A Participacao Politica de Imigrantes Ge

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UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA MARIA

CENTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS E HUMANAS


PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA
MESTRADO EM HISTÓRIA

Carlos Eduardo Piassini

A PARTICIPAÇÃO POLÍTICA DE IMIGRANTES GERMÂNICOS NO


RIO GRANDE DO SUL: OS BRUMMER KAHLDEN, HAENSEL,
KOSERITZ E TER BRÜGGEN, 1851-1881

Santa Maria, RS
2016
1

Carlos Eduardo Piassini

A PARTICIPAÇÃO POLÍTICA DE IMIGRANTES GERMÂNICOS NO


RIO GRANDE DO SUL: OS BRUMMER KAHLDEN, HAENSEL,
KOSERITZ E TER BRÜGGEN, 1851-1881

Dissertação apresentada ao Curso de Pós-


Graduação em História, da Universidade Federal
de Santa Maria (UFSM, RS), como requisito
parcial para obtenção do título de Mestre em
História.

Orientadora: Prof.ª Dr.ª Maria Medianeira Padoin

Santa Maria, RS
2016
2

Carlos Eduardo Piassini

A PARTICIPAÇÃO POLÍTICA DE IMIGRANTES GERMÂNICOS NO RIO


GRANDE DO SUL: OS BRUMMER KAHLDEN, HAENSEL, KOSERITZ E TER
BRÜGGEN, 1851-1881

Dissertação apresentada ao Curso de Pós-


Graduação em História, da Universidade Federal
de Santa Maria (UFSM, RS), como requisito
parcial para obtenção do título de Mestre em
História.

Aprovado em 6 de Dezembro de 2016:

__________________________________________
Maria Medianeira Padoin, Dra. (UFSM)
(Presidente/Orientador)

__________________________________________
Jorge Luiz da Cunha, Dr. (UFSM)

__________________________________________
René Ernaini Gertz, Dr. (PUCRS)

Santa Maria, RS
2016
3

AGRADECIMENTOS

 Universidade Federal de Santa Maria – pela imensa qualidade do ensino público e gratuito;
 Maria Medianeira Padoin – pela orientação de meu trabalho, ao estar sempre disponível a
me ajudar, pelas dicas preciosas que me deu, pelo exemplo de determinação e competência,
pelas oportunidades acadêmicas que tive graças ao seu trabalho incansável e pelo apoio e
compreensão;
 Programa de Pós-Graduação em História/UFSM – pela aceitação de meu projeto de
pesquisa, à sua excelência no ensino, ao valioso corpo docente e aos cursos de professores
externos;
 Mãe, Pai e irmãos – por acreditarem em mim, pelo esforço em me proporcionar a estrutura
necessária durante minha trajetória no mestrado, pela paciência e compreensão, e pelos
ensinamentos que me passaram;
 Comissão de Aperfeiçoamento de Pessoal do Nível Superior – pelo auxílio de bolsa
CAPES/DS, imprescindível para a construção deste trabalho, para meu provimento, custos com
eventos e material de pesquisa;
 Prof. Dr. Jorge Luiz da Cunha (UFSM) – pela disponibilidade em me oferecer algumas
fontes documentais utilizadas na pesquisa sobre os Brummer;
 Prof. Dr. René E. Gertz – pelas teses que me passou, que muito me auxiliaram, e pelas
críticas e conselhos durante a Qualificação do primeiro capítulo deste trabalho;
 Gustavo Figueira Andrade – pela parceria e amizade, pelas caronas e viagens a eventos, e
sobretudo as aventuras na Espanha;
 Neiva Ester Corrêa Köhler e equipe do Arquivo Histórico Municipal de Cachoeira do Sul –
pelo auxílio em minha pesquisa sobre o Barão von Kahlden, sempre interessados e muito
prestativos;
 Arquivo Histórico do Rio Grande do Sul e Arquivo Público do Estado do Rio Grande do Sul
– pelo acesso as fontes documentais e por seu trabalho inegável na preservação da História do
Rio Grande do Sul;
 Arquivo Benno Mentz, PUC-RS – pelo acesso aos exemplares do Deutsche Zeitung e
atenção no atendimento aos pesquisadores;
 Professor Leomar Tesche – pela cópia dos artigos de Albert Schmid;
 Turma de Mestrado 2015/1 – pelo tempo que passamos juntos, construindo nosso
conhecimento acadêmico, enfrentando os obstáculos do percurso, pelos momentos de
descontração e vivência;
4

 Ezequiel R. Ribeiro e Jovani Della Flora – pela convivência, real amizade e compreensão
durante os dois anos que dividimos domicilio.
 Thaís Balk – pelo apoio nos momentos mais difíceis dessa trajetória através de boa conversa
e conselhos;
 Aos companheiros de pesquisa – pelas trocas de referências bibliográficas e material de
pesquisa, pelo companheirismo na participação em eventos científicos, e pela companhia
durante as horas incansáveis de pesquisa em livros e documentos;
 A todos aqueles que, de alguma forma, contribuíram para a realização deste trabalho, e não
estão nominalmente citados.
5

RESUMO

A PARTICIPAÇÃO POLÍTICA DE IMIGRANTES GERMÂNICOS NO RIO


GRANDE DO SUL: OS BRUMMER KAHLDEN, HAENSEL, KOSERITZ E TER
BRÜGGEN, 1851-1881

AUTOR: Carlos Eduardo Piassini


ORIENTADORA: Maria Medianeira Padoin

O presente estudo, integrado aos trabalhos em desenvolvimento na linha de pesquisa “Fronteira,


Política e Sociedade” do Mestrado do Programa de Pós-Graduação em História da Universidade
Federal de Santa Maria (PPGH-UFSM), Rio Grande do Sul, Brasil, contando com auxílio de
bolsa CAPES/DS, teve como objetivo investigar as formas de participação política dos
imigrantes germânicos Karl von Koseritz, Frederico Haensel, Karl von Kahlden e Whilhelm ter
Brüggen durante a segunda metade do século XIX, no Rio Grande do Sul, período no qual ainda
era muito restrita a participação de imigrantes na vida política oficial frente as limitações
impostas pela legislação eleitoral vigente no séc. XIX e por conta de restrições ligadas a renda.
Os referidos personagens foram selecionados devido a dois elementos em comum entre eles:
constituíram o primeiro grupo de estrangeiros de origem germânica a alcançar o cargo de
Deputado Provincial no Rio Grande do Sul na década de 1880, e compuseram as tropas
mercenários dos Brummer contratadas em 1851 para atuarem junto à força imperial brasileira
na Guerra contra Oribe e Rosas (1851-1852). O recorte temporal foi delimitado tendo em conta
o ano de 1851 como marco da chegada ao Brasil dos personagens investigados, e o ano de 1881
como a promulgação da Lei Saraiva, que ampliou a participação política de estrangeiros em
cargos eletivos. O estudo foi realizado através da investigação da participação desses quatro
indivíduos nos diversos espaços sociais nos quais circularam. As trajetórias políticas e de vida
deles apresentaram semelhanças. Assim, constituíram um grupo com grande especificidade que
atuou em empregos públicos, na maçonaria, em associações recreativas e de beneficência, no
comércio e na imprensa. A atenção principal foi dada aos cargos públicos que exerceram.
Temos Karl von Kahlden como Diretor Colonial, Frederico Haensel como Vice-Cônsul da
Prússia, Karl von Koseritz como Agente Intérprete da Colonização e Wilhelm ter Brüggen
como Cônsul da Prússia.

Palavras-chave: Brummer; Imigração Alemã; História Política; Fronteira.


6

ABSTRACT

THE POLITICAL PARTICIPATION OF GERMAN IMMIGRANTS IN RIO


GRANDE DO SUL: THE BRUMMER KAHLDEN, HAENSEL, KOSERITZ AND TER
BRÜGGEN, 1851-1881

AUTHOR: Carlos Eduardo Piassini


ADVISOR: Maria Medianeira Padoin

This study, integrated to researches in developing at the research area "Border, Politics and
Society" of the Master's Graduate Program in History at the Universidade Federal de Santa
Maria (PPGH-UFSM), Rio Grande do Sul, Brazil, counting with assistance of CAPES/DS,
aimed to investigate the forms of political participation of the German immigrants Karl von
Koseritz, Frederico Haensel, Karl von Kahlden and Whilhelm ter Brüggen during the second
half of the nineteenth century, in Rio Grande do Sul, during which one was still very restricted
the participation of immigrants in the official political life on account the limitations imposed
by the electoral legislation from century XIX and restrictions linked to income. These characters
were selected because of two common elements between them: were the first group of foreign
of Germanic origin that reach the office of Provincial Deputy in Rio Grande do Sul in the 1880's,
and composed the mercenary troops of Brummer contracted in 1851 to act with the Brazilian
Imperial Force in the War against Oribe and Rosas (1851-1852). The time frame was defined
taking into account the year of 1851 as a landmark of the arrival in Brazil of the investigated
characters, and the year of 1881 as the enactment of the Saraiva Law, which expanded the
political participation of foreigns in elective office. The study was realized by investigation of
participation of these four individuals in different social spaces in which they circulated. The
political and life trajectories of they showed similarities. Thus, they formed a group with great
specificity who served in public office, in Freemasonry, in recreational and charities
associations, in trade and in press. The main attention was paid to public office who they
exercised. Karl von Kahlden as Director Colonial, Frederico Haensel as Vice Consul of Prussia,
Karl von Koseritz as Interpreter Colonization Agent and Wilhelm ter Brüggen as Consul of
Prussia.

Keywords: Brummer; German Immigration; Political History; Border.


7

LISTA DE ILUSTRAÇÕES

Figura 1 – A América Espanhola ............................................................................................ 41


Figura 2 – As Repúblicas do Rio da Prata, 1820-1870 ........................................................... 42
Figura 3 – Território do atual Estado alemão de Schleswig-Holstein ..................................... 67
Figura 4 – Esboço da marcha da Infantaria através do Uruguai .............................................. 80
Figura 5 – Wilhelm ter Brüggen ............................................................................................ 112
Figura 6 – Frederico Haensel ................................................................................................. 126
Figura 7 – Barão von Kahlden, 1889 ..................................................................................... 137
Figura 8 – Karl von Koseritz ................................................................................................. 152
Figura 9 – Distintivo da Loja Zur Eintracht .......................................................................... 179
Figura 10 – As vias navegáveis do Rio Grande do Sul (segunda metade do séc. XIX) ........ 193
Figura 11 – Distritos Eleitorais do Rio Grande do Sul em 1872 ........................................... 208
Figura 12 – Maioria Liberal da Assembleia Provincial em 1889. Setas em Karl von Koseritz,
Fredrico Haensel e Karl von Kahlden ................................................................................... 214
8

LISTA DE QUADROS

Quadro 1 – Estrutura da Infantaria Brummer ...........................................................................71


Quadro 2 – Estrutura da Artilharia Brummer ...........................................................................72
Quadro 3 – Estrutura dos Sapadores Brummer ........................................................................72
Quadro 4 – Veleiros que transportaram os Brummer ..............................................................72
Quadro 5 – Estatística dos Imigrantes chegados no Rio Grande do Sul entre 1857 e 1866 ...170
9

LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

MALRGS – Memorial da Assembleia Legislativa do Rio Grande do Sul.

AHMCS – Arquivo Histórico Municipal de Cachoeira do Sul.

CGNP – Centro Genealógico de Nova Palma.

AHRGS – Arquivo Histórico do Rio Grande do Sul.

APERS – Arquivo Público do Estado do Rio Grande do Sul.

BM/PUCRS – Arquivo Benno Mentz, Espaço Delfos, PUC-RS.


10

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO .......................................................................................................................11
1 MERCENÁRIOS E BRUMMER ........................................................................................25
1.1 O BRASIL E A GUERRA CONTRA ORIBE E ROSAS (1851-1852 ..............................32
1.1.1 O Ilustre Restaurador de las Leyes ................................................................................32
1.1.2 O Império brasileiro versus Oribe e Rosas ..................................................................40
1.1.3 A Guerra Grande (1839-1852), ou Guerra contra Oribe e Rosas (1851-1852) .......47
1.2 OS LEGIONÁRIOS BRUMMER .......................................................................................54
1.2.1 O Recrutamento e a especificidade dos Brummer .......................................................61
1.2.2 Os Brummer marcham...................................................................................................79
1.2.3 A polêmica oficialidade ..................................................................................................85
1.2.4 Impressões pelo caminho ...............................................................................................89
2 O CÔNSUL, O COMERCIANTE O DIRETOR E O JORNALISTA: A
PARTICIPAÇÃO POLÍTICA DE ELEMENTOS GERMÂNICOS ANTERIOR À LEI
SARAIVA, 1851-1881 .............................................................................................................99
2.1 A LEI SARAIVA DE 1881 ..............................................................................................100
2.2 A ATUAÇÃO POLÍTICA DE TER BRÜGGEN, HAENSEL, KAHLDEN E
KOSERITZ .............................................................................................................................110
2.2.1 Wilhelm ter Brüggen, o Cônsul ..................................................................................111
2.2.2 Frederico Haensel, o Comerciante .............................................................................125
2.2.3 Barão von Kahlden, O Diretor....................................................................................136
2.2.4 Karl von Koseritz, o Jornalista ...................................................................................151
2.2.5 O Envolvimento com a Guerra do Paraguai (1864-1870) .......................................172
2.2.6 A atuação na Maçonaria .............................................................................................178
2.2.7 A Deutscher Turnverein e a Deutschen Hilfsverein: o Associativismo ....................186
2.2.8 A presença no Comércio ..............................................................................................192
2.2.9 A Atuação de Kahlden, Haensel, ter Brüggen e Koseritz na Assembleia
Provincial ...............................................................................................................................204
CONCLUSÃO .......................................................................................................................218
REFERÊNCIAS ....................................................................................................................226
11

INTRODUÇÃO

A Dissertação tem por objeto de estudo a participação política de quatro imigrantes


germânicos, Karl von Kahlden, Wilhelm ter Brüggen, Frederico Haensel e Karl von Koseritz,
pertencentes à Legião Alemã de mercenários, os Brummer, e eleitos Deputados Provinciais na
década de 1880, na Província de São Pedro do Rio Grande do Sul. A referida participação
política a ser considerada será àquela desenvolvida durante a segunda metade do século XIX,
mais especificamente de 1851, quando da vinda dos soldados Brummer para o Brasil, até 1881,
com a promulgação da Lei Saraiva, que ampliou o espaço de atuação dos estrangeiros na
política brasileira. Este trabalho, integrante dos estudos da linha de pesquisa “Fronteira, Política
e Sociedade” do Mestrado do Programa de Pós-Graduação em História da Universidade Federal
de Santa Maria, contou com bolsa CAPES/DS, e foi orientado pela Prof.ª Dr.ª Maria Medianeira
Padoin.
A partir de experiências de Iniciação Científica durante a Graduação, oportunizadas pela
participação como bolsista PROBIC/FAPERGS/UFSM1 e como Monitor das disciplinas de
“História da América Contemporânea” I e II no Curso de História da Universidade Federal de
Santa Maria, tive contato com estudos relativos à imigração alemã para o Rio Grande do Sul
durante o séc. XIX. Em meio às pesquisas, nos deparamos com temas ainda pouco tratados pela
historiografia da imigração germânica, como é o caso dos Brummer. Enquanto investigávamos
a Biografia do personagem Karl von Kahlden, Diretor da Colônia Provincial de imigrantes
germânicos de Santo Ângelo2, para nosso Trabalho Final de Graduação3, identificamos a
diminuta quantidade de pesquisas acadêmicas voltadas aos Legionários Brummer, um grupo
formado por aproximadamente 1.800 soldados contratados pelo governo imperial brasileiro
como mercenários para lutar na Guerra contra Oribe e Rosas (1851-1852), do qual Kahlden fez
parte.
Como destaca Hilda A. H. Flores (1997), assim como a participação dos Brummer na
Guerra contra Oribe e Rosas ainda foi pouco estudada, também as trajetórias desses indivíduos
após os desdobramentos do citado conflito mereceram atenção reduzida da historiografia. De
modo geral, no meio acadêmico, os trabalhos que contemplam os Brummer estão relacionados

1
Projeto "Os Conceitos de República e de Federalismo na Revolução Farroupilha (1835-1845) no Contexto do
Processo de Construção dos Estados Nacionais e da nação na Região Fronteiriça Platina", do qual participei
durante o ano de 2014.
2
Fundada em 1855. Seu território corresponde, em partes ou no todo, aos dos atuais municípios de Agudo, Paraíso
do Sul, Novo Cabrais, Restinga Seca, Dona Francisca, Cachoeira do Sul, e Cerro Branco.
3
PIASSINI, Carlos Eduardo. A Biografia de um Barão: Karl von Kahlden, o Diretor da Côlonia Santo Ângelo,
1857-1882. 2014. 68 f. Monografia (Curso de História)-Universidade Federal de Santa Maria, Santa Maria, 2014.
12

com a questão da identidade teuto-brasileira4, tratam da figura de Karl von Koseritz5,


apresentam aspectos gerais do processo da imigração alemã no Rio Grande do Sul 6, tratam de
associações recreativas e esportivas7, ou trabalham com a questão da participação política de
imigrantes germânicos8. Os estudos de maior expressão são aqueles publicados por estudiosos
do meio militar, dedicados especialmente a participação dos legionários Brummer na campanha
brasileira contra Oribe e Rosas (1851-1852), sem dar maior atenção aos caminhos percorridos
pelos soldados após a dissolução da Legião Alemã.
Desse último grupo, tiramos grande parte das contribuições ao nosso trabalho. O estudo
de Claudio Moreira Bento (1981), “Os ‘Brummer’: A Legião Alemã a Serviço do Brasil na
Guerra 1851-52”, ofertado especialmente ao Museu Visconde de São Leopoldo, apresenta uma
visão ampla e resumida da participação dos Brummer no conflito contra Oribe e Rosas,
sobretudo em seus aspectos militares. A mesma percepção é encontrada no livro de Juvencio
Saldanha Lemos (2015), “Brummers: A Legião Contratada pelo Império Brasileiro em 1851”,

4
Alguns estudos sobre identidade que tratam dos Brummer: BALLER, Gisele Inês. Espaços de Memória e
construção de identidades: Estudo de dois casos na região de Colonização alemã no RS. 2008. 156 p. Dissertação
(Mestrado em História)-Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2008; TRESPACH, Rodrigo.
Memória e História Oral entre os Imigrantes alemães no Sul do Brasil: o caso da família Schmitt. In: Oficina do
Historiador, v. 2, n. 1, dez-2010, EDIPUCRS, Porto Alegre; FROEMMING, Angela Brandalise. Migração e
Identidade: Formação de Comunidades Evangélicas nas Colonizações Mistas de Três de Maio, Horizontina e Dr.
Maurício Cardoso no Século XX. 2009. 139 f. Dissertação (Mestrado em Teologia)-Escola Superior de Teologia,
São Leopoldo, 2009.
5
Alguns estudos acerca de Carlos von Koseritz: CARNEIRO, José Fernando. Karl von Koseritz. Porto Alegre:
IEL, 1959./ DREHER, Luís H.. O “liberalismo” e a situação religiosa: notas a partir da vida e obra de Carl von
Koseritz. Estudos Leopoldenses, vol. 3, nº 2, 1999, p. 87-102./ GERTZ, René (org). Karl von Koseritz. Seleção
de Textos. Porto Alegre: Edipucrs, 1999./ OBERACKER JR, Carlos H. Carlos von Kosertiz. São Paulo:
Anhambi, 1961.
6
NOGUEIRA, Arlinda Rocha; HUTTER, Lucy Maffei. A Colonização em São Pedro do Rio Grande do Sul
Durante o Império (1824-1889). Porto Alegre: Gratuita/Instituto Estadual do Livro, 1975. 162 p. (Série Biênio
da Colonização e Imigração, v. 4). OBERACKER JR., Carlos. H. A Contribuição Teuta à formação da nação
brasileira. Rio de Janeiro: Editora Presença, 1968. PORTO, Aurélio. O Trabalho Alemão no Rio Grande do
Sul. Porto Alegre: Martins Livreiro Editor, 1996. ROCHE, Jean. A Colonização Alemã no Rio Grande do Sul.
Tradução de Emery Ruas. Porto Alegre: Editora Globo, 1969, vol. 1.
7
JACQUES, Alice Rigone. A Associação Beneficente e Educacional de 1858 e o Colégio Farroupilha (1886). In:
BASTOS, Maria H. C.; JACQUES, Alice Rigone; ALMEIDA, Dória B. (Orgs.). Do Deutscher Hilsfsverein ao
Colégio Farroupilha/RS: Memórias e Histórias (1858-2008). Porto Alegre: EDIPUCRS, 2013. TESCHE, L..
Elementos Formadores de uma Identidade. In: ENCONTRO DA ALESDE – ESPORTE NA AMÉRICA LATINA:
ATUALIDADE E PERSPECTIVAS, 1., 2008, Curitiba. Anais eletrônicos... Curitiba: Universidade Federal do
Paraná, 2008. Disponível em: <http://www.alesde.ufpr.br/encontro/trabalhos/57.pdf >. Acesso em: 23 de setembro
de 2014. TESCHE, L. Os Legionários de 1851: Guerreiros, Liberais e Turnen. In: XIX JORNADA DE
PESQUISA/SALÃO DO CONHECIMENTO UNIJUÍ, 2014, Ijuí. Anais eletrônicos... Ijuí: Unijuí, 2014.
Disponível em: <https://www.revistas.unijui.edu.br/>. Acesso em: 23 de setembro de 2014.
8
KRAUSE, Silvana. A diversidade de comportamento político das zonas coloniais alemãs no sul do Brasil:
indícios sob uma perspectiva histórica. Textos de História, vol. 16, n. 2, p. 105-117, 2008. Disponível em: <
http://periodicos.unb.br/index.php/textos/article/view/945>. Acesso em: 05 abr. 2014. PESAVENTO, S. J. O
Imigrante na Política Rio-grandense. In.: DACANAL, José Hildebrando (Org.). RS: Imigração e Colonização. 2.
ed. Porto Alegre: Mercado Aberto, 1992, p. 156-194. OLIVEIRA. R. de. S. Colonização Alemã e Poder: a
cidadania brasileira em construção e discussão (Rio Grande do Sul 1863-1889). 2008. 192 p. Dissertação
(Mestrado em História)-Universidade de Brasília, Brasília, 2008.
13

um extenso estudo sobre a legião, com importantes contribuições e análises. Ambos os autores
têm carreira no Exército brasileiro.9 Ainda que apresentem visões tradicionais, eles oferecem
uma ideia geral da formação, atuação e dissolução da Legião Alemã, mas, sobretudo, apontam
fontes documentais, possibilitando novos estudos, como o nosso.
Outra obra que nos auxiliou nesta pesquisa foi “Die Brummer”, do jornalista Albert
Schmid (1951), traduzida para o português como “Os Rezingões”, pelo General Klinger, cujo
texto foi publicado em separata do jornal “A Nação”, de Porto Alegre, durante os meses de
janeiro, fevereiro, março e abril de 1951, em comemoração ao centenário do recrutamento dos
Brummer. Schmid havia visitado o Brasil entre 1908 e 1911, quando escreveu as memórias de
Cristóvão Lenz, legionário Brummer, oferecidas a ele em depoimento e publicadas no jornal
Deutsches Volksblatt, em 1911. Os textos dele são a principal fonte dos trabalhos voltados à
Legião Alemã. Além dos aspectos militares e do recrutamento na Europa, Schmid destaca os
desentendimentos entre os oficiais e traz pistas sobre a trajetória de alguns Brummer depois de
terem deixado o serviço militar e permanecido no Rio Grande do Sul.
A partir da constatação da restrita produção historiográfica dedicada a permanência de
parte considerável dos Brummer no Rio Grande do Sul, constituímos parte do nosso objeto de
pesquisa. Como explica Hilda A. H. Flores (1997), os soldados, após deixarem o serviço militar,
exerceram variado leque profissional como “agrimensores, diretores de Colônia, comerciantes,
professores e um número maior de colonos, mais difíceis de serem localizados, pois se
espalharam em um raio geográfico maior e trabalharam no anonimato” (FLORES, 1997, p. 9).
Maria Amélia Schmidt Dickie (1989) reitera os apontamentos de Flores (1997), e destaca que
a maioria dos Brummer,

[...] havia lutado nos movimentos liberais dos anos 46 a 50, nas regiões do Schleswig-
Holstein e Baden. Filhos de famílias abastadas ou nobres, educados e principalmente,
politizados, foram se estabelecendo em Porto Alegre e nas zonas coloniais como
professores, advogados, engenheiros, agrimensores, médicos, etc. Eram, na maioria,
protestantes, maçons e partidários de uma monarquia liberal.

Para Angela Brandalise Froemming (2009) e Tesche (2014), devido às características


apontadas acima, os Brummer teriam contribuído com os imigrantes germânicos instalados no

9
Claudio Moreira Bento foi Presidente da Federação de Academias de História Militar Terrestre do Brasil e
da Academia de História Militar Terrestre do Brasil (AHIMTB) de Resende, que fundou em 1986. Por sua vez,
Juvencio Saldanha Lemos é titular da Academia de História Militar Terrestre do Brasil, serviu no Batalhão Suez,
Unidade de Força de Emergência das Nações Unidas em missão na Faixa de Gaza, além de ocupar várias posições
dentro do Exército no Rio Grande do Sul. Ambos possuem outras obras de História Militar, desconectadas, porém,
das novas tendências dessa área de estudo, atualmente em revisão, com novas formas de abordagem dos objetos
de estudo e distante do teor laudatório e engessado daquela História Militar Tradicional.
14

Rio Grande do Sul ao buscarem uma participação mais intensa na vida pública, ao influenciar
no desenvolvimento da vida comunal dos alemães e teuto-brasileiros, ao formar uma imprensa
germânica na Província, até então inexistente, e ao desenvolver associações recreativas e o
intercâmbio intelectual com a Alemanha. Para Cecília Elisa Kilpp (2012), quando os Brummer
se inseriram nas colônias germânicas, a maioria delas permanecia sem um auxílio público
adequado. Em vista de sua experiência liberal na Europa e da maioria deles ser alfabetizada,
teriam tomado a iniciativa de suprir tal deficiência e auxiliado na criação de escolas, igrejas e
sociedades. De acordo com Luiz Alberto de Souza Marques (2010), os legionários ocuparam
mais da metade do total de cargos de professor das colônias germânicas.
Segundo Dickie (1989), os Brummer lutaram pela ampliação real10 da elegibilidade dos
não católicos e naturalizados. A meta era obter a elegibilidade para a Câmara dos Deputados e,
assim, garantir a legitimidade de sua participação no âmbito provincial. Para tanto, os Brummer
agiram através da maçonaria, fundando várias lojas no interior das colônias, da fundação da
Sociedade Auxiliadora (Deutsches Hilfsyerein) com o objetivo de ajudar os imigrantes
germânicos e seus descendentes na adaptação à nova pátria, e da ideologia do Deutschtum, a
qual, esclarece Seyferth (1976 apud DICKIE, 1989), expressa uma herança cultural garantida
pela descendência, que supõe continuidade, portanto a noção do Deutschtum não pergunta a
uma pessoa onde ela nasceu, mas de quem ela nasceu, não só física, mas culturalmente. Dessa
forma, a partir do Deutschtum, os Brummer formularam um discurso que buscou forjar uma
identidade étnica global ao tentar reunir os vários "alemães" através da característica comum
da valorização dos colonos pelo reconhecimento de sua aptidão ao trabalho.
Por meio da imprensa e inserindo-se no meio político, os imigrantes passaram a
reivindicar seus direitos. Nos órgãos públicos, os Brummer tiveram ação decisiva, como foi o
caso de Koseritz na campanha de equiparação política dos teuto-brasileiros, independente do
credo e da origem étnica. Os autores mencionados convergem ao destacar que os Brummer
tinham alto nível intelectual, boa formação e princípios filosóficos e liberais. Nas picadas e
cidades onde se instalaram tornaram-se representantes e reivindicadores dos direitos dos
imigrantes e de seus descendentes. Para Dreher (2008 apud ASSMANN, 2012), pode-se afirmar
com certeza que, ao lado de sacerdotes jesuítas e pastores luteranos, os Brummer formaram a
liderança da cultura, da economia e da política entre alemães e descendentes.

10
Não havia impeditivos legais para a eleição dos naturalizados à Assembleia Legislativa, mas nenhum partido
ousou lançar um candidato (DICKIE, 1989).
15

Quando se referem aos Brummer, os autores não englobam todos os 1.800 homens que
constituíram a legião de mercenários, mas sim apenas parte destes. Foi estudando um entre
tantos indivíduos engajados na dita legião, Karl von Kahlden, o Barão von Kahlden, que me
deparei com o fato de que quatro entre os cinco primeiros Deputados Provinciais do Rio Grande
do Sul de origem germânica, eleitos na década de 1880, haviam feito parte da Legião Alemã.
Além de Kahlden, temos Wilhelm ter Brüggen, Frederico Haensel e Karl von Koseritz. Segundo
José Fernando Carneiro (1959, p. 47-48 apud PESAVENTO, 1992, p. 166), junto a Frederico
Bartholomay,

Estes Brummer estavam servindo de peça intermediária entre a colônia, com seus
horizontes estreitos, sua vida insular, seu tradicionalismo germânico e o Brasil. Eles
não eram expressões coloniais, autóctones, não haviam nascido nem trabalhado nas
picadas, mas muito naturalmente aceitos, tornaram-se os intérpretes daqueles
pequenos agricultores e pequenos industriais, exercendo uma liderança autêntica [...].

Nesse sentido, complementamos o objetivo de nosso trabalho, e estabelecemos a


proposta de estudar a permanência dos soldados Brummer no Rio Grande do Sul após o fim da
Guerra contra Oribe e Rosas, através desses quatro personagens, assim, fugindo da perspectiva
dos trabalhos já existentes que privilegiaram os aspectos da formação da Legião mercenária e
sua participação no conflito platino. Essa permanência, porém, será estudada no que diz respeito
a participação política dos citados personagens antes de sua chegada ao cargo de Deputados
Provinciais, em um período no qual a participação política em cargos eletivos ainda era restrita
aos estrangeiros, ou seja, entre os anos de 1851 e 1881. De acordo com Sandra J. Pesavento
(1992, p. 160),

As eleições no Império eram indiretas, de segundo grau e censitárias. Além disso, para
os cargos eleitorais ainda se requisitava a exigência de serem católicos e brasileiros
natos, pelo que se excluíam tanto os imigrantes naturalizados quanto os de religião
protestante. Ora, pelo que se vê, os imigrantes colocaram-se como elementos
subordinados dentro da política do Império e, particularmente, da Província sulina.
Encarada desse ângulo, sua participação foi quase nula.

Nesse mesmo sentido, Silvana Krause (2008), cientista política, afirma ser consensual
que nos primeiros anos da colonização germânica no Rio Grande do Sul a participação política
dos imigrantes foi praticamente nula. O isolamento das colônias quanto à comunicação,
expressa principalmente na falta de transporte e estradas, teria gerado dificuldades de
participação e integração política. Outra questão que a autora afirma ser consensual é a de que
a participação e a integração das zonas coloniais germânicas estiveram diretamente ligadas ao
16

seu desenvolvimento econômico. Por sua vez, Sandra Pesavento (1992), pondera que a
participação política dos imigrantes, ainda que naturalizados, era bastante limitada por causa da
renda e que, considerando a legislação do período imperial que versava sobre as eleições, os
imigrantes foram elementos subordinados dentro da política do Império e, particularmente, da
Província rio-grandense. Assim, encarada desse ângulo, sua participação foi quase nula.
Apesar disso, a lei de organização dos municípios, de 1º de outubro de 1828, havia
conferido aos imigrantes a possibilidade de exercerem o cargo de vereadores, pelo menos todos
os eleitores paroquiais que tivessem dois anos de domicílio nos respectivos termos, mesmo os
estrangeiros naturalizados e acatólicos. Pesavento (1992) destaca que ao longo de boa parte do
século XIX a naturalização foi morosa, complicada e dispendiosa. Um avanço quanto a essa
questão foi a promulgação do Decreto nº 1.950 de 11 de julho de 1871, que concedeu o título
de naturalização a todo imigrante menor de 21 anos, residente no país há pelo menos dois anos,
sob a exigência da prestação de serviços na Guarda Nacional.11 Portanto, os meios institucionais
para os colonos buscarem seus direitos residiam nas Diretorias das Colônias, na comissão de
Medição de Terras, na Inspetoria Geral de Terras e Colonização e, acrescento, no Consulado
Prussiano, tanto em Porto Alegre, quanto nos Vice-Consulados de Santa Cruz e de Rio Grande.
Apesar da limitação dos estrangeiros no processo político, houve o recrutamento à força
de imigrantes germânicos para vários movimentos belicosos, como a Guerra Cisplatina (1826-
1828), a Guerra Civil Farroupilha, a Guerra contra Oribe e Rosas (1851-1852) e a Guerra do
Paraguai (1865-1870). Encontramos nos arquivos do Consulado da Prússia em Porto Alegre,
exemplos dessa situação que embaraçava muitos colonos de origem germânica. Em 19 de maio
de 1869, o Cônsul prussiano, Wilhelm ter Brüggen, oficiou à Presidência da República o caso
do súdito alemão Guilherme Klein,

Foi dirigido a este Consulado a seguinte representação: Guilherme Klein, súdito


alemão, foi forçado no ano de 1865 pelo Major Primórdio C. d’Azambuja, a marchar
para o Paraguai com o corpo do Coronel Francisco Patrício d’Azambuja de Santo
Amaro, não obstantes todas as reclamações feitas pelo citado individuo mesmo e por
seus pais. Justificando agora a naturalidade neste Consulado do referido e por
instâncias do mesmo, que ultimamente estava servindo no 6º Corpo de Cavalaria de
Guardas Nacionais desta Província, rogo a Sua Ex.ª o Sr. Presidente da Província se
sirva reclamar para ele a isenção de todo o serviço, assim como o livre transporte a
esta Capital.12

11
Essa dificuldade de ingressar no mundo político durante os primeiros tempos das colônias germânicas, aponta
Pesavento (1992), limitou até mesmo um dos mais conhecidos Diretores da Colônia São Leopoldo, o Dr. João
Daniel Hillebrand, que não conseguiu participar da vida pública além do âmbito municipal.
12
Arquivo Histórico do Rio Grande do Sul (AHRGS): Documentos Consulares. Caixa 3, Maço 5-6. Consulado da
Confederação Germânica do Norte 1869 – Porto Alegre.
17

Em novembro daquele ano, os parentes de Guilherme Klein avisaram ao Consulado que


o mesmo ainda não havia retornado para o Rio Grande do Sul, apesar do Cônsul, ter Brüggen,
ter dirigido ofício à Presidência da Província e ao Comando em Chefe das Forças Brasileiras
em Operação no Paraguai, solicitando a dispensa de Klein, levado à força, e seu transporte de
retorno. Não encontramos mais informações acerca dos desdobramentos desse caso, mas fica
ilustrada a forma arbitrária como muitos imigrantes foram levados para o serviço militar, afim
de engrossar as fileiras das forças imperiais brasileiras em diversos conflitos ocorridos no
século XIX. Apesar de terem sua cidadania limitada por entraves da legislação, renda e da
burocracia, muitos acabaram prestando ao governo serviços destinados aos nacionais.
Tanto Pesavento (1992) quanto Krause (2008) focam suas análises na política
institucional e deixam de lado a atuação política dos colonos fora dos cargos públicos eletivos,
mas não só isso, ignoram ou minimizam a presença de imigrantes germânicos em cargos
públicos não eletivos, sobretudo aqueles relacionados com a estrutura do complexo colonial
provincial, em cargos como o de Diretor Colonial, Agente Intérprete da Colonização,
Agrimensor, Delegado de Polícia e Cônsul. Ainda, deixam de lado outras formas de atuação
política, como as reivindicações e lutas cotidianas pela garantia de direitos básicos.
Marcos Antonio Witt (2001), discorda dessa visão ao apontar dados empíricos
significativos da prática política em nível municipal entre os colonos alemães do Litoral Norte
do Rio Grande do Sul. Naquela região, em pequenas e médias extensões territoriais, alguns
proprietários estiveram ligados à burocracia através de cargos públicos e alianças políticas. O
fracionamento político ocorrido ali permitiu o surgimento de uma disputa por “migalhas”, ou
seja, nacionais13 e colonos alemães14 disputaram pequenas benesses capazes de os projetar
politicamente frente aos demais. As relações de poder teriam ocorrido pelas disputas no âmbito
do micro. Nesse sentido, Witt (2008) aponta que é preciso transcender o campo da política
partidária, e considerar a interligação do campo do político com o social através das lutas por
mais direitos. É preciso considerar que o cotidiano teve enorme peso nas atitudes dos colonos,
afinal, além de imigrantes, agricultores ou artesãos, eles eram pessoas com necessidades básicas
a suprir. Fatores como a origem étnica e o idioma, Witt (2008) afirma, não foram um
impedimento para as lutas cotidianas dos colonos, e pondera,

13
De acordo com Witt (2001) o termo “nacional” designa os descendentes de portugueses e açorianos, bem como
os demais elementos caracterizados como “brasileiros” (escravos libertos, por exemplo).
14
De acordo com Witt (2001) a expressão “colono alemão” (ou simplesmente “colono”) designa os imigrantes
alemães e seus descendentes. Embora saibamos que a Alemanha surgiu como estado unificado somente em 1871,
o termo “alemão” é utilizado para identificar os imigrantes que vieram para o Brasil antes desta data. Ressaltamos
que o termo “nacional” desqualifica o filho do imigrante, situação que perdura, realmente, até 1881, quando a lei
Saraiva permite o ingresso destes homens de forma mais intensa na política.
18

O contato com autoridades dos diversos escalões da burocracia imperial de imediato


os alertou para a chave que resolveria as questões que surgiam no dia-a-dia: era
preciso dialogar e ocupar espaço. Por conseguinte, todos os passos e todas as atitudes
destes imigrantes foram marcados por participação política, mesmo que não se possa
caracterizá-los de partidários, no sentido que hoje se atribui ao termo. Não é insensato
afirmar que o cotidiano foi forjado e cunhado por luta política (WITT, 2008, p. 19).

Alguns canais através dos quais colonos de destaque agiram politicamente na defesa e
busca de direitos foram, segundo Witt (2008), na recepção de procurações, no encaminhamento
de requerimentos, servindo como testemunha, e indispondo-se com autoridades. Era a eles que
a maioria recorria quando precisava de favores, esclarecimentos, empréstimos, entre outros. De
modo geral, portanto, Witt (2008) defende que as vias de acesso e os pilares de sustentação que
imigrantes germânicos e descendentes usaram para conquistar espaço político só podem ser
compreendidos a partir da atuação destes na busca de sanar as dificuldades e obstáculos do
cotidiano.
Para Ryan Sousa Oliveira (2008), antes da aprovação da Lei Saraiva em 1881, os teuto-
brasileiros não eram um grupo excluído da cidadania. Ele relativiza a ideia de “sub-cidadania”
ou “não cidadania” dos teuto-brasileiros no Rio Grande do Sul, ao apontar indícios de
participação cidadã dos teuto-brasileiros não enfatizados na historiografia, atenta apenas para o
que seriam as “formas tradicionais”, ou seja, nas câmaras municipais, Assembleia Legislativa
Geral e Provincial. A partir do olhar da nova história política, ele aponta como exemplo de uma
perspectiva diferente daquela citada como tradicional, o estudo de atos de rebeldia e
reivindicação dos teuto-brasileiros, reflexos de uma relação conflituosa entre esses e o Estado
brasileiro.
Para Oliveira (2008), cada vez mais, se tem verificado a frequência com que colonos
recorriam aos serviços administrativos para arbitrarem conflitos, exercendo sua cidadania em
busca da garantia de direitos básicos. Assim, a defendida apatia política atribuída aos imigrantes
deve ser minimizada, principalmente aquela apontada para a primeira metade do século XIX,
antes da chegada dos Brummer, considerados o “fermento” das colônias. Nesse período, por
exemplo, houve o envolvimento de teuto-brasileiros na Guerra dos Farrapos. As grandes
dificuldades dos primeiros tempos, defendem muitos autores, haviam limitado as possibilidades
de atuação política dos colonos, reduzindo-os praticamente a uma condição de sobrevivência,
porém, esse cenário acarretou na reivindicação de terras, subsídios e do efetivo cumprimento
de outras cláusulas contratuais perante o poder público. Segundo Oliveira (2008, p. 109),
19

As demandas culturais, religiosas, econômicas e políticas dos teuto-brasileiros


encontraram seus espaços na estrutura jurídica, burocrática e administrativa brasileira,
de maneira que é possível constatar que cidadania não se constrói apenas com
disposições constitucionais, mas a partir de pequenos conflitos e entendimentos entre
poder público e sociedade, em que um simples requerimento pode assumir vital
importância como participação cidadã. [...]

Para Marcos Justo Tramontini (2000), da mesma forma, não se pode aceitar a
interpretação de que a vida nas colônias foi marcada pela apatia política e por um isolamento
dos colonos, como a que perpassa significativa parcela da historiografia. Autores que estudaram
os anos iniciais da colonização alemã no Rio Grande do Sul constantemente têm destacado a
luta por direitos, o surgimento de conflitos e o rápido posicionamento partidário, evidente com
a Guerra Farroupilha (1835-1845). A fim de ilustrar esta consideração, Tramontini (2000)
descreve o momento da suspensão dos subsídios e dos gastos com a colonização em 1831, após
a aprovação do artigo 49 da Lei de Orçamento de 1830 (para os anos financeiros de 1831-1832),
que aboliu em todas as Províncias do Império a despesa com a colonização.15 A indefinição
quanto ao pagamento dos subsídios gerou reivindicações por parte dos colonos,

Em dezembro de 1833, José Mariano, acusava recebimento de uma requisição dos


colonos de São Leopoldo em que pediam o pagamento dos subsídios, “que se lhes
deve por contrato”, e expunham as dificuldades e a miséria a que estavam condenados,
pois, além do fim dos subsídios, foram castigados por chuvas e secas, que arruinaram
suas colheitas. O presidente da Província argumentava que desconhecia estes
contratos de imigração, e anexou ao ofício um abaixo-assinado de 76 colonos, que
diziam ter repetidas vezes suplicado pelo pagamento dos subsídios atrasados, estando
condenados à miséria e presos a empréstimos (TRAMONTINI, 2000, p. 186).

Há diversos exemplos da articulação de colonos na cobrança de direitos perante as


autoridades.16 Nosso trabalho se insere nessa nova perspectiva, que amplia o entendimento do

15
Essa lei espelhou a crescente oposição à política de dom Pedro I e foi uma reação ao excesso de dinheiro
investido nos batalhões de alemães. Portanto, de 1831 a 1834, houve praticamente a anulação da imigração
estrangeira para o Brasil, além da precarização dos serviços administrativos nas colônias já instaladas. Segundo
Tramontini (2000, p. 177), “Sobre essas alterações administrativas é esclarecedor o ofício do presidente da
Província José Carlos Pereira de Almeida Torres ao Visconde de Alcântara, onde afirmava que, como dispunha a
Lei do Orçamento, aboliram-se todos os ordenados dos empregados das colônias da Província, e os problemas
gerados pela falta de tais funcionários foram solucionados elevando-se a colônia alemã de São Leopoldo à
condição de Capela Curada, para o que nomeara um capelão e um juiz de Paz”.
16
Na segunda metade do século XIX, os colonos também protagonizaram situações de exercício de cidadania
através de petições, reclamações, exigências e denúncias. Temos o caso de uma representação de colonos de Nova
Petrópolis encaminhada ao Cônsul da Prússia em Porto Alegre, Wilhelm ter Brüggen, por ele enviada ao Presidente
da Província em 29 de dezembro de 1868, na qual protestavam contra uma intriga envolvendo o Diretor da mesma,
Frederico Bartholomay. A representação fora firmada por seis moradores da Colônia Nova Petrópolis, autorizados
para tanto por noventa e dois colonos da mesma. Reclamavam da maneira “sobremodo parcial intrigante e
escandalosa pela qual se queira indispor para com S.ª Ex.ª o Sr. Presidente, o muito digno Diretor daquela Colônia,
o Sr. Frederico Bartholomay”. A intriga, alegavam, provinha do colono Schuhmann, que já havia sido condenado
a prisão há alguns anos por semelhante atitude e ficado livre graças ao Induto Imperial. Além disso, afirmavam
que Schuhmann contava com o apoio do Professor Carlos Hoefer, declarado inimigo pessoal do Intérprete Oficial
20

espaço de participação e atuação política dos imigrantes germânicos, entretanto, não vamos nos
deter nas reivindicações e lutas cotidianas dos colonos como formas de cidadania, pois o que
nos interessa, e acreditamos ser uma das principais contribuições da pesquisa aqui
desenvolvida, é a atuação política de imigrantes germânicos em empregos públicos, através dos
cargos ocupados por Kahlden, Koseritz, Haensel e ter Brüggen. Além disso, vamos apresentar
outros espaços sociais nos quais estes personagens atuaram politicamente, como na maçonaria,
no associativismo e no comércio. A partir do que foi exposto, a pesquisa proposta busca
responder à questão central formulada: como se deu a participação política de Frederico
Haensel, Karl von Koseritz, Wilhelm ter Brüggen e Karl Von Kahlden, imigrantes germânicos
que vieram para o Brasil como soldados Brummer e chegaram ao cargo de Deputado Provincial
na última década do Império, durante a segunda metade do século XIX, entre 1851 e 1881, no
Rio Grande do Sul, visto que nesse período os estrangeiros não estavam totalmente integrados
ao sistema político eleitoral?
As questões discutidas até aqui demonstram a importância dos Brummer para uma maior
integração política, econômica e social dos teuto-brasileiros no Rio Grande do Sul. Fugindo de
generalizações e consciente de que as características apontadas por alguns autores para definir
os legionários não contemplam a totalidade dos mesmos, ainda assim pode-se perceber o
destaque dado a eles em relação à atuação em profissões de cunho liberal e na tomada de posição
em assuntos que diziam respeito à ausência do Estado nas colônias de imigrantes germânicos.
Assim, consideramos de grande valia o estudo da participação política de imigrantes
germânicos durante a segunda metade do século XIX, aqui expressa a partir dos quatro
personagens selecionados. Além disso, nosso trabalho insere um elemento pouco considerado
nos estudos acerca da imigração germânica, que é o espaço fronteiriço platino e a questão da
fronteira como agente mobilizador da imigração. Dessa forma, nosso trabalho contribui para a
Linha de Pesquisa “Fronteira, Política e Sociedade” do Programa de Pós-Graduação em
História da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM).
Abordaremos nosso objeto de pesquisa a partir da perspectiva da História Política,
renovada por um movimento historiográfico de retornos. De acordo com Levillain (2003), essa
renovação trouxe de volta a valorização do sujeito, do acontecimento e da narrativa na história.
O político passou a ser percebido como um espaço de articulação do social e sua representação

da Colonização, Karl von Koseritz, e de Bartholomay. A pretensão de Schuhmann e Hoefer seria levar a demissão
de seus desafetos. O caso descrito demonstra a articulação dos colonos de Nova Petrópolis para garantir a
idoneidade dos empregados públicos Koseritz e Bartholomay e, ao mesmo tempo, que os colonos também se
engalfinhavam por questões de poder, dando corpo a intrigas e articulando prejuízos a seus desafetos. AHRGS:
Documentos Consulares. Caixa 3. Maço 5-6.
21

e passou a dar maior destaque ao indivíduo na história através da valorização da ação e dos
atores. Dessa forma, vamos investigar os variados espaços de atuação dos sujeitos a serem
analisados em nossa pesquisa a fim de compreender as estratégias políticas utilizadas por cada
um no contexto da segunda metade do século XIX, no qual a participação política de
estrangeiros era limitada. Nosso trabalho será constantemente perpassado pelo “político”, cuja
abordagem foi modificada pela Nova História Política. De acordo com Rémond (1996, p. 443-
444),

Já que não se pode definir o político por uma coleção de objetos ou um espaço, somos
levados a definições mais abstratas. A mais constante é pela referência ao poder:
assim, a política é a atividade que se relaciona com a conquista, o exercício, a prática
do poder, assim os partidos são políticos porque têm como finalidade, e seus membros
como motivação, chegar ao poder. Mas não a qualquer poder! [...]. Só é política a
relação com o poder na sociedade global: aquela que constitui a totalidade dos
indivíduos que habitam um espaço delimitado por fronteiras que chamamos
precisamente de políticas. [...]. Entretanto, se o político é aquilo que tem uma relação
direta com o Estado e a sociedade global, ele não se reduz a isso: ele se estende
também às coletividades territoriais e a outros setores por esse movimento que ora
dilata e ora encolhe o campo do político.

Quando, então, dissemos pretender investigar a “participação política”, nos referimos


às articulações dos quatro personagens no meio social no qual estavam inseridos relativas ao
exercício do poder, e os meandros que o envolvem, uma vez que, para a Nova História Política,
além da política institucional, ligada ao Estado, também as relações de poder espalhadas na
sociedade passaram a ser encaradas como objeto de estudo. Dessa forma, também trabalhamos
com uma dimensão social da História.
Ao tratarmos do conflito fronteiriço no qual o Brasil esteve envolvido e que foi a razão
pela qual os legionários germânicos foram recrutados, isto é, a Guerra Grande (1839-1852), ou
Guerra contra Oribe e Rosas (1851-1852), trataremos do espaço fronteiriço platino, entendido
por Maria Medianeira Padoin (2001) como um espaço que se constituiu através de relações
sociais e econômicas, com caráter de região, onde circularam homens, ideias, culturas e
mercadorias. Não estava associado a delimitações físicas e políticas, pois era um espaço
dinâmico e mutável que compreendeu o atual território de Buenos Aires e Províncias litorâneas
da Bacia do Prata, o território atual do Uruguai e a região da Campanha do Rio Grande do Sul.
As relações construídas nesta região permitiram a circulação e a troca de ideias, como a
consciência de autonomia política, de liberdade e de proteção, elementos fundamentais para a
difusão de ideias federalistas durante o conturbado período de construção dos Estados
Nacionais.
22

O nosso trabalho priorizou a questão do político destacando a importância do espaço


fronteiriço platino na concretização do processo de imigração e colonização no Rio Grande do
Sul e, sobretudo, entendê-lo como o local de encontros, de relações sociais e de conflitos que
possibilitou a vinda dos Brummer ao Brasil. Também consideramos o conceito de Fronteira
em sua diversidade, uma vez que grande parte dos Brummer atuou em um conflito de caráter
fronteiriço na Europa e veio para o Brasil lutar em outro conflito envolvendo a Fronteira.
Para a elaboração desse trabalho, realizamos um diálogo com a historiografia existente
e com estudos pautados por propostas semelhantes à nossa. Além disso, utilizamos parte da
pesquisa realizada durante a graduação, e documentos existentes nos arquivos públicos do Rio
Grande do Sul. Estudaremos a atuação política de Frederico Haensel, Karl von Koseritz,
Wilhelm ter Brüggen, e Karl von Kahlden nos espaços sociais nos quais se destacaram. As
fontes foram de natureza diversa. A partir da historiografia existente, identificamos alguns dos
espaços nos quais os quatro indivíduos pesquisados tiveram atuação destacada e, então, fomos
atrás de fontes documentais relacionadas aos mesmos. Para o primeiro capítulo, nos valemos
das memórias de Cristóvão Lenz, Christian Henrique Schäffer e Jorge Júlio Schnack,
publicadas na obra “Memórias de Brummer”, organizada por Hilda Agnes Hübner Flores
(1997). Lenz, chapeleiro e músico de profissão, soldado do Batalhão de Artilharia, confiou suas
memórias ao jornalista Alberd Schmid. Já o marceneiro Schäffer, soldado do Batalhão de
Infantaria, falecido em 1889, teve edição póstuma de seu diário publicada no Kalender für die
Deutsche Brasilien de 1914, por iniciativa de seu amigo C. Sthur. Por fim, Schnack, soldado
do Batalhão de Infantaria, editou suas memórias no mesmo calendário, em 1915.
Utilizamos relatórios de oficiais Brummer, das obras do Major Fedor von Lemmers-
Danforth e do Capitão Carl Eduard Siber. Ambos descreveram em minucias suas andanças pelo
Rio Grande do Sul e campos uruguaios junto ao Exército imperial brasileiro, além de trazerem
informações sobre toda a participação dos Brummer na Guerra Grande. Os textos deles formam
as bases de todas as obras posteriores acerca da legião mercenária. Lemmers escreveu o texto
Zur Charakteristik der Deutschen Legion von 1851 im Kaiserlich Brasillianischen Dienat,
publicado em 1853, em Marburg, e traduzido para o português pelo General Bertholdo Klinger
para o Boletim do Centro Rio-Grandense de Estudos Históricos de 1941, sob o título “Índole
da Legião Alemã de 1851 a serviço do Império do Brasil”. Por sua vez, Siber escreveu o texto
Reckblick auf den Krieg gegen Rosas und die Schickeale der dentschen Truppe im Diensto
Brasiliens. Von einem Augenzeugen, publicado em 1854, em Berlim, e traduzido para o
português por Alfredo de Carvalho para a Revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro
23

de 1915, sob o título “Retrospecto da Guerra contra Rosas e as vicissitudes das tropas alemãs
ao serviço do Brasil por uma Testemunha Ocular”.
Contamos com cartas e reportagens de jornais estrangeiros e brasileiros publicados no
“Relatório do Ginásio Anchieta”, de 1938, uma compilação realizada pelo Padre Alberto Fuger
com os principais documentos consultados na obra Zur Geschischte der deutschen Soeldlinge,
Kolonisten und derem Nachkommen in Brasilien, traduzida como “Contribuições para a história
dos mercenários, dos colonos alemães e de seus descendentes no Brasil” e publicada em 1854,
em Leipzig. Além disso, também consultamos atas do Conselho de Estado Imperial e Leis do
Império.
Para o segundo capítulo, utilizamos algumas fontes em meio digital, como Decretos e
Leis do Império, e informações da ampla e acessível base de dados do site
www.familysearch.com. Também consultamos alguns recortes do Jornal Deutsche Zeitung; o
testamento de Wilhelm ter Brüggen; o inventário de Frederico Haensel e ações ordinárias
envolvendo estes dois últimos. Do Arquivo Histórico do Rio Grande do Sul, usamos uma gama
de documentos do Consulado da Prússia em Porto Alegre, entre 1862 e 1882, diversos
documentos da Colonização referentes a Colônia Santo Ângelo; correspondência passiva e ativa
da Junta Comercial de Porto Alegre, e a correspondência do Agente Intérprete da Colonização
em 1867. Do Arquivo Histórico Municipal de Cachoeira do Sul utilizamos Livros de Contratos,
correspondência expedida e recebida, e registros gerais da Câmara Municipal de Cachoeira,
além de documentos referente a Colônia Santo Ângelo e ao Barão von Kahlden. Ainda, nos
valemos dos Anais da Assembleia Legislativa do Rio Grande do Sul, da 20ª a 24ª legislatura.
Por fim, utilizamos documentos do Centro de Pesquisas Genealógicas de Nova Palma, como
reportagens de jornal sobre a História da Colônia Santo Ângelo.
O estudo proposto será dividido em dois capítulos. O primeiro dará atenção aos
legionários Brummer e à Guerra contra Oribe e Rosas. Buscamos compreender o processo que
culminou no recrutamento dos Brummer, o perfil geral dos legionários, a viagem para o Brasil,
a organização da legião mercenária dentro do Exército imperial, como atuaram na Guerra contra
Oribe e Rosas (1851-1852), e como se deu a dissolução dos batalhões estrangeiros. Antes,
porém, vamos tratar do citado conflito, buscando entender em linhas gerais no que consistiram
suas motivações, quem foi Juan Manuel de Rosas, porque o Brasil esteve envolvido, qual foi o
papel do Uruguai e como se encerrou. Vamos tratar do entendimento do que foi ser um
Brummer através da proposta de uma especificidade para esse grupo. Do mesmo modo, é nossa
preocupação tratar de sua relação com a Fronteira.
24

O segundo capítulo tratará do objetivo principal de nosso trabalho, que é realizar um


estudo sobre a participação política dos imigrantes germânicos Frederico Haensel, Karl von
Koseritz, Wilhelm ter Brüggen, e Karl von Kahlden, entre 1851 e 1881, na Província de Rio
Grande do Sul, período no qual a participação política de estrangeiros no processo eleitoral e
no acesso a cargos públicos eletivos eram limitados pela legislação imperial. Trataremos em
linhas gerais da atuação deles na Assembleia Provincial durante a década de 1880. Faremos
uma síntese das mudanças da legislação eleitoral durante o período Imperial (1822-1889),
atentando para a Lei Saraiva de 1881, e o processo que culminou em sua promulgação. O foco
principal de nosso trabalho será dado a atuação dos quatro personagens em cargos públicos não
eletivos, uma vez que consideramos este tema pouco abordado pela historiografia e pelo fato
de explicar em grande parte a ascensão política deles, do mesmo modo, quanto a Karl von
Koseritz, é um tema ainda pouco tratado dentro da vasta quantidade de trabalhos dedicados a
sua biografia e produção textual diversa. Assim, apresentaremos Wilhelm ter Brüggen enquanto
Cônsul da Prússia em Porto Alegre; Frederico Haensel como Vice-Cônsul da Prússia em Santa
Cruz; Karl von Kahlden como Diretor da Colônia Santo Ângelo; e Karl von Koseritz como
Agente Intérprete da Colonização em Porto Alegre. Esses cargos distinguiram esses
personagens e os colocaram em um patamar de autoridades dentro com Complexo Colonial.
Por fim, vamos indicar a atuação deles na maçonaria, a participação na Guerra do Paraguai, a
relação deles com o associativismo, e como atuaram no comércio.
A seguir, desenvolvemos nosso trabalho.
25

1 MERCENÁRIOS E BRUMMER

O único recurso, que resta para defender nosso território e obtermos de nossos
vizinhos aquela consideração, de que nenhuma nação independente pode
prescindir, é o de braços estrangeiros. Uma divisão de dois mil homens, um
pouco habilitados para o serviço militar (Infantes, Artilheiros) munidos de
armas melhoradas pelas novas invenções, dariam um poderoso auxilio de oito
mil bons combatentes elevando o nosso efetivo no teatro da guerra a vinte duas
mil praças, que pela sua tática, disciplina e força de armas, lutariam com
vantagem contra o Exército pouco regular de nossos vizinhos, e lhes tirariam
mesmo todo o desejo de insultar-nos, agredir-nos, e de praticar as ofensas, e
injustiças, a que são avezados. A despesa pois que se houver de fazer com o
engajamento da divisão estrangeira, nos poupará gastos muito superiores,
provocados pela guerra estrangeira e evitará ultrajes à honra, e dignidade
brasileira17.

O argumento do Ministro Secretário de Estado dos Negócios da Guerra, Manuel Felizardo


de Sousa e Melo18, na reunião do Conselho de Estado do Império19 de 1º de agosto de 1850,
buscava convencer o referido Conselho da importância do recrutamento de estrangeiros para

17
BRASIL. Atas do Conselho de Estado 1842-1850, p. 121. Senado Federal. Rio de Janeiro, 1842-1850.
Disponível em: <http://www.senado.leg.br/publicacoes/anais/pdf/ACE/ATAS3-
Terceiro_Conselho_de_Estado_1842-1850.pdf>. Acesso em 06 abr. 2016.
18
Algumas informações biográficas em SISSON, S. A. Galeria dos Brasileiros Ilustres. Brasília: Senado Federal,
1999, vol. 1 (Coleção Brasil 500 anos). p. 421.
19
O Conselho de Estado foi uma Instituição Imperial criada para dar suporte ao Imperador. Ao longo de sua
existência, conheceu três momentos distintos. O primeiro Conselho de Estado, chamado de Conselho de
Procuradores-Gerais das Províncias do Brasil, foi criado a partir do decreto de 16 de fevereiro de 1822 e teve vida
curta, sendo extinto pela Assembleia em outubro de 1823. A criação deste teve como um de seus objetivos gestar
um sistema constitucional no Brasil. Tinha como atribuições: aconselhar o Imperador todas as vezes que por ele
fosse convocado, em todos os assuntos importantes e difíceis; examinar os projetos de reforma da administração
Geral e particular do Estado; propor ao Imperador medidas e planos, urgentes e vantajosos, para a prosperidade
do Brasil; e ficava a cargo de cada um de seus membros advogar e zelar pelas utilidades de suas respectivas
Províncias (Coleção de Leis do Império do Brasil, 1822, p. 6, vol. 1, pt. II). O segundo Conselho foi criado por
decreto imperial de 12 novembro de 1823, logo após a dissolução da Assembleia Geral Constituinte e Legislativa
pelo Imperador D. Pedro I, para redigir um projeto de Constituição. Foi formada por dez membros nomeados pelo
Imperador (Coleção de Leis do Império do Brasil, 1823, p. 87, vol. 1). A Constituição de 1824, em seu Capítulo
VII, definiu a criação do Conselho de Estado, composto de, no máximo, dez Conselheiros vitalícios, nomeados
pelo Imperador, cuja finalidade era dar parecer em todos os assuntos graves e medidas gerais da Administração
pública, sobretudo no que dizia respeito a declaração da Guerra, ajustes de paz, negociações com as Nações
Estrangeiras, e em todas as ocasiões em que o Imperador exercesse qualquer das atribuições próprias do Poder
Moderador. Segundo Gabriela Nunes Ferreira (2006), apesar de ser obrigatória a audiência do Conselho nos casos
previstos na Constituição, o órgão tinha caráter apenas consultivo, ainda assim, na imensa maioria dos casos, tanto
o imperador D. Pedro I quanto, depois de 1831, o governo da Regência, acolheram as opiniões majoritárias do
Conselho. A segunda fase teve fim com o Ato Adicional, de agosto de 1834, no qual o Conselho de Estado foi
extinto. Somente depois do início do Segundo Reinado o terceiro Conselho de Estado foi criado. De acordo com
a lei nº 234 de 23 de novembro de 1841, instituía-se um Conselho de Estado composto por doze Membros
Ordinários, e até doze extraordinários, todos nomeados pelo Imperador, além dos Ministros de Estado. Assim
como outrora, competia à citada instituição aconselhar o Imperador em todos os assuntos que lhes pedisse opinião
e, sobretudo, quando o Imperador exercesse qualquer das atribuições do Poder Moderador. Sobre o Conselho de
Estado: ALVES, João Victor Caetano. O Conselho de Estado e princípio da divisão de poderes. Franca:
UNESP, 2008; CARVALHO, José Murilo. A Construção da Ordem/Teatro de Sombras. Rio de Janeiro:
Editora da UFRJ/Relume Dumará, 1996. 2 ed., Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2003; MARTINS, Maria
Fernanda Vieira. A velha arte de governar: um estudo sobre política e elites a partir do Conselho de Estado
(1842-1889). Rio de Janeiro: Arquivo Nacional, 2007; RODRIGUES, José Honório. O conselho de Estado: o
quinto poder? Brasília: Senado Federal, 1978.
26

engrossar as forças imperiais necessárias na defesa do território brasileiro contra a ameaça da


Confederação Argentina.
O Ministro, ao apresentar a proposta do governo, deixava claro ser o emprego da divisão
estrangeira limitado a guerra contra o estrangeiro e à guarnição da fronteira meridional.
Portanto, seu uso não poderia ocorrer nas demais Províncias, e mesmo no Rio Grande do Sul
ficava vedada sua atuação em qualquer movimento interno sem ligação com invasões
estrangeiras. Os benefícios da proposta residiam na possibilidade de evitar perdas humanas
entre os soldados brasileiros e minimizar o desgaste inerente ao recrutamento forçado,
abominado pela população local. Além disso, o Ministro sugeria a permanência desses
estrangeiros após o período de engajamento, estando licenciada toda ou apenas parte da força,
como forma de converter as despesas com este processo em gasto produtivo de colonização.
Àqueles que quisessem se estabelecer no Brasil deveriam ganhar terras em áreas de fronteira
para protegê-las dos distúrbios inerentes a estes locais. Por outro lado, os que recusassem tal
subsídio deveriam receber passagens para fora do Império20. A partir dessas considerações, o
Ministro propunha um projeto de lei a ser encaminhado à Assembleia Geral Legislativa, nos
seguintes termos:

Artigo 1º O Governo é autorizado: 1º a contratar até dez mil praças estrangeiras


para defesa, e guarnição da Fronteira da Província do Rio Grande do Sul, onde
ficarão estacionadas, não podendo, quaisquer que sejam as circunstâncias, ser
empregadas em outra Província do Império. 2º A distribuir terras no fim do
engajamento, ou durante o licenciamento, às praças, que se quiserem
estabelecer como colonos, auxiliando-os no primeiro ano com a prestação de
soma igual ao valor da etapa; e fazer as despesas precisas para execução desta
Lei. Artigo 2º A conservação de toda, ou parte da divisão estrangeira
estacionada na fronteira do Rio Grande do Sul dependerá das disposições das
Leis anuais da fixação de forças.21

Em defesa da relevância deste projeto de lei, o Ministro da Guerra afirmava que a


Confederação Argentina poderia armar e arregimentar trinta mil combatentes, pois lá não
haveriam isenções ao recrutamento, já que todo homem capaz de manejar uma arma poderia
ser soldado, além disso, seus habitantes teriam alguns hábitos militares, “[...] principalmente o
da cega obediência, e consta que se faz agora grande provimento de artigos bélicos”22.
Quanto ao Brasil, dizia o Ministro, mesmo com todos os esforços dos últimos dois anos,
o contingente do Exército havia sido elevado apenas a 16.676 (dezesseis mil seiscentos e setenta

20
BRASIL. Atas do Conselho de Estado 1842-1850, p. 121. Senado Federal. Rio de Janeiro, 1842-1850.
Disponível em: <http://www.senado.leg.br/publicacoes/anais/pdf/ACE/ATAS3-
Terceiro_Conselho_de_Estado_1842-1850.pdf>. Acesso em 06 abr. 2016.
21
Ibidem, p. 121
22
Ibidem, p. 120.
27

e seis) praças de todas as armas e graduações, portanto a tarefa de elevar a força imperial ao
número de vinte mil praças constituía um grande desafio. Esse contingente, porém, não poderia
ser utilizado no todo. Era necessário considerar que, geralmente, a quinta parte de qualquer
força militar estaria sujeita a moléstias e outros embaraços. Ainda que elevando o número de
soldados para vinte mil, somente estariam aptos a todas as exigências do serviço de guerra cerca
de dezesseis mil homens da primeira linha. Parte desse total não seria empregado nas Campinas
do Rio Grande do Sul, ou nas dos Estados vizinhos, pois teriam de permanecer nas guarnições
das principais Fortalezas do país, como as que defendiam as Capitais do Pará, Maranhão,
Pernambuco, Bahia, e Rio de Janeiro. Dessa forma, ficariam disponíveis somente oito mil
praças para o conflito contra a Confederação Argentina. Além desses, haveria no máximo mais
seis mil Guardas Nacionais, ficando assim elevado a quatorze mil homens a maior força
nacional que o Império poderia empregar contra um Exército de trinta mil homens23.
Nesse ano de 1850, o governo imperial ainda não havia firmado alianças com Estados
vizinhos para enfrentar a referida ameaça representada pela Confederação Argentina, por isso,
a proposta do Ministro considerava um embate direto entre as forças brasileiras e as
estrangeiras. Nesse cálculo, seriam 14.000 brasileiros contra 30.000 platinos. A única forma de
engrossar as fileiras imperiais para enfrentar os estrangeiros, defendia, seria através do
recrutamento de outros estrangeiros. Entretanto, segundo Juvencio Saldanha Lemos (2015), a
pretensão de recrutar mercenários dizia respeito às recentes mudanças em Montevidéu, então
sitiada por tropas do General Oribe. A proteção mantida pela França chegou ao fim após a
assinatura de tratados com Buenos Aires, gerando a dissolução da força de mercenários que
protegiam a capital sitiada. Também o batalhão italiano debandara. A defesa de Montevidéu,
até então, estava entregue a franceses e italianos, pois sua única força era formada por dois
batalhões de negros. Dessa forma, no começo de 1850, o governo de Montevidéu pediu ao
Império do Brasil soldados e dinheiro, tanto para a defesa contra os assédios de Oribe como
para a manutenção da ordem pública interna.
Como a situação ainda não estava bem definida, o governo imperial brasileiro negou o
envio de tropa regular como havia sido requerido, e ofereceu dinheiro para os orientais
contratarem mercenários europeus. O Ministro uruguaio, Pacheco y Obes, recebeu a missão de
embarcar para a França e por lá contratar 3.000 homens. Entretanto, D. Pedro II retificou tal
decisão e decidiu que os mercenários seriam recrutados pelo governo brasileiro e fariam parte

23
BRASIL. Atas do Conselho de Estado 1842-1850, p. 121. Senado Federal. Rio de Janeiro, 1842-1850.
Disponível em: <http://www.senado.leg.br/publicacoes/anais/pdf/ACE/ATAS3-
Terceiro_Conselho_de_Estado_1842-1850.pdf>. Acesso em 06 abr. 2016, p. 121.
28

do seu Exército, não sendo subordinados ao governo oriental (LEMOS, 2015). Esses
movimentos coincidiram com a discussão da validade do projeto de recrutamento de
estrangeiros no Conselho de Estado. De qualquer forma, o objetivo do uso de mercenários era
consequência da ameaça representada pelo governo de Buenos Aires aos Estados vizinhos,
como Uruguai e Brasil.
Os Conselheiros, após a fala do Ministro Manuel Felizardo de Sousa e Melo, passaram
a fazer suas ressalvas, indicando aprovação ou rejeição ao que fora apresentado. A maioria
inclinou-se favoravelmente ao recrutamento de estrangeiros. O Conselheiro Visconde de
Olinda24 aprovou o Projeto, apesar da ressalva de não lhe parecer conveniente a restrição ao
uso das tropas engajadas apenas na fronteira do Rio Grande do Sul, pois considerava útil o
apoio destas quando em necessidade de proteção das fronteiras de outras Províncias, mesma
posição do Conselheiro Lima e Silva25. Da mesma forma, o Conselheiro Visconde de
Abrantes26 votou a favor da proposta, apontando essa medida como um meio eficaz de se
estabelecerem colônias nas fronteiras do Sul. O Conselheiro Miranda Ribeiro acompanhou o
voto dos colegas anteriores, destacando a positiva decisão de engajar até dez mil praças
estrangeiras, pois ouviu de pessoas entendidas ser mais fácil, no mesmo espaço de tempo,
engajar estrangeiros do que nacionais. Além disso, considerava o uso destes como uma forma
de aliviar o número de nacionais ativos, favorecendo ao mesmo tempo a agricultura e a
indústria, e evitando a violência, as despesas e a morosidade de prover o Exército de praças
forçadas, destituídas da destreza daqueles já habituados ao serviço militar27.
Apesar de apoiar a pretensão de engajar soldados estrangeiros e votar a seu favor, o
Conselheiro Maia advertia ser o recrutamento mais complexo e sujeito a problemas do que o
Conselheiro Miranda supunha, sobretudo em relação ao grande sacrifício financeiro necessário
e a possível obstrução do Governo da Confederação Argentina a esta tarefa. Ele expôs que, caso
não houvessem precedentes a favor da medida em discussão, e a Assembleia Geral Legislativa
não tivesse já, por algumas vezes, concedido a autorização para o engajamento de tropas
estrangeiras para somar ao Exército imperial, teria a considerado inconstitucional. Reconheceu
a necessidade de prover o Rio Grande do Sul da força necessária para defender a integridade
do Império, pois as forças do Exército imperial eram insuficientes para aquele momento

24
SISSON, S. A. Galeria dos Brasileiros Ilustres. Brasília: Senado Federal, 1999, vol. 1 (Coleção Brasil 500
anos). p. 67.
25
Ibidem p. 359.
26
Ibidem p. 101.
27
Atas do Conselho de Estado Pleno – Terceiro Conselho de Estado, 1842 -1850, p. 121, 125. Disponível em:
<http://www.senado.leg.br/publicacoes/anais/pdf/ACE/ATAS3-Terceiro_Conselho_de_Estado_1842-1850.pdf>
Acesso em 06 de abril de 2016.
29

extraordinário, e condicionava seu voto ao estabelecimento de um tempo determinado para o


engajamento28.
O primeiro voto contrário veio do Conselheiro Paula e Sousa. Em sua fala, considerou
repleta de problemas a proposta do Ministro, tanto pelo lado financeiro, como pelo político.
Para ele, seriam altos os custos com o engajamento e com a posterior doação de terras aos
estrangeiros interessados em permanecer no Império brasileiro, além do pagamento das
passagens e do soldo. Problematizou a origem desses estrangeiros: deveria ser descartada a
hipótese de buscar soldados em Portugal, pois isso iria desafiar a suscetibilidade nacional,
entretanto, ainda assim deveriam vir da Europa, com uma ressalva: o engajamento em Estados
classificados como absolutistas poderia chocar a opinião brasileira, pois representaria uma
ameaça imperialista. Outro ponto destacado foi a possível incompatibilidade das tropas
estrangeiras com as nacionais, capaz de produzir rivalidades. Ele lembrou aos seus colegas a
desastrosa ocasião de 1828, quando tropas estrangeiras insubordinadas causaram problemas ao
Governo29.
Outra negativa veio do Conselheiro Alves Branco30, o qual lastimou julgarem inevitável
a guerra, e principalmente o entendimento de ser necessário para ela trazer dez mil estrangeiros
armados para o Brasil. Recomendava ao governo continuar trabalhando para evitar o conflito,
mas na situação de não haver mais como fugir, considerava ser responsabilidade do povo
brasileiro cumprir a defesa do Império, e não de soldados estrangeiros provindos das cadeias, e
das classes mais degradadas, e anárquicas da Europa. Tal menosprezo às tropas que seriam
recrutadas no exterior, provinha, pode-se aferir por sua fala, do mal exemplo deixado pelos
elementos estrangeiros introduzidos no Brasil durante o primeiro reinado, logo depois da
independência31.
O Conselheiro Limpo de Abreu32 listou cinco razões para rechaçar a proposta. Primeiro,
sendo as leis que regulavam o recrutamento insuficientes para o preenchimento da força
imperial naquele caso extraordinário, deveriam ser feitos ajustes, pois com os prêmios e
vantagens propostos aos estrangeiros seria possível obter soldados brasileiros. Segundo, a força

28
Atas do Conselho de Estado Pleno – Terceiro Conselho de Estado, 1842 -1850, p. 121, 125. Disponível em:
<http://www.senado.leg.br/publicacoes/anais/pdf/ACE/ATAS3-Terceiro_Conselho_de_Estado_1842-1850.pdf>
Acesso em 06 de abril de 2016, p. 122.
29
Ibidem, p. 123.
30
SISSON, S. A. Galeria dos Brasileiros Ilustres. Brasília: Senado Federal, 1999, vol. 1 (Coleção Brasil 500
anos). p. 179.
31
Atas do Conselho de Estado Pleno – Terceiro Conselho de Estado, 1842 -1850, p. 123, 124. Disponível em:
<http://www.senado.leg.br/publicacoes/anais/pdf/ACE/ATAS3-Terceiro_Conselho_de_Estado_1842-1850.pdf>
Acesso em 06 de abril de 2016.
32
SISSON, S. A. Galeria dos Brasileiros Ilustres. Brasília: Senado Federal, 1999, vol. 1 (Coleção Brasil 500
anos). p. 57.
30

de dez mil praças de estrangeiros deveria causar apreensões, além de representar perigo, visto
que tal contingente correspondia a cerca de metade do Exército imperial em circunstâncias
extraordinárias. Terceiro, receava que a presença desta força estrangeira causasse ciúmes e
rivalidades na força nacional. Quarto, admitida a proposta, poderia considerar-se que haveriam
duas forças militares distintas no Exército, uma de estrangeiros privilegiada pelas vantagens a
ela concedidas, e uma de nacionais, desprovida de qualquer atenção. Quinto, a despesa com o
ajuste e o transporte desses dez mil soldados seria avultada, constituindo sacrifício aos cofres
públicos, por isso, parecia mais sensato usar tal soma para obter soldados nacionais33.
O Conselheiro Carneiro Leão34, cujo voto foi pela rejeição ao projeto do Ministro,
julgava ser possível a reunião de trinta mil homens para o Exército argentino, entretanto, ao
considerar as práticas arbitrárias e violentas do Governo de Juan Manuel de Rosas, Governador
de Buenos Aires, duvidava ser possível conservar tal contingente em campanha por mais de
três meses. Ao mesmo tempo, duvidava que a Confederação Argentina possuísse bons corpos
de infantaria e artilharia, pois a mesma não havia ousado atacar a Praça de Montevidéu,
defendida por poucos soldados. Segundo Carneiro Leão, a artilharia e infantaria brasileiras eram
superiores às de Buenos Aires, residindo na Cavalaria sua única inferioridade militar em relação
à Confederação Argentina. Além disso, considerava exagerado o número de dez mil homens a
recrutar, sem contar nos perigos representados por tamanho contingente, uma ameaça ao Rio
Grande do Sul, onde a colonização deveria ser realizada por portugueses, herdeiros do ódio aos
espanhóis e contrários ao estabelecimento de outros estrangeiros. Muitos recrutados certamente
iriam passar para o lado inimigo, visto que os estrangeiros contratados para emigrar eram
facilmente seduzidos pelo dinheiro. O recrutamento de dez mil praças custaria somas enormes,
acima da capacidade financeira do país. Para Carneiro Leão, bastaria mandar engajar na Europa
alguns oficiais do Estado Maior, engenheiros, e um corpo de artilharia montada para suprir as
necessidades reais da força militar brasileira. O verdadeiro auxílio a se buscar no caso de uma
guerra com Buenos Aires devia ser o de uma aliança com o Paraguai e armar os orientais
contrários a Oribe, e os argentinos inimigos de Rosas35.

33
Atas do Conselho de Estado Pleno – Terceiro Conselho de Estado, 1842 -1850, p. 124. Disponível em:
<http://www.senado.leg.br/publicacoes/anais/pdf/ACE/ATAS3-Terceiro_Conselho_de_Estado_1842-1850.pdf>
Acesso em 06 de abril de 2016.
34
SISSON, S. A. Galeria dos Brasileiros Ilustres. Brasília: Senado Federal, 1999, vol. 1 (Coleção Brasil 500
anos). p. 21.
35
Atas do Conselho de Estado Pleno – Terceiro Conselho de Estado, 1842 -1850, p. 124. Disponível em:
<http://www.senado.leg.br/publicacoes/anais/pdf/ACE/ATAS3-Terceiro_Conselho_de_Estado_1842-1850.pdf>
Acesso em 06 de abril de 2016.
31

Por fim, o Conselheiro Lopes Gama, ausente no Conselho por estar doente, enviou por
escrito suas considerações. No texto dizia já ter aconselhado em outras ocasiões a preparação
para a guerra com os Estados do Rio da Prata, sem saber ao certo os motivos por que não foram
ouvidos os seus conselhos. A única certeza dele era de que não haviam forças suficientes no
Rio Grande do Sul para resistir aos Exércitos de Rosas e Oribe. Ele já havia insistido antes na
fortificação da dita Província a fim tê-la em tal estado de defesa que levasse Rosas a buscar
soluções diplomáticas aos desentendimentos com o Império brasileiro. Dito isso, Lopes Gama
considerava que o recrutamento das dez mil praças estrangeiras por si só deveria acelerar o
rompimento da guerra, pois faria os Estados do Rio da Prata deixarem de lado hostilidades com
o governo imperial. Apesar de suas palavras de apoio, Lopes Gama não deu voto favorável,
nem contrário36.
Os conselheiros estavam divididos. Foram quatro votos contrários ao projeto, ante cinco
favoráveis. O Conselheiro Lopes Gama, entretanto, emitiu opinião, mas não externou voto.
Prevaleceu, portanto, a simpatia pelo plano do Governo Imperial. As falas do Conselho de
Estado são valiosas face ao seu teor quase profético, afinal, foram consideravelmente assertivas
em relação a diversos aspectos do recrutamento e participação dos estrangeiros recrutados no
conflito contra Oribe e Rosas. A partir da discussão referente ao projeto de engajamento de
praças estrangeiras fica clara, portanto, a importância e a credibilidade do Conselho de Estado
Pleno durante o período Imperial brasileiro, tendo essa se constituído fundamental para o
recrutamento dos Brummer. O movimento seguinte para o engajamento de estrangeiros veio na
aprovação da Lei nº 586 de 6 de setembro de 185037, referente ao Orçamento para o ano de
1851, em cujo artigo 17, inciso 4º ficava o governo autorizado,

Para em circunstâncias extraordinárias fazer as despesas necessárias a fim de


elevar a vinte seis mil homens a Força de primeira Linha, podendo contratar
nacionais ou estrangeiros, e distribuir-lhes terras, segundo o contrato. Os
estrangeiros só poderão ser empregados nas fronteiras. As disposições deste
parágrafo terão vigor desde já.

O referido inciso deu margem ao governo Imperial para dar materialidade ao projeto
discutido no Conselho de Estado. Como havia argumentado o Ministro da Guerra, Manuel
Felizardo de Sousa e Melo, seria extremamente custoso agregar mais nacionais ao Exército

36
Atas do Conselho de Estado Pleno – Terceiro Conselho de Estado, 1842 -1850, p. 124. Disponível em:
<http://www.senado.leg.br/publicacoes/anais/pdf/ACE/ATAS3-Terceiro_Conselho_de_Estado_1842-1850.pdf>
Acesso em 06 de abril de 2016. p. 125.
37
BRASIL. Coleção das Leis do Império do Brasil. Câmara dos Deputados. Rio de Janeiro: Tipografia Nacional,
1850, Tomo XI, Parte I. p. 279. Disponível em: <http://www2.camara.leg.br/atividade-
legislativa/legislacao/publicacoes/doimperio/colecao4.html>. Acesso em: 14 abr. 2016.
32

imperial brasileiro, cuja expectativa numérica máxima, após os esforços dos últimos anos,
gravitava em torno de 16.000 soldados.
A iniciativa do recrutamento de estrangeiros desenvolvida em meados do século XIX,
resultou na vinda dos Brummer ao Brasil, e consequentemente ao Rio Grande do Sul. Vamos
dedicar este capítulo a trajetória destes legionários em sua participação na guerra contra Oribe
e Rosas (1851-1852), ou Guerra Grande (1839-1852), buscando oferecer novos olhares sobre
as vicissitudes da mesma. Importa ressaltar que os quatro indivíduos que são objeto deste
trabalho, Karl von Kahlden, Wilhelm ter Brüggen, Frederico Haensel e Karl von Koseritz,
migraram para o Brasil a partir da oportunidade gerada justamente pelo conflito platino no qual
o Brasil se envolvia. Eles foram Brummer. Ainda pouco estudada pela historiografia da
Imigração Alemã, a história destes indivíduos oferece fértil terreno para pesquisas. Nesse
sentido, acreditamos ser de vital importância dar o devido destaque aos Brummer, e o faremos
sem esquecer da questão da Fronteira, ignorada pelos trabalhos existentes dedicados a eles.
Antes, porém, é pertinente tratar da Guerra Grande (1839-1852), e a melhor forma de abordá-
la, acreditamos, é a partir de Juan Manuel de Rosas.

1.1 O BRASIL E A GUERRA CONTRA ORIBE E ROSAS (1851-1852)

1.1.1 O Ilustre Restaurador de las Leyes

“¿Quién era Rosas? Um proprietario de tierras.


¿Qué acumuló Rosas? Tierras.
¿Qué dio a sus sostenedores? Tierras.
¿Qué quitó o confisco a sus adversários? Tierras”38.

Em novembro de 1841, a Sala de Representantes de Buenos Aires fez ouvir as petições


de cidadãos da cidade e da campanha pedindo que se declarasse como data de festa cívica o dia
do nascimento de Juan Manuel de Rosas (1793-1877), assim foi formada uma comissão para
recompilar e imprimir todos os documentos relativos às honras e distinções reconhecidas ao
“Gran Ciudadano” (FRADKIN e GELMAN, 2015, p. 295). O trabalho foi publicado no ano
seguinte sob o título Rasgos de la vida pública de S.E. el Sr. Brigadier General D. Juan Manuel
de Rosas, Ilustre Restaurador de las Leyes, Héroe del Desierto, Defensor Heroico de la

38
“Quem era Rosas? Um Proprietário de Terras.
O que Rosas acumulou? Terras.
O que deu a seus apoiadores? Terras.
O que tomou ou confiscou de seus adversários? Terras”. (Tradução nossa).
33

Independencia Americana, Gobernador y Capitán General de la Provincia de Buenos Aires,


transmitidos a la posteridad por decreto de la H. Sala de RR. de la Provincia39 (FRADKIN e
GELMAN, 2015). Um título longo, praticamente uma anunciação nobiliárquica. Na introdução
do referido livro, Rosas era apresentado como um portenho destinado a ser o salvador da Pátria
e representante da causa civilizatória. Apesar do teor panegírico, a obra dava a dimensão da
importância de Juan Manuel de Rosas no jogo político dos Estados platinos da primeira metade
do século XIX, e seu papel no processo que desencadeou a Guerra Grande (1839-1852).
Há um verbo que define Rosas, mesmo não contemplando a complexidade de sua
trajetória: expansão. Tanto sua atuação interna, a partir do governo de Buenos Aires, quanto
sua atuação externa, em relação aos Estados vizinhos, demonstram uma ambição expansionista.
Segundo Leslie Bethell (1991), Rosas foi um dos pioneiros da fronteira sul, tendo participado
da campanha de avanço sobre terras indígenas, além disso, foi proprietário de grandes extensões
de terra, teve muitos peões a seu serviço, comandou milícias, e, enquanto Governador de
Buenos Aires, defendeu uma política de expansão e colonização, privilegiando àqueles que o
apoiaram (um grupo formado em sua maioria por proprietários de terra). Ainda, Bethell (1991)
destaca a capacidade de Rosas em adaptar seu discurso de acordo com os variados âmbitos
sociais nos quais circulava. Dessa forma, foi capaz de falar com indígenas, estancieiros,
políticos, diplomatas e peões.
O primeiro governo de Rosas em Buenos Aires durou quatro anos, de 1829 a 1832.
Como explica Jose Pedro Barran (1979), após o fim da Guerra da Cisplatina (1825-1828)40, o
Exército argentino nela envolvido retornou a Buenos Aires e, sob o comando do General
Lavalle, tomou o poder do então Governador, Manuel Dorrego, que foi fuzilado. Apoiado pelos
caudilhos do interior, Rosas tornou-se o sucessor de Dorrego.

39
Traços da vida pública de S.E o Sr. Brigadeiro General D. Juan Manuel de Rosas, Ilustre Restaurador das Leis,
Herói do Deserto, Defensor Heroico da Independência Americana, Governador e Capitão Geral da Província de
Buenos Aires, transmitidos a posteridade por decreto da H. Sala de RR. da Província. (Tradução nossa)
40
Em 1821 foi oficializada a anexação da Banda Oriental ao Brasil, ainda ligado politicamente a Portugal, com o
nome de Província Cisplatina. Com a Independência do Brasil, a junta governativa de Montevidéu dividiu-se entre
os que defendiam sua incorporação ao novo país e os que preferiam permanecer fiéis às Cortes de Lisboa. As
forças do general Lecor, partidário da Independência, foram inicialmente derrotadas pelas tropas fiéis a Portugal.
Com reforços enviados por D. Pedro I, o lado de apoio a independência foi vitorioso em 1823. A emancipação do
Brasil abriu nova fase da luta pela independência da Cisplatina, agora contra os brasileiros e com o apoio de
Buenos Aires, onde permanecia o projeto de reincorporar a Banda Oriental às Províncias Unidas do Rio da Prata.
Em 1825, a expedição dos “33 orientais”, chefiados por Juan Antonio Lavalleja, iniciou a sublevação contra o
domínio do Brasil. A Guerra da Cisplatina, portanto, foi a luta pela independência do Uruguai, chegando ao fim e
com êxito em 1828. Constituiu um desastre para ambos os lados. No Brasil, o conflitou afundou as finanças já
precárias e desgastou politicamente D. Pedro I, enquanto na Argentina, as negociações de paz conduzidas pelo
ministro do governo Rivadavia acabaram levando à queda do presidente em 1827, além disso, o fim da guerra
trouxe consigo a guerra civil na Argentina (FERREIRA, 2006). Para maiores informações sobre a Guerra da
Cisplatina ver: GUAZZELI, Cesar A. B. O horizonte da Província: a República rio-grandense e os caudilhos do
Rio da Prata. Porto Alegre: Editora Linus, 2014.
34

O ocorrido foi mais um episódio da velha luta entre unitários e federalistas em solo argentino,
originada a partir da queda do domínio espanhol no começo do século XIX, contexto no qual,
segundo José Carlos Chiaramonte (2009), surgiram nas principais cidades americanas
movimentos voltados à conquista da independência com o objetivo de desvincular-se da
Espanha. Ao longo desse processo, as forças políticas desencadeadas ficaram profundamente
divididas. Por um lado, havia a defesa de que as decisões deveriam partir do conjunto dos povos
soberanos, isto é, cada nova soberania derivada dos movimentos independentistas deveria tomar
conta de si. Por outro, havia àqueles que consideravam necessário organizar de imediato um
novo Estado subordinando todas as novas soberanias à liderança de Buenos Aires, antiga capital
do Vice-Reino do Rio da Prata. A primeira forma de organização era representada pelos
federalistas, enquanto a segunda dizia respeito as pretensões dos unitários41 (CHIARAMONTE,
2009).
Durante seu primeiro governo, houve uma divisão entre os federalistas. Os “lomos
negros” (BARRAN, 1979, p. 14), partidários de Dorrego (já executado) eram federalistas
doutrinários que desejavam estabelecer bases constitucionais para organizar Buenos Aires
enquanto Estado Soberano. Entretanto, Rosas não desejava seguir um caminho constitucional,
pois preferia a liberdade oferecida pela falta de travas legais. A Sala de Representantes de
Buenos Aires, com maioria ligada a Dorrego, negou à Rosas faculdades extraordinárias para
exercer seu poder. Frente a isso, ele não insistiu em um segundo mandato. Assim, entre 1832 e
1835, Rosas buscou fortalecer sua base de apoio para alcançar o almejado poder sem amarras
(BARRAN, 1979).
A oportunidade veio com a “Campaña del Desierto” (1833-1834), quando Rosas
organizou e comandou o avanço sobre terras indígenas, até o Rio Colorado e o Rio Negro. Esse
foi seu expansionismo interno. Ele e seus apoiadores recorreram tanto à diplomacia e acordos
quanto à força. O êxito da campanha adicionou milhares de quilômetros quadrados de terra,
atravessados por rios, a Buenos Aires. Grande parte das terras foi distribuída entre os oficiais
que haviam participado do empreendimento expansionista (BETHELL, 1991). O prestígio por
essa realização permitiu a Rosas o retorno ao governo de Buenos Aires em março de 1835,
dessa vez, como antes desejara, livre de amarras legais, ou seja, além das faculdades próprias
do cargo de Governador, passou a ter domínio sobre os poderes legislativo e judiciário
(BARRAN, 1979).

41
A doutrina invocada desde o México até Buenos Aires foi a de que o povo “reassumia” o poder, ou a soberania.
Assim, ganhava forma a dificuldade de conciliar essa soberania reassumida nos limites da cidade de Buenos Aires
com a pretensão da mesma de substituir a autoridade de todo o Vice-Reino (CHIARAMONTE, 2009).
35

O governo autoritário de Rosas foi construído em determinadas bases, essenciais para


a compreensão da longevidade de seu poder e influência frente aos Estados vizinhos e europeus.
Primeiro, a terra. Foram introduzidas modificações permanentes na estrutura legal da
propriedade. Rosas colocou à venda grandes extensões de terras públicas, compradas em grande
parte pelos mais ricos, além de doar generosas quantidades das mesmas. Realizou concessões
aos partidários do governo, aos militares que haviam participado de guerras e/ou combatido
rebeliões, aos funcionários do Estado, e a pessoas próximas. A terra foi convertida em moeda
de troca, servindo até mesmo como pagamento de pensões e salários (BETHELL, 1991).
Segundo, o terror, utilizado para fortalecer seu poder e neutralizar seus inimigos
políticos e quaisquer pretensões contrárias ao governo42. Segundo R. Fradkin e J. Gelman
(2015), o uso de mecanismos de controle social baseados no terror afetaram parte do grupo de
proprietários de Buenos Aires, uma vez que nem todos apoiavam Rosas, aliás, na maior parte o
toleravam sem deixar de depreciá-lo. As classes proprietárias foram politicamente disciplinadas
através da ameaça ao embargo de seus bens, executada entre os suspeitos de serem unitários ou
seus aliados. O confisco foi monumental, recaindo sobre cerca de 10% dos proprietários rurais,
donos de 20% das riquezas então existentes. As cifras arrecadadas alimentaram os cofres
provinciais e auxiliaram em grande medida na manutenção do Exército. Outra face do terror
esteve relacionada com o medo das elites da possibilidade de convulsão social naquele contexto
de instabilidades, o que resultava em um dilema: viam em Rosas a capacidade para evitar isso,
mas não aceitavam com simpatia a ideia dele como governante.
Por sua vez, a população menos favorecida não gozava de total liberdade, sendo
submetida a normas e penas severas voltadas à manutenção da disciplina social. Uma das
principais ferramentas do terror político foi a Mazorca, uma formação para-oficial liderada pela
esposa de Rosas, Encarnação. O uso do terror teve maior expressão em dois momentos, 1840 e
1842, e consistiu em assassinatos, ameaças e ataques violentos a residências de adversários.
Com isso, os últimos dez anos do governo de Rosas foram caracterizados por uma oposição
interna dizimada, dispersa ou neutralizada, e pelas classes proprietárias disciplinadas
(FRADKIN e GELMAN, 2015). O uso do terror é exemplificado por Barran (1979, p. 17).

42
Uma frase repetia-se em todos os documentos públicos, mesmo em comunicações aos governos estrangeiros:
“Viva la Confederación Argentina! Mueran los sevajes unitários!” (BARRAN, 1979, p. 17). A frase, de acordo
com o contexto político, ganhava novos trechos: “Mueran los sevajes unitários, los asquerosos franceses y el
pardejón Rivera!” (BARRAN, 1979, p. 17). Essa obsessão inscrita em documentos revela a característica de uma
política de aniquilamento dos partidos, em particular do unitário, como maneira de unificar a nação e construir a
ordem.
36

“Los unitarios hacían gala del uso de la levita, el indumento de la clase culta y
europeizada. Les fue prohibida. Era preciso usar chaqueta, poncho en lugar del
chaleco y corbatín colorado. El celeste y el verde, colores del partido adversario,
fueron suprimidos incluso de las casullas sacerdotales. La Mazorca se encargaba de
hacer cumplir estas disposiciones, algunas de las cuelas revelaban un nacionalismo
cerril, primario, que parecía tanto un derivado del desprecio de los españoles por todo
lo que fuera extranjero, como de la hostilidad gaucha hacia los ciudadanos
maturrangos. Cuando se criticaba en público al ‘ilustre restaurado de las leyes’,
unitarios y federales ‘lomos negros’ se exponían a tratamientos denigrantes (azotes,
calas, lavativas), a la persecución y confiscación de los bienes. De ahí la emigración
que ganó Montevideo y Santiago de Chile.”43

Terceiro, o Exército. Durante grande parte de seu governo, segundo Bethell (1991),
Rosas contou com forças populares do campo, indígenas e da cidade44, sobretudo dos gauchos.
A partir de 1845, quando já tinha grande controle do aparato estatal, deixou de lado as forças
irregulares e investiu na formação de um Exército regular. A tarefa de realizar tal mudança foi
dura e somente alcançada pela capacidade do fisco provincial para prover tal projeto. As forças
militares representaram o grosso dos empregados do governo. As milícias não foram totalmente
descartadas, seguiram prestando serviços, entretanto o governo passou a dispor de uma tropa
regular permanente45 capaz de assegurar simultaneamente a ordem interna da Província, suas
fronteiras com as terras indígenas, o desdobramento de guerras ofensivas e prolongadas, e ainda
realizar campanhas fora do território provincial (FRADKIN e GELMAN, 2015).
A fim de garantir coesão e lealdade entre os soldados das fileiras rosistas, houve uma
campanha de persuasão política que abarcou desde a oficialidade até a tropa de libertos, e
mobilizou suas mulheres, amigos e familiares. Além da propaganda diária, a ativa mobilização
de relações interpessoais deveria incentivar os amigos e familiares a escreverem aos seus os
incentivando à luta. Mesmo cartas falsas de uma mãe a seu filho faziam parte da estratégia. De

43
“Os unitários usavam a levita, casaco da classe culta e europeizada. Foi proibido a eles. Era preciso usar jaqueta,
poncho no lugar do jaleco e gravata borboleta vermelha. O azul e o verde, cores do partido adversário, foram
suprimidas inclusive das vestimentas sacerdotais. A Mazorca se encarregava de cumprir estas disposições,
algumas das quais revelavam um nacionalismo selvagem, primário, que parecia derivado do desprezo dos
espanhóis por tudo que fosse estrangeiro, como a hostilidade gaúcha para com os cidadãos maturrangos. Quando
se criticava em público ao “ilustre restaurador das leis’, unitários e federais ‘lomos negros’ eram expostos a
tratamentos degradantes (açoites, calas, laxativas), a perseguição e confisco de bens. Daí veio a emigração que
ganhou Montevidéu e Santiago do Chile.” (Tradução nossa).
44
De acordo com Bethell (1991), essas forças populares, sobretudo a milícia de gaúchos, nem sempre eram
voluntários a favor de uma causa maior, nem mesmo o faziam por consciência política. Eram tropas mobilizadas
pelos patrões, portanto Rosas recebia o apoio destes, que organizavam as forças milicianas recrutando seus
empregados, dependentes e pessoas próximas com as quais mantinham vínculos de troca de favores. O Estado
pagava aos patrões por tal prestação de serviço.
45
O recrutamento, segundo Fradkin e Gelman (2015), recaiu principalmente sobre os trabalhadores livres,
principalmente os jornaleiros, peões do campo e artesãos. Isso acentuou o recrutamento de mão-de-obra nas
estâncias e fez os salários aumentarem para segurar os trabalhadores que permaneceram. A idade mínima para
recrutamento era de 10 anos. O governo pagava subsídios para mulheres pobres e viúvas cujos maridos e filhos
estavam no Exército. A questão do recrutamento preocupava Rosas, que muitas vezes intervinha diretamente na
resolução de problemas envolvendo tal atividade.
37

certa forma, toda a sociedade estava envolvida naquele espírito de armas (FRADKIN e
GELMAN, 2015).
Quarto, a propaganda. De acordo com Bethell (1991), jargões simples impregnaram a
administração e foram implacavelmente impostos à população. A cor vermelha, ligada aos
federais, tornou-se praticamente obrigatória. A uniformidade federal constituía uma medida de
pressão totalitária mediante a qual se forçava a população a abandonar uma atitude passiva e
apolítica e aceitar um compromisso específico, demonstrando ter uma posição. A adesão a
Rosas e a causa federal não era apenas passiva, nem tampouco incondicional, e através dela os
civis podiam fazer chegar suas reclamações e reivindicações ao governo. A Igreja46 foi uma
grande aliada. Levavam retratos de Rosas em procissão pelas ruas e os depositavam nos altares
das principais igrejas. Os sermões glorificavam o ditador, exaltavam a causa federal e pregavam
que opor-se a Rosas era um pecado. O retrato de Rosas era onipresente na sociedade portenha,
tanto nas celebrações e procissões como nos espaços privados, onde sua efígie aparecia
reproduzida em telas a óleo, distintivos políticos, caixas de tabaco, lamparinas decoradas com
papel colorido, vasilhas de cerâmica, etc. As imagens supriam sua ausência física, e faziam
lembrar a todo momento os ideais de seu governo (FRADKIN e GELMAN, 2015).
Quinto, a aversão ao estrangeiro. Durante todo o tempo que governou, Rosas manifestou
sua preocupação por apresentar-se como defensor da independência americana frente às
poderosas potencias europeias e via a si mesmo como instrumento da providência divina nessa
tarefa. Houve uma sistemática política de doutrinação da população para voltá-la contra os
estrangeiros, que representariam uma forte ameaça à independência da América. Tal
propagando não só buscava exaltar a figura de Rosas como defensor da Confederação
Argentina, mas também convertê-lo em baluarte da nação (FRADKIN e GELMAN, 2015).
Como salienta Barran (1979), ao resistir a ação intimidadora e intervencionista da França e da
Inglaterra, Rosas fortaleceu a personalidade política internacional do estado argentino, além de
relacionar a si mesmo com a nação e os inimigos estrangeiros com a traição.
Portanto, o governo autoritário de Rosas foi construído e mantido em bases sólidas, a
terra, o terror, o Exército, a propaganda e a aversão ao estrangeiro. Outros elementos devem
ser considerados, sobretudo a hegemonia de Buenos Aires sobre as demais Províncias47 da

46
Rosas considerava a Igreja como um segmento do Estado e os curas como funcionários estatais, portanto, deviam
agir como agentes políticos do governo em suas comunidades (FRADKIN e GELMAN, 2015).
47
De acordo com Chiaramonte (2004), o termo Província era de uso impreciso na linguagem administrativa
colonial, na qual se empregava para designar territórios de variada natureza. Em alguns casos era entendida como
parte de um Reino ou Estado geralmente governado em nome do Príncipe por um ministro denominado
Governador. A partir das independências passou a ser usada de forma recorrente como sinônimo de Estado
soberano.
38

Confederação Argentina. Segundo Bethell (1991), Rosas não governava a Argentina, pois as
Províncias agrupadas na Confederação das Provinciais Unidas do Rio da Prata eram
independentes, visto que constituam uma Confederação. Ainda assim, exercia sobre elas certo
controle. Rosas fez uso do poder informal nas relações interprovinciais em vez de o fazer
através de uma Constituição, que rechaçava.48
De acordo com Cesar A. B. Guazzeli (2014), Rosas liderou uma forma peculiar de
organização federal: havia em princípio uma autonomia política das Províncias, desde que não
patrocinassem lutas armadas contra ele. Na economia, “[...] Buenos Aires mantinha o
monopólio aduaneiro do único porto e o livre comércio com a Inglaterra, danoso para as
Províncias do interior [...]” (GUAZZELI, 2014, p.127). O governo de Buenos Aires, segundo
Barran (1979), manteve o monopólio portuário da região platina, pilar fundamental para seu
poder sobre as demais Províncias. Dele derivava a riqueza bonaerense. Portanto, o federalismo
de Rosas foi ambíguo, uma vez que permitiu autonomia política às Províncias, mas guardou
para Buenos Aires o predomínio econômico ao negar a abertura dos portos do litoral ao
comércio com a Europa e ao nacionalizar as rendas da aduana portenha.49
Para Guazzeli (2014), as Províncias litorâneas sentiam-se injustiçadas, pois os recursos
aduaneiros eram a principal fonte de recursos, e sua monopolização por Buenos Aires constituía
uma usurpação da única possibilidade econômica que tinham para prosperar. Como aponta
Bethell (1991), as guerras civis posteriores às guerras de independência prejudicaram a
economia do litoral (Santa Fé, Corrientes, Entre Ríos) e atrasaram seu desenvolvimento.
Quando finalmente ensaiaram uma recuperação, encontraram o domínio de Buenos Aires sobre
o comércio e a navegação na região. Gabriela Nunes Ferreira (2006) aponta que Rosas assumiu
atribuições, enquanto chefe de governo de Buenos Aires, que abrangiam o conjunto da
Confederação Argentina, como a condução das relações exteriores e a representação perante os
países estrangeiros, o papel de arbítrio em várias disputas interprovinciais, o comando-chefe do
Exército e da marinha, e a prestação de subsídios econômicos a algumas Províncias. Rosas
defendia com vigor o monopólio dos rios interiores da Confederação, assim como a não-
distribuição das rendas do porto e da aduana, o que deixou as demais Províncias em situação
de relativa dependência.

48
A autoridade de Rosas, segundo Fradkin e Gelman (2015), estendia-se às Províncias interiores e era construída
sobre alianças com diferentes líderes provinciais. Essa autoridade se construía apelando a uma combinação de
recursos institucionais, a identidades políticas compartilhadas, ao uso da força coercitiva e a uma trama de redes
de vínculos pessoais.
49
Nesse sentido, diz Bethell (1991), apesar de fazer parte do partido federalista, Rosas nunca foi verdadeiramente
federalista, pois pensava e governava como um centralista, defendendo a hegemonia de Buenos Aires.
39

O ímpeto expansionista de Rosas também residia aí, no controle econômico da


Confederação Argentina. Frente a isso, quando tiveram oportunidade, Corrientes, Entre Ríos e
Santa Fé trataram de combater a hegemonia de Buenos Aires. Apesar do governante
buenairense utilizar o aparato burocrático, o Exército e a polícia para exercer sua autoridade,
ainda assim não conseguiu aniquilar totalmente a oposição a ele.50 No âmbito interno, ela
residiu nos unitários e nos jovens reformistas (a “Geração de 37” ou “Nova Geração”) 51,
exilados em Montevidéu. Os proprietários de terra do sul da Província constituíram um segundo
foco de oposição interna, cujo ressentimento não se devia a questões ideológicas, mas a
interesses econômicos. Sobrecarregados pelas exigências que lhes eram feitas em homens e
recursos para proteger a fronteira, sofreram de forma especial as consequências do bloqueio
comercial francês de 1838, que os impediu de exportar sua produção. Culparam Rosas
(BETHELL, 1991).
Portanto, naquele contexto de construção e consolidação dos Estados Nacionais latino-
americanos, Juan Manuel de Rosas teve papel fundamental na dinâmica da região do Rio da
Prata. Para tanto, construiu um Estado hegemônico com o qual foi capaz de enfrentar investidas
estrangeiras da França e Inglaterra, e ameaçou os Estados vizinhos, em processo de construção
e consolidação. Não é nossa intenção afirmar que Rosas, sozinho, tenha criado todo o aparato
estatal de seu regime e personificado a ameaça platina, uma vez que contou com assessores,
familiares, amigos, clientes, e diversos outros indivíduos. Entretanto, é de suma importância
compreender que a pessoa de Rosas teve peso no jogo de poder inerente ao Estado que
representava e foi uma força a ser vencida. Sobretudo, o projeto expansionista e hegemônico
dele geraram apreensão entre os Estados vizinhos, e aversão da parte dos estrangeiros europeus
interessados em ampliar os mercados para suas produções industriais. De acordo com Guazzeli
(2014, p. 126),

Detendo a posição de representante máximo da Confederação nos assuntos exteriores,


Don Juan Manuel pretendia reconstituir o território do antigo Vice-Reinado do Prata

50
De acordo com Fradkin e Gelman (2015), as deserções no Exército regular de Buenos Aires demonstram que
não havia apenas grande adesão ao regime na base social, mas também resistência, se não de oposição aberta, pelo
menos de ilusão. Assim, a maioria da população buenairense obedecia ao regime imposto, alguns com entusiasmo,
outros por inércia e muitos por medo, mas nem todos o aceitavam.
51
“Inspirado no Romantismo e formado, em sua maior parte, de jovens egressos da Universidade de Buenos Aires,
o grupo teve por chefe Estéban Echeverría, recém-chegado de uma estada de cinco anos na capital francesa. Outros
nomes de vulto na cultura e na política argentinas se revelariam nesse grupo, como Juan Bautista Alberdi, Domingo
Faustino Sarmiento, Vicente Fidel López, Bartolomé Mitre. Como define Jorge Myers, essa geração de escritores,
publicistas e homens de Estado constituiu, na história argentina, ‘o primeiro movimento intelectual com um
propósito de transformação cultural totalizador, centrado na necessidade de construir uma identidade nacional’.
Embora no início tenham vagamente aspirado a se transformar em ‘consciência crítica’ do federalismo, os jovens
românticos caminharam, a partir de 1838, para a oposição ao regime rosista, combinando a atividade cultural com
ativa militância política.” (FERREIRA, 2006, p. 164).
40

pela reincorporação do Paraguai, da Bolívia [...] e, de forma mais camuflada, da


própria Banda Oriental.

As oposições a Rosas derivaram, portanto, das duas posturas apresentadas acima, isto é,
do papel hegemônico que atribuiu a Buenos Aires, e às suas movimentações expansionistas no
Rio da Prata voltadas ao projeto ambicioso de reconstruir o Vice-Reino do Rio da Prata. Quanto
à primeira, limitava as rendas econômicas e o desenvolvimento das Províncias litorâneas e
interiores da Confederação Argentina, também dificultava a navegação pelos rios interiores,
além de representar ameaça às intenções da França e Inglaterra em levar àquelas regiões seus
produtos industriais e sua influência. Quanto à segunda, representava enorme ameaça às
independências do Uruguai e do Paraguai, e à integridade do território brasileiro, sobretudo em
relação ao sul. Foram esses os principais elementos que levaram à Guerra Grande (1839-1852).

1.1.2 O Império brasileiro versus Oribe e Rosas

O Vice-Reino do Rio da Prata (correspondente aos atuais territórios da Argentina,


Bolívia, Paraguai e Uruguai - Ver Figura 1) foi instituído no ano de 1776 como parte de um
processo de reorganização das relações entre a monarquia hispânica e suas colônias a fim de
aumentar a capacidade de fiscalização e controle da metrópole. Buenos Aires foi escolhida
como capital por conta de sua posição estratégica na defesa do território colonial contra as
pretensões territoriais e comerciais portuguesas e inglesas. A Dinastia dos Bourbon, ainda no
século XVIII, realizou reformas administrativas e econômicas com o objetivo de aumentar as
rendas reais. Para tornar mais efetiva a nova política, novas unidades administrativas foram
criadas nas possessões espanholas na América. Além dos vice-reinos já existentes, o do Peru e
o de Nova Espanha, outros dois foram criados, o de Nova Granada (1739), compreendendo,
originalmente, os territórios hoje pertencentes à Venezuela, Colômbia e Equador; e o Vice-
Reino do Prata (1776). Além disso, para outorgar maior poder de decisão às autoridades
regionais dentro dos vice-reinos, foram criadas Capitanias Gerais, a da Guatemala, que
compreendia toda a América Central, menos o Panamá, ligado ao Vice-Reino de Nova Granada,
e as do Chile, Venezuela e Cuba (SOUSA, 1996, p.93-94).
41

Figura 1 – A América Espanhola, 1790

Fonte: PADRÓN, Francisco Morales. História General de América. 2. ed. Madrid: Espasa-Calpe, 1975, p. 391.

Em 1782, após nova medida administrativa dos Bourbon, o Vice-Reino do Rio da Prata
foi dividido em oito intendências: Buenos Aires, Córdoba (La Rioja, Mendoza, San Luis, San
Juan), Salta (Jujuy, San Miguel de Tucumán, Santiago del Estero, Catamarca), Paraguai, La
Plata, Cochabamba, Potosí e La Paz. Os territórios que formariam a Argentina pertenciam à
Salta, Córdoba e Buenos Aires (FERREIRA, 2006, p. 25). Essa área reorganizada fez parte do
espaço fronteiriço platino, (é possível ter uma ideia desse espaço a partir da Figura 2). As
relações construídas nesta região permitiram a circulação e a troca de ideias, como a consciência
de autonomia política, de liberdade e de proteção, elementos fundamentais para a difusão de
ideias federalistas durante o conturbado período de construção dos Estados Nacionais.
42

Figura 2 – As Repúblicas do Rio da Prata, 1820-1870

Fonte: BETHELL, Leslie. Historia de América Latina – América Latina Independiente, 1820-1870.
(Traducción de Ángels Solá). Barcelona: Editorial Crítica, 1991. p. 268. Tomo 6.

A constituição do espaço fronteiriço platino, portanto, colocava em contato diversos


grupos provenientes da Banda Oriental, do Rio Grande do Sul e das Províncias da Confederação
Argentina, em um contexto no qual ainda não existiam identidades nacionais consolidadas e
fronteiras bem definidas. Justamente por conta do processo de construção dos Estados
Nacionais naquele espaço, havia uma instabilidade política complexa. Mario Etchechury
(2013), ao analisar o papel central dos chefes militares na formação de alianças e projetos
políticos construídos nas margens dos poderes assentados nas cidades-cabeceira do Rio da
Prata, aponta que os conflitos no espaço fronteiriço platino, durante as primeiras décadas do
século XIX, sobretudo entre os anos 1835-1845, abriram considerável margem de ação política
para os chefes militares e forças de guerra presentes nessa região. As relações e a proximidade
entre os Estados componentes do Rio da Prata, segundo Etchechury (2013), acarretavam
consequências mútuas, diretas ou indiretas. O cenário bélico da primeira metade do século XIX
43

no Rio da Prata gerou uma série de projetos políticos alternativos, expressos em alianças e ligas
político-militares efêmeras. A instabilidade política do cenário platino obrigava os envolvidos
nos jogos do poder a explorar as variadas possibilidades existentes. O contexto dinâmico exigia
ação. A todo momento diversos rumores e notícias relativas às movimentações políticas e
bélicas dos diferentes governos do espaço fronteiriço platino chegavam aos grupos no poder,
assim, acabavam materializando contatos e ações para não serem afetados pelas possíveis
consequências da concretização dos referidos rumores.
Como exemplos de focos agitadores expressos em notícias e falácias, Etchechury (2013)
cita a suposição de Oribe sobre a existência de contatos entre opositores de Rosas, do Estado
Oriental até o Chile, passando por Corrientes e mesmo o Rio Grande do Sul; o alerta a Rosas
sobre uma suposta intriga de Rivera para incorporar o Exército Imperial brasileiro ao
republicano para realizar campanha contra o Estado Oriental a fim de uni-lo ao Brasil; e o
suposto e ousado plano do Rio Grande do Sul de pedir ajuda a Montevidéu e Buenos Aires para
garantir sua independência, unir-se à Confederação Argentina junto a São Paulo e Santa
Catarina. Essas contradições e ambiguidades demonstram como era importante conservar
múltiplas vias de ação política naquele cenário.
Inserido nesse contexto, o Império brasileiro agiu com cautela. Durante os anos 1830 e
1840, manteve uma posição de neutralidade frente aos conflitos nos Estados vizinhos, buscando
garantir acordos com os vários governos sem, contudo, tomar para si os desafetos daqueles com
quem negociava. De acordo com Ferreira (2006), a forte presença estrangeira na região platina
durante a segunda metade da década de 1840, contribuiu para forçar o governo brasileiro a
manter sua política de neutralidade (no sentido estrito de não-intervenção) diante dos conflitos
envolvendo as repúblicas vizinhas. O governo brasileiro sentiu-se de braços cruzados para
reclamar contra possíveis abusos dos europeus, situação com a qual contribuía a questão do
tráfico de escravos, ponto sensível na relação com a Inglaterra. A presença de franceses e
ingleses no Prata, antes de 1850, fora um dos motivos para o receio do Império em enfrentar
Rosas, uma vez que essa postura poderia complicar a relação com os interventores.
Como salienta Ferreira (2006, p. 113), “O medo de entrar na luta ‘como agregado’,
‘exposto a ser abandonado à vingança dos Estados vizinhos’, seria em várias ocasiões lembrado
como argumento forte em prol da manutenção da neutralidade brasileira”. Mas não apenas de
receios quanto à intervenção estrangeira se alimentava a posição neutra do Brasil, uma vez que
esta resolvia em parte os problemas do governo brasileiro na região ao funcionar como uma
espécie de dique contra os avanços de Rosas.
44

[...] todas as vezes que Rosas se sentia ameaçado pela presença das potências
estrangeiras, tornava-se mais dócil e aberto à negociação com o governo imperial.
Quando, ao contrário, a ameaça parecia afastada, o governador portenho procurava
distanciar-se do Brasil criando empecilhos para o bom relacionamento entre os dois
países (FERREIRA, 2006, p. 114).

Ao mesmo tempo, a presença europeia, sobretudo a francesa, prestava auxílio ao


governo de resistência de Montevidéu, ou seja, interessava ao governo imperial brasileiro tal
ajuda, pois assim seria mantida a sustentação de Montevidéu contra as forças sitiadoras de Oribe
com o menor custo possível para o Império. Ao longo da década de 1840, diversos incidentes
e questões não resolvidas deram ensejo a um gradual afastamento entre os governos do Brasil
e Buenos Aires (DORATIOTO, 2014).
Segundo Ferreira (2006), ao assumir pela segunda vez o Ministério dos Negócios
Estrangeiros do Império do Brasil, em 1849, Paulino José Soares de Sousa (Visconde do
Uruguai), defrontou-se com uma avalanche de reclamações do enviado extraordinário e
ministro plenipotenciário da Confederação Argentina na Corte, Tomás Guido, acerca de
assuntos mal resolvidos entre o Império e Rosas. Entre as razões dos desentendimentos, estava
o não-reconhecimento por parte do Brasil do bloqueio ao porto de Montevidéu em 1843, a
missão do visconde de Abrantes na Europa52, o desconhecimento do bloqueio dos portos de
Montevidéu e Maldonado pela esquadra argentina em 1845, a concessão de passaportes a
Fructuoso Rivera, a suposta proteção dada por autoridades brasileiras ao general Paz, e o
reconhecimento da independência do Paraguai.
Para além dessas questões, as quais o Visconde do Uruguai teve de dar explicações à
Confederação Argentina, novos problemas tomaram forma. Em junho de 1849 o governo
paraguaio invadiu e ocupou militarmente o território entre os rios Paraná e Uruguai, território
considerado pelo governo argentino como parte da Província de Corrientes. Frente a isso, o
governo imperial brasileiro manteve sua política de não-intervenção. O representante argentino
no Rio de Janeiro, Tomás Guido, pediu ao governo brasileiro tomada de posição. O Visconde
do Uruguai liberou nota afirmando que o governo argentino considerava o Paraguai como

52
Em 1844, como aponta Doratioto (2014), o governo imperial enviou o marquês de Abrantes à Europa onde
tentou, inutilmente, obter a cooperação da Inglaterra e da França para uma ação contra Rosas. Segundo Ferreira
(2006), nas tratativas de Abrantes estava implícita a recomendação para que fosse sugerida uma ação conjunta de
França, Inglaterra e Brasil a fim de defender a independência do Uruguai e do Paraguai. O agente brasileiro
chamava atenção para as intenções expansionistas de Rosas e sustentava que as independências do Uruguai e do
Paraguai corriam perigo. Entretanto, não conseguiu convencer franceses nem ingleses, o curioso é que, “[...]
poucos meses depois da missão Abrantes, teve início a intervenção conjunta da França e da Inglaterra no Prata,
com o fim declarado de promover a pacificação das repúblicas e defender a independência do Uruguai. Há
controvérsias entre os historiadores quanto à relação entre a missão Abrantes e as intervenções europeias no Prata
[...]” (FERREIRA, 2006, p. 107).
45

Província argentina rebelada, enquanto o governo brasileiro o considerava um Estado


independente, partindo daí as divergências quanto a posição brasileira (FERREIRA, 2006).
Outro ponto de divergências, segundo Ferreira (2006), recaiu sobre as invasões do
Estado Oriental pelo barão de Jacuí, as “Califórnias”53. O representante argentino exigiu ação
do governo brasileiro contra os rebeldes que invadiam o Uruguai atrás de gado, defendendo as
medidas impostas aos brasileiros por Oribe, origem da insatisfação dos rio-grandenses e
motivação para suas ações de apresamento de gado no Uruguai, as quais ele justificava pelo
estado de guerra, e pedia punições a quem as desrespeitasse e fosse conivente com os
desrespeitosos. Ainda, dava um ultimato: ou o governo tomava medidas, ou a legação argentina
deixaria o Brasil.
O visconde do Uruguai retrucou, questionando a existência, ou não, de uma aliança entre
Oribe com a Confederação Argentina, além disso, negou a Oribe a condição de presidente da
República do Uruguai, o considerando apenas um general argentino. Por fim, deu negativa à
satisfação pedida e afirmou que o problema a ser resolvido envolvia apenas o general Oribe, e
não o governo argentino. Tomás Guido, então, cumpriu com sua promessa e declarou a partida
da legação argentina do Rio de Janeiro, pois não haveria mais como manter relações amigáveis
com um governo tolerante com as ofensas dos súditos do Rio Grande, unidos com os unitários,
aos governos do Prata, e incapaz de dar reparos e satisfações à Confederação. Dessa forma,
como ressalta Ferreira (2006), foram encerradas as relações diplomáticas entre o governo
imperial brasileiro e a Confederação Argentina. Também Oribe encerrou o diálogo com a
legação brasileira em Montevidéu.
As divergências com Buenos Aires teriam ganhado contornos mais severos, como
destaca Doratioto (2014), a partir de 1843, quando o governo brasileiro aceitou uma proposta
de aliança feita por Rosas, então ameaçado por forças anglo-francesas que exigiam a retirada
de suas tropas do solo uruguaio, e, ainda, enfrentava uma sublevação da Província litorânea de
Corrientes. Segundo Guazzeli (2014), já haviam conversas anteriores entre os governos,
entretanto não chegavam a um consenso. A resistência do Império brasileiro em firmar acordos

53
Segundo Jonas Vargas (2013), medidas tomadas por Oribe entre 1848-1849 para fortalecer os saladeros e a
pecuária uruguaios sob o governo do Cerrito afetaram a produção de charque no Rio Grande do Sul e de
proprietários brasileiros no Uruguai. Foi proibida a passagem de tropas de gado para o Rio Grande do Sul, e
ordenada a retirada dos escravos que trabalhassem em saladeros de brasileiros no Uruguai ou ganhariam a
liberdade, uma vez que a escravidão fora abolida ali em 1842. A demora dos dirigentes da Corte em resolver as
contendas na fronteira estimulou os estancieiros rio-grandenses a resolverem sozinhos aquelas questões. As
principais famílias afetadas começaram a apoiar as ações armadas na fronteira, onde estancieiros passaram a liderar
bandos em ações de saque de gado nos campos uruguaios – as Califórnias. VARGAS, Jonas Moreira. Pelas
Margens do Atlântico: Um estudo sobre elites locais e regionais no Brasil a partir das famílias proprietárias de
charqueadas em Pelotas, Rio Grande do Sul (século XIX). Tese de Doutorado (História Social). Rio de Janeiro,
2013.
46

com Buenos Aires cederia ao serem apresentados documentos extraviados por Rivera em
Arroio Grande, que comprovariam tratativas suas com os farroupilhas sublevados no Rio
Grande do Sul. Dessa forma, a assinatura de aliança com Rosas seria uma forma de pacificar o
Sul através de um “tratado de aliança ofensiva e defensiva” (GUAZZELI, 2014, p. 207).
A proposta de Rosas objetivava obter apoio brasileiro para bloquear Montevidéu e
outros portos que estivessem sob o controle de Rivera. Aquele, portanto, seria um acordo para
neutralizar as resistências no Uruguai e no Rio Grande do Sul (DORATIOTO, 2014). A aliança,
descreve Guazzeli (2014), de modo geral, acertava o apoio da marinha imperial brasileira ao
bloqueio do porto de Montevideo, a obrigação da Confederação Argentina em fornecer 6000
cavalos ao Império do Brasil (almejados para o combate aos farroupilhas), a subordinação em
terras rio-grandenses dos efetivos argentinos ao comando brasileiro, e dos efetivos brasileiros
ao comando argentino no Uruguai, e o acordo de não deixarem inimigos de ambos os lados
viverem em seus territórios. O tratado de Aliança foi assinado por D. Pedro II.

Os termos desta convenção deveriam ser ratificados em Buenos Aires num prazo de
cinquenta dias [...]. Rosas após examinar o acordo, orientou o ministro Arana para que
explicasse ao representante brasileiro ser problemático confirmar um tratado em que
a Confederação e o Império dispunham “da sorte dos Orientales, e do seu territorio
sem ter participado, nem ser ouvido Oribe seu Presidente legitmio, actualmente
reconhecido em todos os pontos da Republica”. Provavelmente o Restaurador, com
Oribe às portas de Montevideo e o Império ainda não tendo esta mesma vantagem em
relação aos farroupilhas, esperasse obter mais concessões do Brasil, visto que os
limites aceitos provisoriamente eram aqueles que o Império sempre reivindicara.
Desta forma o tratado voltaria para o Rio de Janeiro sem a ratificação de Don Juan
Manuel, apesar de ter sido uma proposição insistente do próprio plenipotenciário
Guido. (GUAZZELI, 2014, p. 209).

Para Doratioto (2014), Rosas dispensou a aliança porque a ameaça de intervenção anglo-
francesa fora afastada e Corrientes fora pacificada. No Brasil essa recusa foi interpretada como
uma afronta a D. Pedro II e convenceu o governo brasileiro de que Rosas era um inimigo do
Império. Além disso, fez crescer a certeza sobre as intenções dele em incorporar o Uruguai à
Confederação Argentina. Essa também era a interpretação que tinham para a recusa de Rosas
em reconhecer a independência do Paraguai.
A ruptura de relações do Brasil com Buenos Aires no final da década de 1840 foi
consequência do desgaste destas ao longo dos anos, bem como da nova conjuntura resultante
do fim da intervenção europeia no Prata54, após Rosas firmar acordos com França e Inglaterra.

54
As duas potências europeias já não representariam mais tantos obstáculos a ação brasileira. Exemplo disso foi a
resolução entre o Brasil e a Inglaterra, no mesmo período, da questão do tráfico de escravos, o que deu maior
liberdade ao governo brasileiro para intervir no Prata, pois estava livre daquele poderoso instrumento de pressão
da Inglaterra. (FERREIRA, 2006).
47

O governo imperial estava convencido de que Rosas, livre da pressão anglo-francesa, teria
grandes chances de intensificar o auxílio aos blancos e obter a vitória na guerra civil do Uruguai
e, na sequência, seria a vez de o Paraguai ser anexado. Buenos Aires estaria fortalecido nesse
provável cenário, e sobraria ao Império brasileiro enfrentar sua vontade expansionista
(DORATIOTO, 2014).
Ao mesmo tempo, o Partido Conservador havia chegado ao poder no Brasil, cujo Estado
Nacional estava praticamente consolidado. Os novos governantes implementaram uma política
externa mais agressiva em relação àquela praticada pelo governo Liberal que sucederam. Em
relação ao Rio da Prata, estabeleceram como objetivo a livre navegação dos rios internacionais
platinos, para permitir o contato regular da isolada Província do Mato Grosso com o resto do
país. O sucesso desse projeto dependeria da continuidade do Uruguai e do Paraguai como
Estados independentes, e isso implicava afrontar as pretensões expansionistas de Rosas
(FERREIRA, 2006). A nova postura do Império brasileiro em relação à Buenos Aires é
resumida por Doratioto (2014, p. 219),

Não eram apenas fatores geopolíticos que condicionavam a política do Império em


relação à Argentina; também a situação interna brasileira era um condicionante. No
aspecto econômico, o interesse dos pecuaristas gaúchos em garantir acesso ao gado e
à terra no Uruguai influenciou a ação diplomática brasileira no Rio da Prata. No
aspecto político, nos anos 1840 não interessava ao Estado Monárquico brasileiro o
surgimento de uma república vizinha forte, pois poderia servir de estímulo a
movimentos republicanos no Brasil. A existência dessa república também não era de
interesse do Império porque seus ideólogos utilizavam como argumento, na defesa da
continuidade do regime monárquico no Brasil, o fato, por serem republicanos, de os
países hispano-americanos se caracterizarem pela instabilidade política e terem
tendência a se fragmentarem. Havia, contudo, ambiguidade na postura do Império na
medida em que também não lhe interessava uma Argentina instável, com regiões
lutando entre si, comprometendo a segurança da navegação nos rios da região e
colocando em risco a estabilidade regional. Em síntese, ao Estado monárquico
brasileiro interessava uma Argentina estável politicamente, mas que não tivesse
capacidade de rivalizar com o Brasil.

1.1.3 A Guerra Grande (1839-1852), ou Guerra contra Oribe e Rosas (1851-1852)

De acordo com Jose Pedro Barran (1979, p. 5), a Guerra Grande (1839-1852) pode ser
entendida de diferentes pontos de vista,

[...] ha sido definida como la lucha internacional entre la América española y la


Europa industrial; pugna rio-platense, entre tendencias nacionalistas y autoritarias
enfrentadas con tendencias extranjerizantes y liberales; entre federales y unitarios en
Argentina; blancos y colorados en el Estado Oriental; intentos hegemónicos
tendientes a la reconstrucción del virreinato de Buenos Aires, y combate por
sobrevivir del Uruguay y Paraguay. [...] Lo que comenzó por ser un conflicto de
48

bandos entre Oribe y Rivera en el Estado Oriental, se transformó con la caída de


Oribe (octubre de 1838) en guerra internacional.55

Este conflito adquiriu caráter internacional ao envolver diversos Estados: Buenos Aires,
Corrientes, Santa Fé, Montevidéu, Entre Rios, Paraguai, Brasil, França e Inglaterra. De modo
geral, dentre as motivações dos envolvidos, podemos citar os fortes interesses econômicos, a
existência de planos expansionistas, e a defesa da autonomia e independência de alguns deles
(BARRAN, 1979; BETTEL, 1991). Enquanto Rosas governava Buenos Aires com poderes
autoritários e mantinha o monopólio econômico sobre a Confederação Argentina, o Estado
Oriental passava por turbulências ocasionadas pela oposição de dois grupos, os blancos e os
colorados. Segundo Barran (1979), enquanto o primeiro grupo estava enraizado no meio rural,
combatia a intervenção franco-inglesa, e permanecia fiel a tradição hispânica de ordem
autoritária, o segundo estava ligado ao meio urbano, compartilhava das ideias das correntes
liberais europeias e contava com o apoio dos imigrantes da Europa revolucionária, em particular
franceses e italianos.
Em 1839 Fructuoso Rivera, integrante do grupo dos colorados, chegou à Presidência do
Estado Oriental. A tal ponto comprometido com as forças que haviam o auxiliado a conquistar
o poder (os farrapos rio-grandenses, os emigrados unitários argentinos e a esquadra francesa),
foi forçado a declarar guerra à Rosas (BARRAN, 1979). A trajetória de Rivera (1784?-1854) é
complexa e envolta nos diferentes cenários políticos rio-platenses do século XIX.56 Segundo
Etchechury (2013), ele foi um guerrilheiro com grandes habilidades políticas para administrar
a instável situação do contexto platino no qual estava inserido.
A ascensão de Manuel Oribe a Presidência do Uruguai (inicialmente apoiado pela
facção riverista), em 1835, marcou uma mudança na situação de equilíbrio que havia se
estabelecido entre os comandantes militares orientais e suas respectivas facções, sobretudo

55
[...] tem sido definida como a luta internacional entre a América espanhola e a Europa industrial; conflito rio-
platense, entre tendências nacionalistas e autoritárias contra tendências favoráveis a formas estrangeiras e liberais;
entre federalistas e unitários na Argentina; blancos e colorados no Estado Oriental; tentativas hegemônicas de
reconstrução do vice-reinado de Buenos Aires, e o combate por sua sobrevivência do Uruguai e do Paraguai. [...]
O que começou como um conflito de bandos entre Oribe e Rivera no Estado Oriental, se transformou após Oribe
cair (outubro de 1838) em uma guerra internacional. (Tradução nossa).
56
Como outros chefes rurais da Banda Oriental, Rivera iniciou sua carreira revolucionária no movimento
organizado por José Artigas. Com a derrota do projeto confederal artiguista, ele se rendeu ao Exército português
que havia invadido e ocupado a Banda Oriental. Passou a servir à administração portuguesa e posteriormente
brasileira. Em 1825 aderiu a um levante militar contrário a ocupação brasileira, encabeçado por Juan A. Lavalleja
e no qual figuraram militares de prestígio como Manuel Oribe, ambos antigos oficiais artiguistas. Os conflitos
ficaram acirrados, e resultaram na Guerra da Cisplatina (1825-1828). Rivera adquiriu notoriedade ao participar de
operações de envergadura, como a ocupação militar das Missões Orientais durante boa parte de 1828. A mediação
britânica e a Convenção Preliminar de Paz levaram à criação de uma entidade política independente, o Estado
Oriental do Uruguai. Colhendo o prestígio adquirido por sua atuação no conflito, Rivera foi eleito o primeiro
Presidente constitucional do novo Estado, e exerceu o cargo entre 1830 e 1834 (ETCHECHURY, 2013).
49

quando Oribe decidiu dar fim ao Comando Geral da Campanha, considerada uma das principais
instituições de poder no meio rural, sob chefia de Rivera, o que expos disputas prévias entre
esses dois líderes, e deu início a um conflito entre eles (ETCHECHURY, 2013). A gestão de
Oribe, então, encontrou forte oposição dos interesses colonialistas franceses, aliados aos
emigrados argentinos unitários e ligados a Rivera, o qual, contando com o auxílio dos referidos
opositores de Oribe e dos farroupilhas, realizou levantes entre 1836-1838. As vitórias e os
avanços no território uruguaio levaram Oribe a renúncia (ABADIE e ROMERO, 2000).
Em 1838, Rivera voltava ao poder, e trazia consigo os interesses dos grupos que o
haviam apoiado, os unitários refugiados, integrantes da Geração de 37, liberais orientais e
representantes franceses. Rivera formulou uma Declaração na qual retomava os acontecimentos
que o haviam conduzido novamente ao governo, e mediante a qual suspendia
momentaneamente o exercício dos poderes Constitucionais. Ele proclamava a necessidade da
estabilidade, propósito também perseguido pelo derrotado Oribe, que tentaria alcançar através
de ações de cunho liberal (ABADIE E ROMERO, 2000). Para Abadie e Romero (2000), Rivera
e muitos dos que o cercavam eram partidários de um governo centralizador e planejavam
permanecer durante longo tempo no poder.
Foram marcadas eleições em dezembro de 1838, quando concorreu unicamente o
partido do governo, portanto vencedor. Os compromissos e alianças realizados antes de Rivera
voltar ao poder o faziam sentir-se limitado em suas ações, por isso procurou os deixar sem
efeito. Ele passou a debilitar os vínculos com os farrapos, ao passo que buscou uma
aproximação com o governo imperial brasileiro. Porém, quem realmente exercia pressão sobre
Rivera eram os unitários e os agentes franceses, sedentos por derrotar a ameaça representada
por Rosas (ABADIE e ROMERO, 2000). A conjugação das gestões do Cônsul francês Roger
e os acontecimentos derivados da política interna de Corrientes iriam criar um novo
compromisso para Rivera, e o alçar de vez na luta contra Rosas. Segundo Abadie e Romero
(2000), o Cônsul buscava firmar aliança com o governador de Santa Fé e Rivera para a
destruição do Exército de Rosas a partir da ocupação da Ilha de Martín García, e fomentar uma
rebelião em Entre Rios e Corrientes, que com Santa Fé, unidas a causa da França, derrotariam
Rosas.57

57
Por sua vez, em Corrientes, Genaro Berón de Astrada havia substituído Pedro Ferré como Governador, e
reconhecido Domingo Cullen como Governador de Santa Fé. Em sua nota de reconhecimento houve um equívoco
em relação a uma frase: “El gobierno de Corrientes [...] tiene um remedio para evitar los males que pesan sobre
los Pueblos y conseguir el bien a que aspiramos” (ABADIE e ROMERO, 2000, p.205-206). O Governador de
Santa Fé pensou, com isso, que Astrada iria o ajudar na luta contra Rosas, então enviou um emissário para lhe
explicar os planos desenvolvidos com os franceses, àquele do Cônsul Roger. O emissário, já em Corrientes,
percebeu o engano: o remédio citado por Astrada dizia respeito a convencer Rosas a reunir um Congresso
50

A assinatura de um tratado secreto de aliança ofensiva e defensiva contra Rosas, entre


Rivera e Astrada, governador de Corrientes, significou o começo da guerra com Rosas, que não
estava nos planos de Rivera, mas sim de seus aliados. Em 1839 Rivera redigiu Manifesto
justificando as razões que tornavam necessária a guerra contra Rosas. Ele teria o feito mesmo
contrariado, expressando na verdade a vontade dos unitários refugiados em Montevidéu.
Portanto, o que começou como um conflito de bandos entre Oribe e Rivera no Estado Oriental,
se transformou, com a queda de Oribe (1838), em guerra de caráter internacional (ABADIE e
ROMERO, 2000).
A Guerra Grande expos os interesses franco-ingleses na Região Platina e, ao mesmo
tempo, freou e impulsionou seu intervencionismo nesse espaço. Mergulhadas na ideologia
liberal, França e Inglaterra vivam no começo do século XIX a expansão de seus mercados. A
França dava os primeiros passos, enquanto a Inglaterra já tinha certa experiência. O domínio de
Rosas sobre a Confederação Argentina, ao considerar o rio Paraná como interior, obstaculizava
a comunicação direta entre a Europa e as ricas Províncias litorâneas (Entre Ríos, Corrientes e
Santa Fé), e impedia o acesso ao Paraguai. Além disso, a possibilidade de Oribe, representante
dos blancos e apoiado por Rosas, tomar o poder no Estado Oriental significava a anexação deste
a Confederação Argentina e a perda do caráter internacional do rio da Prata. Os europeus
desejavam a negociação direta com o litoral, o Paraguai e o Uruguai, e não estavam dispostos
a suportar a intermediação de Buenos Aires com elevados impostos aduaneiros (BARRAN,
1979).
A intervenção estrangeira no conflito platino se fez através de influência ideológica,
sobretudo as ideias liberais de combate ao despotismo, em defesa de interesses econômicos e
pela garantia de privilégios aos europeus residentes na região (muitas vezes apenas um pretexto
para intervir). Também existiu a pretensão de ocupação territorial, porém tal projeto fracassou
frente a intransigência de Rosas e Oribe, e pela vigilância mutua da França e da Grã-Bretanha
(BARRAN, 1979). A França teve grande protagonismo no conflito. Para garantir seus
interesses, fez exigências ao governo de Rosas: indenizações para alguns de seus súditos detidos
pelas autoridades provinciais; a exceção do serviço militar aos imigrantes franceses, visto que
todos os estrangeiros estavam obrigados a prestar serviço militar, menos os ingleses, eximidos

Constituinte, e não enfrentar o mesmo nos campos de batalha, então enviou carta à Santa Fé explicando o mal-
entendido. A correspondência acabou nas mãos de Rosas e a confusão tomou forma. Uma cópia foi encaminhada
para Astrada, que se mostrou consternado. Ao mesmo tempo, Pedro Ferré ficou sabendo da trama e tratou de
espalhar o rumor de que Astrada seria removido do poder em Corrientes, visando tomar de volta o cargo de
Governador. Acabou que Astrada decidiu buscar apoio do Exército de Rivera para se defender daquela situação e
firmaram um tratado secreto de aliança ofensiva e defensiva contra Rosas (ABADIE e ROMERO, 2000).
51

pelo tratado de comercio de 1825; o status de nação mais favorecida, privilégio exclusivo da
Inglaterra, o qual implicava que qualquer vantagem concedida a outro Estado automaticamente
passava a ser válida para a nação mais favorecida. As exigências não foram atendidas. Frente a
isso, a França bloqueou o porto de Buenos Aires em 1838, impedindo o comércio e, dessa
forma, fortaleceu Montevidéu (BARRAN, 1979).
A prolongação da resistência argentina e a manutenção da esquadra francesa, entretanto,
parecem ter sido mais custosos para a França do que para Buenos Aires. Além disso, o bloqueio
passou a prejudicar os negócios da Grã-Bretanha na região platina. Dessa forma, frente aos
gastos e a pressão inglesa, a França suspendeu o bloqueio em 1840, e conseguiu um acordo
com Rosas, garantindo as exigências feitas antes do bloqueio. Com isso, permitiu o
fortalecimento de Rosas e a invasão do Estado Oriental, em 1843, pelas tropas de Oribe
(BARRAN, 1979). Teve início um cerco de mais de 8 anos a Montevidéu, acarretando imensos
danos à campanha e a paralização do crescimento econômico montevideano. A resistência
durante tanto tempo foi possível, graças aos técnicos e engenheiros da cidade que dominavas a
artilharia e os equipamentos de guerra, ao auxílio da marinha das estações navais franco-
inglesas e, sobretudo, pela estratégica saída para o mar, por onde recebia viveres, mercadorias,
dinheiro e rendas para sua aduana (FERREIRA, 2006).
A frota argentina de Rosas pretendeu realizar um bloqueio ao porto de Montevidéu em
1843, mas a Grã-Bretanha impediu Buenos Aires de concretizar o plano. Os ingleses temiam a
hegemonia rosista sobre as duas margens do rio da Prata, o que, ao seu entender, seria
materializado caso Oribe tivesse êxito ao cerco de Montevidéu. Além disso, Oribe cometeu o
disparate de anunciar que seriam fuzilados todos os estrangeiros da Praça sitiada que estivessem
lutando pela defesa da mesma, sendo que eram maioria dentro do Exército colorado. Também
era intenção da Grã-Bretanha proteger negócios de cidadãos ingleses existentes em Montevidéu
(BARRAN, 1979).
O grupo colorado sitiado ficou dependente da Europa, tanto demográfica, como militar
e financeiramente. Por sua vez, o grupo dos blancos, liderado por Oribe, controlou a campanha
do Estado Oriental e estabeleceu a sede de um governo próprio nos atuais bairros
montevideanos Unión e Cerrito. O apoio de Rosas se deu na oferta de soldados e recursos
financeiros. Oribe instituiu governo próprio no Cerrito, exercendo a Presidência e contando
com instituições governamentais. Portanto, durante aquele período, houve dois governos
Orientais (FERREIRA, 2006). Em 1845, diplomatas franceses e ingleses exigiram de Rosas a
abertura dos rios sob o domínio de Buenos Aires para garantir neles a livre navegação. Rosas
rechaçou as propostas. De imediato, o porto de Buenos Aires foi bloqueado pela frota franco-
52

inglesa. Agindo em prol de seus interesses, reconheceram a independência do Paraguai e


abriram caminho à força pelo rio Paraná. Porém, a Inglaterra não desejava guerra contra Rosas
e ordenou a retirada de sua esquadra. Frente aos prejuízos que o bloqueio causava a si própria,
a Inglaterra desistiu da ação em 1847. No ano seguinte os franceses se retiraram. Ao recuarem,
Inglaterra e França recuaram assinaram acordos com Rosas, abandonando o apoio a
Montevidéu (BARRAN, 1979).
Desiludidos com a prepotência e o abandono europeus, os colorados sitiados realizaram
acordos com Urquiza58, governador da Província de Entre Ríos, e com o Império brasileiro.
Localizado no litoral, Entre Ríos sofria com o monopólio portuário bonaerense, um dos motivos
que levou Urquiza a unir-se aos colorados, mas não só isso, também pesou suas ambições em
suplantar o poderio de Rosas na Confederação Argentina e, enfim, organizá-la
constitucionalmente59 (FERREIRA, 2006). Em maio de 1851, Urquiza reassumiu a condução
das relações exteriores de Entre Ríos, pondo-se à margem da Confederação Argentina. O
governo da Província litorânea de Corrientes, a cargo de Virasoro, acompanhou a decisão de
Urquiza, declarando-se também Estado soberano. Assim, em 29 de maio de 1851, foi assinado
um tratado de aliança entre o governo uruguaio de Montevidéu, as Províncias de Entre Ríos e
Corrientes, e o Brasil. De modo geral, o objetivo da aliança era,

“[...] manter a independência e pacificar o território do Uruguai, fazendo sair o general


D. Manuel Oribe e as forças argentinas que comanda, e cooperando para que,
restituídas as coisas ao seu estado normal, se proceda à eleição livre do presidente da
República, segundo a Constituição do Estado Oriental”. Pelo tratado, os governos de
Entre Ríos e Corrientes [...] deveriam permitir aos aliados a livre navegação do rio
Paraná [...]. Os Estados aliados se afiançavam mutuamente a sua respectiva
independência e soberania, e a integridade de seus territórios, sem prejuízo dos
direitos adquiridos [...]. Os aliados se comprometiam a “manter, apoiar e auxiliar” o
primeiro presidente eleito no Uruguai contra qualquer ato de sublevação ou
insurreição armada [...]. O novo presidente do Uruguai deveria obrigar-se a garantir a
segurança dos brasileiros e argentinos residentes em território uruguaio, e a celebrar
com os governos aliados ajustes e convenções necessários para “manter as boas
relações internacionais” (FERREIRA, 2006, p. 170).

58
D. Justo José de Urquiza foi um dos principais chefes federais com que contou Rosas na luta contra os seus
opositores, na Confederação Argentina e no Uruguai. Desde 1841 era governador de Entre Ríos, e em 1849 tornou-
se comandante-chefe do Exército de Operações da Confederação. A lealdade de Urquiza começou a fraquejar em
sintonia com a elevação da importância militar e econômica de sua Província – a pacificação das Províncias
litorâneas, a partir de 1843, proporcionou forte desenvolvimento da pecuária na região, consequência, também, do
cerco a Montevidéu, mercado consumidor das carnes produzidas nas Províncias do litoral argentino (FERREIRA,
2006).
59
Em meados do século XIX, a ordem criada e mantida por Rosas havia gerado em suas entranhas uma conjuntura
propícia à formação de um bloco dissidente. O governo brasileiro não ignorou esses desafetos de Rosas, e desde
logo se propôs a explorá-los em favor de seus próprios interesses (FERREIRA, 2006)
53

Apesar do objetivo ser a derrota de Oribe, não se descartava a conversão da aliança para
combater o governo de Buenos Aires. O governo brasileiro aceitou auxiliar Montevidéu sob a
condição da assinatura de cinco tratados que o favoreceram e debilitaram a autonomia de
Montevidéu60 (DORATIOTO, 2014). A aliança deu certo. Ainda em 1851 as forças aliadas aos
colorados moveram-se contra as forças de Oribe, que se entregaram sem combate, dando fim
ao governo do Cerrito. A paz foi negociada e o cerco a Montevidéu acabou. Alguns acordos
foram estabelecidos: se reconhecia que a resistência que se havia feito à intervenção franco-
inglesa por parte de Oribe e do governo do Cerrito ocorreu sob a crença de que com ela se
defendia a independência oriental; se reconhecia como dívida nacional aquela contraída pelo
governo do Cerrito; todos os cidadãos orientais gozariam de direitos iguais, procedendo-se a
eleger oportunamente senadores e deputados para estes designarem o futuro presidente; se
declarou que entre as diferentes opiniões em que estavam divididos os orientais não havia
vencidos nem vencedores, pois todos deviam reunir-se sob o estandarte nacional, para o bem
da pátria e para defender suas leis e a independência (BARRAN, 1979).
Em 21 de novembro de 1851 foi celebrado em Montevidéu um convênio especial de
aliança entre o Império brasileiro e os Estados do Uruguai, Entre Ríos e Corrientes. Declaravam
os aliados que não pretendiam fazer guerra à Confederação Argentina, mas sim libertar o povo
argentino da opressão tirânica de D. Juan Manuel de Rosas. O papel do Brasil na aliança seria
o de auxiliar o governador de Entre Ríos, Urquiza, e para tanto ofereceu 4.000 homens para
atuarem diretamente nos campos de batalha, e um empréstimo de $ 400.000, além disso, deixou
a disposição a Marinha de Guerra imperial para o transporte de tropas, animais e equipamentos
(FERREIRA, 2006). Rosas foi vencido na Batalha de Monte Caseros, a 3 de fevereiro de 1852,

A batalha, da qual o Brasil participou com uma divisão de quatro mil homens
comandada por Manuel Marques de Sousa, foi apenas o desfecho previsível de uma

60
Alguns pontos dos tratados: Aliança: assinada uma aliança perpétua, tendo por fim a sustentação da
independência dos dois Estados contra qualquer dominação estrangeira; o governo brasileiro se comprometia a
prestar apoio ao primeiro governo que viesse a se eleger constitucionalmente no Uruguai; por esse tratado, ficava
formalmente estabelecida e prevista a possibilidade de intervenção militar brasileira para “defender a ordem” na
República vizinha. Limites: declarava nulos os tratados em que ambos os países haviam fundado suas pretensões
territoriais, o critério a ser seguido seria basicamente o do uti possidetis, introduzindo-se, contudo, algumas
modificações (a linha de demarcação passaria pelos rios Qauraí e Jaguarão, na sua margem direita, e contornaria
a lagoa Mirim, por sua margem ocidental, até o arroio Chuí. Navegação e Comércio: atribuiu-se ao Brasil o direito
exclusivo de navegação da lagoa Mirim e do rio Jaguarão. Estabeleceu-se a abolição do direito cobrado pelo
Uruguai na exportação de gado para a Província do Rio Grande do Sul pelo prazo de dez anos, tornando-se livre a
passagem de gado pela fronteira. Declarava comum a navegação do rio Uruguai e seus afluentes. Desertores e
escravos: havia o tratado para a entrega recíproca de criminosos e desertores, e para a devolução de escravos ao
Brasil. Subsídios: o governo brasileiro daria ao Uruguai um subsídio mensal de 60.000 patacões, a partir de 1º de
novembro de 1851 pelo tempo julgado conveniente pelo imperador. Além disso, seria realizado empréstimo em
parcela única de 138.000 patacões ao Uruguai, com juros de 6%. O Uruguai ainda reconhecia uma dívida anterior
de 288.791 pesos fortes. (FERREIRA, 2006).
54

situação que já se vinha delineando havia tempo, com a formação de uma coalizão
contra Rosas e o progressivo esvaziamento de seu poder. O Exército aliado
compunha-se, no total, de cerca de 25.000 homens contra aproximadamente 24.000
do lado do governador de Buenos Aires. A batalha foi vencida pelos aliados em
poucas horas. No dia 4 à noite, Rosas deixou a Argentina a bordo de um vapor inglês.
(FERREIRA, 2006, p. 199).

1.2 OS LEGIONÁRIOS BRUMMER

Os legionários alemães recrutados para engrossar as fileiras do Exército imperial


brasileiro na luta contra Rosas ganharam uma alcunha singular, foram chamados de Brummer.
Não se tratou de uma denominação oficial dada dentro do Exército, mas sim de um apelido
extraoficial conferido a eles pelos brasileiros. O legionário Cristóvão Lenz (apud FLORES,
1997, pg. 15), em suas memórias, explica que,

Nós obtivemos este nome porque trocávamos por um copo de cachaça as


desmesuradamente grandes moedas de cobre de 40 rs, que ainda existiram há poucos
anos, conhecidos por “Brummer”. Quando chegamos ao Rio Grande do Sul e as
pessoas nos ouviam calcular em “Brummer” passaram eles o apelido a nós próprios

Como explica Juvencio Saldanha Lemos (2015), os legionários teriam chamado as


moedas brasileiras de 40 réis de Brummer em alusão às moedas polonesas da região germânica
da Alta Silésia,61 feitas de cobre, apelidadas de Brummer, ou seja, “zumbidoras”, pois quando
eram atiradas nas mesas das tavernas produziam zunido grave e surdo. O primeiro contato com
as referidas moedas é descrito por um dos legionários transportados no veleiro Hamburg, Benne
Keydel, posteriormente professor no Brasil (FLORES, 1997). Assim como ele, vários outros
legionários viram pela primeira vez as moedas de 40 réis durante a viagem por mar em direção
ao Brasil, nas mãos de um homem negro que retornava de viagem, e acharam elas parecidas
com a moeda polonesa de 6 Pfenning que circulava na Alta Silésia, região de origem de Keydel.

61
Moreira Bento (1981) apresenta sua hipótese para a origem do apelido Brummer. Os legionários teriam recebido
o primeiro vencimento em moedas de cobre, os patacões de 40 réis, apelidados pelos legionários de “Brummer”.
Isso daria cerca de 127 moedas grandes de cobre. É interessante pensar os estrangeiros desfilando pelas ruas do
Rio de Janeiro com os bolsos cheios de moedas. Na certa produziam muito barulho, chamando a atenção dos
passantes. Pode-se pensar que indagados pelas pessoas sobre o barulho tentavam explicar, “Das ist brummeru”,
ou seja “Isso são rezingões”. Talvez assim o povo carioca tenha transferido para os legionários o apelido dado por
eles aos patacões.
55

Hilda Agnes Hübner Flores (1997) aponta outros significados para o termo, como o uso de
Brummer enquanto sinônimo de rezingão, ranzinza, característica atribuída aos legionários.62
Essa alcunha, independentemente de sua origem, foi utilizada para identificar os
soldados germânicos que compuseram as tropas de legionários contratados para atuarem na
Guerra Grande (1839-1852) a serviço do Império brasileiro, tendo eles participado efetivamente
da campanha contra Rosas ou não. Fica claro que, seja qual for o significado utilizado para
empregar o termo Brummer, tanto rezingão, quanto atrelado as moedas de 40 réis, a nova
atribuição ao termo, isto é, designar os soldados recrutados por Rego Barros, surgiu do contato
com os moradores do país onde acabavam de chegar. Portanto, os Brummer assim entendidos
nasceram no Brasil. Essa perspectiva nos permite caracterizar Karl von Koseritz como um
Brummer, ainda que não exista uma unanimidade sobre esse aspecto na historiografia.
O jornalista Albert Schmidt (1951), por exemplo, contesta a caracterização de Koseritz
como Brummer argumentando ter o mesmo apenas vindo ao Brasil em um dos barcos que
trouxe a legião alemã, no qual trabalhava como grumete (aprendiz de marinheiro), e por ter
ficado em Pelotas enquanto os legionários seguiram para o conflito em Buenos Aires. Essa
visão parece considerar Brummer apenas àqueles que assinaram contratos em Hamburgo e
seguiram posteriormente para o palco da guerra, o que acarreta na exclusão de um grande
número de legionários, afinal, inúmeros foram aqueles que desertaram já no Rio Grande do Sul,
e tantos mais os que permaneceram no referido Estado, além daqueles que foram incorporados
aos legionários aqui no Brasil63.
Para Tiago Weizenmann (2015), Koseritz teve participação efêmera entre os
mercenários, expressa na sua deserção antes mesmo do juramento à bandeira, ou de receber
qualquer tipo de pagamento, mas não o excluí do grupo dos Brummer. Mais contundente,
Imgart Grützmann (2007) afirma que Koseritz foi um Brummer, pois seu nome constaria na

62
O título “Die Brummer”, relativo aos textos do jornalista Albert Schmid publicados em 1951 no Jornal “A
Nação”, foi traduzido pelo General Klinger como “Os Rezingões”, considerando justamente o significado
pejorativo de Brummer.
63
De acordo com Moreira Bento (1981), serviram de intérpretes aos legionários, sendo incorporados aos mesmos,
os majores Pedro Nicolau Fegerstein, sueco, e Carlos Resin, suíço alemão, ambos estrangeiros veteranos no
Exército imperial e com excelentes serviços militares a ele prestados. Foram colocados como elementos de ligação
entre o governo e os legionários. O major Fegerstein, por exemplo, lutara na Guerra Cisplatina ao lado de soldados
alemães contratados naquele período, e mais tarde veio a ser o comandante, em Rio Pardo, do Batalhão de
Infantaria da Legião Alemã dos Brummer, durante 18 meses, até a extinção dessa unidade em 10 de junho de 1855,
por haver expirado os 4 anos de contrato de serviço militar. Também foram agregados aos Brummer, diz Siber
(1915), dois oficiais alemães pertencentes à Guarda Nacional de São Leopoldo, o tenente-coronel Knorr e o capitão
Wildt, que ficaram responsáveis por dirigir os negócios pecuniários e econômicos. Ambos tinham uma reputação
ruim em questões de dinheiro. Cartas de diversos alemães da Província denunciavam aqueles dois como espiões
junto ao batalhão de estrangeiros, contra os quais era bom prevenir-se. Como consequência, foram recebidos de
forma hostil no batalhão.
56

listagem dos contratados que embarcaram nos dez navios fretados para o transporte dos
legionários ao Brasil, mais especificamente ele embarcou no navio Heinrich em 1851, e pelo
fato de Koseritz ter se engajado na Artilharia da Legião Alemã no Rio de Janeiro, da qual
desertou em Rio Grande em 1852.
Aqui, consideramos Koseritz um Brummer, pois a permanência dele na Leigão Alemã
não foi efêmera, já que desertou em junho de 1852, mais de quatro meses depois do fim da
Guerra Grande, tempo superior ao cumprido por inúmeros outros soldados considerados
Brummer, que haviam desertado já no Rio de Janeiro. Em Rio Grande, diz Lemos (2015),
Koseritz foi integrado a tropa de “Reserva” ou “Depósito”, na qual cumpriu sucessivos períodos
na prisão por não se adaptar à disciplina militar, até que houve ocasião na qual seu comandante
perdeu a paciência e “ [...] mandou que eu fosse embora, pro diabo, e que não mais lhe
aparecesse. Tomei isso ao pé-da-letra [...]” (KOSERITZ apud LEMOS, 2015, p. 277), então
desertou e se mandou para Pelotas.
A partir do exemplo de Koseritz, podemos considerar Brummer todo soldado recrutado
em Hamburgo para engrossar as fileiras do Exército imperial na Guerra contra Oribe e Rosas
que chegou ao Rio de Janeiro, e todo soldado incorporado as tropas legionárias aqui no Brasil,
tendo ou não cumprido o contrato de engajamento até o fim. Foram assim chamados pelo
contraste linguístico, seja no sentido de resmungões ou a partir do uso das moedas de 40 réis,
ainda que nem todos eram de origem germânica.
Outro ponto a considerar na caracterização dos Brummer, é o fato de terem vindo como
mercenários. Eles não foram o primeiro grupo majoritariamente germânico a migrar para o
Brasil nessas condições. Segundo Lemos (2013), o contexto brasileiro da década de 1820 exigia
a formação de uma nova força militar. Por um lado, havia boates de que Portugal estava
mobilizando uma expedição punitiva à Independência do Brasil, por outro, cada vez mais as
questões ligadas à Província Cisplatina se acirravam indicando um conflito iminente. Ainda
não havia uma força brasileira convincente, pois estava resumida a um sistema de milícias. A
separação do Brasil de Portugal era fato consumado, porém não irreversível. Sabendo disso,
José Bonifácio tinha ciência de que o futuro do novo Império dependeria da capacidade de
resistir às represálias de Portugal e da conquista da simpatia de nações poderosas a partir do
reconhecimento internacional da independência brasileira. Para tanto, desenvolveu o plano de
recrutamento de mercenários europeus a ser executado juntamente a uma campanha
diplomática (LEMOS, 2013).
Os Estados germânicos apareceram como boa opção para o almejado recrutamento,
afinal, o Imperador austríaco era sogro de Dom Pedro I, pai de Leopoldina, e a Áustria era uma
57

potência militar, dispondo de soldados experientes. Como explica Martin N. Dreher (2009),
coube ao Major Jorge Antonio Aloisio von Schaeffer recrutar soldados sob o disfarce de
colonos, e também colonos propriamente ditos. A estratégia do disfarce se fazia necessária
frente às determinações do Congresso de Viena (1814-1815) que proibiam a formação de novos
Exércitos de mercenários sob a alegação de evitar o surgimento de novo Napoleão Bonaparte.
As instruções a Schaeffer determinavam que os soldados se tornariam colonos após seis anos
de serviço, e os colonos seriam soldados em caso de necessidade. Para sua missão, Schaeffer
montou uma agência em Hamburgo e nomeou por conta própria Cônsules para auxiliá-lo em
Bremen, Frankfurt e outros lugares de menores.
O governo imperial brasileiro não tinha o menor interesse em financiar imigrantes. O
objetivo era o recrutamento de soldados. Nesse sentido, a verba com que Schaeffer foi
contemplado deveria ser empregada apenas no pagamento da viagem dos alemães destinados
ao serviço militar do Império. Quanto aos colonos, eram tolerados apenas para disfarçar o
recrutamento militar, e deveriam custear eles próprios os seus gastos de transporte. Entretanto,
Schaeffer decidiu não obedecer essa recomendação, e permitiu que imigrantes sem pretensões
ao engajamento no Exército viajassem por conta do Tesouro Imperial (LEMOS, 2013).
A desorganização e falta de método que caracterizaram seu trabalho, agravadas pela
desonestidade de seus auxiliares em mascarar o recrutamento e burlar a vigilância da polícia
alemã, impediram qualquer controle rigoroso sobre os recrutados. A confusão entre colonos e
soldados gerou consequências na chegada ao Brasil. Para o Governo Imperial, a forma de
diferenciar as duas categorias residia na questão do pagamento da passagem: aqueles cuja
viagem tivesse sido financiada pelo governo teriam de assentar praça no Exército. A
determinação afetou diversos colonos, obrigados a ingressar na vida militar por terem viajado
gratuitamente graças a desautorizada benevolência de Schaeffer, ou enganados por falsas
promessas e garantias dadas pelos auxiliares. Apesar dos protestos, foram para os quartéis e
suas famílias para a mendicância (LEMOS, 2013).
As cidades germânicas, pouco a pouco, passaram a dificultar as atividades de Schaeffer
e seus auxiliares. Consideravam estarem evitando uma espécie de escravidão branca para o
Brasil. A nova postura veio como resposta as reclamações daqueles que haviam se sentido
enganados pelas promessas não cumpridas, e de notícias da situação pouco amistosa encontrada
no Brasil. Frente as dificuldades cada vez maiores de Schaeffer em conseguir novos imigrantes,
não só pelos obstáculos das cidades avessas ao seu trabalho de recrutamento, mas, sobretudo,
por conta do desgaste de sua imagem, o governo imperial, envolvido com a Guerra da
58

Cisplatina, investiu na imigração de irlandeses. As primeiras levas chegaram ao Brasil em 1827


(LEMOS, 2013).
As condições de serviço militar impostas a essa massa de imigrantes, tanto germânicos
quanto irlandeses, fomentou insubordinações e descontentamentos. Parcela considerável
negou-se a servir no Exército sob o argumento de terem migrado com a finalidade de serem
colonos. O ápice do descontentamento aconteceu com a grande rebelião de junho de 1828,
iniciada a partir da indignação frente ao injusto castigo aplicado a um soldado germânico.
Oficiais foram vítimas de violência física, ocorreram assaltos a vendas e bares atrás de vinho e
cachaça, assaltaram os depósitos de armas dos quartéis onde estavam alocados, e aconteceram
confrontos com escravos. As noticiais das rebeliões mercenárias alarmaram os moradores do
Rio de Janeiro. Houve quem fugiu e quem se armou. Inúmeros escravos receberam porretes,
armas, pistolas e facões para perseguir e matar qualquer soldado estrangeiro, e foi o que fizeram.
A situação foi controlada por tropas do Conde de Rio Pardo e pelo auxílio de forças navais
inglesas e francesas que desembarcaram no Rio de Janeiro (LEMOS, 2013).
A primeira experiência de recrutamento de mercenários germânicos pelo Império
brasileiro, portanto, passou longe dos objetivos iniciais de D. Pedro I de substituir as tropas
portuguesas e, ao mesmo tempo, proporcionar uma tropa modelo ao Exército imperial
brasileiro. Nas cidades germânicas ficou o receio quanto ao Brasil como destino para
imigrantes. No Rio de Janeiro ficou o trauma resultante da descontrolada rebelião dos
mercenários beberrões e desordeiros. Essa herança gerou obstáculos em 1851, quando nova
tentativa64 de recrutamento de mercenários trouxe os Brummer.

Landesknecht!65 Mercenário para servir no Brasil? Brummer! É vergonhoso e digno


de pena ver-se como mercenário de uma nação estranha. Mas quando se segue com
espírito humilde o enrodilhado destino que levou a cada qual a encetar tal caminho,
então se aprende a julgar o seu fazer e agir. Leviandade, gosto por aventura,
desconhecimento, apertos e outros acontecimentos empurram a uns tantos passos dos
quais a gente se arrepende mais tarde. (LENZ apud FLORES, 1997, p. 15).

O trecho acima é parte das memórias deixadas por Cristóvão Lenz (Berlim, 1834 –
Taquari, 1917) de suas experiências como legionário Brummer. Essas linhas demonstram o
arrependimento e a falta de orgulho de Lenz por sua decisão de migrar para o Brasil como

64
Houve outro recrutamento de mercenários além dos empreendidos em 1823 e 1851, realizado em 1838, por
ocasião da Revolta dos Cabanos, no Pará. A regência ordenou o cônsul do Brasil em Hamburgo, Dr. Schmidt, a
contratação de 500 mercenários. Quando chegaram ao Brasil, no entanto, a revolta já havia sido contida. Acabaram
desassistidos pelo governo e abandonados à própria sorte, ainda que alguns tenham sido admitidos a servir em
unidades brasileiras (SCHMID, 1951).
65
Servo da Pátria! (Tradução nossa).
59

mercenário, o que remete à imagem desvalorizada de tal alcunha, a qual, segundo Walter
Bryère-Ostells (2012), é uma construção mental muito recente, introduzida pela Revolução
Francesa (1789-1799). Nesse sentido, Lemos (2013, p. 88) afirma que “Mercenário é palavra
que traz em si forte conotação pejorativa. Aquele que mata por dinheiro. Assassino profissional.
Pistoleiro de aluguel. Bandido assalariado”, constituindo um estereótipo, pois, em essência, o
mercenarismo é uma atividade de difícil conceituação. Não podemos reduzir o mercenário
àquele que luta por dinheiro, arriscando sua vida e integridade física, pois todas as instituições
policiais e militares, de certa forma, fazem exatamente isso. Tampouco é correto defini-los
como aqueles que participam ativamente de guerras nas quais seus países de origem não estão
envolvidos.
Segundo Bruyère-Ostells (2012, p. 10-11), a atividade mercenária está vinculada a
prestação de serviço militar a um empregador,

No sentido estrito, o termo latino mercenarius designa um “soldado contratado


mediante dinheiro” ou um “doméstico que se paga”. Logo adquiriu o sentido de militar
que serve a uma organização ou a um governo estrangeiro mediante remuneração.
Poderíamos definir o mercenário como um prestador de serviços que,
independentemente das causas, motivações, acontecimentos, meios de recrutamento
e de retribuição, coloca uma força armada à disposição de um empregador (público
ou privado). Esses combatentes não nacionais foram-se espalhando pelo mundo
juntamente com a globalização do comércio e dos conflitos. Por essa razão, adotaram
o lema Orbs patria nostra (“O mundo é nossa pátria”).

A definição apresentada, por sua amplitude e desvinculada da noção de prestação de


serviço militar mediante pagamento, não oferece elementos para uma distinção clara entre um
combatente estrangeiro voluntário e um mercenário “clássico”, definido de acordo com o
significado do termo mercenarius. Para esclarecer o conceito em discussão, Bryère-Ostells
(2012) recorre às especificações da ONU. Segundo os artigos 1º e 2º da Resolução 44/34 de 4
de dezembro de 1989, definida na Convenção Internacional contra o Recrutamento, Uso,
Financiamento e Treinamento de Mercenários, o termo “mercenário”, em seu sentido atual,
designa qualquer pessoa recrutada localmente, ou no exterior, para lutar em um conflito armado,
mediante remuneração elevada ou no intuito de obter um ganho pessoal. Além disso, o
mercenário não pode ser nacional, nem residir em qualquer uma das partes em conflito, e não
pode ser membro de nenhuma das forças aramadas envolvidas no embate, tampouco foi
oficialmente enviado por outro Estado.
60

A atividade mercenária, praticada desde a antiguidade66, sofreu grande revés a partir dos
desdobramentos da Revolução Francesa, pois, como explica Bryère-Ostells (2012), surgiu a
defesa do alistamento militar como princípio básico da organização das forças de um Estado.
Desde então, os mercenários gradativamente passaram a ser vistos como homens sem fé nem
lei que se vendiam a quem lhes pagasse mais. No mundo contemporâneo eles têm má reputação
e geralmente são utilizados em operações paralelas. Para Lemos (2013), marginalizado na
Europa com a tendência de formação de Exércitos nacionais, o mercenarismo emigrou para os
outros continentes, onde encontrou fácil colocação. Como recorda Dreher (2009), o Congresso
de Viena (1814-1815) colaborou para o enfraquecimento da atividade mercenária na Europa ao
proibir a formação de novos Exércitos mercenários sob o pretexto de evitar distúrbios
semelhantes aos causados por Napoleão.
Portanto, em sua acepção restrita, podemos compreender os mercenários como
prestadores de serviço militar em vista de remuneração ou ganhos pessoais. Porém essa
atividade ganhou especificidade maior ao exigir que o mercenário não tenha relação com as
partes em conflito. Esse entendimento é suficiente para compreender o uso do termo mercenário
para designar os legionários Brummer, assim caracterizados pelo fato de terem assinado um
contrato para a prestação de serviço militar em um conflito que não envolvia seus Estados de
origem. Cabe aqui evitar o uso do estereótipo de mercenário como homem sanguinário e de
índole flexível para caracterizar os Brummer. Essa perspectiva, inclusive, afetou muitos deles
quando deixaram o serviço militar e foram viver nas colônias alemãs do Rio Grande do Sul.
Nesse sentido, Cristóvão Lenz (1997) conta da ocasião na qual viajou a São Leopoldo para uma
entrevista de emprego em uma chapelaria, em 1856.

Quando lhe informei que era berlinense, que trabalhei só oito meses em Porto Alegre
e que era um Brummer, o bom velho empalideceu de susto, e admirei-me que mesmo
assim me empregou. Se me tivesse recusado, não seria de admirar, pois os Brummer
estavam bastante mal vistos em S. Leopoldo e nas colônias, onde eram conhecidos
por mercenários ou guerrilheiros. Aí era possível ouvir: - Mãe, aí vem um mercenário!
– Então entra, filho e fecha a porta! (LENZ apud FLORES, 1997, p. 40).

66
Durante muito tempo constituíram a espinha dorsal dos Exércitos europeus. Entre vários exemplos do uso de
mercenários, podemos citar: já no século V a.C, há o relato do ateniense Xenofonte sobre as campanhas militares
que liderou a frente de dez mil mercenários; Cartago empregou inúmeros mercenários para enfrentar Roma na
Primeira Guerra Púnica, o que culminou em um novo conflito, a Guerra dos Mercenários (241-238 a.C); na Idade
Média há grandes Companhias mercenárias, como a que atuou na Espanha para entronizar Henrique de Trastâmara
e depor seu irmão, Pedro I de Castela; durante toda a época moderna, o papel dos mercenários permaneceu crucial,
formaram, por exemplo, as principais forças dos imperadores Habsburgos na Guerra dos Trinta Anoso (BRYÈRE-
OSTELLS, 2012).
61

A heterogeneidade do grupo recrutado e as condições que os levaram a essa opção, não


permitem abreviar sua condição a de homens moralmente fracos, movidos unicamente pela
ambição monetária ao ponto de venderem a própria integridade física em troca de patacões.
Uma singela frase de Cristóvão Lenz demonstra isso: “Não era meu desejo vender-me como
mercenário de guerra [...]” (LENZ apud FLORES, 1997, p. 15, grifo nosso). Longe de
fatalismos ou heroísmos, para alguns, de fato, o recrutamento brasileiro foi uma necessidade, e
não um desejo.

1.2.1 O Recrutamento e a especificidade dos Brummer

De acordo com Lemos (2015), a legião alemã foi formada por soldados provenientes da
dissolução do Exército dos ducados de Schleswig-Holstein, por pessoas sem ofício, e,
finalmente, por elementos “envolvidos na delinquência e afundados na bebedeira”. A
diversidade dos recrutados é exemplificada por Schmid (1951, p. 104) em uma fala de Karl Von
Koseritz proferida na palestra “Cenas da Vida Militar brasileira”,

Figuravam velhos lanscenetes que haviam militado na ÀFRICA, na ÍNDIA, na


POLÔNIA, até na ESPANHA, de par com tenros cadetes, bem como educandos
foragidos das Reais Escolas Militares, etc. Legionários que haviam sido oficiais,
davam graças a Deus se conseguiam engajar-se como sargentos; outros recebiam por
superiores hierárquicos homens que haviam sido seus subordinados; já outros
possuíam cultura e instrução superiores à de muitos dos oficiais [...].

Como destaca Schmid (1951), a idade dos recrutados variava dos 17 aos 50 anos, e
diferiam não só em relação às experiências de vida, como também na instrução e no caráter.
Parte dos alistados, ainda que não em número considerável, era formada por jovens que
desconheciam o serviço militar, atraídos pela aventura. Um destes foi Cristóvão Lenz, tornado
mercenário com dezessete anos e meio por dar ouvidos a um alegre grupo que já havia se
engajado. Em suas memórias, transparece ter deixado se enganar ao aceitar a ida para o Brasil.
A missão de constituir a força germânica, autorizado pela Lei nº 586 de 1850, foi dada
ao Tenente-Coronel Sebastião do Rego Barros67, Conselheiro de Sua Majestade o Imperador,

67
Natural de Pernambuco, nasceu em 18 de agosto de 1803 no seio de influente família. Por sua ativa participação
nos movimentos pela independência do Brasil, acabou preso e encarcerado na fortaleza do Castelo. Depois de
liberto, foi enviado pela família para Coimbra, a fim de que estudasse ciências matemáticas e filosóficas. Em 1823
mudou-se para Paris, onde, em 1825, bacharelou-se em matemática pela Universidade de Gottingen. No ano
seguinte, foi morar no Rio de Janeiro e obteve a patente de Capitão do Corpo de Engenheiros do Exército Imperial.
Nessa condição voltou a Pernambuco, e lá elegeu-se Deputado, dando início a uma sequência de mandatos na
Corte. Em 1837 foi chamado a assumir o Ministério da Guerra, missão espinhosa nos tempos da regência. Foi
liberado do Ministério em 1840, quando viajou para a Europa em busca de tratamento médico. Ao retornar, elegeu-
se novamente Deputado. Auxiliou, em 1849, a sufocar a Revolução Praieira. No começo da década de 1850
62

Comendador da Ordem de São Bento de Aviz e Veador de Sua Majestade, A Imperatriz,


enviado à Europa em fins de 1850. Também recebeu, segundo Schmid (1951), a tarefa de
adquirir o correspondente armamento e equipamento para os recrutados, ou seja, armas e
uniformes. Ao contrário da experiência de Schaeffer com a primeira leva de mercenários
contratados pelo governo brasileiro, Barros agiu na legalidade, autorizado oficialmente pelo
Senado da cidade de Hamburgo.68 O trabalho de recrutamento foi realizado por uma ampla rede
de agenciadores, que cobriu diversas cidades da Confederação Germânica. Difundiram o
convite ao engajamento através da imprensa alemã, de panfletagem, e mesmo através do
clássico rufar de tambores nas praças e ruas.
De acordo com o Major von Lemmers-Danforth (1941), o trabalho em Hamburgo e
cidades vizinhas deveria ocorrer com cuidado e atenção a fim de engajar apenas os melhores e
mais competentes elementos para evitar episódios similares àqueles protagonizados pelos
mercenários do Imperador D. Pedro I, em 1828. Além disso, deveriam constituir uma força
exemplar, e posteriormente, quando concluído o serviço militar, tornarem-se bons colonos.
Entretanto, por mais que Rego Barros procurasse atender os interesses do governo imperial, ele
não dominava a língua alemã e por isso atribuiu o recrutamento a vários agentes que, com
poucas exceções, encararam sua incumbência como oportunidade para tirar proveito próprio.
A tarefa, podemos aferir, foi concluída, simultaneamente, de forma exitosa e fracassada.
O êxito residiu no fato de Rego Barros ter conseguido em seis meses engajar cerca de 1.800
homens e os despachar para o Brasil antes do envio das forças auxiliares brasileiras ao campo
de batalha. Por sua vez, o fracasso é encontrado na baixa capacidade militar de muitos desses
soldados, expressa posteriormente quando já estavam no Brasil.
Apesar da liberdade para agir em Hamburgo, Barros encontrou obstáculos em seu
trabalho. As considerações do Conselheiro Maia naquela reunião do Conselho de Estado de
agosto de 1851 se mostraram acertadas. Assim que ficou sabendo da missão brasileira, diz
Lemos (2015), o governo de Buenos Aires agiu para a impedir. Antes, porém, tentou seu próprio
recrutamento de mercenários ao enviar agentes para a Península Itálica, mas teve de recuar,
pois foram barrados. Restou ao Cônsul argentino em Hamburgo, Luiz Bahne, criar situações
embaraçosas para Rego Barros, como quando apresentou queixas ao representante prussiano
em Hamburgo. O modo mais efetivo de ataque foi realizado através de propaganda difamatória

recebeu a tarefa de recrutar legionários em Hamburgo. Tendo cumprido sua missão, ao retornar ao Brasil ainda
ocupou o cargo de Governador do Pará, em 1854, e foi Ministro da Guerra uma segunda vez, em 1859 (LEMOS,
2015. SCHMID, 1951).
68
Os principais auxiliares dele, segundo Lemos (2015), foram Martin Valentim, um brasileiro, e Dr. Gustavo
Smidt, um alemão.
63

nos jornais alemães. A imprensa desestimulava os engajamentos e amedrontava os eventuais


contratados alertando, muitas vezes, para os perigos que os aguardavam no Brasil, desde “índios
antropófagos, cobras venenosas, feras selvagens, negros bandidos, vida miserável até doenças
horrorosas”.
Algumas reportagens de jornais brasileiros e germânicos foram compiladas no
“Relatório do Ginásio Anchieta”, de 1938, e trazem valiosas informações a respeito da
propagando contrária e favorável ao recrutamento dos mercenários.69 Na edição de 6 de
fevereiro de 1851 do jornal St. Pauli Reform, o major-general von Gerhard chamava os
recrutadores de “infames traficantes, empenhados em adquirir a sua mercadoria barato aqui,
para venderem caro lá” (FUGER, 1938, p. 14). A visão dos auxiliares de Rego Barros como
aliciadores mal-intencionados repete-se em artigo do jornal Freischuetz de 8 de julho de 1851,
intitulado “Castigada a audácia de um traficante de almas”. Nem todas as cidades próximas a
Hamburgo admitiam a atividade de recrutamento, como no caso de Berlim, onde um dos
recrutadores de Barros, antigo oficial prussiano, foi preso tentando engajar oficiais da reserva,
sujeitos ao serviço militar na Prússia (FUGER, 1938).
Em 19 de março de 1851, o jornal Reform empregava energias para amedrontar os
comerciantes hamburgueses que estavam mantendo negócios com Rego Barros. O argumento
residia em Rosas, “Um homem destemido ao ponto de tratar com provocante altanaria a rainha
Vitória da Inglaterra, hesitará ele perante alguns insignificantes mercadores de Hamburgo que
ostensivamente apetrecham Exército para combater?” (FUGER, 1938, p. 14). O jornal
Hamburger Nachrichten de 4 de abril de 1851 destacava o elevado número de alistados na
Legião Estrangeira desiludidos antes mesmo de partirem para o Brasil. Cerca de 70 recrutados
haviam deixado o navio Hamburg após receberem o prêmio pela assinatura do contrato, de 25
táleres, e o sustento enquanto não partiam (FUGER, 1938). A intenção, parece, era estimular
mais desertores70.
Houve quem, por experiência própria ou em vista da má fama deixada pela experiência
de 1823, guardasse recordações pouco agradáveis do Brasil e se empenhasse em evitar o
recrutamento. Acreditando prestar bons serviços aos seus conterrâneos, minimizaram as

69
Em 8 de abril de 1851 outra notícia alarmava a opinião pública. Entre as reportagens do jornal Deutsche
Reichszeitung havia a seguinte: “Suborno de alunos do Colégio Militar”. Alguém tentava seduzir aspirantes da
arma de artilharia à deserção para passarem a servir no Exército imperial brasileiro. Por serem esses alunos
menores de idade, a tentativa ganhara ares ainda mais infames.
70
Em petição representando um grupo de desertores endereçada ao rei da Prússia, o advogado Dr. Gallois, expõe
a situação dolorosa desses indivíduos que, por delitos de ordem política, estavam impedidos de voltar para sua
terra, e negavam-se também a mercadejar seu sangue nos campos de batalha da América do Sul. Suplicavam, pois,
que o soberano lhes proporcione meios de emigrarem para os Estados Unidos da América, onde começariam nova
vida (Neue Preussische Zeitung, 21 de Março de 1851).
64

pretensões de muitos jovens interessados no engajamento (FUGER, 1938). Exemplo disso,


segundo Lemos (2015), foi a ação de Samuel Gottfried Kerst, mercenário no Exército Imperial
brasileiro entre 1824 e 1830, preso por conta da revolta dos mercenários em 1828, licenciado e
enviado de volta a Europa. Ele atacou o Brasil através da publicação de livros e artigos.71
Havia, portanto, grande oposição de parte da imprensa e da população local ao
recrutamento dos mercenários, sobretudo em relação as tentativas de aliciar os mais jovens. Por
outro lado, o recrutamento também encontrou defensores. O jornal Hamburguer Nachrichten,
de 31 de março de 1851, defendia o engajamento considerando a atividade militar nele
imbricada digna como tantas outras (apud FUGER, 1938). Segundo Lemos (2015), o redator
do jornal Wiener Zeitung, Dr. Leopold Schweitzer, foi agraciado pelo governo brasileiro com
a Comenda da Ordem da Rosa, por ter publicado artigos benéficos sobre a imigração no Brasil
e suas condições peculiares.
Como apontou o jornal Zeitung fuer Norddeutschland, em março de 1851, para muitos
dentre os engajados só havia a perspectiva da perseguição, miséria e prisão na permanência em
Hamburgo, portanto o recrutamento de mercenários para o Exército imperial brasileiro surgiu
como uma saída desesperada. Ciente disso, em parte, o governo de Hamburgo não reprimiu a
atividade brasileira, vista como uma forma de se desembaraçar de tantos “agitadores e
desocupados”. Além disso, o armamento comprado por Rego Barros aos soldados representou
negócios lucrativos aos comerciantes locais (apud FUGER, 1938).
Também no Brasil houve polêmica quanto aos Brummer. Mesmo em período gestatório,
o projeto de recrutamento de estrangeiros já havia suscitado simpatias e antipatias no Conselho
de Estado Imperial, como visto no começo do capítulo. Segundo Schmid (1951), enquanto os
conservadores, no poder se mostravam favoráveis a ideia de contar com mercenários, os liberais
fizeram oposição, combatendo o projeto sob o argumento de que o governo não tinha a intenção
de empregar os estrangeiros na defesa do país, mas usá-los como instrumento de despotismo.
Além disso, reclamavam que os mercenários estavam recebendo melhor tratamento do que os
soldados brasileiros, pois estavam subordinados às normas militares do Reino da Prússia, e não
aos duros artigos de guerra do Conde Lipe, usados no Exército imperial brasileiro.

71
O legionário Júlio Jorge Schnack (apud FLORES, 1997, p. 84) relata, “Era a contragosto da população e à revelia
dos princípios dos democratas que nós, soldados das guerras de libertação, embarcávamos para lutar em um país
monárquico e escravocrata, contra uma República. Eles não sabiam que o cidadão brasileiro, onde o povo criava
suas leis através de seus representantes eleitos, vivia em maior liberdade que os argentinos sob a tirania do ditador
Rosas. Nós jovens e inexperientes pouco sabíamos sobre este estado das coisas e assim aconteceu que, através de
informes falsos que não tínhamos como avaliar, cresceu entre nós uma certa aversão contra o lugar de nossas
futuras atividades”.
65

A imprensa foi local de expressão dessa oposição. Como resposta a nota do “Jornal do
Comércio” anunciando a tarefa de recrutamento dada a Regos Barros, o jornal “Radical”, do
Rio de Janeiro, edição de 12 de outubro de 1850, portanto meses antes da chegada dos primeiros
Brummer, protestou,

Não queremos recrutamentos no estrangeiro. Infeliz a nação obrigada a apoiar sua


posição, honra e dignidade em baionetas de mercenários estrangeiros e por um
Exército, movido somente pela cupidez do dinheiro O amor da glória, o pensamento
da defesa de parentes e amigos, os sentimentos nacionais, a convicção de salvaguardar
a honra da pátria, são os impulsos poderosos, que instigam os soldados nacionais
grandes empresas, a arrojar-se decididamente a todos os perigos, a arriscar a própria
vida. Que finalidade pode ter o mercenário estrangeiro? Quais os seus ideais? Quais
os seus imperativos no dia da batalha? O dinheiro!... (apud FUGER, 1938, p. 26-27).

O Ministério da Guerra expos os motivos do recrutamento ao público leitor em artigo


do jornal “Riograndense”, de 30 de abril de 1851, quando Rego Barros já trabalhava na Europa.
De acordo com a nota, o governo tinha opinião destoante daqueles que censuravam o
recrutamento da legião estrangeira, e apontava quatro motivos da importância daquela medida
para o Brasil: poupariam as vidas de 3.000 brasileiros; poderiam adquirir através daquelas
tropas uma divisão disciplinada, um modelo para as tropas brasileiras; haveria a dupla vantagem
em ter, durante certo período, ótimos soldados e, quando encerrado o tempo de serviço, iriam
dispor de no mínimo 2.000 bons colonos; por fim, o recrutamento dos estrangeiros deixaria em
paz 3.000 brasileiros ocupados na agricultura ou na indústria. Além disso, seriam adquiridos
cerca de 3.000 novos consumidores com a vinda desses soldados. Portanto, o governo
reafirmava ser o recrutamento um negócio proveitoso para o país (apud FUGER, 1938).
Como relata o Capitão Siber (1915), muitos dos engajados estavam convencidos de que
além-mar poderiam deixar de lado os compromissos assumidos em contrato quando lhes
aprouvesse. Essa era uma perspectiva que considerava o alistamento brasileiro apenas um meio
de chegar à América. Aliás, muitos dos recrutados, até o último momento, duvidavam que se
pretendesse seriamente fazê-los soldados no Brasil. À vista destas circunstâncias, mais da
metade de todos os engajados se constituiu de artífices, que tinham ouvido falar dos elevados
salários nas grandes cidades da América do Sul. O restante, continua Siber (1915), era de velhos
soldados (entre os quais encontravam-se antigos oficiais inferiores prussianos e holstenianos),
e de desocupados “vagabundos e bebedos inimigos do trabalho” (SIBER, 1915, p. 453) que,
provavelmente, tencionavam buscar no Brasil ouro e diamantes. Era uma Companhia
constituída dos mais variados tipos físicos, classes sociais, e faixas etárias.
66

Em relação ao recrutamento, Lemos (2015) o divide em três fases com tipos distintos
de contratados: a primeira ocorreu logo da chegada da missão brasileira a Hamburgo,
coincidente com a extinção do Exército de Schleswig-Holstein, portanto acolheu em sua
esmagadora maioria os combatentes daquele Exército; a segunda fase compreendeu o
recrutamento de pessoas sem ofício; e a terceira fase, nos momentos finais da missão, recebeu
“desocupados, bêbados, vagabundos e delinquentes”. Para Claudio Moreira Bento (1981), essa
variedade na constituição da legião já apontava o seu insucesso militar. A historiografia procura
destacar a presença considerável de soldados advindos da dissolução do Exército de Schleswig-
Holstein, empregados na luta contra a Dinamarca durante a década de 1840 por questões
históricas relacionados à Fronteira.
De acordo com Lemos (2015), Schleswig e Holstein foram ducados feudais até o ano
de 1459, quando passaram ao domínio da coroa dinamarquesa. Ainda assim, mantiveram sua
autonomia local. Essas regiões ligavam os territórios germânicos à Dinamarca (Ver Figura 3).
Schleswig, por exemplo, estava contida totalmente na Península Jutlândia, que atualmente
compõe parte da Dinamarca e o extremo norte da Alemanha. Em vista de sua localização,
grande parte da população desses ducados era de origem germânica, sendo a população
dinamarquesa maioria apenas na parte setentrional de Schleswig. A aproximação com os reinos
de Hannover e Dinamarca levou o Congresso de Viena a manter esses ducados subordinados à
Dinamarca, ignorando os aspectos sociais e culturais dessas regiões. Dessa forma,
permaneceram sem integrar-se à mesma.
Na década de 1840, o reino da Dinamarca passou a adotar uma política oficial de
integração dos dois ducados. Para isso, procurou impor a eles uma nova ordem mediante a
neutralização cultural e administrativa da população alemã residente em Schleswig e Holstein.
Assim, houve a gradual substituição de germânicos por dinamarqueses em cargos do serviço
público e militar. A população germânica desses ducados não aceitou as imposições do reino
dinamarquês em vista da ligação que possuíam com suas origens germânicas, e sublevou-se. O
conflito teve início em 1848, somando-se aos inúmeros outros levantes que sacudiam a Europa
naquele momento, motivados, sobretudo, por questões nacionais e liberais. Schleswig e
Holstein formaram um governo provisório e buscaram apoio na Confederação Germânica, da
qual Holstein já fazia parte e Schleswig veio a compor assim que o conflito tomou forma
(LEMOS, 2015).
67

Figura 3 – Território do atual Estado alemão de Schleswig-Holstein

Fonte: <https://pt.wikipedia.org/wiki/Schleswig-Holstein>. Acesso em 10 de abril de 2016.

Após diversas derrotas, segundo Lemos (2015), a Dinamarca pediu à Inglaterra, Rússia
e Áustria a intervenção no conflito. O clamor foi atendido. As potências acionadas exigiram da
Prússia o fim da intervenção militar na Dinamarca, e assim foi feito. Com isso, os ducados
ficaram sozinhos em sua luta. A partir do momento em que as tropas regulares germânicas se
retiraram, houve campanha em toda Confederação Germânica pedindo voluntários72 para
combateram os dinamarqueses. A convocação teve êxito.
Grande parte dos mercenários Brummer adveio dessa massa de voluntários,
caracterizada como “Gente urbana, artistas, intelectuais, boêmios” (LEMOS, 2015, p. 61), ou

72
“[...] esses heroicos voluntários que constituíram o Exército de Schleswig-Holstein, classificado pelos oficiais
prussianos como ‘abaixo da média’ e que chegou a atingir o efetivo de 36.000 homens [...] decididamente não
eram soldados. Gente urbana, artistas, intelectuais, estudantes, boêmios [...]. Além disso, chegaram ao campo de
batalha quando a situação militar já estava praticamente definida em favor da superioridade bélica dos
dinamarqueses.” (LEMOS, 2015, pg. 61). As tropas de Schleswig-Holstein foram derrotadas em várias frentes de
batalha. A Áustria, sob o temor da unificação alemã, impôs aos prussianos um ultimato, o “Tratado de Olmütz”,
afastando de vez a Prússia da questão dinamarquesa e exigindo tratar os militares envolvidos na causa dos ducados
como delinquentes revolucionários, ameaçando-os com retaliação militar caso não depusessem as armas. A Prússia
fez cumprir o tratado.
68

seja, pessoas sem o devido preparo militar. O conflito acabou com a derrota das pretensões dos
ducados de Schleswig e Holstein. Entre os ex-combatentes ficou a sensação de que haviam sido
abandonados e traídos pela Confederação Germânica. Ciente desse ocorrido, Sebastião Rego
Barros encontrou na dissolução das tropas dos ducados derrotados parte significativa dos
mercenários da legião dos Brummer.
De acordo com Lemos (2015, pg. 90),

[...] esses voluntários desmobilizados, em sua gritante maioria, eram moços alemães
ideologicamente frustrados devido ao arrasador fracasso das revoluções de 1848;
politicamente indignados com o esvanecimento do acalentado sonho de uma
unificação alemã, com a retirada prussiana da Dinamarca; espiritualmente desiludidos
de seus líderes e causas europeias, sentindo-se mesmo traídos e abandonados em seus
ideais. Em suma, almas desorientadas em busca de novos valores. Pior de tudo, com
o sustento pessoal comprometido.

Rego Barros encontrou aí os oficiais da tropa legionária que, ao lado de outros soldados
de Schleswig-Holstein, como afirma Claudio Moreira Bento (1981), eram indivíduos bem
situados socialmente, de elevado padrão cultural e moral, e muitos deles eram membros da
nobreza alemã. Esses combatentes eram bem diferentes daquele contingente de mercenários
enviado ao Brasil por Schaeffer. Entretanto, é lúcido apontar que nem todos os recrutados das
fileiras dos Exércitos dos ducados derrotados pela Dinamarca respondem às características
antes apontadas. Como Lemos (2015) explica, formaram uma força de voluntários da mais
variada configuração73. Certamente havia soldados experientes, mas ao mesmo tempo o oposto
também existia.
Quanto ao contrato assinado no momento do recrutamento, era bem explícito em suas
determinações e variou em suas especificidades de acordo com a hierarquia da tropa. Aos
cargos de sargentos, furriéis, cabos, asnpeçadas, soldados, músicos, trombetas, cornetas e
tambores, o contratado comprometia-se a servir ao Exército imperial brasileiro por quatro anos,
podendo o governo imperial dispensá-lo depois de dois anos de serviço, tempo mínimo para

73
Como afirma o legionário Cristóvão Lenz (1997, p. 17), “Os homens da nossa bateria formavam um mapa
demográfico multiétnico, com gente de todos os cantos e recantos de nossa então ainda não unificada pátria. Velhos
e jovens, brutos, grosseiros e mal educados, mas também polidos e com fina educação. A maioria já conhecia a
vida de soldados por experiência própria”. Entre os recrutados que mais chamaram sua atenção, havia um mulato
alemão, natural do eleitorado de Kurhesse, cujo pai africano fora lacaio do eleitor de Hesse e a mãe uma dama da
corte alemã. Naquele período era comum encontrar africanos na corte de Berlim e, como comenta Lenz, havia uma
preferência das damas por pessoas de cor. Os traços fisionômicos, lábios e nariz, eram acentuadamente europeus,
enquanto o cabelo encarapinhado e a cor da pele traziam a herança paterna. Antes de assinar contrato como
mercenário, trabalhara durante muitos anos em Hamburgo como padeiro formado e confeiteiro, além disso havia
servido como substituto da Guarda Nacional e falava o dialeto hamburguês. Comumente os brasileiros falavam
com ele em português, e ao descobrir sua origem germânica ficavam admirados. Quando passaram por Pelotas,
ele desertou. Outra figura interessante aos olhos de Lenz fora um velho servo bávaro, que estivera com o rei Otto
von Griecheland e participara da guerra de Schleswig-Holstein.
69

receber todos os direitos acordados. O tempo de serviço começaria a ser contado na data do
embarque para o Brasil. Ao término do contrato, ou no caso da dispensa após dois anos de
serviço, o contratado poderia optar entre retornar para a Europa com transporte pago e um
prêmio de 15 táleres74 em dinheiro, ou permanecer no Brasil como colono imigrante, recebendo
um lote de terras de 22.500 braças quadradas (cerca de 10,9 hectares) em terras férteis de
qualquer das Províncias do Império, sobretudo nas do Rio Grande do Sul e Santa Catarina. Por
ocasião do embarque para o Brasil, os contratados receberiam 25 táleres em dinheiro como
adiantamento de soldo. Por fim, os soldos e emolumentos devidos seriam iguais aos vencidos
pelo Exército Imperial brasileiro, enquanto o regime jurídico-disciplinar dos contratados seria
o do Exército prussiano (LEMMERS-DANFORTH, 1941).
Os oficiais tiveram condições personalizadas em seus contratos, com vantagens e
prêmios maiores e melhores. Por exemplo, o Barão von der Heyde, Friedrich Heinrich
Siegsmund, assinou contrato de quatro anos, podendo optar, ao fim do mesmo, receber 122.500
braças quadradas de terra, ou passagem para a Europa e gratificação de 560 táleres. Ainda,
recebeu a garantia de direitos vitalícios a metade do soldo simples no caso de ferimento,
passando esse direito a sua família na hipótese de sua morte. Da mesma forma, o Major Fedor
von Lemmers garantiu as condições de Heyde, porém com a possibilidade de receber
gratificação de 272 táleres (LEMMERS-DANFORTH, 1941).
Após a assinatura do contrato, segundo Lemos (2015), tanto para os oficiais como para
as praças, era conferida uma identificação imperial, sempre respeitada pela polícia de
Hamburgo. Quem estava passando dificuldades recebia alimentação e moradia gratuita
enquanto não partisse para o Brasil. Como relata o legionário Adolfo Jaeger, depois de viajar
por todas as regiões da Alemanha, e fazer parte do Exército de Schleswig-Holstein, dissolvido
em 1851, chegou a Hamburgo atrás de emprego.

Estabeleci-me no hotel “Cidade Bremen”. Soube que nesse mesmo hotel funcionava
um escritório de recrutamento com o fim de alistar 2.000 alemães para a guerra que o
Brasil pretendia fazer contra a Argentina. A infantaria já estava lotada e embarcada.
Faltavam ainda artilheiros e tropas de engenharia. O contrato previa o serviço de
quatro anos; depois, todo aquele que o quisesse, receberia 22.500 braças de boa terra,
ou então volta gratuita para a Alemanha e uma gratificação de 88$000. Em Hamburgo
recebeu cada alistado 50 talers. (JAEGER apud FUGER, 1938, p. 18).

Jaeger se alistou no mesmo dia como cabo de artilharia e foi incorporado a sua unidade
em um quartel provisório, onde recebeu alimentação. Os contratos, afirma Siber (1915), foram

74
Um táler prussiano equivalia a 1$170 réis brasileiros.
70

respeitados pelo governo imperial, e houve até mesmo alguns adiantamentos de soldos75. Na
situação em que muitos se encontravam, impedidos de retornar a suas respectivas cidades por
questões de perseguição política, desempregados, desassistidos, até mesmo estigmatizados, o
contrato brasileiro ofereceu grande oportunidade. Não só receberiam soldos durante o tempo
de serviço, assistência durante a permanência em Hamburgo, passagem paga para o Brasil,
uniformes, armamento e um adiantamento, como havia a promessa, para o fim do serviço
militar, o qual poderia acabar dois anos antes do tempo estipulado no contrato de acordo com a
vontade do governo brasileiro, de terras ou passagens de volta a Europa acompanhadas de
gratificação.
Além da missão de recrutar mercenários, Rego Barros também foi incumbido de
adquirir armamento e uniformes para os legionários. De acordo com o jornal Deutsche
Reichszeitung de 4 de março de 1851, ele estivera em Kiel, onde comprou armas e apetrechos
bélicos para dois batalhões, cada um de 800 homens e mandou adaptar estas peças ao modelo
brasileiro. Já o Neue Preussische Zeitung de 20 de março de 1851, anunciava que o uniforme
escolhido para vestir os soldados recrutados era praticamente idêntico ao do Exército de
Schleswig-Holstein, com a única diferença de serem brancos os botões e as divisas, enquanto
os dos brasileiros eram amarelos (FUGER, 1938). A questão do material de equipagem,
considera Lemmers (1941), foi descuidada. As encomendas de diferentes artigos foram
realizadas com pressa e por preços elevados. Não houve o cuidado de exigir exemplares de
amostra ou modelo para artigos existentes. Os contratos mencionavam apenas os nomes e a
descrição sumária do produto a fornecer, portanto se depreende que, em detrimento da
qualidade e feitura do equipamento da legião, houve grande margem de manobra para os
comerciantes tirarem vantagens.76
Após seis meses de trabalho, Rego Barros e seus auxiliares terminaram a contratação
dos mercenários para a formação da Legião Alemã (Deutsche Legion). Chegou o momento de
embarcá-los para o Brasil. Seguindo ordens do governo brasileiro, como explica Moreira Bento
(1981), foram organizados um batalhão de infantaria77, composto por seis Companhias, um

75
Ocorreram atrasos em alguns pagamentos, revela Lemmers (1941), mas isso é comum durante a guerra. Todas
as dívidas foram pagas, e além disso o governo forneceu mais do que previsto no contrato, até pagou indenizações
a oficiais e soldados que por transgressões e crimes comprovados haviam perdido qualquer direito. Lemmers
comenta que muitos legionários, de volta a Europa, passaram a espalhar suspeitas contra o governo que tão bem
os tratou.
76
Lemmers (1941, p. 36), reclama que “Se o Sr. Rego Barros tivesse sido bem informado, teria sabido de antemão
que em Hamburgo não se sabe fabricar artigos militares, a não ser a firma Lavenstein, a qual forneceu ao Exército
dos ducados excelentes viaturas, armões e reparos de artilharia”.
77
De acordo com o Dicionário Michaelis, é uma das armas militares (Exército ou marinha) constituída por
unidades treinadas para o combate a pé.
71

batalhão de artilharia78, composto de quatro Companhias, e um batalhão de sapadores, ou


pontoneiros79, com duas Companhias, na respectiva proporção de 50%, 30% e 20% do efetivo
total. Segundo Lenz (apud FLORES, 1997), O transporte foi feito em grandes e cômodos
veleiros, que transportavam em média 200 homens, em viagens que duravam de 8 a 10 semanas.
A ordem de envio, diz Schmid (1951), correspondeu à ordem de recrutamento: nos três
primeiros veleiros foram transportadas as seis Companhias de infantaria; os quatro seguintes
levaram as quatro baterias de artilharia; e os três últimos as duas Companhias de sapadores.
De acordo com Moreira Bento (1981), a infantaria foi encaminhada nos veleiros
Hanburg, Danzig e Godeffroy, a artilharia nos veleiros Kolonist, Maria, Elbe, Henrich, e
Mercurius, e a tropa de Sapadores foi embarcada nos navios Freihandel, Flying Dutchman e
Mathilde.

Quadro 1 – Estrutura da Infantaria Brummer

Titulação Número de componentes


Oficiais do Grande e Pequeno Estado Maior 9
Oficiais das Companhias 24
Praças do Estado-maior 25
Praças das 6 Companhias 942
Efetivo Total 1000
Fonte: BENTO, Claudio Moreira. Os Brummer: A Legião Alemã a Serviço do Brasil na Guerra 1851-1852. São
Leopoldo: Oferta ao Museu Visconde de São Leopoldo, 1981. p. 36.

78
De acordo com o Dicionário Michaelis, são os soldados encarregados do manuseio de peças, canhões e mais
bocas-de-fogo para atirar projéteis a grande distância. No caso dos Brummer, não chegaram a formar de fato uma
artilharia, pois não tinham cavalos nem canhões. Caxias tinha planos de misturar esse batalhão com os brasileiros,
ao que o capitão Jahn fez oposição.
79
De acordo com o Dicionário Michaelis, são os soldados encarregados da abertura de fossos, trincheiras e galerias
subterrâneas, de minar o ambiente para derrotar um inimigo. Moreira Bento (1981) explica que foram os últimos
recrutados na Europa, mas os primeiros Brummer a chegar a Montevidéu, ainda cercada pelas forças de Oribe.
Encontraram lá duas equipagens completas de pontes flutuantes, de tipo Birago, compostas de 30 carretas
austríacas de 4 rodas. Deveriam adquirir in loco os animais de tração para puxar essas carretas. Este material
destinava-se a transportar os pontões das pontes. Não existiam cavalos para transportá-los e nem oficiais
especialistas no trato do equipamento e no de cavalos de tração. Apenas alguns soldados conheciam o material
Birago. Caxias ordenou que os sapadores fossem para Colônia de Sacramento levando todo o equipamento. O
comandante dos sapadores, Riesenfels, diz Lenz (1997), recusou a ordem argumentando incapacidade técnica para
fazê-lo, pois recebera tropas cavalares e muares xucras que deveriam ser amansadas, também reinava uma
ignorância quase total dos homens contratados para o exercício da missão de Pontoneiros, além disso, Riesenfels
tinha dúvidas se as carretas austríacas de 4 rodas poderiam se deslocar pela campanha, através do campo, com as
duas equipagens de pontes. Caxias determinou que os equipamentos ficassem em Montevidéu e que os Pontoneiros
seguissem por água até Colônia de Sacramento. Assim que chegaram, Riesenfels foi preso por suspeita de agir
para Rosas, e remetido ao Rio de Janeiro, enquanto o batalhão de Pontoneiros foi extinto e seus membros
espalhados pela infantaria brasileira. Mais tarde, em 1853, os Pontoneiros alemães reapareceram, como um bando
confuso de cerca de 140 homens sob o comando do alemão Wildt, da Guarda Nacional.
72

Quadro 2 – Estrutura da Artilharia Brummer

Número de
Distribuição Titulação
componentes
Oficiais 7
Comando
Praças 5
Oficiais 12
Baterias (3)
Praças 459
Oficiais 4
Bateria de Obuses
Praças 191
Efetivo Total 678
Fonte: BENTO, Claudio Moreira. Os Brummer: A Legião Alemã a Serviço do Brasil na Guerra 1851-1852. São
Leopoldo: Oferta ao Museu Visconde de São Leopoldo, 1981. p. 36.

Quadro 3 – Estrutura dos Sapadores Brummer

Número de
Organização Titulação
componentes
Oficiais 3
Pontoneiros
Praças 141
Oficiais 2
Trem
Praças 121
Efetivo Total 267

Fonte: BENTO, Claudio Moreira. Os Brummer: A Legião Alemã a Serviço do Brasil na Guerra 1851-1852. São
Leopoldo: Oferta ao Museu Visconde de São Leopoldo, 1981. p. 36.

O jornal Hamburger Nachrichter de 7 de janeiro de 1852 traz a relação dos veleiros que
transportaram os Brummer:

Quadro 4 – Veleiros que transportaram os Brummer

Data Veleiro Capitão Soldados


07/04/1851 Hamburg Hinrichsen 270
14/04/1851 Danzig Pust 246
04/05/1851 Caesar Godeffroy Behn 340
11/05/1851 Kolonist Bade 158
03/06/1851 Maria Bohn 139
05/06/1851 Elbe Mühlenroth 189
22/06/1851 Heinrich Boyen 156
04/07/1851 Freihandel Steffen 61
18/07/1851 Flying Duchmann Cooper 147
26/07/1851 Mathilde Von Buttel 64
Total da Tropa 1.770

Fonte: LENZ, Cristóvão; SCHÄFER, Henrique; SCHNACK, Jorge Julio. Memórias de Brummer. Trad. Hilda
Agnes Hübner Flores. Porto Alegre:Est, 1997. p. 16.
73

Segundo Lemos (2015), esses números não refletem a totalidade dos Brummer, pois a
relação apresentada pelo jornal Hamburger Nachrichter estaria incompleta, além de existir o
descompasso entre as datas de partida por ele apresentadas e aquelas informadas em
depoimentos de legionários80. Assim, teriam vindo mais soldados do que os 1770, uma vez que
a relação desconsidera o registro de dois navios oficialmente relacionados pelo Ministério da
Guerra imperial como tendo aportado no Rio de Janeiro, na época, com material bélico
comprada na Alemanha. Lemos (2015) considera impossível que não tivessem vindo
legionários com essa carga, ao menos como escolta. O navio Ottelo, com registro de chegada a
4 de julho de 1851, trouxe armamento leve; o navio Mercúrios transportou legionários e
material de Artilharia; e ainda houve a vinda do brigue Prosper, e dos cargueiros alemães D.
Quixote, Elisabeth, Sophie, Nautilus, Bertha e Diadem.
As viagens, de modo geral, segundo os relatos dos legionários Lenz, Scchäffer, Schnack
(1997), Siber (1915) e Lemmers (1941), foram tranquilas, em condições salubres com boa
oferta de alimentação e livre de maiores percalços climáticos. Sobre a partida em Hamburgo,
Jorge Schnack (1997, pg. 83) conta,

Fomos uniformizados na hora do embarque, mas não conservamos o uniforme


conosco. Foi ele marcado com o número do respetivo soldado, guardado em baús e
colocado a bordo. Para a viagem marítima recebemos camisas e calças de linho cinza
e sentíamos prazer de passear em Hamburgo com essa indumentária. Os moradores
muitas vezes comentavam: Vejam como já estão com indumentária de escravo, pois
escravos serão lá do outro lado!

A vida no mar decorreu monótona, apenas no veleiro “Henrich” houve um tumulto81.


Como instrução disciplinar, eram lidos de vez em quando os artigos de guerra prussianos com
suas penas disciplinares. Lenz (1997), que viera no Henrich conta que durante a viagem, toda

80
O legionário Jaeger relatara ter partido no veleiro “Heinrich” em 13 de junho de 1851, data destoante da relação
do jornal Hamburger Nachrichter, que aponta a partida do veleiro Heinrich em 22 de junho de 1851. A diferença
entre as datas é de poucos dias. Pode-se aferir que um tenha considerado o embarque no veleiro e o outro a partida
propriamente dita.
81
Lenz (1997, p. 17) relata o incidente: “Houve a tentativa de um motim, alegando maus tratos. O cabeça, bêbado,
sonhara alto demais. Realmente, não havia razão para revolta contra o tratamento recebido. A coberta estava
arrumada e alegre, os alojamentos confortáveis, havia suficientes colchões e cobertas de lã. Estávamos há uma
semana no mar e ainda recebíamos bom pão preto. Pela manhã serviam-nos queijo com cachaça; ao meio dia,
geralmente legumes com carne e à noite chá. Todas as 5ªs feiras vinham à mesa ervilha e chucrute com toucinho.
6ªs feiras, arroz com ameixas e batata inglesa com arenques; aos domingos, pudim com carne de porco e ¼ garrafa
de vinho tinto. Água potável recebíamos diariamente uma garrafa, e manteiga e açúcar para uma semana. Cada
homem tinha sua própria louça e talheres. Mais tarde soubemos que o motivo dos descontentes – com os quais o
piloto estava mancomunado – era o assassinato do capitão e oficiais para venderem o navio e os recrutas ao ditador
Rosas da Argentina”. Os amotinados foram presos após saquearem a dispensa e ficarem bêbados com o vinho que
lá encontraram. Acabaram condenados à morte, mas posteriormente tiveram as penas abrandadas.
74

semana havia uma faxina total nos veleiros e cada um tinha de lavar suas roupas. Houve ocasião
na qual oito a dez homens, em zona de calmaria do Equador, aventuraram-se em um banho de
mar.
Henrique Schäffer (1997) destaca os espetáculos oferecidos pela natureza, como o
cardume de peixes que certa vez cercara o veleiro; a comemoração de datas festivas e religiosas,
como o Pentecostes; a música sendo tocada pelos instrumentistas; as encenações teatrais, como
a peça Lumpacius vagabundus e O caminho direto dos melhores; a atividade de pesca, como
quando haviam pescado um filhote de tubarão; e também um episódio triste, quando um
camarada seu veio a falecer, sendo honrado com tiros de canhão e jogado ao mar. O legionário
Jorge Schnack (1997) recorda a ocasião na qual cruzaram a linha do Equador, quando seguiram
a tradição imposta a todo aquele que pela primeira vez passava naquele marco: ensaboar o rosto,
fazer a barba com grande navalha de madeira e ser submergido em enorme tonel de água.
Os soldados, quando já no Brasil, enviaram cartas aos familiares descrevendo sua nova
realidade. Algumas delas foram publicadas em jornais, tanto para acalentar os familiares que
não tinham notícias de seus parentes, como para calar parte da opinião pública que difamava e
não poupava agouros aos legionários. As primeiras impressões foram as melhores. Viveram
dias felizes no Rio de Janeiro, e externaram isso em suas cartas. De modo geral, as recordações
dos legionários concordam com o fato de terem sido bem acolhidos no Rio de Janeiro e
passarem ali dias tranquilos, com bom alojamento e comida. Era um começo promissor, mas o
futuro de privações ainda os aguardava.
Em carta escrita em 7 de junho de 1851 por um oficial da legião não identificado e
publicada no jornal “Hamburger Nachrichten” em 16 de julho, há interessantes apontamentos.
Após viagem de 52 dias, chegaram a um cenário memorável, “Esse porto é tão lindo, como no
mundo provavelmente não existirá outro. A entrada é protegida por dois fortes, colocados um
em frente ao outro, sendo que o da direita, Santa Cruz, é sobremodo eriçado de canhões” (apud
FUGER, 1938, p. 20). Foram acomodados no Forte da Praia Vermelha, “É assaz fortificado
pela natureza do sítio cercado dos dois lados por altos rochedos: Urca, Babilônia e Pão
d’Assucar – mas apesar destas fortificações seria fácil o assalto por parte de soldados europeus”
[sic] (apud FUGER, 1938, p. 20).
Os alojamentos excederam as expectativas do oficial, não muito altas, afinal para cada
dois oficiais havia um quarto, ornamentado com plantas nativas, e as praças haviam sido
instaladas em uma sala ampla, limpa, e bem arejada, com camas e bons colchões. A alimentação
era satisfatória, “[...] diariamente se fornece carne fresca, pão branco, manteiga, arros, feijão,
laranjas, bananas, etc., e, a pedido nosso, acrescentar-se-á sem dúvida uma outra variação” [sic]
75

(apud FUGER, 1938, p. 20). Quanto aos soldados brasileiros, o oficial os considerou na maioria
mestiços, e sem instrução militar. Os oficiais, por outro lado, se mostraram homens cultos,
afáveis e muito camaradas, além disso, grande parte deles falava francês. Por fim, cita um
passeio que realizou a uma venda chamada “Botafogo”, de nome idêntico ao da praia onde se
localizava. Lá encontrou cerveja muito boa por 24 schilings a garrafa em moeda do país.
Outra carta publicada a 26 de agosto de 1851 no Hamburguer Nachrichten, também de
um oficial não identificado, traz o relato da chegada e estadia no Rio de Janeiro82. A natureza
chamou a atenção do oficial, “O panorama é delicioso e não podemos fartar a vista na
contemplação dos belos rochedos, dos muitos fortes e das casas de campo, que se avistam em
derredor” (apud FUGER, 1938, pg. 21).83 Foram instalados na Praia Vermelha, como havia
ocorrido com quem chegara anteriormente. Dois dias após sua chegada, o Imperador D. Pedro
II foi pessoalmente inspecionar os legionários. Na ocasião, o oficial achou curioso o costume
do beija-mão, ao qual os legionários não aderiram. A impressão que teve foi a de que o poder
político do Imperador era quase nulo, devido à Constituição, mas ele e a família imperial eram
muito estimados e venerados. Apenas elogios foram pronunciados à recepção dada pelos
colegas brasileiros. Por fim, traz uma consideração muito relevante, que vem reforçar a
perspectiva de muitos dos legionários de valerem-se do recrutamento como estratégia para
migrar para a América, acreditando que não seriam realmente requisitados para os campos de
batalha. O oficial explica, “De resto, ninguém no Brasil acredita na guerra contra Rosas, não
obstante tantas tropas mandadas ao Rio Grande do Sul; todos são de opinião, que nos destinam
a fins de colonização” (apud FUGER, 1938, p. 24).84

82
Segundo Schmid (1951), causou espanto entre a população carioca o tipo de capacete usado pelos legionários,
que possuía uma brilhante ponta metálica em forma de ponta de lança, o qual predominou no Exército alemão até
a Primeira Guerra Mundial. Tratava-se do extravagante capacete prussiano (Pickelhaube). Usavam farda azul com
gola, reforços de tecidos sobrepostos nas extremidades inferiores das mangas da farda (canhões) e, às vezes,
usavam um gorro de borla, para o serviço interno.
83
Ao desembarcarem, foram recebidos por um Tenente que havia chegado em um dos barcos anteriores, o qual
pediu para o acompanharem em um animado “Hurrah!”, a fim de comemorarem o cumprimento aquém do
esperado das promessas feitas pelos agentes brasileiros em Hamburgo. Cada soldado recebeu imediatamente 16 a
20 mil réis, e os oficiais 100 mil réis para mais.
84
O jornal Boersenhalle publicou uma carta datada do Rio de Janeiro de 9 de julho de 1851 com avaliações do
Subsecretário de Estado do Brasil, Sr. Libânio. O primeiro apontamento elogia o estado sanitário dos três primeiros
veleiros que haviam chegado trazendo legionários. As tropas, alojadas no Forte da Praia Vermelha, receberam por
ordem do Governo Imperial para cuidar de todas as coisas atinentes à acomodação e rancho das tropas, o Major
Figerstein, alemão nato, mas sem serviço no Exército imperial brasileiro, trazido do Rio Grande do Sul. Já haviam
sido enviados em vapores 600 legionários para o Rio Grande do Sul, que se declararam muito contentes com o
soldo recebido, superior ao que estava combinado pelo contrato. Segundo o Sr. Libânio, o comportamento das
tropas foi regular e refutou as profecias malévolas daqueles que esperavam um comportamento desordenado
semelhante ao dos mercenários de 1828, ainda que, como lembra Siber (1915), houve entre eles alguns borrachos
incorrigíveis. Segundo Lemos (2015), houve algumas quebras da ordem, como pancadarias com negros, mas nada
alarmante. Mesmo com a bonança no Rio de Janeiro, houve cerca de 18 deserções e o registro de 8 mortes
(contando as ocorridas durante a viagem). Na Praia Vermelha, até então, onde também havia recrutas nacionais
76

O Jornal Grito Nacional, quando da chegada dos primeiros legionários, publicou artigo
em 12 de junho de 1851, atacando de forma irredutível o governo imperial. Depois de lembrar
os acontecimentos de 1828, ou seja, a revolução e os excessos dos legionários alemães e as
consequências para o Imperador D. Pedro I, a reportagem usou da visão do mercenário como
individuo espúrio.

Nos primeiros dias de junho de 1851 foram desembarcados dos navios “Hamburg” e
“Danzig” 532 máquinas mortíferas humanas, contratadas para o serviço do Brasil.
Mercenários não merecem confiança. No ano de 1525 abandonaram mercenários
suíços [...] o Exército francês, e Francisco I foi preso na batalha de Pávia. Foram
mercenários do imperador Honório, que entregaram as bandeiras ao inimigo e junto
com elas os desfiladeiros dos Pirineus. Foram eles que provocara mau saque povos
bárbaros, com os quais estavam de conluio. Além disso fornecer a história antiga
muitos exemplos semelhantes. Sob o governo de Napoleão desertou um regimento de
suíços e fez causa comum com os espanhóis (apud FUGER, 1938, p. 27, grifo nosso).

A reportagem acreditava assim estar fornecendo provas suficientes de que mercenários


estrangeiros eram instrumentos de um governo despótico, e não defensores da pátria, já que se
vendiam a quem lhes pagasse mais. Apesar disso, acusava, o Ministro Secretário de Estado dos
Negócios da Guerra, apoiado pela maioria da Câmara dos Deputados, conseguira enganar o
Imperador e extorquir-lhe a lei que permitiu recrutar mercenários estrangeiros, uma vergonha
e humilhação para a nação. Não fosse suficiente isso, reclamava, agora que os mercenários já
estavam no Brasil recebiam rancho e equipagem melhor do que a dos soldados brasileiros, sem
contar que a eles não se aplicava o chicote para correções disciplinares, pois crimes cometidos
por eles eram julgados pelas leis militares do Reino da Prússia. Pareciam mais um Exército de
conquistadores com todos aqueles privilégios “[...] ainda que não passam de mercenários,
Lazaronis miseráveis, que vendem por pura miséria o seu corpo a preço de sangue” (apud
FUGER, 1938 p. 28).
Desembarcados no Rio de Janeiro, portanto, as Companhias foram alojadas
temporariamente na fortaleza da Praia Vermelha. De modo geral, oficiais e praças foram bem
recebidos, com alojamento e subsistência satisfatórios. O governo cumpriu de forma exemplar
seus encargos contratuais nesse primeiro momento, inclusive o pagamento exato dos

alojados, não houvera briga entre as tropas, apesar das diferenças de origem e cultura. Por fim, aponta o pequeno
número de doentes, entre os quais houvera dois falecimentos de soldados, já gravemente atacados no momento do
desembarque (apud FUGER, 1938).
77

vencimentos85. Com esse dinheiro86, puderam aproveitar os prazeres da cidade e arredores. Os


oficiais da guarnição brasileira foram muito corteses para com os legionários, além disso, os
oficiais legionários foram recebidos pelo Imperador em audiência especial87. Houve até mesmo
canções de louvor ao Brasil. Mas essa situação foi breve. Após algumas poucas semanas, os
grupos eram transportados para o Rio Grande do Sul em navios a vapor, e lá os preparativos
para a guerra trouxeram a dura realidade à tona (BENTO, 1981).
O panorama oferecido pelo recrutamento e chegada dos legionários ao Brasil faz
entender a impossibilidade de entendê-los a partir da visão comum do mercenário profissional,
destinado ao campo de batalha em troca de pagamento e livre de moralidade. Os Brummer
constituíram um grupo com grande especificidade no conjunto da imigração e colonização
alemã no Rio Grande do Sul, uma vez que foram trazidos abertamente como mercenários e não
lhes foi exigido a obrigatoriedade da vida como colonos, ainda que por determinado tempo,
sendo antes apenas uma opção. Além disso, parte dos recrutados já possuía experiência militar,
ainda que não fossem profissionais de carreira nessa área. Outro diferencial residiu na boa
instrução educacional entre alguns deles, assim como a origem em famílias abastadas.
Certamente houve indivíduos com características similares às atribuídas aos Brummer entre os
imigrantes que vieram para o Rio Grande do Sul ao longo do século XIX, porém migraram de

85
O legionário Jorge Schnack (1997) oferece uma visão diferente ao comentar que pouco depois de chegar ao
Brasil, o comandante do seu batalhão deu a notícia desconsoladora de que o soldo deles corresponderia mais ou
menos àquele que muitos recebiam no Exército prussiano. Schmid (1951) aponta que não houve questionamento
ao contrato quando de sua assinatura na Europa acerca do artigo 7º, dispondo da equivalência de soldo dos
legionários àquele do Exército imperial brasileiro, pois caso soubessem do valor pago aos brasileiros talvez não
tivessem alimentado tamanho entusiasmo com a vinda para o Brasil. Schnak (1997, pg. 82) lamenta, “E nós que
aguardávamos por um soldo digno! Esta foi a primeira grande decepção”. O soldo era em média, por mês, de
4$500 réis, ou seja, 150 réis diários. De acordo com Siber (1915), quando houve atrasos no pagamento dos soldos,
de até dois meses em alguns casos, os engajados procuravam vender tudo o que podiam, prática suficiente, afirma,
para arruinar a tropa. No Rio de Janeiro ninguém havia percebido a insuficiência do soldo: “Como alli o governo
satisfizesse todos os compromissos vencidos, desde o embarque em Hamburgo, com maxima generosidade, em
ouro luzente, foram grandes a surpreza e a alegria. Os soldados imaginavam terem finalmente chegado à tão
cobiçada terra do El-Dorado. Infelizmente o jubilo foi curto” [sic] (SIBER, 1915, p. 451). Ele salienta que o
pagamento diário, no Brasil, não dava conta das necessidades dos soldados germânicos ao longo do mês, e comenta
“Só mesmo o ensejo da dissolução, de um exercito, tão consideravel como o de Schleswig-Holstein, pode explicar
que tantos soldados valentes e capazes computassem tão baixo o preço de seus serviços. Mas, como já dissemos,
ao tempo do alistamento ninguem cogitou de fazer a critica do contracto de engajamento; quaes levianos
perdularios todos acceitaram o emprestimo offerecido, sem cuidarem dos juros que de futuro lhes deveria custar o
mesmo” [sic] (SIBER, 1915, p. 452).
86
Segundo Lenz (1997), logo nos primeiros dias receberam o soldo mais etapas, entre 20$000 e 25$000 réis por
homem.
87
Houve também parada da Infantaria para o Imperador. Como relata o legionário Schäffer (1997, p. 86), o
cumprimentarem com um entusiasmado e triplo: Hurra! Hurra! Hurra!, “Em uniforme novo e armas reluzentes,
bem que lhe agradamos. Mas o contrário não aconteceu. Nós esperávamos que ele, um jovem senhor de 26 anos,
viesse a galope à ponta de um piquete de cavalaria. Mas ele veio a pé, uniformizado sim, mas acompanhado apenas
por dois ajudantes e vários padres. Estes últimos seguiam o Imperador de cabeça descoberta, capuz pendente à
nuca. Isto em absoluto não era apresentação militar! Nós não podíamos entender o que faziam religiosos, e no caso
em maioria numérica, em um desfile ‘militar’”.
78

maneira isolada ou em grupos inexpressivos quando considerados os legionários em sua


totalidade. O contingente mais próximo dos Brummer, podemos aferir, foram os mercenários
da década de 1820, mas ainda assim distaram em diversos aspectos. Dessa forma, em relação
ao modo mais comum de imigração e colonização alemã desenvolvido no Rio Grande do Sul,
aquele voltado a pequena propriedade, o grupo dos Brummer representou uma exceção.
Ao mesmo tempo, analisando os legionários dentro das tropas mercenárias, fica clara
sua heterogeneidade. Não podemos reduzi-los no todo aos ex-combatentes de Shleswig-
Holtein, os quais, por sua vez, também não podem ser encarados no todo apenas como soldados
experientes ou voluntários deslocados da realidade dos campos de batalha. Houve
representantes de ambas as condições. Portanto, as características de uma parcela dos
combatentes de Schleswig-Holstein (liberais, estudados, nobres) não deve ser transposta a
totalidade dos Brummer. Reiteramos aqui nossa afirmação anterior de que os Brummer
enquanto grupo foram constituídos aqui no Brasil, mais especificamente a partir do momento
que embarcaram nos veleiros em Hamburgo. Foram as experiências aqui vivenciadas que os
identificam, e mesmo assim não passaram os mesmos percalços, pois os cerca de 1.800
recrutados nunca estiveram reunidos, pois foram divididos em três batalhões, o da infantaria, o
da artilharia e os Pontoneiros.
O posterior destaque de alguns Brummer em diversas atividades da vida social, política
e econômica do Rio Grande do Sul, pensamos, adveio muito mais da condição específica do
processo pelo qual tal grupo passou desde o recrutamento até a dissolução das tropas
mercenárias, do que de uma tipologia geral da tropa, herdeira de valores liberais e composta
por homens letrados. Como salienta Siber (1915), grande parte dos legionários era de artífices,
enquanto a outra parcela advinha da dissolução do Exército de Schleswig-Holstein e, por fim,
havia os sem-ofício. A proposta de receberem colônias não pareceu vantajosa a nenhum desses
grupos, portanto buscaram exercer outras atividades ao permanecerem no Rio Grande do Sul.
Certamente houve quem optasse pela vida de colono, mas parece não ter sido uma tendência
hegemônica. Segundo Lenz (1997), os Brummer, de modo geral, aceitaram empregos
desvinculados do trabalho no campo por não terem tanta proximidade com os mesmos, e
exerceram atividades como a de professor, imbuídos muito mais pela necessidade de exercer
alguma atividade do que por um suposto pioneirismo ou superioridade intelectual. Assim,
utilizaram suas habilidades em atividades que pudessem lhes trazer renda.
A partir dessas considerações, podemos compreender melhor os personagens que
selecionamos para nosso estudo, isto é, Kahlden, Koseritz, Haensel e Brüggen. Muito antes de
79

serem simplesmente homens ilustrados, buscaram exercer atividades nas quais pudessem
exercer suas habilidades e nelas conseguiram destaque.

1.2.2 Os Brummer marcham

A historiografia que trata dos Brummer, representada em grande parte pelas obras de
Claudio Moreira Bento (1981), Albert Schmid (1951) e Juvencio Saldanha Lemos (2015), trata
em minucias o trajeto de ida e volta dos legionários do Rio Grande do Sul a Buenos Aires em
seus aspectos militares. Não nos cabe aqui fazer outra cronologia detalhada dos legionários pelo
espaço fronteiriço, portanto procuramos trazer elementos gerais da participação deles na Guerra
contra Oribe e Rosas (1851-1852), como a questão das deserções, os desentendimentos entre
os oficiais, as vicissitudes das longas e penosas marchas e a dissolução da legião. A participação
dos legionários alemães na campanha contra Rosas foi expressa em uma marcha infindável pelo
espaço platino, tanto por terra como por mar, que representou a experiência deles com o espaço
fronteiriço. Junto do Exército imperial, do qual faziam parte, os Brummer passaram por grandes
percalços ao longo de mais de nove meses, divididos entre Infantaria, Artilharia e Pontoneiros.
Após a estadia no Rio de Janeiro, o Batalhão de Infantaria começou a ser enviado para
o Sul em junho de 1851, com destino a Pelotas, a primeira parada. Lemos (2015) explica que a
infantaria de alemães havia sido incorporada ao Exército imperial brasileiro com a denominação
de 15º Batalhão de Infantaria, sem qualquer complemento ou alusão à nacionalidade de seus
integrantes, e foi comandada pelo tenente-coronel von der Heyde, que protagonizou alguns
conflitos com o major Lemmers-Danforth (SIBER, 1915).
Em agosto, embarcaram para Jaguarão, organizados em pequenos efetivos amontoados
em pequenos vapores, com soldados encimados até mesmo nas proteções das rodas dos barcos.
Em 20 de agosto todo o efetivo estava em Jaguarão, onde ficaram quatro semanas. O descanso
foi pouco. Em 17 de setembro começaram a se mover para o outro lado do Rio Jaguarão, para
encontrar o brigadeiro Fernandes com parte do Exército imperial brasileiro no acampamento
do Arredondo. Mal chegaram, e já partiram, dessa vez acompanhando a 3ª divisão. O destino
era Cerro Largo, no Uruguai (LEMOS, 2015).
80

Figura 4 – Esboço da marcha da Infantaria através do Uruguai

Fonte: LEMOS, Juvêncio Saldanha. Os Mercenários do Imperador: A primeira corrente imigratória alemã no
Brasil (1824-1830). 2. ed. Porto Alegre: Letra&Vida, 2013. p. 196.

Ao chegarem lá, puderam descansar alguns dias. Em princípios de outubro começou a


movimentação para fazer junção com a coluna principal do Exército imperial brasileiro que
saíra de Santana do Livramento, sob comando do Duque de Caxias. Aquela foi uma marcha
penosa. Em 11 de outubro alcançaram o Passo del Rey. A 22 de outubro a vanguarda do
brigadeiro Fernandes chegou ao acampamento da coluna principal, instalado no Passo do
Coelho, sobre o Rio Santa Luzia, distante cerca de 60 km de Montevidéu. Ali estava Caxias.
Foram 62,5 léguas desde Jaguarão, aproximadamente 300 km. Estava, então, reunido o
poderoso Exército imperial. Depois de cerca de 15 dias, começaram a marcha para Colônia de
Sacramento, cerca de 30 léguas de marcha (145 km). Chegaram no dia 20 de novembro
(LEMOS, 2015).
Por sua vez, o batalhão de artilharia começou a ser enviados para o Sul em outubro de
1851. Parte do contingente, a 2ª Bateria, foi enviado para Pelotas, enquanto a 1ª, 3ª e 4ª baterias
foram enviadas para Rio Grande, onde deixaram de ser artilharia em pé, para se tornar artilharia
montada (LEMOS, 2015). Em 2 de novembro de 1851, 150 homens da artilharia em Rio Grande
foram embarcados para Montevidéu. Enfrentaram dois dias de viajem sem comida. Ao
chegarem, foram alojados em um antigo matadouro, onde já estavam alocados o batalhão de
sapadores da legião mercenária. Em dezembro, a 2ª bateria, deixada em Pelotas, foi buscada
81

pelo capitão Mallet e embarcada para Montevidéu para juntar-se aos seus camaradas (BENTO,
1981).
Por fim, os as duas Companhias de pontoneiros foram embarcadas em Hamburgo em
fins de julho de 1851 e enviadas diretamente para Montevidéu, com escalas rápidas no Rio de
Janeiro e Rio Grande para carregar suprimentos. Em fins de setembro desembarcaram em
Montevidéu. Acamparam no Cerrito, junto com os 1º e 2º batalhões da artilharia brasileira. Em
novembro, o tenente Riesenfels recebeu ordens de marchar para Colônia de Sacramento, com
todos equipamentos de pontes. Negou-se a cumprir a ordem. De qualquer forma, na primeira
quinzena de novembro todo o destacamento de Pontoneiros foi embarcado para Colônia de
Sacramento, sem levar, contudo, os equipamentos que eram responsabilidade sua (LEMOS,
2015). Assim que chegaram em Colônia do Sacramento, o tenente Resienfels foi preso e
recolhido a um navio de guerra, e todo o destacamento dos Pontoneiros foi extinto, por ser
considerado inútil e suspeito. Os oficiais foram transferidos para a artilharia e as cerca de 180
praças distribuídas em cinco batalhões de infantaria brasileiros, em grupos de 20 a 30 homens
por batalhão (BENTO, 1981).
Portanto, em novembro de 1851 as tropas de infantaria, artilharia e sapadores dos
Brummer estavam em Colônia de Sacramento, assim como todo o Exército imperial reunido
para auxiliar o general Urquiza no combate a Rosas, ou seja, 16.000 homens. Por motivos
estratégicos, só 4.000 seriam enviados para Buenos Aires. Um destacamento de 80 infantes do
15º Batalhão de Infantaria, armados com fuzis Dreyse88, adquiridos em Hamburgo por Rego
Barros, foram integrados a Divisão do brigadeiro Marques de Souza, e acompanharam a força
brasileira destacada para Buenos Aires com o objetivo de enfrentar as forças de Rosas. Além
deles, também foram os Pontoneiros, dissolvidos entre a infantaria brasileira. Portanto, cerca
de 26089 Brummer seguiram para a guerra, armados com fuzis (os infantes) e mosquetões (os
ex-pontoneiros) (BENTO, 1981).

88
Os fuzis de agulha Dreyse, explica Moreira Bento (1981), foram as primeiras armas de retrocarga usadas pelo
Exército Imperial brasileiro. Eram armamento do Exército prussiano. Foram adquiridos cerca de 500 exemplares,
trazidas no mesmo navio em que veio o comandante von der Heyde. O legionário Schäffer conta que estas armas
ofereciam perigo de vida quando com elas se atirava. Ele próprio não resistiu à curiosidade de dar um disparo.
Acabou sendo jogado para trás com o impacto do tiro, que lhe afeou a audição e a visão.
89
Houve certa polêmica envolvendo a participação do destacamento alemão em Monte Caseros. De acordo com
Siber (1915), enquanto alguns admitiam a importância do destacamento Brummer no avanço sobre os inimigos
graças ao uso dos fuzis Dreyse, outros o negam. Do lado bonaerense, conta Siber (1915, p. 487), “Os Castelhanos,
porém, acreditavam, ou fingiam crêr, que tinham sido milhares de Allemães os que alli reforçaram os diversos
batalhões brasileiros propriamente dictos. A incorporação das duas Companhias de Pontoneiros, com os seus
capacetes e uniformes prussianos, pode talvez ter dado motivo a esta crença indelével, e os comandantes dos
batalhões brasileiros temiam tanto a equivoca interpretação de similhante mixtura de Allemães e de negros, que
fizeram tudo para induzi-los a vestir o fardamento brasileiro, ao menos por ocasião da entrada em Buenos Aires.
82

A primeira vista, pode parecer irrisória a representação dos Brummer junto a força aliada
de 26.000 homens, e mesmo frente aos 4.000 soldados brasileiros. Porém, quando levamos em
consideração os contingentes de nacionais e Brummer que ficaram em Colônia de Sacramento,
percebemos que houve certa equidade de tratamento, afinal 30% das forças brasileiras atuaram
junto aos aliados, ao passo que 22% dos Brummer restantes também o fizeram (BENTO, 1981).
Os demais legionários da Infantaria e Artilharia permaneceram em Colônia de
Sacramento junto aos 11.000 soldados brasileiros que permaneceu como força de reserva em
condições de intervir. O objetivo era ter em território uruguaio, o mais perto possível de Buenos
Aires, esse salvo conduto, razão da concentração de todo o Exército Imperial na Colônia do
Sacramento (BENTO, 1981). A esquadra imperial brasileira transportou suas tropas e as de
Urquiza até Potrero de Perez para seguir rumo a Diamante. A travessia do rio Paraná começou
no dia 23 de dezembro de 1851 e durou até 8 de janeiro de 1852. Nesse interim foi travada e
batalha naval do Tonelero.90
O deslocamento até Buenos Aires começou a 5 de janeiro de 1852. Foi uma marcha
monumental e cansativa. As forças rosistas instalaram-se defensivamente na chamada cañada
de Morón, antigo cemitério.91 Em 27 de Janeiro, Rosas seguiu para o acampamento em Caseros.
A dois de fevereiro o Grande Exército Aliado chegou ao arroio Morón, onde derrotaram Rosas
no dia seguinte. Com o fim do conflito, a divisão do brigadeiro Manuel Marques de Sousa, na
qual estavam incorporados os 80 legionários Brummer, começou a ser embarcada para
Montevidéu em 1º de março de 1852. Chegaram ao Cerrito no dia 3 de março daquele ano
(LEMOS, 2015).
Em 17 de fevereiro de 1852, as forças imperiais, estando aí incluídos os Brummer,
deixaram Colônia de Sacramento e embarcaram para Montevidéu. Instalaram-se no Cerrito. Os
Pontoneiros, então distribuídos no Exército imperial brasileiro, quando retornaram a Cerrito,
foram incorporados ao 15º Batalhão de Infantaria. Por sua vez, o regimento de Artilharia a
cavalo foi embarcado para Rio Grande em 13 de março de 1852. Em 3 de abril veio a ordem
para o 15º Batalhão de Infantaria se preparar para partir. No dia da marcha, enquanto o

Mas, neste particular todos os recursos da eloquência e da força foram impotentes contra a obstinação dos
cabeçudos Allemães” [sic].
90
Segundo Lemos (2015, p. 234) “Algo em torno de 24.000 homens, 50.000 cavalos e milhares de bovinos
cruzaram o rio Paraná com o apoio da esquadra de Grenfell e de mais de centena de barcos, botes, lanchas, canoas,
caíques, pelotas, enfim tudo o que pudesse flutuar. Três balsas-currais com capacidade para 100 cavalos foram
especialmente construídas pelos correntinos e utilizadas naquele incessante vai-e-vem entre as margens e que
durou 16 dias”.
91
Origem do nome dado ao combate ali ocorrido no qual Rosas foi derrotado, a Batalha de Morón, Monte Caseros
ou Santos Lagos (LEMOS, 2015).
83

acampamento era desmontado, cerca de 300 soldados desertaram. Assim, o batalhão começou
a marcha tendo 480 homens (LEMOS, 2015).
O retorno do Exército Imperial para o Brasil começou no outono e invadiu o inverno.
Foi uma marcha pesada, em terreno difícil, enfrentando calor, chuva, travessia de cursos de
água cheios e, por fim, um frio de rachar. Chegaram a Cerro Largo em maio de 1852. O 15º
Batalhão de Infantaria seguiu para Jaguarão junto com metade do Exército imperial, enquanto
a outra seguiu para Bagé. Chegaram a Jaguarão no dia quatro de julho. Adentraram a cidade
em frangalhos, contrastando com a imagem guardada na memória da população local de quando
haviam partido daquele mesmo lugar, no ano anterior. O descanso foi breve. Receberam a
informação de que seguiriam para Pelotas. Partiram no dia sete de junho e enfrentaram um
deslocamento cruel, marcado pelo inverno, a lama da chuva e o vento frio. Chegaram em
Pelotas no dia 20 de junho. Pareciam mais um bando de mendigos do que soldados (BENTO,
1981).
Rio Grande havia se transformado em um repositório de doentes, inválidos, presos e
retardatários das tropas legionárias. Ao longo dos meses, vários soldados haviam sido enviados
para lá, fazendo crescer o efetivo, a ponto de em abril de 1852 somar oito oficiais, um médico
e cerca de 290 praças (SIBER, 1915). Em 15 de março de 1852, o general Fernandes juntou-os
em um único contingente e, sob o comando do capitão Ehrenkreutz, os despachou para Pelotas,
para serem aproveitados no serviço de guarnição daquela cidade. Não deu certo. Em Pelotas,
eles passaram os meses de abril, maio e junho na maior ociosidade. Sabiam que a Legião Alemã
seria dissolvida e adotaram um comportamento preparatório para isso (BENTO, 1981).
Com a chegada do 15º Batalhão de Infantaria em Pelotas, em 20 de junho, o contingente
trazido de Rio Grande lhe foi incorporado, ficando então o batalhão com um efetivo de quase
800 homens. Decidiu-se mandar o 15º Batalhão de Infantaria para Rio Pardo. Embarcaram,
então, para Porto Alegre, caminho obrigatório na viagem a Rio Pardo, e por onde tiveram
passagem rápida. Chegaram cerca de 600 homens a Rio Pardo, em 12 de julho de 1852, sob o
comando do Major Lemmers (LEMOS, 2015). Enquanto isso, os artilheiros prussianos
embarcaram em Montevidéu para Rio Grande a 13 de março de 1852, cerca de 400 praças. Em
Rio Grande, foram incorporados ao contingente da artilharia deixada para trás, cerca de 300,
formando o 2º Regimento de Artilharia a Cavalo, sob o comando do tenente-coronel von Held.
Foram para Rio Pardo, e posteriormente passaram cerca de dois anos em São Gabriel (BENTO,
1981).
Um aspecto presente no longo percurso dos Brummer foi a prática das deserções.
Diversas foram as motivações: tirar proveito de alguns benefícios oferecidos pelo recrutamento,
84

como no caso daqueles que já em Hamburgo abandonaram a legião após receberem a


gratificação de 25 a 50 táleres; o uso da oportunidade de engajamento no Exército imperial
brasileiro para migrar ao Brasil; o apreço pelo local escolhido para desertar; o receio com o
serviço militar; a aversão a marcha; etc.
Lemmers-Danforth (1941) oferece um panorama das deserções, sobretudo na infantaria.
Em Hamburgo foram mais de 300 homens fugindo do contrato firmado, cujas vagas foram
preenchidas por novos engajados. No Rio de Janeiro poucos desertaram, afinal, lá a vida era
boa. O grosso das deserções ocorreu na Banda Oriental, onde as privações e longas marchas
pesaram na decisão dos desertores. Entre novembro e dezembro de 1851 desertaram cerca de
150 homens da infantaria. A maior deserção ocorreu quando se anunciou a saída de Colônia do
Sacramento, com o fim do conflito com Rosas. Contribuiu para isso o receio dos soldados de
voltarem em marcha através dos campos, além disso o momento coincidiu com o recrutamento
realizado por norte-americanos para a fragata “Congresso”, a fim de atrair mão-de-obra para a
extração de guano na Patagônia. Houve cerca de 300 deserções.
Antes disso, Montevidéu já fora atrativo para desertores. Ao chegarem no acampamento
às margens do Santa Luzia, no Uruguai, observa Siber (1915), descobriram que Montevidéu
estava próximo e começaram a fugir para lá. Nas primeiras noites após a chegada,
desapareceram cerca de 80 homens com armas e bagagens. Nem metade alcançou Montevidéu,
os demais, durante algum tempo escondidos entre os habitantes da região, foram sendo
aprisionados. De acordo com Lemmers-Danforth (1941, p. 58),

É notório que parte da oficialidade favorecia tais deserções. Muitos deles, como
também muitos soldados, vieram para cá, levados por artes e lábias dos aliciadores e
pela fantasia pessoal, na pretensão de que formariam uma espécie de guarda da pessoa
do imperador e só teriam que paradear no Rio de Janeiro.

Nessa perspectiva, desiludidos e sem gosto pela guerra, tais oficiais teriam feito de tudo
para prejudicar o batalhão na esperança do mesmo ser dissolvido e receberem os direitos
prometidos pelo contrato ao fim do segundo ano de serviço militar. Outra hipótese para o
favorecimento das deserções, pontua Moreira Bento (1981), residia na prática dos oficiais de
embolsar parte do soldo e outros benefícios destinados aos desertores enquanto ainda não
haviam sido desligados em absoluto da legião.
Por onde passavam as tropas alemãs, legionários ficavam pelo caminho. A maioria deles
deixou o Batalhão de Infantaria, naturalmente porque o mesmo era o maior entre os três
batalhões componentes da legião alemã, e também pelo fato de terem desenvolvido as maiores
e mais pesadas marchas em direção ao palco da guerra, e depois de retorno ao Rio Grande do
85

Sul, enquanto os artilheiros e Pontoneiros foram locomovidos, em grande parte, através de


embarcações, ficando isentos das monumentais caminhadas pelos campos platinos.
Em relação à dissolução das tropas legionárias, com o fim do conflito com Rosas, Lemos
(2015, p. 283), destaque que,

Não foi difícil nem traumática a dissolução dos corpos da Legião Alemã. Havia uma
conjunção de interesses. O governo brasileiro queria se livrar desses mercenários da
forma mais rápida e barata possível, e os alemães não viam a hora de serem liberados
de seus compromissos com o Império e de se adonar novamente de suas vidas.
Contribuíam também para facilitar essa extinção a enorme quantidade de deserções
ocorridas nos trâmites das baixas, bem como a total ausência de vínculos espirituais a
conectar os mercenários alemães com o Exército Imperial, em cujo seio sempre foram
vistos como um corpo estranho.

A dissolução ocorreu aos poucos e através da proposta de os soldados pedirem baixa


abrindo mão de seus direitos. A maioria o fez. Aqueles que persistiram foram transferidos para
corpos brasileiros, pois os batalhões seriam inevitavelmente extintos. Os últimos alemães
contratados em 1851 e ainda em serviço no Exército Imperial brasileiro foram licenciados no
dia 22 de junho de 1855. Algo em torno de 450 homens (LEMOS, 2015). Estima-se entre 1.200
e 1.500 o número de Brummer licenciados que permaneceram no Rio Grande do Sul, incluídos
os desertores. Poucos retornaram à Europa, outros poucos emigraram para Buenos Aires e
Montevidéu, e alguns foram para Santa Catarina, onde fundaram a Colônia Dona Francisca,
atual cidade de Joinville. Um pequeno número de licenciados optou por aceitar os lotes de terra
previstos nos contratos, cerca de cinco a dez hectares. A esmagadora maioria preferiu a
indenização de 80$000. Boa parte estabeleceu-se nas colônias alemãs. Nas cidades encontraram
colocação como artífices, no comércio e na indústria (LEMOS, 2015).

1.2.3 A polêmica oficialidade

A ineficiência das tropas germânicas recrutadas por Rego Barros deveu-se em boa
medida aos seus oficiais, principalmente os do 15º Batalhão de Infantaria. Parte da explicação
reside no processo de recrutamento desses cargos de maior patente. Como afirma Moreira Bento
(1981), houve preocupante falta de seriedade na contratação de Cabos e Sargentos, visto que
tais graduações foram concedidas ao livre critério dos agenciadores. A única exigência para
obter tais postos era a de serem veteranos do extinto Exército de Schleswig-Holstein, contudo
não eram consideradas suas respectivas posições hierárquicas naquele. Dessa forma, soldados
86

foram contratados como sargentos, e mais de 150 sargentos foram alistados como soldados por
falta de vagas na graduação, o que gerou uma massa de descontentes.
O major Fedor von Lemmers-Danforth (1941), um dos oficiais mais polêmicos, defende
que as lamentáveis condições morais da legião dos Brummer, como um todo, podem ser
debitadas da omissão de engajar bons oficiais e aproveitá-los no serviço de recrutamento. O
número de soldados encontrados já passava de 600 e ainda não haviam contratado nenhum
oficial. Para exemplificar o quão mal assistido estava Rego Barros com seus auxiliares,
Lemmers-Danforth (1941) relata o episódio no qual haviam contratado 130 homens incapazes
para o serviço militar por conta de invalidez física. Esse era o reflexo do modelo de pagamento
“por cabeça” aos recrutadores, ou seja, quanto mais pessoas recrutassem, mais ganhariam.
Assim, trabalhavam sem se importar com a condição dos recrutados, fossem preparados ou não
para o serviço militar.
Outra questão apontada por Lemmers-Danforth (1941) diz respeito ao fato de que
muitos oficiais contratados para atuarem no Brasil, haviam sido os primeiros oficiais
dispensados pelo Exército dos ducados, já que ocupavam posições temporárias. A maior parte
desses oficiais havia sido dispensada depois de responderem a um tribunal de honra. No geral,
e Lemmers-Danforth (1941, p. 35-36) é enfático,

[...] a maior parte desses oficiais eram piores do que a soldadesca e que, pela sua
notória incapacidade, bebedice e desonestidade na administração, alheavam de si todo
o prestígio de tal maneira que, fosse a legião constituída de elementos muito melhores,
ainda assim semelhante oficialidade haveria de tê-la arruinado .

As impressões de Lemmers-Danforth quanto aos oficiais, é importante assinalar, podem


conter rancores e injustiças, pois ele esteve envolvido nos principais episódios de confronto
entre os oficiais. Em carta publicada no jornal Neue Preussische Zeitung, publicada em 22 de
fevereiro de 1852, o autor alerta para o fato de ser esperada a dissolução da Legião Alemã,
atribuída a falhas internas da unidade a qual pertencia, possivelmente a infantaria, e ressalta “O
corpo dos oficiais está dividido em partidos, que se perseguem uns aos outros, em vez de manter
atitude firme perante os próprios comandados como perante as autoridades brasileiras”
(FUGER, 1938, p. 34). Também Lenz (1997, p. 27) reforça a má conduta dos oficias, afirmando
que “Nem todos os oficiais foram modelos a seguir. Alguns estavam quase sempre de licença,
perambulando e raras vezes apareciam no acampamento”.
O maior desentendimento registrado entre oficiais foi aquele entre Lemmers-Danforth
e o comandante von der Heyde, ambos oficiais do 15º Batalhão de Infantaria. De acordo com
Siber (1915), quando a infantaria foi levada para Pelotas, o comandante von Heyde ainda não
87

havia chegado ao Brasil, portanto o comando ficou com o Major von Lemmers-Danforth. Os
soldados passaram a viver uma situação oposta àquela encontrada no Rio de Janeiro. A quase
total inatividade em Pelotas, a má alimentação, o péssimo alojamento, o inverno do Rio Grande
do Sul, mas principalmente o mau comando de Lemmers-Danforth, acusado de incompetência
e grosseria, levaram à rápida deterioração da disciplina dos infantes.
Começaram a ocorrer numerosas deserções, atribuídas por Lemmers-Danforth a
heterogeneidade da legião e a ociosidade, convertida em jogatina e bebedeira. Em meio a isso,
houve baderna na vila no dia 15 de julho. Lemmers-Danforth reuniu a tropa e a encheu de
desaforos. Houve indignação e retaliações. Ele teve de se retratar sob ameaça de pancadas.
Apenas os esforços dos demais oficiais conseguiu restabelecer a calma. Ainda assim, os oficiais
da 3ª Companhia, todos os sargentos, cabos e asnpeçadas declararam não querer mais servir às
ordens do major. Essa postura lhes rendeu o envio para Rio Grande como detentos, e gerou
revolta em muitos soldados e oficiais. A casa onde se hospedava Lemmers-Danforth, como
retaliação, foi apedrejada. Houve punição aos revoltados: prisão em Rio Grande (SIBER, 1915).
O comandante von der Heyde chegou a Pelotas apenas em 30 de julho. Como aponta
Moreira Bento (1981), Heyde era inimigo de seu sub-comandante, Lemmers-Danforth, desde a
guerra de Schleswig-Holstein. Antes mesmo de chegar a Pelotas, Heyde ficou sabendo do
motim contra o major Lemmers-Danforth. Assim, ao chegar em Pelotas, manifestou sua
desaprovação pela conduta dele e declarou Estado de Sítio na cidade com base na legislação
prussiana, o qual não durou sequer 24 horas.92 Aproveitando a ocasião das prisões efetuadas
sob ordens de Lemmers, o comandante Heyde substituiu os oficiais afastados de acordo com
suas preferências, rompendo assim a débil relação construída entre oficiais e soldados durante
a longa viagem marítima. Ainda, suspendeu outros oficiais para submeter o seu “passado
europeu” ao inquérito de um “tribunal de honra prussiano”. Ele considerava que os oficiais
levados a julgamento estavam demasiado comprometidos para servir as suas ordens na América
do Sul (SIBER, 1915).
A experiência do tribunal de honra prussiano fracassou, pelo menos para Heyde. Aquela
situação apenas gerou atritos e separou ainda mais a oficialidade. Fora um grave erro de von
der Heyde. Como todos eram provenientes da dissolução do Exército de Schleswig-Holstein,
reviveram suas histórias europeias no solo sul-americano. A consequência residiu em acusações
pessoais, que conduziram a maiores hostilidades e a um estado de completa desmoralização
(SIBER, 1915).

92
Afetados por essa singular providência, os habitantes de Pelotas apelidaram Heyde de Rei da Prússia em Pelotas
(SIBER, 1915).
88

Em sua defesa, Lemmers-Danforth (1941), relata que buscou organizar o serviço em


Pelotas, colocando em prática rigorosa hierarquia, através de trabalho e até exercícios
militares93, o que teria gerado revolta. Ele afirma que em Pelotas a alimentação continuou boa
e todos receberam o pagamento em dia, feito de uma só vez, um erro, pois incentivou os
soldados a gastarem o dinheiro em poucos dias, praticando vários excessos. Por isso, Lemmers
pediu à Caxias que o pagamento dos mercenários fosse quinzenal. Além disso, argumenta, ele
teria atirado em um dos revoltosos do episódio do dia 15 de julho para retomar a ordem, o
abatendo. Assim, diz, colocou a tropa em forma e lhes fez sua profissão de fé. Para Lemmers,
os queixosos eram beberrões e desordeiros, e alguns oficiais mereciam pouca confiança.
Quanto à chegada de Heyde, Lemmers-Danforth (1941) reclama que ao invés de o
apoiar, passou a anular as providências tomadas contra os oficiais envolvidos na revolta, e ao
invés de ir atrás dos oficiais de notória imprestabilidade, instalou o fracassado tribunal de honra.
Eles já não eram amigos em Holstein, e isso serviu para completar o rompimento. Com a
absolvição dos oficiais pelo tribunal, von Der Heyde pediu demissão94, assim como o seu
ajudante, o auditor, o médico-mor, um capitão e um tenente. A incompetência da legião e sua
falta de organização, para Lemmers-Danforth, eram responsabilidade de von Der Heyde.
Recaiam várias suspeitas sobre Lemmers95. Não são poucas. O comandante von der
Heyde ainda voltou ao comando do 15º Batalhão de Infantaria, mas não ficou por muito tempo.
Dessa forma, Lemmers-Danforth assumiu seu comando. Segundo Siber (1915), ele aproveitou
sua colocação prestigiada para enriquecer. Sob o pretexto de que um batalhão prussiano contava
com apenas quatro Companhias, dissolveu a quinta e a sexta Companhias do Batalhão de
Infantaria e incorporou-as as quatro primeiras. Apesar da mudança, segundo Schmid (1951),
ainda assim o governo imperial mandava os vencimentos para 6 Companhias, e Lemmers-
Danforth embolsava a diferença. Outra manobra engendrada pelo major, acusa Siber (1915),
foi a de deixar de pagar aos Pontoneiros incorporados ao 15º Batalhão de Infantaria, após o fim
da guerra, quando estavam em Pelotas, o aumento de soldo que receberam e tomando para si a
diferença. Outra situação tinha relação com o soldo da tropa, administrado por um amigo e
sócio de Lemmers-Danforth, o alferes brasileiro de nome Pinto. Segundo Siber (1915), ele

93
Conforme Jorge Schnack (1997, p. 85) “Os exercícios eram feitos dentro do sistema prussiano. Fomos levados
pela primeira vez ao campo e tivemos de aprender a vencer regatos e arroios e a atravessar banhados. Tais
exercícios, conforme explicação de nossos superiores, eram muito necessários, pois na guerra haveríamos de
encontrar situações semelhantes às de Pelotas”.
94
De acordo com Lemos (2015), havia rumores de que Heyde tinha vergonha de ter se alistado para atuar no Brasil
por conta da condição de mercenário, e temia o que pudessem pensar dele na Prússia, então teria tomado essa
atitude para amenizar sua condição.
95
Em boa medida, muitas das acusações que pesam a ele advém dos escritos de Siber (1915), com quem tivera um
desentendimento já nos momentos finais da tropa mercenária, em 1852.
89

recebia o dinheiro em um padrão monetário e transferia para outro de menor cotação,


embolsando a diferença. Os oficiais da tropa, não podendo impedir tais atitudes, fingiam não
perceber.
No batalhão não se pagavam os artífices, nada se fazia pela conservação e pelo concerto
do fardamento e dos calçados. O legendário Lenz (1997, p. 28) comenta, “[...] não posso deixar
de dizer que o Major Lemmers, do batalhão de Infantaria, não se acanhava de tirar vantagem
no fornecimento de víveres. Estava mal visto pela maioria de seus camaradas” 96. Por sua vez,
Schnack (1997) revela que Lemmers-Danforth tirou proveito do abate de animais para a
alimentação da tropa. Todos os dias eram abatidos 6 animais, mas a quota diária era de 12.
Portanto, o Major vendia os outros 6 ao valor individual de 4 patacões. Os soldados, ao
descobrirem a manobra, passaram a exigir o que chamaram “dinheiro dos bois”, que pensavam
ser deles, gerando rixas e queixas.
Houve outras polêmicas, mas essas já nos são suficientes para demonstrar o desinteresse
dos oficiais em exercer devidamente seus cargos, motivo para a total desmoralização das tropas
alemãs, principalmente a Infantaria, transformada em cenário para as confusões de Lemmers-
Danforth. Essa indiferença e mau-caratismo de alguns oficiais, podem ser indicio de um
comportamento mercenário em seu sentido reduzido, daquele que se importa apenas com o
pagamento. Ao mesmo tempo, a má índole dos oficiais, pode ser interpretada como um
estranhamento com a nova realidade, e mesmo com a forma pouco prestigiosa que alguns
legionários apontam ter Caxias os tratado. Certamente a herança dos desentendimentos trazidos
de Schleswig-Holstein foram decisivos para a falta de coesão dos legionários. O desinteresse
se expressou na corrupção, e na incompetente administração das questões militares atinentes
aos batalhões. Aos oficiais importava mais seus passeios, caçadas e cavalos do que o
treinamento das tropas.

1.2.4 Impressões pelo caminho

O percurso até Colônia de Sacramento, e depois, ao fim do conflito contra Rosas,


quando do retorno ao Rio Grande do Sul, foi tema de memórias de alguns legionários,
principalmente de Siber (1915), que nos oferecem a compreensão dos desafios impostos às

96
Para Siber (1915), ficou muito evidente os roubos praticados por Lemmers-Danforth. Em meio a todos os oficiais
do Exército presentes em Santa Lucia, Caxias declarou a Lemmers-Danforth que o batalhão por ele comandado
era o pior de todos e o de menor confiança. Foi lhe retirado o negócio dos bois. Perdera completamente o respeito
dos soldados. Ele buscou despertar piedade com sua situação lastimosa e fingiu-se doente, e dali em diante
raramente deixava a barraca.
90

tropas alemãs e que lhes renderam sua vexatória participação no Exército imperial. Outro
aspecto interessante é a visão dos legionários sobre os soldados nacionais, em cujas descrições
diziam mais sobre si mesmos do que sobre aqueles de quem falavam.
A infantaria recebeu excelentes muares como animais de carga para a marcha de
Jaguarão ao Uruguai, mas a falta de conhecimento no tratamento destes animais os deixou
muito dispersos, levando ao atraso na marcha do primeiro dia. O agravamento da dispersão ao
longo da noite impossibilitou a marcha no dia seguinte. As tropas dos Brummer, de modo geral,
apresentaram total inexperiência em relação aos muares. A habilidade dos rio-grandenses com
aqueles animais lhes causou admiração (LEMMERS-DANFOTH, 1941).
Algumas diferenças quanto ao modo de proceder da tropa germânica em relação ao
modo dos nacionais e platinos foram destacadas por Lemmers-Danforth (1941). Quando
chegaram em território inimigo, alguns soldados germânicos mataram a bala porcos mansos de
um estancieiro, o que gerou séria admoestação ao comandante, pois não era algo admissível
naquelas bandas. Ao contrário dos cenários germânicos, os pampas eram praticamente
despovoados, portanto eram raros os moradores no meio do caminho os quais explorar. Para
Lemmers-Danforth (1941), a preguiça e ineficiência dos mercenários eram reflexo da boa vida
que uma vez haviam tido nos ducados. Houve situação na qual, ao armarem acampamento, os
legionários foram os últimos, pois ficaram procurando uma área com grama para o fazê-lo, ao
contrário dos demais, indiferentes à situação do terreno. Ainda, reclamavam não haver cama e
mesa nos acampamentos, nos quais eram excluídos de todos os serviços de segurança por não
transmitirem confiança.
Os soldados brasileiros, elogia Lemmers-Danforth (1941), tinham poucas necessidades,
sabiam se proteger muito bem, usar do pouco material que levavam consigo em momentos de
penúria e conseguiam aguentar transpor longas distâncias. Eram pessoas humildes, que seguiam
os regulamentos do Exército imperial brasileiro com grande eficiência, por exemplo, armando
e desarmando as barracas de seus acampamentos todos os dias. Já os alemães, eram muito
acomodados. Vários deles tiveram a baixa atitude de alegar doença para serem transportados
nos carros destinados aos doentes.
Enquanto os soldados brasileiros tinham todas as noites toque de recolher, ao qual
respeitavam, os alemães faziam algazarra madrugada adentro. Eram dois mundos diferentes
(LEMERS-DANFORTH, 1941). Os legionários, por um lado, ainda desconheciam os modos
de vida dos brasileiros, e por outro davam mostras de sua insubordinação e pouco preparo para
condições de guerra como aquelas. Não só em habilidades deixavam a desejar, como também
no comportamento. Os motivos para essa condição, é lícito aferir, residem na pouca experiência
91

daqueles soldados com as especificidades do território platino e de seus conflitos97, além da


pouca disposição dos oficiais em inteirar-se daquela realidade, ou mesmo como forma de
resistência aos ditos oficiais, por suas posições egoístas.
O capitão Siber (1915), da infantaria, deixou grande descrição das andanças pelo Rio
Grande e Uruguai, de aspectos topográficos e hidrográficos a minucias das marchas. Aqui nos
interessa suas impressões sobre os soldados brasileiros e seus camaradas alemães. O primeiro
ponto diz respeito à especificidade que ele dá aos habitantes do Rio Grande do Sul. Além dos
hábitos cavalheirescos, da agilidade como cavaleiro, nadador e caçador, observa, o rio-
grandense mostrava a inconfundível brandura de caráter e a indolência peculiar a toda
população brasileira, além de ter recebido da herança portuguesa a mistura da astucia judaica e
de dubiedade. Portanto, identificava um tipo especifico de individuo, formado pelas
peculiaridades do Sul em sintonia com as peculiaridades que ele atribuía ao brasileiro. Eram
platinos, mas também brasileiros e sulinos, pois os moradores de parte do Uruguai e da
Confederação Argentina, diz Siber (1915), apesar de costumes e índole parecida com os
habitantes do Sul, eram diferentes.
A análise do capitão é dura para com os brasileiros. Os considerou arrogantes, pois
alimentavam grande ignorância por desconhecer tudo o que sucedia fora de seu horizonte
visual. Assim, gabavam-se de maneira exagerada de seus próprios méritos, pois desconheciam
os dos outros. Aspiravam, comenta, ocupar na América Meridional o posto imperialista que os
Estados Unidos ocupava na América Setentrional, por isso o povo e o governo adotavam
violentamente tudo o que de novo surgia no exterior, comportando-se como crianças, pois
deslumbravam-se facilmente. Para Siber (1915), o maior obstáculo ao progresso do Brasil era
a manifesta desmoralização do funcionalismo, uma verdadeira maldição sobre todas as
providencias bem-intencionadas do governo. Em face da burocracia, considera que as
instituições democráticas, e as leis liberais, não passavam de palavras vazias. No Brasil, o
dinheiro era o alvo de todas as ações e de todas as ambições, e a sua obtenção pelos meios mais
ilícitos e criminosos não prejudicavam a consideração pública. Siber (1915) afirma que
qualquer funcionário, superior ou inferior, usava o máximo proveito possível de seu cargo e das
vantagens que o mesmo lhe proporcionava, em busca de enriquecimento. Além disso,
considerava que o Brasil seria o local onde residiria a maior imprudência e fraude com a

97
Lemmers-Danforth (1941) observa a diferença entre as questões geográficas da Europa e dos pampas em relação
à guerra. Os campos não permitem fixar e forçar o adversário ao combate, ao contrário de grande parte das
condições europeias. Usavam, às vezes, da queima de campos, para emboscar de alguma forma o adversário, ou
mesmo atrasá-lo ou afugentá-lo. Aconteceu com os Brummer de estarem próximos ao fogo em uma situação em
que o mesmo foi usado. Marcharam depressa, sem reclamar.
92

propriedade pública. Aliás, mesmo em jogos inocentes a fraude era comum e contraiam-se
dívidas com o propósito de não as pagar. Para Siber (1915), não havia sentido para o vocábulo
“emprestar” no português.
Em relação ao Exército imperial brasileiro, Siber (1915) aponta que era formado em sua
maioria por negros livres, mulatos e índios, alistados ou recrutados. Os fardamentos eram
copiados do Exército inglês, francês ou português, ele não sabia ao certo. Para ele, faltava aos
integrantes do Exército o garbo marcial, a atitude e o porte físico do soldado europeu, entretanto
eram admiráveis em suportar privações, quer em marcha, quer em acampamentos. O capitão
atribui uma passividade exagerada a eles,

Possuem uma rijeza de corpo, uma taciturna e indolente docilidade e uma sobriedade
em comer e em beber, que os habilitam a transpor, como carregadores, as vastas
paragens desertas da América Meridional, sem que jamais lhes ocorra indagar para
onde são conduzidos, ou porque motivo real têm de marchar (SIBER, 1915, p. 404).

Seriam meros seres adestrados ao uso das armas, desprovidos de força moral e
motivados pelo temor aos castigos disciplinares, “É que a disciplina interna do Exército é das
mais severas que existem, e pode tanto mais facilmente ser mantida porquanto, dada a
constituição da tropa, as relações entre oficiais e soldados não são diferentes das entre senhores
e escravos” (SIBER, 1915, p. 405). Por outro lado, eram exemplares quanto à higiene,
superiores a qualquer soldado europeu. A roupa sempre branca, relata Siber (1915), contrastava
com os rostos pretos, brunos e amarelos. As armas e o correame estavam sempre espelhantes,
e o fardamento e as demais peças do vestuário eram mantidos impecáveis.
Oposta ao asseio, era a instrução militar, igualmente lamentável em todas as armas.
Indignou a Siber o fato de que qualquer filho de oficial podia assentar praça no corpo de sua
preferência, como primeiro ou segundo cadete, conforme o posto que seu pai ocupava ou havia
ocupado, sem nenhum exame de sua capacidade ou instrução. Por isso, seu número era
considerável, mas a instrução inexistente. Não bastasse a pouca instrução da maioria dos
oficiais, apresentavam pouca moralidade nos costumes, claro, na visão de Siber, o qual
considerava vergonhoso, por exemplo, o envolvimento com mulheres “coloridas” (amarelas e
pretas). Completa indicando a fanfarrice e a vaidade dos oficiais como responsáveis por
presumirem não ter mais nada a saber.
O rio-grandense, diz Siber (1915), era exímio no trato com animais. O adestramento dos
cavalos não era realizado segundo as regras da equitação europeia, mas de forma selvagem,
usando do laço e estratégias cruéis, mesmo abomináveis. A cavalaria era a arma por excelência
em todas as guerras nos campos do Uruguai, ou nos pampas de Buenos Aires, por isso, três dos
93

quatro regimentos de cavalaria brasileira tinham parada permanente no Rio Grande do Sul98.
Para a marcha das tropas, eram necessárias duas a três montarias por cavaleiro, pois com as
péssimas selas portuguesas, o tratamento insensível e a débil alimentação de grama, muitos
cavalos enfraqueciam rapidamente. Assim, usavam da cavalhada de reserva. De acordo com os
obstáculos encontrados no caminho, simplesmente abandonam os animais. O furto de cavalos,
destaca Siber (1915), era praticamente uma paixão local, tanto de rio-grandenses como de
castelhanos.
O batalhão de infantaria dos Brummer, diz Siber (1915), era frouxo e fraco, incapaz de
realizar grandes marchas. Demoraram a se dar conta de que ali não era a Europa, que os campos
enganavam a vista dos viajantes, e que não havia lenha fácil pelo caminho, material
imprescindível para o preparo da comida. A falta de intimidade com os animais permitiu a fuga
de mulas e cavaladas. Havia questões ignoradas pelos brasileiros, mas consideradas de suma
importância para os alemães: como montar em cavalos brutos, correr com espadas e malotes
em meio as poças d’água dos campos, direcionar as mulas que puxavam carretas, etc. Com
tantas diferenças, os batalhões de alemães e brasileiros, apesar de conviverem bem, não
pareciam nutrir muita simpatia uns pelos outros. Os rezingões preferiram compartilhar da
Companhia de um bando de cães ao longo da marcha de retorno ao Rio Grande do Sul.
A natureza foi o principal percalço aos alemães. Nos momentos finais da longa marcha
da infantaria, quando se dirigia a Pelotas, enfrentaram inverno chuvoso. A distância de 30
léguas foi, para o batalhão alemão, a mais penosa de todas. Os numerosos rios haviam
engrossado com as chuvas e as estradas estavam transformadas em atoleiros. Tiveram de
atravessar vários arroios (SIBER, 1915). O legionário Lenz (1997) relata a ocasião de um
temporal que levou embora o teto da tenda dos oficiais, os expondo a intempérie em seus
pijamas. Quando amanheceu, tudo estava coberto de barro. A pouca madeira existente naquele
cenário descampado ensinou os legionários, observando os nacionais, a usar como combustível
estrume seco de animais, ossos, sobras de carne e plantas espinhosas.
Nos primeiros tempos, um dos maiores desafios para os legionários era a travessia de
banhados. Segundo Jorge Schnack (1997), a infantaria brasileira marchava de pés descalços e
calças arreganhadas até o joelho. Chegando a um arroio, atravessavam sem dificuldade. Os
alemães, porém, marchavam calçados. À aproximação de algum arroio, o que acontecia várias

98
Segundo Siber (1915), por falta de estradas, dos caminhos cruzarem os cursos naturais de rios, os cavalos
estavam restritos ao passo existente nas proximidades de cada acampamento, por isso não eram usados na América
Meridional como animais de tiro, tornando os bois indispensáveis para a tração das peças e do trem. Mulas eran
usadas apenas em marchas curtas, combates rápidos e repentinos.
94

vezes ao dia, um ajudante do Batalhão cavalgava à frente para sondar e retornava para informar
se a água atingiria o joelho ou se era mais profunda. Os legionários tiravam sapatos e botas,
atravessavam, e no lado oposto secavam os pés e vestiam seus calçados, dando enorme dianteira
aos brasileiros. Assim, eram os últimos a chegar ao acampamento.
As provisões, a não ser a carne, relata Schäffer (1997), eram conduzidas por carretas
puxadas a boi. Esses animais não acompanhavam o ritmo da marcha e em dias de chuva sequer
podiam se deslocar, então ficavam para trás, deixando desassistidos os legionários. O gado que
servia de alimento marchava com eles e só era abatido quando da chegada ao acampamento.
Raramente comiam antes do escurecer. Carne sempre havia, mas os demais alimentos faltavam
com frequência. Geralmente recebiam uma porção de sal, mate, farinha de mandioca, por vezes
café, algum açúcar, fumo e um pouco de arroz e bolachas. Era quota para vários dias. Para
Schäffer, assim como para vários legionários, o que mais lhe fazia falta era um bom pedaço de
pão.
Os detalhes da marcha são inúmeros, e não cabe aqui sua enumeração, pois tomariam
páginas e páginas mais. Resta apontar que todos esses percalços ajudaram a constituir a nova
identidade dos Brummer. Como observa Jorge Schnack (apud FLORES, 1997, p. 94).

Valeu-nos o aprendizado durante os dois meses de ociosidade junto ao la Plata, onde


aprendemos a manejar os recursos disponíveis. Acostumamo-nos, por pura falta de
calçados, a andar de pé no chão, o que facilitou a marcha. A travessia de arroios ou
banhados não constituía mais problema. Também aprendemos a preparar o churrasco
e a tomar mate, que eram mais indicados à nossa saúde que a eterna carne cozida com
sopa.

As impressões até aqui descritas, nos levam a um aspecto até agora ignorado pelos
autores que trabalharam com a história dos Brummer, isto é, a relação destes com a Fronteira,
um conceito múltiplo. Aqui não nos convém aprofundar os variados usos do referido conceito,
mas sim apresentar aqueles capazes de auxiliar nesse estudo. De forma geral, podemos
considerar a Fronteira como uma linha separatória99, um delimitador, responsável, em parte,
pela construção identitária dos grupos existentes nos lados dessa suposta linha, oriunda do
contraste. Ao mesmo tempo, a Fronteira é um espaço de encontro100, portanto, ainda que
carregue em si o crivo da separação, acentuado a partir da consolidação dos territórios dos
Estados Nacionais, constitui-se em um espaço de trocas, contatos e constituição de uma

99
TURNER, Frederick Jackson. El significado de la frontera en la historia americana. Secuencia Nº 7,
EneroAbril 1987, p. 187-207. Traducción de Ana Rosa Suárez.
100
LOPES, M. A. S. ; ORTELLI, Sara . Fronteiras americanas: entre interações e conflitos, séculos XVIII-XX. In:
Estudos de História, v. 13, p. 13-29, 2006.
95

identidade própria aos habitantes desse espaço, pois compartilham experiências comuns
proporcionadas justamente pelas especificidades da Fronteira. Dessa forma, esse espaço, ao
mesmo tempo, não é exclusivamente delimitador nem congregador, é os dois. Frente a isso, é
possível compreender com maior lucidez os processos desenvolvidos nestas regiões.
O caso do espaço fronteiriço platino é um exemplo a considerar, afinal, foi ali que a
Guerra Grande tomou forma e onde os Brummer viveram percalços junto com o Exército
imperial. Como explica Maria Medianeira Padoin (2001), o espaço fronteiriço platino se
constituiu através de relações sociais e econômicas, possuindo caráter de região, onde
circularam homens, ideias, culturas e mercadorias. Não estava associado a delimitações físicas
e políticas, pois era um espaço dinâmico e mutável que compreendeu o atual território de
Buenos Aires e Províncias litorâneas da Bacia do Prata, o território atual do Uruguai e a região
da Campanha do Rio Grande do Sul. As relações construídas nesta região permitiram a
circulação e a troca de ideias, como a consciência de autonomia política, de liberdade e de
proteção, elementos fundamentais para a difusão de ideias federalistas durante o conturbado
período de construção dos Estados Nacionais.
Era, pois, um espaço de contato e conflito, cujas delimitações não eram claras, mesmo
inexistiam, em vista da dinamicidade inerente àquela região, perpassada pelas disputas entre
espanhóis e portugueses, e posteriormente herdadas pelos Estados que tomaram forma ali. Os
conflitos, em parte, eram fruto das ideias em circulação neste espaço, e dos acordos entre
lideranças locais firmados e desfeitos em consonância com as movimentações políticas voláteis.
A constante mudança exigia estratégias rápidas e o trânsito entre aliados e inimigos101. Assim,
vê-se, não só a população residente nas áreas de fronteira possui características muito próprias,
como também as relações de poder ali existentes trazem em si peculiaridades relevantes.
Os Brummer circularam nesse espaço, não todos eles102, mas a grande maioria. Foi ali
que tiveram contato com uma cultura e um ambiente diferente daqueles com os quais estavam
acostumados. Certamente houve trocas entre eles e os soldados brasileiros, mas também com
os indivíduos do cenário uruguaio que encontraram pelo caminho, como quando estiveram em
Montevidéu e Colônia de Sacramento. Acentuaram suas diferenças ao conhecer o diferente, ao
conhecer o habitante do espaço fronteiriço platino, descrito por Siber (1915) como hábil

101
ETCHECHURY, Mario. “Una guerra en busca de sus autores. Algunas notas metodológicas sobre la
conflictividad regional en el río de la plata (1835-1845)”. En: Illes Imperis – Nº 15. Barcelona, Universitat
Pompeu Favbra, 2013, pp. 75-100.
102
Karl von Koseritz, por exemplo, permaneceu em Pelotas como legionário da Artilharia até junho de 1852, assim
como número considerável de soldados doentes, presos, inválidos e retardatários que ficaram em Rio Grande, e
também os desertores.
96

cavaleiro. Ao mesmo tempo, perceberam características de uma determinada identidade


brasileira nos soldados do Exército imperial. Esse aspecto, quando considerados os soldados
rio-grandenses, revela a questão da Fronteira, isto é, Siber (1915) destaca características
comuns entre os habitantes do espaço fronteiriço platino, aí incluída parte do Rio Grande do
Sul, mas aponta que os rio-grandenses possuíam as características dos brasileiros. Assim,
personificavam o conflito e o contato, pois por um lado compartilhavam determinados aspectos
de uma identidade fronteiriça, e por outro traziam em si a influência de uma identidade própria
dos brasileiros.
Aos poucos, os Brummer foram construindo sua nova identidade, reflexo da realidade
da imigração, e incorporaram algumas características daqueles personagens fronteiriços. Aliás,
os legionários tiveram uma forte relação com a questão da Fronteira, tanto nos conflitos
consequentes das disputas provenientes da dinamicidade de um território mutável, quanto na
questão da construção de suas identidades, expressa em uma Fronteira entre ser brasileiro ou
ser teuto. Puderam manejar essa identidade de acordo com seus objetivos 103. Quando lutaram
por direitos civis, por exemplo, lhes conveio assumir uma identidade brasileira, geralmente
deixada de lado, ou pouco expressiva frente a manutenção de uma identidade germânica. Assim,
os imigrantes germânicos construíram uma identidade teuto-brasileira, nem totalmente
germânica, nem totalmente brasileira, mas as duas.
Como já afirmamos, parte dos legionários adveio da dissolução do Exército de
Schleswig-Holstein. Aí reside o fato de terem participado de um conflito envolvendo questões
fronteiriças, uma vez que esses ducados representavam o limite entre o espaço germânico e a
jurisdição dinamarquesa. Questões identitárias teriam gerado a reação da população dos
ducados frente a tentativa da Dinamarca de os integrar administrativa e culturalmente. Além
disso, o abandono de Schleswig-Holstein pelas forças prussianas, pressionadas por Inglaterra,
Rússia e Áustria, reuniu um Exército de voluntários de todos os Estados germânicos
interessados tanto na defesa dos ducados, como em fortalecer um movimento de unificação
nacional. Portanto, esses legionários circularam por aquele espaço fronteiriço e tiveram contato
com as ideias ali circulantes, bem como com os diferentes indivíduos e suas culturas reunidos
por uma causa comum. Justamente a dissolução do Exército de voluntários, seguida da falta de
perspectiva e da perseguição política aos engajados, levou muitos deles a adesão ao Exército

103
THOMPSON FLORES, M.F.C. ; FARINATTI, L. A. E. . A fronteira manejada: apontamentos para uma história
social da fronteira meridional do Brasil (século XIX). In: Flávio Madureira Heinz. (Org.). Experiências
Nacionais, temas transversais: subsídios para uma história comparada da América Latina. São Leopoldo: Oikos,
2009, v., p. 145-177.
97

imperial brasileiro através do recrutamento de Rego Barros, vindo a participar de outro conflito
fronteiriço, dessa vez no Prata. Dessa foram, foram duplamente influenciados por experiências
fronteiriças ligadas a conflitos.
As intenções do governo imperial brasileiro ao recrutar os Brummer eram claras:
adquirir uma tropa competente para servir de exemplo aos soldados brasileiros, poupar
desgastes com o recrutamento de nacionais, avessos a essa prática, poupar a vida de brasileiros
que possivelmente teriam de ser levados ao serviço militar, a proteção da fronteira meridional
e tornar esses legionários colonos ao fim de seus contratos. Podemos concluir que praticamente
nenhum desses objetivos foi cumprido com êxito. A competência passou longe dos Brummer,
fossem eles artilheiros, infantes ou Pontoneiros. Aliás, sequer sabiam exercer as tarefas
principais de seus respectivos batalhões, como o caso dos Pontoneiros alheios aos equipamentos
Birago. Talvez, de fato, tenham poupado vidas de brasileiros indo no seu lugar para a guerra,
mas considerando o reduzido contingente brasileiro em ação junto às forças de aliança sob
comando de Urquiza, é plausível entender que a presença dos Brummer não fez diferença nesse
cálculo.
Quanto ao objetivo de ter neles futuros colonos, certamente o governo teve
desapontamentos. A grande maioria dos legionários optou pela gratificação de 80$000 ao fim
do contrato, e não foram poucos os que sequer chegaram a cumprir seu tempo de serviço,
optando pela deserção. Como vimos, grande parte dos recrutados era constituída de artífices e
voluntários do Exército dissolvido de Schleswig-Holstein, o podendo ser ao mesmo tempo, o
que constituiu um corpo de soldados pouco vinculados com o trabalho na terra, por isso mesmo,
quando se estabeleceram no Rio Grande do Sul, procuraram sustento atuando em profissões
diversas daquela do cultivo da terra. Assim, é possível encontrar os Brummer como professores,
advogados, agrimensores, comerciantes, jornalistas, artesãos, industriais, etc. Certamente
houve aqueles que aceitaram receber colônias e tornaram-se agricultores, mas foram em número
pequeno diante das opções escolhidas pelos demais.
Anteriormente apontamos características gerais que compõe os Brummer, o que os
diferenciou enquanto grupo e tornou possível os perceber de maneira singular dentro do
conjunto de imigrantes germânicos estabelecidos no Rio Grande do Sul. Por sua vez, Koseritz,
Kahlden, Haensel e Brüggen estão, de alguma forma, inseridos nesse grupo e compartilharam
algumas de suas especificidades. Sobretudo, podemos destacar o fato de terem abraçado
funções diversas da lide colonial, o que os encaminhou para carreiras profissionais passíveis de
atuação política. Pelo menos dois deles, aferimos, Kahlden e Koseritz, contavam com boa
instrução. O segundo, como aponta Imgart Grützmann (2007), fez parte da geração de
98

intelectuais liberais que saiu da Europa em função da conjuntura a eles desfavorável, após as
fracassadas revoluções liberais de 1848. Quanto ao segundo, afirma Werlang (2009), advinha
de família que gravitava em torno da aristocracia de Mecklenburg-Schwerin, origem de seu
status de nobreza, além disso, Kahlden veio junto aos Brummer como oficial, portanto, atuou
no conflito de Schleswig-Holstein contra a Dinamarca. Ambos ficaram no Rio Grande do Sul
enquanto o restante dos Brummer marchou pelo Uruguai rumo a Colônia de Sacramento. Por
sua vez, ter Brüggen e Frederico Haensel participaram da referida marcha, portanto, a eles se
aplica todos os apontamentos quanto a questão das experiências no espaço fronteiriço platino.
Considerando o fato de terem chegado ao cargo de Deputados Provinciais na década de
1880, é lícito aferir que as especificidades da trajetória dos legionários teve grande peso em
suas carreiras bem-sucedidas. Não devemos deixar de lado o peso dos meandros pessoais de
cada um deles, entretanto não há como desprezar a importância da participação enquanto
Brummer e do contato com os demais Brummer para sua formação pessoal.
99

2 O CÔNSUL, O COMERCIANTE O DIRETOR E O JORNALISTA: A


PARTICIPAÇÃO POLÍTICA DE ELEMENTOS GERMÂNICOS
ANTERIOR À LEI SARAIVA, 1851-1881

A definição mais recorrente sobre o que é o político, afirma René Rémond (2003), é pela
referência ao poder, assim, a política pode ser entendida como uma atividade que se relaciona
com a conquista, o exercício e a prática do poder, desde que este esteja relacionado a uma
totalidade de indivíduos que habitam certo espaço.
Por sua vez, o poder em seu sentido mais geral, segundo Thompson (2002, p. 21),

[...] é a capacidade de agir para alcançar os próprios objetivos ou interesses, a


capacidade de intervir no curso dos acontecimentos e em suas consequências. No
exercício do poder, os indivíduos empregam os recursos que lhes são disponíveis;
recursos são os meios que lhes possibilitam alcançar efetivamente seus objetivos e
interesses. Ao acumular recursos dos mais diversos tipos, os indivíduos podem
aumentar seu poder [...] indivíduos que ocupam posições dominantes dentro de
grandes instituições podem dispor de vastos recursos que os tornam capazes de tomar
decisões e perseguir objetivos que têm consequências de longo alcance.

O sentido empregado para os termos ditos, ainda que limitado, permite perceber que a
atuação política diz respeito à busca e ao exercício do poder, isto é, envolve os meandros das
relações entre os indivíduos a fim de garantir êxito em seus objetivos pessoais ou de um grupo,
e/ou garantir determinados interesses. Nessa trajetória, acumulam-se ou se perdem recursos
necessários a garantia daquilo que se almeja, logo, quanto maior a soma de recursos, aqui
entendidos em suas mais variadas formas, sejam elas materiais ou sociais, maiores as condições
de manutenção do poder e possibilidades para auxiliar outros indivíduos a chegarem ao poder.
A partir desse entendimento, é possível pensar a participação política tanto em instituições
oficiais ligadas diretamente à disputa político-partidária, como nos diferentes espaços sociais
desvinculados dessa lógica. O exercício político, portanto, existe em qualquer lugar, desde que
interesses estejam em jogo.
A investigação que conduzimos procurou identificar a atuação política de quatro
indivíduos de origem germânica antes da promulgação da Lei Saraiva no Brasil, em 1881,
justamente na perspectiva do político como acima tratamos. Vamos apresentar algumas das
formas como Karl von Kahlden, Frederico Haensel, Wilhelm ter Brüggen e Karl von Koseritz
exerceram o poder antes de chegarem ao cenário político-partidário da década de 1880, quando
foram eleitos para a Assembleia Provincial do Rio Grande do Sul. O maior destaque,
advertimos, será dado a atuação deles em cargos públicos não eletivos, visto que foram espaços
que ofereceram maiores possibilidades para a nossa pesquisa e maior número de fontes
100

documentais. Cabe ressaltar que não foi possível, o que não era nossa pretensão, dar conta da
ampla e diversa atuação política de Karl von Koseritz, portanto, quando tratarmos dele o
faremos de acordo com as semelhanças encontradas nas trajetórias dos demais personagens
investigados.
Este capítulo tratará do cerne desta Dissertação, que seja a atuação política de Kahlden,
Haensel, ter Brüggen e Kosertiz. Vamos abordar o espaço reservado aos estrangeiros nas
diferentes mudanças da legislação quanto às eleições no Império. Em seguida, nos deteremos
com maior atenção nas trajetórias dos personagens aqui pesquisados enquanto empregados
públicos, portanto, ter Brüggen como Cônsul da Prússia em Porto Alegre, Haensel como Vice-
Cônsul da Prússia em Santa Cruz, Kahlden como Diretor da Colônia Santo Ângelo, e Koseritz
como Agente Intérprete da Colonização. Ainda, vamos apresentar aspectos do envolvimento de
alguns deles na maçonaria rio-grandense, em associações desportivas e no comércio. Por fim,
vamos tratar da presença deles na Assembleia Legislativa Provincial, trazendo aspectos gerais
da atuação de cada um. Feitas as considerações iniciais, resta desenvolver nosso estudo.

2.1 A LEI SARAIVA DE 1881

O citado grupo de imigrantes aqui estudado apenas alcançou o cargo de Deputado


Provincial após a promulgação da Lei Saraiva, em janeiro de 1881. Até então, a legislação
eleitoral limitava o acesso de estrangeiros, mesmo os naturalizados, aos cargos públicos eletivos
de maior monta, isto é, de Deputados Provinciais, Gerais e Senadores do Império. Essa restrição
foi instituída na Constituição de 1824 e assim permaneceu ao longo de mais de cinquenta anos.
Em seu capítulo VI, a dita Carta Magna versava sobre as eleições para Deputados,
Senadores, e Membros dos Conselhos Gerais das Províncias. Eram caracterizadas como
indiretas, em que os cidadãos ativos, autorizados a votar, escolheriam em um primeiro
momento, nas Assembleias Paroquiais, os Eleitores de Província, que por sua vez, iriam
escolher os representantes provinciais e gerais. Ficava estabelecido no Art. 91 que poderiam
votar nas eleições primárias “Os Cidadãos Brasileiros, que estão no gozo de seus direitos
políticos” e “Os Estrangeiros naturalizados”, portanto, havia a possibilidade de certa
participação política aos imigrantes já nos princípios do período imperial e do processo de
colonização europeia no Rio Grande do Sul. Além disso, o Art. 94, ao estabelecer quem
poderiam ser os Eleitores que escolheriam os Deputados, Senadores, e Membros dos Conselhos
de Província, excluía apenas os que não tivessem renda liquida anual de duzentos mil réis em
bens de raiz, indústria, comércio ou emprego, os Libertos e os criminosos pronunciados em
101

querela, ou devassa, permitindo, assim, aos estrangeiros naturalizados a possibilidade de serem


Eleitores. Porém, o Art. 95 definia aqueles que, apesar de poderem ser Eleitores, não eram aptos
a serem nomeados Deputados: “I. Os que não tiverem quatrocentos mil réis de renda liquida,
na forma dos Arts. 92 e 94; II. Os Estrangeiros naturalizados; III. Os que não professarem a
Religião do Estado”. Ficavam excluídos, dessa forma, os imigrantes germânicos, mesmo os
naturalizados.104
Pouco mudou com a Lei nº 387, de 19 de agosto 1846, que regulamentou como deveriam
proceder as Eleições de Senadores, Deputados, Membros das Assembleias Provinciais, Juízes
de Paz, e das Câmaras Municipais do Império do Brasil. Em seu Art. 17, mantinha entre os
votantes os estrangeiros naturalizados, contanto que tivessem pelo menos um mês de residência
em sua Paróquia antes da formação da Junta Eleitoral. O Art. 53 mantinha os estrangeiros
naturalizados aptos a serem escolhidos Eleitores. Entretanto, novamente ficava determinado
que estes não poderiam ser Deputados, bem como todos cuja renda liquida anual, avaliada em
prata, fosse inferior a quatrocentos mil réis, e os que não professassem a Religião do Estado. O
Art. 75 era bem específico quanto a isso, excluindo os estrangeiros “ainda que naturalizados
sejam”.105 Estes, pelo menos, poderiam ser votados para Juiz de Paz e tentar uma cadeira nas
Câmaras Municipais,

Art. 97. Podem votar para Juízes de Paz, e Vereadores, todos os cidadãos
compreendidos na qualificação geral da Paroquia.
Art. 98. Podem ser Vereadores todos os que podem votar nas Assembleias Paroquiais,
tendo dois anos de domicilio dentro do Termo.
Art. 99. Podem ser Juízes de Paz todos os que podem ser Eleitores, com tanto que
morem no distrito, a que pertencer a eleição.106

Portanto, apesar das restrições de renda e da obrigatoriedade da naturalização, os


estrangeiros poderiam tentar cargos eletivos em seus municípios, atuando na política
institucional local. Essa característica se manteve até 1881, mesmo após várias modificações
da legislação eleitoral realizadas através de uma série de decretos. 107 Exemplo disso temos na

104
BRASIL. Constituição Política do Império do Brazil, Carta de Lei (de 25 de março de 1824). Presidência da
República. Rio de Janeiro, RJ, 25 mar. 1824. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituicao24.htm>. Acesso em: 27 set. 2016.
105
BRASIL. Lei nº 387 de 19 de agosto de 1846. Senado Federal. Rio de Janeiro, RJ, 19 ago. 1846. Disponível
em: <http://legis.senado.gov.br/legislacao/ListaPublicacoes.action?id=81146&tipoDocumento=>. Acesso em: 27
set. 2016.
106
Ibidem.
107
Vários foram os decretos relacionados com a questão eleitoral estabelecidos durante o Período Imperial (1822-
1889): Decreto nº 565 de 10 de julho de 1850; Decreto nº 842 de 19 de setembro de 1855; Decreto nº 1.812 de 23
de agosto de 1856; Decreto nº 1.082 de 18 de agosto de 1860; Decreto nº 2.675 de 20 de outubro de 1875; Decreto
nº 6.097 de 12 de janeiro de 1876. Para maiores informações, ver: SOUZA, Francisco Belisário Soares de. O
Sistema Eleitoral no Império. Brasília: Senado Federal, 1979.
102

Colônia Santo Ângelo, estabelecida às margens do Rio Jacuí em 1857, onde Pedro Müller
Júnior foi eleito Vereador para a Câmara Municipal de Cachoeira do Sul em 1872, para o
período de 1873 a 1875, e chegou a exercer o cargo de Presidente da Câmara.108 Por sua vez, o
Barão von Kahlden já havia sido eleito como Vereador Suplente de Cachoeira do Sul em
1865.109
Como salienta Adonis Valdir Fauth110 (2005), autor de diversos livros sobre a presença
suíça no Rio Grande do Sul, o processo de naturalização dos imigrantes germânicos foi lento e
tortuoso até o final do século XIX. A cidadania plena, em parte considerável dos casos, foi
obtida somente na República, quando ficou reconhecido, através do Decreto nº 58-A, de 14 de
dezembro de 1889, firmado pelo Governo Provisório da República, que “Os estrangeiros
naturalizados [...] gozarão de todos os direitos civis e políticos dos cidadãos natos, podendo
desempenhar todos os cargos públicos, exceto o de Chefe do Estado”.111 Todos os estrangeiros
com residência no Brasil por pelo menos dois anos desde a data do citado decreto, passaram a
ser considerados brasileiros. Esse dispositivo legal beneficiou todos os imigrantes,
independentemente da sua origem, e caracterizou-se como uma inversão de exigências, afinal,
o estrangeiro que não quisesse ser brasileiro teria de manifestar não querer a cidadania brasileira
mediante termo assinado em sua municipalidade, o inverso da situação vivida durante o Período
Imperial (FAUTH, 2005).
A naturalização, portanto, consolidou-se por decreto, enquanto uma política republicana,
dispensando os pedidos e interesses individuais. Todos passaram a ser brasileiros. Antes desse
momento, porém, não foram poucas as situações em que colonos ficaram sem obter a cidadania,
obstaculizada em maior grau ao colono que não professava a religião do Estado. Os entraves e
dificuldades encontrados pelos colonos a fim de obterem sua naturalização podem ser
exemplificados a partir das disposições da Lei de 23 de outubro de 1832,112 que tratava sobre a

108
Centro de Pesquisas Genealógicas de Nova Palma (CPGNP): Encarte Die Kolonie St. Angelo Zeitung do Jornal
“Gazeta do Jacuí”, Junho – Setembro 1995, p. 7-8.
109
AHMCS: Listagem dos Vereadores eleitos em Cachoeira do Sul. Impresso.
110
Sócio fundador do CEGENS (Centro de Estudos Genealógicos do Vale do Rio Pardo – RS), e da AVR,
(Associação Valesana do Brasil - Imigração Suíça). Também foi presidente de ambas as entidades. Membro do
INGERS (Instituto Genealógico do Rio Grande do Sul). Pesquisador das imigrações alemã e suíça no Rio Grande
do Sul.
111
Em seu cabeçalho consta que, considerando o advento da República no dia 15 de novembro de 1889, firmaram-
se os princípios de igualdade e fraternidade, típicos de regimes da liberdade, portanto amplia as conquistas do
progresso e civilização da humanidade aos estrangeiros. BRASIL. Decreto nº 58-A, de 14 de dezembro de 1889.
Câmara dos Deputados. Rio de Janeiro, RJ, 14 dez. 1889. Disponível em:
<http://www2.camara.leg.br/legin/fed/decret/1824-1899/decreto-58-a-14-dezembro-1889-516792-
publicacaooriginal-1-pe.html>. Acesso em: 27 set. 2016.
112
BRASIL. Lei de 23 de outubro de 1832. Câmara dos Deputados. Rio de Janeiro, RJ, 23 out. 1832. Disponível
em: <http://www2.camara.leg.br/legin/fed/lei_sn/1824-1899/lei-37324-23-outubro-1832-563838-
publicacaooriginal-87885-pl.html>. Acesso em: 27 set. 2016.
103

naturalização de estrangeiros. O Governo regencial ficava autorizado a ceder a carta de


naturalização a todo o estrangeiro que pudesse comprovar ser maior de vinte e um anos de
idade; achar-se no gozo dos direitos civis como cidadão do país ao qual pertencia, salvo se os
tivesse perdido por motivos políticos; declarar na Câmara do município de sua residência seus
princípios religiosos, sua pátria, e a pretensão de fixar seu domicilio no Brasil (a Lei especifica
alguns grupos que assim o deveriam fazer, não estando todos os imigrantes obrigados a fazê-
lo); ter residido no Brasil por pelo menos quatro anos consecutivos; e possuir bens de raiz no
Brasil, ou nele ter parte em fundos de algum estabelecimento industrial, ou exercer alguma
profissão útil, ou viver honestamente do seu trabalho.
Para obter a carta de naturalização, era imprescindível provar por documentos as
exigências da lei, ou por outra forma de prova legal, como as declarações, certidões, ou
atestados passados pelos Agentes Diplomáticos, ou Consulares da nação da qual provinham,
considerados provas suficientes. O imigrante deveria procurar o Juiz de Paz da freguesia na
qual morava para dar início ao processo, apresentando toda a documentação exigida. Obtida a
sentença positiva, o próximo passo seria requerer a sua naturalização ao Governo, pelo
intermédio do Presidente da respectiva Província, ou diretamente, dirigindo-se ao Ministro do
Império.113 Portanto, todas essas etapas e exigências tornavam a busca pela naturalização um
processo oneroso e demorado, possível a poucos imigrantes. Essa situação limitava a atuação
de estrangeiros na política.
Apesar de ainda permanecerem dificuldades para a naturalização, em 1881 a Lei Saraiva
ampliou as possibilidades dos estrangeiros naturalizados interessados em cargos eletivos de
maior monta. A referida Lei foi consequência de um processo anterior, calcado na defesa de
eleições diretas, porém com limitações quanto àqueles aptos a votarem. Segundo Richard
Graham (1997), historiador norte-americano e brasilianista, as mudanças sociais e econômicas
das décadas de 1860 e 1870 levaram a alterações na cultura política brasileira, afetando também
a questão eleitoral. As estradas de ferro mudaram o centro da vida econômica ao
desenvolverem-se amplamente, de 552 km construídos na década de 1860 para 2.653 km na
década seguinte, permitindo a propagação da produção de café para outras áreas. Além disso,
o comércio de exportação estimulou o desenvolvimento dos centros urbanos, resultando no
aumento dos habitantes das cidades ligados aos novos bancos, empresas de transporte e
Companhias de seguro, organizados para atender às demandas crescentes do comércio de café.

113
BRASIL. Lei de 23 de outubro de 1832. Câmara dos Deputados. Rio de Janeiro, RJ, 23 out. 1832. Disponível
em: <http://www2.camara.leg.br/legin/fed/lei_sn/1824-1899/lei-37324-23-outubro-1832-563838-
publicacaooriginal-87885-pl.html>. Acesso em: 27 set. 2016..
104

As receitas governamentais em expansão, derivadas do café financiaram a burocracia em


ampliação. O novo mercado urbano, somado a expansão das linhas férreas, e aos efeitos das
compras de material bélico para a Guerra do Paraguai (1865-1870), estimularam o setor
industrial, e a consequente, mas ainda embrionária, formação de uma classe operária. Ainda, as
movimentações para o fim da escravidão, como a proibição do comércio de escravos africanos,
em 1850, agitaram a sociedade (GRAHAM, 1997).
Diferentes grupos, tanto urbanos quanto rurais, passaram a pressionar por reformas no
sistema eleitoral. Embora dependentes da economia de exportação, representantes das cidades
passaram a questionar velhos modelos da vida política, sobretudo criticavam o excessivo poder
político do chefe rural, um poder que obstruía qualquer tentativa de aumentar seu próprio
espaço no processo político, e passaram a considerar tais chefes interioranos como agentes do
atraso e da barbárie. Argumentando que os agregados analfabetos davam a esses chefões
vantagem injusta nas eleições, sugeriram que a votação se restringisse aos alfabetizados e
proprietários, beneficiando, portanto, a si próprios. Assim, também queriam evitar a
participação das massas urbanas. Por sua vez, alguns fazendeiros, temiam o surgimento de um
grande grupo de libertos com direitos políticos. Dessa forma, depositando mais confiança nos
bacharéis citadinos do que em seus agregados, os latifundiários se dispuseram a incentivar a
influência das elites letradas nas eleições, contanto que os libertos fossem excluídos
(GRAHAM, 1997).
Ambos, liberais e conservadores, passaram a concordar que só os homens de posses
deviam votar. Ao longo das décadas de 1860 e 1870 somaram-se as vozes em defesa de eleições
diretas com rígida qualificação de propriedade. O discurso da inaptidão política da população
pobre e livre ganhou cada vez mais envergadura e influenciou o governo a trabalhar para
realizar uma reforma eleitoral (SOUZA, 2011). O Gabinete Rio Branco, 1871-1878, trouxe
discussões sobre as reformas eleitorais. Alguns personagens do governo, como o próprio
Imperador D. Pedro II, temiam que a instituição de eleições diretas pudesse exigir emendas na
Constituição, abrindo a possibilidade para outras mudanças de maior alcance e potencialmente
perigosas. O governo Rio Branco apresentou um projeto de lei para alterar a legislação eleitoral
em vários aspectos, que foi sancionado em 1875 pelo governo que o sucedeu. Apesar de
introduzir várias inovações, o Decreto nº 2.675, de 20 de outubro de 1875, não atingiu as metas
propostas pela maioria dos reformadores, apesar das exigências mais rígidas na comprovação
da renda mínima de 200 mil réis para poder votar. Assim, as reivindicações por reformas
eleitorais mais efetivas intensificaram-se, levando D. Pedro II a demitir, em 1878, o Gabinete
105

conservador e convocou o líder Liberal, João Lins Vieira Cansansão de Sinimbu, para formar
um novo Gabinete (GRAHAM, 1997).
Durante o ano de 1878, houv disputas internas acerca da reforma eleitoral entre os aliados
de Sinimbu. A maioria dos membros desejava restringir o voto, enquanto Gaspar Silveira
Martins propunha estendê-lo. Como destacam Maria Medianeira Padoin e Monica Rossato
(2013, p. 28),

Na ocasião da organização do Gabinete Liberal chefiado por Visconde de Sinimbu,


em 5 de janeiro de 1878, Gaspar Silveira Martins foi indicado ao cargo de Ministro
da Fazenda, exercendo-o até fevereiro de 1879. Nesse período, nos seus discursos
estiveram presentes a defesa da eleição direta, a defesa da elegibilidade aos acatólicos,
a criação de uma tarifa especial sobre produtos importados pela Província do Rio
Grande do Sul, e a ampliação das estradas de ferro à Província.

A elegibilidade dos acatólicos foi fortemente defendida por Silveira Martins, interessado
em proporcionar aos imigrantes protestantes o direito ao voto. Como isso não foi incluído na
reforma eleitoral, ele se retirou do cargo de Ministro da Fazenda em 1879, o que não foi apoiado
pelo general Manuel Luís Osório, levando ao afastamento entre ambos e à cisão interna do
Partido Liberal no Rio Grande do Sul (PADOIN e ROSSATO, 2013). Quando o Gabinete
Sinimbu, em fevereiro de 1879, apresentou sua proposta de reforma eleitoral, reivindicava uma
emenda constitucional, alterando a Constituição de 1824 de modo a instituir eleições diretas e
limitar o sufrágio aqueles cuja renda equivalesse à já requerida aos eleitores, além de excluir
analfabetos e acatólicos. Junto com vários dissidentes Liberais, Silveira Martins uniu-se à
oposição, exigindo a ampliação do eleitorado por meio do cancelamento de todas as restrições
baseadas na propriedade. Grande parte dos deputados encarou a possibilidade de mudança na
Constituição como um perigo ainda maior para o Império do que a participação popular nas
eleições. O Gabinete de Sinimbu, enfraquecido pela oposição, viu-se ainda mais debilitado
quando o descontentamento urbano com outros assuntos na cidade do Rio de Janeiro acabou
gerando um motim contra o imposto de um vintém sobre as passagens de bonde. O emprego
indiscriminado da força pelo governo para reprimir os revoltosos desacreditou completamente
o Gabinete, que caiu em 1880. O novo Gabinete continuou sendo Liberal, dessa vez liderado
por José Antônio Saraiva, apoiador da reforma eleitoral, que decidiu fazê-la passar como lei em
vez de emenda constitucional (GRAHAM, 1997).
A proposta defendida por Saraiva visava limitar a participação política da população nas
eleições. Para tanto, empenhou-se por meio de trocas de favores e acordos para ganhar até
mesmo o apoio de legisladores que desejavam o sufrágio universal. Assim, Silveira Martins
106

propôs uma cláusula que abria as urnas aos protestantes, e até lhes permitia serem eleitos para
o Congresso. Ao mesmo tempo, Saraiva atraiu o apoio dos conservadores, opondo-se aos
políticos que levantavam medidas reformistas como a completa emancipação dos escravos.
Audacioso, ele aceitou reduzir à metade a renda requerida aos eleitores, tornando-a equivalente
à exigida constitucionalmente aos votantes, e assim derrubando distinção entre eles. Entretanto,
apesar de reduzir a renda exigida, Saraiva especificou uma lista de documentos extremamente
complicados de se obter, necessários para comprovar a renda anual exigida. Dessa forma, ainda
que praticamente todos tivessem renda suficiente para tornarem-se eleitores, poucos teriam
condições de providenciar as provas específicas (GRAHAM, 1997).
O Decreto nº 3.029, de 9 de janeiro de 1881 recebeu o apelido de Lei Saraiva, em
homenagem a José Antônio Saraiva, e também Lei do Censo, por conta da exigência de renda
mínima anual de 200 mil réis como requisito para a inclusão no alistamento, e sua complicada
comprovação (LEAL, 1976). Essa reforma provocou uma profunda redução da arena política.
Como destaca José Murilo de Carvalho (1988, p. 140-141),

O Índice de participação nas eleições primárias anteriores à lei de 1881 só foi superado
em 1945, 64 anos mais tarde, após quatro mudanças de regime, três delas feitas em
nome da ampliação da cidadania. A manutenção do envolvimento popular em níveis
baixos foi um traço constante na lógica do sistema político, monárquico ou
republicano.

As mudanças iam de encontro a certa tradição de participação popular nas eleições


imperiais, mantida desde a promulgação da Constituição de 1824. Segundo Felipe Azevedo e
Souza (2011), até então o voto era acessível a maior parte dos homens livres, adultos e
economicamente ativos. De acordo com Raimundo Faoro (1975), na década de 1870 cerca de
10% da população total do Brasil tinha direito ao voto, um número alto em comparação a outros
países e seu percentual de votantes no mesmo período, como o Chile (1%), Itália (2%), Reino
Unido (7%), Portugal (8%), e Alemanha (9%), superando o Brasil apenas os Estados Unidos
(16%), a França (20%) e a Espanha (24%). Em 1872 havia no Brasil cerca de 1.089.659
eleitores de paróquia, os votantes, representando 10% da população total, e 20.006 eleitores,
isto é, 0,2% do total da população brasileira. Na primeira eleição sob a vigência da lei Saraiva,
em 31 de outubro de 1881, compareceram 96.411 eleitores, menos de 1% da população, para
um eleitorado de 145.296, cerca de 1,25% da população (FAORO, 1975). Portanto, apesar de
instituir o voto direto, a Lei Saraiva reduziu o eleitorado brasileiro.

A lei eleitoral de 1881 reduziu o número daqueles que votavam de um milhão para
cerca de 150 mil pessoas, ainda que curiosa — e sintomaticamente — essa lei muitas
107

vezes tenha sido mal interpretada, na época e mais tarde, como uma medida
democrática, aclamada como uma grande vitória do esclarecimento e da liberdade. A
verdade é que o medo de um número crescente de trabalhadores livres, que pudessem
utilizar mal seus direitos de voto, obscurecia as possíveis vantagens que anteriormente
haviam justificado um amplo eleitorado, como testemunhos de um teatro hierárquico.
Tal ritual não parecia mais valer a pena. De forma cada vez mais intensa, as classes
trabalhadoras despontavam como classes perigosas (GRAHAM, 1997, p. 242).

Como explica Souza (2011), as eleições antes indiretas, disputadas em duas fases,
passaram a ser diretas, criando-se restrições aos cidadãos analfabetos e a milhares de
trabalhadores que não tinham meios para comprovar sua renda. O censo triplo, responsável pela
exclusão da maioria dos votantes, foi estabelecido: pecuniário, literário e burocrático. Os
parlamentares justificaram as medidas adotadas na Lei Saraiva como uma forma de qualificar
o eleitorado, que, segundo a visão de grande parte da elite política, era composto
majoritariamente por uma população incapaz a cidadania.
Os principais princípios excludentes da lei foram a comprovação desta renda e a exigência
de alfabetização. O valor pecuniário mínimo de 200 mil réis não chegava a ser um fator de
grande exclusão, pois, como aponta Graham (1997), quase todo mundo conseguia reunir aquele
valor.114 Em relação à exigência de alfabetização, havia um dispositivo na Lei que obrigava o
eleitor a saber ler e escrever. A partir de setembro de 1882 a Lei Saraiva estabelecia que
deveriam ocorrer, todos os anos, a revisão do alistamento geral dos eleitores, em todo o Império,
para, entre outros fins, eliminar os eleitores que tivessem falecido ou mudado de domicílio para
fora de sua comarca, os falidos não reabilitados, aqueles interditos da administração de seus
bens, os que houvessem perdido o direito de cidadão ou não estivessem no gozo dos seus
direitos políticos; mas também para serem incluídos os cidadãos que requeressem e provassem
ter adquirido as qualidades de eleitor, e soubessem ler e escrever. A comprovação desse último
critério, seria feita pela letra e assinatura do cidadão que requeresse a sua inclusão no
alistamento, desde que essas estivessem reconhecidas por tabelião no requerimento entregue
para a inclusão como eleitor.115
Entretanto, no artigo 15 da Lei Saraiva ficava claro que os analfabetos continuariam
participando das eleições, visto que ficava autorizado ao eleitor que não soubesse ler ou não

114
O economista Mircea Buesco (1991), calculou a renda média de alguns ofícios próprios da população mais
pobre da década de 1870, no Rio de Janeiro, e constatou que os rendimentos anuais de boa parte desta população
eram muito superiores ao teto de 200 mil réis exigidos aos votantes. Algumas ocupações e as respectivas rendas
anuais, em mil réis: Cabo de Alfândega – 730; Carpinteiro – 480; Costureira – 420; Contínuo – 1.200; Guarda de
Alfândega – 696; Operário de Alfândega – 420; Sargento – 786; Soldado – 432. PAIM, Antonio. A Reforma
Eleitoral de 1881. Salvador: Centro de Documentação do Pensamento Brasileiro, 1991, p. 75.
115
BRASIL. Decreto nº 3.029, de 9 de janeiro de 1881. Câmara dos Deputados. Rio de Janeiro, RJ, 9 jan. 1881.
Disponível em: <http://www2.camara.leg.br/legin/fed/decret/1824-1899/decreto-3029-9-janeiro-1881-546079-
publicacaooriginal-59786-pl.html>. Acesso em: 27 set. 2016.
108

pudesse assinar o seu nome, indicar outra pessoa para assinar em seu lugar. Além disso, os
eleitores analfabetos que já possuíam registro eleitoral antes de 1881 não iriam perder o direito
de voto na vigência da nova lei. Portanto, a alfabetização passou a ser exigida aos novos
eleitores, não representando, segundo Souza (2011) a causa direta da brusca diminuição do
eleitorado em 1881. A real causa da queda do número de votantes residiu na severa
comprovação de renda. A legislação eleitoral de 1876, por exemplo, destinava apenas um artigo
para a questão, enquanto que a reforma de 1881 estabeleceu 31 artigos para o tema, e extinguiu
a cláusula da lei de 1876 que abrandava a rigorosidade da documentação comprobatória
(SOUZA, 2011). A Lei Saraiva, em seu artigo 5º, era muito clara quanto aos documentos
exigidos para a comprovação de renda:

I. Pelo valor locativo do prédio em que houver residido desde um ano antes, pelo
menos, com economia própria, sendo o valor locativo anual, por ele pago, de 400$ na
cidade do Rio de Janeiro, de 300$ nas da Bahia, Recife, S. Luiz do Maranhão, Belém
do Pará, Niterói, S. Paulo e Porto Alegre, de 200$ nas demais cidades, e de 100$ nas
vilas e outras povoações.
II. Pelo valor locativo anual de 200$, pelo menos, de terrenos de lavoura ou de criação,
ou de quaisquer outros estabelecimentos agrícolas ou rurais, que o cidadão haja
tomado por arrendamento desde um ano antes.
§ 1º A prova será dada em processo sumario perante o juiz de direito da comarca; e,
nas que tiverem mais de um juiz de direito, perante qualquer deles, e será a seguinte:
I. Quanto aos prédios sujeitos ao imposto predial ou decima urbana - certidão de
repartição fiscal, de que conste estarem averbados com o referido valor locativo
anual.
II. Quanto aos prédios não sujeitos ao dito imposto ou decima - contrato de
arrendamento ou aluguel, celebrado por escritura publica com a data de um ano
antes, pelo menos, ou por escrito particular lançado com igual antecedência em livro
de notas, havendo expressa declaração do preço do arrendamento ou aluguel; e, em
falta destes documentos - o título legitimo ou sentença passada em julgado, que prove
ter o ultimo dono do prédio adquirido a propriedade ou posse deste por valor sobre
o qual, a razão de 6 %, se compute a renda anual, na importância declarada no n. I
deste artigo.
III. Quanto aos terrenos de lavoura ou criação, ou outros estabelecimentos agrícolas
ou rurais - contrato de arrendamento por escritura publica com a data de um ano
antes, pelo menos, havendo expressa declaração do preço.
IV. As provas que ficam designadas se adicionará sempre o recibo do proprietário do
prédio, terreno ou estabelecimento, com data não anterior a um mês, provando estar
pago até então do preço do arrendamento ou aluguel. [Grifo Nosso].116

Como contribui Graham (1997), comerciantes tinham de apresentar prova de sua


inscrição no registro do comércio, demonstrando também investimento de capital suficiente
para render 200 mil réis anualmente. O mesmo se aplicava a capitães de navio. Também donos
de fábricas ou oficinas precisavam provar ter capital suficiente que, investido a 6%, rendesse a

116
BRASIL. Decreto nº 3.029, de 9 de janeiro de 1881. Câmara dos Deputados. Rio de Janeiro, RJ, 9 jan. 1881.
Disponível em: <http://www2.camara.leg.br/legin/fed/decret/1824-1899/decreto-3029-9-janeiro-1881-546079-
publicacaooriginal-59786-pl.html>. Acesso em: 27 set. 2016.
109

quantia anual exigida. Administradores de fábricas, e caixas de estabelecimentos comerciais


tinham de provar que a empresa onde trabalhavam possuía capital suficiente para produzir duas
vezes a renda anual exigida. Todas as provas tinham que exibir a data de um ano antes da
qualificação do votante. Acionistas em bancos ou outras empresas, ou depositantes nas
instituições de poupança administradas pelo governo, tinham de apresentar comprovantes
mostrando seu capital ou poupança suficientes para gerar a renda necessária. Servidores
públicos tinham de mostrar vários documentos respectivos a seus salários. Ficaram isentos de
apresentar qualquer comprovação de renda alguns servidores públicos, como ministros de
Estado, senadores, deputados, presidentes provinciais, juízes, clérigos, burocratas superiores
em repartições específicas, delegados, subdelegados e oficiais das Forças Armadas. Além disso,
qualquer diplomado em uma escola legalmente reconhecida, que pudesse mostrar seu diploma,
professores de escola pública, catedráticos, administradores e professores em escolas
particulares publicamente inspecionadas, eram todos isentos da apresentação de comprovação
de renda.
Como salienta Ryan de Sousa Oliveira (2008), a Lei Saraiva ao tornar mais exigente a
comprovação dos requisitos dos votantes, também introduziu uma série de mecanismos para
coibir as fraudes eleitorais e reduzir a influência do governo nas eleições, como a qualificação
prévia, o título eleitoral, as inelegibilidades e o maior sigilo na votação. Houve uma redução
significativa das fraudes, sobretudo as realizadas durante a qualificação. Ao mesmo tempo que
a Lei Saraiva dificultou o acesso ao voto para alguns setores sociais, aumentou as possibilidades
de acesso aos cargos eletivos de Deputados e Senadores a outra parcela da população, isto é,
aos estrangeiros naturalizados. Pela primeira vez, a legislação eleitoral os incluiu entre aqueles
que se achavam aptos aos cargos de Senador, Deputado à Assembleia Geral e Membro da
Assembleia Legislativa Provincial, conforme o disposto no Art. 10º,

Art. 10. É elegível para os cargos de Senador, Deputado à Assembleia Geral, membro
de Assembleia Legislativa Provincial, vereador e juiz de paz todo cidadão que for
eleitor nos termos do art. 2º desta lei, não se achando pronunciado em processo
criminal, e salvas as disposições especiais que se seguem:
§ 1º Requer-se: Para Senador: a idade de 40 anos para cima e a renda anual de 1:600$
por bens de raiz, indústria, comércio ou emprego; Para Deputado à Assembleia Geral:
a renda anual de 800$ por bens de raiz, indústria, comércio ou emprego; Para membro
de Assembleia Legislativa Provincial: o domicilio na Província por mais de dois anos;
Para vereador e juiz de paz: o domicilio no município e distrito por mais de dois anos.
§ 2º Os cidadãos naturalizados não são, porém, elegíveis para o cargo de Deputado
à Assembleia Geral sem terem seis anos de residência no Império, depois da
naturalização. [Grifo Nosso].117

117
BRASIL. Decreto nº 3.029, de 9 de janeiro de 1881. Câmara dos Deputados. Rio de Janeiro, RJ, 9 jan. 1881.
Disponível em: <http://www2.camara.leg.br/legin/fed/decret/1824-1899/decreto-3029-9-janeiro-1881-546079-
publicacaooriginal-59786-pl.html>. Acesso em: 27 set. 2016.
110

As disposições da lei, portanto, não mais vedavam a elegibilidade de estrangeiros


naturalizados e protestantes, antes limitada. A consequência imediata dessa mudança foi a
eleição dos primeiros deputados provinciais no Rio Grande do Sul de origem germânica. É
lícito afirmar que a limitação constitucional que afetava os alemães antes de 1881 representou,
de fato, um entrave a participação de indivíduos que almejavam ocupar seu espaço nas arenas
maiores da política, e prova disso foi a imediata eleição de Frederico Haensel e Frederico
Bartholomay já na primeira eleição provincial sob a Lei Saraiva, em 1881, mesmo sem uma
ampla participação dos teuto-brasileiros.

2.2 A ATUAÇÃO POLÍTICA DE TER BRÜGGEN, HAENSEL, KAHLDEN E KOSERITZ

O objetivo de nosso trabalho, como já esclarecemos na introdução, é a identificação das


formas de atuação política de Haensel, Kahlden, ter Brüggen e Koseritz entre 1851 e 1881,
portanto, antes da promulgação da Lei Saraiva, quando o acesso de estrangeiros, mesmo
naturalizados, a cargos públicos eletivos, era restrito pela legislação, limitado pela dificuldade
de naturalização e em consequência de restrições ligadas a renda. Os personagens por nós
selecionados fizeram parte de um grupo específico dentro da soma dos imigrantes germânicos
estabelecidos no Rio Grande do Sul durante o séc. XIX, que conseguiu vencer algumas das
barreiras citadas e atuaram em instituições e cargos públicos eletivos e não eletivos.
Ao procurarmos os lugares sociais por onde esses quatro imigrantes passaram e as
profissões que exerceram, foi possível perceber que todos eles atuaram em cargos públicos ao
longo de suas trajetórias no período de nosso recorte. Esse foi o grande espaço de atuação
política deles, no qual exerceram autoridade, lidaram com os meandros do poder, estiveram em
contato com autoridades públicas, representaram os interesses de parte da sociedade do período,
basicamente dos colonos e imigrantes germânicos, e construíram parte importante de suas
futuras carreiras políticas na Assembleia Provincial, sobretudo no que diz respeito ao
conhecimento da máquina pública, ao estabelecimento de relações pessoais com indivíduos
proeminentes e a experiência do fazer-se político.
Os cargos ocupados pelos quatro indivíduos aqui estudados eram ligados ao complexo
colonizador provincial, e lhes ofereceram destaque nesse meio. Ainda que fossem funcionários
públicos, em funções não eletivas, mas sim nomeados, não atuaram fora do espaço reservado
aos estrangeiros, isto é, lhes foram reservados postos diretamente ligados a questões envolvendo
seus próximos, e não cargos com atribuições amplas e direcionados a variados grupos sociais.
111

Foram líderes e autoridades, representantes do Estado, perante, sobretudo, os imigrantes


germânicos.
Dois deles, Frederico Haensel e Wilhelm ter Brüggen, trabalharam em atividades
consulares como representantes da Prússia no Rio Grande do Sul, portanto, foram empregados
públicos de um outro Estado, ainda assim, não vamos estudar a relação que tiveram com as
autoridades Prussianas, mas sim ao atendimento das reivindicações de imigrantes estabelecidos
no Rio Grande do Sul perante a presidência da Província. Enquanto o primeiro foi nomeado em
1867 como Vice-Cônsul da Prússia em Santa Cruz do Sul; o segundo exerceu a atividade de
Cônsul durante vinte anos, de 1862 a 1882118. O Barão von Kahlden foi Diretor da Colônia
alemã de Santo Ângelo ao longo de praticamente toda a existência dela, de dezembro de 1857
a 1882119. Por fim, Karl von Koseritz exerceu uma das mais importantes funções do Complexo
Colonial, a de Agente Intérprete da Colonização, durante os anos de 1867 e 1868, quando
elaborou importantes relatórios sobre a colonização provincial120. Assim, vamos apresentar a
atuação deles nos cargos citados.

2.2.1 Wilhelm ter Brüggen, o Cônsul

Wilhelm ter Brüggen, ou Guilherme ter Brüggen, filho de Francisco ter Brüggen e
Catarina Laehr ter Brüggen, foi um dos Brummer de maior destaque. Proveniente de Minden-
Preussen, ele exercia a profissão de tecelão antes de emigrar para o Brasil, em 1851, no navio
Hamburg, como soldado do Batalhão de Infantaria (LEMOS, 2015). Após o tempo de serviço
militar, se estabeleceu no Rio Grande do Sul e passou a exercer atividades ligadas ao comércio
e a imprensa. A principal função por ele exercida foi a de Cônsul Real da Prússia em Porto
Alegre. Junto a outros comerciantes, ele foi um dos fundadores do importante jornal alemão
Deutsche Zeitung, publicado na Província rio-grandense, e do qual foi provisoriamente redator.
Ele foi membro da Praça de Comércio de Porto Alegre, e Diretor da Sociedade Beneficente de

118
Consta no Livro de Matrículas de Cônsules e Relação de Agentes Consulares do Rio Grande do Sul, do Arquivo
Histórico do Rio Grande do Sul, que ter Brüggen começou a atuar como Cônsul em 13 de fevereiro de 1862,
quando já residia em Porto Alegre, e permanecia Cônsul em 1871, residindo ainda na Capital. Os arquivos do
Consulado da Prússia em Porto Alegre demonstram que ele seguiu exercendo sua atividade consular até 1882.
119
Em setembro de 1885, a Câmara Municipal de Cachoeira do Sul dividiu a Colônia Santo Ângelo em 6 grandes
complexos de acordo com a Lei nº 1.433, de janeiro de 1884, para arrecadação do imposto colonial. Neste
momento, foi extinta a unidade e autonomia dela. Já a partir de 1883/1885, Santo Ângelo deixou de existir,
surgindo em seu lugar vários distritos. Ela compreendeu parte dos territórios atuais dos municípios de Agudo,
Dona Francisca, Paraíso do Sul, Cerro Branco, Novo Cabrais, e Restinga Seca (WERLANG, 2002).
120
Os Relatórios e documentos dos Agentes Intérpretes da Colonização no Rio Grande do Sul se encontram no
Arquivo Histórico do Rio Grande do Sul, na Caixa 16 dos Órgãos de Colonização, maços 25 e 26.
112

1858, a Deutscher Hilfsverein, que na década de 1880 deu origem ao Colégio Farroupilha, ainda
em funcionamento (PESAVENTO, 1992).

Figura 5 – Wilhelm ter Brüggen

Fonte: PORTO, Aurélio. O Trabalho Alemão no Sul do Brasil. POA: Martins Livreiro, 1996, p. 189

ter Brüggen casou com Ernestine Wilhelmine Hedwig Klingelhoeffer, casada pela
primeira vez com Nicholau Hasslocher, de quem se divorciou antes de 1857 (SOUZA, 2012).
Parece, portanto, que a esposa de ter Brüggen foi casada com um parente da esposa de Frederico
Haensel, de quem trataremos adiante, possivelmente o pai da mesma. Em seu testamento, ter
Brüggen diz ter dois filhos, Clara ter Brüggen Schmitt (casada com Alfredo Ferdinand Schmitt,
comerciante de Porto Alegre), e Edgard ter Brüggen (casado e residente no Rio de Janeiro)121,
mas encontramos um terceiro nome ligado a ele, Francisco Klingelhoeffer ter Brüggen, nascido
em 27 de fevereiro de 1857, e batizado na Comunidade Nossa Senhora Madre de Deus, em
Porto Alegre.

121
Arquivo Público do Estado do Rio Grande do Sul (APERS): Testamento de Wilhelm ter Brüggen.
113

A esposa de ter Brüggen, Ernestine Wilhelmine Hedwig Klingelhoeffer, era filha de Luise
Stapp e Friedrich Christian Klinglhoeffer122, conhecido como o “Pastor Farrapo”. Junto dos
pais e de quatro irmãos, veio para o Brasil em 1825. Eram procedentes de Hessen. Após
semanas no Rio de Janeiro, vieram para o Sul com uma carta de recomendação ao Presidente
da Província, assinada pelo Monsenhor Pedro Machado Miranda de Malheiros, Inspetor da
Colonização Estrangeira na Capital do Império. Ficaram em um lote de terra em Campo Bom.
Friedrich Christian Klinglhoeffer possuía estudos teológicos, e antes de migrar havia praticado
o ofício de pastor por quinze anos, o qual também exerceu em Campo Bom. Trabalhou como
agricultor e também foi professor. Durante a Revolução Farroupilha (1835-1845), ele tomou o
lado dos farrapos, e agenciou colonos para fazerem o mesmo, missão facilitada pela sua
liderança no ofício de pastor. Perseguido em Campo Bom, levou a família para Porto Alegre,
mas lá também não encontrou sossego, então foi para Rio Pardo. O Pastor morreu lutando, ao
que parece degolado, na Freguesia Nova, perto de Triunfo, em 6 de novembro de 1838, aos 54
anos. A esposa do Pastor fixou residência em Rio Pardo e lá criou seus filhos (FLORES, 1995).
Portanto, ter Brüggen casou com uma das representantes de importante família na história
inicial da Imigração alemã no Rio Grande do Sul.
A atividade que marcou o nome de ter Brüggen foi, sem dúvida, a de Cônsul da Prússia,
cargo que exerceu durante vinte anos, de 1862 a 1882, e é a essa questão que agora vamos
atentar. Entre os primeiros significados a que o termo Cônsul esteve vinculado, segundo
Gilberto da Silva Guizelin (2013), historiador interessado nas relações da História da
Escravidão com a História das Relações Internacionais do Império do Brasil, esteve a
vinculação com a história política da República Romana, ao ser definido como magistrado, o
maior posto da administração romana antes da implantação do Império. A referida relação foi
estabelecida pelo segundo volume do Vocabulário Português e Latino do padre Raphael Bluteau
(1712-1728)123, no qual ele associa o vocábulo Consulado ao período de tempo no qual o
magistrado permanecia no poder. Além disso, o padre traz outra acepção para o termo, ligando-
o à prática mercantil lusa expressa no que ele define como Consulado de Lisboa, isto é, um
órgão de direitos reais, criado nos tempos da União Ibérica pelo rei Felipe I (II da Espanha), a

122
Para maiores informações sobre o Pastor Friedrich Christian Klinglhoeffer, ver: WITT, Marcos Antônio. Em
busca de um lugar ao sol: estratégias políticas – imigração alemã (Rio Grande do Sul – século XIX). São
Leopoldo: Editora Oikos, 2008. TRAMONTINI, Marcos Justo. Ehlers, Voges e Klingelhoeffer: a disputa. In: ELY,
Nilza Huyer; BARROSO, Véra Lucia Maciel (Orgs.). Raízes de Terra de Areia. Porto Alegre: EST, 1999, p.
209-212. TRAMONTINI, Marcos Justo. A organização social dos imigrantes: a Colônia de São Leopoldo na
fase pioneira (1824-1850). São Leopoldo: UNISINOS, 2000.
123
BLUTEAU, Raphael. Vocabulário portuguez & latino. Coimbra: Collegio das Artes da Companhia de Jesus,
1712-1728, Vols. 2 e 9.
114

fim de regularizar e atualizar a arrecadação fiscal da Coroa sobre a alfândega da capital


portuguesa. O Consulado de Lisboa remetia à tradição dos reis castelhanos de autorizar os
comerciantes de suas principais praças a criarem Juntas Comerciais para julgar e atender os
pleitos mercantis locais (GUIZELIN, 2013).
No nono volume do Vocabulário do Padre Bluteau (1728), explica Guizelin (2013), há a
revisão de alguns verbetes. Em relação ao termo Cônsul, ele estabelece um distanciamento entre
o Cônsul da República, o magistrado, e o que ele chama de Cônsul de mercadores, título dado
a uma espécie de ministro enviado pelos reis para terras estranhas e amigas, com as quais havia
comércio estabelecido. Em 1879, o dicionarista Antônio de Moraes e Silva manteve as
concepções de Bluteau sobre o termo Cônsul, mas trouxe contribuições ao termo Consulado,
acrescentando a ideia de Cônsules das Nações Estrangeiras, em alusão a prática cada vez mais
comum entre os Estados europeus do princípio do século XIX de estabelecerem nos portos
estrangeiros agentes oficiais para administrarem os interesses das pessoas e do comércio de
suas nações.
A nova acepção revela o processo de reorganização e de ressignificação pelo qual a
instituição consular iria passar no decorrer do século XIX. Cada vez mais, os verbetes Cônsul
e nação passaram a estar associados, indicando a redefinição da carreira consular, relacionada
com os vínculos que os encarregados consulares passaram a manter com os serviços
diplomáticos dos Estados-nação emergentes no século XVIII e princípios do séc. XIX. Cada
vez mais, o Consulado passou a ser entendido como uma repartição pública estabelecida por
um Estado em um porto ou em uma cidade de outro Estado, cuja chefia era delegada a um
servidor público, o Cônsul (GUIZELIN, 2013).
As prerrogativas públicas do representante consular remontam ao momento da formação
dos primeiros Estados centralizados, quando passa a ser nomeado diretamente pelo soberano,
perde a sua personalidade comunitária e adquire um caráter administrativo público e
institucional. Durante o século XIX, a sociedade internacional foi fortemente influenciada pelos
valores políticos europeus definidos no Congresso de Viena (1814-1815). O cenário europeu
foi marcado pela coesão e coexistência dos “Cinco Grandes”, Grã-Bretanha, Áustria, Prússia,
Rússia e França, enquanto no plano mundial, a Grã-Bretanha desfrutou de relativa liderança. A
diplomacia comercial foi o grande mecanismo de imposição e aceitação de códigos de conduta
e atuação internacional entre os citados Estados europeus. Da mesma forma, se deu a inserção
de Estados da América na sociedade internacional. Foram assinados vários acordos bilaterais
sob a denominação de Tratados de Amizade, Comércio e Navegação acolhidos por grande parte
115

dos Estados americanos que se abriram ao mercado externo em troca do reconhecimento de sua
igualdade jurídica internacional (GUIZELIN, 2013).
A década de 1820, por conta das independências latino-americanas, permitiu a ampliação
da livre concorrência comercial e do entendimento internacional do século XIX. Assim, logo
vários Estados europeus se utilizaram da diplomacia comercial e da carreira consular para
estabelecerem as suas primeiras relações oficiais com os novos Estados americanos. Entre 1826
e 1829, por exemplo, França, Áustria, Prússia, as cidades hanseáticas de Lübeck, Bremen e
Hamburgo, Dinamarca, os Países Baixos e Sardenha já estavam negociando com o Brasil
Tratados de Amizade, Comércio e Navegação. A partir dessas relações, estabeleceram-se
Consulados em território brasileiro (GUIZELIN, 2013).
Em 1862, quando Wilhelm ter Brüggen iniciou suas atividades no Consulado da Prússia
em Porto Alegre, este já estava em funcionamento desde 1846, há 16 anos. Portanto, é lícito
afirmar, contava com posição consolidada e era um dos órgãos de referência aos colonos e
imigrantes germânicos na reivindicação de certas questões que diziam respeito a origem
prussiana de muitos deles, sobretudo quando direitos seus eram violados por autoridades
brasileiras. Analisando a trajetória consular de ter Brüggen nas fontes consultadas, percebemos
que ele foi atuante em seu cargo, firme em suas solicitações, e atendeu as demandas tanto de
súditos prussianos de poucas posses, como daqueles mais abastados. As principais demandas
de atuação do Consulado estiveram relacionadas com os espólios e óbitos de súditos prussianos;
ofícios gerais enviados e recebidos da Presidência da Província; reivindicações e pedidos de
auxílio por parte dos súditos prussianos; e questões militares, sobretudo o recrutamento forçado.
A morte de súditos prussianos gerava recorrentes ofícios e requerimentos do Cônsul ter
Brüggen. Cabia a ele cobrar informações da Presidência da Província sobre o espólio dos
falecidos, isto é, acerca de todos seus bens, direitos e obrigações deixados. Com frequência, o
patrimônio era vendido em praça pública e o valor arrecadado transferido aos familiares,
quando houvessem, ou aos cofres públicos. Em dezembro de 1873, em sua atribuição de Cônsul,
ter Brüggen se dirigia ao Presidente da Província, José Pedro Carvalho de Moraes pedindo uma
relação com os objetos pertencentes ao alemão Guilherme Werth, que haviam sido vendidos
em praça pública após seu assassinato em Uruguaiana, indagava se o valor arrecadado
abrangera, de fato, todos os objetos vendidos, e pedia que fosse verificado se Werth recebera
um prêmio em terras ao dar baixa do serviço militar na década de 1850 e se o mesmo ainda lhe
pertencia. As informações prestadas pelo Cônsul revelam que o valor total arrecadado chegou
116

a rs 774$220, além disso, Werth fora legionário Brummer124 entre 1851 e 1853, residindo aí a
questão da dúvida se havia, ou não, recebido como prêmio de engajamento um lote de terras. O
assassino de Werth, Belmiro Pinto de Azambuja, acabou preso, mas depois fugiu com outros
apenados. Identificou-se na correspondência da Província com o Diretor da Colônia Santa Cruz,
em 20 de agosto de 1855, a distribuição a vários ex-soldados da Companhia de Pontoneiros,
entre estes Guilherme Werdth, de uma colônia militar de 22.500 braças quadradas, conforme
previa o contrato por ele assinado com Rego Barros.125
No ano de 1869, também em Uruguaiana, mais um alemão fora assassinado,

Tive participação que foi assassinado barbaramente perto da vila de Uruguaiana na


estância de um tal Prado Lima, de quem era agregado, o Alemão Guilherme de Tal,
pedreiro de oficio, em princípio de Setembro (12) deste ano e que as autoridades
competentes não tomaram conhecimento deste crime. Diz-se que Guilherme possuía
dinheiro e outros bens e nada me consta que este espólio fosse posto em boa guarda.
Peço a Sua Ex.ª, o Sr. Presidente da Província, se sirva tomar as providências, que o
caso exige, dando-me conhecimento do resultado.126

O Cônsul, aparentemente, intercedia pelo súdito assassinado querendo preservar seus


bens. O trabalho de ter Brüggen lhe permitiu ser um mediador entre aqueles que lhes faziam
solicitações e a Presidência da Província. O Juiz de Direito de São Leopoldo, em 8 de fevereiro
de 1879, o havia informado do falecimento do súdito alemão Augusto Martino Werner Rasch,
e lhe enviado uma cópia da relação de bens deixados pelo dito finado. Em comunicação com o
Presidente da Província, o Cônsul solicitava saber se os ditos bens já haviam sido vendidos,
qual o valor arrecadado e onde fora depositado, pois precisava encaminhar tais informações ao
referido Juiz de São Leopoldo. Ainda, pedia que fosse enviado ao Consulado uma cópia da
certidão de óbito do finado Rasch, preferencialmente em língua alemã. 127 Nesse caso, ter
Brüggen mediou a questão dos bens deixados pelo súdito alemão, entre o Juiz de Direito de São
Leopoldo, que enviou a listagem dos bens, mas não sabia do destino dos mesmos, e o governo
da Província, que possuía essa informação.
Em várias ocasiões, os imigrantes germânicos estabelecidos no Rio Grande do Sul
procuraram o Consulado prussiano em busca de ajuda, sobretudo querendo agilizar suas
súplicas perante o governo provincial através da autoridade do Cônsul. Nem sempre, porém, o

124
Era natural de Frelenwalde-Preussen, onde trabalhava como Carroceiro. Veio no navio Elbe, e, segundo
Juvencio Saldanha Lemos (2015), foi soldado do regimento de Artilharia da Legião Alemã, entretanto, em ofício
recebido pelo Consulado da Prússia em Porto Alegre em 10 de dezembro de 1873 consta que Guilherme Werth
fazia parte da Companhia de Pontoneiros.
125
AHRGS: Documentos Consulares, Caixa 3, Maço 5-6.
126
Ibidem.
127
Ibidem.
117

Presidente da Província atendia as solicitações. Nessas ocasiões, o Cônsul precisava usar de


artifícios para pressionar o governo e conseguir aquilo que solicitava. Era, de certa forma, um
jogo de poderes sutilmente expresso nas linhas polidas dos ofícios, e na reclamação daqueles
ofícios que nunca chegavam.
As várias cobranças da arrecadação de bens de imigrantes falecidos geraram insistentes
ofícios de Wilhelm ter Brüggen querendo respostas sobre elas. Houve casos em que ele contatou
o Enviado Extraordinário e Ministro Plenipotenciário da Província na Corte, como um
instrumento de pressão. Assim o fez em 26 de março de 1863, quando solicitou novamente da
Presidência provincial a entrega ao Consulado da arrecadação dos bens do finado João
Endmann Kraemer, súdito de Saxônia e falecido no Herval dos Campos Novos, Município de
Cruz Alta, no valor de “quatrocentos e tantos mil reis”. A estratégia de ter Brüggen para
alcançar efetividade no pedido foi citar o Sr. Eühmann, o representante provincial na Corte,
dizendo que partiam dele as ordens para o envio do valor líquido da arrecadação dos bens de
Kraemer ao Consulado prussiano em Porto Alegre, e dos papeis pertencentes ao processo da
dita arrecadação, uma vez que o finado havia deixado dívidas documentadas cujas cópias
existiam naquele Consulado.128
O processo de espólio dos bens de João Endmann Krammer, ilustra como se procedia o
trabalho do Cônsul. O primeiro passo, ao saber do falecimento de Kraemer, foi providenciar,
em maio de 1861, a arrematação dos bens deixados pelo dito falecido. Em 29 do mesmo mês,
expediu-se ordem ao juiz de Cruz Alta para que tomasse as providências acerca da arrecadação.
Em 5 de março de 1862 o Cônsul pediu informações ao citado juiz sobre a arrematação dos
bens, e obteve como resposta que havia sido levantada a quantia de “quatrocentos e tantos mil
réis”, depositada esperando ordens da Presidência para dar-lhe destino. Em 26 de março de
1863, o Cônsul pediu para que lhe entregassem o espólio, ou que fosse declarado o estado em
que se encontrava, além de pedir uma cópia autenticada dos papéis pertencentes ao processo da
arrecadação, pois o finado possuía dividas documentadas. Oficiou-se a Tesouraria para verificar
se havia entrado na coletoria de Cruz Alta a quantia arrecadada. Sem respostas, o Cônsul
insistiu, e em 17 de abril de 1863 foi informado que o produto da arrecadação estava em poder
do Curador da herança, afim de ser realizado um rateio pelos credores com quem o falecido
possuía dívidas. Entretanto, a Presidência, em 22 de maio de 1863, declarou ao juiz de Cruz
Alta que aquele juízo havia cometido a grande falta de não entregar o produto da herança aos
Cofres Públicos, como recomendava o artigo 38 do Decreto nº 2.433 de 1859, para que fosse

128
AHRGS: Documentos Consulares, Caixa 3, Maço 5-6.
118

entregue a quem de direito pertencia a herança. Em dezembro de 1866 o Cônsul pediu


informações sobre a herança de Kraemer. Em resumo, soube que,

1º, Como os bens foram arrematados em hasta pública pelo juízo da Subdelegacia do
Distrito de Campo Novo, arrecadado pelo subdelegado tendo produzido a arrematação
a quantia de 4:814$150 réis; 2º, que depositado o produto por ordem do subdelegado
em poder de Pedro Soares de Araújo foi depois ordenado pelo então juiz Bernardo
Augusto Reis da Silva a entrega da dita quantia, o que se verificou entregando a soma
de 456$000 réis, faltando para completar 25$150, tendo se passado termo de entrega,
sem que até o presente entrasse a dita quantia para os cofres da Coletoria; 3º, que dos
autos não consta que fosse distribuído a alguém, que a arrecadação destes bens foi
feita sem preceder avaliação, bem como que cita um documento passado por André
Martins, a favor do finado, da quantia de 50$000 que não foi arrecadada, bem acima
do valor de 285$000 firmado por João Francisco Valente; 4º, finalmente que o referido
juiz Fernando tendo nomeado em 3 de abril de 1862 João Antônio dos Santos para
Curador da herança, no respectivo termo só então assinado, não contando também dos
autos que se houvesse cobrado nem tão pouco que se tivesse pago valor.129

A situação da herança de Kraemer estava, sem dúvida, confusa. Ainda em 1867 ter
Brüggen pedia explicações e informações, sem receber nenhum esclarecimento ou conclusão.
Era seu papel pressionar e buscar saber dos processos de espólio dos súditos falecidos, mas nem
sempre conseguia respostas definitivas, dependendo dos procedimentos das autoridades locais
e da prestatividade do governo provincial, que mudava com frequência. Entre tantas cobranças
sobre a arrecadação dos bens de Kraemer, falecido em 1860, ter Brüggen comunicava ao Vice-
Presidente da Província, o Sr. Dr. Antônio Augusto Pereira da Cunha, em oficio de 19 de
novembro de 1866, que ainda esperava decisão da Presidência quanto a liquidação de várias
heranças de súditos prussianos130. O tom do texto revela certa irritação,

Por muitas e várias vezes tenho me dirigido ao respectivo Presidente da Província,


reiterando a arrecadação do espólio dos finados pelas autoridades competentes, mas
das respostas que este Consulado obteve da Presidência não consta se os produtos das
liquidações destas heranças foram com efeito recolhidas a Tesouraria da Fazenda ou
não, e neste último caso, onde foram parar. Tendo eu recebido já por várias vezes as
mais determinantes ordens por parte da Legação da Prússia na Corte do RJ acerca
destas heranças, recorro novamente à S.ª Ex.ª afim de obter finalmente os necessários
esclarecimentos, para com eles poder satisfazer as informações exigidas sobre o
destino que tiveram as citadas heranças. 131

Após a sútil bronca, o Cônsul conclui que só lhe restava esperar uma posição do
Presidente da Província, mas pedia urgência ao caso da herança de Nicolau Gauer, cuja situação

129
AHRGS: Documentos Consulares, Caixa 3, Maço 5-6.
130
Nicolau Gauer, morreu afogado em 19 de julho de 1859, durante viagem de Porto Alegre a São Leopoldo;
Christiano Geiss, morador de São Borja, morreu em 1860 no termo de Santa Maria; João Frederico Irion, morreu
em 1860 no mesmo termo; João Erdmann Kraemer, morreu em 1860, no Erval dos Campos Novos, município de
Cruz Alta; Guilherme Wander, morreu em 1860, no termo de Encruzilhada; João Preier, morreu em 1860 na
Colônia de Santa Cruz. AHRGS: Documentos Consulares. Caixa 3, Maço 5-6.
131
AHRGS: Documentos Consulares. Caixa 3, Maço 5-6.
119

já explicara em mais de um ofício, tanto em 10 de janeiro daquele ano, quanto em 17 de junho


do ano anterior, sendo que em 20 de dezembro de 1864 havia o Consulado recebido aviso do
Ministro da Fazenda afirmando que deveria receber a citada herança132, mas todos os esforços
haviam sido inúteis. A questão da herança de Gauer ainda estava em pauta em dezembro de
1867, quando o Cônsul fez novamente cobranças à Presidência da Província. Nicolau Gauer
havia morrido afogado no rio dos Sinos, em 1859, durante viagem de Porto Alegre a São
Leopoldo, portanto, já haviam passado oito anos sem que a herança fosse liquidada. Nas
palavras de ter Brüggen “Tem sido quase invencíveis os obstáculos com os quais tenho lutado
para liquidar dita herança”. Nomeado procurador pelos herdeiros do finado Gauer, ele realizara
todos os processos necessários e exigidos, mas ainda assim não conseguira receber dos cofres
da Tesouraria da Fazenda Nacional o valor líquido proveniente da arrecadação dos bens de
Gauer.133
Mesmo contando com o Enviado Extraordinário e Ministro Plenipotenciário da Província
na Corte, e com ordens do Ministério Público, ter Brüggen não conseguiu dar sequência em
alguns de seus trabalhos de arrecadação, guarda e entrega aos familiares e herdeiros das
heranças de súditos prussianos. Em ofício de novembro de 1866, ele reclamava do auxílio
insuficiente da Presidência ao seu trabalho referente aos espólios de vários súditos prussianos,
conforme exigências da Legação da Prússia na Corte. As respostas que recebeu ao longo dos
últimos seis anos das autoridades competentes não haviam lhe sido suficientemente úteis,
impossibilitando o resultado que desejava, isto é, “a arrecadação do espólio e a entrega do seu
produto na Tesouraria Geral, afim de que os legítimos herdeiros o possam receber”. O Cônsul
levanta a hipótese de procedimentos irregulares por parte das autoridades competentes, já que
nunca recebia o comunicado de que os espólios fossem entregues a Tesouraria da Fazenda,
portanto, duvidada que, de fato, o tivessem lá depositado, por isso chama a atenção do
Presidente da Província para essa grave situação. Para sustentar sua hipótese, ter Brüggen
comenta,

O próprio governo de S. M. o Imperador nunca duvidou que tivessem entradas estas


heranças nos cofres da nação e foi neste sentido que expediu o ministro da Fazenda o

132
“Ministério dos negócios da fazenda do RJ, 20 de dezembro de 1864. 1ª Seção: Comunico a V.ª Ex.ª em resposta
aos seus avisos de 6 de julho último e 5 do corrente, que ficam expedidas as convenientes ordens a Tesouraria da
Fazenda da Província de São Pedro para a entrega ao Cônsul da Prússia na Capital da mesma Província, das
heranças de João Preuer e Nicolau Gauer, conforme requisita a Legação da Prússia nesta Corte, em atenção a serem
diminutas as referidas heranças sendo este procedimento ditado por meras razões de equidade e deferências, e não
podendo portanto servir de procedimento nem formar regra para solução de casos idênticos no futuro, como já se
tem declarado ao Ministério a cargo de V.ª Ex.ª. – Carlos Carneiro de Campos e João Pedro Dias Vieira”. AHRGS:
Documentos Consulares. Caixa 3, Maço 5-6.
133
AHRGS: Documentos Consulares. Caixa 3, Maço 5-6.
120

seu aviso de 20 de dezembro de 1864, o qual até hoje não foi cumprido. Torno, por
conseguinte, a pedir a S.ª Ex.ª para dignar-se responder-me com a maior urgência
possível se os espólios dos súditos prussianos constantes do meu oficio de 19 do
corrente estão ou não arrecadados e recolhidos, mencionando eu principalmente mais
uma vez o espólio de Nicolau Gauer, falecido nesta cidade em 19 de julho de 1859.134

O discurso mais duro de Wilhelm ter Brüggen aparece naqueles documentos direcionados
ao Vice-Presidente da Província, Antônio Augusto Pereira da Cunha, entre 1866 e 1867. A
documentação demonstra que em outros anos, as reivindicações do Cônsul e sua comunicação
eram mais efetivos, sem tantas reclamações e em tom mais moderado. É lícito afirmar que o
Vice-Presidente não atendeu ter Brüggen como outros em sua posição haviam feito, gerando
certo atrito. Em ofício de 22 de novembro de 1866, ele é taxativo ao afirmar “É com bastante
pesar que me dirijo novamente a V.ª Ex.ª o Sr. Antonio Augusto Ferreira da Cunha, Vice-
Presidente da Província, para pedir mais uma vez de mandar me devolver documentos que V.ª
Ex.ª tem em seu poder desde o dia 4 de agosto”. A paciência estava esgotada. No mesmo
documento, ter Brüggen cobrava notícias do espólio de Nicolau Gauer, e da entrega da herança
de Johann Hermann Adolph Fehre.135 No dia seguinte, 23 de novembro, o Cônsul encaminhou
outro ofício, mais uma vez cobrando a devolução dos documentos por ele encaminhados à
Presidência no dia 4 de agosto, e pedia ainda mais urgência, pois havia lido no Jornal
Riograndense sobre trabalhos de recrutamento, e precisava dos citados documentos para o
imigrante Jorge Reinheimer, pois eram a única prova de que ele havia conseguido dois
substitutos para o serviço do Exército no lugar de seus dois filhos maiores.
Uma das atividades enquanto Cônsul, foi receber cartas de colonos e as encaminhar a
Alemanha, residência dos destinatários, como ter Brüggen fez em 1864, ao prestar contas à
Presidência da Província sobre o recebimento de cartas de colonos de Santa Cruz que havia
encaminhado ao exterior. Ele também foi um canal de contato entre o governo da Prússia e o
Governo da Província. Algumas vezes pediu cópias dos mapas estatísticos do comércio do
Império para enviar à Prússia, interessada nesses dados para direcionar investimentos. Em 1866,
em ofício ao Secretário de Governo, apresentou os títulos das eleições para Pastores do Culto
Evangélico na Colônia Santa Cruz, dos Srs. Hermann Jacob Bergfried e Christian Schmidt,
ordenados pelas autoridades eclesiásticas no Reino da Prússia, para que fossem registrados e
publicados pela imprensa oficial.136

134
AHRGS: Documentos Consulares, Caixa 3, Maço 5-6.
135
Ibidem.
136
Ibidem.
121

Parece que ter Brüggen contou com a ajuda do filho, Edgar ter Brüggen, nos trabalhos do
Consulado. Encontramos um registro de 1882 relatando o caso do naufrágio da Escuna Alemã
Anna em outubro de 1882, ocasião na qual o Consulado mandou ao local do sinistro o filho do
Cônsul para fiscalizar as medidas possivelmente necessárias em relação à venda do navio, seus
aparelhos e sua carga. Não há como afirmar se foi um pedido de momento, ou se, de fato, Edgar
era funcionário do Consulado. Outra questão atrelada ao cargo de Cônsul, era a possibilidade
de ter reuniões diretamente com o Presidente da Província. Há dois ofícios de ter Brüggen nesse
sentido, pedindo encontro com o Presidente para tratar de assuntos referentes ao seu cargo.137
As reivindicações dos colonos muitas vezes foram direcionadas ao Consulado, na certeza
de que a autoridade do Cônsul iria interceder por elas, como ocorreu na comunidade Evangélica
de São Leopoldo, após divergências que diziam respeito as funções do Pastor Guilherme
Rotermund. Separaram-se seus membros em uma maioria de cerca de 130 pessoas que
continuaram a ter Rotermund como seu Pastor, e uma minoria de 90 pessoas que não mais o
reconhecia como tal e elegeram como Pastor o Sr. Schafer, alfaiate de oficio e sem instrução
superior alguma. O Cônsul ter Brüggen informou ao Vice-Presidente da Província que lhe cabia
decidir favoravelmente ou não ao pedido do grupo menor para registrar como Pastor o dito
Schafer.138
Em ofício de 1878, o Capitão H. Schultz pedia ao Cônsul da Prússia para ajudá-lo a
livrar-se de uma multa no valor de rs 100$000 aplicada sobre sua escuna alemã, Iduna, que
havia entrado em uma área de calagem inferior àquela suportada por seu navio. ter Brüggen
recorreu ao Presidente da Província, como solicitado, mas não obteve êxito no alívio da multa,
pois a Capitania do Porto já havia dado parte do ocorrido. Outro caso interessante, foi o da
viúva Margaretha Frank, uma mulher doente de cama há sete anos, e que pediu a intervenção
do Consulado da Prússia no caso seguinte: seu finado marido, Carlos Frank, recebera em 1828
do Governo Geral, uma colônia com título provisório situada no 4º Distrito de São Leopoldo.
Morando o casal na dita terra durante mais de 30 anos, julgavam de sua propriedade a tal
colônia. Mas após medições feitas na região por compradores de lotes, foi comunicado a
Margaretha que sua propriedade lhe tinha sido tirada. Ela, então, entregou seu título a um
representante, o Sr. Bastos, para que fosse a Porto Alegre em nome dela tratar da injustiça.
Bastos assim o fez, reunindo ao requerimento o título provisório, que foi parar nas mãos de
Vicente Batista Darcy, procurador do Sr. Prestes, um dos compradores de lotes que havia feito
as medições próximas à propriedade da viúva. Com a posse do título, Vicente Batista Orcy

137
AHRGS: Documentos Consulares, Caixa 3, Maço 5-6.
138
Ibidem.
122

vendeu a colônia, recusando-se a devolver para a viúva seu título de propriedade. Frente a essa
situação, ela pediu ajuda ao Cônsul, que oficiou ao Presidente da Província em 10 de junho de
1863, destacando o quão grave entendia ser aquela situação.139
Havia sido comunicado ao Consulado por parte da Presidência a suspeita de serem
contrabando algumas mercadorias tomadas do súdito prussiano José Hammes, sendo que o
mesmo colono havia pedido ao Cônsul para interceder ao seu favor, pois já faziam quase dois
meses que diversos caixões com fazendas e mercadorias importadas por ele da Antuérpia
estavam embargados pelo Chefe Interino de Polícia e depositados ao poder do Sr. Juiz
Municipal de São Leopoldo. Para reforçar o pedido, ele enviava um abaixo assinado com as
assinaturas de Henrique Kraus, Nicolau Kraus, Guilherme Kraus, João José Marges e Felipe
Scherer, testemunhando a seu favor.
O Cônsul, como se vê, era solicitado por indivíduos alijados em algum sentido, mas
também por grupos de colonos. Houve o caso em que vários colonos de São Leopoldo pediram
ajuda a ter Brüggen para interceder por eles junto ao Presidente da Província e também a
Legação da Prússia no Rio de Janeiro. Explicavam que tiveram de enfrentar a tentativa de uma
empresa de lotear e vender suas terras, localizadas na Fazenda Padre Eterno, em São Leopoldo.
Entraram na justiça e venceram a causa, entretanto a empresa havia mudado de nome e
recomeçou sua tentativa de medir e vender as terras particulares como se fossem devolutas.
Tamanha foi a repercussão do caso, que o próprio Presidente da Província foi visitar as tais
terras, e sinalizou interceder a favor dos colonos, visto que identificou que as medições em
andamento passavam por roças e até por cima de casas.140
Parte considerável das solicitações à ter Brüggen estavam relacionadas com o
recrutamento forçado de imigrantes e seus filhos, sobretudo os menores de idade. Em novembro
de 1866, ter Brüggen oficiava à Presidência da Província, explicando o caso do súdito prussiano
Pedro Jung, negociante e morador da margem direita do rio dos Sinos, em frente a cidade de
São Leopoldo. O subdelegado do quarto distrito da mesma cidade havia aparecido em sua casa
dando voz de prisão para o fim do serviço militar ao seu filho, Pedro Jung Junior, de 15 anos
de idade e empregado como caixeiro na casa do pai. O Cônsul argumentava que o próprio
Presidente havia o comunicado que estavam sujeitos ao serviço militar todos os brasileiros
maiores de 18 anos e menores de 60 anos, portanto, não era o caso de Pedro Jung Jr, assim, não
sabia com que direito ele fora levado para o serviço militar pelo subdelegado. O momento era
conturbado por conta da Guerra do Paraguai, mas não justificava a ação arbitrária. Assim, ter

139
AHRGS: Documentos Consulares, Caixa 3, Maço 5-6.
140
Ibidem.
123

Brüggen pedia não só intercessão no caso citado, mas também que o Presidente tomasse as
providências necessárias para proteger os súditos prussianos de maneira que não fossem
invadidas as suas casas “fora da honra e contra as disposições das leis em vigor, nem chamados
para o serviço militar os seus filhos menores de 18 anos”. A situação naquele momento era tal
que, de conformidade com as ordens da Legação da Prússia na Corte do Rio de Janeiro, ter
Brüggen estava passado certificados aos filhos menores de pais prussianos que assim pediam,
válidos até que completassem 18 anos.141
Ainda assim, mesmo com os atestados, houve casos de desrespeito e recrutamento
forçado. ter Brüggen havia passado ao filho de João Scherer, morador de Cachoeira, atestado o
isentando do serviço militar até a idade de 18 anos. Entretanto, o inspetor de quarteirão, Libério
Nunes de Melo, havia acometido a casa de João Scherer durante a noite e tirado a força seu
filho, João Scherer Filho, o amarrado em um cavalo. O animal, assustado, derrubou o rapaz,
pisando-o bastante. Apesar de bastante machucado, ainda assim foi levado pelo inspetor. O pai
do menino se dirigiu ao Coronel Hilário Pereira Fortes, mostrando o atestado passado por ter
Brüggen, e recebeu como resposta que o dito Coronel não se importava com atestados de quem
quer que fosse e que seu filho haveria de marchar, independente de sua idade. Frente aquela
situação, o Cônsul deu bronca no Presidente da Província, afinal, já havia lhe pedido para avisar
todas as autoridades competentes acerca da isenção do serviço militar aos súditos prussianos
menores de 18 anos, mas parecia não ter tido efeito. A situação de Pedro Scherer, porém, era
ainda pior, pois um outro filho seu, Pedro Scherer, maior de 18 anos e que em 1866 havia
arranjado um substituto para o serviço militar, havia sido levado preso da casa de seu pai para
prestar serviço militar. Em face daquilo tudo, o Cônsul pedia as mais urgentes ordens do
Presidente da Província para pôr em liberdade Pedro e João Scherer, e que tomasse as
necessárias providências para evitar outros escândalos parecidos.142
O nível de tensão pelos constantes casos de recrutamento de súditos prussianos menores
de idade levou a uma discussão entre ter Brüggen e o Presidente da Província, Francisco Ignácio
Marcondes Homem de Mello. Em 29 de janeiro de 1867, o Cônsul oficiou à Presidência
informando que o menor Jacob Guilherme Schmall, natural de São Leopoldo, havia sido
recrutado e achava-se preso. Ele tinha 17 anos de idade e aprendia o ofício de carpinteiro na
casa de Luis Gebert, em Porto Alegre. Junto ao ofício, fora enviado um documento
comprovando a situação de menor de Jacob. Haviam passado três dias, e nenhuma resposta fora
enviada ao Consulado. O menor já estava preso há seis dias. ter Brüggen pediu novamente a

141
AHRGS: Documentos Consulares, Caixa 3, Maço 5-6.
142
Ibidem.
124

soltura dele. Eis que a resposta veio. O Presidente comunicava que não tinham fundamento as
reclamações de ter Brüggen acerca do recrutamento do menor Jacob.143 Irritado, o Cônsul
retrucou,

[...] tenho a significar a S.ª Ex.ª que estranho bastante semelhante modo de pensar.
Julgo estar muito no meu direito na reclamação que faço, primeiro de tudo, porque é
da minha obrigação cuidar que não sejam lesados os direitos dos súditos prussianos
na esfera das atribuições deste Consulado. [...] Independente disso, devem existir na
Secretaria da Província ordens assaz terminantes, que avisam aos Presidentes de dar
o devido apreço as reclamações feitas por este Consulado em relação aos filhos
menores de súditos prussianos. Ao menos foi me isso comunicado pela Legação da
Prússia na Corte do Rio de Janeiro e pelos antecessores de S.ª Ex.ª o Sr. Dr. Francisco
Ignácio Marcondes Homem de Mello, foram sempre atendidas as reclamações – aliás
justas – que este Consulado lhes dirigiu. Tendo assim respondido ao seu citado ofício,
espero que refletindo mais uma vez sobre o assunto do meu ofício datado de 29 do
mês passado, mandará pôr em liberdade o menor Jacob Guilherme Schmall, preso no
Quartel desta Capital.144

Apesar do tom carregado das palavras de ter Brüggen, em perceptível ameaça ao


Presidente da Província, sua solicitação não foi atendida. Restou levar a questão ao
conhecimento da Legação da Prússia na Corte do Rio de Janeiro. O Cônsul fez questão de
oficiar a Presidência avisando tal atitude, e registrava que sua posição em defesa dos filhos de
súditos menores de 18 anos seguia as recomendações do Sr. von Eühmann, Enviado
Extraordinário e Ministro Plenipotenciário do Rei da Prússia junto a corte do Rio de Janeiro, e
eram ordens expressas do Ministro de Sua Majestade o Imperador do Brasil. Por fim, ele venceu
aquela disputa. Em 8 de fevereiro de 1867, o Presidente da Província ordenava a soltura de
Jacob Schamall, que havia assentado praça com destino a um dos Corpos de Cavalaria. 145 A
autoridade consular fizera-se efetiva.
Também maiores de idade sofreram com a truculência do recrutamento, mesmo aqueles
que estavam dispensados do mesmo pelo decreto nº 1.090 de 10 de setembro de 1860. Em
agosto de 1866, ter Brüggen recebeu pedido de intercessão para com a Presidência da Província
por parte do súdito prussiano João Hanauer. Na ausência dele e de sua mulher, o Major
Agostinho de Souza Loureiro invadiu o domicílio do casal e permitiu que seus subordinados
prendessem o filho de João Hanauer, Francisco Hanauer. Para tanto, arrombaram portas,
armários e até o soalho. Em vista de João Hanauer ter perto de 70 anos e ser cego de um olho,
bem como sua mulher também ter a mesma idade e andar quase sempre doente de cama,

143
AHRGS: Documentos Consulares, Caixa 3, Maço 5-6.
144
Ibidem.
145
Ibidem.
125

precisavam do filho para os ajudar, por isso o mesmo estava isento do serviço militar. Em vista
destas circunstâncias, João pedia para seu filho ser posto em liberdade.
A atuação de ter Brüggen como Cônsul englobou diversos assuntos relacionados com o
cotidiano dos imigrantes estabelecidos nas Colônias do Rio Grande do Sul, e ele fez a mediação
entre as soluções e as reivindicações. Era uma autoridade de grande respeito, e a ele muitos
recorreram cientes de sua força política. Compromissado com suas tarefas, enfrentou pelo
menos dois Presidentes Provinciais que não cooperavam com suas solicitações e obteve êxito
em um dos casos, demonstrando habilidade nas estratégias para enfrentar autoridades acima da
dele. Foi um imigrante que deu voz a vários outros imigrantes perante o poder público, e sua
competência, entendida de formas variadas, é atestada pelos vinte anos em que se manteve no
cargo de Cônsul, vivenciando trocas constantes dos presidentes de Província, com quem
precisava tratar a todo momento.

2.2.2 Frederico Haensel, o Comerciante

Durante a construção de nosso trabalho dissertativo, sem dúvida, Frederico Haensel foi o
personagem com a menor quantidade de vestígios documentais encontrados, logo, não
possibilitou o mesmo volume de resultados e análises que os demais. Da mesma forma, seu
nome poucas vezes aparece na historiografia, pelo menos naquela interessada no período aqui
estudado, 1851-1881. Frente a essa condição, a mais recorrente identificação ligada a esse
personagem foi sua profissão de comerciante, ainda que nada conste sobre ele no arquivo da
Junta Comercial de Porto Alegre146. Também no Arquivo Histórico de Porto Alegre pouco
encontramos sobre a atuação comercial de Haensel. Nesse sentido, acreditamos que essas
lacunas indicam possibilidades de outras pesquisas interessadas na figura de Frederico Haensel,
uma vez que silêncios também são sonoros. A nós, não houve como dedicar maior atenção a
ele, visto que não havíamos como ir seguidamente para Porto Alegre em busca de
documentação, e quando lá estávamos, tínhamos também de dar seguimento nas pesquisas
envolvendo Kahlden, Koseritz e ter Brüggen. Aqui não queremos imprimir uma visão fatalista,

146
Entramos em contato com a Junta Comercial de Porto Alegre em dois momentos. Primeiro, em abril de 2015,
e informaram que não existia arquivo algum lá. Esqueci por certo tempo a possibilidade de encontrar algo relativo
as atividades comerciais de Haensel, Kahlden, ter Brüggen e Koseritz relacionadas à Junta Comercial. Então, em
agosto de 2016 fiz nova tentativa após verificar em alguns trabalhos a citação bibliográfica de fontes pertencentes
a dita Junta. Dessa vez, havia um arquivo, e fui muito bem atendido pela arquivista do local. Entretanto, a mesma,
seguindo as normas internas, realizou busca no gigantesco acervo de 24 milhões de documentos e disse nada
encontrar lá sobre os personagens citados.
126

mas apenas esclarecer as contingências encontradas durante a pesquisa. Dito isso, resta
apresentar aquilo que encontramos.

Figura 6 – Frederico Haensel

Fonte: PORTO, Aurélio. O Trabalho Alemão no Sul do Brasil. POA: Martins Livreiro, 1996, p. 189.

Frederich Häensel, assinado Frederico Haensel, filho de Susana Catarina Haensel e


Guilherme Haensel, veio para o Brasil em 1851 como legionário Brummer, no navio Heinrich,
servindo como soldado do Regimento de Artilharia, aquele que não sabia montar em seus
animais (LEMOS, 2015). Não temos informações sobre a participação dele na Guerra contra
Oribe e Rosas (1851-1852), se marchou para o Uruguai ou permaneceu em Rio Grande, se lutou
em Monte Caseros, se desertou, ou se cumpriu o contrato até o fim. De qualquer forma, ele veio
para o Rio Grande do Sul como mercenário, e lá permaneceu. Em 19 de março de 1859, casou
com Ernestina Haensel, na Comunidade Nossa Senhora Mãe de Deus, em Porto Alegre.147 Do
enlace matrimonial e vida conjugal tiveram dois filhos, Oscar Haensel (veio a se casar com D.
Ana Haensel) e Waldemar Haensel (veio a se casar com D. Maria L. de Albuquerque Haensel);

147
Base de dados Familysearch. Número do projeto de indexação (lote) M68510-1. Origem do sistema Brazil-
EASy. Número do filme 1390976. Disponível em: < https://familysearch.org/ark:/61903/1:1:XNPN-DQG>
Acesso em 17 de junho de 2016.
127

e três filhas, Otília Haensel, Hedwiges Haensel e Amália Haensel, não constando nenhuma
delas ter casado até 1892, ano da morte de Frederico Haensel.148
A respeito de sua esposa, encontramos rápida referência a ela nas lembranças de vida de
Hedwig Textor Trein, exímia pianista e botânica, esposa de Carlos Trein Filho, Diretor da
Colônia Santa Cruz entre 1870 e 1878, escrito em 1937, quando fala de sua infância, na década
de 1850.

Em Rio Pardo naquela época só havia duas famílias alemãs: Nicolau Hasslocher e
Luchsinger que eram os proprietários de um armazém no assim chamado "Passo".
Hasslocher era o avô de Dr. Germano Hasslocher e de Ernesta Haensel, cujo marido,
o deputado Frederico Haensel, foi assassinado no jardim de sua casa pelas costas, na
rua da Figueira (Cidade Baixa) na revolução de 1889.149

A esposa de Haensel era neta de um comerciante e negociante, Nicolau Hasslocher, dono


de uma Companhia com seu nome, como consta em documento do cartório de Rio Pardo, de
23 de outubro de 1852, quando compareceu ao mesmo, representando Guilherme Bormann e
Cia. para receber a casa de um casal como pagamento de dívida.150 Não sabemos se ela teve
outros familiares envolvidos com o comércio, mas é lícito afirmar que Ernestina pertenceu a
uma família ligada ao mesmo, e talvez fora justamente aquele o meio através do qual Frederico
Haensel entrou em sua vida. Além disso, ela era de origem alemã, assim como seu esposo. A
união do casal foi, ou consequência da atividade comercial de Haensel, ou causa de sua
trajetória como negociante e comerciante, uma vez que veio a ser sócio na Companhia “Hansel
e Hasslocher e Cia”, uma das proprietárias do vapor Guaíba (WITT, 2008), isto é, uniu forças
com a família da esposa, os Hasslocher. Foi, portanto, através das atividades comerciais, que
Frederico Haensel conquistou o destaque que o levou a morar e atuar em Porto Alegre e investir
na vida política, chegando ao cargo de Deputado Provincial do Rio Grade do Sul.
Relacionado a atividade comercial, está o envolvimento de Haensel com a imprensa.
Junto a outros importantes comerciantes alemães de Porto Alegre,151 dentre eles ter Brüggen,
que assumiu provisoriamente o cargo de editor, foi um dos fundadores do jornal bissemanal
Deutsche Zeitung152, criado na década de 1860, e que foi um dos periódicos mais importantes

148
APERS: Inventário de Frederico Haensel. Em 1892, Amália tinha 28 anos, Otília 31 anos e Hedwiges 14 anos.
Não sabemos se Otília exerceu alguma profissão, mas Amália, sim, ela era cantora de ópera, e quando seu pai
morreu estava trabalhando na Europa.
149
TREIN, Hedwig Textor. Lembranças da vida de Hedwig Textor Trein. Tradução de Erna Krahe. Disponível
em: < http://heuser.pro.br/showmedia.php?mediaID=486> Acesso em 12 de setembro de 2016.
150
APERS: Rio Pardo, Livro de Transmissões/Notas, 2º Tabelionato, nº 12, fls. 93 a 95 - 15/02/1851-11/08/1853.
151
Outros comerciantes que participaram da iniciativa: Lothar de la Rue, Julius Wollmann, Richard Huch, Jakob
Rech e Emil Wiedemann (WEIZENMANN, 2015).
152
Em tradução livre, Jornal Alemão.
128

publicados em língua alemã no Rio Grande do Sul. A partir de 1864, Koseritz assumiu o cargo
de redator deste jornal, e nele permaneceu até 1881, quando fundou seu próprio jornal, o
Koseritz’ Deutsche Zeitung153 (PESAVENTO, 1992). Na década de 1860 encontramos
Frederico Haensel como comerciante bem-sucedido, com negócios em Porto Alegre e uma
venda em Santa Cruz. Além disso, nesse período ele atuou como Vice-Cônsul da Prússia em
Santa Cruz, logo, trabalhou como funcionário público. As fontes demonstram que o poder
atinente ao seu cargo lhe fez agir de modo a entrar em conflito com o Diretor colonial, Afonso
Mabilde.
Aqui, nos cabe apresentar a atuação de Haensel como Vice-Cônsul da Prússia através das
poucas fontes documentais encontradas, porém ricas em conteúdo. Aquele cargo foi um dos
espaços de atuação política de Haensel, e dele soube se valer para exercer sua autoridade.
Consta em ofício de 4 de junho de 1867, enviado do Consulado Real da Prússia em Porto
Alegre, ao Sr. João José de Monte Júnior, Secretário do Governo, a remessa da carta Patente da
nomeação de Frederico Haensel para Vice-Cônsul da Prússia em Santa Cruz. A nomeação,
conjectura-se, pode ter sido reflexo da aproximação com ter Brüggen, então Cônsul da Prússia
em Porto Alegre, com quem havia fundado, junto de outros comerciantes, o Deutsche
Zeitung.154
Enquanto Vice-Cônsul, ele esteve entre os principais envolvidos em um caso interessante
relativo ao acesso a uma estrada da picada velha de Santa Cruz, que gerou ofícios do Palácio
do Governo, da Repartição do Agente Intérprete da Colonização em Porto Alegre, então Karl
von Koseritz, e da Diretoria de Santa Cruz. Foi uma grande confusão. Em 3 de janeiro de 1868,
Frederico Haensel enviou ofício ao Presidente da Província, o Sr. Marcondes Homem de Melo,
levando ao conhecimento do mesmo um abaixo-assinado dos moradores da colônia particular
do Major João de Freitas Leitão, e apresentando sua visão e a daqueles que estavam ao seu lado
no seguinte caso,

O abaixo assinado Vice-Cônsul da Prússia na Colônia de Santa Cruz vê-se obrigado


de procurar a intervenção de V.ª Ex.ª em um assunto bastante sério, o qual pendendo
há muito tempo, poderá algum dia causar fatais consequências, sem ter assim mesmo
da parte das autoridades do lugar, até hoje merecido atenção merecida. Trato de um
caminho público, como dizem ilegalmente tapado, caminho este que na Colônia de
Sta. Cruz, passando pela Colônia da viúva Maria Oestrich, dá o único trânsito aos
moradores da Colônia particular do Major Leitão. O mesmo caminho, além de
público, como consta, foi há tempo comprado pelo mencionado Sr. Major Leitão por
rs 160$000 à Colona Oestrich, a qual, porém, negando a sua obrigação de fazer cerca
na extensão da dita estrada preferiu fechar a mesma como bem lhe conveio, e dali as
rixas e continuadas brigas com os vizinhos. Portanto, achará V.ª Ex.ª motivo de um

153
Em tradução livre, Jornal Alemão de Koseritz.
154
AHRGS: Documentos Consulares. Caixa 3, Maço 5-6. Consulado da Prússia 1867 – Porto Alegre.
129

abaixo assinado nº 1, da maior parte (17) dos moradores das colônias do Sr. Leitão, e
nº 2, assinado por quase todos os vizinhos (38) da Colona viúva Oestrich, os quais
com justa razão se queixam da má vizinhança, resultando isso principalmente da
circunstância de ser a Colônia de Oestrich mal tapada ou quase toda aberta. O abaixo
assinado leva o presente caso ao conhecimento de V.ª Ex.ª, por que, como já teve a
honra de incluir a V.ª Ex.ª, as autoridades locais, ou por fracas ou por inertes não terão
solução.155

A crítica de Frederico Haensel ao Diretor da Colônia Santa Cruz, Afonso Mabilde, estava
expressa quando mal dizia as “autoridades locais”, desatentas ao que pediam os colonos, e
inertes ao não agir. A solicitação traduzida ao português pelo Vice-Cônsul, entretanto, foi
indeferida pelo Palácio do Governo em Porto Alegre, a 12 de abril de 1868, sob o argumento
de que a estrada de que tratavam os suplicantes era de propriedade particular, conforme havia
informado o Diretor da Colônia Santa Cruz. A queda de braço entre Haensel e Mabilde,
portanto, deu vitória ao segundo. Os colonos haviam realizado a seguinte solicitação,

Os abaixo assinados moradores na Colônia particular do Sr. Leitão nos fundos da


Picada de Sta. Cruz, declaramos um por todos e todos por um que se nos torna
absolutamente impossível admitir a continuação de porteiras no caminho pelo qual
temos de transitar para poder chegar nas nossas casas; caminho é público e nesse caso
ninguém tem o direito de proibir o trânsito livre. Todos nós somos prejudicados pela
circunstância de se fechar com porteiras a dita estrada, e por isso nós reclamamos, não
achando justo, que todos nós devemos sofrer por causa de um só. Nós pedimos livre
e desembaraçado trânsito neste caminho que é notoriamente público e para mais
ajuntamos as nossas próprias assinaturas. Santa Cruz, 28 de dezembro de 1867. 156

A grande polêmica girava em torno do trecho de estrada que passava na frente da


propriedade da viúva Maria Oestrich, trancado dos dois lados da passagem por cancelas, o que
dificultava o trânsito dos moradores das colônias do Sr. Leitão. Maiores detalhes dessa situação
ofereceu a correspondência de Afonso Mabilde a Karl von Koseritz, de 4 de junho de 1868,
apresentando sua perspectiva dos fatos, o seu lado da história.157 Como conta, em 31 de maio
do dito ano, um domingo, chegou à sede da Diretoria de Santa Cruz, Josefina, a filha da viúva
Oesterich, moradora na Picada Santa Cruz, para lhe transmitir aviso sobre a conduta do Vice-
Cônsul da Prússia daquela colônia. Ela havia ido na venda de Frederico Haensel, chegando lá
por volta de 11h30, onde encontrou um grande número de colonos conversando com o dito
sobre o caminho particular do Major Leão de Freitas Leitão, que passava pelo prazo colonial
de sua mãe. Com o consentimento do Major Leitão, a viúva conservava, tanto na entrada como
na saída do caminho, cancelas para evitar que seus animais não saíssem de seu potreiro e

155
AHRGS: Documentos Consulares. Caixa 3, Maço 5-6. Consulado da Prússia 1867 – Porto Alegre.
156
Ibidem.
157
Ibidem.
130

entrassem nas roças dos vizinhos. A menina relatou que Frederico Haensel disse aos colonos
em sua venda que para acabarem com aquela questão do caminho deviam arrancar as cancelas,
e que o fizessem sem receio, pois ele, na qualidade de Vice-Cônsul, se responsabilizaria pelo
resultado e, portanto, da justiça nada tinham eles de temer.
Ao voltar para casa, a menina contou tudo o que ouvira para sua mãe, que disse ser preciso
tomar providências para barrar o pretendido vandalismo dos colonos descontentes. Ela
prometeu que caso se atrevessem vir sobre sua propriedade para arrancarem as cancelas,
nenhuma hesitação teriam seus dois irmãos e mais alguns amigos de fazerem uso de armas de
fogo sobre os invasores. Como o conselho de dar fim nas cancelas partira do Vice-Cônsul, a
viúva assegurava que a ele deveria recair a responsabilidade da eventual morte por bala de
algum colono, e repetia com toda a certeza que iria opor à força armada os atos dos salteadores.
Sabendo da posição ofensiva da viúva, Mabilde deu conselhos para a menina levar a sua mãe,

Não obstante julgar impossível que o proverbial descaso do Vice-Cônsul chegasse a


tanta audácia como ordenar em seu nome e sob sua responsabilidade semelhante ato
de vandalismo, menosprezando as leis do país e a propriedade alheia; contudo, por
prudência aconselhei, recomendei e pedi com instância à queixosa que pelo contrário
influísse para que seus irmãos sabendo dessa circunstância não se armassem e que não
atirassem sobre aqueles colonos mal aconselhados, caso fossem praticar o ato,
conforme ela acabara de relatar-me; fazendo-lhe ver os tristes resultados que tal
resistência de mão armada podia trazer consigo, tanto para sua mãe sexagenária e sua
família, como para os autores.158

O Diretor de Santa Cruz estava incrédulo quanto ao “descaso e arrogância” de Frederico


Haensel, e fez questão de destacar os referidos adjetivos ao Agente Intérprete, Koseritz, em seu
ofício. Minimizando a atitude do Vice-Cônsul, por desacreditar dela, ele pediu à menina para
convencer a viúva de baixar a guarda, a fim de evitar uma tragédia. Porém, a certeza quanto a
postura de Haensel em aconselhar os colonos a atitudes ilegais fez-se verdadeira ao receber a
visita da viúva na Diretoria colonial. Ela lamentava e declarava que ainda no domingo, dia 31
de maio, os colonos João Kessler e Schwantz, haviam aparecido em sua casa e prometido, sem
pudor, que em breve ela veria as cancelas do caminho arrancadas, pois o Vice-Cônsul assim
lhes ordenara no intuito de pôr termo aquela questão. O serviço, garantiram, seria feito pelos
colonos das terras do Sr. Leitão. Em meio às ameaças, usaram palavras de baixo calão.
De fato, no dia seguinte, consumaram o plano. Aproveitaram que a viúva e sua filha
haviam saído, chamadas à casa do colono Walter Simon, e, camuflados pela escuridão da hora
avançada da noite, não somente arrancaram as duas cancelas, como depois de as terem

158
AHRGS: Documentos Consulares. Caixa 3, Maço 5-6. Consulado da Prússia 1867 – Porto Alegre.
131

espedaçado tacaram fogo nas mesmas. O ato foi ainda pior, pois os vândalos soltaram os
animais do potreiro da viúva, que andaram espalhados pelas roças dos vizinhos e pela picada
velha de Santa Cruz acima, além da Boa Vista. A mulher e sua filha demoraram quase o dia
todo para conseguir reunir os animais. O Diretor observava que, caso não tivesse convencido a
viúva das consequências de uma emboscada aos revoltosos, certamente teria havido mortes
entre os responsáveis pela depredação das cancelas, e entre os protetores de sua propriedade.
Ainda, criticava o abaixo-assinado que o Vice-Cônsul havia escrito de próprio punho dirigido
ao Presidente da Província, o considerando “tão arrogante quanto insolente”, com data de 29 de
dezembro de 1867, com a assinatura de 38 colonos, antes citado por nós. O dito ofício chegara
em suas mãos após lhe ser remetido pelo Presidente, com ordens para a Diretoria informar sobre
a questão da estrada. Segundo Mabilde, aquele documento era uma tentativa mentirosa de
Haensel, usando os meios a seu alcance, de iludir a Presidência, e comprometer a Diretoria e as
autoridades policiais de Santa Cruz quando mencionava que as autoridades locais negaram fazer
justiça aos signatários do abaixo-assinado.159
O Diretor explicava que não havia dado queixa ao Chefe de Polícia por intermédio do
inspetor Delegado, porque conseguira abrandar a justa ira dos membros da família da viúva e
de outras pessoas indignadas com aqueles atos de vandalismo ordenados pelo Vice-Cônsul.
Assim, pedia ao Agente Intérprete para levar ao conhecimento do Governo Provincial, em um
desabafo, que não cabia mais a ele e nem mesmo a autoridade policial competente a
responsabilidade quanto a tranquilidade pública que até então reinara em Santa Cruz, pois não
estava ao alcance deles processar um destacado Vice-Cônsul da Prússia, a quem deveria recair
a culpa por qualquer desordem que pudesse vir a ocorrer naquela colônia. Assim, deixava nas
mãos de Koseritz pressionar o Presidente da Província para tomar atitudes em relação à atitude
desastrosa de Haensel. Como solicitado, Koseritz encaminhou o ofício de Mabilde à
Presidência, frisando

Tenho a honra de transmitir a V.ª Ex.ª o incluso ofício que ontem recebi do Diretor de
Santa Cruz, e no qual o mesmo articula queixas tão graves e com linguagem tão acre
contra o Vice-Cônsul da Prússia naquela Colônia, que não posso deixar de chamar a
atenção de V.ª Ex.ª para essa representação, para tomar as providências que julgar de
justiça. Pelo que diz respeito a questão da entrada da viúva Maria Oestrich, a qual tem
dado causa a toda essa longa questão, posso informar a V.ª Ex.ª, porque em ocasião
da minha recente viagem a Santa Cruz encontrei pessoalmente o lugar e ouvi os
interessados.160

159
AHRGS: Documentos Consulares. Caixa 3, Maço 5-6. Consulado da Prússia 1867 – Porto Alegre.
160
Ibidem.
132

O Agente Intérprete esclarece algumas questões, até então deixadas de lado frente aos
desentendimentos entre o Diretor colonial e o Vice-Cônsul, e explica que o Major Leitão
possuía terras nos fundos da picada velha de Santa Cruz, e resolvera colonizá-las, vendendo ali
vários lotes coloniais. A princípio, não havia uma estrada passando por aquelas terras. O Major,
ao vender os lotes, fez a promessa verbal de arrumar um caminho com saída na picada velha,
para proporcionar aos colonos um meio de levarem seus produtos ao mercado de Santa Cruz.
Para tanto, o Sr. Leitão comprou da viúva Maria Oestrich, possuidora do prazo nº 1 da picada
velha, alguns palmos da frente de sua Colônia, suficientemente larga para uma estrada, por
160$000 reis, sem impor à mesma a condição de cercar suas terras na beira do novo caminho.
Por isso, a viúva, não querendo construir uma cerca, colocou na entrada e na saída da estrada
duas cancelas, para impedir a saída dos seus animais. O colono Wudke, morador de outro prazo
vizinho da citada entrada particular, cercou todo o seu lado, mas a viúva nada fez.
Os colonos moradores das terras particulares do Major Leitão, incomodados, passaram a
exigir livre trânsito pelo trecho na frente da casa da viúva, fazendo nascer a polêmica questão
das cancelas. Quando Koseritz esteve em Santa Cruz, comenta, encontrou-se com um grupo de
colonos interessados em debater a questão da estrada com ele, e lhes declarou que, como eram
proprietários de terras particulares, ou seja, não estavam sob a jurisdição de uma colônia
provincial, ele nada poderia fazer para ajudar, cabendo a solução do problema à Câmara
Municipal de Rio Pardo. Koseritz os aconselhou a primeiro procurarem o Major Leitão e pedir
que o mesmo mandasse fazer uma cerca para a viúva, dando fim nas cancelas. Caso recebessem
resposta negativa, então teriam de fazer requerimento à Câmara Municipal. Sempre propositivo,
Koseritz pedia ao Presidente da Província, Joaquim Vieira da Cunha, para pressionar o Sr.
Leitão a fazer a cerca, pois a viúva não faria.161
Haensel recebeu um ofício que muito o desagradou, e devolveu o mesmo à Presidência
da Província, em 12 de setembro de 1868, sob a alegação de que “não é dado a um agente
consular de S. M. o Rei da Prússia avaliar semelhante documento”, e alertava que, além de estar
devolvendo o ofício em questão, iria encaminhar seu conteúdo ofensivo para a legação da
Prússia no Rio de Janeiro.162 Ele tentava manter firme sua posição perante as acusações do
Diretor Mabilde contra sua conduta e, ao mesmo tempo, é lícito conjecturar, fazia certa
chantagem à Presidência, pois prometia levar ao Rio de Janeiro toda aquela questão. Por um
lado, pode ser que de fato queria defender a honra de seu nome e posição, mas por outro, pode
ser que queria apenas amenizar a complicada situação em que estava. O certo é que, após as

161
AHRGS: Documentos Consulares. Caixa 3, Maço 5-6. Consulado da Prússia 1867 – Porto Alegre.
162
Ibidem.
133

trocas de correspondências entre as diversas autoridades envolvidas no caso, não tardou a


Haensel receber advertência da Presidência da Província sobre sua conduta.

Tendo chegado ao conhecimento desta Presidência que alguns colonos da Colônia


particular de João de Freitas Leitão, situada nos fundos da picada velha da Colônia de
Santa Cruz, violenta e discriminadamente destituíram as cancelas que se achavam
colocadas no princípio e no fim de uma estrada particular que passa pelo prazo
colonial nº 1 da viúva Maria Oestrich; e porque conste também que os referidos
colonos assim procederam instigados pelos conselhos do Sr. Frederico Haensel, Vice-
Cônsul de S. M. o Rei da Prússia, esta Presidência significa ao mesmo Sr. Vice-
Cônsul, que espera que usará da influência que lhe dá o cargo que exerce nessa
colônia, no sentido de convencer os colonos do dever que tem de respeitar as leis e
autoridades do país em que vivem, sob pena de serem punidos como merecem. 163

A mensagem era clara, e ao lembrar a consequente punição àqueles que desobedecessem


às leis, provavelmente incluía Haensel aí. Em suma, ele não demonstrava constrangimento com
a atitude de incitar os colonos à prática da depredação, o Diretor de Santa Cruz havia
considerado a presença do Cônsul na Colônia como um motivo de discórdia, o Agente
Intérprete entendia que os Colonos deveriam dirigir-se ao Major Leitão para dar fim ao
problema, e caso nada obtivessem, buscar apoio na Câmara Municipal de Rio Pardo, por fim, a
Presidência da Província oficiara a Haensel esperando dele atitude contrária àquela que as
descrições diziam ter tomado, ou seja, convencer os colonos a respeitarem as leis, e não o
contrário.
Nada mais encontramos a respeito dos desdobramentos do caso descrito, ainda assim, é
elucidativo como a posição de Vice-Cônsul fez Haensel considerar a si próprio acima da lei, e
mais do que isso, um representante dos colonos, que aliás praticaram os atos de depredação
convictos da impunidade em face do apoio da autoridade consular. O jogo de poder entre os
diversos representantes do Complexo Colonial e do Estado provincial fez-se notável. Primeiro,
a disputa ficou centrada na municipalidade, com o Diretor colonial e as autoridades policiais
contestando a postura do Vice-Cônsul. Depois, o Agente Intérprete levou o caso ao Presidente
da Província, e esse chamou a atenção de Haensel, o qual ainda assim não mostrou submissão
e prometeu entrar em contato com a Legação da Prússia no Rio de Janeiro. As várias instâncias
de poder assinalavam incômodo com a postura do Vice-Cônsul, mas este não se acossou.
Haensel foi, ao mesmo tempo, atrevido, teimoso e inconsequente, e nada disso foi suficiente
para perder o cargo que ocupava.
Em 1870 ele continuava atuando como Vice-Cônsul da Prússia em Santa Cruz, e mais
uma vez se envolvia em um caso onde o protagonista era uma estrada. O Diretor da citada

163
AHRGS: Documentos Consulares. Caixa 3, Maço 5-6. Consulado da Prússia 1867 – Porto Alegre.
134

Colônia, Carlos Trein, oficiava ao Agente Intérprete da Colonização, Lotar de La Rue sobre o
seguinte caso: havia um caminho seguindo da freguesia de Santa Cruz para a picada de mesmo
nome, passando pelas terras particulares de Christóvão Hering, que ficara intransitável, assim,
um novo caminho fora feito nas mesmas terras, talvez 80 braças mais para o Norte, com o
consentimento da Diretoria, da maior parte dos colonos e do proprietário das terras, o qual pediu
que se fechasse o caminho velho. Dessa forma, o caminho novo não era uma estrada particular,
mas pública, pois substituíra a estrada velha, pública. Porém, como o caminho velho não foi
fechado, logo dividiram-se opiniões, de um lado uns desejavam o caminho velho, e do outro,
onde estava a maioria, havia os que defendiam o caminho novo. Na defesa do caminho velho,
apenas Frederico Haensel e mais um morador da Colônia Santa Cruz procuraram o Diretor,
enquanto quase todos os colonos da picada Santa Cruz, principalmente os carreteiros,
defenderam a estrada nova e exigiram do proprietário das terras que se fechasse o caminho
velho. Acabaram os próprios colonos da picada Santa Cruz fechando o caminho velho. Este,
porém, foi reaberto por trabalhadores pagos por Frederico Haensel, na atribuição de Vice-
Cônsul da Prússia naquela Colônia.164
Haviam 51 colonos da citada picada assinado requerimento ao Agente Intérprete
declarando ser o caminho novo melhor do que o velho. Porém, após os trabalhos providenciados
por Frederico Haensel, o caminho velho já estava tão bom, ou melhor, do que o novo. O Vice-
Cônsul havia organizado uma subscrição para fazer uma ponte sobre um pequeno arroio
existente onde o caminho velho estava completamente intransitável, e a mesma já estava quase
concluída. Com a ajuda da Câmara Municipal de Rio Pardo com rs 100$000, toda a estrada
velha ficaria transitável com carros. Haensel havia alegado que recebera autorização da Câmara
Municipal para realizar a abertura da estrada e os concertos. Por fim, o Diretor era de opinião
que deveriam manter as duas estradas.
De acordo com Jorge Luiz da Cunha (2003), uma petição de 1.332 alemães residentes em
Porto Alegre, São Leopoldo, Santa Maria da Boca do Monte, Cachoeira, Teutônia, Taquari,
Pelotas, Rio Pardo, Santa Cruz, São Sebastião do Caí, Estrela e Rio Grande chegou ao Reichstag
des Norddeutschen Bundes, em 1869, encabeçada pelo Cônsul da Prússia em Rio Grande,
Loesse, e pelo Vice-Cônsul da Prússia em Santa Cruz, Frederico Haensel. Havia a assinatura
de muitos soldados e oficiais que haviam constituído a Legião Alemã dos Brummer, e em seu
conteúdo os peticionários defendiam que ainda eram alemães e, diante da vantagem econômica
que este fato representava, já que a população alemã no Rio Grande do Sul consumia muitos

164
AHRGS: Documentos Consulares. Caixa 3, Maço 5-6. Consulado da Prússia 1867 – Porto Alegre.
135

produtos alemães, solicitavam providências legais que garantissem aos emigrados prussianos a
manutenção da nacionalidade enquanto não se naturalizassem brasileiros.
A petição, explica Cunha (2003), era reflexo da capacidade de articulação de um
movimento liderado nas principais cidades e colônias do Rio Grande do Sul pelos Brummer,
iniciado no começo da década de 1860. Era constituído pelo caráter anticlerical e impregnado
pelo liberalismo filosófico que buscava construir uma identidade para os alemães imigrantes no
Rio Grande do Sul, fundamentada no germanismo, e alcançar a participação dos imigrantes nas
decisões políticas da Província, com o acesso aos cargos eletivos de Deputados e Senadores.
Em relação a petição, era uma resposta a restrições à imigração, na Alemanha. Para os
peticionários, a manutenção do germanismo entre os mais de 50.000 alemães que, então,
afirmavam viver na Província e o desenvolvimento das colônias alemãs, somente seria possível
com a continuidade da imigração alemã. Mas não obtiveram sucesso em sua campanha contra
as restrições. Duas outras petições, em 1872 e 1879, dirigidas ao Reichstage, e organizadas pela
ação de Koseritz no Rio Grande do Sul também falharam em suas pretensões. Segundo Cunha
(2003, p. 26),

Koseritz acreditava que o papel histórico-cultural do germanismo no Sul do Brasil era


oferecer ao país uma nova concepção a respeito do trabalho. Além de colonizar e
transformar economicamente as Províncias do Sul, ao imigrante alemão cabia a
função de divulgar a cultura alemã. Para alcançar estes objetivos, Koseritz pedia a
participação dos teuto-brasileiros na política e na administração em todos os níveis.
Esta missão não poderia, contudo, ser concluída com sucesso se a imigração alemã
continuasse no ritmo em que vinha se desenvolvendo até o começo da década de 1870.
Numa emigração em massa de alemães para o Sul do Brasil é que Koseritz via a única
possibilidade de cumprir a missão histórico-cultural dos teuto-brasileiros e, para isso,
não deveriam ser poupados quaisquer esforços para eliminar os empecilhos que ainda
existiam, principalmente na Alemanha.

Esses argumentos de Koseritz, como veremos adiante, já constituíam seu discurso em


1867, quando atuava como Agente Intérprete da Colonização em Porto Alegre. De qualquer
forma, percebe-se que Frederico Haensel foi um dos Brummer articuladores da defesa da
ampliação dos direitos políticos dos imigrantes no Rio Grande do Sul, ao mesmo tempo em que
se destacou nas funções de empregado público, na função de Vice-Cônsul, quando usou e
abusou de sua autoridade, pelo menos assim o considerou o Diretor Mabilde em sua descrição
detalhada do interessante caso de rebeldia dos colonos do Sr. Leitão contra a viúva Oestrisch.
136

2.2.3 Barão von Kahlden, O Diretor

No alto de um platô, na região de Paraíso, o Barão von Kahlden fixou residência, e lá


exerceu sua função de Diretor da Colônia Santo Ângelo. Consta que ele tinha uma ampla visão
de todo o planalto do Paraíso a partir de sua casa (WERLANG, 1995). Metaforicamente, era o
Diretor vigiando o território sob seus cuidados, tomando conta de cada detalhe, exercendo sua
autoridade.

Chegou o Barão von Kahlden, o jovem e vigoroso diretor da colônia, ex-oficial da


última Legião alemã. [...] Eu passara pela sua casa e vira-a sem considerá-la residência
do diretor. Era uma modesta casa de taipa, coberta de palha e, no entanto, pela
cordialidade do seu morador, ofereceu-me um amável asilo. [...] Inteiramente
solitária, profundamente solitária a casa: nenhuma estrada passa por ela; atrás, a mata,
na frente, uma clareira. As cinzentas paredes de barro e sem caiadura, as janelas sem
vidraça, o teto de palha – tudo isso, levava a supor que para aqui tivesse vindo um
ermitão, um misantropo, desiludido da humanidade e suas atividades e ocupações. E
a casa é habitada por louçã juventude; um jovem casal construiu o seu ninho aqui na
floresta, não por alguns dias, não para as breves semanas de lua-de-mel, não; a coisa
é séria [...] (AVÉ-LALLEMANT, 1980, p. 200).

A passagem acima, um relato do viajante Avé-Lallemant, descreve o encontro com o


Barão von Kahlden em seu primeiro ano como Diretor da Colônia Santo Ângelo. Ainda jovem,
com 27 anos de idade, ele já exercia o cargo de Diretor de uma colônia de imigrantes de natureza
oficial. O título o acompanhou durante grande parte da vida, de 19 de novembro de 1857 até
1882, quando já não habitava mais no meio do mato em residência de taipa. Ele soube aproveitar
as oportunidades que o cargo lhe ofereceu, assim, além de Diretor atuou na Colônia Santo
Ângelo como agrimensor, especulador imobiliário, e delegado de polícia. Também atuou na
cidade de Cachoeira do Sul como comerciante de escravos e Vereador, e fora daquela região
ainda trabalhou como Construtor de Pontes em obras do governo provincial e foi Diretor da
Colônia São Lourenço165 pelo período de um ano, em 1868. Ainda, foi Deputado Provincial no
ano de 1888. A enumeração dos cargos que ocupou demonstra uma carreira política de relativo
sucesso, pois ainda que não tenha sido extraordinária, também não foi desprezível.

165
Agitações provocadas por colonos de São Lourenço levaram à saída do Diretor Rheingantz, e levaram
autoridades provinciais a intervirem no Núcleo. Assim, o Barão von Kahlden foi conduzido até lá em janeiro de
1868 como novo Diretor para resolver os problemas daquela colônia, e assim o fez pelo período de um ano, com
a ajuda do Chefe de Polícia Belarmino da Gama e Melo, encarregado pessoalmente de investigar os
acontecimentos. Depois dos primeiros interrogatórios, foram presos dez colonos acusados de ser os líderes do
movimento. Jacob Rheingantz prestou depoimento como vítima no processo, afirmando que, após ter sua casa
invadida, os colonos o ameaçaram de morte e tentaram incendiar sua residência. Nesse depoimento, o diretor
acusou os colonos Decker, Ostenberg, Pons, Paulsen, Rheinbrech e Thurow de serem os articuladores do
movimento. BOSENBECKER, Patrícia. Uma colônia cercada de Estâncias: Imigrantes em São Lourenço/RS
(1857-1877). 2011. 166 p. Dissertação (Mestrado em História)-Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto
Alegre, 2011.
137

Figura 7 – Barão von Kahlden, 1889

Fonte: WERLANG, William. História da Colônia Santo Ângelo. Santa Maria: Pallotti, 1995. p. 4.

Karl Hermann Johann Adam von Kahlden, conhecido como Barão von Kahlden, nasceu
em Ludwigslust, no Grão-Ducado de Mecklenburg-Schwerin, em vinte de maio de 1831. A
infância e juventude ele viveu junto aos seus familiares, e dessa etapa de sua vida não obtivemos
informações significativas. Segundo William Werlang (2002), estudioso da Colônia Santo
Ângelo,

A localidade denominada Maltzien, situada ao sul da ilha de Rügen, na região de


Zudar (Pomerânia Ocidental, Alemanha) passou a ser propriedade da família von
Kahlden em meados do século XVI. [...] A residência era a sede de um latifúndio e
que foi administrado por membros da família von Kahlden até o final de 1900. [...]
Karl Hermann Johann Adam Woldmar [...] Era filho do Hofmarschall (marechal da
corte ou mordomo-mor) do Grão-Ducado de Mecklenburg, Gustav Theodor Hans
Woldmar (também chamado Barão von Kahlden) e de Wilhelmine Freiin von
Massenbach. Gustav trabalhou no Castelo de Ludwigslust, antiga residência dos
Duques de Mecklenburgo (Alemanha) [...]. Karl von Kahlden era o sexto filho de
Gustav e Wilhelmine von Kahlden (WELANG, 2002, p. 3-4).166

166
O Pai do Barão von Kahlden, Gustav Theodor von Kahlden, nasceu em Tangrim, a 17 de agosto de 1789, e
faleceu em Sachsenberg bei Schwerin a 30 de outubro de 1835. Por sua vez, a mãe do Barão von Kahlden,
Wilhelmine Freiin von Massenbach, nasceu em Berlin, em 07 de abril de 1801 e faleceu em Ludwigslust, em 22
de julho de 1857. Casaram-se em Stuttgard, em 09 de fevereiro de 1819. Tiveram seis filhos: Pauline Friederike
von Kahlden (Rostock, 20/08/1820 - Ludwigslust, 23/02/1898); Friedrich Karl Hans Ferdinand von Kahlden
(Ludwigslust, 11/08/1821 – 1859), que serviu como Oficial do Exército do Reino de Württemberg; Major Paul
August von Kahlden (17/12/1823, Ludwigslust - Bredenfelde bei Stravenhagem, 19/09/1894); Alexandrine Helene
138

A família Kahlden, portanto, gravitou na corte de Mecklenburgo, convivendo com a


aristocracia alemã do século XIX, espaço onde recebeu seu status de nobreza, expresso no título
de Barão do pai de Kahlden e por ele herdado. O contato com esse círculo social, é lícito
afirmar, facilitou a introdução dos filhos da família entre a nobreza. As irmãs do Barão von
Kahlden residiram em propriedades senhoriais da aristocracia germânica. Os homens seguiram
carreira militar e, assim como suas irmãs, obtiveram bons casamentos. A esposa de Paul August
von Kahlden, Auguste Freiin von Brandenstein, por exemplo, foi dama de honra (Hofdame) da
Duquesa de Mecklenburg-Schwerin.167
Por sua vez, Karl von Kahlden, sem ter completado seus vinte anos de idade, migrou para
o Brasil. Há indícios de que ele atuou no meio militar antes de migrar. Segundo Siber (1915),
o Barão teria sido dispensado do serviço de S. Majestade, o rei de Hannover, por motivo de
dividas particulares. Foi comum entre parte dos antigos oficiais prussianos contratados como
capitães e primeiros-tenentes entre os Brummer, deixarem o serviço de sua pátria por questões
envolvendo dividas, e fazerem parte do Exército de Schleswig-Holstein. Quando aderiu ao
recrutamento do agente brasileiro Rego Barros em Hamburgo, para fazer parte da Legião
Alemã, em 15 de março de 1851, o Barão von Kahlden assinou contrato como Alferes de
Infantaria (LEMOS, 2015). A condição de oficial supõe que ele teria participado do conflito de
Schleswig-Holstein, pois segundo Claudio Moreira Bento (1981), a única exigência para a
contratação de oficiais Brummer fora, justamente, ter estado no extinto Exército de Schleswig-
Holstein.
A viagem do Barão von Kahlden para o Brasil ocorreu no veleiro Heinrich, saído de
Hamburgo em 22 de junho de 1851 (FLORES, 1997). A atuação dele na Legião Alemã foi
marcada pela animosidade com o Capitão Heyde, que o suspendeu, assim como a outros
oficiais, para ter seu “passado europeu” submetido ao inquérito de um “tribunal de honra
prussiano”, já que Heyde considerava que os oficiais levados a julgamento estavam demasiado
comprometidos ao passado para servirem as suas ordens na América do Sul. Portanto, a
experiência no Exército de Schleswig-Holstein trazia consequências ao Barão von Kahlden no
Brasil. A acusação que recaia sobre ele dizia respeito às dívidas deixadas na Europa, mas foi
perdoado pelo tribunal de honra. Nesse ponto, a Infantaria Brummer se encontrava em Pelotas.

Marie von Kahlden (Ludwigslust, 11/08/1825 - 07/07/1879); Friederike Marie Elisabeth von Kahlden
(Ludwigslust, 02/10/1828 - 02/10/1896); e, finalmente, Karl Hermann Johann Adam von Kahlden o Barão von
Kahlden (Ludwigslust, 20/05/1831 - Rio de Janeiro, 13/09/1910, enterrado no Cemitério São João Batista, jazigo
6278, aléia 8) – (WERLANG, 2002).
167
WERLANG, 2002.
139

O tribunal foi um fracasso, pelo menos para Heyde, pois todos os acusados foram absolvidos.
Frente a esse panorama, Heyde pediu demissão. O batalhão de Infantaria, então, ficou sob o
comando do Major Fedor Lemmers-Danforth, que o conduziu para Jaguarão. Quando lá
chegaram, o Capitão Heyde e seus oficiais estavam os esperando para voltarem ao comando do
Batalhão (SIBER, 1915).
Além de tomar de volta seu posto, o comandante teve algumas de suas reivindicações
atendidas. Caxias delegou poderes ao brigadeiro José Fernandes dos Santos Pereira,
comandante de parte do Exército imperial brasileiro em campanha, para tomar providencias,
entre elas separar os oficiais problemáticos indicados por von der Heyde, os quais foram
enviados para Rio Grande. Acabaram levando três capitães (Siber, Hormeyer e von
Ehrenkreutz) e sete tenentes, um deles o Barão von Kahlden, todos presos no patacho Theresa
por algum tempo (LEMOS, 2015).
Em Rio Grande formou-se um “Contingente de Reserva” dos Brummer, constituído por
oficiais e praças, infantes e artilheiros na condição de presos, doentes, inválidos, artífices,
retardatários ou desertores arrependidos, ou seja, aqueles que haviam ficado para trás pelos
mais diversos motivos. Comandados pelo major Fegerstein, somavam cerca de 150 homens em
novembro de 1851. De acordo com Siber (1915), os oficiais presos em Rio Grande por ordens
de Heyde, entre eles von Kahlden, recebiam regularmente seus soldos e nada faziam. O mesmo
acontecia com as classes de inferiores e de praças. As prisões de Rio Grande estavam tão cheias
de legionários que as vezes era preciso soltar alguns presos para colocar outros em seu lugar.
O Barão von Kahlden permaneceu em Rio Grande durante todo o tempo em que os
batalhões estrangeiros estiveram marchando para o campo de batalha. Somente depois do fim
da Guerra contra Oribe e Rosas, já em 1853, ele, de fato, se envolveu com o serviço militar ao
ser chamado para uma nova Companhia de Pontoneiros alemães, já que a primeira havia sido
dissolvida e seus soldados incorporados a outros batalhões, que deveria trabalhar com as pontes
Birago, compradas pelo governo brasileiro no intuito de serem usadas pelos Brummer ao longo
das marchas pelo território platino, mas que não foram usadas por desconhecimento técnico
daqueles designados a sua operação. As pontes Birago permaneceram em Montevidéu durante
toda a campanha contra Rosas, sendo mandadas de volta para o Brasil ao término da guerra.
Eram equipamentos muito pesados. A maior parte do material foi embarcada diretamente para
Rio Pardo, talvez com a intenção de ser futuramente empregado na bacia do Rio Jacuí.
Interessado em utilizar tais pontes, o Comando das Armas da Província, em 20 de janeiro de
1853, criou a dita Companhia de Pontoneiros, com sede em Rio Pardo (LEMOS, 2015).
140

Cerca de 25 antigos pontoneiros, então agregados ao 14° Batalhão de Infantaria, foram


transferidos para essa Companhia. O efetivo previsto, de 65 homens, foi completado com
soldados brasileiros. Para o comando da Companhia foram nomeados os capitães Carl Hausner
e Friedrich Pickard, engenheiros austríacos contratados na Europa quando a guerra já havia
terminado, em meados de 1852. Enquanto os citados capitães não chegavam a Rio Pardo, o
capitão Hugo von Uckermann ficou encarregado de organizar a nova Companhia, para a qual
foram transferidos os tenentes Maximilian Emmerich, Antonio Dias Carneiro, e o Barão von
Kahlden. Essa Unidade teve vida efêmera, e nada de notável fez, afinal, ninguém sabia lidar
com o equipamento Birago, que permaneceu armazenado, apenas ocupando espaço. A tentativa
de ocupar o seu pessoal na construção de pontes civis parece não ter dado certo, pois além de
considerarem aquilo um trabalho desmoralizante, papel de escravos, o soldo militar equivalia a
metade do recebido pelos operários brancos. Logo, 15 soldados desertaram em Rio Pardo. Por
sua vez, em Porto Alegre, onde estavam baixados no Hospital Militar, sumiram os soldados
Wilhelm Palias e Ludwig Zimmermann. Com essas deserções e os licenciamentos do serviço
em razão dos términos dos contratos, inclusive dos oficiais, a Companhia de Pontoneiros deixou
de existir em outubro de 1854 (LEMOS, 2015).
O tempo como oficial da Companhia de Pontoneiros, como 2º Tenente, ofereceu ao Barão
von Kahlden certa experiência. De acordo com o legionário Júlio Jorge Schnack (1997, p. 97)
o “Ten. von Kahlden mais tarde criou uma Cia. de Engenharia, para a construção de pontes na
campanha”. Em 1854, quando ocorrera a dissolução do grupo de pontoneiros, ele foi nomeado
pelo Presidente da Província, João Lins Vieira Cansanção de Sinimbu, para dirigir os consertos
da Ponte do Salso.168 Aquela fora sua entrada no serviço público. A atuação política de Kahlden,
portanto, esteve vinculada aos vários cargos públicos que ocupou ao longo de sua trajetória, e
aqui vamos apresentar alguns aspectos dessa atuação. Como o próprio Kahlden explicou em
sessão da Assembleia Provincial de 3 de abril de 1889,

Sr. presidente, em fins do ano de 1854, comandando eu uma Companhia de


Pontoneiros que havia sido engajada na Europa, para o serviço de nosso Exército,
recebi do Senador Cansanção Sinimbu, que nesse tempo ocupava a cadeira
presidencial, ordem para construir três pontes, todas na estrada geral que segue da
cidade de Rio Pardo para a de S. Gabriel, a saber sobre os arroios do Salso, de Santa
Bárbara e de S. Sepé. De fato, construí as duas primeiras, mas quando me aprontava
para tratar da terceira, devendo ser segundo um projeto organizado pelo hoje falecido
tenente-coronel Maximiliano Emmerich, uma ordem do general Jeronimo Francisco
Coelho, presidente da Província, me deu outro destino (MALRGS, 1889, p. 141).169

168
CPGNP: Recorte de Jornal. WERLANG, W. 1995. Barão von Kahlden. Gazeta do Jacuí. Caixa da Colônia
Santo Ângelo. Agudo, mar./abr./mai. 1995.
169
MALRGS: Anais da Assembleia Legislativa do Rio Grande do Sul, 24ª Legislatura, 1889, p. 141.
141

Os trabalhos na ponte do Salso correram bem e foram concluídos em fevereiro de 1855.


Dali, o Barão von Kahlden seguiu para o trabalho de construção da ponte sobre o Arroio Santa
Barbara, em Cachoeira do Sul, com projeto de Frederico Heydtmann,
engenheiro e arquiteto teuto-brasileiro. Tendo sob suas ordens 47 empregados, todos de origem
germânica, embarcou em abril de 1855 para o local da obra, que supervisou por quase dois
anos. No início de 1856, os comandados haviam se reduzido a 36 pessoas, das quais 15 haviam
desertado e 3 estavam doentes e internados na Santa Casa, em Porto Alegre, ou seja, dos 36
apenas metade seguia trabalhando na obra.170
As relações entre o Barão e seus comandados configuraram-se tensas. O primeiro indício
recai sobre o grande número de deserções, foram 15 frente a um total de 47 trabalhadores. Um
caso em particular demonstra a tensão existente. O desertor Wilhelm Schubert foi perseguido
pelo Barão von Kahlden, que o fez de revólver em punho. Recém-casado, Schubert havia
solicitado baixa duas vezes, sem ser atendido. A perseguição durou um dia inteiro, e teve fim
apenas com a prisão do desertor pela polícia de Rio Pardo, que lhe aplicou os “devidos”
castigos. Em outro caso, o Barão solicitou ao Presidente Sinimbu que mandasse castigar
severamente o carpinteiro Luiz Zimmermann porque não havia se apresentado no tempo
combinado, ignorando o fato dele estar internado na Santa Casa. Ainda, solicitou investigação
sobre o recruta Wilhelm Palias, do qual desconfiava ter tido alta da Santa Casa sem, contudo,
voltar para a obra da ponte para poder viver na boemia.171
Esses casos indicam regime de trabalho forçado. Isto fica ainda mais claro numa carta em
que Kahlden solicitou aumento de soldo para si, descrevendo a vida na obra e também pedindo
aumento para seus comandados, argumentando que eles recebiam uma remuneração baixíssima
para a dura vida a que eram forçados a levar na mata. Ele não estava interessado em atenuar os
sofrimentos de seus comandados, mas sim garantir seus interesses.172 A experiência na obra da
ponte sobre o Arroio Santa Bárbara mostrou atitudes exaltadas do Barão von Kahlden. Não
temos como afirmar se tal postura teve relação com pressões da Presidência, ou foram fruto da
inexperiência dele, porém parece claro que os primeiros tempos do Barão como funcionário
público o fizeram usar da autoridade do cargo e permitiram contato com a Presidência da

170
CPGNP: Recorte de Jornal. WERLANG, W. 1995. Barão von Kahlden. Gazeta do Jacuí. Caixa da Colônia
Santo Ângelo. Agudo, mar./abr./mai. 1995.
171
CPGNP: Recorte de Jornal. WERLANG, W. 1995. Barão von Kahlden. Gazeta do Jacuí. Caixa da Colônia
Santo Ângelo. Agudo, mar./abr./mai. 1995.
172
Ibidem.
142

Província, construindo as bases de sua trajetória política. Apesar das confusões, deserções e
perseguições, ele conseguiu concluir o trabalho e recebeu elogios pela obra.
Restava a última das três pontes sob sua responsabilidade, a de São Sepé, cuja obra ele
não chegou a concluir. Aliás, em 1889 este empreendimento seguia inconcluso.173 O
afastamento de Kahlden se dera em vista de sua nomeação para ser Diretor da Colônia Santo
Ângelo174. Para Werlang (1995) “Ser degredado para as matas do rio Jacuí, não deve ter
agradado em nada este pretencioso Junker prussiano”, entretanto, lá ele construiu sua vida e
galgou degraus na sociedade de Cachoeira do Sul, para, por fim, alcançar o cargo de Deputado
Provincial. O tempo como construtor de pontes, provavelmente lhe permitiu conhecer sua futura
esposa. Segundo o legionário Cristóvão Lenz (1997, p. 47) “Ele casou com uma brasileira rica
e através da família da esposa obteve influência; tornou-se Diretor de Colônia e nesse cargo
mostrou ser bom administrador”. O casamento175 ocorreu em 1855, em Porto Alegre, a

173
Em seu primeiro pronunciamento na Assembleia Provincial, o Barão von Kahlden descreveu o histórico de
projetos inacabados em relação a ponte de São Sepé, pedindo a comissão de orçamento e fazenda para dar atenção
aquela obra, “Recapitulando, temos portanto quatro projetos, em diferentes épocas organizados por quatro
engenheiros diferentes. Tivemos uma ordem de fazer-se a obra administrativamente que não teve execução, temos
duas arrematações que não tiveram seguimento e temos ainda trinta e quatro anos decorridos – a vida de uma
geração – desde que se iniciou esta obra até a atualidade, sem que se tenha ela realizado. Os povos, nossos patrícios
daquelas paragens, continuam de pai a filhos na expectativa, vendo sempre e sempre novamente frustradas as suas
esperanças; os chefes políticos começaram a ser descrentes, de há muito desacorçoaram de obter dos poderes
públicos tão justo desiderato e quando se lhes pergunta: quereis que vamos tratar de arranjar a construção desta
obra? Respondem eles: Não Sr., não cuide disso, é tempo perdido, é malhar em ferro frio; e a própria câmara muito
significativamente já não inclui em seu relatório uma única palavra acerca desta mais palpitante das necessidades
de seu município!” (MALRGS: Anais da Assembleia Legislativa do Rio Grande do Sul, 24ª Legislatura, 1889, p.
141).
174
Para mais informações sobre a História da Colônia Santo Ângelo, ver: WERLANG, William. História da
Colônia Santo Ângelo. Santa Maria: Pallotti, 1995; PIASSINI, Carlos Eduardo. A Biografia de um Barão: Karl
von Kahlden, o Diretor da Colônia Santo Ângelo, 1857-1882. Monografia (Curso de História)-Universidade
Federal de Santa Maria, Santa Maria, 2014; BRAUER, Pastor Richard Rudolf. Histórico da Comunidade
Evangélica de Confissão Luterana de Agudo. Tradução de Dr. Herbert Uebel e Profª. Maria de Jesus Uebel.
Santa Maria: Editora Palotti, 1967; KNOB, Frei Pedro. Paróquia de São Bonifácio, Agudo, 1889-1989. Porto
Alegre: Nova Dimensão, 1990; KÖHLER, Neiva Ester Corrêa. Memorial da Colônia Santo Ângelo. Cachoeira
do Sul, 1992. Acervo do Arquivo Histórico Municipal de Cachoeira do Sul; WERLANG, William. A família de
Johannes Heinrich Kaspar Gerdau: um estudo de caso sobre a industrialização no Rio Grande do Sul, Brasil.
Agudo: Werlang, 2002.
175
“Aos dezoito dias do mês de setembro de mil oitocentos e cinquenta e cinco, nesta Freguesia de Nossa Senhora
do Rosário desta cidade de Porto Alegre, capital da Província de São Pedro do Rio Grande do Sul, pelas oito e
meia horas da noite, depois de feitas as diligencias do estilo, tirados os depoimentos, e não resultando
improcedimento algum na forma do Sagrado Concílio Tridentino, e Constituição do Brasil, por procissão do
Excelentíssimo Senhor Cônego, Vigário Geral deste Bispado Thomé Luiz de Souza, perante mim e as testemunhas,
os Marechais Thomás José da Silva, e Gaspar Mena Barreto, receberão em matrimônio com palavras de presente
em que expressarão seus muitos consentimentos os contratuantes Barão de Kahlden Carlos Hermano João Adão
Woldmar, e Dona Carolina Cândida Gomes da Silva, esta natural desta Província, filha natural do Comissário-
Geral Antônio Cândido Gomes da Silva, ele natural do Grão-Ducado de Mecklenburgo, filho legítimo de João
Adão, Barão de Kahlden, da Condessa Guilhermina de Mapemboch, receberão as bênçãos matrimoniais”. Base de
dados Familysearch. Livro nº. 2 de Matrimônios, p. 17v, Paróquia Nossa Senhora do Rosário, Porto Alegre, data
16/09/1855. Disponível em: < https://familysearch.org/learn/wiki/pt/Brasil>. Acesso em: 14 nov. 2013.
143

escolhida, Carolina Cândida Gomes da Silva, segundo Werlang (2002), era filha do Comissário-
Geral, Vereador e latifundiário em Cachoeira do Sul, Antônio Cândido Gomes da Silva.
O enlace revela o meio no qual o Barão estava se inserindo, uma vez que estabeleceu
relações importantes com membros da elite provincial, como seus padrinhos de casamento, o
Marechal Gaspar Mena Barreto e o Marechal Thomas José da Silva, indivíduos que ocupavam
lugar de destaque na sociedade daquele período, além disso, o sogro era uma figura proeminente
no Município de Cachoeira do Sul. Portanto, é provável que a inserção social do Barão de
Kahlden parece o ter favorecido na nomeação para Diretor da Colônia Santo Ângelo. O trabalho
de Construtor de Pontes o colocou em contato com autoridades do setor público e,
possivelmente, lhe possibilitou o casamento com Carolina Cândida Gomes da Silva. Foram,
portanto, dois os caminhos trilhados pelo Barão para ascender socialmente: a prestação de
serviços públicos por nomeação; e o casamento com uma mulher de família abastada.
A principal arena de atuação política do Barão von Kahlden antes de 1881 foi, sem
dúvida, a Colônia Santo Ângelo, onde exerceu sua autoridade de Diretor, estabeleceu relações
de poder, exerceu diversos cargos, soube aproveitar as oportunidades que apareceram em seu
caminho, ligadas à execução de tarefas de sua posição, e construiu a imagem de homem
competente e capaz. Como salienta Werlang (1995, p.12),

E ao velho Barão de Kahlden, a quem devemos toda a organização dessa sociedade,


soube, através de suas responsabilidades, organizar as picadas, dividir os lotes
coloniais, distribuir os subsídios, realizar a segurança como delegado, enfim, todas as
tarefas pertinentes a Colônia que lhe foram dadas pelo Presidente da Província.

O Diretor, nos empreendimentos colonizadores oficiais do Rio Grande do Sul, tinha ao


seu encargo as tarefas de supervisionar o loteamento, a distribuição dos lotes coloniais, a
abertura das picadas, a construção das pontes e a realização de outras obras públicas, atender
as reivindicações dos colonos, prestar contas ao governo e, ainda, em muitos casos, exercer o
poder policial e judicial (NOGUEIRA & HUTTER, 1975). Esses funcionários foram o principal
instrumento da administração das colônias, sendo a maior parte deles de origem germânica176
(ROCHE, 1969).

176
Em Santa Cruz do Sul tivemos os Diretores Buff, Schwerin, Mabilde e Trein; em Nova Petrópolis, Reichenback,
Bartholomay, Selim e Heinsen; e em Santo Ângelo o Barão von Kalden (MACHADO, 1999).
144

A Colônia Santo Ângelo teve apenas dois diretores até sua emancipação, em 1882.
Floriano Zurowski177 e o Barão von Kahlden.178 Com a demissão do primeiro, em dezembro de
1857, houve a contratação do Barão von Kahlden, que chegou à colônia no dia 11 daquele mês,
acompanhado de um grupo de Brummer (KNOB, 1990). As atividades exercidas em seu cargo
foram variadas. Em 8 de abril de 1881, em ofício à Câmara Municipal de Vereadores de
Cachoeira do Sul, o Barão von Kahlden pedia a nomeação de um substituto para realizar seu
trabalho de Fiscal das obras da Ponte sobre o Arroio da Contenda, pois teria de ir a Porto Alegre
“Chamando me deveres do serviço público [...]”, atividade para a qual fora nomeado em
fevereiro daquele ano e dizia “muito me interessa a pronta e sólida execução da mesma obra”.179
Em grande medida, o contato de Kahlden com a Câmara Municipal de Vereadores dizia respeito
a obras e concertos. Em 5 de março de 1877 ele acusava o recebimento de ofício da dita Câmara
no qual era informado de que receberia a quantia de duzentos mil réis (rs 200$000) para auxílio
no concerto da picada que atravessava a faixa de mato próxima à margem do arroio da Porta,
na estrada geral de rodagem que seguia de Cachoeira para a Colônia Santo Ângelo. Ele pedia,
porém, para ser exonerado da comissão encarregada de dar matéria aos concertos, a ocorrerem
na estação invernosa que se aproximava, sem explicar o porquê.180
O Barão, versado na realidade interiorana da Colônia Santo Ângelo, e nos diversos
serviços públicos ligados ao seu cargo, além da experiência enquanto construtor de pontes,
aproveitou seus meios e influência para assinar contratos de serviços públicos, fora da sua
alçada de Diretor colonial, tanto com a Câmara Municipal de Cachoeira, quanto com o Governo

177
De família nobre, nasceu em Przemysl, na Galícia, em 11 de maio de 1806. Em 1820 ingressou na Faculdade
de Engenharia de Viena, na qual se formou em 1826. Foi convocado para ser Cadete de Infantaria. Em 1833 passou
a ser Alferes da Marinha e dali dez anos 1.º Tenente, depois, em 1844, tornou-se Tenente de Fragata e, por fim,
em 1846, Capitão. Deu baixa em 1850, quando imigrou para a Argentina, onde se envolveu na repressão contra
Urquiza como Comandante em Chefe das Forças Marítimas da Província de Buenos Aires. Comandou uma frota
de seis navios a vela. Quando confrontado pela esquadra inimiga de três navios também a vela, sua tripulação quis
passar para o lado inimigo. Diante dessa atitude, rebelou-se. Conseguiu escapar, mas sua reputação ficou arruinada.
Acabou indo para o Rio Grande do Sul e lá envolveu-se com a colonização na recém fundada Colônia Santo
Ângelo. CPGNP: Caixa “Agudo”.
178
Floriano Zurowski ficou poucos meses no cargo. Os imigrantes não o aceitaram a frente da diretoria da Colônia
Santo Ângelo e requereram à Câmara Municipal de Cachoeira sua substituição. A alegação deles era a de que
Zurowski não estava cumprindo devidamente com as atividades do cargo, como na distribuição dos lotes coloniais.
A Câmara Municipal levou a questão para o Presidente da Província. Em ofício, o Vereador Miguel Cândido da
Trindade relatou que durante a viagem dos primeiros colonos de Cachoeira até a Colônia, Floriano pouco falou e,
quando o fez, foi rude. Além disso, não deu as devidas informações e, não fossem o intérprete Carlos Jansen e o
prussiano Frederico G. de Wedelstaedt, mal teriam desembarcado. O dito Vereador ainda afirmava que Floriano
não tinha as características necessárias exigidas pelo cargo de Diretor colonial (KNOB, 1990). O brigadeiro José
Gomes, atendendo ordens do Presidente da Província, foi à colônia verificar a denúncia, e relatou que todas as
informações por ele colhidas eram desfavoráveis a Zurowski, que nada fazia pela continuação da medição das
terras, pois como homem do mar ficava a maior parte do tempo ocupado examinando as vias fluviais (AHRGS:
Colonização. Lata 296. Maço 66).
179
AHMCS: Fundo A; Câmara Municipal; Série B: Controle de Pessoal; Subsérie 1: Ofícios; Caixa 9.
180
Ibidem.
145

Provincial. Exemplo disso, foi sua participação na obra da Ponte sobre o Rio Jacuí. Em
correspondência de 26 de julho de 1867, Kahlden descreve o trabalho de fornecimento de
madeira para a obra citada, conforme contrato por ele firmado em 22 de abril de 1867, no valor
de rs 9:393$000, que realizava com afinco, apesar das grandes chuvas e cheia de todos os
arroios. Afim de executar seus compromissos, havia aproveitado a melhora do tempo e tomado
as medidas necessárias para acelerar os trabalhos, tendo já aprontado algumas peças de madeira,
que esperavam para ser transportadas ao lugar de seu destino quando as condições dos caminhos
melhorassem, bem como o estado de magreza dos bois, necessários para seu carregamento. Ao
mesmo tempo, ele mandara fazer canoas grandes para a etapa de transporte a ser efetuada por
via fluvial. Porém, o Presidente da Província, Francisco Inácio Marcondes Homem de Melo,
havia estado no lugar da obra e ordenado ao Barão de Kahlden que parasse seu trabalho de
tração de madeira, e o ressarcindo do valor já gasto até aquele momento, isto é, rs 1:647$660.181
O Barão von Kahlden também recebeu muitas instruções da Câmara Municipal e da
Presidência da Província, e cabia a ele passar essas questões aos colonos, ou estar ciente das
mesmas para executar seu trabalho de fiscalização. Em 8 de agosto de 1858, o Presidente da
Província, Ângelo Muniz da Silva Ferras, enviou à Câmara Municipal de Vereadores da Vila
de Cachoeira ofício solicitando que fosse comunicado ao Diretor da Colônia Santo Ângelo
sobre os artigos das Posturas que tratavam das obrigações dos lavradores em relação a proteção
das roças contra animais soltos.182 Outro exemplo dessa mediação do Barão entre as ordens e
recomendações de seus superiores e os colonos foi o ofício circular de 6 de julho de 1872,
enviado pelo Presidente da Província, Jerônimo Martiniano F. de Melo, comunicando que,
tendo o Governo Imperial resolvido participar da Exposição Universal que seria inaugurada em
maio de 1873, em Viena, era importante que os produtos importantes da lavoura e da indústria
fossem representados convenientemente, portanto, não deveriam ser poupados esforços por
parte dos colonos de Santo Ângelo a fim de que comparecesse o maior número possível de
expositores na Exposição de produtos Nacionais, que se realizaria na Capital do Império,
devendo para isso enviarem os produtos à Exposição Provincial, que seria aberta em Porto
Alegre em 30 de setembro de 1872.183 No ano anterior, vários produtos da Colônia Santo
Ângelo haviam sido apresentados na Exposição de Paris, ocasião na qual o tabaco recebera um
prêmio (WERLANG, 1995).

181
AHRGS: Colonização; Colônia Santo Ângelo; Caixa 11; Maço 22.
182
AHMCS, Fundo A: Câmara Municipal; Grupo 1: Secretaria; Série A: Serviço de Expediente; Subsérie 1:
Correspondência Recebida; Caixa 18.
183
Ibidem.
146

O atendimento aos colonos era uma de suas principais tarefas. Em maio de 1859 o Barão
von Kahlden enviou correspondência à Câmara Municipal solicitando ao médico da Câmara, o
Dr. José Pereira da Silva Goulart, para ir a Colônia Santo Ângelo tratar de colonos enfermos.
O Barão explicava que havia ocorrido uma cruel “moléstia dos pés, trazida por porção de
Colonos recém-chegados das Províncias do Norte [...]”, além disso, havia enfermos com febre
alta. Ele advertia que, tendo de extrair “algumas unhas arruinadas”, seria preciso levar os
instrumentos necessários para esse fim. A moléstia havia afetado até mesmo crianças de pouca
idade.184
A assinatura do Barão de Kahlden se fazia presente nas Cartas de Títulos e Terrenos,
como aquelas concedidas ao colono Júlio Nelher, em 18 de maio de 1877, e ao colono Oto
Raupe, em 3 de maio de 1881. Cabia ao Barão realizar o registro das ditas Cartas no Livro de
Cadastro da Colônia Santo Ângelo, portanto, ele tinha conhecimento e controle de todos os
lotes devidamente pagos ou em dívida com o Governo Provincial, de acordo com as disposições
do Regulamento de 15 de novembro de 1869.185 Nesse sentido, ele foi solicitado algumas vezes
pela Presidência da Província para dar parecer sobre as intenções de colonos solicitando terras
ou autorização para vender as terras que possuíam, como fez em 4 de fevereiro de 1864, ao
devolver os requerimentos de José Joaquim Alves, Pedro da Silva Leal, Miguel de A. e Silva,
José Alves Pedroso e Joaquim da Silva Oliveira, dirigidos ao Presidente da Província, pedindo
cada uma a venda de um prazo colonial na Colônia Santo Ângelo. Ele declarou que os
suplicantes alegavam a verdade em seus pedidos e eram pessoas boas e aptas ao trabalho
agrícola, assim, julgava ser conveniente atender as pretensões deles.186
O mesmo fez quanto ao pedido de Firmino de Souza Dias para adquirir um lote colonial.
Coube ao Barão, por ordem da Presidência da Província, analisar a pretensão do suplicante. Ele
comenta que as alegações de Firmino, inclusas na correspondência da Presidência, não eram
exatas, pois o pai dele não morara nas terras que pedia, assim como ele estava lá domiciliado
apenas a sete anos, e não dezenove, da mesma forma não tinha família. Porém, após
verificações, Kahlden aponta que o suplicante explicara que aquelas alegações haviam sido
apresentadas por seu procurador, insuficientemente instruído para tanto. O caso era que as terras
que Firmino pedia, há pouco tempo pertenciam a Francisco Antônio Borges, de quem era
agregado, vendidas para a Província, assim, desejava permanecer no lugar que habitava

184
AHMCS: Fundo A: Câmara Municipal; Grupo 1: Secretaria; Série A: Serviço de Expediente; Subsérie 7:
Registros Gerais; Caixa 22.
185
AHMCS: Fundo A: Câmara Municipal; Série D: Organização e Funcionamento; Subsérie 2: Cartas de Títulos
e Terrenos; Caixa 12.
186
AHRGS: Colonização; Colônia Santo Ângelo; Caixa 11; Maço 22.
147

tornando-se seu proprietário, e para tanto oferecia pagar à vista o dito lote. Frente a isso, o Barão
era de opinião que a pretensão do suplicante, por ele considerado homem decente e trabalhador,
era plausível.187
A correspondência com a Presidência da Província fazia de Kahlden uma ponte entre a
Capital e a Colônia Santo Ângelo. Ele recebia ordens, instruções e esclarecimentos, ao passo
que prestava contas, e atendia os pedidos concernentes ao seu cargo. Em março de 1858, ele
respondia ao ofício da Presidência acerca do aviso sobre oito desertores da Companhia de
Artífices Provinciais, garantindo que até aquele momento nenhum dos fugitivos havia
aparecido em Santo Ângelo, e que caso isso acontecesse, iria cumprir as disposições do
ofício.188 As ordens da Presidência, geralmente, pediam prestações de contas por parte da
Diretoria da Colônia. No dia 18 de janeiro de 1860, Kahlden havia recebido ofício pedindo a
relação dos colonos que recebiam subsídios e haviam migrado com auxílio do Governo
Imperial. Em resposta, ele enviou uma lista com os 154 nomes daqueles que se encaixavam nas
citadas exigências.189 A determinação mais comum era aquela pedindo relatório sobre o estado
de desenvolvimento e as necessidades das Colônias. A 7 de janeiro de 1864, o Barão enviou
relatório acompanhado de um orçamento dos melhoramentos de urgência a serem feitos na
estrada que seguia da Colônia Santo Ângelo para a cidade de Cachoeira, bem como devolvia
preenchidos os dois mapas estatísticos que recebera para assim o fazê-lo. O custo total por ele
calculado para os melhoramentos da estrada ficou em rs 2:753$320.190 O Barão von Kahlden,
em 1º de janeiro de 1876, quanto aos recorrentes relatórios detalhados que, na atribuição de sua
responsabilidade como Diretor Colonial, precisava enviar à Presidência, destacava

Pela décima nona vez seguida cumpre hoje no correr dos tempos o dever de prestar a
repartição competente os esclarecimentos sobre o estado e as necessidades do
estabelecimento colonial que a minha direção se acha conferida desde a época de sua
fundação em fins de 1857. Dos mapas estatísticos que por duas vias acompanham a
presente exposição, V. Exa. pode mais esta vez verificar que em todos os sentidos há
continuado progredindo durante o decurso do ano que acaba de findar a florescente
Colônia de Santo Ângelo [...].191

187
AHRGS: Colonização; Colônia Santo Ângelo; Caixa 11; Maço 22.
188
Ibidem.
189
Ibidem.
190
Entre as necessidades levantadas, indicou: concertar totalmente o pontilhão de madeira sobre o arroio do
Taboão; melhorar a picada a margem direita do arroio Barriga alargando-a em alguns pontos; alargar e desaterrar
o passo sobre o arroio da Canoa; melhorar e alargar os passos sobre suas sangas; fazer dois pontilhões de madeira
sobre duas sangas fundas que atravessam a estrada perto dos altos denominados de José Custódio; alargar várias
picadas; etc. Vários eram os pontilhões a fazer e picadas a alargar. (AHRGS: Colonização; Colônia Santo Ângelo;
Caixa 11; Maço 22)
191
AHRGS: Colonização; Colônia Santo Ângelo; Caixa 11; Maço 22.
148

O governo provincial, desde a criação da Colônia Santo Ângelo em 1857, determinou que
o Diretor da Colônia fosse o responsável pela medição dos lotes coloniais. Nesse sentido, o
Barão von Kahlden ocupou-se da tarefa. Como agrimensor, mediu primeiramente as áreas
devolutas. Em seu primeiro relatório, enviou ao governo um croqui onde indicava as áreas que
poderiam ser ocupadas para colonização. Kahlden encarregou-se da medição de uma área de
aproximadamente 55 mil hectares e chegou a contar com cerca de uma centena de
trabalhadores. O chamado “loteamento oficial” prolongou-se até 1882, quando um Ato
Provincial emancipou as colônias de Nova Petrópolis, Monte Alverne e Santo Ângelo,
suspendendo qualquer auxílio econômico. Kahlden mostrou-se alarmado com a emancipação
da Colônia Santo Ângelo e o fim do auxílio oficial. Entretanto, permaneceu como administrador
e encarregado dos negócios da ex-Colônia Santo Ângelo, ao mesmo tempo em que ocupava o
cargo de Vereador de Cachoeira, de 1883 a 1886 (WERLANG, 2002).
A atividade de agrimensor rendeu a Kahlden contrato com o Governo da Província, em
1864, para a medição de lotes coloniais e demarcação de povoações na colônia de São Feliciano,
antes de sua instalação. Também celebrou contrato com a Câmara Municipal de Cachoeira para
a discriminação de uma légua quadrada de terras de matas na serra geral de ambos os lados da
picada nova e ao Norte do distrito denominado Boa Vista.192 Chegou a receber da Secretaria do
Governo da Província, em 1876, para o trabalho de medição de terras na Colônia Santo Ângelo
uma bússola, a qual devolveu quando terminou as medições.193
Quanto a atuação do Barão von Kahlden como Vereador de Cachoeira, consta nas
listagens do Arquivo Histórico Municipal de Cachoeira do Sul que ele ficou como Suplente de
Vereador na legislatura de 1865 a 1868. A suplência, entretanto, lhe alçou ao cargo desejado,
pois aos 14 dias do mês de agosto de 1867, o Barão von Kahlden assinava ata da Câmara de
Vereadores de Cachoeira como Vereador, confirmando sua presença em sessão extraordinária,
na qual o Sr. Ludovico Martins Porto prestou Termo de Fiança para servir o cargo de Procurador
da Câmara Municipal.194 Posteriormente, o encontramos como Presidente da Câmara Municipal
de Vereadores em 28 de maio de 1884.195 Entretanto, em 21 de maio de 1884, consta que o
Barão de Kahlden era Vice-Presidente da Câmara de Vereadores de Cachoeira.196
Em junho de 1886 ele permanecia no cargo de Vice-Presidente, quando recebeu ofício da
Presidência da Província avisando que no dia 15 de dezembro daquele ano iria ocorrer a eleição

192
AHMCS: Livros de Contratos; CM/OF/TA – 006.
193
AHRGS: Colonização; Colônia Santo Ângelo; Caixa 11; Maço 22.
194
AHMCS: Livros de Contratos; CM/OF/TA – 005.
195
AHMCS: Livros de Contratos; CM/OF/TA – 005.
196
AHMCS: CM/OF/TA – 007.
149

dos novos membros da Assembleia Legislativa Provincial, portanto, recordava que as


necessárias providências deveriam ser tomadas naquela data a fim de serem realizadas as
eleições em Cachoeira do Sul. Em outro momento, no mesmo ano, o Barão von Kahlden
recebeu o pedido de João Carlos Maywald para lhe serem concedidas terras para a edificação
de uma casa. Agora ele passara a ser o destinatário dos pedidos dos moradores de toda a cidade
de Cachoeira, e não mais apenas dos colonos de Santo Ângelo. Havia aumentado sua base
enquanto mediador das necessidades da população.197
Desde o início da década de 1860 o Barão von Kahlden participou ativamente da vida
política de Cachoeira do Sul. Foi, com maior afinco, a partir de 1883, quando a Colônia Santo
Ângelo perdeu sua autonomia e dividiu-se em vários distritos198, que ele investiu na carreira
política em cargos eletivos. Ainda exerceu o cargo de administrador de um dos distritos
oriundos da divisão da Colônia Santo Ângelo durante os anos de 1883 a 1885. É provável que
tenha investido na vida pública ao perder o posto de Diretor de toda a extensão de Santo Ângelo,
que aos poucos deixou de existir enquanto colônia.
Para poder participar das eleições municipais, como vimos, era necessário ao estrangeiro
ser naturalizado, e quanto a isso o Barão deu solução já em 1860,

Joaquim Antão Fernandes Leão, do Conselho de S. M. o Imperador, Oficial da ordem


da rosa e Presidente da Província de São Pedro do Rio Grande do Sul [...] Faz saber
ao que esta Carta de Título de Naturalização virem que, tendo Carlos Ermano João
Adão, Barão de Kalden, comprovado achar-se compreendido nas disposições do
artigo 17 da Lei nº 601 de 18 de setembro de 1850199, tendo feito a competente
declaração, perante a Câmara Municipal desta Capital, de que pretende fixar sua
residência no Império e naturalizar-se Cidadão Brasileiro, prestando juramento de
fidelidade a constituição do Império, fica por isso reconhecido Cidadão Brasileiro
naturalizado.200

Uma vez naturalizado, Kahlden tratou de exercer seu direito ao voto. A Lista dos
Votantes da Paróquia de Nossa Senhora da Conceição, de 1861, registrava o nome dele como
um dos votantes do oitavo quarteirão do 1º Distrito de Cachoeira, descrevendo ter ele 31 anos
de idade, ser casado e atuar como Empregado Público. Da mesma forma, encontramos seu nome

197
AHMCS: CM/S/SE/CR – 017.
198
Em 1885 a Câmara Municipal de Cachoeira dividiu a Colônia Santo Ângelo em 6 grandes complexos, de acordo
com a Lei nº 1.433 de janeiro de 1884, para arrecadação do imposto colonial. Neste momento, foi extinta a unidade
e autonomia dela. A partir de 1883/1885, Santo Ângelo deixou de existir, surgindo em seu lugar vários distritos
(WERLANG, 2002).
199
Art. 17. Os estrangeiros que comprarem terras, e nelas se estabelecerem, ou vierem a sua custa exercer qualquer
indústria no país, serão naturalizados querendo, depois de dois anos de residência pela forma por que o foram os
da colônia de S, Leopoldo, e ficarão isentos do serviço militar, menos do da Guarda Nacional dentro do município.
BRASIL. Lei n. 601 de 18 de setembro de 1850. Presidência da República. Rio de Janeiro, RJ, 20 set. 1850.
Disponível em <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L0601-1850.htm>. Acesso em: 18 out. 2016.
200
AHMCS: Livro de Títulos. CM/S/SE/RC – 004.
150

nas listas de Qualificação de votantes e de eleitores elegíveis dos anos de 1862 a 1869, em 1876,
e em 1878.201 Como esses anos foram os únicos constantes nos Livros de Registros de Votantes
existentes no Arquivo Histórico Municipal de Cachoeira do Sul, é lícito afirmar que o Barão
von Kahlden qualificou e votou em outros anos. A participação dele nas eleições, entretanto,
não se deu apenas como votante e eleitor, mas também enquanto membro da Junta de
Qualificação da Paróquia de Nossa Senhora da Conceição. Já em 1863 consta entre os membros
reunidos para a qualificação de eleitores o nome e a assinatura do Barão.202 O mesmo se repetiu
em 1864,

Aos dezoito dias do mês de março de 1864, pelas nove horas da manhã no Consultório
da Igreja Matriz desta Freguesia de N. S. da Conceição da Cachoeira, compareceram
os membros da junta de qualificação [...]. Foram apresentados dois ofícios dos
membros da junta, Vigário Luiz Antônio Gonçalves dos Santos e Tristão da Cunha
Sobrinho, alegando o primeiro não poder tomar parte nos trabalhos da junta por seus
afazeres paroquiais, e o segundo por moléstia, resolveram os membros presentes
dispensá-los e nomear para substituir o primeiro por parte dos Eleitores, Barão de
Kahlden, e o segundo por parte dos Suplentes, a Antônio Eusébio da Fontoura. 203

Da mesma forma, ele voltou a fazer parte da Junta de Qualificação em 1866 e em 1869.
Enquanto eleitor, foi registrado pelo oitavo quarteirão de Cachoeira do Sul até, pelo menos,
1869. Em 1876 o encontramos entre os votantes do 3º Quarteirão do 1º Distrito de Cachoeira.
Consta que tinha a idade de 44 anos, era Empregado Público, casado, filho de seu homônimo
Barão de Kahlden, domiciliado naquele quarteirão, sabia ler, tinha renda presumida de rs
300$00, renda provada de rs 3:000$000, e era elegível.204
Seu sobrenome germânico destacava-se entre tantos outros que não o eram: Fortes,
Rocha, Rodrigues, Alencastro, Fontoura, Barcelos, Lima, Santos, Almeida, Coimbra,
Evangelista, Pinto, Silva, etc. Além dele, no mesmo quarteirão, encontramos outros votantes
com sobrenome germânico, como Henrique Müller, João Jorge Krieger, e João Frederico
Pholman; no Quinto Quarteirão havia Pedro Thasch; no Sexto Quarteirão Pedro Roth; no 2º
Distrito aparece Manuel Antônio Kolz; e no 3º distrito aparecem Henrique Scherer e Lourenço
Scherer. Assim, naquele ano de 1876, de 903 votantes qualificados, apenas cerca de 10 deles

201
AHMCS: Registros de Votantes.
202
AHMCS: Registros de Votantes; CM/E – 009.
203
AHMCS: Registros de Votantes. CM/E – 016.
204
“Aos vinte e um dias da mês de janeiro de 1866, na Igreja Matriz desta Paróquia de Cachoeira as nove horas da
manhã reunidos os Eleitores abaixo assinados, e não tendo comparecido um só suplicante, foi chamado na falta
deles o sétimo suplicante do Juízo de Paz João Alves de Almeida, no impedimento dos outros mais votantes, sob
a providência do Juiz de Paz mais votado o Capitão Miguel Cândido da Trindade, que depois de ter feito a leitura
do Tit. 2º Cap. Do Tit. 1º da Lei regulamentar das eleições de 19 de agosto de 1846, ter a chamada dos suplicantes,
e compareceram os eleitores, o capitão Lourenço José da Silva B., Barão de Kahlden [...]”. AHMCS: Registros de
Votantes; CM/E – 016.
151

tinham sobrenome de origem germânica, o que demonstra a reduzida participação política de


elementos estrangeiros nas eleições. Por fim, ainda encontramos o Barão von Kahlden como
votante do 3º Distrito do 1º Quarteirão, em 1878, então com 48 anos, ainda casado e empregado
público, provando renda de rs 3:000$000, e considerado Elegível.205
Temos a percepção de que os cargos públicos exercidos pelo Barão de Kahlden o alçaram
a uma condição especial na sociedade em que estava inserido. Foi autoridade destacada e
transitou em diversos espaços sociais com relativa facilidade. Constituiu o papel de mediador
das reivindicações dos colonos de Santo Ângelo enquanto Diretor colonial, e tirou proveito
dessa posição e das atividades de agrimensura para garantir interesses próprios. Assim,
acumulou o capital, tanto material quanto social, para atuar como Vereador e, por fim, chegar
ao cargo de Deputado Provincial, em 1889.

2.2.4 Karl von Koseritz, o Jornalista

Como salienta René E. Gertz (1999, p. 7), “ Uma biografia de Karl von Koseritz ainda
está por ser escrita”. Inúmeros trabalhos já se debruçaram sobre este multifacetado personagem
e, certamente, não conseguiram dar conta de toda a complexidade e variedade de sua trajetória,
portanto também não nos caberá fazê-lo. Neste trabalho, vamos apresentar alguns espaços nos
quais ele atuou, exercendo o poder através da participação política. Dessa forma, o destaque
maior será dado as atividades que desempenhou enquanto Agente Intérprete da Colonização
em Porto Alegre, isto é, quando exerceu cargo público, aspecto esse ainda pouco destacado na
historiografia que trata de Karl von Koseritz. Também traremos aspectos da atuação política
dele em outros espaços, como no jornalismo e na maçonaria, entretanto, nosso maior empenho
e interesse recaem sobre o dito trabalho como funcionário do complexo colonial da Província,
na década de 1860. A trajetória de Karl von Koseritz, objetivo de vários estudos206, é sintetizada
por Tiago Weizenmann (2015), historiador que dedicou seu doutorado às possibilidades criadas
por Koseritz a partir da atuação em diversos empreendimentos tipográficos de Porto Alegre,

Transitou por diferentes ambientes, articulou engajamentos políticos e sociais,


expressou um pensamento ligado às concepções do liberalismo, mobilizou pessoas
para debates cientificistas, polemizou sobre pensamentos, exerceu, mesmo sem

205
AHMCS: Registros de Votantes, CM/C – 016
206
CARNEIRO, José Fernando. Karl von Koseritz. Porto Alegre: IEL, 1959. OBERACKER JR, Carlos H. Carlos
von Koseritz. São Paulo: Anhambi, 1961. VAZ, Artur Emílio Alarcon; MELLO, Juliane Cardozo de. Carlos von
Koseritz. Novelas. Porto Alegre: Instituto Estadual do Livro: Corag, 2013. KOSERITZ, Carl von. Imagens do
Brasil. São Paulo: Martins, Editora da USP, 1972. GRÜTZMANN, Imgart. Intelectuais de fala alemã no Brasil
do século XIX: o caso Karl von Koseritz (1831-1890). História Unisinos, v. 11, n. 1, p. 123-133, janeiro/abril,
2007.
152

formação, a atividade de advogado, colocou-se a favor de projetos que pretendiam


atender aos interesses dos imigrantes e descendentes alemães no Brasil, promoveu as
artes, engajou-se na política, atuou expressivamente no âmbito da maçonaria, entre
outros aspectos (WEIZENMANN, 2015, p. 42-43).

Portanto, percebe-se, ele foi figura destacada da sociedade rio-grandense do século XIX,
atuando em variadas frentes, sempre com destaque. Entre as principais bandeiras defendidas
por Koseritz, esteve a defesa da ampliação dos direitos civis dos imigrantes alemães, expressa
em discursos na Assembleia Legislativa e na imprensa. A fim de entender um pouco de quem
foi esse personagem, trazemos a seguir algumas informações biográficas do mesmo, de maneira
breve e sem maiores pretensões.

Figura 8 – Karl von Koseritz

Fonte: <http://www.martiusstaden.org.br/conteudo/detalhe/97/karl-von-koseritz-1830-1890> Acesso em 22 de


março de 2016.

Karl Julius Christian Adalbert Heinrich Ferdinand von Koseritz, ou simplesmente Karl
von Koseritz, nasceu a 3 de fevereiro de 1830, em Dessau, no ducado de Anhalt. Segundo
Aurélio Porto (1996), ele frequentou um liceu de estudos superiores, se dedicou a atividades
marítimas e participou, em 1848, das revoluções liberais na Alemanha, uma entre as tantas que
ocorriam na Europa durante o movimento chamado de “Primavera dos Povos”. Em 1851, ele
embarcou para o Brasil na condição de aprendiz de marinheiro, grumete, junto de parte dos
mercenários da Legião Alemã dos Brummer, no navio Heinrich (ALVES, 2012).
153

Como salientamos no capítulo anterior desta Dissertação, consideramos Koseritz como


um Brummer, ao contrário de alguns de seus estudiosos, pelo entendimento de que esta
denominação recaiu sobre os legionários a partir de seu contato com os brasileiros, englobando
todos que haviam feito parte da Legião Alemã, tanto aqueles que haviam se engajado na Europa
e assinado contrato com Rego Barros, como os que foram incorporados já no Brasil. Ele fez
parte da artilharia dos Brummer, permanecendo todo o tempo em que prestou serviço militar na
cidade de Rio Grande, junto a tropa de reserva, período no qual cumpriu sucessivos períodos
na prisão, por não se a adaptar à disciplina militar. Em junho de 1852, mais de quatro meses
após o fim da Guerra contra Oribe e Rosas (1851-1852), tempo superior ao cumprido por muitos
legionários, Koseritz desertou (LEMOS, 2015).
De acordo com Imgart Grützmann (2007), pesquisadora destacada do germanismo e das
expressões culturais e linguísticas da imigração alemã, após sua deserção, Koseritz passou a
viver na cidade de Pelotas, onde trabalhou como guarda-livros e professor de piano; e em 1855
casou-se com Zeferina Maria de Vasconcelos, filha de um estanceiro local, com quem veio a
ter quatro filhas. A brilhante carreira dele no jornalismo teve início em Pelotas, onde atuou na
redação de O Noticiador, e em 1858 criou o próprio jornal, O Brado do Sul, considerado o
primeiro periódico diário de Pelotas. Como destaca Maria Angela Peter da Fonseca (2007),
após um período de muitas privações, ele atuou como professor particular em casas de família
e, então, passou a trabalhar como jornalista. Vários historiadores207 afirmam que, em 1856,
Koseritz e Telêmaco Bouliech fundaram um colégio para meninos em Pelotas, no entanto, não
encontram o nome desse estabelecimento de ensino. Para Fonseca (2007), há indícios de que o
Colégio União tenha sido fundado por Karl von Koseritz, no entanto, tal informação não deve
ser tratada como uma certeza, e requer maiores estudos. Atuando na docência e no jornalismo,
em 1856 lançou um livro didático, Resumo de uma História Universal.
Marcio Miranda Alves (2012) destaca que durante os primeiros anos em Pelotas, Koseritz
desempenhou as atividades de cozinheiro e guarda-livros. Ele foi professor no Colégio União,
e colaborou com o jornal Der Einwanderer, de Porto Alegre. Durante esses anos iniciais de
atividade jornalística, Koseritz publicou seus primeiros dramas e contos, como as peças Inês e
Nini, ambas de 1859, seguindo a corrente do teatro romântico, e as narrativas A Donzela de
Veneza e A véspera da batalha, de 1858, publicadas no caderno literário Ramalhete Rio

207
TAMBARA, Elomar. A Educação no Rio Grande do Sul sob o Castilhismo. 1991. Tese de Doutorado.
Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre; GANZ, Magda Roswita. Presença Teuta em Porto
Alegre no século XIX (1850-1889). Porto Alegre: URGS/ANPUH/RS, 2004; GRÜTZMANN, Imgart.
Intelectuais de fala alemã no Brasil do século XIX: o caso Karl von Koseritz (1830-1890). In: História Unisinos.
São Leopoldo, vol. 11, nº 1, pg. 123-133, janeiro/abril de 2007.
154

Grandense. De acordo com Fonseca (2007), em 1857, Koseritz fundou o Ramalhete Rio-
Grandense e, no ano seguinte, publicou mais dois livros didáticos, o Compêndio de História
Natural e Compêndio Resumido de Geografia. Tanto Grützmann (2007) como Alves (2012)
comentam o envolvimento de Kosertiz na política local, posicionando-se contra os
progressistas, membros do partido dominante em Pelotas, por meio de embates diários na
imprensa. Através das páginas do O Brado do Sul, comenta Fonseca (2007), de propriedade de
Domingos José de Almeida, em 1858, Koseritz, então redator, sustentou polêmica com o jornal
O Noticiador, culminando com seu espancamento.
Por conta desse episódio, ele teria voltado para Rio Grande, onde atuou na imprensa local,
redigindo o jornal O Povo e colaborando no Eco do Sul. Atento à educação, lá fundou um
estabelecimento de instrução primária e secundária, o Ateneu Rio-Grandense. Segundo Alves
(2012), em uma de suas viagens a Porto Alegre, Koseritz recebeu um convite para assumir a
direção do jornal Deutsche Zeitung, o qual aceitou. Assim, esta oportunidade, somada ao fato
de estar envolvido em conflitos locais e alvo de acusações em Rio Grande, o impulsionou a
mudar-se em 1864 para Porto Alegre. Sob o seu comando, o Deutsche Zeitung tornou-se o
principal porta-voz das aspirações dos imigrantes germânicos e um meio de intervir na esfera
pública da Província em prol dos mesmos (ALVES, 2012).
Com Koseritz, ocorreu a expansão da imprensa teuto-gaúcha no Rio Grande do Sul, tanto
pelas folhas que fundou, nas quais foi redator e para as quais contribuiu, quanto pelas folhas
que surgiram com a finalidade de combater as ideias propagadas pelo Deutsche Zeitung. Para
Alves (2012), pelas páginas do jornal em língua almeã, Koseritz exerceu intensa influência
sobre os imigrantes alemães ao os incentivou a participarem da vida política e civil brasileira
através da naturalização, e de fornecer orientações de ordem prática nas aéreas do direito, da
economia e da saúde. Ele defendeu a cidadania brasileira para os imigrantes e seus descendentes
e a manutenção da germanidade transmitida pelos laços culturais e pelo sangue.
Além de redator do Deutsche Zeitung, dirigiu paralelamente o jornal conservador A
Ordem, atuou no Mercantil, colaborou com o Jornal do Comércio, que funcionava como órgão
oficial do partido liberal oposicionista e, ainda, assumiu a redação do A Reforma, jornal fundado
pelos liberais. Dessa forma, Alves (2012) destaca que Koseritz foi considerado um dos
mentores intelectuais da ideologia liberal no Sul do Brasil, além disso, sua influência na opinião
pública cresceu a cada ano, principalmente a partir de 1879, quando passou a trabalhar para a
Gazeta de Porto Alegre, folha que o alçou a condição de um dos principais jornalistas em
atividade no Brasil. Além da intensa atividade nas folhas gaúchas, Koseritz também escreveu
regularmente para jornais publicados na Alemanha, nos quais defendeu o Rio Grande do Sul
155

como destino para os imigrantes. Ele auxiliou na solução de problemas decorrentes da


integração dos alemães, bem como na defesa da manutenção do fluxo migratório para o Rio
Grande do Sul (ALVES, 2012).
Grützmann (2007) aponta que, além de jornalista, Koseritz atuou como advogado, embora
não tivesse formação específica nesta área, foi agente-intérprete da colonização a convite do
governo provincial, filiou-se à maçonaria, se dedicou a estudos históricos, econômicos,
filosóficos e culturais, a pesquisas etnográficas e à literatura, tendo sido autor de uma enorme
obra na imprensa e em forma de livro. Como político, Koseritz foi Deputado Provincial de 1883
a 1889. Ainda, realizou pesquisas etnológicas, sendo considerado um pioneiro neste campo no
Rio Grande do Sul. Também estudou a poesia popular rio-grandense, se dedicou à crítica
literária, mantendo contatos e debates com alguns dos mais importantes críticos brasileiros de
sua época, e produziu obras literárias. É considerado um dos primeiros escritores da literatura
de expressão alemã no Brasil. Ele foi membro do Partido Conservador e do Partido Liberal, no
qual esteve ligado especialmente a Silveira Martins. De acordo com Alves (2012) a
historiografia atribui a Koseritz a introdução, no Brasil, do evolucionismo de Darwin e de
Haeckel e da filosofia monística alemã. Tais ideários pautaram o combate acirrado que travou
contra o ultramontanismo, notadamente a atividade dos jesuítas germânicos no Sul do Brasil.
Como se vê, Karl von Koseritz esteve envolvido em uma gama de atividades, destacando-
se sua notável produção jornalística. Não haveria neste texto como aprofundar cada um dos
temas referidos, e nem mesmo analisar satisfatoriamente as questões políticas existente em cada
um deles. Por conta disso, voltamos nossos esforços a atuação de Koseritz enquanto funcionário
público da Província rio-grandense, em sua atuação como Agente Intérprete da Colonização,
cargo que ocupou entre 1866 e 1868. De acordo com a Lei nº 603 de 10 de Janeiro de 1867,
cabia ao Agente Intérprete da Colonização em Porto Alegre as obrigações dispostas no
Regulamento n.º 7 de 7 de Julho de 1857, isto é, o serviço de recepção, acomodação, e
distribuição dos colonos aportados naquela Capital, e acrescentava a obrigação de manter a
correspondência com as colônias, e servir de intermediário entre estas e a Presidência da
Província.208 O Inspetor passou a acumular todas as funções que competiam ao Inspetor Geral,
cargo então extinto, que eram, de acordo com o art. 4º das Instruções n.º 39 de 12 de janeiro de
1859,

208
IOTTI, Luiz Horn. Imigração e Colonização: Legislação de 1747-1915. Porto Alegre: Assembleia Legislativa
do Estado do RS – Caxias do Sul: EDUCS, 2001.
156

1º. Dirigir e fiscalizar sob as imediatas ordens do Governo Provincial, todos os


negócios e trabalhos da colonização à custa dos Cofres Provinciais.
2º. Executar, e fazer executar os Regulamentos e ordens relativas à recepção e
transporte dos colonos, seu tratamento, estabelecimento, demarcação e distribuição de
prazos, entrega de títulos respectivos, e igualmente sobre o regime interno dos
depósitos e das Colônias, e a quaisquer outros objetos relativos a este ramo de serviço.
3º. Fiscalizar a execução de quaisquer contratos feitos com o Governo Provincial
sobre a importação ou estabelecimento de colonos.
4º. Propor o que julgar conveniente a respeito da colonização e do melhoramento e
estabilidade das Colônias.
5º. Inspecionar amiudadas vezes os depósitos e estabelecimentos coloniais, dando
conta ao governo provincial do seu estado.
6º. Promover a cobrança e indenização das despesas feitas por conta da Fazenda
Provincial com os colonos, e bem assim o pagamento dos prazos distribuídos na forma
da Legislação em vigor.
7º. Promover o assentamento da dívida de cada colono, fornecendo à competente
repartição fiscal os dados necessários.
8º. Assistir aos colonos que não tiverem Cônsules, ou pessoas que velem sobre seus
direitos e interesses com os seus conselhos, e patrocínio em todos os contratos e
questões que os interessarem.
9º. Formar a matrícula dos colonos e organizar a estatística das Colônias, apresentando
semestralmente o competente Quadro ao Governo Provincial, e igualmente o dos
Colonos entrados na Província em cada semestre.
10º. Ter a seu cargo, conforme as ordens do Governo Provincial, tudo o que for
relativo à colonização. (IOTTI, 2001, p. 627-628)

Aquele era, portanto, o cargo de maior expressividade na administração das colônias


provinciais do Rio Grande do Sul, e suas atribuições quando passadas ao Agente Intérprete da
Colonização o tornaram o principal funcionário do complexo colonial. Como o próprio Koseritz
explica, em seu “Relatório da Administração Central das Colônias da Província de São Pedro
do Rio Grande do Sul”209, de 1867, ele assumiu o citado cargo a 10 de janeiro de 1867, sendo
que já exercia interinamente as funções do inspetor geral das colônias na qualidade de seu
ajudante desde 11 de setembro de 1866, quando o então Inspetor Geral, o Sr. Francisco Xavier
da Cunha, havia entrado de licença, da qual não mais retornou. Para ele, a disposição da lei
reduzindo o pessoal administrativo, simplificou o serviço e economizou uma soma considerável
aos cofres públicos sem, contudo, privar as colônias da tutela da administração central. Em sua
gestão, Koseritz destaca o trabalho de regularização da repartição do Agente Intérprete, uma
vez que o arquivo da repartição, já quando Francisco Xavier da Cunha havia iniciado suas
atividades, estava desorganizado, faltando as leis provinciais, plantas de algumas colônias,
cadastros de colonos, e estatísticas das colônias provinciais, além de estar em atraso a
correspondência oficial com os diretores coloniais. Ele realizou o trabalho de sanar aquelas
faltas, e fortaleceu a fiscalização sobre os colonos, exigindo prestação de contas em casos

209
KOSERITZ, Karl von. Relatório da Administração Central das Colônias da Província de São Pedro do
Rio Grande do Sul. Porto Alegre: Tipografia do Jornal do Comércio, 1867. Disponível em <http://www-
apps.crl.edu/brazil/provincial/rio_grande_do_sul>. Acesso em: 28 jul. 2015.
157

envolvendo abandono, troca ou venda de prazos coloniais, transações estas que antes ocorriam
sem licença prévia da repartição do Agente Intérprete e da Diretoria Geral da Fazenda
Provincial. Em trabalho conjunto com os diretores coloniais, Koseritz passou a receber cópias
dos cadastros dos colonos e de todo e qualquer abandono de prazos coloniais, o que passava à
Diretoria Geral da Fazenda. Portanto, ele melhorou a comunicação entre os diferentes níveis
hierárquicos da administração pública colonial.210
O destaque da atuação de Koseritz diz respeito à vinda de colonos norte-americanos para
o Rio Grande do Sul, por conta do governo imperial. Ele se ocupou sobre este assunto em
diversas correspondências com a Presidência da Província, e deu atenção especial ao tema no
relatório de 1867, antes citado. O trabalho gerado pela chegada destes imigrantes, diz Koseritz
(1867), havia resultado em consequências maiores para a administração central das colônias do
que o acúmulo das funções do Inspetor Geral no cargo do Agente Intérprete. Os
desdobramentos da vinda deste grupo, por exemplo, haviam impedido Koseritz de realizar sua
planejada viagem de inspeção às três colônias provinciais, Santa Cruz, Santo Ângelo e Nova
Petrópolis.211
Como os colonos norte-americanos tinham suas despesas pagas pelo governo geral, seu
registro era feito a parte, o que fez crescer o trabalho da repartição do Agente Intérprete. Frente
a essa questão, Koseritz oficiou ao Presidente da Província pedindo a transferência do professor
vitalício de inglês, Júlio Timóteo de Araújo, para a direção geral das colônias, a fim de ajudá-
lo em seus serviços avultados. Koseritz argumentava que “O referido professor, que fala e
escreve perfeitamente o inglês seria de grande utilidade para os trabalhos com os ditos colonos,
não acarretando essa medida a menor despesa aos cofres públicos, já que o dito empregado de
toda maneira recebe o seu ordenamento”212. O pedido, feito em abril de 1867, foi atendido no
mês de maio daquele mesmo ano.213 Koseritz mostrava habilidade para gerir os recursos a seu
dispor e buscar alternativas para facilitar seu trabalho.
Consta no Relatório de Koseritz (1867) que nos primeiros seis meses de 1867 haviam
chegado em Porto Alegre 157 imigrantes procedentes dos Estados Unidos, dos quais 6 seguiram
para Santo Ângelo e 83 para Nova Petrópolis, muitos deles tendo ficado pelo caminho, sendo
que o restante permaneceu em Porto Alegre ou voltou para Rio Grande, de onde a maioria

210
Ibidem.
211
KOSERITZ, Karl von. Relatório da Administração Central das Colônias da Província de São Pedro do
Rio Grande do Sul. Porto Alegre: Tipografia do Jornal do Comércio, 1867. Disponível em <http://www-
apps.crl.edu/brazil/provincial/rio_grande_do_sul>. Acesso em: 28 jul. 2015.
212
AHRGS: Documentos da Imigração e Colonização Alemã. Órgãos de Colonização (Correspondência). Caixa
16. Maço 25-26.
213
Ibidem.
158

rumou para o Uruguai. Outros cem norte-americanos haviam desembarcado em Rio Grande e
dali embarcado para Montevidéu, considerando o Rio Grande do Sul apenas como escala. Ainda
vieram muitos outros norte-americanos depois de 15 de julho de 1867, data do relatório de
Koseritz, como mostram os ofícios e requerimentos por ele encaminhados à Presidência da
Província. Ele não via com bons olhos este grupo de imigrantes, e mais de uma vez afirmou
essa posição. As críticas de Koseritz recaiam sobre o grupo por ele identificado como “norte-
americanos do Norte”.

A imigração norte-americana por sua natureza se divide em duas classes, a


proveniente dos estados do Norte, e a procedente dos portos da extinta confederação
escravocrata do Sul. A maior parte dos imigrantes vindos para o Império e todos que
vieram para esta Província no número de cerca de 300, pertencem a primeira dessas
classes, isto é, são colonos engajados pelo Sr. Quintino Bocaiúva, em Nova York.
Condeno absolutamente a imigração procedente dos Estados-Unidos (do Norte), e 6
meses que tenho lidado com esses imigrantes me habilitam sem dúvida para formar
um juízo definitivo a respeito deles.214

De fato, os trabalhos na repartição da Diretoria Geral das Colônia haviam o habilitado


para tal assertiva quanto aos norte-americanos do Norte. Quanto aos norte-americanos do Sul,
Koseritz os estimava e considerava poderem oferecer excelentes braços para o trabalho e o
progresso, contribuindo com máquinas, indústrias e a aversão à rotina, no entanto, nenhum
havia escolhido o Rio Grande do Sul como destino. Os motivos dessa ausência, explicava
Koseritz, diziam respeito a pacificação política dos Estados Unidos após o período de secessão,
o que diminuíra a imigração política, e as crescentes dificuldades que o contexto imperial e a
legislação provincial impunham à posse de escravos. De um lado, o governo havia proibido os
imigrantes de possuírem escravos, e por outro, era cada vez mais iminente a abolição da
escravatura. Mas o principal fator de repulsão residia no clima, sendo muito mais atraente aos
poucos norte-americanos do Sul o imenso Vale do Amazonas, há muito tempo cobiçado pelos
norte-americanos, e as terras férteis do Rio Doce, com clima, produtos e ramos da agricultura
semelhantes àqueles de sua terra natal, do que o frio rio-grandense.215
Para Koseritz, os elementos do Norte que vinham para as colônias da Província sulina
eram questionáveis em seu caráter. Ele argumentava que os Estados Unidos, no Norte,
trabalhava com afinco para atrair a imigração inglesa e alemã. Para isso, sustentava na imprensa
da Alemanha órgãos seus para fazer propaganda positiva, mantinha numerosas agências de
imigração nos centros mais populosos daquele território, criara linhas de navegação a vapor e

214
AHRGS: Documentos da Imigração e Colonização Alemã. Órgãos de Colonização (Correspondência). Caixa
16. Maço 25-26.
215
Ibidem.
159

oferecera aos imigrantes grandes vantagens, como auxílio em Nova York, nos transportes e na
venda das terras. Os resultados eram aparentes, visto que em quase 40 anos, de 1820 a 1859,
imigraram para os Estados Unidos cerca de 6.000.000 de pessoas. Portanto, um país que
promovia a Imigração em larga escala, fazendo uso de estratégias para atrair imigrantes,
certamente não deixaria escapar os melhores elementos dessa massa populacional. Segundo
Koseritz, a imigração norte-americana, vinda pelo porto de Nova York, havia trazido poucos
norte-americanos de fato. Entre os 157 imigrantes chegados no primeiro semestre de 1867,
apenas 13 eram norte-americanos natos, enquanto os demais eram irlandeses, franceses,
ingleses, escoceses e alguns alemães. Em geral, eram proletários das ruas de Nova York.216
A razão principal para não querer os norte-americanos do Norte, explicava Koseritz
(1867), era o fato de terem apreço pelo regime republicano, encarando com verdadeiro ódio a
monarquia, e terem passado por uma guerra civil que liquidara com a escravidão. Essa opinião
expressava, ainda que indiretamente, a defesa da monarquia e da escravidão, deixando a
entender que os ditos imigrantes poderiam representar uma ameaça a essas estruturas. Segundo
Ryan de Sousa Oliveira (2008), Koseritz chegou a possuir mais de um escravo, ainda na década
de 1880, caracterizando, afirma Weizenmann (2015), uma de suas maiores contradições, pois
se engajou pelo fim da escravidão. Apesar de, em algumas ocasiões, ele fazer críticas à
escravidão, essa postura ia de encontro a fatores como a família de sua esposa,217
tradicionalmente escravagista, e com a postura do Partido Liberal que, apesar de defender a
abolição, desejava que esta ocorresse de forma lenta e gradual. A crítica à escravidão residia
principalmente na defesa da pequena propriedade, como destaca Weizenmann (2015, p. 192),

O fim do trabalho escravo e a implantação do trabalho livre, dentre as alternativas


propostas por ele, vinculava-se ao projeto que se contrapunha à grande propriedade,
somado ao fluxo migratório que traria colonos ao país. [...] demonstrou-se
radicalmente contrário à imigração chinesa, aos que denominava cules, como
pretendiam alguns fazendeiros de São Paulo, em 1883. Reconhecia a escravidão como
instituição histórica, mas de ultraje à natureza humana.

Outro exemplo de sua postura contrária ao trabalho escravo, foi sua participação no
movimento abolicionista da Província, ao lado de sua filha Carolina von Koseritz. Ambos

216
KOSERITZ, Karl von. Relatório da Administração Central das Colônias da Província de São Pedro do
Rio Grande do Sul. Porto Alegre: Tipografia do Jornal do Comércio, 1867. Disponível em <http://www-
apps.crl.edu/brazil/provincial/rio_grande_do_sul>. Acesso em: 28 jul. 2015.
217
Como descreve Weizenmann (2015), em 22 de novembro de 1879, o jornal O Mercantil fazia nota da fuga de
uma escrava de Koseritz, chamada Joana. Em comunicado publicado em A Federação, na seção das “Ocorrências
policiais”, publicava-se o seguinte comunicado: “Foram ontem recolhidos à cadeia por ordem do dr. Chefe de
polícia: a crioula de nome Joana, contratada de Carlos von Koseritz, por vagabunda [...]”. Antes disso, ainda houve
o artigo “Uma infeliz”, também de A Federação, expondo a situação da contratada Joana, que sofria maus tratos
de sua senhora, esposa de Koseritz.
160

estiveram presentes na defesa da libertação dos escravos em atividades promovidas pelo Centro
Abolicionista, como a promoção de quermesses para angariar fundos destinados a libertação de
cativos. A partir de agosto de 1884, na seção Livro Áureo do periódico A Reforma, passaram a
ser publicados diariamente os nomes de pessoas que haviam concedido a liberdade a seus
escravos em Porto Alegre, e nestas listagens encontra-se o nome de Koseritz, que teria
concedido liberdade a quatro escravos. Entretanto, tal concessão ocorria em um período muito
próximo da abolição da escravidão, quando inúmeros sinais apontavam esse destino como
iminente (WEIZENMANN, 2015). Apesar desse engajamento, destaca Magda Roswita Gans
(2004), a postura de Koseritz coincidia com a dos Liberais, isto é, se opunham as propostas
republicanas que previam uma imediata abolição, pois a consideravam uma atitude que
representava perigo a sociedade.
A questão da existência da escravidão Brasil para os Norte-americanos do Norte, afirmava
Koseritz, era um dos principais fatores da sua não permanência aqui. Por estarem mais voltados
a Estados republicanos e livres da escravidão, grande parte daquelas norte-americanos que
haviam migrado para o Rio Grande do Sul assim o fizeram para se evadir para o Uruguai. Não
foram poucos os que chegaram a se instalar nas colônias provinciais e, depois, rumaram para o
Estado vizinho. Assim, representaram um prejuízo enorme ao governo geral e provincial. Cada
imigrante, aponta Koseritz (1867), gerava cerca de rs 400$000 de despesas em adiantamentos
de passagens de Nova York para o Rio de Janeiro, deste para Porto Alegre, e desta para as
colônias, portanto, a fuga desses imigrantes resultava no não pagamento dos valores adiantados.
Dessa forma, Koseritz era de opinião que o Governo deveria proibir a vinda de norte-
americanos para o Rio Grande do Sul, devido a sua localização limítrofe com o Uruguai. 218
Essa situação esteve retratada em várias correspondências enviadas para a Presidência da
Província por Koseritz. Em ofício do dia 5 de julho de 1867, o Diretor da Colônia Nova
Petrópolis comunicava que haviam fugido da dita colônia algumas famílias norte-americanas
contempladas com terras e donativos, portanto, devedoras ao governo de toda a quantia com
elas despendida. O Diretor era de opinião que deveriam ser tomadas medidas preventivas, pois
do contrário todos os colonos norte-americanos seguiriam o exemplo das famílias sumidas. Para
Koseritz, como eram devedores da fazenda pública e obrigados a morarem nos seus prazos
coloniais, era necessário tomar medidas policiais para impedir sua evasão da Colônia antes de
restituírem o erário público das quantias recebidas, responsabilizando-se também aqueles que
fornecessem meios de transporte para a fuga. Nesse sentido, o Diretor de Nova Petrópolis

218
AHRGS: Documentos da Imigração e Colonização Alemã. Órgãos de Colonização (Correspondência). Caixa
16. Maço 25-26.
161

descrevia a tentativa de fuga do casal de colonos Peter e Ana Hankins, da qual fora comunicado
pelo negociante Felipe Hofstatter, com quem o colono Carlos Rarth, morador na linha Olinda
em frente ao depósito dos norte-americanos, havia contratado o transporte para a evasão do
casal.219
Segundo ofício de 21 de junho de 1867, do Barão von Kahlden, os seis colonos norte-
americanos enviados para a Colônia Santo Ângelo naquele mesmo ano haviam se evadido logo
depois de receberem suas casas e roças, e a quantia de rs 20$000, sob o pretexto de procurarem
trabalho na Campanha. O grupo seguiu viagem para o Estado Oriental. Outro caso ilustrativo
da passagem dos colonos norte-americanos pelo Rio Grande do Sul a pretexto de ir para o
Uruguai, foi a chegada de um grande grupo no vapor Santa Cruz, em abril de 1867. Consta que
após o desembarque, 19 deles declararam querer fixar domicilio em Rio Grande, entretanto,
apenas 3 permaneceram naquela cidade, enquanto os outros 16 seguiram por terra para o Estado
Oriental. Outros 8 imigrantes decidiram ir para Porto Alegre, mas demoraram a viajar por
estarem adoentados. Quando, enfim, foram para a Capital, no vapor Proteção, os integrantes da
família Boyle lá não permaneceram, voltando para Rio Grande no dia seguinte a sua chegada,
criticando a casa de recepção de Porto Alegre, onde diziam “tudo era ruim”. Para Koseritz, na
verdade, eles queriam mesmo era ir para o Estado Oriental, e encontraram apoio no Cônsul
norte-americano, que mandou os acomodar em um hotel. O Agente Intérprete de Rio Grande
acreditava que o Cônsul tomara tal atitude na certeza de que o governo iria pagar as despesas
do hotel. Ainda, o mesmo agente dizia que os Boyle haviam seguido para Montevidéu, como
já haviam feito mais de 70 pessoas solteiras.220
O mesmo ofício apresentava o caso do colono de nome Charles Swery, que havia chegado
em Rio Grande no vapor Santa Cruz em 19 de abril de 1867 com nome diferente, Gloughlin, o
qual embarcara para Porto Alegre com outros imigrantes sem avisar ao agente intérprete. A
prática da troca de nomes entre os norte-americanos, afirmava o dito agente, fora comum. O
Diretor de Nova Petrópolis informava que alguns colonos trocavam de nome da noite para o
dia, sendo difícil averiguar a verdade, pois os outros colonos ou não sabiam o nome real, ou
não queriam dizer. Ainda, o Diretor fazia um alerta: do total de norte-americanos enviados para
Nova Petrópolis, cerca de 25 indivíduos já haviam evadido, acarretando grandes despesas ao
governo, entre eles duas famílias que passaram por Porto Alegre e seguiram para Rio Grande,
o que se soube apenas no dia posterior da partida do vapor Proteção, pela lista dos passageiros

219
AHRGS: Documentos da Imigração e Colonização Alemã. Órgãos de Colonização (Correspondência). Caixa
16. Maço 25-26.
220
Ibidem.
162

publicada nas folhas diárias. Assim, afirma, certamente essas famílias traziam consigo algum
dinheiro dos Estados Unidos e o ocultavam, para pagarem sua viagem a Montevidéu. Em suas
palavras, “Está o governo do Brasil fazendo despesas inúmeras a fim de proporcionar
imigrantes ao Estado Oriental”.221
As críticas de Koseritz aos norte-americanos só faziam aumentar. Ele reclamou da forma
como eram exigentes, pois nada lhes parecia bom. Houve o caso de um grupo de homens
solteiros que chegaram à Capital rio-grandense sem bagagens e descalços, aparentando serem
moradores de rua. Mesmo assim, foram exigentes, querendo que o governo pagasse roupas e
calçados a eles. Foi preciso pagar um cozinheiro para preparar as refeições desse grupo, pois
não queriam cozinhar sem retribuição, e trocaram nas vendas o pão que receberam por
aguardente. Não bastasse tudo isso, queimaram e depredaram as portas, tarimbas e janelas do
quartel dos Guaraní, onde foram hospedados. Na viagem para as colônias, geraram problemas
e a maioria desertou no caminho. Chegados às colônias, a situação piorou. Não queriam
trabalhar, a comida da tabela em vigor para os colonos não era boa o suficiente, e na casa de
recepção em Nova Petrópolis queimaram uma estrebaria inteira, 40 braças de cerca, as
tabuinhas do telhado da cozinha e as próprias tábuas do forro da casa. Em toda a parte,
praticaram roubos e distúrbios e as suas exigências não tinham limites.222 Por tudo isso, e ainda
mais, Koseritz lamentava,

Se em geral não tem sido satisfatório o resultado colhido no Império da imigração


norte-americana, tristes e muito desanimadoras tem sido as experiências que a
Província do Rio Grande do Sul tem feito com esses novos imigrantes, cuja vinda fora
anunciada ao país como a aurora de uma nova era de prosperidade e progresso. [...]
São estas as experiências que a Província fez com os imigrantes norte-americanos com
os quais os cofres gerais (somente nesta Província) dispenderam quantia maior de 11
contos de réis sem o menor proveito para o futuro. 223

A cada nova leva de imigrantes chegados no Rio Grande do Sul, Koseritz oficiava ao
Presidente da Província a anunciando, e apresentava o orçamento dos gastos com o transporte
a fim de receber os recursos discriminados. O procedimento de recepção era sempre o mesmo,
em acordo com as disposições das leis que regulamentavam o ofício do Agente Intérprete. Na
resposta a circular dirigida pela agência da imigração para o Brasil em Nova York aos
Presidentes das Províncias, Koseritz detalha o trabalho da Direção Geral das Colônias com os

221
AHRGS: Documentos da Imigração e Colonização Alemã. Órgãos de Colonização (Correspondência). Caixa
16. Maço 25-26.
222
KOSERITZ, Karl von. Relatório da Administração Central das Colônias da Província de São Pedro do
Rio Grande do Sul. Porto Alegre: Tipografia do Jornal do Comércio, 1867. Disponível em <http://www-
apps.crl.edu/brazil/provincial/rio_grande_do_sul> Acesso em 28 de julho de 2015.
223
Ibidem, p. 47.
163

recém-chegados. Tudo começava com o desembarque em Rio Grande, onde os imigrantes eram
recebidos pelo Agente Intérprete lá atuante, cujas tarefas eram, auxiliar no desembarque dos
imigrantes dos vapores, acompanhar o despacho das bagagens, e os conduzir a casa de recepção,
especialmente construída para esse fim, onde eles eram alojados e recebiam viveres durante a
estadia em Rio Grande.224 A etapa seguinte era a viagem para a Capital, onde Koseritz os
esperava.

Na capital são recebidos pelo agente intérprete, alojados na casa de recepção e


fornecidos de viveres até a sua partida para as colônias que escolherem para o seu
domicílio, para cujo fim o agente intérprete lhes presta todas as informações precisas.
O transporte para as colônias (como todas as despesas acima numeradas) é feito às
custas do governo, porém a título de adiantamento. Os colonos provinciais recebem
uma caderneta na qual é especificada a soma que devem de transporte e socorro, e de
chegada à colônia se lhes entrega um prazo colonial, cujo valor (sendo de 160.000
braças quadradas) regula 300$000 e 350$000 réis, segundo a qualidade do terreno.
Esta soma, assim como a importância de todos os socorros que receberam tem eles de
restituir ao governo no prazo de 5 anos, contados do dia em que assinam o termo de
obrigação de dívida na Diretoria Geral da Fazenda Provincial e recebem o seu título
promissório, que é substituído por um instrumento de venda logo que tenham pago a
sua dívida. Para amortização da dívida, que é feita em prestações, podem eles
engajarem-se em trabalhos públicos na colônia, descontando uma parte do seu total
[...]. Quem paga antes do prazo tem direito ao respectivo desconto [...]. 225

Grande parte dos imigrantes que chegaram ao Rio Grande do Sul durante os anos em que
Koseritz foi Agente Intérprete da Colonização, portanto, o conheceram, ainda que esse
contingente fora pouco significativo. O cargo permitiu a ele contato com funcionários públicos
de níveis diferentes, como os Diretores coloniais, o Agente Intérprete em Rio Grande, os
servidores da Fazenda Provincial e, claro, o Presidente da Província. A posição por ele ocupada
lhe permitia e exigia a recorrente pauta de pedidos de auxílio pecuniário perante a Presidência
provincial. Não poucas vezes foram encaminhados orçamentos, voltados ao pagamento de
adiantamentos para o transporte de colonos, despesas coloniais, e também para o melhoramento
das vias de comunicação nas colônias, estando aí incluídas obras de pontes, abertura de estradas
e manutenção de caminhos. Ciente dos limites do Presidente da Província para destinar verbas
aos seus pedidos, Koseritz fazia questão de recordar o presidente da possibilidade de este
dignar-se a recorrer à Assembleia Provincial a fim da aprovação de projetos benéficos às
solicitações da Diretoria Geral da Colonização.
A nova casa de recepção de colonos em Nova Petrópolis foi uma das exitosas
reivindicações de Koseritz. Em ofício de 3 de maio de 1867, ele passava ao Presidente da

224
AHRGS: Documentos da Imigração e Colonização Alemã. Órgãos de Colonização (Correspondência). Caixa
16. Maço 25-26.
225
Ibidem.
164

Província a planta e o orçamento do barracão a ser construído, ambos feitos pelo Diretor da dita
colônia. O edifício projetado teria um custo total de rs 2:888$370, aí incluída a mobília, e
ofereceria acomodações para até 100 colonos. Houve, porém, a tentativa de João Daniel Collin
ofertando outra casa. Contundente, Koseritz apresentou argumentos contrários a essa proposta.
Segundo afirmou, o suplicante não possuía casa alguma em Nova Petrópolis, existindo apenas
um prédio que correspondia a planta da petição de Collin, pertencente ao negociante Carlos
Buss. Essa, todavia, era muito inferior àquela projetada pelo Diretor de Nova Petrópolis,
oferecendo espaço para apenas 50 colonos, sem incluir o valor dos móveis nos rs 3:500$000
orçados. Além disso, era duas vezes menor, salvo se considerasse estrebarias e mangueiras
como locais para a acomodação de colonos. Em suas palavras finais do ofício ao Presidente da
Província, Koseritz transparece que o suplicante havia criticado as experiências com obras
públicas, e em contraponto, afirma que as obras mais baratas da Província eram aquelas feitas
nas colônias provinciais, e especialmente em Nova Petrópolis, cujo Diretor era arquiteto de
profissão e homem inteligente e honesto. Para Koseritz, o suplicante era apenas um especulador,
cuja proposta não merecia consideração alguma frente ao belo projeto elaborado pelo Diretor
de Nova Petrópolis.226
Correspondências e o relatório de 1867 demonstram como Koseritz foi propositivo em
sua atuação como Agente Intérprete, expressando em seus textos o espírito combativo do
trabalho na imprensa, apresentando com recorrência suas opiniões pessoais, críticas e elogios
em meio a análises mais técnicas de caráter objetivo. Ele fez da prestação de contas do cargo à
Presidência da Província um momento de tentar angariar fundos e fazer conhecidos seus
projetos. Essas características são explícitas no Relatório de 1867. O primeiro aspecto a
considerar é o entusiasmo de Koseritz com a colonização no Rio Grande do Sul, um
empreendimento que ele considerava possuir potencial imenso e apresentava êxitos cada vez
maiores. Os elogios às colônias provinciais227 eram desmedidos.
Para ele, Santa Cruz tomava crescente grau de desenvolvimento, e em breve faria
concorrência a São Leopoldo, que por sua vez, fizera valer cada centavo investido pelo governo
geral frente ao seu “espantoso desenvolvimento”, já que contribuía com milhares de contos de

226
AHRGS: Documentos da Imigração e Colonização Alemã. Órgãos de Colonização (Correspondência). Caixa
16. Maço 25-26.
227
Em 1867, de acordo com o relatório de Koseritz, a Província do Rio Grande do Sul administrava três colônias
voltadas ao trabalho na pequena propriedade: Santa Cruz (1849); Santo Ângelo (1857) e Nova Petrópolis (1858).
Além disso, em 1859 havia sido criada a Colônia de Monte Alverne, incorporada a colônia Santa Cruz em 1860 e
administrada por um Vice-Diretor; em 1857 fora criada a Colônia de São Feliciano, mas suas medições ainda não
haviam sido concluídas por questões judiciais da posse da terra; também duas colônias haviam sido criadas pela
Lei nº 407 de 19 de novembro de 1859, na Serra de São Francisco de Assis e nas margens do Uruguai, mais ainda
permaneciam no papel; e por fim, havia a Colônia de São Nicolau, sem ser medida e demarcada.
165

réis aos cofres públicos e ganhava o status de celeiro de todo o Império brasileiro. A previsão
de Koseritz era de que em menos de vinte anos Santa Cruz iria atingir o mesmo grau de
importância de São Leopoldo, sem maiores esforços do governo, pois a iniciativa privada
substituiria sua ação, fazendo alargar a esfera da colônia provincial em suas cercanias. Quanto
a Santo Ângelo, por sua excelente localização nas proximidades do rio Jacuí, navegável
praticamente o ano todo, e pelo fato de vender seus produtos para o interior da Província,
oferecia as maiores esperanças de progresso. Já Nova Petrópolis era a colônia com as maiores
expectativas quanto ao seu futuro, ainda mais promissor do que o das demais, visto que o
objetivo de sua fundação fora o de estabelecer um mercado intermediário entre a Capital e os
campos de Cima da Serra, ao mesmo tempo preparar uma via de comunicação rumo as
Províncias do Paraná e Mato Grosso, e ainda por ela passaria a projetada estrada de ferro ligando
Porto Alegre a Santa Catarina, portanto, constituiria um interposto comercial de valia
inestimável.228 Em suma, Koseritz afirmava que,

A experiência nos tem demonstrado, que não há sacrifício por grande que seja, feito
pelo governo em matéria de colonização, que não encontre ampla compensação no
desenvolvimento posterior dos núcleos coloniais, porque não há uma só colônia, que
vencidas as dificuldades dos primeiros 10 ou 20 anos, não progrida e dê grande
produto ao país [...].229

As necessidades materiais e morais das colônias preencheram a maior parte das páginas
do relatório de 1867. Apesar dos elogios entusiásticos aos núcleos coloniais, o foco principal
de Koseritz foi apontar aquilo que faltava nas colônias. Nesse sentido, ele elogiava muito mais
as possibilidades que via naquelas colônias caso suas preocupações fossem atendidas, do que
uma realidade efetiva. Ao invés de reclamar das condições amistosas, ele propunha as
alternativas que acreditava levar às soluções dos problemas diagnosticados. A maior
reivindicação dizia respeito as vias de comunicação das colônias. Segundo Koseritz, boas
estradas, pontes e rios navegáveis eram imprescindíveis para o sucesso da colonização e a
atração da imigração. Nesse sentido, propôs inúmeras obras e melhorias nas vias coloniais.
Em relação a Santa Cruz, ele pedia a abertura de uma estrada entre a picada do Rio
Pardinho, passando pela picada São João, rumo a Cima da Serra, pois a mesma reanimaria o
comércio estagnado e decadente de Rio Pardinho. A garantia de Koseritz era de que seriam
poucos os gastos do governo, já que os colonos estavam dispostos a prestarem trabalho gratuito

228
KOSERITZ, Karl von. Relatório da Administração Central das Colônias da Província de São Pedro do
Rio Grande do Sul. Porto Alegre: Tipografia do Jornal do Comércio, 1867. Disponível em <http://www-
apps.crl.edu/brazil/provincial/rio_grande_do_sul> Acesso em 28 de julho de 2015.
229
Ibidem, p. 16.
166

na obra. Tão urgente quanto a dita estrada, salientava, era a construção de uma ponte de pedra
em sua extensão, sobre o arroio Rio Pardinho, que com o auxílio dos colonos poderia ser
facilmente levantada, possuindo três arcos, no valor de rs 20:000$000. Para tanto, Koseritz
apontava a grande ajuda que Assembleia Provincial poderia dar, decretando alguma quantia
monetária para aquela importante obra. Além do trabalho, os colonos estavam dispostos a
contribuir com grande parte do material. Na mesma picada, ele apontava, eram necessárias mais
seis pontes pequenas de pedra sobre arroios diminutos que, porém, se tornam intransitáveis por
conta da correnteza da água, no valor de rs 3:500$000. Os colonos prometiam cooperar com o
trabalho e com pelo menos a quarta parte do custo total.230
Em relação as necessidades morais, como identificava Koseritz, Santa Cruz precisava
de uma capela católica na picada velha de Santa Cruz. Os colonos daquele lugar, explica, sendo
pouco abastados, a muito custo compraram o terreno destinado para a capela e um cemitério,
reunindo cerca de rs 700$000. Porém, a capela poderia custar até 5 contos de réis, assim, seria
de grande valia se a Assembleia Provincial concedesse uma subvenção para tal obra. Pedia
também a criação de algumas cadeiras públicas de ensino primário para os dois sexos, e
reclamava da excessiva rigorosidade do conselho da instrução pública quanto aos exames a que
eram sujeitos os professores particulares, por este motivo diminutos em quantidade naquela
colônia. Aproveitando aquela pauta, Koseritz reivindicou mudanças no preenchimento de
lugares de professores subvencionados nas colônias provinciais, então realizada pela Inspetoria
Geral de Instrução Pública. Na opinião dele, essa tarefa deveria caber a repartição do Agente
Intérprete da Colonização, e ser realizada pelos diretores coloniais, pois sabiam melhor do que
ninguém das necessidades das colônias provinciais. Por fim, entre os principais pedidos de
Koseritz, havia a defesa da construção de uma cadeia ou casa apropriada para esse fim, pois
não era tolerável que constantemente fossem enviados indivíduos para Rio Pardo a fim de
cumprirem poucas horas de detenção, já que a grande maioria das infrações daquela colônia era
de consequências leves.231
A necessidade mais urgente de Santo Ângelo, defendia Koseritz, era o aumento de sua
população imigrada, visto que poucos colonos estavam indo para lá, quando podia acomodar
de três a quatro mil novos moradores. A vinda de imigrantes iria apressar o seu desenvolvimento
e lhe dar maior extensão. Já no que diz respeito às necessidades materiais, eram muitas. O

230
KOSERITZ, Karl von. Relatório da Administração Central das Colônias da Província de São Pedro do
Rio Grande do Sul. Porto Alegre: Tipografia do Jornal do Comércio, 1867. Disponível em <http://www-
apps.crl.edu/brazil/provincial/rio_grande_do_sul> Acesso em 28 de julho de 2015.
231
Ibidem.
167

principal melhoramento a fazer era o da estrada de rodagem que seguia da colônia para a cidade
de Cachoeira do Sul, em uma extensão de 12 léguas, a única estrada geral que possuía Santo
Ângelo. Os cofres públicos, salienta, já haviam auxiliado bastante a abertura e o melhoramento
desta estrada, porém, muito ainda precisava ser feito, assim, Koseritz pedia que a Assembleia
Provincial aprovasse novos fundos para a dita obra. Outra relevante necessidade era a abertura
de uma estrada ligando a colônia a Cima da Serra, no município de Cruz Alta. Esta, justamente,
fora a ideia norteadora da criação daquele estabelecimento colonial. Também pedia a
desobstrução do rio Jacuí de troncos de árvores, e o aprofundamento do leito nos lugares de
algumas cachoeiras, para potencializar ainda mais a navegação no rio Jacuí.232
Para as necessidades morais, figurava em primeiro lugar a criação de cadeiras de instrução
primária para ambos os sexos, pois havia apenas um professor subvencionado na colônia para
mais de 200 crianças em idade de frequentar a escola. As circunstâncias dos colonos ainda não
lhes permitiam prover professores particulares, cabendo ao governo provincial providenciar tal
auxílio. A construção de uma capela católica também se fazia necessária, assim como o
provimento dela com um Cura. A Lei provincial nº 469 de 22 de novembro de 1861 havia
decretado a instituição e construção de uma capela curada em Santo Ângelo, sendo designada
para tal fim a quantia de rs 4:000$000. O lugar para a edificação da capela já estava escolhido,
mas não houvera execução da lei citada. A comunidade evangélica, defendia Koseritz, também
merecia receber um sacerdote, já que os colonos não podiam manter um. Apesar das polêmicas
em que Koseritz se envolveu por criticar determinados aspectos da religião, defendia em seu
relatório de 1867 que a influência da mesma era moralizadora.233
Por fim, temos a destacar alguns pedidos feitos para Nova Petrópolis. A principal
reivindicação dava conta da abertura de uma estrada entre a linha “Cristina” e o porto da linha
“Feliz”, orçada pelo diretor em rs 7:635$080. Deveriam ser empregados no referido trabalho os
colonos devedores a fazenda provincial, cujo salário seria descontado pela metade afim de
amortizar a dívida. Entretanto, os colonos não concordaram com essa obrigação e os trabalhos
da obra foram suspensos, pois não havia nos cofres provinciais fundos suficientes para o
pagamento de toda a quantia que a mesma exigia. Quando colonos norte-americanos foram
enviados para Nova Petrópolis, em número de 75, surgiu a ideia de lhes dar trabalho na referida
estrada, o que foi autorizado a Koseritz pelo Presidente da Província. Os norte-americanos,

232
KOSERITZ, Karl von. Relatório da Administração Central das Colônias da Província de São Pedro do
Rio Grande do Sul. Porto Alegre: Tipografia do Jornal do Comércio, 1867. Disponível em <http://www-
apps.crl.edu/brazil/provincial/rio_grande_do_sul> Acesso em 28 de julho de 2015.
233
Ibidem.
168

porém, não tinham prática alguma, e nem vontade de trabalhar, aumentando muito os gastos da
obra. Nessas circunstâncias, Koseritz oficiou ao Presidente da Província explicando as
inconveniências de continuar-se onerando os cofres públicos com aquela despesa sem
resultados. Assim, os trabalhos foram novamente suspensos. A saída, defende, seria a
Assembleia Provincial aprovar a quantia necessária para a abertura da polêmica estrada. Outra
obra importante, relacionada com a criação da Colônia Nova Petrópolis, era a construção da
estrada para comunicação com Cima da Serra, que até então não fora executada.234
Abertas as estradas citadas, melhorada a continuação da povoação de Nova Petrópolis ao
porto do Guimarães, no Caí, abertas as estradas da linha “Cristina” ao porto da linha “Feliz”, e
da linha “Pirajá” até a povoação, afirma Koseritz, nenhuma colônia na Província se igualaria
em importância a Nova Petrópolis. Novamente, ele fazia elogios e pressuposições baseadas
naquilo que acreditava essencial para o progresso das colônias. Outro apontamento que fez, foi
a importância do complemento do território da dita colônia através da aquisição das terras do
major José Cândido Rodrigues Ferreira Feres, próximas à Colônia. Já as necessidades morais
exigiam a construção de uma capela católica, e pedia Koseritz ao Presidente da Província para
interceder perante a Assembleia Provincial, para que os colonos católicos pudessem receber um
pequeno auxílio pecuniário para a construção de sua capela.235
O discurso de Karl von Koseritz, desde 1867, já exaltava o elemento alemão. Em suas
próprias palavras: “Reconheço que as nações de origem germânica não só são as que mais
tendência mostram para a imigração, como também são as mais próprias para a colonização”.236
Na visão dele, que defendia ser acertada, a única imigração de real proveito para a Província,
até aquele momento, havia sido a alemã. O oposto dela, fica aparente no relatório, fora a
desastrada experiência com os norte-americanos. A causa do sucesso obtido pela colonização
alemã, afirmava Koseritz, residia

[...] no espírito paciente e pertinaz desse povo essencialmente trabalhador, assim como
na satisfação que lhes inspira a certeza de ver o seu trabalho coroado com sucesso,
podendo com facilidade ser proprietários neste país, o que na Alemanha em certas
condições será impossível. O alemão tendo em vista este fim, acomoda-se a todas as
privações; é incansável no seu trabalho, afeito a vida econômica, e progride embora
lentamente, com segurança, como a experiência nos tem mostrado em toda a
Província.237

234
KOSERITZ, Karl von. Relatório da Administração Central das Colônias da Província de São Pedro do
Rio Grande do Sul. Porto Alegre: Tipografia do Jornal do Comércio, 1867. Disponível em <http://www-
apps.crl.edu/brazil/provincial/rio_grande_do_sul> Acesso em 28 de julho de 2015.
235
Ibidem.
236
Ibidem, p. 48.
237
Ibidem, p. 49.
169

Construía, assim, a ideia do imigrante laborioso, generalizando a dita característica a


todo o grupo germânico, e construindo certa identidade de grupo através dessa estratégia
discursiva. A experiência de São Leopoldo, que para Koseritz fora extremamente bem-
sucedida, era o exemplo máximo por ele utilizado para validar a defesa da operosidade, do
espírito econômico, e da resistência a privações e adversidades dos imigrantes germânicos,
qualidades essas que tornavam “a colonização alemã superior a outra qualquer”.238 O único
defeito que poderia ser atribuído aos colonos germânicos, admitia Koseritz, era o apreço a
rotina, no sentido de que dificilmente adotavam o emprego de máquinas e sistemas modernos
de agricultura. Tal condição não era encontrada nos colonos de origem germânica instalados
nos Estados Unidos da América, pois, ele argumentava, lá o progresso arrastava a todos. Ainda
assim, havia um lado positivo na ligação com a rotina, uma vez que conservavam as tradições
de sua pátria originária, como a língua, os usos e os costumes. Para alguns, a conservação destes
elementos representava uma inconveniência política, da qual discordava Koseritz, convencido
de que as novas gerações, filhas dos imigrantes germânicos, seriam puramente brasileiras,
mesmo mantendo suas tradições. Todavia, ele apontava condições necessárias para tanto, isto
é, instrução na língua vernácula e igualdade com os nacionais para partilharem da vida pública
e terem acesso a cargos eletivos. Era absurdo em sua visão, a denúncia de algumas pessoas
sobre a formação de um “Estado no Estado” por parte dos imigrantes germânicos, pois os
mesmos não teriam “índole e natureza” para dispor da ambição e energia precisas para algo
assim.239

O colono alemão, quando imigra não se lembra de regressar a pátria, ele adota o Brasil
sinceramente como a sua segunda pátria, e quanto menos barreiras encontrar, quanto
mais franco for o acolhimento que se lhes fizer, também em relação a religião, no caso
de dissidência, tanto mais facilmente se confundirá com o elemento brasileiro.240

A ideia de predisposições do povo alemão a determinadas características, constituía o


alicerce da retórica de Koseritz na defesa daquele povo para a imigração e colonização. 241 Ao
Presidente da Província, ele afirmava ser inegável a excelência da imigração com elementos

238
KOSERITZ, Karl von. Relatório da Administração Central das Colônias da Província de São Pedro do
Rio Grande do Sul. Porto Alegre: Tipografia do Jornal do Comércio, 1867. Disponível em <http://www-
apps.crl.edu/brazil/provincial/rio_grande_do_sul> Acesso em 28 de julho de 2015.
239
Ibidem.
240
Ibidem, p. 50.
241
Mesmo defendendo o uso da força germânica na colonização como a melhor alternativa, Koseritz não
descartava o uso de outro elemento para esse fim: o nacional. O melhor exemplo vinha de Santo Ângelo, onde
existia uma Linha inteira ocupada por brasileiros que ofereciam gratos resultados. Os nacionais, ele defendia,
seriam um poderoso contingente para o progresso caso tirassem lições e seguissem o exemplo de outros colonos
que cultivavam suas propriedades, possuíam suas próprias terras, vivem de forma independente e eram afeitos ao
trabalho (KOSERITZ, 1867).
170

germânicos, e as provas estavam dadas em seu relatório. Mais do que sua franca opinião, eram
fatos. Defendia não haver o menor vislumbre de parcialidade em sua exposição, porque, embora
fosse de origem alemã, havia adotado o Brasil como sua pátria. A colonização, explicava
Koseritz, fora exitosa até aquele momento apenas no Rio Grande do Sul, porque as colônias em
Santa Catarina, Paraná e São Paulo ainda eram muito recentes. Nesse sentido, as experiências
constituídas naquela Província poderiam servir de base a todo o Império, sendo São Leopoldo
o grande modelo242 e a prova irrefutável das enormes vantagens oferecidas pelos núcleos
coloniais.
Na opinião de Koseritz, o governo e a iniciativa particular tentaram promover a
colonização no Rio Grande do Sul, mas o fizeram sem método ou sistema coerente, variando
constantemente ao longo do tempo nas medidas empregadas para a realização do desejado
efeito. Ele identificava que muito pouco estava sendo feito por parte da Província para a atração
da imigração europeia, principalmente levando em consideração as vantagens muito superiores
oferecidas aos imigrantes por outros países como, por exemplo, os Estados Unidos, a Austrália
e Costa Rica. Com isso, identificou um decréscimo nos números da imigração nos anos
próximos a 1867.243

Quadro 5 – Estatística dos Imigrantes chegados no Rio Grande do Sul entre 1857 e 1866

Ano Nº de Imigrantes
1857 278
1858 789
1859 1.883
1860 654
1861 859
1862 792
1863 421
1864 336
1865 286
1866 105

242
Koseritz fez questão de expressar o sucesso de São Leopoldo trazendo dados sobre a evolução da mesma. Já
em 1854, dez anos depois do fim da Guerra Civil Farroupilha (1835-1845), que causara grandes prejuízos a São
Leopoldo, as exportações somavam rs 912:000$5000, a colônia contava com 282 lanchões matriculados no Caí e
Rio dos Sinos, e fabricavam-se anualmente 67.000 pares de arreios, ao passo que os curtumes curtiam couros no
valor de rs 328:533$5000. Em 1854 se calculava o valor total da propriedade territorial na colônia em 6.000 contos
de réis e o valor total dos bens dos colonos em 10.000 contos de réis. Em 1867, esses valores foram multiplicados.
Não havia quase um só lote colonial nas linhas velhas, cujo proprietário não tivesse anexado algum ramo de
indústria a agricultura. Moinhos, fábricas de óleo, ditas de cerveja, olarias, curtumes, fábricas de arreios,
destilações de aguardente, fábricas de cola, ditas de vinho, ferrarias, armeiros, serralheiros, fábricas de chapéus,
atafonas, fábricas de açúcar, etc., encontravam-se nas povoações e em todas as picadas (KOSERITZ, 1867).
243
KOSERITZ, Karl von. Relatório da Administração Central das Colônias da Província de São Pedro do
Rio Grande do Sul. Porto Alegre: Tipografia do Jornal do Comércio, 1867. Disponível em <http://www-
apps.crl.edu/brazil/provincial/rio_grande_do_sul> Acesso em 28 de julho de 2015.
171

Fonte: KOSERITZ, Karl von. Relatório da Administração Central das Colônias da Província de São Pedro
do Rio Grande do Sul. Porto Alegre: Tipografia do Jornal do Comércio, 1867. Disponível em <http://www-
apps.crl.edu/brazil/provincial/rio_grande_do_sul> Acesso em 28 de julho de 2015, p. 52.

A razão dessa constante diminuição dos imigrantes a partir de 1861, explicava Koseritz,
era o fato de que até 1860 o governo adiantava aos imigrantes que se destinavam ao Rio Grande
parte da passagem sob a condição de ser posteriormente reembolsado desse adiantamento.
Desde então, a imigração tornou-se insignificante, e apenas colonos espontâneos estavam
vindo, também estes em número reduzido, visto que a passagem para famílias de 8 a 10 pessoas
custava mais de um conto de réis. Em 1867, o número de imigrantes já era maior do que os 105
do ano anterior, mas apenas porque os colonos destinados a Colônia São Lourenço haviam
recebido a passagem adiantada pelo proprietário da mesma, Jacob Rheingants, e pela vinda dos
norte-americanos, subsidiados pelo governo geral.244
A solução para aquela decadência, apontava Koseritz, seria indiscutivelmente o
pagamento das passagens aos imigrantes, mesmo a título de adiantamento e com obrigação de
posterior reembolso, ou um auxílio para a passagem, também na condição de adiantamento.
Além disso, seria necessário promover alguma propaganda na imprensa europeia afim de
desmentir as calúnias espalhadas sobre a colonização no Brasil, assegurar aos imigrantes certas
garantias políticas e morais de bem-estar, e realizar a boa administração das colônias, correta
aplicação da justiça e a garantia da propriedade territorial, pois essas condições essenciais muito
influíam nas narrativas das cartas que os colonos enviavam aos seus parentes na Europa.245
Mas as perspectivas eram as piores possíveis para a colonização provincial. O decreto nº
3.184 de 19 de janeiro de 1867, do governo geral, concedeu vantagens consideráveis aos
imigrantes, varrendo qualquer possibilidade de a Província fazer concorrência. Os colonos
norte-americanos, por exemplo, vieram assistidos pelas disposições desse decreto. A Província
rio-grandense dava aos colonos destinados as suas colônias apenas o transporte de Rio Grande
a Capital, e desta para as colônias, além da estadia nas casas de recepção e víveres durante o
tempo que lá permaneciam, mas não oferecia casa, nem roças, nem ferramentas, nem dinheiro,
nem subsídios. Era muito mais vantajoso aos imigrantes as garantias oferecidas pelo governo

244
KOSERITZ, Karl von. Relatório da Administração Central das Colônias da Província de São Pedro do
Rio Grande do Sul. Porto Alegre: Tipografia do Jornal do Comércio, 1867. Disponível em <http://www-
apps.crl.edu/brazil/provincial/rio_grande_do_sul> Acesso em 28 de julho de 2015.
245
Ibidem.
172

imperial, portanto, descartariam a possibilidade de escolherem espontaneamente o Rio Grande


do Sul.246
Passariam as colônias provinciais a inércia populacional, pois não poderiam contar com
a constante remessa de colonos por parte do governo imperial, como ocorria com o envio dos
norte-americanos, algo que Koseritz considerava um expediente momentâneo por não possuir
o governo provincial, naquele contexto, colônias no Rio Grande do Sul. Uma saída para tal
questão, aponta Koseritz, seria a Província conceder aos colonos recém-chegados as mesmas
vantagens constantes do decreto nº 3,784, mesmo não sendo suficientes seus minguados
recursos. Mas o meio aparentemente mais interessante de vencer aquela adversidade poderia
ser a entrega das colônias provinciais para o governo imperial tomar conta, ficando a Província
no direito de cobrar a dívida dos colonos em relação a compra dos lotes coloniais. Assim,
poderia custear com esse dinheiro passagens aos novos colonos.247
Mesmo com tantas limitações e dificuldades, concluía, não poderiam ser menosprezados
os resultados já alcançados com a colonização, visto que as colônias abrangiam uma grande
parte da Província, se estendendo pelas margens dos rios Jacuí, Taquari, Itapuí (Sinos) e Caí,
até a Serra Geral, na qual penetravam em muitas partes, formavam uma riquíssima e vasta zona,
que abastecia os mercados do Império e do Prata com diversos gêneros de primeira necessidade.
Portanto, Koseritz mostrou-se um grande defensor da colonização, a exaltando e apontando
caminhos para ampliar seus resultados. O cargo de Agente Intérprete o colocou em contato com
toda a estrutura colonial da Província, e fazendo uso de seus conhecimentos, foi propositivo em
suas análises e relatórios, sempre vendendo a ideia de um futuro de grande progresso
condicionado ao atendimento de suas proposições. A atuação de Koseritz no referido cargo, vê-
se, foi intensa, na medida em que tratou da vinda dos norte-americanos, organizou os arquivos
e a burocracia da repartição do Agente Intérprete e redigiu importante relatório com as
condições das coloniais oficiais da Província e suas mais urgentes necessidades.

2.2.5 O Envolvimento com a Guerra do Paraguai (1864-1870)

A pretensão deste item é trazer alguns movimentos dos quatro personagens


investigados, Kahlden, Koseritz, Ter Brüggen e Haensel, quanto à Guerra do Paraguai (1864-

246
KOSERITZ, Karl von. Relatório da Administração Central das Colônias da Província de São Pedro do
Rio Grande do Sul. Porto Alegre: Tipografia do Jornal do Comércio, 1867. Disponível em <http://www-
apps.crl.edu/brazil/provincial/rio_grande_do_sul> Acesso em 28 de julho de 2015.
247
Ibidem.
173

1870), isto é, como se envolveram neste conflito. Não pretendemos, portanto, dedicar maiores
detalhes e explicações sobre o que foi e o que causou tal guerra.248 Para um rápido entendimento
deste tema, trazemos algumas considerações de Francisco Doratioto (2002), o qual explica que
após o fim da Guerra contra Oribe e Rosas (1851-1852), com a vitória dos aliados (os unitaristas
argentinos, os colorados uruguaios e o Império do Brasil) sobre os federalistas argentinos e
blancos uruguaios, a região do Prata foi relativamente pacificada. Porém, não tardou para que
rivalidades entre Argentina, Brasil e Paraguai modificassem o cenário de calmaria, isso por
conta dos desentendimentos quanto as fronteiras entre esses países, a liberdade de navegação
dos rios platinos, as disputas pelo poder por parte de facções locais (federalistas e unitaristas na
Argentina, e blancos e colorados no Uruguai) e rivalidades históricas. Francisco Doratioro
(2002, p. 95-96), conclui que,

A Guerra do Paraguai foi fruto das contradições platinas tendo como razão última a
consolidação dos Estados nacionais na região. Essas contradições se cristalizaram em
torno da Guerra Civil uruguaia, iniciada com o apoio do governo argentino aos
sublevados, na qual o Brasil interveio e o Paraguai também. Contudo, isso não
significa que o conflito fosse a única saída para o difícil quadro regional. A guerra era
umas das opções possíveis, que acabou por se concretizar, uma vez que interessava a
todos os Estados envolvidos. Seus governantes, tendo por bases informações parciais
ou falsas do contexto platino e do inimigo em potencial, anteviram um conflito rápido,
no qual seus objetivos seriam alcançados com o menor custo possível. Aqui não há
“bandidos” ou “mocinhos” [...], mas sim interesses. A guerra era vista por diferentes
ópticas: para Solano López era a oportunidade de colocar seu país como potência
regional e ter acesso ao mar pelo porto de Montevidéu, graças a aliança com
os blancos uruguaios e os federalistas argentinos, representados por Urquiza; para
Bartolomeu Mitre era a forma de consolidar o Estado centralizado argentino,
eliminando os apoios externos aos federalistas, proporcionado pelos blancos e por
Solano López; para os blancos, o apoio militar paraguaio contra argentinos e
brasileiros viabilizaria impedir que seus dois vizinhos continuassem a intervir no
Uruguai; para o Império, a guerra contra o Paraguai não era esperada, nem desejada,
mas, iniciada, pensou-se que a vitória brasileira seria rápida e poria fim ao litígio
fronteiriço entre os dois países e às ameaças à livre navegação, e permitiria depor
Solano López.

Portanto, na perspectiva de Doratioto (2002), a Guerra do Paraguai foi mais um conflito


nascido do processo de construção dos Estados nacionais na América, e da condição fronteiriça
de alguns dos Estados envolvidos. Para este trabalho, basta saber que o conflito envolveu o
Brasil e, por isso, milhares de soldados foram recrutados e grandes forças foram movidas de
Norte a Sul do território brasileiro. No Rio Grande do Sul, destacamos o envolvimento dos
imigrantes germânicos, sobretudo os Brummer que lá viviam. Como salienta Carlos H.
Oberacker Jr. (1968), um número considerável de imigrantes germânicos estabelecidos na

248
Sobre a Guerra do Paraguai, ver: DORATIOTO, Francisco. Maldita Guerra. São Paulo: Companhia das
Letras, 2002. DORATIOTO, Francisco. O conflito com o Paraguai: a grande guerra do Brasil. São Paulo: Editora
Ática, 1996. DORATIOTO, Francisco. O Brasil no Rio Prata (1822-1994). 2. ed. Brasília: FUNAG, 2014.
174

Província rio-grandense, sobretudo os filhos destes, se apresentaram ao serviço militar. Aquela


situação afetou diversas cidades, colônias e picadas onde esses elementos viviam, e entre eles
houve diversas mortes e acidentes nos campos de batalha.
Uma das formas de participação dos teutos na Guerra do Paraguai foi através dos Corpos
de Voluntários. Houve também o recrutamento forçado. Oberacker Jr. (1968) apresenta
exemplos da mobilização de forças militares entre os teutos. Na região da antiga Colônia de
São Leopoldo, assim que irrompeu a guerra, foi organizado o 11° Corpo provisório de cavalaria
da Guarda Nacional, composto quase totalmente de teutos, o qual constituiria mais tarde o l°
Corpo de caçadores a cavalo. Em Santa Maria, o comandante da Guarda Nacional, coronel João
Niederauer Sobrinho, de origem alemã, conclamou a população masculina às armas, e a ele
juntaram-se pelo menos outros quatorze teutos. Em Santa Cruz, o colono Cristóvão Baum
reuniu quarenta homens que, sob o seu comando, foram incorporados ao Exército imperial
brasileiro.
Muitos Brummer voltaram ao antigo ofício militar, não mais como mercenários, mas sim
como voluntários. Consta que no l° regimento de artilharia sob o comando do francês
naturalizado tenente-coronel Emílio Mallet, havia aproximadamente cem homens provenientes
da Legião Alemã de 1851. Para Oberacker Jr. (1968), esse regimento, cujo efetivo total foi de
200 homens, formou um dos melhores contingentes de todo o Exército brasileiro, participando
de toda a campanha e contribuindo com eficácia em suas atividades, sempre citados com elogios
nas ordens do dia. Entre os artilheiros do regimento Mallet, esteve o capitão Fernando
Schneider, promovido ao posto de major e, em fins de 1866, chamado a organizar uma bateria
de voluntários com soldados alemães veteranos. Ele cumpriu a tarefa e fez ser incorporado à
artilharia do tenente-coronel Mallet a “Bateria de Voluntários Alemães”. Também em Santa
Catarina houve o trabalho de um Brummer no recrutamento militar, o capitão Vitor Augusto
Luís von Gilsa, que comandou o “Contingente de Voluntários Alemães”, composto
exclusivamente de alemães de Blumenau, Joinville e Brusque.
Quanto aos quatro Brummer que compõe o objetivo de nossa pesquisa, nenhum foi para
o campo de batalha, mas pelo menos dois deles, Kahlden e Koseritz, auxiliaram positivamente
no recrutamento de soldados, enquanto ter Brüggen teve de resolver questões atinentes a
consequências da guerra para soldados de origem prussiana. De Haensel, nada encontramos, o
que não significa que ele não tenha se engajado de alguma forma. Assim, os espaços de atuação
de Kahlden e Koseritz os fizeram capazes de mobilizar forças entre os teutos. Já ter Brüggen,
enquanto Cônsul, viu avolumarem-se casos envolvendo imigrantes protegidos pelo Consulado,
resultantes da participação naquele grande conflito.
175

A respeito do Barão von Kahlden, consta que assim que teve início a Guerra do Paraguai,
ele passou a fazer intensa propaganda do recrutamento aos colonos de Santo Ângelo. Ele pediu
autorização ao Ministro da Guerra para organizar uma Companhia de voluntários, e para isso
foi autorizado no final de julho de 1865. Essas são as únicas informações que temos, mas são
suficientes para demonstrar o empenho de Kahlden em apoiar o Brasil na guerra, além disso, o
cargo de Diretor havia o permitido saber contatar um Ministro afim de obter a autorização para
recrutar soldados. Esse exemplo demonstra que houve várias outras maneiras de atuação
política entre os imigrantes alemães além daquelas ligadas ao exercício público condicionadas
à elegibilidade pelo voto civil. Portanto, o trabalho de recrutamento também foi uma atividade
perpassada pela atuação política, relacionada ao exercício do poder.249
A Guerra do Paraguai levou a óbito muitos dos imigrantes germânicos engajados, e coube
ao Consulado da Prússia em Porto Alegre resolver questões envolvendo algumas destas mortes.
Em 30 de outubro de 1869, chegava a ter Brüggen o comunicado do falecimento de Augusto
Heine, ocorrido no hospital de Saladeiro, em Corrientes. Ele havia se engajado em Porto Alegre,
em 14 de janeiro de 1867, para servir ao Exército Imperial, e no ato de juramento recebera a
quantia de rs 300$000, que depositara no Banco da Província conforme contrato, o qual
estabelecia que ele poderia retirar esse valor depois do prazo de um ano. Antes de morrer, Heine
enviou ao Consulado documentos que recebeu do banco, e ordens a serem executadas no caso
de sua morte, as quais não estão contidas no ofício analisado. Assim, ter Brüggen pediu a
Presidência da Província a necessária carta precatória para retirar do Banco os rs 300$000 e
atender os últimos pedidos de Heine. O valor foi encarado como insignificante, e por isso o
Cônsul acreditava não haver empecilhos maiores para sua retirada.250 O Cônsul ter Brüggen,
portanto, intercedeu perante o Presidente provincial em favor de um súdito que se engajara pelo
Brasil, e pretendia atender seus desejos finais.
O ano de 1869 movimentou ainda mais o Consulado prussiano. A viúva D. Felicité von
Reisenvitz, de Rio Grande, pediu informações a respeito da certidão de óbito de seu marido,
Adolfo von Reisenvitz, soldado engajado falecido no Paraguai, que ela já havia pedido
diretamente a Presidência em 1868 e ainda não recebera notícias.251 Da mesma forma, a família
do Conde Henrique de Lanzac-Chaunar havia entrado em contato com o Consulado prussiano
pedindo para o mesmo intermediar à Presidência da Província o pedido da certidão de óbito do

249
CPGNP: Recorte de Jornal. WERLANG, W. 1995. Barão von Kahlden. Gazeta do Jacuí. Caixa da Colônia
Santo Ângelo. Agudo, març/abr/mai 1995.
250
AHRGS: Documentos Consulares, Caixa 11, Maço 22.
251
Ibidem.
176

falecido, o qual havia se engajado e marchado com a Bateria de Voluntários Alemães. A morte
ocorrera em Palmas, República do Paraguai, em 5 de novembro de 1868, causada por cólera-
morbus.252
Outro pedido de certidão de óbito partiu da viúva do alemão Luiz Heringer, que marchou
com o 5º Corpo de Cavalaria da Guarda Nacional sob o comando do Major Bento Gonçalves,
no ano de 1866, para o Paraguai. Consta ter ele morrido em combate, naquele mesmo ano ou
no seguinte. O Cônsul transmitiu o pedido ao Presidente da Província, frisando que a viúva de
Heringer precisava com urgência da certidão de óbito para poder liquidar a herança deixada
pelo marido.253 Residiu o fato comum, nessas situações, ser Wilhelm ter Brüggen o porta-voz
dos pedidos dos familiares dos falecidos na Guerra do Paraguai perante a Presidência
provincial. O cargo de Cônsul oferecia a ele uma posição confiável e parecia gerar maior
efetividade quanto aos resultados das solicitações, visto que alguns dos interessados, como no
caso da viúva D. Felicité von Reisenvitz, já haviam tentado obter a certidão de óbito de seu
marido diretamente com a Presidência, mas não obtivera resposta, assim, buscou auxílio na
autoridade do Cônsul prussiano. Se, de fato, os resultados existiram, não temos como afirmar,
mas fica evidente que o Consulado era um dos canais para tentar pressionar o governo a atender
as demandas dos suplicantes.
O conflito envolvendo o Brasil movimentou não só o Consulado prussiano. Houve
ocasião na qual um abaixo-assinado ganhou corpo através da participação de agentes consulares
da Prússia, França, Holanda, Würtemberg, Saxônia e da República Argentina, todos sediados
em Porto Alegre. O objetivo do documento era esclarecer boatos publicados em um jornal de
Paris sobre a venda como escravos de prisioneiros paraguaios rendidos em Uruguaiana, em
1865. Datado de 26 de julho de 1867, o abaixo-assinado defendia a honra do Império brasileiro
frente os citados boatos.

Os abaixo firmados Wilhelm ter Brüggen, Cônsul da Prússia; J. B. d’Ornano, Vice-


Cônsul da França; Emilio Fraeb, Vice-Cônsul da Holanda; George Pffeifer, Vice-
Cônsul de Würtemberg; Emílio Wichmann, Vice-Cônsul da Saxônia; e Frederico
Durval, Cônsul da República Argentina, todos residentes nesta Cidade de Porto
Alegre, Capital da Província de São Pedro do Sul, Brasil; reunidos no Consulado da
República Argentina, afim de coletivamente responderem à Circular de 8 do corrente
que lhes dirigiu S. Ex.ª o Sr. Dr. Francisco Ignácio Marcondes Homem de Mello,
Presidente desta Província, em que diz que em alguns pontos do opúsculo ultimamente
publicado em Paris por C. Expilhy sob o título “Le Brésil, Buenos-Ayres, Montevidéo
et le Paragay devant la civilisasion” se afirma positivamente que os paraguaios
prisioneiros na rendição de Uruguaiana, em Setembro de 1865, foram nesta Província
reduzidos à escravidão e assim vendidos [...]. Em contestação os abaixo firmados têm

252
AHRGS: Documentos Consulares, Caixa 11, Maço 22.
253
Ibidem.
177

a honra de declarar a S. Ex.ª que não lhes consta que nem um só dos prisioneiros
paraguaios da rendição de Uruguaiana haja sido vendido, e que ao contrário,
receberam nesta Província o tratamento que seguindo os princípios da moderna
civilização é concedido aos infelizes a quem a sorte das armas é desfavorável. Atos
de humanidade que muito enobrecem o generoso governo brasileiro. 254

Os Cônsules colocavam-se como testemunhas, no interesse da justiça e da verdade, em


defesa do Império e perante as nações que representavam. Ofereciam a credibilidade da função
que exerciam para frisar a conduta correta das autoridades brasileiras, em conformidade com
as ordens expedidas pelo Ministério da Guerra. A primeira assinatura, acompanhada do carimbo
do Consulado prussiano, foi a de Wilhelm ter Brüggen. Unidos, esses agentes consulares
procuravam defender os interesses brasileiros, apesar de representarem Estados estrangeiros.
Por fim, temos o engajamento de Karl von Koseritz, que se fez a partir de sua liderança
entre os teuto-brasileiros e imigrantes alemães. Após meio ano à frente do Deutsche Zeitung
como redator-chefe, ele articulou a execução de uma empreitada militar, que arregimentasse
alemães da Província para a proteção das fronteiras ao sul, tendo em vista os conflitos entre o
Brasil, o Uruguai e o Paraguai. Foi atribuída a Koseritz a ideia de organizar esses corpos de
defesa, convocando uma reunião no Hotel Drügg, em Porto Alegre, em 1º de janeiro de 1865.
A discussão ocorreu no sentido de uma formação militar pelos alemães de diferentes núcleos
coloniais. Parte dos presentes apoiou, e outros rejeitaram a proposta, trazendo à tona as
memórias da Guerra dos Farrapos, que havia dividido alemães da colônia de São Leopoldo em
tropas imperiais e farrapas. Houve decisão pela neutralidade, criticada por Koseritz: “Não se
enganem os defensores da chamada atitude de neutralidade pois, esse inimigo, não respeitará
qualquer nacionalidade estrangeira” (KOSERITZ apud WEIZENAMNN, 2015, p. 72). Outra
reunião ocorreu no dia 15 de janeiro daquele ano, e as divergências voltariam à cena, ainda
assim, Koseritz ficou satisfeito com a aprovação da criação do Corpo de Defesa, o qual seria
constituído por cerca de 150 membros locais (WEIZENAMNN, 2015).
Apesar do forte engajamento, e dos frequentes discursos por ele proferidos ao longo do
ano de 1865 pelo alistamento nas unidades militares, chamadas de “Voluntários da Pátria”,
também de sua parte vieram críticas a esse processo, sobretudo quanto ao recrutamento de
colonos alemães que se encontravam em situações de vulnerabilidade, como pais de família,
filhos únicos de viúvas e viúvos com filhos menores. Houve ocasião na qual ele denunciou,
junto a Presidência da Província, a convocação forçada de soldados frente a realidade local de
muitas regiões coloniais marcadas pelas péssimas condições financeiras de muitos homens, que

254
AHRGS: Documentos Consulares, Caixa 14, Maço 27.
178

recentemente haviam iniciado o cultivo da terra, encontrando sérias dificuldades nas primeiras
colheitas. Ainda, deu espaço para a Guerra do Paraguai nas páginas do Deutsche Zeitung, que
em 1865 passou a noticiar as principais ocorrências em relação ao recém deflagrado conflito.
Para a cobertura dos fatos e como correspondente do jornal alemão, Koseritz enviou o
colaborador Otto Stieher, o qual tinha a missão de trazer as informações do conflito de forma
objetiva, ao contrário daquilo que, para Koseritz, fazia a imprensa nacional, isto é, um discurso
excessivamente tendencioso. Para ele, a salvação e o futuro do Império do Brasil dependiam
daquela guerra, possuindo ele importantes vantagens para vencê-la, como resistência,
conhecimento e energia. Ao longo de cinco anos, a pauta de considerável parte dos números do
Deutsche Zeitung ocupou-se com a Guerra do Paraguai, encerrada definitivamente em 1870
(WEIZENAMNN, 2015).

2.2.6 A atuação na Maçonaria

Em 1876 era estabelecida em Porto Alegre a pedra fundamental do Templo Maçônico


Zur Eintracht. Os jornais Deutsche Zeitung, o Boletim do Oriente Unido e Supremo Conselho
do Brasil, e A Acácia (o jornal maçônico de Karl Von Koseritz) noticiaram este acontecimento.
A loja maçônica Zur Eintracht (“Harmonia”), foi uma das primeiras no Rio Grande do Sul que
trabalharam com o Rito de Schröder255, e a primeira a realizar suas atividades em língua alemã.

255
Os Rituais de Schröder foram aprovados em 29 de junho de 1801 pela Assembleia dos Veneráveis Mestres das
Lojas da Grande Loja Provincial de Hamburgo e da Baixa Saxônia, ligada a Grande Loja de Londres, e
rapidamente conquistaram inúmeras Lojas de língua germânica por toda a Europa. Posteriormente, foram adotados
por alemães e seus descendentes em diversos países e, no Brasil, com a colonização germânica no Rio Grande do
Sul e em Santa Catarina, o Rito estabeleceu-se inicialmente no idioma Alemão. Mais tarde, os rituais foram
traduzidos para o Português e foram adotados por diversas Grandes Lojas Estaduais, pelo Grande Oriente do Brasil
(G.O.B.), e por diversos Grandes Orientes Estaduais Independentes. Friederich Ludwig Schröder (03/11/1744 –
03/09/1816), foi iniciado em 1774 no Rito da Estrita Observância Templária, em 1785 foi eleito V.M. de sua Loja-
mãe, a "Emanuel Zur Maienblume" (Emanuel à Flor de Maio), ficando no cargo até 1799. Entre 1794 e 1814 foi
Grão-Mestre Adjunto e, de 1814 a 1816, Grão-Mestre da Grande Loja de Hamburgo que, também pelo trabalho
de Schröder, tornara-se uma potência maçônica independente desde 1811. Ele teve grande prestígio, tanto como
maçom, quanto fora da maçonaria, considerado “o maior ator que a Alemanha já teve”, e reconhecido como um
profundo conhecedor da História e dos Antigos Rituais da Maçonaria. Suas pesquisas o levaram a abolir todos os
“altos graus”, bem como os enxertos de ocultismo e o misticismo exacerbado que dominavam a Maçonaria Alemã
do seu tempo, restaurando o “Antigo Ritual Inglês” da Grande Loja de Londres, adaptando-o para o idioma
germânico. Schröder entendia a Maçonaria como uma Fraternidade que visava a união de virtudes e não, uma
ordem ou sociedade esotérica, por isso, enfatizou em seu Ritual o ensinamento dos valores morais, a difusão do
espírito humanístico, e da fraternidade. Preservou a importância dos símbolos e resgatou o princípio que afirma
ser “a verdadeira Maçonaria a dos Três Graus de São João”. Algumas Características do Rito Schröder: O Rito
Trabalha exclusivamente nos Três Graus Simbólicos, Azuis ou “de São João”; Somente os cargos de Venerável
Mestre, Vigilantes e Tesoureiro são eletivos; Durante as Sessões ritualísticas a palavra é concedida para todos os
Irmãos; na Loja, todos os Irmãos usam o traje social previsto pela Grande Loja, com gravata borboleta branca e,
na lapela esquerda, o distintivo da sua Loja preso a uma fita azul-claro. Nas sessões ritualísticas nas Lojas Schröder
são ainda obrigatórias: a cartola e as luvas brancas; etc. Os principais aspectos que chama a atenção no rito são sua
simplicidade, os poucos cargos e paramentos necessários; e a objetividade da ritualística. Nele, juramentos e
179

Entre as levas de imigrante germânicos chegados na década de 1820 no Rio Grande do Sul, já
havia alguns maçons, porém, somente em 1874 ocorreu o estabelecimento de uma Loja
Maçônica em língua alemã, trabalhando no Rito Schröder, ligada à Grande Loja Simbólica da
Província de São Pedro do Rio Grande do Sul, e ao Grande Oriente do Brasil (NETO, 2015). A
Zur Eintracht256 foi fundada em 24 de dezembro de 1874, regularizada em dezembro de 1875,
e cujo templo foi construído em 1876 junto à igreja protestante da Capital, sendo o lançamento
da pedra fundamental a primeira solenidade pública da maçonaria de Porto Alegre
(WEIZENAMNN, 2015).

Figura 9: Distintivo da Loja Zur Eintracht

Fonte: JUNG NETO, Rui. A Coluna do Rito Schröder. JB News. Informativo nº. 1.645. Santa Catarina:
Florianópolis, 31 de março de 2015, p. 6.

A dita loja teve considerável aceitação entre os imigrantes e, em 1886, contava em seus
quadros com o expressivo número de 120 membros ativos. O grande articulador daquela loja

castigos são substituídos por promessas e palavras de honra; a confiança é que deve unir os Irmãos da Loja. O
destaque fica a cargo do Humanitarismo, que ensina que é o próprio homem quem deve superar seus problemas e
agir na sociedade visando sempre o bem comum. De modo geral, o Rito busca fundamentalmente, “a educação do
maçom para a construção de uma verdadeira Fraternidade”. JUNG NETO, Rui. O Rito Schröder. Loja Concordia
et Humanitas - N° 56. Acesso em: < http://www.concordia56.org/#Schröder> Acesso em 20 de outubro de 2016.
256
“[...] Koseritz foi escolhido como venerável, juntamente com o venerável adjunto Emilio Wiedemann, o 1º
vigilante Carl Pohlmann, o 2º vigilante Laurentino Ebbesen, orador Menno Mundt, secretário Martin Theodoro
Raetze e tesoureiro Carl Johannes Schroeder. O quadro de obreiros da loja, para o ano de 1875, contava setenta e
uma assinaturas, todos os nomes de família eram teutos. [...] Zur Eintrach manteve suas atividades até 1887, e sua
sede tornou-se, então, propriedade da Sociedade Filantrópica Alemã” (WEIZENAMANN, 2015, p. 226, 228).
180

maçônica foi Koseritz, que muito contribuiu para a difusão e o crescimento da maçonaria entre
a população imigrante de origem germânica. Ele viajou constantemente ao interior da Província
incentivando a fundação de novas Lojas, como a Lessing, em Santa Cruz; Germânica, em
Candelária; Força e União, em Novo Hamburgo; Concórdia, em Três Coroas, e algumas outras
(WEIZENAMNN, 2015).257 Segundo Rui Jung Neto (2015), maçom da Loja Concordia et
Humanitas de Porto Alegre, Koseritz contou com o auxílio dos maçons e o contato com diversos
homens públicos na sua trajetória de conquista de maiores direitos políticos aos imigrantes e
seus filhos. Na década de 1880, destaca Neto (2015), Haensel e Bartholomay, maçons
imigrantes, haviam chegado ao cargo de Deputado Provincial, levando para sua atuação na
Assembleia princípios maçônicos, e contando com o apoio integral das Lojas do Rio Grande
do Sul, dentro das quais eram discutidos e amadurecidos vários assuntos antes de serem, por
estes representantes, encaminhados publicamente.
A maçonaria brasileira, independente dos problemas internos, indefinições,
contrariedades e disputas de poder, manteve uma pauta de unidade no século XIX, que foi a
secularização da sociedade e, portanto, a separação entre Estado e Igreja. A maior proximidade
entre os variados discursos dos maçons aconteceu durante a ofensiva contra os jesuítas, através
de críticas contundentes e propaganda contrária à sua atuação e preceitos. O anticlericalismo
maçônico esteve acompanhado da defesa genérica do ideário liberal e cientificista em voga na
segunda metade do século XIX. Nesse contexto, durante o pontificado de Pio IX, entre 1846 e
1879, houve o acirramento das relações entre maçonaria e Igreja Católica, sobretudo frente as
vitórias liberais e ao crescente processo de laicização da sociedade em escala mundial. Foram
redigidos cerca de 28 documentos pontifícios de condenação à maçonaria e a outras sociedades
secretas, como a carbonária, unificadas em 1869 na Apostolicae Sedis, que previa a
excomunhão aos participantes dessas sociedades. No Brasil, o clero seguiu as disposições de
Roma e passou a fazer crescente oposição à influência da maçonaria no campo das ideias e da
cultura política, realizando uma espécie de caça às bruxas entre seus membros que faziam parte
da maçonaria. Da mesma forma, diversos bispos adotaram uma posição antiliberal, contrária ao
processo de secularização da sociedade brasileira (COLUSSI, 1998).

Debatiam-se, assim, dois projetos ideológicos opostos: o primeiro consubstanciado


pela influência das correntes de pensamento liberal e cientificista no Brasil e que
transpunha para a esfera da política e da cultura a defesa de noções, como

257
Principalmente na década de 1870, fica evidente a ampliação do vínculo de Koseritz com a maçonaria para
além dos quadros de sua loja através de uma quantidade considerável de registros em seus jornais, que tratavam
de assuntos de outras irmandades, desde atividades e ações beneficentes a notas de falecimentos (WEIZENAMNN,
2015).
181

racionalismo, progresso, modernidade; o segundo, uma reação do catolicismo


mundial frente aos avanços do liberalismo, que, no Brasil, reuniu os defensores do
pensamento católico-conservador. O primeiro projeto reuniu a parte mais significativa
da ilustração brasileira; já o segundo ganhou poucas adesões, revelando a fragilidade
da instituição católica no país no século XIX (COLUSSI, 1998, p. 132).

As posições anticlericais da maçonaria brasileira combateram, sobretudo, a Companhia


de Jesus, ordem religiosa tradicionalmente mais conservadora. Por isso, o ataque à Igreja
Católica era quase sempre indireto, já que não se dirigia abertamente à instituição e, sim, a uma
de suas ordens religiosas. De modo geral, as críticas da maçonaria não iam de encontro aos
dogmas da religião católica, mas preocupavam-se em denunciar as práticas imorais do clero,
isto é, o apego aos interesses materiais, econômicos e políticos; o uso dos fieis para benefícios
financeiros; a conduta questionável dos clérigos, que seduziam, tinham filhos ilegítimos, e
problemas de vício, como em jogos e álcool. Os jesuítas, por sua vez, eram relacionados ao
fanatismo, conservadorismo e ultramontanismo do papado (COLUSSI, 1998).
No Rio Grande do Sul, além das questões antes citadas, os maçons defendiam o ensino
laico em contraposição a obrigatoriedade do ensino religioso; e em relação a vinda de sacerdotes
católicos estrangeiros para as áreas coloniais com subsídio estatal, defendiam também a vinda
de protestantes com as despesas pagas pelo Estado, como Koseritz fez em seu relatório de 1867
ao pedir ao Presidente da Província auxílio aos colonos de Santo Ângelo e Nova Petrópolis no
intuito de proverem sacerdotes do culto protestante em suas colônias. As críticas em relação à
Igreja Católica ainda recaíam sobre a ausência de registro civil de nascimento, de casamento e
até de óbito entre os acatólicos, devido ao monopólio da mesma sobre esses registros,
desrespeitando as liberdades individuais de crença (COLUSSI, 1998).
Os maçons do Rio Grande do Sul, observa Eliane Lucia Colussi (1998), participaram
ativamente dos círculos políticos e das relações de poder, uma vez que sua origem social esteve
ligada à elite econômica regional, ou pela fortuna e patrimônio familiar, ou pela ocupação
profissional. De maneira geral, aponta Weizenamnn (2015), eles pertenciam as elites locais,
sendo que a maior parte dos dirigentes das irmandades pertencia ao setor terciário, destacando-
se capitalistas, proprietários e empresários, comerciantes, funcionários públicos e profissionais
liberais (advogados, médicos, engenheiros e jornalistas). Parcela considerável dos dirigentes
maçons, segundo Colussi (1998), tinha como única ocupação a vida política. A proximidade
com a burocracia estatal e a posição entre os membros da elite da Província, facilitou ao grupo
o contato com facilidades, benefícios e privilégios, transformados em instrumentos de
solidariedade interna entre os membros da maçonaria, como, por exemplo, a indicação de
irmãos para concorrer a cargos políticos. Os encontros entre os membros maçônicos
182

possibilitavam articulações políticas e a discussão de temas importantes para eles, como o


anticlericalismo e a luta pela secularização da sociedade brasileira.
Segundo Tiago Weizenmann (2015), tratando de Karl von Koseritz, além da divulgação
e da reafirmação de ideias liberais, a maçonaria tornou-se para ele um espaço de construção de
vínculos sociais, uma vez que teve contato com indivíduos ligados à elite da comunidade alemã
e teuto-brasileira, e de toda a Província, assim como a um conjunto de posições políticas
variadas, já que a maçonaria possibilitou a convivência de abolicionistas, republicanos, liberais
e monarquistas. Assim como Koseritz, há indícios de que Haensel e ter Brüggen foram maçons
em Porto Alegre, usufruindo do mesmo contato com opiniões diversas e tendo acesso as
possibilidades políticas oferecidas pela sociabilidade daquele grupo.
Durante o período imperial (1822-1889), houve a predominância de Liberais entre os
políticos ligados à maçonaria. Em termos numéricos, somaram mais do que o dobro dos
Conservadores. No caso dos personagens aqui estudados, Koseritz e Haensel foram
representantes do Partido Liberal, enquanto apenas ter Brüggen era ligado ao Partido
Conservador. Essa característica acompanhou a dominação dos liberais no cenário político do
Rio Grande do Sul a partir da década de 1870, constituindo um fator de atração de dirigentes
maçons a esse partido (COLUSSI, 1998). Aliás, Weizenmann (2015) explica que a expansão
da maçonaria na Província esteve vinculada a consolidação e hegemonia do Partido Liberal,
expressa na ascensão de importantes figuras políticas, como Gaspar Silveira Martins. Ainda
assim, como antes apontamos, a maçonaria não ligava-se a um único partido ou corrente
ideológica, aceitando representantes de diversos partidos e correntes de pensamento.
A grande maioria dos maçons, principalmente seus dirigentes, foram homens cultos ou
letrados, com um alto padrão de escolaridade numa sociedade de analfabetos, o que atesta a
presença de médicos, engenheiros, professores e jornalistas, e profissionais de menor status,
mas ainda assim atuantes em ofícios que exigiam certa escolaridade, como químicos,
agrimensores e agrônomos. A maçonaria congregou os grupos ou setores mais ilustrados e, ao
mesmo tempo, manteve através de ações filantrópicas e beneficentes, uma relação com a
parcela menos favorecida da população. A cooptação no sentido de atrair a simpatia pelas ideias
da maçonaria deu-se, portanto, por meio de discursos e ações, dirigida em dois sentidos,
primeiro, à própria elite e aos seus pares sociais por meio da imprensa, dos debates em clubes
literários, de obras publicadas, na difusão de determinadas peças teatrais, etc., e, segundo, aos
menos favorecidos, uma população na maioria pobre e analfabeta, por meio da união entre o
discurso e a ação filantrópica, expressa na construção de casas de saúde, asilos e orfanatos,
183

campanhas de caridade em períodos de epidemias e de secas ou enchentes, bem como alguma


inserção no campo do ensino popular (COLUSSI, 1998).
A imprensa cumpriu um papel fundamental na luta anticlerical maçônica. Exemplo disso,
reside no fato de que grande parte dos líderes maçons do Rio Grande do Sul se dedicavam, mas
não só, ao jornalismo. Através dos jornais, realizaram uma verdadeira campanha de
ridicularização da religião. A imprensa era, então, produzida e dirigida a um grupo social
bastante restrito, excluindo a maior parte da sociedade, composta por analfabetos. Os dirigentes
maçons atuaram de diversas formas no universo da imprensa, seja como proprietários de jornais
na capital ou no interior, seja como diretores e editores, redatores ou, ainda, em muitos casos,
como colaboradores. Os maçons estiveram presentes tanto em jornais de circulação periódica
em língua portuguesa, quanto na imprensa de língua alemã, dirigida à comunidade de
imigrantes e seus descendentes. Somente Karl von Koseritz atuou em 11 jornais, dos mais
diferentes vínculos e temáticas: O Guayba, O Brado do Sul, O Combate, Deutsche Zeitung,
Gazeta de Porto Alegre, Jornal do Comércio, Koseritz Deutsche Zeitung, O Povo, O
Noticiador, A Reforma e Sentinela do Sul (COLUSSI, 1998).
Tanto Colussi (1998), quanto Weizenmann (2015), apontam que o primeiro contato de
Koseritz com a maçonaria se deu em Pelotas, quando conheceu o jornalista francês Telêmaco
Bouliech, engajado em ações de caridade e dirigente da loja Honra e Humanidade. Porém, sua
participação na maçonaria só ganhou envergadura a partir de 1875, visto que no período anterior
ocorreu a diminuição de lojas maçônicas em funcionamento face à Guerra do Paraguai. Em sua
atuação como membro da maçonaria, lançou em 6 de janeiro de 1876 o jornal A Acácia, órgão
oficial da maçonaria gaúcha até 1879, do qual foi proprietário, diretor e principal, senão único,
redator. Através das folhas de A Acácia, ele fez guerra permanente com dois veículos da
imprensa católica do período, O Apóstolo, publicado no Rio de Janeiro, e o Deutsche
Volksblatt,258 de São Leopoldo (COLUSSI, 1998). Atacou o clero católico, representado, por
exemplo, na atuação dos padres jesuítas e pelo Bispo Sebastião Dias Laranjeira. A criação
daquele jornal, explicava Koseritz, tinha por objetivo fomentar a doutrinação maçônica. Nesse
sentido, publicou escritos doutrinários de todos os assuntos que direta ou indiretamente
interessavam à maçonaria rio-grandense, assim como noticiou as principais ocorrências
envolvendo as lojas maçônicas de todo o Brasil e no exterior, e críticas aos jesuítas. As colunas

258
O bissemanário dos jesuítas na Província foi criado, justamente, com o propósito de fazer frente aos ataques de
Koseritz, encontrando-se em circulação a partir de 10 de março de 1871. O responsável pela redação, composição
e impressão do jornal foi o professor primário Jacob Dillenburg, auxiliado pelo Brummer von Reisswitz
(WEIZENAMNN, 2015).
184

de A Acácia estavam abertas a todos os maçons que nela quisessem colaborar, e as lojas
maçônicas da Capital poderiam publicar anúncios nela gratuitamente. Como era o órgão oficial
da Maçonaria rio-grandense, trazia publicados todos os atos da Grande Loja e das oficinas que
a ela eram subordinadas, bem como os boletins informativos da entidade. Além disso, Koseritz
também polemizou com jornais de orientação protestante, especialmente com o pastor Wilhelm
Rotermund, que escrevia para o Der Bote e o Deutsche Post (WEIZENMANN, 2015).
A posição de Koseritz na imprensa, pautada em princípios liberais e cientificistas, levou
um contraponto ao predomínio de vertentes religiosas na sociedade, que para ele e outros
maçons, preservavam e reproduziam a ignorância e o fanatismo. Segundo Weizenmann (2015,
p. 232)

[...] os textos de Koseritz dialogavam com a retórica que foi assumida pela maçonaria,
ditando posturas, inclusive, radicais, pela rejeição completa de muitos dogmas
religiosos. Acerca das questões maçônicas e do teor das críticas que Koseritz
empreendeu na imprensa, destacavam-se as suas observações sobre o clero, em
especial aos jesuítas, bem como ao ultramontanismo católico.

A polêmica sustentada na imprensa com os jesuítas dizia respeito à questões do


materialismo científico, e também por ser considerada como um perigo à existência e
preservação da germanidade nas regiões coloniais. Essa consideração, porém, somente é válida
para a imprensa de língua alemã, ligada a Koseritz, que usou os meios a seu dispor tanto nas
folhas maçônicas como naquelas de circulação mais abrangente, para combater a Companhia
de Jesus259, especificamente àqueles integrantes que haviam se estabelecido no Rio Grande do
Sul a partir da década de 1850 e iniciado um processo de restauração católica nessa região do
Brasil. Na década de 1870, já eram identificados como ultramontanos, e era significativa sua
presença em regiões coloniais, como em São Leopoldo, tendo grande parte deles sido expulsa
da Alemanha em consequência do Kulturkampf.260
Algumas vezes, no Deutsche Zeitung, Koseritz discutiu o papel dos jesuítas, questionando
a forte presença de seus padres nas regiões coloniais. Sem dúvida, o episódio dos Mucker, no
morro Ferrabraz,261 colocou em pauta algumas dessas questões, bem como o anticlericalismo
dele. Para Koseritz, o movimento representava o fanatismo e o retorno ao medievalismo, e não

259
A respeito do grupo Jesuíta combatido por Koseritz, ver: SCHUPP, Pe. Ambros. A Missão dos Jesuítas
Alemães no Rio Grande do Sul. São Leopoldo: Editora Unisinos, 2004.
260
Em relação ao Kulturkampf ver: KREUTZ, Lúcio. O professor paroquial, magistério e educação alemã.
Porto Alegre: Ed. da Universidade/UFRGS; Florianópolis; Ed. da UFSC; Caxias do Sul: EDUCS, 1991
261
Há vários trabalhos dedicados ao episódio dos Mucker: PETRY, Leopoldo. O Episódio do Ferrabraz. 2ª ed.
São Leopoldo: Editora Rotermund, 1966; DOMINGUES, Moacyr. A Nova face dos Muckers. São Leopoldo: Ed.
Rotermund, 1977.
185

havia dúvidas da responsabilidade que pastores luteranos e padres católicos tinham em relação
ao episódio trágico do Ferrabraz. Os ataques que fez aos Mucker através dos impressos
depreciaram a imagem dos seguidores de Jacobina Maurer, e os converteu em figuras ridículas
aos olhos de muitos leitores. Tamanha foi sua oposição ao movimento, que Koseritz chegou a
propor soluções radicais para a situação, como a deportação dos integrantes, e instigar colonos
a atacarem com armas (WEIZENAMNN, 2015).

Tratados como “fanáticos” e “avessos à ciência”, eram descritos como colonos


distantes dos valores da “verdadeira germanidade”. Sem perder a oportunidade,
Koseritz “aproveita para atacar de forma direta a ação da Companhia de Jesus, por ele
denominada de “agourenta Ordem de Jesus’’. Significou, inclusive, uma participação
direta para o desfecho violento do caso, em 1874. Como destaca João Guilherme
Biehl, a atuação do maçom e redator do Deutsche Zeitung, somada à articulação da
elite de ascendência alemã, foi importante para que uma intervenção militar fosse
concretizada (WEIZENAMNN, 2015, p. 239).

O anticlericalismo acompanhou a trajetória intelectual de Koseritz, e nesse campo


publicou obras específicas das quais se destacam Roma perante o século (1870) e A maçonaria
e a Igreja (1873). O primeiro livro acarretou na sua excomunhão da Igreja Católica pelo bispo
de Porto Alegre, D. Sebastião Dias Laranjeira, episódio que Koseritz assim descreveu,

Em 1870 publicávamos em português e em alemão o nosso livro - “Roma perante o


século” - com o principal fim de combater a influência dos jesuítas e o surdo trabalho
de sapa que os mesmos faziam nas colônias. A publicação do livro valeu-nos uma
honrosa excomunhão fulminada pelo bispo desta diocese em pastoral lida à estação
da missa em toda a Província (...). (KOSERITZ, 1877 apud COLUSSI, 1998, p. 325).

A carta pastoral da excomunhão, pela determinação de D. Laranjeira, deveria ser lida nas
missas de toda a Província. Foi um dos poucos casos de excomunhão da qual se tem
conhecimento e comprovação no Rio Grande do Sul. O conteúdo de Roma perante o século
reunia julgamentos que visavam defender a radicalização contra tudo aquilo que o mundo
clerical representava para Koseritz.
Frente a tudo o que foi exposto, cabe destacar que Koseritz foi um dos intelectuais rio-
grandenses preocupados com as influências da Igreja na sociedade mais atuantes, e fez uso de
sua proximidade com a imprensa para divulgar suas concepções agnósticas e anticlericais, além
das grandes questões da maçonaria, sobretudo a separação entre Estado e Igreja. O jornalismo
é uma poderosa ferramenta de poder, e dela ele fez uso, mesmo que na segunda metade do
século XIX a prevalência de população analfabeta pudesse limitar tal poder. O tratamento que
sofre a notícia, antes de chegar ao receptor, é o principal modo de se operar a
manipulação/dominação jornalística. Entre a ocorrência de um fato social relevante, o
186

acontecimento objetivo e sua apresentação ao público, ocorrem diversas intervenções que


alteram sensivelmente o caráter e, principalmente, o efeito dessas notícias. No caso de Koseritz,
esteve inserido em um contexto no qual a imprensa era fortemente partidária, e não escondia
isso, portanto, suas posições eram levadas ao público leitor sem nenhuma reticência, e variavam
de temática de acordo com o periódico no qual eram publicadas.
Para Tiago Weizenamnn (2015), houve uma relação recíproca entre Koseritz e a
maçonaria, visto que esta reforçou nele parte do conjunto de ideias liberais que já estavam
presentes em seu discurso, bem como grande parte dos vínculos e das redes sociais que o
aproximaram de personalidades políticas influentes, especialmente em Porto Alegre, enquanto
a atuação dele na maçonaria, segundo Colussi (1998), teria auxiliado a que a partir de 1870 a
mesma adquirisse identidade própria, liberal e anticlerical. Ainda, o debate guiado pela
orientação maçônica e suas grandes preocupações se deu com mais força nos prelos cuja
responsabilidade correspondia a Koseritz.262 Portanto, ele teve um papel importante na
imprensa como redator, colaborador e intelectual, podendo ser considerado um dos mais
destacados dirigentes maçons de Porto Alegre.

2.2.7 A Deutscher Turnverein e a Deutschen Hilfsverein: o Associativismo

A segunda metade do século XIX e as primeiras décadas do XX foram marcadas por uma
proliferação de sociedades culturais, recreativas, profissionais e de ajuda mútua entre os teutos
espalhados pela zona colonial alemã, sobretudo junto à comunidade teuta de Porto Alegre. A
intensa vida associativa dos teutos, afirma Silva (2006), foi muitas vezes assumida na
historiografia e por descendentes germânicos como uma característica própria deste grupo, ou
mesmo como uma pré-disposição. Para René E. Gértz (2013), esse caráter associativista
atribuído aos teutos nada mais é do que um “chavão”. Como adverte Haike Roselane Kleber da
Silva (2006, p. 130),

[...] tendo a concordar com Seyferth quando critica o natural “espírito associativo”
alemão como uma “inflexão laudatória da fraseologia”. O tom implícito neste
princípio busca não apenas justificar a existência deste tipo de rede de sociabilidade,
mas também reforçar a especificidade do grupo, marcando os limites de sua
identidade. A justificativa é ainda mais utilizada quando se tratam de sociedades de
tiro, de ginástica ou canto. Estas instituições, mais do que as sociedades de ajuda

262
Nesse conjunto está incluído o jornal Deutsche Zeitung, que endossou premissas maçônicas em suas folhas,
durante a permanência de Koseritz como chefe-redator. Não houve nesse espaço oposição ou ressalvas às
temáticas de preocupação da maçonaria, pois os membros do conselho administrativo da folha alemã também eram
maçons. Também, por meio desse jornal, demais, Koseritz construiu uma primeira grande aproximação entre o
ideário maçônico e a população alemã e teuto-brasileira (WEIZENAMNN, 2015).
187

mútua ou voltadas a outro tipo de atividade recreativa, tomam para si a função de


propagadoras e conservadoras da cultura germânica (Seyferth, 1999, p. 26), que, por
sua vez, reproduz a idéia da inevitável tendência associativa dos alemães.

Dessa forma, torna-se problemático aludir o associativismo teuto como inerente aos
imigrantes alemães. Para Silva (2006), trata-se do resultado da necessidade própria a diferentes
grupos étnicos e sociais de se agregarem para fins diversos e assim definirem fronteiras e limites
em relação a si mesmos e outros grupos, ou seja, foram locais de construção e manutenção da
identidade daquele grupo. De modo geral, as associações enquanto união livre de pessoas para
diferentes fins específicos, exerceram papel central para o grupo teuto na ocupação do tempo
livre, na organização da vida comunitária, na família, na profissão, na vizinhança e na Igreja.
Segundo Silva (2006, p. 55),

Elas foram lugar de sociabilidade, assim como de inúmeras atividades. Divertimento,


ocupação do tempo livre, esporte, cultura, beneficência, mobilização para fins
materiais, discussões a respeito de questões públicas, religiosas e profissionais, tudo
isso tinha lugar nas associações.

Foram, portanto, lugares de construção e manutenção da identidade teuta, e mesmo locais


para manifestar gratidão e fidelidade ao Brasil, como ocorria nas comemorações ao aniversário
do Imperador D. Pedro II. As associações teutas, mais do que espaços de solidariedade e
demarcação de limites étnicos, foram ambientes “de atualização da etnicidade”. Além dos
aspectos destacados, as sociedades e os clubes recreativos também foram espaços nos quais
surgiram ou se destacaram lideranças dentro do grupo teuto-brasileiro, pois possibilitavam a
constituição de lealdades e de representação de grupos sociais. Ali foram constituídas redes de
solidariedade e sociabilidade, pois eram espaços de aprendizado, de trocas intelectuais, e de
circulação de ideias (SILVA, 2006).
Entre as sociedades recreativas teutas de maior destaque em Porto Alegre, esteve a
Turnerbund, não apenas por ser a mais antiga sociedade de ginástica do Rio Grande do Sul,
mas também pelo expressivo trabalho desenvolvido em prol da germanidade. A população de
origem germânica da capital, salienta Silva (2006, p. 117) “[...] tinha na Turnerbund uma
referência, apoiando suas ações, participando ativamente das aulas de ginástica, enchendo o seu
parque aos domingos ou o salão nas peças teatrais”. Ela representou um importante espaço de
sociabilidade entre os teutos, amplificada em comemorações, como as festas em homenagem
ao aniversário do Imperador alemão, ao Centenário da Independência do Brasil, e ao Centenário
da Imigração Alemã, que reuniam grande parte da população teuta de Porto Alegre e também
do interior. A Turnerbund foi a principal associação esportiva e social da elite teuto-brasileira
188

da Capital, onde não só os jovens se reuniam para a prática da ginástica, como também
discursavam políticos e articulistas.
A Turnerbund foi criada em 1892, a partir da fusão de duas sociedades recreativas, a Turn
Club e a Deutscher Turnverein. A partir daí, tornou-se a líder de toda a ginástica no Rio Grande
do Sul. Em 1942, mudou o nome para “Sociedade Ginástica Porto Alegre (SOGIPA)”, ainda
em franca atividade (MAZO, 2005). A Deutscher Turnverein (Sociedade Alemã de
Ginástica)263, foi a primeira sociedade desportiva criada na cidade de Porto Alegre, em fins de
1867. Ela inaugurou o desporto organizado na Capital e o associativismo esportivo teuto no Rio
Grande do Sul. Teve caráter urbano, visto que no interior haviam inúmeras sociedades de tiro,
enquanto as poucas sociedades de ginástica ficavam localizadas nas sedes ou vilas. Segundo
Silva (2006), os principais entusiastas da ginástica foram os antigos legionários Brummer,
artesãos, comerciantes e empregados de casas comerciais alemãs.
Até 1885, as principais atividades recreativas da Deutscher Turnverein foram o tiro ao
alvo e a ginástica (MAZO, 2005). No começo da década de 60, alguns artesãos e comerciantes
locais já se reuniam informalmente para a prática do Turnen264, mas foi apenas em 1867 que
um grupo de 25 homens tomou a iniciativa de oficializar uma instituição para aquele fim. Na
listagem dos fundadores, temos: Alfred Schütt (tesoureiro, secretário da sociedade, criou o
Departamento de Tiro ao Alvo e introduziu a ginástica de aparelhos no Estado do Rio Grande
do Sul); Wilhelm ter Brüggen (presidente); E. Gottfriedsen (instrutor de ginástica); E. Martens
(assistente de ginástica); Weiss (assistente de ginástica); e Jacob Aloys Friederichs (sócio
fundador). Por sua vez, os dirigentes do Departamento de Tiro foram Carl Dugge (presidente),
Edmund Dreher, Johann Poisl, Balduin Röhrig, J. Wollmann, Carl Pohlmann e Karl von
Koseritz (MAZO, 2005). Como se nota, temos Koseritz e ter Brüggen como membros do grupo
fundador da Deutscher Turnverein, sendo que o segundo foi Presidente desta sociedade. O ano
de fundação, 1867, revela que estes personagens já estavam consolidados como grandes

263
Em pouco tempo, a sociedade tomou um rumo diferente da proposta inicial, mais voltada a ginástica. A falta
de jovens no quadro de associados fez o clube pender para a prática do tiro ao alvo, atividade que agradava aos
sócios mais velhos. No início de 1869, é incluído, portanto, o treinamento de tiro, e a sociedade passa a se chamar
Deutscher Turnerbund Schützverein (Sociedade Alemã de Ginástica e Tiro ao Alvo). Talvez essa tendência tenha
refletido a presença, entre os sócios, de alguns antigos legionários Brummer, que ali haviam encontrado um espaço,
em Porto Alegre, para exercitar-se em armas. A sociedade passou a caminhar no sentido da especialização no tiro.
Por conta disso, em 1876, os mais jovens decidiram retomar a ideia de uma sociedade de ginástica e acabaram
separando-se dos atiradores para fundar, em 18 de novembro, a Schützenverein (SILVA, 2006).
264
O Turnen era constituído do lazer, da prática de exercícios físicos, do coral, do teatro, da prática da esgrima, da
ginástica, do tiro, etc., e era uma das maneiras de preservar a identidade étnica, somada a importância dada a
educação. TESCHE, Leomar. Elementos Formadores de uma Identidade. In: ENCONTRO DA ALESDE –
ESPORTE NA AMÉRICA LATINA: ATUALIDADE E PERSPECTIVAS, 2008, Curitiba. Anais eletrônicos...
Curitiba: Universidade Federal do Paraná, 2008. Disponível em: <
http://www.alesde.ufpr.br/encontro/trabalhos/57.pdf >. Acesso em: 23 de setembro de 2014.
189

personalidades teutas em Porto Alegre, e encontraram até mesmo nas atividades de recreação
um espaço para atuarem politicamente, uma vez que estiveram inclusos na articulação da
fundação da citada sociedade.
Dos 25 sócios-fundadores, 5 foram Brummer. A origem social deles era homogênea,
sendo a maioria atuante no comércio, alguns no varejo, outros na exportação e importação, e
havia alguns proprietários, que ao mesmo tempo eram comerciantes. A faixa etária do grupo
gravitava entre os 25 e os 35 anos (SILVA, 2006). O importante a destacar é que 11 deles faziam
parte da Associação Beneficente Alemã, a Deutscher Hilfsverein, fundada em 21 de março de
1858 com o objetivo de dar amparo, assistência social, colocação de empregos e orientação
profissional aos imigrantes alemães e seus descendentes (JACQUES, 2013). Nos Estatutos da
Associação Beneficente, consta que seu intuito era “auxiliar, segundo as possibilidades, todos
os alemães necessitados ou pessoas de origem alemã”, portanto, o público alvo estava
devidamente limitado. Além do serviço filantrópico, ela também estava inclinada a valorização
do idioma alemão, dos costumes germânicos e dos valores étnicos e culturais (TELLES, 1974).
Entre as ações de assistência que promoveu, encontram-se o socorro a alemães indigentes,
lhes pagando os gastos com hospitalização e enterro, e auxílios a estudantes pobres (Roche,
1969). Exemplo disso consta em ofício de 20 de julho de 1864 do Consulado da Prússia em
Porto Alegre remetido à Presidência da Província, no qual o Cônsul ter Brüggen, avisava sobre
o falecimento do súdito prussiano Inácio Diehl, ocorrido na Santa Casa de Misericórdia de Porto
Alegre. Como Diehl não havia deixado testamento, o Cônsul pedia que mandassem lhe entregar
certos papeis que o finado havia deixado, para serem enviados aos seus parentes na Prússia. O
enterro dele fora realizado a expensas da Associação Beneficente Alemã. Como constava que
Diehl deixara algum dinheiro, ter Brüggen pedia que tal soma fosse usada no reembolso da dita
associação.265
Entre os 99 sócios registrados em 1858 no livro para controle de pagamento das
mensalidades, contam os nomes de Wilhelm ter Brüggen e Frederico Haensel. Ao primeiro,
atribuía-se as atividades de Livreiro, Jornalista, Diretor de Banco e Cônsul da Prússia; enquanto
ao segundo dava-se como sua profissão Jornalista e Diretor de empresa fluvial, sendo ele de
religião evangélica. Outros sócios destacados daquela lista foram Carlos Jansen, futuro
professor do Colégio D. Pedro II, no Rio de Janeiro; Nicolau Hasslocher, provavelmente o
sogro de Frederico Haensel; e Lothar de La Rue, Jornalista, Sócio de empresa colonizadora e

265
AHRGS: Documentos Consulares. Caixa 3. Maço 5-6. 1864.
190

Agente Intérprete da Colonização. Coube a Wilhelm ter Brüggen o cargo de presidente da


associação nos anos de 1868, 1870, 187 e 1876 (JACQUES, 2013).
Entre os fundadores da Hilfsverein, havia um elevado número de evangélicos e também
a perceptível presença de Brummer, pelo menos 12 entre os 99 sócios de 1858. As profissões
deles foram variadas, desde Cônsul a Carniceiro. Havia entre os fundadores vários maçons e
liberais. A Associação não teve um caráter fechado e restrito, pelo contrário, seus membros
tiveram o interesse de ampliar seu campo de ação através de filiais nas comunidades e entidades
autônomas, mantendo uma correspondência e ligação constante com todas elas. Em 1858, já
havia uma rede ligada a Associação, da qual faziam parte São Leopoldo, Hamburgo Velho,
Torres, Bom Jardim (Ivoti), Picada 48, Linha Hortêncio, Linha Nova, Campo Bom, Rio Pardo,
Rio Grande e Dois Irmãos. Como a Hilfsverein não possuía sede própria, as Assembleias
mensais ocorriam na Sociedade Germânia, além dos bailes de Natal e outras comemorações
(JACQUES, 2013).
A partir de 1859, a associação assumiu a mensalidade de alunos carentes, ofertando bolsas
de estudos. Segundo Telles (1974), não consta que outra entidade particular teria tomado atitude
similar naquele período, portanto, a Sociedade Beneficente for pioneira em Porto Alegre na
distribuição de bolsas de estudo. Esse ato marcaria a primeira iniciativa no sentido de criar de
um estabelecimento de ensino. Outro serviço prestado pela Hilfsverein foi o de atender aos
imigrantes alemães recém-chegados no Rio Grande do Sul e que necessitavam de orientação,
dinheiro e alimentos. Para que os alemães que se destinavam a Porto Alegre soubessem a quem
se dirigir quando de seu desembarque, foram distribuídas informações nos portos onde chegava
o maior número de imigrantes, isto é, Rio de Janeiro, Santos e Rio Grande. Foi criada a
Einwanderer Kommission, com a função de remeter para as colônias verbas para os imigrantes
com necessidades, auxiliando-os na adaptação e os provendo com os recursos necessários para
sua sobrevivência.
Característica importante da Hilfsverein foi o grande número de evangélicos que
compuseram seus membros. Aliás, durante muito tempo a diretoria da comunidade evangélica
de Porto Alegre foi a mesma da loja maçônica Zur Eintracht, localizada ao lado do templo
evangélico, sendo que alguns desses membros também compuseram a Hilfsverein e a Deutscher
Turnverein (TELES, 1974). Nesse sentido, é importante recordar que a forma como os
dirigentes maçons de Porto Alegre encontraram para levar ao público distante de seus círculos
o discurso de laicidade do Estado e moralização dos quadros da Igreja Católica, foi através da
filantropia, expressa no envolvimento de associações e sociedades de beneficência, como a
191

Hilfsverein. A efetividade dessa estratégia, não sabemos, o que abre possibilidades para novos
estudos.
Desde a fundação, da Hilfsverein, seus sócios davam sinais de envolvimento com a
questão da educação. Durante vários anos, beneficiaram estudantes com bolsas de estudo, até
que em 1875 cresceu o interesse da associação na organização de uma escola, o que veio a se
consolidar na década de 1880. Em Assembleia de 29 de abril de 1884, debateu-se o projeto da
escola, apresentado pela Comissão Escolar, cujos objetivos deveriam estar de acordo com a
seguinte consideração:

[...] a escola, cuja criação nós recomendamos, deve dar a um rapaz um ensino tal,
partindo dos rudimentos até um determinado grau, que, uma vez ele conclua o terceiro
ou o quarto ano, esteja capacitado para enfrentar a vida, quer que ele deseje abraçar
uma profissão manual ou se dedicar à atividade comercial. No currículo devem
constar as seguintes matérias: Leitura, as quatro operações, escrever, Ensino Prático,
Canto, Desenho, Geografia, História Universal, História natural, Alemão, Português,
Francês, Inglês, Geometria, Física, Literatura, Ginástica (TELLES, 1974, p. 48).

Na Assembleia, discutiu-se a importância da mensalidade como forma de manutenção da


escola, definindo que a taxa escolar não deveria ser muito baixa, pois não era o objetivo da
Hilfsverein oferecer ao público alemão uma escola acessível em termos pecuniários, mas sim
uma instituição que permitisse aos professores criar algo melhor e mais palpável em relação as
escolas então em funcionamento voltadas ao grupo teuto. As diretrizes traçadas, portanto,
constituíram uma escola voltada para a elite alemã. Uma distinção da escola frente as demais
era o fato de ser laica. Em 1886, por fim, a Sociedade Alemã fundou a Knabenschule des
Deutschen Hilfsverein, em salas de aula alugadas nas dependências da Comunidade Evangélica,
contando com 70 meninos, um diretor e dois professores (TELLES, 1974). A Deutschen
Hilfsverein agiu como mantenedora do colégio, lhe cabendo as decisões e projetos implantados
na instituição.
Após 130 anos, ele permanece em funcionamento, atualmente com o nome de Colégio
Farroupilha. De acordo com Alice Rigoni Jacques (2013), ainda predomina a característica de
uma escola privada voltada a classe média porto-alegrense, centrada na busca de um ensino
identificado com valores como a disciplina e a tradição. Não há mais, porém, o predomínio de
alunos de origem alemã, uma vez que acolhe discentes de variadas origens étnicas. É
reconhecida por ter formado estudantes que se tornaram empresários, médicos, engenheiros e
advogados de famílias conhecidas e bem-sucedidas de Porto Alegre e de outras cidades do Rio
Grande do Sul.
192

Assim, outro espaço de presença e atuação de alguns dos personagens aqui investigados
foram as associações, neste caso, beneficente e recreativa. Temos Wilhelm ter Brüggen como
presidente da Deutschen Hilfsverein em quatro oportunidades, e como um dos membros
fundadores da Deutscher Turnverein, da qual Koseritz foi membro, enquanto Haensel fez parte
da associação beneficente alemã. Eles, portanto, estiveram inclusos na elite teuta de Porto
Alegre e, é lícito sugerir, aproveitaram aqueles espaços de sociabilidade para ampliarem suas
posições sociais e redes de relações.

2.2.8 A presença no Comércio

O comércio foi uma das principais atividades exercidas pelos imigrantes germânicos
estabelecidos no Rio Grande do Sul no século XIX, e foi para muitos um meio de ascensão
econômica e social. Entre as atividades relacionadas ao comércio, destaca-se a navegação
fluvial. Segundo Jean Roche (1969), as primeiras levas de imigrantes foram conduzidas em
barcas de Porto Alegre a São Leopoldo, ou seja, desde o início a navegação exerceu papel
fundamental na vida dos núcleos coloniais. Em pouco tempo, surgiram imigrantes envolvidos
com aquela atividade. Um dos primeiros comerciantes de São Leopoldo, I. Rasch, e J. F.
Selbach, figuraram como os criadores de empresas de navegação no Rio dos Sinos e no Caí,
com gabarras266 de sua própria fabricação. Em 1854, nove comerciantes da Colônia de Mundo
Novo já possuíam, somados, 16 gabarras. A maior parte deles havia se tornado comerciante
após experiências como transportadores. No final da década de 1850 as gabarras deram lugar
aos vapores. Entre os 11 vapores em serviço regular no Rio Grande do Sul em 1858, apenas 3
faziam as linhas Porto Alegre/Rio Grande, Rio Grande/Pelotas e Rio Grande/São José do Norte.
Todos os outros trabalhavam no Rio Jacuí e seus afluentes, nas linhas Porto Alegre/São
Leopoldo, Porto Alegre/Caí, Porto Alegre/Taquarí, Porto Alegre/Rio Pardo/Cachoeira
(ROCHE, 1969).
Foi a navegação fluvial que permitiu o comércio externo às picadas, além do contato com
a população externa e com as autoridades sediadas em Porto Alegre. Ela escoava a produção
agrícola a manufatureira das colônias que chegava a Porto Alegre. As rotas praticadas
permitiram o surgimento de comércio triangular entre as picadas e outras áreas produtoras do
Rio Grande do Sul, e Porto Alegre foi o local de articulação desse comércio. Foram imigrantes
alemães e seus descendentes que se dedicaram à navegação fluvial, portanto, ela representou a

266
Uma gabarra ou barcaça é um barco de solo plano, construído principalmente para o transporte de bens pesados
ao longo de rios e canais.
193

organização e foi a responsável pelo desenvolvimento da sociedade que se estabeleceu nos


núcleos coloniais (DREHER, 2005). Na navegação fluvial, destacaram-se Becker, no Jacuí, os
Irmãos Diehl e Blauth, no Rio dos Sinos, Keller, Jann, Schaan, etc., no Caí, e Jaeger, Ruschel
e Arnt, no Taquari (MOURE, 1992).
Uma das primeiras oficinas de construção naval de Porto Alegre, fundada no ano de 1856,
pertenceu ao imigrante Becker. O envolvimento com a navegação fluvial levou à reunião de
várias empresas desse ramo na “Companhia Fluvial”, sob a direção de Frederico Haensel, o que
expressa sua relevância na atividade comercial da Província, além de indicar que ocupou outro
cargo de elevada importância, isto é, mais uma vez estava ele envolvido nos meandros do poder.
A Companhia se manteve em atividade até a década de 1890, quando foi dissolvida (ROCHE,
1969).

Figura 10 – As vias navegáveis do Rio Grande do Sul (segunda metade do séc. XIX)

Fonte: ROCHE, Jean. A Colonização Alemã no Rio Grande do Sul. Tradução de Emery Ruas. Porto Alegre:
Editora Globo, 1969, vol. 1, p. 60.

O comércio, desde o início, foi fator indispensável à produção agrícola e artesanal, e seu
principal protagonista foi o comerciante, que controlava a produção do agricultor, fixava os
preços, e monopolizava o crédito nas picadas dos núcleos coloniais. Alguns chegaram a instituir
um sistema de trocas por permuta em conta corrente, quando os transportes ainda eram
deficitários. Este sistema baseava-se na exploração do agricultor pelo comerciante, que recebia
os produtos e só creditava o valor correspondente após realizada a venda no mercado de Porto
194

Alegre. Porém, como esse processo demorava a ter fim, as vezes até um ano, ao receber o valor,
o agricultor ficava com sua capacidade de compra reduzida face aos aumentos constantes dos
produtos que necessitava adquirir do mesmo comerciante. Esse ator social, diferenciou-se do
colono agricultor, mesmo as vezes tendo aplicado parte do lucro adquirido na compra de terras.
O intercâmbio comercial gerou acúmulo de capital em suas mãos, proporcionando condições
de investimentos em empreendimentos comerciais ainda maiores e em indústrias. Esse foi o
passo inicial de comerciantes teutos de sucesso, como Trein, Ritter, Renner, Mentz, Bromberg,
Dreher, Sperb, etc. (MOURE, 1992).
O comércio também teve influência no desenvolvimento dos meios de comunicação dos
núcleos coloniais. Segundo Oberacker Jr. (1968), não houve estrada importante no Império
brasileiro em cuja construção não participassem técnicos teutos em postos de direção. Mas além
disso, o comércio nos núcleos coloniais promoveu a ampliação dos caminhos e estradas de
rodagem na Província rio-grandense, assim como ampliou a navegação a vapor. De acordo com
Eugênio Lagemann (1992), a economia do imigrante colonizador fundou sua organização
produtiva na pequena propriedade rural de exploração familiar. Esse modelo apresentava um
limite para a acumulação de capitais necessários a empreendimentos de maior vulto. Os lotes
tinham tamanho estabelecido pela legislação e poucos eram os imigrantes capazes de ampliarem
sua quantidade de terras em curto prazo. Coube, portanto, ao comércio superar a limitação da
capacidade acumulativa restringida pelo modelo da pequena propriedade.
A estrutura do comércio relacionado com as colônias ocorreu em três níveis:

[...] as vendas, em contato direto com o colono e estabelecidas nas próprias picadas
ou no cruzamento dessas, o centro da colônia; o comércio intermediário, nas colônias
centrais, como o foram, por exemplo, São Leopoldo, Taquara, Estrela, Montenegro,
Caí, Cachoeirinha, Bento Gonçalves, Caxias do Sul, Garibaldi, Encantado, etc., sendo
que, na colônia alemã, esse comércio geralmente se localizava à beira dos grandes rios
do Estado; e o grande comércio, em Porto Alegre, principalmente, e de alguma forma
também em Pelotas e Rio Grande, em contato com as colônias centrais e o exterior,
realizando o comércio de importação-exportação e mantendo os grandes atacados
(LAGEMANN, 1992, p. 128).

Nessa estrutura, a menor unidade de acumulação foi a venda, que funcionou como um
centro de informações e trocas, um local de passagem de mercadorias, e um espaço de
aconselhamento quanto ao que e como produzir. Além do papel de intermediação econômica,
também assumia uma função associativa, cultural e até política. Muitos vendeiros tinham a
posse dos meios de transporte com os quais a produção era escoada para os centros maiores.
Boa parte do preço cobrado por esse serviço, sob o rótulo de “custo de frete”, acabava nas mãos
do vendeiro. Era mais vantajoso ao colono passar a um terceiro essa operação, do que perder
195

dias na estrada, normalmente em más condições, para entregar sua produção (LAGEMANN,
1992).
O vendeiro controlava a informação quanto aos preços das mercadorias, podendo
manipulá-los, em certos casos, a seu favor. Isso era possível pelo monopólio comercial que
exercia, ao isolamento de muitas colônias em vista das condições de transporte, e pela
passividade e confiança de sua clientela. Outro mecanismo importante de acumulação foi o uso
das contas correntes, isto é, um caderno especial de anotações onde crédito e débito se
alternavam. Era uma forma de manter os colonos ligados à sua casa comercial. Recebia, ainda,
vez ou outra, depósitos de agricultores, e realizava empréstimos com juros. Assim, os vendeiros
puderam acumular capitais que ultrapassaram os recursos de uma pequena propriedade. Muitos
deles diversificaram a aplicação desse capital, e instalaram pequenas indústrias, como
destilarias de banha, moinhos e cervejarias, evitando a dependência em relação ao fornecimento
desses artigos (LAGEMANN, 1992).
Nas colônias centrais, a maior parte contando com depósitos e armazéns na margem dos
rios, o comércio intermediário exercia, superando a atividade do vendeiro, a função de
redistribuidor das mercadorias destinadas às vendas coloniais e providenciava o transporte
fluvial das mercadorias agrícolas aos centros, geralmente em barcos próprios. Esse foi o caso
de Frederico Haensel enquanto comerciante em Santa Cruz, tendo lucrado tanto pelas
comissões de revenda como com o transporte (LAGEMANN, 1992). As casas alemãs de
importação e exportação tiveram papel destacado no desenvolvimento da economia provincial.
Em 1874, existiam em Porto Alegre e Rio Grande, cerca de 22 importantes firmas de teutos.
Estas, passaram a adotar novos rumos e métodos no comércio. A firma Bromberg & Cia., por
exemplo, influiu no desenvolvimento econômico da lavoura e da indústria ao importar
máquinas e promover instalações técnicas (OBERACKER JR., 1968). Por conta de tudo isso,
o comerciante pôde se apropriar do excedente econômico das picadas, linhas e travessas das
colônias germânicas, administrando o monopólio das vendas e das compras. Essa situação
permitiu o acúmulo de capital aos donos das vendas, o qual futuramente foi investido por muitos
desses comerciantes na indústria.267 Além da vantagem de acumuladora de capital para muitos

267
Exemplos de comerciantes e industriais alemães: Em 1874, em Rio Grande, Carlos Guilherme Vater, imigrante
alemão, e Rheinglantz, fundaram a “União Fabril”. Na década de 1880, Rheingantz fundou em Pelotas uma fábrica
de chapéus, e desfez a sociedade com Vater. Ampliou o capital de 90 para 600 contos de réis e, dois anos após,
possuía três fábricas em Rio Grande, uma de tecido de lã, outra de algodão e a última de aniagem. Em 1891 a
metalúrgica Berta, com a entrada de Alberto Bins, ganhou caráter industrial. Neste mesmo ano, o Cel. Manoel Py,
comerciante de tecidos, fundou a Cia. Fiação e Tecidos Porto Alegrense (MOURE, 1992). Renner, casou com a
filha do comerciante Trein, tornou-se comerciante e caixeiro-viajante e iniciou, com seus cunhados, uma indústria
de vestuário, transferida para Porto Alegre, onde se desenvolveu e deu origem ao grupo das Indústrias Renner.
Adolfo Carlos Henrique Oderich veio ao Brasil em 1879, contratado por uma firma de fazendas de Porto Alegre,
196

comerciantes, a venda também foi o local de contato da picada com o mundo exterior (MOURE,
1992).
Por sua vez, Porto Alegre foi o centro para onde convergiu grande parte dos produtos das
picadas recolhidos nas vendas, concentrando a maior acumulação de capital, e triangulando
mercadorias para o interior da Província através dos rios. Era onde se encontravam as
Companhias de navegação Arnt, Blauth, Schilling, Dreher, Dihel, Voges. De Porto Alegre os
produtos eram enviados para o restante do país e para o exterior. As mesmas casas exportadoras
importavam produtos manufaturados do exterior, e também máquinas. Portanto, Porto Alegre
não existiria em sua pujança sem as picadas e seus vendeiros (OBERACKER JR., 1968). O
grande comércio, principalmente localizado em Porto Alegre e, na maior parte, em mãos dos
imigrantes, controlava a exportação de feijão, milho, mandioca, arroz, trigo, tabaco e banha e
importava manufaturados e bens de produção, influenciando toda a rede de comercialização
estendida pelo interior. Além de transferir o capital previamente acumulado para a indústria,
foram essas casas importantes para as primeiras indústrias na medida em que lhes forneciam
máquinas e peças importadas do exterior, de onde vinham, inclusive, porcas e parafusos
(LAGEMANN, 1992).
Apesar de todas essas contribuições dos teutos ao comércio e indústria, é preciso ter
cautela em afirmar que foram eles pioneiros nessas atividades na Província. Em certos casos,
afirma Eugene Lagemann (1992), a historiografia chega a tratar a industrialização como
sinônimo de colonização. É preciso perceber, entretanto, que não se deve aos imigrantes
alemães a criação da indústria na Província rio-grandense, mas sim a expansão das atividades
industriais e sua diferenciação em numerosos ramos especializados. Foram destacados na
produção de tecidos, banha de porco, conservas, bebidas, doçaria, madeiras, couros, máquinas,
tabaco, vidros, papel, fósforos e produtos químico farmacêuticos. Também industrializaram
resíduos provenientes das atividades das charqueadas, produzindo velas, sabão e adubos, além
de curtir os couros. O mesmo se aplica ao comércio.
Dentre os personagens que estudamos, Frederico Haensel e Wilhelm ter Brüggen
representam com maior vigor a participação teuta no comércio da Província. O mais destacado

e iniciou suas atividades como caixeiro-viajante, fundando mais tarde, em Caí, uma casa de importação de fazendas
por atacado, negócio que durou 20 anos. Em 1908, fundou junto com seu filho e com a participação da casa
comercial Edmund Dreher & Cia. e de parentes, também comerciantes, a firma Carlos H. Oderich. Os
comerciantes Mentz e Trein dedicaram-se ao refino de banha. Em Cachoeira, estabeleceu-se como comerciante
João Gerdau, e com o capital que acumulou se transferiu para Porto Alegre, onde adquiriu uma fábrica de pregos,
hoje uma das maiores fabricantes de pregos da América Latina. Dessa foram, a apropriação ocorrida nos centros
intermediários deu origem a empreendimentos maiores localizados ou no próprio local da apropriação ou junto ao
maior mercado consumidor, Porto Alegre (LAGEMANN, 1992).
197

foi Haensel, que atuou em diversos níveis dentro do mundo comercial voltado ao complexo
colonial. Em poucos anos, ele se tornou sócio na empresa Haensel, Hasslocher & Cia., atuando
como negociante em Porto Alegre, segundo atesta um processo movido pela mesma em 1862.268
Haensel e seu sócio afirmavam que o negociante João Jaeger lhes devia cinco contos, seiscentos
e onze mil, quatrocentos e trinta e cinco réis (rs 5:611$435), sendo três contos de réis
provenientes de uma letra aceita pelo mesmo João Jaeger em 4 de novembro de 1862, e o
restante dizia respeito a mercadorias compradas dos suplicantes para seu negócio, como farinha
de trigo, açúcar, arroz, fumo, café, milho e vinho, adquiridas entre janeiro e julho de 1862. O
referido devedor, porém, havia falecido sem pagar as dívidas, ficando a cargo de sua esposa e
herdeira o fazer.
A ação, aberta pela empresa Haensel, Hasslocher & Cia., requeria que D. Ana Maria
Jaeger, viúva e herdeira de João Jaeger, comparecesse a audiência especial para conciliar-se
com os suplicantes sobre o pagamento da dívida. Não sabemos ao certo o que aconteceu durante
o processo, o fato é que em 18 de abril de 1863, Haensel e seus sócios desistiram da ação
ordinária comercial contra D. Ana Maria Jaeger. Talvez ela não tivesse como pagar o valor
devido, ou tenham realizado algum acordo sem a intervenção da Justiça. 269 O importante a
destacar é que já no início da década de 1860, Frederico Haensel fazia parte de uma empresa
capaz de emprestar 3 contos de réis em “onças de ouro à trinta e dois mil réis cada uma”, além
disso, trabalhava com o abastecimento de comerciantes menores, como João Jaeger, cujas
mercadorias adquiridas eram típicas das vendas das picadas. Dessa forma, podemos o
caracterizar como um comerciante intermediário, que fazia uso de empréstimos e abastecimento
de casas comerciais dos núcleos coloniais. Fica a dúvida sobre como ascendeu nos negócios, se
foi através do trabalho na própria venda, que ainda mantinha em 1867 em Santa Cruz, ou se foi
pela união matrimonial com Ernestina Hasslocher, com cuja família ele se aliou nos negócios.
Como consta em um dos livros de registros estatísticos da Colônia Santa Cruz, datado de
12 de março de 1865, no “Mapa demonstrativo do Expediente da Diretoria da Colônia de Santa
Cruz de 4 de agosto de 1865” com o registro “Ao Negociante Frederico Haensel”, na localidade
de Porto Alegre, o envio de um ofício em idioma nacional, as atividades comerciais de Haensel,
na década de 1860, se deram, sobretudo, em Porto Alegre e Santa Cruz.270 A ocasião do conflito
envolvendo a viúva Osterich por conta das cancelas na estrada que passava na frente de sua
residência enquanto ele era Vice-Cônsul da Prússia, no ano de 1868, demonstrou que Haensel

268
APERS: Processo envolvendo a Empresa Haensel, Hasslocher & Cia. 24 de março de 1863.
269
Ibidem.
270
AHRGS: Documentação da Junta Comercial. Livro C-472.
198

era proprietário de uma venda na linha Santa Cruz, na Colônia de mesmo nome. O pai de
Alberto Bins, prefeito de Porto Alegre entre 1930 e 1937, o alfaiate Matias Joseph Bins,
trabalhou para Frederico Haensel.271
Além de ter constituído a Companhia Fluvial, Frederico Haensel consta como um dos
sócios da Associação Comercial de Porto Alegre, criada em 1858 sob a denominação de Praça
do Comércio. Do total de quase 150 sócios, 37 eram de origem germânica, demonstrando que
o lugar dos alemães no comércio da Província, incluindo importação e exportação, estava se
alargando e ganhando relevância. Além de Frederico Haensel, entre os sócios alemães estavam
Heizen, Ebert, Schilling, Haag, Bier, Daudt, Fraeb, Petersen, Issler, Wallau e, o que aqui nos
interessa, Wilhelm ter Brüggen (AQUINO, 2007).
Em ofício de 22 de janeiro de 1881, à Presidência da Província informando sobre os
preços do carvão no porto de Porto Alegre, Frederico Haensel assinava como Vice-Presidente
da Praça do Comércio de Porto Alegre.272 Porém, poucos dias depois, em 31 de janeiro do
mesmo ano, em ofício enviado à Presidência da Província com os mapas de importação e
exportação de gêneros realizadas em Porto Alegre durante o ano de 1880, ele assinava como
Presidente da Praça do Comércio. Essa situação é semelhante àquela que encontramos relativa
ao Barão von Kahlden, que em um momento assinava como Vice-presidente da Câmara
Municipal de Cachoeira do Sul, e no momento seguinte o fazia como Presidente. Ainda que
Haensel tenha simplesmente tomado o cargo em substituição ao provável real Presidente
daquela Praça, havia chegado a um alto patamar entre os comerciantes da Província. Naquele
mesmo ano ele fora eleito Deputado da Assembleia Provincial do Rio Grande do Sul, portanto,
era o ápice de sua carreira enquanto comerciante e também como político.273
A Navegação Arnt, Companhia fundada por Jacob Arnt, prestou relevantes serviços no
transporte de cargas e passageiros pelo Rio Taquari e aos produtores coloniais. Começou suas
atividades de navegação em 1875, com o vapor Taquary, com o qual conseguiu organizar uma
sociedade de 11 membros e capital de rs 14:000$000. Em 1878 seu capital estava elevado a rs
40:000$00, quando mandou vir da Alemanha o vapor Teutônia 1. Assim, ampliou a navegação
então limitada a viagens de Porto Alegre a Taquari, e vice-versa, para Estrela e Lajeado, além

271
WERLANG, William. A família de Johannes Heinrich Kaspar Gerdau: um estudo de caso sobre a
industrialização no Rio Grande do Sul, Brasil. Agudo: Werlang, 2002, p. 166.
272
AHRGS: Documentação da Junta Comercial. Maço 1. “Diretoria da Praça do Comércio, Porto Alegre, 22 de
junho de 1881. De conformidade com o ofício de V.ª Ex.ª de 20 do corrente, no qual pede informação sobre o
preço do carvão de pedra de São Jerônimo. Declaro a V.ª Ex.ª que os preços do referido carvão são os seguintes
no porto de Porto Alegre tirado de bordo é 15$000, por cada 1000 kilos, tirada do depósito em terra 18$000 no
porto de Rio Grande tirado de bordo 18$000 por cada 1000 kilos, tirado do depósito em terra 22$000. Ao Exmo.
Sr. Francisco de Carvalho Soares Brandão, Presidente da Província. O Vice-Presidente Frederico Haensel”.
273
AHRGS: Documentação da Junta Comercial. Diretoria da Praça do Comércio, 1881.
199

de passar a trabalhar com lanchas, chatas e outras embarcações de pouco calado para enfrentar
a baixa do Rio em tempo de estiagem. Em 1885 comprou o vapor Teutônia 2 e organizou uma
nova sociedade com o nome de Teutônia. Após todo esse desenvolvimento, vendeu sua empresa
de navegação para a Companhia Fluvial por rs 80:000$000, quando Frederico Haensel era
gerente da mesma (RAMBO, 1968). Se na década de 1860 ele fazia empréstimos a 5 contos de
réis, na década de 1880 já trabalhava com um valor 16 vezes maior.
A atividade comercial identificou Frederico Haensel, e por isso o tratamos como “O
Comerciante”. Encontramos no Jornal Correio do Povo, de 29 de agosto de 1909, portanto
quase trinta anos após sua morte, a notícia de que o vapor Frederico Haensel havia conduziu
com destino ao interior do Estado 150 imigrantes, de diversas nacionalidades. Seria uma
homenagem ao destacado comerciante e Deputado imigrante? Não sabemos.
Por sua vez, Wilhelm ter Brüggen também foi negociante em Porto Alegre. Em 1863, ele
abriu uma ação ordinária contra José Gonçalves Bastos, que lhe devia a quantia de um conto,
trezentos e sessenta e dois mil e quinhentos réis (rs 1:362$500). O valor dizia respeito a gêneros
que o referido José Gonçalves Bastos havia comprado de ter Brüggen entre 25 e 30 de julho de
1862, ficando acertado o pagamento no prazo de quatro meses. Caso não houvesse a liquidação
da dívida no tempo estipulado, Bastos teria de pagar juros de ¾ % ao mês sobre o valor devido.
Como o acordo não foi cumprido, e tendo Bastos se recusado a uma conciliação em juízo, ter
Brüggen passou a exigir o pagamento da quantia antes citada, mais os juros acumulados.274
A mercadoria comprada dizia respeito a vinte e cinco sacas de café e cinco barricas de
farinha de trigo. Nas palavras do próprio ter Brüggen, havia entrado com a ação pois José G.
Bastos “não quis lhe pagar a quantia devida por meios amigáveis”. A argumentação do
advogado de ter Brüggen, Felisberto Pereira da Silva, é elucidativa da atuação de negociante
naquele contexto. Ele apontava que o comércio era uma “indústria especial”, distinta de todas
as outras. Entre o agricultor e o consumidor, dizia, havia um intermediário com a tarefa de fazer
chegar ao último os frutos do trabalho do agricultor, era, pois, o comerciante, cuja indústria se
chamava comércio. Residia justamente em sua função de levar ao alcance dos consumidores os
mais variados produtos, seu caráter oficial e particular.

O negociante supre as necessidades (reais ou fictícias) e vai pedir às outras indústrias


meios de satisfazê-las. E quanto mais rápido for o negociante em oferecer os objetos
próprios à satisfação das necessidades, tanto maiores serão os seus lucros. A “rapidez”
é, pois, outro distintivo do comércio.275

274
APERS: Ação Ordinário de Wilhelm ter Brüggen contra José G. Bastos, 25 de setembro de 1863.
275
Ibidem.
200

Dessa forma, por ser especial, o comércio exigia uma legislação diferenciada, e assim
fora feito no Brasil. O advogado, então, faz uso de alguns trechos da legislação comercial,
explicando que por ser um obstáculo ao negociante lavrar procuração em cartório público a
cada negociação, ficava definido que as notas tomadas pelo comerciante teriam a mesma força
e validade como se por um tabelião público tivessem sido escritas. A legislação, portanto,
estabelecia uma exceção à regra, conferindo aos livros dos comerciantes o poder de valer como
prova plena, ainda que nem todas as formas de anotação assim o fossem consideradas. Para
aquele caso em questão, afirmava o advogado, a “conta comercial” referente a José Gonçalves
Bastos provava plenamente a intenção do Autor contra o Réu. O outro argumento do advogado
dizia respeito a relutância do réu em comparecer em juízo, não só naquele no qual se processava
a ação em andamento, como também no juízo de paz, para o qual fora convocado quando ter
Brüggen tentara lhe proporcionar a oportunidade de encerrar a questão sem a necessidade de
entrar na Justiça. Segundo o advogado, o procedimento do réu implicava na confissão dele
perante a dívida que detinha junto ao autor da ação.276 O Juiz, João Pereira Machado, favoreceu
a acusação pelos motivos dados em sua sentença,

Vistos estes autos, condeno o réu José Gonçalves Bastos a pagar ao Autor a quantia
de 1:362.500 constante da conta, pois tendo sido citado por faltar aos termos da
presente seção nada alegou, e nem compareceu em juízo do que foi devidamente
lançado, e pague igualmente as contas em que o condeno.277

O próprio Bastos, por não tentar se defender, ou não ter condições para tanto, acabou
obrigado a cumprir com a obrigação de pagar ter Brüggen. Essa situação demonstra que, assim
como Frederico Haensel, o Cônsul Wilhelm ter Brüggen também já era forte negociante no
início da década de 1860, com condições de adiantar mercadorias a valores acima de um conto
de réis. Fazia o papel de intermediário, como muito bem elucidou o advogado Silva, e isso lhe
dava grande poder de barganha sobre seus clientes, uma vez que dependiam das transações
comerciais que ele fazia. O comércio, portanto, foi o espaço inicial de atuação de Haensel e ter
Brüggen, e já se envolviam em questões políticas desde o começo de suas trajetórias no Rio
Grande do Sul, ao mostrarem condições de terem sob sua dependência outros comerciantes,
que quando não cumpriam com os acordos firmados, eram levados à justiça. O fato mesmo
deles terem condições de bancarem um advogado e cumprir com os gastos de um processo

276
APERS: Ação Ordinário de Wilhelm ter Brüggen contra José G. Bastos, 25 de setembro de 1863.
277
Ibidem.
201

judicial já demonstra que contavam com distinção social atrelada à ocupação econômica na
qual atuavam.
No livro de Protocolo das marcas de fábricas e comerciantes, apresentadas a registro, de
1880, consta sob o registro, nº15 (17/11/1880):

ter Brüggen Müller Breyer Delagrauge Teltcher sócios na empresa Tipográfica


estabelecida nesta Capital, apresentaram para o registro às 9 horas e 40 minutos do
dia 17 “as palavras Deutsche Zeitung Porto Alegre” que constitui o título ou
denominação em que assinalam o jornal que se publica nesta cidade duas vezes por
semana bem como os demais trabalhos da mesma empresa. 278

A empresa tipográfica de ter Brüggen, relacionada ao Deutesche Zeitung, foi de grande


expressão em Porto Alegre. Na década de 1880, a empresa ter Brüggen e Cia., fez vários
anúncios no Jornal Deutsche Zeitung, sobretudo após a saída de Karl von Koseritz com a briga
que ocorreu entre ele e ter Brüggen a partir da exposição brasileiro-alemã de 1881.279 Nos
anúncios do Deutsche Zeitung, a ter Brüggen e Cia. vendia remédios, livros didáticos, romances
como “Os milionários do Brasil, ou escravos alemães sob os trópicos”, patrocinava palestras,
como “Luz e Vida – três apresentações científicas para compreender as contribuições da teoria
da ordem natural”; entre vários outros tipos de serviços e produtos. Ele fez uso do Jornal do
qual era sócio para levar aos leitores os resultados de sua empresa. 280 Assim como Haensel, é
lícito afirmar, ele ascendeu socialmente a partir do comércio, sobretudo graças ao enlace com
Hedwig Klingelhoeffer, de família ligada às atividades comerciais.

278
AHRGS: Documentação da Junta Comercial. Maço 1.Junta Comercial de Porto Alegre, 11 de agosto de 1880.
279
José Fernando Carneiro (1953, p.38-42) relata a crise: “[...] durante os preparativos da exposição, Koseritz se
desentendeu com ter Brüggen, presidente do conselho diretor do Deutsche Zeitung, resultando seu afastamento do
jornal, do qual Koseritz fora redator-chefe por 17 anos. Em seguida funda o Koseritz Deutsche Zeitung (editado a
partir de 1.1.1882). É substituído no Deutsche Zeitung por Von Iherin, que não ataca Koseritz e por isso mesmo
foi logo substituído pelo próprio ter Brüggen, que passa a fazê-lo. O novo jornal, impresso na editora de Adolf
Heinrich Gundalch, logo suplantou o Deutsche Zeitung em influência e círculo de leitores. Koseritz já vinha
editando Die Ausstellung, revista de propaganda da exposição que iniciaria em fins de 1881. Ele já organizara
exposições em 1860 e 1875, mas esta era a primeira internacional, melhor dizendo, binacional do Império. O
Mercantil criticou a exposição, Koseritz era acusado de só querer ganhar dinheiro. Criticava-se até o local, a
chácara de seu amigo Carlos Trein. Koseritz teve que enfrentar a má vontade do Cônsul alemão e dos comerciantes
alemães de Porto Alegre: o comércio importador reclamava contra os preços dos artigos da exposição, sobretudo
porque não queria que o público viesse a ser informado sobre o custo real dos produtos importados. Algumas casas
importadoras que a princípio fizeram parte da comissão diretora, retiraram depois o seu apoio. Não viam com bons
olhos aquela aproximação entre consumidores locais e produtores além-mar. A exposição termina em grande
confusão: algumas deliberações do júri causaram irritação e vários alemães, em sinal de protesto, devolveram os
prêmios recebidos. Tudo culminou com um incidente entre populares e alguns responsáveis pela exposição, daí
resultando em sério conflito e logo a seguir o incêndio dos pavilhões a 23 de fevereiro. A exposição serviu apenas
para acirrar os antagonismos entre teutos e brasileiros e entre os aliados de Koseritz e os aliados do Deutsche
Zeitung juntamente com o cônsul alemão, que aliás fez de tudo para frustrar a candidatura de Koseritz à Assembléia
[sic]”.
280
BM/PUCRS: Deutsche Zeitung. Década de 1880.
202

Por fim, vamos nos deter ao Barão von Kahlden, cujas atividades na Diretoria da Colônia
Santo Ângelo e região enquanto Agrimensor, permitiram que tivesse conhecimento privilegiado
sobre as terras devolutas e de particulares. Segundo Alejandro J. F. Gimeno (2014), havia em
Cachoeira do Sul uma rede de comércio de terras facilitada pelo Tabelião de Cachoeira, na qual
Kahlden estava envolvido. Compradas a preços menores, eram vendidas para a colonização ou
outros interessados a preços maiores, beneficiando os envolvidos. É possível indicar a presença
de Kahlden nessa questão a partir de um trecho das pesquisas de Werlang (2002, p. 178) sobre
João Gerdau;

O governo provincial financiou o desenvolvimento e a administração da Colônia


Santo Ângelo, entre 1857 e 1882. Durante o período da autonomia da colônia, não
existiram empresas imobiliárias particulares. O Barão von Kahlden, além de diretor
da colônia, era delegado e tinha como norma não permitir que forasteiros invadissem
as áreas devolutas da região colonial. Apenas alguns proprietários locais puderam
vender lotes de terra para os imigrantes. Não é de se admirar que a Sociedade
Imobiliária de João Gerdau tenha surgido justamente em 1883, logo após a liquidação
oficial da autonomia da Colônia Santo Ângelo.

O Barão, pode-se aferir, detinha o monopólio da distribuição das terras na região colonial
e, pensa-se, tirou proveito disso aliando-se ao Tabelião de Cachoeira. Ele fazia transações
comerciais ligadas à propriedade da terra, atuando como especulador imobiliário. De acordo
com Gimeno (2014), ele comprava e vendia terras de posseiros e proprietários, ora sozinho, ora
como sócio de membros da elite cachoeirense do período, por exemplo, o Tabelião da cidade e
comerciantes locais. As atividades ligadas à terra renderam considerável valor monetário ao
Barão von Kahlden. Além dos negócios acima descritos, ele também teve destacada atuação
como agrimensor e teve participação em sociedades loteadoras, como a “von Kahlden e
Müller”, empresa colonizadora da região de Cerro Branco, fundada em 1875 (WERLANG,
1995). O governo provincial pagou a Kahlden cerca de 5% sobre o valor arrecadado em cada
lote colonial medido e vendido na Colônia Santo Ângelo (WERLANG, 2002). Em ofício de 08
de agosto de 1881, Kahlden afirmou281 receber 45 réis por metro linear medido e vendido.
Entre as terras que demarcou na região onde em breve seria instalada a Colônia Silveira
Martins, em 1880, o Barão von Kahlden procurou anexar algumas delas à Colônia Santo
Ângelo, talvez interessado em obter benefícios com a venda das mesmas a partir do esquema
de especulação.282 O Governo Imperial, porém, revogou os atos de Kahlden, “Por decreto

281
AHRGS: Colonização, Lata 296, Maço 66.
282
Exemplo do envolvimento de Kahlden em transações envolvendo a terra como mercadoria, está uma área a ele
pertencente localizada na região da Quarta Colônia de Imigração Italiana onde atualmente encontram-se os
municípios de Silveira Martins, Nova Palma, São João do Polêsine e Dona Francisca. Centro Genealógico de Nova
Palma, Mapa dos lotes coloniais próximos ao rio Soturno.
203

número 10, de 23/02/1884 foi declarado sem ofício o ato nº 101, de 24/06/1880, que encampou
à Colônia Santo Ângelo, as terras nacionais da margem direita do Jacuí e esquerda do Soturno”
(WERLANG, 2002, p. 47). Esse caso rendeu por parte de Kahlden uma correspondência ao
Presidente da Província, em 20 de julho de 1880, explicando a situação das terras próximas à
Colônia Santo Ângelo. Como ele afirma, o Governo Imperial, por aviso do Ministério da
Agricultura, Comércio e Obras públicas datado de 27 de outubro de 1876, havia concedido a
Província do Rio Grande do Sul, para fins de colonização, uma área superficial de trinta e duas
léguas quadradas de terras devolutas, em cuja distribuição ficara determinado pelo Governo
Provincial que fossem anexadas a Colônia Santo Ângelo todas as terras disponíveis a ela
próximas. A dita situação havia lhe sido comunicada em ofício de 1º de março de 1877.
Portanto, ele entendera que daquela data em diante deveriam fazer parte do território da Colônia
Santo Ângelo todas as terras pertencentes ao Estado no sertão de mato virgem existente entre a
margem direita do rio Jacuí e a esquerda do seu tributário, o arroio Soturno.283
Todavia, representantes do Governo Geral na comissão encarregada da discriminação das
terras nacionais naquela área e da fundação da Colônia Silveira Martins, não entenderam da
mesma forma. No ano de 1878 fizeram medições de caráter preliminar nas proximidades de
Santo Ângelo sem, contudo, tentarem povoar com colonos as mesmas terras. Depois disso,
vários indivíduos apareceram naquela região, escolhendo a esmo os melhores sítios e
explorando a mata para comercializar madeiras. O Barão tirou satisfação com alguns daqueles
indivíduos. Parte deles declarara abertamente serem intrusos, enquanto o restante afirmava ter
concessão oficial da Diretoria da Colônia Silveira Martins, o que ele duvidava. Tendo essa
situação em conta, Kahlden pediu ao Presidente da Província,

[...] que, em lugar de permanecerem as terras devolutas existentes entre a margem


direita do rio Jacuí e a esquerda do arroio Soturno incultas e sujeitas a continuação da
deterioração que ora sofrem, melhor seria reivindicá-las a Província como sendo suas,
anexando-as ato contínuo a sua colônia de Santo Ângelo para o fim de serem entregues
a maior conveniente aplicação, isto é, a sua regular exploração por meio da
agricultura, quer seja esta ali implantada pelos nacionais no lugar já existentes e que
a ela tenham tendência de se dedicar, legalizando neste caso a aquisição das terras que
indevidamente ocupam, quer pelos braços dos colonos que em nosso País com o seu
trabalho nova e futurosa existência vem procurar.284

Outra atividade na qual o Barão esteve envolvido foi a venda de escravos,285 possuindo
alguns para si. Há registros de compra e venda de escravos que mostram algumas

283
AHRGS: Colonização, Colônia Santo Ângelo; Caixa 11, Maço 22.
284
Ibidem.
285
Consta nos documentos da escravidão que, também, Frederico Haensel possuía escravos, pelo menos uma, que
vendeu em 29 de setembro de 1862, por rs 1:100$000, a Rita de Cássia Bernardes. Seu nome era Joana, solteira,
204

movimentações do Barão von Kahlden. Em 1865 ele comprou, por 1:200$000, Eva, de 16 anos;
em 1867, por 900$000, Manoel, de 27 anos; em 1875, por 1:200$000, Rafael, de 21 anos; em
1876, por 700$000, Maria, de 16 anos e, em 1877, por 880$000, Eva, de 35 anos. Eram, em sua
maioria, escravos de serviços domésticos. Em 1875, o Barão vendeu, por 1:000$000, a escrava
Maria Sofia, de 21 anos, acompanhada de dois filhos livres de nomes Amancio, com 2 anos, e
286
Julia, de 8 meses. Com a aproximação da República e a intensificação do movimento
abolicionista, na década de 1880 o Barão passou a conceder a liberdade para alguns de seus
escravos. Há o registro de cinco cartas287 concedidas na data de 29 de agosto de 1884. O Barão
von Kahlden foi, pois, dono de vários escravos domésticos. Não sabemos se ele possuiu
escravos de outras categorias, mas por ser dono de extensas áreas de terras é lícito pensar que,
além de vender parte delas, também as utilizasse para produzir, portanto, frente a essa última
possibilidade poderia fazer o uso de mão-de-obra cativa.

2.2.9 A Atuação de Kahlden, Haensel, ter Brüggen e Koseritz na Assembleia Provincial

A trajetória de participação política dos personagens aqui investigados chegou ao seu


ponto máximo na década de 1880, quando fizeram parte do grupo de cinco Deputados
Provinciais de origem germânica eleitos para a Assembleia Provincial do Rio Grande do Sul, e
uma vez lá, trataram variados temas, projetos e propostas, ficando o registro dessa passagem
nos Anais da Assembleia Legislativa do Rio Grande do Sul, que se encontram preservados no
Memorial da Assembleia Legislativa do Rio Grande do Sul. Frederico Bartholomay288 completa

com cerca de 30 anos, trabalhava nos serviços domésticos. RIO GRANDE DO SUL, Secretaria da Administração
e dos Recursos Humanos e Departamento de Arquivo Público. Documentos da escravidão: catálogo seletivo de
cartas de liberdade acervo dos tabelionatos do interior do Rio Grande do Sul. Porto Alegre: CORAG, 2006. p. 108.
286
RIO GRANDE DO SUL, Secretaria da Administração e dos Recursos Humanos e Departamento de Arquivo
Público. Documentos da escravidão: catálogo seletivo de cartas de liberdade acervo dos tabelionatos do interior
do Rio Grande do Sul. Porto Alegre: CORAG, 2006. p. 147, 162 e 216.
287
Para Manoel, de 46 anos, impôs a condição de servi-lo, ou a quem lhe conviesse, pelo prazo de dois anos
contados a partir do registro da carta de liberdade ou o pagamento de 400$; para Maria, de 20 anos, impôs a
condição de servi-lo ou a quem lhe conviesse, pelo prazo de 4 anos contados a partir do registro da carta de
liberdade ou o pagamento de 600$, tendo esta dois filhos, Álvaro de 5 anos e Antonia; para Delfina, de 29 anos,
impôs a condição de servi-lo, ou a quem lhe conviesse, pelo prazo de dois anos contados a partir do registro da
carta de liberdade ou o pagamento de 400$; para Eva, de 42 anos, impôs a condição de servi-lo ou a quem lhe
conviesse pelo prazo de 2 anos contados a partir do registro da carta de liberdade ou o pagamento de 500$; para
Rafael, de 30 anos, impôs a condição de servi-lo, ou a quem lhe conviesse, pelo prazo de três anos contados a
partir do registro da carta de liberdade ou o pagamento de 500$. Por sua vez, há o registro da carta de liberdade da
escrava Rosa, de 1879, recompensada com a liberdade por conta dos bons serviços por ela prestados. Documentos
da Escravidão. RIO GRANDE DO SUL, Secretaria da Administração e dos Recursos Humanos e Departamento
de Arquivo Público. Documentos da escravidão: catálogo seletivo de cartas de liberdade acervo dos tabelionatos
do interior do Rio Grande do Sul. Porto Alegre: CORAG, 2006.
288
Frederico Guilherme Bartholomay é considerado por Noronha (2012) um “burguês imigrante” que, na condição
de classe média na Europa, migrou para o Rio Grande do Sul e atuou como elite local até seu falecimento. Ele
nasceu em 06 de junho de 1839 na região de Barmen, Alemanha, e faleceu em 09 de junho de 1888 na Vila de
205

o dito grupo, junto de Karl von Kahlden, Frederico Haensel, Karl von Koseritz e Wilhelm ter
Brüggen, mas não nos detemos nele pelo fato de não ter feito parte da Legião Alemã dos
Brummer.
A atuação parlamentar de maior destaque ficou a cargo de Karl von Koseritz, enquanto a
de menor expressão ficou a cargo do Barão von Kahlden. Em suas próprias palavras289, na
sessão de 3 de abril de 1889, ele salientou,

Sr. presidente, não é sem me sentir sob a impressão de um acanhamento assaz visível,
mas por certo desculpável, que eu hoje vou pela primeira vez usar da palavra nesta
casa. Novato em lides parlamentares, não suficientemente versado na língua
vernácula, e ainda baldo de recursos oratórios [...], sou carecedor, sou altamente
carecedor de muita indulgência, e esta, Sr. presidente, eu a solicito a V. Ex. e de todos
os meus nobres colegas e contando com ela é que me acho na tribuna. Em
agradecimento prometo ser lacônico, o que aliás é de minha índole, quando trato de
negócios sérios, para, servindo-me de uma frase proferida no Senado por ilustre
militar, nosso comprovinciano, não fazer passar esta casa pelo enfado de ter que
escutar-me durante muito tempo.290

O Barão von Kahlden, em seu primeiro pronunciamento na tribuna da Assembleia


Provincial, avisava aos colegas deputados sobre sua inexperiência legislativa, a falta de domínio
da língua portuguesa e a pouca desenvoltura com a prática da oratória, talvez já justificando sua
reduzida participação nos debates e os raros pronunciamentos, o que marcaria sua curta
trajetória no parlamento rio-grandense. Essa postura, de certa forma, voltou a discussão na
sessão de 11 de julho de 1889, quando o Barão von Kahlden propôs emenda a um projeto de

Santa Cruz. O pai dele era comerciante, protestante e ligado aos maçons. Na infância e adolescência, participou
ativamente dos negócios da família que custearam suas despesas com educação. Ingressou na Escola de
Engenharia, concluindo o curso em 1858. Em correspondências trocadas com amigos da maçonaria em São
Leopoldo, antes de migrar para o Brasil, ele revela apreensão com o processo de militarização da Prússia, engajada
na unificação do Estado alemão, sob a liderança do chanceler Otto Von Bismarck. A formação dele em Engenharia,
combinada com sua pouca idade, praticamente tornava compulsório seu alistamento no Exército. Em 1859, partiu
para o Rio Grande do Sul e se estabeleceu na Colônia de Nova Petrópolis, região do Vale do Rio dos Sinos. Como
possuía elevado capital escolar e com sua rápida adaptação ao idioma português, foi nomeado para o cargo de
vice-diretor da dita Colônia. Logo chegou ao posto de Diretor, cargo público que ocupou até 1869. Nesse ano,
recebeu o convite do governo provincial para administrar a recém-formada Colônia de São João de Santa Cruz,
que era parte do Município de Rio Pardo. Frederico atuou como um dos principais empresários e investidores de
Santa Cruz. De acordo com a historiografia local, ele foi um dos poucos imigrantes que possuía formação
universitária na área de Engenharia e, assim, consolidou sua posição na burocracia pública regional. Enquanto
esteve na colônia de Nova Petrópolis, realizou curso de formação na oficialidade da Guarda Nacional, chegando
ao posto de major; além disso, estreitou os laços com integrantes do Partido Liberal e era amigo de Gaspar Silveira
Martins. O governo provincial era liderado pelo Partido Liberal, fato que contribuiu para sua atuação no cenário
local e facilitou as trocas de favores com o poder público da província (NORONHA, 2012).
289
Optamos por transcrever todas as fontes documentais citadas neste trabalho utilizando a atual gramática
portuguesa.
290
Memorial da Assembleia Legislativa do Rio Grande do Sul (MALRGS): Anais da Assembleia Legislativa do
Rio Grande do Sul, 24ª Legislatura, 1889, p. 141.
206

lei criando na Vila de São Martinho mais uma escrivania291 de órfãos, o que gerou
descontentamento por parte de seu colega, o deputado José Bernardino da C. Bittencourt.
Essa situação ofereceu um dos poucos pronunciamentos do Barão, no qual se defendeu
da insinuação de que teria trazido a dita emenda com fins partidários. O argumento dele foi de
que obedecia apenas aos pedidos dos moradores da localidade a ser agraciada com a escrivania,
tanto dos liberais quanto dos conservadores. Afirma ter o Sr. Bittencourt prestado pouca atenção
aos trabalhos da reunião legislativa passada, na qual a Assembleia já havia criado a tal
escrivania de forma a ser anexa ao cartório cível, o que posteriormente não foi reconhecido
como possível, pois a nomeação de um funcionário seria da alçada do Executivo, portanto, a
saída encontrada pelo Barão fora a apresentação de emenda pedindo a criação de nova
escrivania. Como naquela ocasião o Sr. Bittencourt não se opusera, lhe pareceu visível que o
mesmo não havia prestado atenção aos trabalhos da sessão passada. É, então, que o Barão von
Kahlden usa do discurso de sua pouca experiência nos trabalhos legislativos,

Não admira que o nobre deputado, parlamentar velho, prestigiado pelo talento e
erudição, recuse receber lições do marinheiro novo que sem a menor recomendação
intelectual [...] pela primeira vez atravessa o oceano revolto e sempre perigoso do
parlamentarismo; mas S. Ex. há de permitir também que eu tenha ao menos a liberdade
de escolher os meus mestres. Como dizia, o Sr. presidente, não posso deixar de
estranhar o modo desabrido do nobre deputado, quando nos empresta intenções que
por certo não assentam em cavalheiros que se prezam de ser dignos representantes de
nossos concidadãos.292

O Barão von Kahlden faz questão de frisar, nesses dois momentos de sua atuação na
Assembleia Provincial, a ideia de que era um “marinheiro de primeira viagem”, entretanto, essa
condição vai de encontro a experiência legislativa dele como Vereador da cidade de Cachoeira
do Sul, entre os anos de 1883 e 1886.293 De fato, a Assembleia Provincial era um espaço
diferenciado, mesmo assim, não é provável que o Barão fosse tão inexperiente nos
procedimentos parlamentares como faz questão de expressar. Ainda, os argumentos de possuir
pouca prática oratória e apresentar insuficiência no uso da língua vernácula podem ser
relativizados, uma vez que se considere o tempo no qual ele atuou como Vereador, e todo o
tempo em que esteve à frente da administração da Colônia Santo Ângelo, entre 1857 e 1882,294
produzindo ofícios e requerimentos em português.

291
Diz respeito ao trabalho de escrivão, bem como ao local destinado ao trabalho de escrivão.
292
MALRGS: Anais da Assembleia Legislativa do Rio Grande do Sul, 24ª Legislatura, 1889, Discursos, p. 15.
293
AHMCS: Listagem dos Vereadores eleitos em Cachoeira do Sul. Impresso, s/d.
294
WERLANG, W. História da Colônia Santo Ângelo. Santa Maria: Palloti, 1995.
207

A legislatura na qual atuou o Barão von Kahlden foi a de 1889, interrompida naquele
mesmo ano com o golpe que levou à Promulgação da República no Brasil e a consequente
dissolução da Assembleia Legislativa. Representante do Partido Liberal, ele foi eleito no pleito
de 1888, o terceiro mais votado pelo sexto distrito eleitoral da época (ver figura 11, p. 211),
com 1.329 votos, cabendo o primeiro lugar a Gaspar Silveira Martins, com 1.359 votos.295 Visto
que naquele ano a região antes pertencente a Colônia Santo Ângelo contava com cerca de 400
votantes, é lícito aferir que Kahlden contou muito mais com os votos de outras localidades para
conseguir sua cadeira na Assembleia Legislativa.296
No que diz respeito a atuação de Kahlden na Assembleia, Ana Elisete Motter (1998),
Historiadora Docente na Universidade Federal do Tocantins, identificou que ele não foi eleito
para participar de nenhuma comissão permanente, e seus projetos voltados a defesa das
reivindicações da região colonial versavam, sobretudo, sobre propostas de construções de
pontes e estradas, pedidos de loterias e construções de igrejas nas zonas pertencentes ao 6º
círculo eleitoral, além disso, foi coautor de projetos com outros deputados, como Joaquim
Pedro, que propunham melhorias em estradas e pontes nas zonas do citado círculo eleitoral.
Entre os projetos de autoria de von Kahlden direcionados às regiões coloniais destaca-se a
reconstrução da ponte sobre o Arroio da Porta entre Cachoeira do Sul e Santo Ângelo, e o
pedido de loteria para a continuação das obras da igreja de Nossa Senhora da Piedade da Vila
Rica. Entre os projetos em coautoria com Joaquim Pedro, destacaram-se a abertura de uma
picada para o trânsito de veículos em Formigueiro e melhorias nas picadas do Passo Verde.

295
Além de Kahlden, foram eleitos naquele pleito os seguintes Deputados: 1º Círculo Eleitoral – Conselheiro
Antônio Eleutério de Camargo; Coronel Joaquim Pedro Salgado; Comendador Carlos von Koseritz; Comendador
Frederico Haensel; Capitão José Manoel da Silva Só; Dr. Israel Rodrigues Barcelos / 2º Círculo Eleitoral – Major
Antônio Ferreira Prestes Guimarães; Major Luiz Henrique Moura de Azevedo; Capitão Diniz Dias Filho; Capitão
Bento Soares de Oliveira; Capitão José Gabriel da Silva Lima; Cândido Alves Machado / 3º Círculo Eleitoral –
Tenente-coronel Joaquim Antônio Vasques; Albino Pereira Pinto; Major Alfredo Pinheiro Machado; Capitão
Orlando Carneiro da Fontoura; 1º Tenente Joaquim Pinto Dias; Dr. Antônio Rodrigues Autran / 4º Círculo Eleitoral
– Coronel Luiz Alves Pereira; Dr. Francisco Carlos de Araújo Brusque; Capitão Manoel Cássio Jacinto da Silveira;
Tenente-coronel Antônio Antunes da Porciuncula Costa / 5º Círculo Eleitoral – Conselheiro José Francisco Diana;
Dr. Severino de Freitas Prestes; Capitão Pedro Pereira Maciel; Capitão Pedro Batista Correa da Câmara; Capitão
Joaquim Gonçalves da Silva; Comendador Tomaz de Melo Guimarães / 6º Círculo – Conselheiro Gaspar Silveira
Martins; Dr. Joaquim Pedro Soares; Dr. Manoel de Campos Cartier; Dr. José Bernardino da Cunha Bittencourt;
General Albino José Pereira. MALRGS: Anais da Assembleia Legislativa do Rio Grande do Sul, 24ª Legislatura,
1889.
296
Então, ele vivia em Cachoeira do Sul, por isso, antes de ser empossado, faltou a várias sessões, comparecendo
pela primeira vez em 16 de março de 1889, ocasião na qual fez seu juramento “Achando-se na antessala os Srs.
Capitão José Gabriel da Silva Lima e Barão de Kahlden, deputados eleitos pelo Segundo e Sexto Distritos e são
recebidos no recinto com as formalidades do estilo, prestam juramento e tomam assento”. Centro Genealógico de
Nova Palma: Encarte Die Kolonie St. Angelo Zeitung do Jornal “Gazeta do Jacuí”, Junho – Setembro 1995, p. 7-
8.
208

Figura 11 – Distritos Eleitorais do Rio Grande do Sul em 1872

Fonte: NOLL, Maria Izabel; TRINDADE, Hélgio. Estatísticas Eleitorais do Rio Grande da América do Sul
1823/2002. Porto Alegre: Editora da UFRGS/Assembleia Legislativa do Estado do Rio Grande do Sul, 2004, p.
43.

O Deputado Provincial Frederico Haensel, assim como Koseritz, destacou-se em sua


atuação parlamentar pela defesa das reivindicações das regiões coloniais. Junto de Frederico
Bartholomay, inaugurou a presença de elementos de origem germânica na Assembleia
Legislativa na legislatura de 1881 a 1882.297 Em sua primeira fala, na sessão de 28 de abril de
1881, ele comenta essa novidade:

Sr. presidente, é esta a primeira vez que tomo a palavra nesta casa, e antes de tudo,
cumpre-me agradecer ao partido liberal, que nos deu, ao meu ilustre amigo Sr.
Bartholomay e a mim, os lugares que ocupamos, e agradecer à casa a benévola
recepção com que nos honrou. A nossa presença neste recinto é uma inovação devida,
sem dúvida, aos princípios de justiça que regem o partido liberal. Somos cidadãos
naturalizados, somos cidadãos brasileiros, porém, antes de tudo, somos rio-
grandenses, e nessa qualidade, a que tenho direito pelos longos anos que vivo nesta
Província, dei a minha assinatura ao projeto em discussão (...)”.298

A fala de Haensel revela apreço pelos anos vividos no Rio Grande do Sul, onde construiu
sua vida e, como destacou, fundou raízes identitárias. Ao mesmo tempo, ele parece revelar a
implícita consideração de que sua origem germânica poderia significar algum tipo de
inferioridade frente aos colegas parlamentares nacionais. A citada justiça do Partido Liberal diz
respeito, possivelmente, ao papel destacado de Gaspar Silveira Martins na defesa da ampliação
dos direitos civis dos estrangeiros no Brasil, que culminou na aprovação da Lei Saraiva de 1881.

297
MALRGS: Listagem em meio digital das Legislaturas da Assembleia Provincial do Rio Grande do Sul.
298
MALRGS: Anais da Assembleia Legislativa do Rio Grande do Sul, 20ª Legislatura, 1881, p. 145.
209

A postura de Haensel procura igualá-lo aos demais parlamentares, afinal, ali ele era um
representante rio-grandense como os demais. Fica nítida a diferença de postura dele em relação
ao Barão von Kahlden, mais defensivo e indisposto a defender sua condição de igualdade aos
colegas legisladores.
A atuação de Haensel na Assembleia Legislativa perdurou ao longo de cinco legislaturas:
1881-1882, 1883-1884, 1885-1886, 1887-1888 e 1889.299 Representante do Partido Liberal, de
acordo com Motter (1998), Haensel foi eleito nos três primeiros mandatos representando o
distrito eleitoral de Santa Cruz, e nos dois últimos mandatos, representando o distrito de Porto
Alegre. Apesar do longo tempo na Assembleia Provincial, diz Motter (1998), Frederico Haensel
emitiu poucos pronunciamentos, estando sua atuação como representante dos interesses da
região colonial expressa na participação em comissões permanentes e no envio de projetos,
dentre os quais destacaram-se a criação de escolas, a construção de estradas e os que propunham
reformas no sistema tributário provincial com o objetivo de beneficiar a agricultura da
Província.
O único deputado teuto-brasileiro pertencente ao Partido Conservador, eleito para atuar
no legislativo rio-grandense no período Imperial, foi Wilhelm ter Brüggen. Como afirma Motter
(1998), ele teve uma atuação política mais favorável aos comerciantes estabelecidos na capital,
que compunham o seu reduto eleitoral, do que aos segmentos sociais da região colonial. Em
sessão parlamentar de novembro de 1887, ele e Koseritz discutiram a respeito do perdão da
dívida territorial do colono Guilherme Friederich. Aliás, esses dois Deputados possuem um
histórico de desentendimentos e opiniões contrárias. O projeto de perdão de dívida foi
apresentado por Koseritz, alegando que o dito colono estava mendigando esmolas em Porto
Alegre para pagar sua dívida com o governo provincial. Em outra oportunidade já haviam
tratado daquele assunto, e todos os deputados conheciam Guilherme Friederich, pois o mesmo
já estivera várias vezes nas portas da Assembleia. O projeto havia passado em última discussão,
mas negado pelo Sr. Desembargador Lucena sob o argumento de não caber à Assembleia o
perdão da dívida colonial de Friederich. Argumentava Koseritz,

Mas isto não é uma mercê, é um ato de justiça e um relevamento de pagamento. Se


podemos dar gratuitamente as terras da Província, podemos também, com melhor
razão, perdoar uma dívida territorial em tais circunstâncias. (...) Vendo o mísero
colono de que se trata mendigando de novo nas ruas desta cidade, afim de reunir
alguns recursos para pagar sua dívida territorial, sem que o consiga por estar
impossibilitado de trabalhar no mato, e carregado de filhos ainda pequenos, que não
podem ajudá-lo, tomei a deliberação de apresentar novo projeto, que suponho será
aprovado por esta casa e sancionado pela Presidência da Província, visto como já

299
MALRGS: Listagem em meio digital das Legislaturas da Assembleia Provincial do Rio Grande do Sul.
210

passou essa época de lutas em que muitas vezes sistematicamente, foi negada a sanção
a nossas leis.300

Frente ao exposto por Koseritz, ter Brüggen não pareceu totalmente convencido da
vitimização dada ao colono Guilherme Friederich. Em seu voto ao projeto, declarou a
obrigatoriedade do colono morar em seu lote colonial, pois receava que com o perdão da dívida
Friederich vendesse suas terras. Koseritz afirmou estar a família do citado morando na colônia.
ter Brüggen retrucou reforçando o argumento de que sendo o colono chefe de família e estando
“acostumado” a vida ambulante da cidade vendendo bilhetes de loteria, conseguindo o perdão
da dívida, poderia querer vender sua colônia, nesse sentido, realizou emenda ao projeto
tornando caduco o perdão da dívida no caso da venda das terras de Friederich. Por fim, ele
esclarece seu ponto de vista,

Penso que fui mal compreendido. Desejo de todo o coração que este colono seja
relevado de sua dívida, mas quero acautelar o futuro de sua família, determinando que
ele não poderá vender a colônia. Quero também evitar que se estabeleça um mau
precedente, pois que podem, com este exemplo, aparecer muitos colonos pedindo
neste sentido. Assim, pois, eu desejava acrescentar duas palavras a este projeto, no
sentido de não poder o colono de que se trata vender este lote colonial, mas o Sr. 1º
secretário acaba de me dizer particularmente que isto não é possível. [...] - Acrescenta
a seguinte subemenda: A cláusula de não poder vender a colônia deve ser estabelecida
durante a vida do mesmo colono.301

O projeto acima citado revela a propensão de Koseritz em proteger com afinco os


interesses dos colonos teuto-brasileiros, enquanto ter Brüggen se mostrava mais reticente. De
acordo com Motter (1998), ter Brüggen concorreu ao pleito de dezembro de 1886, pelo distrito
eleitoral de Porto Alegre, sendo eleito para a legislatura de 1887 a 1888. A atuação dele esteve
voltada mais aos interesses de segmentos sociais urbanos e enriquecidos, como pode ser
exemplificado em sua postura frente a proposta da Comissão de Orçamento das Câmaras para
o ano de 1888, quando se mostrou contrário à proposta de aumento de impostos cobrados pelas
municipalidades sobre as casas bancárias. Para ele, uma casa bancaria era uma casa de comércio
como as demais. Outro exemplo dessa postura, é encontrado em um projeto da Comissão de
Comércio do ano de 1887, da qual ele fazia parte, segundo o qual os produtos das fábricas que
tivessem um capital de 100 contos de réis ou mais ficariam isentos do pagamento de impostos
de exportação para a Província. Contrariado, Koseritz argumentou que tal projeto constituía um
atentado contra a pequena indústria, pois a concessão de isenção de impostos aos produtos de

300
MALRGS: Anais da Assembleia Legislativa do Rio Grande do Sul, 23ª Legislatura, 1887, p. 59.
301
MALRGS: Anais da Assembleia Legislativa do Rio Grande do Sul, 23ª Legislatura, 1887, p. 60.
211

estabelecimentos fabris com tamanho capital prejudicaria as fábricas de pequeno porte que
viveriam uma situação de competição desigual no mercado.
Apenas de forma excepcional ter Brüggen enviou projetos ou fez pronunciamentos em
defesa dos colonos e pequenos proprietários. Segundo Motter (1998), uma das exceções foi a
apresentação feita por ele à Assembleia de uma representação de colonos de Estrela pedindo a
construção de uma ponte. O fato de colonos terem procurado ter Brüggen para fazer um pedido
para a sua comunidade indica que alguns segmentos da população da região colonial o tinham
como representante de seus interesses, possivelmente decorrente do período dele como Cônsul
da Prússia em Porto Alegre.
Karl von Koseritz, sem dúvida, o Deputado que mais se destacou como representante
político da região colonial da Província. O trecho abaixo, da sessão de 11 de novembro de 1885,
demonstra isso.

[...] Sr. presidente, ninguém desconhecerá por certo as enormes vantagens que a
riqueza pública e ao progresso da Província tem resultado da colonização. É inútil
repetir o que está na consciência de todos; [...] não há dinheiro tão bem empregado,
como seja na colonização; bem vê V. Ex. que não há serviço prestado a esta terra que
equivalha ao rude trabalho do lavrador, que cavar o solo. É ele que enche de ouro o
erário público, é ele que fornece os alimentos a todos, é ele ainda, [...] quem levanta
o nosso comércio e dá-lhe vida e existência! [...]. É por isso que nunca me acanharei
a pedir do alto dessa tribuna estradas e escolas para as colônias [...].302

Destacado jornalista, Koseritz foi eleito pelo Partido Liberal para as quatro últimas
legislaturas provinciais da época imperial como representante do quarto distrito303 do 1o círculo
eleitoral.304 Como salienta Motter (1998), Koseritz emitiu inúmeros pronunciamentos, nos
quais expôs ao legislativo rio-grandense a situação das colônias germânicas e seus habitantes,
e foi autor de incontáveis projetos que objetivavam beneficiar a região colonial, assim assumiu
o papel de grande representante do mundo colonial na Assembleia Provincial. Várias foram as
bandeiras defendidas por Koseritz na Assembleia Provincial, e não nos propomos enumerar
todas, ainda assim, algumas merecem citação. Importante em sua trajetória foi a postura liberal
em certas questões, como em relação ao comércio (MOTTER, 1998). Em um de seus
numerosos pronunciamentos, voltado a questão do fechamento do comércio de Porto Alegre
aos domingos, ele colocou-se veementemente contra.

302
MALRGS: Anais da Assembleia Legislativa do Rio Grande do Sul, 22ª Legislatura, 1885, p. 89-90.
303
Esse distrito era compreendido por zonas dos municípios de São Leopoldo, Montenegro e São Sebastião do
Caí.
304
MALRGS: Listagem em meio digital das Legislaturas da Assembleia Provincial do Rio Grande do Sul.
212

[...] eu não creio que esta casa cuja a maioria é liberal, e que tem uma posição que em
assuntos econômicos têm manifestado sempre adiantado espírito liberal, não creio que
esta casa, em tais condições, possa aprovar estas posturas da câmara municipal de
Porto Alegre, sem cometer um verdadeiro atentado contra a liberdade de comércio.
[...] se o comércio de Porto Alegre quiser dar folga aos seus caixeiros nos domingos,
está inteiramente nas suas mãos faze-lo, ele é o dono de sua casa e procederá como
bem entender. O que não posso admitir é que uma Assembleia, liberal em sua maioria,
vá cometer o atentado de impor ao negociante a obrigação de fechar as suas portas
aos domingos, privando-o do serviço dos seus empregados, quando talvez deles
urgente necessidade tenha [...].305

Em outro pronunciamento, feito quando estava sendo discutida na Assembleia Legislativa


a possibilidade de subsídio à fábrica de tecidos Rheingantz de Rio Grande, Koseritz foi
contrário a tal proposta, dizendo ser grande adversário de tudo que fosse oposto ao livre
desenvolvimento do comércio e da indústria, como o privilégio em discussão.306 Ele foi
enérgico defensor dos colonos e imigrantes de origem germânica em questões étnicas. Como
explica Motter (1998), alguns deputados luso-brasileiros defendiam a ideia de que as
características culturais, que distinguiam os imigrantes da população provincial, constituíam-se
em empecilho para que estes pudessem efetivamente integrar-se. O discurso desses deputados,
como Rodrigues Lima, evidenciava certo ressentimento com a dinamização econômica vivida
pela região colonial, vista como concorrente das demais regiões. Frente a isso, destacou-se a
atuação de Koseritz. Mas essa não foi a principal pauta relacionada aos imigrantes germânicos.
Houve maior movimentação na afirmação da necessidade de assimilar a população de origem
germânica da Província à realidade brasileira.
Segundo Motter (1998), o discurso da valorização do trabalho do colono alemão foi
amplamente utilizado por Koseritz para justificar os projetos relacionados as regiões coloniais.
Esse aspecto atribuído à população de origem germânica foi encarado como positivo por
aqueles Deputados entusiasmados com a modernização de questões relacionados ao trabalho.
Apesar de manterem reservas quanto ao elemento teuto, o concebendo como refratário a uma
efetiva integração na vida nacional, o percebiam como capaz ao trabalho e a disciplina,
qualidades indispensáveis para aquele momento de mudança da hegemonia da mão-de-obra
escrava para a livre. Era necessário dar ao trabalho uma conotação positiva e diferenciada
daquela que, até então, o depreciava por estar ligado à escravidão (MOTTER, 1998).
A denúncia dos problemas da população teuto-brasileira relacionados à religião também
foram muito presentes na atuação de Koseritz. Visto que a religião oficial do Estado Imperial
brasileiro era a Católica, ficavam prejudicados aqueles que professavam crença distinta, como

305
MALRGS: Anais da Assembleia Legislativa do Rio Grande do Sul, 21ª Legislatura, 1884, p. 24.
306
Ibidem.
213

foi o caso de expressiva parcela dos imigrantes e colonos germânicos, ligados aos cultos
evangélicos e luteranos. Apesar de ter sido agnóstico e anticlerical, e ter travado uma verdadeira
guerra através da imprensa com os clérigos teutos, tanto católicos quanto luteranos, salienta
Motter (1998), Koseritz atuou em prol das questões religiosas envolvendo os teuto-brasileiros.
Para concluir este trabalho, ainda que nosso recorte temporal esteja limitado ao ano de
1881, vamos traçar de modo geral o fim que cada um dos quatro personagens aqui estudados
teve. Tratamos, ainda que indiretamente, da ascensão política deles, cujo ápice foi o ingresso
na Assembleia Legislativa Provincial do Rio Grande do Sul, e agora vamos mostrar seu ocaso,
após a promulgação da República, em 1889.
Participante ativo do Partido Liberal, o Barão von Kahlden foi líder político do mesmo
na região da Colônia Santo Ângelo, tendo sido eleito Deputado como seu representante, junto
a figuras destacadas como Gaspar Silveira Martins e Karl von Koseritz. A trajetória parlamentar
dele foi abreviada com o advento da República, quando o Partido Republicano Rio-grandense
(PRR) tomou o poder no Rio Grande do Sul. Os trabalhos da Assembleia Legislativa foram
interrompidos e Kahlden perdeu o cargo, passando a enfrentar uma violenta repressão aos
liberais (WERLANG, 1995). De acordo com René E. Gertz (2010), uma carta de Agudo,
publicada no Deutsche Zeitung em 6 de maio de 1889, reflete o contentamento de alguns
colonos com o fim da Monarquia, sobretudo por conta da perda de prestígio do Barão von
Kahlden. Segue o trecho publicado (GERTZ, 2010, p. 42).

Como fomos libertados do jugo que oprimiu a colônia Santo Ângelo por cerca de 30
anos, nós atiradores da Picada Bohemia fizemos a festa de sagração de nossa bandeira
sem nosso jugo, isto é, sem nosso sócio-honorífico, senhor barão von K., que agora,
graças a Deus está neutralizado.

A República representou, de forma concreta, o fim do domínio do Barão von Kahlden em


Santo Ângelo. Dessa forma, na região de Cachoeira do Sul, assumiram o poder grupos políticos
ligados à Júlio de Castilhos e ao PRR. A Intendência de Agudo passou a ser exercida por Paulo
Magnus Helberg (1890-1896), Roberto Homrich (1896-1904) e o Coronel Dionísio da Fonseca
Reis, que ficou no cargo durante mais de 20 anos, de 1904 a 1927 (WERLANG, 1995). O Barão
von Kahlden havia, pois, perdido seu prestígio político e não tinha mais como manter seu status
através da rede de relações vantajosas com partidários liberais e outros indivíduos alocados em
cargos públicos de destaque. Os tempos eram outros. Residindo em Porto Alegre, o Barão
passou a ter problemas de saúde e foi buscar tratamento no Rio de Janeiro. O único vestígio da
passagem dele pela, então, Capital Federal, foi uma carta que enviou ao Sr. Coronel Isidoro
Neves da Fontoura, em 8 de junho de 1908, em que pedia um favor,
214

Cansado da má criadagem que só se encontra atualmente nesta Capital, lembrei-me


dirigir-me para os lados de Cachoeira e ver se por lá poderiam achar o que
necessitamos. E encontrando por obra do acaso estes dias passados na rua o Sr. Pedro
Lopes fiz-lhe o pedido de ajudar-me no sentido de acolá, se possível fosse, conseguir
os meus fins. [...] No verso da inclusa carta se acham por mim expressas as nossas
condições de serviço e que lhe rogo tomar em consideração na contestação desta que
de vos solicito. Pedindo desculpa desta maçada e desde já lhe agradecendo o favor
que certo estou me fareis me subscrevo com a maior consideração e o devido respeito.
Vosso antigo afeiçoado amigo. Barão von Kahlden.307

Pelo visto, o Barão não havia se acostumando com uma realidade sem escravos. De
qualquer forma, ele não voltou mais ao Rio Grande do Sul, pois veio a falecer em 1910, no Rio
de Janeiro. Foi enterrado no jazigo 6278, aléia 8, no cemitério São João Batista (WERLANG,
1995).

Figura 12 – Maioria Liberal da Assembleia Provincial em 1889. Setas em Karl von Koseritz,
Fredrico Haensel e Karl von Kahlden.

Da esquerda para a direita e primeiro os sentados: 1. José Francisco Diana; 2. Severino de Freitas Prestes; 3.
Joaquim Pedro Salgado; 4. Gaspar Silveira Martins; 5. Joaquim Pedro Soares; 6. Francisco Carlos de Araújo
Brusque; 7. Antônio Eleutério de Camargo. De pé, da esquerda para a direita: 8. Joaquim Antônio Vasques; 9.
Orlando Carneiro da Fontoura; 10. Alfredo Pinheiro Machado; 11. Albino Pereira Pinto; 12. Antônio Ferreira
Prestes Guimarães; 13. Carlos Von Koseritz; 14. Luiz Henrique Moura de Azevedo; 15. José Manoel da Silva
Só; 16. Frederico Haensel; 17. Barão de Kalden; 18. Pedro Pereira Maciel; 19. João de Deus Martins; 20. Pedro
Baptista Corrêa da Câmara; 21. Bento Soares de Oliveira; 22. Diniz Dias Filho.
Fonte: SOARES, Débora Dornsbach; ERPEN, Juliana (Orgs.). O Parlamento Gaúcho: da Província de São
Pedro ao Século XXI. Porto Alegre: Assembleia Legislativa do Rio Grande do Sul, 2013, p. 33.

307
AHMCS: Carta do Barão von Kahlden. Museu Municipal de Cachoeira do Sul. 8 de junho de 1908.
215

O golpe republicano de 1889 gerou momentos de perturbação no Rio Grande do Sul,


aproveitado por alguns republicanos que se lançaram a perseguir liberais no intuito de
enfraquecer, e mesmo liquidar, com a oposição. Em 1890, havia assumido interinamente o
governo republicano provincial Francisco da Silva Tavares, antigo militante do Partido
Conservador, que ingressara há pouco tempo no partido republicano. O novo governante
promoveu o expurgo dos adeptos do castilhismo, que reagiram. Aproveitando-se das
festividades do 13 de Maio, promoveram um golpe para derrubar Silva Tavares, que, sem o
apoio da chefia militar, acabou se afastando do governo. Provisoriamente, entre 13 e 24 de
maio, o General Carlos Machado Bittencourt, Comandante das Armas no Rio Grande do Sul,
assumiu o Governo do Estado (ALVES, 2000), e durante esse breve período, houve
perseguições e atentados aos opositores dos republicanos. Nesse contexto, Karl von Koseritz
foi um dos representantes do Partido Liberal que vivenciou a perseguição política desencadeada
após a noite das festividades do 13 de Maio. O relato por ele deixado em carta escrita no dia 30
de maio de 1890,308 mesmo dia de sua morte, retrata, pois, aquele momento.
A carta foi escrita como uma mensagem de despedida aos sul-rio-grandenses e, ao mesmo
tempo, como resposta ao jornal A Federação, por ter, segundo Koseritz, omitido os reais
motivos de sua “[...] violenta e arbitrária prisão [...]” (KOSERITZ, 1980, p. 281). O texto
redigido precede a programada viagem de Koseritz e sua família para a Europa em busca de
segurança e calmaria frente a perseguição sofrida por ele, a qual até mesmo teria afetado a saúde
de pessoas de sua família. A prisão de Koseritz ocorreu na manhã do dia 14 de maio de 1890.
Ele e a família almoçavam na Chácara das Pedras Brancas, propriedade de José Vicente da
Silva Teles. Haviam procurado refúgio temporário naquela residência a fim de dar “[...] alívio
para a saúde de duas filhas minhas, cujo sistema nervoso sofrera grave perturbação pelos
temores que lhes haviam inspirado os últimos sucessos políticos, desde 15 de novembro”
(KOSERITZ, 1980, pg. 282). Portanto, a perseguição aos Liberais do Rio Grande do Sul por
parte dos republicanos já era prática corrente menos de um ano após a Proclamação da
República.
A liberdade de Koseritz veio após oito dias de prisão, dos quais ele diz não ter queixa. O
que o entristecera fora a ilegalidade de sua prisão e ao aparato bélico de que fora revestida nos
primeiros dias. Depois de liberado, Koseritz foi para Porto Alegre e, como lhe solicitado,
compareceu a chefia de polícia, onde o major Guillon pediu desculpas a ele em vista do rigor

308
KOSERITZ, Carl von. Imagens do Brasil. Tradução, notas e prefácio de Afonso Arinos de Melo Franco. Belo
Horizonte: Editora Itatiaia, São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 1980, p. 281-294.
216

da prisão nos primeiros dias e afirmou, sem rodeios, que o cárcere de Koseritz fora de caráter
político. Então, não restaram dúvidas para ele, que afirma com total convicção ter sido vítima
de perseguição política por parte dos republicanos do jornal A Federação (KOSERITZ, 1980).
O projeto de hegemonia republicana já era visível neste momento, e Koseritz foi uma de suas
vítimas. Os conturbados acontecimentos que viveu possivelmente levaram a sua morte
repentina na madrugada do dia 30 de maio, pouco depois de redigir sua carta de despedida.
Após o falecimento de Karl von Koseritz, as colônias alemãs do Rio Grande do Sul
tomaram como seu porta voz Frederico Haensel. Integrado ao Partido Liberal, utilizou sua
habilidade como jornalista para advogar pelas ideias de Gaspar Silveira Martins, razão pela qual
sofreu represália por parte dos republicanos. No final do mês de outubro de 1892, em Santa
Maria, foram apreendidas cartas do coronel José Facundo Tavares, destinadas aos federalistas
do interior do Estado, que davam provas de que um movimento estava sendo planejado. Sob
este caso noticiou o jornal local, O Combatente, informando que as cartas teriam sido
“apreendidas num dos quartos do Hotel Leon”. Para averiguações, foram detidos no quartel da
Guarda Municipal os Srs. “Felisberto Barcelos, major João Schell, tenente Ozorimbo Corrêa e
Ernesto Silva”. A folha informava ainda que os últimos três indivíduos foram soltos alguns dias
depois e o primeiro seguiu escoltado para a capital, por ser o portador “das correspondências
contra o governo” (PISTOIA, 2009). Essa descoberta ensejou que vários líderes federalistas,
residentes na capital, sofressem fortes represálias, inclusive fossem presos, como ocorreu com
José Facundo da Silva Tavares. Por sua vez, Frederico Haensel também sofreu as consequências
da descoberta da carta que continha informações sobre um levante planejado pelos federalistas.
Ele foi perseguido por republicanos, e na ocasião de sua prisão recebeu um balaço nas costas,
sendo assassinado (PISTOIA, 2009).
Dessa forma, Karl von Kahlden, Karl von Koseritz e Frederico Haensel sofreram
represálias com a ascensão dos republicanos ao poder geral e provincial, mais rígida aos dois
últimos. Em relação a Wilhelm ter Brüggen, não há referências a perseguições ou represálias.
Entretanto, em pequena nota de 4 de junho de 1890, o Deutsche Zeitung noticiava que ter
Brüggen e a esposa haviam viajado para a Europa no “Rio Paraná”, sem data para voltar. 309
Eles retornaram. D. Hedewiges faleceu em 21 de fevereiro de 1900, e quatro anos depois, a 4
de março, o Cônsul ter Brüggen ia a óbito.
Ele deixou um testamento, no qual dizia ser brasileiro naturalizado, natural de Colônia,
Império da Alemanha e casado com Hedewiges ter Brüggen, já falecida, com a qual tivera dois

309
„Wilhlem ter Brüggen und Gemahlin find mit dem „Rio Paraná“ nach Europa gereist. Ob für immer oder nur
zeitweilig ist noch unbestimmt“. BM/PUCRS: Deutsche Zeitung, 04/06/1890.
217

filhos, Clara ter Brüggen Schmitt e Edgard ter Brüggen. Declarava que possuir trinta e quatro
contos e quinhentos mil réis (rs 34:500$000), em dinheiro, na casa A. Schültz e Cia. Deixou
para sua enfermeira, Lina Parlasca, “pelos bons serviços que tem prestado na minha moléstia”,
a quantia de um conto de réis, mais os salários que lhe eram devidos e as despesas de sua viagem
de volta para a Europa, estabelecida em contrato. Deixou para sua filha a quantia de oito contos
e quinhentos mil réis (rs 8:500$000), passando tal quantia, no caso da morte dela, para a neta,
Clara. Deixou um conto de réis para sua neta Agnes, e um conto de reis ao neto Roberto
Wilhelm Schmitt.310

310
APERS: Testamento de Wilhlem ter Brüggen.
218

CONCLUSÃO

A partir de nosso estudo, identificamos semelhanças entre as trajetórias políticas de


Kahlden, Haensel, Koseritz e ter Brüggen, que nos permitem agrupá-los em um grupo
especifico, distinto da grande maioria dos imigrantes germânicos instalados no Rio Grande do
Sul e dedicados ao trabalho na pequena propriedade, nos trabalhos manuais e no comércio. O
primeiro aspecto de diferenciação reside no fato de terem se engajado na Legião Alemã dos
Brummer, um contingente de 1.800 homens que também se constituiu como exceção frente a
maior parte dos imigrantes, uma vez que vieram como mercenários e tiveram a liberdade de
decidir ao fim do serviço militar entre um lote de terra, prêmio em dinheiro ou passagem de
retorno a Europa. Portanto, não estavam obrigados ao trabalho agrícola. Este fator, é lícito
aferir, possibilitou e facilitou a atuação de muitos Brummer em profissões desvinculadas do
cultivo na pequena propriedade, entretanto, essa opção traz em sua explicação outro elemento.
O recrutamento dos Brummer contemplou um contingente considerável de soldados do
dissolvido exército de Schleswig-Holstein, envolvidos nos movimentos liberais da década de
1840, na Europa, estando muitos deles ligados à nobreza e possuindo formação educacional
acima daquela a que tinha acesso o grosso da população. Dessa forma, ao se estabelecerem em
Porto Alegre/RS, e nas zonas coloniais, exerceram atividades como as de professores,
advogados, engenheiros, agrimensores, médicos, entre outras.
Nesses postos, assumiram papeis de liderança nas colônias. Politizados, teriam
modificado o desinteresse dos colonos para com a política que parte da historiografia atribuí
aos primeiros tempos da colonização, além de constituírem um grupo que teria avançado na
constituição de uma intelectualidade entre os imigrantes germânicos, visto que até então dizia-
se haver apenas uma preocupação com a sobrevivência e superação dos obstáculos da formação
dos núcleos coloniais. Assim, foram considerados o “fermento” das colônias, por sua atuação
intelectual e política. Nesse sentido, as trajetórias de Kahlden, Haensel, Koseritz e ter Brüggen
expressam tal constatação, sobretudo os dois primeiros, que exerceram cargos públicos de
destaque nas colônias em que residiam, isto é, Diretor da Colônia Santo Ângelo e Vice-Cônsul
da Prússia em Santa Cruz. Todos os quatro exerceram atividades que não exigiram deles a
permanência ou dependência de contratos os obrigando a cultivar lotes coloniais durante
determinado tempo. Foram empregados públicos, comerciantes, jornalistas e políticos.
Exceto Koseritz, que desertou sem receber seus direitos em contrato, pensamos que o
prêmio que Kahlden, Haensel e ter Brüggen receberam após o serviço militar, pode os ter
auxiliado a dar o passo inicial em suas trajetórias bem-sucedidas. O Barão von Kahlden foi
219

oficial na Companhia de Pontoneiros que recebeu sobrevida com o fim do conflito contra Oribe
e Rosas, e a partir dessa experiência atuou na construção de pontes, sua entrada no serviço
público. Por sua vez, Haensel e ter Brüggen começaram no comércio, e provavelmente
investiram seus prêmios nesse ramo. Apenas Koseritz galgou degraus inteiramente através de
atividades intelectuais, ainda que tenha trabalhado como cozinheiro e guarda-livros, atuando
como professor e jornalista. A colocação deles em empregos públicos demonstra como os
Brummer, pelos diferenciais acima apontados, ocuparam posições de destaque e em atividades
distintas.
A questão da Fronteira reitera a especificidade da Legião Alemã, pois podemos
considerá-la como o agente mobilizador da vinda dos Brummer ao Brasil. Entre os principais
objetivos do empreendimento desenvolvido pelo Governo imperial brasileiro para a
colonização do Rio Grande do Sul com elementos europeus através da pequena propriedade,
residia a proteção das Fronteiras meridionais. A intenção era povoar o território para efetivar
ali o domínio do Império, além de ter nos colonos mão-de-obra para a produção de alimentos e
subsídios aos soldados aquartelados na região, e força de reserva em momentos de precisão. No
caso dos Brummer, foram trazidos para atuarem justamente em um conflito fronteiriço. Ainda
que em 1851 a influência de Rosas já não representasse tantos perigos ao território rio-
grandense, a mobilização de forças mercenárias foi uma resposta à dinâmica do espaço
fronteiriço platino. Ao mesmo tempo, o recrutamento do contingente de soldados proveniente
da dissolução do exército de Schleswig-Holstein decorreu de um conflito ligado a questões
fronteiriças, nesse caso a Fronteira entre Dinamarca e o território germânico.
Outro ponto relacionado com esse tema, diz respeito a experiência vivida durante a
longa marcha da Legião Alemã ao campo de batalha, vivida pelo menos por Haensel e ter
Brüggen, já que Kahlden e Koseritz ficaram em Rio Grande. Como apresentamos no primeiro
capítulo, os mercenários do Império encontraram muitas dificuldades para se adaptarem ao
cenário fronteiriço, sobretudo as longas distâncias a vencer nos campos e as variações
climáticas. Com o tempo, foram vencendo essas limitações e construindo uma nova identidade,
tanto pela força do cotidiano quanto pelo contato com os soldados brasileiros e demais
indivíduos encontrados no caminho, habitantes da Fronteira. No fim, já atravessavam trechos
enlameados sem maiores problemas, comiam churrasco e marchavam com eficiência. O fato
dos personagens aqui abordados serem Brummer, portanto, foi imprescindível para o início de
suas jornadas políticas, com maior peso para uns do que para outros, assim como a questão da
Fronteira, cuja relevância se encontra em sua característica de agente mobilizador da migração
deles para o Brasil.
220

Os casamentos dos personagens estudados constituem mais uma de suas similaridades,


e foram prováveis promotores da inclusão e ascensão social deles. Haensel, cujas atividades
estiveram diretamente relacionadas ao comércio, uniu-se em matrimônio a Ernestina, filha de
Nicolau Hasslocher, o qual atuava em atividades comerciais. A união foi dupla, pois além do
casamento, Haensel virou sócio de seu sogro, com a Companhia Haensel, Hasslocher & Cia.
Não sabemos ao certo qual união veio primeiro, mas certamente elas foram de suma
importância para Haensel tornar-se um indivíduo destacado entre os teuto-brasileiros. Por sua
vez, ter Brüggen casou com Ernestine, aliás viúva de Nicolau Hasslocher, filha de Friedrich
Christian Klinglhoeffer, o “Pastor Farroupilha”. Dessa forma, ele se uniu com uma
representante de importante família na história da Imigração alemã no Rio Grande do Sul.
Já Kahlden e Koseritz tiveram núpcias com filhas de estancieiros. Enquanto Kahlden
casou com Carolina Cândida Gomes da Silva, filha de Antônio Cândido Gomes da Silva,
proprietário em Cachoeira; Koseritz se uniu a Zeferina Maria de Vasconcelos, filha de um
estanceiro de Pelotas. Portanto, os casamentos foram instrumentos para se ligarem a famílias
destacadas. Para Haensel e ter Brüggen, a estratégia foi somar-se a importantes famílias de
origem germânica; e Kahlden e Koseritz buscaram adentrar em núcleos familiares de nacionais
com posses.
É interessante apontar que todos os quatro personagens construíram sua trajetória
política atuando dentro das estruturas do Complexo Colonial, tanto em empregos públicos como
através do comércio, da imprensa e da participação em associações e sociedades germânicas.
Eles foram figuras destacadas entre os teuto-brasileiros, e fizeram parte da elite dos imigrantes
alemães no século XIX. A forte presença deles nas variadas áreas que compunham o Complexo
Colonial foi um indicativo de distinção e, ao mesmo tempo, a forma como encontraram para
ascender socialmente naquela sociedade com restrições aos estrangeiros. Claro que as
atividades comerciais e na imprensa proporcionaram contato com um grupo maior do que o dos
alemães e seus descendentes, afinal eles foram eleitos Deputados na década de 1880 quando
ainda havia um reduzido número de eleitores provenientes das colônias, mas sua atuação teve
maior representatividade nos núcleos coloniais e entre a população teuta. Portanto, foram
imigrantes germânicos que se destacaram entre seus pares.
O exercício de cargos públicos teve maior peso para Kahlden e ter Brüggen, pois o
primeiro foi diretor colonial durante vinte e cinco anos, enquanto o segundo foi Cônsul durante
vinte anos. Sem dúvida, Koseritz teve na imprensa seu instrumento de atuação política e
distinção social. Já Haensel encontrou nas atividades comerciais o dito destaque. Ainda assim,
os cargos públicos colocaram todos eles na situação de autoridades, alguns por mais tempo do
221

que outros. Foram mediadores entre a Presidência da Província e as reivindicações dos


imigrantes germânicos, isto é, conduziram relações de poder e delas fizeram parte, exercendo
aquele tipo de política desvinculada do pleito eleitoral e dos meandros político-partidários.
Representaram o político no sentido que a Nova História Política dá a ele. Assim, nosso trabalho
somou à historiografia da imigração germânica que cada vez mais está preocupada, justamente,
com essas novas acepções, deixando de lado a política unicamente vinculada às instituições e
ao exercício dos grandes indivíduos. Ao mesmo tempo, os empregos públicos possibilitaram a
eles outro elemento de distinção frente ao grupo maior de imigrantes, e de semelhança entre si.
Também, os alçou ao rol dos imigrantes alemães de destaque no século XIX no Rio Grande do
Sul.
Como assinalamos anteriormente, a ocupação de cargos em empregos públicos foi nossa
principal preocupação no desenvolvimento deste trabalho para demonstrar a atuação política
dos personagens estudados antes de 1881. Assim, contribuímos para possíveis novos estudos
centrados no envolvimento de imigrantes germânicos com a política, em suas variadas formas
e interpretações, servindo como instrumento e certo direcionamento. Da mesma forma, abrimos
novas possibilidades quanto ao estudo dos Brummer. Ainda há poucos estudos dedicados a esse
grupo de grandes especificidades, que certamente pode oferecer pesquisas proveitosas a quem
aventurar-se a pesquisar suas trajetórias, mas não só isso, os relatos de legionários oferecem
acesso ao olhar dos imigrantes sobre o Brasil e o Uruguai, sobre os costumes e modos de ser
dos habitantes do séc. XIX daquele contexto meridional, sobre o exército brasileiro e mesmo a
respeito da paisagem fronteiriça em seus aspectos topográficos, hidrográficos e botânicos.
Ainda, é possível a realização de estudos relativos àqueles Brummer que permaneceram em
Montevidéu e Buenos Aires, mas sobretudo aos que construíram suas vidas no Rio Grande do
Sul e teriam constituído o fermento das colônias alemãs. Ao mesmo tempo, dedicamos espaço
aos legionários germânicos para trazer novas perspectivas de sua participação na Guerra contra
Oribe e Rosas frente as abordagens até então existentes, muito engessadas no destaque aos
aspectos técnicos e militares das tropas legionárias.
Portanto, faltam estudos não só voltados aos primeiros tempos dos Brummer, isto é,
sobre a vida destes homens nos Estados germânicos, o envolvimento de muitos deles na Guerra
de Schleswig-Holstein contra a Dinamarca, o processo de recrutamento desenvolvido por Rego
Barros e seus agentes, a viagem para o Brasil, a estada no Rio de Janeiro, a passagem pelo Rio
Grande do Sul, a grande marcha para Colônia de Sacramento, tanto de ida quanto de volta, e a
participação na decisiva batalha de Monte Caseros; como também, e principalmente, faltam
trabalhos dedicados a permanência desses legionários no Rio Grande do Sul: para onde foram,
222

como foram recebidos, como conviveram com a herança do título de mercenários em seu
sentido pejorativo, de que forma se inseriram na sociedade rio-grandense e se de fato
constituíram o fermento das colônias alemãs, isto é, se teriam despertado o envolvimento
político dos colonos, e representado a gestação de uma preocupação maior com a educação das
comunidades alemãs.
Acabamos deixando de abordar com maior atenção a atuação política dos personagens
aqui tratados na imprensa, sobretudo Koseritz, pois essa questão exige esforços a um trabalho
específico. Há uma quantidade considerável de fontes documentais para tanto, como os
exemplares do Deutsche Zeitung e do Kosertiz Deutsche Zeitung existentes e disponíveis para
consulta no Espaço Delfos, da Pontifícia Universidade Católica de Porto Alegre. A tese de
Tiago Weizenamnn (2015), por exemplo, dá maior espaço para a questão da imprensa, ainda
assim, a produção de Koseritz foi tão ampla e variada que não há como tratar satisfatoriamente
da mesma sem lhe dedicar centenas de páginas. Frente a isso, também deixamos de contemplar
a presença de Haensel e ter Brüggen na imprensa. Assim, fica aqui a consideração de que essa
lacuna em minha Dissertação poderá oferecer a outros pesquisadores um objeto a investigar.
Outros espaços de atuação política e distinção social nos quais encontramos Kahlden,
Haensel, Koseritz e ter Brüggen foram a maçonaria e as sociedades e associações de recriação
e beneficência. Fora Kahlden, para o qual não encontramos provas de que foi maçom, ainda
que haja convicções quanto a isso, sabemos que os demais assim o foram, aliás, Koseritz se
destacou nesse meio. Na maçonaria tiveram contato com personalidades destacadas da Capital,
tanto entre seus pares germânicos, quanto com autoridades nacionais. Ali encontraram um
ambiente de sociabilidade no qual circularam grandes intelectuais e políticos do século XIX do
Rio Grande do Sul, e certamente os vínculos firmados possibilitaram a eles oportunidades e
alianças políticas. Enquanto membros da maçonaria, portanto, defenderam a laicidade do
Estado e combateram aquilo que consideravam imoral na Igreja Católica, sobretudo voltando
suas críticas aos Jesuítas. Fizeram parte da loja Zur Eintracht, voltada aos alemães de Porto
Alegre, e a partir dela ampliaram a maçonaria para as colônias alemãs, na fundação de lojas
como a Lessing, em Santa Cruz; Germânica, em Candelária; Força e União, em Novo
Hamburgo; e Concórdia, em Três Coroas, assim, ampliando também suas redes de
sociabilidade entre os integrantes destacados dos núcleos coloniais.
Da mesma forma, a presença deles em associações e sociedades recreativas e
beneficentes denota não só a importância de se fazer ativo junto à comunidade alemã, como
também envolver-se na manutenção e construção da identidade teuto-brasileira. Podemos
considerar, ainda, que a participação na Deutscher Turnverein, aqui contemplados ter Brüggen
223

e Koseritz, foi uma forma de relembrar os tempos no serviço militar, afinal aquela era uma
sociedade de tiro. Por sua vez, a presença de ter Brüggen e Haensel na Associação Beneficente
Alemã, a Deutscher Hilfsverein, pode ser compreendida como uma forma de estar envolvido
com a filantropia, e assim levar a um público maior o discurso da maçonaria. Wilhelm ter
Brüggen foi presidente tanto da Deutscher Turnverein como da Deutscher Hilfsverein, portanto,
teve elevado destaque dentro das organizações sociais da elite teuta de Porto Alegre. Esses dois
espaços sociais agregam grande distinção a Haensel, ter Brüggen e Kahlden dentro do grupo
teuto-brasileiro de Porto Alegre, visto que estiveram entre os fundadores das ditas sociedades,
e representaram espaços de sociabilidade e possibilidades para acordos políticos e comerciais.
Em relação ao envolvimento de Kahlden e Koseritz na Guerra do Paraguai, isto é, em
seus esforços para o engajamento de voluntários entre os teutos da Colônia Santo Ângelo e de
Porto Alegre, fica evidente o destaque dos dois entre seus pares, visto que a autoridade e o
reconhecimento deles permitiram que mobilizassem forças para atuarem naquele conflito.
Ainda que o Barão von Kahlden não tenha efetivamente formado um corpo de voluntários
alemães, conseguiu para tanto uma autorização do Ministério da Guerra. Já Koseritz, reuniu
nomes importantes da Capital e conseguiu os convencer a incentivarem o recrutamento
voluntário entre os teutos, e também deu destaque ao conflito nas páginas de alguns dos jornais
nos quais era redator, inclusive tendo um enviado especial para esse fim. A mobilização, quanto
a Kahlden, pode ser representativa da ligação com o passado militar de Brummer, e em relação
a Koseritz possivelmente tenha relação com sua defesa de uma participação mais efetiva dos
teuto-brasileiros no exercício da cidadania, incluindo aí o auxílio ao país em momentos
belicosos.
Quanto a atividade comercial nos núcleos coloniais, exercida principalmente por
Haensel e ter Brüggen, se destaca que a ascensão de sua importância dentro do complexo
colonial e na Província do Rio Grande do Sul se deu no mesmo período da ascensão política do
Partido Liberal. Assim, houve alianças entre os liberais e comerciantes dando um acréscimo de
forças ao projeto do partido no Rio Grande do Sul. Estabeleceu-se, então, um arranjo entre a
elite pecuarista e os setores econômicos dominantes da região colonial, tendo um defensor dos
estrangeiros e acatólicos o tribuno do Partido Liberal, Gaspar Silveira Martins. Ciente da
importância cada vez maior dos comerciantes enquanto lideranças dos núcleos coloniais e após
a aliança dos liberais com alguns destes líderes, houve campanha de membros do Partido
Liberal para englobar politicamente os imigrantes alemães. Assim, Gaspar Silveira Martins
trabalhou no Senado para tornar realidade a lei Saraiva de 1881, que estendeu a elegibilidade
aos acatólicos e estrangeiros naturalizados. A partir desta reforma eleitoral, ocuparam os cargos
224

de deputados na Assembleia Legislativa da Província, Frederico Haensel, Karl von Koseritz,


ter Brüggen, Karl von Kahlden e Frederico Bartholomay. Estes Deputados, apesar das
especificidades que compuseram suas trajetórias os diferenciarem da grande maioria dos
colonos das regiões coloniais, foram identificados como representantes legítimos dos interesses
destas regiões. Cabe ressaltar que, mesmo que boa parte da elite econômica colonial tenha se
aliado ao Partido Liberal, isso não englobou a todos. Houve, por exemplo, divergências
político-partidárias nas regiões coloniais já nas últimas décadas da monarquia, além disso,
Wilhelm ter Brüggen foi eleito pelo Partido Conservador.
Por fim, destacamos novamente a Fronteira como agente mobilizador da imigração, uma
vez que representou uma das motivações da execução do projeto colonizador no Rio Grande do
Sul no intuito de legitimar a posse do território rio-grandense por parte do Império brasileiro.
Nesse sentido, tanto o Estado imperial como o Provincial estiveram representados nos núcleos
coloniais pelos empregados públicos, que apesar do reduzido número e das enormes
dificuldades, garantiram a distribuição dos lotes coloniais e a consequente ocupação do
território. Ainda que o projeto colonizador não tenha trazido para o Rio Grande do Sul tantos
imigrantes quanto aqueles que ficaram no Sudeste, por exemplo, garantiu maior proteção das
Fronteiras meridionais. Enquanto empregados públicos, portanto, Kahlden, Koseritz, Haensel
e ter Brüggen representaram esse projeto. Eles deram materialidade a instalação de colonos,
como fez Kahlden em Santo Ângelo, e à recepção e o atendimento de reivindicações de
imigrantes, como fizeram ter Brüggen, Haensel e Koseritz. Antes de 1881, apesar de não
exercerem cargos políticos na Assembleia Provincial e muito menos na Geral, foram atuantes
na política, aqui entendida como o exercício do poder. Foram legítimos representantes dos
colonos e imigrantes, tiveram contato direto com a Presidência da Província e mesmo
autoridades da Corte, foram maçons e destacados integrantes de associações e sociedades teuto-
brasileiras, e, acima de tudo, os primeiros Deputados Provinciais de origem germânica da
Assembleia Legislativa do Rio Grande do Sul.
Em resumo temos que: a vinda deles como Brummer, contemplados pela especificidade
deste grupo, como maior formação e consciência política, e o recebimento de prêmio após o
serviço militar, foram estímulos para uma trajetória com maiores possibilidades, livre da
restrição do cultivo da terra, como ocorria com grande parte dos imigrantes que vinham para o
Rio Grande do Sul. Os matrimônios com mulheres de famílias destacadas e tradicionais foram
instrumentos de propulsão social. Construíram suas trajetórias políticas atuando nas diversas
áreas componentes do Complexo Colonial, recebendo grande destaque em empregos públicos,
que os alçaram a condição de autoridades entre a população de imigrantes germânicos e
225

mediadores das reivindicações desta perante a Presidência da Província. Fizeram parte de


sociedades e associações recreativas e beneficentes, inclusive estando presentes na fundação de
algumas delas, se fazendo presentes naqueles espaços de sociabilidade. Na maçonaria,
ampliaram suas redes de contatos, tanto com figuras importantes da Capital quanto com
lideranças dos núcleos coloniais, além disso, exerceram ali suas inclinações políticas. O
envolvimento no engajamento de voluntários para a Guerra do Paraguai demonstra como eram
representativos entre seus pares e, ao mesmo tempo, remete ao seu passado enquanto Brummer
e a preocupação de incluir os alemães na defesa do Império brasileiro. Através do comércio,
alguns deles se alinharam ao Partido Liberal, além disso, as atividades comerciais foram fontes
de enriquecimento e destaque entre os imigrantes alemães e seus descendentes.
Por fim, destaco que meu trabalho de pesquisa contribuiu para a historiografia sobre a
Imigração Alemã ao trazer questões referentes à participação política de imigrantes no século
XIX, no Rio Grande do Sul, assunto esse pouco tratado, pois a atenção maior dos trabalhos
semelhantes recai sobre o séc. XX. Ainda, explorei diversas fontes que podem auxiliar outros
trabalhos, e tratei quatro personagens com grandes potencialidades para protagonizarem outras
pesquisas, uma vez que abarquei poucos aspectos de suas trajetórias, que descobri serem tão
ricas. Apresentei, também, um aspecto ainda pouco trabalhado da vida de Karl von Kosertiz,
um dos imigrantes germânicos mais aclamados pelas pesquisas históricas da imigração alemã,
que foi sua atuação como empregado público do complexo colonial da Província do Rio Grande
do Sul. Para a pesquisa desenvolvida nesta Dissertação foi imprescindível o auxílio de bolsa
CAPES/DS e a excelência e gratuidade do Ensino Superior Público.
226

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Subsérie 1: Correspondência Recebida; Caixa 18.

AHMCS: Fundo A: Câmara Municipal; Grupo 1: Secretaria; Série A: Serviço de Expediente;


Subsérie 7: Registros Gerais; Caixa 22.

AHMCS: Fundo A: Câmara Municipal; Série D: Organização e Funcionamento; Subsérie 2:


Cartas de Títulos e Terrenos; Caixa 12.

AHMCS: Livros de Contratos; CM/OF/TA – 006.

AHMCS: Livros de Contratos; CM/OF/TA – 005.

AHMCS: CM/OF/TA – 007.

AHMCS: CM/S/SE/CR – 017.


234

AHMCS: Livro de Títulos. CM/S/SE/RC – 004.

AHMCS: Registros de Votantes; CM/E – 009.

AHMCS: Registros de Votantes. CM/E – 016.

AHMCS: Carta do Barão von Kahlden. Museu Municipal de Cachoeira do Sul. 8 de junho de
1908.

 Arquivo Histórico do Rio Grande do Sul

AHRGS: Documentos Consulares. Caixa 3, Maço 5-6.

AHRGS: Livro de Matrículas de Cônsules e Relação de Agentes Consulares do Rio Grande


do Sul.

AHRGS: Documentos Consulares. Caixa 3, Maço 5-6. Consulado da Prússia 1867 – Porto
Alegre.

AHRGS: Documentos Consulares, Caixa 11, Maço 22.

AHRGS: Colonização. Lata 296. Maço 66.

AHRGS: Colonização; Colônia Santo Ângelo; Caixa 11; Maço 22.

AHRGS: Documentos Consulares, Caixa 14, Maço 27.

AHRGS: Documentos da Imigração e Colonização Alemã. Órgãos de Colonização


(Correspondência). Caixa 16. Maço 25-26.

AHRGS: Documentação da Junta Comercial. Livro C-472.

AHRGS: Documentação da Junta Comercial. Maço 1.

AHRGS: Documentação da Junta Comercial. Diretoria da Praça do Comércio, 1881.

AHRGS: Documentação da Junta Comercial. Maço 1.Junta Comercial de Porto Alegre, 11 de


agosto de 1880.

AHRGS: Colonização, Lata 296, Maço 66.

 Arquivo Público do Estado do Rio Grande do Sul

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APERS: Inventário de Frederico Haensel.

APERS: Rio Pardo, Livro de Transmissões/Notas, 2º Tabelionato, nº 12, fls. 93 a 95 -


15/02/1851-11/08/1853.
235

APERS: Processo envolvendo a Empresa Haensel, Hasslocher & Cia. 24 de março de 1863.

APERS: Ação Ordinário de Wilhelm ter Brüggen contra José G. Bastos, 25 de setembro de
1863.

 Arquivo Benno Mentz PUCRS

BM/PUCRS: Deutsche Zeitung. Década de 1880.

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