Tese Renan Bernardi Kalil Maio 2019 Sme PDF
Tese Renan Bernardi Kalil Maio 2019 Sme PDF
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TESE DE DOUTORADO
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AGRADECIMENTOS
A condução da pesquisa para a elaboração desta tese de doutorado foi uma atividade
desafiadora e solitária. Ambas foram superadas graças ao apoio de pessoas e instituições,
com as quais divido o resultado obtido. Todos os equívocos e imprecisões são de minha
responsabilidade.
Ao Professor Otavio Pinto e Silva, presente e importante em minha trajetória como
pesquisador desde os meus primeiros passos, pela acolhida ao longo da elaboração desta
tese, pela confiança no projeto de pesquisa apresentado, pelos ensinamentos para o
desenvolvimento deste trabalho e pela disponibilidade e atenção no curso da orientação desta
pesquisa.
À Walküre, pelas lições sobre Direito do Trabalho e liberdade sindical que me
marcaram profundamente, pelos ensinamentos a respeito da vida acadêmica (e não
acadêmica), por confiar em mim como pesquisador e por acompanhar o desenvolvimento
deste trabalho.
À Professora Laura Valladão de Mattos e ao Professor Antonio Rodrigues de Freitas
Junior, membros da banca de qualificação, pelos comentários que estimularam relevantes
reflexões para a continuidade da pesquisa e para a definição dos rumos desta tese.
Ao Professor Diogo Coutinho, pelo estímulo e pelo apoio na concretização do
período de pesquisa na Escola de Direito da Universidade de Harvard.
Ao Professor Yochai Benkler, pela acolhida no período de pesquisa na Escola de
Direito da Universidade de Harvard, pelas estimulantes conversas e sugestões, que foram
centrais na elaboração desta tese, e pelas aulas ministradas, que despertaram em mim uma
perspectiva crítica sobre a relação entre tecnologia e trabalho.
À Janine Berg e à Professora Juliet Schor, pela disponibilidade em compartilhar
informações sobre as pesquisas com trabalhadores da Amazon Mechanical Turk e da Uber
e pelos diálogos que foram centrais na formatação dos estudos de caso desenvolvidos nesta
tese.
Ao Ministério Público do Trabalho, nas pessoas de Ronaldo Curado Fleury, Sandra
Lia Simón e Fabio Fernando Pássari, pelo estímulo para pesquisar o tema objeto deste
trabalho e pelo apoio institucional para o período de pesquisa na Escola de Direito da
Universidade de Harvard, essencial para a elaboração desta tese.
À minha mãe Tânia, ao meu pai Wilson e ao meu irmão Murilo, pelo amor, pelo
carinho, pela compreensão nas minhas ausências e pelo suporte para que eu trilhasse o
caminho que optei. Ao meu sobrinho Davi, por arrancar sorrisos mesmo nos momentos mais
improváveis.
Ao André e à Laura, amigos de mais de década e fundamentais na minha opção de
vida pelo Direito do Trabalho, pelo amor, pelo carinho, pelo companheirismo, pelas
inúmeras horas de conversa sobre o tema pesquisado nesta tese e pela atenciosa e zelosa
leitura deste trabalho.
Por último, e certamente não menos importante, à Raquel, pelo amor, pelo
companheirismo, pelo carinho, pela cumplicidade, pelo conforto nos momentos difíceis,
pelo estímulo para seguir o caminho da pesquisa, pela inspiração de coragem intelectual,
pelas inúmeras horas de conversas sobre as ideias que conformam este trabalho e,
especialmente nesses três últimos anos, por ter oferecido a mão para irmos em frente nesta
estrada de fazer o sonho acontecer.
“Você não sente não vê
Mas eu não posso deixar de dizer, meu amigo
Que uma nova mudança em breve vai acontecer
O que há algum tempo era novo, jovem
Hoje é antigo
E precisamos todos rejuvenescer”
(“Velha roupa colorida” – Belchior)
RESUMO
ABSTRACT
RÉSUMÉ
INTRODUÇÃO................................................................................................................ 15
1. Justificativa e relevância do tema................................................................................... 17
2. Delimitação do tema....................................................................................................... 20
3. Metodologia.................................................................................................................... 23
3.1. Amazon Mechanical Turk.................................................................................... 25
3.2. Uber...................................................................................................................... 28
4. Contribuição original à ciência jurídica brasileira ......................................................... 30
CONCLUSÕES............................................................................................................... 299
BIBLIOGRAFIA............................................................................................................. 309
APÊNDICES.................................................................................................................... 338
APÊNDICE A - RESULTADO DO QUESTIONÁRIO – TRABALHADORES DA
AMAZON MECHANICAL TURK............................................................................... 339
APÊNDICE B - RESULTADO DO QUESTIONÁRIO – MOTORISTAS DA
UBER................................................................................................................................ 352
APÊNDICE C - TERMO DE CONSENTIMENTO DE PARTICIPAÇÃO............. 363
APÊNDICE D - TERMO DE CONSENTIMENTO DE PARTICIPAÇÃO............. 365
15
INTRODUÇÃO
Em setembro de 2006, em apresentação no Massachussetts Institute of Technology
(MIT), o Chief Executive Officer (CEO) da Amazon, Jeff Bezos, abordou os serviços
tecnológicos oferecidos por sua empresa. Ao explicar o funcionamento da plataforma
Amazon Mechanical Turk, afirmou “você já ouviu falar de software como um serviço. Bem,
isso [a plataforma] é basicamente uma pessoa como serviço”1. Em seus 57 minutos de fala,
as menções sobre os trabalhadores ocorreram em momentos pontuais.
Ainda assim, os trabalhadores são centrais para a MTurk, uma plataforma que
oferece serviços online de curta duração executados por seres humanos. As condições de
trabalho, no entanto, são muitas vezes invisibilizadas. Em pesquisa realizada com
trabalhadores brasileiros que atuam na MTurk, não faltaram relatos sobre suas dificuldades
na plataforma. A título de exemplo, destacamos dois: “é muito pouco para muito trabalho.
Eu me sinto uma escrava na China. Sinto que eu realmente moro em um país de terceiro
mundo, em que meu diploma não serve para nada e eu preciso me submeter a esses tipos de
trabalho” e “há sempre trabalhos que remuneram muito mal, esses estão sempre bastante
disponíveis e são amplamente executados por pessoas em países com condições humanas
muito baixas. Os works mais bem remunerados são frequentemente restritos a determinados
países (predominantemente EUA, Canadá e Inglaterra)”2.
Outra plataforma digital, a Uber, afirma oferecer um aplicativo que, por meio da
tecnologia, ajuda o motorista a tomar decisões sobre quando e como encontrar a demanda
por serviços de transporte. Prometem promover acesso a trabalho flexível, sem turnos ou
horários fixos, que permite que dirijam quando queiram. A remuneração dos motoristas,
segundo a empresa, depende da demanda por viagens, sendo que nos momentos em que
houver mais usuários realizando chamadas, os ganhos serão mais altos3.
Assim como a MTurk, há distância entre discurso e prática. Em nossa pesquisa feita
com motoristas da Uber na cidade de São Paulo, os trabalhadores relataram diversas
situações, como as seguintes: “trabalho por volta de 16 horas por dia, 7 dias da semana.
Ganho em média R$ 1.500 por semana, mas tirando todos os custos que tenho, sobra R$ 400.
1
MASSACHUSSETTS INSTITUTE OF TECHNOLOGY. Opening keynote and keynote interview with Jeff
Bezos, set. 2006. (1h02m38s). Disponível: <https://techtv.mit.edu/videos/16180-opening-keynote-and-
keynote-interview-with-jeff-bezos>. Acesso: 21 dez. 2018, tradução nossa de: “You’ve heard of software-as-
a-service. Well, this is basically human-as-a-service” (11m40s-11m44s).
2
A pesquisa que realizamos com os trabalhadores da Amazon Mechanical Turk será apresentada ao longo da
tese.
3
UBER. Open marketplace. Disponível em: <https://marketplace.uber.com/open-marketplace>. Acesso em: 07
out. 2018.
16
O preço da tarifa está defasado em relação aos aumentos de combustível” e “o valor das
corridas é baixo considerando os custos de manutenção que se tem com o veículo. Esse gasto
deixará de ser feito, pois os ganhos são baixos. Não fazendo manutenção, todos ficam em
risco. A Uber exige que os carros sejam fabricados a partir de determinado ano. Contudo, é
muito difícil trocar de veículo com os atuais preços das tarifas”4.
A emergência e a inserção de plataformas digitais em diversas esferas da vida
humana nos últimos anos produziram uma espécie de tecnoeuforia na sociedade. Nos
primeiros momentos de existência dessas infraestruturas, sobressaíram-se os seus aspectos
positivos: a comodidade na solicitação de um serviço, a redução do preço do trabalho e dos
serviços, a facilidade na contratação de uma tarefa, a criação de postos de trabalho, a oferta
de serviços de maior qualidade, o aumento da velocidade da comunicação, a diversificação
das possibilidades de relacionar-se virtualmente. A popularização dos smartphones e a
compatibilidade do uso das plataformas nesses aparelhos potencializou a sua disseminação
e, conjuntamente, o fascínio das pessoas. O termo mais utilizado para descrever o impacto
das plataformas na sociedade é disrupção, que trata de uma reorganização profunda em um
determinado mercado, em que atores econômicos outrora inexistentes assumem posição
predominante, enquanto antigas lideranças entram em declínio5.
Ao longo do tempo, passou-se a constatar outros efeitos ocasionados pelas
plataformas, que estavam distantes de serem positivos: aumento do tráfego de veículos e de
congestionamento em grandes cidades6, encarecimento no preço de aluguéis de imóveis7,
vazamento de dados pessoais para a manipulação de processos eleitorais 8 , jornadas de
trabalho extensas, remunerações baixas. Esse quadro deu início a debates sobre a
necessidade de regular as plataformas em distintas esferas, como urbanismo, moradia,
mobilidade urbana, eleições e trabalho, dentre outros.
Esta tese analisa as inter-relações entre tecnologia e trabalho e, a partir do estudo
sobre o futuro do trabalho e as inovações tecnológicas, identifica efeitos concretos que estão
4
A pesquisa que realizamos com os motoristas da Uber será apresentada ao longo da tese.
5
BOWER, Joseph L.; CHRISTENSEN, Clayton M. Disruptive Technologies: Catching the Wave. Harvard
Business Review, v. 73, n. 1, p. 43–53, fev. 1995; CHRISTENSEN, Clayton M.; RAYNOR, Michael E.;
MCDONALD, Rory. What Is Disruptive Innovation? Dezembro, 2015. Disponível em:
<https://hbr.org/2015/12/what-is-disruptive-innovation>. Acesso em: 25 jun. 2017.
6
SCHALLER CONSULT. The new automobility: Lyft, Uber and the future of American cities, jul. 2018.
Disponível em: <http://www.schallerconsult.com/rideservices/automobility.pdf>. Acesso: 20 dez. 2018.
7
BARRON, Kyle; KUNG, Edward; PROSERPIO, Davide. The sharing economy and housing affordability:
Evidence from Airbnb. Abril, 2018. Disponível em: <https://bit.ly/2rKEZhf>. Acesso em: 20 dez. 2018.
8
ROSENBERG, Matthew; CONFESSORE, Nicholas; CADWALLADR, Carole. How Trump consultants
exploited the Facebook data of millions. The New York Times, New York, 17 mar. 2018. Disponível em:
<https://www.nytimes.com/2018/03/17/us/politics/cambridge-analytica-trump-campaign.html>. Acesso em:
25 abr. 2018.
17
9
MISHEL, Lawrence; BIVENS, Josh. The zombie robot argument lurches on: There is no evidence that
automation leads to joblessness or inequality. 24 may 2017. Disponível em:
<http://www.epi.org/publication/the-zombie-robot-argument-lurches-on-there-is-no-evidence-that-
automation-leads-to-joblessness-or-inequality/>. Acesso em: 27 fev. 2018.
18
Kikuo Johnson, retrata uma cena em que robôs caminham em uma rua movimentada,
deslocando-se para algum lugar da cidade mexendo em seus aparelhos celulares, segurando
os seus cafés, carregando suas pastas e levando os seus cachorros-robô para passear. Ao
fundo, um dos robôs lança moedas no copo de um mendigo, o único ser humano na cena,
que está sentando no chão junto ao seu cachorro-animal10.
O maior problema de o debate sobre o futuro do trabalho ser pautado nesses termos
é consolidar a ideia de que a tecnologia é determinista, ou seja, há pouco o que fazer diante
de uma força inexorável que impactará a sociedade e não existe muita margem de manobra
para ação. Também, a condução do debate nesses termos ofusca os efeitos concretos que as
novas tecnologias produzem no mundo do trabalho. Contudo, há estudos nas ciências sociais
e na economia que apontam para um futuro do trabalho distinto, em que não se identificam
grandes oscilações numéricas, mas o fechamento de postos de trabalho em determinados
setores e a abertura em outros. É preciso, então, entender essas novas tecnologias e as
transformações no mundo do trabalho.
O capitalismo de plataforma é uma forma de organização da produção e da prestação
de serviços com enfoque na economia digital e no uso da tecnologia da informação, dados e
internet, além das plataformas como infraestruturas que viabilizam negócios. Em relação ao
seu tamanho, dados mais abrangentes sobre a sua extensão ainda são incipientes, mas é
possível obter informações sobre a sua dimensão em alguns mercados. De acordo com
pesquisa realizada pelo Pew Research Center, 8% dos norte-americanos obtiveram renda por
meio da realização de trabalho em plataformas digitais em 2016. Dentre esses 8%, mais da
metade (56%) afirmou que a remuneração é essencial ou importante para sua subsistência11.
No Brasil, a Uber, que oferece serviços de transporte de passageiros, ilustra as
mudanças que a tecnologia traz a um setor. A expansão no número de motoristas e usuários
ocorreu de forma exponencial na empresa que iniciou as suas atividades no país em 2014,
mas que em setembro de 2015 já contava com 5 mil motoristas e 500 mil clientes inscritos
na plataforma. Em outubro de 2016, a Uber contava com 50 mil trabalhadores e 4 milhões
de usuários, ou seja, cresceu 10 vezes em relação aos primeiros e 8 vezes quanto aos
10
THE NEW YORKER. R. Kikuo Johnson’s “Tech Support”. 23 out. 2017. Disponível em:
<https://www.newyorker.com/culture/cover-story/cover-story-2017-10-23>. Acesso em: 12 nov. 2017.
11
PEW RESEARCH CENTER. Gig work, online selling and home sharing. 17 nov. 2016. Disponível em:
<http://www.pewinternet.org/wp-content/uploads/sites/9/2016/11/PI_2016.11.17_Gig-
Workers_FINAL.pdf>. Acesso em: 20 set. 2017.
19
12
DIÓGENES, Juliana. Uber cresce 10 vezes e já tem 50 mil motoristas. O Estado de São Paulo, São Paulo,
18 out. 2016. Disponível em: < https://sao-paulo.estadao.com.br/noticias/geral,uber-cresce-10-vezes-e-ja-
tem-50-mil-motoristas,10000082769>. Acesso: 30 set. 2017.
13
UBER. Fatos e dados sobre a Uber. Disponível em: <https://www.uber.com/pt-BR/newsroom/fatos-e-dados-
sobre-uber/>. Acesso em 23 jun. 2018.
14
MINISTÉRIO DO TRABALHO. Ministério do Trabalho autua empresa que usa aplicativo para oferecer
serviços de motoboys. Disponível em: <http://trabalho.gov.br/noticias/5338-ministerio-do-trabalho-autua-
20
2. Delimitação do tema
O estudo do impacto das inovações tecnológicas na organização da produção e no
mundo do trabalho envolve uma variedade de possibilidades, desde a abordagem de efeitos
projetados sobre o que virá a ser o futuro do trabalho, como as capacidades que os
trabalhadores deverão ter, até a forma pela qual deve ocorrer a interação entre o Direito e as
novas formas de trabalho. Diante disso, decidimos examinar o capitalismo de plataforma,
suas duas formas de trabalho – o crowdwork e o trabalho sob demanda por meio de
aplicativos – e o papel do Direito do Trabalho em face desse cenário.
No primeiro capítulo, apresentamos revisão de literatura sobre as inter-relações entre
tecnologia, instituições e ideologia. Enfocamos o posicionamento da tecnologia nas
dimensões econômica, política e social e, consequentemente, a sua relação com o mundo do
trabalho. Adotamos a economia política multidimensional desenvolvida por Yochai
Benkler15 porque não trata a tecnologia como um elemento neutro ou isolado do sistema
16
DE STEFANO, Valerio. The rise of the “just-in-time workforce”: on-demand work, crowdwork, and labor
protection in the “gig-economy”. Comparative Labor Law & Policy Journal, v. 37, n. 3, p. 471–504, 2016.
22
para o cotidiano dos atores que operam no Poder Judiciário, o destinatário principal deste
trabalho são aqueles responsáveis pelo desenho inicial da proteção social no Brasil: o Poder
Legislativo e os formuladores de políticas públicas, além da academia. A combinação de
metodologias utilizada nessa tese e a classificação proposta oferecem instrumentos para uma
estruturação de política de proteção social17.
3. Metodologia
A perspectiva adotada nessa pesquisa é interdisciplinar, em que trazemos
instrumentos das ciências sociais para apoiar este estudo jurídico. As análises
exclusivamente teóricas sobre o Direito do Trabalho têm o valor de auxiliar no avanço da
doutrina, jurisprudência e legislação. Contudo, nesta pesquisa optamos por aproximar o fato
social – no caso, o trabalho nas plataformas digitais – da teoria. Assim, é possível aprofundar
a compreensão sobre as formas de trabalho no capitalismo de plataforma, permitindo-nos
analisar o papel e as possibilidades do Direito do Trabalho no crowdwork e no trabalho sob
demanda por meio de aplicativos.
No primeiro capítulo, introduzimos a economia política multidimensional, nos
termos colocados por Yochai Benkler, e utilizamos seus conceitos no intuito de desenvolver
o nosso entendimento sobre as interações entre tecnologia e trabalho. Nesta parte,
empregamos o método analítico-descritivo para abordar como são as inter-relações entre
tecnologia, instituições e ideologia e o que é o capitalismo de plataforma. A revisão da
literatura partiu da obra de Yochai Benkler a respeito da matéria e de pesquisas realizadas
nos sistemas Dedalus, da Universidade de São Paulo, e Hollis, da Universidade de Harvard,
sobre os seguintes termos: “futuro do trabalho” e “empregos”, “future of work” e “jobs”,
“capitalismo de plataforma”, “platform capitalism”, “economia de bico”, “gig economy”,
“sharing economy”, “economia de compartilhamento”.
No segundo capítulo, tratamos das formas de trabalho no capitalismo de plataforma
a partir da classificação realizada por Valerio de Stefano: trabalho sob demanda por meio de
aplicativos e crowdwork. Nesta parte, adotamos o método analítico-descritivo, em que
apontamos como é o trabalho nas plataformas digitais.
Abordamos o tema de duas formas. A primeira foi a revisão da literatura sobre o tema
em pesquisas nos sistemas Dedalus e Hollis buscando os seguintes termos: “trabalho sob
17
Para entender o papel que os juristas podem desempenhar na elaboração e execução de políticas públicas,
ver Diogo Rosenthal Coutinho (COUTINHO, Diogo Rosenthal. O direito nas políticas públicas. In:
MARQUES, Eduardo; FARIA, Carlos Aurélio Pimenta de (Orgs.). A política pública como campo
multidisciplinar. São Paulo: Editora Unesp, 2013, p. 181-200).
24
demanda por meio de aplicativos”, “on-demand work via apps”, “crowdwork”, “trabalho” e
“plataforma”, “work” e “platform”.
A segunda foram os estudos de caso sobre o trabalho na Uber e na Amazon
Mechanical Turk. Inicialmente, fizemos revisão de literatura, a partir de procura, nos
referidos sistemas, dos termos “Uber” e “trabalho”, “Uber” e “work”, “Amazon Mechanical
Turk” e “trabalho”, “Amazon Mechanical Turk” e “work”. Em seguida, desenvolvemos a
parte empírica da pesquisa, elaborando questionários e os aplicando em trabalhadores da
Uber e da Amazon Mechanical Turk, com o objetivo de apreender as dinâmicas de trabalho
nessas plataformas no Brasil e identificar a relação entre precariedade e dependência.
No terceiro capítulo, analisamos a maneira pela qual o Direito do Trabalho intervém
no capitalismo de plataforma. Nesta parte, adotamos os métodos analítico-descritivo, em que
abordamos a compatibilidade do ordenamento jurídico e as novas formas de trabalho, e
normativo, em que tratamos de como pode ser a aplicação do Direito do Trabalho nessa seara
e o que entendemos que deve ser o papel desse ramo jurídico no tema. Primeiramente,
fizemos uma revisão de literatura, a partir de busca nos sistemas Dedalus e Hollis e na
Biblioteca Digital da LTr procurando os termos: “trabalho sob demanda por meio de
aplicativos” e “direito do trabalho”, “on-demand work via apps” e “employment law”,
“trabalho sob demanda por meio de aplicativos” e “direito coletivo do trabalho”, “on-
demand work via apps” e “labor law”, “crowdwork” e “direito do trabalho”, “crowdwork”
e “employment law”, “crowdwork” e “direito coletivo do trabalho”, “crowdwork” e “labor
law”, “Uber” e “direito do trabalho”, “Uber” e employment law”, “Uber” e “direito coletivo
do trabalho”, “Uber” e “labor law”, “Amazon Mechanical Turk” e “direito do trabalho”,
“Amazon Mechanical Turk” e “employment law”, “Amazon Mechanical Turk” e “direito
coletivo do trabalho”, “Amazon Mechanical Turk” e “labor law”. No tocante à
jurisprudência, partimos de levantamento prévio realizado em outra pesquisa sobre as
reclamações trabalhistas em relação à Uber existentes no país e fizemos pesquisas nos
Tribunais Regionais do Trabalho que emitem online a certidão eletrônica de ações
trabalhistas para verificar o ajuizamento de reclamações em face da Amazon Mechanical
Turk.
A seguir, analisaremos mais detidamente a metodologia adotada para os estudos de
caso em cada uma das plataformas na parte empírica.
25
18
INTERNATIONAL LABOUR ORGANIZATION. Understanding crowdwork: a survey of crowdworkers.
Geneva: ILO, 2015.
19
BERG, Janine. Income Security in the On-Demand Economy: Findings and Policy Lessons from a Survey
of Crowdworkers. Comparative Labor Law & Policy Journal, v. 37, p. 543-576, 2016
26
20
Dependendo da resposta na questão principal, é possível que uma outra questão, relacionada com aquela, seja
apresentada ao participante.
27
de forma transparente o que motiva a rejeição de uma tarefa e oferecer o pagamento de, ao
menos, o valor do salário mínimo hora21.
O resultado completo da pesquisa com os trabalhadores brasileiros da Amazon
Mechanical Turk está no apêndice A desta tese.
3.2. Uber
Primeiramente, foi realizada revisão da literatura sobre a Uber, como mencionado, e
se identificaram pesquisas com trabalhadores que atuam na plataforma. Em algumas delas,
verificou -se a aplicação de questionário e a condução de entrevistas com seus os motoristas.
Dentre elas, interessou-nos o artigo Dependence and precarity in the platform economy,
escrito por Juliet Schor, Will Attwood-Charles, Mehmet Cansoy, Isak Ladegaard e Robert
Wengronowitz 22 , em que se analisou dados de entrevistas feitas com trabalhadores de
diversas plataformas, pela relação que se identificou entre dependência e precariedade dos
motoristas da Uber.
Em um momento inicial, consideramos em adotar a referida pesquisa como padrão.
Trocamos correspondências eletrônicas com a Professora Juliet Schor, da Boston College,
que se mostrou receptiva em compartilhar informações e experiências sobre a pesquisa. Em
março de 2018, reunimo-nos com a Professora em Boston e discutimos os méritos, as
limitações e as dificuldades com aquelas entrevistas.
Levando em conta a conversa com a Professora Juliet Schor e a importância em ter
elementos que permitissem uma análise com indicadores semelhantes entre a Uber e a AMT,
em razão da tese estudar as duas formas de trabalho, decidimos elaborar um questionário
que se aproximasse daquele da Mechanical Turk e tivessem elementos da pesquisa
conduzida pela Professora Juliet Schor. No mês de julho de 2018, desenvolvemos o
questionário, em constante diálogo com o Professor Otavio Pinto e Silva, e também o
dividimos em 5 blocos. As respostas dos trabalhadores eram oferecidas conforme
alternativas previamente apresentadas.
21
WE ARE DYNAMO. Guidelines for academic requesters. Disponível em:
<http://guidelines.wearedynamo.org>. Acesso em: 02 fev 2018.
22
SCHOR, Juliet; ATTWOOD-CHARLES, William; CANSOY, Mehmet; LADEGAARD, Isak;
WENGRONOWITZ, Robert. Dependence and precarity in the platform economy. Feb. 2017. Disponível
em:
<http://www.bc.edu/content/dam/files/schools/cas_sites/sociology/pdf/Dependence%20and%20Precarity%
20Feb%202017.pdf>. Acesso em: 13 dez. 2017, p. 1-40.
29
23
Dependendo da resposta na questão principal, é possível que uma outra questão, relacionada com aquela,
seja apresentada ao participante.
30
Uber para acessar o local 24 e o relato feito por participantes da pesquisa sobre o rígido
controle de entrada fizeram-nos desistir dessa forma de contato.
Criamos uma versão online do questionário para facilitar a compilação dos dados e
a condução da pesquisa com os motoristas. Nos momentos em que precisávamos nos
deslocar pela cidade, fazíamos um pedido de viagem pelo aplicativo e, ao ingressar no
veículo, apresentávamo-nos, explicávamos do que se tratava a pesquisa e o termo de
consentimento de participação. Em alguns casos, os motoristas pediram para que fosse lido
na íntegra, o que foi realizado. Assim que o motorista concordava em participar da pesquisa,
dávamos início à aplicação do questionário. No término da viagem, o participante lia o termo
e o assinava, sendo-lhe fornecida uma cópia do documento. Antes do início da viagem,
também avisávamos que atribuiríamos a nota máxima ao final da corrida,
independentemente da concordância em responder o questionário, para que a participação
na pesquisa não fosse influenciada pela avaliação feita pelo passageiro ao término da viagem.
Em 11 casos, os motoristas não concordaram em participar da pesquisa, apesar da
explicação do seu objeto e do conteúdo do termo de consentimento de participação. A
maioria das negativas deu-se por receios de a privacidade não ser resguardada - mesmo isso
sendo assegurado por nós -, a plataforma ter conhecimento de posicionamentos dos
motoristas e ocorrer alguma espécie de represália. Nos casos em que houve a negativa em
participar, seguimos viagem normalmente até o destino final e nenhuma informação foi
coletada para essa pesquisa.
Os questionários foram aplicados entre 17 de agosto a 04 de outubro de 2018 e contou
com a participação de 102 trabalhadores. O tempo médio de resposta foi de 31 minutos e 12
segundos. Não houve contratempos no período em que realizamos a pesquisa.
O resultado completo da pesquisa com os motoristas da Uber em São Paulo está no
apêndice B desta tese.
24
UBER. Aeroporto de Guarulhos (GRU): Instruções aos motoristas parceiros. Disponível em:
<https://www.uber.com/pt-BR/drive/sao-paulo/airports/guarulhos-airport/>. Acesso em: 16 dez. 2018.
31
abordagens sobre a relação entre tecnologia e trabalho. Da mesma forma, os estudos de caso,
com revisão de literatura e parte empírica, da Uber e da Amazon Mechanical Turk apresenta
à ciência jurídica brasileira as dinâmicas de trabalho nessas plataformas em profundidade e
detalhe ainda não encontrados, oferecendo maiores subsídios para o estudo jurídico da
matéria.
A segunda parte da contribuição oferecida por esta tese é uma nova proposta de
regular o trabalho nestas plataformas. Para tanto, é mapeado o ordenamento jurídico
brasileiro, seus instrumentos, além do debate sobre alternativas possíveis no Direito do
Trabalho. Acreditamos que a proposta - criação de uma legislação especial com três
categorias para classificar os trabalhadores: autônomos, dependentes e subordinados, e a
atribuição de direitos conforme o enquadramento – se adequa à complexidade que as
inovações tecnológicas imprimem às relações de trabalho e, ao mesmo tempo, oferece
proteção social àqueles que participam do capitalismo de plataforma.
32
33
1. Introdução
O objeto do presente capítulo é a análise da relação entre a tecnologia e o mundo do
trabalho. A finalidade é apresentar a posição que a tecnologia ocupa no desenho da produção
e distribuição de bens na sociedade, verificar o seu papel nos novos contornos adquiridos
pela economia, política e sociedade, compreender seus potenciais e limites na configuração
do mercado de trabalho e identificar como as novas tecnologias de informação e
comunicação influenciam a formatação das relações de trabalho. Com o intuito de cumprir
o objetivo proposto, realizaremos uma revisão de literatura e apresentaremos o estado da
arte sobre o tema, além de estabelecermos as premissas teóricas deste trabalho.
Primeiramente, dissertaremos sobre as relações entre a tecnologia e outras dimensões
que conformam a vida em sociedade, como ideologia, instituições, direito, política, normas
sociais, mercado, dentre outras, a partir das distintas perspectivas que a tecnologia interage
com essas outras dimensões. Este trabalho adotará a explicação construída por Yochai
Benkler, a partir de uma economia política multidimensional na qual o poder se expressa nas
relações entre tecnologia, instituições e ideologia25.
Em seguida, trataremos do desenvolvimento, das ligações e dos papeis assumidos
pela tecnologia, instituições e ideologia nos últimos 70 anos, com início nos trinta anos
gloriosos, passando pelo neoliberalismo, até chegarmos ao contexto presente. A descrição
histórica da dinâmica entre tecnologia, instituições e ideologia fornecerá subsídios para
entendermos como as relações de trabalho se desenvolveram nesses períodos e as mudanças
que estão ocorrendo nesse campo em um contexto de transformações em andamento.
Adiante, apresentaremos o debate sobre o futuro do trabalho e o impacto que as novas
tecnologias da informação e comunicação, robôs e inteligência artificial podem ter nas
relações de trabalho. Nesse ponto, a compreensão do papel da tecnologia na produção e
distribuição de bens e da forma pela qual se relaciona com outras dimensões permite-nos ter
uma avaliação mais precisa do cenário existente e elaborar políticas efetivas para lidar com
essas inovações tecnológicas.
Finalmente, realizaremos um mapeamento das formas pelas quais autores têm
descrito a parcela da economia que organiza a produção a partir das inovações tecnológicas
para termos dimensão do fenômeno sob análise. Este estudo se filiará ao conceito de
25
BENKLER, Yochai. op. cit.
34
capitalismo de plataforma, nos termos desenvolvidos por Sascha Lobo e Nick Srnicek e
complementado por Frank Pasquale e Paul Langley e Andrew Leyshon26.
O presente capítulo, ao expor a dinâmica das interações entre tecnologia, instituições
e ideologia, os alcances e as restrições da tecnologia nas relações de trabalho e as
características da economia que se configuram sob o enfoque das novas tecnologias da
informação e comunicação, proverá o contexto no qual ocorrem as transformações no mundo
do trabalho e fornecerá as bases para a investigação realizada nos próximos capítulos, que
analisarão o trabalho no capitalismo de plataforma, por meio de abordagens teóricas e de
estudos de casos, sob as formas do crowdwork e do trabalho sob demanda por meio de
aplicativos, além de analisar as respostas que o Direito do Trabalho pode oferecer nesse
cenário.
26
LOBO, Sascha. S.P.O.N. - Die Mensch-Maschine: Auf dem Weg in die Dumpinghölle. Der Spiegel,
Hamburg, 03 set. 2014. Disponível em: <http://www.spiegel.de/netzwelt/netzpolitik/sascha-lobo-sharing-
economy-wie-bei-uber-ist-plattform-kapitalismus-a-989584.html>. Acesso em 28 jun. 2017; SRNICEK,
Nick. Platform capitalism. Cambridge: Polity, 2017; PASQUALE, Frank. Two Narratives of Platform
Capitalism Feature: Essays from the Law and Inequality Conference. Yale Law & Policy Review, New Haven,
v. 35, p. 311, 2016; LANGLEY, Paul; LEYSHON, Andrew. Platform capitalism: The intermediation and
capitalisation of digital economic circulation. Finance and Society, 2016.
27
SPEMOLLA, Gerardo Cedrola. El trabajo en la era digital: Reflexiones sobre el impacto de la digitalización
en el trabajo, la regulación laboral y las relaciones laborales. Revista Internacional y Comparada de
Relaciones Laborales y Derecho del Empleo, v. 5, n. 1, p. 11, ene. /mar. 2017.
28
BENKLER, Yochai. op. cit., p. 1-5.
29
MUMFORD, Lewis. Technics and civilization. New York: Harcourt, Brace and Co., 1934; MUMFORD,
Lewis. Authoritarian and Democratic Technics. Technology and Culture, Norman, v. 5, n. 1, p. 1–8, 1964.
35
las30; (ii) como um elemento marginal no processo produtivo, com reduzida influência na
produção e distribuição de bens31; (iii) como um elemento que estabelece parâmetros das
disputas sociais, políticas e econômicas, assim como é permeável para ser influenciada por
32
essas dimensões ; (iv) como parte de uma economia política multidimensional,
relacionando-se com instituições e ideologia33.
Exploraremos essas diversas perspectivas sobre a tecnologia e apontaremos o viés
adotado neste trabalho e que dará apoio aos demais desenvolvimentos promovidos nesta tese.
30
BRYNJOLFSSON, Erik; MCAFEE, Andrew. The second machine age: work, progress, and prosperity in a
time of brilliant technologies. 1ª edição. New York: W. W. Norton & Company, 2014.
31
MISHEL, Lawrence; SHIERHOLZ, Heidi; SCHMITT, John. Don’t blame the robots: assessing the job
polarization explanation of growing wage inequality. 19 nov. 2013. Disponível em: <
https://www.epi.org/publication/technology-inequality-dont-blame-the-robots>. Acesso em: 10 out. 2017;
MISHEL, Lawrence; SCHMITT, John; SHIERHOLZ, Heidi. Wage inequality: A story of policy choices.
New Labor Forum, New York, v. 23, n. 3, p. 26–31, Aug. 2014. FREEMAN, Richard. Who Owns the Robots
Rules the World. Harvard Magazine, Cambridge, maio 2016. Disponível em:
<http://harvardmagazine.com/2016/05/who-owns-the-robots-rules-the-world>. Acesso em: 06 set. 2017.
32
POLANYI, Karl. The great transformation: the political and economic origins of our time. 2a. ed. Boston:
Beacon Press, 2001; WINNER, Langdon. Do Artifacts Have Politics? Daedalus, v. 109, n. 1, p. 121–136,
1980.
33
BENKLER, Yochai. op. cit., p. 1-5.
34
MUMFORD, Lewis. Technics and civilization. cit., p. 221-225.
36
35
MUMFORD, Lewis. Technics and civilization. cit., p. 221-225.
36
Id. Ibid., p. 226, tradução nossa de: “Bigger no longer automatically means better: flexibility of the power
unit, closer adaptation of means to ends, nicer timing of operation, are the new marks of the efficient industry.
So far as concentration may remain, it is largely a phenomenon of the market, rather than of technics:
promoted by astute financiers who see in the large organization an easier mechanism for their manipulation
of credit, for their inflation of capital values, for their monopolistic controls”.
37
MUMFORD, Lewis. Authoritarian and Democratic Technics. cit., p. 2.
37
nuclear e pró-solar nos anos 1970, em que se apontava a energia nuclear como característica
de regimes autoritários, enquanto a solar estaria mais próxima dos valores democráticos38.
De forma semelhante a Lewis Mumford, Andrew McAfee e Erik Brynjolfsson
compreendem a tecnologia como elemento exógeno às dinâmicas desenvolvidas entre as
dimensões econômicas, políticas e sociais, existindo uma relação unidirecional em que
somente aquela influencia estas, que devem se adaptar para usufruir todas as possibilidades
oferecidas pelas inovações tecnológicas. A maior diferença entre essas perspectivas é que
Lewis Mumford coloca a ciência como parte essencial no processo de inovação em conjunto
com a tecnologia, o que não é objeto da análise de Andrew McAfee e Erik Brynjolfsson.
Andrew McAfee e Erik Brynjolfsson analisam as transformações em curso a partir
do exame do progresso da sociedade na história. De acordo com os autores, durante milhares
de anos o desenvolvimento social humano ocorreu de forma lenta, gradual e de difícil
percepção para a população. Isso muda completamente a partir do século XVIII com o
advento da Revolução Industrial. As inovações tecnológicas produzidas nesse período,
consubstanciadas em diversos desenvolvimentos quase simultâneos em química, metalurgia,
engenharia mecânica, dentre outros campos do conhecimento, permitiu um salto agudo,
repentino e sustentável no progresso humano39.
O instrumento que simbolizou a Revolução Industrial, por permitir o
desenvolvimento de inúmeras inovações, foi a máquina a vapor, especificamente a criada
por James Watt na segunda metade do século XVIII. Entre 1765 e 1776, a eficiência dessa
máquina foi triplicada, o que permitiu a superação das limitações do uso da força física
humana e animal, e viabilizou a geração de grandes quantidades de energia útil conforme as
necessidades humanas. A máquina a vapor proporcionou a existência da fábrica e da
produção em massa, das ferrovias e da disseminação do transporte de cargas, modificando
de maneira central a organização da sociedade. De acordo com os autores, “a Revolução
Industrial inaugurou a primeira era da máquina na humanidade – a primeira vez na história
em que o progresso humano foi conduzido principalmente pela inovação tecnológica – e foi
o momento da mais profunda transformação que o mundo jamais viu”40.
Andrew McAfee e Erik Brynjolfsson colocam que o desenvolvimento das recentes
inovações tecnológicas originou a “segunda era das máquinas”. Nesse período, há
38
WINNER, Langdon. op. cit., p. 121.
39
BRYNJOLFSSON, Erik; MCAFEE, Andrew. op. cit., p. 7-8.
40
Id. Ibid., p. 8, tradução nossa de: “The Industrial Revolution ushered in humanity’s first machine age – the
first time our progress was driven primarily by technological innovation – and it was the most profound time
of transformation our world has ever seen”.
38
protagonismo dos computadores e dos equipamentos digitais, fazendo pelo poder da mente
(a habilidade de usar o cérebro para entender e moldar o nosso entorno) o mesmo que a
máquina a vapor e suas descendentes fizeram pelo poder muscular. Isso permite a superação
de limitações anteriormente existentes e leva a sociedade para um novo território. A forma
pela qual será promovida a transição entre as eras das máquinas ainda é incerta. Contudo, é
possível apontar o aumento vertiginoso do progresso humano com a consolidação dessas
novas tecnologias, pois o poder da mente é tão importante quanto o poder físico para o uso
das nossas capacidades41.
Os autores fazem três constatações sobre a “segunda era das máquinas”. A primeira
é a existência de um incrível progresso experimentado a partir de tecnologias digitais,
especialmente as dotadas de redes, hardware e software de computadores. É verdade que
essas tecnologias não são propriamente novas, dado que surgiram há pelo menos 50 anos.
Entretanto, da mesma forma que a máquina a vapor foi aprimorada por gerações até ser
capaz de guiar o progresso social no século XVIII, vivencia-se um intenso refinamento dos
aparelhos digitais, sendo que os computadores continuarão a serem aperfeiçoados e a
modificarem substancialmente a sociedade e a economia. Estamos vivendo um ponto de
inflexão na história das nossas sociedades e economias por conta do uso de força total da
digitalização, principalmente por conta da automação, em que há prevalência da abundância
em face da escassez e da liberdade sobre a restrição. Os desafios colocados apresentam-se
sobre a forma de gerenciar esse novo cenário 42.
A segunda é o caráter benéfico das transformações para a sociedade. A “segunda era
das máquinas” será melhor que a “primeira era das máquinas”, uma vez que tornará
disponíveis mais bens, em quantidade e em qualidade, para a população. A ampliação das
opções para consumo permitirá o acesso a bens hoje inexistentes e que poderão ter grande
interesse para as pessoas, assim como o aumento da variedade garantirá o uso dos produtos
em melhores condições. O desenvolvimento tecnológico fornece mais oportunidades de
escolha. Ademais, considerando que se projeta um crescimento exponencial do progresso
técnico, o mesmo deve ocorrer em relação aos benefícios ofertados43.
A terceira constatação refere-se aos intrincados desafios que a “segunda era das
máquinas” nos apresenta. Os autores mencionam que na “primeira era das máquinas”,
mesmo com as inovações tecnológicas que incrementaram a vida da população, também
41
BRYNJOLFSSON, Erik; MCAFEE, Andrew. op. cit., p. 8-9.
42
Id. Ibid., p. 9-10.
43
Id., loc. cit.
39
houve consequências negativas, como as péssimas condições de trabalho. Portanto, não seria
uma surpresa a ocorrência de problemas sociais sérios. É possível que o avanço tecnológico
tenha dificuldades em incluir parcela da população, pelo descompasso entre a educação
formal das escolas e universidades e as habilidades exigidas pelas mudanças tecnológicas.
O mais relevante, em relação a esse tema, é a promoção da discussão sobre os prováveis
efeitos negativos que a “segunda era das máquinas” pode ter sobre a população e a adoção
de medidas para mitigá-los antecipadamente44.
Percebe-se que na “segunda era das máquinas” existe somente um vetor de influência
que parte da tecnologia com destino às dinâmicas entre as dimensões econômicas, políticas
e sociais e que, uma vez disseminada a tecnologia nesses campos, há necessidade de
adaptação a uma nova realidade moldada por essas inovações. Nessa perspectiva, a
tecnologia sempre tem um papel ativo, enquanto as outras dimensões operam de maneira
reativa.
44
BRYNJOLFSSON, Erik; MCAFEE, Andrew. op. cit., p. 9-10.
45
MISHEL, Lawrence.; SCHMITT, John; SHIERHOLZ, Heidi. Wage inequality: A story of policy choices.
cit., p. 1.
40
o poder coletivo dos trabalhadores são exemplos de decisões que, tomadas no âmbito das
instituições, estruturaram o mercado e impactaram significativamente a organização do
capital e do trabalho. Nesse sentido, o mercado seria uma arena de poder modulada pelas
instituições e o foco do debate deveria ser em torno das escolhas feitas em matéria de política
econômica46.
Os autores afirmam que a tecnologia não ocupa um espaço de destaque na
formatação do mercado, assim como não faz parte do instrumental utilizado pelas
instituições para influenciá-lo. Lawrence Mishel, Heidi Shierholz e John Schmitt
reconhecem algum impacto das inovações tecnológicas na conformação do mercado de
trabalho e na definição dos contornos da estrutura ocupacional do emprego. De acordo com
os autores, a análise da trajetória histórica do pós-II Guerra Mundial mostra como as
mudanças tecnológicas contribuíram para a redução de postos de trabalho que exigem
qualificação média e o aumento de ocupações que demandam alta e baixa qualificação47.
Contudo, Lawrence Mishel e Josh Bivens entendem que a tecnologia não é um dos
condutores das questões centrais que requerem o enfrentamento pela sociedade, como a
estagnação salarial, o aumento da desigualdade, a expansão da polarização do mercado de
trabalho (em que há o crescimento dos postos de trabalho com salários altos e baixos e o
esvaziamento das ocupações com salários médios) e o crescimento do número de
desempregados48.
A partir dessa perspectiva, considera-se a tecnologia como um elemento periférico e
com maiores interações com fatores secundários na dinâmica entre as dimensões econômica,
política e social, como a educação, na medida em que é relevante para a estrutura
ocupacional do emprego. Contudo, é importante a constatação de que a tecnologia não faz
parte do núcleo de vetores que conformam as relações entre as referidas dimensões,
especialmente para que intervenções socioeconômicas adequadas sejam implementadas com
o objetivo de melhorar a condição média da população.
Richard Freeman, ao analisar o mercado de trabalho e a situação dos trabalhadores
nos últimos 100 anos, entende que a tecnologia, considerada isoladamente, não tem um
impacto relevante no mercado. Os resultados produzidos pelas inovações e a maneira pela
46
MISHEL, Lawrence.; SCHMITT, John; SHIERHOLZ, Heidi. Wage inequality: A story of policy choices.
cit., p. 1-2; MISHEL, Lawrence; SHIERHOLZ, Heidi; SCHMITT, John. Don’t blame the robots: assessing
the job polarization explanation of growing wage inequality. cit., p. 17-18.
47
MISHEL, Lawrence; SHIERHOLZ, Heidi; SCHMITT, John. op. cit., p. 18.
48
MISHEL, Lawrence; BIVENS, Josh. op. cit., p. 5.
41
qual repercute na economia e na sociedade dependem das escolhas feitas pelas empresas e
pelas políticas públicas adotadas pelos governos49.
O autor aponta que o crescimento da desigualdade em escala global, a queda da renda
oriunda do trabalho nas economias nacionais e o enfraquecimento do sindicalismo foram as
principais causas que afetaram negativamente os trabalhadores. A tecnologia, por outro lado,
apenas teve papel na forma pela qual os trabalhos são desempenhados, especialmente com
o aumento das habilidades dos robôs em executarem tarefas físicas e de rotina. Para Richard
Freeman, o debate central relacionado à tecnologia é sobre quem são os proprietários dos
robôs e como viabilizar o acesso dos trabalhadores aos proventos advindos do uso das
inovações tecnológicas. Para tanto, há necessidade de o governo criar estímulos, tributários
e societários, para que as empresas implementem cotas de participação na propriedade e
concedam espaços para que os trabalhadores opinem sobre a adoção da tecnologia no local
de trabalho50.
Portanto, percebe-se que, tanto na visão de Lawrence Mishel, Heidi Shierholz e John
Schmitt e de Lawrence Mishel e Josh Bivens, como na perspectiva de Richard Freeman, a
tecnologia não é um vetor nuclear que perpassa as dinâmicas entre as dimensões econômicas,
sociais e políticas, sendo parte de escolhas feitas no âmbito das instituições que modulam o
mercado e afetam a vida da população. Nesta ótica, a tecnologia ocupa um papel periférico,
uma vez que a sua utilização é consequência de políticas adotadas em outros âmbitos.
49
FREEMAN, Richard. op. cit.
50
Id. Ibid.
51
POLANYI, Karl. op. cit., p. 35-44; 59-80.
42
trocas comerciais não são suficientes para satisfazer as demandas da vida, e terra e trabalho
estavam incorporados nas relações sociais. Ou seja, não existia uma economia de mercado52.
A dimensão política (abrangendo o direito, a aplicação formal de normas e o uso da
violência para moldar a ação coletiva) e social (considerando os costumes e o cumprimento
social normativo) interagiam intensamente entre si e subordinavam a esfera da economia
(especialmente a produção e distribuição de bens).
Contudo, a Revolução Industrial e o desenvolvimento da economia de mercado
alteraram esse panorama. A invenção de um mercado que se autorregula alterou a relação
entre as dimensões, fazendo com que a política ficasse subordinada à economia. A
tecnologia cumpriu um papel de destaque nessa mudança. Karl Polanyi, ao analisar os
fatores que conduziram à Revolução Industrial, menciona que
esses foram meramente incidentais à uma mudança básica, o
estabelecimento da economia de mercado, e a natureza dessa instituição
não pode ser totalmente compreendida a menos que o impacto da máquina
na sociedade comercial seja percebido. Nós não pretendemos afirmar que
as máquinas causaram o que ocorreu, mas insistimos que, uma vez que as
máquinas e fábricas aperfeiçoadas foram utilizadas na produção em uma
sociedade comercial, a ideia de um sistema de mercado autorregulado
estava pronto para tomar forma53.
O aumento da complexidade da atividade produtiva, em grande parte ocasionado
pelo desenvolvimento tecnológico, exigiu que a oferta de determinados fatores de produção
fosse garantida, sendo três de fundamental importância: trabalho, terra e moeda. Na
sociedade comercial, a disponibilização desses fatores somente poderia ocorrer por meio da
possibilidade de compra, transformando-os em commodities e, em última instância, em
mercadorias fictícias. O autor, ao tratar desses três fatores de produção, coloca que
um se destaca: trabalho é o termo técnico para seres humanos, na medida
em que não sejam empregadores, mas empregados; como consequência,
daqui em diante a organização do trabalho muda de forma concomitante
com a organização do sistema de mercado. Mas como a organização do
trabalho é somente outra palavra para as formas de vida das pessoas
comuns, isso significa que o desenvolvimento do sistema de mercado seria
52
POLANYI, Karl. op. cit., p. 35-44.
53
Id. Ibid., p. 42-43, tradução nossa de: “(...) these were merely incidental to one basic change, the
establishment of market economy, and that the nature of this institution cannot be fully grasped unless the
impact of the machine on a commercial society is realized. We do not intend to assert that the machine caused
that which happened, but we insist that once elaborate machines and plant were used for production in a
commercial society, the idea of a self-regulating market system was bound to take shape”.
43
54
POLANYI, Karl. op. cit., p. 79, tradução nossa de: “one stands out: labor is the technical term used for human
beings, insofar as they are not employers, but employed; it follows that henceforth the organization of labor
would change concurrently with the organization of the market system. But as the organization of labor is
only another word for the forms of life of the common people, this means that the development of the market
system would be accompanied by a change in the organization of society itself. All along the line human
society had become an accessory of the economic system”.
55
Id. Ibid., p. 39.
56
COUTINHO, Diogo Rosenthal. Direito e institucionalismo econômico: apontamentos sobre uma fértil
agenda de pesquisa. Revista de Economia Política, v. 37, n. 3, p. 581-583, jul./set. 2017.
44
a tecnologia em si não tem valor, sendo importante o sistema socioeconômico em que está
inserida. O mérito dessa teoria reside em apontar as circunstâncias sociais da implantação,
aprimoramento e uso das inovações tecnológicas, ao invés de centrar a análise somente nas
consequências da adoção de um determinado artefato técnico. Contudo, o seu defeito é
justamente desconsiderar por completo o valor da tecnologia. De outro lado, há o
determinismo tecnológico cândido, em que as inovações são frutos de interações internas da
tecnologia e, sem qualquer influência sobre si, molda a sociedade para que essa se ajuste aos
seus padrões57.
Como alternativa a essas teorias, foi criada a teoria da política tecnológica, em que
se destaca a dinâmica dos sistemas sociotécnicos de grande escala, a resposta das sociedades
modernas para determinados imperativos tecnológicos e os sinais comuns de adaptação dos
fins humanos aos meios técnicos. A relevância dessa teoria está em dar a devida importância
à tecnologia, uma vez que aponta a necessidade de se prestar atenção às características dos
artefatos técnicos e aos significados dessas características. Ou, segundo o autor, “uma das
forças desse ponto de vista é levar os artefatos técnicos a sério”58.
Langdon Winner afirma que há duas situações em que a tecnologia detém
propriedades políticas. Na primeira, menciona que invenções, desenhos ou arranjos de um
aparelho ou sistema técnico específico tornam-se uma forma de resolver um problema para
uma comunidade particular. Na segunda, coloca a existência das tecnologias inerentemente
políticas, sistemas criados pelo homem e que exigem tipos particulares de relações
políticas59.
Para exemplificar as profundas interações entre tecnologia e política, o autor
descreve três casos. Robert Moses foi um engenheiro norte-americano que, entre as décadas
de 1920 e 1970, foi responsável por diversas construções na região de Nova Iorque. Muitas
de suas obras refletiam o seu preconceito social e de classe. As estradas eram concebidas
para que os carros de propriedade das famílias brancas dos estratos altos e médios da
sociedade pudessem trafegar em busca de lazer e deslocamento ao trabalho. As pessoas
pobres e negras, que normalmente usavam transporte público, não podiam usar essas
estradas porque os ônibus não conseguiam passar debaixo dos viadutos. Uma das
consequências foi limitar o acesso dos grupos de baixa renda e de minorias raciais a belos
parques públicos, como o de Jones Beach, situado a aproximadamente 40 quilômetros de
57
WINNER, Langdon. op. cit., p. 121–122.
58
Id. Ibid., p. 123, tradução nossa de: “one strength of this point of view is that it takes technical artifacts
seriously”.
59
Id. Ibid., p. 123.
45
Nova Iorque. Ainda, Robert Moses trabalhou para vetar uma proposta de estender a linha de
trem de Long Island até o referido parque, como forma de manter o isolamento do local60.
Cyrus McCormick era proprietário de uma indústria que produzia ceifadeiras no
século XIX, em Chicago. No meio da década de 1880, foram introduzidas máquinas de
moldagem pneumática, uma nova e não testada inovação à época, que custou
aproximadamente quinhentos mil dólares. Uma interpretação estritamente econômica
indicaria que a adoção do novo maquinário pretendia modernizar a fábrica e incrementar a
eficiência da planta. Contudo, naquele momento histórico, o proprietário da empresa estava
em uma disputa com o sindicato que representava os seus empregados. As novas máquinas
substituíram os trabalhadores qualificados, que eram os líderes do sindicato em Chicago. As
inovações implementadas por Cyrus McCormick produziram material de pior qualidade a
um custo maior que o processo anterior. Depois de três anos de uso das máquinas,
abandonou-se o processo. Contudo, o objetivo de inviabilizar a organização sindical dos
trabalhadores foi atingido61.
Por fim, Langdon Winner indica o caso do movimento das pessoas com deficiência,
que na década de 1970 apontou inúmeras maneiras em que máquinas, instrumentos e
estruturas de uso comum (como ônibus, prédios e calçadas) eram impossíveis de serem
usados livremente por esse grupo, o que os excluía de forma sistemática da vida pública. Em
sua perspectiva, isso ocorreu mais por negligência do que por uma deliberação de uma
pessoa ou instituição, o que não impediu a produção de consequências políticas negativas e
concretas62.
O autor afirma que, levando em consideração os casos mencionados, nota-se a
importância dos arranjos e desenhos técnicos e do componente político que precedem o uso
da inovação tecnológica pela sociedade. A falta de atenção a esses elementos retira uma
perspectiva central para analisar a tecnologia, deixando-nos desassistidos sob um viés
intelectual e prático63.
Langdon Winner coloca que, para uma dada categoria de mudanças tecnológicas, há
duas espécies de escolhas a serem feitas e que afetam a distribuição de poder e autoridade
em uma comunidade. A primeira é se se deve desenvolver e adotar um determinado artefato.
A segunda, diz respeito às características específicas que a inovação terá, como os seus
60
WINNER, Langdon. op. cit., p. 124.
61
Id. Ibid., p. 124-125.
62
Id. Ibid., p. 125.
63
Id. Ibid., p. 126.
46
64
WINNER, Langdon. op. cit., p. 127.
65
Id. Ibid., p. 127, tradução nossa de: “the things we call ‘technologies’ are ways of building order in our world.
Many technical devices and systems important in everyday life contain possibilities for many different ways
of ordering human activity. Consciously or not, deliberately or inadvertently, societies choose structures for
technologies that influence how people are going to work, communicate, travel, consume, and so forth over
a very long time”.
66
BENKLER, Yochai. op. cit., p. 1-2.
47
67
BENKLER, Yochai. op. cit., p. 1, 5, 7, 8.
68
Id. Ibid., p. 9.
69
“Maximizadores” seriam pessoas que têm uma elevada preocupação a respeito de suas decisões, em que há
uma busca incessante sobre o máximo de proveito a se tirar de uma dada situação. Os “satisfeitores” seriam
pessoas que, uma vez identificado que o procurado está dentro dos seus padrões aceitáveis, cessam a busca
(FOROOHAR, Rana. Makers and takers: how Wall Street destroyed Main Street. New York: Crown
Business, 2016, p. 126)
70
BENKLER, Yochai. op. cit., p. 9.
48
que desenvolva uma atividade regulatória mínima. Nesse cenário, as pessoas têm
consciência sobre seus desejos, interesses e preferências, sendo que, com acesso à
informação, fazem escolhas cientes de suas implicações. Essa é a maneira pela qual a teoria
dos “mercados eficientes” entende as interações socioeconômicas71.
O direito ocupa um papel de destaque sob a ótica institucional apresentada pelo autor,
uma vez que é a órbita em que se delimitam os espaços do Direito Individual e Coletivo do
Trabalho, da regulação da atividade econômica, das fronteiras da governança corporativa,
das políticas direcionadas aos desempregados, dentre outras. Ou seja, é o instrumento capaz
de distribuir a extensão de poder nas negociações realizadas pelos agentes econômicos, cuja
principal consequência é a modulação da organização da produção e da distribuição de bens.
Nota-se que nessa perspectiva o direito assume uma função mais importante do que
unicamente garantir o funcionamento dos “mercados eficientes”72.
As práticas organizacionais são analisadas sob a ótica sociológica, em que as
organizações são diversas e não adotam práticas uniformes, na qual existem empresas que
pagam mais do que as outras para as mesmas ocupações, há empregadores que utilizam um
sistema não-hierárquico e baseado na confiança, enquanto outros empregam um método
oposto, dentre inúmeras diferenças que é possível observar no cotidiano dos negócios. Essas
características afetam o bem-estar das pessoas que se relacionam com a empresa e a
produtividade dos trabalhadores. Da mesma forma, os empregados não devem ser vistos
como indivíduos somente com maiores ou menores competências, devendo-se também olhar
para suas motivações e status pessoal. Essa visão se distancia de um olhar economicista das
organizações, em que são encaradas como entidades uniformes e dotadas apenas de funções
produtivas73.
As normas sociais são um conjunto de práticas socialmente aceitas, em que a
inobservância leva à rejeição pela comunidade, não sendo um mero agrupamento de
prescrições incólume a influências, mas permeáveis a interferências externas e produtoras
de efeitos em outras esferas. Há uma grande interdependência entre as normas sociais e
outros integrantes da dimensão institucional, especialmente a política, em que a influência é
mútua. As normas sociais devem estar incorporadas em outros sistemas de poder para guiar
comportamentos, uma vez que a promoção de mudanças que conta apenas com sistemas
71
BENKLER, Yochai. op. cit., p. 9-10.
72
Id. Ibid., p. 10-13.
73
Id. Ibid., p. 23-24.
49
74
BENKLER, Yochai. op. cit., p. 24-25.
75
Id. Ibid., p. 25.
76
Id. Ibid., p. 25-26.
77
Id. Ibid., p. 7-8; 16.
50
trabalho e, em última instância, criar condições para a construção de uma sociedade mais
livre, justa e solidária.
Por fim, destacamos que apesar de a construção sobre a economia política
multidimensional de Yochai Benkler ter como parâmetro o desenvolvimento das condições
econômicas, políticas e sociais dos países capitalistas centrais, entendemos que o núcleo de
sua elaboração é aplicável ao Brasil, tendo em vista que é um país capitalista periférico,
recebendo grande influência das conformações que ocorrem naqueles países, e pelo fato de
os contornos da tecnologia, instituições e ideologia nos países do Atlântico Norte terem
impactado significativamente o Brasil em outros momentos da história, como ocorreu ao
longo do século XX.
78
KAUFMAN, Bruce E. The global evolution of industrial relations: events, ideas and the IIRA. Geneva:
International Labour Office, 2004, p. 217; MUNCK, Ronaldo. Globalisation and labour: the new ‘Great
Transformation’. London: Zed Books, 2002, p. 24-50.
79
BÉROUD, Sophie; BOUFFARTIGUE, Paul. Introduction. In: BÉROUD, Sophie; BOUFFARTIGUE, Paul
(Dirs.). Quand le travail se précarise, quelles résistances collectives? Paris: La Dispute, 2009, p. 12; JUDT,
Tony. O mal ronda a terra: um tratado sobre as insatisfações do presente. Tradução Celso Nogueira. Rio de
Janeiro: Objetiva, 2011, p. 57.
80
HERRERA, Beethoven. El sindicalismo en el milenio de la globalización. Lima: Oficina Internacional del
Trabajo, 2001, p. 39; MUNCK, Ronaldo. op. cit., p. 31
81
Max Weber descreve a existência de organizações rigidamente hierarquizadas no capitalismo industrial,
dominadas pela burocracia, cuja racionalidade controla o comportamento e direciona a sociedade para
objetivos preestabelecidos. Nesse sentido, as pessoas são aprisionadas em “jaulas de ferro” (WEBER, Max.
The Protestant ethic and the spirit of capitalism. New York: Routledge, 2001, p. 119-125)
82
Modernismo foi um movimento que teve destaque nas décadas de 1950 e 1960, que expressava a crença que
a ciência e a tecnologia seriam meios para reorganizar o mundo social e natural. Há a prevalência da razão
abstrata e da defesa de um projeto que buscava a emancipação humana por meio da tecnologia, ciência e
razão (HARVEY, David. A condição pós-moderna: uma pesquisa sobre as origens da mudança cultural. 17ª.
ed. São Paulo: Loyola, 2008).
83
Gerencialismo é um conjunto de práticas adotadas no âmbito das empresas na busca de alcançar objetivos
52
organizacionais e melhorar a eficiência, dentro das limitações financeiras da entidade, sob a liderança da
autoridade gerencial. (WALLACE, Susan. Managerialism. In: WALLACE, Susan. (Ed.) A Dictionary of
Education. Oxford: Oxford University Press, 2009).
84
O keynesianismo foi um conjunto de medidas econômicas idealizadas por John Maynard Keynes,
especialmente por meio de recursos do Estado e da política monetária, com o objetivo de estimular o
crescimento econômico, incrementar o valor dos salários, ampliar as taxas de lucro e aumentar as taxas de
emprego sem produzir uma pressão inflacionária. A ideia era que o Estado deveria atuar em campos que
anteriormente eram deixados somente para ação da iniciativa privada. (KEYNES, John Maynard. Chapter
24. Concluding notes on the social philosophy towards which the general theory might lead. In: KEYNES,
John Maynard. The general theory of employment, interest and money. Disponível em:
<http://www.marxists.org/reference/subject/economics/keynes/general-theory/ch24.htm>. Acesso em: 08
mar. 2018).
85
A noção de Estado Administrativo, cunhada por Dwight Waldo, enuncia um modelo em que se coloca o
corpo burocrático e técnico em posição de destaque e com grandes poderes para gerenciar o Estado,
especialmente em razão de sua especialidade, competência e ingresso na vida pública por métodos
meritocráticos (WALDO, Dwight. The administrative state: a study of the political theory of American
public administration. New York: The Ronald Press Company, 1948).
86
A economia social de mercado prescreve um modelo em que se pretende conjugar a liberdade de mercado
com a execução de políticas sociais em busca da equidade social. De acordo com Alfred Müller-Armack,
trata-se de um conceito que compreende várias medidas no âmbito social e uma reduzida gama de ações
econômicas, sendo que todas devem ser adequadamente coordenadas (MÜLLER-ARMACK, Alfred. The
social market economic as an economic and social order. Review of Social Economy, v. 36, n. 3, p. 325–331,
1978).
87
O dirigismo na França foi desenvolvido por Charles de Gaulle, em que havia uma forte presença do Estado
na economia, com inspiração keynesiana, para se alcançar os objetivos definidos em âmbito estatal
(WALLERSTEIN, Immanuel. ¿el fin del gaullismo? Junho, 2007. Disponível em: <
http://www.jornada.unam.mx/2007/06/30/index.php?section=opinion&article=020a1pol>. Acesso em: 08
mar. 2018)
88
BENKLER, Yochai. Network pragmatism: Towards an open social economy. May 2017. Disponível em:
<http://www.benkler.org/Benkler%20Network%20Pragmatism%20Open%20Social%20Economy%20PAS
S%20Proceedings%202017.pdf>. Acesso em: 10 nov. 2017, p. 1-2.
89
BENKLER, Yochai. op. cit., p. 5.
53
90
TAYLOR, Frederick Winslow. Princípios de administração científica. Tradução Arlindo Vieira Ramos. 7ª.
ed. São Paulo: Atlas, 1970. p. 109-110.
91
HARVEY, David. op. cit., p. 121. Ainda sobre o objetivo do taylorismo em controlar todas as atividades dos
trabalhadores, Harry Braverman afirma que “Taylor elevou o conceito de controle a um plano inteiramente
novo quando asseverou como uma necessidade absoluta para a gerência adequada a imposição ao trabalhador
da maneira rigorosa pela qual o trabalho deve ser executado. Admitia-se em geral antes de Taylor que a
gerência tinha o direito de ‘controlar’ o trabalho, mas na prática esse direito usualmente significava apenas
a fixação de tarefas, com pouca interferência no modo de executá-las pelo trabalhador. A contribuição de
Taylor foi no sentido de inverter essa prática e substituí-la pelo seu oposto. Seu ‘sistema’ era tão-somente
um meio para que a gerência efetuasse o controle do modo concreto de execução de toda atividade no
trabalho, desde a mais simples à mais complicada. Nesse sentido, ele foi o pioneiro de uma revolução muito
maior na divisão do trabalho que qualquer outra havida” (BRAVERMAN, Harry. Trabalho e capital
monopolista: a degradação do trabalho no século XX. 3ª. ed. Rio de Janeiro: Zahar, 1981. p. 86).
92
MUNCK, Ronaldo. op. cit., p. 31.
93
ANTUNES, Ricardo. Os sentidos do trabalho: ensaio sobre a afirmação e a negação do trabalho. 1. ed. 9.
reimpr. São Paulo: Boitempo, 2007., p. 37. Ainda, Ricardo Antunes afirma que “o fordismo
fundamentalmente como a forma pela qual a indústria e o processo de trabalho consolidaram-se ao longo
deste século, cujos elementos constitutivos básicos eram dados pela produção em massa, através da linha de
montagem e de produtos mais homogêneos; através do controle dos tempos e movimentos pelo cronômetro
taylorista e da produção em série fordista; pela existência do trabalho parcelar e pela fragmentação das
funções; pela separação entre elaboração e execução no processo do trabalho; pela existência de unidades
fabris concentradas e verticalizadas e pela constituição/consolidação do operário-massa, do trabalhador
coletivo fabril, entre outras dimensões” (Id. Ibid., p. 25).
54
Uma segunda inovação foi a adoção do pagamento de cinco dólares para oito horas
de trabalho diárias, o que alterou de forma substancial o modelo de remuneração até então
comum, elevando o valor dos salários, aumentando os ganhos dos operários e permitindo
que os trabalhadores se tornassem consumidores e tivessem meios de adquirir os bens que
produziam. Tal medida ampliou o tamanho do mercado e melhorou as condições de vida do
proletariado94.
O fordismo teve êxito, pois conseguiu aumentar significativamente os índices de
produtividade. Contudo, constataram-se consequências negativas dessa forma de organizar
o trabalho para os operários, tendo em vista que ritmo de trabalho era acelerado e os
trabalhadores tiveram diversos problemas relativos à saúde em decorrência da repetição das
tarefas e do cansaço ocasionado pela intensificação do trabalho95.
O taylorismo e o fordismo expressam de forma apropriada a estrutura epistemológica
relacionada a controle, competência, neutralidade e padronização predominante durante os
anos da “jaula de ferro progressista” e que conformou todos os setores da vida social de
formas variadas.
Nesse período, há inúmeras manifestações de elementos ligados à tecnologia,
ideologia e instituições, que se relacionavam entre si e que fazem parte dos campos
econômico, político e social. Em relação às instituições, temos no aspecto econômico o
gerencialismo, o taylorismo-fordismo, o paradigma do Tratado de Detroit96 (nos EUA) para
as relações coletivas de trabalho, a emergência e consolidação do Direito do Trabalho, a ação
sindical e um cenário de considerável regulação da atividade econômica. Na área política,
há o Estado Administrativo (concebido para ser gerenciado por um corpo técnico neutro,
admitido no ente estatal de forma meritocrática, capaz de desempenhar as atividades do
Estado de forma racional e objetiva), em que a orientação e o planejamento eram construídos
tecnicamente por uma organização burocrática com enfoque no Estado-Nação. Por fim, no
setor social, há o ressurgimento da família patriarcal no período pós Segunda-Guerra
Mundial, após avanços para as mulheres no entreguerras, como o direito ao voto e a
participação na atividade econômica, em se que pretendia restaurar a estrutura de autoridade
94
BENKLER, Yochai. op. cit., p. 5.
95
MUNCK, Ronaldo. op. cit., p. 31-32.
96
Em 1950, a “United Auto Workers” (UAW) e a General Motors celebraram um acordo coletivo que ficou
conhecido como “Tratado de Detroit”, em que foram estabelecidas condições de trabalho favoráveis aos
trabalhadores, como melhorias na fórmula para calcular o custo de vida e o fator anual de melhoria (sendo
que ambos impactavam o salário), o pagamento de pensão no valor de US$ 125 ao mês e de metade do plano
de saúde (LICHTENSTEIN, Nelson. The most dangerous man in Detroit: Walter Reuther and the fate of
American labor. New York, NY: Basic Books, 1995, p. 279-280).
55
97
BENKLER, Yochai. op. cit., p. 4-6; 14.
98
Id. Ibid., p. 4-6; 14.
99
Id. Ibid., p. 4-6; 14-16.
56
100
BENKLER, Yochai. op. cit., p. 2.
101
HARVEY, David. op. cit., p. 135.
102
Id. Ibid., p. 135-137.
57
103
HAYEK, Friedrich A. Von. The road to serfdom. London: Routledge, 2001, p. 33-44.
104
Id. Ibid., p. 37, tradução nossa de: “The liberal argument is in favour of making the best possible use of the
forces of competition as a means of co-ordinating human efforts, not an argument for leaving things just as
58
they are. It is based on the conviction that where effective competition can be created, it is a better way of
guiding individual efforts than any other”.
105
BENKLER, Yochai. op. cit., p. 2-3.
106
Id. Ibid., p. 3.
107
LILLA, Mark. The End of Identity Liberalism. The New York Times, New York, 20 nov. 2016. Disponível
em: <https://www.nytimes.com/2016/11/20/opinion/sunday/the-end-of-identity-liberalism.html>. Acesso
em: 26 mar. 2018; BAILEY, Issac. J. “Identity Politics,” Not Trump Voters, Will Save Democrats. Vice,
New York, 10 oct. 2017. Disponível em: <https://www.vice.com/en_us/article/43aekn/identity-politics-not-
trump-voters-will-save-democrats>. Acesso em: 26 mar. 2018.
59
108
BENJAMIN, Cid. A antipolítica e o risco de uma tempestade. MARINGONI, Gilberto; MEDEIROS,
Juliano; RAMOS, Adriana. (Orgs.). Cinco mil dias: o Brasil na era do lulismo. São Paulo, SP: Boitempo
Editorial, 2017; ROQUE, Tatiana. Subjetividades no ponto cego da esquerda. Le Monde Diplomatique
Brasil, São Paulo, 03 fev. 2017. Disponível em: <http://diplomatique.org.br/subjetividades-no-ponto-cego-
da-esquerda/>. Acesso em: 26 mar. 2018.
109
BENKLER, Yochai. A political economy of oligarchy: Winner-takes-all ideology, superstar norms, and the
rise of the 1%. cit., p. 3-6.
110
BENKLER, Yochai. Network pragmatism: Towards an open social economy. cit., p. 9; TELES, Steven
Michael. The rise of the conservative legal movement: the battle for control of the law. Princeton: Princeton
60
116
BENKLER, Yochai. op. cit., p. 30.
117
HACKER, Jacob; PIERSON, Paul. Winner-take-all politics: public policy, political organization, and the
precipitous rise of the top incomes in the United States. Politics & Society, v. 38, n. 2, p. 3, 2010.
118
IANNI, Octavio. As ciências sociais na época da globalização. Revista Brasileira de Ciências Sociais, v. 13,
n. 37, p. 33-41, jun. 1998.
119
IANNI, Octavio. Globalização: novo paradigma das ciências sociais. Estudos Avançados, São Paulo, v. 8,
n. 21, p. 151, ago. 1994.
62
120
SILVA, Walküre Lopes Ribeiro da. Crise de representatividade e participação dos sindicatos em políticas
ativas de emprego. 2001. Tese (Titular de Direito do Trabalho) – Faculdade de Direito, Universidade de
São Paulo, São Paulo, 2001, p. 35-44; MUNCK, Ronaldo. op. cit., p. 52; CHESNAIS, François. A
mundialização do capital. São Paulo: Xamã, 1996, p. 24; JUDT, Tony. op. cit., p. 176-177.
121
Os círculos de controle de qualidade promovem encontros de trabalhadores para se discutir o cotidiano da
empresa e sugerir melhorias no processo produtivo, com o objetivo de aumentar a produtividade e melhorar
a qualidade (ANTUNES, Ricardo. op. cit., p. 55).
122
O controle estatístico de processos pretende monitorar a produção em tempo real, o que incrementa
significativamente a qualidade dos bens fabricados pela empresa e a correção dos processos (Id. Ibid., p.
56).
123
O sistema just-in-time é um mecanismo de racionalização da produção, por meio da gestão de estoques e
economia de tempo, vinculando de forma mais incisiva a produção à demanda. É um dos maiores exemplos
da proposta de produção enxuta (Id. Ibid., p. 56-57).
124
O kanban é o instrumento que viabiliza a comunicação entre as fases da produção que permite a operação
com estoques reduzidos (Id. Ibid., p. 57-58).
125
Os sistemas de qualidade total englobam todas as características dos elementos anteriores e exigem o
engajamento dos trabalhadores com o desenvolvimento empresarial (Id. Ibid., p. 59).
126
O “Consenso de Davos” é o conjunto dos preceitos do Consenso de Washington e suas diretrizes neoliberais
no campo econômico, somado ao pluralismo (em que há uma tolerância e celebração das diferenças entre
os seres humanos, assim como dos esforços individuais das pessoas, em contraposição à solidariedade
63
anualmente o Fórum Econômico Mundial. De acordo com Yochai Benkler, essa conjuntura
deu origem à hegemonia de uma
oligarquia pluralista: um sistema político governado primariamente pelas
elites econômicas, orientado em direção à construção de um quadro
institucional que permite o 1% mais rico aumentar dramaticamente a sua
parcela na renda nacional, a elite econômica reproduzir-se e legitimar o seu
status como mérito e implementar uma variedade de reformas liberais de
caráter plural que reduziram substancialmente o racismo e o sexismo legal
e explícito e aumentou a realização pessoal individual nos âmbitos da
reprodução e da cultura127.
Esse contexto também é denominado de “neoliberalismo progressista”, em que há
uma aliança poderosa entre correntes dominantes dos novos movimentos sociais (feministas,
antirracistas, multiculturalistas, ambientalistas e LGBTQ) e os setores financeiros,
dinâmicos e desenvolvidos da economia norte-americana (Wall Street, Vale do Silício e
Hollywood). Conforme Nancy Fraser afirma,
o bloco neoliberal-progressista combinou um programa econômico
expropriatório e plutocrata com uma política liberal e meritocrática de
reconhecimento. Determinados em retirar as forças do mercado da mão
pesada do Estado e do moedor de ‘impostos e gastos’, as classes que
lideraram esse bloco tinham o objetivo de liberalizar e globalizar a
economia capitalista. O que significou, na prática, na financeirização:
diminuição de barreiras e proteções para a livre circulação do capital; a
desregulação do setor bancário e pagamentos extraordinários de débitos
predatórios; desindustrialização, enfraquecimento dos sindicatos e
disseminação de trabalho precário e mal remunerado128.
coletiva e aos esforços comunitários) e ao internacionalismo (em troca de uma estabilidade e paz, há uma
acentuada diminuição da participação popular na definição dos rumos dos governos) (BENKLER, Yochai.
Network pragmatism: Towards an open social economy. cit., p. 5).
127
Id. Ibid., p. 12, tradução nossa de: “pluralist oligarchy: a political system governed primarily by economic
elites, oriented toward constructing an institutional setting that enables the wealthiest centile to dramatically
increase its share of national income, the economic elite to reproduce itself and legitimate its status as merit,
and that implements a range of liberal pluralistic reforms that substantially reduced legal and explicit racism
and sexism and increase individual self-actualization in the domains of reproduction and culture”.
128
FRASER, Nancy. From progressive neoliberalism to Trump – and beyond. American Affairs, v. 1, n. 4,
inverno 2017, p. 46, tradução nossa de: “The progressive-neoliberal bloc combined an expropriative,
plutocratic economic program with a liberal-meritocratic politics of recognition. The distributive component
of this amalgam was neoliberal. Determined to unshackle market forces from the heavy hand of the state
and from the millstone of “tax and spend,” the classes that led this bloc aimed to liberalize and globalize the
capitalist economy. What that meant, in reality, was financialization: the dismantling of barriers to, and
protections from, the free movement of capital; the deregulation of banking and the ballooning of predatory
debt; deindustrialization, the weakening of unions, and the spread of precarious, badly paid work”.
64
129
BENKLER, Yochai. A political economy of oligarchy: Winner-takes-all ideology, superstar norms, and the
rise of the 1%. cit., p. 45; WATSON, Bartholomew C. Barcode Empires: Politics, Digital Technology, and
Comparative Retail Firm Strategies. Journal of Industry, Competition and Trade, v. 11, n. 3, p. 309–324,
set. 2011.
130
BENKLER, Yochai. op. cit., p. 45-46.
65
131
BENKLER, Yochai. op. cit., p. 2-3; 45-46.
132
Id. Ibid., p. 45-46.
66
133
BENKLER, Yochai. op. cit., p. 2- 3; FRASER, Nancy. op. cit., p. 48.
134
THALER, Richard H.; SUNSTEIN, Cass R. Nudge: improving decisions about health, wealth, and
happiness. New Haven: Yale University Press, 2008, p. 4-6.
135
THALER, Richard H.; SUNSTEIN, Cass R. op. cit., p. 5, tradução nossa de: “(…) a policy is ‘paternalistic’
if it tries to influence choices in a way that will make choosers better off, as judged by themselves”.
67
da liberdade. Segundo os autores, “os paternalistas libertários querem tornar fácil para as
pessoas seguirem os seus próprios caminhos; eles não querem sobrecarregar aqueles que
querem exercitar a sua liberdade”136.
De acordo com Yochai Benkler, a epistemologia proposta por Cass Sunstein e
Richad Thaler, em que a pesquisa científica realizada por especialistas é capaz de apresentar
as melhores práticas existentes e que as pessoas as adotariam a partir do estímulo direcionado
promovido por determinados atores, tendo em vista que a opção por esses caminhos
melhoraria a situação dessas pessoas, denota aproximação com o modelo da “janela de ferro
progressista”. A maior diferença entre ambos é que no paternalismo libertário se rejeita a
ideia de imposição de normas, com o objetivo de preservar a liberdade de escolha nos
mercados. Em relação ao neoliberalismo, a distinção mais patente é que o modelo proposto
por Cass Sunstein e Richard Thaler coloca uma orientação normativa progressista e admite
a existência de desvios da racionalidade pautada somente no interesse individual. Yochai
Benkler afirma que o paternalismo libertário carrega os problemas dos “trinta anos
gloriosos”, dado o risco de erro das autoridades, e do neoliberalismo, considerando a utópica
crença nos mercados como estrutura epistemológica e espaço de liberdade de ação137.
O tecnolibertarianismo e o tecnoliberalismo diferenciam-se pela importância
conferida às políticas para incluir a população mais pobre nos avanços proporcionados pela
tecnologia e na função do Estado de contrabalancear o poder do mercado, com maior
relevância no primeiro do que no segundo. Ambos não questionam o modelo neoliberal e de
reconhecimento, que reduz o papel de intervenção de forma incisiva do governo na economia
e nas escolhas de vida pessoais, e colocam a tecnologia como elemento central para assegurar
oportunidades de trabalho e diminuir a insegurança econômica, além de incrementar a
participação democrática, com o objetivo de legitimar os modelos e superar as limitações da
democracia participativa. A política pública social mais ambiciosa proposta é a renda básica
universal como mecanismo de desvincular o trabalho remunerado das necessidades de
subsistência. Aponta-se que as soluções tecnológicas podem ir além das propostas político-
institucionais nos campos econômico e social para melhorar a vida das pessoas. Em suma,
esses modelos amalgamam o neoliberalismo pluralista com a ideia da tecnologia eliminando
a escassez138.
136
THALER, Richard H.; SUNSTEIN, Cass R. op. cit., p. 5, tradução nossa de: “Libertarian paternalists want
to make it easy for people to go their own way; they do not want to burden those who want to exercise their
freedom”.
137
BENKLER, Yochai. op. cit., p. 3.
138
Id. Ibid., p. 3.
68
139
BENKLER, Yochai. op. cit., p. 3.
69
140
FRASER, Nancy, op. cit., p. 49. De forma distinta, Yochai Benkler classifica esses políticos como socialistas
da velha guarda (BENKLER, Yochai. op. cit., p. 2).
141
Id. Ibid., p. 17.
142
Id. Ibid., p. 17, tradução nossa de: “the resource is subject to a set of symmetric rules concerning access, use,
extraction, and management. The absence of asymmetry removes the owner as a focal point for transactions
70
and as the coordinating mechanism for competing claims on the resource. The symmetry allows diverse
users the freedom to operate without transacting, within the symmetric constraints and subject to the
congestion characteristics of the resource”.
143
BENKLER, Yochai. op. cit., p. 18, tradução nossa de: “Economic history of innovation shifted its focus
from heroic inventors on the Edison model to richer descriptions of communities of practice, networks of
innovators who shared information and experiments to produce a series of incremental collaborative
contributions rather than the light bulb image of the individual creative genius”.
71
de motivações dos seres humanos e o contexto em que estão inseridos para se pensar em
intervenções econômicas, políticas e sociais144.
O pragmatismo em rede também parte da constatação de que as instituições criadas
pelos seres humanos são falhas, o que demanda a existência de mecanismos de participação,
espaço para a crítica e distintas visões para corrigir os erros detectados. Um modelo calcado
nessas premissas indica a necessidade de as relações serem abertas (os atores podem ser
inseridos e retirados das relações em rede, atuando de forma conjunta e com a possibilidade
de construir sistemas a partir do aprendizado mútuo) e acopladas de forma flexível (em que
os sistemas não são previamente determinados sobre os resultados das interações que
ocorrem internamente, com espaço para experimentação). Ambos evocam uma concepção
de liberdade que entende o comportamento humano e as relações sociais dentro de sistemas
com restrições e conformidade, em que há espaço para os indivíduos desenvolverem suas
crenças, preferências e princípios145.
Yochai Benkler afirma que o pragmatismo em rede, uma vez que não foi concebido
da forma coordenada como ocorreu com o neoliberalismo, mas é produto de resultados
obtidos pela prática e por desenvolvimentos científicos, tem suas prescrições de políticas
públicas e envolvimento com o sistema político articuladas de forma episódica e pouco
orgânica. Há alguns exemplos em que é evidente a distinção entre neoliberalismo e
pragmatismo em rede: neutralidade de rede, propriedade intelectual, gerenciamento de
direitos digitais e segredos comerciais. De acordo com o autor, é possível identificar três
dimensões iniciais que dão o contorno do pragmatismo em rede como uma política
econômica. A primeira é transformar as relações sociais construídas sob o paradigma de
empresas padrões, focadas nos investidores e nos moldes do homo economicus, em outras
baseadas em redes de aprendizado interno e conectadas com redes de aprendizado externas,
ou seja, transitar de uma teoria do “valor do acionista” para uma teoria do “valor das partes
interessadas” (em sentido mais amplo). A segunda é a adoção de medidas para tornar a
política econômica mais transparente, participativa e direcionada para uma produção
integrada em práticas sociais, com a aplicação de princípios das sociedades abertas na
condução da economia. A terceira é priorizar o desenvolvimento do cooperativismo de
plataforma, dando enfoque na ação coletiva sem propriedade ou hierarquia146.
144
BENKLER, Yochai. op. cit., p. 19-21.
145
Id. Ibid., p. 21-22.
146
Id. Ibid., p. 21-31.
72
147
ABRAMOVAY, Ricardo. La urgente necesidad de democratizar el internet: mercado, Estado y sociedad
civil en la era digital. In: SCANNONE, Juan Carlos (Coord.). Sociedad civil y bien común: Hacia una nueva
articulación del mercado, el Estado y a sociedad civil. Córdoba, EDUCC, 2018, p. 304-337.
148
UNGER, Roberto Mangabeira. The knowledge economy. 2018. Disponível em:
<https://www.oecd.org/naec/THE-KNOWLEDGE-ECONOMY.pdf>. Acesso em: 20 set. 2018.
149
Id. Ibid., p. 8-12.
73
150
UNGER, Roberto Mangabeira. op. cit., p.12-25.
151
Id. Ibid., p. 38-42.
152
Id. Ibid., p. 42-49.
74
153
UNGER, Roberto Mangabeira. op. cit., p. 49-58.
154
Id. Ibid., p. 58-67.
155
FRASER, Nancy. op. cit., p. 49.
156
BRYNJOLFSSON, Erik; MCAFEE, Andrew. op. cit.; EXECUTIVE OFFICE OF THE PRESIDENT OF
THE UNITED STATES. Artificial Intelligence, Automation, and the Economy: a Government Report. Dec.
2016. Disponível em:
<https://obamawhitehouse.archives.gov/sites/whitehouse.gov/files/documents/Artificial-Intelligence-
75
Automation-Economy.PDF>. Acesso em: 02 maio 2017. 2017; SCHWAB, Klaus. The fourth industrial
revolution. 1ª edição. New York: Crown Business, 2016.
157
BRYNJOLFSSON, Erik; MCAFEE, Andrew. op. cit., p. 36-41; SPREMOLLA, Gerardo Cedrola. op. cit.,
p. 13
158
SUNDARARAJAN, Aran. The sharing economy: the end of employment and the rise of crowd-based
capitalism. Cambridge, Massachusetts: The MIT Press, 2016, p. 54-55.
159
WISSKIRCHEN, Gerlind et al. Artificial Intelligence and Robotics and Their Impact on the Workplace.
Apr. 2017. Disponível em: <https://www.ibanet.org/Document/Default.aspx?DocumentUid=c06aa1a3-
d355-4866-beda-9a3a8779ba6e>. Acesso em: 01 jun. 2017, p. 10.
76
6. O futuro do trabalho
O impacto das inovações tecnológicas no mercado de trabalho é tópico de intensos
debates entre economistas e cientistas sociais. Há estudiosos que apontam para a redução
expressiva de postos de trabalho, sem que necessariamente ocorra a criação de novos
empregos. Por outro lado, acadêmicos apontam a existência de uma superlativização sobre
os efeitos que as novas tecnologias terão no mercado de trabalho, inexistindo alterações
significativas do ponto de vista quantitativo.
O gabinete executivo da presidência dos Estados Unidos da América, ao analisar o
histórico dos efeitos das inovações tecnológicas, aponta que o século XIX foi caracterizado
por mudanças que aumentaram a produtividade dos trabalhadores com pouca qualificação e
que diminuíram a produtividade relativa de alguns trabalhadores qualificados, o que foi
denominado de inovação técnica não especializada. De forma distinta, no fim do século XX,
o advento dos computadores e da internet ampliaram a produtividade relativa dos
trabalhadores qualificados, o que foi denominado de inovação técnica especializada.
Considerando que a mão de obra que ocupa essas posições já recebia salários maiores,
comparando com o restante da força de trabalho, a consequência imediata é o aumento da
desigualdade de renda. Há uma tendência de surgimento de postos de trabalho com essas
características conforme a inteligência artificial se integre continuamente à produção. Ainda
que se identifiquem efeitos positivos com a consolidação desse cenário, parcela significativa
da população não terá como usufruir desses avanços162.
160
WISSKIRCHEN, Gerlind et al. op. cit., p. 10-11.
161
BENKLER, Yochai. op. cit., p. 64-65.
162
EXECUTIVE OFFICE OF THE PRESIDENT OF THE UNITED STATES. op. cit., p. 11-14.
77
163
EXECUTIVE OFFICE OF THE PRESIDENT OF THE UNITED STATES. op. cit., p. 18-19.
164
LEE, Kai-Fu. The real threat of artificial intelligence. The New York Times, New York, 24 jun. 2017.
Disponível em: <https://www.nytimes.com/2017/06/24/opinion/sunday/artificial-intelligence-economic-
inequality.html>. Acesso em: 25 jun. 2017.
78
165
LEE, Kai-Fu. op. cit.
166
SCHWAB, Klaus. op. cit., p. 36-38.
79
167
SCHWAB, Klaus. op. cit., p. 38-41.
168
WORLD ECONOMIC FORUM. The future of jobs report. Sept. 2018. Disponível em:
<http://www3.weforum.org/docs/WEF_Future_of_Jobs_2018.pdf>. Acesso em: 29 set. 2018.
169
HILL, Steven. Raw deal: how the “Uber economy” and runaway capitalism are screwing American workers.
New k: St. Martin’s Press, 2015, p. 8, tradução nossa de: “the ‘invisible hand’ now has a robotic arm, and
it’s not in a sharing mood”.
80
atualidade não são animadores: na primeira década do século XXI, a criação de empregos
foi zero, fato que não ocorreu desde o pós-II Guerra Mundial nos Estados Unidos170.
Andrew McAfee e Erik Brynjolfsson identificam efeitos econômicos positivos e
negativos na “segunda era das máquinas”. As inovações tecnológicas são classificadas como
dádivas, na medida em que possibilitam o acesso a bens de forma mais fácil e barata, produto
do progresso combinado, exponencial e digital. Por outro lado, a forma pela qual ocorre a
sua propagação indica a existência de grandes e crescentes diferenças entre as pessoas em
relação à renda, riqueza e outras circunstâncias importantes da vida. Essas inovações
reproduzem ideias e conceitos relevantes a um baixo custo, gerando benefícios para a
sociedade e riqueza para os inovadores. Contudo, também diminuem a necessidade de
trabalhos anteriormente importantes, suprimindo a fonte de subsistência de diversos
trabalhadores. Os autores afirmam que esses dois efeitos colocam duas visões de mundo
contraditórias. A primeira enuncia que as inovações tecnológicas sempre elevam as rendas.
A segunda, que a automação reduz os salários, dado que os trabalhadores são substituídos
por máquinas. Ainda que seja possível verificar parcialmente ambas ocorrendo, a realidade
é mais complexa. Essas inovações estão gerando riquezas em elevadas dimensões, mas não
há qualquer regra econômica que assegure que os trabalhadores se beneficiarão nesse cenário.
Essa última constatação é comprovada pelo fato de que, apesar de a produtividade dos
trabalhadores ter aumentado nas últimas décadas, não houve uma elevação de renda
correspondente. Consequentemente, os maiores ganhadores dessa discrepância foram os
detentores de capital – físico e digital -, o que tem como principal consequência o aumento
da desigualdade171.
Andrew McAfee e Erik Brynjolfsson destacam a existência de uma dicotomia entre
crescimento e desigualdade. Nos Estados Unidos, as maiores evidências disso são o
descolamento da produtividade obtida pelo trabalho com o nível de emprego, sendo que
enquanto o primeiro cresceu, o segundo caiu, o elevado PIB e o rápido ritmo de
desenvolvimento, coexistindo com ampliação do pessimismo dos pais em relação ao futuro
de seus filhos e o aumento do número de bilionários, enquanto a renda média foi reduzida.
O desenvolvimento tecnológico favorece os mais capacitados em face dos menos
qualificados, aumenta o retorno dos proprietários do capital sobre o trabalho e amplia as
vantagens do 1% mais rico da população diante dos demais. Essas tendências aumentam a
desigualdade entre os que têm trabalho e os desempregados, os mais qualificados e instruídos
170
HILL, Steven. op. cit., p. 8-9.
171
BRYNJOLFSSON, Erik; MCAFEE, Andrew. op. cit., p. 73-74.
81
172
BRYNJOLFSSON, Erik; MCAFEE, Andrew. op. cit., p. 166-167.
173
Id. Ibid., p. 168-173.
174
Id. Ibid., p. 178, tradução nossa de: “If neither the worker nor any entrepreneur can think of a profitable task
that requires that worker’s skills and capabilities, then that worker will go unemployed indefinitely. Over
history, this has happened to many other inputs to production that were once valuable, from whale oil to
horse labor. They are no longer needed in today’s economy even at zero price. In other words, just as
technology can create inequality, it can also create unemployment. And in theory, this can affect a large
number of people even a majority of the population, and even if the overall economic pie is growing”.
82
175
BRYNJOLFSSON, Erik; MCAFEE, Andrew. op. cit., p. 178-220.
176
FREY, Carl Benedikt; OSBORNE, Michael. The Future of Employment: How susceptible are jobs to
computerisation? Sept. 2013. Disponível em: <http://www.oxfordmartin.ox.ac.uk /publications/view/1314>.
Acesso em: 6 out. 2017, p. 1-3.
177
Mineração de dados é a atividade de extrair, explorar e analisar dados com o objetivo de identificar
tendências, padrões e associações que auxiliem entes a fazer escolhas e tomar decisões (Id. Ibid.).
83
178
FREY, Carl Benedikt; OSBORNE, Michael. op. cit., p. 14-31.
179
Id. Ibid., p. 36-42.
84
180
ACEMOGLU, Daron; RESTREPO, Pascual. Robots and Jobs: Evidence from US Labor Markets. Mar. 2017.
Disponível em: <http://www.nber.org/papers/w23285>. Acesso em: 04 abr. 2018, p. 1-2.
181
Id. Ibid., p. 2.
85
182
ACEMOGLU, Daron; RESTREPO, Pascual. op. cit., p. 36.
183
Id. Ibid., p. 2-5.
86
184
MISHEL, Lawrence; BIVENS, Josh. The zombie robot argument lurches on: There is no evidence that
automation leads to joblessness or inequality. cit., p. 4-5; 18.
185
Id. Ibid., p. 6-8.
186
Id. Ibid., p. 8, tradução nossa de: “Robot use may be new but it does not necessarily just represent an addition
to other forms of automation: rather, robots may well replace other forms of automation deployed in earlier
decades. So, the examination of one new technology, robots, in one time period does not inform us of the
87
vez que desse ano em diante a criação de empregos foi concentrada nos postos com salários
baixos, apontando que esse dado não é relevante para se pensar o futuro e não justifica as
recentes tendências; (iii) o padrão ocupacional dos empregos não oferece motivos para
explicar a desigualdade salarial189.
Robert Atkinson e John Wu afirmam que se tornou um “artigo de fé” a ideia que a
tecnologia ocasionará um elevado grau de desemprego, gerando uma elevada rotatividade
no mercado de trabalho. O trabalho de alguns autores, como Erik Brynjolfsson e Andrew
McAfee e Klaus Schwab, analisados acima, contribuem para alimentar um sentimento de
otimismo e ansiedade, especialmente ao apontarem para um contexto de mudanças
exponenciais pelas inovações tecnológicas. Contudo, dados sobre o histórico das mudanças
ocupacionais nos Estados Unidos nos últimos 150 anos apontam na direção oposta190.
Robert Atkinson e John Wu colocam que para se entender de forma adequada os
impactos da tecnologia no mercado de trabalho, deve-se ter em vista que mudanças nas
ocupações e no trabalho se dão por diferentes meios. O primeiro é que a tecnologia altera as
estruturas ocupacionais por meio de transformações nas indústrias e produtos, mencionando
o caso da fabricação de charretes e automóveis, em que conforme estes se tornaram mais
populares e, portanto, demandaram maior esforço produtivo, aqueles entraram em declínio.
O segundo é que a tecnologia gera e extingue empregos conforme a criação de novas
indústrias e ocupações, como ocorreu com o surgimento das estradas de ferro na década de
1850 e dos automóveis na década de 1910. Em relação às estradas de ferro, houve
crescimento do número de trabalhadores da década de 1850 até os anos 1920, a partir de
quando iniciou uma queda constante. No caso dos automóveis, há um aumento de quase
nenhum trabalhador na década de 1910 para 1,8 milhão nos anos 2000, havendo uma queda
na década seguinte em decorrência da melhoria da qualidade técnica dos carros, que
precisam de menos reparos. O terceiro é que a tecnologia pode eliminar alguns empregos ao
tornar algumas ocupações mais produtivas, como ocorreu com os telefonistas e operadores
cinematográficos. O quarto é que a rotatividade ocupacional pode acontecer por alterações
nas mudanças dos consumidores por bens e serviços, como se deu com o crescimento de
empregos na área de cuidado com os idosos, em razão do aumento da expectativa de vida da
189
MISHEL, Lawrence; BIVENS, Josh. op. cit., p. 16-20.
190
ATKINSON, Robert D.; WU, John. False alarmism: Technological disruption and the U.S. labor market,
1850-2015. May 2017. Disponível em: <http://www2.itif.org/2017-false-alarmism-technological-
disruption.pdf>. Acesso em: 02 dez. 2017, p. 1-4.
89
população, e na indústria de veículos militares, pela participação dos Estados Unidos nas
guerras no Afeganistão e no Iraque191.
Com o objetivo de analisar o histórico das mudanças ocupacionais nos Estados
Unidos, os autores utilizaram o banco de dados criado pelo Centro de População de
Minnesota (Minnesota Population Center) da Universidade de Minnesota, no qual foram
compilados dados do Escritório do Censo dos Estados Unidos (United States Census
Bureau) e do Escritório de Estatísticas do Trabalho (Bureau of Labor Statistics). Esse banco
de dados apresenta dois conjuntos de informações para compatibilizar o material produzido
por ambos os órgãos: (i) a classificação de ocupações de 1950 para estudar as mudanças que
ocorreram entre 1850 e 2015; (ii) a classificação ocupacional de 2010, para se analisar as
mudanças entre 1950 a 2015192.
Segundo os dados analisados, a taxa de rotatividade ocupacional nas últimas décadas
foi a menor na história estadunidense pelo menos desde a década de 1850. Conforme o
primeiro conjunto de informações, a rotatividade ocupacional superou 50% entre as décadas
de 1850 e 1870, ficou acima de 25% de 1920 a 1980, caiu para 20% nos anos 1980, atingiu
14% na década de 2000 e chegou em 6% na primeira metade da década de 2010. De acordo
com o segundo método, a rotatividade ocupacional ficou ao redor de 30% entre as décadas
de 1850 e 1870, oscilou entre pouco mais de 15% a 25% nos anos de 1920 a 1980, caiu para
15% na década de 1980, ficou um pouco acima de 10% nos anos 2000 e atingiu 5% na
primeira metade da década de 2010. Os autores apontam que os números do segundo critério
são mais baixos, pois uma quantidade menor de categorias ocupacionais foi definida como
objeto de rotatividade193.
Robert Atkinson e John Wu criticam as previsões catastrofistas sobre o futuro
distópico que a tecnologia promoverá no mercado de trabalho. O cálculo apresentado por
Klaus Schwab, de que os robôs e a inteligência artificial extinguirão 5 milhões de empregos
até 2020, não é relevante quando colocado em perspectiva com os dados compilados pelo
Centro de População de Minnesota. O estudo de Carl Benedikt Frey e Michael Osborne é
considerado como “claramente equivocado”, uma vez que as análises das 702 ocupações não
foram realizadas manualmente, mas aplicaram acrítica e automaticamente formulações do
Departamento de Trabalho. Robert Atkinson e John Wu mencionam que, caso houvesse
191
ATKINSON, Robert D.; WU, John. op. cit., p. 5-10.
192
Id. Ibid., p. 10-13.
193
Id. Ibid., p. 13-17.
90
ocorrido o estudo individual das ocupações, a quantidade de empregos sob o risco de serem
automatizados seria de, no máximo, 10%194.
Os autores mencionam que a narrativa de que a tecnologia extinguirá mais empregos
do que criará é uma constante dos últimos 160 anos. Contudo, a taxa de rotatividade em
razão das inovações tecnológicas nas duas últimas décadas foi uma das menores da história.
O fechamento de postos de trabalho nesse período ocorreu por outros motivos, como o
comércio exterior. O fato de a tecnologia fechar postos de trabalho é de ordem lógica, uma
vez que nenhuma organização gastará dinheiro para aumentar a produtividade a menos que
as economias sejam maiores que os gastos. Nesse sentido, se o número de empregados
necessários para fazer uma máquina for o mesmo número de postos fechados nas empresas
que usam essa máquina, pode ser que os custos não sejam reduzidos. Os novos empregos
não serão criados pelos empregadores que produzirão essas novas máquinas, mas pela
demanda que o aumento de produtividade gera. De acordo com os autores,
se o emprego em uma indústria ou uma empresa é reduzido ou eliminado
pela maior produtividade, então, por definição, os custos de produção caem.
Essas economias não serão colocadas embaixo do colchão; serão
reintroduzidas na economia, na maioria dos casos por meio de preços
menores ou salários maiores. Esse dinheiro então é gasto, o que cria
empregos nas indústrias que ofertam os bens e serviços em que as pessoas
gastam as suas maiores economias ou ganhos195.
Nesse sentido, Robert Atkinson e John Wu afirmam que a taxa de rotatividade do
mercado do trabalho está abaixo da média histórica, sendo importante a adoção de política
que estimule a inovação tecnológica como meio de aumentar a produtividade e,
consequentemente, gerar empregos. Ainda, destacam que os governos deveriam elaborar
políticas públicas para facilitar a transição dos trabalhadores no mercado de trabalho, como
renda temporária para quem está desempregado e recebimento do seguro-desemprego no
período em que o trabalhador está realizando treinamento196.
As inovações tecnológicas alteram determinadas características do capitalismo.
Patrick Cingolani destaca que a perenidade do capitalismo é fruto de sua capacidade,
194
ATKINSON, Robert D.; WU, John. op. cit., p. 22.
195
Id. Ibid., p. 20, tradução nossa de: “If jobs in one firm or industry are reduced or eliminated through higher
productivity, then, by definition, production costs decline. These savings are not put under the proverbial
mattress; they are recycled into the economy, in most cases though lower prices or higher wages. This money
is then spent, which creates jobs in whatever industries supply the goods and services that people spend their
increased savings or earnings on”.
196
Id. Ibid., p. 23-24.
91
197
CINGOLANI, Patrick. Ubérisation, turc mécanique, économie à la demande : où va le capitalisme de
plateforme? The Conversation France, Paris, 26 août 2016. Disponível em:
<http://theconversation.com/uberisation-turc-mecanique-economie-a-la-demande-ou-va-le-capitalisme-de-
plateforme-64150>. Acesso em: 03 jun. 2017.
198
WEIL, David. The fissured workplace: why work became so bad for so many and what can be done to
improve it. Cambridge: Harvard University Press, 2014, p. 7.
199
Id. Ibid., p. 8-11.
92
200
WEIL, David. op. cit., p. 11-14.
93
que são os maiores prejudicados por esse modelo. Ao deslocar parte de suas necessidades
produtivas para as terceirizadas, as empresas principais criam mercados para serviços que
são muito competitivos, pressionando os preços para baixo. A implicação desse processo é
que as terceirizadas que almejam esses contratos não têm muita margem para oferecer
salários e condições de trabalho razoáveis, especialmente em setores nos quais há demanda
elástica de trabalho, a qualificação necessária é baixa e os custos trabalhistas são parte
relevante do custo geral da produção201.
O autor coloca que existem três principais motivos que causam preocupação sobre
as consequências sociais da fissuração do local de trabalho: (i) há o enfraquecimento do
cumprimento da legislação trabalhista, uma vez que as terceirizadas operam com margens
muito estreitas e são pressionadas a cortarem toda e qualquer despesa, além não haver grande
pressão para que ocorra o respeito à lei; (ii) a fragmentação da produção em unidades
menores torna a coordenação do trabalho mais difícil, resultando em externalidades que
levam a lesões, acidentes e mortes no local de trabalho, tendo em vista que o fracionamento
das atividades amplia as chances dessa coordenação falhar; (iii) a face distributiva dessa
estratégia se revela quando notamos que os ganhos gerados pela segmentação da produção
não são destinados aos trabalhadores, mas somente aos investidores202.
As alterações no local de trabalho apontadas por David Weil são resultado de um
processo de descentralização da produção que teve início no começo da década de 1970 e
ocorreu, em um primeiro momento, em países centrais do capitalismo, como Estados Unidos,
Japão, Grã-Bretanha e Itália. Fergus Murray afirma que a organização da produção fordista
foi uma especificidade histórica do pós-II Guerra Mundial, viabilizada pelo equilíbrio de
forças entre trabalhadores e empresas e pela tecnologia disponível à época. A aplicação da
tecnologia da informação ao gerenciamento da produção permitiu a coordenação da
exploração do trabalho disperso em unidades fabris menores. Nesse período, a fragmentação
do trabalho ocorreu de três formas: (i) a transferência do trabalho realizado em empresas
grandes para uma rede de pequenas empresas e domésticas; (ii) a divisão de grandes plantas
fabris em unidades de produção pequenas e especializadas; e (iii) no desenvolvimento de
uma economia densa de pequenas empresas em determinadas regiões203.
Finalmente, destacamos que inexiste consenso no meio acadêmico sobre os efeitos
futuros da tecnologia no mercado de trabalho sob uma perspectiva quantitativa. Entendemos
201
WEIL, David. op. cit., p. 15.
202
Id. Ibid., p. 15-20.
203
MURRAY, Fergus. The descentralisation of production - the decline of the mass-collective worker? Capital
& Class, v. 7, n. 1, p. 74–77, 1983.
94
que, por um lado, parece exagerado tomarmos como parâmetro geral pesquisas localizadas
e que isolam o elemento tecnologia de outros igualmente importantes no comportamento do
mercado de trabalho para guiar a elaboração de políticas públicas. Por outro lado, parece-
nos prematuro ter como pressuposto que inovações tecnológicas que transformam
consideravelmente a organização do trabalho não impactarão a criação e extinção de
empregos, especialmente levando em conta as inter-relações entre tecnologia, instituições e
ideologia na economia política multidimensional. Ainda, a posição de que as inovações
tecnológicas influenciarão positivamente a geração de empregos a partir de exemplos
focados no comportamento de agentes econômicos no passado pode minimizar elementos
que serão decisivos na criação de postos de trabalho, como o custo da automação. Diante
disso, considerando o atual estágio do debate sobre o tema e a falta de clareza sobre os efeitos
quantitativos no mercado de trabalho, entendemos não ser producente centrar as discussões
sobre as políticas que devem ser adotadas em face das relações entre trabalho e tecnologia a
partir desse posicionamento.
Do ponto de vista qualitativo, há maior número de pesquisas que apontam para as
mudanças em curso na organização do trabalho. Por um lado, há o posicionamento que
ressalta a alteração do conteúdo dos trabalhos que surgirão no futuro e a necessidade de
adequação do tipo de qualificação profissional oferecida à população. Em relação a esse
aspecto, entendemos que parte considerável das recomendações feitas por acadêmicos e
organismos internacionais é baseada em projeções que podem não se concretizar. Ademais,
intervenções nesse tema operam no setor da educação, ou seja, em um âmbito distinto do
objeto deste estudo. Por outro lado, existem pesquisas robustas que apontam para a
continuidade e o aprofundamento das transformações da organização da produção em
direção à fragmentação das atividades, o que em parte é viabilizado pelas inovações
tecnológicas. O uso da tecnologia da informação e comunicação facilita a fissura do local de
trabalho, tornando as ocupações mais instáveis sob a perspectiva do trabalhador. Nesse
sentido, levando em consideração os efeitos concretos – e visíveis – que as novas tecnologias
produzem na organização do trabalho, centraremos nossa análise sob esse viés.
inúmeras denominações dadas para esse fenômeno variam conforme a perspectiva adotada:
economia de compartilhamento, economia de pares, economia colaborativa, consumo
colaborativo, economia de bico, economia disruptiva, capitalismo de plataforma, economia
de acesso ao excesso, economia de acesso, economia sob demanda, economia virtual,
uberização, economia de plataforma e capitalismo baseado na multidão204.
Em diversos casos, alguns desses termos são utilizados como sinônimos e não há
predominância do uso de um conceito em face de outro quando se faz referência a uma
mesma situação. O relatório The European collaborative economy, elaborado por Funda
Celikel Esser e outros pesquisadores do Centro de Pesquisa Conjunta da União Europeia,
destaca que inexiste consenso a respeito de como definir o fenômeno, sendo que há muitos
conceitos que mudam conforme o ponto de vista do autor e que o termo compartilhamento
é frequentemente substituído por colaborativo 205 . Rachel Botsman afirma que mais
importante do que empregar um determinado termo, é o enfoque na atenção em como
explicá-lo, para que seu significado nuclear não seja incompreendido. A partir de uma
definição bem construída, é possível obter-se acordos em relação aos termos usados206. Erez
Aloni coloca que as convergências sobre esse modelo econômico são raras, uma vez que
praticamente tudo, desde a denominação até quanto a eventuais virtudes, é objeto de
divergências intensas. Por outro lado, há concordância de que essas atividades econômicas
produzem efeitos contundentes sobre as estruturas de negócios e de empregos, assim como
não se trata de um fenômeno efêmero207.
As plataformas digitais são elementos centrais para o desenvolvimento das atividades
a partir dessas novas tecnologias. Klaus Schwab destaca que essas plataformas decorrem de
um modelo viabilizado pelos efeitos em rede da digitalização, sendo intimamente ligadas ao
mundo físico, com uma estratégia voltada para o lucro e a disrupção da economia. O uso das
plataformas combinado com o direcionamento das atividades para os consumidores e a
oferta de bens com mais informações permite a mudança do enfoque da atuação empresarial
204
Em inglês, tratam-se das seguintes expressões: sharing economy, peer economy, collaborative economy,
collaborative consumption, gig economy, disruptive economy, platform capitalism, access-to-excess
economy, access economy, on-demand economy, virtual economy, uberization, platform economy e crowd-
based capitalism. O tema é analisado por Steven Greenhouse (GREENHOUSE, Steven. The
Whatchamacallit Economy. The New York Times, New York, 16 dec. 2016. Disponível em:
<https://www.nytimes.com/2016/12/16/opinion/the-whatchamacallit-economy.html>. Acesso em 26 mai.
2017).
205
CELIKEL ESSER, Funda et al. The european collaborative economy: A research agenda for policy support.
Luxemburgo: Publications Office of the European Union, 2016.
206
BOTSMAN, Rachel. The Sharing Economy Lacks A Shared Definition. Fast Company, New York, 21 nov.
2013. Disponível em: <https://www.fastcompany.com/3022028/the-sharing-economy-lacks-a-shared-
definition>. Acesso em: 03 jun. 2017.
207
ALONI, Erez. Pluralizing the Sharing Economy. Washington Law Review, v. 91, p. 1399, 2016.
96
da venda de produtos para a prestação de serviços. Isso permite que as transações sejam mais
transparentes e sustentáveis e coloca questões relacionadas à definição de propriedade,
gerenciamento de bens finitos e efeitos de plataformas com alcance global208.
Erez Aloni expõe que as plataformas digitais decorrem do uso da tecnologia
avançada, que oferece benefícios, tais como a redução dos custos de transação (pela
diminuição da necessidade de buscar informações e de realizar pesquisas sobre os bens e
serviços procurados), a grande disponibilidade de dados sobre a conduta de fornecedores e
consumidores (em razão do sistema de avaliação que os usuários utilizam ao fazer uma
transação), a existência de mecanismos de proteção contra fraudes (o que confere segurança
e confiança às trocas feitas) e a facilidade no uso (uma vez que basta ter acesso a um telefone
celular ou computador e a um cartão de crédito para fazer transações)209.
Paul Langley e Andrew Leyshon colocam que as plataformas se caracterizam por
serem um ambiente genérico capaz de relacionar potenciais consumidores a qualquer coisa
e qualquer um, desde outros indivíduos até empresas multinacionais, em que todos podem
se tornar fornecedores de produtos e serviços por meio da internet. A nota mais marcante
das plataformas é a lógica da intermediação, em que os problemas de coordenação nas
transações de mercado são resolvidos por meio do encurtamento das distâncias e da
facilitação do contato entre oferta e demanda. O sucesso na promoção da intermediação fez
com que as plataformas atingissem distintos domínios de circulação, como os mercados de
trocas online (p. ex., Amazon e Spotify), as mídias sociais (p. ex., Facebook e Twitter), a
economia de compartilhamento (p. ex., Uber e Airbnb), a crowdsourcing (p. ex., Upwork e
Amazon Mechanical Turk) e crowdfunding (p. ex., Kickstarter). Os autores pontuam que as
plataformas operam em três camadas que variam conforme o contexto do mercado e a
estratégia de competição: (i) rede ou comunidade, que são os participantes das plataformas
e a relação entre si; (ii) infraestrutura, vinculada aos instrumentos, regras e serviços de
software; e (iii) informação, que permite às plataformas combinar oferta e demanda210.
Em que pese as plataformas serem divulgadas como meios abertos, neutros,
igualitários e progressistas, Paul Langley e Andrew Leyshon apontam características em
sentido contrário, não sendo apenas canais pelos quais há circulação econômica. Os autores
208
SCHWAB, Klaus. op. cit., p. 58-59.
209
ALONI, Erez. op. cit., p. 1412. Jan Drahokoupil e Brian Fabo definem o conceito de plataforma de maneira
semelhante (DRAHOKOUPIL, Jan.; FABO, Brian. The Sharing Economy That Is Not: Platform Capitalism
Social Europe. Jul. 2016. Disponível em: <https://www.socialeurope.eu/2016/07/sharing-economy-not-
shaping-employment-platform-capitalism/>. Acesso em: 26 mai. 2017, p. 2).
210
LANGLEY, Paul; LEYSHON, Andrew. op. cit., p. 4-7.
97
afirmam que, por meio de algoritmos (que processam a relação de informações), protocolos
(que descrevem interações) e classificações (por meio de estatísticas e metadata), as
plataformas induzem, produzem e programam a circulação na economia digital. Todo esse
cenário faz parte de um processo de capitalização e valorização, com o estímulo da
participação dos usuários das plataformas, que geram dados e informações componentes da
infraestrutura desses meios para potencializar os retornos econômicos das empresas211.
Nick Srnicek afirma que as plataformas são infraestruturas digitais que permitem
dois ou mais grupos interagirem, colocando-se como intermediárias que conectam diversos
usuários, como consumidores, anunciantes, prestadores de serviços, produtores e
fornecedores. As plataformas oferecem mecanismos que possibilitam aos usuários
elaborarem seus próprios produtos, serviços e mercados. A maior vantagem em face dos
negócios tradicionais dá-se em relação aos dados, uma vez que se colocam entre os usuários
e, como são a base para que as atividades se desenvolvam, ficam em posição privilegiada
para coletá-los212.
As plataformas têm quatro características principais. A primeira é que não são
empresas de internet ou tecnologia, mas entes que conseguem operar de qualquer lugar em
que aconteça a interação digital. A segunda é que produzem e são dependentes dos efeitos
em rede, tendo em vista que quanto mais usuários a plataforma tiver, mais valiosa será para
todos. Contudo, isso gera um ciclo vicioso no qual o aumento de usuários tende naturalmente
à monopolização da atividade e ao aumento da quantidade de dados que consegue acessar.
A terceira é o uso do subsídio cruzado, no qual enquanto uma parte da empresa reduz o preço
do serviço ou do bem, chegando a oferecê-lo gratuitamente, a outra eleva os preços para
compensar eventuais perdas. O objetivo da estrutura de preços das plataformas é atrair um
grande número de usuários, para que se envolvam e acessem-nas frequentemente. A quarta
é que as plataformas são projetadas para serem atraentes para os seus diversos usuários.
Apesar de afirmarem ser um espaço vazio que deve ser preenchido pelos usuários, as
plataformas têm políticas, sendo que as regras dos produtos e do desenvolvimento de
serviços e as interações de mercado são definidas pelos proprietários da plataforma213.
Antonio Aloisi entende que as plataformas virtuais e os aplicativos para aparelhos
sem fio cumprem o papel de infraestrutura invisível, conectando oferta e demanda de
serviços e facilitando a interação entre indivíduos e empresas, além de atuarem como
211
LANGLEY, Paul; LEYSHON, Andrew. op. cit., p. 9-16.
212
SRNICEK, Nick. op. cit., p. 43-45.
213
Id. Ibid., p. 45-47.
98
214
ALOISI, Antonio. Commoditized workers: case study research on labor law issues arising from a set of “on-
demand/gig economy” platforms. Comparative labor law and policy journal, v. 37, p. 654-656, 2016.
215
SUNDARARAJAN, Aran. op. cit., p. 26-27; 31-32.
99
216
SLEE, Tom. What’s yours is mine: against the sharing economy. New York: OR Books, 2015, p. 26-27,
tradução nossa de: “it is a movement for deregulation. Major financial institutions and influential venture
capital funds are seizing an opportunity to challenge rules made by democratic city governments around the
world, and to reshape cities in their own interests. It’s not about building an alternative to a corporate-driven
market economy, it’s about extending the deregulated free market into new areas of our lives”.
217
SCHOR, Juliet. Getting sharing right. Contexts, v. 14, n. 1, p. 13, 2015.
218
SCHOR, Juliet. Debating the Sharing Economy. 2015. Disponível em:
<http://www.greattransition.org/publication/debating-the-sharing-economy>. Acesso em: 4 jun. 2017; Id.
Getting sharing right. Contexts, v. 14, n. 1, p. 14, 2015.
100
monetários ou não monetários. As trocas comerciais podem ocorrer entre pessoas ou entre
empresas e pessoas219.
Rashmi Dyal-Chand entende que o compartilhamento é um instrumento de
participação no mercado por meio da oferta de acesso a bens sem uso momentâneo, em que
é possível auferir uma renda extra e formar uma comunidade de vendedores e consumidores
com perfis semelhantes. Os indivíduos dão início a essas transações em sites na internet ou
aplicativos de telefones celulares. Esses micronegócios são viáveis pelo fato de os
proprietários poderem dividir, com uma rede de outros microempreendedores, os custos de
propaganda, de formação de uma base de clientes, do desenvolvimento de produtos e de
celebração de contratos com os consumidores. A autora afirma que a economia de
compartilhamento é uma expressão distinta do capitalismo, considerando que o sistema
comporta variações em que microempreendedores, normalmente em tempo parcial, operam
pequenos negócios com auxílio de equipamentos digitais. Trata-se do que a autora denomina
de capitalismo coordenado220.
Há autores que criticam o uso do termo economia de compartilhamento para
denominar as atividades econômicas realizadas por meio de aplicativos ou plataformas.
Giana Eckhardt e Fleura Bardhi entendem que compartilhar é uma transação social que
ocorre entre pessoas que se conhecem sem a intenção de lucro, sendo que quando se divide
bens ou serviços cria-se uma relação baseada na identidade comunitária entre as pessoas.
Quando o compartilhamento ocorre no mercado, ou seja, quando uma empresa faz a
intermediação entre pessoas que não se conhecem, há uma relação de consumo e uma
transação econômica e não o propósito de compartilhar algo 221 . No mesmo sentido,
Christopher Mims aponta que não há nada de compartilhável na economia de
compartilhamento, sendo que todos os bens envolvidos nas trocas sob esse conceito ocorrem
expressamente com a intenção de lucro, como se dá na locação de imóveis (como o Airbnb),
nas corridas de carro (como a Uber) ou na oferta de mão de obra (como o TaskRabbit)222.
Ainda, Erez Aloni ressalta que mesmo que se identifique motivos altruísticos nessas
transações, o central resume-se à obtenção de valores, com todas as partes interessadas em
219
BOTSMAN, Rachel. op. cit.
220
DYAL-CHAND, Rashmi. Regulating Sharing: The Sharing Economy as an Alternative Capitalist System.
Tulane Law Review, v. 90, p. 243-248, 2016.
221
ECKHARDT, Giana M.; BARDHI, Fleura. The Sharing Economy Isn’t About Sharing at All. Harvard
Business Review, Cambridge, 28 jan. 2015. Disponível em: <https://hbr.org/2015/01/the-sharing-economy-
isnt-about-sharing-at-all>. Acesso em: 26 maio 2017.
222
MIMS, Christopher. How Everyone Gets the “Sharing” Economy Wrong. The Wall Street Journal, New
York, 24 may 2015. Disponível em: <http://www.wsj.com/articles/how-everyone-gets-the-sharing-
economy-wrong-1432495921>. Acesso em 03 jun. 2017.
101
auferir ganhos financeiros e buscar a satisfação do próprio interesse223. Tom Slee afirma que
o conceito de economia de compartilhamento é contraditório. Compartilhar transmite a ideia
de algo não comercial, de relações pessoais, de interação social e de trocas que não envolvem
dinheiro ou são motivadas pela generosidade e altruísmo. Por outro lado, economia implica
transações de mercado nas quais há o interesse na troca de dinheiro por bens ou serviços224.
O caráter inédito da economia de compartilhamento não é integral. Aran
Sundararajan destaca que a atual forma predominante de organização da economia é recente
na história da humanidade, uma vez que teve início na Revolução Industrial há
aproximadamente 200 anos. Previamente a esse período, uma quantidade significativa de
trocas comerciais ocorria entre pares, integradas em comunidades e ligadas por meio de
relações sociais. A confiança para a realização dessas trocas advinha dos laços sociais
existentes entre as pessoas. O autor ressalta que as transações e os trabalhos associados à
economia de compartilhamento não são novos. As inovações tecnológicas permitem a
retomada de comportamentos e formas de trocas em comunidade que existiram no passado.
É importante pontuar esse aspecto para que se verifique que não há criação de algo
completamente original, mas o aperfeiçoamento de padrões familiares às pessoas. O
ineditismo que se verifica contemporaneamente se refere a dois aspectos: (i) a ampliação do
conceito de comunidade econômica, tendo em vista que os equipamentos digitais permitem
que as pessoas realizem trocas com outras estranhas à sua convivência; e (ii) o estímulo ao
desenvolvimento de comportamentos empreendedores e de compartilhamento, valorizando-
se mais as trocas com multidões nos mercados digitais ao invés das empresas tradicionais225.
Outros autores também associam a economia de compartilhamento a características
do passado, mas sem necessariamente apontar aspectos positivos. Alison Griswold, partindo
da constatação de que a renda dos empregados é maior do que a dos autônomos, que o
predomínio do trabalho autônomo é característica de período anterior à Revolução Industrial
e que há um aumento do número de autônomos na economia de compartilhamento, afirma
que ganha espaço o que se denomina por economia pré-industrial 226 . Christopher Mims
223
ALONI, Erez. op. cit., p. 1407.
224
SLEE, Tom. op. cit., p. 11.
225
SUNDARARAJAN, Aran. op. cit., p. 4-6. No mesmo sentido, há artigo de Tawanna Dillahunt e Amelia
Malone (DILLAHUNT, Tawanna; MALONE, Amelia. The Promise of the Sharing Economy Among
Disadvantaged Communities. Apr. 2015. Disponível em: <http://doi.acm.org/10.1145/2702123.2702189>.
Acesso em 03 jun. 2017).
226
GRISWOLD, Alison. The Uber economy looks a lot like the pre-industrial economy. Quartz, New York, 11
Oct. 2016. Disponível em: <https://qz.com/806117/uber-and-the-gig-economy-look-a-lot-like-the-pre-
industrial-economy/>. Acesso em: 03 jun. 2017.
102
227
MIMS, Christopher. op. cit.
228
DILLAHUNT, Tawanna; MALONE, Amelia. op. cit., p.1; BOTSMAN, Rachel. op. cit. SUNDARARAJAN,
Aran. op. cit., p. 28;
229
BOTSMAN, Rachel. op. cit.
230
BRIGNONI, Helio. Fernandez. Las empresas de aplicaciones tecnológicas y el fenómeno “Uber”: La
llamada “Economía disruptiva”. Derecho laboral, v. LIX, n. 261, p. 38–39, mar. 2016.
103
231
DONOVAN, Sarah A.; BRADLEY, David H.; SHIMABUKURO, Jon O. What Does the Gig Economy
Mean for Workers? Feb. 2016. Disponível em: <https://fas.org/sgp/crs/misc/R44365.pdf>. Acesso em: 10
jun. 2017, p. 1-2.
232
ABILIO, Luciana Costek. Uberização do trabalho: subsunção real da viração. Passa Palavra, São Paulo, 19
fev. 2017. Disponível em: <http://passapalavra.info/2017/02/110685>. Acesso em: 07 jun. 2017.
233
BRIGNONI, Hugo Fernandéz. op. cit., p. 37-38.
104
234
TODOLÍ-SIGNES, Adrián. The end of the subordinate worker? The on-demand economy, the gig-economy,
and the need for protection for crowdworkers. International journal of comparative labour law and
industrial relations, v. 33, n. 2, p. 245, 2017.
235
Id. Ibid., p. 245.
236
DELGUE, Juan Raso. La empresa virtual: novos retos para el Derecho del Trabajo. Revista Internacional y
Comparada de Relaciones Laborales y Derecho del Empleo, n. 1, p. 82–83, 2017.
237
ALONI, Erez. op. cit., p. 1397; 1410.
105
A partir dos conceitos que elabora, entende que determinadas atividades da economia de
pares são integrantes da economia de compartilhamento, enquanto outras se enquadram em
modelos não caracterizados pelo compartilhar238.
A economia virtual, para Juan Raso Delgue, é um modelo construído a partir do
intercâmbio de bens e serviços na internet. Apesar de o autor reconhecer a influência de
equipamentos digitais na organização da produção, como o teletrabalho e a expansão do
local de trabalho por meio de máquinas conectadas ininterruptamente à internet, enfoca-se
nos dispositivos digitais avançados que permitem a construção de novas formas de
organização do trabalho e de novas estratégias produtivas, cujas consequências não são
visíveis, especialmente no mundo do trabalho e na economia como um todo. Há substituição
da ideia da empresa enxuta com ramificações externas, próprias da terceira revolução
industrial, para plataformas que captam, organizam e distribuem o trabalho239.
Jan Drahokoupil e Brian Fabo criticam a utilização dos termos economia de
colaboração, economia de compartilhamento, economia de pares e economia sob demanda
como sinônimos. Primeiramente, porque colaboração e interação entre pares representam
situações muito distintas do compartilhamento e essas três ideias não têm relação direta com
a noção de demanda. Ainda, apontam que o conceito de colaboração não é diretamente
associado com mercado, que é um espaço onde há a comercialização de bens e serviços. Os
autores destacam que um dos traços principais dessas atividades é a existência de
plataformas que criam espaços para transações melhor caracterizadas pelo alugar do que
pelo compartilhar. Optam pelo conceito de economia de plataforma, tendo em vista que o
fenômeno ocorre com o uso de plataformas que diminuem os custos de transação com a
terceirização da mão de obra e o acesso temporário a bens e serviços240.
Os termos uberização ou economia Uber indicam a investigação dessas atividades
econômicas ressaltando o modelo de negócios da referida empresa. Em linhas gerais, a Uber
entende ser uma intermediadora eletrônica entre oferta (motoristas) e demanda (clientes) e
que atua no setor de tecnologia. Patrick Cingolani identifica que o modelo se caracteriza pela
assimetria entre o poder social da máquina em face dos indivíduos separados e divididos241.
Márcio Pochmann entende que o modelo adotado pela empresa é a maior expressão da
terceirização no século XXI, em que se busca afastar a configuração da relação de emprego
e, consequentemente, o reconhecimento de direitos trabalhistas. Esse mecanismo adotado
238
BOTSMAN, Rachel. op. cit.
239
DELGUE, Juan Raso. op. cit., p. 77.
240
DRAHOKOUPIL, Jan; FABO, Brian. op. cit., p. 2.
241
CINGOLANI, Patrick. op. cit.
106
pela empresa foi denominado pelo autor de “modo Uber de precarização das contratações
de trabalho”242.
Ludmila Costek Abilio estuda o tema na mesma linha e expõe as razões pelas quais
a empresa se tornou referência para a análise dessas atividades econômicas. De acordo com
a autora, a uberização
refere-se a um novo estágio da exploração do trabalho, que traz mudanças
qualitativas ao estatuto do trabalhador, à configuração das empresas, assim
como às formas de controle, gerenciamento e expropriação do trabalho.
Trata-se de um novo passo nas terceirizações, que, entretanto, ao mesmo
tempo que se complementa também pode concorrer com o modelo anterior
das redes de subcontratações compostas pelos mais diversos tipos de
empresas. A uberização consolida a passagem do estatuto de trabalhador
para o de um nanoempresário-de-si permanentemente disponível ao
trabalho; retira-lhe garantias mínimas ao mesmo tempo que mantém sua
subordinação; ainda, se apropria, de modo administrado e produtivo, de
uma perda de formas publicamente estabelecidas e reguladas do trabalho.
Entretanto, essa apropriação e subordinação podem operar sob novas
lógicas. Podemos entender a uberização como um futuro possível para
empresas em geral, que se tornam responsáveis por prover a infraestrutura
para que seus ‘parceiros’ executem seu trabalho; não é difícil imaginar que
hospitais, universidades, empresas dos mais diversos ramos adotem esse
modelo, utilizando-se do trabalho de seus ‘colaboradores just-in-time’ de
acordo com sua necessidade. Este parece ser um futuro provável e
generalizável para o mundo do trabalho. Mas, se olharmos para o presente
da economia digital, com seus motoristas Uber, motofretistas Loggi,
trabalhadores executores de tarefas da Amazon Mechanical Turk, já
podemos ver o modelo funcionando em ato, assim como compreender que
não se trata apenas de eliminação de vínculo empregatício: a empresa Uber
deu visibilidade a um novo passo na subsunção real do trabalho, que
atravessa o mercado de trabalho em uma dimensão global, envolvendo
atualmente milhões de trabalhadores pelo mundo e que tem possibilidades
de generalizar-se pelas relações de trabalho em diversos setores243.
242
POCHMANN, Marcio. Terceirização, competitividade e uberização do trabalho no Brasil. In: TEIXEIRA,
Marilane Oliveira; ANDRADE, Helio Rodrigues de; COELHO, Elaine D’Ávila. Precarização e
terceirização: faces da mesma realidade. São Paulo: Sindicato dos químicos, 2016, p. 61-62.
243
ABILIO, Luciana Costek. op. cit.
107
244
SUNDARARAJAN, Aran. op. cit., p. 6.
245
Id. Ibid., p. 114-117.
108
246
SUNDARARAJAN, Aran. op. cit., p. 117-120.
247
Id. Ibid., p. 121-123.
248
Id. Ibid., p. 123-125.
249
LOBO, Sascha. op. cit.
250
LANGLEY, Paul; LEYSHON, Andrew. op. cit., p. 1-3.
109
promovem um mercado de trabalho mais justo, reduzindo o custo de entrada; (ii) diminuem
o impacto da discriminação, aumentando o número de plataformas prestadoras de serviços;
(iii) alteram o cenário em que reguladores defendem os interesses de setores constituídos
devido às suas ligações políticas; (iv) permitem a expansão de determinadas atividades por
meio da alta qualidade dos serviços ofertados; (v) promovem crescimento econômico,
inserindo mais pessoas no mercado de trabalho; (vi) promovem a flexibilidade do trabalho,
dividindo empregos em tarefas; (vii) a partir do uso de informações dos clientes e prestadores
de serviços, conseguem combinar oferta e demanda com maior eficiência. Por outro lado, a
contra-narrativa ressalta que as plataformas: (i) perpetuam as desigualdades e promovem a
precariedade do trabalho, reduzindo o poder de negociação dos trabalhadores e a estabilidade
no emprego; (ii) ampliam a discriminação ao identificarem o rosto dos consumidores antes
da concretização da transação comercial; (iii) concentram, em pequeno número de empresas,
uma série de atividades, fazendo com que o controle dos esforços de regulação ocorra em
benefício próprio; (iv) expandem-se inicialmente pela falta de regulação, pelo caráter de
novidade, pelos efeitos de rede e pelo baixo investimento inicial de capital; (v) criam
obstáculos para o crescimento econômico, na medida em que diminuem os salários; (vi)
fazem com que os trabalhadores, para conseguirem sobreviver, tenham de estar prontos para
aceitarem uma tarefa a qualquer momento; (vii) influenciam negativamente os usuários, uma
vez que podem manipular as informações disponibilizadas com o objetivo de efetivar
determinada transação comercial251.
Nick Srnicek também adota o conceito de capitalismo de plataforma. O autor afirma
que na economia digital se destacam os negócios que envolvem o uso da tecnologia da
informação, dados e internet. É um setor transversal, com aplicação em diversas áreas, como
a indústria, serviços, mineração e telecomunicações, tornando-se essencial para toda a
economia. A sua importância reside em três aspectos: (i) trata-se do setor mais dinâmico da
economia contemporânea; (ii) está se tornando sistematicamente relevante na medida em
que amplia os seus espaços como infraestrutura que viabiliza o desenvolvimento econômico;
(iii) graças ao seu dinamismo, apresenta-se como um ideal e legitima o capitalismo de
maneira ampla. A economia digital está se transformando em um modelo hegemônico, no
qual as cidades são dinâmicas, os negócios procuram ser disruptivos, os trabalhadores devem
ser flexíveis e os governos buscam ser enxutos252.
251
PASQUALE, Frank. op. cit., p. 311.
252
SRNICEK, Nick. op. cit., p. 4-6.
110
253
SRNICEK, Nick. op. cit., p. 39-40. O autor diferencia dados de conhecimento, em que este seria o conjunto
de informações sobre as razões pelas quais algo ocorreu.
254
Id. Ibid., p. 40-42.
255
Id. Ibid., p. 42-44.
111
256
SRNICEK, Nick. op. cit., p. 43, tradução nossa de: “Often arising out of internal needs to handle data,
platforms became an efficient way to monopolise, extract, analyse, and use the increasingly large amounts
of data that were being recorded. Now this model has come to expand across the economy, as numerous
companies incorporate platforms: powerful technology companies (Google, Facebook, and Amazon),
dynamics start-ups (Uber, Airbnb), industrial leaders (GE, Siemens), and agricultural powerhouses (John
Deere, Monsanto), to name just a few”.
257
Id Ibid., p. 48-50.
112
manufatura, logística e design, uma vez que provê os meios que permitem o
desenvolvimento das empresas. O modo de operar dos negócios nesse contexto privilegia a
concentração da propriedade, em que as maiores plataformas criam grandes infraestruturas
e gastam quantias significativas na compra de outras empresas e no investimento da
expansão de suas capacidades. As plataformas estão se tornando proprietárias da
infraestrutura da sociedade, em que há fortes tendências à monopolização de setores
econômicos258.
Paul Langley e Andrew Leyshon afirmam que o conceito de capitalismo de
plataforma coloca em primeiro plano as características de infraestrutura e intermediação das
plataformas. Há a junção dos códigos de computadores e do comércio, em que as
infraestruturas de participação e conectividade são concebidas e as informações são obtidas
para colocar em funcionamento a intermediação da circulação da economia digital. Nesse
cenário, as plataformas são edifícios tecnoculturais e estruturas socioeconômicas,
padronizando a circulação em que se especializam, seja conhecimento, ideias, trabalho ou
comércio de bens inutilizados. Isso envolve questões legais, em que a caracterização do
negócio se relaciona com as classificações promovidas pelas empresas, como a forma de
contratação dos trabalhadores. Outra característica relevante para os mercados
multifacetados e a coordenação dos efeitos em rede é a avaliação e o ranqueamento dos
trabalhadores pelos usuários259.
Os autores ainda destacam que existem fortes evidências indicando que as
plataformas são um fenômeno perene da economia global, o que exige uma análise mais
detida de duas características importantes do capitalismo de plataforma pelos elaboradores
de políticas públicas. A primeira é a precarização das condições de trabalho, denominada de
apploitation, com a disseminação de contratos de trabalho de curto prazo ou intermitentes e
a classificação dos trabalhadores como autônomos, em que ocorre a redução de salários, não
há recebimento de benefícios e constata-se uma pretensa flexibilização que acaba por
intensificar a jornada de trabalho. A segunda é o modelo de negócios das plataformas
inserirem-se no ciclo do setor de venture capital, fazendo parte do portfólio de investimento
de fundos dessa natureza. A principal consequência dessa associação é a busca pela
monopolização e oligopolização dos mercados com o objetivo de promover o crescimento
agudo da empresa e garantir retornos financeiros elevados para os investidores no menor
espaço de tempo possível, o que denota uma política de curto-prazismo em que há uma
258
SRNICEK, Nick. op. cit., p. 90-92.
259
LANGLEY, Paul; LEYSHON, Andrew. op. cit., p. 9-16.
113
260
LANGLEY, Paul; LEYSHON, Andrew. op. cit., p. 16-17.
261
PRASSL, Jeremias. Humans as a service: the promises and perils of work in the gig economy. New York:
Oxford University Press, 2018, p. 18.
262
SCHOLZ, Trebor. Uberworked and underpaid: how workers are disrupting the digital economy. Malden:
Polity Press, 2017, p. 43-46.
263
Id. Ibid., p. 65-68.
114
adaptação; (iv) é importante que o exame realizado por essa pesquisa tenha em conta tanto
os benefícios como os prejuízos que afetam a sociedade, de modo que se permita apontar
soluções adequadas para os problemas existentes; (v) atenta para efeitos concretos e visíveis
que as novas tecnologias produzem na organização do trabalho, como a fragmentação e
fissuração das atividades; (vi) leva-se em consideração as inter-relações entre tecnologia,
instituições e ideologia nas dimensões econômica, política e social, uma vez que o conceito
coloca em destaque a predominância do neoliberalismo (ainda), do individualismo, da
tecnologia da informação e comunicação, da descentralização da produção, da desregulação,
do venture capital, dos consumidores em face dos trabalhadores, da busca por retornos
expressivos e rápidos para os acionistas das empresas e do enfraquecimento do Direito do
Trabalho.
O detalhamento das plataformas e dos domínios de circulação analisados são tratados
no próximo capítulo, que apresenta as formas de trabalho no capitalismo de plataforma e
que indica quais serão consideradas para estudo sob o ponto de vista da proteção social e do
Direito do Trabalho.
115
1. Introdução
No primeiro capítulo, analisamos as inter-relações entre tecnologia, instituições e
ideologia e situamos cada um dos elementos nos âmbitos econômico, político e social. A
partir da identificação do cenário de peças movendo-se, tratamos do futuro do trabalho e dos
possíveis impactos da tecnologia nesse campo. Por fim, abordamos a emergência de uma
das faces das inovações tecnológicas na organização da produção, o capitalismo de
plataforma.
Neste segundo capítulo, aprofundaremos o estudo desse fenômeno e descreveremos
e analisaremos as formas de trabalho desenvolvidas a partir da influência das novas
tecnologias da informação e comunicação. A finalidade é apresentar os contornos que as
relações de trabalho tomam no capitalismo de plataforma, analisar as suas especificidades e
compreender as mudanças em curso. Para atingir o objetivo proposto, promoveremos uma
revisão de literatura a respeito das novas formas de trabalho moldadas pelas inovações
tecnológicas e desenvolveremos dois estudos de caso, um com a Uber e outro com a Amazon
Mechanical Turk.
Em primeiro lugar, abordaremos as formas de trabalho no capitalismo de plataforma,
tratando dos elementos que estão mudando nas relações de trabalho, o papel que a tecnologia
tem nesse processo, as classificações criadas pelos estudiosos, os tipos de trabalhos
realizados nas plataformas, a função que os algoritmos desempenham no gerenciamento da
mão de obra, a dinâmica das relações de trabalho, a dimensão da vigilância a que estão
submetidos os trabalhadores, as condições de trabalho, o tamanho da força de trabalho, os
pontos positivos e negativos e os desafios colocados. Este estudo adotará a classificação
elaborada por Valerio de Stefano, que divide o fenômeno em crowdwork e trabalho sob
demanda por meio de aplicativos264.
Em seguida, analisaremos o trabalho sob demanda por meio de aplicativos,
descrevendo como se dá, os setores em que ocorre, as características do trabalhador, como
é feita a administração da força de trabalho, as formas pelas quais se identifica a
subordinação do trabalhador, as dinâmicas do algoritmo e do sistema de ranqueamento,
como a terceirização toma forma e a instabilidade e dependência a que estão submetidos os
trabalhadores. Para compreender essa forma de trabalho de maneira mais adequada,
264
DE STEFANO, Valerio. op. cit., p. 471–504.
116
265
ROBINSON, Hillary C. Making a digital working class: Uber drivers in Boston, 2016-2017. 2017.
Disponível em: <https://dspace.mit.edu/handle/1721.1/113946>. Acesso em 10 jul. 2018.
266
SCHOR, Juliet; ATTWOOD-CHARLES, William; CANSOY, Mehmet; LADEGAARD, Isak;
WENGRONOWITZ, Robert. op. cit., p. 1-40.
267
INTERNATIONAL LABOUR ORGANIZATION. op. cit., p. 1-200.
117
268
FRAYSSÉ, Olivier; O’NEIL, Mathieu. Hacked in the USA: Prosumption and digital labour. In: FRAYSSÉ,
Olivier; O’NEIL, Mathieu (eds.). Digital labour and prosumer capitalism: The US matrix. New York:
Palgrave and Macmillan, 2015, p. 3-4.
269
ASCHOFF, Nicole. The Smartphone Society. Jacobin, New York, 17 mar. 2015. Disponível em:
<http://jacobinmag.com/2015/03/smartphone-usage-technology-aschoff>. Acesso em: 06 out. 2017.
270
Id. Ibid.
118
atividades coletivas que, sem esses aparelhos, seriam inviáveis ou extremamente difíceis de
acontecer271.
Ursula Huws afirma que as novas tecnologias organizam o trabalho de uma forma
inédita, em que plataformas digitais são utilizadas para acessar grupos de trabalhadores em
escala global de maneira imediata. Os trabalhadores e suas habilidades são apresentados ao
mundo no formato de um perfil padronizado, descrevendo as atividades que realizam a partir
de texto autopromocional. Terceiros têm condições de examinar a performance do
trabalhador por meio da análise das avaliações de atividades pretéritas, o que pode permitir
um julgamento adequado, mas também pode ser a indicação de más preferências de outros
contratantes ou de uma conduta cujo objetivo final é não pagar o trabalhador. Não há
qualquer previsibilidade quanto à disponibilidade de trabalho, o que leva os trabalhadores a
sempre estarem com seus telefones celulares próximos para aceitarem as ofertas que
surgirem. Ou seja, os trabalhadores ficam permanentemente à disposição. Parcela
significativa do trabalho é realizada online, fazendo com que todas as atividades sejam
registradas. Isso produz informação de maneira contínua, permitindo que o trabalhador seja
monitorado constantemente e que indicadores precisos de seu desempenho sejam
produzidos272.
A autora identifica a formação de uma força de trabalho atomizada, em que os
indivíduos são cada vez mais descartáveis. O seu trabalho é conectado em três perspectivas:
no sentido de ser dividido em pequenas unidades padronizadas, de ser ligado online e de ser
registrado para análise futura. O trabalho conectado, viabilizado pela organização do
trabalho por plataformas digitais, exprime uma nova forma de gerenciamento que se espalha
em diversos setores da economia: no público e no privado, nas atividades manuais, técnicas
e intelectuais, em trabalhos que demandam alta, média e baixa qualificação,
independentemente de se tratar de contratos de trabalho por tempo indeterminado,
determinado ou intermitente273.
2.1. Classificação
As perspectivas sobre como se configuram as relações de trabalho influenciadas pela
tecnologia da informação e comunicação variam conforme o critério utilizado pelos autores.
Há uma diversidade de classificações que organizam essas formas de trabalho. Determinados
271
ASCHOFF, Nicole. op. cit.
272
HUWS, Ursula. Logged labour: a new paradigm of work organisation? Work organisation, labour &
globalisation, v. 10, n. 1, p. 8, 21-22, 2016.
273
Id. Ibid., p. 6, 21-22.
119
274
CHERRY, Miriam. A taxonomy of virtual work. Georgia Law Review, v. 45, n. 4, p. 962–975, 2011.
275
CHERRY, Miriam. Beyond Misclassification: The Digital Transformation of Work. Comparative Labor
Law & Policy Journal, v. 37, p. 599, 2016.
120
tarefas simples e repetitivas que demandam pouco treinamento; (iv) de autônomos, em que
se privilegiam conhecimentos especializados e projetos de maior extensão276.
Cristiano Codagnone, Fabienne Abadie e Federico Biagi afirmam que o mercado de
trabalho digital pode ser dividido em dois. De um lado, há os trabalhos que podem ser
realizados remotamente, cujo produto final é enviado por meio de serviços de transmissão
eletrônica, como a internet. São denominados de mercados de trabalho online, que possuem
um potencial global e são subdivididos em dois, de acordo com a extensão das atividades:
(i) com enfoque no microtrabalho; (ii) para a realização de projetos complexos. Do outro
lado, existem os trabalhos cuja oferta e administração da mão de obra acontece digitalmente,
mas a execução da atividade exige presença física e interação humana. São denominados de
mercados de trabalho móveis, subdivididos em dois, conforme a qualificação do trabalhador:
(i) voltados para serviços físicos; (ii) para a realização de serviços interativos277.
Gérard Valenduc e Patricia Vendramim colocam que as novas formas de trabalho
podem ser analisadas a partir de dois eixos: o primeiro diz respeito à natureza da relação
empresário-trabalhador ou cliente-trabalhador e o segundo, à maneira pela qual o trabalho é
desempenhado. Apesar de identificarem nove formas de trabalho, os autores pontuam que
somente três são relevantes para o capitalismo de plataforma: (i) trabalhos móveis a partir
da tecnologia da informação e comunicação, em que se desempenham atividades em locais
que não são do tomador de serviço, com uso intensivo de computadores e internet; (ii)
crowdwork, em que as atividades são realizadas por meio de plataformas online, em que
indivíduos ou organizações conseguem acessar um grupo desconhecido e indeterminado de
trabalhadores preparados para resolver problemas específicos e prover determinados
serviços ou produtos em troca de pagamento; (iii) trabalho à disposição por meio de
plataformas, em que há o uso da tecnologia para a adoção do contrato de trabalho
intermitente278.
Trebor Scholz afirma que o trabalho digital possui duas dimensões: uma remunerada
e outra não remunerada. Na primeira estariam englobados o crowdwork (e as diversas
variações existentes entre as plataformas), a fazenda de conteúdo (ou content farming, que
276
CORPORAAL, Greetje; LEHDONVIRTA, Vili. How fortune 500 firms are adopting online freelancing
platforms. Oxford: Oxford Internet Institute, 2017, p. 3-5.
277
CODAGNONE, Cristiano; ABADIE, Fabienne; BIAGI, Federico. The future of work in the sharing
economy: Market efficiency and equitable opportunities or unfair precarisation? JCR Science for policy
report. Seville: Institute for Prospective Technological Studies, 2016, p. 5.
278
VALENDUC, Gérard; VENDRAMINI, Patricia. Work in the digital economy: sorting the old from the new.
Mar. 2016. Disponível em: <http://ftu-namur.org/fichiers/Work_in_the_digital_economy-ETUI2016-3-
EN.pdf>. Acesso em: 10 abr. 2017, p. 32-35.
121
279
SCHOLZ, Trebor. op. cit., p. 15-94.
280
DE STEFANO, Valerio. op. cit., p. 473–475.
122
281
DE STEFANO, Valerio. op. cit., p. 475-476.
282
CORPORAAL, Greetje; LEHDONVIRTA, Vili, op. cit.; CODAGNONE, Cristiano; ABADIE, Fabienne;
BIAGI, Federico, op. cit.
283
ALOISI, Antonio. op. cit., p. 656.
123
comuns, como a falta de controle ostensivo, pessoal e direto dos trabalhadores em relação
às atividades que desempenham e a realização de tarefas de maneira bem definida e
determinada pelos contratantes ou pelas plataformas284.
No trabalho sob demanda por meio de aplicativos e no crowdwork, há o uso de
códigos de computadores para mediar as relações de trabalho, o que se denomina por
gerenciamento automático ou gerenciamento algorítmico285.
Massimo Mazzotti afirma que tradicionalmente os algoritmos foram definidos como
um conjunto de instruções para a solução de problemas. Contudo, a palavra foi ressignificada
e atualmente se refere a programas funcionando em máquinas físicas e aos seus efeitos em
outros sistemas. Nesse sentido, os algoritmos se tornaram agentes que fazem coisas,
determinam aspectos da nossa realidade social e conformam as relações sociais286.
O autor destaca que o algoritmo é considerado invisível, apesar de integrado em
diversos aspectos do cotidiano das pessoas, torna-se uma caixa preta e é afastado do
escrutínio do público, passando a ser encarado como um elemento natural. Contudo, defende
que não há neutralidade no gerenciamento de informações que dependem de escolhas
procedimentais de uma máquina programada por pessoas para automatizar julgamentos que
emulam seres humanos por aproximação287.
A ideia do algoritmo como um sujeito que faz coisas é um equívoco. Primeiramente,
por ser determinista, uma vez que o representa como um mecanismo independente e
desconsidera o ambiente sociotécnico em que está inserido. Em segundo lugar, por esconder
o processo de modulação do algoritmo, ignorando os comandos humanos e as condições
materiais que o constrói288.
Christina Colclough destaca que o gerenciamento por algoritmo está sendo
disseminado, em que as empresas modulam a coordenação e o controle da mão de obra por
meio desses conjuntos de instruções. O processo de tomada de decisões desenvolvido pelo
algoritmo é conformado por parâmetros pré-determinados pela empresa, e não algo aleatório
sem a influência do proprietário desse mecanismo. Ou seja, as decisões do algoritmo devem
ser entendidas como decisões da empresa289.
284
ALOISI, Antonio. op. cit., p. 663.
285
Id., loc. cit.; CHERRY, Miriam. op. cit., p. 596.
286
MAZZOTTI, Massimo. Algorithmic life. In: PRIDMORE-BROWN, Michele; CROCKETT, Julien. The
digital revolution: debating the promises and perils of the Internet, automation, and algorithmic lives in the
last years of the Obama Administration. Los Angeles: Los Angeles Review of Books: 2017, p. 33.
287
Id. Ibid., p. 34-35.
288
Id. Ibid., p. 35-36.
289
COLCLOUGH, Christina. When algorithms hire and fire. International Centre for Trade Union Rights, v.
25, n. 3, p. 6-7, 2018.
124
290
CHERRY, Miriam. op. cit., p. 596-597.
291
TOMASSETTI, Julia. Does Uber Redefine the Firm: The Postindustrial Corporation and Advanced
Information Technology. Hofstra Labor & Employment Law Journal, v. 34, p. 52, 2016, tradução nossa de:
“invisible hand of the algorithm”.
292
Id. Ibid., p. 52-53.
293
SCHMIDIT, Florian. Digital labour markets in the platform economy: Mapping the political challenges of
crowdwork and gig work. 2017. Disponível em: <http://library.fes.de/pdf-files/wiso/13164.pdf>. Acesso
em: 16 ago. 2018, p. 12.
294
Id. Ibid., p. 12-13.
125
295
PRASSL, Jeremias. op. cit, p. 56.
296
Id. Ibid., p. 54-55.
297
Id. Ibid., p. 61.
298
Id. Ibid., p. 62-63.
126
“acordos embrulhados pelo clique”299, no qual o usuário adere às condições impostas pela
plataforma para participar das atividades desenvolvidas pela empresa e geralmente expressa
consentimento ao clicar no botão de aceitação. Trata-se de uma situação em que as opções
do trabalhador se resumem a concordar – e dar início a uma relação que nasce desigual - ou
rejeitar as cláusulas – e ficar excluído do mercado. Ou seja, é um contrato de adesão300.
A invisibilidade é outro atributo de ambas as formas de trabalho. De acordo com
Miriam Cherry, Winifred Poster e Marion Crain, trabalho invisível envolve as
atividades que ocorrem no contexto de trabalho remunerado e que
trabalhadores executam em resposta às demandas (tanto implícitas como
explícitas) dos empregadores e que são essenciais para a geração de renda,
obtenção ou manutenção do trabalho e promoção da carreira, ainda que
sejam frequentemente negligenciadas, ignoradas e/ou desvalorizadas pelos
empregadores, consumidores, trabalhadores e, em última instância, pelo
próprio sistema jurídico301.
A manifestação do trabalho invisível no trabalho sob demanda por meio de
aplicativos e no crowdwork ocorre conforme as peculiaridades de cada um. Apesar disso,
dois atributos que estão presentes nessas duas formas de trabalho contribuem para o
fenômeno do desaparecimento dos trabalhadores. O primeiro é o uso de termos que buscam
dissociar as tarefas que as pessoas realizam por meio das plataformas da noção de trabalho.
As empresas não as chamam de trabalhadoras, mas de parceiras, como é o caso da Uber, e
turkers, pela Amazon Mechanical Turk, dentre outras denominações que esvaziam o
conteúdo laboral das atividades302.
A segunda é a classificação dos trabalhadores como autônomos ao invés de
empregados. Independentemente da adequação em os contratar dessa forma, transmite-se a
ideia de que trabalhadores que realizam atividades que demandam baixa qualificação são
proprietários de empresas ou microempreendedores. Entretanto, o pagamento no trabalho
sob demanda por meio de aplicativos e no crowdwork é geralmente feito pelos segundos ou
299
ALOISI, Antonio. op. cit., p. 671, tradução nossa de: “click-wrap agreements”.
300
Id. Ibid., p. 670-671.
301
CRAIN, Marion; POSTER, Winifred; CHERRY, Miriam. Introduction: conceptualizing invisible labor. In:
CRAIN, Marion; POSTER, Winifred; CHERRY, Miriam. (Eds.). Invisible labor: hidden work in the
contemporary world. Oakland, California: University of California Press, 2016, p. 6, tradução nossa de:
“activities that occur within the context of paid employment that workers perform in response to
requirements (either implicit or explicit) from employers and that are crucial for workers to generate income,
to obtain or retain their jobs, and to further their careers, yet are often overlooked, ignored, and/or devalued
by employers, consumers, workers, and ultimately the legal system itself”.
302
DE STEFANO, Valerio. Crowdsourcing, the Gig-Economy, and the Law Introduction. Comparative Labor
Law & Policy Journal, v. 37, n. 3, p. 462, 2016; CHERRY, Miriam. People Analytics and Invisible Labor
The Law and Business of People Analytics. Saint Louis University Law Journal, v. 61, p. 4, 2016.
127
pelos minutos trabalhados, sendo que em diversas situações não se consegue obter um salário
mínimo no final do mês – instituto criado justamente para proteger a renda de trabalhadores
que, dentre outras atividades, desempenham tarefas que não exigem alta ou média
qualificação303.
O uso do trabalho sob demanda por meio de aplicativos e o crowdwork é um sintoma
do impulso global em direção à descentralização das estruturas, à criação de redes de
produção dispersas e densas e à terceirização. A tecnologia da informação e comunicação
permite o acesso à mão de obra em escala, com custos reduzidos, e gerenciáveis pelo tempo
necessário para a execução dos serviços requisitados, além de permitir o pagamento dos
trabalhadores a cada atividade realizada. Contudo, as empresas conseguem promover a
terceirização de suas atividades sem abandonar o gerenciamento do que é essencial para o
negócio, tanto pela dependência econômica do trabalhador, como pelo sistema de reputação,
presente em grande escala nas plataformas. A expansão desse cenário acelera a desregulação
do mercado do trabalho, rebaixando o padrão de proteção trabalhista e tornando a renda dos
trabalhadores pouco previsível e, consequentemente, incerta304.
Ludmila Costek Abilio aponta que o trabalho sob demanda por meio de aplicativos
e o crowdwork avançam no processo de descentralização da produção e transferência de
responsabilidade, complementando e concorrendo com a terceirização. A complementação
ocorre quando o empresário adota essas formas de trabalho para realizar atividades que a
terceirização tradicional – em que é contratada uma empresa prestadora de serviços - não é
capaz de fazer. A concorrência dá-se nos casos em que as empresas terceirizadas são
substituídas pelas plataformas digitais. Para ilustrar essa última situação, a autora menciona
o caso dos motofretistas na cidade de São Paulo: até a década de 1980 eram contratados
diretamente pelas empresas, sendo que a partir da década de 1990 a atividade de retirada e
entrega de mercadorias por meio de motocicletas passou a ser feita por empresas
terceirizadas e, atualmente, há um crescente uso de plataformas digitais para a realização
dessa atividade305.
Nota-se que o argumento que geralmente é utilizado para justificar o uso da
terceirização – a transferência de serviços para empresa especializada que o faria melhor e
deixaria a empresa tomadora centrada em seu produto principal – é enfraquecido nesse
cenário, uma vez que os trabalhadores que atuam nas plataformas são, em sua maioria,
303
CHERRY, Miriam. op. cit., p. 4-5.
304
Id. Beyond Misclassification: The Digital Transformation of Work. op. cit., p. 657-663.
305
ABILIO, Ludmila Costek. op. cit.
128
306
RODGERS, Gerry. Precarious work in Western Europe: The state of the debate. In: RODGERS, Gerry;
RODGERS, Janine (Eds.). Precarious jobs in labour market regulation: the growth of atypical employment
in Western Europe. Geneva: International Labour Office, 1989, p. 3.
307
CODAGNONE, Cristiano; ABADIE, Fabienne; BIAGI, Federico, op. cit., p. 23.
308
BURSON MARSTELLER; ASPEN INSTITUTE; TIME. The On-Demand Economy Survey. 2015.
Disponível em: <https://www.burson-marsteller.com/what-we-do/our-thinking/the-on-demand-
economy/the-on-demand-economy-survey/>. Acesso em: 04 jun. 2018.
309
HARRIS, Seth; KRUEGER, Alan. A proposal for modernizing labor laws for twenty-first century work: the
“independent worker”. 2015. Disponível em: <
http://www.hamiltonproject.org/assets/files/modernizing_labor_laws_for_twenty_first_century_work_kru
eger_harris.pdf>. Acesso em 12 fev. 2016.
129
310
MCKINSEY GLOBAL INSTITUTE. A labor market that works: connecting talent with opportunity in the
digital age – full report. 2015. Disponível em:
<https://www.mckinsey.com/~/media/McKinsey/Global%20Themes/Employment%20and%20Growth/Co
nnecting%20talent%20with%20opportunity%20in%20the%20digital%20age/MGI_Online_talent_A_labo
r_market_that_works_Full_report_June_2015.ashx>. Acesso em: 04 jun. 2018, p. 33.
311
MISHEL, Lawrence. Uber and the labor market: Uber drivers’ compensation, wages, and the scale of Uber
and the gig economy. 12 may 2018. Disponível em: <https://www.epi.org/files/pdf/145552.pdf>. Acesso
em: 04 jun. 2018, p. 3.
312
HUWS, Ursula; JOYCE, Simon. Size of the UK’s “gig economy” revealed for the first time. 2016.
Disponível em: <http://www.feps-europe.eu/assets/a82bcd12-fb97-43a6-9346-24242695a183/crowd-
working-surveypdf.pdf>. Acesso em: 04 jun. 2018.
313
Id. Size of Sweden’s “gig economy” revealed for the first time. 2016. Disponível em: <http://www.feps-
europe.eu/assets/3f853cec-1358-4fb4-9552-274b55e05ecf/crowd-working-survey-swedenpdf.pdf>.
Acesso em: 04 jun. 2018.
314
CODAGNONE, Cristiano; ABADIE, Fabienne; BIAGI, Federico, op. cit., p. 22.
130
variarem no setor. Ou seja, os números fornecidos pelas plataformas podem não ser precisos.
Ademais, os trabalhadores podem se cadastrar em diversas plataformas, o que torna a mera
soma dos números disponibilizados passível de sobreposição315.
Jeremias Prassl coloca que os dados estatísticos disponíveis sobre a dimensão do
trabalho no capitalismo de plataforma focam em demasia nas pessoas que obtêm a renda
principal a partir do trabalho sob demanda por meio de aplicativos ou crowdwork, deixando
de contabilizar aqueles que as usam para complementar a renda. Assim, deixa-se de
mensurar parcela significativa da força de trabalho316.
No Brasil, não há estimativas sobre o impacto das plataformas digitais no mercado
de trabalho. No máximo, há algumas plataformas que divulgam o número de trabalhadores
que prestam serviço. De qualquer forma, o Instituto Global da consultoria McKinsey
identificou um grande potencial para o crescimento do capitalismo de plataforma no país até
2025. De acordo com o relatório de 2015, é possível vislumbrar a criação de 2,7 milhões de
postos de trabalho em tempo integral, aumentando a taxa de emprego em 2,6%317.
315
ALOISI, Antonio. op. cit., p. 659.
316
PRASSL, Jeremias. op. cit., p. 16.
317
MCKINSEY GLOBAL INSTITUTE. A labor market that works: connecting talent with opportunity in the
digital age – appendix: country case studies. 2015. Disponível em:
<https://www.mckinsey.com/~/media/McKinsey/Global%20Themes/Employment%20and%20Growth/Co
nnecting%20talent%20with%20opportunity%20in%20the%20digital%20age/MGI_Online_talent_Append
ix_Country_case_study.ashx>. Acesso em: 04 jun. 2018.
131
318
CORPORAAL, Greetje; LEHDONVIRTA, Vili. op. cit., 6-7.
319
GRAHAM, Mark; LEHDONVIRTA, Vili; WOOD, Alex; BARNARD, Helena; HJORTH, Isis; SIMON,
David Peter. Risks and rewards of online gig work at the global margins. 2017. Disponível em:
<https://www.oii.ox.ac.uk/publications/gigwork.pdf>. Acesso em: 02 fev. 2018, p. 2-6.
320
CHERRY, Miriam. A taxonomy of virtual work. cit., p. 959-960.
321
PRASSL, Jeremias. op. cit., p. 24.
132
ausência de trabalho e pressão para reduzir a remuneração, o que tende a ser mais acentuado
para os trabalhadores com baixa qualificação322.
Os autores ainda identificaram outros riscos: (i) insegurança no trabalho, dado que
os trabalhadores se sentem substituíveis e podem ser dispensados a qualquer momento; (ii)
discriminação, uma vez que nas plataformas que conectam empregadores e trabalhadores
em escala global, os requerentes oriundos de países de alta renda tendem a considerar o
trabalho das pessoas de países de média e baixa renda como inferiores, o que reduz os seus
ganhos; (iii) isolamento social, pois o trabalho em casa e a diferença entre os fusos horários
atrapalham a interação entre trabalhadores; (iv) excesso de trabalho, em que os trabalhadores
desempenham suas atividades por muitas horas e em alta intensidade, na maioria das vezes
com o objetivo de auferir maiores ganhos num contexto em que o valor da hora paga é baixo;
(v) opacidade, com empregadores se relacionando de forma pontual e esporádica com os
trabalhadores, o que dificulta o entendimento sobre o que deve ser feito; (vi) quarteirização,
uma vez que, considerando que a reputação dos prestadores de serviços é importante para os
clientes escolherem quem realizará a atividade, existem casos de trabalhadores com elevadas
avaliações que repassam as tarefas para outros trabalhadores e retêm parte do pagamento
para si323.
Miriam Cherry aponta que, nas últimas décadas, as empresas optaram por concentrar
a sua produção em locais com reduzido valor do trabalho e fraca regulação das relações de
emprego. Nesse contexto, a tecnologia pode acelerar esse movimento de busca por lugares
com frágil proteção trabalhista, levando ao enfraquecimento dos direitos dos trabalhadores
e potencializando a disseminação da terceirização. Como exemplo, descreve o caso das
operações de mineração de dados, em que os trabalhadores têm extensas jornadas e recebem
produtos em troca de suas atividades, em “sweatshops virtuais”324.
Jeremias Prassl destaca que a existência de péssimas condições de trabalho e de
remuneração insuficiente para sobreviver faz os trabalhadores necessitarem desempenhar
atividades por longas horas. Esse cenário, somado ao fato de a demanda de serviços dos
consumidores ser imprevisível, torna a suposta flexibilidade de horários uma ilusão325.
O cenário apresentado mostra que o trabalho sob demanda por meio de aplicativos e
o crowdwork colocam desafios a serem enfrentados. Gérard Valenduc e Patricia Vendramim
322
GRAHAM, Mark; LEHDONVIRTA, Vili; WOOD, Alex; BARNARD, Helena; HJORTH, Isis; SIMON,
David Peter. op. cit., p. 6.
323
Id. Ibid., p. 7-9.
324
CHERRY, Miriam. op. cit., p. 960-961.
325
PRASSL, Jeremias. op. cit., p. 26.
133
destacam que o fato de muitas dessas atividades serem realizadas na casa dos trabalhadores
torna a busca pelo equilíbrio entre trabalho e vida privada mais complexo de ser atingido.
Ainda, pontuam que diversas zonas cinzentas são criadas, como entre empregado e
autônomo, produtores e consumidores, empregados e usuários de plataformas,
empregadores e tomadores de serviço autônomo, indicando a importância em redefinir
conceitos para se minimizar os efeitos negativos na disseminação dessas formas de trabalho.
Outro tema que os autores enfatizam é a segurança e saúde do trabalho, com o possível
aumento de problemas relacionados à ergonomia, tecnoestresse, excesso de exposição a telas
de computador, burnout, dentre outros326.
Mark Graham, Vili Lehdonvirta, Alex Wood, Helena Barnard, Isis Hjorth e David
Peter Simon afirmam que diversas questões se apresentam para os atores envolvidos. Em
relação às plataformas, questionam: (i) a necessidade de existir a possibilidade de selecionar
o trabalhador de acordo com a nacionalidade, dado que isso permite a discriminação; (ii) a
opção de os trabalhadores serem contratados somente como autônomos, o que pode
precarizar a situação daqueles que não estão em posição de igualdade com o contratante e
dependem da plataforma para sobreviver, além de desvirtuar a relação de emprego; e (iii) os
mecanismos existentes à disposição dos trabalhadores para apresentarem as suas demandas
para as plataformas e tomadores de serviço. Para os elaboradores de políticas públicas,
indagam sobre: (i) a melhor maneira de regular o trabalho de bico online, sugerindo a
aplicação das leis trabalhistas do local do contratante, para que a procura por trabalhadores
de países de baixa renda não ocorra para burlar direitos trabalhistas; (ii) a necessidade de
limitar o monopólio do trabalho de bico online, num contexto em que uma plataforma pode
se tornar a principal infraestrutura de um setor e o trabalhador ficar dependente dela, dado
que seu histórico laboral fica na plataforma e não o acompanha, o que cria dificuldades para
se migrar para uma outra; (iii) a motivação dos governos em apoiar a criação de formas
alternativas de organização das plataformas, como as cooperativas de trabalho. No tocante
aos trabalhadores, mencionam: (i) as formas de organização que os trabalhadores podem
adotar e sejam adequadas à realidade do trabalho online de plataforma; (ii) os meios de
promover solidariedade entre trabalhadores que podem ter interesses distintos, que não
compartilham o mesmo espaço físico e que são estimulados a competirem entre si; (iii) os
instrumentos para responsabilizar empresas com complexas cadeias produtivas por más
condições de trabalho. Diante da sociedade, colocam o debate acerca da conveniência em
326
VALENDUC, Gérard; VENDRAMINI, Patricia. op. cit., p. 35-38.
134
327
GRAHAM, Mark; LEHDONVIRTA, Vili; WOOD, Alex; BARNARD, Helena; HJORTH, Isis; SIMON,
David Peter. op. cit., p. 10-12.
328
PC MAGANIZE. Application program. Disponível em:
<https://www.pcmag.com/encyclopedia/term/37919/application-program>. Acesso em: 15 jun. 2018.
329
DE STEFANO, Valerio. The rise of the “just-in-time workforce”: on-demand work, crowdwork, and labor
protection in the “gig-economy”. cit., p. 471-474.
330
COLLIER, Ruth Berins; DUBAL, Veena; CARTER, Christopher. Labor platforms and gig work: the failure
to regulate. 17 sept. 2017. Disponível em: <http://www.irle.berkeley.edu/files/2017/Labor-Platforms-and-
Gig-Work.pdf>. Acesso em: 03 out. 2017, p. 3.
331
DE STEFANO, Valerio. op. cit., p. 474-475; ALOISI, Antonio. op. cit., p. 688-690; HUNT, Abigail;
MACHINGURA, Fortunate. A good gig? The rise of on-demand domestic work. Dec. 2016. Disponível em:
<https://www.odi.org/sites/odi.org.uk/files/resource-documents/11155.pdf>. Acesso em: 15 jun. 2018.
135
332
DE STEFANO, Valerio. op. cit., p. 472; ABILIO, Ludmila Costek. op. cit.
333
ALOISI, Antonio. op. cit., p. 670-671; VALENDUC, Gérard; VENDRAMINI, Patricia. op. cit., p. 35.
136
transferência de riscos e custos para trabalhadores disponíveis e não para outras empresas,
como ocorre com a terceirização. Além disso, também há a transferência da administração
do trabalho não pago e do tempo de trabalho para o trabalhador. Essas transferências não
ocorrem aleatoriamente, uma vez que as empresas-aplicativo controlam, gerenciam e
acompanham a maneira pela qual as atividades são executadas, sendo que o software ocupa
um papel central para viabilizar essas ações pelas plataformas334. A intensidade do controle,
gerenciamento e acompanhamento varia entre as plataformas.
3.2. Os trabalhadores
As empresas-aplicativo têm poucos empregados, normalmente para realizar tarefas
administrativas, jurídicas, de relações públicas e lobby, e um grande número de
trabalhadores – considerados como autônomos pelas plataformas - que desenvolvem as
atividades centrais para o negócio, anunciadas e oferecidas para os consumidores335.
Os trabalhadores são classificados como autônomos pois, de acordo com as empresas,
há liberdade de planejamento dos horários de trabalho, não existindo o dever em
desempenhar uma quantidade mínima de horas por dia, semana ou mês. Nesse sentido, os
trabalhadores ficariam disponíveis para a execução de tarefas conforme os seus demais
compromissos pessoais ou profissionais. Contudo, em determinadas plataformas, assim que
o trabalhador se conecta, busca-se influenciar a sua conduta, indicando como deve ser o
comportamento perante o consumidor e a realização da tarefa, assim como mantê-lo em
atividade e em disponibilidade o maior tempo possível. Isso ocorre com maior frequência
no setor de transporte e de retirada e entrega de mercadorias, em que a oferta e a demanda
são mais intensas e dinâmicas, as tarefas duram minutos e o trabalhador just-in-time é central
para o desenvolvimento empresarial. Nos demais setores, as plataformas não atuam para
interferir, nesses moldes, no comportamento dos trabalhadores336.
Para que tenham condição de auferir os ganhos necessários para sobreviverem, os
trabalhadores são obrigados a criarem estratégias pessoais para enfrentarem a concorrência
dos demais prestadores de serviço e obterem renda dentro do tempo disponível para
trabalharem. Essa característica também é apontada para que os trabalhadores sejam
considerados como autônomos, uma vez que se aproximariam mais da figura do
microempreendedor do que da do empregado. Entretanto, o fato de os prestadores de serviço
334
ABILIO, Ludmila Costek. op. cit.
335
Id. Ibid.
336
Id. Ibid.; CUNNINGHAM-PARMETER, Keith. From Amazon to Uber: Defining Employment in the
Modern Economy. Boston University Law Review, v. 96, p. 1719–1721, 2016.
137
337
ABILIO, Ludmila Costek. op. cit.
338
CHERRY, Miriam. Beyond Misclassification: The Digital Transformation of Work. cit., p. 601.
339
Id. Ibid., p. 597, tradução nossa de: “firing by algorithm”.
340
Id. Ibid., p. 597-598.
138
341
ALOISI, Antonio. op. cit., p. 671, tradução nossa de: “the ranking system, combined with the approval rating
and other obscure elements of an indescribable algorithm, is a though way of implementing internal rules
and condition workers’ autonomy”.
342
PRASSL, Jeremias. op. cit., p. 53.
343
SLEE, Tom. op. cit., p. 92-93.
344
Id. Ibid., p. 94-95.
139
345
SLEE, Tom. op. cit., p. 96-103.
346
ABILIO, Ludmila Costek. op. cit.
347
SLEE, Tom. op. cit., p. 101, tradução nossa de: “reputation systems are no substitute for regulation. Instead,
they are a substitute for a company management structure, and a bad one at that. A reputation system is the
boss from hell: an erratic, bad-tempered and unaccountable manager that may fire you at any time, on a
whim, with no appeal”.
140
348
PRASSL, Jeremias. op. cit., p. 27; RISAK, Martin. Uber, Taskrabbit, and Co.: Platforms as Employers -
Rethinking the Legal Analysis of Crowdwork. Comparative Labor Law & Policy Journal, v. 37, p. 627,
2016.
349
ABILIO, Ludmila Costek. op. cit.
350
Id. Ibid.
351
CHERRY, Miriam. op. cit., p. 598.
141
352
SCHOR, Juliet; ATTWOOD-CHARLES, William; CANSOY, Mehmet; LADEGAARD, Isak;
WENGRONOWITZ, Robert. op. cit., p. 1-40.
353
Id. Ibid., p. 1-5.
354
Id. Ibid., p. 2-4.
142
serviços e não têm como fazerem muitas escolhas, uma vez que a demanda por trabalho não
é suficiente. Eles expressam preocupação com o sistema de avaliação, com suas reputações
e com a permanência na plataforma e demonstram insatisfação com a precariedade de suas
situações355.
Apesar dos resultados gerais apresentados, os autores indicam algumas
peculiaridades conforme o setor da plataforma: (i) na hospedagem, os níveis de precariedade
são menores; (ii) na execução de serviços domésticos, há precariedade na auferição de
ganhos, mas com maior controle sobre os horários de trabalho; (iii) no transporte, há pouco
espaço para autonomia e controle e considerável competição entre os trabalhadores; (iv) na
retirada e entrega de mercadorias, somente há autonomia e controle de quem não é
dependente da plataforma356.
A lógica de funcionamento do trabalho sob demanda por meio de aplicativos pode
ser uma armadilha para os trabalhadores. Diante da necessidade de complementar renda
insuficiente que se consegue auferir no emprego principal, procura-se um trabalho extra nas
horas vagas para garantir a sobrevivência. Contudo, o comprometimento com a nova
ocupação, a dificuldade em administrar os horários de trabalho e o aumento exagerado da
carga laboral podem levar à dispensa do emprego principal, aprofundando a precarização do
trabalhador357.
Ludmila Costek Abílio afirma que as formas de trabalho do capitalismo de
plataforma levam a viração – ideia que expressa a necessidade constante em se procurar
trabalho para sobreviver, uma vez que os serviços encontrados são transitórios - a um
patamar internacional e globalizado, em que há uma massa de trabalhadores cuja opção se
resume ao trabalho instável e sem identidade, transitando entre bicos e atividades
temporárias para garantir a subsistência. Essa nova expressão da organização da produção
oferece serviços remunerados sem a tradicional forma do trabalho e colocam os
trabalhadores e consumidores em novas posições, em que esses colaboram com a empresa e
aqueles necessitam desenvolver estratégias pessoais e gerenciar suas atividades358.
355
SCHOR, Juliet; ATTWOOD-CHARLES, William; CANSOY, Mehmet; LADEGAARD, Isak;
WENGRONOWITZ, Robert. op. cit., p. 2-6.
356
Id. Ibid., p. 3-8.
357
CHERRY, Miriam. op. cit., p. 598.
358
ABILIO, Ludmila Costek. op. cit. A autora destaca que adota o termo viração conforme conceituado por
Vera da Silva Telles, em que os trabalhadores que vivem nas periferias brasileiras se veem obrigados a se
virar para sobreviver, aceitando as oportunidades que se apresentam diariamente para terem meios de
obterem renda e garantirem o seu sustento (TELLES, Vera da Silva. Mutações do trabalho e experiência
urbana. Tempo social, n. 18, v. 1, 2006, p. 173-195).
143
3.5. Uber
A Uber é a plataforma mais famosa no mundo do setor de transporte, que utiliza
trabalho sob demanda por meio de aplicativos. Fundada em 2010 e com sede em São
Francisco (EUA), tornou-se referência para empresas que adotam essa forma de trabalho.
Atualmente, opera em mais de 600 cidades no mundo de 65 países diferentes e com mais de
3 milhões de motoristas. No Brasil, atua em mais de 100 cidades e trabalha com mais de 500
mil motoristas. A plataforma não se considera uma empresa de transporte, mas de tecnologia
e que criou um aplicativo que conecta consumidores e motoristas que oferecem serviço de
transporte individual privado. A Uber considera os motoristas como parceiros e os classifica
como trabalhadores autônomos 360 . Em 2017, o valor de mercado da plataforma era de
US$ 48 bilhões361, teve uma receita de US$ 7,5 bilhões e um prejuízo de US$ 4,5 bilhões362.
359
ABILIO, Ludmila Costek. op. cit.
360
UBER. Fatos e dados sobre a Uber. cit.; Id. Termos e condições gerais dos serviços de intermediação digital.
São Paulo: mimeo, 2018, p. 9-10. Segundo os termos e condições gerais dos serviços de intermediação
digital, “a relação entre nós é exclusivamente de partes contratantes independentes. Estes Termos não
constituem um contrato de trabalho, nem criam uma relação de trabalho, joint venture, parceria, ou de
agenciamento entre nós, bem como não lhe concede autoridade de nos vincular ou de se apresentar como
nosso (a) empregado (a) ou representante autorizado” (Id. Ibid., p. 9-10)
361
ISAAC, Mike. Uber sells stake SoftBank, valuing ride-hailing giant at $ 48 billion. The New York Times,
New York, 28 dec. 2017. Disponível em: <https://www.nytimes.com/2017/12/28/technology/uber-
softbank-stake.html>. Acesso em: 23 jun. 2018.
362
NEWCOMER, Eric. Uber quartely sales rose 61% to $ 2 billion amid heavy loss. Bloomberg, New York,
13 feb. 2018. Disponível em: <https://www.bloomberg.com/news/articles/2018-02-13/uber-sales-reach-7-
5-billion-in-2017-despite-persistent-turmoil>. Acesso em 23 jun. 2018. O expressivo prejuízo que a Uber
teve em 2017 não é um acidente de percurso, mas a continuação de um processo que ocorre há 7 anos e que
totaliza perdas que superam US$ 17 bilhões. Debate-se como a Uber pode ser considerada uma empresa tão
144
A Uber anuncia que “oferece uma plataforma tecnológica para que motoristas
parceiros se conectem de forma fácil e descomplicada a usuários que buscam viagens
acessíveis e confiáveis”363. A plataforma afirma que é fornecedora de serviços de tecnologia
e nega ser uma empresa de transporte, um aplicativo de táxi, um serviço de carona paga ou
remunerada, empregar os motoristas e ser proprietária dos carros364.
valiosa e continuar recebendo investimentos, apesar dos resultados apresentados. Há posicionamento que
identifica o fato de negócios na área da tecnologia iniciarem as suas atividades com perdas financeiras, tanto
para subsidiar os produtos ou serviços, como para ganhar visibilidade e participação no mercado. Isso ganha
maior importância em setores que os investidores buscam atingir efeitos de rede, em que se obtém ganhos
para todos os usuários de determinado serviço nos casos em que um consumidor adicional decide utilizá-lo.
No caso da Uber, um grande número de clientes cadastrados torna atrativo para motoristas realizarem
viagens por meio desse aplicativo. Da mesma forma, o aumento da oferta de motoristas faria com que as
corridas ficassem mais fáceis de serem pedidas e mais baratas, ampliando os incentivos para novos
trabalhadores ingressarem na plataforma. O efeito em rede permitiria que a Uber ganhasse escala e,
consequentemente, ter ganhos que compensassem as perdas iniciais (PRASSL, Jeremias. op. cit., p. 22-23).
Por outro lado, há análise que a Uber faz um movimento para monopolizar o mercado de transporte
individual de passageiros. Hubert Horan afirma que a plataforma não tem capacidade de auferir lucros de
forma sustentável em um mercado competitivo e que, para conseguir o retorno dos mais de US$ 17 bilhões
já investidos, terá de alcançar uma posição dominante no mercado para explorar condutas anticompetitivas.
O autor destaca que o crescimento da empresa foi baseado em elevados níveis de subsídios de investimento
predatório e que, apesar de terem oferecido benefícios temporários para clientes e motoristas, não são
sustentáveis. O objetivo da Uber seria atingir a dominância de um setor desregulado sob a perspectiva de
uma política não competitiva e da eliminação de todos os instrumentos legais e regulatórios que garantem
bem-estar econômico (HORAN, Hubert. Will the growth of Uber increase economic welfare?
Transportation Law Journal, v. 44, 2017, p. 38-44, 64-66).
363
UBER. Fatos e dados sobre a Uber. cit.
364
Id. Ibid.; Id. Termos e condições gerais dos serviços de intermediação digital. cit., p. 1.
365
Id. Fatos e dados sobre a Uber. cit.; Id. Como pedir um Uber sem precisar instalar o aplicativo. Disponível
em: <https://www.uber.com/pt-BR/blog/pedir-uber-sem-baixar-aplicativo>. Acesso em: 26 jun. 2018.
145
366
UBER. Como funciona a verificação de segurança na Uber. Disponível em: <https://www.uber.com/pt-
BR/drive/resources/duvidas-solucoes-aluguel-veiculos-uber/>. Acesso em: 26 jun. 2018.
367
Id. Saiba tudo sobre a documentação para o CONDUAPP. Disponível em: <https://www.uber.com/pt-
BR/drive/sao-paulo/resources/conduapp/>. Acesso em 25 jun. 2018.
368
Id. Aluguel de veículos. Disponível em: <https://www.uber.com/pt-BR/drive/resources/aluguel-veiculos-
uber/>. Acesso em 25 jun. 2018.
369
Id. Termos e condições gerais dos serviços de intermediação digital. cit., p. 1. De acordo com os termos e
condições gerais dos serviços de intermediação digital, “caso exista indivíduos que pretendam utilizar o
Aplicativo de Motorista diretamente vinculados à sua conta, você garante que eles concordam em ser
vinculados por estes Termos antes de utilizá-lo (e como parte dos Serviços, eles receberão estes Termos e
um Adendo de Motorista no Aplicativo de Motorista, os quais eles deverão aceitar antes que possam ser
conectados a Viagens)” (Id. Ibid., p. 2).
146
370
UBER. Requisitos para os motoristas parceiros. Disponível em: <https://www.uber.com/pt-
BR/drive/requirements/>. Acesso em: 24 jun. 2018
371
Id. UberBLACK. Disponível em: <https://www.uber.com/pt-BR/ride/uberblack/>. Acesso em: 24 jun. 2018.
372
Id. Fatos e dados sobre a Uber. cit.; Id. UberBLACK. cit.; Id. UberX. Disponível em:
<https://www.uber.com/pt-BR/ride/uberx/>. Acesso em: 24 jun. 2018; Id. UberSELECT. Disponível em:
<https://www.uber.com/pt-BR/ride/uberselect/>. Acesso em: 24 jun. 2018; Id. UberBAG. Disponível em:
<https://www.uber.com/pt-BR/blog/sao-paulo/a-uber-tem-uma-grande-novidade-pra-voce/>. Acesso em:
24 jun. 2018.
147
ventura tenha em face do trabalhador que se envolva em sinistro e que, em caso de acidente,
é dever do motorista fornecer toda a documentação relacionada ao caso e cooperar com a
seguradora da plataforma373.
Ainda, a plataforma exige que os motoristas mantenham as seguintes coberturas: (i)
seguro comercial de responsabilidade civil para automóveis para proteger terceiros de lesões
corporais e danos; (ii) seguro comercial de responsabilidade civil para proteger terceiros de
danos pessoais, publicidade e danos; e (iii) seguro de compensação ao trabalhador ou seguro
de acidente de trabalho e doença ocupacional374.
O serviço ocorre da seguinte maneira: (i) o consumidor abre o aplicativo, insere a
sua localização, manualmente ou por meio do GPS, aponta o destino desejado, indica o tipo
de serviço que deseja, recebe a informação do valor estimado e solicita a viagem – o
chamado também pode ser feito pelo navegador em telefone celular, tablet ou computador;
(ii) a Uber procura pelos motoristas mais próximos e oferece a viagem até alguém aceitá-la;
(iii) quando o motorista recebe a oferta da viagem, não tem conhecimento de quem é o
passageiro e do destino; (iv) ao assumir a realização da corrida, o motorista desloca-se até o
local em que o passageiro se encontra; (v) a partir do embarque no veículo, considera-se
iniciada a corrida e o motorista transporta o cliente até o destino desejado; (vi) o pagamento
é feito com dinheiro ou cartão (esse dado deve ser informado pelo passageiro antes do início
da viagem) e cliente e motorista podem avaliar um ao outro, anonimamente, em uma escala
de uma a cinco estrelas375.
O preço de cada viagem é calculado a partir da soma da tarifa-base, do valor por
quilômetro rodado (x R$/km) e do valor por tempo de deslocamento (x R$/min). Há uma
tarifa mínima cobrada independentemente da distância e tempo da viagem. A Uber
determina esses parâmetros sem debate com os motoristas e indica que o faz a título de
recomendação376.
O valor total devido ao trabalhador é calculado após o desconto da taxa da plataforma,
que varia conforme a categoria do serviço. Até junho de 2018, os valores da taxa eram os
seguintes: (i) para UberX e UberSELECT, de 25% do total da viagem; (ii) para UberBLACK,
373
UBER. Seguro para passageiros e motoristas parceiros na plataforma da Uber no Brasil. Disponível em:
<https://www.uber.com/pt-BR/blog/belo-horizonte/seguro-para-passageiros-e-motoristas-parceiros-na-
plataforma-da-uber-no-brasil/>. Acesso em: 25 jun. 2018; Id. Termos e condições gerais dos serviços de
intermediação digital. cit., p. 8.
374
Id. Seguro para passageiros e motoristas parceiros na plataforma da Uber no Brasil., cit.
375
Id. Termos e condições gerais dos serviços de intermediação digital. cit, p. 2-3.
376
Id. Dúvidas e perguntas frequentes. Disponível em: <https://www.uber.com/pt-BR/drive/resources/duvidas-
solucoes-aluguel-veiculos-uber/>. Acesso em: 26 jun. 2018; Id. Termos e condições gerais dos serviços de
intermediação digital. cit., p. 3-4.
148
de 20%; (iii) para UberPOOL, de 10% quando só houver um passageiro e de 30% com mais
de um. A partir de julho de 2018, a taxa passou a ser variável conforme o tempo e a distância
da viagem, sendo maior nas viagens mais longas e menor nas mais curtas. Segundo a
empresa, a taxa pode cair até 1%. Os motoristas relatam que há casos em que o valor chega
a 40%377.
A plataforma também adota o preço dinâmico, um mecanismo que aumenta o valor
das viagens conforme o incremento da demanda por parte dos passageiros em uma
determinada área, estimulando que motoristas se dirijam até esse local. A determinação do
preço dinâmico ocorre por meio de um algoritmo, com o objetivo de equilibrar oferta e
demanda por veículos. Para as viagens solicitadas nesses locais, aplica-se um multiplicador
à tarifa-base, tempo e distância percorridos. Por meio do mapa existente no aplicativo, o
motorista identifica as áreas com preço dinâmico e o multiplicador do valor das viagens378.
O pagamento da viagem é feito pelo usuário à Uber que, por sua vez, remunera os
motoristas de duas formas: (i) depósitos bancários semanais, às quintas-feiras, dos valores
dos trajetos realizados em um ciclo semanal (que tem início às 20h da segunda-feira até às
19h59 da segunda-feira seguinte) descontados eventuais valores devidos à plataforma; (ii)
transferências, que ocorrem fora do cronograma semanal de repasses e enseja o pagamento
de todo o saldo disponível do motorista em seu cartão de débito, sendo que o prazo varia de
acordo com o banco. Nos casos em que o usuário paga a viagem em dinheiro, a taxa da Uber
é deduzida de outros pagamentos eletrônicos. Caso seja insuficiente, o motorista deve pagar
à Uber os valores das taxas devidas por outros meios, como transferência bancária. Se o
saldo do trabalhador ficar negativo por mais de uma semana, a plataforma pode suspender a
sua conta. Em relação à forma em que o pagamento das viagens é feito, a plataforma se
considera um agente limitado de cobrança de pagamento. A Uber afirma que o motorista
tem o direito de cobrar do usuário um valor pela realização da viagem, mas aponta que a
aceitação em realizar uma corrida implica a concordância de cobrar do usuário o valor
recomendado. É possível um outro valor, porém somente se for menor que o recomendado.
377
VALOR ECONÔMICO. Uber extingue taxa fixa cobrada de motoristas. Valor Econômico, São Paulo, 02
jul. 2018. Disponível em: <https://www.valor.com.br/empresas/5633831/uber-extingue-taxa-fixa-cobrada-
de-motoristas>. Acesso em: 23 jul. 2018; UBER. Dúvidas e perguntas frequentes. Disponível em:
<https://www.uber.com/pt-BR/drive/resources/duvidas-solucoes-aluguel-veiculos-uber/>. Acesso em: 26
jun. 2018; Id. Termos e condições gerais dos serviços de intermediação digital. cit., p. 3-4. A cláusula 7.2
estabelece que “ao aceitar uma Viagem, Você declara sua concordância em cobrar do Usuário o valor
recomendado por nós como seu agente”.
378
Id. O que é preço dinâmico. Disponível em: <https://help.uber.com/pt_BR/h/e9375d5e-917b-4bc5-8142-
23b89a440eec>. Acesso em: 01 jul. 2018; Id. Perguntas e respostas sobre o preço dinâmico. Disponível em:
<https://www.uber.com/pt-BR/blog/aracaju/perguntas-e-respostas-sobre-o-preco-dinamico/>. Acesso em:
01 jul. 2018.
149
379
UBER. Dúvidas e perguntas frequentes. cit.; Id. Em que dia é feito o repasse semanal? Disponível em:
<https://help.uber.com/pt_BR/h/42973e65-45a8-4aaf-90d5-d3e97ab61267>. Acesso em: 08 set. 2018; Id.
Os preços das viagens incluem uma gorjeta? Disponível: <https://help.uber.com/pt_BR/h/c23aa32f-f9fc-
4671-b2cc-e419d67fe8f9>. Acesso em: 08 set. 2018; Id. Termos e condições gerais dos serviços de
intermediação digital. cit., p. 3-4. De acordo com a cláusula 7.2 dos termos e condições gerais dos serviços
de intermediação digital, o motorista “nomeia a Uber como seu agente limitado de cobrança de pagamento
unicamente com a finalidade de aceitar o Pagamento do Usuário através da funcionalidade de processamento
de pagamentos facilitada pelos nossos Serviços, e o Pagamento do Usuário feito à nós (atuando como seu
agente limitado de cobrança) será considerado como se o Usuário pagasse diretamente à Você. O Pagamento
do Usuário é o único pagamento que será feito à Você por um Usuário por uma Viagem específica” (Id.
Ibid, p. 4). Especificamente sobre as alterações de preço e da taxa de serviço, os referidos termos destacam
que “A UBER ENVIARÁ À VOCÊ UMA NOTIFICAÇÃO SOBRE QUALQUER ALTERAÇÃO EM
QUALQUER DOS VALORES DO PREÇO BASE, DISTÂNCIA E/OU TEMPO, ASSIM COMO NO
PREÇO FIXO E NO PREÇO MÍNIMO DE CADA VIAGEM. A SUA UTILIZAÇÃO DOS SERVIÇOS
DA UBER APÓS QUALQUER MUDANÇA NO CÁLCULO DO PREÇO SERÁ INTERPRETADA
COMO CONCORDÂNCIA SUA EM RELAÇÃO À MENCIONADA ALTERAÇÃO” e “A UBER
RESERVA O DIREITO DE AJUSTAR A FORMA COMO A TAXA DE SERVIÇO É CALCULADA E
A PARCELA FIXA A QUALQUER TEMPO, A CRITÉRIO EXCLUSIVO DA UBER, COM BASE NAS
CONDIÇÕES E FATORES DO MERCADO LOCAL” (Id. Ibid., p. 6, destaques do autor).
380
Id. Termos e condições gerais dos serviços de intermediação digital. cit., p. 6.
381
ALOISI, Antonio. op. cit., p. 673; UBER. Termos e condições gerais dos serviços de intermediação digital.
cit., p. 7. Em relação ao plano de dados, a Uber afirma nos termos e condições gerais dos serviços de
intermediação digital (cláusula 8) que “note que utilizar nossos Serviços poderá consumir uma quantidade
alta de dados, e recomendamos que você utilize um plano de dados ilimitado, ou no mínimo, com limites
muito altos de utilização de dados. Nós não cobriremos nenhuma taxa, custo ou excessos de uso associados
ao seu plano de dados” (Id. Ibid., p. 7).
150
em que ao final de cada viagem, os usuários podem dar notas de uma a cinco estrelas aos
motoristas, assim como apresentar comentários sobre a viagem. A avaliação do trabalhador
é calculada com base na média das notas recebidas nas últimas 500 viagens ou em todas as
viagens, se o total for menor de 500. Se o motorista atingir uma média inferior à nota mínima
estabelecida pela Uber na cidade em que dirige (varia entre 4,6 a 4,7, dependendo do local),
perde-se o acesso à conta. Outros elementos que a plataforma leva em consideração são as
taxas de cancelamento e de aceitação. A primeira refere-se à situação em que o trabalhador
aceita a corrida e depois a cancela. A Uber preocupa-se com isso, pois “minimizar
cancelamentos é fundamental para a confiabilidade do sistema”382. A taxa é calculada de
acordo com o número total de viagens aceitas e cada cidade tem uma média admitida que,
caso ultrapassada, leva à desativação da conta. No geral, a Uber recomenda uma taxa de
cancelamento menor que 10%. A segunda é a proporção de viagens que foram oferecidas e
o motorista aceitou fazê-las. A plataforma destaca que uma taxa de aceitação elevada é
importante para o oferecimento “de um serviço confiável e de alta qualidade” 383 .
Recomenda-se que os trabalhadores mantenham a taxa acima de 90%384.
O trabalhador ter uma boa avaliação pode torná-lo “motorista VIP”. Trata-se de um
programa existente em algumas cidades brasileiras, em que os motoristas com boas notas
são conectados aos usuários mais frequentes da Uber. As sugestões feitas aos trabalhadores
para que se tornem “motoristas VIP” são: ser educado, manter o carro limpo, perguntar para
o passageiro sobre o ar condicionado e dirigir com cuidado e atenção. As vantagens do
programa são: aumento no número de chamadas, maior segurança, mais benefícios e menor
tempo de espera nos aeroportos385.
No tocante à segurança, a plataforma coloca que não admite o contato físico entre
motorista e usuários, o uso de linguagem ou gestos inapropriados, o contato indesejado com
usuários após o término da viagem e a violação da lei enquanto usa a Uber, bem como espera
que a condução seja feita com segurança. A constatação de práticas violentas, abusivas,
assediadoras, discriminatórias, ilegais ou impróprias levam à desativação da conta386.
382
UBER. Como funcionam as taxas de aceitação e cancelamento. Disponível em: <https://www.uber.com/pt-
BR/blog/como-funciona-taxa-aceitacao-cancelamento/>. Acesso em: 27 jun. 2018
383
Id. Ibid.
384
Id. Código de conduta da comunidade Uber. Disponível em: <https://www.uber.com/legal/community-
guidelines/br-pt/>. Acesso em 27 jun. 2018; Id. Como funcionam as taxas de aceitação e cancelamento. cit.;
Id. Termos e condições gerais dos serviços de intermediação digital. cit., p. 2-3.
385
Id. Como funciona o Uber VIP. Disponível em: <https://www.uber.com/pt-BR/blog/saiba-como-funciona-
uber-vip/>. Acesso em: 27 jun. 2018.
386
Id. Código de conduta da comunidade Uber. cit.
151
A plataforma tem uma política de não admitir motoristas que dirijam sob o efeito de
álcool ou drogas ilícitas e que carregam armas de fogo. Ainda, classificam como atividades
inaceitáveis transportar passageiros que não estão cadastrados na plataforma enquanto o
aplicativo é utilizado, descumprir os termos e condições gerais dos serviços de
intermediação digital que os motoristas aceitam quando ocorre o cadastro na Uber (ou
quando realizam uma corrida após a atualização dos termos, o que é tido como aceitação do
novo conteúdo), oferecer serviços de transporte fora do aplicativo para clientes durante
viagem feita pelo aplicativo e instalar câmeras de vídeo internas no veículo. A contrariedade
a essas diretrizes leva à exclusão da plataforma387.
A Uber rejeita atividades fraudulentas por entender que a relação construída entre a
plataforma, motorista e usuário é fundada na confiança e qualquer conduta que a coloque
em risco é repudiada. Entende-se como fraude o aumento deliberado de tempo ou distância
das corridas, o registro de perfis falsos para burlar o sistema e a solicitação de pagamento
indevidos. A plataforma aponta como igualmente inadmissível a utilização de veículo não
cadastrado para a realização de viagem ou a permissão do uso da conta por terceiro. Há
grande preocupação em relação a esse último aspecto, dado que a Uber menciona como
medida de segurança a verificação de identidade dos motoristas, ao exigirem que façam fotos
de si próprios periodicamente quando acessam o aplicativo. Da mesma forma, a constatação
de qualquer dessas situações é motivo para desativação da conta388.
Em algumas cidades, a Uber exige que os veículos circulem pela cidade com
identificação da plataforma, geralmente um adesivo. Em São Paulo, o Decreto n. 58.595/19
introduziu o art. 15-D, V no Decreto n. 56.981/16, e condicionou a emissão do CSVAPP ao
uso de “dístico identificador das OTTCs”389.
A plataforma monitora de forma detalhada a movimentação física dos trabalhadores.
Sob a justificativa de promover a direção segura, a Uber desenvolveu um código que mede
os indicadores de condução dos motoristas, utilizando dados relativos à aceleração e
frenagem dos veículos. A velocidade é medida por meio do GPS existente nos telefones
celulares dos motoristas e a aceleração e frenagem, por meio do tratamento das informações
do GPS, obtendo estatísticas sobre essas situações. Esse processo também leva em conta as
387
UBER. Código de conduta da comunidade Uber. cit.; Id. Políticas e regras. Disponível em:
<https://www.uber.com/pt-BR/drive/resources/regras/>. Acesso em: 28 jun. 2018.
388
Id. Código de conduta da comunidade Uber. cit. Id. Segurança das viagens. Disponível em:
<https://www.uber.com/pt-BR/ride/safety/>. Acesso em: 30 jun. 2018.
389
OTTCs são as operadoras de tecnologia de transporte crendenciadas, ou seja, as plataformas de transporte.
152
390
UBER. How Uber engineering increases safe driving with telematics. Disponível em:
<https://ubereng.wpengine.com/telematics/>. Acesso em: 17 set. 2018.
391
Id. Conheça mais sobre a Uber e veja por que vale a pena ser um motorista parceiro. Disponível em:
<https://www.uber.com/pt-BR/blog/dirigir-uber-vale-a-pena/>. Acesso em: 01 jul. 2018.
392
Tendo como referência o trimestre setembro, outubro e novembro, a taxa de desocupação no Brasil foi de
6,5% em 2014, 9% em 2015, 11,9% em 2016, 12% em 2017 e 11,6% em 2018 (INSTITUTO BRASILEIRO
DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA. Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua: Trimestre
móvel Set.-Nov. 2018. 28 dez. 2018. Disponível em:
<https://biblioteca.ibge.gov.br/visualizacao/periodicos/3086/pnacm_2018_nov.pdf>. Acesso em: 06 jan.
2019). Em relação ao Produto Interno Bruto, o Brasil apresentou crescimento de 0,5% em 2014, queda de
3,5% em 2015 e 2016, crescimento de 1,0% em 2017 e de 0,8% até setembro de 2018 (INSTITUTO
BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA. PIB avança 1,0% em 2017 e fecha ano em R$ 6,6
trilhões. 01 mar. 2018. Disponível em: <https://agenciadenoticias.ibge.gov.br/agencia-sala-de-
imprensa/2013-agencia-de-noticias/releases/20166-pib-avanca-1-0-em-2017-e-fecha-ano-em-r-6-6-
153
os trabalhadores apontam o motivo pelo qual procuraram esse trabalho: 28,4% afirma que
não consegue encontrar outra atividade e 32,4% aponta que o pagamento em outros trabalhos
é pior. Dos 68,6% dos motoristas que afirmaram querer trabalhar em atividade diferente do
trabalho sob demanda por meio de aplicativos, 60% colocaram que não o faz por inexistir
trabalho disponível. Ainda, 77,5% dos trabalhadores é economicamente dependente da Uber.
A carga horária dos motoristas é alta: 53% trabalha mais de 10 horas por dia.
Levando em consideração somente os trabalhadores que têm o trabalho sob demanda por
meio de aplicativos como sua principal fonte de renda, o número sobe para 60,8%. Quase
metade (49%) fica de 1 a 2 horas por dia em atividades não pagas, como aguardar o
recebimento de chamadas e deslocar-se até um passageiro para iniciar uma corrida. A
maioria (68,6%) trabalha mais de 5 dias na semana. Os trabalhadores realizam
aproximadamente 19 viagens por dia.
Em relação aos rendimentos, 43,1% ganha até R$ 200,00 por dia e 56,9%, mais de
R$ 200,00 até R$ 400,00. Em relação às despesas fixas diárias, como combustível, 8,8%
gasta mais de R$100,00 até R$ 200,00, 55,9% gasta mais de R$ 50,00 até R$ 100,00 e 35,3%
gasta até R$ 50,00. De acordo com os relatos apresentados pelos motoristas, ganha-se em
média entre R$ 20,00 e R$ 25,00 por hora393.
A maior parte dos trabalhadores (55,9%) define a carga horária diária conforme a
meta de ganhos que estabelecem e cujo montante é destinado ao pagamento de contas, como
trilhoes>. Acesso em: 06 jan. 2019; INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA. PIB
cresce 0,8% e chega a R$ 1,716 trilhão no 3º tri de 2018. 30 nov. 2018. Disponível em:
<https://agenciadenoticias.ibge.gov.br/agencia-sala-de-imprensa/2013-agencia-de-noticias/releases/23251-
pib-cresce-0-8-e-chega-a-r-1-716-trilhao-no-3-tri-de-2018>. Acesso em: 06 jan. 2019).
393
Para efeitos de comparação, Stephen Zoepf realizou pesquisa com 1.100 motoristas da Uber nos EUA no
intuito de apurar o valor obtido com o trabalho, levando em consideração os custos de adquirir, operar e
manter um veículo. Segundo os dados apresentados, os trabalhadores ganham em média US$ 8,55 (oito
dólares americanos e cinquenta e cinco centavos) por hora. Para 54% dos motoristas, a renda auferida na
Uber é menor que o salário mínimo estadual e 8% perde dinheiro (ZOEPF, Stephen. The economics of ride
hailing, revisited. 2018. Disponível em: <http://ceepr.mit.edu/files/papers/2018-
005%20Authors%20Statement.pdf>. Acesso em: 11 set. 2018). O lançamento do estudo de Stephen Zoepf
causou intenso debate na opinião pública. Inicialmente, apontava-se que os trabalhadores ganhavam
US$ 3,37 por hora, sendo que 74% dos trabalhadores ganhavam menos do que o salário mínimo estadual e
30% perdia dinheiro (ZOEPF, Stephen; CHEN, Stella; ADU, Paa; POZO, Gonzalo. The economics of ride-
hailing: driver revenue, expenses and taxes. 2018. Disponível em:
https://orfe.princeton.edu/~alaink/SmartDrivingCars/PDFs/Zoepf_The%20Economics%20of%20RideHial
ing_OriginalPdfFeb2018.pdf. Acesso em 11 set. 2018). Após a sua divulgação, o economista-chefe da
plataforma, Jonathan Hall, publicou texto com críticas à metodologia (HALL, Jonathan. An analysis of
CEEPR’s paper on “The economics of ride-hailing”. 2018. Disponível em: <https://medium.com/uber-
under-the-hood/an-analysis-of-ceeprs-paper-on-the-economics-of-ride-hailing-1c8bfbf1081d>. Acesso em:
11 set. 2018). Jonathan Hall apontou o que considerava erros e afirmou que, pelos dados obtidos por Stephen
Zoepf, os motoristas da Uber ganhavam entre US$ 13,04 e US$ 16,53. Stephen Zoepf respondeu o texto
acolhendo a crítica metodológica, mas ressaltou que os números obtidos ainda eram menores do que os
apontados por Jonathan Hall, como indicado acima.
154
394
ROSENBLAT, Alex; STARK, Luke. Algorithmic labor and information asymmetries: a case study of
Uber’s Drivers. International Journal of Communication, v. 10, p. 3762, 2016.
395
Id. Ibid., p. 3763; CALO, Ryan.; ROSENBLAT, Alex. The Taking Economy: Uber, Information, and Power.
Columbia Law Review, v. 117, n. 6, p. 1661, October 2017.
396
ROSENBLAT, Alex; STARK, Luke. op. cit., p. 3764.
155
397
ROSENBLAT, Alex; STARK, Luke. op. cit., p. 3764, tradução nossa de: “buffers the narrative of freedom
and choice that Uber promotes to its drivers, while simultaneously masking a hierarchy in which select
drivers are invited to earn more based on opaque criteria. Drivers have the freedom to drive at “flexible”
hours at lower rates, but their flexibility is tailored to and dependent on demand as well as on the viability
of base rates”.
398
PRASSL, Jeremias, op. cit., p. 61.
399
ROSENBLAT, Alex; STARK, Luke. op. cit., p. 3765.
400
Id. Ibid., p. 3765.
156
401
ROSENBLAT, Alex; STARK, Luke. op. cit., p. 3766.
402
Id. Ibid., p. 3766-3767.
403
Id. Ibid., p. 3768.
157
404
ROSENBLAT, Alex; STARK, Luke. op. cit., p. 3768.
405
Id. Ibid., p. 3771.
406
Id. Ibid., p. 3772.
158
407
ABILIO, Ludmila Costek. op. cit.
159
408
UBER. Another step to prevent drowsy driving. Disponível em:
<https://www.uber.com/newsroom/drowsydriving/>. Acesso em: 08 jul. 2018; SADOWSKI, Christopher.
Uber drivers working up to 19 hours just to get by. New York Post, New York, 07 feb. 2016. Disponível:
<https://nypost.com/2016/02/07/uber-drivers-working-up-to-19-hours-a-day-just-to-get-by/>. Acesso em:
08 jul. 2018; SIDDIQUI, Faiz. Uber mandates a six-hour rest period for frequent drivers. The Washington
Post, Washington, 12 feb. 2018. Disponível: <https://www.washingtonpost.com/news/dr-
gridlock/wp/2018/02/12/uber-mandates-a-six-hour-rest-period-for-frequent-
drivers/?noredirect=on&utm_term=.76c56ae735ae>. Acesso em 08 jul. 2018.
409
Id. Termos e condições gerais dos serviços de intermediação digital. cit., p. 2.
410
SCHEIBER, Noam. How Uber uses psychological tricks to push its drivers’ buttons. The New York Times,
New York, 02 apr. 2017. Disponível em:
<https://www.nytimes.com/interactive/2017/04/02/technology/uber-drivers-psychological-tricks.html>.
Acesso em 10 out. 2017.
411
Id. Ibid.
160
412
SCHEIBER, Noam. op. cit.
413
FOWLER, Susan. “What Have We Done?”: Silicon Valley Engineers Fear They’ve Created a Monster.
Vanity Fair, New York, sept. 2018. Disponível em: <https://www.vanityfair.com/news/2018/08/silicon-
valley-engineers-fear-they-created-a-monster>. Acesso em: 11 set. 2018.
414
SCHEIBER, Noam. op. cit.
415
UBER. Clube 6 estrelas: o exclusivo clube de vantagens dos melhores motoristas parceiros da Uber.
Disponível em: <https://www.uber.com/pt-BR/blog/rio-de-janeiro/clube-6-estrelas-rio-de-janeiro-2/>.
Acesso em: 07 dez. 2018; Id. Clube 6 estrelas: o exclusivo clube de vantagens dos melhores motoristas
parceiros da Uber. Disponível em: <https://www.uber.com/pt-BR/blog/salvador/6-estrelas-ssa/>. Acesso
em: 07 dez. 2018.
161
Miriam Cherry afirma que a estrutura do trabalho na Uber aponta que diversas
atividades são invisíveis, sejam as que não se consideram para efeitos de remuneração –
como o motorista ficar online aguardando o recebimento de oferta para realizar uma viagem
–, sejam as que não são reconhecidas como trabalho. A caracterização da atividade do
motorista como empreendedora vai no mesmo sentido, esvaziando o conteúdo laboral do ato
de dirigir em troca do pagamento de valores. O fato de os trabalhadores terem de se
comportar conforme as diretrizes da empresa, esforçando-se para fazer da viagem uma
experiência agradável para o cliente – o que se denomina por trabalho emocional -, não é
considerado como atividade produtiva e é igualmente tornado invisível pela estrutura
posta416.
A dinâmica que a plataforma imprime nos termos e condições de serviço de
intermediação digital é outro elemento que demonstra a disparidade de forças na relação
entre a Uber e os motoristas. Além desses termos serem estabelecidos unilateralmente pela
empresa, há mudanças frequentes em seu conteúdo, com as quais os trabalhadores devem
concordar assim que acessam o aplicativo. Muitas vezes se alteram questões significativas,
como a fórmula de cálculo do preço das viagens, é dado o aceite para se realizar as viagens
e os termos são lidos posteriormente. Há casos em que são fixados termos mais agressivos
e, após um determinado período, retorna-se à situação anterior. A ausência de registro dos
termos que regem cada tempo da relação deixa os trabalhadores em desvantagem, dado que
lhes é disponibilizada somente a última versão. Nesse sentido, fica evidente que os
motoristas têm dificuldade em acompanhar as constantes mudanças e a complexidade dos
termos, o que deixa a plataforma com maior domínio da situação417.
416
CHERRY, Miriam. People Analytics and Invisible Labor. cit., p. 12-14.
417
CALO, Ryan; ROSENBLAT, Alex. op. cit., p. 1630; 1660-1661.
162
418
UNITED STATES DISTRICT COURT, N.D. CALIFORNIA. Douglas O’Connor, et. al, Plaintffs v. Uber
Technologies, Inc., et. al., Defendants. Mar. 2015. Disponível em:
<https://h2o.law.harvard.edu/collages/42126/export>. Acesso em: 30 set. 2017, tradução nossa de: “Uber is
no more a "technology company" than Yellow Cab is a "technology company" because it uses CB radios to
dispatch taxi cabs, John Deere is a "technology company" because it uses computers and robots to
manufacture lawn mowers, or Domino Sugar is a "technology company" because it uses modern irrigation
techniques to grow its sugar cane. Indeed, very few (if any) firms are not technology companies if one
focuses solely on how they create or distribute their products. If, however, the focus is on the substance of
what the firm actually does (e.g., sells cab rides, lawn mowers, or sugar), it is clear that Uber is most
certainly a transportation company, albeit a technologically sophisticated one”.
419
JUDICIARY. Mr Y Aslam, Mr J Farrar and Others – V – Uber. Oct. 2016. Disponível em:
<https://www.judiciary.uk/wp-content/uploads/2016/10/aslam-and-farrar-v-uber-employment-judgment-
20161028-2.pdf>. Acesso em: 20 set. 2018, p. 27, tradução nossa de: “it is, in our opinion, unreal to deny
that Uber is in business as a supplier of transportation services. [...] Moreover, the Respondents’ case here
is, we think, incompatible with the agreed fact that Uber markets a ‘product range’. One might ask: Whose
product range is it if not Uber’s? The ‘product’ speaks for themselves: they are a variety of driving services.
Mr Aslam does not offer such a range. Nor does Mr Farrar, or any other solo driver. The marketing self-
evidently is not done for the benefit of any individual driver. Equally self-evidently, it is done to promote
Uber’s name and ‘sell’ its transportation services”.
420
Id. Ibid., tradução nossa de: “The notion that Uber in London is a mosaic of 30,000 small business linked by
a common ‘plataform’ is to our minds faintly ridiculous. In each case, the ‘business’ consists of a man with
a car seeking to make a living by driving it”.
163
421
UBER. Everyone’s private driver. Disponível em: <https://vimeo.com/58800109>. Acesso em: 07 dez. 2018,
tradução nossa de: “Everyone’s private driver […] Uber’s mission is to go to every major city in the world
and roll out an efficient, convenient, elegant transportation system”.
422
COURT OF JUSTICE OF THE EUROPEAN UNION. Case C-434/15. Dec. 2017. Disponível em:
http://curia.europa.eu/juris/document/document.jsf;jsessionid=9ea7d0f130dcb236077b2ccb4eac82eea27b
3c4d851c.e34KaxiLc3eQc40LaxqMbN4Pbh0Ke0?text=&docid=198047&pageIndex=0&doclang=en&mo
de=lst&dir=&occ=first&part=1&cid=634146. Acesso em: 20 set. 2018, tradução nossa de: “That
intermediation service must thus be regarded as forming an integral part of an overall service whose main
component is a transport service and, accordingly, must be classified not as ‘an information society service’
[…] but as ‘a service in the field of transport’”.
423
TOMASSETTI, Julia. op. cit., p. 27-28.
164
outros empregados para que os consumidores recebam serviço rápido e sem repetição. Nesse
sentido, ainda que cada um dos consumidores de cada mesa receba os serviços
individualmente, o atendimento realizado é fruto do trabalho coletivo. Da mesma forma, a
Uber coordena uma complexa divisão do trabalho no espaço e no tempo para oferecer
serviços de transporte. Contudo, a natureza coletiva do trabalho é mais difícil de ser
identificada quando os trabalhadores não estão no mesmo espaço e os consumidores
visualizam o recebimento do serviço de forma individual. A autora ainda pontua que a
aparência de que o trabalho é feito individualmente contribui para a impressão de o
trabalhador ser o proprietário dos meios de produção, especialmente por ser o dono do
veículo. Entretanto, o instrumento mais importante para viabilizar a atividade é a tecnologia
fornecida pela empresa424.
Julia Tomassetti acrescenta que a plataforma não é uma empresa que procura
maximizar os lucros a partir da produção e comercialização de bens e serviços. A Uber é
uma empresa que tem como objeto a venda de corridas e representa a emergência da
corporação pós-industrial, em que o objetivo é obter lucro por meio de outros mecanismos,
como especulação, burla da lei, evasão de divisas e manipulação de ativos425.
A burla legal é a manipulação da estrutura de um negócio para se aproveitar do vácuo
existente entre o conteúdo das transações econômicas e o seu regramento. Trata-se de uma
forma de organização do modelo empresarial para esconder a dinâmica real das relações
econômicas dos reguladores e, desta forma, ignorar a lei. Jeremias Prassl afirma que o acesso
a um grande número de trabalhadores é essencial para viabilizar o modelo de negócios da
Uber e classificar os trabalhadores como autônomos, ao invés de empregados, permite à
plataforma oferecer serviços sem arcar com o seu custo, havendo uma transferência de
despesas e responsabilidades para os trabalhadores426.
O autor ainda pontua que a burla legal produz externalidades negativas, em que o
custo social das atividades das plataformas é maior do que o custo privado. Para exemplificar,
menciona o número de carros nas ruas aguardando por uma chamada. As plataformas
procuram ter o maior número de motoristas disponíveis para facilitar a vida de seus clientes.
Contudo, os motoristas são prejudicados, dado que a Uber trabalha para que a oferta supere
a demanda. Desse modo, os algoritmos da plataforma colocam os trabalhadores em um meio
de baixa produtividade para que os chamados sejam atendidos o mais rápido possível,
424
TOMASSETTI, Julia. op. cit., p. 56-57.
425
Id. Ibid., p. 34.
426
PRASSL, Jeremias. op. cit., p. 20-21.
165
427
PRASSL, Jeremias. op. cit., p. 21.
428
ROBINSON, Hillary C. op. cit., p. 5-10.
429
Id. Ibid., p. 8-12.
166
plataforma; (ii) pessoas que tinham empregos de baixa remuneração e os trocaram para
dirigir na Uber em busca de maior flexibilidade; (iii) pessoas que perderam o emprego em
razão da crise econômica e não encontraram outra ocupação equivalente no mercado de
trabalho. As principais características desse grupo são: (i) há maior conhecimento a respeito
dos gastos envolvidos em trabalhar na plataforma, como gastos com combustível e seguro;
(ii) sabe-se com precisão a porcentagem que a Uber retém como taxa em cada viagem; (iii)
há ciência das mudanças feitas no modelo de negócios, como o valor pago por minuto e por
quilômetro de viagem e a inserção de novas modalidades de serviço, como o UberPool430.
Na pesquisa feita por Juliet Schor, William Attwood-Charles, Mehmet Cansoy, Isak
Ladegaard e Robert Wengronowitz, foi realizada análise da situação de motoristas de
aplicativos, como da Uber e Lyft. Os trabalhadores colocaram que para receber o mesmo
valor que o salário de um motorista de ônibus, é necessário dirigir nos horários de maior
movimento durante o período da manhã e da tarde e iniciar as atividades muito cedo. De
acordo com as experiências relatadas, há pouco trabalho no meio do dia e, para obter a renda
desejada, trabalha-se nos períodos em que a plataforma comunica que há maior demanda, o
que significa dirigir em horários não convencionais, como fins de semana e madrugadas.
Portanto, em vez de viabilizar o gerenciamento do tempo de forma a permitir usufruir de
atividades com a família e de lazer, os motoristas ficam circunscritos à oscilação da demanda,
o que é detectado pela experiência e pelas informações dadas pelo aplicativo, não tendo o
que fazer quando a maioria das pessoas está trabalhando e dirigindo nos momentos em que
os demais estão com tempo livre431.
Os trabalhadores também relatam que a constante alteração das regras – como o
sistema de avaliação - e dos preços estabelecidos pela plataforma causam ansiedade e
insegurança. Primeiramente, porque pode afetar a média de notas dos motoristas e
comprometer a permanência na empresa. Em segundo lugar, por criar dificuldades na
previsão da renda média possível de se obter. Essas mudanças ocorrem a partir de decisões
unilaterais feitas pela plataforma sem que os trabalhadores tenham a oportunidade de se
expressarem, o que causa insatisfação432.
Na pesquisa realizada com os motoristas na cidade de São Paulo, é possível
classificar os trabalhadores entre os que dependem economicamente da Uber para
430
ROBINSON, Hillary C. op. cit., p. 10-15.
431
SCHOR, Juliet; ATTWOOD-CHARLES, William; CANSOY, Mehmet; LADEGAARD, Isak;
WENGRONOWITZ, Robert. op. cit., p. 5-15.
432
Id. Ibid., p. 10-16.
167
sobreviverem e os que têm no trabalho sob demanda por meio de aplicativos uma fonte de
renda secundária.
No primeiro grupo, entre os dependentes (77,5%), identificam-se dois subgrupos: (i)
os que procuraram a plataforma por falta de opção no mercado de trabalho; e (ii) os que
optaram por dirigir em razão dos trabalhos disponíveis oferecerem baixos salários. As
principais características desse grupo são: (i) há uma elevada carga horária, sendo que todos
trabalham mais de 40 horas semanais, 75% trabalham pelo menos 6 dias na semana
(geralmente folgando no dia do rodízio municipal na cidade de São Paulo) e 33% trabalham
mais de 60 horas por semana; (ii) o rendimento diário bruto para 64,5% é maior que
R$ 200,00 até R$ 400,00, sendo que praticamente o mesmo número (63,2%) afirmam que
não conseguem economizar nenhum valor mensalmente; (iii) há um desejo de realizar
atividades fora do trabalho sob demanda por meio de aplicativos para 74,6%, mas a ausência
de trabalho disponível (44,3%) e os baixos salários (14%) são obstáculos para os motoristas;
(iv) os custos fixos diários são controlados por 77,3%, apesar de a maioria registrar como tal
somente os valores gastos para abastecer o veículo e não levar em conta outros custos como
manutenção, limpeza e plano de dados do telefone celular; (v) número considerável de
motoristas tem receio de ser punido pela Uber (46,8%) e avalia-se negativamente o sistema
de ratings da Uber acima da média (20,2%).
Portanto, nota-se que entre os dependentes há uma elevada jornada de trabalho, os
valores recebidos são destinados única e exclusivamente à subsistência, a permanência na
plataforma decorre da falta de opções no mercado de trabalho, há um esforço para gerenciar
os ganhos e custos da atividade e os trabalhadores se preocupam com as consequências
negativas que o sistema de avaliação pode ter em suas atividades.
No segundo grupo, entre os que a Uber é uma fonte adicional de renda, há dois
subgrupos: (i) os que têm uma ocupação principal, sendo que dirigem nos intervalos
interjornadas; e (ii) aposentados. As principais características desse grupo são: (i)
considerando somente as horas trabalhadas no aplicativo, a maioria (60,9%) dirige entre 4 e
8 horas diárias e, olhando apenas para a carga horária da atividade principal, 52,2% trabalha
entre 20 e 40 horas semanais; (ii) o rendimento bruto diário da maioria (69,6%) é de até
R$ 200,00, sendo que 52,2% consegue economizar pelo menos R$ 100,00 mensalmente;
(iii) não há desejo de realizar atividades por mais tempo no trabalho sob demanda por meio
de aplicativos para 65,2%, sendo que, em relação aos que têm outra ocupação, 57,9%
prefeririam trabalhar por mais tempo em seu trabalho principal se tivessem oportunidade,
considerando o valor recebido pela hora trabalhada; (iv) os custos diários não são
168
controlados por 39,2% dos motoristas e, mesmo os que afirmam fazer, levam em conta
apenas os gastos com combustível; e (v) a maioria não tem receio de ser suspensa ou excluída
do aplicativo (78,3%) e há uma percepção positiva sobre o sistema de avaliação (69,6%).
Ou seja, entre os que têm uma outra fonte de renda principal, a jornada na Uber é
menor (apesar de ser substancialmente elevada quando se tem em vista ambas as atividades),
é possível economizar para além das necessidades de sobrevivência, há uma preferência pelo
trabalho principal, são menores os esforços para administrar os valores obtidos com a
plataforma e há uma relação de menor temor com o sistema de avaliação da plataforma.
Uma questão comum para os economicamente dependentes da Uber e para os que
têm na plataforma uma fonte de renda adicional é a baixa remuneração que o trabalho sob
demanda por meio de aplicativos lhes proporcionam. Ao se manifestarem sobre o que
deveria ser mudado em suas atividades, 39,3% do primeiro grupo afirmaram que a taxa da
Uber deveria ser menor e 24,1%, que o valor da tarifa é baixo. Em relação ao segundo grupo,
30,5% apontaram que a taxa é muito alta e 21,7%, que o preço da corrida deveria ser mais
maior.
Sobre a percentagem que a Uber fica em cada corrida, além de ser excessiva, os
motoristas questionaram a recente alteração em seu cálculo, que leva em conta tempo e a
distância da viagem, e a falta de correspondência entre o que a plataforma recebe e oferece:
“Diminuiria a taxa que a Uber recebe em cada corrida. Tecnicamente é 25%, mas em corridas
mais longas fora do horário de pico, a taxa aumenta, podendo chegar a 40%”, “aumentaria
o preço da tarifa e reduziria a taxa da Uber. A taxa da Uber mudou a forma de cobrança e
estão ficando com até 1/3 da viagem dependendo da distância e do tempo da corrida”,
“diminuiria a taxa da Uber que é muito alta somente para administrar um software” e “a taxa
da Uber é muito alta, dado que ficam com 25% das corridas. Os motoristas são penalizados
nesse modelo, dado que já têm um custo alto para manterem o carro”.
No tocante ao preço das tarifas, além do valor baixo cobrado dos passageiros, os
motoristas questionaram a falta de reajuste e a necessidade de dirigir muitas horas para ser
possível obter uma renda para subsistência: “o preço da tarifa deveria acompanhar a
oscilação do preço da gasolina e da inflação”, “melhoria da remuneração, que piorou muito
hoje em relação ao que foi no passado”, “se o preço da tarifa fosse melhor, poderia trabalhar
menos horas e se dedicar mais a outras coisas. Para ganhar o que precisa hoje, tem que
trabalhar muito”.
169
4. Crowdwork
O crowdwork é uma forma de trabalho desempenhada remotamente em plataformas
digitais, geralmente utilizada por empresas cujo modelo de negócios é vinculado à internet
e que demandam o acesso a uma multidão de trabalhadores em escala global e de maneira
pontual e esporádica433.
O crowdwork é adotado no contexto da crowdsourcing de atividades comerciais,
expressão criada por Jeff Howe para explicar novos modelos de negócios relacionados com
a internet, que estavam surgindo na segunda metade da década de 2000. De acordo com o
autor, “crowdsourcing representa o ato de uma empresa ou instituição pegar uma função
antes feita por empregados e terceirizar para uma indefinida (e geralmente grande) rede de
pessoas na forma de uma chamada aberta”434. O mesmo fenômeno também é denominado
de terceirização online, definido por Siou Chew Kuek, Cecilia Paradi-Guilford, Toks Fayomi,
Saori Imaizumi e Panos Ipeirotis, em relatório do Banco Mundial, como
a contratação de trabalhadores ou prestadores de serviços terceirizados
(geralmente estrangeiros) para fornecer serviços ou realizar tarefas em
mercados baseados na internet ou em plataformas. Esses canais mediados
pela tecnologia permitem que clientes terceirizem suas atividades pagas
para um grupo amplo, distribuído e global de trabalhadores remotos, o que
permite a realização, coordenação, controle de qualidade, entrega e
pagamento desses serviços online435.
Lilly Irani afirma que o crowdwork dissemina e democratiza a terceirização para qualquer
empresa que tenha acesso a um computador e cartão de crédito436.
A crowdsourcing pode ser interna ou externa. No primeiro caso, a própria empresa
que realiza a crowdsourcing é proprietária da plataforma e as atividades são realizadas na
433
DE STEFANO, Valerio. op. cit., p. 473-474.
434
HOWE, Jeff. Crowdsourcing: A Definition. Junho, 2006. Disponível em:
http://www.crowdsourcing.com/cs/2006/06/crowdsourcing_a.html. Acesso em: 06 jun. 2017, tradução
nossa de: “crowdsourcing represents the act of a company or institution taking a function once performed
by employees and outsourcing it to an undefined (and generally large) network of people in the form of an
open call”.
435
KUEK, Siou Chew; PARADI-GUILDORD, Cecilia; FAYOMI, Toks; IMAIZUMI, Saori; IPEIROTIS,
Panos. The global opportunity in online outsourcing. June 2015. Disponível em:
http://documents.worldbank.org/curated/pt/138371468000900555/pdf/ACS14228-ESW-white-cover-
P149016-Box391478B-PUBLIC-World-Bank-Global-OO-Study-WB-Rpt-FinalS.pdf. Acesso em 06 ago.
2018, tradução nossa de: “the contracting of third-party Workers and providers (often overseas) to supply
services or perform tasks via Internet-based marketplaces or platform. These technology-mediated channels
allow clients to outsource their paid Work to a large, distributed, global labor pool of remote Workers, to
enable performance, coordination, quality control, delivery, and payment of such services online”
436
IRANI, Lilly. Justice for “Data Janitors”. Public Books, New York, 15 jan. 2015. Disponível em:
http://www.publicbooks.org/justice-for-data-janitors. Acesso em: 11 maio. 2018.
170
intranet por seus empregados. Trata-se da situação menos comum. No segundo, as tarefas
são colocadas em uma plataforma externa de um terceiro para que trabalhadores sem relação
prévia com a empresa as executem. A maioria das plataformas de crowdwork são externas.
Ainda, há as híbridas, em que atividades são realizadas na plataforma da empresa por pessoas
recrutadas externamente437.
A relação entre o requerente, a plataforma e o trabalhador pode ser bilateral ou
trilateral. No primeiro, a empresa que demanda o serviço é responsável pela plataforma,
existindo uma relação direta com o trabalhador. Esse modelo é mais comum na
crowdsourcing interna, em que o trabalhador geralmente é empregado da empresa, ou
híbrida, situação em que é considerado como autônomo. Na relação triangular há um vínculo
entre a plataforma e o trabalhador, entre o requerente e a plataforma e entre o trabalhador e
o requerente. Em regra, o trabalhador é contratado como autônomo e se considera a
plataforma como uma intermediária que oferece serviços para empresas que querem ter um
acesso flexível a um grande número de trabalhadores438.
437
BERG, Janine. op. cit., p. 545; PRASSL, Jeremias; RISAK, Martin. Uber, Taskrabbit, and Co.: Platforms as
Employers - Rethinking the Legal Analysis of Crowdwork. cit., p. 623; WAAS, Bernd. Introduction. In:
WAAS, Bernd; LIEBMAN, Wilma; LYUBARSKY, ANDREW; KEZUKA, Katsutoshi. Crowdwork: a
comparative law perspective. Frankfurt am Main: Bund-Verlag, 2017, p. 14.
438
WAAS, Bernd. Introduction. In: WAAS, Bernd; LIEBMAN, Wilma; LYUBARSKY, ANDREW; KEZUKA,
Katsutoshi. Crowdwork: a comparative law perspective. Frankfurt am Main: Bund-Verlag, 2017, p. 14.;
WAAS, Bernd. Crowdwork in Germany. In: WAAS, Bernd; LIEBMAN, Wilma; LYUBARSKY,
ANDREW; KEZUKA, Katsutoshi. Crowdwork: a comparative law perspective. Frankfurt am Main: Bund-
Verlag, 2017, p. 144.
439
LIEBMAN, Wilma; LYUBARSKY, Andrew. Crowdworkers, the Law and the future of Work: The U.S. In:
WAAS, Bernd; LIEBMAN, Wilma; LYUBARSKY, ANDREW; KEZUKA, Katsutoshi. Crowdwork: a
comparative law perspective. Frankfurt am Main: Bund-Verlag, 2017, p 58-59.
171
440
LIEBMAN, Wilma; LYUBARSKY, Andrew, op. cit., p. 59; AMAZON MECHANICAL TURK. Human
intelligence through an API. Disponível em: <https://www.mturk.com/>. Acesso em 05 ago. 2018;
FIGUREEIGHT. We make AI work in the real world. Disponível em: <https://www.figure-eight.com/>.
Acesso em 05 ago. 2018.
441
LIEBMAN, Wilma; LYUBARSKY, Andrew, op. cit., p. 58; UPWORK. Get the talent you need in 3 days,
not 30.Disponível em: <https://www.upwork.com>. Acesso em: 05 ago. 2018; FREELANCER. Hire expert
freelancers for any job, online. Disponível em: <https://www.freelancer.com>. Acesso em 05 ago. 2018.
442
LIEBMAN, Wilma; LYUBARSKY, Andrew, op. cit., p. 59; TOPCODER. Design & build high-quality
software with crowdsourcing. Disponível em: <https://www.topcoder.com>. Acesso em: 05 ago. 2018.
443
LIEBMAN, Wilma; LYUBARSKY, Andrew, op. cit., p. 59; INNOCENTIVE. Innovate with InnoCentive.
Disponível em: <https://www.innocentive.com>. Acesso em: 05 ago. 2018; CROWDSPRING. Design done
better. Disponível em: <https://www.crowdspring.com>. Acesso em: 05 ago. 2018.
444
KEZUKA, Katsutoshi. Crowdwork and the Law in Japan. In: WAAS, Bernd; LIEBMAN, Wilma;
LYUBARSKY, ANDREW; KEZUKA, Katsutoshi. Crowdwork: a comparative law perspective. Frankfurt
am Main: Bund-Verlag, 2017, p. 188-189.
445
KUEK, Siou Chew; PARADI-GUILDORD, Cecilia; FAYOMI, Toks; IMAIZUMI, Saori; IPEIROTIS,
Panos, op. cit.
172
Nos projetos, os requerentes, a partir das avaliações feitas por outros usuários da
plataforma e do resultado de outros trabalhos, escolhem um trabalhador para completar uma
atividade em um determinado período. Feita a seleção, o requerente negocia o preço com o
trabalhador, que pode ser uma quantia fixa ou um valor por hora. As atividades mais comuns
são a criação e o desenvolvimento de websites. A complexidade dos trabalhos é alta ou média
e a sua duração pode chegar a meses446.
Nas competições, os requerentes fazem uma chamada para trabalhadores se
inscreverem para realizar atividades, como a criação de logomarcas ou de folhetos e a
realização de pesquisa e desenvolvimento, dentre outras. Após receber as atividades
solicitadas por um determinado período, o requerente seleciona uma ou algumas vencedoras.
O preço é estabelecido previamente e somente é pago o trabalhador que teve a tarefa
escolhida. A complexidade dos trabalhos é média e a sua duração é de semanas a meses447.
As microtarefas, também chamadas de microtrabalho e trabalho-de-clique, são a
maioria das atividades existentes nas plataformas de crowdwork e não demandam muito
tempo e supervisão direta. Os requerentes fragmentam ao máximo uma atividade e as
inserem na plataforma, terceirizando-as. As principais categorias de microtarefas são: (i)
busca por informações, em que a pessoa tem de procurar dados na internet; (ii) verificação
e validação, como a averiguação da veracidade de um perfil em uma rede social; (iii)
interpretação e análise, em tarefas para classificar produtos; (iv) criação de conteúdo, como
resumir um documento ou transcrever uma gravação de áudio; (v) responder pesquisas, tanto
de empresas sobre um produto, como de acadêmicos sobre um estudo; (vi) acesso de
conteúdo, como utilizar determinados sites para consumir o que é ali produzido. A
complexidade das atividades é baixa, o valor pago é pequeno e a sua duração é de segundos
a minutos448.
Lilly Irani aponta que muitas das microtarefas são demandadas por empresas de
tecnologia que almejam expandir o escopo da cultura que mediam. Trata-se do trabalho
cultural, que se relaciona à classificação e ao processamento de grandes volumes de dados,
como novas formas de linguagem, imagem, sons e informações sensoriais. Esses tipos de
dados alimentam intensamente redes sociais, como o Facebook, canais de vídeo, como o
YouTube, sites de busca, como o Google, e telefones celulares. Os trabalhadores geram
446
KEZUKA, Katsutoshi. op. cit., p. 188-189; WEBSTER, Juliet. Microworkers of the Gig Economy: Separate
and Precarious. New Labor Forum, v. 25, n. 3, p. 56, Sept. 2016.
447
KEZUKA, Katsutoshi. op. cit., p. 189; WEBSTER, Juliet. op. cit., p. 56.
448
KEZUKA, Katsutoshi. op. cit., p. 188; WEBSTER, Juliet. op. cit., p. 56-57; BERG, Janine. op. cit., p. 545.
173
449
IRANI, Lilly. op. cit; Id. New Media & Society, v. 17, n. 5, p. 723, may 2015.
450
IRANI, Lilly. The cultural work of microwork. cit., p. 723-724.
451
GRAY, Mary; SURI, Siddarth. The Humans Working Behind the AI Curtain. Havard Business Review,
Cambridge, jan. 2017. Disponível em: <https://hbr.org/2017/01/the-humans-working-behind-the-ai-
curtain>. Acesso em: 06 out. 2017.
452
LOHR, Steve. For big-data scientists, “janitor work” is key hurdle to insights. The New York Times, New
York, 18 ago. 2014. Disponível em: https://www.nytimes.com/2014/08/18/technology/for-big-data-
scientists-hurdle-to-insights-is-janitor-work.html. Acesso em: 08 ago. 2018.
453
IRANI, Lilly. Justice for “Data Janitors”. cit.
454
IRANI, Lilly. Justice for “Data Janitors”. cit.
174
455
FELSTINER, Alek. Working the Crowd: Employment and Labor Law in the Crowdsourcing Industry.
Berkeley Journal of Employment and Labor Law, v. 32, n. 1, p. 151–152, 2011; WAAS, Bernd. Introduction.
cit., p. 18; PRASSL, Jeremias; RISAK, Martin. op. cit., p. 625.
175
456
FELSTINER, Alek. op. cit., p. 152.
457
Id. Ibid., p. 154.
458
PRASSL, Jeremias; RISAK, Martin. op. cit., p. 625.
459
Id. Ibid., p. 625-626; PRASSL, Jeremias. op. cit., p. 3. Nesse sentido, o CEO da FigureEight (antiga
Crowdflower) expressou sua opinião sobre o grande diferencial do crowdwork: ”Antes da internet, seria
muito dificil encontrar alguém, sentar-se com ele por dez minutos, fazê-lo trabalhar para você por dez
minutos e então dispensá-lo depois desses dez minutos. Mas com a tecnologia, você realmente pode
176
encontrá-lo, pagar uma pequena quantia de dinheiro e livrar-se dele quando não precisar mais” (É a tradução
nossa de: “Before the Internet, it would be really difficult to find someone, sit them down for ten minutes
and get them to work for you, and then fire them after those ten minutes. But with technology, you can
actually find them, pay them the tiny amount of money, and then get rid of them when you don’t need them
anymore”. MARVIT, Moshe. How crowdworkers became the ghosts in the digital machine. The Nation,
New York, 24 feb. 2014. Disponível em: https://www.thenation.com/article/how-crowdworkers-became-
ghosts-digital-machine. Acesso em: 16 ago. 2018).
460
FELSTINER, Alek. op. cit., p.154-155; FERNANDÉZ, María Luiz Rodriguez. Plataformas, microworkers
y otros retos del trabajo en la era digital. 2017. Disponível em:
<https://www.ilo.org/wcmsp5/groups/public/---europe/---ro-geneva/---ilo-
madrid/documents/article/wcms_548596.pdf>. Acesso em 16 ago. 2018, p. 9-12; PRASSL, Jeremias;
RISAK, Martin., op. cit., p. 626; WAAS, Bernd. Introduction. cit., p. 17-18.
461
FELSTINER, Alek. op. cit., p. 154-155.
462
FERNANDÉZ, María Luiz Rodriguez. op. cit.; PRASSL, Jeremias; RISAK, Martin. op. cit., p. 626.
177
463
LEHDONVIRTA, Vili. Flexibility in the gig economy: managing time on three online piecework platforms.
New technology, work and empoyment, v. 33, n. 1, p. 23, mar. 2018.
464
Id. Ibid., p. 23-24.
465
FELSTINER, Alek. op. cit., p. 155-156. PRASSL, Jeremias; RISAK, Martin. op. cit., p. 626-627.
466
FELSTINER, Alex. op. cit., p. 156-157; WEBSTER, Juliet. op. cit., p. 59.
178
identificam somente por apelidos -, quando se realiza pesquisa por empresas ou acadêmicos,
algumas informações pessoais podem ser reveladas sem que haja uma garantia de
confidencialidade ou de tratamento responsável e ético dos dados obtidos467.
A questão da construção da reputação também afeta os trabalhadores. Não é possível
transferir as avaliações recebidas dos requerentes entre as plataformas. Desta forma, muitas
pessoas acabam investindo tempo e energia em tarefas de uma determinada plataforma, que
não necessariamente corresponderá às expectativas do trabalhador. Em alguns casos, após
tentativas frustradas de combinar o recebimento de pagamentos razoáveis com uma
quantidade de trabalho que o mantenha ativo frequentemente, é preciso reiniciar os esforços
em uma outra plataforma. Optar por dividir o tempo em diversas plataformas pode tornar
lento o processo de receber boas avaliações e trabalho. O grau de reputação dos trabalhadores
é essencial, dado que ter um conceito baixo pode influenciar negativamente em sua
capacidade de receber tarefas e, dependendo do caso, levar à exclusão da plataforma. Ainda,
a contínua exposição dos trabalhadores às avaliações realizadas pelos clientes das
plataformas coloca-os em permanente estágio probatório468.
A insegurança em relação à quantidade de trabalho e as baixas remunerações fazem
com que os trabalhadores nas plataformas de crowdwork tentem maximizar os seus ganhos,
trabalhando a maior quantidade de tempo possível. Nesse sentido, segundo Juliet Webster,
as microtarefas evidenciam como o trabalho pode invadir o resto da vida dos trabalhadores,
dado que buscam preencher qualquer tempo livre com atividades que lhes permitam obter
renda suficiente para sobreviver469.
A flexibilidade do trabalhador na realização das atividades pode ser um vetor de
isolamento, uma vez que não há contato fácil com outros colegas de trabalho e que a relação
com os requerentes das atividades é geralmente episódica, distante e lacônica. Há um
processo de insulamento do trabalho, uma vez que as tarefas são feitas individualmente, há
necessidade de construir reputações online e de se apresentar positivamente perante o
mercado. Esse quadro dificulta iniciativas de organização coletiva dos trabalhadores470.
Contudo, segundo Mary Gray, Siddharth Suri, Syed Shoaib Ali e Deepti Kulkarni,
há experiências que demonstram o desenvolvimento de três tipos de colaboração entre os
467
FELSTINER, Alek, op. cit, p. 157.
468
Id. Ibid., p. 157-158; PRASSL, Jeremias; RISAK, Martin. op. cit., p. 627.
469
WEBSTER, Juliet. op. cit., p. 60.
470
PRASSL, Jeremias; RISAK, Martin. op. cit., p. 626-627; GRAY, Mary; SURI, Siddharth; ALI, Syed Shoaib;
KULKARNI, Deepti. The Crowd is a Collaborative Network. 2015. Disponível em:
<http://www.inthecrowd.org/wp-content/uploads/2015/10/collab_paper21.pdf>. Acesso em: 05 dez. 2017;
WEBSTER, Juliet. op. cit., p. 61.
179
trabalhadores para prover as suas necessidades técnicas e sociais. A primeira é para gerenciar
questões administrativas, como registrar-se na plataforma, evitar fraudes e receber
pagamentos, em que usuários mais antigos explicam os primeiros passos para iniciar
atividades em uma determinada plataforma. A segunda é para compartilhar informações
sobre novas tarefas – especialmente em relação ao valor - e bons requerentes - com enfoque
nas reputações -, sendo a comunicação feita por meio de telefone, fóruns online e redes
sociais. A terceira é para auxiliar na execução do trabalho, dividindo experiências, e oferecer
amparo entre si, estimulando o progresso e desenvolvimento471.
Também levando em consideração essas relações extra plataformas, Six Silberman
afirma que os mercados de trabalho online e os espaços sociotécnicos em seu entorno não
são ambientes perfeitamente competitivos e monolíticos, mas sistemas policêntricos
formados por complexas relações que interagem intensamente. A ideia de policentricidade
aponta que, apesar de a plataforma ser o local em que os atores sociais tomam decisões
relacionadas ao crowdwork, os resultados produzidos no mercado de trabalho online são
influenciados por escolhas feitas fora da plataforma, como os fóruns de trabalhadores. Esse
quadro forma um sistema único com múltiplos centros de decisão formalmente autônomos,
mas que se conectam e interagem472.
471
GRAY, Mary; SURI, Siddharth; ALI, Syed Shoaib; KULKARNI, Deepti. op. cit.
472
SILBERMAN, M. Six. Human-centered computing and the future of work: lessons from Mechanical Turk
and Turkopticon, 2008-2015. Irvine: UC Irvine, 2015, p. 26.
473
ALOISI, Antonio. op. cit., p. 666; SILBERMAN, M. Six; IRANI, Lilly. Operating an Employer Reputation
System: Lessons from Turkopticon, 2008-2015. Comparative Labor Law & Policy Journal, v. 37, p. 509,
2016. O nome Mechanical Turk tem origem em uma máquina que jogava xadrez encomendado pela
Imperatriz austríaca Maria Teresa. A máquina reconhecia a estratégia do oponente, pegava as peças e fazia
os próprios movimentos. Os desafiantes da Mechanical Turk pensavam que estavam jogando contra uma
máquina, quando na verdade havia um ser humano dentro do dispositivo, que movia as peças no tabuleiro
por meio de aparatos internos (HITLIN, Paul. Research in crowdsourcing age, a case study. Washington:
Pew Research Center, 2016, p. 11; PRASSL, Jeremias. op. cit., p. 1).
180
474
SILBERMAN, M. Six; IRANI, Lilly. op. cit., p. 509-510.
475
AMAZON MECHANICAL TURK. Human intelligence through an API. Disponível em: <
https://www.mturk.com/>. Acesso em 20 ago. 2018, tradução nossa de: “MTurk aims to make accessing
human intelligence simple, scalable, and cost-effective. Businesses or developers needing tasks done (called
Human Intelligence Tasks or “HITs”) can use the robust MTurk API to access thousands of high quality,
global, on-demand Workers—and then programmatically integrate the results of that work directly into their
business processes and systems. MTurk enables developers and businesses to achieve their goals more
quickly and at a lower cost than was previously possible”. Destacamos que a interface de programação de
aplicativo é um conjunto de rotinas de software, protocolos de comunicação e instrumentos que fornecem
ao programador os meios para desenvolver uma aplicação para uma determinada plataforma. Ainda, permite
a interface do programa criado com outros programas, com o objetivo de serem executados nessa plataforma
(BUSINESS DICTIONARY. Application programming interface. Disponível em: <
http://www.businessdictionary.com/definition/application-programming-interface-API.html>. Acesso em:
20 ago. 2018.
181
qualificações; (ii) mão de obra elástica, em que as empresas pagam somente pelo tempo que
os trabalhadores efetivamente realizam suas tarefas; (iii) uma estrutura de baixo custo, dado
que não há gastos para contratar e gerenciar mão de obra; (iv) gerenciamento de qualidade,
em que se oferecem instrumentos para manter elevada a qualidade das atividades feitas; (v)
viabilização de novos negócios, graças ao uso da inteligência humana476.
Segundo a Amazon, as tarefas solicitadas mais frequentemente pela plataforma são:
(i) processamento de imagens e vídeos, como a marcação de objetos encontrados em uma
imagem para melhorar a busca ou direcionamento de propaganda, a revisão de um conjunto
de imagens para selecionar a melhor foto que representará um produto, análise de imagens
para moderar conteúdo e classificação de objetos; (ii) verificação e limpeza de informações,
como a remoção de conteúdo de listas de empresas, identificação de listas incompletas ou
duplicadas de produtos em catálogos, verificação de detalhes de restaurantes, como contato
telefônico e horário de funcionamento e conversão de dados desestruturados sobre
localizações em endereços detalhados; (iii) aglutinação de informações, como escrever
conteúdo para websites, responder pesquisas de mercado ou questionários sobre uma
variedade de tópicos e identificar determinados elementos em documentos legais ou
governamentais; (iv) processamento de informações, como transcrição e edição de áudios,
serviços de tradução, avaliação da precisão de resultados de mecanismos de busca e
categorização de informações para corresponder a uma dada taxonomia477.
A Amazon coloca que há mais de 500 mil trabalhadores cadastrados na MTurk,
distribuídos por 190 países. De acordo com o monitoramento diário realizado por Panos
Ipeirotis sobre a nacionalidade dos trabalhadores que realizam tarefas na plataforma, os
estadunidenses variam de 69% a 77% do total, os indianos de 11% a 20%, e os demais, de
7% a 11%478.
476
AMAZON MECHANICAL TURK. op. cit.
477
Id. Ibid.
478
Id. Overview of Mechanical Turk. Disponível em:
<https://docs.aws.amazon.com/AWSMechTurk/latest/RequesterUI/OverviewofMturk.html>. Acesso em:
20 ago. 2018; MTURK TRACKER. Countries. Disponível em: <http://demographics.mturk-
tracker.com/#/countries/all>. Acesso em 20 ago. 2018; IPEIROTIS, Panos. Analyzing the Amazon
Mechanical Turk marketplace. ACM XRDS, v. 17, n. 2, p. 16-21, 2010.
182
a remuneração oferecida, além de indicar o número de trabalhadores que precisa para fazer
o trabalho e de enviar o dinheiro necessário para o pagamento do trabalhador e da
plataforma; (ii) o requerente pode anunciar a atividade diretamente no website ou por meio
da interface de programação de aplicativos e pode demandá-las individualmente ou por meio
de grupos de tarefas de inteligência humana, que reúnem um conjunto de tarefas semelhantes
com o mesmo valor; (iii) uma pessoa inscreve-se como executora na plataforma, verifica na
lista de tarefas de inteligência humana os trabalhos disponíveis para serem feitos e opta pelo
que lhe é mais conveniente; (iv) o trabalhador, que é considerado como autônomo pela
MTurk, realiza a tarefa e a envia para a avaliação do requerente; (v) o pagamento ao
trabalhador é realizado pela plataforma e somente se a atividade é aceita pelo requerente, o
que ocorre automaticamente após determinado lapso temporal sem avaliação; (vi) a MTurk
recebe um percentual calculado sobre o valor pago pela atividade; (vii) independentemente
de o trabalho ser aceito ou rejeitado, o requerente fica com o produto da tarefa feita479.
Assim que uma tarefa é colocada na plataforma, aparece na lista de TIH. Agrupam-
se grupos de TIH por página (podem ser 10, 20, 50 ou 100) e os trabalhadores podem
visualizá-las conforme a quantidade disponível de TIH por grupo, o valor da remuneração e
a data da criação. É possível buscar tarefas a partir de palavras-chaves. Ainda, o trabalhador
pode filtrar as atividades a partir da qualificação exigida e da remuneração oferecida. Caso
haja interesse em determinado grupo, pode-se obter maiores detalhes, como o título do
trabalho, a sua descrição, o tempo previsto para conclusão, a data de expiração e as
qualificações exigidas. Se decidir realizar a tarefa, o trabalhador clica no botão “aceitar e
trabalhar” e inicia as atividades.
Quando o trabalhador finaliza a tarefa, envia para o requerente analisá-la, que pode
aprová-la ou rejeitá-la. Apenas as atividades aprovadas são pagas. Se o requerente fica inerte,
ocorre a autoaprovação. Geralmente, nos detalhes das TIH há indicação do tempo para
ocorrer a autoaprovação colocado pelo requerente, mas a plataforma estabelece que o prazo
máximo para tanto é de 30 dias.
O recurso de rejeitar a tarefa foi introduzido com o objetivo de inibir trabalhadores
de enviarem tarefas mal executadas aos requerentes e serem remunerados mesmo assim.
Trata-se de uma forma de controle de qualidade. O acordo de participação, que rege as
relações entre requerentes, trabalhadores e a MTurk, estabelece que a rejeição deve ocorrer
479
SILBERMAN, M. Six; IRANI, Lilly, op. cit., p. 511; IRANI, Lilly. Difference and Dependence among
Digital Workers: The Case of Amazon Mechanical Turk. South Atlantic Quarterly, v. 114, n. 1, p. 227, jan.
2015; ALOISI, Antonio. op. cit., p. 667; SILBERMAN, M. Six. op. cit., p. 43-44; FELSTINER, Alek. op.
cit., p. 161-162.
183
por “justa causa” (cláusula 3, a). Contudo, não há especificação do que seja “justa causa” e,
geralmente, quando há rejeição, os requerentes preenchem qualquer caractere no campo
destinado à apresentação da justificativa, como “.”, “x” ou “1”. Não há análise sobre a
motivação da rejeição. A MTurk afirma que não é responsável pelas condutas de requerentes
e trabalhadores e por resolver problemas entre ambos (cláusula 2)480.
A MTurk criou a categoria de mestre como mecanismo para os requerentes terem
opções para acessarem trabalhadores mais qualificados. A plataforma afirma que os mestres
são aqueles com alto índice de sucesso em realizar uma variedade de tarefas para distintos
requerentes e coloca que os identifica a partir de um modelo estatístico. Há grande
insatisfação dos trabalhadores sobre a forma pela qual a MTurk concede classificação aos
trabalhadores nessa categoria, especialmente pela falta de transparência sobre os requisitos
exigidos. Os mestres recebem valores maiores do que os demais481.
Em regra, os trabalhadores que desempenham atividades na MTurk são gerenciados
pelo algoritmo do requerente, em um esforço de colocar a administração do trabalho nos
sistemas de computador da empresa e de retirá-la das obrigações diárias dos gerentes
humanos. Nesse sentido, o algoritmo coloca as atividades nas plataformas e avalia o que os
trabalhadores executaram. É o gerenciamento automático482.
O acordo de participação coloca que a plataforma é um espaço para trabalhadores e
requerentes realizarem transações, não há controle sobre a qualidade, segurança ou
legalidade das tarefas solicitadas, sobre a capacidade dos trabalhadores desempenharem as
atividades que assumem e sobre o pagamento feito pelos requerentes (cláusula 2)483.
Contudo, o mencionado acordo, que requerentes e trabalhadores aderem quando se
inscrevem na plataforma, estabelece obrigações para ambos. Os requerentes devem interagir
de maneira profissional e cortês com os trabalhadores, descrever de forma precisa a atividade
demandada, esperar que os trabalhadores somente desempenhem as tarefas na plataforma,
pagar os trabalhadores assim que a atividade for aprovada e somente deixar de remunerar
com justa causa. Os trabalhadores devem interagir da mesma forma quanto ao
profissionalismo e cordialidade, usar inteligência humana para realizar as tarefas, oferecer
480
SILBERMAN, M. Six; IRANI, Lilly, op. cit., p. 514-515. AMAZON MECHANICAL TURK. Participation
agreement. Disponível em: <https://www.mturk.com/worker/participation-agreement>. Acesso em: 20 ago.
2018.
481
SILBERMAN, M. Six; IRANI, Lilly, op. cit., p. 515-516; AMAZON MECHANICAL TURK. FAQs.
Disponível em: <https://www.mturk.com/worker/help>. Acesso em: 30 ago. 2018.
482
IRANI, Lilly. The cultural work of microwork. cit., p. 728; Id. Difference and Dependence among Digital
Workers: The Case of Amazon Mechanical Turk. cit., p. 226.
483
AMAZON MECHANICAL TURK. Participation agreement. Disponível em:
<https://www.mturk.com/worker/participation-agreement>. Acesso em: 20 ago. 2018.
184
484
AMAZON MECHANICAL TURK. op. cit.
485
IRANI, Lilly. Difference and Dependence among Digital Workers: The Case of Amazon Mechanical Turk.
cit., p. 225.
486
AMAZON MECHANICAL TURK. op. cit., tradução nossa de: “Workers perform Tasks for Requesters in
their personal capacity as an independent contractor and not as an employee of a Requester or Amazon
Mechanical Turk. As a Worker, you agree that: (i) you are responsible for and will comply with all
applicable laws and registration requirements, including those applicable to independent contractors and
maximum working hours regulations; (ii) this Agreement does not create an association, joint venture,
partnership, franchise, or employer/employee relationship between you and Requesters, or you and Amazon
185
Mechanical Turk; (iii) you will not represent yourself as an employee or agent of a Requester or Amazon
Mechanical Turk; (iv) you will not be entitled to any of the benefits that a Requester or Amazon Mechanical
Turk may make available to its employees, such as vacation pay, sick leave, and insurance programs,
including group health insurance or retirement benefits; and (v) you are not eligible to recover worker's
compensation benefits in the event of injury”.
487
AMAZON MECHANICAL TURK. Pricing. Disponível em: <https://www.mturk.com/pricing>. Acesso
em: 29 ago. 2018.
488
INTERNATIONAL LABOUR ORGANIZATION. op. cit., p. 6-15.
489
Id. Ibid., p. 10-15.
186
mestrado e 5,7% doutorado) e, dos 36,6% que estavam fazendo algum curso, 73,6% estavam
no ensino superior, 10,5% no mestrado e 15,9% no doutorado. É possível que a configuração
desse quadro se dê em razão da grande maioria das tarefas disponíveis na plataforma
demandarem o conhecimento da língua inglesa, o que no Brasil é geralmente associado com
maior grau de educação formal.
Há uma quantidade considerável de trabalhadores ativos no crowdwork por um
tempo significativo. Nos EUA, 51,3% realiza atividades na MTurk há pelo menos um ano.
Na Índia, 89% estão nessa situação490.
Por outro lado, no Brasil os trabalhadores ainda estão em processo de conhecimento
da plataforma. Dentre os participantes da pesquisa, 65,5% atua na MTurk há seis meses ou
menos e somente 28,7% está há mais de um ano. Realizaram até 200 tarefas na plataforma
65,3% dos trabalhadores. Considerando as plataformas de crowdwork, os trabalhadores
concentram as suas atividades na MTurk: 57,7% somente realizou tarefas por meio da
plataforma da Amazon.
A motivação dos trabalhadores para atuar no crowdwork é variável. Nos EUA, a
principal razão pela qual se procura a MTurk é para complementar a renda de outros
trabalhos (44,9%). Na Índia, os trabalhadores apontam que optam pela plataforma por
preferirem trabalhar em casa (31,7%), sendo que nos EUA esse motivo é o segundo mais
importante (19,3%). Há um significativo corte de gênero entre os trabalhadores que
indicaram essa razão para trabalharem na MTurk: nos EUA, 15,8% das mulheres
responderam preferir trabalhar de casa, ao passo que 4,8% dos homens o fizeram, e na Índia,
16,2% das mulheres e 7% dos homens optaram por essa alternativa. Isso está relacionado
com o fato de os trabalhadores afirmarem que a escolha de trabalhar em casa se dá por terem
responsabilidades de cuidar de crianças e idosos, papeis socialmente atribuídos às
mulheres491.
A conjuntura econômica dos países também influencia na motivação dos
trabalhadores. Enquanto somente 1% dos trabalhadores norte-americanos afirmaram que o
pagamento na MTurk é melhor do que nos demais disponíveis, 17,9% deram a mesma
resposta na Índia492.
Os motivos que levam os trabalhadores no Brasil a optarem por realizarem atividades
no crowdwork não destoa do verificado nos EUA e na Índia. A complementação de renda
490
INTERNATIONAL LABOUR ORGANIZATION. op. cit., p. 12-20.
491
Id. Ibid., p. 18-20.
492
Id. Ibid., p. 20-26.
187
(42,4%) e a possibilidade de trabalhar de casa (15,4%) foram as razões mais apontadas pelos
trabalhadores.
Em relação aos trabalhadores brasileiros que preferem trabalhar de casa, a proporção
de homens (15,8%) e mulheres (14,3%) é semelhante. Eles indicam que economizam com
deslocamento e alimentação, não enfrentam o trânsito, é uma alternativa ao trabalho
convencional em escritórios e há compatibilização com os estudos.
Nenhum dos participantes apontou o pagamento nas plataformas ser melhor do que
nos outros trabalhos disponíveis como a principal causa para procurarem pelo crowdwork.
Pode-se apontar como motivo para tanto o pagamento dos trabalhadores brasileiros não
ocorrer em espécie, como se dá nos EUA e na Índia.
Ainda que nos EUA parte significativa atue no crowdwork para complementar renda,
a MTurk é a principal fonte de renda para 38% dos trabalhadores que atuam na plataforma.
Entre os indianos, a MTurk é a principal fonte de renda para quase metade dos trabalhadores
(48,8%)493.
No Brasil, a maioria dos trabalhadores (75%) tem o crowdwork como meio de
complementar a renda, ou seja, não é a principal fonte de subsistência. Entendemos que o
número de trabalhadores dependentes é menor pelo fato da língua ser um obstáculo no acesso
às atividades, tendo em vista que a maioria das tarefas demanda o inglês para a execução, e
pelo crowdwork não ser tão difundido no país.
Antes de iniciar as atividades na MTurk, quase metade dos trabalhadores (46% nos
EUA e 49% na Índia) estava no mesmo emprego ou administrando a mesma empresa que
conciliam com o crowdwork. Outros estavam em um emprego diferente (26% nos EUA e
49% na Índia), administrando um negócio que não existia mais (4% nos EUA e 17% na
Índia), desempregados (33% nos EUA e 26% na Índia), estudando (18% nos EUA e 36% na
Índia) ou cuidando de criança, idosos ou pessoas com deficiência (26% nos EUA e 33% na
Índia). Entre os norte-americanos, o desemprego é um fator relevante: dos 38% que
afirmaram que o crowdwork é sua principal fonte de renda, 57% estava sem emprego antes
de começar a trabalhar na MTurk494.
Dentre os brasileiros, antes de iniciar as atividades no crowdwork, a metade dos
participantes da pesquisa trabalhava ou gerenciava uma empresa e continuava a fazê-lo
quando respondeu a pesquisa. Os demais estavam em um trabalho diferente (42,3%),
desempregados (32,7%), estudando (30,8%) ou cuidando de crianças, idosos ou pessoas com
493
INTERNATIONAL LABOUR ORGANIZATION. op. cit., p. 30-39.
494
Id. Ibid., p. 40-52.
188
deficiência (5,7%). O desemprego ocupa um papel importante para os que têm o crowdwork
como atividade principal: dos 25% nessa situação, 61,5% estavam sem ocupação antes de
começar a trabalhar.
Parcela expressiva dos trabalhadores tem outras posições além do trabalho na MTurk
(58,4% nos EUA e 49,5% na Índia). Dentre esses, a grande maioria está inserida em uma
relação de emprego (81,6% nos EUA e 84,3% na índia) sem vinculação com o capitalismo
de plataforma (somente 2,4% dos empregos dos norte-americanos eram nessa área e 9,8%
dos indianos)495. O mesmo ocorre no Brasil. Dos 67,3% que têm outros trabalhos, a maioria
é empregada (57,2%) em posição que não tem relação com o capitalismo de plataforma
(80%) e está nessa ocupação há mais de um ano (80,1%).
Em média, os trabalhadores norte-americanos da MTurk realizam 22,7 horas de
atividades pagas e 8,2 horas de tarefas não pagas, como procurar trabalhos, na plataforma
por semana. Os indianos fazem 24,4 horas de tarefas pagas e 7,3 horas de tarefas não pagas
semanalmente. Ou seja, enquanto nos EUA os trabalhadores gastam 21 minutos sem serem
pagos para realizarem uma hora de trabalho remunerado, na Índia, passam 18 minutos
procurando por uma hora de trabalho. Em ambos os países, os trabalhadores que
participaram da pesquisa realizaram, em média, atividades na plataforma por mais de 10
horas por dia em 4 vezes na semana e fizeram tarefas em mais de 5 dias na semana496.
A maior parte dos trabalhadores brasileiros não dedica muito tempo semanalmente
para o crowdwork. Dos participantes da pesquisa, 72,2% realizam até 10 horas de trabalho
na semana. Tendo em vista que 78,9% trabalham 3 dias ou mais por semana, pode-se afirmar
que as atividades são divididas ao longo da semana e não há dedicação de muitas horas
diárias para a MTurk. Somente 4% dos participantes ultrapassam 40 horas semanais e 17,3%
afirmam ter trabalhado pelo menos 10 horas por um dia no mês de junho de 2018.
Consequentemente, não há grande gasto de tempo em atividades não pagas. A maioria
(86,5%) fica até 10 horas por semana procurando por tarefas, enquanto 5,7% dos
trabalhadores passam entre 11 e 20 horas buscando atividades.
Os ganhos dos trabalhadores na MTurk são baixos. Nos EUA, considerando somente
o tempo gasto nas tarefas pagas, obtém-se em média US$ 6,07 por hora. Levando em conta
todo o período na MTurk, esse valor cai para US$ 4,46 por hora. No país, o salário mínimo
no âmbito federal é de US$ 7,25 por hora497.
495
INTERNATIONAL LABOUR ORGANIZATION. op. cit., p. 45-55.
496
Id. Ibid., p. 60-64.
497
Id. Ibid., p. 65-72.
189
Na Índia, os trabalhadores da MTurk recebem US$ 1,81 por hora, tendo-se em vista
somente o tempo gasto nas tarefas pagas. Olhando para todo o período na plataforma, esse
valor cai para US$ 1,39 por hora. No país, o salário mínimo no âmbito federal equivale a
US$ 0,31 por hora498.
Em decorrência do pouco tempo dedicado ao crowdwork entre os brasileiros, os
ganhos não são significativos. 76,9% recebe até R$ 100,00 por semana. A maior
remuneração identificada foi no grupo que recebe entre mais de R$ 250,00 até R$ 500,00
(5,6%).
O baixo valor pago é questão corrente nas insatisfações dos trabalhadores. Mais de
400 dos participantes da pesquisa com norte-americanos e indianos trataram do tema ao
responderem questões sobre o grau de satisfação ou o que poderia ser diferente na MTurk.
Em várias das manifestações, os trabalhadores reclamaram do valor pago, falaram que a
remuneração não é justa, apontaram a necessidade de aumentar o preço das tarefas e
sugeriram a fixação de um valor mínimo pela plataforma – em muitos casos, colocando que
o parâmetro deveria ser o salário mínimo499.
O tema também gera insatisfações entre os brasileiros. Ao descreverem as razões
pelas quais estão satisfeitos ou insatisfeitos com a plataforma, dos 50 que desenvolveram o
tópico, 21 reclamaram dos valores oferecidos. A título de exemplo, destacamos os seguintes
trechos: “Pouca remuneração, difícil se qualificar para novos trabalhos que pegam mais”,
“paga muito pouco, é só algo para se fazer quando não tem o que fazer”, “muitas vezes, é
muito trabalho e pouca remuneração, muita exploração”, “os valores das ‘HITs’ ainda são
muito baixos”, “ainda nem consigo ganhar o equivalente a um salário mínimo mesmo
trabalhando mais de 8h” e “os pagamentos costumam ser baixos. Muitas vezes após todo o
trabalho duro algum link para de funcionar e todo aquele tempo dedicado vai embora”.
Os trabalhadores da MTurk enfrentam falta de trabalho. A grande maioria dos norte-
americanos (81,6%) e dos indianos (95,1%) gostaria de atuar mais no crowdwork. As
maiores dificuldades são a falta de trabalho disponível (37,4% nos EUA e 35,7% na Índia)
e o pagamento das tarefas ser insuficiente (32,8% nos EUA e 23,4% na Índia). Ainda, parcela
expressiva gostaria de atuar fora do crowdwork, mas não o fazem por falta de trabalho
disponível (43,1% nos EUA e 46,1% na Índia), pagamento insuficiente (12% nos EUA e
23% na Índia) e falta de tempo (19,6% nos EUA e 13,8% na Índia)500.
498
INTERNATIONAL LABOUR ORGANIZATION. op. cit., p. 75-80.
499
BERG, Janine. op. cit., p. 557-559.
500
INTERNATIONAL LABOUR ORGANIZATION. op. cit., p. 80-94.
190
501
INTERNATIONAL LABOUR ORGANIZATION. op. cit., p. 85-100.
191
502
GRAY, Mary; SURI, S.; KINGSLEY, S. C. Accounting for Market Frictions and Power Asymmetries in
Online Labor Markets. Policy and Internet, v. 7, n. 4, p. 386–396, 2015.
503
Id. Ibid., p. 387.
504
Id. Ibid., p. 387-388.
192
505
GRAY, Mary; SURI, S.; KINGSLEY, S. C. op. cit., p. 388.
506
Id. Ibid., p. 388-389.
507
Id. Ibid., p. 388-390.
508
Id. Ibid., p. 389-390.
193
509
SILBERMAN, M. Six; IRANI, Lilly. op. cit., p. 518-519.
510
Id. Ibid., p. 510
511
REESE, Hope; HEATH, Nick. Inside Amazon’s clickworker platform: How half a million people are being
paid pennies to train AI. TechRepublic, San Francisco, 17 dec. 2016. Disponível em:
<http://www.techrepublic.com/article/inside-amazons-clickworker-platform-how-half-a-million-people-
are-training-ai-for-pennies-per-task/>. Acesso em: 04 out. 2017.
194
512
IRANI, Lilly. Difference and Dependence among Digital Workers: The Case of Amazon Mechanical Turk.
cit., p. 229.
513
REESE, Hope; HEATH, Nick. op. cit.
514
Id. Ibid.
515
IRANI, Lilly. op. cit., p. 231.
516
Id. Ibid., p. 231-232.
195
que têm o crowdwork como principal fonte de renda, contribuem muito menos para a
Seguridade Social (13,7%) do que aqueles que não (42,3%). Em relação à cobertura por
planos de saúde, estão desprotegidos 38,1% dos norte-americanos e 64,7% dos indianos que
têm o crowdwork como principal atividade. Em relação aos trabalhadores que têm o
crowdwork como fonte complementar de renda, essa taxa cai pela metade517.
Em relação aos trabalhadores brasileiros, também se identifica a relação entre a
dependência do crowdwork como principal fonte de renda e o grau de segurança financeira
e de proteção social. Contudo, isso ocorre de forma diferente da verificada nos EUA e na
Índia. Daqueles que têm a MTurk como atividade principal (25% do total), a família ajuda
financeiramente os trabalhadores (69% dos que dependem do crowdwork obtêm auxílio
familiar ao passo que 61% dos que têm outra atividade como principal recebem essa ajuda),
não há reservas para despesas urgentes (77% x 56,4%) e não se consegue economizar valores
mensalmente (54% x 28,3%). Entretanto, há maior capacidade em pagar os gastos básicos
(92,4% dos dependentes do crowdwork e 89,7% dos que dependem de outra fonte de renda),
o que pode estar relacionado com a dimensão da ajuda financeira dada pela família.
No tocante à aposentadoria, 77% daqueles que têm o crowdwork como principal
fonte de renda não fazem parte de sistema que lhes garantirá uma renda no futuro e 69,2%
daqueles que possuem outra atividade principal estão na mesma situação. Sobre a
participação em planos de saúde, 38,5% dos dependentes do crowdwork e 35,9% dos que
tem outra atividade principal não têm qualquer tipo de cobertura.
517
BERG, Janine, op. cit., p. 562-563.
196
na execução de uma tarefa e a plataforma viabiliza a conexão entre ambos. O trabalho é feito
no local em que o trabalhador está ou no espaço que o cliente determinar. O grau de
intervenção da empresa na relação entre seus clientes e trabalhadores é variável,
especialmente quanto à pessoa que realizará a atividade e ao modo de execução da tarefa. A
intensidade do controle e da coordenação das atividades executadas pelos trabalhadores, que
ocorre pelo gerenciamento algorítmico, não é a mesma em todas as plataformas.
Especificamente em relação à Uber, identificam-se as seguintes características: (i) a
fixação do preço do trabalho e o momento em que o pagamento é feito são estabelecidos
unilateralmente pela plataforma, sem qualquer espaço para negociação; (ii) o controle do
trabalho é feito por meio do algoritmo, que gerencia a mão de obra a partir do processamento
de dados, como as avaliações feitas pelos usuários do aplicativo; (iii) a coordenação do
trabalho também é feita pelo algoritmo, influenciando o comportamento dos trabalhadores,
como na indicação de locais e horários específicos para dirigir; (iv) a Uber fixa diretrizes
que os motoristas devem seguir com o objetivo de padronizar a prestação de serviços, sendo
que a inobservância leva à punição; (v) há uma relação direta entre dependência econômica
da plataforma e precariedade, em que os trabalhadores devem dirigir muitas horas para que
seja possível obterem renda para sobreviver; (vi) o ator que ocupa maior proeminência em
moldar a forma da prestação de serviço é a Uber; e (vii) há uma forte assimetria de poderes
entre a plataforma e os trabalhadores, em favor da primeira.
O crowdwork é uma relação de trabalho triangular, cuja duração geralmente é de
segundos, minutos ou horas, desenvolvida no âmbito da crowdsourcing ou terceirização
online. Os tomadores de serviços solicitam a execução de tarefas online em plataformas e os
trabalhadores interessados manifestam interesse e a realizam. A plataforma oferece a
infraestrutura na qual desenvolve-se a relação entre o requerente e o trabalhador.
Especificamente em relação à plataforma de serviços Amazon Mechanical Turk,
verificamos as seguintes características: (i) a fixação do preço do trabalho e o momento em
que o pagamento é feito são decididos pelo cliente da plataforma; (ii) a coordenação do
trabalho é realizada pelos clientes e pela plataforma, uma vez que a forma pela qual a
atividade deve ser realizada é determinada por ambos; (iii) o controle do trabalho é feito
pelos clientes, que têm o poder de rejeitar as atividades e não pagá-las, com a aquiescência
da plataforma; (iv) há relação direta entre dependência econômica e precariedade, em que o
grau de segurança econômica e proteção social do trabalhador é inversamente proporcional
ao fato de a MTurk ser a principal fonte de renda do trabalhador; (v) os atores que ocupam
maior proeminência em estabelecer o conteúdo das relações de trabalho são a plataforma e
197
seus clientes; e (vi) há uma forte assimetria de poderes entre a plataforma e seus clientes e
os trabalhadores, em favor dos primeiros.
Em regra, as plataformas afirmam que são empresas do setor da tecnologia e apenas
otimizam o contato entre tomadores de serviço e trabalhadores. Contudo, não é isso o que
constatamos acima na análise realizada neste capítulo. A divergência entre discurso e prática
é o que Jeremias Prassl denomina de “paradoxo da plataforma”518: embora se considerem
como espaços virtuais em que tomadores e prestadores de serviços se encontram, atuam
muitas vezes como verdadeiros empregadores, ao confiarem nos sistemas de avaliação e no
controle algorítmico para assegurar que as tarefas sejam realizadas conforme as diretrizes da
plataforma e as instruções de seus clientes519.
Ainda, o autor afirma que a inovação do capitalismo de plataforma em relação ao
trabalho é um mito:
o software e o hardware em quais os aplicativos e as plataformas operam
são frequentemente o resultado direto de inovações e avanços realmente
revolucionários, de localizadores de GPS e a internet até processadores
poderosos que cabem na palma da sua mão. Entretanto, contrariamente às
afirmações feitas pelas empresas, o modelo de negócios é qualquer coisa
menos novo. Tarefas de baixa qualificação ao invés de trabalhos
complexos; intermediários poderosos controlando ampla força de trabalho;
arranjos híbridos entre mercado aberto e hierarquias fechadas: a economia
de bico é apenas o último (e talvez o mais extremo) exemplo de práticas
de mercado de trabalho que estiveram por aí por séculos520.
A identificação de serviços de intermediação do trabalho é essencial para a
compreensão dessas atividades no capitalismo de plataforma. Para se viabilizar no mercado,
as plataformas contam com uma grande quantidade de trabalhadores cadastrados – a
multidão -, dispostos a executar tarefas rapidamente por um valor baixo. A entrega do
produto ou do serviço demandado pelo cliente é moldada pelo gerenciamento automático
adotado por cada plataforma521.
518
PRASSL, Jeremias. op. cit., p. 4, tradução nossa de: “platform paradox”.
519
Id. Ibid., p. 4-5.
520
Id. Ibid., p. 72, tradução nossa de: “the software and hardware on which apps and platforms draw are often
the direct result of truly revolutionary innovation and breakthroughs, from GPS locators and the Internet, to
powerful processors that fit into the palm of your hand. Contrary to the industry’s claims, however, the
underlying business model is anything but novel. Low-skill tasks instead of complex jobs; powerful
intermediaries controlling large workforces; hybrid arrangements between open market and closed
hierarchies: the gig economy is but the latest (and perhaps the most extreme) example of labour-market that
have been around for centuries”.
521
Id. Ibid., p. 18.
198
522
PRASSL, Jeremias. op. cit., p. 6.
523
WEIL, David. op. cit., p. 280-282; PIKETTY, Thomas. Capital in the twenty-first century. Cambridge:
Harvard University Press, 2014, p. 304-335.
524
WEIL, David. op. cit., p. 99-177.
199
1. Introdução
A regulação das formas de trabalho no capitalismo de plataforma pode ocorrer por
diversos prismas. Existem propostas para induzir comportamentos por meio de regras
tributárias525, para estimular o empreendedorismo526, para proteger os consumidores diante
de lesões sofridas ao utilizarem os serviços das plataformas 527 , para compatibilizar a
classificação dos trabalhadores com a cobertura da seguridade social528, para garantir uma
renda básica universal529, dentre outras. O foco da nossa análise é o Direito do Trabalho,
tendo em vista ser o instrumento de justiça social que permite a distribuição de renda e a
promoção do bem-estar entre as pessoas em um contexto no qual a participação na vida
econômica ocorre a partir do trabalho. Ou seja, é o mecanismo de inserção socioeconômica
do ser humano no capitalismo530.
O presente capítulo está estruturado em três partes. Na primeira, trataremos do papel
que o Direito do Trabalho pode desempenhar no capitalismo de plataforma, levando em
consideração como as funções e princípios centrais que conformam esse ramo jurídico
especializado podem ser articulados com a nova morfologia do trabalho influenciada pelas
inovações tecnológicas.
Na segunda, analisaremos as possibilidades de regulação do trabalho sob demanda
por meio de aplicativos e do crowdwork pelo Direito do Trabalho em quatro eixos: (i)
trabalho subordinado e trabalho autônomo, estudando como cada uma dessas categorias é
concebida, as suas potencialidades para proteger os trabalhadores e como a doutrina e
jurisprudência trabalhista estão analisando o tema; (ii) novas formas de regulação, tratando
de propostas que ultrapassam as fronteiras da subordinação e da autonomia; (iii) novos
525
PRASSL, Jeremias. op. cit., p. 123-124; 129.
526
SUNDARARAJAN, Aran. op. cit., p. 177-187; 192-194.
527
PRASSL, Jeremias. op. cit., p. 128.
528
Id. Ibid., p. 125-127; SUNDARARAJAN, Aran. op. cit., p. 187-192.
529
STERN, Andy. Raising the floor: how a universal basic income can renew our economy and rebuild the
american dream. New York: Public Affairs, 2016; ROQUE, Tatiana. Por causa de robôs, ideia de renda
básica universal ganha mais adeptos. Folha de São Paulo, São Paulo, 17 fev. 2018. Disponível em:
<https://www1.folha.uol.com.br/ilustrissima/2018/02/por-causa-de-robos-ideia-de-renda-basica-universal-
ganha-mais-adeptos.shtml>. Acesso em: 19 fev. 2018.
530
DELGALDO, Maurício Godinho; DELGADO, Gabriela Neves. O Direito do Trabalho na
contemporaneidade: clássicas funções e novos desafios. In: LEME, Ana Carolina Paes; RODRIGUES,
Bruno Alves; CHAVES JÚNIOR, José Eduardo de Resende (Coords.). Tecnologias disruptivas e a
exploração do trabalho humano: a intermediação de mão de obra a partir das plataformas eletrônicas e seus
efeitos jurídicos e sociais. São Paulo: LTr, 2017, p. 17-21.
202
direitos, abordando garantias que surgem a partir de demandas criadas pelas peculiaridades
da nova morfologia do trabalho no capitalismo de plataforma; e (iv) ação coletiva dos
trabalhadores, analisando como as entidades sindicais podem ser a voz dos trabalhadores no
capitalismo de plataforma e como o cooperativismo de plataforma pode ser uma opção à
atual lógica pela qual o modelo de negócios está estruturado.
Na terceira, apontaremos os caminhos jurídicos mais adequados para assegurar a
proteção dos trabalhadores no capitalismo de plataforma no Brasil. Apresentaremos uma
proposta compatível com os modelos de negócios analisados nos capítulos anteriores, as
realidades dos trabalhadores no crowdwork e no trabalho sob demanda por meio de
aplicativos e os objetivos centrais do Direito do Trabalho.
531
PLÁ RODRIGUEZ, Américo. Princípios de Direito do Trabalho. São Paulo: LTr, 2015, p. 85-87;
BARBAGELATA, Héctor-Hugo. A evolução do pensamento do Direito do Trabalho. Tradução de Sidnei
Machado. São Paulo: LTr, 2012, p. 16-22; 48-59.
532
PLÁ RODRIGUEZ, Américo. op. cit, p. 85-433.
533
Id. Ibid., p. 85-102.
203
534
PLÁ RODRIGUEZ, Américo. op. cit, p. 141-142; 239-248
535
Id. Ibid., p. 339-361.
536
Id. Ibid., p. 392-394; 415-417.
537
DELGADO, Maurício Godinho. Curso de Direito do Trabalho. 17ª ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: LTr,
2018, p. 79-89.
538
Id. Ibid., p. 81-84.
204
539
PLÁ RODRIGUEZ, Américo. op. cit, p. 84-85.
540
Id. Ibid., p. 88-89.
541
Id. Ibid., p. 89.
542
DAVIDOV, Guy. A purposive approach on labour law. New York: Oxford University Press, 2016, p. 56-
88.
205
543
TODOLÍ-SIGNES, Adrián. The end of the subordinate worker? The on-demand economy, the gig-economy,
and the need for protection for crowdworkers. International journal of comparative labour law and
industrial relations, v. 33, n. 2, p. 254-255, 2017.
544
Id. Ibid. p. 254.
545
Id. Ibid., p. 255.
546
DELGADO, Maurício Godinho. op. cit., p. 106.
547
BARBAGELATA, Héctor-Hugo. op. cit, p. 119.
548
BRIGNONI, Hugo Fernández. op. cit., p. 44.
206
549
BRIGNONI, Hugo Fernández. op. cit., p. 44.
550
Id., loc. cit.
551
Id. Ibid., p. 45
552
GONÇALVES, Márcio Toledo. Uberização: um estudo de caso – as tecnologias disruptivas como padrão
de organização do Trabalho no século XXI. Revista LTr, v. 81, n. 3, p. 64, Mar.2017.
207
553
GAUTHIER, Gustavo. Nuevas tecnologías, economía colaborativa y trabajo. In: TEODORO, Maria Cecilia
Máximo; VIANA, Márcio Túlio; ALMEIDA, Cleber Lúcio de; NOGUEIRA, Sabrina Colares (Orgs.).
Direito material e processual do trabalho. São Paulo: LTr, 2017, p. 95.
208
onerosa e pessoal em uma relação bilateral levanta questões a respeito da capacidade das
categorias existentes no ordenamento jurídico darem conta de novas realidades e da
necessidade de inovar os desenhos regulatórios para proteger o trabalhador.
No Brasil, o trabalhador pode ser classificado como empregado ou como autônomo.
Outros países criaram figuras intermediárias para enquadrar aqueles que desempenhavam
atividades que se encontravam em uma zona cinzenta entre a subordinação e a autonomia.
Na Inglaterra, há o “trabalhador” (worker), na Itália, o parassubordinado (parasubordinati),
na Espanha, o trabalhador autônomo economicamente dependente (trabajador autónomo
económicamente dependiente), no Canadá, o contratado dependente (dependent contractor),
dentre outros. A classificação dos trabalhadores é um debate relevante, na medida em que
os enquadrar em uma ou outra categoria tem efeitos concretos e práticos nos seus direitos.
No tocante à relação de emprego, os conceitos, as categorias e os direitos que a
informam foram concebidos a partir da organização da produção no contexto das inter-
relações entre tecnologia, instituições e ideologia nos trinta anos gloriosos, como apontado
no capítulo 1. Considerando as transformações promovidas pelo capitalismo de plataforma,
debate-se como a subordinação e a não eventualidade se expressam nesse novo contexto.
Em relação ao trabalho autônomo, também se nota o efeito das transformações
produzidas pelo capitalismo de plataforma na organização da produção, como nos limites da
autonomia e da liberdade dos trabalhadores.
A regulação do trabalho no capitalismo de plataforma a partir da dualidade da
subordinação e autonomia é objeto de crítica, com propostas para a criação de uma terceira
categoria, intermediária entre as outras duas, permitindo a classificação adequada dos
trabalhadores, para o uso da dependência como critério para classificá-los, para a redefinição
do conceito de empregador, para o estabelecimento de um contrato de trabalho especial que
contemple as características do capitalismo de plataforma, para a tutela legal dos
trabalhadores conforme a capacidade de organização coletiva sob as premissas de um
vanguardismo inclusivo e para a ampliação subjetiva da cobertura do Direito do Trabalho.
As características do trabalho sob demanda por meio de aplicativos e do crowdwork
demonstram que a atual legislação não abarca algumas situações que ocorrem nessas formas
de trabalho e que, independentemente do enquadramento feito, deixa os trabalhadores
desguarnecidos. Temas como transparência, sistemas de avaliações, tempo de trabalho e
assimetria de informações não têm previsão no ordenamento jurídico ou foram concebidos
para uma realidade distinta.
210
554
DELGADO, Maurício Godinho. O poder empregatício. São Paulo: LTr, 1996, p. 105.
555
Id. Ibid., p. 105-106.
211
556
MANNRICH, Nelson. Reinventando o Direito do Trabalho: novas dimensões do trabalho autônomo. In:
FREDIANI, Yone (Org.). A valorização do trabalho autônomo e a livre-iniciativa. Porto Alegre: Magister,
2015, p. 236.
557
DELGADO, Maurício Godinho. op. cit., p. 109.
558
SOUTO MAIOR, Jorge Luiz. Relação de emprego e Direito do Trabalho: no contexto da ampliação da
competência da Justiça do Trabalho. São Paulo: Editora LTr, 2007, p. 73-74.
212
da subordinação (ou controle), sendo que os demais elementos que caracterizam a relação
de emprego variam conforme o ordenamento jurídico.
O Direito do Trabalho viabiliza uma troca entre as partes: os trabalhadores aceitam
o poder do empregador e, em razão disso, recebem direitos que os tutelam. Assim, o
enquadramento do trabalhador como empregado lhe dá acesso a um conjunto mínimo de
direitos, que podem ser ampliados por liberalidade do empregador ou por meio de
negociação coletiva. E, com prerrogativas que lhe dão o poder de dirigir, regulamentar,
fiscalizar e disciplinar a prestação do trabalho, o empregador torna-se responsável por
assegurar que os empregados recebam os direitos trabalhistas559.
No Brasil, a relação de emprego é definida pela combinação dos arts. 2º e 3º da
Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), a partir dos conceitos legais de empregador e de
empregado. O art. 2º, caput, estabelece que “considera-se empregador a empresa, individual
ou coletiva, que, assumindo os riscos da atividade econômica, admite, assalaria e dirige a
prestação pessoal de serviço”. Por sua vez, o art. 3º, caput, determina que “considera-se
empregado toda pessoa física que prestar serviços de natureza não eventual a empregador,
sob dependência deste e mediante salário”.
A leitura combinada de ambos os dispositivos aponta que a relação de emprego no
ordenamento jurídico brasileiro tem cinco elementos fático-jurídicos: (i) prestação de
trabalho por pessoa natural; (ii) atividade realizada com pessoalidade pelo trabalhador; (iii)
prestação do trabalho feita com não eventualidade; (iv) atividade desenvolvida com
subordinação; e (v) trabalho realizado com onerosidade560.
O trabalho efetuado por pessoa natural decorre do fato de o Direito do Trabalho
tutelar bens jurídicos que podem ser usufruídos apenas por pessoas naturais e não, em sua
grande maioria, por pessoas jurídicas. Além disso, sempre que nos referirmos ao trabalho,
tem-se como pressuposto a execução por pessoa natural, enquanto os serviços podem ser
realizados tanto por pessoas naturais como por pessoas jurídicas561.
A prestação do trabalho com pessoalidade relaciona-se ao fato de o trabalhador ser
pessoa natural, mas esses elementos não se confundem. Para que se caracterize a relação de
emprego, é imprescindível a infungibilidade do trabalho. Ou seja, a relação jurídica é intuitu
personae no tocante ao prestador de serviços, sendo que a principal implicação é a
impossibilidade de o trabalhador se fazer substituir por um outro. As substituições pontuais
559
DELGADO, Maurício Godinho. Curso de Direito do Trabalho. cit., p. 786; PRASSL, Jeremias. op. cit., p.
93-96.
560
DELGADO, Maurício Godinho. op. cit., p. 337-338.
561
Id. Ibid., p. 338-339.
213
e autorizadas, por lei ou por norma coletiva, não descaracterizam esse elemento fático-
jurídico. A pessoalidade não se aplica ao empregador, dado que prevalece no Direito do
Trabalho a diretriz da despersonalização da figura do empregador, com a permissão da
alteração contratual subjetiva no âmbito patronal e a manutenção das regras para um mesmo
empregado562.
A ideia de permanência expressa-se por duas principais formas no Direito do
Trabalho. A primeira é a promoção da indeterminação do contrato de trabalho, reflexo do
princípio da continuidade, como tratado acima. A segunda é sua presença na formação sócio-
jurídica da categoria central do Direito do Trabalho, que é a relação de emprego. Para que
seja caracterizada, é necessário que o trabalho desenvolvido seja permanente e não
esporádico563.
O conceito de não eventualidade é controverso e há quatro teorias que modulam o
debate. A primeira é a teoria da descontinuidade, na qual se considera o trabalho descontínuo
e interrupto como eventual, sendo que a prestação de serviços de forma fragmentada e
dispersa no tempo afastaria a configuração da relação de emprego. A CLT, ao prever no art.
3º que o empregado é aquele que “prestar serviços de natureza não eventual” afastou essa
teoria, que se aplica no caso dos trabalhadores domésticos (Lei Complementar n.
150/2015)564.
A segunda é a teoria do evento, em que se tem como eventual o trabalhador que
executa uma atividade para atender um fato, acontecimento ou evento específico e
determinado. A terceira é a teoria dos fins do empreendimento, na qual se admite o trabalho
eventual somente em tarefas que não se relacionem com o principal objeto econômico da
empresa. A quarta é a teoria da fixação jurídica ao tomador de serviços, em que o eventual
não se fixa a uma fonte de trabalho. No Brasil, o conceito de não eventualidade abarca a
combinação dessas três teorias565.
Jorge Luiz Souto Maior destaca que não há necessidade da verificação da prestação
diária de trabalho para a caracterização da não eventualidade. O requisito para tanto é a
identificação da intenção das partes vincularem-se com essa característica atemporal566.
Com o objetivo de diferenciar o empregado do eventual, Maurício Godinho Delgado
define este último a partir de cinco características: (i) inexistência da permanência do
562
DELGADO, Maurício Godinho. op. cit., p. 339-340.
563
Id. Ibid., p. 340-341.
564
Id. Ibid., p. 341-342.
565
Id. Ibid., p. 342-344.
566
SOUTO MAIOR, Jorge Luiz. op. cit, p. 70.
214
567
DELGADO, Maurício Godinho. op. cit., p. 344.
568
Id. Ibid., p. 345-347.
569
Id. Ibid., p. 349.
570
SOUTO MAIOR, Jorge Luiz. op. cit., p. 70.
571
DELGADO, Maurício Godinho. op. cit., p. 352.
215
contornos da subordinação nas relações de emprego, sendo que atualmente ainda é sua
expressão mais comum572.
A subordinação objetiva é a que enfoca a integração do trabalhador e a relevância de
suas atividades dentro dos objetivos empresariais. Verifica-se como a prestação de trabalho,
que ocorre de maneira coordenada ou colaborativa, integra-se e se incorpora na finalidade
da empresa e faz parte da dinâmica geral do empregador. Nesse sentido, o trabalho realizado
pelo empregado é central para se atingir os fins da empresa573.
A subordinação estrutural traduz a ideia de que o trabalhador está inserido na
dinâmica da empresa e acolhe a estrutura da organização e funcionamento do empregador.
Nesse caso, o desempenho de atividades vinculadas à finalidade do tomador de serviços e o
recebimento de ordens diretas não são essenciais. O que ocupa papel central é a ligação
estrutural à dinâmica operativa da empresa574.
Os elementos fáticos-jurídicos que geram maior controvérsia para se caracterizar a
relação de emprego no capitalismo de plataforma são a não eventualidade e a subordinação,
que serão analisados a seguir a partir das perspectivas do trabalho sob demanda por meio de
aplicativos e do crowdwork.
No Brasil, a caracterização da relação de emprego, nos termos acima apontados, é a
porta de entrada da proteção trabalhista. O trabalhador assim enquadrado, tem direito ao
salário mínimo, limitação da jornada de trabalho, tutela quanto à forma da extinção do
contrato de trabalho, seguro-desemprego (em caso de desemprego involuntário), fundo de
garantia do tempo de serviço, décimo terceiro salário, repouso semanal remunerado, férias,
licença-maternidade e licença-paternidade, tutela quanto à segurança e saúde, registro em
carteira de trabalho, dentre outros previstos na Constituição Federal, CLT e leis esparsas. Os
trabalhadores autônomos e eventuais, por sua vez, não usufruem desses direitos.
572
DELGADO, Maurício Godinho. op. cit., p. 352; PORTO, Lorena Vasconcelos. A subordinação no contrato
de trabalho: uma releitura necessária. São Paulo: LTr, 2009, p. 43.
573
DELGADO, Maurício Godinho. op. cit., p. 352; PORTO, Lorena Vasconcelos. op. cit., p. 69-71.
574
DELGADO, Maurício Godinho. op. cit., p. 352.
216
Elena Gramano coloca que há plataformas digitais que impõem aos trabalhadores
cláusulas contratuais que preveem um número mínimo de tarefas que devem executar e de
tempo que devem permanecer disponíveis semanalmente como condição de manterem o
acesso às ofertas de trabalho. A autora aponta que a falta da não eventualidade afasta a
identificação do vínculo empregatício. Contudo, a obrigação de estar disponível deve levar
em consideração se as atividades executadas são ocasionais ou não, independentemente de
serem contínuas ou fragmentadas. Esse elemento fático-jurídico é constatado nos casos das
relações de trabalho que perduram no tempo, em que o trabalhador se coloca à disposição
da plataforma de forma contínua575.
Maria Cecília Alves Pinto afirma que o fato das tarefas realizadas pelos trabalhadores
não ocorrerem em um espaço físico da empresa torna mais complexa a identificação dos
elementos fático-jurídicos da relação de emprego. Ainda, destaca que os novos métodos de
gestão de mão de obra, baseados na tecnologia da informação e comunicação, dificultam a
subsunção da situação fática laboral ao conceito previsto nos arts. 2º e 3º da CLT. A autora
entende que se deve combinar as teorias dos fins da empresa e da fixação jurídica, sendo que
a prestação de serviços em prol de uma pessoa natural ou jurídica determinada, em que essa
atividade esteja inserida no padrão dos fins normais da plataforma, permite aferir a não
eventualidade576. Além da adoção da referida combinação, afirma que há necessidade de
atentar à forma subordinativa ou não da prestação laboral, à condição
social de biscateiro do prestador, que denuncia autonomia negocial, à real
existência de ajuste prévio ou não da natureza da prestação e também à
preponderância ou não do resultado a ser alcançado pelo trabalho e não
deste como pura atividade. O objetivo é ampliar as hipóteses em que o
trabalho é reputado não eventual, tudo para que o trabalhador, pessoa física,
possa usufruir do rol de direitos e garantias trabalhistas, assegurados pela
legislação577.
Analisando especificamente o caso da Uber, José Carlos de Carvalho Baboin aponta
que o fato de a plataforma não determinar horários de seus trabalhadores pode levar à
conclusão de que inexiste o elemento fático-jurídico da não eventualidade. Contudo, ressalta
575
GRAMANO, Elena. Contribuición al debate sobre trabajo y gig-economy a la luz del ordenamento jurídico
italiano. Jan. 2018. Disponível em: <https://ssrn.com/abstract=3109481>. Acesso em: 25 jan. 2018.
576
PINTO, Maria Cecília Alves. As novas ferramentas tecnológicas de gestão de mão de obra e a necessária
releitura do elemento fático-jurídico da não eventualidade na relação de emprego. In: LEME, Ana Carolina
Paes; RODRIGUES, Bruno Alves; CHAVES JÚNIOR, José Eduardo de Resende (Coords.). Tecnologias
disruptivas e a exploração do trabalho humano: a intermediação de mão de obra a partir das plataformas
eletrônicas e seus efeitos jurídicos e sociais. São Paulo: LTr, 2017, p. 203.
577
Id. Ibid., p. 204.
217
578
BABOIN, José Carlos de Carvalho. Trabalhadores sob demanda: o caso “Uber”. Revista da LTr, v. 81, n. 3,
p. 336, Mar. 2017.
579
Id. Ibid., p. 336-337.
580
CUNNINGHAM-PARMETER, Keith. op. cit., p. 1673.
581
RODRIGUES, Bruno Alves. A relação de emprego no serviço de transporte de passageiros ofertado por
intermédio de plataforma eletrônica. In: LEME, Ana Carolina Paes; RODRIGUES, Bruno Alves; CHAVES
JÚNIOR, José Eduardo de Resende (Coords.). Tecnologias disruptivas e a exploração do trabalho humano:
a intermediação de mão de obra a partir das plataformas eletrônicas e seus efeitos jurídicos e sociais. São
Paulo: LTr, 2017, p. 217.
218
582
BRIGNONI, Hugo Fernández. op. cit., p. 46-47.
583
Id. Ibid., p. 47.
584
CUNNINGHAM-PARMETER, Keith. op. cit., p. 1704–1708.
219
modulação na forma pela qual o trabalho é feito, desde a emissão de ordens diretas até
direcionamentos oriundos de intermediários, há controle concentrado e identifica-se a
relação de emprego. Se é bidirecional, em que a empresa influencia o modo de execução do
trabalho, mas o trabalhador também tem autonomia na realização da atividade e opera um
negócio autêntico à parte, há controle compartilhado e uma relação de trabalho autônomo585.
Em face das obrigações, destaca-se que a empresa com capacidade para controlar as
atividades dos trabalhadores deve se responsabilizar pelas obrigações trabalhistas. Esse tema
impacta com maior intensidade as terceirizações, sendo que a tomadora que detém os meios
para monitorar o desempenho, a qualidade e a velocidade da produção, também deve
investigar a reputação da terceirizada, pagar valores que não deem margem à violação das
leis e ser responsabilizada pelo inadimplemento trabalhista586.
Rodrigo de Lacerda Carelli coloca que o capitalismo de plataforma é centrado no
algoritmo, responsável por garantir que os objetivos da empresa sejam alcançados. Esse
mecanismo é reprogramado constantemente a partir do desenvolvimento da atividade e
molda as tarefas feitas pelos trabalhadores sem a necessidade de intervenção direta do
empregador. A liberdade que os empregados teriam nesse modelo é fictícia, dado que
respondem aos comandos do algoritmo. Nesse sentido, os trabalhadores têm uma autonomia
na subordinação e são controlados por programação ou algoritmos587.
A subordinação no capitalismo de plataforma é caracterizada pelo controle por
sanções e premiações (ou sticks and carrots), em que os trabalhadores que seguem a
programação estabelecida pelo algoritmo são recompensados, ao passo que a inobservância
pode leva-los à punição e à exclusão da plataforma588.
Uma das características da organização do trabalho no novo modelo, que é a
constante insegurança econômica dos trabalhadores, facilita o controle das atividades e leva
a um cenário de mobilização total, em que a mão de obra deve estar permanentemente
disponível589.
Outro fator que compõe o controle por programação (ou por algoritmos) no
capitalismo de plataforma é a avaliação da consecução dos objetivos, em que as atividades
585
CUNNINGHAM-PARMETER, Keith. op. cit., p. 1708-1710.
586
Id. Ibid., p. 1710-1714.
587
CARELLI, Rodrigo de Lacerda. O caso Uber e o controle por programação: de carona para o século XIX.
In: LEME, Ana Carolina Paes; RODRIGUES, Bruno Alves; CHAVES JÚNIOR, José Eduardo de Resende
(Coords.). Tecnologias disruptivas e a exploração do trabalho humano: a intermediação de mão de obra a
partir das plataformas eletrônicas e seus efeitos jurídicos e sociais. São Paulo: LTr, 2017, p. 141.
588
Id. Ibid., p. 141-142.
589
Id. Ibid., p. 142.
220
590
CARELLI, Rodrigo de Lacerda. op. cit., p. 141-142.
591
Id. Ibid., p. 141-142.
592
TIPPET, Elizabeth. Employee classification in the sharing economy. In: DAVIDSON, Nestor; INFRANCA,
John; FINCK, Michèle. (Eds.). The Cambridge handbook of law and regulation of the sharing economy.
New York: Cambridge University Press, 2018, p. 302.
593
Id. Ibid., p. 303.
594
REIS, Daniela Muradas; CORASSA, Eugênio Delmaestro. Aplicativos de transporte e plataforma de
controle: o mito da tecnologia disruptiva do emprego e a subordinação por algoritmos. In: LEME, Ana
Carolina Paes; RODRIGUES, Bruno Alves; CHAVES JÚNIOR, José Eduardo de Resende (Coords.).
221
Tecnologias disruptivas e a exploração do trabalho humano: a intermediação de mão de obra a partir das
plataformas eletrônicas e seus efeitos jurídicos e sociais. São Paulo: LTr, 2017, p. 164.
595
REIS, Daniela Muradas; CORASSA, Eugênio Delmaestro. op. cit., p. 164.
596
Id. Ibid., p. 164-165.
597
CHAVES JUNIOR, José Eduardo de Resende; MENDES, Marcus Menezes Barberino; OLIVEIRA, Murilo
Carvalho Sampaio. Subordinação, dependência e alienidade no trânsito para o capitalismo tecnológico. In:
LEME, Ana Carolina Paes; RODRIGUES, Bruno Alves; CHAVES JÚNIOR, José Eduardo de Resende
(Coords.). Tecnologias disruptivas e a exploração do trabalho humano: a intermediação de mão de obra a
partir das plataformas eletrônicas e seus efeitos jurídicos e sociais. São Paulo: LTr, 2017, p. 170-172.
222
3.1.1.2.1. Uber
O estudo e a análise da subordinação na relação de trabalho entre motoristas e a Uber
têm suscitado distintos posicionamentos, tanto na doutrina como na jurisprudência
trabalhista. A dinâmica do trabalho, que não é a corriqueira no cotidiano laboral, contribui
para que a verificação do controle dos trabalhadores esteja em construção.
Guy Davidov trata da relação de trabalho entre os motoristas e a Uber pela
perspectiva da abordagem teleológica do Direito do Trabalho, em que problemas que não
podem ser resolvidos pela interpretação jurídica e demandam alterações legislativas são
expostos. Novas formas de trabalho, como as que emergem no capitalismo de plataforma,
não devem ser analisadas a partir da comparação com as formas tradicionais, mas sob a
598
CHAVES JUNIOR, José Eduardo de Resende; MENDES, Marcus Menezes Barberino; OLIVEIRA, Murilo
Carvalho Sampaio. op. cit., p. 172-173.
599
Id. Ibid., p. 174-175.
600
FREITAS JUNIOR, Antonio Rodrigues; SILVA, Victor Raduan. The uberization of work and the legal
regulation: the challenge of labor protection in semi-peripheral economies. Sept. 2017. Disponível em:
<http://www.labourlawresearch.net/sites/default/files/papers/FINAL%20LLRN3-1.02-Freitas-Junior-
Silva%20copy.pdf>. Acesso em 6 out. 2017. O autor se refere à economia criativa e economia de bico (gig
economy) para o que denominamos como capitalismo de plataforma.
223
601
DAVIDOV, Guy. The status of Uber drivers: a purposive approach. Spanish Labour Law and Employment
Relations Journal, v. 6, n. 1-2, p. 9-11, Nov. 2017.
602
Id. Ibid., p. 11-12.
603
Id. Ibid., p. 13-14.
224
604
CUNNINGHAM-PARMETER, Keith. op. cit., p. 1717-1723.
605
PINSOF, Jennifer. A New Take on an Old Problem: Employee Misclassification in the Modern Gig-
Economy Notes. Michigan Telecommunications and Technology Law Review, v. 22, p. 355-364, 2016.
606
CARELLI, Rodrigo de Lacerda. op. cit., p. 142.
607
Id. Ibid, p. 142-143.
225
do serviço que comercializa, para avaliar o trabalho dos motoristas e suspender ou excluir
aqueles cujo desempenho fica abaixo do mínimo esperado pela plataforma608.
O autor entende que o controle por programação adotado pela Uber é possível de ser
tratado pelo Direito do Trabalho brasileiro. Os arts. 2º e 3º da CLT não falam que o
trabalhador deve receber ordens ou da subordinação clássica. O que a CLT aponta é a direção
do trabalho e a realização do trabalho “sob dependência” do empregador, o que se identifica
no controle por programação. Ainda, reforça essa posição a equiparação dos meios
telemáticos e informatizados de comando, controle e supervisão, para fins de subordinação
jurídica, aos meios pessoais e diretos de comando, controle e supervisão de trabalho alheio,
previsto no parágrafo único do art. 6º da CLT609.
José Carlos de Carvalho Baboin analisa a subordinação dos motoristas da Uber tendo
em visa as três dimensões do fenômeno já abordadas. O primeiro aspecto identificado da
subordinação é a forma de comportamento dos trabalhadores quando estão realizando as
corridas, como as características do vestuário, ofertar água e balas para os passageiros,
envidar esforços para que a viagem seja a melhor possível, vedar a realização de propagandas
nos carros e de combinar viagens com os passageiros fora do aplicativo, bem como proibir
a instalação de câmeras nos veículos610.
Outros elementos que apontam para a subordinação são: (i) a forma de remuneração
é determinada pela empresa, num quadro em que o motorista não tem qualquer possibilidade
de influir no valor do preço da corrida, e o pagamento é feito semanalmente; (ii) a Uber
exclui motoristas da plataforma quando recebem notas baixas dos passageiros, sendo que a
avaliação é feita a partir de parâmetros estabelecidos pela empresa; (iii) a plataforma
gerencia os conflitos que existem entre clientes e trabalhadores; (iv) a falta de controle do
horário de trabalho dos motoristas é atenuada pelo fato da jornada ser imposta pela realidade
social, especialmente daqueles que são economicamente dependentes; (v) há gerenciamento
da mão de obra por meio do algoritmo, especialmente pelo preço dinâmico611.
O autor defende ser possível identificar as três dimensões da subordinação no
trabalho dos motoristas na Uber:
Seja porque recebe inúmeras ordens e é controlado em sua prestação
laboral, nos termos da visão clássica, seja porque está inerentemente
integrado nas atividades elementares da empresa, conforme a teoria
608
CARELLI, Rodrigo de Lacerda. op. cit., p. 143-144.
609
Id. Ibid., p. 144-145.
610
BABOIN, José Carlos de Carvalho. op. cit., p. 338.
611
Id. Ibid., p. 338-342.
226
612
BABOIN, José Carlos de Carvalho. op. cit., p. 342.
613
LEME, Ana Carolina Reis Paes. Da máquina à nuvem: caminhos para o acesso à justiça pela via de direitos
dos motoristas da Uber. 2018. 157f. Dissertação (Mestrado em Direito) – Faculdade de Direito,
Universidade Federal de Minas Gerais, 2018, p. 90-91. Apesar da predominância de decisões improcedentes
que requisitaram o reconhecimento de vínculo empregatício, a autora aponta que no TRT da 3ª Região, a
plataforma adotou a estratégia de celebrar acordos judiciais em reclamações individuais em que se
considerava que o juiz ou o desembargador teria propensão a acolher a tese do empregado e deferir o pedido
de vínculo de emprego (Id. Ibid., p. 102-104).
614
Para a apresentação dos argumentos utilizados em decisões que identificaram a subordinação dos
trabalhadores, foram analisadas as sentenças dos processos 0011359-34.2016.5.03.0112, 1001492-
33.2016.5.02.0013, 1000123-89.2017.5.02.0038 e 0100351-05.2017.5.01.0075.
227
(iv) o motorista assume os riscos do negócio, dado que todos os custos exigidos pela
prestação do serviço são de sua responsabilidade; (v) a precificação das corridas pela Uber
não é indício de relação de emprego, dado que isso também ocorre em outros contratos,
como na representação comercial; e (vi) a Uber é uma plataforma que conecta os passageiros
aos motoristas cadastrados no aplicativo615.
O Ministério Público do Trabalho (MPT), por meio do Grupo de Estudos “Uber” da
Coordenadoria Nacional de Combate às Fraudes na Relação de Trabalho (CONAFRET),
elaborou estudo sobre as relações de trabalho na plataforma que dá nome ao Grupo, com o
objetivo de oferecer subsídios às investigações que analisavam a existência de vínculo
empregatício dos motoristas com a Uber. O MPT adota posicionamento na linha exposta por
Rodrigo de Lacerda Carelli, em que há um controle por programação (ou por comandos ou
por algoritmo), em que se passa da ficção do trabalhador-mercadoria dos trinta anos
gloriosos para a ficção do trabalhador-livre do capitalismo de plataforma616.
O MPT aponta que na Uber se identifica a mudança da forma, mas não da natureza
das relações de trabalho:
de um lado as pessoas, travestidas em realidades intersubjetivas
denominadas empresas, que detêm capital para investir na produção e
serviços e b) do outro lado os demais indivíduos que têm somente o
trabalho a ser utilizado e apropriado por essas realidades intersubjetivas
para a realização de sua atividade econômica. A exploração dos segundos
pelos primeiros continua a mesma617.
Segundo o entendimento do MPT, assim como Rodrigo de Lacerda Carelli, o ordenamento
jurídico trabalhista tem instrumental para lidar com gerenciamento da mão de obra da Uber
pelo controle por programação por meio dos arts. 2º, 3º e 6º da CLT618.
615
Para a apresentação dos argumentos utilizados em decisões que não identificaram a subordinação dos
trabalhadores, foram analisadas as sentenças e acórdãos dos processos 0011359-34.2016.5.03.0112,
0001995-46.2016.5.10.0111, 0010729-56.2017.5.03.0010, 1001574-25.2016.5.02.0026, 1000123-
89.2017.5.02.00380 e 0011863-62.2016.5.03.0137.
616
MINISTÉRIO PÚBLICO DO TRABALHO. Relatório conclusivo: Grupo de Estudos “GE Uber”. Brasília:
MPT, 2017, p. 23.
617
Id. Ibid., p. 23-24.
618
Id. Ibid., p. 28-31.
228
Alex Felstiner afirma ser possível identificar sete aspectos em que a Mechanical Turk
controla as atividades dos trabalhadores. Primeiramente, a plataforma estabelece as cláusulas
do acordo de participação unilateralmente e, em uma delas, fixa uma condição de trabalho
central: a possibilidade de o tomador de serviços rejeitar o trabalho enviado pelo trabalhador
e ficar com o seu produto, sem qualquer compensação. Em segundo lugar, é permitida a
execução e emissão dos trabalhos somente na Mechanical Turk, o que aponta que a
plataforma quer ser o local exclusivo da troca comercial, não sendo admitida a contratação
fora da AMT. Em terceiro lugar, a Mechanical Turk exige que os trabalhadores abram mão
da propriedade intelectual de todas as tarefas feitas na plataforma619.
Em quarto lugar, a AMT veda que os trabalhadores utilizem outros meios ou pessoas
além de suas próprias capacidades para realizarem as atividades assumidas perante os
tomadores de serviços. Em quinto lugar, o acordo de participação prevê a não extensão de
benefícios que a Amazon ou os tomadores de serviço proveem aos seus empregados para os
trabalhadores da AMT e isso cria obstáculos para que esses possam negociar melhorias na
remuneração com os contratantes. Em sexto lugar, a AMT impõe cláusula de arbitragem
obrigatória e impossibilidade de arbitrar casos coletivos que se relacionem com questões do
acordo de participação. Por fim, a Mechanical Turk detém o poder de excluir o trabalhador
da plataforma620.
Em relação à supervisão do trabalho, o autor entende que a AMT possui vários
instrumentos que permitem o acompanhamento das atividades desempenhadas pelos
trabalhadores, como o histórico de tarefas aceitas e rejeitadas, o que serve como parâmetro
para os tomadores de serviços. Nesse sentido, a supervisão é realizada não pela plataforma,
mas pelos contratantes621.
No tocante à permanência na plataforma, aponta-se que apesar das relações entre os
tomadores e os prestadores de serviços serem geralmente esporádicas e de curto prazo, a
relação entre a Mechanical Turk e os trabalhadores tende a ser mais extensa, com início
assim que ocorre a aceitação dos termos e condições de uso. O trabalhador depende mais da
Amazon do que de qualquer tomador, dado que é a AMT que mantém e promove a
plataforma, além de viabilizar o trabalho e o seu pagamento622.
Sobre as tarifas e o método de pagamento, o autor destaca que o valor das tarefas é
estabelecido pelo tomador de serviços e a Mechanical Turk somente fixa o preço mínimo.
619
FELSTINER, Alex. op. cit., p. 191-192.
620
Id. Ibid., p. 192-194.
621
Id. Ibid., p. 194.
622
Id. Ibid., p. 195.
229
623
FELSTINER, Alex. op. cit., p. 195-196.
624
Id. Ibid., p. 196.
625
FABRELLAS, Anna Ginès i. Crowdsourcing sites y nuevas formas de trabajo: el caso de Amazon
Mechanical Turk. Revista Derecho y Empresa, n. 6, p. 83, Dez. 2016.
626
Id. Ibid., p. 83.
230
no direito romano e que foi se desenvolvendo ao longo da história, adaptando-se aos modos
de produção predominantes em cada época627.
No Brasil, o trabalho autônomo é regulado pelo Código Civil, nos arts. 593 a 609. O
tratamento da matéria não é minucioso. O art. 593 limita-se a dizer que “a prestação de
serviço, que não estiver sujeita às leis trabalhistas ou a lei especial, reger-se-á pelas
disposições deste Capítulo”. Ou seja, o Código Civil define o escopo do trabalho autônomo
a partir de tudo o que não for relação de emprego ou forma de trabalho regulada por
legislação especial. As demais disposições do Código Civil tratam do objeto da contratação,
forma contratual e de remuneração, tempo de duração e meios e consequências da extinção
do contrato.
O art. 442-B da CLT, introduzido pela Lei n. 13.467/17, estabelece que “a
contratação do autônomo, cumpridas por este todas as formalidades legais, com ou sem
exclusividade, de forma contínua ou não, afasta a qualidade de empregado prevista no art.
3º desta Consolidação”.
A Lei n. 8.213/91, ao estabelecer os segurados obrigatórios da Previdência Social,
oferece uma definição legal de trabalhador autônomo quando trata de “quem presta serviço
de natureza urbana ou rural, em caráter eventual, a uma ou mais pessoas, sem relação de
emprego” (art. 11, V, g) e “a pessoa física que exerce, por conta própria, atividade econômica
de natureza urbana, com fins lucrativos ou não” (art. 11, V, h). Um rol exemplificativo de
trabalhadores autônomos está no art. 9º, V do Decreto n. 3.048/99628.
O trabalho autônomo é o desenvolvido por pessoa que realiza tarefa por conta própria,
estabelece a si mesma as condições de trabalho e assume os riscos da atividade. O trabalho
é realizado de forma independente e viabilizado por uma estrutura empresarial gerenciada
pelo prestador de serviço. Nelson Mannrich aponta como características do trabalhador
autônomo: (i) pessoalidade; (ii) autonomia; (iii) exercício de atividade econômica; (iv)
habitualidade; (v) estrutura empresarial; (vi) independência econômica e técnica, ainda que
relativas. O autor identifica algumas atividades em que se contrata autônomos com maior
frequência: as que demandam conhecimento específico para executá-las, as que servem para
adaptação conjuntural de empresas para incrementar a competitividade, as que exigem
especialidade em tecnologia da informação e comunicação, as centradas no trabalho
intelectual e as que envolvem terceirização629.
627
SILVA, Otavio Pinto e. Subordinação, autonomia e parassubordinação nas relações de trabalho. São
Paulo: LTr, 2004, p. 41-42.
628
Id. Ibid., p. 50.
629
MANNRICH, Nelson. op. cit., p. 235.
231
Otavio Pinto e Silva afirma que o conceito de trabalho autônomo pode ser explicado
conforme o aspecto que se queira ressaltar. No tocante ao trabalho por conta própria, o
destaque recai no fato de os rendimentos da atividade realizada ficarem somente para o
trabalhador. Sobre a assunção do risco, ressalta-se que o trabalhador aufere os lucros ou
assume os prejuízos conforme o sucesso ou fracasso da atividade, o que também é uma
característica do conceito legal de empregador. Em relação ao modo de execução do trabalho,
verifica-se que o autônomo define como e quando a tarefa será realizada e o seu preço,
inexistindo fiscalização do tomador dos serviços630.
O autor ainda menciona que há tentativas de explicar o trabalho autônomo pela
finalidade da prestação dos serviços, pelo resultado do trabalho e pela propriedade dos
instrumentos de trabalho. Contudo, todas são insuficientes para tratar desta categoria. No
primeiro caso, a distinção entre obrigação de meio e obrigação de resultado para se associar
essa ao trabalho autônomo é insuficiente, dado que há situações em que se contrata
trabalhador para o desempenho de uma tarefa com qualidade, na qual o resultado tem
importância secundária. No segundo, a associação exclusiva entre resultado imediato e
trabalho autônomo não representa adequadamente o que se passa no cotidiano, sendo um
critério impreciso. No terceiro, apesar de se constatar que grande parte dos autônomos são
proprietários dos instrumentos necessários para a prestação do serviço, isso não é
característica exclusiva desses trabalhadores, uma vez ser possível que os empregados
utilizem suas próprias ferramentas, máquinas ou equipamentos para execução de suas
tarefas631.
Finalmente, destacamos que o art. 442-B da CLT insinua ser possível a contratação
do trabalho autônomo que seja exclusivo e contínuo. A leitura do artigo sugere a tentativa
de, por meio de lei, afastar o reconhecimento do vínculo empregatício entre o tomador de
serviços e o trabalhador contratado como autônomo.
A iniciativa não é criativa: o mesmo ocorreu com a inserção do parágrafo único do
art. 442 da CLT pela Lei n. 8.949/94 e a tentativa de inviabilizar o vínculo empregatício
entre a cooperativa e o cooperado. Nesse caso, os tribunais trabalhistas continuaram
declarando o vínculo empregatício entre o trabalhador e a cooperativa quando presentes os
elementos fático-jurídicos nos arts. 2º e 3º da CLT. Não há motivo para se comportar de
forma distinta diante da introdução do art. 442-B na CLT632.
630
SILVA, Otavio Pinto e. op. cit., p. 43-49.
631
Id. Ibid., p. 45-48.
632
DELGADO, Maurício Godinho; DELGADO, Gabriela Neves. A reforma trabalhista no Brasil: com os
comentários à Lei n. 13.467/2017. 2ª ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: LTr, 2018, p. 158-161.
232
633
RABAY, Dario; MARTINEZ NETO, Aldo Augusto. Motoristas do Uber: empregados ou autônomos? O
Estado de São Paulo, São Paulo, 22 out. 2015. Disponível em: <https://politica.estadao.com.br/blogs/fausto-
macedo/motoristas-do-uber-empregados-ou-autonomos>. Acesso em 31 out. 2018.
634
UBER. Oportunidades em todo o lugar. Disponível em: <https://www.uber.com/br/pt-br/drive>. Acesso em
02 nov. 2018.
635
Id. Fatos e dados sobre a Uber. cit.
233
autônomo. Sendo assim, “a mudança da ferramenta de captação de clientes não pode alterar
a natureza de uma relação jurídica que já nasce autônoma”636.
Em relação à assunção dos riscos da atividade, os autores afirmam que o motorista é
responsável por comprar ou alugar o carro que dirige e por arcar com os custos relativos à
operação do veículo, como combustível, impostos, manutenção, dentre outros. Soma-se a
isso o fato de que os ganhos são definidos conforme os dias e horários que o trabalhador
decide dirigir, o que também é apontado pela Uber637.
Ambos os argumentos foram recepcionados por parte do Poder Judiciário Trabalhista
no Brasil, como se pode ver nos principais elementos levados em consideração para que não
fosse identificada a subordinação em reclamações trabalhistas julgadas improcedentes.
Cabe ainda mencionar que a Lei n. 12.587/12, recentemente modificada pela Lei n.
13.640/18, que regulamenta o transporte individual de passageiros, prevê no art. 11-A, §
único, III que
na regulamentação e fiscalização do serviço de transporte privado
individual de passageiros, os Municípios e o Distrito Federal deverão
observar as seguintes diretrizes, tendo em vista a eficiência, a eficácia, a
segurança e a efetividade na prestação do serviço: a exigência de inscrição
do motorista como contribuinte individual do Instituto Nacional do Seguro
Social (INSS), nos termos da alínea h do inciso V do art. 11 da Lei n. 8.213,
de 24 de julho de 1991.
No referido dispositivo mencionado pelo art. 11-A, § único, III da Lei n. 12.587/12, há
menção à “pessoa física que exerce, por conta própria, atividade econômica de natureza
urbana, com fins lucrativos ou não”. Ou seja, percebe-se que a Lei n. 12.587/12 trata o
motorista das plataformas como trabalhador autônomo e tenta afastar o elemento fático-
jurídico da subordinação dessa relação638.
A Amazon Mechanical Turk ressalta que as atividades disponíveis na plataforma são
para que os trabalhadores possam ganhar dinheiro em seu tempo livre. Desta forma, a
decisão sobre como, quando e quanto se dedicarão às tarefas na MTurk, e consequentemente
os valores que irão auferir, está sujeita à conveniência de cada um 639. Portanto, nota-se que
636
RABAY, Dario; MARTINEZ NETO, Aldo Augusto. op. cit.
637
Id. Ibid.
638
MIAZARA, Raphael. A Lei n. 13.640/18 e o vínculo empregatício dos motoristas em plataformas digitais.
Os Trabalhistas, Teresina, 07 nov. 2018. Disponível em: <http://ostrabalhistas.com.br/pela-lei-no-13-
6402018-motorista-do-uber-e-afins-nao-e-empregado-sera>. Acesso em: 08 nov. 2018.
639
AMAZON MECHANICAL TURK. Worker. Disponível em: <https://www.mturk.com/worker>. Acesso
em: 02 nov. 2018.
234
640
LEAGLE. Cotter v. Lyft, Inc. 2015. Disponível em:
<https://www.leagle.com/decision/infdco20150312a52>. Acesso em: 01 nov. 2018: “the jury in this case
will be handed a square peg and asked to choose betwen two round holes”.
641
FREITAS JUNIOR, Antonio Rodrigues; SILVA, Victor Raduan. op. cit., p. 24-25.
235
regulação ser datada, demandando a sua atualização com enfoque na atuação coletiva dos
trabalhadores.
Nesse sentido, analisaremos a seguir propostas com enfoque nas formas de trabalho
no capitalismo de plataforma: (i) criação de uma nova categoria para classificar os
trabalhadores; (ii) caracterização da relação de emprego a partir da dependência econômica;
(iii) reformulação do conceito de empregador; (iv) elaboração de um contrato de trabalho
adaptado ao trabalho sob demanda por meio de aplicativos e crowdwork; (v) ampliação
subjetiva do Direito do Trabalho; e (vi) instituição de regulação afinada com o vanguardismo
inclusivo.
642
CHERRY, Miriam; ALOISI, Antonio. op. cit., p. 646-647.
643
Id. Ibid., p. 646.
644
Id. Ibid, p. 646-647.
236
trabalhadores. Há décadas países têm realizado reformas legislativas que introduzem uma
figura com notas de autonomia e dependência ou subordinação nos ordenamentos jurídicos.
No Canadá, alguns estados introduziram a figura do contratado dependente
(dependent contractor) em seus ordenamentos jurídicos, definindo-o a partir da prestação de
trabalho, em que há a obrigação de executar tarefas, mediante remuneração e existe
dependência econômica do trabalhador em face do tomador. As regulações sobre essa
categoria tratam de Direito Coletivo do Trabalho. No Reino Unido, há a figura do
trabalhador (worker), que é caracterizado pela prestação de trabalho de forma pessoal, em
que há contraprestação pecuniária, limitação para subcontratar a atividade e obrigação de
prestar e de dar trabalho no período contratual. Aplicam-se aos trabalhadores alguns direitos
dos empregados, como salário mínimo, limitação de jornada, proteção contra discriminação,
dentre outros. Contudo, não têm proteção contra dispensa arbitrária e indenização pelo
rompimento do contrato645. Nos casos analisados pelos tribunais trabalhistas britânicos sobre
o status dos motoristas da Uber, os trabalhadores foram classificados nessa categoria
intermediária. Segundo Valerio de Stefano, nas ações judiciais pede-se a classificação dos
motoristas como workers em razão do conceito de empregado ser muito rígido no Reino
Unido646.
Na Alemanha, criou-se a figura dos quase-empregados (arbeitnehmerähnliche
Person), em que o trabalhador deve prestar trabalho de forma pessoal em favor de um cliente
no escopo de um projeto específico. A atividade é realizada somente para um cliente, o qual
é responsável por pelo menos 50% da renda do trabalhador. Na Espanha, há o trabalhador
autônomo economicamente dependente (trabajador autónomo económicamente
dependiente), que desenvolve trabalho de forma pessoal, não pode subcontratar a tarefa,
assume o risco da atividade, tem os instrumentos necessários para executar o trabalho e
recebe pelo menos 75% da sua renda de um único tomador647.
Na Itália, há o trabalhador parassubordinado (lavoratore parasubordinato),
introduzido no ordenamento jurídico em 1973, em que a prestação de serviços é
caracterizada como uma atividade pessoal desempenhada de forma contínua e por meio de
colaboração coordenada. Ficaram conhecidos como co.co.co, ou colaboradores coordenados
645
CHERRY, Miriam; ALOISI, Antonio. op. cit., p. 651-656; DE STEFANO, Valerio. op. cit., p. 497.
646
DE STEFANO, op. cit., p. 497.
647
CHERRY, Miriam; ALOISI, Antonio. A critical examination of a third employment category for on-demand
work (in comparative perspective). In: DAVIDSON, Nestor; INFRANCA, John; FINCK, Michèle.
(Eds.). The Cambridge handbook of law and regulation of the sharing economy. New York: Cambridge
University Press, 2018, p. 326.
237
648
CHERRY, Miriam; ALOISI, Antonio. “Dependent contractors” in the gig economy: a comparative approach.
cit., p. 656-667; DE STEFANO, Valerio, op. cit., p. 496-497; DEL CONTE, Maurizio; GRAMANO, Elena.
Looking to the other side of the bench: the new legal status of independent contractors under the Italian
legal system. Comparative labor law & policy journal, v. 39, n. 3, p. 625, 2018. Não é consensual o
entendimento que o parassubordinado é uma categoria intermediária. Antonio Aloisi afirma que se tratou
da disposição de algumas proteções para uma parte dos trabalhadores autônomos (ALOISI, Antonio.
Dispatch n. 13 – Italy – With great power comes virtual freedom: A review of the first Italian case holding
that (food-delivery) platform workers are not employees. Dezembro, 2018. Disponível em:
<https://cllpj.law.illinois.edu/dispatches>. Acesso em: 12 dez. 2018).
649
GOLDIN, Adrián. The subjective weakening of labour law. In: DAVIDOV, Guy; LANGILLE, Brian (Orgs.).
Boundaries and frontiers of labour law. Oxford: Hart, 2006, p. 123-124.
238
650
CARBONI, Megan. A new class of worker for the sharing economy. Richmond Journal of Law &
Technology, v. 22, n. 4, p. 39, 2016.
651
HARRIS, Seth; KRUEGER, Alan. op. cit., p. 6-9.
652
Id. Ibid., p. 9.
239
653
HARRIS, Seth; KRUEGER, Alan. op. cit., p. 13.
654
Id. Ibid., p. 13-14.
655
Id. Ibid., p. 14.
656
Id. Ibid., p. 15-18.
240
657
HARRIS, Seth; KRUEGER, Alan. op. cit., p. 18-20.
658
Id. Ibid., p. 25-26.
659
LOBEL, Orly. The gig economy & the future of employment and labor law. University of San Francisco
Law Review, v. 51, p. 64-69, 2017.
660
DE STEFANO, Valerio. op. cit., p. 495, tradução nossa de: “legal definitions, however, are always slippery
when they are applied in practice: the real risk is shifting the grey-zone somewhere else without removing
the risk of arbitrage and significant litigation in this respect, especially if the rights afforded to workers in
that category afford any meaningful protection”.
241
Valerio de Stefano aponta que a falta de controle direto e ostensivo das plataformas
sobre a execução do trabalho não justifica a criação de uma nova categoria. A análise da
subordinação dos trabalhadores não deve ser direcionada para a verificação de um
gerenciamento detalhado das suas atividades, como parte dos estudos sobre o capitalismo de
plataforma faz, mas para o papel atribuído à tecnologia adotada pela plataforma na
conformação das tarefas feitas pelos trabalhadores661.
Benjamin Sachs também não concorda com a proposta de Seth Harris e Alan Krueger.
Segundo o autor, para que uma terceira categoria seja criada, é preciso avaliar duas questões:
(i) se o modelo existente é incapaz de oferecer respostas às novas formas de trabalho; e (ii)
se a classificação dos trabalhadores como empregados inviabiliza o modelo de negócios das
plataformas digitais. A resposta encontrada para ambas não aponta para a necessidade de
uma categoria intermediária. Ainda, ressalta-se que a maior parte da análise que embasa a
criação da categoria do trabalhador independente é oriunda da realidade dos motoristas da
Uber662.
Em primeiro lugar, Benjamin Sachs assume essa premissa e destaca que as
características apontadas por Seth Harris e Alan Krueger para que os trabalhadores da Uber
não sejam classificados como empregados, como a inexistência de dependência em face de
um único empregador, o curto prazo das relações com as plataformas e o controle dos
horários e das estratégias para auferir ganhos, não são determinantes da relação de trabalho
a ponto de inviabilizar a identificação do vínculo empregatício. Pelo contrário, o autor
destaca que os seguintes elementos assumem protagonismo na relação de trabalho e,
consequentemente, indicam a existência de uma relação de emprego: (i) a plataforma
controla como o trabalho é executado; (ii) as tarefas desempenhadas pelos motoristas fazem
parte do negócio central da Uber; (iii) o investimento dos trabalhadores é sensivelmente
menor que da empresa quando se olha para a atividade econômica como um todo; (iv) os
trabalhadores não têm habilidades gerenciais para organizarem suas tarefas e
potencializarem os lucros; (v) suas atividades não demandam qualificação especifica; (vi) a
Uber controla o acesso dos motoristas à plataforma e determina o preço do trabalho663.
Sobre a impossibilidade de mensurar as horas de trabalho dos trabalhadores no
capitalismo de plataforma, e especificamente dos motoristas da Uber, Benjamin Sachs
661
DE STEFANO, Valerio. op. cit., p. 497-498.
662
SACHS, Benjamin. Do we need an “independent worker” category? OnLabor, Cambridge, 08 dez. 2015.
Disponivel em: <https://onlabor.org/do-we-need-an-independent-worker-category>. Acesso em: 31 jan.
2016.
663
Id. Ibid.
242
664
SACHS, Benjamin. op. cit.
665
MISHEL, Lawrence; EISENBREY, Ross. Uber business model does not justify a new “independent worker”
category. Março, 2016. Disponível em: <https://www.epi.org/publication/uber-business-model-does-not-
justify-a-new-independent-worker-category>. Acesso em: 05 dez. 2017.
666
BENSUSÁN, Graciela; EICHHORST, Werner; RODRÍGUEZ, Juan Manuel. Las transformaciones
tecnológicas y sus desafios para el empleo, las relaciones laborales y la identificación de la demanda de
cualificaciones. Novembro, 2017. Disponível em:
<https://repositorio.cepal.org/bitstream/handle/11362/42613/S1700870_es.pdf?sequence=1&isAllowed=>.
Acesso em: 09 nov. 2018, p. 143.
243
667
SILVA, Otavio Pinto e. op. cit., p. 58-62.
668
PORTO, Lorena Vasconcelos. op. cit., p. 101-103.
244
669
SUPIOT, Alain. Et si l’on refondait le droit du travail? Le Monde Diplomatique, Paris, oct. 2017. Disponível
em: <https://www.monde-diplomatique.fr/2017/10/SUPIOT/58009>. Acesso em: 15 out. 2017.
670
Id. Ibid.
671
DOCKÈS, Emmanuel et al. Proposition de code du travail. Paris: Dalloz, 2017, p. 2-4.
672
Id. Ibid., p. 5, tradução nossa de: “une personne physique qui execute um travail sous le pouvoir de fait ou
sous la dépendance d’autrui”.
245
de fato como “a capacidade prática que dispõe uma pessoa de comandar uma outra e de se
fazer obedecer” 673 , refletindo a ideia de subordinação. Continuando, indicam que “a
dependência é a situação de fragilidade que pode ser constatada quando a atividade
profissional de uma pessoa depende dos meios ou da vontade de outrem” 674 . Os
empregadores são “as pessoas naturais ou jurídicas que, separada ou conjuntamente,
exercem um poder de fato sobre os assalariados ou mantém os assalariados sob sua
dependência” 675 . Portanto, nota-se que a relação de emprego é caracterizada de forma
alternativa: subordinação ou dependência676.
Em razão das definições apresentadas acima e com enfoque no trabalhador que não
é subordinado, mas dependente, propõe-se a introdução da categoria do assalariado
autônomo, caracterizado como “um assalariado que é autônomo em seu trabalho e na
organização da sua utilização do tempo” 677 . Considera-se autônomo quem “não receba
ordens quanto às modalidades de execução de suas tarefas ou de suas missões”678. Em relação
aos seus horários, considera-se autônomo na organização do seu tempo aquele “que não
receba ordens nem do empregador nem de seus clientes quanto aos seus horários e dias de
trabalho e cuja utilização do tempo não seja restringida pela organização geral da empresa”679.
Brishen Rogers coloca que as relações caracterizadas pela dependência econômica e
pela desigualdade de poder na negociação devem ser protegidas da dominação, tanto a
diádica, que é aquela em que uma parte tem poder tão desproporcional diante da outra que a
submete a demandas arbitrárias, e a estrutural, que ocorre quando a parte mais fraca não tem
opção a não ser participar de uma determinada relação. O que se denomina como princípio
da antidominação coloca o Direito do Trabalho como instrumento para oferecer um mínimo
de dignidade e de equidade interpessoal aos trabalhadores e para criar e manter uma
economia política igualitária, enfraquecendo a dominação estrutural. O cenário analisado
pelo autor que o leva a apontar para a aplicação do Direito do Trabalho nos casos em que se
673
DOCKÈS, Emmanuel et al. op. cit., p. 5, tradução nossa de: “la capacite pratique dont dispose une personne
d’em commander une autre et s’em faire obéir”.
674
Id. Ibid., p. 6, tradução nossa de: “la dépendance est la situation de faiblesse qui peut être constatées lorsque
l’activité professionnelle d’une personne dépend des moyens ou de volonté d’autri”.
675
Id. Ibid., p. 6, tradução nossa de: “les personnes physiques ou morales qui, séparément ou ensemble, soit
exercent un pouvoir de fait sur le salarié, soit tiennent le salarié en leur dépendance”.
676
Id, Ibid, p. 6.
677
Id. Ibid., p. 7, tradução nossa de: “un salarié qui est autonome dans son travail et dans l’organisation de son
emploi du temps”.
678
Id. Ibid., p. 7, tradução nossa de: “ne reçoit pas de directives quant aux modalités d’exécution de as tâche ou
de ses missions”.
679
Id. Ibid., p. 207, tradução nossa de: “qui ne reçoit de directives ni de l’employer ni de ses clientes quant à
ses horaires et ses jours de travail et dont l’emploi du temps n’est pas constraint par l’organisation générale
de l’enterprise”.
246
680
ROGERS, Brishen. Employment rights in the platform econmy: getting back to basics. Harvard Law and
Policy Review, v. 10, p. 500-505, 2016.
681
OLIVEIRA, Murilo Carvalho Sampaio. O retorno da dependência econômica no Direito do Trabalho.
Revista do TST, v. 79, n. 3, p. 200-202, Jul./Set. 2013; CHAVES JUNIOR, José Eduardo de Resende;
MENDES, Marcus Menezes Barberino; OLIVEIRA, Murilo Carvalho Sampaio. op. cit., p. 175.
682
OLIVEIRA, Murilo Carvalho Sampaio. op. cit., p. 234.
247
“sob dependência”, presente no art. 3º da CLT, sob um viés que enfatiza a dinâmica das
relações de poder no trabalho683.
683
OLIVEIRA, Murilo Carvalho Sampaio. op. cit., p. 234-235; CHAVES JUNIOR, José Eduardo de Resende;
MENDES, Marcus Menezes Barberino; OLIVEIRA, Murilo Carvalho Sampaio. op. cit., p. 176.
684
PRASSL, Jeremias. op. cit, p. 100.
248
permitindo que aufira os lucros, assim como assuma os prejuízos diante do resultado do
empreendimento685.
O pressuposto é que nenhuma função é importante isoladamente, sendo que a
relevância está no conjunto de todas as cinco para a caracterização do empregador
multifuncional. Cada função abrange uma parcela do que é necessário para explorar
comercialmente o trabalho alheio em uma relação de emprego. A análise das cinco funções
permite a construção do conceito jurídico de empregador. Nesse sentido, o conceito
funcional de empregador não busca identificar um único ente, mas quem exerce as funções
que o caracteriza, independentemente de ser somente uma única entidade ou um grupo de
pessoas. A pergunta que deve ser feita é: quem está no comando?686
O conceito funcional de empregador elaborado por Jeremias Prassl trata da “entidade
ou combinação de entidades, desempenhando um papel decisivo no exercício de funções
empregatícias relacionais, reguladas e controladas, enquanto tal, em cada aspecto particular
do Direito do Trabalho”687. O objetivo central desse conceito é analisar o papel específico
que diferentes elementos desempenham em um dado contexto, ao invés de buscar a
existência ou ausência de características pré-determinadas688.
Jeremias Prassl e Martin Risak mencionam que há três particularidades na adoção
desse conceito. A primeira é que em modelos nos quais existem relações entre diversas
entidades, potencialmente há uma multiplicidade de empregadores. Contudo, estar presente
em um arranjo comercial com várias entidades não implica o reconhecimento como
empregador ou a necessidade de assumir obrigações trabalhistas. O que é decisivo para a
caracterização como empregador é o exercício de uma função específica, sendo a entidade
responsável por todas as que desempenhar. É nesse sentido que é viável a existência de
múltiplas entidades como empregadoras e que se contrapõe à noção de que o empregador é
um único ente689.
A segunda particularidade é que as responsabilidades estão acopladas a cada uma
das funções do empregador, independentemente de todas serem exercidas por uma única
685
PRASSL, Jeremias; RISAK, Martin. op. cit, p. 634-636; PRASSL, Jeremias. The concept of the employer.
Oxford: Oxford University Press, 2016, p. 31-36; 157-160.
686
PRASSL, Jeremias; RISAK, Martin. op. cit, p. 636; PRASSL, Jeremias. Humans as a service: the promises
and perils of work in the gig economy. cit., p. 101; PRASSL, Jeremias. The concept of the employer. cit., p.
157-160.
687
Id. Ibid., p. 155, tradução nossa de: “the entity, or the combination of entities, playing a decisive role in the
exercise of relational employing functions, and regulated or controlled as such as in the domain of
employment law”.
688
PRASSL, Jeremias; RISAK, Martin. op. cit., p. 647.
689
Id. Ibid., p. 647-648.
249
entidade ou divididas entre vários entes. Nesse sentido, se uma entidade desempenha todas
as cinco funções do empregador, é responsável por cumprir com todos os direitos trabalhistas
dos empregados. Entretanto, se uma empresa tem somente uma das funções do empregador,
sua responsabilidade fica limitada às obrigações que se relacionam com essa função. As
demais devem ser observadas pelas entidades que executam as outras funções690.
A terceira particularidade é que a definição do empregador se torna dependente do
contexto e da especificidade de relação com o empregado, dado que, conforme a situação e
a regulação prevalecente, cada uma das funções pode adquirir distintas importâncias para as
empresas e a caracterização de empregador varia de acordo com o ordenamento jurídico691.
Para analisar a aplicação do conceito funcional de empregador no capitalismo de
plataforma, verificaremos como o autor entende os casos da Uber e da Amazon Mechanical
Turk. Em relação à primeira, considera-se um “caso fácil”, em que há elementos suficientes
para apontar a plataforma como única empregadora, dado que exerce as cinco funções
atribuídas aos empregadores. A Uber exerce amplo controle na relação com o motorista. No
início e término da relação de trabalho, ressalta-se que os trabalhadores têm que acessar o
aplicativo para dirigir e que o processo de ingresso na plataforma vai além de um mero
registro, uma vez que a empresa pode impedir o uso de determinado automóvel, verifica as
licenças do veículo e do motorista e exige a contratação de seguro, cuja abrangência varia
de acordo com a localidade. Ainda, a Uber tem o poder de encerrar o acesso dos motoristas
à plataforma, desde por reclamações dos clientes até pela baixa média de avaliações692.
No recebimento do trabalho e seus frutos, destaca-se que a Uber, na maior parte dos
casos, recebe o pagamento diretamente dos consumidores e lida diretamente com cobranças
e reclamações. Todo o sistema é concebido para que as relações entre motoristas e
passageiros não envolva trocas financeiras em espécie. Na oferta de trabalho e pagamento,
os motoristas obtêm trabalho somente se acessarem o aplicativo para receberem chamados
dos clientes da Uber. Os motoristas em geral não são pagos diretamente: a plataforma recebe
o dinheiro dos passageiros e, após o desconto de uma taxa, faz o pagamento aos
trabalhadores em um dia da semana693.
No gerenciamento da empresa, no âmbito do seu mercado interno, a combinação da
tecnologia com fatores humanos permite que a Uber tenha um rígido controle sobre a forma
pela qual o trabalho é realizado. Assim que o motorista aceita uma corrida, é direcionado
690
PRASSL, Jeremias; RISAK, Martin. op. cit., p. 648.
691
Id. Ibid., p. 648.
692
Id. Ibid., p. 638-639.
693
Id. Ibid., p. 639.
250
694
PRASSL, Jeremias; RISAK, Martin. op. cit., p. 640-641.
695
PRASSL, Jeremias. Humans as a service: the promises and perils of work in the gig economy. cit., p. 103-
104; PRASSL, Jeremias; RISAK, Martin. op. cit., p. 642-646.
696
PRASSL, Jeremias. op. cit., p. 103-104; PRASSL, Jeremias; RISAK, Martin. op. cit., p. 642-646.
251
responsável por manter a infraestrutura que viabiliza as transações e por atrair e manter os
usuários697.
697
PRASSL, Jeremias. op. cit., p. 103-104; PRASSL, Jeremias; RISAK, Martin. op. cit., p. 642-646.
698
TODOLÍ-SIGNES, Adrian. The “gig economy”: employee, self-employed or the need for a special
employment regulation? European review of labour and research, v. 23, n. 2, p. 194-200, 2017.
252
relação de trabalho. A proposta feita por Adrian Todolí-Signes objetiva tratar do trabalho
sob demanda por meio de aplicativos e estabelecer um contrato de trabalho especial para os
trabalhadores nessas relações, devendo abranger pelo menos seis aspectos: (i) no tocante às
instruções, retira-se a sua importância para o enquadramento do trabalhador, tratando
daqueles que executam tarefas por meio de uma plataforma digital com pouca dependência,
em que o empregador tem o direito de emitir somente as instruções necessárias para o
desenvolvimento da atividade econômica; (ii) em relação à jornada de trabalho, os
trabalhadores têm a liberdade de estabelecerem os seus horários, as plataformas podem fixar
um máximo de horas por semana e a legislação deve colocar um limite na jornada de
trabalho; (iii) os trabalhadores são livres para trabalharem para mais de uma plataforma; (iv)
as plataformas não são responsáveis por acidentes sofridos pelos trabalhadores, tendo em
vista a autonomia em como executar as atividades; (v) em face do salário mínimo, os
trabalhadores deveriam receber a remuneração correspondente aos períodos em que
estiverem prestando serviços para os clientes da plataforma e, nos momentos de não
atendimento aos consumidores da empresa, haveria também a necessidade de pagar salário,
com a possibilidade de fixar um valor abaixo do salário mínimo por meio de negociação
coletiva; (vi) em relação ao reembolso de despesas, os custos estruturais, como carro,
telefone celular e computador, são de responsabilidade do trabalhador, e os custos
consumíveis, que são os necessários para realizar a atividade, são pagos pela empresa. Por
fim, o autor sugere a aplicação subsidiária das regras gerais do Direito do Trabalho para
solucionar o que não for previsto na legislação especial699.
Contudo, a adoção de um contrato de trabalho especial é criticada. Philippe
Auvergnon afirma que a criação de um contrato de trabalho digital pode ter efeitos negativos
para o Direito do Trabalho e ter consequências nulas ou negativas para os trabalhadores. Em
relação ao primeiro aspecto, pontua que a criação de regras especiais pode ocasionar o
enfraquecimento das disposições gerais do Direito do Trabalho, especialmente se os limites
do novo contrato não forem bem delimitados. No tocante ao segundo aspecto, o autor
entende que as plataformas admitem os trabalhadores como autônomos pelo fato de o custo
com a força de trabalho ser menor. Nesse sentido, estabelecer um contrato de trabalho
especial e que aumente os custos com mão de obra não traria necessariamente segurança
699
TODOLÍ-SIGNES, Adrian. op. cit., p. 200-202.
253
700
AUVERGNON, Philippe. Angustias de uberización y retos que plantea el trabajo digital al derecho laboral.
Revista Derecho Social y Empresa, n. 6, p. 38, Dez. 2016.
701
LOBEL, Orly. op. cit., p. 64; TIPPETT, Elizabeth. op. cit., p. 303.
702
DRAHOKOUPIL, Jan; FABO, Brian. The platform economy and the disruption of the employment
relationship. ETUI Policy Brief, n. 5, p. 6, 2016; RISAK, Martin. Fair working conditions for platform
workers. Apr. 2018. Disponível em: <https://library.fes.de/pdf-files/id/ipa/14055.pdf>. Acesso em: 21 jul.
2018; STONE, Katherine. Employment protection for boundaryless workers. In: DAVIDOV, Guy;
LANGILLE, Brian (Orgs.). Boundaries and frontiers of labour law. Oxford: Hart, 2006, p. 175.
254
703
LOBEL, Orly. op. cit., p.70.
704
DAGNINO, Emanuele. Labour and labour law in the time of the on-demand economy. Revista Derecho
Social y Empresa, n. 6, p. 64-65, Dec. 2016.
705
DE STEFANO, Valerio; ALOISI, Antonio; SILBERMAN, Six. A manifesto to reform the gig economy.
Pagina 99, 29 magg. 2017. Disponível em: <http://www.pagina99.it/2017/05/29/a-manifesto-to-reform-
the-gig-economy>. Acesso em 20 out. 2017.
706
DEL CONTE, Maurizio; GRAMANO, Elena. op. cit., p. 626.
255
707
DEL CONTE, Maurizio; GRAMANO, Elena. op. cit., p. 626-627.
708
MANNRICH, Nelson. O futuro do Direito do Trabalho, no Brasil e no mundo. Revista LTr, v. 81, n. 11, p.
1296, Nov. 2017.
709
BENSUSÁN, Graciela; EICHHORST, Werner; RODRÍGUEZ, Juan Manuel. op. cit., p. 143-144.
256
710
UNGER, Roberto Mangabeira. op. cit., p. 26. A noção de economia do conhecimento traz, em parte,
elementos do que chamamos de capitalismo de plataforma.
711
Id. Ibid., p. 26-27.
712
Id. Ibid., p. 28.
257
713
UNGER, Roberto Mangabeira. op. cit., p. 28.
714
Id., loc. cit., p. 28, tradução nossa de: “an inclusive vanguardism is the sole adequate answer to the menacing
developments that accompany the rise of the knowledge economy in its present globalized but insular form”.
258
regular o trabalho sob demanda por meio de aplicativos e o crowdwork prejudica tanto o
trabalhador como o empregador e é disfuncional.
Um dos elementos-chave para se pensar em novos direitos nesse cenário é a
necessidade de transparência. A ausência de informações a respeito de diversos aspectos do
funcionamento das plataformas digitais é um dos pontos centrais que caracteriza a relação
entre os trabalhadores e as empresas. A dinâmica do trabalho é definida a partir da
programação realizada pela empresa e modulada a partir de aportes feitos pelos
consumidores. Os trabalhadores são passivos, tendo uma margem reduzida para organizarem
as suas atividades e para preverem minimamente os seus ganhos.
Kristy Milland afirma que a promoção de medidas legislativas com o objetivo de
assegurar transparência nas plataformas beneficia os trabalhadores e o governo. Em relação
aos primeiros, por permitir que se saiba quantos são e onde trabalham para as empresas,
assim como para se comunicarem, o que facilita a organização coletiva dos trabalhadores.
No tocante ao segundo, o fato de ter conhecimento da quantidade de trabalhadores e de
tomadores de serviços permite ao governo aplicar a legislação pertinente a essas relações 715.
A garantia de padrões mínimos de transparência a partir da disponibilização de dados
sobre a dinâmica de funcionamento das empresas é uma forma de tratar da assimetria de
informações e de poder que marca a relação entre trabalhadores e plataformas.
Valerio de Stefano destaca que, não obstante a importância em se debater novos
direitos que estejam em consonância com as necessidades dos trabalhadores, deve-se ter
como ponto de partida a aplicação dos Direitos Humanos, independentemente do
enquadramento legal, como a liberdade sindical e o direito à negociação coletiva, proibição
do trabalho forçado e infantil e o direito de não ser discriminado716.
Desta forma, tendo a transparência como norte para os direitos nas relações de
trabalho no capitalismo de plataforma e considerando as análises realizadas no capítulo 2
sobre as formas de trabalho, trataremos a seguir da regulação dos sistemas de avaliação, dos
sistemas de remuneração e tempo do trabalho e da flexibilidade na relação entre os
trabalhadores e as plataformas digitais.
715
MILLAND, Kristy. Crowdwork: shame, secrets, and na imminent threat to employment. Global Labour
Column, june 2016. Disponível em: <http://column.global-labour-university.org/2016/06/crowd-work-
shame-secrets-and-imminent.html>. Acesso em: 04 out. 2017.
716
DE STEFANO, Valerio. op. cit., p. 501.
259
717
DE STEFANO, Valerio. op. cit., p. 500.
718
DE STEFANO, Valerio; ALOISI, Antonio; SILBERMAN, Six. op. cit.
719
Trata-se do processo 1007115-80.2018.8.26.0016. Na sentença, proferida em novembro de 2018, o juiz
decidiu pelo restabelecimento do cadastro do motorista e pelo pagamento de indenização por danos morais.
720
DE STEFANO, Valerio. op. cit., p. 500.
261
Jeremias Prassl afirma que o modelo adotado pelas plataformas atualmente acaba
vinculando os trabalhadores somente a uma empresa, aprofundando em muitos casos a
dependência econômica. A portabilidade daria margem aos trabalhadores apresentarem suas
demandas de forma mais efetiva e negociarem melhores condições de trabalho com as
empresas721.
O autor afirma que há exemplos legislativos na União Europeia que podem auxiliar
a elaboração de um sistema que assegure a portabilidade. O Regulamento (UE) 2016/679,
de 27 de abril de 2016, conhecido como a Regulação Geral de Proteção de Dados, prevê em
seu art. 20 o direito de portabilidade de dados, em que
o titular dos dados tem direito de receber os dados pessoais que lhe digam
respeito e que tenha fornecido a um responsável pelo tratamento, num
formato estruturado, de uso corrente e de leitura automática, e o direito de
transmitir esses dados a outro responsável pelo tratamento sem que o
responsável a quem os dados pessoais foram fornecidos o possa impedir.
A portabilidade de avaliações poderia ocorrer de forma semelhante, em que se fixariam
métricas gerais e padronizadas sobre a experiência do cliente e qualidade do trabalho e outras
específicas conforme o tipo da atividade oferecida pela plataforma722.
O Brasil possui dispositivo legal semelhante ao art. 20 da Regulação Geral de
Proteção de Dados da União Europeia. O art. 18, V da Lei n. 13.709/2018 prevê que
o titular dos dados pessoais tem direito a obter do controlador, em relação
aos dados do titular por ele tratados, a qualquer momento e mediante
requisição: portabilidade dos dados a outro fornecedor de serviço ou
produto, mediante requisição expressa e observados os segredos comercial
e industrial, de acordo com a regulamentação do órgão controlador.
Jeremias Prassl coloca que, ao garantir que as avaliações se tornem propriedade dos
trabalhadores transferíveis entre plataformas, o trabalho sob demanda por meio de
aplicativos e o crowdwork aproximam-se de um modelo em que há autonomia e
transparência, reduzindo as desigualdades entre as partes da relação de trabalho. O autor
ainda destaca a necessidade de debaterem-se determinados aspectos que surgiriam com a
regulamentação da portabilidade, como os casos de trabalhadores que desejassem abandonar
avaliações prévias e a previsão de uma forma de lidar com potencial discriminação
promovida pelos algoritmos723.
721
PRASSL, Jeremias. Humans as a service: the promises and perils of work in the gig economy. cit., p. 111.
722
Id. Ibid., p. 112.
723
Id., loc. cit.
262
724
DE STEFANO, Valerio; ALOISI, Antonio; SILBERMAN, Six. op. cit.
263
725
WOLFE, Jonathan; LEVINE, Alexandra. New York today: Capping Uber. The New York Times, New York,
15 ago. 2018. Disponível em: <https://www.nytimes.com/2018/08/15/nyregion/new-york-today-
sunglasses-eye-safety.html>. Acesso em: 01 set. 2018.
726
PRASSL, Jeremias. op. cit., p. 111.
727
BERG, Janine. op. cit., p. 572.
264
728
PRASSL, Jeremias. op. cit., p. 108.
729
Id. Ibid., p. 109.
730
Id. Ibid., p. 110.
265
adotados com o único objetivo de reduzirem custos e que os trabalhadores também possam
usufruir dos benefícios dessas modalidades contratuais731.
Valerio de Stefano, Antonio Aloisi e Six Silberman sugerem a regulação do tempo
mínimo de trabalho para os trabalhadores no capitalismo de plataforma a partir das regras
para o emprego casual (ou intermitente), com inspiração no modelo holandês, em que se
adquire o direito a uma quantidade mínima de horas de trabalho com base na média do tempo
trabalhado nos quatro meses anteriores732.
A limitação da jornada de trabalho é um tema que suscita controvérsias. Gustavo
Gauthier entende que se trata de um direito típico do modelo taylorista-fordista, mas que é
incompatível com as relações de trabalho no capitalismo de plataforma, tendo em vista que
é o próprio trabalhador quem define a sua carga horária. O autor identifica que devem ser
construídas proteções com o objetivo de evitar que se tenha de trabalhar longas jornadas para
auferir uma renda mínima diante das baixas remunerações oferecidas pelas plataformas733.
Francesca Columbu e Túlio de Oliveira Massoni apontam que o trabalho à distância
– como ocorre em grande parte das atividades realizadas no capitalismo de plataforma –
torna os contornos de tempo e espaço nebulosos e deixa as suas delimitações incertas e
dúbias. Os autores entendem que esse cenário demanda exercícios hermenêuticos e
propostas legislativas capazes de apreender a fluidez do tempo no trabalho feito com apoio
da tecnologia da informação e comunicação em local diverso do estabelecimento do tomador
de serviços734.
Existem iniciativas que estabelecem restrições ao máximo de horas que os
trabalhadores podem desempenhar as suas atividades. Na maior parte dos casos, essas
regulações são introduzidas sob a justificativa de prevenir a fadiga do motorista, zelando por
sua saúde e segurança, assim como as dos passageiros. Nos Estados Unidos e na África do
Sul, a Uber estabeleceu como regra geral que, após 12 horas de trabalho, o motorista fica
obrigatoriamente 6 horas seguidas desconectado735. Em algumas cidades norte-americanas,
a regulação é mais restrita: em Chicago, os motoristas podem dirigir no máximo 10 horas a
cada período de 24 horas e, em Nova Iorque, além dessa regra, os trabalhadores só podem
731
INTERNATIONAL LABOUR ORGANIZATION. Non-standard employment around the world:
Understanding challenges, shaping prospects. Geneva: ILO, 2016, p. 281-283; 338-339.
732
DE STEFANO, Valerio; ALOISI, Antonio; SILBERMAN, Six. op. cit.
733
GAUTHIER, Gustavo. op. cit., p. 96-97.
734
COLUMBU, Francesca; MASSONI, Túlio de Oliveira. Tempo de trabalho e teletrabalho. In: CONALGNO,
Lorena de Mello Rezende; CHAVES JUNIOR, José Eduardo de Resende; estrada, Manuel Martín Pino
(Coords.). Teletrabalho. São Paulo: LTr, 2017, p. 21; 26.
735
UBER. Another step to prevent drowsy driving; Id. Introducing a new feature: driving hours limit.
Disponível em: <https://www.uber.com/en-ZA/blog/driving-hours-limit>. Acesso em: 12 nov. 2018.
266
realizar atividades por 60 horas na semana736. Em Portugal, a Lei n. 45/2018 previu em seu
art. 13, 1 que os motoristas não podem dirigir por mais de 10 horas dentro de um período de
24 horas, independentemente do número de plataformas para as quais prestem serviços.
Ainda, no art. 13, 2, indica que é responsabilidade das plataformas instituir mecanismos que
assegurem a observância dos limites de jornada. Em todos esses casos, contabiliza-se como
tempo de trabalho somente o período em que o motorista está transportando passageiros.
Ainda sobre o tempo de trabalho, há debate sobre as relações entre flexibilidade da
jornada de trabalho, controle das atividades pelas plataformas e a classificação dos
trabalhadores no capitalismo de plataforma.
Vili Lehdonvirta afirma que, para analisar devidamente a flexibilidade, é necessário
distinguir aquela em que o trabalhador controla os seus horários da outra em que o gerente
é responsável por determiná-los. Enquanto a primeira é positiva para os trabalhadores, a
segunda é negativa, dado que é fonte de incerteza e inviabiliza o planejamento da vida do
trabalhador737.
Na referida pesquisa que o autor desenvolveu com trabalhadores de três plataformas
de crowdwork, incluindo a Amazon Mechanical Turk, foi identificada correlação entre o tipo
de flexibilidade com a disponibilidade para trabalhar e a dependência do trabalho. No caso
de ampla disponibilidade e baixa dependência, há flexibilidade controlada pelo trabalhador.
Nas situações de pouca disponibilidade e alta dependência, a flexibilidade é controlada pela
plataforma ou pelo cliente. Existindo pouca disponibilidade e baixa dependência, os horários
são estabelecidos conforme a coincidência de necessidade entre trabalhador e plataforma ou
cliente. Por fim, quando há ampla disponibilidade e alta dependência, compartilha-se o poder
de decisão dos horários entre trabalhadores e plataforma ou consumidores738.
Benjamin Means e Joseph Seiner afirmam que o trabalhador com poder de decidir
quando irá trabalhar tem um grau de independência maior do que aquele cuja jornada de
trabalho é definida pelo empregador. Os autores entendem que a identificação da
flexibilidade no caso concreto exige análise das condições de trabalho, duração,
exclusividade e número de horas trabalhadas. Para tanto, sugerem que se leve em
consideração três elementos: a preferência dos trabalhadores, a justiça da situação (por
736
UBER. New York City TLC’s driving hours rule. Disponível em: <https://www.uber.com/pt-US/drive/new-
york/resources/driving-hour-limits>. Acesso em: 12 nov. 2018; Id. City of Chicago ordinance: operating
hours cap. Disponível em: <https://www.uber.com/pt-US/drive/chicago/resources/driving-hour-limits>.
Acesso em: 12 nov. 2018.
737
LEHDONVIRTA, Vili. op. cit., p. 15-16.
738
Id. Ibid., p. 24.
267
739
MEANS, Benjamin; SEINER, Joseph. Navigating the Uber economy. UC Davis Law Review, v. 49, p. 1538-
1539, 2016.
740
Id. Ibid., p. 1540-1541.
741
Id. Ibid., p. 1541-1543.
742
PRASSL, Jeremias. op. cit., p. 115.
743
ESTLUND, Cynthia. Why flexibility is not just a trope. OnLabor, Cambridge, 17 may 2018. Disponível em:
<https://onlabor.org/why-flexibility-is-not-just-a-trope>. Acesso em: 17 mai. 2018.
268
744
SACHS, Benjamin. Uber, flexibility and employee status. OnLabor, Cambridge, 18 may 2018. Disponível
em: <https://onlabor.org/uber-flexibility-and-employee-status>. Acesso em: 18 mai. 2018.
745
Id. Ibid.
746
Id. Ibid.; INSTACART. Get paid to shop! Disponível em: <https://shoppers.instacart.com>. Acesso em: 14
nov. 2018.
269
747
JOHNSTON, Hannah; LAND-KAZLAUSKAS, Chris. Organizing on-demand: Representation, voice, and
collective bargaining in the gig economy. Geneva: International Labour Organization, 2018, p. 5-7.
748
Id. Ibid., p. 7-12.
749
DE STEFANO, Valerio; ALOISI, Antonio; SILBERMAN, Six. op. cit.
750
DE STEFANO, Valerio. op. cit., p. 502.
271
751
COLLIER, Ruth Berins; DUBAL, Veena; CARTER, Christopher. op. cit., p. 15-17.
752
MOURA, Natália das Chagas; GONÇALVES, Márcio Toledo. Atuação sindical transnacional: as redes
sindicais internacionais e os acordos macro globais. In: LEME, Ana Carolina Paes; RODRIGUES, Bruno
Alves; CHAVES JÚNIOR, José Eduardo de Resende (Coords.). Tecnologias disruptivas e a exploração do
trabalho humano: a intermediação de mão de obra a partir das plataformas eletrônicas e seus efeitos jurídicos
e sociais. São Paulo: LTr, 2017, p. 309-311.
753
STATTESP. Página inicial. Disponível em: <http://www.stattesp.com.br>. Acesso em: 29 nov. 2018.
754
SIMTRAPLIPE. Página inicial. Disponível em: <https://www.facebook.com/simtraplipe/>. Acesso em: 29
nov. 2018.
755
SINDIMAAP. Inicial. Disponível: <http://sindmaap.org.br/>. Acesso em: 29 nov. 2018.
756
SIMTRATTIPPRJ. Inicial. Disponível em: <https://simtrattipprj.wordpress.com/>. Acesso em: 29 nov.
2018.
272
757
JOHNSTON, Hannah; LAND-KAZLAUSKAS, Chris. op. cit., p. 23-24.
758
DE STEFANO, Valerio. “Negotiating the algorithm”: automation, artificial intelligence and labour
protection. Geneva: International Labour Organization, 2018, p. 21-24.
759
JOHNSTON, Hannah; LAND-KAZLAUSKAS, Chris. op. cit., p. 30.
273
autônomo recebe aproximadamente 15,50 euros por hora, o empregado recebe 19 euros por
hora, pagamento de férias e de benefício em caso de doença, além de ter de ser notificado e
de receber justificativa razoável caso a plataforma decida excluí-lo do aplicativo. Ainda, o
acordo coletivo trata da proteção de dados, em que a plataforma deve ter o consentimento
expresso dos trabalhadores para divulgar suas informações e é possível solicitar a remoção
de conteúdo falso e ofensivo aos trabalhadores760.
Hannah Johnston e Chris Land-Kazlauskas apontam que o modelo de relações
coletivas de trabalho na Suécia – e acrescento também o dinamarquês -, com fortes parceiros
sociais, elevado grau de sindicalização e de cobertura coletiva dos contratos de trabalho e
compromisso de longo prazo para o diálogo social contribui para que as iniciativas
inovadoras em negociação coletiva ocorram nesses países761.
Finalmente, destaca-se que inexistem muitos exemplos de países que regularam a
organização sindical dos trabalhadores no capitalismo de plataforma. Apesar do caso de
Seattle ser recorrentemente mencionado, o Poder Judiciário suspendeu a aplicação da lei em
maio de 2018, o que inviabilizou a organização sindical dos motoristas na cidade 762. Em
2016, a França modificou seu Código do Trabalho e previu, no art. L7342-6, o direito de
organização sindical dos trabalhadores em plataformas e estabeleceu, no art. L7342-5, que
a coordenação de ações coletivas para defender suas demandas não implica responsabilidade
contratual ou motivo para a exclusão da plataforma ou a aplicação de penalidades.
760
HALE, Julian. In Demanrk, a historic collective agreement is turning the “bogus self-employed” into
“workers with rights”. Equal Times, Brussels, 04 july 2018. Disponível em:
<https://www.equaltimes.org/in-denmark-a-historic-collective?lang=en#.W-2SBehKiM8>. Acesso em: 03
set. 2018; DE STEFANO, Valerio. Collective bargaining of platform workers: domestic work leads the way.
Regulating for globalization, 10 dec. 2018. Disponível em:
<http://regulatingforglobalization.com/2018/12/10/collective-bargaining-of-platform-workers-domestic-
work-leads-the-way>. Acesso em: 12 dez. 2018.
761
JOHNSTON, Hannah; LAND-KAZLAUSKAS, Chris. op. cit., p. 30.
762
WHEELER, Ryan. Ninth circuit puts the brakes on Uber unionization. OnLabor, Cambridge, 23 may 2018.
Disponível em: <https://onlabor.org/ninth-circuit-puts-the-brakes-on-uber-unionization>. Acesso em: 01
jun. 2018.
274
763
JOHNSTON, Hannah; LAND-KAZLAUSKAS, Chris. op. cit., p. 18.
764
Id. Ibid., p. 18.
765
SCHOLZ, Trebor. op. cit., p. 174-175.
275
766
SCHOLZ, Trebor. op. cit., p. 175-179.
767
Id. Ibid., p. 180-183.
276
768
ABRAMOVAY, Ricardo. op. cit., p. 315-316.
769
BENKLER, Yochai. The realism of cooperativism. In: SCHOLZ, Trebor; SCHNEIDER, Nathan (Eds.).
Ours to hack and to own: the rise of platform cooperativism, a new vision for the future of work and a fairer
internet. New York: OR Books, 2016, p. 91-94.
770
Id. Ibid., p. 95, tradução nossa de: “At no time in the two centuries since cooperativism first appeared as a
conscious alternative model to modern organization of production has it been more feasible. That is feasible,
however, does not make it inevitable. As a movement, cooperativism will only succeed by moving fast and
decisively, learning from the near past, and sharing our experiments and knowledge quickly and repeatedly
in a network of cooperatives”.
277
771
ROSENBLAT, Alex; STARK, Luke. op. cit., p. 3706.
278
Turkopticon e desde o seu lançamento, no início de 2009, mais de 290.000 avaliações foram
realizadas772.
O maior mérito do Turkopticon é reduzir a assimetria de poder existente entre a
plataforma e seus clientes e os trabalhadores, na medida em que abre espaço para a troca de
informações sobre os tomadores de serviço em um cenário no qual inexiste essa
possibilidade na AMT. Desta forma, os trabalhadores reúnem mais elementos para
decidirem se executarão ou não determinada atividade disponível na Amazon Mechanical
Turk773.
Alex Felstiner identifica essas iniciativas de organização online, como o Turkopticon,
de forma positiva, pois podem ser um embrião para a constituição futura de uma entidade,
como sindicato ou associação, que defenda os interesses dos trabalhadores, procure
benefícios que sejam revertidos a todos os filiados, dissemine informações sobre os direitos
dos trabalhadores e seja um centro de coordenação e estratégia de ação coletiva774.
772
SILBERMAN, M. Six; IRANI, Lilly. op. cit., p. 525-529.
773
Id. Ibid., p. 539.
774
FELSTINER, Alex. op. cit., p. 160.
775
UBER. Termos e condições gerais dos serviços de intermediação digital. cit.
279
do motorista e a placa e o modelo do automóvel e não que determinada pessoa jurídica será
responsável pela atividade ou que certa conta enviará uma pessoa para a execução da tarefa.
A organização do trabalho em conta de pessoas jurídicas ou com mais de um trabalhador
cadastrado pode ter utilidade para o gerenciamento de um mesmo automóvel conduzido por
mais de um trabalhador. Entretanto, cada motorista registrado – tanto em contas de pessoa
jurídica como naquelas com mais de um motorista – tem os seus documentos analisados pela
plataforma antes de poder trabalhar. Além disso, as corridas são oferecidas e aceitas por
trabalhadores individualmente identificados – que não podem enviar um substituto em seu
lugar – e o pagamento e a avaliação são feitos em face de quem desempenhou a atividade.
A prestação do trabalho por uma pessoa que não seja a registrada na conta não está em
conformidade com as regras da plataforma e o seu descumprimento pode acarretar na
aplicação de punição.
A onerosidade também é identificada sem maiores percalços. O motorista presta o
serviço de transporte aguardando a remuneração pela corrida realizada. Os usuários da
plataforma solicitam o serviço tendo conhecimento que pagarão pelo trabalho. E a Uber
organiza a atividade e estabelece o preço das corridas tendo em vista que os motoristas
receberão um valor decorrente das viagens demandadas pelos seus clientes e ficará com uma
taxa, calculada a partir de um percentual que incide no preço de cada corrida.
Em relação à subordinação, se buscarmos o proprietário ou gerente dando ordens e
supervisionando diretamente a atividade dos motoristas, de fato não a identificaremos. Ou
seja, em um primeiro momento, não existiria subordinação do trabalhador por um viés rígido
e conservador. Entretanto, a adoção dessa abordagem nos deixa estacionados no capitalismo
industrial dos trinta anos gloriosos, distanciando-nos do capitalismo de plataforma e em dar
a devida importância ao papel que os métodos de gestão utilizados pela Uber têm na
organização do trabalho. Não há o proprietário ou gerente coordenando pessoalmente a
atividade dos motoristas porque isso é desnecessário: a combinação entre o sistema de
avaliações, as regras fixadas pela plataforma e o algoritmo, em que esse processa
informações que recebe em tempo real e modula determinados aspectos da prestação de
serviços demonstra como é possível constatarmos a subordinação em uma relação de
trabalho sem que exista contato humano direto entre um preposto da empresa e o trabalhador.
Vejamos: a Uber estabelece de forma unilateral o preço das corridas e o valor da taxa
que lhe é devida; quando o motorista recebe uma oferta de viagem, não tem conhecimento
do valor, distância e destino, o que é revelado apenas quando o passageiro entra no veículo;
a rejeição de corridas de forma repetida diminui a quantidade de ofertas feitas ao motorista
280
e, caso atinja determinado nível em certo espaço de tempo, o trabalhador fica sem receber
chamadas por um período; o sistema de avaliações define diversos aspectos do trabalho,
desde a permanência da plataforma até o perfil do cliente que o motorista prestará serviço;
a Uber oferece diversos estímulos pecuniários para que os trabalhadores estejam em horários
e locais em que há maior demanda de seus clientes e para que realizem determinado número
de viagens em um dado período; existem diversas regras que a plataforma estabelece, que
podem ser classificadas em rígidas ou leves conforme a consequência do seu
descumprimento: enquanto as primeiras podem culminar em suspensão ou exclusão do
aplicativo, as segundas levam ao oferecimento de viagens com menor frequência. Em todos
esses aspectos, o algoritmo desempenha um papel central para coordenar e controlar o
trabalho dos motoristas.
A liberdade de o motorista estabelecer os seus próprios horários de trabalho não é
suficiente para afastar a caracterização da subordinação: em primeiro lugar, como apontado
por Benjamin Sachs acima, a flexibilidade de horários da Uber é administrada pela
tecnologia e faz parte da imagem adotada nas propagandas da empresa776; em segundo lugar,
como mencionamos, o modelo de negócios da plataforma é construído para funcionar a partir
da conjugação de uma multidão de motoristas registrados e do gerenciamento algorítmico.
O poder empregatício também é identificado: há poder de direção, quando a Uber
utiliza o gerenciamento automático para coordenar e controlar a atividade dos motoristas; há
poder regulamentar, quando a plataforma estabelece as diretrizes que devem ser observadas
na prestação do serviço; há poder de fiscalizar, o que ocorre por meio do sistema de
avaliações, alimentado pelos clientes, e do acompanhamento das atividades por meio do
aplicativo; há poder disciplinar, que se manifesta quando os trabalhadores são suspensos ou
excluídos do aplicativo por não observarem as regras, como a manutenção da taxa de
aceitação e cancelamento e das notas das viagens dentro dos parâmetros estabelecidos pela
empresa.
Nesse sentido, comungamos da perspectiva de Rodrigo de Lacerda Carelli a respeito
da identificação do controle por programação ou por algoritmo na Uber777. Essa característica
é ressaltada pelo que apontamos como gerenciamento algorítimico na seção 3.5.3 do capítulo
2, expresso nos incentivos psicológicos, estímulo ao cumprimento de objetivos concretos,
ludificação e expedição prospectiva. Ainda, considerando que a plataforma é uma empresa
de prestação de serviços de transportes, é possível identificar a subordinação clássica –
776
SACHS, Benjamin. op. cit.
777
CARELLI, Rodrigo de Lacerda. op. cit., p. 140-142.
281
levando em conta que o algoritmo é o emissor de ordens –, objetiva – uma vez que os
motoristas são essenciais para o serviço de oferta de transporte – e estrutural – dado que os
trabalhadores fazem parte da dinâmica operativa da plataforma. Reforça essa conclusão o
art. 6º, § único da CLT, ao prever a equiparação dos meios telemáticos e informatizados de
comando, controle e supervisão aos mecanismos pessoais e diretos para fins de subordinação
jurídica.
No tocante à não eventualidade, entendemos que a sua constatação depende da
análise do caso concreto, tendo em vista que o trabalhador define os seus horários e que não
é penalizado caso fique um longo período sem se conectar ao aplicativo. Portanto, a
verificação da não eventualidade dependeria da regularidade do motorista realizar viagens e
da análise da intenção em se vincular à plataforma atemporalmente. Embora se admita que,
em determinados casos, é possível não caracterizar esse elemento fático-jurídico da relação
de emprego, muitos trabalhadores prestam serviços de forma corriqueira. Na pesquisa
realizada com os motoristas da Uber na cidade de São Paulo, todos os 102 participantes
dirigiam entre 3 a 7 dias por semana.
Sobre o trabalho autônomo na Uber, levando em conta as características acima
mencionadas por Nelson Mannrich778, identificamos somente a pessoalidade e, em alguns
casos, a habitualidade e a independência econômica. Não entendemos que os trabalhadores
desenvolvem atividade econômica nesse caso, dado que quem o faz é a Uber. Os motoristas
não contam com uma estrutura empresarial, mas a plataforma a tem. A Uber é proprietária
da infraestrutura que viabiliza o negócio de oferta de corridas. Não há independência técnica,
uma vez que se trata de atividade que não requer qualificação e que a Uber estabelece os
carros que aceita para o motorista trabalhar e como o trabalhador deve se comportar. Já a
autonomia, restringe-se à determinação do horário de trabalho.
Considerando os aspectos do trabalho autônomo descritos por Otavio Pinto e Silva779,
percebe-se que os rendimentos da atividade não ficam somente para o trabalhador, uma vez
que a Uber fica com um percentual de cada viagem. Em relação à assunção dos riscos, uma
análise micro nos levaria a apontar que é o sucesso ou o fracasso do trabalhador que
determina se aufere lucros ou sofre prejuízos. Contudo, uma visão macro da atividade
mostra-nos que a Uber é quem assume os riscos, dado que é quem determina a estratégia
comercial da oferta de serviços de transporte. O que ocorre no caso concreto é uma tentativa
778
MANNRICH, Nelson. Reinventando o Direito do Trabalho: novas dimensões do trabalho autônomo. cit., p.
236.
779
SILVA, Otavio Pinto e. op. cit., p. 43-50.
282
vez que ocorre no período, geralmente pequeno, destinado à execução da tarefa. Além disso,
a dimensão do controle sobre o trabalho não é extensa, dado que há análise somente do
produto final entregue pelo trabalhador para a decisão sobre o pagamento. Nesse sentido,
não se vislumbra o controle por programação.
Não se identifica a subordinação clássica, seja por inexistência da emissão de ordens
diretas, seja por não haver controle por programação. Para se verificar uma potencial
subordinação objetiva, é necessário definir quem desempenha o papel de empregador. Em
relação à AMT, de fato as tarefas executadas pelos trabalhadores podem ser centrais para o
negócio da empresa e essenciais para a finalidade da plataforma, pois oferece tarefas de
inteligência humana e anuncia que um de seus principais atrativos é contar com milhares de
trabalhadores sob demanda espalhados pelo mundo dispostos a realizarem trabalho online e,
em grande parte, relacionado à tecnologia. No tocante à subordinação estrutural, é possível
verificá-la tanto em relação à AMT, uma vez que o trabalhador se insere na dinâmica
operativa da plataforma, como do cliente, dado que a tarefa solicitada pode fazer parte de
sua estrutura organizacional. Contudo, o curto prazo em que os trabalhos são feitos e a
ausência de informações sobre os clientes da AMT tornam a identificação da subordinação
estrutural mais complexa nesse caso.
Sobre a não eventualidade, há necessidade de análise do caso de cada trabalhador,
uma vez que ele é quem decide como, quanto e quando trabalha e inexiste aplicação de
punição para longos períodos sem prestar trabalho na plataforma. Sendo assim, é preciso
verificar a regularidade das atividades e o ânimo do trabalhador para se constatar a presença
desse elemento fático-jurídico. Na pesquisa realizada com brasileiros que atuam na AMT,
quase 80% dos participantes afirmaram trabalhar 3 dias ou mais por semana.
A análise dos casos da Uber e da Amazon Mechanical Turk aponta que não há uma
caracterização imediata do vínculo empregatício na relação entre o trabalhador e a
plataforma. No caso da primeira, depende da análise da não eventualidade. No caso da
segunda, além desse elemento fático-jurídico, a conclusão varia conforme a perspectiva
adotada do fenômeno da subordinação: na clássica, inexiste; na objetiva, há subordinação
em face da Mechanical Turk; na estrutural, há diante da AMT e pode existir em face do
cliente.
Destacamos que existem variações na dinâmica das plataformas, o que prejudica que
as conclusões em face da Uber ou da AMT sejam automaticamente direcionadas para uma
outra plataforma. Isso ocorre com maior intensidade no trabalho sob demanda por meio de
aplicativos, especialmente pelo papel que o algoritmo desempenha em cada plataforma. Há
284
diversos casos em que o sistema de avaliações tem uma função distinta e é utilizado com
maior destaque para os próprios clientes escolherem os trabalhadores. Além disso, há
plataformas que dão maior liberdade para a escolha das tarefas, a exemplo do que ocorre no
crowdwork. De qualquer forma, como exposto anteriormente, a análise de ambas é
fundamental para se pensar a regulação do trabalho no capitalismo de plataforma, dado que
tanto a Uber como a Amazon Mechanical Turk são paradigmas de operação de plataformas
que adotam o trabalho sob demanda por meio de aplicativos e o crowdwork, respectivamente.
A classificação dos trabalhadores como empregados tem a consequência positiva de
garantir um mínimo de proteção, o que tem grande relevância para aqueles que são
dependentes e estão em estado de precariedade. Contudo, uma potencial consequência
negativa é a perda da flexibilidade do horário de trabalho, especialmente na determinação
dos momentos do dia em que executarão as atividades, tendo em vista que as plataformas
poderão controlar a jornada de trabalho. Apesar de nos filiarmos ao entendimento de
Benjamin Sachs780, de que, no caso da Uber, a flexibilidade dos horários dos motoristas faz
parte do modelo de negócio da plataforma e da imagem construída perante a opinião pública,
o que não torna provável a alteração do modo de gerenciar o horário dos trabalhadores, o
fato é que se abre uma possibilidade que não esteve em discussão pública pela empresa até
o momento. Ademais, nem todas as plataformas que utilizam o trabalho sob demanda por
meio de aplicativos necessariamente adotam a mesma estratégia comercial da Uber.
Nesse sentido, é importante apontar que, conforme as pesquisas realizadas, 68,6%
dos motoristas da Uber em São Paulo consideram muito ou médio compatível o horário de
trabalho na plataforma com os seus demais compromissos profissionais ou familiares,
enquanto 90,4% dos brasileiros na AMT fizeram a mesma afirmação. Além disso, parte dos
trabalhadores da Uber apontou que decide o seu horário de trabalho de acordo com os
momentos de maior movimento na cidade ou conforme a sua outra atividade profissional.
Eventual decisão em determinar os horários das atividades dos trabalhadores tem o potencial
de impactar a compatibilidade com outros compromissos familiares ou profissionais que
tenham ou os seus ganhos, uma vez que podem ser designados para trabalharem em
momentos do dia em que a demanda pelo serviço é menor.
Nenhuma das modalidades contratuais existentes no Brasil – por tempo
indeterminado, por tempo determinado, de tempo parcial ou intermitente -, oferece meios
para solucionar esse impasse.
780
SACHS, Benjamin. op. cit.
285
781
DOCKÈS, Emmanuel et al. op. cit., p. 5.
782
DE STEFANO, Valerio. op. cit., p. 498.
783
DEL CONTE, Maurizio; GRAMANO, Elena. op. cit., p. 626.
287
784
FOLHA DE SÃO PAULO. Sistema S ajuda sindicato patronal a viver sem imposto sindical. Maio, 2017.
Disponível em: <https://www1.folha.uol.com.br/mercado/2017/05/1880554-sistema-s-ajuda-sindicato-
patronal-a-viver-sem-imposto-sindical.shtml>. Acesso em: 03 dez. 2018.
785
UNGER, Roberto Mangabeira. op. cit., p. 20-25.
288
de produção. Portanto, as mudanças no Direito do Trabalho seriam uma das faces de uma
transformação mais ampla. Nesse sentido, levando em consideração as inter-relações entre
tecnologia, instituições e ideologia em um cenário de peças se movendo, em que desponta
em alguns países o neoliberalismo hiper-reacionário – como é o caso do Brasil -, propostas
como a apresentada por Roberto Mangabeira Unger786 têm reduzida chance de prosperar.
As novas perspectivas sobre o conceito de empregador, em especial a proposta de
Jeremias Prassl 787 sobre o empregador funcional, são interessantes na medida em que
oferecem parâmetros para lidar com relações de trabalho em um contexto de acentuada
fissuração da organização do trabalho. O reconhecimento da possibilidade de mais de uma
pessoa natural ou jurídica atuar como empregadora em uma relação em face do mesmo
trabalhador e a identificação de funções desempenhadas pelos empregadores têm o mérito
de dividirem as responsabilidades entre os tomadores de serviços e facilitarem o
cumprimento da legislação trabalhista nas relações marcadas pela fragmentação da atividade
produtiva.
Levando em conta que as relações entre os trabalhadores e os clientes das
plataformas são de curto prazo, os benefícios da adoção do conceito de empregador
funcional não são tão evidentes no capitalismo de plataforma. A proposta pode operar de
forma mais adequada nos casos em que a relação triangular tem atores que ocupam os papeis
de maneira mais estável ou permanente. Porém, em relações cuja duração máxima é de horas,
torna-se difícil atuar para que a parte cumpra as suas obrigações como empregadora. Se no
exemplo da Uber não houve maiores dificuldades para a identificação de quem atua como
empregador, o autor reconhece que na Amazon Mechanical Turk as responsabilidades ficam
mais diluídas, o que eleva as chances dos trabalhadores não terem os seus direitos observados
em obrigações do cliente da empresa. Uma alternativa para casos como o da AMT seria
deixar todas as obrigações com a plataforma e a empresa repassar esse custo para os
consumidores788. Contudo, essa opção ofusca as inovações propostas por Jeremias Prassl e
não altera de maneira substancial como atualmente se atribui responsabilidades em relações
de trabalho triangulares.
A ampliação subjetiva do Direito do Trabalho e a regulação do trabalho autônomo
sob os princípios desse ramo jurídico têm o mérito de oferecerem um grau de proteção
àqueles não subordinados e que se encontram em posição de desigualdade econômica,
786
UNGER, Roberto Mangabeira. op. cit., p. 25-30.
787
PRASSL, Jeremias. The concept of the employer. cit., p. 157-160.
788
PRASSL, Jeremias; RISAK, Martin. op. cit., p. 626-627.
289
que nem sempre é simples em razão dessas informações não serem abertas e da resistência
das empresas em publicizá-las, esse critério aponta para a importância que a plataforma
possui na subsistência do trabalhador e o espaço disponível para desenvolver atividade
profissional.
Corroboramos o posicionamento apresentado por Alain Supiot 789 e consideramos
positiva a proposta elaborada sob a coordenação de Emmanuel Dockès790. O estabelecimento
de uma categoria de trabalho dependente ao lado do trabalho subordinado permite que
diferentes realidades do mercado de trabalho sejam contempladas na regulação laboral e que
trabalhadores em arranjos contratuais nos quais a subordinação não é identificada sejam
protegidos.
No tocante à segurança jurídica da introdução de uma categoria de trabalho
dependente, não se acredita que todos os problemas relacionados ao enquadramento dos
trabalhadores serão resolvidos. Por mais precisa que a definição legal seja, a dinâmica das
relações de trabalho demandará interpretação jurídica dos fatos. Entretanto, a existência de
uma figura que acresce novas características que devem ser levadas em consideração para
classificar um trabalhador permite que perspectivas inéditas sejam consideradas para
proteger trabalhadores em situação de desigualdade econômica diante dos empregadores.
Ademais, organizar o acesso aos direitos trabalhistas por meio de uma terceira
característica, a dependência, e não de um ponto médio entre a subordinação e a autonomia,
pode dificultar eventuais tentativas em alterar a classificação de empregados para reduzir
custos. É mais fácil proceder dessa forma quando a nova figura funciona com a criação de
fronteiras a partir das categorias existentes, ao passo que a inserção de novos elementos torna
operações dessa natureza mais complexas.
É importante destacar que não se trata de uma nova categoria intermediária, como
descrito na seção 3.2.1 desse capítulo, uma vez que não se pretende reunir na caracterização
do trabalho dependente elementos do trabalho subordinado e do trabalho autônomo. Trata-
se de uma categoria com definição própria e que, na proposta analisada, conforma-se a partir
da situação de vulnerabilidade do trabalhador e da inexistência de meios ou de capacidade
de decisão para executar uma atividade.
A discordância que temos com a proposta coordenada por Emmanuel Dockès791 se
situa na nomenclatura do trabalhador dependente. Ao denominá-lo como “assalariado
789
SUPIOT, Alain. op. cit.
790
DOCKÈS, Emmanuel et al. op. cit.
791
Id. Ibid., p. 5-7.
291
792
OLIVEIRA, Murilo Carvalho Sampaio. op. cit., p. 234.
292
793
TODOLÍ-SIGNES, Adrian. op. cit., p. 196.
293
794
DE STEFANO, Valerio. op. cit., p. 475.
795
INTERNATIONAL LABOUR ORGANIZATION. Compilation of decisions of the Committee on Freedom
of Association. 6ª edição. Geneva: ILO, 2018, p. 70: “By virtue of the principles of freedom of association,
all workers – with the sole exception of members of the armed forces and the police – should have the right
to establish and join organizations of their own choosing. The criterion for determining the persons covered
by that right, therefore, is not based on the existence of an employment relationship, which is often non-
existent, for example in the case of agricultural workers, self-employed workers in general or those who
practise liberal professions, who should nevertheless enjoy the right to organize”. Nossa tradução: “com
base no princípio da liberdade sindical, todos os trabalhadores – com a única exceção dos membros das
Forças Armadas e da polícia – devem ter o direito de constituírem e integrarem organizações de suas
escolhas. O critério para determinar as pessoas abrangidas por esse direito, portanto, não se baseia na
existência de uma relação de emprego, a qual frequentemente não é existente, como, por exemplo, no caso
dos trabalhadores rurais, autônomos em geral ou aqueles que exercem profissões liberais, que devem ter o
direito de organização”.
796
Id. Ibid., p. 240: “The Committee requested a Government to take the necessary measures to ensure that
workers who are self-employed could fully enjoy trade union rights for the purpose of furthering and
defending their interest, including by the means of collective bargaining; and to identify, in consultation
with the social partners concerned, the particularities of self-employed workers that have a bearing on
collective bargaining so as to develop specific collective bargaining mechanisms relevant to self-employed
workers, if appropriate”. Nossa tradução: “O Comitê pede ao Governo que tome as medidas necessárias
para garantir que os trabalhadores autônomos possam exercer plenamente os seus direitos sindicais para o
propósito de fomentarem e defenderem os seus interesses, inclusive por meio de negociação coletiva; e
identificar, em consulta com os parceiros sociais interessados, as particularidades dos trabalhadores
autônomos que se relacionam com a negociação coletiva, com o objetivo de estabelecer mecanismos
específicos de negociação coletiva adequados para os trabalhadores autônomos, quando pertinente”.
295
e a abolição efetiva do trabalho infantil (convenções n. 138 e 182) devem ser aplicadas
universalmente, abrangendo os autônomos.
As oito convenções que tratam dos quatro temas mencionados são consideradas
como fundamentais pela OIT e o respeito, promoção e aplicação de cada uma são tidas como
obrigatórias, independentemente de o país ter ratificado esses tratados internacionais de
Direitos Humanos, conforme disposto no art. 2º da Declaração. O Brasil ratificou sete dessas
convenções, não tendo feito somente a da convenção n. 87.
Sendo assim, por se tratarem de princípios e direitos fundamentais do trabalho,
refletirem compromisso internacional no campo dos Direitos Humanos assumido pelo Brasil
e terem abrangência ampla, defendemos que os referidos direitos sejam aplicados aos
trabalhadores autônomos no capitalismo de plataforma.
O trabalho dependente é caracterizado a partir da proposta coordenada por
Emmanuel Dockès797, em que a atividade é desenvolvida em um quadro de dependência e de
assimetria de poderes, uma vez que se sujeita aos meios ou à vontade do tomador de serviços,
e o trabalhador se encontra em situação de vulnerabilidade. Uma das notas distintivas que
conforma as relações de trabalho sob dessa categoria e modula a sua regulação é a
capacidade de o trabalhador definir a sua própria jornada de trabalho.
Todos os direitos reconhecidos aos autônomos – portabilidade, contraditório,
transparência, liberdade sindical, negociação coletiva, proibição do trabalho escravo e
infantil e da discriminação – aplicam-se aos dependentes.
Em razão da dependência da plataforma, os trabalhadores tem direito (i) a escolher
como, quando e quanto trabalhar; (ii) ao salário mínimo (ou piso salarial estabelecido em
instrumento coletivo) proporcional à carga horária mensal; (iii) ao pagamento de salário com
periodicidade máxima mensal; (iv) ao 13º salário e férias, proporcionais ou integrais,
conforme a carga horária; (v) ao FGTS; (vi) ao regramento sobre término do contrato e
remuneração de salário in natura e utilidade conforme as regras vigentes na CLT; (vii) à
limitação da jornada de trabalho em 44 horas semanais e 8 diárias, podendo realizar até 2
horas extraordinárias por dia; (viii) ao descanso semanal remunerado; (ix) ao reembolso dos
custos necessários para a prestação do trabalho, como combustível e manutenção de veículos
para os casos das plataformas de transporte; (x) regras de segurança e saúde no trabalho.
Entendemos que o cálculo do tempo de trabalho deve englobar o período em que o
trabalhador estiver desempenhando a atividade, como mencionado por Benjamin Sachs798,
797
DOCKÈS, Emmanuel et al. op. cit., p. 5-7.
798
SACHS, Benjamin. op. cit.
296
tendo em vista que levar em consideração o período de espera num cenário em que os
trabalhadores têm margem de determinar os seus horários pode ocasionar distorções. Nesse
sentido, nota-se que há distanciamento do critério adotado pela legislação trabalhista
brasileira, que é a disponibilidade, previsto no art. 4º da CLT. Contudo, para que o trabalhar
não seja prejudicado, defendemos a aplicação de um preço dinâmico, nos termos expostos
por Jeremias Prassl799, para o cálculo da remuneração dos trabalhadores, uma vez que não há
carga horária mínima assegurada.
Ainda, aponta-se que os trabalhadores podem realizar atividades para mais de uma
plataforma e são responsáveis pela aquisição dos instrumentos de trabalho, como indicado
por Adrian Todolí-Signes 800 . Em razão da liberdade de definir como, quando e quanto
trabalhar, alguns direitos geralmente atribuídos aos subordinados não seriam aplicáveis aos
dependentes, como a remuneração do trabalho noturno superior à do diurno, assim como
não haveria a responsabilidade, a priori, dos empregadores por situações que decorram da
liberdade na definição dos horários de trabalho.
No trabalho dependente, o poder empregatício da plataforma é mitigado. O poder de
organização não é completo em razão de os trabalhadores determinarem a sua carga horária.
O poder disciplinar não pode abranger situações em que os trabalhadores se recusam a
executarem tarefas. Ademais, o poder regulamentar e de controle devem observar a
flexibilidade dos horários dos trabalhadores. Para os casos que não fossem regulados, aplica-
se a CLT, levando em consideração as peculiaridades dessa categoria.
Finalmente, concebe-se a figura do trabalho subordinado, aplicando-se todas as
regras previstas na CLT. Da mesma forma que ocorre com os dependentes, os direitos
reconhecidos aos autônomos – portabilidade, contraditório, transparência, liberdade sindical,
negociação coletiva, proibição do trabalho escravo e infantil e da discriminação – aplicam-
se aos subordinados, ajustados à existência do poder empregatício na relação entre o
empregado e o empregador. Para os casos das plataformas que optarem por admitir
trabalhadores por meio de contratos intermitentes, acrescenta-se o preço dinâmico, conforme
a proposta de Jeremias Prassl801, para que o seu uso não seja adotado para redução de custos
com mão de obra e o direito a uma carga horária mínima calculada de acordo com a média
de horas trabalhadas nos quatro meses anteriores, na linha da sugestão de Valerio de Stefano,
Antonio Aloisi e Six Silberman802.
799
PRASSL, Jeremias. Humans as a service: the promises and perils of work in the gig economy. cit., p. 109.
800
TODOLÍ-SIGNES, Adrian. op. cit., p. 196.
801
PRASSL, Jeremias. op. cit., p. 109-110.
802
DE STEFANO, Valerio; ALOISI, Antonio; SILBERMAN, Six. op. cit.
297
entendemos que as chances de uma proposta nesses moldes avançar, mesmo promovendo
objetivos distintos dessa ideologia, reside no fato de tratar da questão de maneira circunscrita
e de abordar uma situação social que atrai atenção pela relação entre dependência e
precariedade vivenciada por parte dos trabalhadores.
Na relação entre tecnologia e instituições, a proposta reconhece o impacto e as
mudanças que a tecnologia da informação e comunicação e as plataformas digitais produzem
na organização do trabalho e sugere uma regulação alternativa à tradicional. O Direito do
Trabalho, ao prever uma intervenção legal direcionada para o trabalho sob demanda por
meio de aplicativos e para o crowdwork, torna-se um fator que molda as plataformas e a
organização do trabalho.
299
CONCLUSÕES
A tecnologia, o desenvolvimento de técnicas que transformam a organização da
produção e a maneira pela qual construímos ordem em nossa sociedade impactam a forma
como vivemos. A compreensão do papel da tecnologia nos âmbitos econômico, político e
social é decisiva quando se verificam as possibilidades para interferir no mundo e conceber
políticas públicas e regulações que produzam resultado alinhado a determinado objetivo.
As inter-relações entre tecnologia, instituições e ideologia, descritas pela economia
política multidimensional e adotadas nesta tese, ocorrem mutuamente na definição dos
rumos políticos, econômicos e sociais. Sob essa perspectiva, as inovações tecnológicas não
são neutras ou imunes às relações de poder instituídas, mas influenciam as instituições e a
ideologia, assim como são moduladas por ambas.
A análise do presente momento pela economia política multidimensional aponta para
um cenário de peças se movendo. Nesse contexto, existem tensões entre o neoliberalismo e
o combate às desigualdades, há a emergência de novas tecnologias da informação e
comunicação e a busca das instituições pelo seu papel. Se o quadro não nos permite indicar
com precisão caminhos que serão trilhados, abre-nos a possibilidade de analisarmos a
posição que os elementos componentes das referidas dimensões ocuparão.
Nessa conjuntura, uma das matérias que atrai maior atenção, em razão do impacto
das novas tecnologias na organização da produção, é o futuro do trabalho. Do ponto de vista
qualitativo, há razoável consenso quanto ao fato de que mudanças estão em curso. Não há o
mesmo consenso em sua análise. Alguns estudos priorizam o viés da fragmentação e
fissuração do trabalho, ao passo que outros enfatizam as novas qualificações necessárias
para encontrar ocupações no mercado de trabalho. Da perspectiva quantitativa, existem
trabalhos indicando uma queda expressiva do número de empregos, enquanto outros
apresentam dados que apontam poucas mudanças substantivas, além de uma terceira vertente
sugerir que ocorre um movimento de abertura de postos de trabalho que exigem novas
qualificações e de fechamento daqueles não especializados, repetitivos e que não demandam
quaisquer aptidões – nela, o saldo final é favorável à geração de empregos.
A adoção de inovações tecnológicas na organização da produção produz impactos
diversos no mercado de trabalho, como o uso de plataformas para comercializar produtos ou
serviços entre pessoas ou pessoas e empresas. Há uma diversidade de denominações
utilizadas para retratar esse fenômeno. Adotamos o conceito de capitalismo de plataforma
por enfatizar o fato de operar na lógica do modo de produção predominante na sociedade e
300
descumprimento de parte das recomendações; (v) quanto mais dependentes da Uber para
sobreviverem, maior a precariedade das condições de trabalho; (vi) os motoristas
determinam os seus horários de trabalho; (vii) a Uber ocupa uma posição de poder diante
dos trabalhadores.
No crowdwork, a plataforma é o meio utilizado na execução do trabalho e todas as
relações ocorrem virtualmente no quadro da crowdsourcing, uma espécie de terceirização
online, por meio de uma chamada aberta, para um grupo indefinido, disperso, global e
numeroso de trabalhadores remotos. Muitas das microtarefas se relacionam com o trabalho
cultural, em que os trabalhadores classificam e processam elevadas quantidades de dados.
As principais características do crowdwork são: (i) as relações são triangulares, em
que a plataforma e os seus clientes definem o conteúdo e o modo de execução da atividade;
(ii) o algoritmo e o gerenciamento automático dos clientes das plataformas controlam as
tarefas realizadas pelos trabalhadores; (iii) o sistema de avaliações geralmente é utilizado
pelos clientes para selecionar os contratados; (iv) a definição da jornada de trabalho fica a
critério do trabalhador; (v) existem relações entre dependência e precariedade.
A plataforma mais emblemática que utiliza o crowdwork é a Amazon Mechanical
Turk. Segundo a pesquisa realizada com os seus trabalhadores no Brasil, o perfil médio é de
homens (73%), solteiros (88,4%), com 30 anos de idade e ensino superior completo (71,4%),
atuando há 6 meses ou menos (65,5%), tendo realizado até 200 tarefas (65,3%). A principal
motivação é a complementação de renda (42,4%). Os trabalhadores têm jornada de até 10
horas semanais (72,2%), trabalham 3 dias ou mais por semana (78,9%) e recebem até
R$ 100,00 nesse período (76,9%), valor que é pago por meio de vales que podem ser
utilizados no site da Amazon. Os trabalhadores manifestam desejo de executar mais tarefas
na plataforma (94,2%), mas a baixa remuneração os desestimula (30,6%). Outro foco de
insatisfação é a falta de pagamento mesmo quando realizadas as tarefas.
A dinâmica do trabalho, além de incluir as acima mencionadas sobre o crowdwork,
é a seguinte: (i) o preço da remuneração é fixado pelo cliente; (ii) a ocasião do pagamento é
determinada pela plataforma; (iii) a coordenação do trabalho e o poder disciplinar são
compartilhados pela plataforma e pelo cliente; (iv) o controle das atividades é realizado pelo
cliente, com a possibilidade de não remunerar a tarefa que entender inadequada; (v) quanto
mais dependentes da plataforma, menor o grau de segurança econômica; (vi) os
trabalhadores têm autonomia para definirem os horários de trabalho; (vii) a MTurk e os
clientes ocupam posição de poder diante dos trabalhadores.
302
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338
APÊNDICES
339
1) Informações sociodemográficas
1.6) Atualmente você tem problemas de saúde, física ou mental, ou doenças há pelo
menos 12 meses ou que se espera que durem pelo menos 12 meses?
Sim 21,1%
Não 78,9%
(Se sim em 1.6) 1.6.1) Esse(s) problema(s) de saúde afeta(m) os tipos de trabalho
remunerado que você pode realizar?
Sim 36,6%
Não 63,4%
(Se sim em 1.6) 1.6.2) O seu problema de saúde ou a sua doença reduz a sua
capacidade de realizar atividades cotidianas?
Sim 54,6%
Não 45,4%
2.1) Por quanto tempo você está realizando crowdwork? (Por crowdwork
consideramos atividades realizadas em plataformas online em troca de compensação
financeira por indivíduos executando tarefas online, como ocorre com a Amazon
Mechanical Turk)
Menos de um mês 40,5%
De 1 a 6 meses 25%
De 7 até 12 meses 5,8%
Mais de 1 ano 28,7%
2.2) O trabalho sob demanda por meio de aplicativos é a sua principal atividade?
Sim 25%
Não 75%
2.3) Quão satisfeito você está com o trabalho sob demanda por meio de aplicativos?
Muito satisfeito 9,6%
Satisfeito 19,2%
Nem satisfeito nem 59,7%
insatisfeito
Insatisfeito 9,6%
Muito insatisfeito 1,9%
2.3.1) Por favor, descreva as razões pelas quais você está satisfeito ou insatisfeito
com o crowdwork_____________
2.4) O trabalho por meio de aplicativos é a sua principal fonte de renda (por exemplo,
o seu principal trabalho)?
Sim 25%
Não 75%
2.5) Qual a razão mais importante pela qual você realiza trabalho sob demanda por
meio de aplicativos?
Eu não consigo encontrar outro trabalho 9,6%
Eu só posso trabalhar de casa 5,7%
Eu prefiro trabalhar de casa 15,4%
O pagamento é melhor do que nos outros 0%
trabalhos disponíveis
Para complementar a renda dos outros 42,4%
trabalhos
Para ganhar dinheiro enquanto estudo 5,7%
Como forma de lazer 3,8%
Eu gosto 9,6%
Outros. 7,8%
(Se você marcou “eu não consigo encontrar outro trabalho” na 2.5) 2.5.2) Por favor,
selecione quais motivos contribuíram para você não encontrar outro trabalho.
Há falta de trabalho onde eu moro 58,3%
Eu fui discriminado 8,3%
Eu tenho qualificação maior do que a 8,3%
necessária para os trabalhos disponíveis
Eu não tenho qualificação para os trabalhos 16,8%
disponíveis
Outros 8,3%
(Se você marcou 1-2, 3-4 ou 3-4) 2.7.1) Em quais plataformas de crowdwork você
trabalhou?_______________________
CrowdFlower 13,6%
CrowdSource 31,8%
Upwork 7,7%
Outras 46,9%
2.8) Quantas HIT (human intelligence tasks) da Amazon Mechanical Turk você já
realizou?
1-50 44,2%
51-100 13,5%
101-200 7,7%
201-300 1,9%
301-400 1,9%
401-500 1,9%
501-700 3,8%
701-900 0%
Mais de 900 25%
2.9) Qual das seguintes frases melhor descreve as suas habilidades em relação às
atividades disponíveis na Amazon Mechanical Turk?
Eu preciso de mais treinamento para 17,4%
completar todas as tarefas disponíveis na
plataforma
Eu preciso de maior conhecimento em 3,8%
língua inglesa para completar todas as
tarefas disponíveis na plataforma
As minhas qualificações atuais permitem 30,8%
que eu realize as tarefas na plataforma
Eu tenho qualificações que me permitem 48%
fazer tarefas mais complexas que as
disponíveis na plataforma
343
2.10) Por favor, pense em todas as atividades que você realizou em crowdwork no
último ano. Em uma semanal normal de trabalho, quanto tempo (em horas), você
gastava fazendo atividades pagas nas plataformas?
Até 10 horas 72,2%
Mais de 10 até 20 horas 11,5%
Mais de 20 até 30 horas 7,6%
Mais de 30 até 40 horas 3,8%
Mais de 40 horas 1,9%
2.11) Por favor, pense em todas as atividades que você realizou em crowdwork
no último ano. Em uma semana normal de trabalho, quanto tempo (em horas),
você gastava fazendo atividades não pagas nas plataformas (como procurar por
tarefas, ganhar qualificações, pesquisar a reputação dos solicitantes de tarefas
em fórums online, etc)?
Até 10 horas 86,5%
Mais de 10 até 20 horas 5,7%
Mais de 20 até 30 horas 0%
Mais de 30 até 40 horas 0%
2.13) No último mês em que você fez crowdwork, em quantos dias você
trabalhou mais de 10 (dez) horas?
0 80,7%
1-2 15,5%
3-4 0%
5-7 1,9%
Mais de 7 1,9%
(Se sim na 2.17) 2.17.1) Por que você não faz mais crowdwork atualmente?
Eu não sou qualificado para o trabalho 22,5%
disponível nas plataformas
Não há trabalho disponível suficiente 20,4%
O pagamento não é bom o suficiente 30,6%
Eu não tenho mais tempo para fazer o 22,5%
trabalho
Outros 4%
(Se não na 2.17) 2.17.2) Qual a principal razão para você não querer mais
realizar crowdwork?
Eu sou financeiramente estável e 33,3%
trabalho porque quero
Eu ganho dinheiro suficiente nas horas 33,3%
que trabalho atualmente
O pagamento é baixo 33,3%
2.18) Você gostaria de fazer mais trabalhos que não sejam crowdwork?
Sim 90,4%
Não 9,6%
(Se sim em 2.18) 2.18.1) Por que você não faz mais trabalhos que não sejam
crowdwork atualmente?
Eu não sou qualificado para o trabalho 21,3%
disponível nas plataformas
Não há trabalho disponível suficiente 38,3%
O pagamento não é bom o suficiente 8,5%
Eu não tenho mais tempo para fazer o 25,5%
trabalho
Outros 6,4%
345
(Se não em 2.18) 2.18.2) Por que você não gostaria de fazer mais trabalhos que
não sejam crowdwork?
Eu sou financeiramente estável e trabalho 40%
porque quero
Eu ganho dinheiro suficiente nas horas que 40%
trabalho atualmente
Eu quero gastar mais tempo com lazer ou outras 20%
atividades que envolvam trabalho não pago
2.19) No seu trabalho na Amazon Mechanical Turk, alguma vez você teve o
trabalho rejeitado (e não recebeu pagamento?
Sim 55,8%
Não 44,2%
(Se você respondeu qualquer que não “todas foram justificáveis”) 2.21.1) Por
favor, diga-nos por que você achou que a rejeição foi ou não foi justificável. Por
favor, explique. _______________________
3.1) Em qualquer momento das últimas quatro semanas, você procurou por
qualquer trabalho remunerado, além do crowdwork?
Sim 51,9%
Não 48,1%
(Se sim em 3.1) 3.1.1) Qual a melhor frase descreve o que você estava
procurando como outro trabalho?
Eu estava procurando por um novo trabalho para 25,9%
substituir o crowdwork
Eu estava procurando por um trabalho extra 74,1%
346
(Se sim em 3.1) 3.1.2) Quais são os motivos que te levaram a procurar um outro
trabalho?
Não há trabalho suficiente na plataforma que pague o que 34,6%
eu preciso para viver
Eu realizo crowdwork para preencher o tempo antes de 26,9%
encontrar outro trabalho
Eu quero fazer algo diferente 28,9%
Outros 9,6%
(Se sim em 3.2) 3.2.3) Qual a melhor descrição do seu papel no seu outro
trabalho remunerado ou empresa fora do crowdwork?
Empregado trabalhando por salário-hora 8,6%
Empregado com salário mensal 48,6%
Autônomo 25,7%
Proprietário ou sócio em empresa (com empregados remunerados) 11,4%
Proprietário ou sócio em empresa (sem empregados remunerados) 0%
Trabalho sem remuneração 2,7%
(Se sim em 3.2) 3.2.5) Há quanto tempo você trabalha nesse trabalho
remunerado ou tem essa empresa fora do crowdwork?
De 0 até 6 meses 11,4%
Mais de 7 até 12 meses 8,5%
Mais de 1 ano 80,1%
347
(Se sim em 3.2) 3.2.6 Considerando as semanas em que você realizou trabalho
remunerado ou gerenciou a empresa fora do crowdwork no último ano, quanto
você ganhava por mês em média?
Menos de 1000 70,7%
Mais de 1000 até 2000 21,7%
Mais de 2000 até 3000 3,8%
Mais de 3000 3,8%
(Se sim em 3.2) 3.2.7) Considerando o valor que você ganha por hora trabalhada,
você gostaria de trabalhar mais horas nesse trabalho remunerado ou
gerenciando essa empresa fora do crowdwork se tivesse a oportunidade?
Sim 51,4%
Não 48,6%
4.2) Você saiu do seu trabalho antes de começar o trabalho sob demanda por
meio de aplicativos?
Sim 13,4%
Não 86,6%
(Se não em 4.2) 4.2.1) O trabalho que você fazia antes de começar o crowdwork
é o mesmo trabalho remunerado que você tem fora do crowdwork?
Sim 67,2%
Não 32,8%
(Se sim em 4.2) 4.2.2) Qual a razão pela qual o trabalho que você fazia antes de
começar o crowdwork acabou?
Eu pedi demissão 57,1%
Eu fui dispensado sem justa causa 28,5%
Eu fui dispensado por justa causa 0%
Eu pedi para ser mandado embora 14,4%
Era um trabalho temporário que chegou 0%
ao fim
Eu me aposentei 0%
Outros 0%
5) Situação financeira
5.2) Você é a pessoa que mais contribui para a renda do lar? (considere todas as
pessoas que contribuem financeiramente para a manutenção da residência)
Sim 34,6%
Não 65,4%
5.3) Pensando na renda que você obtém de todos os seus trabalhos, se comparar
o que você recebe atualmente por mês com o que recebia um ano atrás, a sua
renda mensal...
Aumentou 30,8%
Manteve-se 34,6%
Diminuiu 34,6%
5.4) Qual o valor da renda que você obtém atualmente de todos os seus trabalhos
mensalmente?
Até 1000 28,8%
Mais de 1000 até 2000 25%
Mais de 2000 até 3000 13,4%
Mais de 3000 32,8%
349
5.5) Considerando outras fontes de renda que você tem acesso, o(a) seu(ua)
esposo(a), companheiro(a), parceiro(a) ou quem vive junto com você contribui
no orçamento doméstico?
Sim 76,9%
Não 23,1%
5.6) Além da renda do seu trabalho e de outras pessoas que vivem com você, o
orçamento doméstico é complementado por alguma fonte de renda (por
exemplo, benefício da Previdência Social, recebimento de aluguel, pensão,
dentre outros)?
Sim 32,7%
Não 67,3%
5.8) Considerando a renda mensal do seu lar, ela é suficiente para cobrir os
gastos básicos necessários para viver? (por exemplo, com moradia, alimentação,
roupas, transporte)?
Sim 90,4%
Não 9,6%
(Se não em 5.10) 5.10.1) Por favor, selecione a melhor descrição de onde você
vive?
Eu alugo uma casa/apartamento 50%
Eu vivo de graça (com família, amigos, etc) 50%
Outros 0%
Perguntas-teste
1.8) Quantos homens já pularam do Planeta Terra e tocaram o Sol com as duas
mãos?
Muitos 7,2%
Nenhum 92,8%
Alguns 0%
2.19) Por favor, indique o quanto você concorda ou discorda das seguintes
frases
5.14) 1 + 1 =
0 7,1%
1 0%
2 92,9%
352
1) Informações sociodemográficas
2) Trabalho na Uber
2.1) Por quanto tempo você está realizando trabalho sob demanda por meio de
aplicativos? (Por trabalho sob demanda por meio de aplicativos, consideramos
atividades realizadas por trabalhadores e demandadas pelos consumidores a partir de
aplicativos, como ocorre com a Uber)
Menos de um mês 9,8%
De 1 até 12 meses 47,1%
Mais de 1 ano 43,1%
2.2) Por mais quanto tempo você pretende ficar no trabalho sob demanda por meio
de aplicativos?
Menos de um mês 9,8%
De 1 até 12 meses 13,7%
Indefinidamente 76,5%
2.3) O trabalho sob demanda por meio de aplicativos é a sua principal atividade?
Sim 80,4%
Não 19,6%
2.4) Quão satisfeito você está com o trabalho sob demanda por meio de aplicativos?
Muito satisfeito 19,6%
Satisfeito 56,9%
Nem satisfeito nem 18,6%
insatisfeito
Insatisfeito 4,9%
Muito insatisfeito 0%
2.4.1) Por favor, descreva as razões pelas quais você está satisfeito ou insatisfeito
com o trabalho sob demanda por meio de aplicativos_____________
2.5) O trabalho por meio de aplicativos é a sua principal fonte de renda (por exemplo,
o seu principal trabalho)?
Sim 77,5%
Não 22,5%
2.6) Qual a razão mais importante pela qual você realiza trabalho sob demanda por
meio de aplicativos?
Eu não consigo encontrar outro trabalho 28,4%
O pagamento é melhor do que nos outros 32,4%
trabalhos disponíveis
Para complementar a renda dos outros 26,5%
trabalhos
Para ganhar dinheiro enquanto estudo 2,9%
Como forma de lazer 0%
Outros. 9,8%
354
2.7) Além da Uber, em quais plataformas você trabalhou desde que começou a fazer
trabalho sob demanda por meio de aplicativos?
Nenhuma 45,1%
Easy 0%
99 48%
Cabify 1%
Duas dessas plataformas 4,9%
Mais de duas dessas plataformas 1%
2.9) Por favor, pense em todas as atividades que você realizou em trabalho sob
demanda por meio de aplicativos no último ano. Em um dia normal de trabalho,
quanto tempo (em horas), você gastava fazendo atividades nas plataformas?
De 1 até 4 0%
Mais de 4 até 8 23,5%
Mais de 8 até 10 23,5%
Mais de 10 até 12 21,6%
Mais de 12 31,4%
2.10) Por favor, pense em todas as atividades que você realizou em trabalho sob
demanda por meio de aplicativos no último ano. Em um dia normal de trabalho,
quanto tempo (em horas), você gastava fazendo atividades não pagas nas
plataformas (como esperar por chamados)?
Menos de 1 32,4%
De 1 até 2 49%
Mais de 2 até 4 17,6%
Mais de 4 1%
2.11.1) Em um dia normal de trabalho, quanto você gasta com despesas fixas
para trabalhar (como combustível, seguro, manutenção, depreciação, limpeza,
telefone celular, plano de dados, etc)?
Até 50 35,3%
Mais de 50 até 100 55,9%
Mais de 100 até 200 8,8%
Mais de 200 0%
2.13) Na última semana em que você realizou trabalho sob demanda por meio
de aplicativos, em quantos dias você trabalhou por mais de 10 horas?
0 32,4%
Até 2 13,7%
Mais de 2 até 5 28,4%
Mais de 5 25,5%
2.14) Quantos dias por semana você geralmente realiza trabalho sob demanda
por meio de aplicativos?
Até 2 0%
Mais de 2 até 5 31,4%
Mais de 5 68,6%
2.15) Por favor, indique os períodos do dia em que você geralmente realiza
trabalho sob demanda por meio de aplicativos.
Manhã (5:00-12:00) 86,3%
Tarde (12:00-18:00) 86,3%
Noite (18:00-22:00) 62,7%
Madrugada (22:00-5:00) 15,7%
2.16) Como você decide quantas horas irá trabalhar em um determinado dia?_
2.19) Se você identifica o preço dinâmico, você dirige por mais tempo no dia?
Sim 40,2%
Não 59,8%
2.20) Você sente que a Uber te induz a realizar corridas quando há preço
dinâmico?
Sim 24,5%
Não 75,5%
2.21) A Uber lhe forneceu algum dos instrumentos que você usa para trabalhar
(como carro, telefone celular, seguro etc)?
Sim 0%
Não 100%
356
2.23) Qual o modalidade de corridas pela Uber você realiza com mais frequência?
UberPool 0%
UberX 96,1%
UberSelect 2,9%
UberBlack 1%
UberBag 0%
UberBlackBag 0%
2.24) Você gostaria de realizar mais trabalho sob demanda por meio de aplicativos?
Sim 70,6%
Não 29,4%
(Se sim em 2.24) 2.24.1) Por que você não faz mais trabalho sob demanda por meio
de aplicativos atualmente?
Não há trabalho suficiente disponível 6,3%
O pagamento não é bom o suficiente 15,6%
Eu não tenho mais tempo para fazer o trabalho 59,4%
Outros 18,8%
(Se não em 2.24) 2.24.2) Por que você não gostaria de fazer mais trabalho sob
demanda por meio de aplicativos?
Eu sou estudante 2,9%
Eu sou financeiramente estável 2,9%
Eu ganho dinheiro suficiente nas horas que 18,6%
trabalho atualmente
Eu tenho compromissos diários que me 11,4%
impedem de trabalhar mais
Eu quero gastar mais tempo com lazer ou 14,3%
outras atividades que envolvem trabalho
não pago
Eu quero realizar trabalhos diferentes do 14,3%
trabalho sob demanda por meio de
aplicativos
Outros 35,7%
2.25) Você gostaria de fazer mais trabalhos que não sejam trabalho sob demanda por
meio de aplicativos?
Sim 68,6%
Não 31,4%
357
(Se sim em 2.25) 2.25.1) Por que você não faz mais trabalhos que não sejam trabalho
sob demanda por meio de aplicativos atualmente?
Não há trabalho suficiente disponível 60%
O pagamento não é bom o suficiente 15,7%
Eu não tenho mais tempo para fazer o 1,4%
trabalho
Outros 22,9%
(Se não em 2.25) 2.25.2) Por que você não gostaria de fazer mais trabalhos que não
sejam trabalho sob demanda por meio de aplicativos?
Eu sou estudante 9,4%
Eu sou financeiramente estável 3,1%
Eu ganho dinheiro suficiente nas horas que trabalho 6,3%
atualmente
Eu tenho compromissos diários que me impedem de 25%
trabalhar mais
Eu quero gastar mais tempo com lazer ou outras 0%
atividades que envolvem trabalho não pago
Eu quero realizar trabalhos diferentes do trabalho sob 0%
demanda por meio de aplicativos
Outros 56,3%
2.28) Você tem receio de receber uma suspensão ou de ser excluído da Uber?
Sim 41,2%
Não 58,8%
3.1) Em qualquer momento das últimas quatro semanas, você procurou por qualquer
trabalho remunerado, além do trabalho sob demanda por meio de aplicativos?
Sim 75,5%
Não 24,5%
(Se sim em 3.1) 3.1.1) Qual a melhor frase descreve o que você estava procurando
como outro trabalho?
Eu estava procurando por um novo trabalho para 72%
substituir o trabalho sob demanda por meio de aplicativos
Eu estava procurando por um trabalho extra 28%
(Se sim em 3.1) 3.1.2) Quais são os motivos que te levaram a procurar um outro
trabalho?
Não há trabalho suficiente na plataforma que pague o que 8,7%
eu preciso para viver
Eu realizo trabalho sob demanda por meio de aplicativos 60,9%
para preencher o tempo antes de encontrar outro trabalho
Eu quero fazer algo diferente 13%
Outros 17,4%
3.2) Além do trabalho sob demanda por meio de aplicativos, você tem outro(s)
trabalho(s) remunerado(s) ou é dono(a) de empresa(s)?
Sim 27,5%
Não 72,5%
(Se sim em 3.2) 3.2.1) Além do trabalho sob demanda por meio de aplicativos,
quantos outros trabalho remunerados ou empresas você tem?
1 92,3%
Mais de 1 7,7%
(Se sim em 3.2) 3.2.2) Algum desses trabalhos ou empresas é na economia de bico
(gig economy), economia de compartilhamento ou capitalismo de plataforma?
Sim 0%
Não 100%
(Se sim em 3.2) 3.2.3) Qual a melhor descrição do seu papel no seu outro trabalho
remunerado ou empresa fora do trabalho sob demanda por meio de aplicativos?
Empregado trabalhando por salário-hora 0%
Empregado com salário mensal 32,1%
Autônomo 42,9%
Proprietário ou sócio em empresa (com empregados remunerados) 7,1%
Proprietário ou sócio em empresa (sem empregados remunerados) 17,9%
Trabalho sem remuneração 0%
359
(Se sim em 3.2) 3.2.4) Há quanto tempo você trabalha nesse trabalho remunerado ou
tem essa empresa fora do trabalho sob demanda por meio de aplicativos?
De 0 até 6 meses 17,9%
Mais de 7 até 12 meses 0%
Mais de 1 ano 82,1%
(Se sim em 3.2) 3.2.5) Considerando as semanas em que você realizou trabalho
remunerado ou gerenciou a empresa fora do trabalho sob demanda por meio de
aplicativos no último ano, quanto você ganhava por mês em média?
Menos de 1000 17,9%
Mais de 1000 até 2000 39,3%
Mais de 2000 até 3000 7,1%
Mais de 3000 35,7%
(Se sim em 3.2) 3.3.6) Considerando as semanas em que você realizou trabalho
remunerado ou gerenciou a empresa fora do trabalho sob demanda por meio de
aplicativos no último ano, quantas horas por dia você trabalhava em média?
Até 10 32,1%
Mais de 10 até 20 17,9%
Mais de 20 até 30 7,1%
Mais de 30 até 40 25%
Mais de 40 até 50 14,3%
Mais de 50 até 60 0%
Mais de 60 3,6%
(Se sim em 3.2) 3.2.7) Considerando o valor que você ganha por hora trabalhada,
você gostaria de trabalhar mais horas nesse trabalho remunerado ou gerenciando essa
empresa fora do trabalho sob demanda por meio de aplicativos se tivesse a
oportunidade?
Sim 57,1%
Não 42,9%
4) Trabalho pré-Uber
4.1) Imediatamente antes de começar o trabalho sob demanda por meio de aplicativos,
você
Trabalhava ou gerenciava uma empresa e 25,5%
continua a fazer atualmente
Trabalhava em um emprego diferente 69,6%
Gerenciava uma empresa que não existe 2%
mais
Estava desempregado 1%
Estava na escola 2%
Cuidava de crianças, idosos ou pessoas 0%
com deficiência
360
(Se trabalhava em um emprego diferente ou gerenciava uma empresa que não existe
mais em 4.1) 4.1.1) Quanto tempo você trabalhou nessa atividade antes de começar
o trabalho sob demanda por meio de aplicativos?
Até 6 meses 5,2%
Mais de 6 meses até 1 ano 10,3%
Mais de 1 ano 84,5%
(Se trabalhava em um emprego diferente ou gerenciava uma empresa que não existe
mais em 4.1) 4.1.2) Considerando as semanas que você trabalhou antes de começar
o trabalho sob demanda por meio de aplicativos, quanto você ganhava por mês? (em
reais)
Menos de 1000 4,1%
Mais de 1000 até 2000 24,7%
Mais de 2000 até 3000 26,8%
Mais de 3000 44,3%
(Se trabalhava em um emprego diferente ou gerenciava uma empresa que não existe
mais em 4.1) 4.1.3) Considerando as semanas que você trabalhou antes de começar
o trabalho sob demanda por meio de aplicativos, quantas horas você trabalhava em
uma semana típica de trabalho?
Até 10 3,1%
Mais de 10 até 20 3,1%
Mais de 20 até 30 4,1%
Mais de 30 até 40 23,7%
Mais de 40 até 50 56,7%
Mais de 50 até 60 4,1%
Mais de 60 5,2%
4.2) Você saiu do seu trabalho antes de começar o trabalho sob demanda por meio
de aplicativos?
Sim 74,5%
Não 25,5%
(Se não em 4.2) 4.2.1) O trabalho que você fazia antes de começar o trabalho sob
demanda por meio de aplicativos é o mesmo trabalho remunerado que você tem fora
do trabalho sob demanda por meio de aplicativos?
Sim 69,2%
Não 30,8%
(Se sim em 4.2) 4.2.2) Qual a razão pela qual o trabalho que você fazia antes de
começar o trabalho sob demanda por meio de aplicativos acabou?
Eu pedi demissão 18,2%
Eu fui dispensado sem justa causa 58,4%
Eu fui dispensado por justa causa 0%
Eu pedi para ser mandado embora 3,9%
Era um trabalho temporário que chegou 1,3%
ao fim
Eu me aposentei 2,6%
Outros 0%
361
5) Situação financeira
5.1) Pensando em todos os trabalhos que você tem atualmente, se comparar as horas
de trabalho que você atualmente faz por semana com as que você fazia um ano atrás,
o número de horas de trabalho semanal
Aumentou 52%
Manteve-se 25,5%
Diminuiu 22,5%
5.2) Você é a pessoa que mais contribui para a renda do lar? (considere todas as
pessoas que contribuem financeiramente para a manutenção da residência)
Sim 70,6%
Não 29,4%
5.3) Pensando na renda que você obtém de todos os seus trabalhos, se comparar o
que você recebe atualmente por mês com o que recebia um ano atrás, a sua renda
mensal...
Aumentou 47,1%
Manteve-se 21,6%
Diminuiu 31,4%
5.4) Qual o valor da renda que você obtém atualmente de todos os seus trabalhos
mensalmente?
Até 1000 0%
Mais de 1000 até 2000 4,9%
Mais de 2000 até 3000 19,6%
Mais de 3000 75,5%
5.5) Além da renda do seu trabalho e de outras pessoas que vivem com você, o
orçamento doméstico é complementado por alguma fonte de renda (por exemplo,
benefício da Previdência Social, recebimento de aluguel, pensão, dentre outros)?
Sim 26,5%
Não 73,5%
5.6) Considerando a renda mensal do seu lar, ela é suficiente para cobrir os gastos
básicos necessários para viver? (por exemplo, com moradia, alimentação, roupas,
transporte)?
Sim 72,5%
Não 27,5%
(Se não em 5.8) 5.8.1) Por favor, selecione a melhor descrição de onde você vive?
Eu alugo uma casa/apartamento 65,1%
Eu vivo de graça (com família, amigos, etc) 32,6%
Outros 2,3%
5.9) Você faz parte de um sistema de aposentadoria (pública ou privada) que vai te
garantir uma determinada renda quanto você se aposentar?
Sim 43,1%
Não 56,9%
5.10) Algum dos trabalhos que você faz promove o recolhimento da contribuição
para a Previdência Social ou você recolhe voluntariamente para a Previdência
Social?
Sim 28,4%
Não 71,6%
6 ) Se você pudesse mudar algo no trabalho sob demanda por meio de aplicativos, o
que seria?
_______________________________________________________________
Pesquisador responsável:
Renan Bernardi Kalil, doutorando em direito do trabalho pela Universidade de São Paulo
(USP), sob orientação do Professor Otavio Pinto e Silva, em período sanduíche na Faculdade
de Direito da Universidade de Harvard, nos Estados Unidos (EUA).
Você está sendo convidado(a) para participar como voluntário(a) da pesquisa “Capitalismo
de plataforma e proteção social: trabalho sob demanda por meio de aplicativos, crowdwork
e direito do trabalho”. Leia com atenção as informações abaixo antes de dar o seu
consentimento para participar do estudo. Qualquer dúvida, entre em contato com Renan
Bernardi Kalil no e-mail [email protected].
Desconfortos e riscos:
Benefícios:
A partir das respostas apresentadas, busca-se obter maior conhecimento sobre as dinâmicas
das relações de trabalho no trabalho-de-multidão (crowdwork) e, levando em conta essas
bases, pensar nas formas em que o direito do trabalho pode oferecer meios de proteger os
trabalhadores que desempenham atividades nesses tipos de plataformas digitais.
364
Despesas do voluntário:
Pagamento:
Considerando que a resposta ao questionário está sendo colocado como tarefa a ser realizada
por meio da plataforma Amazon Mechanical Turk, será realizado pagamento de US$ 4
(quatro dólares americanos) para os trabalhadores que aceitarem participar da pesquisa. A
adoção desse procedimento foi autorizada pelo Comitê de Ética da Faculdade de Direito da
USP em 18 de abril de 2018.
Participação voluntária:
A sua participação nesse estudo é voluntária e você terá plena e total liberdade para desistir
de participar a qualquer momento.
Ao clicar para continuar e iniciar a pesquisa, você declara que foi esclarecido sobre os
objetivos, procedimentos e benefícios do presente estudo, que participa de livre e espontânea
vontade, que foi assegurado o direito de abandonar o estudo a qualquer momento, que não
possui qualquer grau de dependência profissional ou educacional com o pesquisador
envolvido nesse projeto, que não se sente pressionado a participar dessa pesquisa, que pode
solicitar informações sobre a pesquisa a qualquer momento e que concorda em participar da
pesquisa.
365
Pesquisador responsável:
Renan Bernardi Kalil, doutorando em direito do trabalho pela Universidade de São Paulo
(USP), sob orientação do Professor Otavio Pinto e Silva.
Você está sendo convidado(a) para participar como voluntário(a) da pesquisa “Capitalismo
de plataforma e proteção social: trabalho sob demanda por meio de aplicativos, crowdwork
e direito do trabalho”. Leia com atenção as informações abaixo antes de dar o seu
consentimento para participar do estudo. Qualquer dúvida, entre em contato com Renan
Bernardi Kalil no e-mail [email protected].
O outro é sobre o trabalho sob demanda por meio de aplicativos. Trata-se de uma relação de
trabalho de curto prazo, em que a plataforma viabiliza a combinação entre oferta e demanda
de mão de obra por meio do software para a execução de uma atividade nas proximidades
ou no próprio local em que está situado fisicamente o tomador de serviços. A plataforma de
trabalho sob demanda por meio de aplicativos mais conhecida é a Uber e o estudo de caso é
sobre essa plataforma.
Desconfortos e riscos:
Benefícios:
366
A partir das respostas apresentadas, busca-se obter maior conhecimento sobre as dinâmicas
das relações de trabalho no trabalho sob demanda por meio de aplicativos e, levando em
conta essas bases, pensar nas formas em que o direito do trabalho pode oferecer meios de
proteger os trabalhadores que desempenham atividades nesses tipos de plataformas digitais.
Despesas do voluntário:
Participação voluntária:
A sua participação nesse estudo é voluntária e você terá plena e total liberdade para desistir
de participar a qualquer momento.
Se a participação ocorrer durante viagem de carro solicitada por meio do aplicativo Uber, a
avaliação do motorista não será afetada pelas respostas apresentadas ao pesquisador.