berg sugere a aplicação do salário mínimo no crowdwork. A
autora reconhece que a remuneração nessa forma de trabalho se aproxima do salário por
peça. Assim, considerando que os tomadores de serviço estipulam o tempo aproximado para
a realização da tarefa demandada e que existem meios tecnológicos aptos a mensurar o
tempo de trabalho, inclusive pelo fato de algumas plataformas, como a Amazon Mechanical
Turk, exigirem que todas as atividades sejam desenvolvidas em sua infraestrutura, seria
viável exigir o pagamento do salário mínimo no crowdwork727.
Jeremias Prassl aponta que países europeus construíram respostas para horários
contingentes, como a obrigação de os empregadores assegurarem um conjunto mínimo de

725
WOLFE, Jonathan; LEVINE, Alexandra. New York today: Capping Uber. The New York Times, New York,
15 ago. 2018. Disponível em: <https://www.nytimes.com/2018/08/15/nyregion/new-york-today-
sunglasses-eye-safety.html>. Acesso em: 01 set. 2018.
726
PRASSL, Jeremias. op. cit., p. 111.
727
BERG, Janine. op. cit., p. 572.
264

horas de trabalho a cada semana ou mês ou o direito de os trabalhadores requererem uma


carga horária mínima após um determinado período de prestação de serviços. Contudo, essas
medidas podem ser insuficientes, especialmente se a quantidade de horas garantidas for
baixa e se antes do lapso temporal para solicitar um mínimo de horas os empregadores
dispensarem os trabalhadores728.
O autor ainda apresenta uma outra alternativa para a remuneração dos trabalhadores
em contexto de imprevisibilidade da carga horária: o preço dinâmico da remuneração no
capitalismo de plataforma. A proposta é que o valor da hora do trabalhador classificado
como casual, ou seja, aquele que não tem um número mínimo de horas garantido por mês,
seja superior em relação ao trabalhador contratado em tempo integral. A Austrália, que
inspirou a proposta, adota esse mecanismo, em que o valor-hora do trabalhador casual é 25%
superior em relação àquele em tempo integral729.
Existem alguns motivos que justificam a adoção desse mecanismo: (i) os
trabalhadores casuais recebem menos benefícios e merecem ser recompensados por isso; (ii)
os casuais geralmente têm produtividade maior que os demais trabalhadores, considerando
que atuam somente nos períodos de aumento da demanda da empresa; (iii) trata-se de uma
forma de recompensar os trabalhadores que estão em situação de insegurança econômica;
(iv) no longo prazo, tende a motivar os empregadores a terem uma maior força de trabalho
em tempo integral a partir da mensuração e estabilização da demanda, uma vez que o valor-
hora desses trabalhadores é mais barato. Um dos desafios é encontrar quão superior deve ser
a hora do trabalhador casual, não devendo ser tão baixa para não ser mais atrativo contratar
somente esses trabalhadores, nem tão alta, para que os trabalhadores em tempo integral não
tentem ser reclassificados como casuais e para não tornar esse instrumento uma forma de
comercialização de direitos730.
Especificamente em relação ao tempo de trabalho, a Organização Internacional do
Trabalho divulgou, em novembro de 2016, o relatório Non-standard employment around the
world: Understanding challenges, shaping prospects. O documento destacou a necessidade
de, entre outras medidas, garantir para os trabalhadores sob demanda e casuais um mínimo
de horas por semana e regras que assegurem previsibilidade para a programação dos horários
de trabalho. O objetivo dessas regras é fazer com que os contratos atípicos não sejam

728
PRASSL, Jeremias. op. cit., p. 108.
729
Id. Ibid., p. 109.
730
Id. Ibid., p. 110.
265

adotados com o único objetivo de reduzirem custos e que os trabalhadores também possam
usufruir dos benefícios dessas modalidades contratuais731.
Valerio de Stefano, Antonio Aloisi e Six Silberman sugerem a regulação do tempo
mínimo de trabalho para os trabalhadores no capitalismo de plataforma a partir das regras
para o emprego casual (ou intermitente), com inspiração no modelo holandês, em que se
adquire o direito a uma quantidade mínima de horas de trabalho com base na média do tempo
trabalhado nos quatro meses anteriores732.
A limitação da jornada de trabalho é um tema que suscita controvérsias. Gustavo
Gauthier entende que se trata de um direito típico do modelo taylorista-fordista, mas que é
incompatível com as relações de trabalho no capitalismo de plataforma, tendo em vista que
é o próprio trabalhador quem define a sua carga horária. O autor identifica que devem ser
construídas proteções com o objetivo de evitar que se tenha de trabalhar longas jornadas para
auferir uma renda mínima diante das baixas remunerações oferecidas pelas plataformas733.
Francesca Columbu e Túlio de Oliveira Massoni apontam que o trabalho à distância
– como ocorre em grande parte das atividades realizadas no capitalismo de plataforma –
torna os contornos de tempo e espaço nebulosos e deixa as suas delimitações incertas e
dúbias. Os autores entendem que esse cenário demanda exercícios hermenêuticos e
propostas legislativas capazes de apreender a fluidez do tempo no trabalho feito com apoio
da tecnologia da informação e comunicação em local diverso do estabelecimento do tomador
de serviços734.
Existem iniciativas que estabelecem restrições ao máximo de horas que os
trabalhadores podem desempenhar as suas atividades. Na maior parte dos casos, essas
regulações são introduzidas sob a justificativa de prevenir a fadiga do motorista, zelando por
sua saúde e segurança, assim como as dos passageiros. Nos Estados Unidos e na África do
Sul, a Uber estabeleceu como regra geral que, após 12 horas de trabalho, o motorista fica
obrigatoriamente 6 horas seguidas desconectado735. Em algumas cidades norte-americanas,
a regulação é mais restrita: em Chicago, os motoristas podem dirigir no máximo 10 horas a
cada período de 24 horas e, em Nova Iorque, além dessa regra, os trabalhadores só podem

731
INTERNATIONAL LABOUR ORGANIZATION. Non-standard employment around the world:
Understanding challenges, shaping prospects. Geneva: ILO, 2016, p. 281-283; 338-339.
732
DE STEFANO, Valerio; ALOISI, Antonio; SILBERMAN, Six. op. cit.
733
GAUTHIER, Gustavo. op. cit., p. 96-97.
734
COLUMBU, Francesca; MASSONI, Túlio de Oliveira. Tempo de trabalho e teletrabalho. In: CONALGNO,
Lorena de Mello Rezende; CHAVES JUNIOR, José Eduardo de Resende; estrada, Manuel Martín Pino
(Coords.). Teletrabalho. São Paulo: LTr, 2017, p. 21; 26.
735
UBER. Another step to prevent drowsy driving; Id. Introducing a new feature: driving hours limit.
Disponível em: <https://www.uber.com/en-ZA/blog/driving-hours-limit>. Acesso em: 12 nov. 2018.
266

realizar atividades por 60 horas na semana736. Em Portugal, a Lei n. 45/2018 previu em seu
art. 13, 1 que os motoristas não podem dirigir por mais de 10 horas dentro de um período de
24 horas, independentemente do número de plataformas para as quais prestem serviços.
Ainda, no art. 13, 2, indica que é responsabilidade das plataformas instituir mecanismos que
assegurem a observância dos limites de jornada. Em todos esses casos, contabiliza-se como
tempo de trabalho somente o período em que o motorista está transportando passageiros.
Ainda sobre o tempo de trabalho, há debate sobre as relações entre flexibilidade da
jornada de trabalho, controle das atividades pelas plataformas e a classificação dos
trabalhadores no capitalismo de plataforma.
Vili Lehdonvirta afirma que, para analisar devidamente a flexibilidade, é necessário
distinguir aquela em que o trabalhador controla os seus horários da outra em que o gerente
é responsável por determiná-los. Enquanto a primeira é positiva para os trabalhadores, a
segunda é negativa, dado que é fonte de incerteza e inviabiliza o planejamento da vida do
trabalhador737.
Na referida pesquisa que o autor desenvolveu com trabalhadores de três plataformas
de crowdwork, incluindo a Amazon Mechanical Turk, foi identificada correlação entre o tipo
de flexibilidade com a disponibilidade para trabalhar e a dependência do trabalho. No caso
de ampla disponibilidade e baixa dependência, há flexibilidade controlada pelo trabalhador.
Nas situações de pouca disponibilidade e alta dependência, a flexibilidade é controlada pela
plataforma ou pelo cliente. Existindo pouca disponibilidade e baixa dependência, os horários
são estabelecidos conforme a coincidência de necessidade entre trabalhador e plataforma ou
cliente. Por fim, quando há ampla disponibilidade e alta dependência, compartilha-se o poder
de decisão dos horários entre trabalhadores e plataforma ou consumidores738.
Benjamin Means e Joseph Seiner afirmam que o trabalhador com poder de decidir
quando irá trabalhar tem um grau de independência maior do que aquele cuja jornada de
trabalho é definida pelo empregador. Os autores entendem que a identificação da
flexibilidade no caso concreto exige análise das condições de trabalho, duração,
exclusividade e número de horas trabalhadas. Para tanto, sugerem que se leve em
consideração três elementos: a preferência dos trabalhadores, a justiça da situação (por

736
UBER. New York City TLC’s driving hours rule. Disponível em: <https://www.uber.com/pt-US/drive/new-
york/resources/driving-hour-limits>. Acesso em: 12 nov. 2018; Id. City of Chicago ordinance: operating
hours cap. Disponível em: <https://www.uber.com/pt-US/drive/chicago/resources/driving-hour-limits>.
Acesso em: 12 nov. 2018.
737
LEHDONVIRTA, Vili. op. cit., p. 15-16.
738
Id. Ibid., p. 24.
267

exemplo, se é razoável conferir direitos trabalhistas a quem desempenha atividades


ocasionalmente, se e quando deseja) e as particularidades de cada trabalhador, dado que as
situações entre as plataformas e mesmo entre os trabalhadores na mesma empresa podem
variar significativamente739.
Os autores analisam casos de várias plataformas para identificarem a existência de
trabalho subordinado ou autônomo. Em relação à Amazon Mechanical Turk, destacam que,
levando em consideração somente as informações de seu site, como o fato de os
trabalhadores executarem tarefas somente quando escolhem, há relação de trabalho
autônomo. Contudo, ao verificarem o caso do trabalhador Otey, que apontava a sua
incapacidade de decidir os seus horários, dado que as tarefas eram feitas somente quando a
plataforma as enviava, constatam, no caso específico, uma relação de emprego740.
No tocante à Uber, Benjamin Means e Joseph Seiner afirmam que há uma grande
flexibilidade de horários, o que indica, como regra geral, que os motoristas são trabalhadores
autônomos. Contudo, admitem que em determinados casos, como o do motorista que aluga
o carro e acaba dirigindo por muitas horas para conseguir obter ganhos mínimos, é possível
identificar o vínculo empregatício741.
Jeremias Prassl afirma que as plataformas geralmente associam a liberdade de os
trabalhadores estabelecerem os seus próprios horários de trabalho com independência, o que
seria possível somente em uma relação de trabalho autônomo. A classificação dos
trabalhadores como empregados afetaria essa característica, uma vez que o horário de
trabalho invariavelmente passaria a ser controlado pela plataforma742.
Cynthia Estlund, ao analisar o caso Uber, coloca que o enquadramento dos
trabalhadores como empregados naturalmente levaria a um aumento de rigidez do tempo de
trabalho. Há sentido econômico nisso: em primeiro lugar, porque pode obter vantagens com
o controle da jornada dos motoristas, o que não é feito atualmente pois a plataforma os
considera autônomos; em segundo lugar, porque lhe permitiria gerenciar os custos
associados à relação de emprego de maneira mais eficiente, como não permitir a realização
de horas extras743.

739
MEANS, Benjamin; SEINER, Joseph. Navigating the Uber economy. UC Davis Law Review, v. 49, p. 1538-
1539, 2016.
740
Id. Ibid., p. 1540-1541.
741
Id. Ibid., p. 1541-1543.
742
PRASSL, Jeremias. op. cit., p. 115.
743
ESTLUND, Cynthia. Why flexibility is not just a trope. OnLabor, Cambridge, 17 may 2018. Disponível em:
<https://onlabor.org/why-flexibility-is-not-just-a-trope>. Acesso em: 17 mai. 2018.
268

Benjamin Sachs discorda do argumento apresentado por Cynthia Estlund. De acordo


com o autor, a flexibilidade dos horários gerenciada pelos motoristas é a razão do sucesso
da Uber. A plataforma depende de uma grande força de trabalho que esteja à disposição para
atender às constantes oscilações da demanda dos passageiros. A Uber não consegue
gerenciar essa flexibilidade, sendo que o seu modelo de negócios foi construído a partir de
uma tecnologia que lhe permite funcionar sem ter essa capacidade. Soma-se a isso o fato da
Uber utilizar a flexibilidade como elemento central de propaganda para atrair motoristas e
transmitir uma imagem positiva para a opinião pública744.
Em relação ao gerenciamento de custos, o autor afirma que a plataforma pode colocar
um limite máximo diário e semanal, para que os motoristas não recebam por horas extras,
destacando que flexibilidade não deveria significar trabalhar longas horas 745. Ainda, como
mencionamos acima, já há limitação do máximo número de horas que os motoristas podem
dirigir em vários países e cidades dos Estados Unidos.
Benjamin Sachs afirma que não existe razão para que a Uber passe a classificar os
motoristas como empregados e, necessariamente, altere a flexibilidade de horários que os
trabalhadores usufruem. Como exemplo, menciona o caso da plataforma Instacart, em que
trabalhadores fazem compras para os clientes da empresa, que os contrata como empregados
e oferece grande liberdade para que decidam os seus horários de trabalho746.

3.4. Organização e atuação coletivas dos trabalhadores


A organização e a atuação coletivas dos trabalhadores foram instrumentos
fundamentais na defesa de seus interesses, especialmente a partir do século XIX. Os
sindicatos ocuparam posição central na formação e afirmação do Direito do Trabalho, cuja
ação foi essencial para o reconhecimento da desigualdade econômica característica da
relação de trabalho e da necessidade de dar um tratamento jurídico à questão em favor dos
trabalhadores. As cooperativas ofereceram a possibilidade de os trabalhadores constituírem
uma entidade para se auxiliarem mutuamente com fins econômicos.
O cenário delineado até o presente momento de poucos avanços em relação às
condições de trabalho e socioeconômicas dos trabalhadores no capitalismo de plataforma
sugere que uma das maneiras mais eficazes para se modificar esse quadro seria por meio da

744
SACHS, Benjamin. Uber, flexibility and employee status. OnLabor, Cambridge, 18 may 2018. Disponível
em: <https://onlabor.org/uber-flexibility-and-employee-status>. Acesso em: 18 mai. 2018.
745
Id. Ibid.
746
Id. Ibid.; INSTACART. Get paid to shop! Disponível em: <https://shoppers.instacart.com>. Acesso em: 14
nov. 2018.
269

organização e atuação coletivas. Contudo, existem grandes dificuldades. Do ponto de vista


da representação e defesa de interesses trabalhistas, identificam-se legislações que inibem
ou desestimulam a ação sindical, a complexidade em se construir laços de solidariedade entre
trabalhadores que não realizam as suas atividades no mesmo espaço e de forma simultânea,
a disseminação de um viés individualista do trabalho que desenvolvem a partir da construção
da imagem de empreendedores e a recusa das plataformas em tratar das demandas dos
trabalhadores por uma perspectiva coletiva. Do ponto de vista da melhoria e do
desenvolvimento econômico do trabalhador, nota-se a falta de apoio técnico e financeiro
para os trabalhadores constituírem cooperativas, legislações que não atendem às demandas
de quem atua no capitalismo de plataforma e as dificuldades em atuar em determinados
setores econômicos nos quais poucas plataformas dominam o mercado.
Em razão das peculiaridades do trabalho sob demanda por meio de aplicativos e do
crowdwork e dos desafios para se organizarem e atuarem coletivamente por meio de
sindicatos e cooperativas, os trabalhadores passaram a fazê-los de maneira alternativa,
usando espaços virtuais, como fóruns online e redes sociais.
Diante do contexto acima descrito e considerando a importância da organização
coletiva dos trabalhadores para que tenham meios de expressarem suas demandas com maior
poder e para atuarem da forma que melhor entenderem, analisaremos a seguir a atuação
conjunta dos trabalhadores no capitalismo de plataforma em entidades sindicais,
cooperativas e espaços virtuais.

3.4.1. Entidades sindicais


As entidades sindicais promovem a organização coletiva dos trabalhadores com dois
principais objetivos: representação e negociação. Os trabalhadores no capitalismo de
plataforma que optarem por atuar a partir de um sindicato terão uma entidade que será a sua
voz na conformação das novas formas de trabalho no mercado e a intérprete de suas
demandas diante de outros atores sociais, além de tratarem de condições de trabalho e outros
temas que entenderem pertinentes com as plataformas e o Poder Público.
Hannah Johnston e Chris Land-Kazlauskas afirmam que as entidades sindicais que
organizam os trabalhadores no capitalismo de plataforma ao redor do mundo adotam cinco
estratégias principais. A primeira é a legal, em que se investe no litígio judicial para fazer as
empresas enquadrarem os trabalhadores como empregados ou nas categorias intermediárias
nos países que as adotam em seus ordenamentos jurídicos. A segunda é o trabalho conjunto
com outras organizações associativas, como guildas. Essas entidades existiram na Europa
270

pré-Revolução Industrial e reapareceram em alguns países do Atlântico Norte com o avanço


do trabalho atípico. Em Nova Iorque, a Guilda dos Motoristas Independentes (Independent
Drivers Guild), afiliada à Associação Internacional dos Trabalhadores Aeroespaciais e
Maquinistas (International Association of Machinists and Aerospace Workers), representa
50.000 motoristas de táxi e de plataformas de transporte e conseguiu estabelecer um canal
de diálogo com a gerência local da Uber747.
A terceira envolve a busca por nova legislação que melhore as condições de trabalho,
como ocorreu em Seattle, nos EUA, com a aprovação de lei que autoriza os motoristas das
plataformas de transporte a se organizarem e negociarem coletivamente. A quarta é o
reconhecimento pelo movimento sindical tradicional da necessidade de atuar junto aos
trabalhadores atípicos e subrepresentados e de alterar o modelo padrão de ação sindical, que
lida como regra geral somente com trabalhador com contrato por tempo indeterminado. Por
fim, a quinta é a criação de entidades sindicais com enfoque para representarem
trabalhadores em contratos atípicos, como os do capitalismo de plataforma, na linha do que
ocorreu com o Sindicato de Trabalhadores Independentes do Reino Unido (Independent
Workers Union of Great Britain), que atua intensamente com os motoristas da Uber e os
entregadores da Deliveroo748.
Valerio de Stefano, Antonio Aloisi e Six Silberman afirmam que as entidades
sindicais constituídas devem apoiar o surgimento de novas organizações que queiram atuar
somente com os trabalhadores do capitalismo de plataforma. Os autores afirmam que a
tentativa de impor uma pauta externa para esse grupo tende a fragmentar a organização
sindical, o que é negativo por enfraquecer a representação sob um ponto de vista mais amplo
e por não permitir a transmissão de experiências adquiridas com o saber prático 749. Um dos
exemplos apontados para ilustrar casos em que o movimento sindical tradicional pode apoiar
essas novas entidades é na disseminação de informações sobre como utilizar os instrumentos
sobre direitos de codeterminação, informação e consulta quando empresas terceirizarem
parte de suas atividades por meio do crowdwork750.
A ação coletiva é de difícil operacionalização. Ruth Berins Collier, Veena Dubal e
Christopher Carter, ao analisarem os movimentos dos motoristas da Uber nos Estados
Unidos, identificam duas formas de protesto. A primeira é a manifestação de rua, em que os

747
JOHNSTON, Hannah; LAND-KAZLAUSKAS, Chris. Organizing on-demand: Representation, voice, and
collective bargaining in the gig economy. Geneva: International Labour Organization, 2018, p. 5-7.
748
Id. Ibid., p. 7-12.
749
DE STEFANO, Valerio; ALOISI, Antonio; SILBERMAN, Six. op. cit.
750
DE STEFANO, Valerio. op. cit., p. 502.
271

trabalhadores fecham avenidas ou ruas para expressarem as suas insatisfações e cobrarem


melhorias. A segunda é a tentativa de coordenar o desligamento do aplicativo por um grande
número de trabalhadores em momentos de elevada demanda. Geralmente, esses protestos
ocorreram por mudanças unilaterais promovidas pela plataforma e que os trabalhadores
entenderam ser prejudiciais, como a redução do preço da tarifa. Contudo, as ações realizadas
até o momento não trouxeram resultados positivos, em razão da dificuldade em reunir uma
quantidade expressiva de motoristas, em conseguir difundir informações sobre os protestos
e em convencer os trabalhadores a participarem751.
Natália das Chagas Moura e Márcio Toledo Gonçalves identificam ações sindicais
realizadas por motoristas da Uber nos Estados Unidos, na Índia e França e questionam o fato
de o Brasil ser um dos maiores mercados da plataforma, mas não ter iniciativas para
sindicalizar os trabalhadores. A hipótese mencionada, a partir de entrevistas com
trabalhadores e relatos apresentados em jornais, é que o receio de retaliação pela Uber afasta
os motoristas das entidades sindicais752.
Existem no Brasil algumas iniciativas para organizar os motoristas de plataformas
de transporte, como se nota em São Paulo, com a criação do Sindicato dos Trabalhadores
com Aplicativos de Transporte Terrestre Intermunicipal do Estado de São Paulo 753 , em
Pernambuco, com o Sindicato dos Motoristas de Transporte Privado Individual de
Passageiros por Aplicativos de Pernambuco754, no Distrito Federal, com o Sindicato dos
Motoristas Autônomos de Transporte Privado Individual por Aplicativos 755, e no Rio de
Janeiro, com o Sindicato dos Motoristas em Transporte Terrestre Individual Privado de
Passageiros por Aplicativo do Rio de Janeiro756. Apesar da identificação das mencionadas
entidades sindicais, não foram verificadas ações coletivas de relevo em favor dos
trabalhadores.
Em relação à negociação coletiva, Hannah Johnston e Chris Land-Kazlauskas
afirmam que os desafios colocados para o desenvolvimento desse instrumento ocorrem pelo

751
COLLIER, Ruth Berins; DUBAL, Veena; CARTER, Christopher. op. cit., p. 15-17.
752
MOURA, Natália das Chagas; GONÇALVES, Márcio Toledo. Atuação sindical transnacional: as redes
sindicais internacionais e os acordos macro globais. In: LEME, Ana Carolina Paes; RODRIGUES, Bruno
Alves; CHAVES JÚNIOR, José Eduardo de Resende (Coords.). Tecnologias disruptivas e a exploração do
trabalho humano: a intermediação de mão de obra a partir das plataformas eletrônicas e seus efeitos jurídicos
e sociais. São Paulo: LTr, 2017, p. 309-311.
753
STATTESP. Página inicial. Disponível em: <http://www.stattesp.com.br>. Acesso em: 29 nov. 2018.
754
SIMTRAPLIPE. Página inicial. Disponível em: <https://www.facebook.com/simtraplipe/>. Acesso em: 29
nov. 2018.
755
SINDIMAAP. Inicial. Disponível: <http://sindmaap.org.br/>. Acesso em: 29 nov. 2018.
756
SIMTRATTIPPRJ. Inicial. Disponível em: <https://simtrattipprj.wordpress.com/>. Acesso em: 29 nov.
2018.
272

fato de o capitalismo de plataforma estar em estágio incipiente, o número de trabalhadores


ainda não ser expressivo, algumas plataformas oferecerem resistência em dialogar, a fixação
coletiva de condições de trabalho para trabalhadores autônomos implicar violação da
legislação antitruste em alguns países e a relação de trabalho ser triangular, o que torna
complexa a atribuição de responsabilidades em tratativas dessa natureza757.
Em que pesem esses obstáculos, Valerio de Stefano entende que a negociação
coletiva tem potencial para desempenhar papel funcional no capitalismo de plataforma,
especialmente em três campos: (i) na qualificação dos trabalhadores, prevendo capacitações
de longo prazo, para que a introdução de novas máquinas nas empresas não enfrente
dificuldades em sua implementação, e para manter os empregados atualizados
profissionalmente; (ii) na regulação do uso de novas tecnologias no local de trabalho, como
a inteligência artificial, o big data e o monitoramento eletrônico da performance dos
trabalhadores, com enfoque na vedação de coleta de informações que extrapolem os limites
da relação de trabalho; (iii) na adaptação das condições de trabalho, uma vez que a
negociação coletiva é o modo mais rápido e flexível para se dar respostas às mudanças que
ocorrem no mundo do trabalho, visto que não aguarda medidas legislativas que podem
demorar para serem aprovadas e as soluções são determinadas pelas partes diretamente
envolvidas. Em razão disso, o autor defende “negociar o algoritmo” como meio de promoção
do diálogo social e beneficiar trabalhadores e empregadores com os aspectos positivos que
a tecnologia pode proporcionar758.
Existem exemplos de acordos coletivos celebrados para abranger trabalhadores no
capitalismo de plataforma. Em 2017, uma plataforma de transporte sueca chamada Bzzzt
aderiu ao instrumento coletivo que regula o contrato de trabalho dos motoristas e firmou
acordo com o Sindicato de Trabalhadores do Transporte Sueco759.
Em 2018, a Federação Unida dos Trabalhadores Dinamarqueses (United Federation
of Danish Workers) celebrou acordo coletivo com a plataforma de serviços domésticos
Hilfr.dk, em que se previu o ingresso dos trabalhadores na plataforma como autônomos.
Contudo, aqueles que trabalharem mais de 100 horas no período de um ano serão
automaticamente reclassificados como empregados e passam a receber todos os direitos
previstos na legislação e no instrumento coletivo. Se o trabalhador quiser se manter como
autônomo, há necessidade de manifestação expressa perante a plataforma. Enquanto o

757
JOHNSTON, Hannah; LAND-KAZLAUSKAS, Chris. op. cit., p. 23-24.
758
DE STEFANO, Valerio. “Negotiating the algorithm”: automation, artificial intelligence and labour
protection. Geneva: International Labour Organization, 2018, p. 21-24.
759
JOHNSTON, Hannah; LAND-KAZLAUSKAS, Chris. op. cit., p. 30.
273

autônomo recebe aproximadamente 15,50 euros por hora, o empregado recebe 19 euros por
hora, pagamento de férias e de benefício em caso de doença, além de ter de ser notificado e
de receber justificativa razoável caso a plataforma decida excluí-lo do aplicativo. Ainda, o
acordo coletivo trata da proteção de dados, em que a plataforma deve ter o consentimento
expresso dos trabalhadores para divulgar suas informações e é possível solicitar a remoção
de conteúdo falso e ofensivo aos trabalhadores760.
Hannah Johnston e Chris Land-Kazlauskas apontam que o modelo de relações
coletivas de trabalho na Suécia – e acrescento também o dinamarquês -, com fortes parceiros
sociais, elevado grau de sindicalização e de cobertura coletiva dos contratos de trabalho e
compromisso de longo prazo para o diálogo social contribui para que as iniciativas
inovadoras em negociação coletiva ocorram nesses países761.
Finalmente, destaca-se que inexistem muitos exemplos de países que regularam a
organização sindical dos trabalhadores no capitalismo de plataforma. Apesar do caso de
Seattle ser recorrentemente mencionado, o Poder Judiciário suspendeu a aplicação da lei em
maio de 2018, o que inviabilizou a organização sindical dos motoristas na cidade 762. Em
2016, a França modificou seu Código do Trabalho e previu, no art. L7342-6, o direito de
organização sindical dos trabalhadores em plataformas e estabeleceu, no art. L7342-5, que
a coordenação de ações coletivas para defender suas demandas não implica responsabilidade
contratual ou motivo para a exclusão da plataforma ou a aplicação de penalidades.

3.4.2. Cooperativismo de plataforma


A criação de cooperativas para organizar atividades econômicas no capitalismo de
plataforma é apontada como meio de superar o debate sobre a classificação dos trabalhadores
como empregados ou autônomos e colocá-los como atores principais na construção de uma
empresa cujo principal objetivo seria promover o desenvolvimento econômico de seus
membros.

760
HALE, Julian. In Demanrk, a historic collective agreement is turning the “bogus self-employed” into
“workers with rights”. Equal Times, Brussels, 04 july 2018. Disponível em:
<https://www.equaltimes.org/in-denmark-a-historic-collective?lang=en#.W-2SBehKiM8>. Acesso em: 03
set. 2018; DE STEFANO, Valerio. Collective bargaining of platform workers: domestic work leads the way.
Regulating for globalization, 10 dec. 2018. Disponível em:
<http://regulatingforglobalization.com/2018/12/10/collective-bargaining-of-platform-workers-domestic-
work-leads-the-way>. Acesso em: 12 dez. 2018.
761
JOHNSTON, Hannah; LAND-KAZLAUSKAS, Chris. op. cit., p. 30.
762
WHEELER, Ryan. Ninth circuit puts the brakes on Uber unionization. OnLabor, Cambridge, 23 may 2018.
Disponível em: <https://onlabor.org/ninth-circuit-puts-the-brakes-on-uber-unionization>. Acesso em: 01
jun. 2018.
274

Hannah Johnston e Chris Land-Kazlauskas afirmam que as cooperativas dão voz e


controle aos trabalhadores na medida em que são proprietários e operadores dessas
organizações. Existem dois modelos que foram adotados no capitalismo de plataforma:
cooperativas criadas para dividirem recursos e melhorarem o acesso a serviços e benefícios,
sendo mais próxima de uma cooperativa de serviços, e o cooperativismo de plataforma, em
que os trabalhadores constituem empresas para atuarem no mercado, assemelhando-se a uma
cooperativa de trabalho763.
As cooperativas de serviços são criadas para oferecerem melhores condições de
trabalho e de vida para trabalhadores. Os autores mencionam, como exemplo, a cooperativa
belga que atua em toda a Europa, a SMart. Inicialmente criada para auxiliar artistas, a
entidade aceita a filiação de trabalhadores de plataforma e negociou com a plataforma de
entregas Deliveroo o conteúdo dos termos e condições de uso e o pagamento de tarifas com
base no salário mínimo belga764.
Em relação ao cooperativismo de plataforma, Trebor Scholz é um dos precursores
da ideia. Segundo o autor, o conceito é dividido em três partes. Em primeiro lugar, trata-se
de mudar o enfoque do capitalismo de plataforma, mantendo-se o destaque ocupado pela
tecnologia no desenvolvimento econômico, mas utilizando-a em um modelo de propriedade
distinto e ligado a valores democráticos. O segundo aborda a solidariedade, em que as
plataformas são de propriedade e administradas por grupos de pessoas vinculadas pelo
objetivo de trabalharem pelo bem comum dos integrantes da organização. O terceiro se
relaciona com a reestruturação das noções de inovação e eficiência, que não devem ser
utilizadas para beneficiar poucos empresários que auferem lucros elevados, mas todos os
trabalhadores que contribuem com a plataforma765.
Trebor Scholz propõe uma tipologia para as cooperativas de plataforma a partir de
experiências concretas e de ideias para o desenvolvimento dessas entidades, alertando que
não se trata de uma lista exaustiva ou que desconsidera o potencial surgimento dessas
organizações em outros setores. O autor identifica: (i) cooperativas proprietárias de
plataformas de intermediação de trabalho sob demanda por meio de aplicativos e de
mercados online, como a Fairmondo, da Alemanha, que se coloca como uma alternativa à
Amazon, e a Coopify, de Nova Iorque, que atua para colocar trabalhadores de baixa renda
no mercado digital, eliminando intermediários e oferecendo apoio, como sistemas de

763
JOHNSTON, Hannah; LAND-KAZLAUSKAS, Chris. op. cit., p. 18.
764
Id. Ibid., p. 18.
765
SCHOLZ, Trebor. op. cit., p. 174-175.
275

referência para trabalho e declaração de impostos; (ii) cooperativas proprietárias de


plataformas controladas por cidades, como a proposta da Allbnb, que operaria nos moldes
do Airbnb, mas distribuiria o dividendo dos seus lucros para os moradores da cidade em que
funcionasse; (iii) cooperativas de plataformas de “produsuários”, em que produtores de
conteúdo artístico, como filmes e fotografias, seriam proprietários de suas próprias
plataformas para divulgar e comercializar suas criações com outros artistas e admiradores
desses trabalhos, como a Stocksy, que atua na área da fotografia; (iv) cooperativas de
plataformas apoiadas por entidades sindicais, como a Union Taxi, criada com auxílio do
CWA local 7777 da cidade de Denver, nos Estados Unidos; (v) cooperativas como resultado
da legislação antitruste, em que os trabalhadores criariam uma plataforma a partir da
infraestrutura de uma outra já existente; (vi) plataforma como protocolo, em que o modelo
de negócios é baseado em facilitar trocas comerciais descentralizadas, como ocorre com a
La Zooz, um aplicativo de caronas de Israel que opera dessa maneira766.
Trebor Scholz ainda destaca dez princípios do cooperativismo de plataforma,
elaborados com o objetivo de fazer com que os trabalhadores se comprometam com os
valores dessa forma de organização. Os princípios versam sobre: (i) propriedade, que deve
ser compartilhada entre os cooperados, permitindo que os resultados obtidos pela plataforma
sejam destinados àqueles que mais contribuem para o seu desenvolvimento; (ii) pagamento
decente e segurança de renda, garantido patamares mínimos aos membros das cooperativas;
(iii) transparência e portabilidade de informações e dados, tanto para os trabalhadores como
para os consumidores; (iv) apreciação e reconhecimento, em que há canal direto de
comunicação entre consumidores e trabalhadores e há necessidade de apresentação de
justificativas quando algumas das regras não são cumpridas, como pontualidade no
pagamento; (v) trabalho codeterminado, em que o envolvimento dos trabalhadores deve
ocorrer desde a concepção da plataforma; (vi) estrutura legal protetiva, removendo todas as
barreiras existentes na legislação para o surgimento e consolidação de cooperativas; (vii)
benefícios e proteção trabalhistas portáteis, em que a mudança de atividade não afeta os
direitos dos trabalhadores; (viii) proteção contra comportamentos arbitrários, como a
vedação de desligamento automático da plataforma; (ix) rejeição da vigilância excessiva no
local de trabalho, como forma de preservar a dignidade e a privacidade dos trabalhadores; e
(x) o direito à desconexão, em que se respeitam intervalos e descansos dos cooperados767.

766
SCHOLZ, Trebor. op. cit., p. 175-179.
767
Id. Ibid., p. 180-183.
276

Ricardo Abramovay afirma que o cooperativismo de plataforma é uma das formas


de se combater a captura de dados e informações produzidos pela cooperação social. A
estrutura aberta e descentralizada das plataformas nesse modelo favorece o
empreendendorismo sem violar a privacidade e sem favorecer a concentração de renda e de
poder. Assim, é possível que os trabalhadores sejam remunerados de maneira adequada e
justa, fato que não ocorre nas plataformas atualmente768.
Yochai Benkler reconhece que o cooperativismo não teve um papel transformador
desde que surgiu nos idos do século XIX. Contudo, identifica uma conjuntura propícia e
quatro fatores que favorecem o desenvolvimento do cooperativismo de plataforma. O
primeiro é a disrupção, em que a incipiência do capitalismo de plataforma permite o
surgimento de empresas com potencial para impactar e redefinir os parâmetros do mercado.
O segundo é a existência de um momento que favorece a cooperação, como a disseminação
de softwares gratuitos e abertos, a construção da Wikipedia e o jornalismo cidadão, com as
pessoas envolvendo-se em atividades sem finalidades lucrativas. O terceiro são as
experiências que a produção colaborativa baseada em recursos comuns pode oferecer para a
organização de cooperativas de plataforma. Finalmente, o funcionamento a partir de redes
pode colocar a atividade econômica desenvolvida pelas plataformas em vantagem diante das
empresas tradicionais769.
Em que pese o cenário favorável para a emergência do cooperativismo de plataforma,
o autor é cauteloso:
em nenhum momento nos dois séculos desde que o cooperativismo surgiu
como um modelo alternativo consciente para a organização moderna da
produção, ele foi tão viável. Que é viável, entretanto, não o torna inevitável.
Como movimento, o cooperativismo somente terá sucesso se
movimentando rápida e decisivamente, aprendendo do passado recente e
dividindo os nossos experimentos e conhecimento de forma rápida e
repetidamente em uma rede de cooperativas770.

768
ABRAMOVAY, Ricardo. op. cit., p. 315-316.
769
BENKLER, Yochai. The realism of cooperativism. In: SCHOLZ, Trebor; SCHNEIDER, Nathan (Eds.).
Ours to hack and to own: the rise of platform cooperativism, a new vision for the future of work and a fairer
internet. New York: OR Books, 2016, p. 91-94.
770
Id. Ibid., p. 95, tradução nossa de: “At no time in the two centuries since cooperativism first appeared as a
conscious alternative model to modern organization of production has it been more feasible. That is feasible,
however, does not make it inevitable. As a movement, cooperativism will only succeed by moving fast and
decisively, learning from the near past, and sharing our experiments and knowledge quickly and repeatedly
in a network of cooperatives”.
277

3.4.3. Espaços virtuais


Uma alternativa às tradicionais formas de organização coletiva dos trabalhadores,
como os sindicatos e as cooperativas, é o uso de espaços virtuais para, em um primeiro
momento, viabilizar a aproximação e a troca de informações daqueles que atuam em
plataformas. Trata-se de uma forma de atuação conveniente para trabalhadores que passam
grande parte dos seus dias conectados à internet e não desempenham suas atividades no
mesmo espaço físico de outros colegas de trabalho.
Os fóruns online são instrumentos muito difundidos entre os trabalhadores sob
demanda por meio de aplicativos e crowdworkers. Em relação ao primeiro grupo, ao
analisarem o comportamento dos motoristas da Uber que utilizavam fóruns online, Alex
Rosenblat e Luke Stark traçaram o seguinte perfil dos usuários: têm dificuldades para
encontrarem informação ou operarem determinada funcionalidade do aplicativo; têm
maiores tendências a expressarem as suas opiniões em espaços públicos; têm a renda do
trabalho com a plataforma como principal fonte de ganhos e têm maior dependência
econômica da atividade771.
Além disso, os trabalhadores sob demanda por meio de aplicativo também utilizam
com frequência as redes sociais para trocarem informações a respeito de alterações
promovidas pela plataforma, locais em que há maior demanda por serviços, melhores
práticas para obterem resultados mais rentáveis, comercialização de produtos que auxiliam
na execução das tarefas e problemas que enfrentaram com clientes.
No tocante aos crowdworkers, é possível apontar que os fóruns online são o principal
mecanismo de comunicação e mobilização entre os trabalhadores. O mais famoso é o
Turkopticon, desenvolvido por Lilly Irani e Six Silberman, que é focado na Amazon
Mechanical Turk e é constituído por um aplicativo de base de dados e uma extensão de
navegador. O primeiro permite que os trabalhadores avaliem os tomadores de serviço, o que
ganha importância na medida que determinadas plataformas, como a AMT, não permitem
que isso seja feito em seu sistema. A extensão do navegador permite que se acrescentem
informações nas avaliações dos tomadores e, em seguida, sejam colocadas na lista de
discussão dos trabalhadores que participam do fórum. Os tomadores de serviço são avaliados
em 4 aspectos: comunicatividade, generosidade, honestidade e agilidade, em uma escala de
0 a 5. Em janeiro de 2016 existiam aproximadamente 56.000 usuários cadastrados no

771
ROSENBLAT, Alex; STARK, Luke. op. cit., p. 3706.
278

Turkopticon e desde o seu lançamento, no início de 2009, mais de 290.000 avaliações foram
realizadas772.
O maior mérito do Turkopticon é reduzir a assimetria de poder existente entre a
plataforma e seus clientes e os trabalhadores, na medida em que abre espaço para a troca de
informações sobre os tomadores de serviço em um cenário no qual inexiste essa
possibilidade na AMT. Desta forma, os trabalhadores reúnem mais elementos para
decidirem se executarão ou não determinada atividade disponível na Amazon Mechanical
Turk773.
Alex Felstiner identifica essas iniciativas de organização online, como o Turkopticon,
de forma positiva, pois podem ser um embrião para a constituição futura de uma entidade,
como sindicato ou associação, que defenda os interesses dos trabalhadores, procure
benefícios que sejam revertidos a todos os filiados, dissemine informações sobre os direitos
dos trabalhadores e seja um centro de coordenação e estratégia de ação coletiva774.

4. Como regular o trabalho no capitalismo de plataforma no Brasil


O estudo da regulação do trabalho no capitalismo de plataforma no Brasil envolve
necessariamente a análise da existência e da dimensão dos elementos fáticos-jurídicos da
relação de emprego, em especial a subordinação e não eventualidade, bem como da
autonomia na relação entre o trabalhador e a plataforma e o tomador de serviços. A partir
daí, é possível apontar o grau de proteção que o modelo brasileiro é capaz de oferecer aos
trabalhadores.
Para analisar esses aspectos no trabalho sob demanda por meio de aplicativos e no
crowdwork, trataremos dos casos da Uber e da Amazon Mechanical Turk, uma vez que foi
possível investigar de maneira mais detalhada a dinâmica das relações de trabalho nas
referidas plataformas.
Em relação à Uber, os elementos pessoa natural e pessoalidade se constatam
facilmente. Apesar de constar nos termos e condições gerais dos serviços de intermediação
digital que o cadastro pode ser feito por pessoa natural ou pessoa jurídica e que mais de um
trabalhador possa ser registrado em uma conta, o serviço de transporte deve ser prestado
pelo motorista que aceita a corrida demandada pelo cliente775. Assim que a plataforma envia
para o usuário a informação sobre quem irá conduzi-lo até o local solicitado, recebe o nome

772
SILBERMAN, M. Six; IRANI, Lilly. op. cit., p. 525-529.
773
Id. Ibid., p. 539.
774
FELSTINER, Alex. op. cit., p. 160.
775
UBER. Termos e condições gerais dos serviços de intermediação digital. cit.
279

do motorista e a placa e o modelo do automóvel e não que determinada pessoa jurídica será
responsável pela atividade ou que certa conta enviará uma pessoa para a execução da tarefa.
A organização do trabalho em conta de pessoas jurídicas ou com mais de um trabalhador
cadastrado pode ter utilidade para o gerenciamento de um mesmo automóvel conduzido por
mais de um trabalhador. Entretanto, cada motorista registrado – tanto em contas de pessoa
jurídica como naquelas com mais de um motorista – tem os seus documentos analisados pela
plataforma antes de poder trabalhar. Além disso, as corridas são oferecidas e aceitas por
trabalhadores individualmente identificados – que não podem enviar um substituto em seu
lugar – e o pagamento e a avaliação são feitos em face de quem desempenhou a atividade.
A prestação do trabalho por uma pessoa que não seja a registrada na conta não está em
conformidade com as regras da plataforma e o seu descumprimento pode acarretar na
aplicação de punição.
A onerosidade também é identificada sem maiores percalços. O motorista presta o
serviço de transporte aguardando a remuneração pela corrida realizada. Os usuários da
plataforma solicitam o serviço tendo conhecimento que pagarão pelo trabalho. E a Uber
organiza a atividade e estabelece o preço das corridas tendo em vista que os motoristas
receberão um valor decorrente das viagens demandadas pelos seus clientes e ficará com uma
taxa, calculada a partir de um percentual que incide no preço de cada corrida.
Em relação à subordinação, se buscarmos o proprietário ou gerente dando ordens e
supervisionando diretamente a atividade dos motoristas, de fato não a identificaremos. Ou
seja, em um primeiro momento, não existiria subordinação do trabalhador por um viés rígido
e conservador. Entretanto, a adoção dessa abordagem nos deixa estacionados no capitalismo
industrial dos trinta anos gloriosos, distanciando-nos do capitalismo de plataforma e em dar
a devida importância ao papel que os métodos de gestão utilizados pela Uber têm na
organização do trabalho. Não há o proprietário ou gerente coordenando pessoalmente a
atividade dos motoristas porque isso é desnecessário: a combinação entre o sistema de
avaliações, as regras fixadas pela plataforma e o algoritmo, em que esse processa
informações que recebe em tempo real e modula determinados aspectos da prestação de
serviços demonstra como é possível constatarmos a subordinação em uma relação de
trabalho sem que exista contato humano direto entre um preposto da empresa e o trabalhador.
Vejamos: a Uber estabelece de forma unilateral o preço das corridas e o valor da taxa
que lhe é devida; quando o motorista recebe uma oferta de viagem, não tem conhecimento
do valor, distância e destino, o que é revelado apenas quando o passageiro entra no veículo;
a rejeição de corridas de forma repetida diminui a quantidade de ofertas feitas ao motorista
280

e, caso atinja determinado nível em certo espaço de tempo, o trabalhador fica sem receber
chamadas por um período; o sistema de avaliações define diversos aspectos do trabalho,
desde a permanência da plataforma até o perfil do cliente que o motorista prestará serviço;
a Uber oferece diversos estímulos pecuniários para que os trabalhadores estejam em horários
e locais em que há maior demanda de seus clientes e para que realizem determinado número
de viagens em um dado período; existem diversas regras que a plataforma estabelece, que
podem ser classificadas em rígidas ou leves conforme a consequência do seu
descumprimento: enquanto as primeiras podem culminar em suspensão ou exclusão do
aplicativo, as segundas levam ao oferecimento de viagens com menor frequência. Em todos
esses aspectos, o algoritmo desempenha um papel central para coordenar e controlar o
trabalho dos motoristas.
A liberdade de o motorista estabelecer os seus próprios horários de trabalho não é
suficiente para afastar a caracterização da subordinação: em primeiro lugar, como apontado
por Benjamin Sachs acima, a flexibilidade de horários da Uber é administrada pela
tecnologia e faz parte da imagem adotada nas propagandas da empresa776; em segundo lugar,
como mencionamos, o modelo de negócios da plataforma é construído para funcionar a partir
da conjugação de uma multidão de motoristas registrados e do gerenciamento algorítmico.
O poder empregatício também é identificado: há poder de direção, quando a Uber
utiliza o gerenciamento automático para coordenar e controlar a atividade dos motoristas; há
poder regulamentar, quando a plataforma estabelece as diretrizes que devem ser observadas
na prestação do serviço; há poder de fiscalizar, o que ocorre por meio do sistema de
avaliações, alimentado pelos clientes, e do acompanhamento das atividades por meio do
aplicativo; há poder disciplinar, que se manifesta quando os trabalhadores são suspensos ou
excluídos do aplicativo por não observarem as regras, como a manutenção da taxa de
aceitação e cancelamento e das notas das viagens dentro dos parâmetros estabelecidos pela
empresa.
Nesse sentido, comungamos da perspectiva de Rodrigo de Lacerda Carelli a respeito
da identificação do controle por programação ou por algoritmo na Uber777. Essa característica
é ressaltada pelo que apontamos como gerenciamento algorítimico na seção 3.5.3 do capítulo
2, expresso nos incentivos psicológicos, estímulo ao cumprimento de objetivos concretos,
ludificação e expedição prospectiva. Ainda, considerando que a plataforma é uma empresa
de prestação de serviços de transportes, é possível identificar a subordinação clássica –

776
SACHS, Benjamin. op. cit.
777
CARELLI, Rodrigo de Lacerda. op. cit., p. 140-142.
281

levando em conta que o algoritmo é o emissor de ordens –, objetiva – uma vez que os
motoristas são essenciais para o serviço de oferta de transporte – e estrutural – dado que os
trabalhadores fazem parte da dinâmica operativa da plataforma. Reforça essa conclusão o
art. 6º, § único da CLT, ao prever a equiparação dos meios telemáticos e informatizados de
comando, controle e supervisão aos mecanismos pessoais e diretos para fins de subordinação
jurídica.
No tocante à não eventualidade, entendemos que a sua constatação depende da
análise do caso concreto, tendo em vista que o trabalhador define os seus horários e que não
é penalizado caso fique um longo período sem se conectar ao aplicativo. Portanto, a
verificação da não eventualidade dependeria da regularidade do motorista realizar viagens e
da análise da intenção em se vincular à plataforma atemporalmente. Embora se admita que,
em determinados casos, é possível não caracterizar esse elemento fático-jurídico da relação
de emprego, muitos trabalhadores prestam serviços de forma corriqueira. Na pesquisa
realizada com os motoristas da Uber na cidade de São Paulo, todos os 102 participantes
dirigiam entre 3 a 7 dias por semana.
Sobre o trabalho autônomo na Uber, levando em conta as características acima
mencionadas por Nelson Mannrich778, identificamos somente a pessoalidade e, em alguns
casos, a habitualidade e a independência econômica. Não entendemos que os trabalhadores
desenvolvem atividade econômica nesse caso, dado que quem o faz é a Uber. Os motoristas
não contam com uma estrutura empresarial, mas a plataforma a tem. A Uber é proprietária
da infraestrutura que viabiliza o negócio de oferta de corridas. Não há independência técnica,
uma vez que se trata de atividade que não requer qualificação e que a Uber estabelece os
carros que aceita para o motorista trabalhar e como o trabalhador deve se comportar. Já a
autonomia, restringe-se à determinação do horário de trabalho.
Considerando os aspectos do trabalho autônomo descritos por Otavio Pinto e Silva779,
percebe-se que os rendimentos da atividade não ficam somente para o trabalhador, uma vez
que a Uber fica com um percentual de cada viagem. Em relação à assunção dos riscos, uma
análise micro nos levaria a apontar que é o sucesso ou o fracasso do trabalhador que
determina se aufere lucros ou sofre prejuízos. Contudo, uma visão macro da atividade
mostra-nos que a Uber é quem assume os riscos, dado que é quem determina a estratégia
comercial da oferta de serviços de transporte. O que ocorre no caso concreto é uma tentativa

778
MANNRICH, Nelson. Reinventando o Direito do Trabalho: novas dimensões do trabalho autônomo. cit., p.
236.
779
SILVA, Otavio Pinto e. op. cit., p. 43-50.
282

da Uber partilhar – indevidamente – a faceta negativa da assunção dos riscos com os


trabalhadores. Finalmente, em relação ao modo de execução do trabalho, já destacamos o
papel do gerenciamento automático, o fato da plataforma fixar o preço e a fiscalização da
atividade que se dá pelo sistema de avaliações.
Portanto, as características do trabalho na Uber que mais o aproximariam do trabalho
autônomo é o fato de os motoristas serem responsáveis pelo automóvel (seja como
proprietários, seja como locatários do veículo) e da liberdade de os trabalhadores definirem
a sua carga horária e os seus horários de trabalho.
Em relação à Amazon Mechanical Turk, os elementos fático-jurídicos pessoa natural
e pessoalidade estão presentes na relação de trabalho. O cadastro na plataforma pode ser
feito somente por pessoas naturais que se identificam individualmente e fornecem seus dados
pessoais. Não há opção de registro de pessoas jurídicas ou de mais de um trabalhador por
conta. Ademais, o acordo de participação estabelece que as tarefas não podem ser executadas
por outra pessoa que não a registrada na plataforma. Há menção expressa quanto à
impossibilidade de terceirizar as atividades ou de realizá-las com auxílio de meios
automatizados.
A onerosidade se identifica pela expectativa das partes na relação de trabalho. Os
clientes da plataforma, quando anunciam o serviço que precisam, indicam o preço que
pagarão para a execução de uma dada tarefa em um período de tempo. Os trabalhadores,
assim que aceitam realizar a atividade, têm conhecimento prévio de quanto irão receber. E a
Amazon Mechanical Turk estabelece um valor mínimo que deve ser pago para cada serviço
e recebe uma taxa paga pelo consumidor calculada sobre o valor pago ao trabalhador.
A subordinação é mitigada na Amazon Mechanical Turk. As decisões relacionadas
à direção, regulamentação, fiscalização e disciplina são diluídas entre os trabalhadores,
plataforma e clientes. Os trabalhadores escolhem o seu trabalho entre as tarefas disponíveis
na AMT e não há consequências que os prejudique na plataforma em decorrência das opções
feitas. Ainda, decidem os horários e os locais em que trabalham. A AMT define as regras
gerais para a prestação do trabalho e alguns aspectos do modo de execução das tarefas, como
a obrigatoriedade da realização na plataforma e a impossibilidade de terceirizar ou
automatizar a atividade. Os clientes determinam os valores das tarefas, fornecem as
orientações para a realização da atividade e controlam a qualidade, com o poder de rejeitar
e não remunerar o trabalho.
O algoritmo que desempenha papel relevante nas atividades realizadas pelos
trabalhadores é do cliente da AMT, o que torna o controle da atividade mais pontual, uma
283

vez que ocorre no período, geralmente pequeno, destinado à execução da tarefa. Além disso,
a dimensão do controle sobre o trabalho não é extensa, dado que há análise somente do
produto final entregue pelo trabalhador para a decisão sobre o pagamento. Nesse sentido,
não se vislumbra o controle por programação.
Não se identifica a subordinação clássica, seja por inexistência da emissão de ordens
diretas, seja por não haver controle por programação. Para se verificar uma potencial
subordinação objetiva, é necessário definir quem desempenha o papel de empregador. Em
relação à AMT, de fato as tarefas executadas pelos trabalhadores podem ser centrais para o
negócio da empresa e essenciais para a finalidade da plataforma, pois oferece tarefas de
inteligência humana e anuncia que um de seus principais atrativos é contar com milhares de
trabalhadores sob demanda espalhados pelo mundo dispostos a realizarem trabalho online e,
em grande parte, relacionado à tecnologia. No tocante à subordinação estrutural, é possível
verificá-la tanto em relação à AMT, uma vez que o trabalhador se insere na dinâmica
operativa da plataforma, como do cliente, dado que a tarefa solicitada pode fazer parte de
sua estrutura organizacional. Contudo, o curto prazo em que os trabalhos são feitos e a
ausência de informações sobre os clientes da AMT tornam a identificação da subordinação
estrutural mais complexa nesse caso.
Sobre a não eventualidade, há necessidade de análise do caso de cada trabalhador,
uma vez que ele é quem decide como, quanto e quando trabalha e inexiste aplicação de
punição para longos períodos sem prestar trabalho na plataforma. Sendo assim, é preciso
verificar a regularidade das atividades e o ânimo do trabalhador para se constatar a presença
desse elemento fático-jurídico. Na pesquisa realizada com brasileiros que atuam na AMT,
quase 80% dos participantes afirmaram trabalhar 3 dias ou mais por semana.
A análise dos casos da Uber e da Amazon Mechanical Turk aponta que não há uma
caracterização imediata do vínculo empregatício na relação entre o trabalhador e a
plataforma. No caso da primeira, depende da análise da não eventualidade. No caso da
segunda, além desse elemento fático-jurídico, a conclusão varia conforme a perspectiva
adotada do fenômeno da subordinação: na clássica, inexiste; na objetiva, há subordinação
em face da Mechanical Turk; na estrutural, há diante da AMT e pode existir em face do
cliente.
Destacamos que existem variações na dinâmica das plataformas, o que prejudica que
as conclusões em face da Uber ou da AMT sejam automaticamente direcionadas para uma
outra plataforma. Isso ocorre com maior intensidade no trabalho sob demanda por meio de
aplicativos, especialmente pelo papel que o algoritmo desempenha em cada plataforma. Há
284

diversos casos em que o sistema de avaliações tem uma função distinta e é utilizado com
maior destaque para os próprios clientes escolherem os trabalhadores. Além disso, há
plataformas que dão maior liberdade para a escolha das tarefas, a exemplo do que ocorre no
crowdwork. De qualquer forma, como exposto anteriormente, a análise de ambas é
fundamental para se pensar a regulação do trabalho no capitalismo de plataforma, dado que
tanto a Uber como a Amazon Mechanical Turk são paradigmas de operação de plataformas
que adotam o trabalho sob demanda por meio de aplicativos e o crowdwork, respectivamente.
A classificação dos trabalhadores como empregados tem a consequência positiva de
garantir um mínimo de proteção, o que tem grande relevância para aqueles que são
dependentes e estão em estado de precariedade. Contudo, uma potencial consequência
negativa é a perda da flexibilidade do horário de trabalho, especialmente na determinação
dos momentos do dia em que executarão as atividades, tendo em vista que as plataformas
poderão controlar a jornada de trabalho. Apesar de nos filiarmos ao entendimento de
Benjamin Sachs780, de que, no caso da Uber, a flexibilidade dos horários dos motoristas faz
parte do modelo de negócio da plataforma e da imagem construída perante a opinião pública,
o que não torna provável a alteração do modo de gerenciar o horário dos trabalhadores, o
fato é que se abre uma possibilidade que não esteve em discussão pública pela empresa até
o momento. Ademais, nem todas as plataformas que utilizam o trabalho sob demanda por
meio de aplicativos necessariamente adotam a mesma estratégia comercial da Uber.
Nesse sentido, é importante apontar que, conforme as pesquisas realizadas, 68,6%
dos motoristas da Uber em São Paulo consideram muito ou médio compatível o horário de
trabalho na plataforma com os seus demais compromissos profissionais ou familiares,
enquanto 90,4% dos brasileiros na AMT fizeram a mesma afirmação. Além disso, parte dos
trabalhadores da Uber apontou que decide o seu horário de trabalho de acordo com os
momentos de maior movimento na cidade ou conforme a sua outra atividade profissional.
Eventual decisão em determinar os horários das atividades dos trabalhadores tem o potencial
de impactar a compatibilidade com outros compromissos familiares ou profissionais que
tenham ou os seus ganhos, uma vez que podem ser designados para trabalharem em
momentos do dia em que a demanda pelo serviço é menor.
Nenhuma das modalidades contratuais existentes no Brasil – por tempo
indeterminado, por tempo determinado, de tempo parcial ou intermitente -, oferece meios
para solucionar esse impasse.

780
SACHS, Benjamin. op. cit.
285

Um deles, em particular, não traria nem a consequência positiva para os


trabalhadores: o contrato intermitente não oferece uma previsibilidade de ganhos mensais
em um cenário no qual somente o empregador tem poderes para estabelecer o horário de
trabalho e não há obrigatoriedade de garantir uma carga horária mínima mensal. Nesse
sentido, um dos participantes da pesquisa com motoristas da Uber em São Paulo afirmou
que “o trabalho com aplicativos é melhor hoje em dia do que as novas regras trabalhistas,
como o trabalho intermitente, em que o trabalhador não tem qualquer segurança”.
Ainda, não se vislumbra vantagem do ponto de vista organizacional para as
plataformas adotarem essa modalidade contratual, dado que as empresas teriam que
comunicar os trabalhadores a respeito da data e da carga horária da atividade com pelo menos
três dias de antecedência, conforme o art. 452-A, § 1º da CLT, o que é incompatível com o
modelo de negócio em que a demanda é mensurada em tempo real.
Ademais, o enquadramento do trabalhador como empregado não resolve a falta de
tratamento legal de questões que emergem nas formas de trabalho no capitalismo de
plataforma e ocupam papel relevante na conformação da relação de trabalho, como
apontamos nas seções 3.3, 3.3.1 e 3.3.2 desse capítulo, especialmente a necessidade de tornar
essa relação mais transparente e de regular o sistema de avaliações.
Portanto, entendemos que o modelo de regulação das relações de trabalho no Brasil
não é suficiente para regrar o trabalho sob demanda por meio de aplicativos e o crowdwork
e é necessário debater o caminho que o Direito do Trabalho deve trilhar para proteger os
trabalhadores no capitalismo de plataforma. Diante disto, apresentaremos a nossa visão
sobre as propostas de regulação descritas acima.
Inicialmente, apontamos que não corroboramos o argumento acerca da necessidade
de prever um tratamento trabalhista diferenciado para plataformas digitais por motivos
econômicos. Não se vislumbra uma dificuldade maior de iniciar um negócio nessa área do
que em outro setor da economia. Além disso, como mostramos no capítulo 1, há diversos
investimentos de capital de risco (venture capital) presentes em plataformas, o que não
ocorre, por exemplo, com pequenos ou microempresários no comércio. Ainda, não se deve
tratar o capitalismo de plataforma como um meio separado do restante da economia. Em
primeiro lugar, porque, como analisamos no capítulo 1, trata-se de setor muito bem inserido
na dinâmica capitalista, potencializando diversas tendências identificadas nas inter-relações
entre tecnologia, instituições e ideologia nas últimas décadas. Em segundo lugar, porque o
seu desenvolvimento depende da capacidade em se disseminar com êxito entre a parcela da
sociedade que faz as trocas sob as premissas da economia capitalista. Em terceiro, porque
286

considerá-la como um setor à parte da economia implicaria a sua operação em sistemas


alternativos de troca, o que definitivamente não é o que ocorre na prática, como estudamos
nos capítulos 1 e 2.
A criação de uma terceira categoria para classificar os trabalhadores tem o mérito de
tentar resolver os problemas do enquadramento a partir de uma nova figura que congrega
parte das características do trabalho subordinado e outras do trabalho autônomo. Assim,
busca oferecer algum grau de proteção aos trabalhadores que se encontram em situações
nebulosas do ponto de vista da natureza da relação com o tomador de serviços. Contudo,
entendemos que não se trata da melhor solução para o caso dos trabalhadores no capitalismo
de plataforma.
Primeiramente, em relação à segurança jurídica, compreendemos o tema como
Emmanuel Dockès781 e Valerio de Stefano782, em que não há razões para se crer na redução
da litigiosidade a respeito da classificação dos trabalhadores. O enquadramento não é feito
automaticamente e continua a demandar exercício de interpretação por parte de quem
contrata mão de obra e, eventualmente, de quem aplica a lei. Contudo, ao invés de uma zona
cinzenta e duas categorias, a atividade de enquadramento dos trabalhadores torna-se mais
complexa, com duas zonas cinzentas e três categorias. Além disso, há o risco de
empregadores utilizarem a nova categoria intermediária para reclassificar os seus atuais
empregados ou contratar trabalhadores sob essa nova figura, com o objetivo de reduzirem
custos trabalhistas, tal como ocorreu na Itália no caso dos parassubordinados, conforme o
relato apresentado por Maurizio Del Conte e Elena Gramano783.
Em segundo lugar, a proposta trabalha com alguns pressupostos que não se
constatam empiricamente no trabalho sob demanda por meio de aplicativos e no crowdwork.
As horas de trabalho são perfeitamente mensuráveis pelas plataformas, que, inclusive, já o
fazem atualmente. Os instrumentos tecnológicos que as empresas dispõem permitem
calcular os períodos em que os trabalhadores estão conectados, desconectados, prestando
serviços ou à espera uma atividade. A necessidade de definir quem é responsável por
remunerar o período em que o trabalhador está à espera de um chamado com mais de um
aplicativo ligado não implica a inviabilidade de ter conhecimento sobre a dimensão da carga
horária do trabalhador e de determinar o responsável pelo pagamento do salário.

781
DOCKÈS, Emmanuel et al. op. cit., p. 5.
782
DE STEFANO, Valerio. op. cit., p. 498.
783
DEL CONTE, Maurizio; GRAMANO, Elena. op. cit., p. 626.
287

Em terceiro lugar, percebe-se que as características que seriam predominantes para


os trabalhadores no capitalismo de plataforma – a mescla de subordinação e autonomia –
para justificar a adoção da nova categoria não são tão marcantes assim. Como apontamos no
capítulo 2 e quando tratamos da subordinação no capitalismo de plataforma, há fortes
evidências que apontam para o predomínio da subordinação em determinados casos.
Ademais, há parcelas consideráveis de trabalhadores que são dependentes do trabalho
realizado na plataforma, conforme verificamos nos estudos de caso.
A proposta apresentada pelo vanguardismo inclusivo tem o mérito de privilegiar a
ação coletiva dos trabalhadores como forma de moldar as mudanças na organização do
trabalho em um contexto no qual se privilegia a negociação entre o capital e o trabalho.
Ainda, não deixa os trabalhadores desorganizados sem proteção, uma vez que se prevê a
aplicação da legislação a esses casos.
Entretanto, entendemos que há mais ônus do que bônus nessa proposta. Em primeiro
lugar, destaca-se que o modelo sindical brasileiro ainda contém características do
corporativismo, o que prejudica a efetiva representação dos trabalhadores. O país fez uma
transição incompleta na Constituição Federal de 1988 e, na reforma trabalhista de 2017 (Lei
n. 13.467/17), abordou somente de um dos aspectos corporativistas remanescentes – a
contribuição sindical - de forma desequilibrada, dado que não previu um modelo de transição,
não regulamentou um modo democrático de financiamento e tratou de forma
desproporcional a fonte de sustentação das entidades representantes dos trabalhadores e dos
empregadores784. Além disso, o país ainda carece de uma legislação que sancione de forma
efetiva condutas antissindicais, o que é fundamental em um modelo no qual a existência da
organização coletiva afasta a aplicação da lei, como se dá na proposta de Roberto
Mangabeira Unger785.
O fato de o vanguardismo inclusivo não sugerir a modificação da legislação que trata
das relações de trabalho, cria situações em que trabalhadores inseridos em grupos que sejam
organizados estejam em arranjos contratuais modernos e adequados à realidade das
mudanças tecnológicas, ao passo que aqueles integrantes de grupos desorganizados ficam
sujeitos à aplicação de uma lei que não atenderá necessariamente às suas necessidades.
Finalmente, apontamos que a proposta do vanguardismo inclusivo está relacionada
à uma série de reformas com o objetivo de espraiar para toda a economia práticas avançadas

784
FOLHA DE SÃO PAULO. Sistema S ajuda sindicato patronal a viver sem imposto sindical. Maio, 2017.
Disponível em: <https://www1.folha.uol.com.br/mercado/2017/05/1880554-sistema-s-ajuda-sindicato-
patronal-a-viver-sem-imposto-sindical.shtml>. Acesso em: 03 dez. 2018.
785
UNGER, Roberto Mangabeira. op. cit., p. 20-25.
288

de produção. Portanto, as mudanças no Direito do Trabalho seriam uma das faces de uma
transformação mais ampla. Nesse sentido, levando em consideração as inter-relações entre
tecnologia, instituições e ideologia em um cenário de peças se movendo, em que desponta
em alguns países o neoliberalismo hiper-reacionário – como é o caso do Brasil -, propostas
como a apresentada por Roberto Mangabeira Unger786 têm reduzida chance de prosperar.
As novas perspectivas sobre o conceito de empregador, em especial a proposta de
Jeremias Prassl 787 sobre o empregador funcional, são interessantes na medida em que
oferecem parâmetros para lidar com relações de trabalho em um contexto de acentuada
fissuração da organização do trabalho. O reconhecimento da possibilidade de mais de uma
pessoa natural ou jurídica atuar como empregadora em uma relação em face do mesmo
trabalhador e a identificação de funções desempenhadas pelos empregadores têm o mérito
de dividirem as responsabilidades entre os tomadores de serviços e facilitarem o
cumprimento da legislação trabalhista nas relações marcadas pela fragmentação da atividade
produtiva.
Levando em conta que as relações entre os trabalhadores e os clientes das
plataformas são de curto prazo, os benefícios da adoção do conceito de empregador
funcional não são tão evidentes no capitalismo de plataforma. A proposta pode operar de
forma mais adequada nos casos em que a relação triangular tem atores que ocupam os papeis
de maneira mais estável ou permanente. Porém, em relações cuja duração máxima é de horas,
torna-se difícil atuar para que a parte cumpra as suas obrigações como empregadora. Se no
exemplo da Uber não houve maiores dificuldades para a identificação de quem atua como
empregador, o autor reconhece que na Amazon Mechanical Turk as responsabilidades ficam
mais diluídas, o que eleva as chances dos trabalhadores não terem os seus direitos observados
em obrigações do cliente da empresa. Uma alternativa para casos como o da AMT seria
deixar todas as obrigações com a plataforma e a empresa repassar esse custo para os
consumidores788. Contudo, essa opção ofusca as inovações propostas por Jeremias Prassl e
não altera de maneira substancial como atualmente se atribui responsabilidades em relações
de trabalho triangulares.
A ampliação subjetiva do Direito do Trabalho e a regulação do trabalho autônomo
sob os princípios desse ramo jurídico têm o mérito de oferecerem um grau de proteção
àqueles não subordinados e que se encontram em posição de desigualdade econômica,

786
UNGER, Roberto Mangabeira. op. cit., p. 25-30.
787
PRASSL, Jeremias. The concept of the employer. cit., p. 157-160.
788
PRASSL, Jeremias; RISAK, Martin. op. cit., p. 626-627.
289

minimizando o debate sobre a classificação dos trabalhadores e facilitando a aplicação de


regras trabalhistas.
Destaca-se que parte das preocupações que motiva essa discussão em alguns países
não se verificam no Brasil, pois determinadas vedações a condutas antidiscriminatórias não
são garantidas somente a quem está em uma relação de emprego, mas a todas as pessoas,
como se percebe na Constituição Federal e no Estatuto da Igualdade Racial (Lei n.
12.288/10). Da mesma forma, há uma série de tratados internacionais de Direitos Humanos
ratificados pelo Brasil e que proíbem práticas dessa natureza de maneira ampla, como o
Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos, o Pacto Internacional de Direitos
Econômicos, Sociais e Culturais e a Convenção Americana de Direitos Humanos, dentre
outros. Além disso, a organização sindical e a promoção da negociação coletiva dos
trabalhadores autônomos são admitidas pelo ordenamento jurídico brasileiro.
Porém, a adoção de reformas com essa perspectiva, em que não se leva em
consideração a existência da nota distintiva que informa a relação de trabalho, pode
enfraquecer o Direito do Trabalho. Se foi concebido um ramo jurídico especializado para
regular as relações de trabalho com o objetivo de mitigar a desigualdade econômica entre o
trabalhador e o tomador de serviço, a ampliação indiscriminada dessas regras coloca em
questão a motivação da existência do Direito do Trabalho. Ademais, a assimetria de poderes
que marca a relação de emprego confere a esse ramo jurídico especializado todo um conjunto
de princípios cuja aplicação pode ser desviada nas relações de trabalho autônomo.
O Direito do Trabalho não é um ramo jurídico com adjetivos, mas um instrumento
para, reconhecendo uma relação de poder desigual, diminuir as distâncias entre trabalhador
e empregador e promover a justiça social. O alargamento desmensurado dos sujeitos
tutelados sem consonância com as suas razões de ser pode enfraquecer o Direito do Trabalho
e desvirtuar a sua natureza jurídica e os princípios que o informam.
Apesar de todo o exposto, não se afasta a possibilidade de o Direito do Trabalho
regular aspectos pontuais do trabalho autônomo, especialmente quando se vislumbra uma
potencial conexão com uma futura relação de emprego. Contudo, isso deve ser feito de forma
pontual e com o objetivo de resguardar situações que o trabalhador poderá vivenciar se
ingressar em uma relação de emprego.
A adoção da dependência como critério para classificar os trabalhadores no
capitalismo de plataforma tem a virtude de deslocar o debate da dinâmica da organização do
trabalho para a forma pela qual os trabalhadores se relacionam com as suas atividades. Ao
invés de direcionar a análise para o funcionamento do algoritmo em uma dada plataforma, o
290

que nem sempre é simples em razão dessas informações não serem abertas e da resistência
das empresas em publicizá-las, esse critério aponta para a importância que a plataforma
possui na subsistência do trabalhador e o espaço disponível para desenvolver atividade
profissional.
Corroboramos o posicionamento apresentado por Alain Supiot 789 e consideramos
positiva a proposta elaborada sob a coordenação de Emmanuel Dockès790. O estabelecimento
de uma categoria de trabalho dependente ao lado do trabalho subordinado permite que
diferentes realidades do mercado de trabalho sejam contempladas na regulação laboral e que
trabalhadores em arranjos contratuais nos quais a subordinação não é identificada sejam
protegidos.
No tocante à segurança jurídica da introdução de uma categoria de trabalho
dependente, não se acredita que todos os problemas relacionados ao enquadramento dos
trabalhadores serão resolvidos. Por mais precisa que a definição legal seja, a dinâmica das
relações de trabalho demandará interpretação jurídica dos fatos. Entretanto, a existência de
uma figura que acresce novas características que devem ser levadas em consideração para
classificar um trabalhador permite que perspectivas inéditas sejam consideradas para
proteger trabalhadores em situação de desigualdade econômica diante dos empregadores.
Ademais, organizar o acesso aos direitos trabalhistas por meio de uma terceira
característica, a dependência, e não de um ponto médio entre a subordinação e a autonomia,
pode dificultar eventuais tentativas em alterar a classificação de empregados para reduzir
custos. É mais fácil proceder dessa forma quando a nova figura funciona com a criação de
fronteiras a partir das categorias existentes, ao passo que a inserção de novos elementos torna
operações dessa natureza mais complexas.
É importante destacar que não se trata de uma nova categoria intermediária, como
descrito na seção 3.2.1 desse capítulo, uma vez que não se pretende reunir na caracterização
do trabalho dependente elementos do trabalho subordinado e do trabalho autônomo. Trata-
se de uma categoria com definição própria e que, na proposta analisada, conforma-se a partir
da situação de vulnerabilidade do trabalhador e da inexistência de meios ou de capacidade
de decisão para executar uma atividade.
A discordância que temos com a proposta coordenada por Emmanuel Dockès791 se
situa na nomenclatura do trabalhador dependente. Ao denominá-lo como “assalariado

789
SUPIOT, Alain. op. cit.
790
DOCKÈS, Emmanuel et al. op. cit.
791
Id. Ibid., p. 5-7.
291

autônomo”, transmite-se a ideia de que a esfera de liberdade do trabalhador é maior do que


a que efetivamente usufrui, tendo em vista que efetivamente há autonomia apenas na escolha
dos horários de trabalho.
A análise empreendida por Murilo Carvalho Sampaio Oliveira 792 , a respeito do
cabimento da reemergência da dependência como nota distintiva da relação de emprego, é
interessante, na medida em que busca o papel que o trabalho ocupa no meio de produção
capitalista para sugerir o desenho da regulação pelo Direito do Trabalho. Entretanto,
entendemos que não basta somente uma alteração interpretativa da expressão “sob
dependência” presente no art. 3º da CLT, tendo em vista que a construção da aplicação do
texto consolidado foi na direção da necessidade de proteger o trabalho subordinado.
Ademais, existem peculiaridades em relação à transparência, sistema de avaliações, sistema
de remuneração e de tempo de trabalho no capitalismo de plataforma que apontam para a
insuficiência da CLT. Portanto, entendemos que há a necessidade de reformas legislativas
para compatibilizar a proteção do trabalho dependente pelo Direito do Trabalho.
Finalmente, destacamos que a adoção do critério da dependência encontra
ressonância na situação dos trabalhadores. Conforme a pesquisa feita com motoristas da
Uber em São Paulo e indicada na seção 3.5.5 do capítulo 2, 77,5% está em situação de
dependência econômica da plataforma. Embora o número de trabalhadores brasileiros da
AMT seja menor (25%), entendemos que se o número de clientes da plataforma aumentar e
houver adequação a algumas peculiaridades do mercado brasileiro, pode haver expansão de
oportunidades para os trabalhadores.
Ressaltamos que, em ambos os casos, os trabalhadores estão em situação de
dependência técnica das empresas para executarem as suas atividades. Os motoristas da Uber
não possuem outra forma de oferecer corridas que não seja pelo aplicativo da empresa. Os
trabalhadores da Amazon Mechanical Turk somente têm acesso às demandas dos tomadores
de serviço e à infraestrutura para a realização das tarefas por meio da plataforma da AMT.
Sendo assim, há dependência para a execução do trabalho.
O contrato de trabalho especial tem a virtude de tratar as particularidades das formas
de trabalho no capitalismo de plataforma de maneira direcionada. Desta forma, ao delimitar
mais precisamente o âmbito de sua aplicação e reduzir a importância do debate sobre a
classificação dos trabalhadores, essa proposta de regulação é capaz de oferecer proteção e

792
OLIVEIRA, Murilo Carvalho Sampaio. op. cit., p. 234.
292

modular a regulação conforme a dinâmica da relação de trabalho específica sem a


preocupação de produzir consequências inesperadas em outras formas laborais.
A sugestão apresentada por Adrian Todolí-Signes793 especifica a aplicação do Direito
do Trabalho adequadamente para abranger somente as atividades que se desenvolvem no
trabalho sob demanda por meio de aplicativos e modula as regras de acordo com as
necessidades dos trabalhadores e as principais características das plataformas.
Não concordamos com as críticas feitas a essa forma de regulação. A existência de
regras trabalhistas especiais destinadas a regular realidades laborais específicas não é uma
novidade. Além dos exemplos italiano e espanhol mencionados por Adrian Todolí-Signes,
o Brasil também apresenta casos nesse sentido, como os rurais (Lei n. 5.889/73), os
domésticos (Lei Complementar n. 150/15), os aeronautas (Lei n. 13.475/17), os portuários
(Lei n. 12.815/13), os caminhoneiros (Lei n. 13.103/15), dentre outros. A criação de
legislação específica para tratar de relações de trabalho que destoam do modelo
tradicionalmente consagrado na CLT em momento algum ameaçou a existência do Direito
do Trabalho ou diminuiu a sua importância. De forma distinta, entendemos que o
reconhecimento de diferenças em uma determinada relação de trabalho e o disciplinamento
próprio da matéria fortalece esse ramo jurídico, na medida em que não força os limites do
regramento geral para situações que merecem um tratamento distinto.
Por fim, compartilhamos a visão de que parte das plataformas consideram os
trabalhadores como autônomos dentro de uma estratégia para redução dos custos com a mão
de obra e que isso tende a continuar mesmo com novas regulações. Entretanto, ao tornar
mais clara a aplicação da lei não somente para as empresas, mas também para os
trabalhadores e os órgãos do sistema público trabalhista, como a Auditoria-fiscal do
Trabalho, o Ministério Público do Trabalho e a Justiça do Trabalho, as tentativas de burlar
a lei tornam-se mais difíceis.
Feitas as nossas considerações sobre as formas de trabalho no capitalismo de
plataforma, os instrumentos disponíveis para a sua regulação no Brasil e as sugestões de
regulação, apresentaremos a nossa proposta. Entendemos que a maneira mais apropriada
para proteger os trabalhadores, sem descaracterizar o desenho do modelo de negócios das
plataformas que adotam o trabalho sob demanda por meio de aplicativos e o crowdwork, é
por meio de uma regulação própria que reúne as propostas do contrato de trabalho especial
e da dependência, além de parte da ampliação subjetiva do Direito do Trabalho. Ou seja,

793
TODOLÍ-SIGNES, Adrian. op. cit., p. 196.
293

defendemos a criação de uma lei para regular especificamente os trabalhadores no


capitalismo de plataforma, em que o seu enquadramento pode ocorrer em três categorias
distintas: autônomo, dependente ou subordinado.
Na linha do exposto acima, quando tratamos dos limites da ampliação subjetiva do
Direito do Trabalho, entendemos que o trabalhador autônomo deve ter direito à portabilidade
das avaliações entre plataformas. Como mencionado, as notas recebidas ocupam papel
central na conformação da relação de trabalho, influenciando desde a distribuição de
trabalho pela plataforma até a facilitação na contratação dos trabalhadores por um cliente da
empresa. Além disso, caso o trabalho sob demanda por meio de aplicativos ou o crowdwork
seja o principal meio de subsistência do trabalhador, o sistema de avaliações ganha maior
importância. Portanto, as avaliações devem ser propriedade dos trabalhadores e não das
plataformas para as quais prestam serviços.
Entendemos ser importante que as plataformas criem mecanismos para que os
trabalhadores expressem suas discordâncias com determinada avaliação feita por um cliente
da empresa e, a partir das informações que dispuser, avaliem o caso. Tal instrumento é
relevante em razão da centralidade dos sistemas de avaliação nas plataformas e como meio
para os trabalhadores manifestarem sua insatisfação quando necessário. No mesmo sentido,
deve ser assegurado o direito de defesa quando a plataforma pretender romper o vínculo com
o trabalhador.
Finalmente, defendemos que a relação do autônomo com a plataforma seja pautada
pela transparência, com direito a ter acesso prévio a informações sobre preço, oferta de
trabalho e o peso do sistema de avaliações para a plataforma. Uma disposição nesse sentido
permitiria que o trabalhador exercesse suas atividades sabendo de antemão as regras do jogo,
dando-lhe condições para o direcionamento e a escolha das tarefas conforme a demanda da
plataforma, evidentemente desde que contasse com um grau de discricionariedade. Desta
forma, receberiam informações sobre o valor e o conteúdo da atividade antes de tomar uma
decisão para executá-la e a recusa não implicaria a aplicação de sanções.
A previsão dos direitos acima – especialmente a portabilidade e o contraditório –
gravitam em torno do sistema de avaliações, o qual, no caso de transição de um regime de
trabalho autônomo para o dependente ou subordinado, continuará a ser determinante para os
trabalhadores. Portanto, levando em conta o nosso posicionamento de que o Direito do
Trabalho pode regular determinados aspectos do trabalho autônomo que tenham conexão
com uma futura relação de emprego, entendemos que a proposta é adequada e coerente.
294

Além dos mencionados direitos, defendemos a aplicação da Declaração da OIT sobre


princípios e direitos fundamentais do trabalho aos autônomos que atuam no capitalismo de
plataforma, na linha do exposto por Valerio de Stefano 794 . A liberdade sindical e o
reconhecimento efetivo da negociação coletiva (presentes nas convenções n. 87 e 98) são
fundamentais para que os trabalhadores possam se organizar coletivamente e pactuem
melhores condições de trabalho. A OIT entende que ambos os direitos devem ser estendidos
aos autônomos, como se nota na Recopilação de decisões do Comitê de Liberdade Sindical,
em seus parágrafos n. 387795 e n. 1285796.
A combinação do acesso a informações e da liberdade sindical permite que os
trabalhadores tenham acesso aos dados básicos dos demais prestadores de serviço, como
nome, contato eletrônico e telefônico, facilitando o contato entre si e lhes permitindo se
organizarem de forma mais efetiva. Nesse caso, em razão do direito à privacidade, o
trabalhador pode optar por não ter os seus dados divulgados para aqueles que desejam
promover a atuação coletiva.
A erradicação de todas as formas de discriminação em matéria de emprego e
ocupação (convenções n. 100 e 111) também não deve ficar restrita aos trabalhadores com
vínculo empregatício, estendendo-a aos autônomos. Como já mencionado, o Brasil já dispõe
de legislação e ratificou tratados internacionais sobre o tema. No mesmo sentido, a
eliminação de todas as formas de trabalho forçado ou obrigatório (convenções n. 29 e 105)

794
DE STEFANO, Valerio. op. cit., p. 475.
795
INTERNATIONAL LABOUR ORGANIZATION. Compilation of decisions of the Committee on Freedom
of Association. 6ª edição. Geneva: ILO, 2018, p. 70: “By virtue of the principles of freedom of association,
all workers – with the sole exception of members of the armed forces and the police – should have the right
to establish and join organizations of their own choosing. The criterion for determining the persons covered
by that right, therefore, is not based on the existence of an employment relationship, which is often non-
existent, for example in the case of agricultural workers, self-employed workers in general or those who
practise liberal professions, who should nevertheless enjoy the right to organize”. Nossa tradução: “com
base no princípio da liberdade sindical, todos os trabalhadores – com a única exceção dos membros das
Forças Armadas e da polícia – devem ter o direito de constituírem e integrarem organizações de suas
escolhas. O critério para determinar as pessoas abrangidas por esse direito, portanto, não se baseia na
existência de uma relação de emprego, a qual frequentemente não é existente, como, por exemplo, no caso
dos trabalhadores rurais, autônomos em geral ou aqueles que exercem profissões liberais, que devem ter o
direito de organização”.
796
Id. Ibid., p. 240: “The Committee requested a Government to take the necessary measures to ensure that
workers who are self-employed could fully enjoy trade union rights for the purpose of furthering and
defending their interest, including by the means of collective bargaining; and to identify, in consultation
with the social partners concerned, the particularities of self-employed workers that have a bearing on
collective bargaining so as to develop specific collective bargaining mechanisms relevant to self-employed
workers, if appropriate”. Nossa tradução: “O Comitê pede ao Governo que tome as medidas necessárias
para garantir que os trabalhadores autônomos possam exercer plenamente os seus direitos sindicais para o
propósito de fomentarem e defenderem os seus interesses, inclusive por meio de negociação coletiva; e
identificar, em consulta com os parceiros sociais interessados, as particularidades dos trabalhadores
autônomos que se relacionam com a negociação coletiva, com o objetivo de estabelecer mecanismos
específicos de negociação coletiva adequados para os trabalhadores autônomos, quando pertinente”.
295

e a abolição efetiva do trabalho infantil (convenções n. 138 e 182) devem ser aplicadas
universalmente, abrangendo os autônomos.
As oito convenções que tratam dos quatro temas mencionados são consideradas
como fundamentais pela OIT e o respeito, promoção e aplicação de cada uma são tidas como
obrigatórias, independentemente de o país ter ratificado esses tratados internacionais de
Direitos Humanos, conforme disposto no art. 2º da Declaração. O Brasil ratificou sete dessas
convenções, não tendo feito somente a da convenção n. 87.
Sendo assim, por se tratarem de princípios e direitos fundamentais do trabalho,
refletirem compromisso internacional no campo dos Direitos Humanos assumido pelo Brasil
e terem abrangência ampla, defendemos que os referidos direitos sejam aplicados aos
trabalhadores autônomos no capitalismo de plataforma.
O trabalho dependente é caracterizado a partir da proposta coordenada por
Emmanuel Dockès797, em que a atividade é desenvolvida em um quadro de dependência e de
assimetria de poderes, uma vez que se sujeita aos meios ou à vontade do tomador de serviços,
e o trabalhador se encontra em situação de vulnerabilidade. Uma das notas distintivas que
conforma as relações de trabalho sob dessa categoria e modula a sua regulação é a
capacidade de o trabalhador definir a sua própria jornada de trabalho.
Todos os direitos reconhecidos aos autônomos – portabilidade, contraditório,
transparência, liberdade sindical, negociação coletiva, proibição do trabalho escravo e
infantil e da discriminação – aplicam-se aos dependentes.
Em razão da dependência da plataforma, os trabalhadores tem direito (i) a escolher
como, quando e quanto trabalhar; (ii) ao salário mínimo (ou piso salarial estabelecido em
instrumento coletivo) proporcional à carga horária mensal; (iii) ao pagamento de salário com
periodicidade máxima mensal; (iv) ao 13º salário e férias, proporcionais ou integrais,
conforme a carga horária; (v) ao FGTS; (vi) ao regramento sobre término do contrato e
remuneração de salário in natura e utilidade conforme as regras vigentes na CLT; (vii) à
limitação da jornada de trabalho em 44 horas semanais e 8 diárias, podendo realizar até 2
horas extraordinárias por dia; (viii) ao descanso semanal remunerado; (ix) ao reembolso dos
custos necessários para a prestação do trabalho, como combustível e manutenção de veículos
para os casos das plataformas de transporte; (x) regras de segurança e saúde no trabalho.
Entendemos que o cálculo do tempo de trabalho deve englobar o período em que o
trabalhador estiver desempenhando a atividade, como mencionado por Benjamin Sachs798,

797
DOCKÈS, Emmanuel et al. op. cit., p. 5-7.
798
SACHS, Benjamin. op. cit.
296

tendo em vista que levar em consideração o período de espera num cenário em que os
trabalhadores têm margem de determinar os seus horários pode ocasionar distorções. Nesse
sentido, nota-se que há distanciamento do critério adotado pela legislação trabalhista
brasileira, que é a disponibilidade, previsto no art. 4º da CLT. Contudo, para que o trabalhar
não seja prejudicado, defendemos a aplicação de um preço dinâmico, nos termos expostos
por Jeremias Prassl799, para o cálculo da remuneração dos trabalhadores, uma vez que não há
carga horária mínima assegurada.
Ainda, aponta-se que os trabalhadores podem realizar atividades para mais de uma
plataforma e são responsáveis pela aquisição dos instrumentos de trabalho, como indicado
por Adrian Todolí-Signes 800 . Em razão da liberdade de definir como, quando e quanto
trabalhar, alguns direitos geralmente atribuídos aos subordinados não seriam aplicáveis aos
dependentes, como a remuneração do trabalho noturno superior à do diurno, assim como
não haveria a responsabilidade, a priori, dos empregadores por situações que decorram da
liberdade na definição dos horários de trabalho.
No trabalho dependente, o poder empregatício da plataforma é mitigado. O poder de
organização não é completo em razão de os trabalhadores determinarem a sua carga horária.
O poder disciplinar não pode abranger situações em que os trabalhadores se recusam a
executarem tarefas. Ademais, o poder regulamentar e de controle devem observar a
flexibilidade dos horários dos trabalhadores. Para os casos que não fossem regulados, aplica-
se a CLT, levando em consideração as peculiaridades dessa categoria.
Finalmente, concebe-se a figura do trabalho subordinado, aplicando-se todas as
regras previstas na CLT. Da mesma forma que ocorre com os dependentes, os direitos
reconhecidos aos autônomos – portabilidade, contraditório, transparência, liberdade sindical,
negociação coletiva, proibição do trabalho escravo e infantil e da discriminação – aplicam-
se aos subordinados, ajustados à existência do poder empregatício na relação entre o
empregado e o empregador. Para os casos das plataformas que optarem por admitir
trabalhadores por meio de contratos intermitentes, acrescenta-se o preço dinâmico, conforme
a proposta de Jeremias Prassl801, para que o seu uso não seja adotado para redução de custos
com mão de obra e o direito a uma carga horária mínima calculada de acordo com a média
de horas trabalhadas nos quatro meses anteriores, na linha da sugestão de Valerio de Stefano,
Antonio Aloisi e Six Silberman802.

799
PRASSL, Jeremias. Humans as a service: the promises and perils of work in the gig economy. cit., p. 109.
800
TODOLÍ-SIGNES, Adrian. op. cit., p. 196.
801
PRASSL, Jeremias. op. cit., p. 109-110.
802
DE STEFANO, Valerio; ALOISI, Antonio; SILBERMAN, Six. op. cit.
297

A nossa proposta de regular o trabalho sob demanda por meio de aplicativos e o


crowdwork de forma direcionada e a partir de três categorias – autônomo, dependente e
subordinado – tem caráter experimental. Primeiramente, porque é uma tentativa de dar uma
resposta direcionada à emergência de novas formas de trabalho, que são uma das faces do
avanço da fragmentação do trabalho, em um contexto no qual não é possível atestar a
dimensão que terão no mercado de trabalho. Com mais dados concretos e análises mais
precisas sobre a sua extensão no futuro, teremos melhores condições em avaliar a pertinência
de aplicar essa regulação para outros grupos de trabalhadores.
Além disso, a nossa sugestão contempla a inserção de uma categoria até então não
adotada no ordenamento jurídico brasileiro, que é o trabalho dependente, e a possibilidade
de classificar o trabalhador em três categorias distintas. Para que se observem as reações dos
atores sociais diante dessas inovações, entendemos que circunscrevê-la a um grupo menor
de trabalhadores permite uma avaliação mais precisa dos acertos e erros da regulação, além
de facilitar a adoção de eventuais medidas corretivas.
Desta forma, ao experimentarmos, em um primeiro momento, esse modelo de
regulação para os trabalhadores no capitalismo de plataforma, é possível identificar o
comportamento do mercado de trabalho em relação a arranjos contratuais com as
características do trabalho sob demanda por meio de aplicativos e do crowdwork –
especialmente para verificar a dimensão que terão –, a postura das plataformas no
cumprimento da legislação e os efeitos nas condições de trabalho e de vida dos trabalhadores.
A partir da análise dos resultados, pode-se considerar expandir o modelo e reformar a
legislação trabalhista de forma mais profunda e adotar os parâmetros aqui indicados.
Finalmente, destacamos a posição que a proposta ocupa nas inter-relações entre
tecnologia, ideologia e instituições. A regulação do trabalho no capitalismo de plataforma a
partir das categorias do trabalho autônomo, dependente e subordinado opera no Direito do
Trabalho e, portanto, no âmbito das instituições.
Na relação entre ideologia e instituições, levando em conta o papel que atribuímos
ao Direito do Trabalho em redistribuir renda e poder, tutelar a dignidade dos trabalhadores,
democratizar o trabalho e promover a ação coletiva e a nossa proposta ser uma expressão
desses valores, entendemos que há um alinhamento com uma política centrada no combate
às desigualdades. Desta forma, identificamos tanto o Direito do Trabalho conformado por
essas ideias, como o combate à desigualdade ser promovido pela sugestão apresentada.
Não ignoramos que, apesar de termos apresentado o cenário de peças se movendo no
capítulo 1, há um avanço do neoliberalismo hiper-reacionário no Brasil. Diante desse cenário,
298

entendemos que as chances de uma proposta nesses moldes avançar, mesmo promovendo
objetivos distintos dessa ideologia, reside no fato de tratar da questão de maneira circunscrita
e de abordar uma situação social que atrai atenção pela relação entre dependência e
precariedade vivenciada por parte dos trabalhadores.
Na relação entre tecnologia e instituições, a proposta reconhece o impacto e as
mudanças que a tecnologia da informação e comunicação e as plataformas digitais produzem
na organização do trabalho e sugere uma regulação alternativa à tradicional. O Direito do
Trabalho, ao prever uma intervenção legal direcionada para o trabalho sob demanda por
meio de aplicativos e para o crowdwork, torna-se um fator que molda as plataformas e a
organização do trabalho.
299

CONCLUSÕES
A tecnologia, o desenvolvimento de técnicas que transformam a organização da
produção e a maneira pela qual construímos ordem em nossa sociedade impactam a forma
como vivemos. A compreensão do papel da tecnologia nos âmbitos econômico, político e
social é decisiva quando se verificam as possibilidades para interferir no mundo e conceber
políticas públicas e regulações que produzam resultado alinhado a determinado objetivo.
As inter-relações entre tecnologia, instituições e ideologia, descritas pela economia
política multidimensional e adotadas nesta tese, ocorrem mutuamente na definição dos
rumos políticos, econômicos e sociais. Sob essa perspectiva, as inovações tecnológicas não
são neutras ou imunes às relações de poder instituídas, mas influenciam as instituições e a
ideologia, assim como são moduladas por ambas.
A análise do presente momento pela economia política multidimensional aponta para
um cenário de peças se movendo. Nesse contexto, existem tensões entre o neoliberalismo e
o combate às desigualdades, há a emergência de novas tecnologias da informação e
comunicação e a busca das instituições pelo seu papel. Se o quadro não nos permite indicar
com precisão caminhos que serão trilhados, abre-nos a possibilidade de analisarmos a
posição que os elementos componentes das referidas dimensões ocuparão.
Nessa conjuntura, uma das matérias que atrai maior atenção, em razão do impacto
das novas tecnologias na organização da produção, é o futuro do trabalho. Do ponto de vista
qualitativo, há razoável consenso quanto ao fato de que mudanças estão em curso. Não há o
mesmo consenso em sua análise. Alguns estudos priorizam o viés da fragmentação e
fissuração do trabalho, ao passo que outros enfatizam as novas qualificações necessárias
para encontrar ocupações no mercado de trabalho. Da perspectiva quantitativa, existem
trabalhos indicando uma queda expressiva do número de empregos, enquanto outros
apresentam dados que apontam poucas mudanças substantivas, além de uma terceira vertente
sugerir que ocorre um movimento de abertura de postos de trabalho que exigem novas
qualificações e de fechamento daqueles não especializados, repetitivos e que não demandam
quaisquer aptidões – nela, o saldo final é favorável à geração de empregos.
A adoção de inovações tecnológicas na organização da produção produz impactos
diversos no mercado de trabalho, como o uso de plataformas para comercializar produtos ou
serviços entre pessoas ou pessoas e empresas. Há uma diversidade de denominações
utilizadas para retratar esse fenômeno. Adotamos o conceito de capitalismo de plataforma
por enfatizar o fato de operar na lógica do modo de produção predominante na sociedade e
300

a centralidade das plataformas no desenvolvimento das atividades econômicas. Também, o


uso do termo é associado a contraposição à uma narrativa convencional excessivamente
acrítica sobre as trocas intermediadas pelas plataformas, ressaltando, dentre outros aspectos,
a manutenção das desigualdades econômicas e a precarização do trabalho, bem como a
imposição de disponibilidade constante dos trabalhadores.
As principais características do trabalho sob demanda por meio de aplicativos são:
(i) as relações de trabalho são triangulares, em que a plataforma ocupa papel importante no
desenvolvimento da atividade econômica comercializada; (ii) o algoritmo tem função central
no gerenciamento automático das tarefas executadas pelos trabalhadores, sendo que a
dimensão do controle é variável entre as plataformas; (iii) os sistemas de avaliações têm
atribuições distintas, desde servirem como referência para a contratação de trabalhadores
pelos usuários até determinarem as suas permanências na plataforma; (iv) o trabalhador
detém certo grau de liberdade para estabelecer os seus horários de trabalho; (v) em geral, há
uma relação entre dependência e precariedade, em que quanto maior a primeira, maior a
segunda.
A plataforma mais famosa que utiliza o trabalho sob demanda por meio de
aplicativos é a Uber, que oferece serviços de transporte. De acordo com a pesquisa realizada
com os seus motoristas em São Paulo, o perfil médio do trabalhador é do sexo masculino
(96,1%), casado (47%), com aproximadamente 40 anos e ensino médio completo (61,8%),
tendo iniciado as atividades há menos de um ano (56,9%) e com intenção de permanecer
indefinidamente na plataforma (76,5%). Os motoristas estão satisfeitos com a Uber em razão
de ser a fonte de renda que lhes permite sobreviverem em um contexto no qual ou não se
encontra outra ocupação (28,4%) ou os valores oferecidos no mercado de trabalho são muito
baixos (32,4%). Os trabalhadores são economicamente dependentes da plataforma (77,5%),
trabalham mais de 10 horas por dia (53%), realizam 19 viagens diárias, recebem entre
R$ 20,00 a R$ 25,00 por hora e definem a carga horária conforme a meta de ganhos,
estabelecida de acordo com suas necessidades de subsistência (55,9%).
A partir da condução do estudo de caso, pudemos verificar que além das
características acima mencionadas, o trabalho ocorre especificamente da seguinte maneira:
(i) a plataforma determina o valor e o momento do pagamento; (ii) a combinação do sistema
de avaliações, do algoritmo e do acompanhamento das atividades por meio do aplicativo
permite um intenso controle das corridas realizadas pelos motoristas e disciplina a mão de
obra; (iii) a coordenação das atividades é feita pelo algoritmo; (iv) existe uma série de
condutas que os motoristas devem observar, sob pena de serem sancionados em caso de
301

descumprimento de parte das recomendações; (v) quanto mais dependentes da Uber para
sobreviverem, maior a precariedade das condições de trabalho; (vi) os motoristas
determinam os seus horários de trabalho; (vii) a Uber ocupa uma posição de poder diante
dos trabalhadores.
No crowdwork, a plataforma é o meio utilizado na execução do trabalho e todas as
relações ocorrem virtualmente no quadro da crowdsourcing, uma espécie de terceirização
online, por meio de uma chamada aberta, para um grupo indefinido, disperso, global e
numeroso de trabalhadores remotos. Muitas das microtarefas se relacionam com o trabalho
cultural, em que os trabalhadores classificam e processam elevadas quantidades de dados.
As principais características do crowdwork são: (i) as relações são triangulares, em
que a plataforma e os seus clientes definem o conteúdo e o modo de execução da atividade;
(ii) o algoritmo e o gerenciamento automático dos clientes das plataformas controlam as
tarefas realizadas pelos trabalhadores; (iii) o sistema de avaliações geralmente é utilizado
pelos clientes para selecionar os contratados; (iv) a definição da jornada de trabalho fica a
critério do trabalhador; (v) existem relações entre dependência e precariedade.
A plataforma mais emblemática que utiliza o crowdwork é a Amazon Mechanical
Turk. Segundo a pesquisa realizada com os seus trabalhadores no Brasil, o perfil médio é de
homens (73%), solteiros (88,4%), com 30 anos de idade e ensino superior completo (71,4%),
atuando há 6 meses ou menos (65,5%), tendo realizado até 200 tarefas (65,3%). A principal
motivação é a complementação de renda (42,4%). Os trabalhadores têm jornada de até 10
horas semanais (72,2%), trabalham 3 dias ou mais por semana (78,9%) e recebem até
R$ 100,00 nesse período (76,9%), valor que é pago por meio de vales que podem ser
utilizados no site da Amazon. Os trabalhadores manifestam desejo de executar mais tarefas
na plataforma (94,2%), mas a baixa remuneração os desestimula (30,6%). Outro foco de
insatisfação é a falta de pagamento mesmo quando realizadas as tarefas.
A dinâmica do trabalho, além de incluir as acima mencionadas sobre o crowdwork,
é a seguinte: (i) o preço da remuneração é fixado pelo cliente; (ii) a ocasião do pagamento é
determinada pela plataforma; (iii) a coordenação do trabalho e o poder disciplinar são
compartilhados pela plataforma e pelo cliente; (iv) o controle das atividades é realizado pelo
cliente, com a possibilidade de não remunerar a tarefa que entender inadequada; (v) quanto
mais dependentes da plataforma, menor o grau de segurança econômica; (vi) os
trabalhadores têm autonomia para definirem os horários de trabalho; (vii) a MTurk e os
clientes ocupam posição de poder diante dos trabalhadores.
302

A disseminação da AMT, no Brasil, é bloqueada pelo fato de a grande maioria das


tarefas disponíveis na plataforma ser em língua inglesa e pela falta de tomadores de serviço
que demandem atividades cujas instruções sejam dadas em português. A baixa remuneração
que geralmente é oferecida e o pagamento não ser em espécie, somados com o fato de a
compreensão do inglês, no Brasil, ser associada a um grau de escolaridade maior, acaba por
não tornar o trabalho na AMT tão atrativo.
Tanto no trabalho sob demanda por meio de aplicativos, como no crowdwork, as
plataformas e os algoritmos são centrais para o desenvolvimento da atividade econômica,
são viabilizadas pelo uso da tecnologia da informação e comunicação, representam uma das
novas fronteiras da fragmentação e fissuração do trabalho, contratam os trabalhadores como
autônomos e frequentemente são consideradas como invisíveis.
A invisibilidade das atividades realizadas pelos trabalhadores no capitalismo de
plataforma decorre do excessivo destaque dado à tecnologia na consecução das tarefas, do
uso de termos que retiram o conteúdo laboral dos serviços executados e do modo de
contratação. Trazer esse trabalho à tona é fundamental para assimilar os seus efeitos e
debater adequadamente a necessidade de regulá-lo, sob o ponto de vista do Direito do
Trabalho.
As diferenças nas projeções sobre o futuro do trabalho mencionadas acima,
especialmente sob a ótica quantitativa, decorrem de recortes setoriais e espaciais distintos,
entendimentos a respeito do comportamento dos atores sociais e compreensões opostas sobre
a repetição de padrões históricos ou a inauguração de novos tempos. Independentemente da
perspectiva que se adote, as formas de trabalho no capitalismo de plataforma já apontam
para efeitos bem concretos do impacto da tecnologia na organização do trabalho: identificou-
se a criação de empregos sem qualquer proteção aos trabalhadores, em que as relações de
trabalho operam em dinâmica distinta da tradicionalmente concebida, com maior espaço
para os trabalhadores determinarem o seu horário de trabalho, e nas quais dependência e
precariedade caminham lado a lado.
Ou seja, para além das discussões sobre a necessidade de preparar a força de trabalho
para um cenário em que as empresas demandarão novas capacidades ou de uma conjuntura
na qual não haverá postos de trabalho suficientes para todas as pessoas, entendemos que os
efeitos imediatos da tecnologia da informação e comunicação no mercado de trabalho são
tangíveis o suficiente para que se coloque o debate sobre a importância de regulação
trabalhista do crowdwork e do trabalho sob demanda por meio de aplicativos. Nesse sentido,
fica patente como a tecnologia não é neutra, uma vez que são visíveis os seus impactos nas
303

dinâmicas de trabalho correntes: as condições de trabalho daqueles que dependem da


plataforma são precárias e a forma pela qual os algoritmos e plataformas operam criam uma
acentuada assimetria de poderes entre as empresas e os trabalhadores. Contudo, entendemos
ser possível pensar em maneiras alternativas de utilizar a tecnologia de forma que existam
aspectos positivos para os trabalhadores.
O Direito do Trabalho, enquanto ramo jurídico concebido para responder à
desigualdade econômica inerente ao contrato de trabalho, estabelecer regras para mitigar
essa assimetria e balanceá-la por meio de proteção jurídica ao trabalhador, é um dos
instrumentos que pode regular o trabalho sob demanda por meio de aplicativos e o
crowdwork. As condições que motivaram o surgimento do Direito do Trabalho permanecem
no capitalismo de plataforma, o que justifica a sua intervenção nesse âmbito para redistribuir
renda e poder, promover a dignidade dos trabalhadores, democratizar o trabalho e viabilizar
a organização e a atuação coletivas.
As dinâmicas do trabalho no capitalismo de plataforma não apontam a necessidade
de transformação da essência, dos paradigmas ou da estrutura do Direito do Trabalho.
Entretanto, há espaço para mudar o seu funcionamento, colocando-se em debate a suficiência
de seus conceitos, a necessidade de redefinição de categorias, a criação de novas regulações
e as perspectivas hermenêuticas, sempre tendo em vista os princípios e funções desse ramo
jurídico, assim como o objetivo de proteger o trabalhador que atua nas plataformas.
Como regra geral, a regulação do trabalho, no Brasil, é diretamente relacionada com
a classificação dos trabalhadores: o enquadramento como empregado é regido pela
Constituição Federal, CLT e leis esparsas, enquanto o autônomo é disciplinado pelo texto
constitucional e pelo Código Civil. Como debatido no Capítulo 3, nenhuma das categorias é
capaz de dar conta completamente das novas dinâmicas de trabalho no capitalismo de
plataforma.
Para ter acesso aos direitos trabalhistas previstos na legislação, é necessário que a
relação de trabalho tenha as seguintes características: pessoa natural, pessoalidade,
onerosidade, não eventualidade e subordinação. A pesquisa realizada com os motoristas da
Uber em São Paulo e a análise dos estudos já feitos sobre a plataforma destacam que a
caracterização do vínculo empregatício depende dos casos concretos e da identificação da
não eventualidade. Além disso, nas demais plataformas que utilizam o trabalho sob demanda
por meio de aplicativos, a depender da intensidade da coordenação e do controle das
atividades realizadas pelos trabalhadores, do monitoramento das tarefas e da centralidade do
304

sistema de avaliações, é possível que não se verifique o elemento fático-jurídico


subordinação.
A pesquisa com os trabalhadores da Amazon Mechanical Turk no Brasil e a análise
dos estudos desenvolvidos sobre a plataforma apontam que a caracterização da relação de
emprego também depende da identificação da não eventualidade e da concepção adotada
sobre a subordinação. Em outras plataformas de crowdwork, a maior liberdade para a escolha
de tarefas pode mitigar as visões da subordinação objetiva ou estrutural no caso concreto.
A principal consequência do não enquadramento do trabalhador como empregado é
a sua classificação como autônomo, deixando-o completamente desprovido de proteção em
um cenário no qual, independentemente da constatação dos cinco elementos fático-jurídicos
que caracterizam a relação de emprego, encontra-se em posição de desigualdade diante da
plataforma. Ou seja, no sistema binário da regulação do trabalho brasileira, a ausência de
algum elemento fático-jurídico deixa o trabalhador completamente desamparado.
E, mesmo que o trabalhador seja classificado como empregado, há peculiaridades do
trabalho sob demanda por meio de aplicativos e do crowdwork não previstos na legislação
vigente. As possibilidades dos trabalhadores em determinarem os seus horários de trabalho
operam em uma lógica distinta da regulação geral do tempo de trabalho prevista na CLT.
Além disso, demandas que surgiram a partir dessas novas formas de trabalho, como a
regulação do sistema de avaliações com a portabilidade e o contraditório em casos de
discordância de notas atribuídas pelos clientes, ficam sem qualquer amparo do ponto de vista
legal.
As insuficiências do modelo de regulação do trabalho no Brasil para o trabalho sob
demanda por meio de aplicativos e para o crowdwork - os critérios da relação de emprego
que não se adequam plenamente às dinâmicas de trabalho e a falta de previsões para regrar
aspectos que surgiram com essas novas formas – acabam por afastar da tutela do Direito do
Trabalho os trabalhadores em situação de vulnerabilidade. Ou seja, aqueles em situação de
desigualdade econômica em uma relação de trabalho ficam sem proteção jurídica apropriada.
Em face desse cenário, apresentamos uma proposta que protege o trabalhador sem
desnaturar o modelo de negócios das plataformas. Entendemos que a intervenção mais
adequada do Direito do Trabalho nas formas de trabalho do capitalismo de plataforma
analisadas nesta tese é a criação de uma legislação específica em que o trabalhador pode ser
classificado em três categorias: autônomo, dependente e subordinado.
Primeiramente, destacamos que há um núcleo de direitos aplicados a todo e qualquer
trabalhador que realize atividades em plataformas: liberdade sindical e o reconhecimento
305

efetivo da negociação coletiva, a erradicação de todas as formas de discriminação em matéria


de emprego e ocupação, a eliminação de todas as formas de trabalho forçado e a abolição
efetiva do trabalho infantil – todos considerados como direitos fundamentais do trabalho
pela OIT -, além do direito à portabilidade das avaliações entre as plataformas, ao
contraditório, à informação ao preço e oferta de trabalho e à transparência quanto à
importância das avaliações para a plataforma.
A proposta de incluir os trabalhadores autônomos na regulação, e estender a eles os
direitos acima mencionados, decorre de os direitos fundamentais do trabalho terem
abrangência subjetiva ampla, cuja aplicação não está sujeita à identificação do vínculo
empregatício. Além disso, a portabilidade, o contraditório, a informação e a transparência
são elementos que gravitam em torno do sistema de avaliações, característica das formas de
trabalho no capitalismo de plataforma que é determinante independentemente da
classificação do trabalhador. Ou seja, caso o trabalhador decida executar atividades em outra
modalidade contratual que não a da autonomia, o histórico de avaliações do trabalhador
continua a ser relevante em termos profissionais e pode influenciar decisivamente o seu
desempenho.
A segunda categoria é o trabalhador dependente. Não se trata de uma figura
intermediária entre o autônomo e o subordinado, mas uma outra categoria com
características distintas de ambas. Adotamos o entendimento apresentado na proposta
coordenada por Emmanuel Dockès, em que o trabalhador se encontra em situação de
vulnerabilidade e, para executar as suas tarefas, depende da vontade ou dos meios do
tomador de serviços.
Por conta da dependência dos trabalhadores da plataforma, sugerimos, além daqueles
direitos indicados no núcleo do trabalho no capitalismo de plataforma, a previsão dos
seguintes: (i) escolher como, quando e quanto trabalhar; (ii) salário mínimo (ou piso salarial
estabelecido em instrumento coletivo) proporcional à carga horária mensal e um preço
dinâmico para o cálculo da remuneração; (iii) o pagamento de salário com periodicidade
máxima mensal; (iv) 13º salário e férias, proporcionais ou integrais, conforme a carga
horária; (v) FGTS; (vi) regramento sobre término do contrato e remuneração de salário in
natura e utilidade conforme as regras vigentes na CLT; (vii) limitação da jornada de trabalho
em 44 horas semanais e 8 diárias, podendo realizar até 2 horas extraordinárias por dia, sendo
que o cálculo do tempo de trabalho leva em consideração o período em que o trabalhador
desempenhar a atividade; (viii) descanso semanal remunerado; (ix) reembolso dos custos
306

necessários para a prestação do trabalho, como combustível e manutenção de veículos para


os casos das plataformas de transporte; (x) regras de segurança e saúde no trabalho.
A terceira categoria é a do trabalho subordinado. Nesse caso, mantém-se o conceito
de empregado previsto na CLT e aplicam-se todos os direitos estabelecidos no texto
consolidado. Além disso, os mencionados direitos pertencentes ao núcleo do trabalho no
capitalismo de plataforma estendem-se aos empregados. E, adicionalmente, para os
empregadores que decidirem contratar trabalhadores por meio dos contratos intermitentes,
propõe-se um preço dinâmico, calculado a partir de um multiplicador sobre o valor do
salário-hora da categoria a qual o trabalhador pertence, e o direito a uma carga horária
mensal mínima, mensurada a partir da média da jornada dos quatro meses anteriores.
A regulação do trabalho sob demanda por meio de aplicativos e do crowdwork a
partir de três categorias – autônomo, dependente e subordinado – é uma proposta de
experimentalismo no Direito do Trabalho, em que se pretende dar uma resposta direcionada
ao impacto da tecnologia da informação e comunicação no mundo do trabalho. Ademais,
considerando que uma das categorias – a dependência – não está prevista no ordenamento
jurídico brasileiro, entendemos ser mais adequada a sua inserção de maneira circunscrita em
um primeiro momento, o que permite uma análise com maior precisão dos efeitos na prática
e, consequentemente, facilita a adoção de medidas corretivas caso haja necessidade.
No tocante às inter-relações previstas na economia política multidimensional,
quando analisamos a ideologia e as instituições, entendemos que a proposta se alinha às
políticas centradas no combate às desigualdades e, mesmo diante de um cenário de avanço
do neoliberalismo hiper-reacionário no Brasil, identificamos que uma sugestão legislativa
direcionada tem maiores possibilidades de progredir. Ademais, a sua inserção no debate
público pode influenciar nas disputas de ideias na sociedade.
Na relação entre tecnologia e instituições, a proposta apresentada leva em
consideração as peculiaridades do trabalho sob demanda por meio de aplicativos e do
crowdwork em razão das inovações tecnológicas e oferece soluções alternativas à regulação
tradicional. Da mesma forma, o Direito do Trabalho produz efeitos na organização das
plataformas, na medida em que estabelece a aplicação de regras laborais para essas formas
de trabalho.
A proposta apresentada para regular as formas de trabalho no capitalismo de
plataforma se limita ao trabalho sob demanda por meio de aplicativos e ao crowdwork e ao
Direito Individual do Trabalho, tratando da classificação dos trabalhadores e de seus direitos
sob essa perspectiva. As inovações tecnológicas produzem efeitos significativos nas relações
307

de trabalho e estamos em um período histórico em que as mudanças ocorrem de maneira


veloz. Novos desenvolvimentos da tecnologia da informação e comunicação podem ensejar
a emergência de outras formas de trabalho, o que exigirá um novo exame sobre o seu impacto
e a adequação da legislação trabalhista para proteger os trabalhadores. A constatação de
sinais robustos em direção de uma das tendências do futuro do trabalho também pode
demandar a reavaliação dos instrumentos de tutela do trabalhador. Ainda, novas pesquisas
sobre as formas de trabalho estudadas nesta tese podem apontar para a necessidade de
regulação de outros aspectos não tratados nesta pesquisa.
A agenda de pesquisa futura para as relações de trabalho no capitalismo de
plataforma, sob a perspectiva do Direito do Trabalho, abrange o acompanhamento do
impacto de novas tecnologias, o aprofundamento da proposta de regulação apresentada, o
estudo de demandas ainda não identificadas, e a necessidade de regulá-las, e a abordagem
dessas relações pelo viés do Direito Coletivo do Trabalho.
O Direito do Trabalho, para continuar a ser um instrumento de redistribuição de
poder e renda e de mitigação da desigualdade econômica nas relações de trabalho, deve olhar
criticamente as transformações no mundo do trabalho sem se apegar às categorias
positivadas no ordenamento jurídico. Nessa tese, buscamos contribuir para a alteração dos
rumos das discussões sobre a proteção do trabalho no capitalismo de plataforma, atualmente
centrada na possibilidade de classificar os trabalhadores como empregados ou autônomos.
A adoção da perspectiva da economia política multidimensional e o desenvolvimento dos
estudos de caso nos permitiram identificar características do trabalho sob demanda por meio
de aplicativos e do crowdwork até então pouco exploradas no debate brasileiro. Assim,
pudemos apresentar um novo modelo de regulação do trabalho para o capitalismo de
plataforma, com três categorias – autônomo, dependente e subordinado – e um conjunto de
direitos alinhado com o impacto das novas tecnologias.
308
309

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WATSON, Bartholomew C. Barcode Empires: Politics, Digital Technology, and


Comparative Retail Firm Strategies. Journal of Industry, Competition and Trade, v. 11, n. 3,
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WE ARE DYNAMO. Guidelines for academic requesters. Disponível em:


<http://guidelines.wearedynamo.org>. Acesso em: 02 fev 2018.

WEBER, Max. The Protestant ethic and the spirit of capitalism. New York: Routledge, 2001.

WEBSTER, Juliet. Microworkers of the Gig Economy: Separate and Precarious. New Labor
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WEIL, David. The fissured workplace: why work became so bad for so many and what can
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338

APÊNDICES
339

APÊNDICE A - RESULTADO DO QUESTIONÁRIO – TRABALHADORES DA


AMAZON MECHANICAL TURK

1) Informações sociodemográficas

1.1) Onde você vive?


Acre 0%
Alagoas 0%
Amapá 0%
Amazonas 1,9%
Bahia 1,9%
Ceará 1,9%
Distrito Federal 7,6%
Espírito Santo 0%
Goiás 3,8%
Maranhão 0%
Mato Grosso 0%
Mato Grosso do Sul 0%
Minas Gerais 11,4%
Pará 0%
Paraíba 0%
Paraná 9,5%
Pernambuco 5,8%
Piauí 1,9%
Rio de Janeiro 9,6%
Rio Grande do Norte 0%
Rio Grande do Sul 11,4%
Rondônia 0%
Roraima 0%
Santa Catarina 0%
São Paulo 33,3%
Sergipe 0%
Tocantins 0%

1.2) Qual é o seu sexo biológico?


Masculino 73%
Feminino 27%

1.3) Qual o seu estado civil?


Solteiro(a) 88,4%
Casado(a) 11,6%
Divorciado(a) 0%
Separado(a) 0%
União estável 0%
Viúvo (a) 0%

1.4) Em que ano você nasceu?


____________________
340

1.5) Como você avalia a sua saúde?


Muito boa 36,6%
Boa 44,3%
Regular 15,3%
Ruim 1,9%
Muito ruim 1,9%

1.6) Atualmente você tem problemas de saúde, física ou mental, ou doenças há pelo
menos 12 meses ou que se espera que durem pelo menos 12 meses?
Sim 21,1%
Não 78,9%

(Se sim em 1.6) 1.6.1) Esse(s) problema(s) de saúde afeta(m) os tipos de trabalho
remunerado que você pode realizar?
Sim 36,6%
Não 63,4%

(Se sim em 1.6) 1.6.2) O seu problema de saúde ou a sua doença reduz a sua
capacidade de realizar atividades cotidianas?
Sim 54,6%
Não 45,4%

1.7) Qual é o seu grau de instrução?


Menos que ensino 0%
médio
Ensino médio 13,4%
Ensino técnico 1,9%
Ensino superior 71,4%
Mestrado 7,6%
Doutorado 5,7%

1.7) Atualmente você está matriculado em algum curso?


Sim 36,6%
Não 63,4%

(Se sim na 1.7) 1.7.1) Você pretende se formar em qual curso?


Ensino médio 0%
Ensino técnico 0%
Ensino superior 73,6%
Mestrado 10,5%
Doutorado 15,9%
341

2) Trabalho na Amazon Mechanical Turk

2.1) Por quanto tempo você está realizando crowdwork? (Por crowdwork
consideramos atividades realizadas em plataformas online em troca de compensação
financeira por indivíduos executando tarefas online, como ocorre com a Amazon
Mechanical Turk)
Menos de um mês 40,5%
De 1 a 6 meses 25%
De 7 até 12 meses 5,8%
Mais de 1 ano 28,7%

2.2) O trabalho sob demanda por meio de aplicativos é a sua principal atividade?
Sim 25%
Não 75%

2.3) Quão satisfeito você está com o trabalho sob demanda por meio de aplicativos?
Muito satisfeito 9,6%
Satisfeito 19,2%
Nem satisfeito nem 59,7%
insatisfeito
Insatisfeito 9,6%
Muito insatisfeito 1,9%

2.3.1) Por favor, descreva as razões pelas quais você está satisfeito ou insatisfeito
com o crowdwork_____________

2.4) O trabalho por meio de aplicativos é a sua principal fonte de renda (por exemplo,
o seu principal trabalho)?
Sim 25%
Não 75%

2.5) Qual a razão mais importante pela qual você realiza trabalho sob demanda por
meio de aplicativos?
Eu não consigo encontrar outro trabalho 9,6%
Eu só posso trabalhar de casa 5,7%
Eu prefiro trabalhar de casa 15,4%
O pagamento é melhor do que nos outros 0%
trabalhos disponíveis
Para complementar a renda dos outros 42,4%
trabalhos
Para ganhar dinheiro enquanto estudo 5,7%
Como forma de lazer 3,8%
Eu gosto 9,6%
Outros. 7,8%

2.5.1) Explique o motivo da resposta indicada na pergunta 2.5. _________________


342

(Se você marcou “eu não consigo encontrar outro trabalho” na 2.5) 2.5.2) Por favor,
selecione quais motivos contribuíram para você não encontrar outro trabalho.
Há falta de trabalho onde eu moro 58,3%
Eu fui discriminado 8,3%
Eu tenho qualificação maior do que a 8,3%
necessária para os trabalhos disponíveis
Eu não tenho qualificação para os trabalhos 16,8%
disponíveis
Outros 8,3%

2.7) Além da Amazon Mechanical Turk, em quantas plataformas você trabalhou


desde que começou a fazer crowdwork?
Nenhuma 57,7%
1-2 28,5%
3-4 9,6%
5-8 3,8%

(Se você marcou 1-2, 3-4 ou 3-4) 2.7.1) Em quais plataformas de crowdwork você
trabalhou?_______________________
CrowdFlower 13,6%
CrowdSource 31,8%
Upwork 7,7%
Outras 46,9%

2.8) Quantas HIT (human intelligence tasks) da Amazon Mechanical Turk você já
realizou?
1-50 44,2%
51-100 13,5%
101-200 7,7%
201-300 1,9%
301-400 1,9%
401-500 1,9%
501-700 3,8%
701-900 0%
Mais de 900 25%

2.9) Qual das seguintes frases melhor descreve as suas habilidades em relação às
atividades disponíveis na Amazon Mechanical Turk?
Eu preciso de mais treinamento para 17,4%
completar todas as tarefas disponíveis na
plataforma
Eu preciso de maior conhecimento em 3,8%
língua inglesa para completar todas as
tarefas disponíveis na plataforma
As minhas qualificações atuais permitem 30,8%
que eu realize as tarefas na plataforma
Eu tenho qualificações que me permitem 48%
fazer tarefas mais complexas que as
disponíveis na plataforma
343

2.10) Por favor, pense em todas as atividades que você realizou em crowdwork no
último ano. Em uma semanal normal de trabalho, quanto tempo (em horas), você
gastava fazendo atividades pagas nas plataformas?
Até 10 horas 72,2%
Mais de 10 até 20 horas 11,5%
Mais de 20 até 30 horas 7,6%
Mais de 30 até 40 horas 3,8%
Mais de 40 horas 1,9%

2.11) Por favor, pense em todas as atividades que você realizou em crowdwork
no último ano. Em uma semana normal de trabalho, quanto tempo (em horas),
você gastava fazendo atividades não pagas nas plataformas (como procurar por
tarefas, ganhar qualificações, pesquisar a reputação dos solicitantes de tarefas
em fórums online, etc)?
Até 10 horas 86,5%
Mais de 10 até 20 horas 5,7%
Mais de 20 até 30 horas 0%
Mais de 30 até 40 horas 0%

2.12) Em uma semana normal de trabalho, quanto você recebe realizando


crowdwork (em reais)?

Até 100 76,9%


Mais de 100 até 250 11,5%
Mais de 250 até 500 5,6%
Mais de 500 0%

2.13) No último mês em que você fez crowdwork, em quantos dias você
trabalhou mais de 10 (dez) horas?
0 80,7%
1-2 15,5%
3-4 0%
5-7 1,9%
Mais de 7 1,9%

2.14) Quantos dias por semana você geralmente realizada crowdwork?


1 15,4%
2 5,7%
3 11,5%
4 17,3%
5 23%
6 7,8%
7 19,3%
344

2.15) Indique o período do dia em que você geralmente realiza crowdwork


(selecione todas que entender pertinentes)
Manhã (5:00-12:00) 40,3%
Tarde (12:00-18:00) 50%
Noite (18:00-22:00) 67,3%
Madrugada (22:00-5:00) 40,3%

2.16) Geralmente, o seu horário de trabalho sob demanda por meio de


aplicativos é compatível com seus outros compromissos familiares?
Muito 65,4%
Médio 25%
Pouco 9,6%
Nada 0%

2.17) Você gostaria de fazer mais crowdwork?


Sim 94,2%
Não 5,8%

(Se sim na 2.17) 2.17.1) Por que você não faz mais crowdwork atualmente?
Eu não sou qualificado para o trabalho 22,5%
disponível nas plataformas
Não há trabalho disponível suficiente 20,4%
O pagamento não é bom o suficiente 30,6%
Eu não tenho mais tempo para fazer o 22,5%
trabalho
Outros 4%

(Se não na 2.17) 2.17.2) Qual a principal razão para você não querer mais
realizar crowdwork?
Eu sou financeiramente estável e 33,3%
trabalho porque quero
Eu ganho dinheiro suficiente nas horas 33,3%
que trabalho atualmente
O pagamento é baixo 33,3%

2.18) Você gostaria de fazer mais trabalhos que não sejam crowdwork?
Sim 90,4%
Não 9,6%

(Se sim em 2.18) 2.18.1) Por que você não faz mais trabalhos que não sejam
crowdwork atualmente?
Eu não sou qualificado para o trabalho 21,3%
disponível nas plataformas
Não há trabalho disponível suficiente 38,3%
O pagamento não é bom o suficiente 8,5%
Eu não tenho mais tempo para fazer o 25,5%
trabalho
Outros 6,4%
345

(Se não em 2.18) 2.18.2) Por que você não gostaria de fazer mais trabalhos que
não sejam crowdwork?
Eu sou financeiramente estável e trabalho 40%
porque quero
Eu ganho dinheiro suficiente nas horas que 40%
trabalho atualmente
Eu quero gastar mais tempo com lazer ou outras 20%
atividades que envolvam trabalho não pago

2.19) No seu trabalho na Amazon Mechanical Turk, alguma vez você teve o
trabalho rejeitado (e não recebeu pagamento?
Sim 55,8%
Não 44,2%

2.20) Qual é a sua taxa de rejeição de HIT (em %)?


Menos de 1 34,4%
De 1 a 5 48,3%
Mais de 5 a 10 10,3%
Mais de 10 a 15 0%
Mais de 15 a 20 3,5%
Mais de 20 a 25 0%
Mais de 25 a 30 3,5%

2.21) Geralmente, você acha que as rejeições são justificáveis?


Todas foram justificáveis 27,6%
A maioria foi justificável 20,7%
Algumas foram justificáveis 17,2%
Poucas foram justificáveis 27,6%
Não foram justificáveis 6,9%

(Se você respondeu qualquer que não “todas foram justificáveis”) 2.21.1) Por
favor, diga-nos por que você achou que a rejeição foi ou não foi justificável. Por
favor, explique. _______________________

3) Outros trabalhos além da Amazon Mechanical Turk

3.1) Em qualquer momento das últimas quatro semanas, você procurou por
qualquer trabalho remunerado, além do crowdwork?
Sim 51,9%
Não 48,1%

(Se sim em 3.1) 3.1.1) Qual a melhor frase descreve o que você estava
procurando como outro trabalho?
Eu estava procurando por um novo trabalho para 25,9%
substituir o crowdwork
Eu estava procurando por um trabalho extra 74,1%
346

(Se sim em 3.1) 3.1.2) Quais são os motivos que te levaram a procurar um outro
trabalho?
Não há trabalho suficiente na plataforma que pague o que 34,6%
eu preciso para viver
Eu realizo crowdwork para preencher o tempo antes de 26,9%
encontrar outro trabalho
Eu quero fazer algo diferente 28,9%
Outros 9,6%

3.2) Além do crowdwork, você tem outro(s) trabalho(s) remunerado(s) ou é


dono(a) de empresa(s)?
Sim 67,3%
Não 32,7%

(Se sim em 3.2) 3.2.1) Além do crowdwork, quantos outros trabalhos


remunerados ou empresas você tem?
1 74,3%
Mais de 1 25,7%

(Se sim em 3.2) 3.2.2) Algum desses trabalhos ou empresas é na economia de


bico (gig economy), economia de compartilhamento ou capitalismo de
plataforma (por exemplo, Uber)?
Sim 20%
Não 80%

(Se sim em 3.2) 3.2.3) Qual a melhor descrição do seu papel no seu outro
trabalho remunerado ou empresa fora do crowdwork?
Empregado trabalhando por salário-hora 8,6%
Empregado com salário mensal 48,6%
Autônomo 25,7%
Proprietário ou sócio em empresa (com empregados remunerados) 11,4%
Proprietário ou sócio em empresa (sem empregados remunerados) 0%
Trabalho sem remuneração 2,7%

(Se sim em 3.2) 3.2.4) Nesse trabalho remunerado ou empresa fora do


crowdwork, quanto do seu tempo você trabalha em casa?
Nenhum 37,1%
Um pouco 8,6%
Algum 34,3%
Todo 20%

(Se sim em 3.2) 3.2.5) Há quanto tempo você trabalha nesse trabalho
remunerado ou tem essa empresa fora do crowdwork?
De 0 até 6 meses 11,4%
Mais de 7 até 12 meses 8,5%
Mais de 1 ano 80,1%
347

(Se sim em 3.2) 3.2.6 Considerando as semanas em que você realizou trabalho
remunerado ou gerenciou a empresa fora do crowdwork no último ano, quanto
você ganhava por mês em média?
Menos de 1000 70,7%
Mais de 1000 até 2000 21,7%
Mais de 2000 até 3000 3,8%
Mais de 3000 3,8%

(Se sim em 3.2) 3.2.7) Considerando o valor que você ganha por hora trabalhada,
você gostaria de trabalhar mais horas nesse trabalho remunerado ou
gerenciando essa empresa fora do crowdwork se tivesse a oportunidade?
Sim 51,4%
Não 48,6%

4) Trabalho pré-Amazon Mechanical Turk

4.1) Imediatamente antes de começar o crowdwork, você


Trabalhava ou gerenciava uma empresa e 50%
continua a fazer atualmente
Trabalhava em um emprego diferente 42,3%
Gerenciava uma empresa que não existe 0%
mais
Estava desempregado 32,7%
Estava na escola 30,8%
Cuidava de crianças, idosos ou pessoas 5,7%
com deficiência

(Se trabalhava em um emprego diferente ou gerenciava uma empresa que não


existe mais em 4.1) 4.1.1) Quanto tempo você trabalhou nessa atividade antes
de começar o crowdwork?
Até 6 meses 14,3%
Mais de 6 meses até 1 ano 28,5%
Mais de 1 ano 57,2%

(Se trabalhava em um emprego diferente ou gerenciava uma empresa que não


existe mais em 4.1) 4.1.2) O trabalho que você realizava antes de começar o
crowdwork era a sua principal fonte de renda?
Sim 85,7%
Não 14,3%

(Se trabalhava em um emprego diferente ou gerenciava uma empresa que não


existe mais em 4.1) 4.1.3) Considerando as semanas que você trabalhou antes
de começar o crowdwork, quanto você ganhava por mês? (em reais)
Menos de 1000 14,2%
Mais de 1000 até 2000 28,6%
Mais de 2000 até 3000 28,6%
Mais de 3000 28,6%
348

4.2) Você saiu do seu trabalho antes de começar o trabalho sob demanda por
meio de aplicativos?
Sim 13,4%
Não 86,6%

(Se não em 4.2) 4.2.1) O trabalho que você fazia antes de começar o crowdwork
é o mesmo trabalho remunerado que você tem fora do crowdwork?
Sim 67,2%
Não 32,8%

(Se sim em 4.2) 4.2.2) Qual a razão pela qual o trabalho que você fazia antes de
começar o crowdwork acabou?
Eu pedi demissão 57,1%
Eu fui dispensado sem justa causa 28,5%
Eu fui dispensado por justa causa 0%
Eu pedi para ser mandado embora 14,4%
Era um trabalho temporário que chegou 0%
ao fim
Eu me aposentei 0%
Outros 0%

5) Situação financeira

5.1) Pensando em todos os trabalhos que você tem atualmente, se comparar as


horas de trabalho que você atualmente faz por semana com as que você fazia
um ano atrás, o número de horas de trabalho semanal
Aumentou 44,2%
Manteve-se 30,8%
Diminuiu 25%

5.2) Você é a pessoa que mais contribui para a renda do lar? (considere todas as
pessoas que contribuem financeiramente para a manutenção da residência)
Sim 34,6%
Não 65,4%

5.3) Pensando na renda que você obtém de todos os seus trabalhos, se comparar
o que você recebe atualmente por mês com o que recebia um ano atrás, a sua
renda mensal...
Aumentou 30,8%
Manteve-se 34,6%
Diminuiu 34,6%

5.4) Qual o valor da renda que você obtém atualmente de todos os seus trabalhos
mensalmente?
Até 1000 28,8%
Mais de 1000 até 2000 25%
Mais de 2000 até 3000 13,4%
Mais de 3000 32,8%
349

5.5) Considerando outras fontes de renda que você tem acesso, o(a) seu(ua)
esposo(a), companheiro(a), parceiro(a) ou quem vive junto com você contribui
no orçamento doméstico?
Sim 76,9%
Não 23,1%

5.6) Além da renda do seu trabalho e de outras pessoas que vivem com você, o
orçamento doméstico é complementado por alguma fonte de renda (por
exemplo, benefício da Previdência Social, recebimento de aluguel, pensão,
dentre outros)?
Sim 32,7%
Não 67,3%

5.7) A sua família te ajuda financeiramente?


Sim 63,4%
Não 36,6%

5.8) Considerando a renda mensal do seu lar, ela é suficiente para cobrir os
gastos básicos necessários para viver? (por exemplo, com moradia, alimentação,
roupas, transporte)?
Sim 90,4%
Não 9,6%

5.9) Quanto você consegue economizar em média por mês?


0 34,6%
Até 100 23,2%
Mais de 100 até 500 21,1%
Mais de 500 21,1%

5.10) Você tem casa própria?


Sim 44,2%
Sim, mas estou pagando financiamento 5,8%
Não 50%

(Se não em 5.10) 5.10.1) Por favor, selecione a melhor descrição de onde você
vive?
Eu alugo uma casa/apartamento 50%
Eu vivo de graça (com família, amigos, etc) 50%
Outros 0%

5.11) Você faz parte de um sistema de aposentadoria (pública ou privada) que


vai te garantir uma determinada renda quanto você se aposentar?
Sim 28,8%
Não 71,2%
350

5.12) Algum dos trabalhos que você faz promove o recolhimento da


contribuição para a Previdência Social ou você recolhe voluntariamente para a
Previdência Social?
Sim 38,5%
Não 61,5%

5.13) Você tem plano de saúde?


Sim 63,5%
Não 36,5%

(Se sim em 5.13) 5.13.1) O seu plano de saúde é financiado:


por um dos seus empregadores 36,4%
por você e pelos seus empregadores 0%
Por um dos empregadores de um dos membros de sua família 30,3%
Somente por você 33,3%

6 ) Se você pudesse mudar algo no trabalho sob demanda por meio de


aplicativos, o que seria?
_______________________________________________________________

7) Você tem outros pensamentos que gostaria de dividir sobre a experiência no


trabalho sob demanda por meio de aplicativos?
_______________________________________________________________

Perguntas-teste

1.8) Quantos homens já pularam do Planeta Terra e tocaram o Sol com as duas
mãos?
Muitos 7,2%
Nenhum 92,8%
Alguns 0%

2.19) Por favor, indique o quanto você concorda ou discorda das seguintes
frases

Discorda Discorda Não Concorda Concorda


fortemente um pouco concorda um pouco fortemente
nem
discorda
Crowdwork 0% 3,8% 5,7% 53,9% 36,6%
pode ser
divertido
Eu morei 100% 0% 0% 0% 0%
em todos os
países do
mundo uma
vez por ano
351

Eu gosto de 0% 7,7% 13,5% 48% 30,7%


responder
pesquisas
online
Um mais 7,1% 0% 0% 0% 92,9%
três nunca é
igual a sete
Eu prefiro 7,7% 15,4% 30,7% 26,9% 19,3%
responder
pesquisas
do que
outras
atividades
de
crowdwork
A resposta 1,9% 0% 92,9% 0% 5,8%
deste item é
“não
concorda
nem
discorda”

3.3) Quantos homens moram em Saturno?


Um milhão 7,1%
Duzentos mil 0%
Nenhum 92,9%
Cento e oitenta e nove 0%

4.3) Em qual planeta você mora?


Sol 7,1%
Lua 0%
Terra 92,9%

5.14) 1 + 1 =
0 7,1%
1 0%
2 92,9%
352

APÊNDICE B - RESULTADO DO QUESTIONÁRIO – MOTORISTAS DA UBER

1) Informações sociodemográficas

1.1) Onde você vive?


São Paulo 57,8%
Grande São Paulo 41,2%
Outra cidade 1%

1.2) Qual é o seu sexo biológico?


Masculino 96,1%
Feminino 3,9%

1.3) Em que ano você nasceu?


____________________

1.4) Qual o seu estado civil?


Solteiro(a) 32,3%
Casado(a) 47%
Divorciado(a) 6,9%
Separado(a) 2%
União estável 11,8%
Viúvo (a) 0%

1.5) Qual é o seu grau de instrução?


Menos que ensino 11,8%
médio
Ensino médio 61,8%
Ensino técnico 2,9%
Ensino superior 23,5%

1.6) Atualmente você está matriculado em algum curso?


Sim 88,2%
Não 11,8%

(Se sim na 1.6) 1.6.1) Você pretende se formar em qual curso?


Ensino médio 8,3%
Ensino técnico 0%
Ensino superior 91,7%
Mestrado 0%
Doutorado 0%
353

2) Trabalho na Uber

2.1) Por quanto tempo você está realizando trabalho sob demanda por meio de
aplicativos? (Por trabalho sob demanda por meio de aplicativos, consideramos
atividades realizadas por trabalhadores e demandadas pelos consumidores a partir de
aplicativos, como ocorre com a Uber)
Menos de um mês 9,8%
De 1 até 12 meses 47,1%
Mais de 1 ano 43,1%

2.2) Por mais quanto tempo você pretende ficar no trabalho sob demanda por meio
de aplicativos?
Menos de um mês 9,8%
De 1 até 12 meses 13,7%
Indefinidamente 76,5%

2.3) O trabalho sob demanda por meio de aplicativos é a sua principal atividade?
Sim 80,4%
Não 19,6%

2.4) Quão satisfeito você está com o trabalho sob demanda por meio de aplicativos?
Muito satisfeito 19,6%
Satisfeito 56,9%
Nem satisfeito nem 18,6%
insatisfeito
Insatisfeito 4,9%
Muito insatisfeito 0%

2.4.1) Por favor, descreva as razões pelas quais você está satisfeito ou insatisfeito
com o trabalho sob demanda por meio de aplicativos_____________

2.5) O trabalho por meio de aplicativos é a sua principal fonte de renda (por exemplo,
o seu principal trabalho)?
Sim 77,5%
Não 22,5%

2.6) Qual a razão mais importante pela qual você realiza trabalho sob demanda por
meio de aplicativos?
Eu não consigo encontrar outro trabalho 28,4%
O pagamento é melhor do que nos outros 32,4%
trabalhos disponíveis
Para complementar a renda dos outros 26,5%
trabalhos
Para ganhar dinheiro enquanto estudo 2,9%
Como forma de lazer 0%
Outros. 9,8%
354

2.7) Além da Uber, em quais plataformas você trabalhou desde que começou a fazer
trabalho sob demanda por meio de aplicativos?
Nenhuma 45,1%
Easy 0%
99 48%
Cabify 1%
Duas dessas plataformas 4,9%
Mais de duas dessas plataformas 1%

2.8) Quantas viagens com a Uber você já realizou?_____

2.9) Por favor, pense em todas as atividades que você realizou em trabalho sob
demanda por meio de aplicativos no último ano. Em um dia normal de trabalho,
quanto tempo (em horas), você gastava fazendo atividades nas plataformas?
De 1 até 4 0%
Mais de 4 até 8 23,5%
Mais de 8 até 10 23,5%
Mais de 10 até 12 21,6%
Mais de 12 31,4%

2.10) Por favor, pense em todas as atividades que você realizou em trabalho sob
demanda por meio de aplicativos no último ano. Em um dia normal de trabalho,
quanto tempo (em horas), você gastava fazendo atividades não pagas nas
plataformas (como esperar por chamados)?
Menos de 1 32,4%
De 1 até 2 49%
Mais de 2 até 4 17,6%
Mais de 4 1%

2.11) Em um dia normal de trabalho, quanto você recebe realizando trabalho


sob demanda por meio de aplicativos (em reais), descontada a taxa do
aplicativo?
Até 200 43,1%
Mais de 200 até 500 56,9%
Mais de 500 até 1000 0%
Mais de 1000 0%

2.11.1) Em um dia normal de trabalho, quanto você gasta com despesas fixas
para trabalhar (como combustível, seguro, manutenção, depreciação, limpeza,
telefone celular, plano de dados, etc)?
Até 50 35,3%
Mais de 50 até 100 55,9%
Mais de 100 até 200 8,8%
Mais de 200 0%

2.11.2) Você controla os gastos fixos que você tem?


Sim 72,5%
Não 27,5%
355

2.12) Em um dia normal de trabalho, quantas viagens você realiza?___

2.13) Na última semana em que você realizou trabalho sob demanda por meio
de aplicativos, em quantos dias você trabalhou por mais de 10 horas?
0 32,4%
Até 2 13,7%
Mais de 2 até 5 28,4%
Mais de 5 25,5%

2.14) Quantos dias por semana você geralmente realiza trabalho sob demanda
por meio de aplicativos?
Até 2 0%
Mais de 2 até 5 31,4%
Mais de 5 68,6%

2.15) Por favor, indique os períodos do dia em que você geralmente realiza
trabalho sob demanda por meio de aplicativos.
Manhã (5:00-12:00) 86,3%
Tarde (12:00-18:00) 86,3%
Noite (18:00-22:00) 62,7%
Madrugada (22:00-5:00) 15,7%

2.16) Como você decide quantas horas irá trabalhar em um determinado dia?_

2.17) Geralmente, o seu horário de trabalho sob demanda por meio de


aplicativos é compatível com seus outros compromissos familiares?
Muito 30,4%
Médio 38,2%
Pouco 17,6%
Nada 13,7%

2.18) Como você avalia o preço dinâmico da Uber?


Positivo 67,6%
Negativo 8,8%
Indiferente 23,5%

2.19) Se você identifica o preço dinâmico, você dirige por mais tempo no dia?
Sim 40,2%
Não 59,8%

2.20) Você sente que a Uber te induz a realizar corridas quando há preço
dinâmico?
Sim 24,5%
Não 75,5%

2.21) A Uber lhe forneceu algum dos instrumentos que você usa para trabalhar
(como carro, telefone celular, seguro etc)?
Sim 0%
Não 100%
356

2.22) Qual é a situação do veículo que você usa para trabalhar?


Proprietário antes de começar a trabalhar para a Uber 33,3%
Proprietário e comprei para trabalhar para a Uber 35,3%
Alugado 29,4%
Emprestado 2%

2.23) Qual o modalidade de corridas pela Uber você realiza com mais frequência?
UberPool 0%
UberX 96,1%
UberSelect 2,9%
UberBlack 1%
UberBag 0%
UberBlackBag 0%

2.23.1) Qual é a melhor modalidade que você é cadastrado? Por quê?_____

2.23.2) Qual é a pior modalidade que você é cadastrado? Por quê?_______

2.24) Você gostaria de realizar mais trabalho sob demanda por meio de aplicativos?
Sim 70,6%
Não 29,4%

(Se sim em 2.24) 2.24.1) Por que você não faz mais trabalho sob demanda por meio
de aplicativos atualmente?
Não há trabalho suficiente disponível 6,3%
O pagamento não é bom o suficiente 15,6%
Eu não tenho mais tempo para fazer o trabalho 59,4%
Outros 18,8%

(Se não em 2.24) 2.24.2) Por que você não gostaria de fazer mais trabalho sob
demanda por meio de aplicativos?
Eu sou estudante 2,9%
Eu sou financeiramente estável 2,9%
Eu ganho dinheiro suficiente nas horas que 18,6%
trabalho atualmente
Eu tenho compromissos diários que me 11,4%
impedem de trabalhar mais
Eu quero gastar mais tempo com lazer ou 14,3%
outras atividades que envolvem trabalho
não pago
Eu quero realizar trabalhos diferentes do 14,3%
trabalho sob demanda por meio de
aplicativos
Outros 35,7%

2.25) Você gostaria de fazer mais trabalhos que não sejam trabalho sob demanda por
meio de aplicativos?
Sim 68,6%
Não 31,4%
357

(Se sim em 2.25) 2.25.1) Por que você não faz mais trabalhos que não sejam trabalho
sob demanda por meio de aplicativos atualmente?
Não há trabalho suficiente disponível 60%
O pagamento não é bom o suficiente 15,7%
Eu não tenho mais tempo para fazer o 1,4%
trabalho
Outros 22,9%

(Se não em 2.25) 2.25.2) Por que você não gostaria de fazer mais trabalhos que não
sejam trabalho sob demanda por meio de aplicativos?
Eu sou estudante 9,4%
Eu sou financeiramente estável 3,1%
Eu ganho dinheiro suficiente nas horas que trabalho 6,3%
atualmente
Eu tenho compromissos diários que me impedem de 25%
trabalhar mais
Eu quero gastar mais tempo com lazer ou outras 0%
atividades que envolvem trabalho não pago
Eu quero realizar trabalhos diferentes do trabalho sob 0%
demanda por meio de aplicativos
Outros 56,3%

2.26) Qual é o seu rating na Uber? _________________

2.27) Você já foi suspenso da Uber?


Sim 92,2%
Não 7,8%

(Se sim em 2.27) 2.27.1) Você achou a suspensão justa?


Sim 88,9%
Não. 11,1%
Por quê?________________________________________________

2.28) Você tem receio de receber uma suspensão ou de ser excluído da Uber?
Sim 41,2%
Não 58,8%

2.29) Como você avalia o sistema de ratings da Uber?


Positivo 60,8%
Negativo 17,6%
Indiferente 21,6%
Por quê?_______________________________________________________
358

3) Outros trabalhos além da Uber

3.1) Em qualquer momento das últimas quatro semanas, você procurou por qualquer
trabalho remunerado, além do trabalho sob demanda por meio de aplicativos?
Sim 75,5%
Não 24,5%

(Se sim em 3.1) 3.1.1) Qual a melhor frase descreve o que você estava procurando
como outro trabalho?
Eu estava procurando por um novo trabalho para 72%
substituir o trabalho sob demanda por meio de aplicativos
Eu estava procurando por um trabalho extra 28%

(Se sim em 3.1) 3.1.2) Quais são os motivos que te levaram a procurar um outro
trabalho?
Não há trabalho suficiente na plataforma que pague o que 8,7%
eu preciso para viver
Eu realizo trabalho sob demanda por meio de aplicativos 60,9%
para preencher o tempo antes de encontrar outro trabalho
Eu quero fazer algo diferente 13%
Outros 17,4%

3.2) Além do trabalho sob demanda por meio de aplicativos, você tem outro(s)
trabalho(s) remunerado(s) ou é dono(a) de empresa(s)?
Sim 27,5%
Não 72,5%

(Se sim em 3.2) 3.2.1) Além do trabalho sob demanda por meio de aplicativos,
quantos outros trabalho remunerados ou empresas você tem?
1 92,3%
Mais de 1 7,7%

(Se sim em 3.2) 3.2.2) Algum desses trabalhos ou empresas é na economia de bico
(gig economy), economia de compartilhamento ou capitalismo de plataforma?
Sim 0%
Não 100%

(Se sim em 3.2) 3.2.3) Qual a melhor descrição do seu papel no seu outro trabalho
remunerado ou empresa fora do trabalho sob demanda por meio de aplicativos?
Empregado trabalhando por salário-hora 0%
Empregado com salário mensal 32,1%
Autônomo 42,9%
Proprietário ou sócio em empresa (com empregados remunerados) 7,1%
Proprietário ou sócio em empresa (sem empregados remunerados) 17,9%
Trabalho sem remuneração 0%
359

(Se sim em 3.2) 3.2.4) Há quanto tempo você trabalha nesse trabalho remunerado ou
tem essa empresa fora do trabalho sob demanda por meio de aplicativos?
De 0 até 6 meses 17,9%
Mais de 7 até 12 meses 0%
Mais de 1 ano 82,1%

(Se sim em 3.2) 3.2.5) Considerando as semanas em que você realizou trabalho
remunerado ou gerenciou a empresa fora do trabalho sob demanda por meio de
aplicativos no último ano, quanto você ganhava por mês em média?
Menos de 1000 17,9%
Mais de 1000 até 2000 39,3%
Mais de 2000 até 3000 7,1%
Mais de 3000 35,7%

(Se sim em 3.2) 3.3.6) Considerando as semanas em que você realizou trabalho
remunerado ou gerenciou a empresa fora do trabalho sob demanda por meio de
aplicativos no último ano, quantas horas por dia você trabalhava em média?
Até 10 32,1%
Mais de 10 até 20 17,9%
Mais de 20 até 30 7,1%
Mais de 30 até 40 25%
Mais de 40 até 50 14,3%
Mais de 50 até 60 0%
Mais de 60 3,6%

(Se sim em 3.2) 3.2.7) Considerando o valor que você ganha por hora trabalhada,
você gostaria de trabalhar mais horas nesse trabalho remunerado ou gerenciando essa
empresa fora do trabalho sob demanda por meio de aplicativos se tivesse a
oportunidade?
Sim 57,1%
Não 42,9%

4) Trabalho pré-Uber

4.1) Imediatamente antes de começar o trabalho sob demanda por meio de aplicativos,
você
Trabalhava ou gerenciava uma empresa e 25,5%
continua a fazer atualmente
Trabalhava em um emprego diferente 69,6%
Gerenciava uma empresa que não existe 2%
mais
Estava desempregado 1%
Estava na escola 2%
Cuidava de crianças, idosos ou pessoas 0%
com deficiência
360

(Se trabalhava em um emprego diferente ou gerenciava uma empresa que não existe
mais em 4.1) 4.1.1) Quanto tempo você trabalhou nessa atividade antes de começar
o trabalho sob demanda por meio de aplicativos?
Até 6 meses 5,2%
Mais de 6 meses até 1 ano 10,3%
Mais de 1 ano 84,5%

(Se trabalhava em um emprego diferente ou gerenciava uma empresa que não existe
mais em 4.1) 4.1.2) Considerando as semanas que você trabalhou antes de começar
o trabalho sob demanda por meio de aplicativos, quanto você ganhava por mês? (em
reais)
Menos de 1000 4,1%
Mais de 1000 até 2000 24,7%
Mais de 2000 até 3000 26,8%
Mais de 3000 44,3%

(Se trabalhava em um emprego diferente ou gerenciava uma empresa que não existe
mais em 4.1) 4.1.3) Considerando as semanas que você trabalhou antes de começar
o trabalho sob demanda por meio de aplicativos, quantas horas você trabalhava em
uma semana típica de trabalho?
Até 10 3,1%
Mais de 10 até 20 3,1%
Mais de 20 até 30 4,1%
Mais de 30 até 40 23,7%
Mais de 40 até 50 56,7%
Mais de 50 até 60 4,1%
Mais de 60 5,2%

4.2) Você saiu do seu trabalho antes de começar o trabalho sob demanda por meio
de aplicativos?
Sim 74,5%
Não 25,5%

(Se não em 4.2) 4.2.1) O trabalho que você fazia antes de começar o trabalho sob
demanda por meio de aplicativos é o mesmo trabalho remunerado que você tem fora
do trabalho sob demanda por meio de aplicativos?
Sim 69,2%
Não 30,8%

(Se sim em 4.2) 4.2.2) Qual a razão pela qual o trabalho que você fazia antes de
começar o trabalho sob demanda por meio de aplicativos acabou?
Eu pedi demissão 18,2%
Eu fui dispensado sem justa causa 58,4%
Eu fui dispensado por justa causa 0%
Eu pedi para ser mandado embora 3,9%
Era um trabalho temporário que chegou 1,3%
ao fim
Eu me aposentei 2,6%
Outros 0%
361

5) Situação financeira

5.1) Pensando em todos os trabalhos que você tem atualmente, se comparar as horas
de trabalho que você atualmente faz por semana com as que você fazia um ano atrás,
o número de horas de trabalho semanal
Aumentou 52%
Manteve-se 25,5%
Diminuiu 22,5%

5.2) Você é a pessoa que mais contribui para a renda do lar? (considere todas as
pessoas que contribuem financeiramente para a manutenção da residência)
Sim 70,6%
Não 29,4%

5.3) Pensando na renda que você obtém de todos os seus trabalhos, se comparar o
que você recebe atualmente por mês com o que recebia um ano atrás, a sua renda
mensal...
Aumentou 47,1%
Manteve-se 21,6%
Diminuiu 31,4%

5.4) Qual o valor da renda que você obtém atualmente de todos os seus trabalhos
mensalmente?
Até 1000 0%
Mais de 1000 até 2000 4,9%
Mais de 2000 até 3000 19,6%
Mais de 3000 75,5%

5.5) Além da renda do seu trabalho e de outras pessoas que vivem com você, o
orçamento doméstico é complementado por alguma fonte de renda (por exemplo,
benefício da Previdência Social, recebimento de aluguel, pensão, dentre outros)?
Sim 26,5%
Não 73,5%

5.6) Considerando a renda mensal do seu lar, ela é suficiente para cobrir os gastos
básicos necessários para viver? (por exemplo, com moradia, alimentação, roupas,
transporte)?
Sim 72,5%
Não 27,5%

5.7) Quanto você consegue economizar em média por mês?


0 59,8%
Até 100 5,9%
Mais de 100 até 500 18,6%
Mais de 500 15,7%
362

5.8) Você tem casa própria?


Sim 51%
Sim, mas estou pagando financiamento 6,9%
Não 42,1%

(Se não em 5.8) 5.8.1) Por favor, selecione a melhor descrição de onde você vive?
Eu alugo uma casa/apartamento 65,1%
Eu vivo de graça (com família, amigos, etc) 32,6%
Outros 2,3%

5.9) Você faz parte de um sistema de aposentadoria (pública ou privada) que vai te
garantir uma determinada renda quanto você se aposentar?
Sim 43,1%
Não 56,9%

5.10) Algum dos trabalhos que você faz promove o recolhimento da contribuição
para a Previdência Social ou você recolhe voluntariamente para a Previdência
Social?
Sim 28,4%
Não 71,6%

5.11) Você tem plano de saúde?


Sim 32,4%
Não 67,6%

(Se sim em 5.11) 5.11.1) O seu plano de saúde é financiado:


por um dos seus empregadores 15,2%
por você e pelos seus empregadores 12,1%
Por um dos empregadores de um dos membros de sua família 27,3%
Somente por você 45,5%

6 ) Se você pudesse mudar algo no trabalho sob demanda por meio de aplicativos, o
que seria?
_______________________________________________________________

7) Você tem outros pensamentos que gostaria de dividir sobre a experiência no


trabalho sob demanda por meio de aplicativos?
_______________________________________________________________
363

APÊNDICE C - TERMO DE CONSENTIMENTO DE PARTICIPAÇÃO

Pesquisador responsável:

Renan Bernardi Kalil, doutorando em direito do trabalho pela Universidade de São Paulo
(USP), sob orientação do Professor Otavio Pinto e Silva, em período sanduíche na Faculdade
de Direito da Universidade de Harvard, nos Estados Unidos (EUA).

Você está sendo convidado(a) para participar como voluntário(a) da pesquisa “Capitalismo
de plataforma e proteção social: trabalho sob demanda por meio de aplicativos, crowdwork
e direito do trabalho”. Leia com atenção as informações abaixo antes de dar o seu
consentimento para participar do estudo. Qualquer dúvida, entre em contato com Renan
Bernardi Kalil no e-mail [email protected].

Objetivo, justificativa e procedimentos:

O projeto de pesquisa “Capitalismo de plataforma e proteção social: trabalho sob demanda


por meio de aplicativos, crowdwork e direito do trabalho” é sobre as relações de trabalho no
capitalismo de plataforma (também chamado de gig-economy/economia de bico, sharing
economy/economia de compartilhamento, dentre outras denominações). Estão sendo
conduzidos dois estudos de caso. Um será sobre o trabalho sob demanda por meio de
aplicativos.

O outro é sobre as condições de trabalho no que eu denomino de trabalho-de-multidão


(crowdwork). O trabalho-de-multidão (crowdwork) é o trabalho que coloca em contato um
grupo indeterminado de organizações, empresas e indivíduos por meio da Internet,
permitindo o contato global de clientes e trabalhadores, a partir do uso de plataformas
digitais. A plataforma de trabalho-de-multidão mais conhecida é a Amazon Mechanical Turk
e o estudo de caso é sobre essa plataforma.

As questões elaboradas são uma adaptação do questionário feito pela Organização


Internacional do Trabalho (OIT) em pesquisa realizada em 2015. O objetivo é compreender
como se desenvolvem as relações de trabalho no trabalho-da-multidão (crowdwork) e as
condições de trabalho nessas plataformas e identificar as semelhanças e diferenças desse tipo
de trabalho no Brasil e em outros países. Entender como ocorre o trabalho nessas plataformas
é relevante para que se formulem respostas adequadas para os trabalhadores.

Desconfortos e riscos:

Não há desconfortos ou riscos na realização dessa pesquisa.

Benefícios:

A partir das respostas apresentadas, busca-se obter maior conhecimento sobre as dinâmicas
das relações de trabalho no trabalho-de-multidão (crowdwork) e, levando em conta essas
bases, pensar nas formas em que o direito do trabalho pode oferecer meios de proteger os
trabalhadores que desempenham atividades nesses tipos de plataformas digitais.
364

Despesas do voluntário:

Todos envolvidos nessa pesquisa são isento de custos.

Pagamento:

Considerando que a resposta ao questionário está sendo colocado como tarefa a ser realizada
por meio da plataforma Amazon Mechanical Turk, será realizado pagamento de US$ 4
(quatro dólares americanos) para os trabalhadores que aceitarem participar da pesquisa. A
adoção desse procedimento foi autorizada pelo Comitê de Ética da Faculdade de Direito da
USP em 18 de abril de 2018.

Participação voluntária:

A sua participação nesse estudo é voluntária e você terá plena e total liberdade para desistir
de participar a qualquer momento.

Garantia de sigilo e privacidade:

As informações relacionadas ao estudo são confidenciais e qualquer informação divulgada


será feita sob forma codificada, para que a confidencialidade seja mantida. O pesquisador
garante que o nome dos participantes não será divulgado.

Ao clicar para continuar e iniciar a pesquisa, você declara que foi esclarecido sobre os
objetivos, procedimentos e benefícios do presente estudo, que participa de livre e espontânea
vontade, que foi assegurado o direito de abandonar o estudo a qualquer momento, que não
possui qualquer grau de dependência profissional ou educacional com o pesquisador
envolvido nesse projeto, que não se sente pressionado a participar dessa pesquisa, que pode
solicitar informações sobre a pesquisa a qualquer momento e que concorda em participar da
pesquisa.
365

APÊNDICE D - TERMO DE CONSENTIMENTO DE PARTICIPAÇÃO

Pesquisador responsável:

Renan Bernardi Kalil, doutorando em direito do trabalho pela Universidade de São Paulo
(USP), sob orientação do Professor Otavio Pinto e Silva.

Você está sendo convidado(a) para participar como voluntário(a) da pesquisa “Capitalismo
de plataforma e proteção social: trabalho sob demanda por meio de aplicativos, crowdwork
e direito do trabalho”. Leia com atenção as informações abaixo antes de dar o seu
consentimento para participar do estudo. Qualquer dúvida, entre em contato com Renan
Bernardi Kalil no e-mail [email protected].

Objetivo, justificativa e procedimentos:

O projeto de pesquisa “Capitalismo de plataforma e proteção social: trabalho sob demanda


por meio de aplicativos, crowdwork e direito do trabalho” é sobre as relações de trabalho no
capitalismo de plataforma (também chamado de gig-economy/economia de bico, sharing
economy/economia de compartilhamento, dentre outras denominações). Estão sendo
conduzidos dois estudos de caso. Um será sobre o crowdwork (também chamado de
trabalho-de-multidão).

O outro é sobre o trabalho sob demanda por meio de aplicativos. Trata-se de uma relação de
trabalho de curto prazo, em que a plataforma viabiliza a combinação entre oferta e demanda
de mão de obra por meio do software para a execução de uma atividade nas proximidades
ou no próprio local em que está situado fisicamente o tomador de serviços. A plataforma de
trabalho sob demanda por meio de aplicativos mais conhecida é a Uber e o estudo de caso é
sobre essa plataforma.

As questões elaboradas foram divididas em 5 áreas principais: (i) informações sócio-


demográficas, para entender o contexto social vivenciado pelos trabalhadores e onde estão
inseridos pessoal e profissionalmente; (ii) condições de trabalho, para a compreensão das
dinâmicas das relações de trabalho entre o motorista, a plataforma e o consumidor; (iii)
outros trabalhos, para verificar como eventuais distintos trabalhos que os motoristas
possuem, bem como a maneira com que se relacionam com o trabalho na plataforma; (iv)
situação profissional prévia, para entender os motivos que levaram os trabalhadores a
optarem por realizarem atividades junto à Uber; (v) situação financeira, para obter uma visão
global do quadro financeiro da vida do motorista e de sua família.

Desconfortos e riscos:

Não há desconfortos ou riscos na realização dessa pesquisa.

Benefícios:
366

A partir das respostas apresentadas, busca-se obter maior conhecimento sobre as dinâmicas
das relações de trabalho no trabalho sob demanda por meio de aplicativos e, levando em
conta essas bases, pensar nas formas em que o direito do trabalho pode oferecer meios de
proteger os trabalhadores que desempenham atividades nesses tipos de plataformas digitais.

Despesas do voluntário:

Todos envolvidos nessa pesquisa são isento de custos.

Participação voluntária:

A sua participação nesse estudo é voluntária e você terá plena e total liberdade para desistir
de participar a qualquer momento.

Se a participação ocorrer durante viagem de carro solicitada por meio do aplicativo Uber, a
avaliação do motorista não será afetada pelas respostas apresentadas ao pesquisador.

Garantia de sigilo e privacidade:

As informações relacionadas ao estudo são confidenciais e qualquer informação divulgada


será feita sob forma codificada, para que a confidencialidade seja mantida. O pesquisador
garante que o nome dos participantes não será divulgado.

Eu, ________________________, declaro que fui esclarecido sobre os objetivos,


procedimentos e benefícios do presente estudo, que participo de livre e espontânea vontade,
que foi assegurado o direito de abandonar o estudo a qualquer momento, que não possuo
qualquer grau de dependência profissional ou educacional com o pesquisador envolvido
nesse projeto, que não me sinto pressionado a participar dessa pesquisa, que posso solicitar
informações sobre a pesquisa a qualquer momento e que concordo em participar da pesquisa.

Nome do participante: ________________________________


Assinatura do participante: ____________________________
Data: ___/____/____

Nome do pesquisador: Renan Bernardi Kalil


Assinatura do pesquisador: ___________________
Data: ____/_____/_____

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